memórias traumáticas fragmentadas: estudo sobre as...

96
Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as relações entre os transtornos da dor sexual e o transtorno do estresse pós-traumático SÃO PAULO 2007 SALETE CORTEZ ASTOLFO 1

Upload: haliem

Post on 08-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Memórias traumáticas fragmentadas:Estudo sobre as relações entre os transtornos da dor

sexual e o transtorno do estresse pós-traumático

SÃO PAULO2007

SALETE CORTEZ ASTOLFO

1

Page 2: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Memórias traumáticas fragmentadas:Estudo sobre as relações entre os transtornos da dor

sexual e o transtorno do estresse pós-traumático

Monografia apresentada ao curso de

Especialização em Sexualidade Humana da

Faculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo, para a obtenção do título de “Especialista

em Sexualidade Humana”.

Área de concentração: Psiquiatria

Orientador: Prof. Dr. Giancarlo Spizzirri

SÃO PAULO2007

SUMÁRIO

2

Page 3: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Lista de Abreviaturas

1 INTRODUÇÃO............................................................................................6

2 REVISÃO DA LITERATURA..................................................................9

2.1 MORFOLOGIA EMOCIONAL...........................................................9

2.2 CORPO E CONEXÕES..................................................................12

2.3 A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA NO VÍNCULO........................13

2.4SEXUALIDADE E PSIQUISMO.......................................................14

2.5 CICLO FEMININO DE RESPOSTA SEXUAL.................................17

2.6 TRANSTORNOS DA DOR SEXUAL DE CAUSA NÃO

ORGÂNICA...............................................................................................19

2.6.1 Etiologia.................................................................................21

2.6.2 Incidência e Prevalência........................................................25

2.6.3 Parceria e Reações ao Vaginismo........................................25

2.6.4 Tratamento............................................................................25

2.7 ABUSO SEXUAL............................................................................27

2.7.1 Abuso sexual intrafamiliar.....................................................28

2.7.2 A família incestuosa..............................................................28

2.7.3 A teia de conseqüências.......................................................30

2.7.4 Aspectos psicodinâmicos......................................................31

2.7.5 Perfil da vítima......................................................................33

2.7.6 A percepção das vítimas com relação ao perpetrador........33

2.7.7 Denúncia e subnotificação..................................................34

2.7.8 Pedofilia, um transtorno de preferência sexual..................39

3

Page 4: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

2.8 TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO................37

2.9 O PAPEL DA PSICOTERAPIA NA REORGANIZAÇÃO DA MEMÓRIA

TRAUMÁTICA...........................................................47

2.9.1 Estudos estruturais em neuroimagem do TEPT...............53

2.9.2 Estudos funcionais em neuroimagem do TEPT...............54

2.9.3 O papel da psicoterapia ..................................................54

3 HIPÓTESE.........................................................................................57

4 OBJETIVOS.......................................................................................58

5 MÈTODOS.........................................................................................59

5.1 METODOLOGIA DA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA...................59

5..2 RELATO DE CASO CLÍNICO....................................................60

6 RESULTADOS..................................................................................62

7 DISCUSSÃO.....................................................................................84

8 CONCLUSÕES.................................................................................95

9 ANEXO...............................................................................................96

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................97

LISTA DE ABREVIATURAS

4

Page 5: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

APA: Associação Psiquiátrica Americana

CID-10: Classificação Internacional das Doenças, 10ª edição, 1993

DSM IV Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 4ª

edição, 2000.

OMS: Organização Mundial da Saúde

TEPT: Transtorno do Estresse Pós-Traumático

INTRODUÇÃO

O transtorno da dor sexual quase sempre está ligado à vivência negativa da

sexualidade e ao medo da intimidade, sendo sua compreensão implicada numa

visão psicossomática. A sexualidade está interligada com a personalidade global do

indivíduo e tem papel estruturante na organização do psiquismo. 29

5

Page 6: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

A dor no coito é o principal sintoma de dispareunia e vaginismo e pode estar

associado a outras disfunções sexuais, contribuindo negativamente para futuros

intercursos sexuais 29. O vaginismo está quase sempre associado à violência sexual

na infância e a fortes tabus 11. Estima-se que acomete menos que 1% das mulheres

férteis e a incidência da dispareunia é desconhecida. 29,11

Devido à alta incidência e gravidade das conseqüências para os

desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social da vítima, o abuso sexual tem sido

considerado um grave problema de saúde pública, cuja psicopatologia mais citada

associada é o transtorno do estresse pós-traumático 36,47. Estima-se que entre 85%

a 90% dos pacientes com problemas psiquiátricos foram vítimas de maus-tratos na

infância, com predominância do abuso sexual. 37

A sintomatologia do transtorno do estresse pós-traumático como

hiperexcitabilidade psíquica, reexperiência traumática, esquiva e distanciamento se

caracterizam por manter certa seqüência fixa e recorrente de ações a partir do

evento traumático. 49, 1, 18,23

As fixações de certos padrões de resposta sugerem que parte das memórias

traumáticas não apresenta estrutura narrativa desenvolvida, é também

involuntariamente acessada, apresenta expressão emocional intensa com

sensações vívidas e tem pouca interface de comunicação com outras memórias

autobiográficas 56,58. Estudos sugerem que a psicoterapia pode influenciar o

desenvolvimento de um novo padrão narrativo de memória traumática para

transformar os fragmentos mnêmicos em memória emocional autobiográfica, a fim

de promover a integração do evento traumático.

Dentre as opções de tratamento são indicados psicoterapia individual ou

grupal, de abordagem psicodinâmica, terapia cognitivo-comportamental,

psicoterapia tematizada de tempo limitado 11. Dentre as metodologias conhecidas, a

que permite acesso às memórias traumáticas de forma precisa para a

transformação em autobiográfica é a de Stanley Keleman. 20

Ressalta-se que para a mulher que vivenciou um trauma sexual, tornar-se-á

prioridade a promoção de um melhor entendimento sobre sua história e o auxílio

6

Page 7: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

quanto às conexões entre o passado e seu funcionamento sexual atual, podendo

ser adiada a avaliação da disfunção sexual propriamente dita. 24

As terapias de exposição imaginária de forma assistida para reconstrução

cognitiva de eventos passados, tem tido muita atenção por parte da ciência

psicológica por acreditar ser a chave para o processo de transferência e integração

dos fragmentos mnêmicos 52,60. Diante das várias opções de tratamentos

psicoterapêuticos, é importante ressaltar que o tipo de tratamento proposto

considere os recursos pessoais da paciente. 11

Investigar sobre a receptividade sexual feminina envolve contemplar as

conexões entre o contexto da experiência traumática, a fenomenologia das

conseqüências, o impacto sobre a saúde física e emocional, o comprometimento da

saúde sexual, a história relacional atual e os recursos pessoais do momento do

tratamento 24. Pesquisar tais aspectos justifica-se para auxiliar na compreensão dos

fenômenos que interferem negativamente na expressão e na receptividade feminina

causando prejuízo à sua qualidade de vida e a de sua parceria. 45, 46,47

Esta revisão bibliográfica sobre a etiologia do transtorno da dor sexual tem

como propósito estabelecer suas correlações teóricas com o estresse pós-

traumático em conseqüência da vivência do abuso sexual intrafamiliar na infância.

Com o objetivo de aprofundar a compreensão, será apresentado um estudo de

caso.

Este trabalho fomenta a realização de futuros estudos sobre os transtornos da

dor sexual para o progresso da terapêutica indicada às disfunções sexuais

femininas.

7

Page 8: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

2.1 MORFOLOGIA EMOCIONAL

O estado das células e dos órgãos, da pulsação do organismo, sua vitalidade,

energia, a quantidade e a organização da excitação e a qualidade dos sentimentos

geram o contato e o relacionamento emocional. 1 Em condições assimiláveis, ou

seja, em situações que não sejam estressantes ao indivíduo, o ritmo da onda

pulsátil pode fazer o organismo se estender para o mundo ou se contrair de volta

para si. Pode manter um movimento rítmico de contração e expansão produzindo

diferentes graduações na pressão do organismo com relação ao meio e entre suas

estruturas, como pulmão e diafragma, por exemplo. O afinamento ou o

espessamento das paredes também são provocados pelos diferentes encontros,

relacionamentos, graus de intimidade, disponibilidade afetiva do momento,

circunstâncias, registros de experiências anteriores, entre outras variáveis. 2 O

indivíduo pode, diante das experiências, buscar se aproximar, dar, receber, conter,

8

Page 9: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

reter, aproximando-se do mundo. Como também pode ter uma postura de

distanciamento, experienciando se afastar, não buscar, não dar, não receber, não

conter, se esvaziar, entre outros. 1

William Sheldon 3 foi um psicólogo americano devotado a observar e a registrar

a variedade de corpos humanos e temperamentos. Estudou como o tipo de corpo

ou tipo somático era conectado com a personalidade e apontou três tendências

denominadas de ectomórficos, endomórficos e mesomórficos. Na seqüência, as

figuras 1 e 2 com as ilustrações do autor (Sheldon, 1954):

Extremo mesomórfico

Extremo Extremo

Endomórfico Ectomórfico

Figura 1.

Diagrama Figura 2. Diagrama com as combinações

Encontrou a predominância das camadas embrionárias humanas em cada

indivíduo que observou, e pesquisou as tendências dos mesmos em relação ao

9

Page 10: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

metabolismo e predominâncias de temperamento sob diferentes aspectos. Realizou

um amplo estudo sobre as diferentes combinações de traços físicos e tipos

psicológicos, o que contribuiu para ampliar a compreensão das formas somáticas e

suas tendências, preferências e dificuldades nos relacionamentos. 3

Estudar a sexualidade humana requer pensar o corpo com uma arquitetura

geneticamente programada, finita, cuja pulsação é temporariamente ou

indefinidamente desestabilizada de acordo com as experiências do vivido. Neste

sentido, é importante conceber em nossa prática clínica, um corpo como sendo o

corpo da experiência e não somente de órgãos e líquidos. 1

“A anatomia humana é uma morfologia emocional, onde as formas

anatômicas específicas produzem um conjunto correspondente de sentimentos

humanos. Desta forma, o self é um estado somático-emocional”. 1

A figura 3 exemplifica os tipos somáticos (Keleman, 1992).

Expressões Emocionais

Figura 3

Stanley Keleman 1 vem desenvolvendo e praticando terapia somático-

emocional há mais de 40 anos. E nos apresenta uma qualidade do biológico que

transforma a experiência em estrutura. Nesse sentido, a forma humana pode

predominantemente apresentar a tendência em adensar, enrijecer, colapsar ou

inchar, frente a experiências excessivas, fazendo diferentes combinações de

10

Page 11: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

pressão em diferentes regiões do corpo. Isto altera a forma do humano de se

relacionar consigo mesmo e com o outro, gerando padrões disfuncionais que,

quando não assimilados, levam à formação de sintomas.

2.2 CORPO E CONEXÕES

A postura ereta do humano expõe a frente macia ao ambiente e também sua

vulnerabilidade. No mundo animal, estas partes encontram-se protegidas na medida

em que estão voltadas para o chão. Ficar em pé fez toda a diferença no sentido de

modificar nosso envolvimento e ampliar nossa habilidade para satisfazer as nossas

necessidades como fome, contato físico, contato sexual e abrigo. 1, 4 Neste sentido,

a eretibilidade é um impulso genético e requer uma rede social e relacional para se

expressar e se realizar. A verticalidade do humano intensifica a possibilidade de

conexão com outras pessoas de uma forma mais próxima, através da expansão do

peito e do abdômen. Sua postura ereta cria também a possibilidade de amar e de

se relacionar com toda a parte frontal do corpo. E que toda a parte frontal do corpo

o impele, o conduz ao contato – olhos, nariz, ouvidos, peito, barriga e os órgãos

sexuais. O corpo organiza-se para a experiência e ao mesmo tempo é organizado

por ela e, na medida em que a vida constrói estrutura, ela se

constrói a si mesma enquanto possibilidade de conexão.

Neste sentido, ser corporificado é criar um corpo vivo que é

capaz de criar as suas relações (Figuras 4 e 5) . 4

As Camadas de Vínculo

Emocional-Anatômico

Figura 45 (Francescone, 2007)

11

Page 12: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Figura 5 (Keleman, 1992)

2.3 A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA NO VÍNCULO

O desenvolvimento da forma humana é influenciado pela sua história pessoal e

emocional. 1

A criança humana necessita de cuidado, transmissão de experiências e

suporte nos momentos difíceis, de dores subjetivas ou não, e nas crises do

crescimento até tornar-se adulta. No momento da concepção, o que se concebe é

um adulto. Através da moldagem recebida no vínculo ocorrerão a maturação do

organismo, sua adaptação e a possibilidade de prosseguir no caminho

individualização. Os neurônios colocam em ação os programas genéticos

desenvolvidos e selecionados ao longo da evolução. O crescimento se dá por

camadas que são construídas no vínculo. Durante este período de crescimento, o

organismo está ainda mais vulnerável a formar padrões de distresse. 5

É muito importante reconhecer o fator da dependência na história do

desenvolvimento infantil. Assim, quanto maior o grau de dependência da criança em

relação ao adulto, maior será o impacto das experiências negativas em seu

desenvolvimento. Quanto menor a idade, menos compreensão terá sobre os fatos.

Em sua vida, toda e qualquer experiência é armazenada de forma a ajudá-la a

organizar confiança no ambiente ou, ao contrário, a deixá-la com dificuldade para a

construção da mesma. Quando a dependência é reconhecida por parte do adulto

cuidador, suas necessidades básicas são atendidas, ou seja, a mãe ou a figura

materna adapta a sua forma de vida a estas necessidades. Por outro lado, quando

a criança experimenta falhas na sua interação com o ambiente, fase em que a

dependência é um fato, pode, em graus variados, ter seu desenvolvimento

comprometido. O fato de a criança, desde bebê, ter um ambiente vincular confiável,

fornece-lhe a condição, o contexto e a oportunidade de se tornar um indivíduo com

12

Page 13: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

potencial para realizar seu destino do legado hereditário, capaz de identificar-se

com as outras pessoas, com o meio ambiente e com a sociedade em constante

auto-organização. Assim, somente sob condições ambientais adequadas é que o

potencial hereditário terá a oportunidade de manifestar-se. Não se pode idealizar a

função materna, mas é fundamental o conceito de “mãe suficientemente boa” para

acompanhar a trajetória dos vários graus de dependência da criança humana. 6

2.4 SEXUALIDADE E PSIQUISMO

A estrutura de toda uma rede é sustentada pelas inter-relações entre as partes

resultantes da interconexão de todos os fenômenos. Diante disso, podemos

entender que a abordagem da sexualidade de uma forma sistêmica não pode ser

minimizada. Atualmente defrontamo-nos com uma série de problemas que afetam a

vida e que, neste sentido, não podem mais ser entendidos separadamente. É

necessário ter uma visão ecológica e holística profunda a respeito dos sistemas

vivos e a superação da metáfora cartesiana. 7

O mundo nos afeta e transforma na medida de nossas possibilidades bio-

estruturais, já que o sistema nervoso funciona a partir de uma clausura operacional.

O organismo está constituído de tal maneira que qualquer mudança, gera

modificações dentro dele mesmo. 8

O tema sexualidade atravessa realmente todos os campos científicos de

pesquisa. Deparamos com questões derivadas do campo da psicologia, fisiologia,

biologia e sociologia. 9

O termo “psicossexual” não se limita aos sentimentos ou às emoções sexuais

e não é sinônimo de libido. A sexualidade está interligada com a personalidade

global do indivíduo, afetando seu desenvolvimento e funcionamento, intervindo em

seu autoconceito, em seus relacionamentos e em seu comportamento como um

todo. Pode-se afirmar que a sexualidade de uma pessoa depende da inter-relação

da identidade sexual, da identidade de gênero e do comportamento sexual. 10

13

Page 14: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

A sexualidade tem um papel estruturante na organização do psiquismo. Não

há como dissociá-los. Neste sentido, cabe reconhecer que o desempenho sexual

não depende só da anatomia e da fisiologia, mas, sobretudo da integração dos

níveis biológico, psicológico e social. 11

Conhecer somaticamente a si mesmo não é apenas ter consciência muscular,

emocional, bioquímica, sensorial, mas também organização da excitação

representada nas ondas peristálticas visíveis e invisíveis do humano. 1

Na história da compreensão da libido ao longo do século passado, surgiram

muitas interpretações de seu significado, atuação, forma e até denominações.

Alguns estudiosos ficaram na observação, nos conceitos e a acompanhava nos

processos terapêuticos de seus pacientes; outros organizaram experimentos a fim

de medi-la, comprovar sua existência e passaram também a acompanhá-la,

buscando uma intervenção mais direta sobre o corpo.

A contribuição de Freud12 é extensa na área da sexualidade humana e ampliou

a visão sobre o tema buscando fazer conexões do desenvolvimento e as causas

dos problemas emocionais de seus pacientes. Descobriu que todos os casos

envolviam a sexualidade de alguma forma em diferentes momentos da infância.

Tais aspectos estavam associados a sensações sexuais pelo progenitor do sexo

oposto e desejos de morte relacionados ao genitor do mesmo sexo, num primeiro

momento. E que a repressão de tais desejos seria uma condição para a vida sexual

normal na fase adulta.

Wilhelm Reich 13 investigou o mecanismo do prazer a partir de um ângulo

biológico e também no campo da política sexual. Explanou enfaticamente sobre a

contradição entre as exigências naturais do homem e as instituições sociais e o

impacto destas exigências sobre a sexualidade e conseqüentemente, sobre a

estrutura humana. Para ele, sexualidade e angústia, são funções do organismo vivo

que operam em direções opostas: expansão agradável e contração angustiante. Em

1923 o autor apresentou a teoria do orgasmo. Até então somente as potências

ejaculativa e eretiva eram conhecidas na sexologia e pelos psicanalistas. Colocou

então em evidência o conceito de potência orgástica como a capacidade de

abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; com a

14

Page 15: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

capacidade de descarregar completamente a excitação sexual a ponto de permitir

as involuntárias e agradáveis convulsões do corpo. Este seria composto pelas

fases: F (fase do controle voluntário da excitação); P (penetração do pênis); I

(aumento da excitação); II (aumento da intensidade da excitação); III (súbita

ascensão ao clímax); IV(orgasmo) V (queda brusca da excitação); R (relaxação

agradável). Descreve as fases e articula detalhes para uma ampla compreensão

incluindo fantasias, dificuldades vinculares, interferências da repressão da energia

sexual, desempenho reativo e outros conceitos que contribuíram para a formulação

da técnica de Análise do Caráter. Esta foi apresentada pela primeira vez em 1927.

A personalidade humana foi também estudada em termos de processos

energéticos do corpo e, a partir desta perspectiva, organizou-se uma técnica de

intervenção psicoterapêutica chamada Bioenergética. Segundo Lowen, a

quantidade de energia que um indivíduo possui e a forma de ser usada é

determinante em sua personalidade. Parte do pressuposto que carga e descarga

funcionam como uma unidade, e trabalha para aumentar o nível de energia do

indivíduo, liberar a auto-expressão a fim de aumentar o fluxo de sentimentos do seu

corpo. Acredita que a atitude muscular é idêntica ao que chamamos de expressão

corporal. Sendo o espasmo da musculatura o lado somático do processo de

repressão, e a base da sua contínua preservação. 14

A anatomia humana, segundo Keleman, é uma morfologia emocional. As

formas anatômicas específicas produzem um conjunto correspondente de

sentimentos humanos. Desta forma, propõe pensar a anatomia como morfologia

cinética, com formas do processo humano que se estendem ao longo do tempo.

Pensa na associação entre os padrões de sentimentos e estado de tecidos. Propõe

um corpo com ritmo, inserido num processo biológico e enriquecido de experiências

do vivido. Afirma que a vida constrói forma constantemente e rege e é regida por

uma multiplicidade de eventos. 16

“O contato com o outro é mais do que superfície é também interior com interior. O contato é estratificado, das superfícies de comunicação da camada externa de pele à segunda camada de gesto e ação, até a terceira camada, de motilidade visceral. Contato, vulnerabilidade e intimidade envolvem interações entre superfícies e profundezas. A camada externa refere-se à

15

Page 16: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

forma pela qual somos reconhecidos e os papéis sociais que desempenhamos. As camadas internas contêm declarações instintivas, de desejo, necessidade e fome, que emanam da camada mais profunda do self visceral. Em outra camada, essas posturas são declarações emocionais de suavidade e firmeza, receptividade e distância, colapso e rigidez”. 16 (Keleman, 1992)

A sexualidade é um pólo muito importante para a estruturação de identidade

do humano, e não se restringe aos processos anatômico-fisiológicos, ou seja, coito

e ejaculação não equivalem à satisfação sexual. 11

2.5 CICLO FEMININO DE RESPOSTA SEXUAL

Na década de 60, Masters e Johnson 17 formularam um modelo da resposta

sexual humana, comum para homens e mulheres e com seqüência linear, formado

por quatro fases: excitação, platô, orgasmo e resolução. Este se caracterizava por

apresentar a excitação fisiológica sendo provocada por um estímulo sexual interno

(pensamentos, fantasias) ou externo (tato, olfato, audição, gustação, visão), com

alterações fisiológicas no homem, como a ereção, e a vasocongestão e miotonia na

mulher, o que levaria a continuidade da resposta sexual. No homem o orgasmo

seria acompanhado pela ejaculação e, posteriormente para ambos, haveria o

período de resolução com retorno às condições físicas e emocionais anteriores ao

encontro sexual.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-IV 18 (APA,

2000) usa como parâmetro diagnóstico para os transtornos sexuais uma

combinação de modelo proposto por Masters e Johnson e complementado por

Kaplan 19. O modelo proposto por Kaplan promoveu a inclusão da fase do desejo e

a retirada da fase platô. Assim a resposta sexual humana adotada pelo DSM-IV

passou a ser: desejo, excitação, orgasmo e resolução.

A fase do desejo consiste em ter fantasias sobre atividade sexual

concomitante ao desejo de ter a atividade propriamente dita. A fase da excitação

16

Page 17: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

caracteriza-se pela apresentação de um sentimento de prazer sexual e suas

alterações fisiológicas. No homem, a principal é a tumescência e a ereção peniana.

Na mulher as principais são a vasocongestão pélvica, a expansão vaginal, a

lubrificação e a turgescência da genitália externa. Na fase do orgasmo ocorre o

clímax de prazer sexual. Há alterações de ritmo das contrações musculares do

períneo, órgãos reprodutores e esfíncter anal, com ejaculação de sêmen pelo

homem. E a fase de resolução consiste numa sensação de relaxamento muscular e

bem-estar geral. Os transtornos da resposta sexual podem ocorrer em uma ou mais

destas fases 20.

Alguns especialistas como Leiblum 21 identificaram deficiências neste modelo.

A partir de evidências clínicas, este sugere que a excitação precede o desejo e que

nem sempre excitação e orgasmo proporcionam satisfação sexual.

Basson 22 em 2001 apresentou uma nova seqüência para o ciclo feminino de

resposta sexual. Apontou para o fato de que muitas mulheres iniciam o ato sexual

desejando proximidade física e carinho, sem ainda sentirem-se envolvidas por

sensações eróticas. A pesquisadora valorizou a importância da qualidade do

estímulo sexual, do contexto e dos fatores motivacionais para a atividade sexual. A

satisfação física e emocional como resultado da inter-relação entre o desejo e

excitação estimulando-se de forma positiva.

Basson 23 aponta também a necessidade do estudo científico incluir a

modulação do estresse do humor e das emoções positivas e negativas para se

diagnosticar uma disfunção sexual na mulher, pois muitos fatores influenciam no

processo sexual podendo reduzir qualquer excitação subjetiva. Os fatores

biológicos e psicológicos incluem fadiga, efeitos negativos de medicamentos sobre

a sexualidade, variação hormonal, depressão, experiências sexuais negativas no

passado, inexperiência, sentimento de vergonha, medo do resultado negativo

(dispareunia ou parceiro com disfunção), medo de engravidar, tempo de união,

doença sexualmente transmissível, possível infertilidade e outros. Tantos são os

fatores que podem comprometer a eficácia da estimulação sexual.

A proposta de um modelo circular para o ciclo de resposta sexual foi então

proposto contemplando as questões subjetivas tanto da história relacional atual,

17

Page 18: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

como a satisfação emocional e física da vida sexual anterior, como fatores

determinantes para a receptividade feminina. 24

2.6 TRANSTORNOS DA DOR SEXUAL DE CAUSA NÃO ORGÂNICA

O vaginismo é definido como contração involuntária e espasmódica do terço

inferior da vagina, o que dificulta ou impede a penetração do pênis na vagina ou até

mesmo a realização do exame ginecológico completo. É causa comum de

dispareunia, que é definida como dor à relação. 11

Segundo a Classificação Internacional de Doenças, em sua décima revisão

(OMS, 1993): 25

F52. 5 – VAGINISMO NÃO ORGÂNICO:

Espasmo da musculatura do assoalho pélvico que circunda a vagina causando

oclusão do intróito vaginal. A entrada do pênis é impossível ou dolorosa. Vaginismo

psicogênico.

F 52.6- DISPAREUNIA NÃO ORGÂNICA:

Dor durante o intercurso sexual.

Segundo o DSM-IV – Manual de Diagnóstico e Estatística, quarta edição (APA,

1995) 18:

306.51 – VAGINISMO (não devido a uma condição médica geral):

A. Espasmo involuntário, recorrente ou persistente da musculatura do terço

inferior da vagina, que interfere no intercurso sexual.

B. A perturbação causa acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal.

C. A perturbação não é melhor explicada por outro transtorno do Eixo I.

As disfunções sexuais se caracterizam por falta, excesso, desconforto e/ou

dor na expressão e no desenvolvimento desse ciclo, podendo afetar uma ou mais

fases, de forma persistente ou recorrente. Afirma ainda que o quadro clínico,

prognóstico e tratamento será mais complexo quanto mais precoce for o início da

disfunção. Enfatiza a necessidade de investigar se primária (ao longo da vida) ou

18

Page 19: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

secundária (adquirida), generalizada (presente com qualquer parceria) ou

situacional (em determinadas circunstâncias e/ou parcerias). 27

302.76- DISPAREUNIA (não devido a uma condição médica geral):

A. Dor genital associada com o intercurso sexual.

B. A perturbação deve provocar acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal.

C. A perturbação não é causada exclusivamente por vaginismo ou falta de

lubrificação, não é melhor explicado por outro transtorno nem se deve

exclusivamente aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma

condição médica geral.

Segundo Basson 26, o consenso de 1998, que reuniu 19 especialistas, revisou

a definição e a classificação das disfunções sexuais femininas com o objetivo de

ampliar as colocações da Classificação Internacional de Doenças (CID10) e do

Manual de Diagnóstico e Estatística, quarta edição (DSM-IV). As classificações

foram ampliadas para incluir as causas psicogênicas e orgânicas do desejo, da

excitação, do orgasmo e das disfunções relacionadas à dor na relação sexual. Esta

ampliação traz um novo elemento que é o critério relativo ao sofrimento pessoal

(personal distress). Também foi adicionada uma nova categoria à disfunção sexual

relacionada à dor que inclui Dispareunia e Vaginismo. A nova refere-se à inclusão

da Disfunção Sexual da Dor, recorrente ou persistente, não induzida por intercurso

sexual. Para o diagnóstico de disfunção sexual é recomendado a realização de

ampla investigação da história médica e psicossexual da mulher. Quando esta

revela ter sofrido abuso sexual na infância, recomenda-se avaliar seu estado com

relação ao fato, independentemente se já fez psicoterapia. Investigar o histórico de

depressão, comportamento autodestrutivo, promiscuidade, abuso de substâncias,

exacerbada necessidade de controlar a situação ou inabilidade para dizer não.

Outra questão relevante é a sua capacidade de confiar em alguém, especialmente

em pessoas do mesmo gênero que o perpetrador. Todos os detalhes do abuso são

importantes. Muitas vezes a avaliação da disfunção sexual propriamente dita deve

ser adiada temporariamente, pois o tratamento para o trauma sexual é, neste

momento, mais importante para promover um melhor entendimento e promover

conexões entre o passado e seu funcionamento sexual atual.

19

Page 20: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

2.6.1 Etiologia

Segundo Carmita Abdo 11, não há uma origem clara para o vaginismo. Raros

são os casos onde o estupro ou um exame ginecológico traumático foram as

causas. Quase sempre está associado à violência sexual na infância ou na

adolescência e também a fortes tabus religiosos. Outras questões relevantes para o

prognóstico, tratamento e o diagnóstico correto são: a distinção entre disfunção

primária (ao longo da vida) e secundária (adquirida) e a compreensão se a

disfunção é generalizada (ocorre com qualquer parceria) ou situacional (frente a

determinadas circunstâncias e/ou parcerias).

Em 1997, KAPLAN 28 coloca que as pacientes com vaginismo são geralmente

fóbicas ao coito e à penetração vaginal. A atitude fóbica de evitar a penetração,

algumas vezes pode anteceder o vaginismo. Este pode estar associado à inibição

sexual geral ou inibição orgásmica. Por outro lado, muitas mulheres que procuram

tratamento para vaginismo são sexualmente responsivas. Enquanto o jogo sexual

não levar ao coito, estas procuram o contato sexual e podem até ser orgásmicas

com estimulação do clitóris.

Segundo Kaplan e Sadock (1990) citado por Abdo, a dispareunia tem uma

correlação com o vaginismo.

De acordo com Graziottin 29, a dor no coito é o principal sintoma de

dispareunia e de vaginismo. Acredita que o vaginismo está associado a uma

contração defensiva dos músculos vaginais como forma de expressão pélvica de

uma postura muscular defensiva associada a atitudes fóbicas, dirigidas a intimidade

relativa ao coito. Ressalta que a dispareunia interfere na receptividade da mulher,

na qualidade da excitação para o orgasmo, na satisfação e na libido, e que estas

interferências negativas vão afetar a receptividade e a qualidade da próxima relação

sexual.

Estudos referentes a dispareunia relatam fatores biológicos na etiologia, cerca

de 60%, como questões hormonais, infecções, distrofia vulvar, fatores iatrogênicos,

musculares, vasculares entre outros. 11

20

Page 21: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

A etiologia do vaginismo é psicossexual. A intimidade sexual e o coito estão

associados a estímulos e significados negativos. Ressalta que a falta de educação

sexual, o tabu sexual, o fato de ter sido anteriormente molestada ou abusada

sexualmente, a hipervalorização da virgindade, o medo de ser violentada, de

engravidar e os riscos associados ao medo da entrega e ao medo da penetração

são fatores encontrados na etiologia. Também pode haver uma excessiva ligação

aos pais. 29

Há casais que foram educados de forma similar e que às vezes somatizam

estas dificuldades em disfunção erétil ou ejaculação rápida no caso dele, e a

parceira em vaginismo. Muitas vezes este casamento não é consumado por muito

tempo, estabelecendo-se uma secreta combinação devido à vergonha em admitir a

inadequação sexual. Somente o desejo de ter um filho é que usualmente leva o

casal a quebrar o silêncio e pedir ajuda. 29

As formulações psicanalíticas sobre a etiologia do vaginismo, de forma

resumida, eram explicadas como a expressão física da vontade inconsciente da

mulher de frustrar os desejos sexuais do homem, ou do desejo de castrá-lo, como

vingança por sua própria “castração”. Segundo Kaplan, até aquele momento não

havia informações sobre resultados desta forma de tratamento e salienta que sua

eficiência não foi confirmada na experiência. Em seu trabalho na clínica, recebia

mulheres com ressentimentos ou com raiva explícita pelos seus maridos. Outras,

que não apresentam estas questões, sentem-se aliviadas e alegres quando

finalmente conseguem ter uma relação sexual com coito. Também enfatiza a

relação entre vaginismo e efeitos psicológicos de vítimas de violação na idade

infantil ou experiências sexuais brutais dolorosas e aterrorizadoras. Resumindo, a

causa imediata parece ser específica e demonstrada pela contingência negativa

associado ao ato ou a fantasia de penetração vaginal. 28

Um estudo da relação entre as variáveis apresentadas na etiologia do

vaginismo e a duração da terapia de 23 mulheres apontou que a paciente com o

histórico de trauma sexual tende a necessitar um maior número de sessões, quando

comparadas com as outras pacientes que apresentavam outros fatores, como medo

21

Page 22: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

de doenças sexualmente Transmissíveis, religiosidade ortodoxa, atitude negativa

com relação à genitália e outras. 30

Num estudo com 22 mulheres com vaginismo primário, Silverstein 31 descobriu

alguns elementos comuns em suas histórias, o que lhe sugeriu que esta disfunção

refere-se a uma tentativa de proteção contra a possível fusão ou destruição pela

representação paterna. Representaria uma necessidade de se defender, uma

barricada que atuaria na prevenção contra invasões de limites, contra a expectativa

de violação. Geralmente a percepção da possibilidade de violação é o resultado da

história real de violação anterior ou atual. Estas mulheres demonstraram não se

sentirem a salvo tanto física como emocionalmente. Refere que o contato físico é

evitado pelo sintoma. Com relação às características das famílias de origem destas

mulheres encontrou: 90% apresentam medo do pai; 50% o pai alcoolista, 45% das

mães não gostavam de sexo e o faziam por obrigação, 55% dos relacionamentos

conjugais dos pais era marcado por violência ou abuso físico sendo que muitas

testemunharam ou ouviram suas mães sendo forçadas a ter sexo, 72,7% dos pais

mantinham uma relação sedutora com as filhas (por um lado moralistas e por outro

tinham uma curiosidade excessiva sobre sexo e particularmente sobre a

sexualidade de suas filhas) e 63% recordam de forma recorrente ou sonham com

violação sexual. Na pesquisa, estas mulheres sentiam medo que o pai entrasse no

quarto inesperadamente. Alguns sentiam a liberdade de importunar conforme seus

desejos, em alguns casos ajudavam suas filhas a se despirem. A reação era ficar

assustada e em guarda. Percebiam as mães como não afetivas e não protetoras

de si mesmas ou de suas crianças e com características de grande dependência. O

autor sugere que o sintoma teria o objetivo de manter o outro fora para manter a

integridade de seu corpo e de seu self. Também enfatiza o valor das aprendizagens

na etiologia, como: identificação com a mãe que não gostava de sexo ou que tinha

também vaginismo; homem não oferece segurança e são ameaçadores; mulher é

fraca e necessita de ajuda e o homem é dominador; intercurso sexual é ruim, mas o

homem precisa e a mulher é obrigada; a expressão dos sentimentos não é

tolerável.

22

Page 23: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

2.6.2 Incidência e Prevalência

Em 1977 quando Kaplan publicou seu livro “A Nova Terapia do Sexo” relatou

que não havia estudos estatísticos que revelassem a incidência e em sua opinião,

esta disfunção era rara. 28

O artigo de Graziottin de 2003 aponta que o vaginismo acomete menos que 1%

das mulheres férteis e é a principal causa de casamentos não consumados. 29

Segundo Kaplan e Sadock (1990) citado por Abdo 11, a incidência da dispareunia

é desconhecida.

2.6.3 Parceria e reações ao vaginismo

A condição que o vaginismo impõe ao relacionamento sexual pode ter um

efeito psicológico devastador tanto para a mulher como para seu parceiro. Para o

homem a penetração pode ser também muito dolorosa. A reação à disfunção da

mulher variará de acordo com sua vulnerabilidade psicológica e sexual. Poderá

gerar frustração pelo fato de não conseguir penetrar sua mulher, poderá interpretar

esta situação e a disfunção dela como uma rejeição a ele e/ou poderá inclusive vir a

desenvolver uma impotência secundária. A mulher poderá sentir-se amedrontada,

humilhada, frustrada e inadequada e até ser mobilizado o medo de ser abandonada

pelo marido. 28

O parceiro da mulher com vaginismo tem uma alta freqüência de disfunção

sexual. 32, 33,34

Segundo Silverstein 31, o parceiro tende a ser passivo (63,6), a ter aversão ou

medo de agressão e muitos foram controlados pela mãe, exibindo características de

agressividade passiva. A escolha do parceiro é influenciada pela internalização do

relacionamento com o pai, ou seja, elege-se o parceiro que tenha caráter oposto.

2.6.4 Tratamento

23

Page 24: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Para um diagnóstico preciso é necessário também investigar três questões:

onde dói, quando dói e quais são os sintomas associados. 29

O principal obstáculo para o tratamento é o padrão fóbico de evitar a

penetração. A paciente é única porque o medo da cura é maior que seu sofrimento

físico e psicológico. 28

A combinação entre o trabalho terapêutico e médico tem se mostrado ideal

para o tratamento da disfunção sexual feminina, principalmente quando é possível

incluir a parceria neste processo. Neste sentido, o contexto no qual a mulher

experienciou sua sexualidade é tão importante quanto sua fisiologia, e esta

integração é essencial para orientar a terapia medicamentosa e determinar a

eficácia do tratamento. 35

O tratamento para vaginismo envolve psicoeducação, técnicas de terapia

cognitivo comportamental, psicoterapia tematizada de tempo limitada e terapia

sexual. 24,11

As terapias de exposição imaginária de forma assistida para reconstrução

cognitiva de eventos passados, tem tido muita atenção por parte da ciência

psicológica por acreditar ser a chave para o processo de transferência e integração

dos fragmentos mnêmicos 52,60. Diante das várias opções de tratamentos

psicoterapêuticos, é importante ressaltar que o tipo de tratamento proposto

considere os recursos pessoais da paciente. 11

2.7 ABUSO SEXUAL

Devido aos altos índices de incidência e às sérias conseqüências para o

desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da vítima e de sua família, o abuso

sexual tem sido considerado um grave problema de saúde pública. 36

Há relatos de abuso sexual desde a Antiguidade. 37

Trata-se de um fenômeno transgeracional, que é encontrado em todas as

classes sociais, independentemente da raça, etnia, cor ou condição social. Estima-

se que ocorram no mundo cerca de 12 milhões de abuso sexual por ano 38.

24

Page 25: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Esta forma de violência pode ser definida como qualquer contato ou interação

entre uma criança ou adolescente e alguém em estágio psicossexual mais

avançado de desenvolvimento na qual a criança ou adolescente estiver sendo

usado para estimulação sexual do perpetrador. Esta interação sexual pode incluir

situações onde haja contato físico como toques, carícias, sexo oral ou relações com

penetração (digital, genital ou anal). Também é considerado abuso sexual,

situações às quais não há contato físico, tais como voyerismo, assédio e

exibicionismo. Estas interações são impostas às crianças ou aos adolescentes pela

violência física, ameaças ou indução de sua vontade. 36

Alguns estudos epidemiológicos têm apontado que a maioria dos abusos

sexuais contra crianças e adolescentes ocorre dentro das casas da vítima e são

realizados por pessoas próximas e que desempenham o papel de cuidador destas. 36

Às violências física e moral é acrescida a dor do descrédito e até mesmo a

inversão de papéis vítima-sedutor. É pouco provável que alguém passe impune por

uma experiência desta ordem, pois além do profundo sofrimento, muitas vezes o

jovem encontra a insensibilidade no adulto a quem recorre. 39

2.7.1 Abuso intrafamiliar

Os abusos são denominados intrafamiliares ou incestuosos mesmo não

havendo laços consangüíneos. É importante definir que toda interação sexual entre

uma criança e um adulto responsável seja tutor, cuidador, membro da família ou

familiar à criança, é considerada incestuosa. Neste sentido, incluem-se madrastas,

padrastos, tutores, meio-irmãos, avós e até namorados ou companheiros que

morem junto com o pai ou com a mãe, caso eles assumam a função de cuidadores. 11

2.7.2 A família incestuosa

25

Page 26: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

As famílias incestuosas apresentam relações interpessoais assimétricas e

hierárquicas prevalecendo uma desigualdade e/ou uma relação de subordinação.

Alguns fatores de risco vêm sendo constantemente verificados em famílias

incestuosas. Estes são: pai e/ou mãe abusados ou negligenciados em suas famílias

de origem, abuso de álcool e outras drogas, papéis sexuais rígidos, falta de

comunicação entre os membros da família, autoritarismo, estresse, desemprego,

indiferença, mãe passiva e/ou ausente, dificuldades conjugais, famílias

reestruturadas (presença de padrasto ou madrasta), isolamento social, pais que

sofrem de transtornos psiquiátricos, doença, morte ou separação do cônjuge. 36

Envolve questões culturais e de relacionamento, destacando-se a dependência

social e afetiva entre os membros da família que dificultam a notificação e mantém o

silêncio. 39

O abuso sexual é desencadeado e mantido por uma complexa dinâmica

familiar: A “Síndrome do Segredo” e a “Síndrome da Adição. A “Síndrome do

Segredo” está diretamente ligada ao repúdio social intenso que o agressor pode

gerar devido ao fato de sua psicopatologia ser a pedofilia. Então, o abusador e/ou a

família, à custa de ameaças e barganhas à criança abusada, se protege nesta teia

de segredo. 36,39

Há o esforço familiar para manter o status quo existente. A motivação que leva

a criança ou adolescente vítima do abuso a calar-se pode ser a culpa por ter

participado da interação, o medo das conseqüências e da desintegração familiar. É

primordial ressaltar que a criança pode sentir forte apego pelo abusador, com quem

mantém vínculo parental importante, e muitas vezes único. Outro fator que

influencia é que nem sempre a mãe acredita na criança. Esta negação psicológica

pode fazer com que a criança se sinta de alguma forma responsável pelo abuso.

Sente-se também levada a acreditar nisso porque muitas participam da interação

abusiva. Outro fato que colabora para isso é que o abusador muitas vezes transfere

para a criança a responsabilidade do ocorrido ou pelas conseqüências da

revelação, culpando-a se ele (pai, padrasto, padrinho ou outro) for para a cadeia e

também pela tristeza da mãe. Desta forma, a responsabilidade que sente pela

prática abusiva, somado ao sentimento de culpa são os elementos que mantém a

26

Page 27: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

“Síndrome do Segredo”. Muitas vezes mentem de forma consciente diante do temor

de serem castigadas e de não serem protegidas. 38

Na visão de terapeutas, o abusador age como um dependente químico. A

criança preenche o pólo passivo, coisificada e pronta para ser consumida. Na

“Síndrome da Adição” o abusador, por não conseguir se controlar usa a vítima para

obter excitação sexual e alívio da tensão, dependendo psicologicamente e, ao

mesmo tempo, negando esta dependência. Tem um comportamento de descontrole

do impulso frente ao estímulo gerado pela criança. 36

Segundo Azevedo 39, na situação de abuso sexual, o jovem é forçado a ser um

objeto de um jogo perverso que deixa marcas profundas no psiquismo das vítimas.

E ressalta: “Mesmo que a violência sexual não se constitua de um incesto, as

marcas psíquicas são profundas e a imagem corporal torna-se alterada”. Completa

ressaltando que os desenhos produzidos tendem a apresentar olhos persecutórios

e mãos soltas no espaço, inferindo serem as do perpetrador.

O pai biológico ou padrasto são os principais perpetradores. A mãe é a pessoa

mais procurada para a busca de ajuda. 36

Além da violência sexual, outros tipos de violência foram encontrados como a

psicológica, física, e também muitas formas de negligência. Esta mesma violência

contribui para a manutenção do segredo. 40

“O abuso sexual é caracterizado por uma progressão ascendente que inicia quando a criança é ainda pequena (5 a 10 anos nesta pesquisa) através de carícias mais sutis e torna-se mais explicito à medida que a criança cresce, ocorrendo a manipulação de genitais até relações sexuais orais ou genitais, freqüentemente na adolescência. Os abusos são mantidos em segredo, devido às ameaças e barganhas do abusador e aos sentimentos de vergonha e medo da vítima” (Valdívia, 2002). 40

3.7.3 A teia de conseqüências

As mudanças na criança podem ser observadas. O abuso sexual pode afetar o

desenvolvimento de crianças e adolescentes de diferentes formas, de acordo com

uma série de fatores combinados. 36

-Comportamento: conduta hipersexualizada, fugas do lar, diminuição no

rendimento escolar, masturbação exacerbada, inibição acentuada, uso de drogas e

27

Page 28: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

conduta delinqüente. A reprodução do ato libidinoso com outros é possível quando

não consegue encontrar uma resposta para o que lhe aconteceu. 36,39

-Vulnerabilidade e resistência: o temperamento dependendo do nível de

desenvolvimento neuropsicológico 36; o conhecimento sexual inadequado para a

idade. 39

-A existência de fatores de risco e proteção extrínsecos: recursos sociais,

funcionamento familiar, recursos emocionais dos cuidadores e recursos financeiros,

incluindo acesso ao tratamento. 36

-Rede de apoio: algumas conseqüências negativas são exacerbadas em crianças

que não dispõem de uma rede de apoio social e afetiva. 36

- Os fatores que influenciam o impacto do abuso sexual: saúde emocional

prévia, crianças com saúde emocional positiva antes do abuso tendem a sofrer

menos efeitos negativos. 36

Tendo em vista a sexualidade infantil, o prazer que ela possa vir a sentir

aumenta mais a confusão, misturando-se à dor e à angústia. 39

- Tipo de atividade sexual: alguns dados sugerem que formas de abuso mais

intrusivas, como a penetração, resultam em mais conseqüências negativas; duração

e freqüência dos episódios abusivos. 39

- Reação dos outros: a resposta negativa da família ou dos pares à descoberta do

abuso acentua os efeitos negativos (família, amigos e juízes atribuindo a

responsabilidade à criança); dissolução da família depois da revelação; criança

responsabilizando-se pela interação sexual; e, quando a vítima recebe recompensa

pelo abuso e o perpetrador nega que o abuso aconteceu. 36

Uma pesquisa com o objetivo de mapear os números e os elementos

importantes para o estudo da violência sexual foi realizada na Cidade do México.

Sobre uma das conseqüências importantes encontraram a possibilidade da vítima,

quando em idade fértil, de engravidar. A possibilidade disto acontecer é de 20%. As

conseqüências psicológicas podem ser graves. 41

2.7.4 Aspectos psicodinâmicos

28

Page 29: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Crianças ou adolescentes podem desenvolver quadros de depressão,

transtornos de ansiedade, alimentares, dissociativos, hiperatividade e déficit de

atenção e transtorno de personalidade borderline, fobias e ideação paranóide. 36,37

A psicopatologia decorrente do abuso sexual mais citada é o transtorno do

estresse pós-traumático. As vítimas podem apresentar crenças disfuncionais

envolvendo sentimentos de culpa, diferenças em relação aos pares e desconfiança. 36

Segundo estudos, o abuso sexual aumenta o risco de suas vítimas

apresentarem transtorno do estresse pós-traumático. Também são descritas

dificuldades nos relacionamentos sexuais. A saúde mental e a futura adaptação

social das vítimas serão afetadas dependendo do tipo de violência e a capacidade

de reação frente às situações de estresse. 30

O impacto negativo do abuso sexual para o desenvolvimento cognitivo, social e

afetivo é demonstrado por vários estudos, inclusive com o desenvolvimento de

sintomas psiquiátricos pelas vítimas. Os problemas identificados nestes casos

foram, principalmente, mentais e psicológicos (33,3%), problemas respiratórios

(27,8%), problemas decorrentes de negligência com a higiene (16,7%), problemas

viróticos ou bacteriológicos (11,1%), HIV (11,1%) e congênitos (11,1%). 36

Pode ser observada em crianças e adolescentes em situação de abuso a

mudança súbita de comportamento. Podem apresentar distúrbios alimentares e

afetivos, comportamentos auto ou heteroagressivos e pesadelos. Também podem

apresentar medo, perda de interesse generalizada, isolamento social, déficit de

aprendizagem e de linguagem, baixa auto-estima, fugas, idéias suicidas, homicidas

e automutilação. 37

Os sentimentos de medo, raiva e vergonha da vítima em relação ao

perpetrador, são comuns, principalmente em casos de abuso sexual intrafamiliar,

uma vez que a relação de confiança e o vínculo afetivo são rompidos devido à

violência. Com relação à situação abusiva, os estudos apontam que as crianças

desenvolvem crenças distorcidas, tais como percepção de que são culpadas pelo

ocorrido, de que são ruins e diferentes de outras crianças com a mesma idade, bem

como apresentam alterações na percepção quanto à confiança interpessoal. 36

29

Page 30: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Dados sugerem que cerca de 20% a 30% das crianças maltratadas tornar-se-

ão os adultos violentos, confirmando que o abuso sexual é um fenômeno

transgeracional. 38

Diversas parafilias têm sido relacionadas ao abuso sexual freqüente. Estudos

apontam que quanto mais recorrente o abuso, pior os problemas psíquicos,

comportamentais e de relacionamento. Há alteração da vivência da sexualidade

humana entendendo-se esta como a integração das dimensões somáticas,

emocionais, intelectuais e sociais do ser humano. Estima-se que entre 85% a 90%

dos pacientes com problemas psiquiátricos foram vítimas de maus-tratos na

infância, com predominância do abuso sexual. As repercussões na saúde mental de

crianças que sofreram abuso antes dos 13 anos são duradouras. 37

Geralmente a criança abusada sexualmente não tem facilidade de confiar num

adulto novamente, uma vez que foi violentada por um deles. 38

2.7.5 Perfil da vítima

Nos casos estudados em processos jurídicos do Ministério Público Estadual do

Rio Grande do Sul/Brasil entre os anos 1992 e 1998, a situação de abuso sexual foi

confirmada pela maioria das vítimas (88,3%) para diferentes instituições como

Conselho Tutelar (47%), Juizado da infância e Juventude (39,8%), mãe (36,1%),

delegacia de polícia (31,3%), Ministério Público (26,5%), entre outras. 36

O Centro de Referência da Criança e do Adolescente em conjunto coma

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto e a Faculdade de Medicina de Ribeirão

Preto da Universidade de São Paulo, realizaram um estudo sobre 234 agressões

sexuais perpetradas por 210 agressores. A mulher é a vítima preferencial. Com

relação à faixa etária, 58% das vítimas tem idade entre 0 e 12 anos incompletos. 42

Os estudos epidemiológicos apontam que há uma maior prevalência de vítima

do sexo feminino (80,9%), enquanto que apenas 19,1% das vitimas eram do sexo

masculino. A idade de início dos abusos concentrou-se em três faixas etárias,

sendo que 10,6% das crianças apresentavam idade entre 2 e 5 anos, 36,2% destas

tinham entre 5 e 10 anos e 19,1% tinham entre 10 e 12 anos. 36

30

Page 31: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

2.7.6 A percepção das vítimas com relação ao perpetrador

Na maioria das vezes o abusador é próximo e a vítima faz pouca resistência. A

criança é ensinada a desconfiar de estranhos e a ser obediente e afetuosa aos

adultos conhecidos. Então, sem saber o que fazer e sem entender, a criança se

adapta. Como não foi protegida, sua única opção muitas vezes é aceitar. 39

No estudo dos processos jurídicos do Ministério Público Estadual do Rio

Grande do Sul/Brasil entre os anos 1992 e 1998, a percepção das vítimas com

relação ao perpetrador foi encontrada em alguns processos (58,5%). A maioria das

crianças e dos adolescentes expressava desejo de ficar afastada do agressor

(41,8%) e sentia medo deste (38,2%). Com relação à percepção da agressão,

31,9% dos documentos e dentre estas, as crianças afirmam não ser favorável à

situação, ou seja, não consentiram, buscando evitá-la, ou manifestaram sua falta de

compreensão quanto à experiência abusiva. 36

2.7.7 Denúncia e subnotificação

Neste mesmo estudo, a violência sexual foi denunciada pela mãe da vítima em

37,6% dos casos, por parentes em 15,1%, pela própria vítima em 29% dos casos,

por instituições como escola, hospital em 6,5% dos casos. Cabe ressaltar que em

61,7% dos casos, alguém já sabia do abuso e não denunciou. Desses, 55,2% era a

mãe, 54,3% eram irmãos, 22,4% parentes, 5,2%pai, 1,7% escola e 10,3% outros.

A subnotificação é uma realidade e ocorre devido a muitos fatores, tais como

os sentimentos de culpa, vergonha e tolerância da vítima; a relutância do relato

médico e da comprovação, o medo da dissolução da família, o despreparo dos

profissionais da área das instituições por onde a notificação os fará passar. 36

Neste momento, a criança é ao mesmo tempo vítima e testemunha do abuso

sexual, cujas conseqüências poderão ser muito intensas. Neste sentido, pode-se

supor que os efeitos da revelação são mais perigosos do que o próprio abuso, o

que gera mais angústia, medo e ajuda a manter o silêncio. 39

31

Page 32: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

2.7.8 Pedofilia: um transtorno de preferência sexual

Ao longo da história, vários acontecimentos promoveram a associação entre

Sexualidade e Psiquiatria. A influência freudiana, com os estudos centrados na

libido e na associação da sexualidade às neuroses, enfatizou ainda mais esta

ligação. Até hoje, nas escolas ou clínicas médicas, o departamento de psiquiatria é

ligado ao ensino ou ao tratamento de problemas ligados à sexualidade. 11

A pedofilia é um transtorno de preferência sexual 25 ou parafilia 18. Os

transtornos de preferência são caracterizados por fantasias, pensamentos ou

comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, pessoa não

adulta, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento significativo,

humilhação para si e/ou para outro, ou prejuízo no funcionamento social ou

ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. É sabido que

geralmente ocorrem em pessoas que apresentam dificuldades para a formação de

vínculo. A parafilia é um transtorno de preferência sexual cuja anomalia está no

estímulo, na escolha do objeto para o orgasmo. 11

Segundo o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtosnos Mentais

– Quarta Edição) (APA 1995) 25, o pedófilo tem um transtorno de preferência sexual

porque apresenta fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, desejos

e práticas sexuais com crianças ou púberes por um período não menor do que seis

meses. Para ser considerado como tal, o indivíduo deve ter 16 anos ou mais e ser

mais velho que a vítima pelo menos 5 anos.

Uma pequena parcela da população tem práticas parafílicas. Este transtorno é

predominante no homem, com início anterior aos dezoito anos. A proporção

aproximada é de vinte homens para uma mulher.11

Os fatores etiológicos apresentam-se variados e pouco conhecidos, mas se

sabe que existem tanto fatores orgânicos como psicossociais envolvidos. 2

Em pedófilos, o hormônio luteinizante é aumentado. 43

As vivências emocionais vinculares durante o processo de maturação

psicossexual, influenciam a formação de sintomas parafílicos. Sentimentos de

repressão sexual, adquiridos no processo de individuação pessoal, história de

32

Page 33: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

abuso sexual na infância, superproteção ou desorganização familiar são elementos

recorrentes nestes casos. Na anamnese sexual, é comum observar relatos de

abuso sexual na infância por parte dos pedófilos. 43

Quinsey relatou em seu artigo “The Etiology of Anomalous Sexual Preferences

in Men” que o processo de descoberta da escolha do interesse sexual tem início

antes a puberdade. Em seus estudos também afirma que a grande maioria dos

pedófilos relata que na infância tinha curiosidade em ver crianças nuas e não

adultos. Coloca que a brincadeira de conotação sexual entre as crianças é muito

comum e intuitivamente interessante, e que perto da puberdade há uma

desvalorização desta categoria de relacionamento para indivíduos que não tem

transtorno de preferência. 44

As teorias psicodinâmicas explicam a causa para o transtorno de preferência

sexual como sendo a parada do desenvolvimento sexual ou regressão, ainda na

infância. Sendo assim, estaria associado ao medo do sexo normal o que levaria o

indivíduo a buscar um substituto para a prática sexual. Há teorias que associam a

etiologia ao condicionamento de determinadas experiências sexuais precoces.

Outros estudos enfatizam uma insuportável ansiedade associada a defesas

ocultadas neste desvio. O medo em questão seria o de ser castrado ao cercar-se de

adultos. São normalmente tímidos ou este retraimento está associado a

comportamentos psicopatológicos. Para não ser descoberto, o pedófilo tende a agir

com muita cautela. Geralmente são impulsivos e têm baixa auto-estima. 11

É freqüente a associação de distúrbios sexuais e psiquiátricos com sintomas

parafílicos. 43

Há casos de comorbidade entre síndrome de dependência ao álcool e

pedofilia. Há poucas informações sobre a prevalência deste transtorno porque os

indivíduos só procuram ajuda médica diante de forte pressão familiar ou mesmo de

autoridades legais. 11

2.8 O TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

De acordo com Charles Darwin 45, em seu livro “A Expressão das Emoções nos

Homens e nos Animais”, há uma seqüência de ações e reações do homem e dos

33

Page 34: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

animais frente a situações excessivas, ou seja, de extrema ameaça. Inicia com

alguma situação que o deixa ansioso sem perspectiva momentânea de alívio e em

seguida, passa a fazer movimentos violentos e desordenados. Mas se fica exposto

à mesma situação por um período prolongado, deixa de movimentar-se e entra num

estado de imobilidade e passividade. Devido a isso, a circulação torna-se mais lenta

e a palidez se faz evidente, a musculatura fica sem tônus, as pálpebras caem, a

cabeça tende a inclinar-se sobre o peito, as bochechas, os lábios e o maxilar

inferior, pendem com seu próprio peso, como se a pessoa desmoronasse sobre si

mesma.

Segundo Assumpção 46 ocorrem situações cuja experiência emocional humana

mostra homogeneidade racial e geográfica quanto à evocação do medo e da

ansiedade, de tal forma que nos leva a associar que certas reações ao medo

ligadas à sobrevivência estejam presentes em seres humanos. Neste sentido é

importante destacar que o homem, mais do que qualquer outra espécie tem muito

mais flexibilidade de reações, mas suas possibilidades não são infinitas A palavra

estresse foi utilizada pela primeira vez em 1936 pelo médico canadense Hans

Selye, para descrever um conjunto de reações que observava em alguns pacientes.

Este propôs que diferentes demandas e pressões da vida produzem uma

síndrome estereotipada que pode levar à doença e a chamou de “síndrome geral de

adaptação”. Identificou três fases sucessivas chamadas de alarme, resistência e

exaustão. Na fase de alarme o organismo se adapta à agressão. Na fase de

resistência a adaptação se consolida e torna-se crônica. Na fase de exaustão o

organismo se fragiliza e adoece. Enfatiza que num primeiro momento da adaptação

a resposta é útil, mas que posteriormente se torna deletéria. 47

É muito importante o reconhecimento do quadro de Transtorno do Estresse

Pós Traumático tanto pelo comprometimento que ele acarreta ao indivíduo quanto

pela sua prevalência. Segundo a Associação Psiquiátrica Americana, em sua

terceira revisão, o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais 18, a

característica fundamental da reação de estresse pós-traumático é o

desenvolvimento de sintomas próprios após a exposição ao fato estressor. Na

definição de transtorno de estresse pós-traumático: 308.3- Especifica-se Agudo

34

Page 35: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

(sintomas com duração inferior a três meses), Crônico (para sintomas com duração

de três meses ou mais) e Tardio (se os sintomas iniciam 6 meses após o evento

traumático).

Para as crianças, eventos sexualmente traumáticos podem incluir experiências

sexualmente inadequadas ao seu desenvolvimento, mesmo que sem violência ou

danos físicos reais ou ameaçadores.

Considerando os critérios do DSM-IV para Reação Aguda ao Estresse há a

exposição do indivíduo ao evento traumático, onde este deve ter apresentado um

medo intenso, ou uma forte sensação de impotência, onde passou a apresentar três

ou mais sintomas dissociativos: sentimento subjetivo de anestesia, uma redução da

consciência, desrealização, despersonalização e amnésia dissociativa. Contempla-

se a revivescência do evento traumático através de imagens, pensamentos, sonhos,

ilusões e episódios de flashback recorrentes, a esquiva de estímulos que provocam

a recordação do trauma, os sintomas acentuados de ansiedade e ocorre dentro de

quatro semanas do evento traumático. 18

O Transtorno do Estresse Pós-Traumático (309.81) é definido pelos aspectos

classificatórios abaixo:

A. Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram

presentes:

(1) A pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos

que envolveram morte ou grave ferimento, que podem ter sido reais ou ameaçados.

Pode ter ocorrido uma ameaça à integridade física de alguém ou da própria pessoa.

(2) A resposta da pessoa envolveu horror, impotência ou medo intenso.

Nas crianças isto pode ser expresso por comportamento desorganizado ou agitado.

B. O evento traumático é persistentemente revivido de uma ou de várias maneiras:

(1) As recordações do evento são recorrentes e intrusivas, incluindo imagens,

pensamentos e percepções.

(2) Sonhos aflitivos recorrentes do evento.

(3) Sentir ou agir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente.

Inclui sentimento de revivência, ilusões, alucinações e episódios de flashbacks

dissociativos.

35

Page 36: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Em crianças, os sonhos podem ser muito amedrontadores sem que seu

conteúdo seja identificável. O conteúdo e aspectos do trauma podem ser expressos

através de jogos repetitivos, ou até mesmo de uma reencenação específica da cena

vivida.

C. Comportamento de esquiva de estímulos associados ao trauma e

entorpecimento da responsividade geral não presente antes do evento traumático.

Podendo haver três ou mais quesitos:

(1) Esforço para evitar qualquer sentimento, pensamento ou conversa associada ao

trauma.

(2) Esforço para evitar locais, pessoas ou atividades que estejam associadas ao

trauma e que a façam recordar.

(3) Incapacidade de recordar algo do evento traumático.

(4) Diminuição do interesse ou da participação por outras atividades significativas.

(5) Sensação de distanciamento com relação às outras pessoas.

(6) Restrição com relação à afetividade.

(7) Sentimentos de um futuro abreviado, não vendo possibilidade de voltar a ter

uma vida normal.

D. Sintomas persistentes de excitabilidade (não presentes antes do trauma). Pode

haver dois ou mais quesitos:

(1) Dificuldade de conciliar ou de manter o sono.

(2) Surtos de raiva ou irritabilidade.

(3) Dificuldade em concentrar-se.

(4) Hipervigilância.

(5) Resposta de sobressalto exagerada.

E. Com relação à duração da perturbação, se for superior a um mês, tendo em vista

os sintomas dos critérios B, C e D.

F. A perturbação proporciona prejuízo no funcionamento ocupacional ou social ou

em outras áreas importantes para a vida do indivíduo, causando um sofrimento

significativo.

36

Page 37: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Segundo a Classificação Internacional de Doenças em sua décima revisão-

(OMS, 1993) 23, podem-se destacar diferentes categorias diagnósticas relacionadas

a eventos traumáticos: Na categoria “Reações ao estresse grave e transtornos de

adaptação” (F43) são incluídos os transtornos que são considerados respostas

inadaptadas a um estresse grave ou persistente.

A “Reação Aguda ao Estresse” (F43.0)

A- Caracteriza-se por ser um transtorno transitório que ocorre em indivíduo que não

apresenta nenhum outro transtorno mental manifesto, em seguida a um estresse

físico e/ou psíquico excepcional.

B- Os sintomas iniciam uma hora após a exposição ao estressor.

C- É graduada como Leve (F43. 00) quando apenas o critério 1 abaixo é

preenchido. É Moderada (F43. 01) quando o critério 1 é preenchido e há pelo

menos dois sintomas do critério 2. E é Grave quando o critério 1 é satisfeito e há

quatro sintomas do critério 2 ou estupor dissociativo.

D- Quando o estressor é transitório ou pode ser aliviado, os sintomas começam a

diminuir em não mais de 8 horas ou em alguns dias e apresentação de

sintomatologia que inclui a fadiga de combate, o estado de crise e o choque

psíquico.

Critério 1: Os critérios B,C e D para transtorno da ansiedade generalizada são

satisfeitos.

Critério 2: Retraimento da interação social diminui atenção, desorientação aparente,

raiva ou agressão verbal, desespero ou desesperança, hiperatividade inadequada

ou sem propósito, pesar incontrolável e excessivo.

Aparecerão os sintomas dissociativos como redução de consciência quanto às

coisas que estão ao seu redor, desrealização, despersonalização e incapacidade

para recordar algum aspecto do trauma, ou pelo menos três sintomas. Esse

transtorno tem a duração de dois a trinta dias. Passa a reviver o evento traumático

através de sonhos, pensamentos e imagens, passando a evitar situações que

recordem o trauma.

O “Estado de Estresse pós-traumático” (43.1) constitui uma resposta retardada

ou protraída a uma situação ou evento estressante de natureza ameaçadora ou

37

Page 38: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

catastrófica. Os sintomas incluem a revivescência repetida do evento traumático

sob a forma de lembranças invasivas (flashbacks), de sonhos ou pesadelos.

Ocorrem num contexto durável de embotamento emocional, de retraimento com

relação aos outros, insensibilidade ao ambiente, anedonia e de evitação de

atividades ou de situações que possam despertar a lembrança do traumatismo. Os

sintomas geralmente se acompanham de uma hiperatividade neurovegetativa, com

hipervigilância, estado de alerta e insônia, associadas freqüentemente a depressão,

ansiedade ou ideação suicida. O transtorno pode apresentar uma evolução crônica

durante anos e proporcionar uma alteração duradoura da personalidade. Estão

presentes outras categorias “Outras reações ao estresse Grave” (F43.8) e “Reação

ao Estresse Grave não Especificada” (43.9).

Buck 48 afirma que, no mais primitivo processo chamado de Emoção I, a meta é

o corpo. Envolve a homeostase e a adaptação do meio corporal interno e a

adaptação do organismo às mudanças externas. Todas as partes do cérebro são

envolvidas no evento traumático, alterando-se sua atividade. Ainda o autor,

distinguiu três estágios de resposta ao estresse:

1. Reação ao alarme: início da mobilização das defesas, incluindo descargas

de adrenalina e noradrenalina na corrente sanguínea e o envolvimento de reações

de fuga ou luta. É um primeiro momento onde tem por objetivo preservar a

integridade do organismo.

Assumpção 46 afirma que na criança, esta fase caracteriza-se pela utilização de

um repertório comportamental limitado e inclui mudanças na expressão facial, nos

movimentos corporais e nas vocalizações com o objetivo de atrair a atenção e o

cuidado.

2. Estágio de Resistência: há uma melhor organização de resistência frente ao

fato estressor. Esta pode eliminar o estresse ou este pode persistir por um tempo

maior, ou ainda, novos mecanismos estressores podem ocorrer. São descritos

mecanismos dissociativos na criança que a afastam dos estímulos externos.

Envolvem distraibilidade, devaneios, fugas, fantasias, despersonalização e, em

casos extremos, catatonia.

38

Page 39: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

3. Estágio de exaustão: o corpo vai tendo sua resistência cada vez mais

diminuída e podendo ter até sua morte. O indivíduo reage a esses mecanismos

estressores como “doenças de adaptação”. São exemplos, o aumento da pressão

arterial, os altos níveis de ACTH e corticóides levando até mesmo a formação de

ulcerações. Muitos são os problemas neuropsiquiátricos conseqüentes de estresse

pós-traumático e traumas infantis. A experiência traumática afeta o desenvolvimento

global, interferindo de modo importante no desenvolvimento cognitivo, afetivo, físico,

social e comportamental.

Ainda segundo Buck 21, no outro sistema denominado Emoção II acontece o

acionamento de um sistema de códigos com características pré-lingüísticas,

fazendo com que se percebam os estados emocionais envolvidos no estímulo. E o

terceiro sistema Emoção III, vinculado aos mecanismos cognitivos, permite que

sejam identificadas as emoções antes que cheguem a pontos incontroláveis, para

que soluções possam ser encontradas, de maneira adaptada, de acordo com a

situação e do estado do organismo em questão. Afirma também que é indissolúvel a

ligação afetividade-inteligência, onde as motivações de caráter afetivo impulsionam

a inteligência, que por sua vez lapida e organiza os impulsos afetivos às

necessidades do organismo em seu processo de adaptação.

A manifestação do estado de ansiedade caracteriza-se pela existência de

algum tipo de ameaça ao bem-estar. Pode estar ligado a uma experiência real ou

sem nenhuma causa aparente. 46

Pagani 47 salienta a importância do comportamento de esquiva e a função do

medo para a preservação do indivíduo e da espécie, mas que por outro lado,

segundo a ação da ansiedade é geradora de muitos transtornos neuróticos e

conforme Bond citado por Pagani47 tem efeito deletério também sobre o

desempenho. Com os estudos de Cannon em 1925, pode-se provar que as

agressões externas e as emoções do indivíduo provocam alterações nos diversos

sistemas do organismo. Seguindo esta linha, o psicólogo Albert Ax em 1953

investigou com polígrafo 43 indivíduos durante estados de medo e raiva. Dentre as

conclusões, destacamos a que se refere mais diretamente sobre o nosso estudo.

Ficou comprovado que há grande variabilidade de resposta entre os indivíduos para

39

Page 40: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

um mesmo estado emocional e menor variabilidade intra-indivíduo, ou seja, as

respostas do mesmo indivíduo são similares quando expostos ao mesmo estímulo

duas vezes. 47

Segundo Keleman1, este movimento acontece dentro de um continuum e são

padrões do reflexo do susto. Este padrão é uma ação de auto-regulagem. Uma vez

fixada certa configuração deste padrão, a pessoa passa a ser afetada

somaticamente e emocionalmente, dando origem a autovisões, autopercepções e

auto-imagens de acordo com o funcionamento e organização somática. É o

excessivo não assimilado provocando certo padrão de respostas fixas e

recorrentes. O corpo da experiência do estresse pós-traumático. Na figura 5

apresentamos a ilustração do autor adaptada (Keleman,1992).

Figura 5. A forma corporal é uma declaração lentificada: Da asserção à derrota.

A

B

C D E F

Figura 5 A: Trata-se do momento da interrupção da atividade presente. É uma

postura de alerta, de proteção, que envolve investigação e cautela sem ser

combativo. Há um aumento da atividade excitatória do tônus muscular e uma

alteração na peristalse global a fim de proporcionar suporte ao estado de alerta.

40

Page 41: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Figura 5 B: Aqui começa o distresse com a excitação e pulsação intensificadas. A

estrutura se retesa ainda mais, aumentando a pressão interna, como uma forma de

demonstrar desagrado e na tentativa de estabelecer limites.

Figura 5 C: O padrão de aversão começa com uma prontidão para se desviar de

uma reação de ataque. Permanece na situação, mas começa a se dissociar. É o

começo da desorganização.

Figura 5 D: A excitação diminui, as mãos inativas expressam submissão e surge a

impotência. Não se move e não cede, tende a permanecer fora do contato e a

apresentar respostas de choro e pânico.

Figura 5 E: Caracteriza-se pelo recuo e estado de submissão. A pressão do peito se

reduz. A excitação decai.

Figura 5 F: A bolsa abdominal pélvica colapsa, o diafragma se achata na posição de

expiração, a respiração acontece mais na região abdominal concomitante ao estado

de desesperança e apatia.

Para o autor, o excessivo, a situação traumática, pode vir de eventos internos

ou externos ao indivíduo. Pode ser exemplificado: natureza da disciplina recebida

em casa, a forma de uma família lidar com a sexualidade, efeitos da guerra, abusos

verbais, abusos físicos, entre muitos outros. A intensidade da agressão depende do

momento do desenvolvimento do indivíduo, da freqüência, da fonte (grau de

proximidade) e da duração. Esta seqüência se chama continuum do susto e

estresse: da asserção à derrota. E mostra simultaneamente dois fenômenos: os

padrões do reflexo do susto e os padrões de estresse 1. Ainda Segundo Keleman:

Sobre a Figura 5 na seqüência A, B, C, apresenta:

Na primeira metade do continuum do susto, dois processos estão acontecendo

simultaneamente. O processo de expansão, alongamento e o de voltar-se para fora,

para o ambiente. E o de contração e compressão. Os dois processos se articulam

para promover o movimento de tornar-se maior. Frente ao excessivo contínuo ou

cumulativo, o organismo resiste ou cede. Reagir é tornar-se mais sólido, endurecer,

enrijecer e adensar. É uma forma herdada de reagir à agressão quando esta cria

uma grande excitação interna. Esta intensificação da forma corporal ajuda na

investigação e promove a asserção sobre o acontecimento. Esta resposta de susto

41

Page 42: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

inicia com alterações na parte superior do corpo, com rigidez da espinha,

rebaixamento do diafragma, abertura das vias aéreas e represamento dos pulmões,

com a extensão para isolar o estímulo e focalizá-lo, mantê-lo sob vigilância, como

uma postura de proteção. Na seqüência, aumenta o retesamento, o desagrado, o

orgulho. A bolsa abdominal se comprime, o peito sobe em inspiração, os sentidos

se concentram na fonte extressora, a excitação se intensifica e a pulsação dos

órgãos aumenta. É a postura que mostra o desagrado, o estabelecimento de limites

com prontidão para a ação. Sobre a figura 5 C da seqüência, o autor a indica como

sendo o início da dissociação, da desorganização. O indivíduo permanece na

situação e isso provoca rigidez, aversão, medo. Há uma mudança na orientação.

Antes, expansivo, alongado, de frente para o mundo, atento. Agora o padrão de

aversão inicia uma prontidão para se desviar do fato estressor. É um momento de

muita instabilidade e insegurança, não sabe se deve ficar de frente, fugir ou se

dobrar. A tendência é de a pélvis e os pés serem puxados para cima. Mas à medida

que não tenha êxito e o excessivo aumenta, o organismo torna-se mais líquido,

tende a perder a sua forma, diminuindo acentuadamente a peristalse global.

Sobre a Figura 5 D,E,F, coloca:

A segunda metade das posições de susto envolve o movimento de tornar-se

menor. Distorce a contração normal, o movimento do self para dentro e de

afastamento do mundo. As primeiras posturas do continuum do susto são

temporárias e utilizadas para emergências e as últimas são a continuação, a

intensificação e a consolidação das posições em estados tissulares de estresse.

Em seus estudos sobre o reflexo do susto pesquisou sobre a alteração de

sentimentos, emoções, pensamentos, mudança na musculatura, na postura, no

formato do diafragma e na relação do corpo com a linha gravitacional da terra, na

espessura das paredes corporais e distanciamento entre as bolsas. Verificou que as

respostas de estresse fixam o organismo em algum ponto de uma série de

respostas de emergência – excitadas ou inibidas. A pulsação se acelera ou se

reduz afetando toda a interação entre tubos, camadas, bolsas e diafragmas. Se isso

se prolonga, o resultado é uma mudança permanente na forma e no funcionamento

dos órgãos e camadas. A desestabilização temporária pode gerar uma fixação da

42

Page 43: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

condição excitatória e não voltar ao ciclo pulsátil normal criando um padrão de

estresse.

Figuras 6 e 7 foram extraídas do livro “Anatomia Emocional” e apresentadas na

forma adaptada 1.

Figura 6. Exemplo de fixação da condição excitatória de asserção sobre o fato

estressor. Ao criar mais forma, estrutura, limites e solidez, o organismo torna-se

overbound.

Figura 7: Exemplo de fixação da condição excitatória:

derrota frente ao fato extressor. Ao ceder, frente ao excessivo, o organismo

amolece. Ao criar menos forma, menos estrutura, menos limites e um estado mais

43

Page 44: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

liqüefeito, o organismo torna-se underbound. Apresenta falta de foco e de

contenção.

VALDIVIA40 coloca que o gênero irá

influenciar o estilo de defesa e as estratégias de

enfrentamento da criança, a disponibilidade e a

utilização do apoio social e as expectativas de

respostas e a recuperação. Alguns

estudos apontam para a possibilidade de meninas serem mais

sintomáticas do que meninos. A idade também pode influenciar no tipo de resposta

e sintomatologia. Assim, as características da relação familiar, a capacidade dos

pais manejarem a situação traumática, os padrões culturais, as crenças, a

exposição a riscos e o acesso à proteção influenciam na resposta da criança. O

autor propõe que, para se pensar a etiologia, englobando as mais diferentes causas

deste quadro, pode-se pensar na inter-relação de diferentes paradigmas em um

modelo biopsicossocial.

Assim temos a etiologia segundo:

Modelo psicanalítico: que afirma que a experiência do trauma psíquico rompe os

mecanismos de defesa do ego que mobiliza as defesas psicológicas tais como a

projeção, a repetição compulsiva, a negação, a dissociação e a identificação com o

agressor.

Modelo de aprendizagem social: considera que o evento traumático atua como um

estímulo não condicionado que desencadeia uma resposta reflexa não

44

Page 45: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

condicionada de medo extremo e percepção cognitiva de estar indefeso. Este

modelo ressalta que os sinais cognitivos, afetivos, fisiológicos e ambientais que

acompanham o evento traumático passam a ser os estímulos condicionados que

desencadeiam as respostas condicionadas em forma de sintomas de Transtorno do

Estresse Pós-Traumático.

Modelo neurobiológico: amplo e refere-se a múltiplas trocas neurofisiológicas e

neurobiológicas que ocorrem em resposta ao trauma. A resposta inicial de

hiperativação ativaria o sistema simpático como forma de preparação para a “fuga

ou luta”, o que é um sistema menos amadurecido nas crianças do que nos adultos,

e possivelmente em crianças pequenas esta ativação tenderia melhor a alertar seus

cuidadores. Em caso de persistir a ameaça traumática sem a criança poder contar

com ajuda, a resposta se modifica passando para um estado de congelamento ou

imobilização, com possibilidade de dissociação e resposta de derrota com ausência

de reação emocional, indiferença ao mundo externo, possivelmente acompanhado

de evitação, embotamento e tendências fantasiosas.

Somente agora está se compreendendo sobre o impacto da massiva

liberação de neurotransmissores (noradrenalina, serotonina, dopamina, GABA) e do

fator liberador de corticotrofina com a ativação do hipotálamo-hipófise-suprarrenal.

Pode-se pensar nas alterações funcionais e estruturais que ajudam a explicar as

seqüelas em longo prazo do trauma psíquico nos cérebros em desenvolvimento. 40

Um trabalho de revisão de Câmara Filho JW & Sougey EB49 realizado na

Universidade Federal de Pernambuco, desenvolve as questões da comorbidade do

Transtorno do Estresse Pós-Traumático de forma minuciosa e didaticamente

interessante. Dividem a sintomatologia em três grupos: a hiperexcitabilidade

psíquica, a reexperiência traumática e a relacionada ao comportamento de esquiva

e de distância emocional.

Hiperexcitabilidade psíquica: Diz respeito a sintomas generalizados que

anteriormente seriam reflexos de uma excitação fisiológica extrema em resposta a

estímulos. Uma vez em contato com estímulos-trauma, aparecem outras reações

como tonturas, cefaléias, parestesias, sudorese, “formigamentos”, constrição

45

Page 46: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

precordial, taquicardia mudança no padrão de respiração e insônia. Também a

irritabilidade pode aumentar até alcançar a explosividade. Estão sempre em

hipervigilância, constantemente verificando o ambiente, com respostas exageradas

de sobressalto, agindo como se esperassem pelo pior. A resposta

musculoesquelética súbita varia de uma simples contração até a organização de

posturas de defesa como resposta a estímulos inócuos. Há ao mesmo tempo uma

generalização do medo, passando do estímulo à ação sem tempo para a reflexão,

com pouca ou nenhuma avaliação do estímulo e incapacidade de modular

respostas. 41

Reexperiência traumática: No indivíduo pós-traumatizado estão presentes as

lembranças intrusivas e recorrentes, vivenciando a experiência de forma

contemporânea. Além disso, as lembranças apresentam-se de forma fixa, sem

modificações produzidas pelo tempo e são carregadas de forte componente

emocional e afetivo, com intenso sofrimento e estado de angústia. As lembranças

irrompem mesmo através de pequenos estímulos que conseguem reativar as

memórias com muita semelhança, ou seja, nitidez e intensidade do acontecimento

traumático. O estímulo pode ser do mais específico ao mais genérico, como por

exemplo, o fato de estar chovendo, de tocar o telefone ou outros. Os estímulos

criam uma atmosfera na qual o indivíduo não se sente seguro mesmo que estiver

em ambiente protegido e depois que as lembranças aparecem, não são facilmente

interrompidas. As lembranças, freqüentemente encontram-se fragmentadas por

dissociação primária e podem estar guardadas em fragmentos sensoriais com

pouco ou nenhum componente de linguagem. Com a elaboração psíquica da

experiência estes fragmentos tendem a integrar, a ponto de formar uma narrativa do

acontecimento. Estas lembranças fragmentadas podem estar em imagens, odores,

sensações físicas, barulhos ou emoções. Os autores colocam a palavra

“reexperiência” quando falam do acesso por parte do paciente aos estímulos e às

lembranças e afirmam que pode aparecer sob forma de sonhos ou na forma de

flashback, cujo revivescimento pode incluir, com pouca freqüência, até alucinações

visuais ou auditivas e despersonalização. 49

46

Page 47: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Alguns pacientes com Transtorno do Estresse Pós-Traumático apresentam

quase sempre sem perceber a tendência a reexposição compulsiva a novas

situações que possam vir a ser traumáticas, de certa forma semelhante à cena

inicial. A criança demonstra esta questão através dos jogos repetitivos (evocam o

trauma, contém aspectos sombrios, não se modificam com o tempo) e em

adolescentes traumatizados observam-se comportamentos de risco (delinqüência,

uso de drogas de adição ou vida sexual de risco). Em adultos que sofreram

violência e/ou abuso no contexto familiar aparece a tendência da repetição na

busca e na escolha da parceria quando adulto, e assim repetir no convívio as

mesmas atitudes. 49

Esquiva e distanciamento emocional: A esquiva aparece como um mecanismo de

defesa contra os estímulos que possa desencadear lembranças que provocam o

aparecimento dos sintomas intrusivos, o aumento da ansiedade, da angústia e do

sofrimento. Neste sentido, a esquiva se dá em relação a sentimentos, conversas,

situações, pensamentos e qualquer atividade associada ao trauma. As estratégias

para se conseguir o intento podem ser óbvias ou sutis, adaptativas ou inadequadas.

Às vezes pode ter amnésia psicogênica ou seletiva, denotando o sintoma de

natureza dissociativa. Dentre as estratégias, o paciente tende a reorganizar a vida

de modo a evitar os estímulos que desencadeiam os sintomas intrusivos. Neste

sentido, o paciente passa a centralizar o trauma em sua vida, e conseqüentemente,

o comportamento de esquiva torna-se mais forte. 49

2.9 O PAPEL DA PSICOTERAPIA NA REORGANIZAÇÃO DA MEMÓRIA

TRAUMÁTICA

Segundo Kapczinski 50 há evidências clínicas que sugerem que as

conseqüências, em longo prazo, de abuso em crianças são diferentes da

experiência de uma catástrofe natural ou outro trauma vivenciado quando mais no

início da fase adulta. O que podemos fazer uma conexão entre a importância da

fonte extressora e da idade de maturação do abusado. A natureza do evento

traumático, o número de exposições, sua vulnerabilidade, a reação frente ao

47

Page 48: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

estressor, o tipo de persuasão do estressor, a reação da rede de apoio frente à

situação e após, os valores da rede familiar e social, a educação, o ambiente

(controlador ou estimulante) a reação do indivíduo após o evento traumático, a

fenomenologia do transtorno com o passar do tempo.

Para van der Kolk 51, as memórias traumáticas são complexas, heterogêneas e

se modificam com o tempo.

Segundo Peres e Nasello 52 a memória traumática do Transtorno do Estresse

Pós-Traumático é o componente central e muito adequado aos estudos da

neuroimagem funcional. As metodologias para indução temporária dos sintomas

nos indivíduos com este transtorno têm obtido êxito confiável com relação às

mudanças psico-neurofisiológicas. Os achados têm se mostrado relevantes ao

entendimento de anormalidades neuroatômicas, estruturais e funcionais

associadas.

2.9.1 Estudos estruturais em neuroimagem do TEPT

Os estudos de Bremner 53 e Stein 54 demonstram a associação do Transtorno

do Estresse Pós-Traumático crônico com a redução do volume do hipocampo.

Encontraram significativas reduções no volume hipocampal esquerdo em adultos

que sofreram abuso sexual durante a infância. Outros estudos não invalidam esta

hipótese e sugerem que estas diferenças podem estar associadas ao aumento dos

sintomas de dissociação e a interpretação errônea das informações em relação a

ameaças. 52,55

Sapolsky 56 coloca que a atrofia induzida do hipocampo, acontece com picos

repetidos e prolongados de excesso de glicocorticóides e/ou aminoácidos

excitatórios.

Segundo Hull 57 o papel fundamental do hipocampo é o de atuar no processo

de integração, síntese, aprendizagem e na avaliação das experiências. Acredita-se

que o hipocampo seja o responsável pela origem de um mapa cognitivo que

categorize a experiência e a conecte com outras informações autobiográficas 58.

Neste sentido, um bloqueio em sua função integrativa pode estar associado à

48

Page 49: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

fragmentação da experiência traumática, através dos odores, sensações corporais e

sons. 51

Peres 52 coloca que pode estar associado também aos lapsos de memória e a

expressão irregular das emoções.

2.9.2 Estudos funcionais em neuroimagem do TEPT

Estudar os circuitos neurais envolvidos no transtorno é o objetivo dos estudos

neurofuncionais. A heterogeneidade dos sintomas e a diversidade dos achados nos

estudos sugerem a possibilidade da inexistência de um único circuito neural

subjacente. 52

Lanius et al 59 sugerem que as diferenças na conectividade cerebral entre os

sujeitos com ou sem Transtorno do Estresse Pós-Traumático acontecem no âmbito

do não verbal da evocação de memórias traumáticas em sujeitos com transtorno do

estresse pós-traumático. Em estudos com mulheres que foram abusadas

sexualmente durante a infância e durante a evocação de memórias traumáticas,

apresentaram decréscimo da atividade no córtex pré-frontal e cíngulo anterior.

De uma forma geral os estudos apresentam também uma hipoperfusão

sanguínea no córtex pré-frontal dorso-lateral, hipocampo e a área de Broca. As

áreas com hiperperfusão foram o giro para-hipocampal e do cíngulo posterior e da

amídala. 52

2.9.3 O papel da psicoterapia

Brewin et al 60 apresentaram a teoria da representação para classificação das

memórias traumáticas que envolvem a participação ou a ausência da participação

do hipocampo. As memórias traumáticas hipocampo-dependentes apresentam

estrutura narrativa, são verbalmente acessíveis, podem ser editadas e geralmente

apresentam a expressão emocional e sensorial menos intensas. As memórias

traumáticas hipocampo não dependentes são involuntariamente acessadas,

apresentam expressão emocional intensa e sensações vívidas, se caracterizam

49

Page 50: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

pela pouca interface de comunicação com outras memórias autobiográficas, não

tem estrutura narrativa desenvolvida e são situacionalmente acessíveis. 51,60

Segundo Peres 61 a psicoterapia pode influenciar o desenvolvimento de um

novo padrão narrativo da memória traumática, com representação neural

compatível com a memória emocional declarativa. O momento da recuperação de

memórias traumáticas ocorre em um estado alterado de consciência e de

importante expressão emocional. Isto independe se são obtidas de forma

espontânea ou provocada, mas uma vez modificado o estado de consciência, a

percepção do mesmo evento também segue mudado e, portanto, haverá uma nova

interação com o contexto do trauma. Transformar os fragmentos mnêmicos, a

memória situacional (não hipocampo-dependente) em uma memória emocional

autobiográfica (hipocampo-dependente) deve ser o objetivo das abordagens

psicoterapêuticas a fim de promover a integração do evento traumático e a

reconstrução de uma narrativa. 61

Para Stanley Keleman 20, o corpo é capaz de acessar e de moldar suas

próprias experiências através de fina captação do presente. Através da exposição

assistida, a qual sua metodologia dos cinco passos é fundamentada, é capaz de

promover o acesso ao próprio princípio organizador do humano. Sugere que este

protocolo permite a transformação dos acontecimentos vivenciados e

experienciados como excessivos, as memórias traumáticas fragmentadas, em

acontecimentos assimiláveis, com perspectiva de compreensão e aprendizagem.

Através da neuroimagem funcional é possível identificar as mudanças do fluxo

sanguíneo encéfalo compatíveis a alterações ocorridas na cognição proporcionadas

pela psicoterapia 62. Neste sentido, as terapias de exposição imaginária para

reconstrução cognitiva de eventos passados tem tido muita atenção por parte da

ciência psicológica. E a neurociência explica que a chave para o processo de

transferência e integração dos fragmentos mnêmicos é a exposição assistida. 60

É recomendado que os psicoterapeutas de vítimas de trauma tenham

qualificação para trabalhar tais aspectos, que estejam sensíveis às emoções e aos

estados alterados de consciência, pois são aspectos imprescindíveis à moldagem

da formação da memória 61. Assim sendo, as respostas aos traumas são

50

Page 51: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

influenciadas pelas crenças emocionais, independentemente da precisão no

processo das lembranças e das falsas memórias. Configurado como uma memória,

seu conteúdo emocional é também uma representação dos referenciais internos do

indivíduo 63. Então o psicoterapeuta não deverá evitar ou negar esta mistura de

memórias e, ao contrário, ter a competência para usá-las de forma favorável para o

processo de reconstrução terapêutica da memória. 64

3. HIPÓTESE

O abuso sexual na infância pode desencadear situações de estresse agudo e

de estresse pós-traumático, com fragmentação da experiência e, portanto, da

memória traumática, influenciando na sexualidade destas pessoas e contribuindo na

gênese dos transtornos da dor sexual (vaginismo e dispareunia).

51

Page 52: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

4. OBJETIVOS

-Investigar, por meio da revisão da literatura, os fatores que estão envolvidos na

etiologia dos transtornos da dor sexual de causa não orgânica.

- Por meio de um estudo de caso, estabelecer as correlações teóricas com o tema.

52

Page 53: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

5. MÈTODOS

A metodologia foi desenvolvida para contemplar o tema e será explanada a

seguir em duas etapas.

5.1 METODOLOGIA DA BIBLIOGRAFIA PESQUISADA

Os artigos foram pesquisados nas seguintes bases de dados cruzando os

unitermos:

Vaginismus X sexual abuse: 11

Child X sexual abuse: 4235

Abuso sexual infantil: 12

Pedophilia: 726

Pedofilia: 4

Parafilia: 1

Vaginismo: 2

53

Page 54: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Paraphilia: 3764

Vaginismus: 344

Female X sexual dysfunction: 7796

Vaginismus X sexual dysfunction: 149

Vaginismo X disfunção sexual: 2

Posttraumatic stress disorder: 17065

Estresse pós-traumático: 29

Posttraumatic stress disorder X sexual abuse: 1332

Estresse pós-traumático X abuso sexual: 1

Female X sexual function: 33216

Pedopliles X paraphilia: 95

A identificação de artigos na PUBMED resultou em: child sexual abuse (1366);

pedophilia (577); paraphilia (3793); vaginismus (182); vaginismus sexual abuse (4);

sexual dysfunction female (6841); sexual dysfunction vaginismus (144);

posttraumatic stress disorder (12.471); posttraumatic stress disorder sexual abuse

(1035).

A identificação de artigos no SCIELO resultou em: abuso sexual infantil (12);

pedofilia (4); parafilia (1); vaginismo (2); vaginismo abuso sexual (zero); disfunção

sexual vaginismo (2); estresse pós-traumático (29); estresse pós-traumático abuso

sexual (1).

A identificação de artigos no MEDLINE resultou em: child sexual abuse (2869);

pedophilia (149); paraphilia (71); vaginismus (162); vaginismus sexual abuse (7);

sexual dysfunction female (955); sexual dysfunction vaginismus (5); posttraumatic

stress disorder (4594); posttraumatic stress disorder sexual abuse (297).

As buscas foram efetuadas entre outubro de 2006 e julho de 2007.

Os critérios de inclusão de artigos foram:

Artigos cujos temas contemplassem os objetivos desta pesquisa.

o Estudos com o formato de revisões sistemáticas ou narrativas abrangentes,

metanálises, populacionais e transversais.

54

Page 55: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

o Artigos escritos nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola.

o Consideramos os publicados nos últimos vinte anos.

Os critérios de exclusão foram:

o Artigos repetidos nas bases de dados.

o Artigos que não agregassem informações adicionais e relevantes aos

objetivos desta pesquisa.

Alguns livros foram consultados sobre a temática pesquisada.

5.2 RELATO DE CASO

Para melhor compreensão optamos pelo relato de um caso, com o enfoque

psicoterapêutico na conexão somático-emocional do comportamento, através do

conteúdo das palavras, emoções, memórias, imagem corporal e pensamentos,

conectados por ações musculares.

a-Sujeito

Paciente do sexo feminino, 25 anos de idade, solteira, branca. Iniciou o atendimento

psicoterápico com esta psicóloga em outubro de 2006 e encerrou o mesmo por

motivo de mudança da cidade de residência.

b-Formato do Relato de Caso

A anamnese foi realizada e houve a explanação da evolução de 13 sessões de

psicoterapia, com 50 minutos de duração. Serão destacados os pontos relevantes

do processo psicoterapêutico estabelecendo correlações teóricas com a literatura

científica contemporânea e como caráter ilustrativo serão apresentados quatro

somagramas.

c- Somagrama

55

Page 56: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

São imagens somático-emocionais retratadas através de desenhos nas quais

são projetadas as qualidades da experiência interna, sentimentos da história

pessoal internalizada, tornando visível o estado somático-emocional do indivíduo. É

uma forma de mapear o passado através da exposição imaginária e do registro

gráfico de uma configuração somática. Revela áreas de conflito do passado e

promove o acesso a memórias traumáticas. São visualizações emocionais que

permitem o contato com o próprio processo formativo 20.

Posteriormente o tema será discutido e finalmente as conclusões deste estudo.

6. RESULTADOS

o Identificação

B., feminino, 25 anos, nascida em São Caetano do Sul, São Paulo, solteira,

classe média alta, religião católica não praticante, cirurgiã-dentista.

o Queixa Principal

Impossibilidade e/ou dificuldades em se engajar numa relação sexual com

penetração. Relaciona a variação do grau de dificuldade (contração ou não

expansão da musculatura da vagina, dor, falta de lubrificação, anorgasmia) à

qualidade de vínculo com o parceiro. Também apresenta como queixa a

necessidade de encontrar uma forma nova de se relacionar com as pessoas por

sentir que a forma atual está causando sofrimento.

o História da moléstia atual

A paciente sofreu abuso sexual aos seis anos de idade. O molestador era

seu padrinho e tio-avô por parte de mãe. Imagina que ocorreu por mais de seis

meses e menos de um ano.

56

Page 57: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Segundo ela, no início eram carinhos, com o tempo, ele permanecia sentado

numa cadeira e a colocava de costas, quando então colocava o pênis na entrada da

vagina. Para ejacular dizia que ia “soltar o leite” (SIC).

Percebia-se confusa e brava. Segundo suas palavras: “.. ele não corria atrás

de mim então eu nunca pensei em correr dele...”. Não gostava, mas aceitava. A

mãe a deixava na casa dos padrinhos à tarde. Lembra que muitas vezes chorava e

pedia para ele parar. Nas reuniões e almoços em família ela não o cumprimentava e

era repreendida pela mãe por esta atitude. Terminou o período de abuso quando

contou para a mãe. Esta pediu para que B. colocasse um fim na história.

Aos 13 anos, aproximadamente, assistiu a um filme pornográfico e entendeu

o que havia lhe acontecido. Diz ter se tornado um moleque até os 18 anos. Jogava

basquete com a turma do irmão e só se interessava por jogar bola.

Começou a se perceber menina quando falavam com ela sobre a

necessidade de ser mais feminina. Decidiu então fazer dança do ventre e aos 20

anos teve seu primeiro relacionamento afetivo quando então beijou na boca.

Diz que escolhe homens que são fracos. Homens que não ofereçam perigo.

Conta que seu primeiro relacionamento foi com um rapaz que mais tarde soube que

assumiu ser gay. Com o segundo teve sua primeira transa (sic) e não sentiu nada

de bom. O terceiro namorado era virgem e “gostosinho” (sic). Foi algo sem

compromisso.

Disse que com o namorado P. sente ser o único que lhe inspirou confiança

suficiente para entrar num motel. Ressalta que nunca poderá ser penetrada por trás

porque muitas lembranças são ativadas.

Contou para os namorados a história do abuso e contava com a ajuda para

superar seus problemas sexuais. Cada um a seu modo demonstraram compreender

seu problema sexual, mas alega não ter sido suficiente para conseguir manter

relações sexuais com penetração (sic).

o História Pregressa

57

Page 58: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Os pais de B., embora casados, viviam praticamente separados. O pai se

ausentava por longos períodos do Brasil, à trabalho. Nunca demonstraram

intimidade física, carinho ou beijo na boca.

Para a mãe sexo é safadeza, coisa de animal, imundice, sujeira e falta de

vergonha. Nunca conversam sobre isso e B. diz que não se sentiria à vontade para

ler algum artigo sobre sexualidade, mesmo que em seu quarto.

O irmão atualmente reside nos Estados Unidos, faz doutorado em Física e teve

poucas namoradas. B. suspeita da possibilidade dele ter algum problema sexual ou

de relacionamento.

A mãe entrou em depressão com o nascimento do primeiro filho porque sentia

muita solidão. Conta que o pai, executivo de uma multinacional, passou muitos anos

viajando para o exterior. Quando se aposentou, passou a dar aula e consultoria. Ele

sempre se empenhou em trabalhar muito porque sua infância foi cercada de

carência afetiva e financeira e tinha medo de que isso pudesse acontecer com a

família. A mãe dele morreu quando tinha sete anos e foi criado morando cada dia

na casa de uma irmã. A mãe de B. o ensinou a se vestir direito depois que casaram,

entre outras coisas. Até hoje ele não sabe do abuso. Na época passava muito

tempo viajando. A mãe diz que se ele soubesse a mataria ou se separaria pelo fato

dela ter escondido.

O pai, estando pouco presente na casa por cerca de 20 anos, atribuiu o

cuidado dos filhos à esposa. Mantém um vínculo cordial, porém sem intimidades

com todos. É visto como provedor e trabalhador. Desde que voltou a residir de

forma constante com a família, vem apresentando desmaios e sintomas que

sugerem depressão. As causas físicas não foram diagnosticadas até o momento.

Os médicos enfatizam a possibilidade da causa ser estresse emocional.

B. está formada há dois anos. Geralmente trabalha no consultório de algum

profissional bem mais velho, já estabilizado e conhecido no ramo. Em 2006 iniciou

uma especialização de dois anos em implante. Em 2007 iniciou o curso e residência

em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial.

Anamnese Sexual

58

Page 59: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Diz sentir vergonha e culpa com relação a sexo, à fantasias e à masturbação.

Evita qualquer tema ou programa de televisão que aborde isso em casa. Diz que a

mãe sempre a chamou de putinha (sic) sem ela fazer nada, imagine vê-la

assistindo ou lendo algo relacionado.

Interessa-se por aproximação e intimidade física. Gosta de preliminares tais

como carícias, afagos, beijos, abraços.

Apresenta-se extremamente disponível para o afago e o contato físico em

ambientes que impeçam a continuação de uma intimidade que resulte em

penetração. Em ambientes com privacidade, aumenta sua ansiedade interferindo na

possibilidade e na qualidade do contato físico.

Refere que fica excitada com lubrificação quando não há iminência de

penetração. O processo de aproximação que envolve carícias, afagos, beijos,

abraços é interrompido por imagens de cenas ou por sensações de angústia que

interferem negativamente na interação sexual no que diz respeito à excitação-

lubrificação. Refere não ter orgasmo.

Na medida em que o parceiro se excita, cresce o medo e aumenta o desejo de

se esquivar. Depende também do grau de intimidade, do perfil psicológico do

parceiro, do humor da paciente e do local. A vontade de se esquivar sempre

acontece, só varia o grau de intensidade. Geralmente sente mais tensão e dor do

que excitação nas relações sexuais.

Há a necessidade de um grande esforço do casal para encontrar um ritmo para

lidar com a dor e também de restringir ou selecionar posições devido à associação

com a cena traumática.

Quando sente que não vai conseguir prosseguir na interação sexual, e isto

pode acontecer mesmo antes de tirar a roupa, pode começar a chorar e a sentir

medo, o que a faz pedir para o parceiro parar. Por isso precisa de um parceiro

confiável e que já saiba do trauma. Parece que contar sobre o trauma o torna mais

confiável (sic). Acredita que se o homem for mais velho, mais experiente e um

temperamento mais seguro, na cama terá menos paciência (sic). Refere que com

P., que tem sua idade, o clima é mais favorável, ele é bem mais paciente. Este fato

a faz acreditar que ele seja do tipo “fraco” porque demonstra suas inseguranças.

59

Page 60: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Há cerca de dois anos, consultou uma ginecologista que diagnosticou como

vaginismo sua dificuldade sexual. A partir de então, tentou superar esta disfunção

com a convicção de que poderia revertê-la com sua obstinação e com a

compreensão de seu parceiro (sic).

Mesmo com parceria fixa não utilizava nenhum método anticoncepcional.

Refere excessivo desconforto vaginal quando fez uso de camisinha, caracterizado

por um tipo de alergia e coceira.

o Tratamentos já realizados e resultados

Psicologia: Relata que na puberdade foi levada pela mãe à duas psicólogas. Ficou

em psicoterapia por poucas sessões. Na primeira, a psicóloga falava mal da mãe e

não se sentiu bem para continuar. Na segunda não deu continuidade porque não

gostou.

Ginecologia: Recebeu um diagnóstico de vaginismo. Não apresenta

acompanhamento ginecológico periódico. Em março do presente ano foi

encaminhada à ginecologista para consulta de rotina e orientação sobre métodos

anticoncepcionais.

Oftalmologia: Com seis anos de idade passou a ter miopia, posteriormente catarata

e há alguns anos fez duas cirurgias para deslocamento de retina.

o Instrumentos utilizados:

Anamnese

Somagrama 8

o Impressões diagnósticas

Vaginismo F52. 5

Transtorno Orgásmico Feminino F52. 3

Estado de Estresse Pós-traumático F 43.1

60

Page 61: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

o Evolução

Outubro de 2006 - 1ª Sessão

O corpo de F.N. revelava uma trajetória de experiências denunciadas através

dos desencontros de sua estrutura física. Seus olhos azuis cintilavam buscando

contato, um olhar sensível que correspondesse ao encontro. Nesta primeira sessão,

chegou bem depois do início, visivelmente agitada e ansiosa. Corpo longilíneo,

cabeça pequena, pescoço fino e apertado, pele alva, ombro estreito, peito pequeno,

membros compridos distribuídos em aproximadamente 1,75m, além do salto

altíssimo. Este conjunto dava a impressão de pertencer a diferentes pessoas ou de

ter diferentes idades. Partes do corpo eram grandes, moles, soltas e partes

pequenas, secas e afinadas. A base, pélvis e pernas, tendiam para uma expansão

no ambiente, muita porosidade, pouco tônus, inchadas, pouca capacidade de

contenção. Os braços estavam prontos para o abraço.

A cabeça parecia apertada e com muita excitação no olhar. Alternava suas

expressões ficando ora arrogante, ora sensível, ora controladora. Tentava lidar com

as emoções que despertavam neste nosso primeiro encontro, buscando conter a

inundação de sensibilidade. O olhar sempre penetrante com a hipervigilância

ininterrupta.

Trouxe uma carta para eu ler. Descreveu-se nela como uma pessoa que tem

medo de errar, de decepcionar e de ser “mediana” (sic). Referiu não acreditar nas

pessoas e muito menos nos elogios. Geralmente se via respondendo de forma

brusca, incisiva, ríspida e autoritária com a tendência de buscar a perfeição de seu

desempenho e das pessoas ao redor. Quando recebe alguma crítica geralmente

sente vergonha, culpa ou irritabilidade. Disse demonstra uma falsa força que tendia

a afastar as pessoas. Querendo ajudar os outros, a paciente disse reprimir seus

verdadeiros sentimentos com tendência a se adequar aos desejos dos outros.

Atualmente percebe-se agitada, triste, confusa, sem acreditar nas pessoas,

cobrando-se demais também e não sabendo como agir para mudar isso.

61

Page 62: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Novembro de 2006 - 2ª Sessão

Encontra-me na recepção sorridente, com os braços abertos e me dá um longo

e delicado abraço. Curva-se para compensar a nossa diferença de altura. Este seria

a forma de iniciarmos nosso encontros.

Diz ter pensado muito no que conversamos. “Nossa, pensei tanto que acho

que vou ter que fazer quinzenal para dar tempo de eu fazer o que conversamos”

(sic). Pergunto de onde vem esta necessidade de sair fazendo e ela diz que precisa

romper com velhas estruturas.

Contou sobre seu relacionamento, recém terminado com P. Ela se coloca

sempre dando bronca, provando que ele era desonesto, que mentia. Ela no

comando, ele subjugado. Ele com saudade de uma ex-namorada. Ela dizendo que

em função da limitação de sua condição sexual jamais poderia ficar de “quatro” para

ele. Narra momentos do relacionamento com seu ex-namorado onde

impreterivelmente estava sempre certa. Ele sempre errado, fraco, mau caráter,

pouco comprometido, traidor, evasivo.

B. esperava que eu concordasse com suas atitudes, interpretações e

conclusões. Mostrava-se ansiosa em compartilhar sua história com alguém.

Pergunto antes que ela continuasse:

P- Como seria para você não estar sempre certa?

T- Um alívio. (sorri) É difícil estar ou achar que sempre se está certa.

T- Em partes. Mas também pode ser estranho se perceber não certa sempre. O

coração pode ficar aliviado, mas e a cabeça?

P- Uma confusão, um choque.

T- Em nosso caminho iremos passar por questões as quais acredita estar 100%

certa. Mas pode ser que não seja sempre assim.

P- É. ( olha-me pensativa)

T- Nosso cuidado, meu e seu, é para que isto não seja tão difícil a ponto de você

não querer continuar. Velhas estruturas, como você disse, podem precisar de

reorganizações, mudanças na compreensão dos acontecimentos.

P- Você me convenceu. Você tem razão. (sorri toda expansiva)

62

Page 63: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Novembro de 2006 - 3º Sessão

Chegou muito ansiosa com a possibilidade de fazer a prova para ingressar na

residência em bucomaxilofacial. Também disse que estava com muita saudade do

ex-namorado P.

Conta que a mãe é depressiva há 22 anos. Lembra-se da mãe na infância

deitada no sofá. Ela se esforçava para fazer as coisas da casa. Hoje fala que os

filhos são tudo, que não podem casar e ir morar longe. “Eu sou o moleque da casa,

sou muito parecida com meu pai”.

Diz que o padrinho (perpetrador) também tentou abusar de uma prima. Elas

conversaram sobre isso na adolescência. Ele teve uma filha que engravidou aos 11

anos de idade. “Eu queria me distanciar, mas sempre ficava próxima para ver se ele

estava pegando outra criança. Tinha vontade de denunciar, de ir para a polícia”

(sic). Há três meses o padrinho faleceu. Até neste dia diz não ter sentido paz em

sua vida.

Refere que a mãe sabe que faz psicoterapia, mas não sabe de seu problema

sexual. O pai não sabe nem da psicoterapia. A mãe paga a psicoterapia de forma

escondida com o dinheiro do pai. Conversamos sobre a relação entre o pai, a mãe e

os filhos. A distância entre os pais, o apoio que os filhos se tornaram para a mãe na

ausência do pai, o retorno do pai e da importância dos filhos deixarem espaço para

o casal.

A paciente dá um valor especial quando conversamos sobre algo que não

sabia ou que não havia percebido daquela forma anteriormente. A paciente parece

buscar aprovar o conteúdo de nossas conversas. Este fato sugere que ela tem a

vontade de confiar em mim, mas tem razões para não confiar nos adultos.

Apresentava esta ambivalência.

Falamos da importância que dava aos detalhes dos nossos encontros,

procurando estabelecer uma relação comigo de menos desconfiança.

Falamos sobre as características e sintomas das pessoas que sofrem de

depressão e sobre a necessidade da psicoterapia e da medicação sob cuidados de

bons profissionais.

63

Page 64: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Foi proposta uma pequena reflexão, através de algumas perguntas, sobre a

forma víncular dos membros da família.

B. foi falando sobre o abuso sexual aos poucos em cada sessão.

Deliberadamente não organizei uma seqüência. Foi abordado com a paciente o

transtorno de preferência do padrinho, a definição de parafilia e de pedofilia.

Novembro de 2006 - 4ª Sessão

Começa, pouco a pouco, a demonstrar certa irritabilidade frente à postura de

vítima que a mãe se coloca e faz críticas ao relacionamento de submissão que a

mãe tem com a avó.

Conta que o P. é muito parecido com um ex-namorado que virou gay, sempre

culpando os outros. Gostaria de conhecer os sinais que mostram quando o namoro

está bom ou não. Acha que por causa do trauma não consegue enxergar. Quando

vê já está dentro e não consegue mais se perceber. Encontrou um amigo de

infância que a está paquerando. Diz não ter interesse, mas que teme não conseguir

dizer “não” porque não sai a voz.

Ao ser perguntado para a paciente como ficava sem voz, B. começa a fazer

contato com a cena e a se puxar para cima (alongar o tronco ao mesmo tempo

recuar) afinando as estruturas e enrijecendo. Os ombros vão se apertando,

diminuindo o peito, a respiração diminui, parece ir congelando, a mão direita esboça

um ligeiro movimento como se tivesse a intenção de afastar a pessoa imaginada e a

esquerda se protege colocando a palma na barriga. Diz sentir-se muito apertada e

coloca-se no canto da sala. Ao voltar fazer o contato com a cena traumática, a

cabeça desvia para a esquerda e o olhar vai junto para esquerda e para baixo. Diz

sentir a garganta fechar e então as palavras não saem, nada se move. Escorre uma

lágrima.

Relembra que o padrinho a chamava num canto para fazer carinho. Ele não

corria atrás dela, então ela não corria também (sic). Foi explanado sobre a sedução

do pedófilo, o vínculo da confiança que ele tinha na família, e o lugar de prestígio

que ocupava. Também, sobre o fato da criança de seis anos não ter repertório que

a auxilie na distinção entre os tipos de toques e seduções. Como também não

64

Page 65: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

poderia ter imaginado tal doença mental se até mesmo os adultos da família não o

tratavam assim.

Ela chora copiosamente, fica muito vermelha ao mesmo tempo me foca e

absorve cada palavra. Diz que faz a imagem pequena do somagrama porque era

assim que se sentia. Segue ouvindo emocionada, como se estivesse ouvindo pela

primeira vez o que lhe aconteceu. Desenha os somagramas abaixo (figura 8 e 9).

Figura 8. Somagrama.

65

Page 66: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Figura 9. Somagrama.

66

Page 67: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Salienta que criança não deveria ficar excitada. Demonstrando sentir culpa por ter

se excitado, de ter achado prazeroso de alguma forma. Contextualizo a sexualidade

no desenvolvimento da criança e da excitação que é saudável.

Diz que P. foi o único que lhe inspirou confiança. Em outros relacionamentos

ela beija e seduz se estiverem num lugar que sabe que não poderá ter uma relação

sexual. Se for para o motel “trava” na hora e pode até começar a chorar (sic). Com

o P. não aparecem muitas imagens da cena traumática, na maioria das vezes

nenhuma, mas com outros parceiros era constante.

Novembro de 2006 - 5ª sessão

Chegou bem sorridente e porosa, aberta para o ambiente. Diz que eu a

“quebrei” na sessão passada, que eu consegui que ela mostrasse sua fragilidade.

Começou a falar que é super aberta com as pessoas (abre os braços).

Proponho biodramatizar. Procura alguém assim para se relacionar nos ambientes,

quando não encontra começa a murchar o peito, mas não fecha os braços. Então

67

Page 68: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

começa a sentir vergonha de estar tão aberta sem ser correspondida. As mãos são

requisitadas para proteger os olhos do contato, põe e tira (menina envergonhada).

Conversamos sobre como é estar super aberta aos ambientes, o que tem de

bom e o que tem de ruim. Biodramatizamos juntas estar no ambiente com os braços

bem abertos e os sentimentos que esta forma fazia-nos acessar. Experimentou um

pouco e diz que era muito feliz assim porosa. Fala da alegria de estar super aberta,

do sorriso, do abraço. Depois de um tempo começa a relatar algumas situações que

não funcionam tão bem em função desta super abertura para o ambiente.

Enfaticamente diz que não quer mudar. Desenha seu terceiro somagrama (figura

10). Para fazer algumas anotações sobre seus sentimentos ela sente dificuldades

pela super exigência em querer ter uma ótima produção. Faz contato com os

sentimentos e reclama da qualidade dos traços, fala que não consegue fazer

diferente e começa a brincar para atenuar. Percebe a imaturidade dos traços e sorri.

Fala sobre a Xuxa, que é uma pessoa bem sucedida profissionalmente e que

não teve relacionamentos duradouros. Enfatiza que gosta da música “Lua de

Cristal”. Conversamos sobre os diferentes caminhos das pessoas, dos diferentes

estilos, das diferentes profissões e do prazer de viver como desejamos. F. diz que

não tem parâmetros e que precisará entender o que é normal e o que não é.

Falamos que podemos pensar no que é ético e no que não é, e não em certo e

errado. Terminou a sessão dizendo que não falou tudo o que gostaria de contar.

Figura 10. Somagrama.

68

Page 69: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

69

Page 70: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Dezembro de 2006 - 6ª sessão

Chegou de salto alto, vestida de preto. Destacavam o rosto e o pescoço alvos.

Iniciou a sessão falando sobre a sensualidade das saias. Ao sair de casa falou ao

pai que iria à sessão de acupuntura. O que é verdade, só que mais no final da

tarde.

Diz que o jeito dela ser, muito expansiva, faz com que os homens entendam

errado. Com o primeiro namorado, quando ele passava a mão em sua bunda ela

ficava paralisada. Anos depois ele “virou” gay (sic). Com o segundo namorado

transou, porém refere não ter sentido nada. Queria transar para ver como era. Com

o terceiro namorado, era mais experiente do que ele e se sentiu mais à vontade. Ele

era virgem, “gostosinho” (desejo). O relacionamento foi sem compromisso. Diz ter

planejado essas experiências para ela evoluir. Diz sentir desejo.

Dezembro de 2006 - 7ª sessão

Fala muito sobre a especialização que faz, de como ela determina, de como

resolve sozinha. Saiu com dois professores e outras alunas. Na hora de pagar a

conta que um deles a agarrou. Diz que o ambiente de implante e na residência é

masculino, compara à cirurgia da medicina. Disse que uma aluna foi fazer fofoca na

direção do curso e que os professores pensaram que tinha sido ela. Pediram que

ela fosse se desculpar com os professores como se ela tivesse sido a culpada por a

terem seduzido.

Falo sobre alguns pontos em comum com a situação do abuso na infância. Ela

chora e conta que se sente culpada pelo que ocorreu. Não fez nada para evitar. A

mãe disse que o padrinho já havia tentado seduzi-la na infância, mas que ela (a

mãe) não quis.

Falamos sobre o significado da colocação da mãe, culpando a filha, ainda

criança, pelo abuso sexual e isentando o padrinho, adulto, da responsabilidade. Ela

questionou sobre o fato da mãe já saber que ele era assim e mesmo assim levá-la

na casa dele para passar as tardes.

Começa a oscilar entre sentir culpa e a possibilidade de não ser sua culpa.

Falamos sobre como é uma criança de seis anos, como vê o mundo (Lua de Cristal

70

Page 71: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

da Xuxa), como se relaciona com os adultos, do que depende para amadurecer

emocionalmente, que ainda não aprendeu a ler e a escrever, do fato de não estar

madura para saber diferenciar o que é certo e errado com relação às questões

sexuais, aos tipos de carinhos e que o abuso acontece porque a criança não tem

escolha.

Relembra de como teve que sair desta situação sozinha. Começa a chorar e

disse que estava acostumada a achar que devia se resolver sozinha. Fala que

achava aquilo tudo muito estranho, era muito confuso Ela pedia para ele parar e ele

não parava. Lembra que nos almoços em família ela passou a se recusar de

cumprimentá-lo provocando desaprovação por parte da família. Até que um dia

contou para a mãe e esta mandou B. falar para o padrinho parar e também dizer

que já havia contado para a mãe. Fala que a mãe não a ajudou. Ao falar do

padrinho perpetrador levava as mãos nos olhos expressando vergonha.

Conta que a mãe a deixava na casa da tia-avó. Esta cozinhava bem, a família

era italiana e que todos moravam perto. Enquanto a esposa cozinhava, o padrinho,

tio-avô, abusava dela. Usa a expressão “me comeu”.

Diz que tudo isso está muito difícil pois não consegue aceitar que não é

culpada. Eu coloco que não é preciso fazer força para mudar este pensamento, mas

que ela deixasse essa conversa como uma possibilidade. O segredo mantido pela

mãe acentuava o sentimento de culpa.

B. se inflama, diz que vai falar para todos o que aquele homem fez. Quando

ele estava na UTI para morrer queria ter feito isso. Não conseguiu falar nada nem

para ele. Acredita que tenha abusado do neto também, atualmente com 16 anos. O

vê como um bebê, veste até as roupas do avô. Manifesta o desejo de ajudar as

vítimas. A manutenção do pacto do silêncio faz com que B. intensifique a expressão

de raiva quando fala da experiência traumática.

Em função das festas de final de ano, combinamos um intervalo nos

atendimentos de 15 dias.

Janeiro de 2007 - 8ª sessão

Chega muito sorridente e carinhosa. Diz que estava com saudades.

71

Page 72: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Conta que está com muita dor de estômago. Tem estado muito ansiosa com a

prova de ingresso para residência. O P., ex-namorado passou a R2. Atribui grande

importância profissional e pessoal.

Fala que agora está entendendo o que é psicoterapia, que quando faz força

contra é mais difícil, mas que agora que está entendendo passou a ser mais fácil.

Mudou dentro dela. “Tem coisas que conversamos que ficam muito forte dentro de

mim” (sic).

Conversamos sobre como ela está se sentindo para a prova e para ela me

mostrar (biodramatizar). B. abriu bem os braços. Pedi para imaginar ela chegando

para fazer a prova e ao encontro com o ex-namorado que não via ha meses.

Quando faz a forma aberta para o ambiente referiu um maior aperto na altura do

estômago.

B.- É muito aberto para essa situação. No estômago está o medo, a expectativa. Na

cabeça “tô maluca” com a cobrança. No peito a saudade e a ilusão “P.”

Psic.- A questão é reconhecermos como estamos para viver a situação. Como

estamos fazendo o que estamos fazendo. Experimente ir sentido vários graus de

abertura. Vamos diminuir um grau e sentir o que provoca.

Desenha o somagrama (figura 11).

B- É muito aberto ainda. Nossa dá um frio!

Psic.- Essa abertura dá medo. Experimente ir procurando uma certa abertura para o

ambiente que dê menos medo.

B.- Quando eu fecho não me sinto bem.

Psic.- Como você se sente?

B.- Sozinha.

Psic.- Você fechou mais do que gostaria. Experimente um certo lugar entre estes

dois extremos.

B.- Acho que aqui não me dá dor de estômago.

Psic.- Sente o tubo menos apertado.

B.- Eu sei que é aberto, mas estou sem dor. Deixa experimentar eu pensar de novo

na situação...Ai não. Tô com braço de “pidona”. Se ele (P.) estiver com outra, assim

não dá. (dobra um pouco o braço)

72

Page 73: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

-É ficou melhor assim... Nossa! A minha dor sumiu!

Figura 11 .Somagrama.

73

Page 74: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Janeiro de 2007 - 9ª sessão

74

Page 75: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Chegou muito sorridente e carinhosa. Abraça-me por um longo tempo. Move-

se com lentidão e instabilidade. Novamente chama-me a atenção os saltos

altíssimos.

Fala que está feliz porque está conseguindo ter um comportamento

profissional e pessoal melhor. Aponta estar mais flexível e menos impulsiva.

Está ansiosa porque passou na 1ª fase da prova para residência em

bucomaxilofacial. Se passar as fases seguintes acontecerá uma grande mudança

em sua vida, começando pela residência.

Fala que nunca tinha conhecido psicóloga, que ela entendia o que eu falava.

Confidencia o medo que tinha de eu acusar a mãe dela pelo abuso. Diz estar

aliviada por eu nunca ter feito isso, pois o que aconteceu não poderá ser mudado.

Pede minha ajuda para ficar menos ansiosa para a entrevista que fará no dia

seguinte.

Entreguei uma cópia do Capítulo 1 do livro “Sexualidade Humana e seus

Transtornos” que aborda mitos, preconceitos e outros temas relacionados à

sexualidade. Ela guarda e diz que não se sente à vontade para ler em sua casa,

pois tem medo de ser surpreendida pela mãe.

Março de 2007 – 10ª sessão

B. passou nas etapas para a residência e está “ficando” com o P. (sic).

Passou a morar em São Paulo, próximo ao hospital. Refere estar vivendo conflitos

difíceis com a mãe e imagina que ela está com medo de perda da proximidade e do

controle.

Enfatiza que cada uma está precisando cuidar da própria vida. Diz que achava

que a mãe era a pessoa mais certa, que tudo o que a mãe dizia era o mais certo e

que agora vê que não é bem assim. “Agora começo a ver as coisas com os meus

olhos” (sic).

Segundo B., sua mãe fala que sexo é coisa de animal. E sempre a chamou de

puta, putinha como se ela tivesse seduzido o padrinho.

Março de 2007 - 11ª e 12ª sessões

75

Page 76: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Chega chorando no consultório. A mãe a chamou de puta, putinha, vadia e

vagabunda. A agrediu fisicamente e pela primeira vez B. se defendeu, não recuou,

falou, se posicionou frente à mãe e frente ao pai.

Não pode contar do abuso ao pai porque não quer ser responsabilizada pelos

acontecimentos que este fato poderia provocar.na família. Imagina numa piora do

estado de saúde do pai ou a separação dos pais.

Mudou-se para o apartamento. Sente tudo muito estranho. Diz que se o P. não

estivesse lá talvez ela não aguentaria. Vivem grudados. Sente muito ciúmes de uma

ex-namorada dele que também estuda lá.

Está tentando aprender a lidar com os professores e as questões hierárquicas.

Acha diferente essa coisa de chegar em casa e encontrar tudo como deixou.

Tem o lado bom de ninguém invadir sua privacidade, mas também tem o lado de

ficar tudo desorganizado.

Tentamos organizar horários que sua escala permitisse a continuação da

psicoterapia. Os atendimentos tornaram-se cada vez menos freqüentes.

A paciente, agora com espaço, privacidade e companheiro, passou a ter mais

momentos de intimidade. P. no ano anterior teve um episódio de depressão.

Abril de 2007 – 13ª sessão

Em abril já estava um pouco mais ambientada no hospital. Ficou muito

assustada quando pensou estar grávida. Encaminhei-a à uma ginecologista.

Também foi a oportunidade para conhecer métodos anticoncepcionais e tirar

dúvidas. Não usa camisinha pelo desconforto que sente.

B. e P. estão “dando um tempo” no relacionamento. Ela alega estar cansada

de tanta pressão. Necessita estudar, o namorado quer transar, o ambiente

competitivo da residência, o apartamento novo, o susto da possível gravidez, a

doença do pai, a família do L. que não quer que eles namorem (sic).

Com relação aos seus pais, sente-se menos aflita. Agora fala naturalmente

quando vai poder ir à casa deles. “Gosto de dormir na minha casa. Não na casa da

minha mãe, mas no meu apartamento”.

76

Page 77: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Refere perceber o quanto a psicoterapia a ajudou, porém precisará parar

devido à grande distância do local novo de moradia. Falamos sobre este momento

de como ela organizou uma forma de viver que viabilizou experimentar o mundo a

seu modo e a experimentar-se também.

Ela diz que agora que entende melhor o que lhe aconteceu no passado deseja

viver sem que ninguém lhe diga como. Comprou um cachorrinho para lhe fazer

companhia. Fala do filme “Legalmente Loira” que é “babaca”, mas que é bacana

(sic). A forma de ser inteligente, boa profissional e meiga ao mesmo tempo.

Despedimo-nos combinando um reencontro no futuro.

7 DISCUSSÃO

A sexualidade está interligada com a personalidade global do indivíduo,

afetando seu desenvolvimento, funcionamento e comportamento. 10 Tem um papel

estruturante na organização do psiquismo . 11

O abuso sexual é um fenômeno transgeracional que tem sido considerado um

grave problema de saúde pública, devido aos altos índices de incidência e às sérias

conseqüências para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da vítima e de sua

família. 38,36 A mulher é a vítima preferencial (80,9%), onde 36,2% das crianças

tinham entre 5 e 10 anos de idade no início dos abusos 36.

77

Page 78: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Para que o desenvolvimento da criança aconteça, é importante que a mãe ou a

figura materna reconheça o grau de dependência e se adapte, de forma a atender

suas necessidades. Quanto maior for seu grau de dependência para como adulto

na fase da experiência traumática, maior será o impacto dos acontecimentos sobre

ela.6

A mãe de B., não reconheceu o grau de dependência no sentido de

proporcionar o cuidado necessário a fim de garantir seu pleno desenvolvimento.

Esta a levava para passar as tardes sob a guarda do padrinho (tio avô) o qual já

sabia ser sedutor de jovens, uma vez que afirmou à filha posteriormente, também

ter sido abordada por ele. Na ocasião enfatizou o fato de não ter cedido à sedução

dele. Esta afirmação sugeriu à B. que deveria ter feito o mesmo, e que, portanto era

a responsável pelo abuso.

Além de ter sido exposta a situação de perigo iminente aos seis anos, foi

oferecida desde o nascimento, para ser batizada pelo perpetrador. Podemos

também apontar que as mudanças de comportamento apresentadas pela paciente

na época do abuso, como isolamento e agressividade para com o padrinho, não

foram suficientes, aparentemente para causar qualquer desconforto ou

preocupação à mãe.

O pai trabalhava no exterior e pouco vinha para casa. O padrinho ocupava o

lugar do pai. A maioria dos abusos contra crianças e adolescentes ocorre no

ambiente familiar, realizados por pessoas próximas e que desempenham o papel de

cuidador delas. 36 É denominado intrafamiliar ou incestuoso, mesmo não havendo

laços consangüíneos. 11 Nestes casos a vítima oferece pouca resistência porque a

criança é ensinada a desconfiar de estranhos e a ser obediente aos adultos

conhecidos. 36

A definição de abuso sexual inclui a interação cuja vítima esteja sendo usada

para estimulação sexual do perpetrador através de contato físico como toques,

carícias, sexo oral ou relações com penetração (digital, genital ou anal) ou sem

contato físico, tais como voyeurismo, assédio e exibicionismo. 36 O tipo de abuso

que B. lidou tinha uma certa configuração: A fase da sedução, onde o padrinho se

valia de seu papel para acuá-la, acontecia frente a frente. O perpetrador manipulava

78

Page 79: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

a situação até imobilizá-la pela confusão de e sentimentos: o que ele representava,

o que era carinho, se era certo desobedecer. A mãe a deixava sob seus cuidados,

ele tinha um prestígio na família, ela não tinha escolha, não tinha como dizer “não” e

esta interação provocava excitação sexual. E quando iniciava a interação sexual

propriamente dita a colocava de costas para ele.

Na síndrome da adição a criança preenche o pólo passivo, coisificada e pronta

para ser consumida proporcionando excitação sexual e alívio da tensão ao

perpetrador. 36 Um objeto de um jogo perverso o qual coloca a sexualidade a

serviço de necessidades não somente sexuais, deixando marcas profundas no

psiquismo das vítimas. 39 As crianças que sofreram abuso sexual afirmam não

terem sido favoráveis à situação, buscavam evitá-la ou manifestavam falta de

compreensão para com a experiência. 36

A mãe é a pessoa mais procurada para a busca de ajuda 36. O fato de B. ter

buscado ajuda junto à mãe, não significou o término da violência. A inversão de

papéis vítima-sedutor promovida pelo adulto a quem recorre acrescenta sofrimento

à dor do descrédito à violência física e moral 39. De fato, novamente, não foi

reconhecido seu grau de vulnerabilidade e dependência aos seis anos de idade,

quando a mãe manda a filha falar para o padrinho-perpetrador parar com o abuso

sexual. Também não foi perguntado sobre os detalhes do abuso, não aconteceu a

notificação para a polícia ou nenhum outro movimento que demonstrasse que o ato

do padrinho era criminoso. Também não aconteceu nenhum fato que demonstrasse

que B. era a vítima.

A ‘Síndrome do segredo’ é mantida pela família incestuosa para manter o

status quo existente à custa de ameaças e barganhas à criança 36,39. A vítima tende

a se calar por sentir culpa pela participação na interação sexual, por se sentir

responsável pelo abuso, por sentir forte apego pelo abusador, por medo das

conseqüências e da desintegração da familiar.38 A criança é vítima e testemunha do

abuso sexual cujas conseqüências poderão ser tão ou mais intensas que o próprio

abuso, o que gera mais angústia. 39

Até no momento da morte do padrinho perpetrador , quando B. tinha 25 anos,

ela não se sentia autorizada a falar sobre o assunto, manteve algumas conversas

79

Page 80: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

sobre o abuso com uma prima e com três namorados. Em sua família o assunto

continua em segredo. O que a motiva a mantê-lo é o fato de a mãe ter depressão

há 20 anos e o pai também com episódios de desmaios. Teme pela saúde dos pais,

por causar um problema importante na vida familiar e pela possibilidade de

dissolução da família. Sua mãe muitas vezes enfatizou a importância do silêncio

como fator mantenedor da estabilidade de seu papel no seio familiar. Geralmente,

os filhos percebem as mães como não afetivas e não protetoras de si mesmas,

deles e com características de grande dependência. 31

O irmão de B., dois anos mais velho, reside em outro país. Ele sabe do abuso

e também mantém o segredo. A paciente manifesta inconformidade com o silêncio

ao qual foi submetida na época. Afirma que o perpetrador fez outras vítimas na

família.

As experiências na infância são armazenadas de forma a organizar confiança

no ambiente ou, ao contrário, a dificultar a construção da mesma. 6 As vítimas de

abuso sexual apresentam alterações na percepção quanto à confiança interpessoal.

A base para a consolidação do processo de vinculação saudável, baseado no afeto

e na confiança, é rompida devido à violência. 36

O prazer e a excitação que as crianças possam vir a experimentar na interação

com o perpetrador, contribui para sentimentos contraditórios, aliados à dor e à

angústia. Acreditam serem culpadas pelo abuso e tendem a pensar que são ruins e

diferentes das outras crianças, repercutindo negativamente na auto-estima. 39

O impacto negativo do abuso sexual para o desenvolvimento cognitivo, social,

físico e afetivo é demonstrado por vários estudos. Depressão, transtornos de:

ansiedade, alimentares, dissociativos, de hiperatividade, e déficit de atenção, de

aprendizagem, comportamentais, de personalidade borderline, fóbicos, ideação

paranóide, entre outros, são descritos pelos autores. 36, 37

Estima-se que entre 85% a 90% dos pacientes com problemas psiquiátricos

foram vítimas de maus-tratos na infância, com predominância do abuso sexual. As

repercussões na saúde mental de crianças que sofreram abuso antes dos treze

anos são duradouras. 37

80

Page 81: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

O desempenho sexual depende da integração dos níveis biológicos,

psicológico e social. 11 O corpo é um processo biológico enriquecido de experiências

do vivido. 16

O quadro psíquico da paciente demonstra ser complexo, apresentando

disfunções sexuais ao longo da vida, repercutindo no prognóstico e no tratamento.

A resposta sexual da paciente apresenta-se com prejuízo no desenvolvimento do

ciclo e, conseqüentemente na satisfação sexual.

As impressões diagnósticas do presente estudo indicam que a paciente

apresenta: Vaginismo F52. 5, Transtorno Orgásmico Feminino F52. 3 e Estado de

Estresse Pós-traumático F 43.1.

Esta classificação, apesar de apontar a origem psicogênica, é restrita quanto à

definição, deixando margem a diferentes interpretações, conforme o caso clínico. O

aspecto em “... a entrada do pênis é impossível ou dolorosa” confirma que pode

ocorrer a entrada do pênis e que esta acontece com dor. A dor está prevista no

vaginismo e, portanto não precisa ser referida como dispareunia. Esta classificação

não inclui a dificuldade interpessoal que promove, entre outros aspectos que

influenciam e são influenciados pela experiência.

O DSM-IV- Manual de Diagnóstico e Estatística, em sua quarta edição

(APA,2000) apresenta-se mais abrangente, inclui a interferência de espasmo no

intercurso sexual, coloca sobre o sofrimento ou dificuldade interpessoal e direciona

na exclusão de outras perturbações, porém não esclarece a questão da dor.

Com tantas questões relevantes que compõe a história da paciente, onde os

sintomas se interconectam apresentando uma teia de acontecimentos,

experiências, circunstâncias, interpretações, escolhas, esquivas, que torna difícil a

tarefa de reconhecer e organizar todos os aspectos segundo a definição proposta

pela classificação internacional de doenças, demonstrando que muito precisa ser

compreendido sobre este fenômeno.

Sabe-se que o vaginismo está associado à violência sexual na infância e a

fortes tabus religiosos 11. Além de ter sofrido abuso sexual, a mãe de B. condenava

toda demonstração de afeto e de desejo sexual. Freqüentemente usava expressões

como “...sexo é coisa de animal...”, “...quem gosta disso é puta, vadia, vagabunda...”

81

Page 82: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

(SIC). Por várias vezes chamou B. por estes nomes. O valor das aprendizagens em

família na etiologia também deve ser enfatizado, tais como: homem não oferece

segurança e são ameaçadores, a expressão dos sentimentos não é tolerada,

intercurso sexual é ruim, mas o homem precisa e a mulher é obrigada. 31

As pacientes com vaginismo são geralmente fóbicas à penetração vaginal,

porém sexualmente responsivas 28. Esta disfunção refere-se a uma tentativa de

proteção contra a possível fusão ou destruição pela representação paterna, como

uma prevenção contra invasões de limites e manutenção da integridade de seu

corpo e de seu self. 31

A escolha do parceiro sofre a influência da internalização do relacionamento

com o sexo do perpetrador, tendendo escolher parceiros com características de

agressividade passiva (63,6%). B. enfatiza ser primordial que seu parceiro seja

passivo e colaborador. Refere preferir homem do tipo fraco e manipulável em

detrimento a homens experientes e decididos pelo fato destes serem pouco

pacientes, exigentes e apresentarem tendência à dominação. Tais características

influenciam suas escolhas. O fato de imaginar um contato sexual mais íntimo com

um homem que apresente características de dominação, a paciente refere aumento

de ansiedade e de angústia. Não se sentir no controle do encontro é fator

predisponente e mantenedor de tais sintomas.

A questão da capacidade de confiar em alguém é especialmente importante

de ser investigada, principalmente em pessoas do mesmo gênero que o perpetrador 26. B. apresenta tendência de controlar as situações, de ser autoritária e exigente

consigo e com o outro. Refere não confiar nas pessoas. Ao mesmo tempo coloca

possuir uma ‘falsa força’. Percebe-se confusa, insegura, sensível, envergonhada e

frágil. Coloca como um obstáculo em seus relacionamentos a dificuldade de falar

‘não’. Refere sentir-se confusa quanto ao que é apropriado e ao que não é

apropriado.

A manutenção de um relacionamento afetivo-sexual para a mulher com

vaginismo pode resultar numa experiência devastadora para si mesmo e para o

parceiro. Depende também da dor que a penetração pode ocasionar para ambos, a

reação à disfunção da mulher, à vulnerabilidade psicológica e sexual do parceiro e

82

Page 83: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

ao desenvolvimento de impotência secundária ou de outros sintomas e a reação da

mulher frente aos acontecimentos e reações do parceiro 28. B. experimenta

dificuldades quanto à manutenção de seu relacionamento com o parceiro a ponto

de terminarem o relacionamento por se sentirem exauridos e frustrados. A

necessidade em controlar e a tendência à dominação não se restringem ao

encontro sexual.

O impacto do abuso sexual depende de fatores combinados e envolve

mudanças no comportamento. Tais fatos dependem da existência de fatores de

risco do funcionamento familiar, a forma do abuso, a idade de maturação do

abusado, a duração e a freqüência, os recursos emocionais dos cuidadores, o

acesso ao tratamento, os recursos sociais, a rede de apoio social e afetiva, a

reação dos outros (família, par, amigos), a responsabilidade pelo abuso, as

conseqüências para a família, a reação do indivíduo após o evento traumático e

com o tempo .36, 50

Crianças vítimas de abuso sexual apresentam relativa vulnerabilidade para o

desenvolvimento neuropsicológico, sendo o transtorno do estresse pós-traumático a

psicopatologia decorrente mais citada . 36

O reconhecimento do quadro de transtorno do estresse pós-traumático é

importante tanto pelo comprometimento como pela prevalência. 47

A sintomatologia do transtorno do estresse pós-traumático pode ser dividida

em três grupos: hiperexcitabilidade psíquica, reexperiência traumática e esquiva e

distanciamento. 49

A paciente apresenta hiperexcitabilidade psíquica que envolve hipervigilância

associada ao controle do ambiente e das interações relacionais, respostas

exageradas de sobressalto e generalização do medo. Estes sintomas são

apresentados pela paciente de forma recorrente, passando do estímulo para a ação

sem modular as respostas apropriadamente para o contexto. Pode-se ressaltar que

seu estado de hipervigilância está associado à possibilidade de controlar os

ambientes e as interações relacionais. Desta forma, o encontro sexual passa

também por este critério. O desenvolvimento de miopia, posteriormente catarata e

descolamento de retina sugerem estar associados ao quadro de hipervigilância.

83

Page 84: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Com relação a reexperiência traumática vivenciada pela paciente, as lembranças

apresentam-se de forma fixa, carregadas de componente emocional e afetivo, com

sofrimento e angústia. Há estímulos associados (fragmentos sensoriais) os quais

reativam as memórias com semelhança (nitidez e intensidade) ao evento

traumático. Quando as lembranças aparecem, não são facilmente interrompidas. A

paciente utiliza-se de esquiva e distanciamento aos estímulos associados

(ambiente, perfil de personalidade do homem, posição sexual, temas de conversas,

entre outros) às lembranças que possam provocar o aparecimento de sintomas

intrusivos, potencializando o comportamento de esquiva em sua vida.

Há uma seqüência de ações e reações do homem frente a situações

excessivas, de extrema ameaça. Inicia com alguma situação que o deixa ansioso,

sem perspectiva momentânea de alívio e em seguida, passa a fazer movimentos

violentos e desordenados. Ao ficar exposto à mesma situação por um período

prolongado, pode até deixar de movimentar-se e a entrar num estado de

imobilidade e passividade 45. A experiência emocional humana mostra

homogeneidade racial e geográfica quanto à evocação do medo e da ansiedade 46.

Pode ser chamada de síndrome geral de adaptação com três fases sucessivas

chamadas de alarme, resistência e exaustão 47,48. Envolve a homeostase e a

adaptação do meio corporal interno e a adaptação do organismo às mudanças

externas. O cérebro está com a atividade alterada no envolvimento com o evento

traumático 48. A idade pode influenciar no tipo de resposta e sintomatologia assim, a

resposta inicial de hiperativação como forma de preparação para a “fuga ou luta”

pode aparecer de forma menos amadurecida em crianças.40

Figura 12. O corpo da experiência do estresse pós-traumático. 1

84

Page 85: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

Figura 13. Somagramas da paciente ao reexperienciar a cena traumática de forma assistida

em sessão de psicoterapia.

A B

No somagrama A, a paciente escreve: ‘Expande o pulmão com ar dentro,

estômago contrai, postura de defesa, vagina contrai, pernas e braços não sinto, a

cabeça fica sem pensamento, olhar vigilante, contrai a garganta, mas a voz não

sai’. A fixação de certa configuração dos estágios do continuum do susto podem ser

verificadas uma vez que a posição inicial figura 2A refere aspectos descritos nos

critérios apontados pelo autor do esquema descrito na figura 1, tais como:

expansão, voltar sua atenção para o ambiente, tornar-se mais sólida, enrijecer

frente à grande excitação interna. Esta intensificação da forma corporal ajuda na

investigação e promove a asserção sobre o acontecimento. A resposta de susto

inicia com alterações na parte superior do corpo, com rigidez da espinha,

rebaixamento do diafragma, abertura das vias aéreas e represamento dos pulmões,

com a extensão para isolar o estímulo e focalizá-lo, mantê-lo sob vigilância, como

uma postura de proteção. 1

Ao reviver a cena traumática e expressá-la no somagrama B, a paciente

apresentou expressão emocional intensa com as sensações vívidas, sem estrutura

narrativa. No final comenta “...desenhei-me pequena porque era assim que eu me

85

Page 86: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

sentia.”. A configuração do somagrama 2B aponta semelhança com a posição da

segunda metade do continuum do susto que envolve os seguintes aspectos: não se

move e não cede, tende a permanecer fora do contato com resposta de choro, o

movimento do organismo é o de tornar-se menor, mais líquido e as mãos aparecem

como inativas denotando submissão. 1

As memórias traumáticas hipocampo-dependentes apresentam estrutura

narrativa, são verbalmente acessíveis e geralmente apresentam expressão

emocional e sensoriais menos intensas. Ao passo que as memórias traumáticas

hipocampo não dependentes, apresentam expressão emocional intensa e

sensações vívidas com pouca interface de comunicação, sem estrutura narrativa e

situacionalmente acessíveis 60, 61. Estes estudos sugerem uma possível semelhança

com os conteúdos dos somagramas A e B.

A abordagem psicoterapêutica e médica tem se mostrado ideal para no

tratamento das disfunções sexuais femininas, ainda mais quando a parceria é

incluída neste processo. O contexto no qual a mulher experimentou sua sexualidade

é tão importante quanto sua fisiologia, e esta integração é essencial para orientar o

tratamento e a terapia medicamentosa 35. O principal obstáculo para o tratamento

do vaginismo é o padrão fóbico da paciente, tornando o medo da cura maior que

seu sofrimento físico e psicológico. 28

Futuras pesquisas poderão contribuir para o estudo dos aspectos envolvidos

na etiologia e na manutenção dos transtornos da dor sexual que interferem

negativamente na receptividade sexual feminina.

86

Page 87: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

8 CONCLUSÕES

A partir da revisão de literatura e do estudo de caso relatado, pode-se afirmar

que o presente tema apresenta aspectos que potencializam a reflexão.

A revisão de literatura proporcionou uma ampla pesquisa a partir de estudos

sobre abuso sexual na infância e de suas conseqüências para o desenvolvimento

afetivo e social da vítima. Dentre as psicopatologias associadas, o estresse agudo e

o transtorno do estresse pós-traumático foram as mais citadas.

Estes dados conduziram o presente estudo a pesquisas e revisões

bibliográficas sobre o transtorno do estresse pós-traumático os quais apresentaram

aspectos semelhantes, contudo sob diferentes perspectivas. Tais aspectos

interconectados influenciaram a reflexão e, concomitantemente, na investigação do

estudo de caso.

87

Page 88: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

A fixação de um padrão de respostas apresentadas no transtorno do estresse

pós-traumático tornou-se relevante devido à sua conexão com o transtorno da dor

sexual através das memórias traumáticas hipocampo não-dependentes e pela

interferência negativa na receptividade sexual feminina.

No que diz respeito aos fatores envolvidos na etiologia do transtorno da dor

sexual não devido a uma condição médica, o relato de caso constituiu-se numa

consolidação de diversos indicadores que confirmaram a hipótese de que o abuso

sexual na infância pode desencadear situações de estresse agudo e de estresse

pós-traumático, com fragmentação da experiência e da memória traumática,

contribuindo na gênese do vaginismo e da dispareunia.

ANEXO

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE MEDICINA

ESPECIALIZAÇÃO EM SEXUALIDADE HUMANA PELO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDOVocê está sendo convidada para participar, como voluntária, em uma pesquisa (estudo de

caso). Após ser esclarecida sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizada de forma alguma. Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da USP.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto: Memórias traumáticas fragmentadas: estudo sobre as relações entre os transtornos da dor sexual e o transtorno do estresse pós-traumático.

Pesquisador Responsável: Salete Cortez Astolfo Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (011) 3421-xxxx e 9914-xxxx Orientador: Giancarlo Spizzirri

Descrição da pesquisa, objetivos, detalhamento dos procedimentos, forma de acompanhamento:

88

Page 89: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

O presente estudo tem como objetivo estabelecer os aspectos e as congruências da etiologia do vaginismo. Apresentar estas correlações através de um estudo de caso. A hipótese apresentada é a de que o estresse pós-traumático decorrente do abuso sexual é um fator de risco para a ocorrência de transtorno da dor sexual.O período do relato de caso será sobre seis meses de psicoterapia, garantido o sigilo sobre o nome ou qualquer aspecto que possa expor sua identidade. Também é de direito retirar o consentimento a qualquer tempo sem qualquer prejuízo da continuidade do acompanhamento psicoterápico.

O benefício deste estudo de caso:1- Ampliar o estudo sobre os transtornos da dor sexual.2- Correlacionar sua etiologia ao diagnóstico de estresse pós-traumático.

1 Salete Cortez Astolfo2 CRP 06/32622-4

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Keleman S. Anatomia Emocional. 2a ed. São Paulo: Summus, 1992:

11,12,75,76,88,89,171,174.

2. Favre R. Seminário de Anatomia Emocional. Aula em 14/04/2003

3. Sheldon W H. Atlas of Men, a Guide for Somatotyping the Adult Male at all

Ages. New York: M.D. Harper & Brothers Publishers, 1954: 88, 89.

4. Keleman S. O Corpo diz sua Mente. São Paulo: Summus, 1996: 16,19,20,21.

5. Francescone, J. Cultura Lesbiana. Figura lésbica. Disponivel em

http://Culturalesbiana.blogsome.com/category/salud-y-sexualidad/. 2006/07.

6. Winnicott DW. Os Bebês e suas mães, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes 1999:

58,76,77,80.

7. Capra F. A Teia da Vida- Uma compreensão científica dos Sistemas. São

Paulo: Cultrix, 1996: 256.

89

Page 90: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

8. Maturana H, Varela F. A Árvore do Conhecimento. 2a ed. São Paulo: Palas

Athenas, 2002: 183.

9. Reich W. A Função do Orgasmo. 12a ed. São Paulo: Brasiliense,1975: 13.

10. Kaplan HI, Sadock BJ& Grebb JA. Compêndio de Psiquiatria. 7ª ed. São

Paulo: Artmed, 1997.

11. Abdo C H N. Sexualidade Humana e seus Transtornos. 2a ed. São Paulo:

Lemos Editorial, 2000: 20,72,73.

12. Freud S. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Obras Completas de

S.Freud. Ed. Standasd Brasileira. Rio de Janeiro, Imago,1972, v.7.

13. Reich W. Analisis del Caráter. 4a ed. México: Editorial Paidós Mexicana:1991:

17,94,95,96,255.

14. Lowen A. Bioenergética . 6ª ed. São Paulo: Summus, 1982: 299.

15. Boysen G. Entre Psique e Soma- Introdução à Psicologia Biodinâmica. São

Paulo: Summus, 1986: 143.

16. Keleman S. Realidade Somática – Experiência corporal e Verdade Emocional.

São Paulo: Summus, 1994: 21,22.

17. Masters WH, Johnson VE. A inadequação sexual humana. São Paulo, Roca,

1985.

18. Associação Psiquiátrica Americana (APA) – DSM-IV. Porto Alegre: Artes

Médicas, 1995.

90

Page 91: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

19. Kaplan HS. A nova terapia do sexo. 3ª ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,

1977.

20. Keleman S. Corporificando a Experiência – Construindo uma Vida Pessoal. São

Paulo: Summus, 1987.

21. Leiblum SR. Redefining female sexual response. Contemporary Ob/Gyn. 2000;

45:120-6.

22. Basson R. Human sex response cycles. J.Sex Marital Ther. 2001;27 (1): 33-43.

23. Basson R. MD et al. Assessment and Manegement of Women’s Sexual

Dysfunctions: Problematic Desire and Arousal. Journal Sex Med 2005; 2:291-

300.

24. Basson R. et al. Summary of the recommendations on women’s sexual

disfunctions. In: Lue, T.F. et al. (eds) Sexual medicine- Sexual Dysfunctions in

Men and Women. 2004, 975-985.

25. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS) – Classificação de Transtornos

Mentais e de Comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

26. Basson R, Berman J, Burnett A, Degoratis L, Fergunson D, Fourcroy J,

Goldstein I, Graziotin A, Heinman J, Laan E, Leiblun S, Padmanathan H,

Rosen R, Seagraves RT, Shabisigh R, Sipski M , Wagner G.&Whipple B.

Report of the International Consensus Development Conference on Journal of

Urology, 2000: 163, 888-893.

27. Abdo CHN. Descobrimento sexual do brasileiro. São Paulo: Summus,

2004.

28. Kaplan HS. A Nova Terapia do Sexo. 3ªed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,

1997: 391- 419

91

Page 92: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

29. Graziotin A. Etiology and diagnosis of coital pain. J.Endocrinol.Invest., 2003; 26

(Suppl3):115-121.

30- Scholl GM Prognostic Variables in Treating Vaginismus. Obstet Gynecol.1988;

72 (2): 231-5.

31. Silverstein JL. Origins of Psychogenic Vaginismus. Psychother Psychosom .

1989; 52: 197-204.

32. Dawkins S, Taylor R. Non-consummation of marriage: A survey of seventy

cases. Lancet 280; 1961: 1029-1033.

33. Maleson J. Vaginismus its management and psychogenesis. Br.med. J.

ii1942; 213-216.

34. O’Sullivan K. Observations of vaginismus in IRISH women. Archs gen. Psychiat.

1979; 36: 824-826.

35. Berman JR, Berman L, Goldstein I. Female Sexual Dysfunction: Incidence,

Pathophisiology, Evaluation, and Treatment Options. Urology 1999; 54:385-

391, Elsevier Science Inc.

36. Habigzang LF, Koller SH, Azavedo GA, Machado PX . Abuso Sexual Infantil e

Dinâmica Familiar. Psic: Teoria e Pesquisas. Brasília, Universidade Federal do

Rio Grande do Sul, Set-Dez 2005. Vol.21 n.33. 341-348.

37. Aded NLO, Dalcin BLGS, Moraes TM, Cavalcanti MT. Abuso sexual em

crianças e adolescentes: revisão de 100 anos de literatura. Rev. Psiquiátrica

Clínica 2006. Vol. 33(4); 204-213.

92

Page 93: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

38. Borba M R M. O duplo processo de vitimização da criança abusada

sexualmente: pelo abusador e pelo agente estatal, na apuração do evento

delituoso. Jus Navigandi, Terezina, ano 6, n.59, out.2002. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3246. Acesso em : 02 maio 2007.

39. Azevedo E C. Atendimento Psicanalítico a Crianças e Adolescentes Vítimas de

Abuso Sexual. Rev.Psicologia Ciência e Profissão 2001; 21(4): 66-77.

40. Valdivia, Mario. Posttraumatic stress disorder in childhood. Rev. Chil. Neuro-

psiquiatr. [online]. Nov. 2002, vol. 40 suppl. 2 [cited 29 April 2007], p.76-85.

Available from World Wide Web: http://www.scielo.php?

script=sci_asttext&pid=S0717-992272002000600007&ing=en&nrm=iso . ISSN

0717-9227

41. Garza-Aguilar J De La, Díaz-Michel E. Elements for study of rape. Salud pública

Méx., Cuernacava, v.39,n.6, 1997 Disponível em

http:www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttex&pid=S0036-

36341997000600007&Ing=em&nrm=isso. Acesso em 29 Apr 2007. Pré-

publicação.

42. Ribeiro M A, Ferriani MG, Reis, J N. Violência sexual contra crianças e

adolescentes: características relativas à vitimização nas relações familiares.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2004; 20(2):456-464.

43. Spizzirri G. Curso de Especialização em Sexualidade Humana pelo Instituto de

Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Aula de

Transtorno de Preferência em março de 2007.

44. Quinsey VL. The Etiology of Anomalous Sexual Preferences in Men. Ann.N.Y.

Acad.Sci. 2003; 989: 105-107.

93

Page 94: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

45. Darwin C. A expressão das emoções no homem e nos animais. 4a reimpressão.

São Paulo: Companhia das Letras, 2004: 166,167.

46. Assumpção Jr, Francisco B, Kuczsynsky E. Tratado de Psiquiatria da

Infância e Adolescência. São Paulo: Editora Atheneu, 2003: 369 – 371.

47. Pagani E. Correlação entre Ansiedade, Catecolaminas e Disfunção Erétil. [Tese]

São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 1999.

48. Boyle MH, Offord Dr. Hofman HG, Catlin GP, Byles JA, Cadman DT, BUCK R.

The psychology of emotion. In: LEDOUX J, HIRST W Mind and Brain.

Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

49. Câmara FJW & Sougey EB. Transtorno de Estresse pós-traumático:

formulação diagnóstica e questões sobre comorbidade. Revista Brasileira de

Psiquiatria. 2001; 23(4): 221-8.

50. Kapczinski F, Margis R. Transtorno do estresse pós-traumático: critérios

diagnósticos. Revista Brasileira de Psiquiatria. Porto Alegre: 2003; ( Supl 1):3-7.

51. Van Der Kolk B A. The Psychobiology of Traumatic Memory: Clinical

Implications of Neuroimaging Studies. Ann NY Acad Sci 2001; 821:98-113.

52. Peres J F P, Nasello A G Posttraumatic stress disorder neuroimaging findings

and implications. Rev.psiquiatr. clin. [serial on the internet]. 2005 July [cited

2007 Oct 10]; 32(4): 189-201. Avail http://www.scielo.br/scielo.php?

script=sci_arttex&pid=S0101-60832005000400001&Ing=en&nrm=iso.

53. Bremner JD, Randall P, Vermetten et al. Magnetic Resonance Imaging-based

Measurement of Hippocampal Volume in Posttraumatic Stress Disorder Related

to Childhood Phisical and Sexual Abuse: a preliminary report. Biol.Psichiatry

1997; 41 (1): 23-32.

94

Page 95: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

54. Stein MB, Koverola C, Hanna C, Torchia MG, Mcarthy B. Hippocampal Volume

in Women Victimized by Childhood Sexual Abuse. Psychcol Med 1997; 27 (4):

951-9.

55. Gilbertson, M.W, Shenton, M. E.; Ciszewski A. et al. Smaller Hippocampal

Volume Predicts Pathologic Vulnerability to Psychological Trauma. Nat

Neurosci 2002; 5 (11): 1242-7.

56. Sapolsky RM. Glucorticoids and Hippocampal Atrophy in Neuropsychiatry

Disorders. Arch Gen Psychiatry 2000; 57 (10): 925-35.

57. Hull, AM Neuroimaging Findings in Posttraumatic Stress Disorder.Systematic

Review. Br J Psychiatry 2002; 181:102-10.

58. Levin P, Lazvrove S, Van Der Kolk B What Psychological Testing and

Neuroimaging Tells Us Abaut the Treatment of Posttraumatic Stress Disorder

by Eye Movement Desensitization and Reprocessing. J. Anxiety Disord

1999;13(1-2):159-72.

59. Lanius R A, Williamson PC, Densmore M Et al. – The Nature of Traumatic

Memories: a 4-T FMRI functional connectivity analysis. Am J Psychiatry

2004;161(1): 36-44.

60. BREWIN C R, DALGEIS T, Joseph S. A Dual Representation Theory of

Posttraumatic Stress Disorder..Psychological Review 1996; 103: 670-86.

61. Peres JFP, Mercante JPP, Prieto-Peres, MJ Nasello AG. Psychological

Dynamics Affecting Traumatic Memories: implications in psychotherapy.

Rev.psiquiatr.Rio Gd.Sul- Scielo Brasil. 2003; 12:231-56

95

Page 96: Memórias traumáticas fragmentadas: Estudo sobre as ...saletecortez.com.br/estudoseprojetos/memoriastraumaticasfragment... · associado a outras disfunções sexuais, contribuindo

62. Gabbard GO. A neurobiologically informed perspective os psychotherapy. Br J

Psychiatry 2000; 177: 117-22.

63. Mcnally RJ. Progress and Controversy in the Study of Posttraumatic Stress

Disorder Annu Rev Psycol 2003; 54: 229-52.

64. Del Monte M. Retrieved Memories of Childhood Sexual Abuse. British. Journal

of Medical Psychology 2000:73:1-13.

65. Perry BD, Pollard R. Homeostasis, stress, trauma and adaptation: A

neurodevelopmental view of childhood trauma. Child and Adolescent

Psychiatric Clinics of North America 1998; 7(1):33-52.

66. Abdo, C.H.N., Spizirri, Fleury H., Scanavino, M. Diretrizes para

elaboração dos TCC. Curso de Especialização em Sexualidade Humana, FMUSP,

2007.

96