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1494 MEMORIAL CÓPIA ADICIONAL

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1494

MEMORIAL

CÓPIA ADICIONAL

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II

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E

IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI

Vs.

REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS

ALEGAÇÕES, ARGUMENTOS E PROVAS

MEMORIAL

POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E

IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI

2011

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I

SUMÁRIO

1. ABREVIATURAS ........................................................................................................... II

2. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS ................................................................................... III

I. JURISPRUDÊNCIA ....................................................................................................... III

a) Corte Interamericana de Direitos Humanos .............................................................. III

b) Comissão Interamericana de Direitos Humanos ....................................................... VI

c) Corte Internacional de Justiça/Corte Permanente de Justiça Internacional ............. VII

d) Corte Europeia de Direitos Humanos...................................................................... VII

e) Suprema Corte de Justiça Norte Americana ........................................................... VII

II. DOUTRINA ................................................................................................................. VII

III. INSTRUMENTOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS ............................................ X

3. PREÂMBULO ................................................................................................................... 1

I. SÍNTESE DOS FATOS .................................................................................................... 2

II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................... 4

a) Das supostas vítimas ................................................................................................... 4

b) Da admissibilidade ...................................................................................................... 6

III. COMPETÊNCIA ........................................................................................................... 6

IV. PROVAS DOCUMENTAIS.......................................................................................... 7

V. MÉRITO .......................................................................................................................... 7

1. Da proteção dos grupos vulneráveis: indígenas e refugiados ambientais ................... 7

1.1 Os direitos dos integrantes da população indígena Aricapu como grupo vulnerável e

sujeito de direitos ................................................................................................................ 8

1.2 Os direitos dos integrantes da população imigrante de Mirokai como grupo

vulnerável e sujeito de direitos ......................................................................................... 10

2. Da violação ao direito a vida, integridade pessoal, honra e dignidade e o reflexo ao

direito à saúde e segurança alimentar ............................................................................... 13

3. Da ofensa ao principio da igualdade e da não-discriminação ................................... 15

4. Da violação às garantias judiciais e da proteção judicial .......................................... 16

6. Da violação ao direito à propriedade: direitos coletivos à terra ................................ 20

7. Da violação à liberdade de circulação e de residência .............................................. 23

7.1 Do direito à permanência das supostas vítimas em seus territórios ........................... 24

8. Da ponderação das razões de interesse público e social ........................................... 25

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II

9. Da ofensa à proteção do meio ambiente e do direito ao meio ambiente saudável .... 26

9.1 Do dever de proteção do meio ambiente em regiões transfronteiriças ....................... 26

9.2 Do direito ao desenvolvimento sustentável ................................................................ 27

9.3 Das alterações climáticas e das novas fontes energéticas ........................................... 30

VI. MEDIDAS PROVISÓRIAS ........................................................................................ 31

VII. PEDIDOS .................................................................................................................... 34

1. ABREVIATURAS

ACNUR: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

Art. (s): Artigo (s)

ANAE: Agência Nacional de Auxílio aos Estrangeiros

CADH/Convenção: Convenção Americana de Direitos Humanos

Carta da OEA: Carta da Organização dos Estados Americanos

Carta da ONU: Carta das Nações Unidas

CDB: Convenção sobre Diversidade Biológica

CIDH/Comissão: Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CIJ: Corte Internacional de Justiça

Convenção de Viena: Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

Convenção sobre Discriminação Racial: Convenção Internacional sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Racial

Convenção dos Trabalhadores Migrantes: Convenção das Nações Unidas para Proteção dos

Direitos de Todos Trabalhadores Migrantes e seus Familiares

Corte EDH: Corte Europeia de Direitos Humanos

Corte IDH/Corte/Tribunal: Corte Interamericana de Direitos Humanos

Declaração de 2007: Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Declaração de 1948: Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948

II

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III

DIDH : Direito internacional dos direitos humanos

Doc. (s): Documento (s)

Ed.: Edição

IMA: Instituto Nacional do Meio Ambiente

OEA: Organização dos Estados Americanos

OIT: Organização Internacional do Trabalho

ONU: Organização das Nações Unidas

p.: Página (s)

PTMA: Política Tucana de Meio Ambiente de 1991

RIA : Relatório de Impactos Ambientais

SCJNA: Suprema Corte de Justiça Norte Americana

SIDH: Sistema Interamericano de Direitos Humanos

UNESCO: United Nations Educational Scientific and Cultural Organization

§: Parágrafo

2. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS

I. JURISPRUDÊNCIA

a) Corte Interamericana de Direitos Humanos

Casos contenciosos

Caso de las Masacres de Ituango vs. Colombia. Sentença de 1º de julho de 2006.................. 5

9

Caso de La Comunidad Moiwana vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005................. 5

13

Caso Yakye Axa Vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006....................................... 1

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IV

9

12

13

15

18

Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia. Sentença de 25 de novembro de

2006........................................................................................................................................... 9

15

17

23

Caso de los Niños de la Calle (Villagrán Morales y otros). Sentença de 19 de novembro de

1999 ........................................................................................................................................ 13

Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Sentença de 22 de fevereiro de

2002......................................................................................................................................... 13

Caso Escué Zapata Vs. Colombia. Sentença de 04 de julho de 2007..................................... 13

Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa v. Paraguay. Sentença de 17 de junho de

2005......................................................................................................................................... 14

21

22

Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de

2006......................................................................................................................................... 15

17

18

22

IV

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V

Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de

2010......................................................................................................................................... 15

17

Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 12 de agosto de 2008......................... 18

19

Caso Pueblo de Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007.................... 22

28

Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Sentença de 08 de fevereiro de

2006......................................................................................................................................... 25

Caso Salvador Chiriboga vs. Ecuador. Sentença de 06 de maio de 2008...............................26

Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de

1º de fevereiro de 2000............................................................................................................ 26

Medidas provisórias

Caso Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia. Medidas provisórias.

Resolução da Corte IDH de 5 de julho de 2004........................................................................ 5

23

33

Corte IDH. Caso Pueblo Indígena de Sarayaku vs. República del Ecuador. Medidas

provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de julho de 2004 ................................................... 5

Caso de las Comunidades del Jiguamiandó y del Curbaradó. Medidas provisórias. Resolução

da Corte IDH de 6 de março de 2003...................................................................................... 23

34

Caso de la Comunidad de Paz de San José de Apartadó. Medidas Provisórias. Resolução da

Corte IDH de 24 de novembro de 2000.................................................................................. 23

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VI

Caso Cuatro comunidades indígenas Ngöbe e seus membros vs República del Panamá.

Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 28 de maio de 2010.................................. 32

33

Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. República de Nicaragua. Medidas

provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de setembro de 2002............................................ 33

Corte IDH. Caso Pueblo Indígena de Sarayaku vs. República del Ecuador. Medidas

provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de julho de 2004.................................................. 34

Opiniões consultivas

Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinião Consultiva OC-

18/03, de 17 de setembro de 2003. Solicitada pelos Estados Unidos

Mexicanos............................................................................................................................... 11

12

16

23

b) Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Relatório Especial sobre a situação dos direitos humanos e as liberdades fundamentais dos

indígenas. A/HRC/6/15, publicado em 15 de novembro de 2007........................................... 18

19

20

Caso Mayagna Awas Tingni Indigenous Community. Comunicado à imprensa nº 23, de 28 de

setembro de 2001.................................................................................................................... 22

Caso Pehuenche vs. Chile. Medida cautelar. Julgamento em 1º de agosto de 2003............... 33

VI

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VII

Caso Comunidades Indígenas Mayas y sus miembros (caso 12.053). Medida cautelar para o

Estado de Belice em 20 de outubro de 2000........................................................................... 33

Caso Comunidades Indígenas Yaxye Axa y sus miembros (caso 12.313). Medidas cautelar

para o Estado do Paraguai em 26 de setembro de 2001.......................................................... 33

c) Corte Internacional de Justiça/Corte Permanente de Justiça Internacional

Caso Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay). Julgamento em 20 de abril de

2010......................................................................................................................................... 25

27

d) Corte Europeia de Direitos Humanos

Caso Handölsdalen Sami Village and other v. Sweden. Julgamento em 4 de outubro de

2010......................................................................................................................................... 16

20

e) Suprema Corte de Justiça Norte Americana

Caso S. D. Warren CO. v. Maine Board of Environmental Protection et al. Julgamento em 15

de maio de 2006...................................................................................................................... 30

Caso Jefferson County et. al. v. Washington Department of Ecology et. al. Julgamento em 31

de maio de 1994...................................................................................................................... 30

II. DOUTRINA

ACNUR. Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. IMDH. Instituto

Migrações e Direitos Humanos. Deputado Orlando Fantazzini. Políticas Públicas para

Migrações Internacionais. Migrantes e Refugiados. Brasília, dezembro de 2005................. 10

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VIII

CI BRASIL (Conservação Internacional - Brasil). Política Ambiental. n.7, janeiro 2011, Belo

Horizonte/MG: CI BRASIL, 2011.......................................................................................... 31

COURTIS, Christian. Anotações sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT sobre povos

indígenas por tribunais da América Latina. Revista Internacional de Direitos Humanos.

Disponível em: http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo10.php?artigo=10,artigo_

courtis.htm. Acesso em 31 de janeiro de 2011........................................................................ 14

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed., São Paulo: Saraiva,

2008..........................................................................................................................................27

DUPRAT, Deborah. O Direito sob o marco da plurietnicidade/multiculturalidade. In:

Pareceres Jurídicos: Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais. Manaus: UEA,

2007......................................................................................................................................... 22

GONÇALVES, Luiz Rogério. Um Belo Monte de Confusão.

Revista Amazônia Viva. de Altamira/PA: Vinte e Um. Ano10. n.05, p.34-39, jun-jul-

2010......................................................................................................................................... 19

31

JHOSÉ, Hemanuel. Ictiofauna de Balbina: anos de silêncio. In: INPA, 13 ago. 2007.

Disponível em: http://www.inpa.gov.br/noticias/noticia_sgno2.php?codigo=469 Acesso de 05

de agosto de 2010.................................................................................................................... 31

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed., São Paulo:

Malheiros, 2006....................................................................................................................... 19

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. rev. atual., São

Paulo: Malheiros, 2009........................................................................................................... 25

MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE. Licença Ambiental da Hidroelétrica

de Belo Monte é condenada: o terceiro maior projeto hidroelétrico do

mundo devastará vasta área de Floresta Amazônica. In: International

VIII

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IX

Rivers, 1 fevereiro 2010. Disponível em: http://www.internationalrivers.org/node/5035.

Acesso em: 6 de fevereiro de 2011......................................................................................... 19

PNGATI. Construindo a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras

Indígenas. Documento de Apoio para as Consultas Regionais. Brasil: Grupo de Trabalho

Interministerial (MJ/FUNAI, MMA, APIB), novembro de 2009/ junho de

2010......................................................................................................................................... 29

SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e

atualizada. Rio de Janeiro: Thex, 2002................................................................................... 28

SILVEIRA, Edson Damas da. Meio ambiente, terras indígenas e defesa nacional: direitos

fundamentais em tensão nas fronteiras da Amazônia Brasileira. Curitiba: Juruá,

2010........................................................................................................................................... 8

TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Os direitos originários dos índios sobre as terras

que ocupam e suas consequências jurídicas. In: SANTILLI, Juliana (coord.). Os direitos

indígenas e a Constituição. Porto Alegre: Núcleo de Direitos Indígenas e Sergio Antonio

Fabris Editor, 1993.................................................................................................................. 21

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente: paralelo dos

sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,

1993......................................................................................................................................... 14

15

______. O direito internacional em um mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar,

2002 .......................................................................................................................................... 6

______. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. vol. 1. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 2003.................................................................................................... 14

15

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X

III. INSTRUMENTOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS

Agenda 21.

Carta da Organização dos Estados Americanos

Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica)

Convenção da UNESCO de 1972 sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural

Convenção da UNESCO de 2003 para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial

Convenção da UNESCO de 2005 sobre a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões

Culturais

Convenção das Nações Unidas para Proteção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes

e seus Familiares

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

Convenção nº 97 da OIT

Convenção nº 143 da OIT

Convenção nº 169 da OIT

Convenção sobre Diversidade Biológica

Declaração da OIT sobre os Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998

Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Declaração do Rio de 1992

Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais, Étnicas,

Religiosas ou Linguísticas: Declaração sobre as Minorias

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Declaração Universal sobre Diversidade Cultural de 2001

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

X

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XI

Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos

Econômicos Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador)

Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Relatório Especial das Nações Unidas sobre Populações Indígenas (1983)

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1

Ao Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

El ser humano tiene necesidad espiritual de raíces. Los

miembros de comunidades tradicionales valoran

particularmente sus tierras, que consideran que a ellos

pertenece, así como, al revés, ellos "pertenecen" a sus

tierras. A.A. Cançado Trindade. In: Corte IDH. Caso Yakye Axa vs.

Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006.

A população indígena Aricapu e os imigrantes da República de Mirokai

(doravante supostas vítimas), por seu representante legal e interveniente comum,

vêm a essa Honorável Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante

Corte IDH, Corte ou Tribunal), apresentar a presente peça de alegações,

argumentos e provas, com fundamento nos arts. 33 e 44 da CADH e nos arts. 25

e 40 do Regulamento da Corte IDH, referente ao caso População Indígena

Aricapu e Imigrantes da República de Mirokai Vs. República Federal de

Tucanos relatado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante

Comissão ou CIDH), a fim de que seja declarada a procedência do pedido, com

base nos artigos 4, 5, 8, 21, 22 e 25, em consonância com o artigo 1.1 todos da

CADH, acrescidos dos fundamentos fáticos e jurídicos ora apresentados. O

presente memorial, juntamente com seus anexos, segue por meio de correio

eletrônico, nos termos no artigo 28.1 do Regulamento da Corte IDH. Com a

expressão de nossa mais elevada consideração e renovando a afirmação do nosso

respeito aos Direitos Humanos, subscrevemo-nos,

Respeitosamente,

Representante das supostas vítimas.

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2

I. SÍNTESE DOS FATOS

Das razões fáticas

A República de Tucanos (doravante denominada Estado) pertence ao continente sul-

americano, fazendo fronteira com o Principado de Araras na confluência dos rios Betara e

Corvina. Histórica e culturalmente, o Estado demonstra o seguimento de um regime

democrático estável. Além disso, apesar de conturbados conflitos territoriais no passado

devido aos limites transfronteiriços com o país vizinho, atualmente a República Federal de

Tucanos tem mantido relações pacíficas e cooperativas com o Principado de Araras.

Não obstante o célere crescimento econômico e industrial do Estado, parte da

população ainda preserva seus laços e costumes, tradições seculares que foram transmitidas

de geração para geração. Nos arredores da confluência dos rios a manutenção das tradições e

a heterogeneidade das culturas da população tucana predominam, sendo possível localizar

populações indígenas e comunidades tradicionais que garantem a diversidade cultural da

região, cujos povos vivem de forma pacífica, porém mantendo as suas tradições específicas,

tanto na estrutura organizacional do povo, como no método adotado para a sua subsistência.

Ao menos 15 das 20 vilas da população indígena Aricapu e a maioria das 10 mil

pessoas que migraram da República de Mirokai habitam a área da confluência dos rios Betara

e Corvina, no território do Estado. Ressalte-se que, ambos os grupos dependem dos recursos

naturais da região como fonte primária de trabalho e subsistência e ambos possuem seus

direitos coletivos à terra reconhecidos pelo Estado.

Entretanto, o Estado pretende investir na construção de uma hidrelétrica neste local,

atualmente habitado pela população indígena Aricapu e pela comunidade tradicional

composta pelos imigrantes da República de Mirokai, conforme já mencionado. Segundo o

Estado, a hidrelétrica, que será denominada “Hidrelétrica de Cinco Voltas”, irá suprir as

necessidades do país por novas fontes energéticas, com o objetivo de prevenir futuros

apagões na região e manter o crescimento econômico e industrial do país.

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3

Diante desses fatos, após a aprovação do RIA pelo IMA, a população indígena

Aricapu e os imigrantes da República de Mirokai (doravante denominadas supostas vítimas)

ajuizaram ação contra o Estado, objetivando a anulação da aprovação do RIA e interrupção

das obras da hidrelétrica, em caráter liminar. As supostas vítimas alegaram que a construção

da hidrelétrica destruiria um território preservado pelos índios, considerado sagrado por estes.

Além disso, violaria o direito de propriedade dessas populações e geraria impactos

ambientais superiores aos estabelecidos pelo PTMA. No entanto, apesar de todas as alegações

pertinentes acima, o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido em 14 de maio de 2010.

Inconformados com a decisão, as supostas vítimas recorreram à Corte de Apelações

da República de Tucanos, a qual deferiu o pedido, ordenando, liminarmente, a suspensão das

obras da hidrelétrica, em 30 de junho de 2010. O Estado, na pessoa de seu Advogado Geral

da União, apresentou recurso à Suprema Corte de Tucanos, alegando que as supostas vítimas

não trouxeram evidências concretas dos impactos negativos resultantes da construção da

hidrelétrica e, por isso, as obras deveriam continuar, uma vez que a hidrelétrica é essencial ao

crescimento econômico do Estado.

A Suprema Corte deferiu o recurso do Estado, em 2 de agosto de 2010, confirmando a

decisão de primeira instância. Assim, revogou-se a liminar da Corte de Apelações,

permitindo a retomada das obras da hidrelétrica.

Após esgotarem todos os recursos internos, não houve outra alternativa às supostas

vítimas a não ser recorrer ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no intuito de

obter uma decisão justa e eficaz ao caso, e evitar a ocorrência de novos fatos similares a este.

Do procedimento diante do Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Diante do resultado desfavorável obtido perante o sistema judiciário interno da

República de Tucanos, as supostas vítimas ofereceram petição individual à CIDH, em 6 de

outubro de 2010, sendo o petitório admitido em 15 de outubro. Após o prazo de resposta

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4

pelas partes, nos termos do art. 40 do Regulamento da Comissão e do art. 49 da Convenção,

houve a tentativa de mediar um acordo amigável, o qual não teve êxito.

Em ato contínuo, a Comissão, verificando a violação pelo Estado dos arts. 4, 5, 8, 21,

22 e 25 em consonância com o at. 1.1, todos da Convenção, apresentou o presente caso à

Corte IDH, em razão da gravidade da situação e a posição dos peticionários no caso,

relatando-o em conformidade com o art. 45.2 do Regulamento da CIDH.

Por todo o exposto, as supostas vítimas, através de seu representante e interventor

comum, vêm a esta Corte apresentar o presente escrito de alegações, argumentos e provas, no

intuito de contribuir ao esclarecimento dos fatos e motivar a demanda através da juntada de

novas provas e fundamentos jurídicos, nos termos em que passa a expor.

II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

a) Das supostas vítimas

Por tratar-se de violação de direitos coletivos e metaindividuais, não há a

possibilidade de individualização das supostas vítimas, conforme requer o art. 40.2.c do

Regulamento da Corte. A presente demanda versa sobre a violação massiva dos direitos

pertencentes a dois grupos distintos em sua origem, porém igualitários frente aos direitos

violados e a pretensão jurídica ora oferecida:

População indígena de Aricapu: habitam a região norte da República de

Tucanos e, juntamente com os habitantes do Leste do Principado de Araras, representam um

dos mais antigos e tradicionais grupos étnicos;

Imigrantes da República de Mirokai: instalaram-se na República de

Tucanos, por volta de 1975, na confluência dos rios Betara e Corvina. Referem-se à cerca de

10 mil imigrantes, que migraram de seu pequeno país localizado no continente Asiático,

devido à extensa destruição de seu território, causada pelo impacto de sucessivas ondas

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5

tsunamis. Foram registrados pelo Estado, de acordo com as normas da ANAE, criada pela LC

101/1924 da República de Tucanos.

Diante da ausência de determinação das supostas vítimas, a Corte tem utilizado

critérios aplicáveis às particularidades e circunstâncias de cada caso, considerando como

supostas vítimas pessoas que não foram mencionadas como tal na demanda, sempre que

houver respeitado o direito de defesa das partes e das supostas vítimas, guardando relação

com os atos descritos na demanda e com a prova apresentada diante da Corte 1.

No que concerne à subjetividade legal dos povos no Direito Internacional trata-se de

uma evolução que tem contribuído para a expansão da personalidade legal e internacional dos

indivíduos (pertencentes a grupos, minorias ou coletividades humanas) como sujeitos

(contemporâneos) do direito internacional.2 As supostas vítimas em questão pertencem a

grupos organizados, residentes em local geográfico determinado e por isso, podem ser

identificadas, aplicando-se os direitos aqui discutidos a todos os membros dessas

comunidades3. Trata-se de uma pluralidade de pessoas que, apesar de não terem sido

nominadas, são identificáveis e determináveis, e se encontram em uma situação de grave

perigo em razão de pertencerem a uma comunidade4. Nesse sentido, a Corte IDH é legítima

para reconhecer como supostas vítimas os grupos acima mencionados, nos termos do art. 35.2

do seu Regulamento.

1 Cf. Corte IDH. Caso de las Masacres de Ituango vs. Colombia. Sentença de 1º de julho de 2006.

2 Cf. Corte IDH. Caso de La Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005. Voto

fundamentado do Juiz A.A. Cançado Trindade (§§10 e 12).

3 Cf. Corte IDH. Caso Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia. Medidas provisórias. Resolução

da Corte IDH de 5 de julho de 2004.

4 Cf. Corte IDH. Caso Pueblo Indígena de Sarayaku vs. República del Ecuador. Medidas provisórias. Resolução

da Corte IDH de 6 de julho de 2004 e Corte IDH. Caso Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia.

Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 5 de julho de 2004.

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6

b) Da admissibilidade

Desde o Regulamento da Corte IDH adotado em 1996, as vítimas, por meio de seus

representantes legais ou familiares, passaram a ter permissão para manifestar-se perante a

Corte, com a apresentação de seus próprios argumentos e provas. Essa legitimidade foi

reconhecida, inicialmente, no caso El Amparo (reparações 1996), quando se entendeu que os

representantes das vítimas eram, de fato, a verdadeira parte demandante perante a Corte.

Assim, o locus standi in judicio das supostas vítimas (ou seus representantes legais) contribui

para melhor instruir o processo, e sem o qual estará este último desprovido em parte do

elemento do contraditório, essencial na busca da verdade e da justiça5.

Portanto, respeitados os requisitos de admissibilidade, como o esgotamento prévio dos

recursos internos e a inexistência de litispendência internacional, as supostas vítimas são

legitimadas a apresentar seus próprios argumentos e provas, por meio de um representante

legal e interveniente comum, competindo à Corte IDH conhecer e julgar o presente caso

(arts. 33 e 44 da CADH e arts. 25 e 40 do Regulamento da Corte IDH).

III. COMPETÊNCIA

A República de Tucanos, país do continente sul-americano, além de participar do

processo de negociação da Carta da OEA, também ratificou os tratados interamericanos de

direitos humanos e a maioria dos tratados da ONU. É parte da CADH desde 4 de agosto de

1991, tendo reconhecido a competência contenciosa da Corte IDH, em julho de 1992.

Ao reconhecer a competência desta Honorável Corte o Estado, consequentemente,

reconhece a possibilidade de vir a ser julgado e considerado responsável pela ação ou

omissão caracterizadora da violação dos direitos e garantias protegidos pela CADH,

5 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O direito internacional em um mundo em transformação. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002, p. 659-682.

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7

conforme preceitua o art. 1º deste tratado. Sendo assim, compete à Corte processar e julgar o

presente caso, nos termos dos arts. 33 e 44 da CADH e arts. 25 e 40 de seu Regulamento.

IV. PROVAS DOCUMENTAIS

Para instruir esta demanda foram anexados a esse petitório os seguintes documentos:

a) títulos de propriedade: adquiridos pela população indígena quando tiveram seus direitos

coletivos à terra reconhecidos através do Ato de Reconhecimento de Terras Indígenas de

1975 e em atendimento ao previsto no art. 26.2 da Declaração de 2007. E títulos de posse das

terras: adquiridos pelos imigrantes de Mirokai depois de decorrido o prazo de cinco anos do

registro de entrada dos imigrantes no Estado perante a ANAE; b) ata da última reunião geral

da população indígena de Aricapu, legitimando a representação da população junto ao Estado

e aos demais países, cuja função é atribuída ao secretário da Assembleia Geral, devidamente

eleito na reunião bianual, de acordo com o direito reconhecido pelo art. 33.2 da Declaração

de 2007; c) ata de eleição do representante mirokaense San Yano, legitimando sua

representação da população dos imigrantes de Mirokai na presente lide.

V. MÉRITO

A construção da Hidrelétrica de Cinco Voltas, na localidade pretendida pelo Estado,

resulta na violação de diversos direitos e garantias, devidamente reconhecidos pelo direito

internacional contemporâneo. Essas violações podem ser observadas tanto em relação à

população indígena Arikapu, quanto em relação à população de imigrantes de Mirokai

(supostas vítimas), de acordo com a particularização abaixo.

1. Da proteção dos grupos vulneráveis: indígenas e refugiados ambientais

As supostas vítimas do caso em análise - população indígena de Aricapu e imigrantes

de Mirokai - são consideradas grupos vulneráveis e, portanto, sujeitos coletivos de direito.

Ambos possuem, em sua essência, a organização em grupo e a proteção de seus direitos de

forma coletiva, tendo como característica marcante a identidade cultural, modos de vida

próprios e tradições que são transmitidas ao longo das gerações.

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8

Podem ser destacadas algumas particularidades desses grupos, no intuito de distingui-

los em suas características, porém igualá-los em sua essência. Com isso, a avaliação pontual

do mérito dessa demanda poderá partir de uma interpretação extensiva, considerando os

direitos a ambos os grupos vulneráveis, ainda que reconhecidas certas peculiaridades.

1.1 Os direitos dos integrantes da população indígena Aricapu como grupo vulnerável e

sujeito de direitos

O povo indígena Aricapu está amparado pelo instituto do indigenato, consagrado nos

instrumentos internacionais. Ao considerar que os povos indígenas e suas comunidades têm

uma relação ancestral com suas terras e que durante muitas gerações essas populações

desenvolveram um conhecimento científico tradicional holístico sobre seus territórios,

recursos naturais e o meio ambiente, a ONU, por meio da Agenda 21, reconheceu que as

populações indígenas devem desfrutar a plenitude dos direitos humanos e das liberdades

fundamentais, sem impedimentos e discriminações. Esse reconhecimento foi reiterado no art.

1º, da Declaração de 2007, garantindo aos indígenas o direito, a título coletivo ou individual,

ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, também

reconhecidos pela Carta da ONU, pela Declaração de 1948 e pelo DIDH.

O diálogo intercultural antes teorizado, no caso específico da Declaração de 2007, se

mostrou realidade possível e perfeitamente ajustada com os princípios que hoje norteiam o

Estado Moderno. 6 Tanto a Corte IDH quanto a CEDH têm considerado que os tratados de

direitos humanos são instrumentos vivos, cuja interpretação tem que acompanhar a evolução

dos tempos e condições de vida atuais. Tal interpretação evolutiva está em consonância com

o art. 29 da CADH, assim como as estabelecidas pela Convenção de Viena. Ao analisar os

6 SILVEIRA, Edson Damas da. Meio ambiente, terras indígenas e defesa nacional: direitos fundamentais em

tensão nas fronteiras da Amazônia Brasileira. Curitiba: Juruá, 2010. p.45.

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9

alcances da CADH, o Tribunal considera útil e apropriado utilizar outros tratados

internacionais distintos à Convenção, tais como a Convenção nº 169 da OIT. 7

A cultura dos membros das comunidades indígenas corresponde a uma forma de vida

particular de ser, ver e atuar no mundo, constituído a partir de sua estreita relação com seus

territórios tradicionais e os recursos que ali se encontram, não só por ser seu principal meio

de subsistência, mas também porque constituem um elemento integrante de sua cosmovisão,

religiosidade e identidade cultural8.

A vulnerabilidade dos povos indígenas é revelada por sua luta constante pela

sobrevivência física e cultural, considerando os históricos massacres9 e violências sofridos, as

discriminações ao seu modo de vida, cosmologias e línguas próprias, as pressões e interesses

externos pela exploração de seu habitat tradicional, a ausência de serviços básicos de saúde e

educação que considerem suas diversidades socioculturais e que atendam suas necessidades

particulares, entre outros fatores. Como grupos vulneráveis, os Estados são responsáveis por

uma ação coordenada e sistemática, com a participação desses povos, com vistas a proteger

seus direitos e garantir a sua integridade (art. 2º, da Convenção nº 169, da OIT).

Ressalta-se que a visão de integração desses povos à comunhão nacional e ao

tratamento de tutela assistencialista como se fossem pessoas incapazes não deve prosperar.

Logo, o entendimento que deve prevalecer é de que os Estados devem reconhecer esses

povos como minorias culturalmente diferenciadas, constituindo-se como grupos autônomos.

7 Corte IDH. Caso Yakye Axa Vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006. Razões de Voto: Juiz A.A.

Cançado Trindade. §§125-127.

8 Idem. §§135-136.

9 Entre os casos de massacres julgados pela Corte, destaca-se: Corte IDH. Caso de las Masacres de Ituango vs.

Colombia. Sentença de 1º de julho de 2006; Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia.

Sentença de 25 de novembro de 2006.

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10

Portanto, ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados devem ser levados em

consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário (art.8º da Convenção nº 169).

1.2 Os direitos dos integrantes da população imigrante de Mirokai como grupo

vulnerável e sujeito de direitos

Os imigrantes de Mirokai, assim como os indígenas Aricapu, devem ser tratados com

fundamento no princípio da igualdade e da não discriminação, nos termos do art. 1.1 da

CADH. A garantia de tratamento igual é reconhecida, inclusive, pela Constituição de

Tucanos, impossibilitando qualquer conflito normativo, até mesmo em âmbito nacional.

Os imigrantes pertencem à categoria de “minorias vulneráveis”, uma vez que tiveram

sua migração forçada em decorrência de desastres ambientais ocorridos em seu país de

origem, no continente asiático. Desta forma, os imigrantes são sujeitos de direito, sendo-lhes

garantido o direito de habitar qualquer lugar livremente, ter uma pátria, residir com sua

família, ter preservadas e respeitadas a sua cultura, língua, religião e etnia.

Por se constituírem grupos vulneráveis, em decorrência de perseguições e

discriminações que frequentemente sofrem, devem ser inseridos em políticas públicas e ações

afirmativas governamentais. Logo, o Estado deve se esforçar para garantir os direitos de

cidadania e a dignidade dessas pessoas, sobretudo evitando novo deslocamento ou possível

reassentamento, quando já estão social e culturalmente estabelecidos no território tucano.

A “migração forçada” caracteriza-se pela necessidade que se impõe a indivíduos ou a

grupos inteiros de deixar o local ou país de origem por causas alheias à sua vontade. Há

diversas ocorrências que justificam o deslocamento forçados, massivo e pontual. Todavia,

numa época de mudanças do clima, causadas pela ação humana desordenada no meio

ambiente, esse aspecto torna-se cada vez mais relevante10

.

10

ACNUR. IMDH. Deputado Orlando Fantazzini. Políticas Públicas para Migrações Internacionais. Migrantes

e Refugiados. Brasília, dezembro de 2005.

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11

Como ocorreu no presente caso, tendo em vista as sucessivas ondas tsunamis que

devastaram a costa de Mirokai em 1970, as migrações e deslocamentos forçados decorrentes

de desastres naturais, favorecem o crescente número dos chamados “refugiados ambientais”.

Ainda que inexista garantia pétrea da não devolução (non-refoulement), como no caso dos

refugiados que sofrem perseguições e não podem contar com a proteção de seu estado de

origem, há uma necessidade cada vez mais urgente pelo direito de assistência humanitária

para essa categoria emergente de migrantes forçados.

Essas migrações e deslocamentos resultam no desenraizamento de seres humanos,

acarretando traumas, como sofrimento pelo abandono do lar (às vezes separação e

desagregação familiar), perda da profissão e de bens, perda do idioma materno e raízes

culturais, choque cultural e sentimento permanente de injustiça. Geralmente os imigrantes se

encontram em uma situação de vulnerabilidade como sujeitos de direitos humanos, em uma

condição individual de ausência ou diferença de poder no que diz respeito aos não-imigrantes

(nacionais ou residentes). Os prejuízos culturais, como lesões étnicas, xenofobia e racismo,

dificultam a integração dos imigrantes à sociedade e levam à impunidade das violações de

direitos humanos. 11

Sendo assim, torna-se imperioso a cooperação internacional e a

solidariedade nas situações em que se encontram os refugiados ambientais em decorrência

das catástrofes naturais que destroem milhares de fontes de trabalho e habitação. Trata-se de

uma proteção humanitária apropriada para os migrantes forçados, garantindo-lhes o acesso

aos sistemas de saúde, educação, alimentação, moradia e o direito ao trabalho no país

11

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003.

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12

receptor12

. A concessão de meios para garantir o amparo aos migrantes deve ser considerada

como ato humanitário de natureza pacífica e de garantia aos direitos humanos.

O ACNUR, ao enfatizar perante esta Corte a situação de vulnerabilidade dos

imigrantes, referiu-se ao nexo existente entre migração e asilo, e reiterou que a natureza e

complexidade dos deslocamentos contemporâneos dificultam estabelecer uma linha clara de

distinção entre refugiados e imigrantes. Sem embargo, o DIDH tem evoluído para responder

as novas necessidades de proteção. E é perfeitamente possível que estejamos testemunhando

os primórdios de formação de um direito humano à assistência humanitária. 13

Não se pode olvidar que a população imigrante de Mirokai é uma minoria

“duplamente vulnerável”, considerando que se trata de comunidade tradicional ribeirinha, que

mesmo com as dificuldades e traumas que um deslocamento forçado gera, conseguiu se

adaptar na região da confluência dos Rios Betara e Corvina, onde vive da exploração dos

recursos naturais, pesca e produção de pequenos objetos que vendem nos mercados locais.

A população tradicional mirokaense, desde seu estabelecimento na República de

Tucanos, mantém relações amistosas e cooperativas com a população Aricapu, o que

demonstra a importância desta relação intercultural para a manutenção da área florestal e

consequentemente para a conservação da biodiversidade14

. Ressalte-se que as comunidades

tradicionais possuem também amparo nas Convenções da UNESCO, em especial a

Convenção de 1972, a Convenção de 2003 e a Convenção de 200515

.

12

As Convenções nº 97 e 143 da OIT e a Declaração da OIT de 1998 reconhecem aos trabalhadores migrantes a

igualdade de oportunidade e tratamento, não apenas no acesso ao emprego, mas também nos direitos culturais e

nas liberdades individuais e coletivas.

13 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003.

14 Nesse sentido, aplica-se a CDB como forma extensiva de proteção dos direitos desses povos tradicionais.

15 Ver: Corte IDH. Caso Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006. Voto fundamentado do

Juiz A.A.Cançado Trindade.

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13

Por fim, é possível mencionar a existência de uma ameaça iminente de danos

materiais e imateriais, morais e espirituais à população tradicional composta pelos imigrantes

de Mirokai. Logo, além do direito a um projeto de vida, esses povos também possuem o

direito a um projeto de pós-vida, o que revela uma nova categoria de dano, compreendendo o

princípio da humanidade em uma dimensão temporal, incluindo os vivos em relação aos seus

antepassados e os ainda não nascidos, as futuras gerações.16

2. Da violação ao direito a vida, integridade pessoal, honra e dignidade e o reflexo

ao direito à saúde e segurança alimentar

A CADH (art. 4º) garante a toda pessoa o direito e respeito à vida, assim como a

Declaração de 1948 (art. 3º). De forma específica, o direito à vida das supostas vítimas é

considerado pela Declaração de 2007 (art. 7º) e pela Convenção dos Trabalhadores Migrantes

(art. 9º). Ressalte-se que os tratados internacionais, assim como a jurisprudência da Corte

IDH17

, reconhecem o direito à vida em sua acepção mais ampla. Trata-se de um direito

humano fundamental, cujo gozo é pré-requisito para que todos os demais direitos humanos

sejam desfrutados. Em suma, o direito à vida compreende, não só o direito de todo ser

humano não ser privado da vida arbitrariamente, mas também ao direito ao acesso às

condições que lhe garantam uma existência digna18

. Nesse sentido, a CADH (arts. 5º e 11)

também confere a toda pessoa o direito ao respeito pela sua integridade física, psíquica e

moral, bem como à proteção da honra e dignidade19

, direitos decorrentes do “princípio da

dignidade da pessoa humana”.

16

Cf. Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005. Voto

fundamentado do Juiz A.A. Cançado Trindade.§72.

17 Corte IDH. Caso Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006.

18 Cf. Corte IDH. Caso de los Niños de la Calle (Villagrán Morales y otros). Sentença de 19 de novembro de

1999 e Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Sentença de 22 de fevereiro de 2002, §161.

19 Corte IDH. Caso Escué Zapata Vs. Colombia. Sentença de 04 de julho de 2007.

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14

Devido à amplitude e reflexos da proteção desses direitos, resultam os chamados

“direitos de subsistência”, como componentes do núcleo fundamental dos direitos

econômicos, sociais e culturais20

. A inter-relação entre esses direitos decorre do fato de que a

dignidade da pessoa humana, atrelada a condições dignas de vida, depende da obtenção dos

direitos de subsistência, tais como: direito à moradia, ao trabalho, à alimentação e à saúde21

.

No caso em análise, é incontroverso que a construção da hidrelétrica se desenvolverá

em terras indígenas e pertencentes a comunidades tradicionais. Com efeito, também há o

reconhecimento explícito sobre a mudança do modo de vida da população indígena e

ribeirinha, uma vez que serão deslocados para outra localidade, interferindo em suas tradições

e costumes, inclusive alimentares, devido à indisponibilidade dos recursos naturais, até então

consumidos como fonte de subsistência por essas pessoas. Essas alterações resultam,

portanto, em risco à saúde22

e à segurança alimentar das supostas vítimas23

.

Nesse sentido, a ONU tem formado a convicção de que não apenas os indivíduos, mas

também todos os povos têm um direito inerente à vida. Isto traz à tona a salvaguarda do

direito à vida de todas as pessoas assim como das coletividades humanas, com especial

20

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, 2003, p.

493.

21 No que tange o direito fundamental à vida em sua ampla dimensão na base da ratio legis do direito

internacional dos direitos humanos e do direito ambiental internacional, encontram-se os Estados no dever de

buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e a todos os

povos. Com esse propósito, os Estados têm a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida (TRINDADE,

1993, p. 75).

22 O direito à saúde refere-se, também, a não-discriminação que será abordada em capítulo próprio, prevista no

art. 5º, “e”, IV da Convenção sobre Discriminação Racial.

23 Cf. Corte IDH. Caso Yakye Axa vs. Paraguai. Julgamento em 17 junho de 2005. Nesse sentido também:

COURTIS, Christian. Anotações sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas por

tribunais da América Latina. Revista Internacional de Direitos Humanos.

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15

atenção às exigências da sobrevivência dos grupos vulneráveis, como as minorias étnicas, as

populações indígenas, os trabalhadores migrantes24

. A interpretação do direito à vida, de

forma que compreenda medidas positivas de proteção para que os indígenas desfrutem do

direito a viver com dignidade, tem fundamento na doutrina e na jurisprudência internacional,

e supõe novos avanços no DIDH. 25

3. Da ofensa ao principio da igualdade e da não-discriminação

O direito à igualdade está previsto no art. 24 da CADH, também reconhecido pela

Carta da ONU (art. 55), integralmente relacionados ao “princípio da não-discriminação”26

.

No caso em tela, apesar das supostas vítimas terem esses direitos, formalmente,

reconhecidos pelo Estado, estes não são garantidos de forma eficaz e justa a ambos os

grupos. Há nitidamente uma situação discriminatória, uma vez que o Estado, de forma

arbitrária, impõe sua vontade às minorias vulneráveis, ofendendo sua dignidade enquanto

povos culturalmente diferenciados e usurpando-lhes os direitos coletivos reconhecidos e

garantidos, inclusive, internacionalmente. O direito à igualdade e à não-discriminação

também é conferido às supostas vítimas pela Declaração de 1948 (arts. 1º, 2º e 7º), pela

24

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente: paralelo dos sistemas de

proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993, p. 75.

25 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006; Corte

IDH. Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 06 de fevereiro de 2006 (Voto

parcialmente concorrente e parcialmente dissidente do juiz Ramón Fogel); Corte IDH. Caso Comunidad

Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006; E, mais recentemente: Corte IDH.

Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010.

26 Sempre que se invoque uma violação da cláusula da não-discriminação consagrada nos tratados de direitos

humanos, a exemplo do art. 26 do Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, os direitos humanos

têm sido invocados precisamente para lograr uma proteção mais eficaz dos direitos econômicos, sociais e

culturais, em seu enfoque integral (TRINDADE, 2003, p. 481).

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Declaração sobre as Minorias, pela Convenção sobre Discriminação Racial (art. 2º) e pela

Carta da OEA (arts. 3º e 45), a qual reconhece a igualdade como um de seus princípios.

Aos povos e pessoas indígenas o direito à igualdade e à não-discriminação estão

previstos no art. 2º da Declaração de 2007, já analisado por esta Corte.27

Já aos imigrantes de

Mirokai, destaca-se a previsão da Convenção dos Trabalhadores Migrantes (art. 7º). Nesse

sentido, a Corte IDH ressalta a importância do princípio fundamental da igualdade e não-

discriminação nas situações dos deslocamentos contemporâneos. Esta condição de

vulnerabilidade tem uma dimensão ideológica e se apresenta em um contexto histórico que é

distinto para cada Estado, mantida por situações de direito (desigualdades entre nacionais e

estrangeiros nas leis) e de fato (desigualdades estruturais)28

.

Nesse interim, com o propósito de garantir suas identidades culturais e outros direitos

culturais, as supostas vítimas não podem ser retiradas de seu território como se fossem

proprietários particulares comuns. Se assim o fosse, haveria visível discriminação em função

do princípio da igualdade (isonomia), que consiste em “tratar igualmente os iguais e

desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.

4. Da violação às garantias judiciais e da proteção judicial

No presente caso, ocorre a violação das garantias judiciais mínimas e da proteção

judicial dos arts. 8º e 25 da CADH, além dos direitos fixados pelo art. 40 da Declaração de

2007, interpretados em consonância com o art.1.1 da Convenção. A Corte, com base na

CADH, tem sustentado que os Estados são obrigados a fornecer recursos judiciais efetivos às

27

Em casos similares, atos discriminatórios contra indígenas já foram reconhecidos, diante do tratamento

igualitário a proprietários suecos na cobrança de custas judiciais; ocasião em que a população indígena

encontrava-se em visível desvantagem em termos de assessoria judiciária e recolhimento de verbas para cobrir

gastos processuais com a produção de provas a seu favor (ver voto parcialmente dissidente do Juiz Ziemele em

CEDH. Caso Handölsdalen Sami Village and other v. Sweden. Julgamento em 4 de outubro de 2010).

28 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003.

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vítimas de violações de direitos humanos, em conformidade com as regras do devido

processo legal, garantindo o livre e pleno exercício dos direitos previstos na Convenção a

toda pessoa que se encontre sob sua jurisdição 29

. Sobretudo, os Estados devem considerar as

características próprias que diferenciam certos grupos da população em geral30

.

5. Da autodeterminação dos povos e do direito à consulta e ao consentimento livre,

prévio e fundamentado

Os povos indígenas têm direito à autodeterminação, podendo determinar livremente

sua condição política e buscar o seu desenvolvimento econômico, social e cultural. São

reconhecidos, sobretudo, o direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas

a seus assuntos internos e locais (arts. 3º e 4º, da Declaração de 2007).

Nos mesmos moldes da CADH (texto de 1969) que dispunha sobre a liberdade do

cidadão de participar ativamente do desenvolvimento de sua sociedade (art. 23), atualmente,

destacam-se os seguintes instrumentos: o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (art. 1º), o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 1º),

a Declaração de 2007 (art. 3º) e a Convenção nº 169 da OIT (art. 7º). E, ainda, especialmente

quanto ao direito dos imigrantes, a Declaração sobre as Minorias (art. 4(5)).

Verifica-se no presente caso a violação ao direito à consulta e ao consentimento

prévio, uma vez que o Estado deixou de realizar consultas aos povos indígenas e à população

de imigrantes estabelecidas na área a ser afetada pelo empreendimento hidrelétrico. A

realização de consultas e cooperação de boa-fé com os povos indígenas garante a eles a

participação na tomada de decisões sobre questões que os afetem (incluindo suas terras ou

territórios e outros recursos). Assim, nenhuma remoção poderá realizar-se sem o

29

Corte IDH. Caso de la Masacre Del Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. §169;

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010.

30 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006.

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consentimento livre, prévio e informado e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa

(arts. 10, 18, 19 e 32, da Declaração de 2007 e art. 1º, da Convenção nº 169 da OIT). 31

Constata-se que o Estado, além de violar o direito de participação das supostas

vítimas, desrespeitou a organização própria e forma tradicional de representação do povo

Aricapu (secretário geral da Assembleia eleito pelos chefes das vilas), violando o art. 3º da

CADH, que dispõe sobre o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica32

.

O respeito aos direitos dos povos indígenas de possuir, controlar e ter acesso às suas

terras tradicionais e aos recursos naturais é uma condição prévia para o exercício dos direitos

humanos, de modo que os seus direitos fundamentais são dependentes do desenvolvimento

desejado pelo próprio povo. O desenvolvimento tem por objetivo a realização dos direitos

humanos e, portanto, deve levar em consideração os princípios básicos da indivisibilidade e

da universalidade dos direitos humanos33

. Para isso, todavia, é necessário que os povos

indígenas sejam reconhecidos como titulares de direitos e detentores de obrigações para que

busquem seu próprio desenvolvimento34

.

31

O Tribunal já se manifestou acerca da interpretação integral da Convenção nº 169 da OIT e da CADH, sobre o

consentimento dos povos indígenas, procedimentos próprios de consulta, valores, usos e direito consuetudinário.

Ver: Corte IDH. Caso Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006. Voto Fundamentado: Juiz

A.A. Cançado Trindade. E, sobre a participação efetiva e repartição de benefícios: Corte IDH. Caso del Pueblo

Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 12 de agosto de 2008.

32 Corte IDH. Caso de la Comunidad Indigena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentencia de 29 de março de 2006.

33 CIDH. Relatório Especial sobre a situação dos direitos humanos e as liberdades fundamentais dos indígenas.

A/HRC/6/15, publicado em 15 de novembro de 2007 (§§ 13 e 14).

34 Especialmente no que tange ao desenvolvimento econômico, verifica-se que, em regra, o modelo que tem sido

implementado, envolvendo os povos indígenas, não os tem considerado como sujeitos ativos da sua própria

trajetória. Quando muito, os têm agregados de forma precária, desconsiderando sua autonomia para promover e

manejar seu próprio desenvolvimento, entendido este dentro dos termos de seus próprios valores culturais.

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19

Conforme se relatou nos fatos, em nenhum momento o povo indígena Aricapu, nem

mesmo os imigrantes Mirokai, puderam expressar seus anseios. O processo ocorreu de forma

antidemocrática, uma vez que as populações atingidas e a sociedade civil em geral não

puderam participar do processo, em que pese a República de Tucanos ser uma nação

democrática. Essa participação dos interessados se legitima com a realização de audiências

públicas, cuja inobservância pode acarretar a nulidade do processo35

.

Verifica-se a violação desse direito em todos os procedimentos de liberação da

construção da hidrelétrica, em especial a fase da licença prévia e do RIA. Ademais, em se

tratando da análise dos impactos negativos, constata-se que, no referido processo, não foi

realizado qualquer Estudo de Impactos Sociais e Ambientais, devendo inclusive conter um

Estudo de Impacto de Direitos Humanos, como já manifestado perante essa Corte 36

.

Finalmente, salienta-se que a melhor maneira de tratar as questões ambientais é

assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados, devendo o

Estado oportunizar a participação em processos decisórios, a fim de facilitar e estimular a

35

Inserida no procedimento do EIA, com valor igual ao das fases anteriores, é a audiência pública, também,

base para a análise e parecer final. A audiência pública não pode ser posta de lado pelo órgão licenciador, como

o mesmo deverá pesar os argumentos nela expendidos, como a documentação juntada. Constitui nulidade do ato

administrativo autorizador quando deixar de conter os motivos administrativos favoráveis ou desfavoráveis ao

conteúdo da ata e de seus anexos. (MACHADO, 2006, p. 255).

36 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 12 de agosto de 2008.§30. No referido

julgado, destaca-se também: “El Estado tiene la obligación, no sólo de consultar a los Saramakas, sino también

debe obtener el consentimiento libre, informado y previo de éstos, según sus costumbres y tradiciones (CIDH,

Relator Especial da ONU). §§133-135. Nesse mesmo sentido, o caso do empreendimento hidrelétrico de Belo

Monte (PA/Brasil), que teve uma recente e polêmica licença ambiental liberada. (MOVIMENTO XINGU VIVO

PARA SEMPRE. 2010). Os movimentos sociais e as lideranças indígenas da região são contrárias à obra porque

os impactos socioambientais não estão suficientemente dimensionados. (GONÇALVES, 2010).

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conscientização e participação popular, colocando as informações à disposição de todos

(princípio 10, da Declaração do Rio de 1992).

6. Da violação ao direito à propriedade: direitos coletivos à terra

O direito de propriedade, individual e coletiva, está previsto na Declaração de 1948

(art. 17) e na Convenção sobre Discriminação Racial (art. 5º, “d”, V). No caso das

populações indígenas, é assegurado o direito as terras37

, territórios e outros recursos,

devendo essa especial relação ser respeitada, a fim de preservar as culturas e valores

espirituais e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação (arts. 26 e 27, da

Declaração de 2007 e arts. 13 e 14, da Convenção nº 169 da OIT)38

.

No contexto do presente caso, o Estado tanto reconheceu esse direito, que garantiu a

propriedade das terras às supostas vítimas (tanto indígenas quanto imigrantes) através da

emissão de títulos de propriedade, não podendo o Estado, em completa dissonância, retirar

dessas pessoas o direito anteriormente garantido. Além disso, as supostas vítimas têm o

propósito declarado de garantir suas identidades culturais e outros direitos culturais que lhe

são inerentes. Portanto, têm o direito de possuírem suas próprias terras, as quais têm sido

tradicionalmente utilizadas por seus grupos e que são fonte da produção de suas atividades

econômicas tradicionais e de sua própria subsistência39

devendo, considerando tais razões,

lhes ser assegurada sua propriedade tradicional.

37

O termo “terras”, segundo a Convenção deve incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do

habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.

38 Ressalte-se que o direito de propriedade das comunidades indígenas abrange igualmente os recursos do

subsolo, e em caso de haver necessidade de exploração pelo Estado, deve haver participação das comunidades

nas tomadas de decisão e participação dos benefícios, conforme já se fundamentou no item 5, essa é a orientação

do constante no Relatório Especial das Nações Unidas sobre Populações Indígenas (1983).

39 Ver: CEDH. Caso Handölsdalen Sami Village and other v. Sweden. Julgamento em 4 de outubro de 2010

(voto parcialmente dissidente do Juiz Ziemele).

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Destaque-se que o direito à propriedade também está previsto na CADH (art. 21), a

qual prevê, além do livre uso e gozo da propriedade a todos, a subordinação desses direitos,

por razões de utilidade pública e interesses sociais. Todavia, essa mitigação ao direito pleno

à propriedade não pode ser aplicada às populações indígenas e às comunidades tradicionais

(adaptadas e indistintamente reconhecidas pelo Estado), porque tal direito está intimamente

ligado aos direitos à vida, à identidade étnica, cultura e recriação da mesma, a integridade e

sobrevivência como comunidade40

, o que se sobrepõe ao conceito clássico de propriedade.

Considerando as particularidades socioculturais da multiplicidade de expressões que

formam a territorialidade humana, devemos construir uma análise e reflexão crítica, no que

tange à eficácia do reconhecimento estatal dos direitos coletivos das Terras Indígenas,

observando a participação, consenso e autonomia dos povos nos processos de gestão e

planejamento dos seus próprios territórios. O Estado nacional deve se atentar de que o

conceito de território, para os indígenas, não se limita ao espaço físico que diretamente está

sob sua posse, engloba a própria noção de recurso natural inerente ao seu modo de vida. Os

povos indígenas estão amparados pelo instituto do “indigenato”41

, no que tange à proteção da

propriedade comunal originária de suas terras, uma vez que elas o pertencem muito antes das

guerras territoriais travadas entre a República de Tucanos e o Principado de Araras,

representando um dos mais tradicionais e antigos grupos que habitam a região onde foram

definidas as atuais fronteiras.

A Corte IDH, julgando o caso Mayagna Awas Tingni Indigenous - precedente

histórico a nível internacional na luta dos povos indígenas pelos seus direitos coletivos -,

40

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005, § 121 (h)

41 O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; enquanto a ocupação é título adquirido. O

indigenato é legítimo por si, não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, ao fato

posterior, depende de requisitos que a legitimem (SILVA apud TOURINHO NETO, 1993, p. 13).

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reconheceu que os povos indígenas, em virtude de sua existência, têm o direito de viver

livremente em suas próprias terras e ter seus direitos ligados a ela42

. Assim, respeitada a

peculiaridade de cada julgado, a Corte considera a estreita ligação dos povos com suas terras

tradicionais, ampliando a interpretação do art. 21 da CADH, para atingir também os recursos

naturais ligados a sua cultura que se encontrem em seus territórios, assim como os elementos

incorporados que se desprendam deles43

.

À luz dessas considerações, não se pode deixar de registrar que a interferência na

relação dos povos indígenas com suas terras atinge também sua base de subsistência, atuando

como fator de empobrecimento. A existência de restrições ao acesso a recursos naturais tende

ao apelo a outras formas de sustento, como a procura por trabalho assalariado e migração

para outras áreas para seguir com suas atividades de subsistência44

.

No que tange ao direito de propriedade dos imigrantes de Mirokai, o art. 15 da

Convenção dos Trabalhadores Migrantes proíbe a privação arbitrária dos bens de que seja o

único titular ou que possua conjuntamente com outrem. Nesse sentido, “não é demais lembrar

que os direitos culturais e étnicos, porque indissociáveis do princípio da dignidade da pessoa

humana, têm o status de direito fundamental45

”. Os direitos dos grupos étnicos e grupos

42

CIDH. Caso Mayagna Awas Tingni Indigenous Community. Comunicado à Imprensa nº 23, de 28 de setembro

de 2001. Posteriormente, a Corte IDH firmou o mesmo entendimento em casos similares: Corte IDH. Caso

Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005; Corte IDH. Comunidad

Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay . Sentença 29 de março de 2006; Corte IDH. Caso Pueblo de Saramaka

Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007.

43 Corte IDH. Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay . Sentença 29 de março de 2006, § 118

44 Tal situação foi observada pela Corte IDH no caso da Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay .

Sentença 29 de março de 2006, § 73.4

45 DUPRAT, Deborah. O Direito sob o marco da plurietnicidade/multiculturalidade. In Duprat, Deborah (org.).

Pareceres Jurídicos: Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais. Manaus: UEA, 2007.

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culturais são protegidos com o status de direitos humanos, e protegendo os direitos coletivos

se protegem os direitos dos indivíduos, membros dos grupos e comunidades. Em suma, é

sabido que reconhecer as territorialidades culturais é também reconhecer os direitos

fundamentais dos povos tradicionais, extraindo-os da invisibilidade da sociedade. Todavia,

além desse reconhecimento, deve se garantir, com eficácia, o direito à gestão autônoma e

participativa de seus territórios, direito básico relativo à cidadania cultural.

7. Da violação à liberdade de circulação e de residência

O direito à liberdade - cujo exercício estará sujeito apenas às limitações da lei (arts. 3º

e 29 da Declaração de 1948) - está intrinsecamente relacionado ao direito à circulação e à

residência (art. 12 e 13 da Declaração de 1948)46

. Direitos estes que foram reiterados no

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 12).

A CADH também prevê a liberdade de circulação e residência a todo indivíduo que se

encontre legalmente estabelecido naquele território (art. 22), sendo que a violação a esses

direitos já foram analisadas e reconhecidas por esse Tribunal47

. O dispositivo da Convenção

também nos revela uma compreensão extensiva do instituto do asilo territorial, cujo instituto

é muito mais amplo do que o sentido atribuído no Direito dos Refugiados 48

.

46

Importante mencionar que o direito de circular livremente e de escolher sua residência, bem como o direito à

habitação, também estão previstos na Convenção sobre Discriminação Racial (art. 5º, “d”, I e “e”, III).

47 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006; Caso

Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 5 de

julho de 2004; Caso de las Comunidades del Jiguamiandó y del Curbaradó. Medidas provisórias. Resolução da

Corte IDH de 6 de março de 2003; Caso de la Comunidad de Paz de San José de Apartadó. Medidas

Provisórias. Resolução da Corte IDH de 24 de novembro de 2000.

48 CIDH. Opinião Consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003.

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7.1 Do direito à permanência das supostas vítimas em seus territórios

O art. 10 da Declaração de 2007, assim como o art. 16 da Convenção nº 169 da OIT,

dispõe que os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios.

Nesse ínterim, os Estados devem estabelecer mecanismos eficazes para a prevenção e

reparação de todo ato que objetive ou resulte na subtração de suas terras, territórios ou

recursos e de toda forma de transferência forçada de população, violando ou reduzindo

qualquer dos seus direitos (art. 8.2, da Declaração de 2007).

Considerando que as supostas vítimas ocupam área de fronteira, entre a República de

Tucanos e o Principado de Araras, deve ser resguardado o direito de livre trânsito dos

indígenas Aricapu, o que seria impedido com a construção do grande empreendimento

hidrelétrico. Além do mais, a remoção da população indígena Aricapu do local destinado à

construção da hidrelétrica resultará na separação dos seus membros e na intervenção em sua

cultura, uma vez que a população indígena não está em sua integralidade na República de

Tucanos, parte deles ocupa o território do Principado de Araras, país vizinho. Desta forma, o

Estado, removendo apenas parte da população indígena local, recolocando-os em outra

região, estaria submetendo o povo à assimilação forçada e à destruição de sua cultura,

expressamente proibidos pelo art. 8.1 da Declaração de 2007. Os povos indígenas que estão

divididos por fronteiras internacionais têm o direito de manter e desenvolver contatos,

relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico

e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos através das fronteiras

(art. 36 da Declaração de 2007 e art. 32 da Convenção nº 169 da OIT).

No que tange à remoção dos imigrantes de Mirokai, a comunidade seria exposta a

danos irreparáveis devido a um segundo deslocamento forçado traumático, considerando que,

como comunidade tradicional, se encontra bem adaptada à região dos rios Betara e Corvina,

tendo inclusive um convívio harmônico e cooperativo com os indígenas Aricapu.

Preocupando-se com situações como essa, afirma-se que “não se pode viver em permanente

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exílio e deslocamento. Os seres humanos compartilham a necessidade espiritual de achar

raízes”. 49

A preservação da vida cultural de comunidades tradicionais tem importante

reconhecimento internacional. A participação livre da vida cultural da comunidade (art. 27,

da Declaração de 1948) e o direito a igual participação nas atividades culturais (art. 5º, “e”,

VI da Convenção sobre a Discriminação Racial) são garantidos às supostas vítimas, em

conjunto com o art. 47 da Carta da OEA, que prevê a primordial importância do estímulo ao

desenvolvimento cultural, no sentido do melhoramento integral da pessoa humana e como

fundamento da democracia, da justiça social e do progresso.

8. Da ponderação das razões de interesse público e social

A doutrina conceitua “interesse público” como o interesse do todo, isto é, do próprio

conjunto social, não se confundindo com a somatória dos interesses individuais, peculiares de

cada qual50

. No presente caso, entretanto, a abrangência do que seja considerado interesse

público envolve questões complexas, relativas ao direito ao desenvolvimento sustentável e ao

direito das futuras gerações ao meio ambiente sadio. Assim, o argumento do interesse público

deve ser ponderado aos efeitos gerados pelo empreendimento e as transformações deletérias à

saúde humana e ao meio ambiente, os quais devem ser evitados em sua origem. No caso de

violação aos direitos fundamentais, especialmente ao direito de grupos vulneráveis e

discriminados, acrescidos de extensa degradação ambiental da área, devem ser aplicados os

princípios da precaução e prevenção51

.

49

Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Sentença de 08 de fevereiro de 2006. Voto

fundamentado do Juiz A.A.Cançado Trindade. §28.

50 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. rev. atual., São Paulo:

Malheiros, 2009.

51 Sobre os princípios da precaução e prevenção ver: CIJ. Caso Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v.

Uruguay). Julgamento em 20 de abril de 2010. (Opinião do Julgador Cançado Trindade).

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No que tange as razões de utilidade pública ou interesse social, a que se refere a

CADH, compreendem todos os bens que, pelo uso que serão destinados, permitam o melhor

desenvolvimento de uma sociedade democrática. Para tal efeito, os Estados devem empregar

todos os meios ao seu alcance para afetar em menor medida outros direitos, e, portanto,

assumir as obrigações que isso implica52

. De maneira análoga ao interesse social, esta Corte

tem interpretado que “as leis devem ser baseadas por razões de interesse geral, devem ser

adotadas em função do „bem comum‟(art.32.2), conceito que deve ser interpretado como

elemento integrante da ordem pública do Estado democrático”53

.

9. Da ofensa à proteção do meio ambiente e do direito ao meio ambiente saudável

Durante muitos séculos acreditou-se que o meio ambiente era gerador de riquezas e os

recursos naturais eram infinitos, servindo à satisfação do homem e do crescimento econômico

e tecnológico. Com o tempo, percebeu-se que o homem também faz parte desse meio

ambiente e de que precisa dele para sobreviver. Compreendeu-se que os recursos naturais são

finitos e de que é preciso preservá-los para a sobrevivência humana e para a subsistência da

própria indústria, dependente dos recursos naturais como matéria-prima54

.

A preservação do meio ambiente, atrelado à sadia qualidade de vida, vem sendo

reconhecida internacionalmente, em diferentes aspectos. Na presente demanda é constatada a

violação desses direitos, da forma a seguir.

9.1 Do dever de proteção do meio ambiente em regiões transfronteiriças

Além do direito de viver em um ambiente saudável, o art. 11 do Protocolo da San

Salvador também determina que os Estados promovam a proteção, preservação e melhoria do

52

Corte IDH. Caso Salvador Chiriboga vs. Ecuador. Sentença de 06 de maio de 2008. §73.

53 Idem. §74.

54 Cf. Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 1º de

fevereiro de 2000. Voto fundamentado em conjunto dos Juízes A.A. Cançado Trindade, M. Pacheco Gómez e

A. Abreu Burelli, §10.

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meio ambiente. A vigilância e prevenção por parte do Estado é relevante para a preservação

do equilíbrio ecológico, uma vez que o impacto negativo de atividades humanas afeta

diversos componentes do ecossistema, como o curso de água, a flora, a fauna e o solo local.

A área que pretende ser alagada para a construção da Hidrelétrica de Cinco Voltas

localiza-se na confluência dos rios Betara e Corvina, na fronteira da República de Tucanos e

do Principado de Araras. Portanto, refere-se à área localizada em região transfronteiriça e

ambos os países devem cooperar e preservar o meio ambiente daquela região55

.

9.2 Do direito ao desenvolvimento sustentável

O Estado alega que a construção da hidrelétrica irá contribuir para o desenvolvimento

da região, devido ao acelerado crescimento industrial do país e da necessidade de novas

fontes energéticas para a sua manutenção. No entanto, o Estado desconsidera os impactos

ambientais, sociais e culturais resultantes da construção desse empreendimento.

O direito a um meio ambiente sadio configura-se como extensão ou corolário do

direito à vida e à saúde, ou seja, para existir o adequado desenvolvimento de um Estado

devem ser considerados critérios não somente econômicos e tecnológicos, mas também

ecológicos, sociais e culturais, a fim de ponderar os reais benefícios e malefícios, com base

no princípio da proporcionalidade e no equilíbrio dos impactos (negativos x positivos). Para

isso, deve haver a harmonização entre interesses econômicos, sociais e ambientais, no intuito

de tomar a decisão mais justa e menos severa à coletividade56

.

Desde a Conferência realizada em Copenhague (1991), adotou-se a definição de

desenvolvimento industrial ecologicamente sustentável, a qual endossa a seguinte filosofia:

“Sistemas de industrialização que põem em relevo a contribuição da indústria aos benefícios

55

Neste sentido, ver decisão proferida no caso da construção de fábricas de papel em região transfronteiriça

entre Uruguai e Argentina: CIJ. Caso Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay). Julgamento em

20 de abril de 2010.

56 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2008.

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econômicos e sociais para as gerações atuais e futuras, sem prejuízo do processo ecológico

básico”. Ou seja, para que o desenvolvimento seja sustentável, não basta que seja

ecologicamente sustentável, mas deve visar igualmente às dimensões sociais, econômicas,

políticas e culturais do desenvolvimento57

.

Segundo a Declaração de Joanesburgo de 2002, o direito ao desenvolvimento

sustentável abrange o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção

ambiental, nos âmbitos local, nacional, regional e global. Destacando, sobretudo, o papel vital

dos povos indígenas para o desenvolvimento sustentável58

. Ressalte-se também o importante

papel desempenhado pelas comunidades locais e pelas populações indígenas no

desenvolvimento de alimentos e de medicamentos de toda a espécie59

.

Na presente demanda, devem ser considerados os reflexos para a preservação do

bioma e da biodiversidade local, sopesando o fato de que, na região, além da ocupação das

terras por indígenas, há demais assentamentos humanos que possuem modos de vida

tradicionais60

. Além disso, o conjunto das áreas ocupadas pelas supostas vítimas pode ser

57

SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atualizada. Rio de

Janeiro: Thex, 2002, p. 50.

58 A importância das populações indígenas e suas comunidades para a eficácia das atividades relacionadas ao

manejo, conservação e desenvolvimento sustentável das florestas, e o reconhecimento de que suas terras devem

ser protegidas contra atividades que sejam ambientalmente insalubres ou que as populações indígenas em

questão considerem inadequadas social e culturalmente, foi anteriormente reconhecida pela Agenda 21 (capítulo

11, 23 e 26), adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992).

59 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atualizada. Rio de

Janeiro: Thex, 2002, p. 131.

60 Cf. Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007.

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denominado de “corredor ecológico61

”, não havendo dúvida sobre a importância dessas áreas

como zona de amortecimento, contribuindo para a manutenção da fauna e da flora local.

A preservação da biodiversidade da região beneficia as próprias vilas e comunidades

que vivem no entorno, tendo garantidos os recursos naturais necessários para sua manutenção

física e cultural, enquanto que a própria manutenção das áreas florestais e da biodiversidade

depende da dinâmica das relações sociais e culturais que interagem com o meio ambiente.

Toda a riqueza biológica existente nas áreas preservadas (a biodiversidade) se relaciona com

a diversidade sociocultural das populações tradicionais, que são detentoras do conhecimento

baseado nas formas tradicionais e artesanais de manejo dos recursos naturais. Nessa seara, a

CDB determina o respeito, a preservação e a manutenção do conhecimento, inovações e

práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais,

relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica (art. 8º, “j”). Os

Estados devem proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo

com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou

utilização sustentável (art. 10, “c”).

Diante disso, e de todas as demais alegações acima, a construção da Hidrelétrica de

Cinco Voltas seria um retrocesso ao reconhecimento da importância da diversidade biológica

e do direito ao desenvolvimento sustentável, contribuindo à perda sociocultural das

comunidades atingidas e ao decorrente impacto ambiental da região.

61

Corredor ecológico (ou corredor de biodiversidade) é a “faixa de vegetação que liga fragmentos florestais ou

áreas protegidas separadas por áreas com variados graus de ocupação humana. Sua principal função é vencer o

isolamento das áreas protegidas, proporcionando o livre trânsito da fauna entre as áreas interligadas e a troca

genética entre as espécies, tanto de animais quanto de vegetais. Essa conexão também facilita a dispersão de

espécies, a recolonização de áreas degradadas e a manutenção de populações de animais que demandam para

sua sobrevivência áreas de grandes extensões” (PNGATI, 2010).

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9.3 Das alterações climáticas e das novas fontes energéticas

Não se pode olvidar da importância da manutenção do bioma das áreas florestais e da

biodiversidade do local ocupado pelas supostas vítimas. A preservação dessa área influencia

o equilíbrio climático local, uma vez que áreas florestais são extremamente relevantes para

manutenção dos ciclos de chuva e para o equilíbrio da temperatura nos grandes centros

urbanos, ainda que distantes dessas áreas. É incontroverso que muitas atividades

desenvolvidas pelo homem trazem reflexos negativos, gerando consequências ao meio

ambiente e as condições de sobrevivência do próprio homem. As alterações ambientais

ocasionadas pela construção de hidrelétricas já foram levantadas e discutidas por Tribunais

Internacionais. Foram ressaltadas as seguintes alterações: a) limitação e alteração no fluxo e

circulação da água do rio; b) menor absorção de oxigênio; c) impossibilidade de circulação de

barcos e peixes; d) modificação química provocada pelas barragens, ocasionando um impacto

imediato sobre organismos aquáticos que dependem, naturalmente, de oxigênio dissolvido na

água para respirar; e) possibilidade de eliminação da atividade pesqueira ao longo do rio,

devido ao seu acesso restrito62

.

O alagamento de uma área de 1.450km2 para a construção da Hidrelétrica de Cinco

Voltas prejudicará não só as populações locais, mas também toda a população da República

de Tucanos, afetada pelas consequências climáticas de uma diminuição considerável das

áreas florestais e da perda da biodiversidade, relevantes para o desenvolvimento do país. A

conservação do bioma e a manutenção florestal são de interesse público e, portanto, o Estado

deve apresentar alternativas energéticas menos impactantes, como, por exemplo, energia

solar, eólica ou biomassa. Ressalte-se que a construção de grandes hidrelétricas nem sempre é

62

Cf. SCJNA. Caso S. D. Warren CO. v. Maine Board of Environmental Protection et al. Julgamento em 15 de

maio de 2006 e SCJNA. e Caso Jefferson County et. al. v. Washington Department of Ecology et. al. Julgamento

em 31 de maio de 1994.

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a melhor solução63

. Portanto, constata-se a imprudência do Estado em incentivar a instalação

de hidrelétricas em áreas como a pretendida. Tais obras não incluem em seu projeto as

comunidades locais, diretamente afetadas, as quais serão obrigadas a retirar-se, perdendo o

seu rumo cultural de subsistência. Além disso, resulta em imensuráveis perdas ambientais,

devido à diversidade de fauna e flora das áreas alagadas.

VI. MEDIDAS PROVISÓRIAS

O art. 27.3 do Regulamento da Corte confere às supostas vítimas a possibilidade de

apresentarem pedido de medida provisória a esse Tribunal, a fim de evitar danos irreparáveis

às pessoas e ao meio ambiente, devido à gravidade e urgência do caso. O presente pedido de

medidas provisórias preenche os requisitos cumulativos previstos no art. 63.2 da CADH: i)

extrema gravidade; ii) urgência, e iii) finalidade de evitar danos irreparáveis às pessoas.

A construção de uma hidrelétrica em território ocupado por indígenas e comunidade

tradicional ribeirinha acarreta perdas irreparáveis no que tange à biodiversidade local, bem

como à cultura e tradição dos povos. Além do imenso território que será alagado, até então

protegido e repleto de recursos naturais conservados, 13.250 (treze mil e duzentos e

cinquenta) pessoas serão diretamente afetadas: 3.250 membros da população indígena

Aricapu e 10.000 imigrantes de Mirokai que compõem a comunidade tradicional ribeirinha

local. A transferência dessas pessoas para outra localidade viola o seu direito à manutenção

63

A Hidrelétrica de Balbina, em Presidente Figueiredo/AM (Brasil), atualmente é uma das maiores emissoras de

gás metano, contribuindo de forma direta para o efeito estufa e consequentemente às mudanças climáticas, além

da imensa perda ambiental devido à sua irrelevante construção. Balbina produz apenas 250MW e tem a mesma

área inundada de Tucuruí, que produz 8GW. (JHOSÉ, 2007) Balbina significou a inundação da Reserva

Indígena Waimiri-Atroari, mortandade de peixes, escassez de alimentos e fome para as populações locais. A

contrapartida, que era o abastecimento de energia elétrica da população local, não foi cumprida (GONÇALVES,

2010). Outro exemplo é a futura Hidrelétrica de Belo Monte (PA/Brasil), a qual se estima que irá operar muito

aquém dos 11.223MW aclamados por dados oficiais, devendo gerar apenas 4.428MW, devido ao longo período

de estiagem do rio Xingu (CI BRASIL, 2011).

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de tradições ancestrais, o direito à propriedade coletiva e sua livre circulação, afetando física

e psicologicamente as pessoas. Ressalte-se ainda que, no caso da população indígena, apenas

uma parcela desta comunidade seria removida, uma vez que parte dos 3.250 membros ocupa

o território localizado no país vizinho à República de Tucanos (Principado de Araras), e,

portanto, haveria a separação ilegal desse povo. Além disso, o alagamento das terras, para a

criação do lago na construção da hidrelétrica, geraria extenso impacto ambiental, com perdas

irreparáveis de fauna e flora local.

Apesar da CADH não proibir a concessão de exploração e explotação de recursos

naturais em terras indígenas, a restrição legítima do direito à propriedade comum exige que:

a) sejam realizadas avaliações prévias de impacto ambiental e social; b) consultas às

comunidades afetadas em projetos de desenvolvimento realizados nos territórios ocupados

tradicionalmente, e, no caso dos planos de desenvolvimento ou investimento em grade escala,

obter o consentimento livre, prévio e informado das comunidades, de acordo com seus

costumes e tradições; c) compartilhar os benefícios de forma razoável; d) considerar se a

restrição implica a denegação das tradições e costumes de modo que se ponha em risco a

própria subsistência do grupo e de seus integrantes64

.

O deferimento dessa medida é imprescindível para a eficácia da decisão de mérito. A

construção da hidrelétrica antes da decisão final pela Corte extingue o objeto principal da

demanda e viola o princípio do devido processo legal, uma vez que o alagamento da região e

a consequente construção da usina impedirão a reconstituição das supostas vítimas ao seu

status quo ante - no caso de ser reconhecida a violação de seus direitos por esta Corte -, pois

64

Cf. Corte IDH. Caso Cuatro comunidades indígenas Ngöbe e seus membros vs República del Panamá.

Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 28 de maio de 2010. Apesar da medida ter sido denegada,

esses direitos foram reconhecidos pela Corte e são aplicáveis ao presente caso, de acordo com as suas

peculiaridades.

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os danos por ela gerados são irreparáveis65

. Em suma, deve o Estado adotar quantas medidas

sejam necessárias para proteger o uso e desfrute da propriedade das terras pertencentes à

população indígena Aricapu e aos imigrantes de Mirokai, além dos recursos naturais

pertencentes a essas comunidades, a fim de evitar danos imediatos e irreparáveis resultantes

de atividades de terceiros66

. Deve o Estado garantir a livre circulação dos membros dessas

comunidades, a fim de que possam seguir vivendo em suas residências habituais, impedindo

que sejam forçadas ao deslocamento para outra região, bem como sejam garantidas as

condições necessárias para viverem em comunidade, seguindo as suas tradições e costumes67

.

Por fim, ressalte-se que para a garantia efetiva dos direitos previstos na CADH, no

sentido de que o Estado tem o dever, erga omnes, de proteger todas as pessoas sujeitas a sua

65

CIDH. Caso Pehuenche vs. Chile. Medida cautelar. Julgamento em 1º de agosto de 2003. Ver também:

Comunidades Indígenas Mayas y sus miembros (caso 12.053). Medida cautelar para o Estado de Belice em 20

de outubro de 2000 e Comunidades Indígenas Yaxye Axa y sus miembros (caso 12.313). Medidas cautelar para o

Estado do Paraguai em 26 de setembro de 2001. A Corte vem reconhecendo às medidas provisórias um caráter

cautelar e outro tutelar. O caráter cautelar está vinculado às disputas internacionais, com o objetivo de preservar

os direitos e potenciais riscos, até que o litígio seja resolvido, a fim de assegurar a integridade e a efetividade da

decisão final, de forma a evitar lesões a direitos em litígio, tornando inócuo o efeito da decisão final. Quanto ao

seu caráter tutelar, as medidas se transformam em verdadeiras garantias judiciais de caráter preventivo, ao

mesmo tempo em que protegem direitos humanos, também buscam evitar danos irreparáveis às pessoas. (Corte

IDH. Caso Cuatro comunidades indígenas Ngöbe e seus membros. Medida provisória. Resolução da Corte IDH

de 28 de maio de 2010).

66 Corte IDH. Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. República de Nicaragua. Medidas

provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de setembro de 2002.

67 Corte IDH. Caso Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia. Medidas provisórias. Resolução da

Corte IDH de 5 de julho de 2004.

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jurisdição (art. 1.1), a presente medida deve ser imposta não somente em relação ao Estado,

mas também em relação a terceiros particulares68

.

VII. PEDIDOS

Diante de todo o exposto, respeitosamente, requer-se:

a) Seja deferido o pedido de medida provisória, prima facie, com base nos artigos

63.2 da CADH e 27 do Regulamento da Corte, a fim de: i) Anular a licença prévia para a

construção da hidrelétrica pelo IMA, diante da ilegalidade do procedimento e falta de

consulta e consentimento prévio da população atingida, bem como suspender o início das

obras de construção da Hidrelétrica de Cinco Voltas na confluência dos rios Betara e

Corvina, na República de Tucanos, até que os órgãos do SIDH adotem uma decisão definitiva

sobre o caso; ii) Proteger a vida e integridade física e psicológica das supostas vítimas

(membros da população indígena de Arikapu e da comunidade tradicional ribeirinha –

imigrantes de Mirokai); iii) Abster-se de restringir ilegalmente a livre circulação dos

membros das comunidades indígenas e ribeirinhas (supostas vítimas), garantindo-lhes o

direito de seguir vivendo em suas residências habituais, em condições dignas; iv) Proteger a

especial relação da comunidade indígena de Aricapu com seu território ancestral, em

especial, o uso e desfrute da propriedade coletiva e dos recursos naturais existentes, adotando

medidas no intuito de evitar danos imediatos e irreparáveis resultantes das atividades de

terreiros que ingressem no território do povo ou que explorem os recursos naturais existentes,

até que os órgãos do SIDH adotem uma decisão definitiva sobre o caso.

b) Seja declarado pela Corte a violação pelo Estado dos arts. 4º (direito à vida), 5º

(integridade física), 8º (garantias judiciais), 11 (honra), 21 (propriedade), 22 (liberdade de

circulação e de residência), 24 (igualdade), 25 (proteção judicial) da CADH c/c o art. 1.1 da

68

Cf. Corte IDH. Caso Pueblo Indígena de Sarayaku vs. República del Ecuador. Medidas provisórias.

Resolução da Corte IDH de 6 de julho de 2004. Ver também Caso de las Comunidades del Jiguamiandó y del

Curbaradó. Medida Provisória. Resolução da Corte IDH de 6 de março de 2003.

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Convenção, art. 11 do Protocolo de San Salvador e demais instrumentos internacionais de

proteção aos direitos humanos supramencionados, em detrimento das supostas vítimas;

c) Seja o Estado responsabilizado por eventuais danos materiais e imateriais que venham

a ser sofridos pelas supostas vítimas e, sobretudo, pelas violações aos direitos humanos

consagrados na Convenção, de forma que haja um Ato Público de Reconhecimento de

Responsabilidade Internacional e garantias de não repetição, determinando que, dentre outras

medidas, o Estado realize: i) o pagamento das custas e gastos gerados na tramitação do caso

na jurisdição interna e diante do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos;

ii) medidas de alcance ou repercussão pública, considerando a gravidade e o caráter coletivo

e difuso das violações; iii) a implementação, em um prazo razoável, de programas de

educação em direitos humanos, em especial direitos dos povos indígenas e das populações

imigrantes (refugiados ambientais); iv) consulta prévia e audiências públicas quando se tratar

de quaisquer medidas legislativas ou administrativas que afetem os povos indígenas e

populações imigrantes;

d) Ao final, sejam julgados totalmente procedentes os pedidos, a fim de ordenar a

cessação definitiva das obras relativas ao empreendimento da Hidrelétrica de Cinco Voltas,

considerando as violações aos direitos humanos pela República Federal de Tucanos,

especificamente ao direito à vida, à honra, à integridade pessoal, à dignidade, à propriedade, à

liberdade de circulação e residência, à igualdade e não-discriminação e ao direito a um

ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável.

e) Protesta-se por todos os meios de prova no direito admitidos, especialmente prova

documental, testemunhal e pericial;