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  • 8/19/2019 MERTON Sociologia Conhecimento Comunicação Massa Parte3

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     ROBERT K. MERTON 

    SOCIOLOGIA

    TEORIA E ESTRUTURA 

    Tradução de

    MIGUEL MAILLET

    &E D I T Ô B A M E S T R E J O U

    SAO PAULO

  • 8/19/2019 MERTON Sociologia Conhecimento Comunicação Massa Parte3

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    Título original

    “SOCIAL THEORY AND SOCIAL STRUCTURE”

    Capa

    Wilson Tadei

    © 1968 by Robert K. Merton1957 by The Free Press, A. Corporation1949 by The Free Press

    Direitos reservados para os países de língua portuguêsa pela

    EDITÔRÀ MESTRE JOURua Martins Fontes, 99

    São Paulo

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    P a r t e I I I A S O C IO L O G IA D O C O N H E C IM E N T O  

    E A S C O M U N I C A Ç Õ E S D E M A S S A  

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    INTRODUÇÃO

    A PARTE III CONSTA DE três capítulos, os dois primeiros revisando criticamente alguns problemas gerais e especiais da sociologia do conhecimento e o terceiro, escrito com a colaboração de Paul P. Lazarsfeld, resumindo um campo limitado de estudos sôbre a sociologia da opinião edas comunicações de massa. A justaposição dos dois campos nada temde casual, pois, embora se tenham desenvolvido em grande parte independentemente um do outro, o alvo desta introdução é de sugerir que se contribuiria ao cultivo eficaz de cada um dêles, unificando alguns dos conceitos teóricos, dos métodos de pesquisa e dos resultados empíricos de ambos. E, para ver as analogias essenciais entre êles, bastará que o leitorcompare o sumário geral da sociologia do conhecimento que oferece o

    Capítulo XIV dêste livro com o sumário geral de pesquisas sôbre comunicações de massa, dado por Lazarsfeld em Current Trenãs in Social Psy-chology,  compilado por Wayne Dennis.

    Realmente, os dois trabalhos podem ser considerados como espéciesdo gênero de investigação que se interessa pelo jôgo recíproco entre aestrutura social e as comunicações. Um apareceu e foi mais assiduamentecultivado na Europa e o outro, até agora, tem sido mais comum nos Estados Unidos. Portanto, se a etiquêta não fôr tomada ao pé da letra, a socio

    logia do conhecimento pode ser chamada de “espécie européia.” e a sociologia das comunicações de massa, a “espécie norte-americana”. (É evidentèque essas etiquêtas não podem ser aplicadas estritamente; afinal de contas, Charles Beard foi durante muito tempo um expoente da versão nartiva norte-americana da sociologia do conhecimento, assim como PaulLazarsfeld, por exemplo, realizou em Viena algumas de suas primeirasinvestigações sôbre as comunicações de massa). Embora as duas especialidades sociológicas se dediquem ao jôgo recíproco entre as idéias e a

    estrutura social, cada uma delas tem seu foco distintivo de atenção.

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    Nesses campos temos instrutivos exemplos das duas ênfases contrastantes na teoria sociológica, descritas anteriormente nestas páginas, (especialmente no Capítulo I e no Capítulo IV). A sociologia da conhecimento pertence em sua maior parte \ao campo dos teóricos globais, em que a amplitude e importância do problema justifica a dedicação a êle, às vêzes completamente à parte da possibilidade presente deprogredir concretamente para além das engenhosas especulações e dasconclusões impressionísticas. De modo geral, os sociólogos do conhecimento figuraram entre os que levantaram a bandeira que dizia: “Nãosabemos se o que dizemos é certo, mas pelo menos é importante”.

    Os sociólogos e psicólogos dedicados ao estudo da opinião pública

    e das comunicações de massa encontram-se com maior freqüência no campooposto dos empíricos, com um lema al£o diferente inscrito em sua bandeira: “Nao sabemos se o que dizemos é especialmente importante, maspelo menos é verdadeiro”. Aqui se deu a maior ênfase à coleta de dadosrelativos ao assunto geral, dados que têm valor essencial como provas,ainda que não estejam imunes à discussão. Mas, até há pouco, houvepequeno interêsse pelo influxo dêsses dados sôbre os problemas teóricos ese confundiu a coleta de informações práticas com a coleta de observações cientificamente pertinentes.

    Esta Introdução não somente servirá para apresentar os capítulos componentes da Parte III, mas também poderá ser de interêsse em si mesma,ao comparar as variantes européias e norte-americanas do estudo sociológico das comunicações. Assim fazendo, ganhamos a forte impressão deque os pontos distintivos a que se dá importância, enlaçam-se às estruturas sociais em tômo das quais se desenvolvem, embora o presente estudo não faça mais que sugerir algumas das conexões possíveis entrea estrutura social e a teoria social, de um modo apenas preliminar a uma

    verdadeira pesquisa do assunto. A comparação tem mais outro objetivo:propugnar a unificação dos campos de pesquisa social relacionados entresi, em busca da feliz combinação dos dois, que possua as virtudes científicas de ambos e nenhum dos vícios supérfluos de um e outro.

    W ISSENSSOZ IO LOG I E    E PESQUISA DAS COMUNICAÇÕES DE MASSA 

     As orientações distintivas dêsses campos de investigação coordenados,

    complementares e que em parte se sobrepõem, constam e são expressosnuma variedade de aspectos relacionados entre si, ou seja: suas matérias esua definição características dos problemas, seus conceitos de dados, suautilização de técnicas de pesquisa e a organização social de suas atividades investigadoras.

     Matéria e Definição de Problemas

     A variante européia dedica-se a desenterrar as raízes sociais do conhe

    cimento, para descobrir os modos em que o conhecimento e o pensamento

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    Sociologia  — Teoria e Estrutura

    são afetados pela estrutura social ambiente. O principal foco de atenção

    6  aqui a formação pela sociedade de perspectivas intelectuais. Nestadisciplina, como sugiro nos capítulos seguintes, o conhecimento e o pensamento são tão frouxamente interligados, que chegam a incluir quasetôdas as idéias e crenças. No entanto, no cerne da disciplina, há uminterêsse sociológico pelos contextos sociais do conhecimento, que estámais ou menos certificado por provas sistemáticas, [isto significa que asociologia do conhecimento interessa-se mais diretamente pelos produtosintelectuais dos peritos, seja na ciência e na filosofia, como no pensamento político ou econômico..

    Embora sentindo também algum interêsse pelo estado presente doconhecimento (ou nível de informação, como o chama característica esignificativamente), a variante norte-americana se enfoca sôbre o estudosociológico da crença popular. Focaliza-se especialmente sôbre a opinião,e não sôbre o conhecimento. Não são essas, naturalmente, diferençasnítidas, como se fôsse entre branco e prêto. Não sendo arbitrária, a fronteira entre uma coisa e outra não tem a clarezapor exemplo de,umafronteira internacional. A opinião matiza-se de conhecimento, o qual

    não é outra coisa senão aquela parte da opiniãosocialmente aprovadapor critérios particulares de prova. E assim como a opinião pode converter-se em conhecimento, o conhecimento pode, de modo igualmente ostensivo, degenerar em mera opinião. Mas, salvo nas margens, a distinçãose mantém e se expressa nos focos distintos de atenção das variantes européia e norte-americana da sociologia das comunicações.

    Se a versão norte-americana interessa-se primordialmente pela opinião pública, pelas crenças das massas, pelo que chegou a chamar-se "cultura popular”, a versão européia concentrarse em tômo de doutrinas maisesotéricas, sôbre os sistemas complexos de conhecimento que se reformame, às vêzes, se deformam, quando passam para a cultura popular.

    Jlssas diferenças de enfoque trazem consigo outras diferenças: a variante européia, ao se interessar pelo conhecimento, chega a lidar coma elite intelectual; a variante norte-americana, preocupada pela opiniãomajoritária, trata das massas. Uma se concentra sôbre as doutrinas esotéricas de uns poucos, a outra sôbre as crenças exotéricas de muitos. Estadivergência de interêsse tem relação imediata com tôdas as técnicas de

    pesquisa, como veremos adiante; é evidente, por exemplo, que uma entrevista investigadora destinada a tirar informações de um cientista oude um literato, diferirá de modo importante de uma entrevista destinadaa pesquisar um perfil transversal da população em geral.

     As orientações das duas variantes demonstram ulteriores correlaçõesque distinguem detalhes sutis. O setor europeu ocupa-se, no plano cognos-citivo, de conhecimento; o  norte-americano, de informação.  O conhecimento implica um corpo  de fatos ou de idéias, enquanto a informação

    não tem tal implicação de fatos ou idéias  sistemàticamente conetaâos.  Emconseqüência, a variante norte-americana  estuda os fragmentos isolados

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    de informação  utilizáveis pelas massas; a variante européia tipicamentepensa numa  estrutura total ãe conhecimentos utilizáveis  por uns poucos.

    Os norte-americanos dão ênfase aos agregados de pedaços separados de informação, os europeus a  sistemas  de teoria. Para o europeu, é essencialanalisar o sistema de princípios em tôda a sua complicada inter-relação,com os olhos postos na unidade conceptual, nos níveis de abstração e deconcretização, e na categorização (p. ex., morfológica ou analítica). Parao norte-americano é essencial descobrir, mediante as técnicas de análisesde fatôres, por exemplo, os feixes de idéias (ou de atitudes) que ocorremempiricamente. O primeiro sublinha as relações que subsistem logicamente,o segundo, as que ocorrem empiricamente. O europeu interessa-se pelasetiquêtas políticas sòmente se o encaminham a sistemas de idéias políticasque êle depois constrói em tôdas as suas sutilezas e complexidade, procurando fazer ver sua (suposta) relação com um ou outro estrato social. Onorte-americano interessa-se pelas crenças políticas descontínuas e só namedida que permitem ao pesquisador classificar (“codificar”) os indivíduos sob uma etiquêta ou categoria política geral, a qual pode depois demonstrar (não supor), que tem uma circulação maior num ou noutro estrato social. Ao passo que o europeu analisa a ideologia dos movimentos

    políticos, o norte-americano investiga as opiniões dos eleitores e dos nãoeleitores.

    Êstes focos de atenção distintiva poderiam ser expostos e exemplificados ainda mais, porém, já se disse o suficiente para indicar que, de umamatéria amplamente comum,va sociologia européia do conhecimento e asociologia norte-americana de comunicações de massas extraem problemasdistintivos para uma interpretação distintiva. E, pouco a pouco, vai surgindo a vaga impressão que, pura e simplesmente, pode ser resumida como

    segue: o norte-americano sabe do que está falando, e isto não é muito;o europeu não sabe do que está falando, e isto é muito.

     Perspectivas de Dados e ãe Fatos

     As variantes européia e norte-americana têm conceitos notavelmentediferentes sôbre o que constitui os dados empíricos brutos, sôbre o queé necessário para converter êsses dados brutos em fatos comprovadose sôbre o lugar dêsses fatos, aos quais st chegou por vários caminhos, no

    desenvolvimento da ciência sociológica.Em geral, o europeu aceita hospitaleiramente e até mesmo cordialmente

    os dados que se candidatam aos status de dados empíricos. Uma impressãoderivada de alguns documentos, especialmente se êsses documentos se referem a um tempo ou lugar suficientemente remoto, será aceita como fatorelativo a correntes de idéias difundidas ou acêrca de doutrinas geralmenteadmitidas. Se a posição intelectual de um autor é bastante alta e o campodas suas realizações bastante amplo, às vêzes suas impressões meramente

    fortuitas das crenças predominantes, serão tipicamente tomadas como rela

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    tórios de fatos sociológicos. Ou então, uma generalização exposta demaneira suficientemente positiva e geral será tomada como dado empírico.

    São tantos os exemplos que é difícil selecionar alguns. Um Mannheim,por exemplo, resumirá o estado mental das “classes baixas no períodopós-medieval”, dizendo que “somente pouco a pouco chegaram a se dar contada sua importância social e política”. Ou êle pode considerar não só importante como verdadeiro que “todos os grupos progressistas consideramque a idéia é anterior ao fato”, quando isto é ostensivamente um assuntode observação cuidadosa e não de definição. Ou êle pode apresentar umahipótese tão instrutiva como a seguinte, formada por várias suposições de

    latos: “ ... quanto mais ativamente colabora um partido em ascensão numacoalisão parlamentar, e quanto mais renuncia aos seus impulsos utópicosoriginais e, com êles, à sua perspectiva mais ampla, mais provável é queseu poder de transformar a sociedade seja absorvido pelo seu interêssje emdetalhes concretos e isolados. Exatamente paralela à mudança que sepode observar na esfera política, produz-se uma mudança na perspectivacientífica que se ajusta às exigências políticas, isto é, o que era uma vezmero esquema formal e opinião total abstrata, tende a dissolver-se na investigação de problemas específicos e separados”. Sugestivo e quase apo-dítico e, se verdadeiro, lançando tanta luz sôbre tudo o que o intelectual

     já experimentou e talvez já observou casualmente no decurso de sua vidanuma sociedade política, êsse enunciado tenta o indivíduo a considerá-locomo fato e não como hipótese E o que mais é, como ocorre freqüentemente com as formulações sociológicas da variedade européia, o enunciado parece abarcar tantos pormenores de experimentação, que o leitorraramente passa a pensar nos vastos trabalhos de investigação empíricaque seriam necessários antes que aquêle enunciado pudesse ser considerado

    como algo mais que uma hipótese interessante. O enunciado adquire ràpi-damente uma situação imerecida, como se fôsse fato generalizado.

    É digno de nata que observações com essas, extraídas da sociologiado conhecimento, pertencem tipicamente ao passado histórico, talvez re-capitulando a conduta típica ou modal de grande número de indivíduos(estratos ou grupos sociais inteiros). Em qualquer sentido empírico estrito, os dados que justificam êsses enunciados sumários tão abrangedores,não foram, é bem de ver, sistemàticamente recolhidos, pela simples e su

    ficiente razão que não podem ser encontrados em lugar algum. As opiniões de milhares de indivíduos comuns do passado remoto só podem serconjeturadas ou reconstruídas pela imaginação; na realidade, perderam-sena história, a menos que se adote a cômoda ficção de que as impressões  dasmassas ou a opinião coletiva assentada por alguns observadores daqueletempo possam ser consideradas como  fatos  sociais comprovados.

    Contrastando com isto tudo, a variante norte-americana dá importância primordial ao estabelecimento empírico dos fatos do caso sob estudo.

     Antes de procurar determinar  por que  certas escolas de pensamento são

    mais inclinadas à “investigação de problemas específicos e separados”,

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    os norte-americanos ^procuram primeiramente averiguar se êste é verdadeiramente o caso.*'Naturalmente, esta atitude, como a da variedade eu

    ropéia, tem os defeitos das suas qualidades. Com muita freqüência, ointenso interêsse pela comprovação empírica conduz prematuramente àrepressão das hipóteses imaginativas: o nariz do pesquisador se põe tãoperto da pedra de amolar empírica, que êle não é capaz de enxergar alémdos limites da tarefa imediata.

     A variante européia, com seus largos objetivos, quase desdenha estabelecer os próprios fatos que se propõe explicar. Passando por cima datarefa difícil e trabalhosa de determinar os fatos do caso e indo direta*

     jnente à explicação dos fatos supostos*, o sociólogo do conhecimento nãoconsegue mais que pôr o carro adiante dos bois. Como tôda a gente sabe,se êste processo contribui de algum modo ao movimento, em geral contribui ao movimento retrógrado — talvez tanto na esfera do conhecimentocomo no campo dos transportes. E o pior é que, às vêzes, os bois desaparecem completamente e o carro teórico fica parado, até ser aparelhadopara novos fatos. A graça do caso é que, mais de uma vez na história daciência, uma idéia explicativa tomou-se fecunda, mesmo quando os fatosque procurava explicar a princípio, se revelaram nem existir como fatos.Mas é evidente que êsses erros frutíferos não podem ser tomados em conta.

     A variante norte-americana, com sua visão limitada, enfoca-se tantosôbre o estabelecimento do fato, que só de vez em quando leva em contaa pertinência teórica dos mesmos, depois que foram estabelecidos. Então,o problema não é tanto que o carro e os bois tenham os seus lugares invertidos; é antes, que muitas vêzes não existe o carro teórico, de modoalgum. Os bois podem, é certo, caminhar para a frente mas, como nãopuxam carro algum, sua rápida jornada é infrutífera, a menos que algum

    europeu chegue, com atraso, para enganchar o seu carro à parelha de bois,Mas, como sabemos, as teorias  ex post fado  são suspeitas, e com muitarazão.

    Estas diferentes orientações para os fatos e os dados relacionam-setambém com a escolha do assunto e a definição dos problemas para investigar. A variante norte-americana, com a importância que concede à confirmação empírica, presta pouca atenção ao passado histórico, já que afé nos dados da opinião pública e nas crenças grupais se toma suspeita

    quando julgada à luz dos critérios aplicáveis a dados comparáveis relativosàs crenças atuais de grupos. Isto pode explicar em parte a tendência norte-americana em tratar primordialmente problemas a curto prazo, comoseja, as reações aos materiais de propaganda, a comparação experimentalda eficiência da propaganda por diversos meios, e assim por diante. Ocesprêzo virtual pelos materiais históricos não resulta da falta de interêsse ou do não reconhecimento da importância dos efeitos a longo prazo,mas unicamente da crença que êsses assuntos requerem dados que nãopodem ser obtidos.

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    Com sua atitude mais acolhedora para com os dados impressionísticosdas massas, o grupo europeu pode dar-se ao luxo de fixar seu interêsse

    em problemas de tão longo prazo como o movimento de ideologias políticasem relação com as mudanças nos  sistemas  de estratificação de classes (nãosimplesmente a passagem de indivíduos de uma classe para outra dentrodo sistema). Os dados históricos dos europeus apóiam-se de maneira típica, sôbre suposições que hoje estão sendo empiricamente testadas pelosnorte-americanos. Assim, um Max Weber (ou algum membro da numerosa tribo de seus epígonos) pode discorrer sôbre as crenças puritanas queprevaleceram no século XVII, baseando suas conclusões fatuais nos relatos

    dos poucos indivíduos letrados, que expuseram suas crenças e as crençasque julgavam ser as dos outros, em livros que hoje podemos ler. Mas,naturalmente, fica intocada e intocável a questão independente de sabermos até que ponto as crenças expostas nos livros representam as crençasda maior parte da população (sem falar das suas diferentes camadas),completamente incapaz de se expressar por si mesma, no que diz respeitoà história. Esta relação entre o que se encontra nas publicações e nascrenças (ou atitudes) reais da população subjacente, que a variante européia dá por coisa sabida, converte-se num problema próprio para ser

    investigado pela variante norte-americana. Quando se observa que os jornais, as revistas e os livros expressam uma mudança no sistema de crenças ou na perspectiva geral e que isto é provisoriamente tomado comoreflexo da mudança de crenças ou de pontos de vista de uma população associada (classe, grupo ou região), os representantes da variante norte-americana, mesmo os menos radicalmente empíricos, põem-se a indicar queseria importante "descobrir por alguns meios independentes a atitude dapopulação em geral. Nossa verificação só poderia ser conseguida mediante

    entrevistas com perfis transversais do público nos dois períodos, para verse a mudança de valôres indicada por esta alteração na revista (ou outromeio de comunicações de massas) é reflexo de uma mudança real de valôres na população subjacente”. (Lazarsfeld, op. cif., 224). Mas, como atéhoje não se inventaram técnicas para entrevistar ■ perfis transversais depopulações do passado remoto, para comprovar as impressões recebidas dosdocumentos históricos disseminados que chegaram até nós, o sociólogo norte-americano de comunicações de massa tende a limitar-se ao presente histórico. Possivelmente, reunindo os materiais em bruto da opinião pública,das crenças e dos conhecimentos de hoje, êle poderia assentar os alicercespara o sociólogo que estudasse amanhã empiricamente as tendências alongo prazo da opinião, das crenças e dos conhecimentos.

    Se o europeu prefere tratar de processos a longo prazo, mediante oestudo dos dados históricos, em que alguns dos dados relativos a crençasde grupos e de massas podem ser discutidos, e impugnadas as suas conclusões, o norte-americano prefere tratar'meticulosamente o caso a curtoprazo, empregando dados que foram moldados de modo muito completo

    para cobrir as necessidades do problema científico e limitar-se às reações

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    imediatas dos indivíduos a uma situação imediata separada das longasextensões da história. Mas, ao tratar emplricamente do problema mais res

    trito pode, desde logo, eliminar da investigação os próprios problemas quesão de interêsse fundamental O europeu mantém bem no alto a bandeirade conservar intato o problema em que está bàsicamente interessado, ainda quando possa ser apenas assunto de especulação; o norte-americano arvora o estandarte que afirma a suficiência dos dados empíricos a qualquercusto, mesmo à custa de renunciar ao problema que provocou primeiramente a investigação. O rigor empírico da atitude norte-americana implica numa ordenação autonegativa em que importantes movimentos a longo prazo,de idéias em relação a mudanças na estrutura social, são por demais aban

    donados como matéria factível de estudos; a inclinação especulativa da atitude européia implica em aceitar plenamente que as impressões dos acontecimentos de massas se tomem por fatos, e que são poucos os que violama convenção consagrada de evitar questões embaraçosas sôbre as provasque possam apoiar definitivamente os 'supostos fatos de conduta e decrença das massas.

     Acontece assim que a variante européia chega a falar de assuntos importantes de modo emplricamente discutível, ao passo que o norte-ameri

    cano discute assuntos talvez mais banais de modo emplricamente rigoroso.O europeu imagina e o norte-americano olha; o norte-americano investigaa curto prazo e o europeu especula a longo prazo.

     Além disso, deve ser levado em conta até que ponto o rigor do primeiro e a amplitude do segundo devem ser exata e necessàriamente antagônicos e, quanto ao mais, deve-se procurar os meios de unificá-los.

    Técnicas e Processos de Pesquisa

     As duas variantes apresentam diferenças características em seu interêsse pelas técnicas de investigação para a coleta de dados e para sua anárlise ulterior.

    Para o sociólogo europeu do conhecimento, a própria frase técnica de investigação  desprende um som estranho e pouco acolhedor. Consideraquase que intelectualmente degradante expor os prosaicos detalhes de como se fêz um estudo de sociologia do conhecimento) Retraçando sua linha

    gem intelectual através da história, da filosofia discursiva e das artes, oeuropeu acredita que tal seria demonstrar o andaime da sua análise ou,ainda pior, malgastar no andaime o amoroso cuidado que é devido somente ao edifício terminado. Nesta linha de tradição, o papel do técnicode pesquisas não consegue louvores nem compreensão. Existem, é certo,técnicas consagradas e muito complexas para testar a autenticidade dosdocumentos históricos, para determinar sua data provável e assim porciante. Mas as técnicas para a análise dos dados, mais que para sua autenticação, merecem apenas ligeira atenção.

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    dociologia  — Teoria e Estrutura 543

    Coisa totalmente diferente sucede com o estudo norte-americano dascomunicações de massa. No decurso das últimas décadas, em que a pesquisa neste terreno tem sido levada a efeito sistematicamente, tem sidopôsto em destaque vasto e diverso repertório de técnicas. Técnicas de emtrevistas em tôda sua numerosa variedade (de grupo ou individual, nãodiretiva e estruturada, exploratória e enfocada a um só ponto, entrevistasimples de perfil transversal e entrevista de equipe repetida), questionários, testes de opinião e de atitude, escalas de atitude do tipo Thurstone,Guttman e Lazarsfeld, experimentação e observação controladas, análisede conteúdo (seja de cálculos de símbolos ou análise de itens, temática,

    estrutural ou de campo), analisador de programas de Lazarsfeld-Stanton— tudo isso constitui apenas uma amostra dos diversos procedimentos imaginados para as pesquisas das comunicações de massa, i A própria abundância das técnicas norte-americanas não faz senão diminuir por contrastea pequena lista das técnicas européias. E o contraste dificilmente podedeixar de trazer à luz outros aspectos diferentes nas duas orientações parao estudo sociológico das comunicações.

     Ã atitude perante o problema da confiança  nas observações entre as

    variantes européia e norte-americana, pode ser considerada como a pedrade toque para medir suas orientações mais gerais em direção às técnicas. A confiança, que significa  grosso modo  a consistência entre observaçõesindependentes do mesmo material, está quase inteiramente ausente, como

     problema, para o estudioso europeu. Em geral, cada estudioso da sociologia do conhecimento exerce seus talentos a seu modo para descobrir oconteúdo e o sentido dos seus documentos. Seria considerado afronta/àintegridade ou à dignidade do pesquisador sugerir que o documento queestudou poderia ser analisado independentemente por outros, a fim de se

    confirmar o grau de confiança, ou seja, o grau de conformidade entre osdiversos observadores dos mesmos materiais. O insulto poderia se aprofundar se se acrescentasse que grandes discrepâncias entre duas análisesindependentes poderiam lançar dúvidas sôbre a capacidade de um e outropesquisador. A própria noção da confiança na caracterização (isto é, amedida em que coincidem categorizações independentes dos mesmos materiais empíricos), raramente encontrou expressão nos projetos de investigação dos sociólogos do conhecimento.

    1 Ver, por exemplo, as técnicas expostas nas seguintes publicações do Departamentode Pesquisas Sociais Aplicadas da Universidade de Colúmbia: P. F. Lazarsfeld e FStanton, (redatores), Radio Research, 1941, (Nova Iorque: Duell, Sloan & Pearce, 1941);Radio Research, 1942*1943, (Nova Iorque: Duell, Sloan & Pearce, 1944); Communications Research, 1948-1949, (Nova Iorque: Harper & Brothers, 1949); também o recente volume reportando os estudos do Departamento de Pesquisas da Secção de Educação eInformação do Exército, por Carl I. Hovland, A. A. Lumsdaine, F. D. Sheffield, inti

    tulado Experiments on Mass Communications, (Princeton University Press, 1949) e ovolume sôbre o Projeto de Investigações de, Comunicações de Guerra, por H. D. Lass-

    well, Nathan Leites e outros, intitulado Language of Folitics, (Nova Iorque: GeorgeW. Stewart, 1949).

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    O esquecimento sistemático do problema da confiança ou da veracidade, talvez seja uma herança que o sociólogo do conhecimento recebeudos historiadores, que foram seus precursores intelectuais. Pois nas o orasdos historiadores, a diversidade de interpretações é considerada tipica

    mente não tanto como problema a ser resolvido, mas como fatalidade.Quando é reconhecido, êste problema é aceito com um ar de resignação,tingido de um pouco de orgulho pelas diversidades artísticas e individuaisda observação e da interpretação. Assim, na introdução ao primeiro dosquatro volumes de sua magistral obra sobre Thomas Jefferson,c autor, Dumas Malone, faz a seguinte ressalva, que não deixa de ser representativa das atitudes de outros historiadores em relação às suas própriasobras: "Outros interpretarão o mesmo  homem e os mesmos  acontecimen

    tos de maneira diferente; isto é pràticamente inevitável, já que Jeffersonfoi figura central em controvérsias históricas que até hoje repercutem".(Os grifos são nossos).

    Essa teoria de interpretações diferentes dos mesmos  acontecimentos,firmou-se de modo tão completo entre os historiadores, que é quase certoque apareça, de uma ou de outra forma, no prefácio da maior parte dasobras históricas. Se a história fôr situada na tradição do humanismo, daliteratura e da arte, êste conceito se torna logo compreensível. No campotías artes, esta ressalva a tôda interpretação definitiva é ao mesmo tempo

    uma expressão, embora convencional, de modéstia profissional e definiçãode experiência repetida: os historiadores geralmente revisam as interpretações de homens, de acontecimentos e de movimentos sociais. Quantoa isto, tampouco os cientistas esperam uma interpretação definitiva, aindaque sua atitude perante a diversidade de interpretações seja bem diferente.

    Para compreender esta atitude implícita perante a confiança ou a veracidade, expressa pelos historiadores ou sociólogos do conhecimento, nãoé necessário romper com a teoria de uma diversidade inevitável de inter

    pretações. Mas a compreensão será melhorada, se contrastarmos esta teoria com o ponto de vista que se manifesta tipicamente nas obras dos cientistas, de modo muito diferente nos trabalhos dos físicos e, em certo modo,no dos cientistas sociais. Quando o historiador aguarda com equanimidadee quase feliz resignação as diferentes  interpretações do mesmo  dado, seuscolegas cientistas consideram isto como sinal de um ponto de apoio instável, que projeta dúvida sôbre a veracidade da observação, da mesmaforma que sôbre a adequação da interpretação. Seria muito estranho oprefácio de uma obra de química, em que se dissesse, à maneira do histo

    riador, que "outros irão interpretar os mesmos  dados sôbre a combustãode modo diferente; isto é pràticamente inevitável...” É certo que podemocorrer na ciência (e com freqüência ocorrem), diferenças de interpretaçãoteórica; mas não é disso que se trata. As diferenças consideram-se comoprovas das insuficiências do sistema conceptual ou, possivelmente, das observações originais e institui-se a pesquisa para eliminar essas diferenças.

    Na realidade, devido à concentração do esforço para eliminar com êxito as diferenças de interpretação na ciência, devido a não se procurar o

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    Sociologia  — Teoria e Estriltura 545

    acôrdo mas a diversidade, podemos falar justificadamente do caráter zumulativo  da ciência. Entre outras coisas, a acumulação requer a con

    fiança na observação inicial.'1 E pelo mesmo motivo, porque as partes secentram sôbre as diferenças — como expressão das percepções distintivas e pessoais, senão particulares, do artista —, não são cumulativas nomesmo sentido. As obras de arte se acumulam no sentido limitado dehaver cada vez mais produtos de arte à disposição dos homens na socie-cade; podem colocar-se uns ao lado dos outros. As obras de ciência, porém, situam-se de modo natural umas sôbre as outras para formar uma estrutura de teorias entrosadas, que se apoiam mutuamente e que permitem a

    compreensão de numerosas observações. Para êsse fim, a confiança naobservação e a sua veracidade são naturalmente necessárias.Esta breve digressão sôbre uma possível fonte da falta de interesse

    do europeu pela veracidade como problema técnico, pode projetar luz sôbreas bases da sua falta de interêsse ainda mais geral pelas técnicas de investigação. Há uma orientação muito substancial para as humanidadesque persiste na sociologia do conhecimento e, com isso, uma certa -aversão à uniformização dos dados obtidos pela observação e pela interpretaçãodos mesmos.

     Ao  contrário, o interêsse técnico da variante norte-americana obrigaa prestar atenção sistemática a problemas como o da confiança ou veracidade. Desde que se preste atenção sistemática a êsses problemasconhece-se seu caráter de maneira mais exata. O resultado, por exemplo,obtido por um estudioso norte-americano de comunicações de massa, deque na análise de conteúdo, “quanto mais complexa fôr a categoria, maisbaixa será a confiança", é de um tipo que simplesmente não existe na sociologia européia do conhecimento. Êste exemplo indica também o preço

    que se paga pela precisão técnica, nesta primeira etapa da disciplina. Poisdesde que se constatou uniformemente que a veracidade diminui ao aumentar a complexidade da categorização, surgiu uma pressão muito marcadapara trabalhar com categorias muito simples, de uma só dimensão, a fimde atingir uma alta veracidade. No ponto extremo, a análise de conteúdolidará com categorias tão abstratas como “favorável, neutra ou desfavorável", “positiva, neutra ou negativa”. E isto com freqüência elimina opróprio problema que deu origem à pesquisa, sem pôr necessàriamente

    em seu lugar fatos relevantes para a teoria. Para o europeu, esta é umavitória de Pirro. Significa que a veracidade foi conseguida mediante oabandono da pertinência teórica.

    Mas tudo isto parece levar muito a sério uma figura de linguagem efazer supor que as divisões européia e norte-americana são realmente espécies intelectuais diferentes, incapazes de se cruzarem e privadas de umaascendência comum. É claro que êste não é o caso. Para apresentar umexemplo puramente local, o último capítulo dêste livro registra o uso prematuro de técnicas de análise de conteúdo na sociologia do conhecimento,

    análise destinada a determinar de forma sistemática, e não de maneira im-

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    pressionística, os focos de atenção das investigações entre os cientistas in-glêses do século XVII, e a estabelecer, frouxa mas objetivamente, a ex

    tensão das conexões entre as necessidades econômicas e a direção da investigação científica naquela época.Há indícios de que não foi outra coisa que um excesso de otimismo

    sociológico sugerir, no comêço desta introdução, que as virtudes de cadavariante se combinassem com a exclusão dos vícios de ambas. Aqui eacolá, isto se tem realizado. Esta fertilização cruzada produz um híbridovigoroso, com as categorias teóricas interessantes de uma e as técnicasde investigação empírica de outra. Uma análise de conteúdo de biografias populares em revistas de circulação cie massas, feita por Leo Lowen-

    thal, oferece um exemplo promissor do que se pode esperar, à medida queesta união se fizer mais freqüente. 2  Ao retraçar as mudanças de assuntodessas biografias populares, a partir dos “ídolos de produção", até chegaraos “ídolos de consumo”, Lowenthal utiliza categorias tiradas de uma importante tradição européia de teoria social. E, para determinar se a mudança é real ou imaginária, substitui o impressionismo da variante européia pela análise sistemática de conteúdo da variante norte-americana. Ohíbrido é notoriamente superior a qualquer dos dois de raça pura.

    Outra zona de investigação em que o interêsse pela técnica é nulona variante européia e supremo na norte-americana, é a da audiência  paraprodutos culturais. O europeu não desconhece por completo o fato deque as teorias necessitam de audiência para serem eficazes, mas a isto nãopresta uma atenção muito sistemática ou séria. Recorre a dados ocasionais, raros e duvidosos. Se um livro teve grande êxito popular, ou sese pode averiguar o número de edições, ou se, em alguns casos se pode determinar o número de exemplares distribuídos, tudo isto, segundo as convenções da tradição européia, supõe-se que signifique algo importante arespeito da audiência. Ou talvez resenhas, extratos de diários ocasionaisde alguns poucos leitores disseminados, ou conjeturas impressionísticasde contemporâneos são considerados como provas significativas do tamanho, caráter e composição das audiências e das suas reações.

    Muito diferente é o que ocorre com a variante norte-americana. O queé uma grande lacuna na sociologia européia do conhecimento, transforma-se em importante foco de interêsse no estudo norte-americano de comunicações de massa. Técnicas complicadas e exigentes foram inven

    tadas para medir não somente o tamanho  da audiência nos diversos meiosde massas, como também sua composição, suas preferências e, até certoponto, suas reações.

    Um motivo desta diferença de enfoque sôbre a investigação de audiências é a importante diferença nos problemas centrais dos dois campos.O sociólogo do conhecimento procura, acima de tudo, as determinantes

    2. Leo Lowenthal, "Biographies in popular magazines”, P. F. Lazarsíeld e F. Stanton,

    (redatores), Radio Research, 1942-1943, (Nova Iorque; Duell, Sloan & Fearce, 1944).

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    sem dúvida muito importante para os que têm interêsse principal emvender e colocar suas mercadorias), do sexo, idade e grau de educação

    (obviamente importante para quem procura descobrir os canais publicitários mais apropriados para atingir grupos especiais). Mas, uma vez quetais categorias de sexo, idade, instrução e rendimentos correspondem também a alguns dos principais status na estrutura social, os procedimentosimaginados pelos estudiosos das comunicações de massa para a medição deauditórios, são também de interêsse direto para os sociólogos.

    Também advertimos que a importância socialmente induzida, dada aproblemas intelectuais particulares, pode desviar o interêsse da investigaçãode outros problemas de tão grande ou maior interêsse sociológico, mas compouco valor perceptível para os objetivos imediatos de mercado ou militares.

     A tarefa imediata da investigação aplicada obscurece às vêzes as tarefasremotas da investigação básica. Categorias dinâmicas com pouca influên-cia direta sôbre os interêsses comerciais, tais que, por exemplo, a “falsaconsciência" (funcionalmente definida pela marcada discrepância entreum status econômico objetivamente baixo e uma identificação ideológicacom os estratos econômicos superiores) ou diferentes tipos de indivíduoseconômicamente móveis, têm até agora desempenhado um pequeno papel

    na lista das audiências.Enquanto a variante européia (Wissenssoziologie) fêz poucas investigações sôbre as audiências de diferentes produtos intelectuais e culturais,a variante norte-americana (investigação das comunicações de massa) fêzmuitas e as categorias dessas pesquisas foram, até o passado recente, moldadas não tanto pelas necessidades da teoria sociológica como pelas necessidades práticas dos grupos e das agências que criaram a demanda de pesquisa de audiência. Sob a pressão direta do mercado e das necessidadesmilitares, inventaram-se técnicas definidas de pesquisa e essas técnicas levam inicialmente as marcas da sua origem: estão profundamente condicionadas pelos usos práticos a que foram primeiramente dedicadas.

     A questão de saber se esta investigação técnica das comunicações paraas massas tomarse mais tarde independente ou não das suas origens sociais, é em si mesma um problema de interêsse para a ciência da sociologia. Em que circunstâncias adquire a investigação provocada pelos interêsses do mercado e militares uma autonomia funcional em que as técnicase os resultados entram no domínio público da ciência social? É possível

    que tenhamos aqui, tão perto dos nossos olhos que não conseguimos vê-lo,um fenômeno nas ciências sociais paralelo ao que sucedeu nas ciências físicas durante o século XVII. Naquela época, como se sabe, não foram asvelhas universidades, mas as novas sociedades científicas, que deram impulso aos progressos experimentais da ciência e êsse impulso estava relacionado com as exigências práticas que se faziam às ciências físicas emcrescimento. Da mesma forma hoje, no campo das comunicações de massa, a indústria e o govêrao proporcionaram em grande porte o capital

    tíe risco em apoio à investigação social necessária para os seus próprios

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    fins, numa época e num terreno em que as universidades relutavam emdar êsse apoio, ou eram incapazes de fornecê-lo. Durante o processo in

    ventaram-se técnicas, preparou-se o pessoal e obtiveram-se resultados, Agora, ao que parece, o processo continua e, ao chegarem às universidadesessas demonstrações do valor real e potencial da pesquisa, as mesmasfornecem recursos para a investigação, básica e aplicada, neste campo como em outros das ciências sociais. Seria interessante levar isto maislonge: as investigações orientadas para as necessidades do Estado e daindústria estiveram demasiado vinculadas ao problema urgente imediato,dando muito pouca oportunidade para tratar de questões mais fundamentais da ciência social? Cremos que as ciências sociais não estão suficien

    temente adiantadas, nem a indústria e o Estado bastante maduros parachegar a apoiar em larga escala as investigações básicas em ciências sociaisda mesma forma que em ciências físicas? São questões estas que surgemdiretamente da história social da investigação em comunicações de massa,e revestem interêsse imediato para o sociólogo do conhecimento.

    Organização Social ãa Pesquisa

    O  que ocorre a respeito dos assuntos, da definição de problemas, dasconcepções dos dados empíricos, da atitude para com as técnicas, ocorretambém com a organização do pessoal de investigação: as variantes européias e norte-americanas tomam posições distintas e diferentes. Os  europeus traballiam tipicamente como intelectuais solitários, explorando aspublicações acessíveis em bibliotecas e arquivos, talvez com a colaboraçãode um ou dois ajudantes, sujeitos à sua direta e constante vigilância.Os norte-americanos têm trabalhado cada vez mais como equipes de investigação ou como grandes organizações de pesquisa formadas por várias

    Essas diferenças na organização social da investigação alimentam-sedas outras diferenças que temos indicado e as sustentam. Reforçam asatitudes diferentes para com as técnicas de investigação, por exemplo, e asatitudes perante os problemas técnicos, como o que examinamos ràpida-mente: o problema da confiança ou veracidade.

    Não há dúvida de que os sábios europeus solitários da sociologia do conhecimento percebem de maneira abstrata a necessidade de uma categori-

    zação fidedigna dos seus dados empíricos, na medida em que seus estudosimplicam, em certa medida, dados empíricos sistemáticos. Também é evidente que buscam tipicamente e talvez consigam, consistência na classificação dos seus materiais, submetendo-se aos critérios de classificaçãonos casos manifestamente raros em que ditos critérios são enunciados demaneira expressa. Mas o intelectual isolado não está obrigado pela própria  estrutura da sua situação de trabalho  a tratar de modo sistemático a verarcidade como problema técnico. Há uma possibilidade remota e improvável

    de que algum outro sábio, em algum outro lugar longínquo da comunidade

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    acadêmica, encontre exatamente o mesmo conjunto de materiais empíricos,utilize as mesmas categorias, os mesmos critérios para essas categorias erealize as mesmas operações intelectuais. E não é provável, em vista da

    tradição em contrário, Que tenha lugar uma réplica deliberada do mesmoestudo. Em conseqüência, há muito pouco na organização da situação detrabalho do europeu, que o obrigue a tratar  sistematicamente  do difícilproblema da veracidade da análise.

    Por outro lado, a própria organização social diferente da pesquisa norte-americana sôbre comunicações de massas, obriga virtualmente a prestaratenção a problemas técnicos como o da veracidade. Os estudos empíricosde comunicações de massas requerem geralmente o exame sistemático degrandes quantidades de dados. A magnitude dos dados é tal, que geralmente o intelectual não tem a possibilidade de reuni-los, assim como nãotem tempo nem meios monetários para organizar as operações de rotina.Se essas pesquisas são absolutamente necessárias, requerem a colaboraçãode numerosos pesquisadores organizados em equipes. Exemplos recentesforam proporcionados pelo Projeto de Investigação sôbre Comunicaçõesde Guerra, de Lasswell, na Biblioteca do Congresso, pela Seção de Comunicações de Massa Hovland, no Departamento de Pesquisa da Seção deEnsino e Informação do Exército, e pela Seção de Investigação de Comu

    nicações do Departamento de Investigações Sociais Aplicadas da Universidade de Colúmbia.Com esta organização da pesquisa, o problema da veracidade se toma

    tão premente que não pode ser esquecido nem observado ligeiramente. A necessidade da veracidade da observação e da análise que, naturalmente,existe no terreno da pesquisa em geral, transforma-se no mais visível emais insistente nos limites em miniatura da equipe da pesquisa. É de su-pbr que diferentes pesquisadores que trabalham com os mesmos materiaisempíricos e realizam as mesmas operações, obtenham os mesmos resultados (dentro de limites toleráveis de variação). Assim, a própria estruturado grupo de trabalho imediato, com seus vários e diversos colaboradores,reforça o perene interêsse da ciência, incluídas as ciências sociais, pelaobjetividade: a veracidade interpessoal e intergrupal dos dados. Afinalde contas, se o conteúdo das comunicações de massa é classificado ou codificado por vários qualificadores, isto suscita inevitàvelmente a questão desaber se os diferentes codificadores (observadores) obtêm na realidade osmesmos resultados. Não somente se torna manifesta e exigente a questão,

    como também pode ser respondida sem grande dificuldade mediante acomparação das diferentes codificações autônomas do mesmo material.Neste sentido, portanto, "não é por acaso” que grupos de pesquisa como oProjeto de Investigações sôbre Comunicações de Guerra, de Lasswell, dediquem grande atenção à veracidade da análise de conteúdo, enquanto oestudo de Mannheim sôbre o conservadorismo alemão, baseado tambémsôbre conteúdo documental, mas realizado por um só investigador à maneiraeuropéia, não trate sistemàticamente da questão da veracidade como pro

    blema.

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    técnicas de pesquisa para o estudo da propaganda, e não em tômo dasquestões correlativas do papel funcional da propaganda em sociedades dediversos tipos. Resta ver se as técnicas de pesquisa revisadas nesse capítulo são adequadas somente para o limitado conjunto de problemasatualmente apresentados pelas exigências de mercado, ou se tambémsão pertinentes aos problemas que inevitàvelmente se apresentam emtôda grande estrutura social. Não deve a sociedade socialista, da mesmaforma que a capitalista, enfrentar problemas de incentivo e motivos sociais,informar e persuadir grande número de indivíduos dos propósitos e dosíms da comunidade e de fazer com que adotem os meios mais práticospara atingir tais fins? Pode-se perguntar também se a necessidade de co

    nhecimento social técnico deve  ser esquecida por aquêles que às vêzes serevoltam contra o uso que se faz dêsses conhecimentos. Pela mesma razão, pode-se perguntar se o interêsse exclusivo por pequenos detalhes técnicos não pode representar uma restrição prematura e não muito produtiva do problema sociológico, até o ponto em que a investigação não tenhaimplicações perceptíveis para a sociologia nem para a sociedade. São questões estas muito mais fáceis de propor que de resolver, embora o estudo doCapítulo XVI possa, pelo menos, proporcionar matéria-prima para aquêles

    que se interessam em trabalhe,r em busca das soluções.

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     XIV  A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO

    A GERAÇÃO PASSADA presenciou o aparecimento de um campo especialde pesquisa sociológica: a sociologia do conhecimento (Wissenssoziologie).  A palavra “conhecimento” deve ser interpretada, certamente, de modo muito

    amplo, já que os estudos nesta área têm tratado virtualmente de tôda agama de produtos culturais (idéias, ideologias, crenças jurídicas e éticas,filosofia, ciência, tecnologia). Mas seja qual fôr o conceito de "conhecimento", a orientação desta disciplina continua sendo em grande parte amesma: interessa-se primordialmente pelas relações entre o conhecimentoe outros ̂ fafõres existenciais da sociedade ou da cultura. Por mais gerale vaga que possa ser esta formulação do propósito central, um enunciadomais específico não servirá para incluir os diferentes pontos de vista que

    têm surgido.Ê evidente, pois, que a sociologia do conhecimento interessa-se porproblemas que tiveram longa história. Tanto é verdade, que a disciplina

     já teve seu primeiro historiador, Emst Gruenwald.i Mas o nosso principal interêsse não é pelos numerosos antecedentes das teorias atuais. Narealidade, há poucas observações atuais que não tenham tido expressãoprévia em alguma frase sugestiva. Ao rei Henrique IV diziam que "teu desejo foi pai, Henrique, dessa idéia" sòmente poucos anos antes que Baconescrevesse que "o entendimento humano não é luz sêca, mas recebe umainfusão da vontade e dos afetos; daí procedem as ciências que podem serchamadas “ciências como a gente quis”. E Nietzsche formulou grande númerode aforismos sôbre os modos como a necessidade determina as perspectivas

    1. Neste trabalho nada se dirá desta história. Emst Gruenwald proporciona um esbôco doaacontecimentos passados, pelo menos desde a época chamada das Luzes, em Das Pro-blem der Soziológíe des Wissens, (Viena-Lípsia: Wilhelm Braumueller, 1934). Paraum panorama de conjunto, ver H. Otto Dahlke, “The sociology of knowledge’ , H. EBames, Howard e P. B. Becker, redatores, Contemporary Social Theoiy (Nova Iorque :

     Appleton-Century, 1940), 64-89.

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    554  Robert K. Merton

     Através das quais interpretamos o mundo, de modo que até as percepçõesdos sentidos estão impregnadas de preferências de valores. Os antecedentes da Wissenssoziologie  nada mais fazem que apoiar a observação deWhitehead, de que “chegar muito perto de uma teoria verdadeira e captarsua aplicação precisa são duas coisas muito diferentes, como nos ensinaa história da ciência. Tôdas as coisas importantes foram .ditas antes ooralguém que não as descobriu".

    O CONTEXTO SOCIAL

    Completamente à parte das suas origens históricas e intelectuais, existea questão relativa à base do interêsse contemporâneo pela sociologia doconhecimento. Como se sabe, a sociologia do conhecimento, como disciplina independente, foi cultivada especialmente na Alemanha e na França.Foi somente nas últimas décadas que os sociólogos norte-americanos começaram a dedicar atenção crescente aos problemas dessa área. O aparecimento de publicações e, como prova decisiva de respeitabilidade acadêmica,o número cada vez maior das teses de doutoramento, atestam em parteo  aumento de interêsse.

    Uma explicação imediata e obviamente insuficiente para êste fenômeno,seria a recente transferência do pensamento sociológico europeu, por

    sociólogos que ultimamente chegaram aos Estados Unidos. É fora de dúvida que êsses intelectuais figuravam entre os porta-estandartes da cultura da Wissenssoziologie. Mas isto nada mais fêz que pôr à disposiçãodos norte-americanos essas concepções e não explica sua aceitação realmais do que o faria a simples disponibilidade em qualquer outro caso dedifusão cultural. O pensamento norte-americano se revelou receptivo paraa sociologia do conhecimento, em grande parte porque esta disciplina trata de problemas, conceitos e teorias que são cada vez mais pertinentes àsituação social contemporânea dos Estados Unidos, porque a sociedade norte-americana chegou a ter certas características das sociedades européiasnas quais surgiu inicialmente essa disciplina.

     A sociologia do conhecimento assume interêsse sob um complexo definido de circunstâncias sociais e culturais.2 Ao aumentar o antagonismosocial, as diferenças nos valores, nas atitudes e nos modos de pensar dosgrupos, se desenvolvem até o ponto em que a orientação que êsses grupostiveram prèviamente em comum é eclipsada por diferenças incompatíveis.Nãc somente se produzem diferentes universos mentais, mas a existência

    de cada um dêles ameaça a validade e a legitimidade dos outros. A coexistência dessas perspectivas e interpretações antagônicas na mesma sociedade conduz a uma desconfiança  ativa e recíproca entre os grupos. Numambiente de desconfiança, já não se investiga o conteúdo das crenças e osenunciados para determinar se são válidos ou não, já não se confrontam os

    3. Ver Karl Mannheim, Ideology and Utopia, 5-12; Sorokin, Social and Cultural Dynamica, II,412-413.

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    •enunciados com as provas pertinentes, mas se formula uma pergunta inteiramente nova: porque se mantêm essas opiniões? Funcionaliza-se o pensamento, interpretando-o em relação com suas fontes e suas funções psicoló

    gicas, econômicas, sociais e raciais. Em geral, êste tipo de funcionalizaçãoacontece quando se põem em dúvida os enunciados, quando êles parecemtão palpàvelmente inadmissíveis, absurdos ou tendenciosos, que já não éuecessário examinar as provas a favor ou contra êles, mas apenas os fundamentos que lhes permitem ser formulados . 3 Êsses enunciados estranhos"explicam-se por” ou "atribuem-se a” interêsses especiais, a motivos inconscientes, a perspectivas deformadas, à posição social etc. No pensamentopopular, isto supõe ataques recíprocos contra a integridade dos adversá

    rios; no pensamento mais sistemático, conduz a análises ideológicas recíprocas. Em ambos os níveis, alimenta-se das inseguranças coletivas e asriutre.

    Dentro dêste ambiente social, encontra larga circulação um conjuntode interpretações do homem e da cultura que compartilham de certas suposições comuns. Não apenas a análise ideológica e a Wissenssoziologie, como também a psicanálise, o marxismo, o semanticismo, a análise da propaganda, o paretismo e, até certo ponto, a análise funcional têm, apesarde suas diferenças, um ponto de vista análogo sôbre o papel das idéias. Deum lado, há a esfera das verbalizações e das idéias (ideologias, racionalizações, expressões emotivas, deformações, folclore, derivações), tôdas consideradas como expressivas, derivativas ou deceptivas (da própria pessoae de outro) e funcionalmente relacionados com algum substrato. De outrolado estão os substratos que já foram concebidos (relações de produção,oosição social, impulsos fundamentais, conflitos psicológicos, interêsses esentimentos, reações interpessoais e resíduos). E através de tudo isso,corre o tema da determinação inconsciente de idéias pelos substratos; a

    ênfase sôbre a distinção entre o real e o ilusório, entre a realidade e aaparência na esfera do pensamento, das crenças e da conduta do homem.E, seja qual fôr a intenção dos analistas, suas análises tendem a possuir umaqualidade azêda: tendem a acusar, secularizar, ironizar, satirizar, alienar,desvalorizar o conteúdo intrínseco da crença ou ponto de vista confessado.Pensemos apenas nos matizes das palavras escolhidas nesses contextos parareferir-se às crenças e pensamentos: mentiras vitais, mitos, ilusões, derivarções, folclore, racionalizações, ideologias, fachadas verbais, pseudo-razões etc.

    3 . Freud observou esta tendência a buscar as "origens” e não a testar a exatidão de conceitosque nos parecem palpàvelmente absurdos. Suponhamos que alguém sustente que o centro da terra esteja cheio de compota. “ O resultado de nossa objeção intelectual seráum desvio de nossos interêsses: em vez de dirigi-los à própria investigação, isto é, se ointerior da terra está cheio^ ou ' não de compota, ficaremos a imaginar que espécie dehomem é êsse que tem tais idéias na cabeça...” Sigmund Freud, New IntroductoryLectures* (Nova Iorque: W. W. Nirtin, 1933), 49. No nfvel social, uma diferença radical de perspectivas entre vários grupos sociais, leva não somente a ataques ad hominem,como também a "explicações funcionalizadas”.

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    O que êstes sistemas de análise têm em comum é a prática de descartar o valor nominal  das declarações, das crenças e dos sistemas de idéias,leexaminando-se dentro de um contexto nôvo que proporciona o "signifi

    cado real”. As declarações consideradas ordinàriamente em têrmos doseu conteúdo manifesto são baixadas do seu pedestal, seja qual fôr a intenção do analista, relacionando-se êsse conteúdo com os atributos da pessoaque fala e da sociedade em que vive. O iconoclasta profissional, o desmas-carador especializado, o analista ideológico e seus respectivos sistemas deidéias, prosperam numa sociedade em que grandes grupos de indivíduos jáse desvincularam dos valores comuns; em que universos mentais independentes se enlaçam pela desconfiança recíproca. A análise ideológica sistematiza a falta de fé nos símbolos reinantes que chegou a se generalizar;daí a sua pertinência e popularidade. O analista ideológico não cria uniséquito, mas fala a um séquito para o qual a sua análise “tem sentido”, istoé, se conforma com sua experiência não analisada prèviamente. 4

    Numa sociedade em que a desconfiança recíproca encontra expressõespopulares tais como “quanto vai êle ganhar com isto” ; em que “buncombe”(“conversa mole”), e “bunk” (“tapeação”) são expressões coloquiais de hámais de um século e “debunk” (desmascarar) há mais de uma geração; ondeos anúncios e a propaganda provocaram uma resistência ativa à aceitação de

    qualquer declaração em seu sentido literal; em que a conduta pseudo-Ge-meinschaft  como recurso para melhorar a posição econômica e políticaestá documentada num “best-seller” sôbre o modo de fazer amigos e influenciar pessoas; em que as relações sociais se convertem cada vez maisem instrumentos ou meios, de modo que o indivíduo chega a crer que osdemais procuram principalmente controlá-lo, manejá-lo e explorá-lo; emque o crescente cinismo implica uma separação progressiva das relaçõesimportantes de grupo e um grau considerável de isolamento pessoal; em

    que a incerteza sôbre os motivos de cada um é proclamada na incisiva frase“talvez esteja eu racionalizando, m as...”, em que as defesas contra as desilusões traumáticas talvez consistam em estarmos permanentemente desenganados, reduzindo as expectativas sôbre a integridade de outros, dandopor descontados de antemão seus motivos e talentos; — numa sociedadeassim, a análise sociológica sistemática e uma sociologia do conhecimentouerivada assumem uma pertinência e uma convicção socialmente fundamentadas. E os acadêmicos norte-americanos, perante sistemas de análise queparecem ordenar o caos do conflito cultural, dos valôres e dos pontos de

    vista antagônicos, apropriaram-se prontamente e assimilaram êsses esquemas analíticos.

    4. O conceito de pertinence fo i evocado pelos precursores marxistas de Wissenssoziologie,“ As conclusões teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo algum, em idéias ou princípios que tenham sido inventados ou descobertos por êste ou aquêle suposto reformador UDiversaJ. Não fazem mais que expressar, em têrmos gerais, as relações reais queresultam de uma luta de classe efetiva, de um movimento histórico que se está desenvolvendo sob nossos próprios o l h o s . . K a r t Marx e Friedrich Engels, The CommunistManifesto, em Karl Marx, Selected Works, I, 219.

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    .Sociologia  — Teoria e Estrutura 557

     A "revolução copemicana” nesta zona de investigação consistiu na hipótese de que não somente o êrro, a ilusão ou a crença falsificada estavam

    socialmente (històricamente) condicionadas, senão que também o estava

    a descoberta da verdade. Enquanto a atenção estêve focalizada sôbre asdeterminantes sociais da ideologia, a ilusão, o mito e as normas morais, asociologia do conhecimento não podia aparecer. Estava bastante claro quena explicação do êrro ou da opinião não certificada achavam-se implícitosalguns fatores extrateóricos, que necessitavam alguma explicação especial já que a realidade do objeto não podia explicar o êrro. Mas no caso doconhecimento confirmado ou certificado supôs-se durante muito tempoque podia ser adequadamente explicado em têrmos de uma relação direta

    objeto-intérprete. A sociologia do conhecimento nasceu com a notávelxhipótese de que até mesmo as verdades tinham que ser consideradas socialmente explicáveis, que tinham que ser postas em relação com a sociedadehistórica em que apareciam.

    Esboçar apenas as correntes principais da sociologia do conhecimentonum rápido estudo, eqüivaleria a não apresentar nenhuma adequadamentee a fazer violência a tôdas. A diversidade de formulações — de Marx, deScheler ou de Durkheim; a variedade de problemas — desde a determina

    ção social de sistemas de categoria até as ideologias políticas ligadas àsclasses; as enormes diferenças de âmbito — desde a categorização onicom-preensiva da história intelectual até à localização social do pensamento dosintelectuais negros nos últimos decênios; os vários limites atribuídos à disciplina — desde uma ampla epistemologia sociológica até às relações empíricas de estruturas e idéias sociais particulares; a proliferação de conceitos — idéias, sistemas de crença, conhecimentos positivos, pensamentos,sistema de verdades, superestruturas etc.; os vários métodos de validação— desde as admissíveis mas indocumentáveis atribuições até às meticulosas análises históricas e estatísticas — à luz de tudo isto, o esforço detratar tanto do aparelho analítico como dos estudos empíricos em umaspoucas páginas, seria apenas sacrificar o detalhe ao conjunto.

    Para contar, com uma base de comparação entre a confusão de estudosque apareceram neste campo, temos de adotar algum sistema de análise.O paradigma seguinte destina-se a constituir um passo nessa direção. É,sem dúvida, uma classificação parcial e, ao que se espera, provisória, quedesaparecerá para dar lugar a um modêlo analítico aperfeiçoado e mais exigente. Mas proporciona uma base para se fazer um inventário dos resultados existentes neste campo; para indicar os resultados contraditórios,contrários ç consistentes; para expor o aparelhamento conceptual agoraem uso; para determinar a natureza dos problemas que têm preocupado ostrabalhadoies dêste campo; para estimar o caráter das provas que foramtrazidas em relação a êstes problemas; para indicar as lacunas e as debi-Iidades características dos tipos atuais de interpretação. Tôda a teoriapresta-se à classificação de acôrdo com o paradigma seguinte:

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    558 Róber t K . Me r t on 

    PARADIGMA PARA A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO

    1. Onde está situada a base existencial das produções mentais?a. Bases sociais: posição social, classe, geração, papel ocupacional, modo de produção,

    estruturas de grupo (universidade, burocracia, academias, seitas, partidos políticos)*“situação histórica”, interêsses, sociedade, afiliação étnica, mobilidade social, estruturade poder, processos sociais (competição, antagonismo etc.)

    b. Bases culturais: valôres, “ethos”, clima de opinião, Volksgeist, Zeitgeist, tipo de CUi*tura, mentalidade de cultura, Weltanschaungen etc.

    2. Que produções mentais estão sendo analisadas sociològicamente?a. Esferas de: crenças morais, ideologias, idéias, categorias de pensamento, filosofia*

    crenças religiosas, normas sociais, ciência positiva, tecnologia etc.b. Que aspectos são analisados: sua seleção (focos de atenção), nível de abstração,

    suposições prévias (o que se toma como dados e o que se toma como problemática),

    conteúdo conceptual, modelos de verificação, objetivos da atividade intelectual etc.

    3. Como se relacionam as produções mentais com a base existencial?a. Relações causais ou funcionais: determinação, causa, correspondência, condição neces

    sária, condicionamento, interdependência funcional, interação, dependência etc.b. Relações simbólicas, orgânicas ou de sentido: consistência, harmonia, coerência, uni

    dade, congruência, compatibilidade (e antônimos); expressão, realização, expressão-simbólica, Strukturzusammenhang, identidades estruturais, conexão interna, analogias estilísticas, integração lógico-significativa, identidade de sentido etc.

    c. Palavras ambíguas para designar relações: correspondência, reflexo, entrelaçamento,conexão estreita etc.

    4. Por quê? funções manifestas e latentes atribuídas às produções mentais existencial-mente condicionadas.

    a. Conservar o poder, promover a estabilidade, orientação, exploração ou aproveitamento, relações sociais reeês obscuras, proporcionar motivos, canalizar a conduta*desviar a crítica, desviar a hostilidade, proporcionar tranqüilidade, controlar a natureza, coordenar as relações sociais etc.

    5. Quando predominam as relações atribuídas à base existencial e ao conhecimento?a. Teorias historicistas (limitadas a sociedades ou culturas particulares).b. Teorias analíticas gerais.

    Existem, naturalmente, categorias adicionais para classificar e analisar estudos de sociologia do conhecimento, que não examinamos aqui de modo completo. Assim, o perene problema das implicações das influências existenciais sôbre o conhecimento para o status epistemológico dêsse conhecimento foi calorosamente debatido desde o prõprio princípio. As soluções a êste problema, que supõem que uma sociologia do conhecimento é necessàriamente uma teoria sociológica do conhecimento, vão desde a pre

    tensão de que a "gênese do pensamento não tem relação necessária com sua validade”, até a posição relativista extrema de que a verdade é “uma simples” função de uma base social ou cultural, que se apóia unicamente no consenso social e, em conseqüência, que tôda teoria da verdade culturalmente aceita tem iguais títulos à validade do que qualquer outras.

    Mas o paradigma precedente serve para organizar as atitudes e as conclusões distintivas neste terreno, de um modo suficiente para os nossos propósitos.

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    Os principais enfoques que devem ser aqui considerados são os deMarx, Scheler, Mannheim, Durkheim e Sorokin. O trabalho atual nesta

    área orienta-se em grande parte para uma outra dessas teorias, sejamediante uma aplicação modificada dos seus conceitos, seja mediante con-traconcepções. Outras fontes de estudos neste campo, originadas no pensamento norte-americano, como o pragmatismo, serão deliberadamente omitidas, já que ainda não foram formuladas com referência específica àteoria do conhecimento, nem incorporadas à pesquisa em qualquer grauimportante.

     Á BASE EXISTENCIAL

    Um ponto central de concordância em todos os enfoques da sociologiado conhecimento é a tese de que o pensamento tem uma base existencialna meaida em que não é determinado imanentemente e enquanto um ououtro de seus aspectos pode ser derivado de fatôres extracognoscitivos.Mas isto é apenas um consenso formal, que deixa lugar para uma amplavariedade de teorias concernentes à natureza da base existencial.

     A êste respeito, como em outros, o marxismo é o foco tormentoso daWissenssoziologie. Sem entrar no problema exegético do marxismo — basta lembrar a famosa frase de Marx “je ne suis pas Marxiste”   —, podemosseguir suas formulações através das obras de Marx e Engels. Sejam quaisforem as mudanças que tiveram lugar no desenvolvimento da sua teoriadurante o meio século em que trabalharam, êles se ativeram consistente-mente à tese de que "as relações de produção” constituem o "fundamentoreal” para a superestrutura das idéias. "O modo de produção na vida

    material determina o caráter geral dos processos sociais, políticos e intelectuais da vida. Não é a consciência do homem que determina sua existência, mas, ao contrário, a existência social é que determina a consciência”.» Ao tratar de funcionalizar as idéias, isto é, de relacionar as idéiasdos indivíduos com sua base sociológica, Marx as situa dentro da estruturade classe. Êle supõe, não muito, que outras influências não sejam funcionais, mas que a classe é o determinante primordial e, como tal, o únicoponto de partida para a análise. É o que êle diz, explicitamente no primeiro prefácio de O Capital: aqui só nos ocupamos de pessoas comopersonificação de categorias econômicas, como representantes de determinados interêsses e reações de classe” e Prescindindo de outras variáveise considerando aos indivíduos em seus papéis econômicos e de classe, Marxconcebe a hipótese de que êsses papéis são determinantes primordiais, dei

    5. Karl Marx, A Contritration to the Critique of Political Economy, (Chicago: C. H. Keri,1904), 11-12.

    C. Karl Marx, Capital, I, 15; cf. Marx e Engels, The German Ideology, (Nova Iorque:

    grifos são nossos).

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    xando assim como questão aberta a extensão em que explicam adequada-mente o pensamento e a conduta em qualquer caso determinado. Na realidade, uma linha de desenvolvimento do marxismo desde a precoce  Ideologia Germânica  até às últimas obras de Engels, consiste na definição (edelimitação) progressiva do grau em que as_r_elações de produção condicionam realmente o conhecimento e as formas de pensamento.

    Todavia, tanto Marx como Engels sublinham repetidamente e cominsistência crescente que as ideologias de um estrato social não precisamnecessàriamente proceder apenas de pessoas que estão objetivamente  situadas nesse estrato. Já no  Manifesto Comunista, Marx e Engels haviamindicado que, à medida em que a classe governante se aproxima da sua

    dissolução, “um pequeno setor... une-se à classe revolucionária. Portanto,assim como, num período anterior, um setor da nobreza se uniu à burguesia, assim hoje uma parte da burguesia une-se ao proletariado e, especialmente, uma parte da burguesia ideológica  que se  elevou  ao nível decompreender teòricamente o movimento histórico em seu conjunto.”7

     As ideologias localizam-se socialmente analisando suas perspectivas eprévias suposições e determinando como se interpretam os problemas: doponto de vista de uma ou de outra classe. O pensamento não se localiza

    mecanicamente sòmente para estabelecer a posição de classe do pensador. Atribui-se à classe para a qual é “apropriado” à classe cuja situação socialcom seus conflitos de classe, suas aspirações, temores, restrições e possibilidades objetivas dentro do contexto sócio-histórico dado, está sendo expressada. A formulação mais explícita de Marx diz o seguinte:

    Não se deve formar a estreita idéia de que a pequena burguesia quer, por pnncípio,impor um interêsse egoísta de classe. Ela acredita, antes, que as condições especiais desua emancipação são as condições gerais, sòmente mediante as quais pode salvar-se a socie

    dade moderna, evitando-se a luta de classes.* Também não se devei imaginar que os representantes democráticos sejam todos pequenos negociantes ou que estejam cheios de entusiasmo por êles. Pelo que respeita sua instrução e sua posição individual, podem estar tãolonge dêles como o céu da terra. O que os, faz representantes da pequena burguesia é queem suas mentes

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    de um estrato de classe distinto do “seu próprio”. Uma descrição empíricado fato não é substituto adequado para sua explicação teórica.

     Ao tratar das bases existenciais, Max Scheler coloca caracteristica-mente sua própria hipótese em oposição com oútras teorias prevalecen-tes. s Traça uma distinção entre sociologia cultural e a que êle chama sociologia dos fatôres reais ( Realsoziologie). Os dados culturais são “ideais”na esfera das idéias e dos valores: os “fatôres reais” estão orientados paraa efetivação de mudanças na realidade da natureza ou da sociedade. Osprimeiros definem-se por metas ou intenções ideais; os segundos derivamde uma “estrutura de impulso” (TriebstruJctur,  isto é, o sexo, a fome e oDoder). É um êrro básico, diẑ êle, de tôdas as estruturas naturalistas, sustentarem que todos os fatôres reais — raça, geopolítica, estrutura do poder

    político ou relações de produção econômica — determinam inequivocamentea esfera das idéias significativas. Rejeita também tôdas as concepçõesidealistas, que erram ao considerar a história das condições existenciaiscomo um desdobrar unilinear da história da mente. Atribui uma autonomia completa e uma seqüência determinada a êsses fatôres reais, emborasustentando, inconseqüentemente, que as idéias carregadas de valor servempara guiar e dirigir seu desenvolvimento. As idéias em si, não têm inicialmente eficácia social. Quanto mais “pura” fôr a idéia, maior será a sua

    impotência, no que concerne a seu efeito dinâmico sôbre a sociedade. Asidéias não chegam a realizar-se, a encarnar-se em acontecimentos culturais,se não estiverem enlaçadas de algum modo, com interêsses, emoções outendências coletivas e se incorporarem a estruturas institucionais.io só então — e a êste respeito limitado estão justificadas as teorias naturalistas(por exemplo, o marxismo) — exercem alguma influência definida. Seas idéias não se apoiassem no desenvolvimento iminente de fatôres reais, es-tariam condenadas a converter-se em utopias estéreis.

     Ad teorias incorrem também em êrro, afirma Scheler, ao supor tácita*

    mente que a variável independente  é uma só ao longo da história. Nãohâ variável independente constante, mas há, no transcurso da história,uma seqüência definida, em que predominam os fatôres primários, seqüência que pode ser resumida numa "lei de três fases”. Na fase inicial,os laços de sangue e de parentesco constituem a independente variável;em seguida, o poder político e, finalmente, os fatôres econômicos. Nãohá, pois, constância na primazia efetiva de fatôres existenciais, mas apenas

    9. Esta exposição baseia-se num estudo mais completo de Scheler, intitulado “Problemeeiner Sociologie des Wissens” , em seu Die Wissensformen und die Gesellschaft (Lípsia:Der Neue-Geist Verlag, 1926), 1-229. Êste ensaio é uma versão ampliada e melhoradade um seu precedente trabalho Versuche zn einer Soziologie des Wissens, (Munique:Duncker und Humblot, 1924), 5-146. Para outros estudos sôbre Scheler, ver P. A.tíchillp, “The formal problems of Scheler’s sociology of knowledge", The PhilosophicalReview, março de 1927, 36, 101-20; Howard Becker e H. O. Dahlke, “Max Scheler*s sociology of knowledge”, Philosophy and Phenomenological Research, 2: 310-322, março de1942.

    10. Scheler, Die Wissensformen..., 7, 32.

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    uma variabilidade ordenada. Assim, Scheler trata de relativizar a própriaidéia das determinantes históricas, u Pretende, não sòmente haver confirmado indutivamente a lei das três fases, como também tê-la feito derivar

    de uma teoria dos impulsos humanos.O conceito que Scheler dá aos  Realfaktoren  — raça e parentesco, estrutura de poder, fatôres de produção, aspectos qualitativos e quantitativosde população, fatôres geográficos e geopolíticos — dificilmente constitui umacategoria ütilmente definida. É de pouco valor subsumir êsses diversoselementos numa rubrica e, certamente, seus próprios estudos empíricose os dos seus discípulos não aproveitaram êsse repertório de fatôres.Mas, ao sugerir uma variação dos fatôres existenciais importantes, emboranão na seqüência ordenada que deixou de estabelecer, move-se na direção

    seguida posteriormente pela pesquisa. Assim, Mannheimrderiva de Marx, primordialmente, ampliando sua con

    cepção de bases existenciais. Dado o  fato  de afiliação múltipla a grupos,o problema consiste em determinar quais  dessas afiliações são decisivaspara fixar perspectivas, modelos de pensamento, definições do dado etc. Ao contrário de um “marxismo dogmático”, não supõe que a posição declasse seja a única determinante definitiva. j\cha, por exemplo, que umgrupo organicamente integrado concebe a história como um movimento

    contínuo dirigido à realização das suas metas, enquanto os grupos socialmente desarraigados e frouxamente integrados advogam uma intuição histórica que ponha em realce o fortuito e o imponderável. Só mediante aexploração da diversidade das formações de grupo — gerações, grupos deposição, seitas, grupos profissionais — e de seus modos característicos depensar pode encontrar-se uma base existencial correspondente à grande variedade de perspectivas e de conhecimentos que realmente predominam.i*

    Embora representando uma tradição diferente, esta é essencialmentea posição adotada por Durkheim. Num estudo antecipado das primitivasformas de classificação, feito com a colaboração de Mauss, êle manteveque a gênese das categorias de pensamento deve ser encontrada nas estruturas e nas relações de grupo e que as categorias variam quando muda aorganização social .^ Tratando de explicar as origens sociais das categorias,Durkheim postula que ps indivíduos são mais direta e inclusivamente orientados para os grupos em que vivem do que para a natureza., As experiên

    11. Ibid.» 25-45. Deve-se notar que Marx havia rejeitado desde muito tempo uma concepçftO'

    análoga' de mudanças de variáveis independentes que servira de base a um ataque &sua Critique of Political Economy; ver Capital, I, 94n.12. Karl Mannheim, Ideology and Utopia, 247-8. Em vista dos extensos e recentes estu

    dos sôbre a obra de Mannheim, não o estudaremos longamente neste ensaio. Para aapreciação do autor, ver g   capítulo XV dêste livro.

    13. Emile Durkheim e Mareei Mauss, “De quelques formes primitives de classification",I/Année Sociologique, 1901-02, 6, 1-72, “ ...mesmo idéias tão abstratas com o as de tempoe espaço estão, em cada momento de sua história, em estreita relação com a organizaçãosocial correspondente". Como o assinalou Mareei Granet, êste trabalho contém algumaspáginas sôbre o pensamento chinês que, na opinião dos especialistas, abrem nova era.no terreno dos estudos sinológicos.

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    cias primordialmente importantes são conciliadas mediante as relações sociais, que deixam sua marca sôbre o caráter do pensamento e do conhecimento JV Assim, em seu estudo sôbre as formas primitivas de pensamento, trata da recorrência periódica das atividades sociais (cerimônias, festasrritos), da estrutura do clã e das configurações especiais das assembléias1e grupo, incluindo-as entre as bases essenciais do pensamento. E, aplicando as formulações de Durkheim ao pensamento antigo chinês, Granetatribui as concepções típicas de tempo e de espaço dêsse povo, a base taiscomo atorganização feudal e a altemação rítmica de vida de grupo concentrada e 'dispersa.1»

    Em agudo contraste com as precedentes concepções das bases existen

    ciais está a teoria idealista e emanacionista de Sorokin que trata de derivartodos os aspectos do conhecimento, não de uma base social existencial, masde diferentes “mentalidades culturais” . Estas mentalidades estão formadaspor “premissas maiores” ; assim, a mentalidade ideativa concebe a realidade como um “Ser imaterial, eterno” ; suas necessidades como primordialmente espirituais e a plena satisfação das mesmas mediante a “redução aomínimo ou a eliminação da maior parte das necessidades físicas” .1» Pelocontrário, a mentalidade sensitiva limita a realidade-, o que pode ser perce

    bido pelos sentidos, interessa-se primordialmente pelas necessidades físicas,que procura satisfazer ao máximo, não mediante a modificação do “eu”,mas mediante a mudança do mundo exterior; o principal tipo intermediário de mentalidade é o idealista, que representa um equilíbrio virtualdos tipos anteriores. Dessas mentalidades, isto é, dás premissas maiores decada cultura, é que derivam os sistemas da verdade e do conhecimento. Eaqui chegamos ao emanacionismo integral de uma posição idealista: parece'simplesmente tautológico dizer, como o faz Sorokin, que “numa sociedadee numa cultura sensitivas tem que predominar o sistema sensitivo da verdade, baseado no testemunho dos órgãos dos sentidos”.17 Porque a mentalidade sensitiva já foi definida como aquela que concebe “a realidade unicamente como o que se apresenta aos órgãos dos sentidos".1»

     Ademais, uma fraseologia emanacionista como esta atalha algumas dasquestões básicas suscitadas por outros enfoques da análise das condiçõesexistenciais. Assim, Sorokin considera o fracasso do “sistema sensitivo daverdade” (empirismo) em monopolizar uma cultura sensitiva, como provade que a cultura não está “plenamente unificada”. Mas isto constitui a

    renúncia à investigação das bases das próprias diferenças de pensamentoa que se interessa nosso mundo contemporâneo. Isto é certo para outras

    14. Emile Durkheim, The Elementary Forms o f Religious Life, 443-4; vertambém HanaKelsen, Society and Nature (University of Chicago Press, 1943), 30.

    15. Mareei Granet, La pensée chinoise, (Paris: La Renaissance du Livre, 1934), esp. págs.84-104.

    16. Sorokin, Social and Cultural Dynamics, I, 72-73.17. Ibid., II, 5.

    18. Ibid., I, 73.

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    categorias e princípios do conhecimento, aos quais procura aplicar umacontabilidade sociológica. Por exemplo, êle acha que em nossa presente cultura sensitiva, o “materialismo” é menos freqüente que o “idealismo”, que

    o “temporalismo” e o “eternismo” são quase igualmente freqüentes; omesmo ocorre com o “realismo” e o “nominalismo”, o “singularismo” e o“universalismo” etc. Uma vez que existem tôdas essas diversidades dentrode uma cultura, a caracterização geral da cultura como sensitiva não proporciona base para indicar quais grupos subscrevem a um modo de pensamento e quais grupos a outro. Sorokin não explora sistemàticamente diferentes bases existenciais dentro  de uma sociedade ou cultura; busca astendências “predominantes” e as atribui à cultura em seu conjunto, &  Nossasociedade contemporânea, completamente à parte das diferenças  de perspectiva intelectual das diferentes classes e grupos, é considerada como exemplo integral de cultura sensitiva. Conforme suas próprias premissas, oenfoque de Sorokin é primordialmente adequado para uma caracterizaçãogeral das culturas, mas não para analisar as conexões entre diferentes condições existenciais e o pensamento dentro de uma sociedade.

    TIPOS DE CONHECIMENTO

    Basta um rápido exame para mostrar que a palavra “conhecimento”foi concebida de maneira tão ampla, que pode referir-se a todos os tipos deidéias e a todos os modos de pensamento, que vão desde a crença popularaté a ciência positiva. Às vêzes, tem-se chegado a assimilar a palavra “conhecimento” à palavra “cultura", de modo que não somente as ciências exatas, como também as convicções éticas, os postulados epistemológicos, aspredicações materiais, os juízos sintéticos, as crenças políticas, as categoriasde pensamento, as opiniões escatológicas, as normas morais, as suposiçõesontológicas e as observações de fatos empíricos se consideram mais ou menos sem discriminação como “existencialmente condicionados” .20  a questãoé