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7 Universidade Federal do Amazonas Programa de Pós-Graduação em História Mestrado em História ELISANGELA MARTINS Memória do Regime Militar em Roraima [dissertação] Manaus 2010

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Universidade Federal do Amazonas

Programa de Pós-Graduação em História Mestrado em História

EELLIISSAANNGGEELLAA MMAARRTTIINNSS

Memória do Regime Militar em Roraima

[dissertação]

Manaus 2010

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EELLIISSAANNGGEELLAA MMAARRTTIINNSS

Memória do Regime Militar em Roraima

[Dissertação]

Orientador:

Prof. Dr. James Roberto Silva

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História.

Manaus 2010

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Universidade Federal do Amazonas

Programa de Pós-Graduação em História Mestrado em História

MEMÓRIA DO REGIME MILITAR EM RORAIMA

elaborada por Elisangela Martins

requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em História

COMISSÃO EXAMINADORA: ___________________________________ Prof.Dr.James Roberto Silva (Orientador, DH-UFAM). ____________________________________ Profª. Drª. Patrícia Maria Melo Sampaio (DH-UFAM) ____________________________________ Prof. Dr. Marcos Antonio da Silva (DH-USP) SUPLENTE ____________________________________ Prof. Dr. Marco Aurélio Coelho de Paiva (DH-UFAM)

Manaus, 18 de janeiro de 2010.

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Pelo apoio na execução desse projeto, agradeço, Às instituições: CAPES–FAPEAM pelo alívio da bolsa, enquanto durou; Casa de Cultura Madre Leotávia, na figura de D. Meire, 6º Batalhão de Engenharia e Construção, na figura do Sub-Tenente Arimatéia e Diocese de Roraima, na figura do Padre Vanthuir; Aos comparsas: Vavá (patrocinador) e James (orientador); Às apoiadoras no início e decorrer do projeto: Kika, Carla, Rafa, Patrícia, Maria José; Aos companheiros de dúvidas e certezas: Alba, Alcemir, Blenda e Márcio. Às donas de grande parte do tempo que empreguei nesta empreitada: minhas filhas, Rebeca, Clarisse e Helena.

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Resumo

Este trabalho apresenta aspectos da formação e manutenção de determinada

memória coletiva existente em Roraima sobre o período histórico chamado de Regime

Militar. Baseada em grande diversidade de fontes documentais, a pesquisa buscou

identificar como se manifestam as disputas por uma versão histórica correta sobre as

políticas aplicadas pelos governos militares no antigo Território Federal de Roraima,

preocupando-se ainda em verificar motivações, armas e estratégias empregadas por aqueles

que fazem parte destas contendas.

Resúmen

El trabajo presenta aspectos de la formación y mantenimiento de determinada

memoria colectiva existente en Roraima sobre el periodo histórico llamado de Régimen

Militar. Embasada en gran diversidad de fuentes documentales, la pesquisa buscó identificar

como se manifiestan las disputas por una versión histórica correcta de las políticas aplicadas

por los gobiernos militares en el antiguo Territorio Federal de Roraima, Brasil, preocupando-

se todavía en verificar las motivaciones, armas y estrategias empleadas por aquellos que

hacen parte en esas querellas.

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A memória é uma casa construída com tijolos que nos deram e é ali que nos protegemos ou imolamos.

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 - Segunda capa da Revista Diretrizes de 1991. __________________________________________ 53 Ilustração 2 - Foto aérea de Boa Vista em 1924 (Rice, 1978). ________________________________________ 55 Ilustração 3 – Destaque da BR 210 no JBV de 15 de dezembro de 1974. _______________________________ 71 Ilustração 4 - Boa Vista planejada, imagem do acervo da Casa de Cultura Madre Leotávia ________________ 74 Ilustração 5- Fotografia aérea de Boa Vista, década de 1960 (PAVANI e MOURA, 2007) __________________ 76 Ilustração 6 - Palácio 31 de março, ainda isolado no Centro Cívico, no ano de 1972. _____________________ 84 Ilustração 7 – Palácio da Cultura por dois ângulos: Na imagem maior, antes de sua inauguração ___________ 85 Ilustração 8 – Monumento ao CAN. Fotografia de Elisangela Martins. _________________________________ 87 Ilustração 9 – Monumento à Bíblia: sua placa de identificação foi encoberta pela pintura da base. Fotografia de Elisangela Martins. _________________________________________________________________________ 88 Ilustração 10– Mais novo monumento instalado na Praça do Centro Cívico, a placa acima possui evidentes sinais de depredação. Fotografia de Elisangela Martins. ____________________________________________ 89 Ilustração 11 – Coluna de granito ladeada por placas assinadas pelos prefeitos _________________________ 89 Ilustração 12 – Grande quantidade de imagens nas reportagens sobre ________________________________ 95 Ilustração 13 – Ponte de Concreto sobre o igarapé AuAu. In: Álbum. Fotos das Pontes. ___________________ 96 Ilustração 14 – Fotografia da Ponte do Rio Cauamé, in: Fotos das Pontes. _____________________________ 96 Ilustração 15 – Ponte sobre o Rio Surumu. In: Fotos das Pontes. Casa de Cultura Madre Leotávia. __________ 98 Ilustração 16 – Charge publicada no JBV em janeiro de 1975. ______________________________________ 103 Ilustração 17 – A estátua do Garimpeiro, em Boa Vista, vista por dois ângulos. Na primeira, _____________ 112 Ilustração 18 – Imagem do veleiro que restou do primeiro Monumento aos Pioneiros, depois _____________ 118 Ilustração 19 – Representação do arco central da cidade. (BRASIL, 1996) _____________________________ 120 Ilustração 20 – Nas três imagens, vista geral e detalhes da Praça da Cultura, Centro de Boa Vista. Fotografias de Elisangela Martins _________________________________________________________________________ 125 Ilustração 21 – O novo Monumento aos Pioneiros, retratado na página do livro de Amazonas Brasil _______ 127 Ilustração 22 – Desfile de 1971: caminhões “alegóricos” e, ao fundo, a Catedral em Construção ___________ 139 Ilustração 23 – Jornal Boa Vista em março de 1978: quando o assunto é política... _____________________ 161 Ilustração 24 – Detalhe da cobertura dos Jogos Escolares pelo JBV em 1975. __________________________ 163 Ilustração 25 – Disposição gráfica da reportagem, lembrando a bandeira do Brasil, em 1977. ____________ 164 Ilustração 26 – Detalhe do Jornal Boa Vista de 06 de outubro de 1978. _______________________________ 166

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SUMÁRIO

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES ............................................................................. 13

APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 15

CAPITULO I. HISTÓRIAS DE PIONEIROS NO FIM DO SÉCULO: REPRESENTAÇÕES DE POLÍTICA E PODER EM RORAIMA. ................................................................... 18

1.1 - História, memória e política em Roraima. ................................................................................................... 18

1.2 - Em busca do mito fundador: a historiografia memorialista de Roraima. .................................................. 26

1.3 - Os “males” da política e suas curas. ............................................................................................................ 41

CAPITULO II. (RE)CONSTRUINDO ESPAÇO E FORJANDO MEMÓRIA: TRANSFORMAÇÕES DOS ANOS DE 1970 EM RORAIMA. ........................................ 54

2.1 - “Medidas de Impacto”: o regime militar e a transformação do espaço através de obras públicas. ......... 59

2.2 - “Roraima de ontem e de hoje”: a cobertura das obras públicas no Jornal Boa Vista. ............................... 91

2.3 - Estado, migrantes, militares e indígenas: nova memória para novo espaço. .......................................... 105

CAPÍTULO III. COMEMORAÇÕES PÚBLICAS EM RORAIMA: ESTE É O BRASIL QUE VAI PRA FRENTE! .............................................................................................. 130

3.1 – Os doces setembros. .................................................................................................................................. 134

3.2 - Estudantes e o Regime Militar em Roraima: entre misses, esportistas e artistas .................................... 146

3.3 - Memórias revistas e a ditadura que amávamos tanto... .......................................................................... 166

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 176

FONTES CONSULTADAS, POR ACERVO ............................................................... 178

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 183

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APRESENTAÇÃO

Procurando cinzas numa história em brasa...

Há, na atualidade, esforços de historiadores, cientistas sociais, economistas, políticos,

jornalistas e artistas em uma constante tentativa de reconstituir os fatos e explicar o

significado do Regime Militar no Brasil (1964-1985). A revisitação constante de seus

acontecimentos, no entanto, não pôde ainda superar a grande dificuldade de acesso à

documentação oficial produzida à época e tal situação implica na permanência de uma série

de lacunas a respeito do conhecimento histórico da dinâmica social e política ocorrida

naqueles anos.

Essas lacunas, juntamente com os traumas surgidos no período e com a proximidade

temporal desse momento de nossa história, tornam as tentativas de atribuir sentidos ao

Regime Militar potencialmente capazes de suscitar polêmicas. O resultado disso é uma

história em brasa, devido às disputas pelo estabelecimento de uma versão que explique

corretamente aquele passado recente. Ainda bastante marcada pelas memórias dos

combatentes, a história do Regime Militar aparece, na maior parte das vezes, num alto

contraste de preto e branco, convertendo contendores ora em vilões, ora em vítimas,

produzindo uma memória nacional que mais confunde do que explica o fato de o país ter

passado por mais de duas décadas sob um Estado autoritário, comandado por militares e

amplamente apoiado por diversos setores civis.

Cabe ao historiador procurar pelas gradações que constituíram esse processo e que

se encontram encobertas entre o preto e o branco. A busca pelos tons de cinza que

certamente compõem a história do Regime Militar não é uma tarefa fácil; no entanto, é a

única maneira de não arder nas chamas das disputas que marcam a historiografia do período

de modo implacável. É com essa intenção que o presente trabalho pretende demonstrar e

discutir a disputa que envolve diversos grupos da sociedade de Roraima em torno da

memória que diz respeito ao Regime Militar.

A observação da memória, dado seu traço sutil, muito próximo do sensorial, mas não

do objetivo, implicou no primeiro e constante desafio da pesquisa, que foi a identificação de

fontes que facultassem sua pesquisa, leitura e análise. No decorrer da investigação, foi

averiguada a existência de uma grande diversidade de suportes sobre os quais se deposita a

memória do Regime Militar em Roraima: na historiografia, em monumentos, nomes de

logradouros, documentos escritos, discursos políticos, em imagens e periódicos.

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É fato que essa diversidade de fontes podia garantir maior confiabilidade aos

resultados finais da pesquisa, mas ao mesmo tempo implicava em uma dificuldade

suplementar: as diferentes maneiras de análise que cada tipo documental exigia. Esse

problema teve de ser tratado no interior da organização metodológica, ampliando de modo

significativo o tempo previsto para a conclusão dos trabalhos.

Os resultados da investigação aparecem no decorrer dos capítulos que seguem.

Articulando as informações provenientes desse grande conjunto de suportes, busquei

demonstrar os aspectos da formação e manutenção de determinada memória sobre o

Regime Militar em Roraima em três capítulos.

No primeiro capítulo, Histórias de pioneiros no fim do século, procurei reconhecer

como a presença do Regime Militar em Roraima figurava no discurso historiográfico local. A

análise da maneira pela qual essa historiografia aborda o período permite que se discuta

também a relação entre a história, a memória e a política em Roraima. Para tanto, cinco

livros de história de Roraima são tratados como fontes principais.

No segundo capítulo, (Re)construindo espaço e forjando memória, procuro

compreender o contexto das transformações pelas quais Roraima passou durante os anos de

1970. Além de traçar um panorama das obras públicas realizadas no extremo norte do Brasil,

ao longo do período em que vigorou a intensa política de integração nacional, o texto

apresenta a discussão sobre como essas transformações foram abordadas pelo Jornal Boa

Vista e demonstra como migrantes, militares e indígenas foram retratados nos monumentos

que então se erigiam na capital (Boa Vista), ressaltando, desse modo, as implicações das

intervenções de ordem espacial para a constituição de uma memória do período.

Por fim, apresento os resultados de dois caminhos distintos da investigação. O

primeiro foi direcionado pelo objetivo de examinar possíveis atos arbitrários cometidos pelo

governo local como censura, prisões, cassações, etc., bem como para as ações locais de

resistência ao Regime Militar entre jovens estudantes, artistas e políticos. O segundo

caminho voltou-se para aspectos que tradicionalmente tangem à formação da memória

através de destaques e silenciamentos, e, para isso, foi necessário traçar um quadro das

comemorações públicas realizadas em Roraima durante os anos de 1970. Ainda que os dois

objetivos parecessem inicialmente levar a pontos diferentes, as fontes disponíveis

conduziram o trabalho para resultados que se complementam e permitiram a observação

das relações entre a sociedade roraimense e o governo territorial durante o Regime Militar.

Com base em depoimentos, matérias de jornal, fotografias do período e outros documentos,

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foi possível descrever como a juventude estudantil roraimense se relacionou com o governo

local e, a partir daí, verificar e discutir as diferenças entre os eventos que marcaram a

relação governo/estudantes, durante o Regime Militar, em Roraima e em outros locais,

como o Rio de Janeiro. Os resultados da pesquisa nas duas linhas investigativas aparecem

fundidos no terceiro capítulo, Comemorações Públicas em Roraima: este é o Brasil que vai

pra frente!

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CAPITULO I. Histórias de pioneiros no fim do século: Representações de política e poder em Roraima.

Não nos enganemos. A imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à história que nos ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca para o resto da vida [...] enxertam-se depois opiniões, ideias fugazes ou duradouras [...] mas permanecem indeléveis as marcas das nossas primeiras emoções (FERRO, 1993, p.7).

1.1 - História, memória e política em Roraima.

Quando se trata de escrever história, as diferentes formas e modelos adotados no

decorrer do tempo demonstram a peculiaridade desse conhecimento no âmbito das ciências

humanas. Com uma frequência impressionante, os historiadores adotam novos modelos,

novas metodologias de trabalho, renovam suas abordagens e ampliam seus temas,

abarcando um número cada vez maior de formas e motivos para a produção de

conhecimentos sobre as ações humanas no tempo.

Em Roraima, historiar é uma atividade para poucos e por isso mesmo é ainda muito

incipiente. Algumas importantes iniciativas de registro do passado, com vistas a

compreendê-lo e perpetuá-lo por meio da “História de Roraima”, foram feitas a partir dos

anos de 1970. São, em geral, trabalhos de cunho memorialista, produzidos por pessoas que

nasceram e/ou viveram em Roraima, e que, abordando os mais diversos temas,

pretenderam inserir seus trabalhos na seara da História. Autodidatas, no que diz respeito à

pesquisa histórica, interessados em registrar o passado de Roraima, seus autores se

investiram do papel duplo de historiador e testemunha.

Exercendo as mais diversas funções públicas, os autores dessas obras estiveram, sem

exceção, ligados ao processo de organização do Estado Nacional. Diante disso, seus relatos

podem ser tomados, em grande medida, como representativos do pensamento de uma elite

roraimense em formação e trazem importante testemunho do ideal de organização política

e social preconizado por esse grupo específico, ao qual dedicarei mais atenção no decorrer

deste trabalho. Em geral, esses livros abarcam conhecimentos de diversas áreas, mas

possuem uma importante preocupação em garantir a abordagem do passado roraimense.

Para essa parte de suas composições, os autores se baseiam em memórias pessoais e

acervos particulares, que normalmente pertencem às famílias mais antigas de Roraima.

Esses acervos são compostos por materiais e documentos como cartas, memorandos e

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fotografias, muitos amealhados pelos próprios autores durante o serviço público ou em

razão de sua proximidade com o poder.

Roraima, apesar de seus vinte anos de existência como estado da Federação e dos

outros quarenta e cinco anos em que foi Território Federal, não possui um arquivo público.

Por causa disso o trabalho de pesquisa histórica sobre Roraima costuma ser bastante difícil

para quem não tem acesso a acervos privados, como aqueles a que me referi anteriormente,

situação que se manteve mesmo com o aparecimento da Universidade Federal e mais

especificamente do curso de Licenciatura em História, na década final do século XX.

Tornando ainda mais complicada a lide dos interessados em investigar a história local, não

há catálogo do conjunto de documentos disponíveis e dispersos pelo Museu Integrado de

Roraima, na Casa de Cultura Madre Leotávia e na Biblioteca Pública do Palácio da Cultura,

responsáveis por acervos situados na cidade de Boa Vista e subordinados à Divisão do

Patrimônio Histórico do Departamento de Cultura do Governo do Estado de Roraima.

Sobre esses locais de pesquisa, há que se observar a dedicação de alguns de seus

servidores, que se esforçam para proteger e organizar os acervos. Em alguns casos, apenas o

contato com funcionários que há muitos anos trabalham no local pode promover o encontro

de um documento sobre determinado tema. Lamentavelmente, essa dedicação não é

suficiente para que se superem as dificuldades de preservação de documentos e materiais:

faltam profissionais especializados para organizar o acervo, é observada uma grave

inadequação dos espaços físicos, por vezes compostos por salas úmidas, mal iluminadas,

pequenas e com mobiliário improvisado, o que implica na manutenção de caixas de

documentos empilhadas e, em decorrência disso, no desgaste ou mesmo na perda total de

documentação, muitas vezes ainda desconhecida.

Estes acervos públicos são compostos de materiais diversos, periódicos, folhetos

explicativos de origem institucional, documentos manuscritos ou datilografados e fotografias

antigas, muitos sem nenhuma identificação de origem, data ou autoria, o que muitas vezes

acarreta a inviabilidade do uso do documento como fonte de pesquisa. Essa situação faz

com que grandes aborrecimentos possam ocorrer durante uma investigação. Para

exemplificar, cito o caso dos cadernos que contêm as edições do Jornal Boa Vista no Palácio

da Cultura e que anteriormente foram fotografadas por mim. Estas simplesmente

“desapareceram” por duas semanas. Insistente, visitei todos os turnos de trabalho daquele

local e, como nenhum funcionário soubesse a localização dos cadernos, ameacei procurar o

Ministério Público para denunciar o sumiço dos documentos. Dois dias depois da ameaça, a

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diretora do Palácio (que não havia sido localizada durante minhas visitas àquele local),

telefonou-me pessoalmente para informar que os cadernos tinham sido guardados em um

“armário especial para garantir sua preservação” e que, enfim, eu poderia ter novamente

acesso à documentação.

Com essa descrição, creio ser possível transmitir o que significa a empreitada de ser

historiador e historiar Roraima em Roraima. Mesmo assim, há um grupo de pesquisadores

ligados à Universidade Federal que vem burlando essas dificuldades e produzindo trabalhos

relevantes sobre o passado roraimense. Pode-se afirmar que a pesquisa histórica feita em

moldes acadêmicos, produzida no e sobre o estado, está ainda em estágio bastante inicial,

devido ao pouco tempo de existência daquela instituição. Isso também explica que as

pesquisas acadêmicas tenham gerado, até o momento, raras publicações1 na área de

história. Sobre a ausência de uma política de publicações, Maria Luiza Fernandes (2008)

aponta que é a base para que comumente se afirme, equivocadamente, que em Roraima

inexiste uma “produção historiográfica consistente”.

Para situar o quadro geral da produção historiográfica acadêmica em Roraima, é

importante dizer que, além de dissertações e teses produzidas pelos docentes da UFRR em

programas de pós-graduação fora do Estado, em cinco anos de existência do programa de

pós-graduação lato-sensu em história regional da Universidade Federal de Roraima, pouco

mais de vinte monografias foram produzidas. Entre os trabalhos defendidos nos anos de

2006 a 2008, 90% tratam do século XX sendo que, desse total, apenas um trabalho refere-se

à primeira metade daquele século. Tal situação repete o que se vê na primeira publicação

oriunda do Programa: lançado no ano de 2008, o livro, projetado desde o ano de 2005, traz

dez trabalhos, dos quais 100% se referem ao século XX, sendo que oito trabalhos trataram

de recorte temporal relativo à segunda metade daquele século. Creio que tal situação se

explica devido à dificuldade de acesso às fontes, como apresentei anteriormente, e vem

reforçar a ideia de que a produção da história escrita de Roraima é, ainda, um trabalho

executado por poucos.

Vale destacar que o aparecimento da academia instalou novas formas de pesquisar e

escrever a história de Roraima, inserindo novos temas à antiga pauta da história político-

administrativa ou econômica. Assim, para realizar suas pesquisas além da busca por acervos

1 Em se tratando de pesquisas históricas, apenas os trabalhos de Carla Monteiro de SOUSA (2001) e de

Jaci Guilherme VIEIRA (2007) foram publicados até o momento, ainda que outras importantes teses e dissertações tenham sido produzidas.

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fora do Estado, os historiadores ligados à UFRR – sejam professores, sejam estudantes

daquela instituição – têm empreendido esforços para utilizar as mais diversas fontes, motivo

pelo qual depoimentos orais, acervos eclesiásticos, jornais e monumentos costumam figurar

entre os tipos documentais que compõem suas investigações. Estas, por sua vez, tratam de

temas tão diversos quanto o das mulheres, dos trabalhadores rurais, dos indígenas, da

migração, da educação, do cotidiano do garimpo em Roraima, etc.

A chegada da academia, de novos pesquisadores e seus novos modos de executar o

trabalho, antes realizado pelos memorialistas, contribuiu para que se instalasse em Roraima

uma velada disputa pela versão histórica correta no que tange aos mais diversos eventos e

aspectos de seu passado. É nesse contexto que se insere, por exemplo, o trabalho já

publicado do professor Jaci Guilherme Vieira (2007), que analisou as referências ao “índio na

produção historiográfica de Roraima”. Fruto de sua tese de doutorado pela Universidade

Federal do Pernambuco, em sua obra o autor procurou demonstrar que a historiografia

produzida por diletantes tratava os indígenas de modo impreciso, demonstrando alto nível

de comprometimento ideológico em relação àqueles que se opõem à questão indígena,

além de importante fragilidade no que diz respeito às possibilidades de comprovação dos

dados. Esta última característica se deve, segundo Vieira, à despreocupação daqueles

autores com a necessária citação das fontes históricas investigadas.

Salta aos olhos, aqui, que investigar e escrever história significa inserir-se num campo

de disputa de poder, sempre composto de forças e lutas que visam a conservar ou

transformar essas mesmas forças (BOURDIEU, 2004, p.23). Por isso, creio ser importante

afirmar que não apenas a historiografia memorialista de Roraima deve ser entendida “num

contexto que clareie os interesses que alicerçam sua produção” (FERNANDES, 2008, p.14),

pois, afinal, como aponta Michel Foucault (2006), a intenção de produção da verdade é

sempre um ato de poder e, assim, pode-se considerar que a produção e publicação de um

trabalho de história estarão sempre revestidas de um sentido político, uma vez que tanto o

autor como os demais envolvidos em sua publicação estão interessados em constituir um

enunciado de verdade sobre o passado, não importando se esse enunciado é de cunho

memorialista ou acadêmico.

Dadas as devidas proporções a cada caso, ao observar o quadro de conflito velado

pela definição de uma versão do passado que observo em Roraima, recordo de outras

disputas do tipo, como a apontada por Carlos Fico (2002) a respeito da historiografia que

versa sobre o Regime Militar brasileiro. As primeiras descrições detalhadas sobre a Ditadura

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Militar e os subterrâneos do regime provieram de memórias, que geraram uma abundante

bibliografia, composta de livros de autoria de militantes da esquerda, dos próprios militares

ou ainda de políticos, artistas e jornalistas, que se confrontavam para estabelecer o que

seria a “versão mais correta” dos fatos. Passados os primeiros momentos dessa disputa,

arrefecidos os ânimos dos combatentes, é importante que esta historiografia se torne, nas

mãos dos historiadores, fonte e objeto de estudo.

Cabe apontar que, para muito além do campo da história, o atual estado de Roraima

é palco de antigos conflitos. Tendo passado por um processo de colonização tardia, iniciada

apenas em fins do século XVIII, foi município do Estado do Amazonas até a primeira metade

do século XX, período em que teve como única atividade econômica relevante a pecuária.

Como Território Federal conheceu grandes transformações, que atingiram seu espaço, sua

organização política e sua economia. No ano de 1988, foi transformado em Estado pela

Constituição Federal, situação que se efetivou apenas no ano de 1991, com a eleição e posse

do primeiro governador.

Sob o estatuto de Território, a autonomia política de Roraima era bastante limitada,

pois nos Territórios Federais não havia eleições para governadores nem para prefeitos e seus

mandatos também não tinham duração definida. Os ocupantes do poder executivo eram

nomeados para o cargo diretamente pelo presidente da República ou pelo Ministro do

Interior e os prefeitos dos dois municípios, Boa Vista e Caracaraí, eram, por sua vez,

escolhidos pelo governador. Entre as peculiaridades políticas da história do Território de

Roraima, destaco o fato de que, no momento da chegada dos militares ao poder, em 1964,

não houve grande alteração em termos de autonomia política. Com a indicação dos

governadores partindo da Força Aérea Brasileira, a população local seguiu não possuindo

mecanismos diretos para influenciar na escolha dos nomeados para o governo.

Pode-se perceber pelas interpretações dadas a essa realidade no decorrer da história

de Roraima, que tal situação influenciou na formação de uma maneira bastante singular de

compreender o que é a política. Nesse sentido, as freqüentes manifestações de apreço a

possíveis intervenções militares na vida política local chamam a atenção. Um debate que

exemplifica essa questão continua sendo travado entre autoridades políticas de Roraima,

FUNAI e lideranças indígenas e diz respeito à presença militar do Pelotão de Selva de

Uiramutã, dentro da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. Por seu turno, a mídia local,

representada pelo jornal Folha de Boa Vista e pelas retransmissoras de TV e de rádio FM,

tem se colocado sempre favorável à presença militar nos mais diversos assuntos, em nome

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da segurança das fronteiras (BRAZÃO, 2008; DA REDAÇÃO, 2008). Em geral, apresenta-se

como argumento que justifica esse apreço aos militares e ao período em que governaram

diretamente o fato de que o período “da revolução” foi um tempo de inúmeras obras

públicas e investimentos diretos do Estado, que trouxeram fartura e ordem.

Ainda que não tenha alterado de forma significativa o quadro da organização política

do Território, o Regime Militar deixou marcas visíveis em Roraima. Somente nesse período a

região passou a ser ligada, por via terrestre, ao restante do país. Atividades econômicas,

como a exploração madeireira e aurífera, ganharam importância e em paralelo às grandes

alterações nas formas de ocupação do espaço, ocorreu um grande crescimento

populacional. Tal situação, intensificada a partir dos anos de 1970, configurou o Território

Federal de Roraima num espaço de fronteira clássica, em que para além das graves disputas

pela terra, estabeleceram-se também contendas pela memória e pela identidade coletiva.

É sobre esse terreno que situo esta pesquisa, que aborda a memória do Regime

Militar em Roraima. Investigar a memória, neste caso, é um ato marcado menos pelo desejo

de conhecer uma verdade do passado do que pela intenção de elucidar elementos da

disputa pelo estabelecimento dessa verdade, compreender quem são os contendores,

tangenciar suas motivações e interesses. Com base nessas premissas, pretendo produzir

uma reflexão sobre a realidade de disputas empreendidas em termos de representações e

práticas sobre o passado local a partir de elementos da memória do Regime Militar em

Roraima e, ao mesmo tempo, dos indícios verificáveis de como esta teria se constituído e

das formas empregadas para que consiga se manter.

A história que pretendo contar também faz uma crítica aos trabalhos de cunho

memorialista produzidos sobre o passado de Roraima. Neste primeiro capítulo, os livros

dessa historiografia são tomados como fontes primárias por serem considerados como

esforços de uma determinada parcela da sociedade roraimense em descrever e

compreender seu passado comum num momento específico de sua história. Afinal,

produzidos entre 1973 e 2002, estes livros se constituíram em testemunhos de seus autores

sobre aquele período, produzindo a chamada “história imediata”, que é “testemunho *...+ e

permanece principalmente uma matéria para reflexão, como todas as histórias, mas ao

preço de uma releitura” (CHAUVEAU e TÉTART, 1999, p.27).

Há certo consenso no que tange a diferenciar a memória da história escrita. A

primeira é mais ligada ao campo sensorial, portanto fruto de um apelo emocional enquanto

a segunda, produzida com a intenção de ser conhecimento, seria conseqüência de uma

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atividade racional, resultante do exame de dados materiais. O crescimento do interesse dos

historiadores pela memória provocou, no entanto, a possibilidade de questionar as bases

dessa diferenciação. Se na mitologia grega Mnemosine é mãe de Clio, e tal ligação se efetiva

no momento em que a produção da história escrita é movida pela preocupação humana em

preservar aspectos do passado como memória, não se pode negar que a relação tornou-se

mais complexa quando a História, nascida da Memória, tornou-se capaz de estabelecer uma

nova forma de contato com o passado. Assim, a História pode destruir ou, ao contrário,

institucionalizar a memória (LE GOFF, 1994; DE DECCA, 1997).

Quando me refiro à memória do Regime Militar, pretendo aludir exatamente à

maneira como esse passado comum é tratado pela sociedade roraimense, suas formas de

registro e os meios utilizados para evocá-lo nas consciências individuais como uma vivência

que foi experimentada coletivamente. Tal proposta se beneficia do contexto da renovação

da história política (REMOND, 1994), que, permeada pelo interesse acerca dos “fenômenos

de cultura política”, inscritos no tempo longo, passou a dar menor ênfase aos eventos

isolados voltando-se para a compreensão das mentalidades políticas e de suas lógicas

particulares, uma vez que o estudo da relação entre história e memória foi elevado a

“grande tema” (BORGES, 1992) da historiografia política no mundo todo.

A memória, já se apontou, é seletiva em sua origem, pois depende da retenção das

experiências na consciência. Essa retenção só pode ocorrer se as experiências tiverem se

apresentado em algum momento para o indivíduo como entidades reconhecíveis e capazes

de serem lembradas. Historicamente, uma experiência vivenciada por apenas alguns

indivíduos do grupo social pode ser compartilhada, estendendo-se a outros indivíduos e

sendo apreendida por estes sem exigir que tenham pessoalmente experimentado tal

vivência (BERGER e LUCKMANN, 1976, p.95-96). Surgem aí as memórias indiretas, ou vividas

“por tabela”, pois é possível que

existam acontecimentos dos quais a pessoa nem tenha participado, mas

que, no imaginário, tomam tamanho relevo que, no fim das contas, é

quase impossível que ela consiga saber se participou ou não (POLLAK,

1992, p.2).

Entre outras coisas, é para garantir a transmissão de memória, que se decide

preservar determinados documentos, que os acervos públicos são constituídos, que se

erguem monumentos, conservam-se prédios e formam-se museus, isto porque, dependendo

do alcance social, da conveniência de certo tipo de vivência ou conhecimento do passado,

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bem como de sua complexidade e importância em uma particular coletividade, o emprego

de objetos e ações simbólicas referentes a esse conhecimento pode ser considerado

necessário para perpetuá-lo, revelando a manipulação intencional ou não dos símbolos e

signos presentes nesse contexto.

Pensando nisso, e diante da precariedade dos acervos públicos disponíveis para a

pesquisa histórica, a existência e a preservação de lugares de memória em Roraima é

gritante. Como exemplo, cito dois conjuntos documentais preservados sobre o período

ligado ao Regime Militar. O primeiro é exatamente o Jornal Boa Vista, do qual me ocuparei

de modo mais detalhado no segundo capítulo desta dissertação. A maior parte de suas

edições foi encadernada e esses cadernos estão disponíveis para consulta tanto na Casa de

Cultura Madre Leotávia quanto na Biblioteca Pública do Palácio da Cultura, ação que não se

repetiu com nenhum dos outros periódicos que circularam no período. Outro conjunto que

chama a atenção é o álbum “Fotos das Pontes”, da Divisão de Patrimônio Histórico, também

disponível para consulta na Casa de Cultura Madre Leotávia, que traz mais de vinte

fotografias, produzidas pelo governo, retratando pontes construídas ou em construção

durante os governos militares. Ora, no JBV, mais que na parca bibliografia sobre Roraima ou

nos documentos dispersos disponíveis para o público, encontra-se o registro do cotidiano do

Território nos anos de 1970 na forma de eventos, ideias, ações individuais e coletivas,

pessoas e instituições, todos sob uma ótica muito peculiar, a do próprio governo territorial,

responsável pela publicação. No álbum, que também será analisado em outro momento

deste trabalho, conserva-se a ideia da transformação do espaço por meio de grandes obras,

também sob a ótica do governo territorial. Assim, não se pode ignorar que a preservação

dessas fontes, mesmo que em condições bastante precárias, é flagrante construção de um

lugar de memória2. Feita em um Estado onde o acesso à documentação sobre o passado é

bastante dificultado, sua disponibilidade para consulta em locais públicos, muito

freqüentados por estudantes do ensino básico, garante a transmissão de uma visão sobre

aquele período que, por certo, pretende-se perpetuar: a coesão dos habitantes de Roraima

na “vertiginosa carreira rumo ao progresso”(JBV, 20/11/1973, p.3)3.

2 Em função de minha pesquisa, realizei o salvamento de todas as edições disponíveis, com o recurso

da fotografia digital. Os CDs com os arquivos foram entregues à direção da Casa de Cultura Madre Leotávia, que os põe à disposição, mediante pedido prévio, a pesquisadores interessados. 3 Em geral, o Jornal Boa Vista tem poucas matérias assinadas, motivo pelo qual opto, doravante, por

referenciá-las desta maneira no corpo do texto. O detalhamento da referência dos textos citados encontra-se na sessão “Fontes”.

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No entanto, quando se trata de localizar documentos escritos relativos aos processos

de disputas políticas para os cargos de vereador, deputados e senadores, ou mesmo sobre a

administração pública no período, é praticamente impossível realizar a pesquisa nos poucos

locais de guarda. Tal realidade demonstra que, dessa forma, tais acervos definem, de modo

claro, não apenas o que se deve lembrar, mas também aquilo que se destina ao

esquecimento.

A memória coletiva suscita disputas e manipulação. Entendida como fonte da

identidade e da sua composição num campo em que a repartição de poderes sobre a

produção e manutenção de signos e símbolos é desigual, há que sempre se desconfiar da

memória. Investigar suas origens, o campo em que foi constituída, as contendas que em

torno dela se estabeleceram sem perder de vista que, se por um lado a manipulação dos

signos e símbolos relacionados ao passado, geralmente presente nesses combates pela

memória, pode ser causa de uma “perturbação da relação de representação”, “quando os

signos visíveis passam a ser considerados como índices seguros de uma realidade que não o

é”, transformando a representação da realidade, presente ou passada, em uma “fábrica de

respeito e submissão” (CHARTIER, 1991, p.185), por outro lado, não menos importante, a

memória e identidade coletivas são sempre sujeitas aos critérios de “aceitabilidade, de

admissibilidade, de credibilidade”, afirmando-se através da negociação direta com o outro

(POLLAK, 1992).

Alcançar, no centro da memória, seus conteúdos e formas específicas, é descobrir

como e porque se definiu, no interior de uma coletividade, o que se pode e deve lembrar,

bem como aquilo que se pode e deve esquecer sobre a vida passada.

1.2 - Em busca do mito fundador: a historiografia memorialista de Roraima.

Quando me refiro, neste trabalho, a uma historiografia memorialista de Roraima,

aceno para um conjunto muito específico de cinco obras surgidas no último quartel do

século XX. Seus autores ocuparam, sem exceção, cargos públicos de relevância, assumindo

secretarias ou outros importantes postos de chefia na burocracia do governo territorial. Um

traço comum a todos é o fato de que, nos trabalhos estudados, escrevem sobre uma

realidade que afirmam conhecer não apenas pelos possíveis documentos a que tiveram

acesso, mas por sua própria história de vida em Roraima. Assim, investiram-se não apenas

do papel de historiador, mas também de testemunhas de grande parte dos fatos por eles

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relatados. É este o aspecto mais relevante para que, nesse trabalho, tais obras tenham sido

classificadas como memorialistas.

Dentre essa historiografia, dois livros foram escritos por um mesmo autor: trata-se de

Aimberê Freitas, médico veterinário, especialista em saúde pública e mestre em

Administração pública e planejamento urbano. Filho de paraibanos instalados em Roraima

na primeira metade do século XX estudou no Rio de Janeiro em fins da década de 1960 e

retornou a Boa Vista onde teve destacada atuação política, ocupando cargos de vereador,

secretarias diversas, prefeito da capital e até de governador interino do Território. Além

disso, é professor do curso de administração da Universidade Federal de Roraima. Aqui,

abordo especificamente seus livros, Geografia e História de Roraima (2000), e A história

política e Administrativa de Roraima, 1943-1985 (1993). O primeiro, bastante popular, em

1997, já estava na sua 5ª edição. No ano de 2001, passou por uma revisão e ampliação,

incorporando em sua bibliografia trabalhos acadêmicos para ser editado mais uma vez. O

segundo é fruto de sua dissertação de mestrado, trabalho para o qual o autor entrevistou

alguns dos ex-governadores do Território, tendo publicado trechos preciosos dessas

entrevistas.

Ao lado dos livros de Aimberê Freitas, figura o trabalho de Dorval de Magalhães. Filho

da “mais tradicional família” de Roraima, falecido componente da Academia Roraimense de

Letras, Dorval de Magalhães defendia com fervor o uso de palavras indígenas como

topônimos e gostava de destacar a importância de sua atuação na luta política, que propôs a

substituição do termo Rio Branco para Roraima como denominação do Território Federal4.

Compôs o Hino de Roraima e, além de livros de poemas, escreveu também Roraima,

Informações Históricas, publicado em 1986. O autor se preocupou em dar algum suporte

documental a seu trabalho, mas a maior parte do que escreve é mesmo constituída por

testemunhos de sua própria memória. O livro é dividido em duas partes, “Roraima de

ontem”, composto por historietas de moradores locais e “Roraima de hoje”, que apresenta,

com algum destaque, questões relacionadas à organização político-administrativa do

Território Federal de Roraima.

4 Segundo o próprio Magalhães, a substituição do nome do Território Federal foi somente uma troca:

deixou-se de homenagear o principal rio da região para adotar-se o nome de seu principal acidente geográfico (o Monte Roraima). Essa mudança, ainda segundo o autor, tinha duas vantagens: caracterizaria melhor a região, valorizando um topônimo indígena, bem como diminuiria o extravio de correspondências, até então comuns devido às confusões entre o nome do Território do Rio Branco e da capital do Território do Acre, também chamada Rio Branco (MAGALHÃES, 1986). É interessante esclarecer que a palavra Roraima pode ser traduzida de modos distintos pelos idiomas indígenas locais e que, até o momento, não há consenso entre os lingüistas sobre o significado da palavra.

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Alegando estar “despido de pretensão literária” e afirmando que seu livro foi fruto de

uma experiência que “fez com que voltasse ao passado e revolvesse fundas reminiscências”,

Olavo Viana Braga (2002, p.10), funcionário público de carreira, contava com setenta e nove

anos de idade na data do lançamento do livro Momentos da história de Roraima, no ano de

2002. Seu trabalho pode ser considerado, por sua característica quase confessional, o mais

memorialista dos textos aqui estudados. Ainda que o autor aponte como bibliografia

consultada um número considerável de publicações da primeira metade do século XX sobre

Roraima, o resultado geral de seu trabalho é semelhante ao de uma conversa informal: mais

preocupado com possíveis problemas políticos que com o valor histórico de seus relatos,

Olavo Viana Braga omite ou troca nomes dos personagens reais a quem se refere quando

trata de alguns episódios que observou na política local e na administração dos bens

públicos no antigo Território. Suas descrições da “Boa Vista antiga”, a defesa (ou o ataque)

que faz para alguns políticos locais e os juízos de valor que emite diante de questões como

“o desenvolvimento do Território” ou ainda da questão indígena, dão uma demonstração do

comportamento adotado pelo funcionalismo diante dos poderosos locais.

Um último trabalho escolhido para o estudo é o livreto Roraima, fatos e lendas, de

autoria de Antonio Ferreira de Souza, conhecido como Professor Ferreirinha. Tal publicação

foi fruto de um “Concurso de Monografia” instituído pela prefeitura de Boa Vista, no ano de

1973, para o qual se candidataram apenas dois postulantes (JBV, 08/01/1974, capa). Tendo

recebido seis mil cruzeiros pela premiação de seu trabalho, o autor, então com sessenta

anos de idade, trabalhava como Chefe da Sessão de Fomento da Produção Vegetal do

Território, no qual já havia atuado também como professor de geografia e história (JBV,

22/01/1974, p.8). O concurso, que declarava a importância de “incentivar a pesquisa e

interpretação das causas, circunstâncias, participantes e consequências” históricas,

permitindo que a “riqueza de fatos, personalidades e aspectos mal conhecidos” pudessem

emergir de “um impressionante acervo material inédito dos Arquivos públicos” (JBV,

03/01/1974, p.11) contou, na comissão julgadora, com celebridades literárias de Roraima,

como Dorval de Magalhães e Nenê Macaggi e o vencedor teria seu trabalho publicado, coisa

que ocorreu apenas no ano de 1979. Além de ser a primeira publicação com a intenção de

produzir um “compêndio para fonte de consulta sobre o Território” (SOUZA, *s.d.+,

Apresentação) o estudo do livreto Roraima fatos e lendas permite verificar, a partir dos

dados nele contidos, quais eram as informações consideradas relevantes para o poder

público em Roraima sobre aquele lugar na década de 1970.

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No conjunto, estas obras da historiografia memorialista de Roraima dizem muito

sobre a sociedade em que se produziram, tanto pelo lugar social de seus autores como pelas

características próprias de sua produção, como ensina Certeau (2007, p.66). O conteúdo

expresso nesses trabalhos, a forma como se apresentam, os detalhes revelados e ocultados

de cada evento abordado, os objetivos, declarados ou não, para a publicação de cada um

deles, bem como outros elementos contidos em cada obra, dão conta de uma percepção

específica do passado comum, da vida política e da organização do poder em Roraima que se

pretendeu perpetuar através do registro e publicação. Desse modo, seu estudo pode

desvelar modelos de relação com o passado bem como da organização política que se tinha

e pretendia para a sociedade roraimense, sendo bastante útil numa investigação sobre

determinada memória.

Com apenas uma exceção – A história política e administrativa de Roraima, 1943-

1985 – estes trabalhos apresentam a característica de almanaque: neles se pode encontrar

desde informações sobre as “primeiras expedições” de europeus pelo rio Branco até

descrições da flora e da fauna locais. Também trazem dados sobre os principais acidentes

geográficos existentes no território a que pertence Roraima, informações sobre os povos

indígenas, lendas, poemas, dados sobre os elementos da infra-estrutura disponível na

capital, Boa Vista, listas de governadores e prefeitos, etc. O formato desses livros não

permite que sejam considerados efetivamente como “didáticos”: trata-se de brochuras

pequenas, em 12x22cm, que não possuem a clássica divisão de unidades e capítulos, não

seguem organização cronológica nem apresentam imagens ou atividades de fixação, como

seria comum em livros de destinação didático-escolar. Apesar disso, é freqüente e

importante o seu emprego como fonte didática em Roraima.

O livro Geografia e História de Roraima, por exemplo, teve, no fim do ano de 2007,

um trecho empregado como texto introdutório de uma das nove questões de História do

Vestibular 2008 da Universidade Federal de Roraima. O trabalho de Olavo Viana Braga é

indicado como leitura “importante para o conhecimento de Roraima”, pelo professor de

Direito Constitucional Jorge Barroso, da Faculdade Cathedral, em sua página na web

(BARROSO, 2007). O Hino de Roraima, de autoria de Dorval de Magalhães, vem impresso na

contracapa de diários de classe distribuídos pela Secretaria de Educação do Governo do

Estado aos professores, bem como dos cadernos distribuídos aos estudantes da rede

pública, garantindo projeção, neste meio, ao livro de autoria de Dorval, Roraima,

informações históricas. Também na Biblioteca Pública de Roraima, este livro, junto do

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trabalho do professor Ferreirinha, se destaca em relação aos demais que tratam de Roraima,

devido ao grande número de exemplares disponíveis.

A persistência do uso dos livros de memorialistas como fonte didática, ocorrendo

inclusive em preterimento à historiografia acadêmica, remete ao fato, já explicado por

Hobsbawm (1997a), de que a história ensinada nas escolas não é uma simplificação da

história acadêmica e que muitos são os usos dessa disciplina com vistas à “justificação para

causas e movimentos”. O autor mostra que o ensino de história no meio escolar pouco tem

a pretensão de levar o aluno à compreensão da sociedade em que vive, apresentando-se,

antes de tudo, de forma a que “o aluno aprove-a, orgulhe-se e se torne bom cidadão” (idem,

p. 47-48). Diante disso, é correto dizer que, na historiografia empregada como recurso

didático, pode-se buscar as estratégias discursivas articuladas por determinado grupo para

“promover a construção da identidade social, articulada com as necessidades sociais de um

comportamento cívico vigente no momento histórico” (CERRI, 2006).

Segundo Pollak, a formação de uma identidade coletiva ocorre com a definição de

três elementos: o espaço definido pelas fronteiras físicas, a continuidade da coletividade

dentro do tempo físico, moral ou psicológico e o sentimento de coerência, que confere a

ideia de unidade a essa mesma coletividade (POLLAK, 1992). O que pretendo demonstrar é

exatamente de que modo essa historiografia se ocupa, em seu conteúdo, da definição

desses três elementos.

O primeiro ponto a se considerar é o contexto em que surgem as obras estudadas: a

partir dos anos de 1970, a expansão da frente pioneira exacerbava a conformação da região

amazônica como espaço de fronteira, marcado pelo conflito e pela precariedade das

relações sociais ali estabelecidas (MARTINS, 1997). Essa situação de mudança é propícia para

o surgimento de um processo de negação e invenção de tradições, explicado por Hobsbawm

(1997b) como o estabelecimento de uma relação artificial com o passado, geralmente como

reação de parte de uma sociedade a mudanças significativas no seio desta. A artificialidade

dessa relação aparece no modo como situações anteriores são abordadas e na promoção da

“repetição quase obrigatória” dessa abordagem, levando ao estabelecimento de uma versão

própria do passado.

No caso de Roraima, um conjunto de políticas e obras públicas impactou de modo

significativo o cotidiano de quem vivia no Território Federal, permitindo que, em vinte anos

– entre o início da década de 1970 e o final da década de 1980 –, o total da população no

Território Federal de Roraima passasse de 40.885 para 217.583 habitantes. A chegada de

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migrantes de todos os lugares do Brasil – e a conseqüente alteração do cotidiano do

Território e da cidade de Boa Vista – trouxe à tona a questão da identidade roraimense.

Nesse contexto, o apelo do grupo denominado de "filhos da terra" à história escrita para

diferenciar-se dos demais habitantes é um exemplo de invenção de tradição que deve ser

considerado como uma ação direta em busca da formação de uma identidade local. Seu

estudo pode oferecer, portanto, pistas de como se constituíram, em Roraima, as disputas

concernentes à configuração da memória e da identidade coletivas.

Sem exceção, as obras estudadas fazem referência à “conquista” de Roraima,

“descoberto há apenas 250 anos” (FREITAS, 2001, p.88). Desse modo, o ponto de partida

para a história daquele lugar, em todos os trabalhos analisados é, invariavelmente, a

chegada dos europeus à região, inscrevendo esses trabalhos numa longa tradição

historiográfica amazônica inaugurada por Arthur Cezar Ferreira Reis. Citado textualmente

pelos autores, Arthur Cezar Ferreira Reis é referência principal para os autores da história de

Roraima, que situam a “conquista do rio Branco” como obra iniciada pelas “expedições” de

grandes desbravadores. Personagens como Francisco Orellana, Sir. Walter Ralleigh, Pedro

Teixeira, Lourenço Belford, Alexandre Rodrigues Ferreira e Lobo D’Almada, entre outros,

desfilam nas páginas como atores importantes da conquista de Roraima.

Ainda que o professor Ferreirinha já tenha empregado esse recurso em seu trabalho

(o primeiro a ser publicado), é Dorval de Magalhães quem consolida essa abordagem de

valorização dos desbravadores, a quem, na pessoa de João Capistrano da Silva Mota

(“primeiro prefeito de Boa Vista do Rio Branco”), Dorval de Magalhães (1986) dedica seu

trabalho. O apelo das expedições para iniciar um livro de história de Roraima segue de modo

tão intenso que, mesmo num trabalho que se ocupa apenas do período em que vigorou o

estatuto territorial (A História Política e Administrativa de Roraima 1943 a 1985), o autor,

Aimberê Freitas (1993) aborda, em seu primeiro capítulo, as “Aventuras e Conquistas”,

traçando uma descrição das principais expedições europeias à região amazônica.

Mesmo que inscrita numa tradição historiográfica anterior, a implicação desta

abordagem não pode ser ignorada: ao tratar da história de Roraima como a “conquista de

um lugar” feita por expedições europeias, a historiografia memorialista local repete a

projeção de uma sombra sobre as populações indígenas desde antes ali presentes

(MONTEIRO, 1999) e os situa como alheios à coletividade que então se instalava. Não seria

justo, entretanto, afirmar que esses trabalhos desprezam a presença indígena no decorrer

da história de Roraima. Sua postura diante desse elemento é ambígua. Se por um lado é

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explícita a posição dos autores contra a demarcação de terras indígenas, entendida como

“fator drasticamente limitativo do crescimento econômico” de Roraima (BRAGA, 2002,

p.95), por outro, contemplam importantes referências aos indígenas, valorizando suas

“contribuições culturais” para a formação de Roraima. Entre diversas passagens que

poderiam ser arroladas como exemplos dessa aparente contradição, destaco aquela em que

Dorval de Magalhães lamenta a demarcação de terras indígenas, afirmando que estes são

aculturados e que, apesar disso, “em cada documento, em diferentes artigos, as referências

são sempre a índios, índios, índios...”. O autor afirma, em seguida, que “seria edificante se,

ao invés de intriga, animosidade, discórdia, muros, cercas, parques, fosse proclamada a

confraternização dos habitantes do solo pátrio...”. Apesar disso, Dorval de Magalhães

destaca em seu livro as lendas “do monte Roraima”, “da mulher abelha” e “da zarabatana”,

que teriam sido coletadas entre os índios macuxi além de publicar uma lista de vocábulos

indígenas, muitos dos quais defendeu como alternativas para substituição de topônimos

locais (1986, passim).

A ambiguidade cresce nos textos de Aimberê Freitas. Em Geografia e História de

Roraima, usa um discurso sutil para expor a mesma opinião de Dorval de Magalhães em

relação às disputas por terra entre fazendeiros e indígenas. Ainda que afirme que “os

fazendeiros adotaram com os índios uma relação de patrão/empregado” e admita que “com

a formação da nova classe denominada fazendeiro a situação das terras que durante

milênios haviam sido ocupadas pelos índios foi alterada definitivamente”, ressalta que a

Igreja e o Estado “assistiram a isso imobilizados” (FREITAS, 2001, p.134). Para finalizar,

afirma que Pedro Álvares Cabral está para o Brasil assim como os “primeiros moradores

(brancos) que aqui chegaram” estão para Roraima e por isso questiona ao leitor: fora o

lusitano descobridor ou invasor? (idem)

A maneira específica como esta historiografia trata o indígena está bastante

relacionada com o conflito entre fazendeiros e indígenas em Roraima e o recrudescimento

desse conflito na segunda metade do século XX. Esses livros podem mesmo ser lidos e

interpretados como a voz dos fazendeiros acerca da questão. Sem querer aprofundar-me

nesse aspecto, considero importante recordar que a identidade coletiva é composta por

regras que, baseadas na imagem de si para si mesmo e para os demais componentes do

grupo, definem o “nós” e os “outros”. Nesse sentido, a ambigüidade dessa historiografia em

relação aos indígenas é um indício do entendimento de que estes, apesar de próximos,

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habitando (e disputando) o mesmo espaço que os roraimenses, continuam sendo um outro

para a coletividade que se pretende afirmar através desses livros de história5.

Outro aspecto comum a todos os livros estudados é o de se proporem a realizar uma

descrição do meio natural de Roraima. A percepção registrada sobre esse espaço é bastante

reveladora, uma vez que o mesmo é descrito de forma recorrente como um espaço

geográfico privilegiado e peculiar dentro da Amazônia. Assim, os “os lavrados, não

conhecidos dos visitantes que chegam de outros lugares da Amazônia” (FREITAS, 2001,

p.11), são apresentados como

uma paisagem verde, que numa visão do alto é cheia de encantos, num panorama empolgante. Aparecem lagos de todos os feitios e tamanhos, no meio de uma gramínea verde entrecortada por palmeiras em filas infindas que, em cortejos, acompanham o curso dos igarapés (SOUZA, [s.d], p.9).

Essa descrição é fruto de uma estratégia sutil para a reafirmação de um aspecto identitário,

afinal, ao destacar o lavrado no espaço geográfico de Roraima, ignora-se a maior parte de

seu vasto território, em que a vegetação predominante é a florestal.

Também emerge, junto da descrição do meio natural, a ideia de “vocação do lugar”,

que possui longa tradição historiográfica e econômica. Desse modo, a exaltação dos

“encantos naturais” da paisagem de Roraima no contexto amazônico é apresentada

ressaltando-se que “a notável pradaria *...+, a perder-se de vista, ditou, sem dúvida, a

vocação da pecuária regional” (MAGALHÃES, 1986, p.12), uma vez que os

campos, contínuos e limpos, [...] sem preparo nem trabalho algum, próprios para a criação de gado bovino, caprino e ovino, apresentam-se com uma forma quase quadrilateral, com as dimensões de 200 quilômetros de norte a sul, por 180 quilômetros de leste a oeste. (SOUZA, [s.d], p.9)

Assim, é razoável admitir que o destaque para os campos gerais não se dá apenas

pelo que há neles de peculiar, mas porque remetem às regiões tradicionalmente ocupadas

pela pecuária naquele rincão. Outro fator importante a se ressaltar sobre isso é que, ao

caracterizar esses campos naturais, localizados no centro do mapa, como “vocacionados”

para a pecuária, nega-se outros possíveis usos daquele mesmo espaço, que já era ocupado

por indígenas muito antes da chegada do gado bovino àquelas paragens.

Como se vê, a descrição do espaço físico por essa historiografia também denuncia a

sua intencionalidade em produzir certa identidade para Roraima. Sabe-se que o terreno da

5 Para aprofundamento nessa questão, Cf. os trabalhos de Jaci VIEIRA (2007) e Raimundo SANTOS

(2003), que discutem a figura do índio na historiografia de Roraima.

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memória e da identidade é movediço, uma vez que esses são dois valores sujeitos a

construção, manutenção e reconfiguração, processos sempre permeados de conflitos. Por

esse prisma, a historiografia aqui abordada é identificada como um instrumento de luta de

determinado grupo social para divulgar e estabelecer uma percepção específica de como

deve ser essa composição identitária.

Se o espaço natural de Roraima descrito por esse grupo é limitado, em grande parte,

aos lavrados, não se pode deixar de perceber a relação estabelecida entre essa

caracterização e o indubitável destaque que a mesma historiografia dedica a Manuel da

Gama Lobo D’Almada dentre os “conquistadores” de Roraima. O Governador da Capitania

de São José do Rio Negro teria “antevisto na beleza do manto verde configurado pelas

campinas roraimenses, a possibilidade de uma vantajosa colonização nas atividades

pastoris” (SOUZA, *s.d+, p.27). Assim, configurado pela historiografia memorialista como “o

responsável pela introdução do gado bovino nos campos de Roraima”, Lobo D’Almada

aparece como grande fundador daquela atividade econômica que permitiu que, no entorno

dos rios Tacutu, Uraricoera e Branco, em meados do século XIX, se instalassem e se

consolidassem grandes fazendas de gado bovino.

Nesses livros, a figura dos “pioneiros” emerge como importante tentativa de

estabelecimento de um mito criador. Caracterizando a si e aos seus descendentes como tais,

Dorval de Magalhães dedica o seu trabalho “aos demais desbravadores”. Não é a toa que em

seu livro os “pioneiros” recebem atenção especial: constam do trabalho a genealogia das

“primeiras famílias”, o sobrenome de “alguns que passaram” por Roraima em fins do século

XIX e outros que, chegados ainda nas primeiras décadas do século XX, “também deixaram

vários descendentes” (1986, passim; grifos meus).

Grandes criadores de gado, os “pioneiros” são figuras destacadas, não apenas por

sua ligação com a pecuária, mas também por terem constituído família em Roraima e

participado da organização do poder local. São as chamadas famílias tradicionais, formadas

por Inácio Lopes de Magalhães, apresentado como criador da “primeira fazenda de gado

particular”, que teria dado origem à cidade de Boa Vista, e por João Capistrano da Silva

Mota, o primeiro prefeito da cidade. Ao lado destes, recebem relevo nas obras os nomes de

Bento Ferreira Marques Brasil e Alfredo Venâncio de Souza Cruz. Estes homens fazem parte

de um tempo que os autores chamam de “Roraima de ontem,” situado antes da criação do

Território e caracterizado, em todas as obras, como um tempo em que se vivia “num estado

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de abandono” (SOUZA, *s.d+) devido às grandes dificuldades de abastecimento e

comunicação com o restante do país.

Ainda que tais livros não tratem diretamente desse fato, os fazendeiros tradicionais a

que se referem como pioneiros formaram dois grupos em torno de grandes domínios de

terra e passaram a disputar, entre si, o controle do poder local, que, de 1890 até 1943, se

traduzia pelo cargo de prefeito do município amazonense de Boa Vista do Rio Branco. A

partir da primeira metade do século XX, no entanto, com a diminuição dos mercados do

Amazonas, em decorrência da crise da economia gomífera, a atividade pecuária começara a

entrar em crise e, segundo Freitas (2001), do total de 300 mil cabeças de gado, restavam, ao

fim do período, pouco mais de 120 mil, evidenciando um importante esgotamento

econômico.

No ano de 1943, a federalização do Território foi responsável por alterar de modo

significativo a organização do poder local: nesse momento de reestruturação política da

administração pública em Roraima, criou-se o cargo de governador do Território, indicado, a

princípio, pelo presidente da República, posteriormente, pelo ministro do Interior. No caso

do prefeito, que desde os anos iniciais do século XX era escolhido habitualmente entre

representantes da tradicional elite ligada à pecuária, extinguiu-se o direito de escolha:

segundo o estatuto territorial, nos dois únicos municípios do Território Federal do Rio

Branco, Boa Vista e Caracaraí, o ocupante do cargo também assumiria por indicação política,

nomeado pelo governador. Tal situação permaneceu inalterada até o ano de 1985, alijando

das disputas políticas, ao menos temporariamente e para o primeiro escalão do poder

executivo local, os dois grupos que até então dominavam a cena no Município de Boa Vista

do Rio Branco (SANTILLI, 1994).

Nessas condições, parece sintomática a preocupação destas obras em marcar um

lugar para as chamadas famílias tradicionais, que já constituíam uma elite consolidada do

ponto de vista do poder econômico e político, mas relativamente em crise, como se pode

verificar quando considerado o contexto apresentado. Em nova situação política, por causa

da federalização e diante do crescimento populacional que começava a se esboçar de modo

mais efetivo, a partir dos anos de 1970, a elite local começou a recorrer de modo continuado

a um elemento discursivo importante para a definição do “nós”: a figura do “filho da terra”.

Esse termo, bastante empregado nas notícias do Jornal Boa Vista, ao qual darei destaque no

capítulo dois desta dissertação, também aparece insistentemente na historiografia

estudada. Com exceção do professor Ferreirinha, todos os autores se intitulam “"filhos da

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terra"”, mesmo que, a exemplo de Aimberê Freitas, não sejam descendentes diretos

daquelas famílias mais tradicionais.

Quando me refiro, neste estudo, ao grupo dos "filhos da terra", não ignoro que,

apesar de inicialmente identificados como descendentes das famílias tradicionais – e,

portanto, dos já citados pioneiros, estreitamente relacionados com a pecuária no território,

a exemplo do que afirma Reginaldo Oliveira (2003) –, a ele também foram incorporados, no

decorrer do tempo, descendentes de famílias ligadas ao comércio e ao funcionalismo

público. Mesmo assim, a definição do “filho da terra” parte de um grupo social muito

peculiar, que pode ser caracterizado como parte integrante da elite local, ao qual Oliveira

denomina “elite tradicional”. As regras de pertença a esse grupo foram se delineando

devagar e, diante do que apresento a seguir, pode-se perceber que, se por um lado não

basta ter nascido em Roraima para ser acolhido como filho da terra, por outro, o fato de não

ter nascido ali também não implica, necessariamente, em exclusão por definitivo do grupo.

Como já foi aqui demonstrado, seja pelo fator temporal (os "filhos da terra" se

estabelecem a partir dos pioneiros, ou seja, somente depois das expedições), seja pela

atividade econômica que exercem (a administração ou propriedade de grandes fazendas de

gado), a historiografia memorialista destaca a diferenciação entre pioneiros e aqueles que já

habitavam a região antes do processo de colonização. Desse modo, os indígenas são

excluídos do grupo de "filhos da terra", mesmo tendo nascido em Roraima. Uma justificativa

para isso pode estar no fato de que foi exatamente durante o período em que surgem os

livros aqui estudados que se acirrou, em todo o Brasil e especialmente em Roraima, a

organização da luta por direitos dos indígenas6.

Além da crescente organização política dos indígenas, nas últimas décadas do século

XX, outro fator gerou incômodo naqueles homens cultos, filhos de famílias tradicionais e

devotados ao serviço público naquele rincão esquecido, para que dessem vazão, por meio

de seus trabalhos, ao desejo de afirmar ou reafirmar uma identidade com base na

valorização daquilo que compreendiam como sendo as “tradições locais”. Com poucas

6 No fim dos anos de 1970, segundo Manuela Carneiro da Cunha (1998), pela primeira vez se organizou

uma efetiva política indígena articulada em nível nacional. Completando o processo de alianças, os indígenas buscaram parcerias na luta por direitos a terra e educação, encontrando-as junto a setores da Igreja Católica, em organizações não-governamentais de cunho social e ambientalista e em parte da intelectualidade ligada às universidades. Em Roraima, pode-se verificar que a resistência indígena em termos clássicos teria mesmo ganhado corpo a partir daqueles anos, pois, se é verdade que os contatos inter-étnicos entre os diversos grupos nativos da região já eram intensos, desde as primeiras entradas européias na região do Vale do Rio Branco, não havia notícia de uma união entre eles para resistir organizadamente à entrada dos colonizadores. Como apontou Cunha, esse processo significou uma importante mudança nas formas de participação política dos grupos indígenas. Para saber mais sobre a organização indígena ver CUNHA (2008) e SOUZA (2005).

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exceções, pode-se identificar que aqueles que chegaram “de fora” naquele momento foram

rejeitados no grupo dos "filhos da terra". São dois os argumentos identificados nas obras

para justificar essa rejeição: contra os que vinham de passagem para ocupar cargos de

mando na administração territorial, possuindo poder e, portanto integrando forçosamente a

elite local, pesava o fato de que não sabiam respeitar os “valores tradicionais” de Roraima.

Contra os que vinham para ficar, mas não tinham poder político nem econômico, pesava a

responsabilidade pelos problemas de organização da vida cotidiana do Território.

Portanto, motivações políticas e econômicas permearam a tomada de postura dos

"filhos da terra" em relação aos novos migrantes. No primeiro caso, o das motivações

políticas, verifica-se o registro, em diversas passagens dessas obras, do anseio de parte da

sociedade local em ter um “filho da terra” à frente do governo territorial, opondo-se à

presença daqueles que ali “caíam de pára-quedas”. Ao fazer referência à eleição para

prefeitos no ano de 1985, por exemplo, Dorval de Magalhães lamentou que esta só tenha

voltado a ocorrer “depois de mais de quarenta anos de prefeitos nomeados” (1986, p.15). O

mesmo sentimento está presente nas memórias de Olavo Viana Braga: ainda que ressalve a

importância dos “investimentos diretos promovidos pelo governo da União”, o autor se

queixa da “limitada autonomia administrativa” do Território Federal, que, devido à indicação

de governadores e prefeitos, não podia escolher seu governante entre os políticos locais

(2002, p.81).

Se, nessas afirmações, o descontentamento com as indicações de governadores e

prefeitos “de fora” é sutil, na obra de Aimberê Freitas ele emerge de forma virulenta.

Apenas em seu primeiro livro, encontram-se, em oito passagens diferentes, claros sinais de

ressentimento por causa do afastamento da elite local dos cargos de mando político. É o

caso, por exemplo, de quando o autor afirma que Jânio Quadros teria impedido o

governador Djacir Arruda (1961) de escolher, “dentre os homens da terra, seu Secretário

Geral” (FREITAS, 1993, p.91). É importante salientar que essa rejeição nunca se apresenta

diretamente contra a figura do governador indicado: o que se critica ou se elogia é a

capacidade do governador de absorver “os "filhos da terra"” em sua equipe de trabalho:

Após sua nomeação, o governador Arídio Martins buscou [...] os conhecimentos que lhe faltavam sobre o Território. De fora, o governador trouxe apenas três pessoas [...] os demais cargos foram preenchidos em Boa Vista, com o pessoal local [...] era um verdadeiro exercício de democracia (FREITAS, 1993, p.206).

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A ideia que permeia avaliações assim é a de que, sem o auxílio direto dos "filhos da

terra", um desconhecido não poderia governar bem o Território. Esse nativismo aparece de

modo bastante explícito quando o autor afirma que

as equipes do governo, quase sempre estranhas ao Território, não tinham conhecimento das tradições locais, por isso, quase sempre, as tradições e os valores locais eram violentados ou desrespeitados (FREITAS, 1993, p.147).

Ressalto, no discurso de Aimberê Freitas, a distinção traçada entre um governo com a

participação dos "filhos da terra" e um governo sem essa participação: o primeiro seria

democrático porque feito por pessoas que conheciam o Território, já o segundo, com

pessoas estranhas, era formado por gente capaz de desrespeitar e “violentar” as “tradições”

e “valores locais”. Ainda que, no tópico seguinte, vá me ocupar da peculiar concepção de

política presente nessas obras, não posso deixar de destacar, neste momento, que, de

acordo com a diferenciação proposta, governos indicados durante o respiro democrático de

1946 a 1964 foram justamente aqueles que, devido à ausência de "filhos da terra" em seus

quadros, podem ser caracterizados como “violentos” contra os costumes de Roraima, e,

entre os governos mais “democráticos”, situa exatamente aqueles governadores indicados

pela Aeronáutica durante o Regime Militar. Desse modo, no que diz respeito às definições de

“governos violentos” e “prática democrática”, a historiografia memorialista de Roraima

acaba por contradizer boa parte da historiografia nacional.

O discurso hostil à presença dos de fora não é restrito, no entanto, às disputas pelo

poder executivo no Território. Uma vez definido que os "filhos da terra" são aqueles que

conhecem e respeitam os valores e as tradições locais, esses memorialistas reafirmam sua

autoridade para escrever sobre a História de Roraima e, dessa maneira, reservam para si o

direito de definir quais são as “tradições e valores locais” que se devem guardar.

Outro aspecto que registra a rejeição aos que chegavam aparece no discurso sobre a

migração das décadas finais do século XX, em grande parte por conta dos problemas

econômicos advindos dessa mudança, já que os autores retratam o grande crescimento

populacional como responsável por mudanças que deterioraram a qualidade de vida

daqueles que já estavam em Roraima. Os migrantes são apontados como causadores de

problemas que vão desde o surgimento de desequilíbrios ambientais até o estreitamento do

mercado de trabalho e a diminuição da renda no Território. Dorval de Magalhães, por

exemplo, refletiu sobre o crescimento da cidade em dois poemas:

A paisagem será outra,

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Os cenários diversos O som das cataratas mudará Há uma transformação! (...) O panorama é outro Vejo usinas, Turbinas, Gente que vai e vem...” (1986, p.116) “o que estamos preparando Sem qualquer antevisão É um mundo de coisas loucas Abismo de confusão Berço maldito de dor ANTRO DE POLUIÇÃO.” (1986, p.118)

Sempre mais contundente e direto, Aimberê Freitas também abordou o tema.

Explicando as dificuldades oriundas da “expansão urbana” dos Territórios Federais, afirmou

que

a chegada dos novos habitantes, quase sempre descapitalizados, e a indisponibilidade de estruturas industriais para a absorção dessa mão de obra, estreitou o mercado de trabalho e a renda passou a ser menor (FREITAS, 2001, p.118).

Chama a atenção nessa historiografia que, apesar de haver um descontentamento

com a chegada dos novos migrantes – a exemplo do que acontecia com os governadores que

não eram diretamente questionados em sua condição de “gente de fora” – não existem

críticas, nem diretamente aos governos militares nem à suas políticas de integração, grandes

responsáveis pela ocorrência do chamado boom populacional. Não se pode ignorar o caráter

elitista de tal abordagem, que se manifesta ainda quando as obras definem a

“desconfiguração” do desenho da cidade como consequência da chegada desenfreada de

novos habitantes. Os moradores de bairros mais centrais, que compõem o que Freitas

chama de “Boa Vista tradicional”, viram crescer problemas no trânsito, a violência, a

insuficiência da infra-estrutura urbana, devido ao surgimento da “Boa Vista da Zona Oeste”

(2001, p.60), ou seja, dos novos bairros surgidos em fins dos anos de 1970 e na década de

1980. Identifico aqui um caso importante de invenção de tradição, afinal, a ocupação da

parte da “cidade tradicional” a que se refere o autor sequer existia à época da elevação do

lugar a município, em fins do século XIX, a “tradição”, neste caso, foi desenhada no Plano

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Diretor de 1944, que incorporou novas áreas e que, apesar disso, somente veio a ser

estruturada a partir dos anos de 19707.

Considero significativo que existam, nas apresentações dessas obras, menções de

que Roraima tem “um povo ainda em formação” (FREITAS, 2001), para quem “a bibliografia

sobre esse assunto (história de Roraima) é ainda incipiente” (MAGALHAES, 1986). Marcada

por esse contexto de chegada em massa de migrantes, a iniciativa da publicação dos livros

presentes na historiografia memorialista é, em geral, justificada pelo desejo de atender à

necessidade que há por “fontes de consulta” (SOUZA, *s.d+), com a finalidade “de ajudar aos

estudantes de todos os níveis a conhecerem um pouco mais o Estado de Roraima” (FREITAS,

2001, Apresentação).

No entanto, existe, para além da intenção meramente didática dessas obras, a ideia

de que, por meio da História se pode fornecer elementos que ajudem a forjar uma origem

comum. Demonstrativo disso é a intenção declarada nessas obras de que pretendem servir

para “transmitir uma mensagem de confiança à Juventude de nossa terra” (MAGALHAES,

1986, p.5), mensagem que seria voltada também para que os “milhares de novos macuxis8,

que chegam diariamente à nova terra, encontrem as informações necessárias à

compreensão do que seja ser roraimense” (FREITAS, 1993, Apresentação).

Desse modo, pode-se verificar que, já nas apresentações das obras, os autores, ou

seus convidados, confirmam que tal história foi produzida num contexto de disputa pela

configuração identitária de Roraima. Sobre tal situação, nunca é demais lembrar que “o

poder de produzir, impor e nomear representações”, inclusive aquelas que fazem referência

a vivências passadas, “é repartido desigualmente em uma sociedade”, e que essa forma de

repartição do poder está na base da dinâmica da luta de representações, formada por

“diferentes estratégias simbólicas que se confrontam” (CHARTIER, 1991, p.183 e DOSSE,

2003, p.273). Suporte para as ideias dos "filhos da terra", tais obras se inseriram na luta de

representações que se estabeleceu pela definição do passado comum de Roraima. Essa

historiografia, produzida por roraimenses, que, sem dúvida, pensam apresentar sua própria

história, trata de produzir um importante mito de origem para Roraima, na figura do

“pioneiro”, de estabelecer e reforçar regras de pertença ao grupo de "filhos da terra" e por

7 Os lances que compõem o processo de reconstrução do espaço urbano da cidade de Boa Vista e sua

conformação enquanto grande monumento roraimense será abordado de modo detalhado no segundo capítulo.

8 Perceba-se que aqui o autor estende o significado da palavra “macuxi” para todos os que adotaram

Roraima para viver, não se referindo, portanto, aos indígenas que compõem a maior das etnias que habitam o Estado.

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fim ditar o que é digno de ser lembrado no processo que denominam de “conquista de

Roraima”.

A produção desses livros, bem como a veiculação de suas ideias, é uma das armas

empregadas pela elite mais tradicional de Roraima nas muitas disputas em que se viu

envolvida no contexto final do século XX. No interior dessas disputas, tal arma se faz

especialmente útil para garantir o direito de enunciar verdades sobre o passado comum e, a

partir daí, seguir definindo o significado de ser “filho da terra” roraimense.

1.3 - Os “males” da política e suas curas.

A história do Brasil republicano é marcada pela presença dos militares que tiveram

destacada e diversificada atuação política durante todo o século XX9. Ao me ocupar das

representações de política e de poder presentes nos livros estudados, foi importante atentar

para o modo como registraram a presença constante dos militares também na história de

Roraima. O que se pode perceber no estudo da historiografia memorialista de Roraima, são

complexos mecanismos de relação entre militares e os descendentes civis das chamadas

famílias pioneiras, estabelecidos em torno da constituição de um mito fundador. José Murilo

de Carvalho (1990) lembra da importância de referenciais simbólicos pré-existentes,

formando uma comunidade de sentido, para que se consolide determinada tradição. Com

isto em vista, foi possível observar a imbricação da figura do pioneiro, pecuarista, instalado

nas fazendas do lavrado, com a figura genérica do militar, não apenas na historiografia,

sobre a qual me deterei neste momento, mas também em outros domínios, compondo uma

memória bastante específica em relação a esses dois grupos.

No caso da historiografia, é característica flagrante a exaltação dos militares que

passaram por Roraima. No livro de Dorval de Magalhães, o último tópico da parte intitulada

“Roraima de ontem” é dedicado aos “militares do passado” e se inicia com uma declaração

de “admiração” por aqueles que, “desde o tempo do Império (português) alargaram o Brasil

para o oeste”. Ainda nesse tópico, o autor faz uma forte exortação à obediência: “Roraima e

seu povo têm o mais justo dever de devotar respeito e acatamento às Forças Armadas do

Brasil num preito de autêntico reconhecimento” (1986, p.75).

9 José Murilo de Carvalho (2005) se ocupou, em distintos momentos, da participação militar na vida política

brasileira, criando desse modo um quadro importante para que se possa compreender também as alterações de imagem pelas quais os militares passaram no decorrer de sua história no Brasil.

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Para além do contexto específico do Regime Militar, ao qual me deterei

posteriormente, creio que um dos fatores a explicar a postura de Dorval de Magalhães e dos

demais autores diante dos militares é o fato de que, enquanto se esforçavam para

estabelecer um mito de origem para Roraima na figura do “pioneiro”, os membros da elite

tradicional de Roraima encontraram um aliado poderoso e com bastante experiência na

invenção de tradições, o Exército Brasileiro (CASTRO, 2002).

Essa ligação começou a se efetivar no ano de 1975. Naquele ano, quando o Forte São

Joaquim do Rio Branco completaria 200 anos10, o Exército Brasileiro, por iniciativa de seu 6º

Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), lançou proposta de preservação de sua

memória, publicando o artigo “Forte São Joaquim do Rio Branco: Sentinela do Brasil no

extremo norte nos séculos XVIII e XIX”, na Revista Militar Brasileira (GOMES FILHO, 2008). A

partir daí, o Forte São Joaquim tornou-se um eixo capaz de articular o interesse convergente,

em fins do século XX, entre a elite tradicional de Roraima e o Exército Brasileiro, afinal,

quando se propunha que a valorização do Forte era “sagrado dever cívico para o Governo e

Povo roraimense e uma prestação de contas para as futuras gerações daquele território”

(BENTO, 2003, p.86) elevava-se aquela antiga construção à categoria de marco para a

presença não-indígena na região do vale do Rio Branco e, conseqüentemente, garantia-se a

antiguidade não apenas dos militares em geral, mas também dos civis “"filhos da terra"”,

que já pleiteavam para si a condição de descendentes de antigos capitães do Forte.

Diversas ações envolveram o Exército e a elite tradicional em Roraima, tanto com o

sentido de reconstruir e preservar o Forte como no sentido de “resgatar seu valor histórico”.

Destaco apenas dois exemplos: no ano de 1986, articulados com o Museu de Integrado de

Roraima, a prefeitura de Boa Vista, o Exército e outras instituições foram signatários da

“Proposta pré-eliminar [sic] para a reconstrução do Forte São Joaquim.” Em 1988, em

reunião realizada no 2º Batalhão Especial de Fronteira (BEF), surgiu a “Associação para a

Restauração do Forte São Joaquim”, presidida por Dorval de Magalhães e com

representantes do Lions Clube de Boa Vista, da Secretaria de Planejamento do Governo de

Roraima e de outras instituições (GOMES FILHO, 2008).

10

O Forte São Joaquim começou a ser construído em nome de Portugal, à margem esquerda do Rio Tacutu, à altura de seu entroncamento com o rio Uraricoera, na formação do Rio Branco a partir do ano de 1775. No século XIX, justamente quando cresciam as fazendas de gado particular naquela região, foi paulatinamente abandonado, até que, no ano de 1944, foi desmontado fisicamente, com suas pedras servindo à construção da Fazenda São Marcos, de propriedade, naquele momento, Serviço de Proteção aos Índios. Vf. GOMES FILHO (2008) e SOARES (1972).

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Ao observar que destacamentos militares diferentes tomaram iniciativas com vistas a

valorizar o Forte, Gomes Filho aponta para a possibilidade de haver interesses distintos, mas

não necessariamente excludentes entre si: o 6º BEC pretenderia destacar seu valor como

obra da engenharia colonial e o 2º BEF trataria de ressaltar seu papel como protetor da

fronteira do extremo Norte. Como um mês depois da fundação da Associação para a

Restauração do Forte São Joaquim, em julho de 1988, o Comando de Fronteira de

Roraima/2º Batalhão Especial de Fronteira recebeu a denominação de “Batalhão Forte São

Joaquim”, o autor entende que, para o Exército, o segundo aspecto teria sido considerado

mais importante.

Ainda que esse detalhe sirva para demonstrar que a constituição de determinada

memória não ocorre isenta de conflitos, creio ser mais importante observar que,

independentemente da característica do Forte São Joaquim que se quisesse destacar, o

Exército Brasileiro, ao fomentar reuniões, festividades e homenagens para a valorização

daquela construção, demonstrou perceber sua utilidade para garantir o estabelecimento de

uma linha contínua na história da presença militar em Roraima.

Nesse sentido, a valorização do antigo forte como “guardião da fronteira”, que se

efetivou não apenas na nova denominação do BEF mas também em toda a historiografia

memorialista, atendeu a duas aspirações distintas e, naquele momento, complementares,

pois se por um lado tem um poder simbólico de garantir antiguidade e pioneirismo às

famílias tradicionais, também transmite uma mensagem que une os militares do passado

mais remoto, ou seja, os primeiros capitães do Forte, ainda sob ordens da Coroa portuguesa,

aos militares de um passado bem mais recente, que, em nome da Segurança Nacional,

atuaram na Amazônia de modo bastante efetivo durante os anos do Regime Militar.

Concebida pelos autores como disciplina que conhece o passado para prover

possibilidade de planejamento do futuro, a história de Roraima contada nesses livros possui,

junto de uma visão elitista e da intenção de composição identitária, um importante

pragmatismo. Não é a toa que as obras afirmem pretender que “o conhecimento da terra e

de seus problemas” permita “desenvolver” Roraima. Dedicados, em geral, à “juventude

roraimense”, tais livros explicitam a postura de seus autores, de que somente com o

conhecimento dessa história se poderia “discutir e pensar os problemas de Roraima e do

Brasil.” (FREITAS, 2001, Apresentação). Para tanto, destacam entre outros motivos as

potencialidades naturais roraimenses, afirmando que os “recursos econômico-financeiros

alocados para projetos em Roraima estão menos sujeitos ao fracasso do que em outras

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regiões geofísicas” e que o Território seria atingido por “um surto de progresso” que o

elevaria a “Estado da Federação brasileira” (MAGALHÃES, 1986, p. 81).

Esse último trecho demonstra ainda que os autores, em geral, têm uma concepção

de tempo linear, pois tratam do passado de Roraima como uma sucessão de eventos, em

que as transformações que o levam da condição de município a Território e de Território a

Estado, parecem ser naturais, uma “conseqüência do desenvolvimento”. É, portanto, numa

história linear marcada por forte otimismo, que os livros da historiografia memorialista

retratam o passado de Roraima. Nessa linha evolutiva proposta por tal historiografia, pode-

se afirmar que, de modo informal, um marco temporal importante se estabeleceu: são os

“tempos do Território”. Este marco é caracterizado de modo mais flagrante nos livros do

professor Ferreirinha e de Dorval de Magalhães. De todo modo, cabe destacar que, ao

“Roraima de ontem”, dos “tempo antes do Território”, opõe-se o “Roraima de hoje”, que se

inicia exatamente com a federalização.

Além de ter servido como marco temporal, a condição de Território Federal a que

Roraima esteve submetido, entre 1943 e 1988, parece ser um tema político que inquietou os

autores de modo especial, tal o destaque que recebe em todas as obras. Sobre o processo

de federalização, por exemplo, surgem tópicos que discutem “O aparecimento dos

Territórios Federais Brasileiros” (FREITAS, 1993, p.18), a “Criação do Território Federal”, “Os

verdadeiros objetivos dos Territórios Federais” e “A natureza jurídica do Território” (BRAGA,

2002, p. 77-81) voltados para a descrição dos objetivos de criação dos Territórios Federais,

bem como da especificidade jurídica destes no contexto da Federação. A relação financeira

estabelecida entre o Território e a União foi abordada em um tópico específico, intitulado

“Famigerados Duodécimos” (FREITAS, 1993, p.142). Seu texto aponta as dificuldades

enfrentadas pelo funcionalismo público devido à forma como os recursos eram transferidos

do governo federal para o nível local. Há ainda grande destaque dado, sobretudo por Dorval

de Magalhães, ao processo que definiu “A mudança de nome” (1986, p.60), no ano de 1962,

de Território Federal do Rio Branco para Território Federal de Roraima.

Se é verdade que a força da tradição do recorte político administrativo pode explicar

a centralidade do tema “Território Federal” nessa historiografia, não se pode ignorar que tal

relevância também pode ser imputada ao impacto promovido pela federalização. Não é

demais lembrar que somente a partir da vigência do sistema territorial, foi que se instalou,

de fato, um aparato institucional de Estado em Roraima. Antes disso, o município possuía

apenas um núcleo administrativo na antiga sede, não tinha escola nem saúde pública, nem

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sequer contava com serviço regular de correios. Por isso, ainda que tenha verificado no

discurso dos autores um grande ressentimento no que diz respeito à forma como se passou

a definir os ocupantes do primeiro escalão, após a criação do Território Federal, não pude

encontrar sequer um indício de que a elite local tenha se oposto ao novo status de

organização. Tanto é assim que nessa historiografia, em geral, a criação do Território é

apontada como algo positivo, que veio atender “ao som de veementes apelos das

populações interessadas”, promovendo uma “euforia da população rio-branquense ao

tomar conhecimento da criação do Território Federal de Roraima” (BRAGA, 2002, p.78-79).

Os incrementos advindos junto com a ascensão à condição de Território Federal

também servem – ao lado da proximidade dos autores memorialistas com os militares, à

qual já aludi – para explicar o pequeno destaque dado, nas obras aqui estudadas, às

alterações políticas ocorridas a partir do Golpe de 1964. Não se pode considerar que a

retirada de João Goulart do poder tenha provocado, em Roraima, o mesmo impacto que

provocou em outras partes do país, uma vez que sua conseqüência mais direta – a deposição

do governador Assis Peixoto e a nomeação de Dilermando Rocha – ocorreu num contexto

em que as trocas de governadores territoriais não constituíam nenhuma novidade para a

população: no período anterior à instalação do Regime Militar – de grande instabilidade

política no executivo nacional –, quinze governadores indicados e mais de uma dezena de

interinos ocuparam o cargo por curtos intervalos de tempo.

Pelos mesmos motivos, explica-se o silêncio de tal historiografia acerca da edição do

segundo Ato Institucional (AI2) pelo presidente Castelo Branco, em 27 de outubro de 1965

(SKIDMORE, 1988, p.99), já que, em Roraima, a nomeação do governador (e dos prefeitos)

era norma vigente desde 1943. Desse modo, como em Roraima não se pôde imputar aos

governos militares nem a perda de autonomia administrativa nem as limitações do processo

de escolha dos representantes políticos para o poder executivo, é possível compreender que

tais fatos não tenham merecido destaque na historiografia memorialista.

Mesmo assim, na abordagem política da história de Roraima, a atenção dada ao

período do Regime Militar no conjunto dos livros dessa historiografia é impressionante.

Também impressiona a semelhança nas representações por eles projetadas sobre os

governos militares. Pode-se dizer que, em geral, as obras fazem um elogio ao Regime. O

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mais antigo desses trabalhos, produzido no último ano do governo de Emílio Garrastazu

Médici11, afirmava que

hoje, felizmente, começamos a experimentar as vantagens de um Roraima integrado na senda do desenvolvimento sócio-econômico e cultural (...) Sentimos as instituições federais funcionando em ritmo de Brasil Gigante (SOUZA, [s.d], p.46).

De fato, não se poderia imaginar um conteúdo muito distinto desse considerando-se

que o trabalho fora premiado pelo governo municipal de Boa Vista no ano de 1973. O que se

poderia esperar, então, de um outro autor, Aimberê Freitas, que faz questão de registrar sua

proximidade com o movimento estudantil no Rio de Janeiro e que afirma, em tom

ressentido, que seu livro de história de Roraima foi feito “sem nenhum apoio institucional ou

pessoal” e que tem a intenção de “provocar na nova geração, um sentimento de reação

semelhante à de gerações anteriores” (FREITAS, 2001, Apresentação)?

Não se espere nada diferente daquilo que fez Antonio de Souza. Ainda que vá me

deter no exame das relações estabelecidas entre estudantes e os governos militares em

Roraima apenas no decorrer do Capítulo III, vale registrar, neste momento, a incoerência

observada entre a postura que Aimberê Freitas afirma ter tido em 1968, no Rio de Janeiro, e

o que escreve, já depois do processo de redemocratização. Não se trata, para o ex-estudante

de medicina veterinária da UFF, apenas de distanciamento histórico. Apesar de narrar a

história da mutilação de conhecidos pela violência policial, que presenciara em 1968, contra

os estudantes no restaurante Calabouço e lamentar o fechamento da entidade de

representação estudantil em Roraima pelos militares, em 1964, Aimberê Freitas nunca foi

considerado oposição aos governos militares do Território, e é digno de nota que tenha sido

secretário do governo de Roraima, entre 1974 e 1979, quando o governador era o militar

indicado pela Aeronáutica, o Coronel Aviador Fernando Ramos Pereira. Parece sintomático,

portanto, que, em sua História de Roraima, Aimberê Freitas mantenha o elogio geral aos

governos militares e defenda que a “Revolução” foi responsável por “muitas mudanças” no

então Território, como a “permanência dos governadores por períodos mais longos”, uma

“nova fórmula de liberação dos recursos” e a “flexibilidade maior no orçamento”,

aprimorando o processo administrativo do Território, além de destacar a existência de

11

Depois de desempenhar funções de destaque no Serviço Nacional de Informações (1967-1969) e de comandar o III Exército (1969), Emílio Garrastazu Médici sucedeu a Junta Militar que assumiu o poder com o afastamento do ex-presidente Costa e Silva, tornando-se presidente da República. General Reformado do Exército, foi o terceiro presidente militar, governando entre os anos de 1969 e 1974.

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inúmeras obras de infra-estrutura que, somente naquele período, teriam desenvolvido

Roraima (1993, p. 160).

Em geral, nas obras aqui sob estudo, verifica-se a preocupação dos autores em

demonstrar que o desenvolvimento não era algo para um futuro distante, mas que já teria

começado. As afirmações de que “todos os governadores que aqui passaram fizeram algo

para o melhoramento da terra e do seu povo”, que Boa Vista era capital “das pontes sobre

rios caudalosos e das ruas asfaltadas” (SOUZA, *s.d+, p. 38), possuidora de “infra-estrutura e

desenvolvimento urbano” (MAGALHÃES, 1986, p.81) são uma mostra do otimismo ufanista

que dá o tom geral aos trabalhos. A única ressalva aparece no mais recente dos livros

estudados, o trabalho de Olavo Viana Braga (2002), que já aborda temas como a destruição

da fauna e flora locais, deplora o desaparecimento de lagoas naturais que existiam em Boa

Vista antes da expansão urbana, por exemplo. Ainda que as lamente, Viana Braga apresenta

as mudanças ambientais como necessárias ao desenvolvimento. Esta faceta de seu discurso

pode ser interpretada, portanto, apenas como uma adaptação da sua escrita ao acirramento

das discussões sobre as mudanças ambientais no planeta.

O que se observa é que os autores repetiam o discurso oficial dos governos militares

para Roraima até mesmo na forma. Dividir a história de Roraima em Roraima de Ontem e de

Hoje foi uma estratégia empregada com relativa freqüência nas reportagens do Jornal Boa

Vista para divulgar obras dos governos militares no Território. O otimismo presente nessa

historiografia é, como apontou Carlos Fico (1997), uma permanência de longa tradição na

historiografia brasileira e foi largamente empregado pelos militares em sua propaganda. Por

isso, não se pode ignorar que, ao apontar para um futuro promissor que já havia começado,

os livros estudados são um dos diversos suportes que, em Roraima, ecoam a peça

publicitária do Regime Militar, que, na década de 1970, afirmava: “Até 1964 o Brasil era o

país do futuro, mas agora o futuro chegou.”

Por esses exemplos se vê que o tom positivo em relação ao Regime Militar na

historiografia memorialista é generalizado e independe da formação ou vivência política dos

seus autores. Foram encontradas, nos livros, referências a uma das principais justificativas

arroladas pelos golpistas de 1964 para apear João Goulart do poder: a necessidade do

expurgo da corrupção. Entre as expressões de pleno contentamento com as ações dos

militares, encontra-se a do professor Ferreirinha, que, com humor duvidoso, afirma:

“Gilberto Mestrinho teve seu mandato e direitos políticos cassados pela Revolução de 31 de

março, que chegou a tempo para banir esses raposos” (SOUZA, *s.d+, p.67).

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Essa afirmação, do banimento de “raposos” da vida política, aparece também nos

trabalhos de Aimberê Freitas e de Olavo Viana Braga, que defendem que os governos

militares acabaram com a “politicagem” existente no momento anterior. Tal ideia é

explicitada por Freitas (2001) quando este propõe uma periodização para a história recente

de Roraima. Nesta, divide a administração territorial (1943-1988) em três momentos. O

primeiro deles, de 1943 a 1964, fora, segundo o autor, marcado por

um modelo de gestão que foi prejudicial e impediu o desenvolvimento. Os governadores do Território eram nomeados pelo presidente da República por indicações políticas. No caso de Roraima, no início, foi o Senador Vitorino Freire, do Maranhão, o político que mais indicou pessoas para governar o Território. Depois, a influência passou para o Deputado Federal que o Território elegia e mandava para a Câmara Federal (FREITAS, 2001, p.115).

Para Freitas, essa fase se diferencia da seguinte na história de Roraima porque,

quando

coube à Aeronáutica a missão de governar o Território de Roraima, a partir de março de 1964, os governadores passaram a governar por períodos mais longos, receberam apoio maior do governo Federal e as ingerências políticas foram consideravelmente diminuídas (idem, p.116).

Freitas afirma que tais características marcaram a vida política de Roraima por vinte e

um anos, mas, após o fim do Regime Militar, na terceira fase,

com a chamada redemocratização do país e após a eleição indireta de Tancredo Neves à presidência da República (1985), o Território passou a ser governado, novamente, por pessoas indicadas por injunções políticas tal qual na fase inicial do Território (idem, p.117).

É relevante reconhecer que a proposta de periodização da história do Território

Federal de Roraima em três fases, feita por Aimberê Freitas, é original, pioneira em termos

de interpretação do passado histórico de Roraima. É também interessante observar que vem

sendo repetida, inclusive por trabalhos da historiografia acadêmica que abordam os

períodos mais recentes da história de Roraima, sem que se faça uma discussão sobre as

implicações desse tipo de proposição. Acredito que esta proposta de periodização não

chegou, até o momento, a provocar estranhamento ou desconforto, porque parte de uma

percepção bastante difundida, que caracteriza o Regime Militar como um período marcado

por grande quantidade de obras públicas, que garantiram um intenso desenvolvimento do

Território Federal de Roraima.

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Sabe-se que no Brasil a memória da ditadura militar tem sido bastante marcada pela

historiografia, havendo inclusive um ressentimento dos militares em relação a isso quando

afirmam que, aqui, a história foi contada pelos perdedores. Para além de todas as disputas

pela memória, não se pode negar que naquele período houve arbítrio, expurgos políticos,

censura, prisões e torturas, que não podem ser esquecidos e devem sempre ser execrados.

Mesmo que, como afirmei anteriormente, seja relativamente compreensível que a

historiografia memorialista de Roraima não reconheça o arbítrio como novidade implantada

pelo Regime Militar, não se pode negar que também em nível local esse período assistiu a

casos de violência, invasões de terras indígenas, perseguições a funcionários públicos, fatos

que, por si, negam a imagem de “tempo de ordem” que tal historiografia tenta imprimir.

Assim como é um equívoco da historiografia nacional não levar em consideração o

caráter autoritário e violento da sociedade brasileira e simplesmente incrustar o Regime

Militar entre dois momentos de democracia, tornando-o por contraste, ainda mais terrível,

também se deve atentar para o fato de que a proposição de Aimberê Freitas faz, em nível

local e com relação ao mesmo período, exatamente o movimento inverso: insere o Regime

Militar entre dois momentos históricos que caracteriza como improdutivos devido às

“ingerências políticas” que vinham a prejudicar a administração pública em Roraima.

Para propor que com o início do Regime militar “tudo melhorou” devido ao fato de

que os governadores tiveram “mais tempo para organizar, planejar e realizar [...] o governo

de Roraima”, Freitas não poupou esforços, calculando inclusive que “a média dos períodos

de governo do Território durante a fase aeronáutica foi de 35,71 meses, enquanto que, na

fase anterior a 1964, foi de apenas 15,8 meses” (1993, p.160). A essa proposição subjaz uma

noção simplória de que, pelo simples fato de os governadores permanecerem por mais

tempo a frente do cargo, houve “melhoria administrativa.” Tal interpretação recorda outra

simplificação presente no trabalho de Freitas, à qual já aludi anteriormente: a noção de que

o caráter democrático de um governo local se media pela participação de “"filhos da terra"”

na equipe governamental. Esta maneira de abordar a história local desconsidera todo o

contexto do Regime Militar e suas políticas específicas para a Amazônia, ignora a

interdependência entre os níveis de governo (federal, territorial e municipal) e, por

conseqüência, encobre o fato de que os governadores do Território, naquele momento,

estavam, de um modo ou de outro, no papel de executores locais dos diversos planos do

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Estado nacional militarizado para a Amazônia, como os PNDs e o Polamazônia 12, entre

outros.

Nessas proposições de Freitas, uma ideia muito peculiar de política se delineia: esta é

nociva ao bom desempenho da administração pública. A negatividade atribuída à política

aparece de modo mais claro quando se observa, por exemplo, como o autor caracteriza

momentos, governos e pessoas ligados à administração do Território Federal de Roraima.

Sobre o ano de 1960, afirma que, “até a posse de Jânio Quadros, em janeiro de 1961, foi só

política, não se fez mais nada de útil ou de prático pelo desenvolvimento do Território”.

Tratando do segundo mandato do governador Clóvis Nova da Costa (1961-1963), diz que não

foi tão produtivo quanto o primeiro por ter sido “essencialmente político”. Afirma que, antes

do golpe de 31 de março de 1964, “no Território do Rio Branco, sempre se deu mais

importância à política partidária do que à Administração Pública, séria”. Sobre Silvio Botelho,

deputado federal por Roraima, confirma a opinião colhida na entrevista com o ex-

governador Hélio Campos, que dizia que “Silvio Botelho era mais médico que político”. Num

último exemplo, na análise que faz do governo de Ramos Pereira (1974-1979) – do qual fez

parte como secretário - afirma, entre páginas cheias de elogios, que esse governador “não

foi só trabalho, ele também teve atuação política”, complementando em seguida que, como

“esse campo não fosse seu forte, por isso mesmo, cometeu alguns erros” (1993, passim).

Com estas afirmações do autor, creio dar mostra significativa da ideia que faz da

política: terrível para a administração pública, não permite que esta produza o

desenvolvimento; oposta à seriedade, gera dificuldades para que se possa desempenhar um

bom trabalho, sendo sempre a responsável pela ocorrência de erros.

Curiosamente, destes mesmos exemplos emerge ainda o entendimento de que é

possível ser administrador ou mesmo representante público e não ser político, como se vê

no caso da descrição de Silvio Botelho, que era “mais médico” – e essa definição, em

especial, me interessa. Em sua proposta de periodização, Aimberê Freitas menciona que,

durante o período relativo ao Regime Militar, os governadores não ocupavam o cargo por

indicação “política”, já que sua escolha partia da Aeronáutica. Não é à toa, portanto, que

afirme que a política “não era o forte” do Coronel Aviador Fernando Ramos Pereira e que o

12

O Polamazônia faz parte de um grupo de grandes projetos para a Amazônia, produzidos na capital federal. Entre seus principais objetivos estava o de promover o controle da região amazônica pelo Estado Nacional, empregando para isso o binômio “Desenvolvimento e Segurança” que marcou as ações governamentais do período. Para mais detalhes, ver OLIVEIRA (1997) e PROCÓPIO (1992).

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Brigadeiro Vicente Moraes, governador entre 1962 e 1963, veio a Roraima “para cumprir

uma missão” (1993, p.203) e não para fazer política.

Freitas defende que “a caserna afasta da política” e essa forma de ver explica sua

afirmação de que Ottomar Pinto, que governou o Território e, posteriormente, o Estado de

Roraima por diversas vezes, entre 1979 e 2007, se “tornara político” somente com o fim da

ARENA e o surgimento do PDS em 1981: como Brigadeiro da Aeronáutica, mesmo no cargo

de governador, Ottomar não era político, já que atuava apenas para cumprir com sua missão

militar, situação que se transforma quando, para manter-se no poder em Roraima, teve de

disputar eleições (1993, p.200-203).

Todas as obras aqui estudadas apresentam noções semelhantes. Ainda que Olavo

Viana Braga faça um esforço para separar política de politicagem, recorrendo a Rui Barbosa

no tópico “Politicagem, causa real do fracasso da administração territorial,” reafirma as fases

estabelecidas por Aimberê Freitas, dizendo que, “sob as bênçãos do presidente Dutra,

Vitorino Freire (...) conseguiu para si a prerrogativa de indicar nomes para o cargo de

governador do Território do Rio Branco”, enquanto que, “no chamado regime militar, a

escolha dos governadores obedecia a hermético processo” (BRAGA, 2002, p.87-89). Dessa

forma, ao sugerir que a política é nefasta e os militares, pessoas alheias à política, a

historiografia memorialista de Roraima apresenta estes últimos de modo genérico, como

missionários do desenvolvimento, abnegados homens que, imbuídos de uma tarefa

superior, não participavam diretamente das disputas políticas daquele lugar.

Essa estratégia figura de modo mais evidente na Revista Diretrizes, em “edição

histórica” de 1991. Publicada pelo Governo do Estado de Roraima, por ocasião de sua

instalação, a contracapa da revista – que foi distribuída aos estudantes das escolas públicas

com a intenção de divulgar “os fatos que fizeram a História desse jovem Estado ao longo de

dois séculos” – traz a imagem de um bandeirante superposta a duas outras imagens. É um

homem que, solitário, empunhando espada e arma de fogo, mira para o horizonte de duas

fotografias que retratam, respectivamente, o Monte Roraima e o Rio Branco. Sua inscrição é

reveladora: “A antevisão de Lobo D’Almada”. O conteúdo dessa proposição, a exemplo do

que fazem os livros da historiografia memorialista, pretende destacar a presença militar no

processo de formação histórica do Estado, estabelecendo-se uma linha contínua, que liga o

Coronel Manoel da Gama Lobo D’Almada, os oficiais do Forte São Joaquim, como o Capitão

Inácio Lopes de Magalhães e o primeiro prefeito, Coronel João Capistrano da Silva Mota, até

chegar ao Capitão Ene Garcez dos Reis, primeiro governador do Território e ao Brigadeiro

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Ottomar de Souza Pinto, primeiro governador eleito. Esse modo de dispor o conteúdo

parece evocar a presença dos militares do passado como uma maneira de demonstrar que

sua permanência no poder, no presente, é fruto de uma continuidade desejável. Resumindo:

para os males da política, curas militares.

Diante disto, faz-se necessário refletir mais sobre os significados da política e do

poder apresentados por esta historiografia para os roraimenses. A interpretação do passado

histórico de Roraima e sua difusão através do uso didático das obras que a possuem traz

inegáveis e sérias implicações políticas: a primeira é que, quando a historiografia

memorialista de Roraima propõe que foi a contínua presença militar na organização político-

administrativa de Roraima que propiciou “o surto do progresso” necessário para a elevação

de Município a Território e de Território a Estado da Federação, justifica e defende as

instituições militares como condutoras do fazer político. Fica claro que, ao garantir

centralidade para os militares no processo histórico de formação do Estado, essa

historiografia valoriza também, ainda que de forma indireta, os pioneiros, e desse modo

destina apenas um papel secundário aos indígenas e demais migrantes que compõem a

sociedade roraimense. Por fim, ao estabelecer uma visão do fazer político como algo nocivo

e da administração pública como uma atividade exclusiva para iniciados – que, do alto de

sua condição, não se conspurcariam com a política –, a historiografia produzida pela elite

local nega a importância do fazer democrático e da participação cidadã, forjando uma

memória que, sutilmente, pretende justificar as formas excludentes de participação política

na história de Roraima.

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Ilustração 1 - Segunda capa da Revista Diretrizes de 1991.

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CAPITULO II. (Re)construindo espaço e forjando memória: transformações dos anos de 1970 em Roraima.

No território de Roraima, Boa Vista surge como uma estrela de primeira grandeza, conectando-se com Manaus [...], Lethen, na República da Guiana e Santa Helena, da Venezuela. (Meira Matos, 1980).

Tomo agora, como cenário central, a cidade de Boa Vista para focar principalmente

as transformações que a atingiram na segunda metade do século XX. Também abordarei a

forma como esse processo foi tratado pela imprensa local, como modo de compreender a

formação de determinada memória sobre aquele espaço e tempo específicos.

Além de investigar fontes em que se confundem o discurso político e a propaganda

governamental da época, pretendo apresentar elementos que auxiliem na compreensão da

construção da memória através de outros nexos relacionais, como as alterações políticas,

econômicas e sociais promovidas no espaço roraimense durante o período militar. Trata-se

de, como fez Carlos Fico (1997), atentar, pela observação dessas alterações, para a

constituição de um processo de longo prazo que, assim como o produzido pela historiografia

memorialista já apresentada no primeiro capítulo, pretende compor determinada “leitura”

de Roraima, leitura esta que seria, por fim, capaz de estabelecer parâmetros para a definição

identitária local.

As mudanças ocorridas nos anos de 1970 na capital, Boa Vista, ainda que digam

respeito a apenas uma parte do Território Federal de Roraima, são bastante representativas

do processo de reorganização do espaço que atingiu todo aquele lugar. A centralidade da

cidade neste estudo se justifica, para além doutros fatores, principalmente pelo fato de que

foi ali que se concentrou, ao longo da história, o maior núcleo populacional daquela unidade

federativa. Para se ter uma dimensão do que a cidade representou no universo total do

Território, basta lembrar que, até o ano de 1982, apenas o município de Caracaraí, ao sul,

existia além do município de Boa Vista. Este último, marcando o centro e o norte do espaço

geográfico determinado para o Território, sempre foi o mais populoso. A sede do município

de Boa Vista, elevada a capital de Roraima desde a federalização em 1943, abrigou a partir

da década de 1970, cerca de dois terços de toda a população residente em Roraima. Esta

situação permaneceu inalterada nesses primeiros anos do século XXI.

Por esses motivos, a história da cidade se confunde com a história do atual Estado de

Roraima. Crescendo a partir de um agrupamento de casas, em torno de uma fazenda de

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gado particular, que teria sido fundada ainda na primeira metade do século XIX, Boa Vista

está à margem esquerda do Rio Branco, a cerca de 30 quilômetros ao sul do local escolhido

pelos portugueses, em fins do século XVIII, para a instalação do Forte São Joaquim.

No ano de 1890, muito provavelmente devido às investidas inglesas sobre a região13,

o governo republicano decretou a criação de um novo município no estado do Amazonas,

chamado Boa Vista do Rio Branco. Este tinha por sede aquele aglomerado urbano que

surgira em torno da fazenda Boa Vista. Mais de trinta anos depois, Hamilton Rice (1978)

afirmava que aquele era o único povoado da região do Rio Branco que mereceria o nome de

vila: a cidade se reduzia a três ruas sem pavimentação, que corriam paralelas ao rio,

entrecortadas de outras três, formando grandes quarteirões, em que se contavam, segundo

o viajante, 164 casas e aproximadamente 1200 habitantes. Sem escolas ou hospitais

públicos, a assistência social existente até meados do século XX era oferecida

exclusivamente pela Igreja Católica (CAVALCANTI, 1949).

Ainda que Rice tenha visitado Boa Vista em 1924, é possível estender as

características que apontou acerca da cidade por toda a primeira metade do século XX, uma

vez que a descrição, feita com base nos relatos dele e nas imagens aéreas da cidade

produzidas por sua expedição, é corroborada pelo depoimento de Ene Garcez dos Reis,

quando descreve “a cidade que encontrou” no ano de 1944, ao se tornar governador do

Território (FREITAS, 1993).

Ilustração 2 - Foto aérea de Boa Vista em 1924 (Rice, 1978).

13

Refiro-me à Questão do Pirara. Cf.: SOARES, Álvaro Teixeira. História da formação das fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972.

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Isolada e pequena. Era dessa forma que se caracterizava a cidade de Boa Vista nas

histórias de pescadores, rezadores, vaqueiros, pilotos fluviais, laçadores, cangaceiros,

fazendeiros e demais personagens arrolados na narrativa “dos tempos antes do território”,

presentes no livro de Dorval de Magalhães. A considerar pelas memórias do autor, o

cotidiano de Boa Vista era marcado pela tranqüilidade típica de uma localidade interiorana,

em que os principais eventos se traduziam em festas homenageando aos santos de devoção

dos moradores, apresentações da “orquestra de pau e cordas”, a eventual circulação de

jornais e as disputas dos amadores clubes de futebol (MAGALHÃES, 1986, passim).

No que diz respeito ao trabalho, o dia-a-dia era marcado pela principal atividade

econômica desenvolvida por moradores da cidade, ou seja, a pecuária extensiva praticada

nos campos naturais. Também relacionada a essa atividade, a elevação da região a município

ocorreu no momento em que se observou o auge da venda de gado de Boa Vista do Rio

Branco para outras cidades do Amazonas, com destaque para Barcelos e Manaus. Este

momento pode ser compreendido como uma conseqüência direta do aquecimento

econômico regional marcado pelo chamado ciclo da borracha, entre as duas décadas finais

do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX.

Convertida numa espécie de entreposto comercial, responsável pela ligação entre as

fazendas a norte e os centros consumidores de carne a sul, a cidade de Boa Vista não teve,

entretanto, no período de auge da pecuária, um crescimento populacional significativo, e a

maior parte dos habitantes ainda se dispersava pelo meio rural. Com a decadência da

economia gomífera, entre 1920 e 1945, e, conseqüentemente, do consumo de carne na

região, houve a diminuição drástica do rebanho de Roraima. Para a cidade, que era marcada

pelo comércio do gado que deveria seguir rumo ao sul, bem como pela intermediação dos

produtos industrializados, repassados para as fazendas a norte, a diminuição do comércio de

gado significava a perda da atividade que lhe garantiu alguma importância na economia

regional nos anos iniciais do século XX.

Até o terceiro quartel desse mesmo século, a principal (se não única) via para se

chegar à região era o rio Branco. Em geral, seu percurso era vencido por batelões e gaiolas,

embarcações particulares que continuavam realizando o transporte do gado vendido a

Manaus e Barcelos e promovendo a chegada dos mais diversos produtos industrializados

para os fazendeiros e moradores de Boa Vista. A viagem era difícil, sobretudo no trecho

subindo do médio para o alto rio Branco, porque a calha do rio é bastante rasa e conta com

inúmeros bancos de areia, que aparecem com maior freqüência no período de secas. Há

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depoimentos que estimam que as viagens feitas pela maior parte das embarcações, (que

eram mais lentas e pesadas porque carregadas de mercadorias) podiam durar, em anos de

seca mais acentuada, até 180 dias para cumprir todo o percurso Manaus/Boa Vista/Manaus.

No ano de 1906, para o trajeto de ida Manaus/Boa Vista, Jacques Ourique contou, numa

embarcação apenas com passageiros, o total de cinco dias (OURIQUE, 1906) para se fazer a

subida de pequena parte dos rios Negro e Branco.

Até o ano de 1943, recebendo apenas o fluxo espontâneo de migração, Boa Vista

tinha crescido em relação à contagem de Rice, mas continuava diminuta. Naquele ano,

quando foi transformada em capital do Território Federal do Rio Branco, a cidade possuía

apenas 339 habitações, considerando-se todos os casebres de madeira, “mocambos” e casas

de alvenaria. E abrigava uma população calculada em torno de duas mil pessoas, pouco mais

de dez por cento da população total do Território, que estava estimada em 15 mil

(CAVALCANTI, 1949, p.12).

Tomando os dados de 1925 e de 1943 em termos absolutos, vê-se que o crescimento

populacional fora realmente pequeno; em quase duas décadas, a população da cidade

cresceu em apenas oitocentos habitantes, mantendo-se em torno de dois mil indivíduos. No

entanto, tal ritmo de crescimento veio apresentar alteração significativa a partir do ano de

1943. O Território do Rio Branco ainda contava com a menor população no Brasil, mas em

1950 verificou-se que o número de habitantes tinha saltado para um total de 18 mil. Desse

total, 12 mil viviam nas áreas rurais (BARROS, 1995), permitindo concluir que a população

urbana crescera, logo após a elevação do município a Território, entre 1943 e 1950, de cerca

de dois mil habitantes para a casa dos seis mil. Parte desse crescimento na capital foi devido

a um pequeno movimento de êxodo rural no interior do Território.

Uma vez que, para justificar esse súbito aumento populacional, não se podem evocar

os motivos tradicionais, como crescimento econômico ou facilitação do acesso – já que a

economia se manteve estagnada e o sistema de transportes que ligava a região às outras

não foi alterado –, a elevação do número de habitantes, sobretudo na área urbana do

Território Federal do Rio Branco, somente se explica devido à atração promovida pela

progressiva absorção e concentração das funções administrativas necessárias à

federalização. É possível afirmar, por isso, que a ação governamental de transformar o

município de Boa Vista do Rio Branco em Território Federal, promoveu, como primeiro

impacto, o crescimento populacional da região, concentrando-o de modo importante na

antiga sede municipal, agora capital do Território.

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A tendência de crescimento populacional se manteve entre 1950 e 1960, quando os

índices de aumento da população atingiram a marca de 4,65% (BARROS, 1995). Mais uma

vez, o maior incremento desse período se concentrou, efetivamente, em Boa Vista, e, em

menor escala, em Caracaraí, os dois núcleos urbanos do Território naquele momento.

Recorrendo a uma determinada leitura da realidade local, estabeleceu-se um

discurso governamental que, desde os primeiros relatórios oficiais14, relaciona a fragilidade

da economia com a grande dificuldade de acesso à região, apontando, ligada a esses fatores

às vezes como causa e às vezes como conseqüência, a estagnação do crescimento

populacional no vale do Rio Branco. Foi com base nessas ideias sobre a região, e

aproveitando-se do eco que esse discurso produzia em parte da população local, que se

defendeu, com cada vez maior veemência, no século XX, a “integração” necessária para o

combate aos “problemas” da região.

Ainda que a trajetória histórica da Amazônia, como ocorre com a história de todos os

lugares, não seja linear, e que esse processo tenha sofrido revezes no decorrer dos tempos,

não se pode negar que os pressupostos do isolamento e da insuficiência populacional para o

desenvolvimento de atividades econômicas lucrativas foram aqueles que garantiram e

deram base ao discurso da integração, marcando a política para a região desde tempos

coloniais. Por isso, quando, a partir da segunda metade do século XX, sob a égide do

pensamento da Segurança Nacional, foram executadas pelos governos militares novas

políticas com os mesmos objetivos (integrar através do adensamento populacional), estava-

se dando continuidade, de modo mais acirrado, a um processo com antiqüíssimas raízes. Foi

exatamente no momento desse acirramento que se promoveu a progressiva intensificação

do processo migratório para Roraima, que chegou ao seu ápice nas décadas de 1980 e 1990.

Especificamente sobre a intensificação das políticas de integração ocorrida no

período, é importante lembrar que sua execução não pode ser vista nem entendida como

algo simplesmente imposto pelos governos à população amazônica. Ainda que

posteriormente tenham sido apontados os seus muitos e enormes equívocos, bem como as

nocivas conseqüências sócio-econômicas e ambientais produzidas pelo crescimento da

ocupação desordenada sobre o espaço amazônico, o que se percebe é que, ora subjazendo,

ora permeando essas políticas, está um processo que envolve a atuação de parte importante

da população brasileira, tanto do Centro-Sul como da própria região. No caso específico de

14

Desde Ribeiro Sampaio, passando por Jacques Ouriques e Araújo Cavalcanti, relatórios produzidos em datas muito distintas apontam os mesmos motivos para as dificuldades de integrar a região.

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Roraima, que é o objeto deste estudo, a realização das obras de integração se configurou, no

mais das vezes, em esforços de interação política entre os representantes do Estado

nacional e a população local. O aprofundamento da pesquisa tem demonstrado que isso se

deu não apenas no nível dos discursos, mas também nas formas pelas quais se efetivaram

essas políticas, o que teria influenciado de modo bastante efetivo a memória que se tem do

período naquele local.

Isso não significa, no entanto, que tal processo tenha sido harmônico nem

homogêneo. No estudo de cada ação em específico, pode-se perceber a emergência de

consensos e dissensos para a constituição de um novo lugar, situado nas fronteiras mais

distantes e inacessíveis do país. Como paulatinamente se produziu, nos anos de 1970, a

reconfiguração do espaço que abrigaria o lugar chamado Roraima e que interpretações

foram dadas a essa mesma reconfiguração, é o processo sobre o qual se debruçam as

páginas a seguir.

2.1 - “Medidas de Impacto”: o regime militar e a transformação do espaço através de obras públicas.

Quando falavam de medidas de impacto para Roraima, destacavam-se, no contexto

dos governos militares, a construção de pontes e estradas, ações que transformariam de

modo concreto a configuração do espaço e a composição da população local. Por isso, para

estudá-las, tomei aqui emprestadas as noções de espaço e paisagem propostas por Milton

Santos, que defendeu que, para além da referência a um determinado e objetivo pedaço de

terra, o espaço diz respeito à intervenção humana sobre essa terra. Como tal proposta

implica em observar o espaço sempre em perspectiva relacional, quando me refiro ao

espaço do Território Federal de Roraima, estou fazendo menção não apenas ao espaço físico

em si, mas a esse espaço em relação às intervenções sobre ele produzidas, com discursos e

práticas, diretamente por ações de Estado ou ainda como conseqüência destas.

Para tratar das transformações nela ocorridas, a cidade de Boa Vista será tomada, no

mais das vezes e em decorrência do esforço em inseri-la num contexto maior, como uma

paisagem. Ainda que o termo paisagem seja polissêmico e provoque grandes discussões no

âmbito da geografia, um motivo importante para que venha a ser aqui empregado em

relação a Boa Vista é que esta será tomada pelos elementos físicos nela instalados mais que

por sua funcionalidade e emprego. Dessa forma, estarei atentando, de fato, para os

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elementos que, na cidade, lhe atribuem, de certo modo, um caráter de palimpsesto.

Segundo Santos, essa característica para a qual pretendo atentar é típica de uma paisagem,

que é transtemporal e junta objetos de tempos distintos numa construção transversal. Para

ele, a paisagem “é história congelada” participando da “história viva” com formas que

realizam, no interior do espaço, as funções sociais do mesmo (SANTOS, 2002, P.107).

Além dessa definição é útil também a diferenciação entre espaço e paisagem

proposta por Santos. Em Pensando o espaço do homem (2004), tal diferença é apontada

pelo geógrafo brasileiro como se referindo também à escala. Assim, enquanto o espaço

pode ser total, as paisagens nunca o são. Elas são parciais em relação ao espaço, que, por

isso, geralmente contém muitas e diferentes paisagens. Outra proposição relevante para

que se tome Boa Vista como uma paisagem dentro do espaço amazônico diz respeito ao

tempo das transformações, pois para as paisagens estas ocorrem de forma mais rápida,

tornando-as sempre bastante transitórias em relação ao espaço.

Com base nesses pressupostos, creio que seja importante discorrer sobre a forma

específica pela qual o espaço em que se inserem Roraima e Boa Vista era compreendido no

contexto do Regime Militar.

Na perspectiva de sua relação com o homem, o espaço pode ser classificado, ainda

segundo Milton Santos (2004), de três formas distintas: o que é construído como espaço

produtivo, o que é construído como expectativa de uma atividade produtiva e o que

reconhecidamente ainda não é construído, mas permanece como uma reserva, suscetível ao

surgimento de novidades (técnico-científicas, políticas, econômicas, militares) que permitam

construções posteriores, transformando-o em espaço produtivo ou espaço destinado às

expectativas de uma determinada atividade produtiva. Pelos governantes brasileiros, a

Amazônia e suas diferentes paisagens eram vistas, então, como pertencentes a essa terceira

categoria.

Essa visão explica, em parte, que a defesa da integração tenha sido a principal

proposição nacional em relação à Amazônia no século XX. A defesa de uma intervenção

estatal para a promoção de um processo que articulasse crescimento populacional e

desenvolvimento econômico para a região amazônica parecia já ter se cristalizado nos

discursos anteriores à chegada dos militares ao poder executivo federal. Exemplo disso está

no fato de que, pela política de federalização dos Territórios, o governo Vargas defendeu a

necessidade de atuar diretamente em espaços que considerava incapazes de se integrar sem

intervenção da União. Foi esse o mote que norteou o relatório de Araújo Cavalcanti (1949),

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apresentado ao governo no ano de 1943, sobre o Território Federal do Rio Branco. Segundo

o relatório, a economia insuficiente, as condições de assistência-social precárias ou

inexistentes e o difícil acesso à região eram os principais responsáveis pela grave rarefação

demográfica ali observada. Ao fim, o documento propunha que o governo agisse com vistas

a sanar esses problemas, considerados verdadeiros entraves ao desenvolvimento e à

integração. É possível afirmar que foi no ano de 1943 que Roraima foi atingido pelas metas

federais de integração da região amazônica e que tal fato se deu no contexto da criação do

PVEA – Plano de Valorização Econômica da Amazônia, uma das primeiras ações

governamentais prevendo políticas específicas para a Amazônia durante o período

republicano.

O discurso integracionista sempre parte de duas premissas. A primeira, mais óbvia –

caso da Amazônia, que só o merece por ser concebida como um espaço não-construído – é

de que o espaço a ser integrado está isolado, que ainda não faz parte da categoria de espaço

construído ou o faz de modo muito precário e incipiente. A segunda premissa é a certeza de

que se dispõe dos meios necessários para promover a construção adequada do espaço a ser

integrado.

As duas ideias estiveram presentes também no discurso pró-integração da Amazônia

que, nos anos de 1970, aparece de forma muito mais incisiva. Tal intensificação pode ser

entendida como fruto de uma transformação política importante ocorrida no Brasil: a partir

de 1930, “as Forças Armadas, particularmente o Exército, se viram instaladas no centro do

poder nacional” (CARVALHO, 2005) enquanto “gerações de cadetes do Exército brasileiro

eram conscientizados da significação geopolítica da Amazônia” (SKIDMORE, 2004, p.290).

Assim, quando chegam ao poder executivo por meio do golpe de estado que derrubou João

Goulart, e durante todo o Regime Militar, os militares são responsáveis pelo

recrudescimento do discurso e das políticas de integração da Amazônia.

Como já aludi anteriormente, para propor a integração de um espaço é necessário

realizar uma diferenciação deste em relação aos demais, caracterizando-o como não-

construído. Essa diferenciação aparece, por exemplo, na conferência proferida pelo Ministro

do Interior, Afonso Augusto de Albuquerque Lima, no ano de 1968, por ocasião da abertura

do II Fórum sobre a Amazônia. Publicado pela Editora do Exército como capítulo de livro no

ano de 1971, o discurso caracteriza a região amazônica como aquela

a cujo respeito, os adjetivos, por mais apropriados e expressivos que sejam, não conseguem, pelo poder das palavras, exprimir as sensações despertadas no encontro do homem com a terra.

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As terras, águas, a vegetação, formam um conjunto de plenitudes e vazios tamanhos, em cujos espaços cabem todos os fatoriais da quase totalidade dos problemas que assoberbam e preocupam os homens...(LIMA, 1971).

Com a empolada e muitas vezes confusa linguagem castrense, típica dos documentos

do período, o general pretendia demonstrar que o enfrentamento dos “problemas que

assoberbam e preocupam os homens” amazônicos exigia um esforço especial, devido ao seu

tamanho “inexprimível”. Além de diferenciar a região em relação às demais, vê-se aí uma

importante estratégia discursiva que, ao ampliar os problemas para a integração da região,

justifica e também engrandece o seu enfrentamento, além de sugerir que, naquele

momento, os militares garantiriam, por meio de seus esforços, os recursos necessários para

promover a integração.

Com esse discurso que, por si, pretendia legitimar a destinação de recursos para

“empreender o enfrentamento necessário aos problemas amazônicos”, o governo Costa e

Silva criou o Grupo de Trabalho para a Integração da Amazônia, o GTINAM. Esse grupo tinha

como finalidade básica realizar

estudos, sugerir medidas e adotar providências, tendo em vista definir e traçar normas de execução da política objetiva do Governo Federal, no tocante à efetiva ocupação e povoamento orientado da Região Amazônica, notadamente quanto aos espaços vazios e zonas de fronteiras, [...], sendo integrado por representantes das três Forças Militares e de todos os Ministérios e órgãos, totalizando vinte agências administrativas cuja ação se desenvolve e interliga aos interesses da área sob a coordenação do Ministério do Interior (LIMA, 1971, p.25).

A grande meta de integração era o “povoamento da região amazônica”, considerado

fundamental para promover uma “ocupação do território dentro dos critérios de fixação

definitiva do homem ao meio, deflagrando o processo de desenvolvimento regional

integrado” (LIMA, 1971, p.27). Para isso, mantém-se a ideia de que seria necessário torná-la

“mais próxima e mais aberta” (GODOLPHIM, 1971, p.7), principalmente valendo-se da

melhoria de suas vias de acesso. Entre outros fatores, deriva dessa necessidade a proposta

de que o Estado deveria ser o responsável pela abertura de estradas para e no interior da

região.

A construção de estradas foi, durante todos os governos militares, parte significativa

dos planos nacionais de ação propostos com vistas ao desenvolvimento regional: tanto a

Operação Amazônia (1966-1970) como os programas de Integração Nacional – PIN (1970-

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1974), o Polamazônia (1975-1979) e o Polonoroeste (1981-1985), davam importante

destaque para a abertura e manutenção de rodovias.

Apesar da centralidade das estradas no planejamento das políticas de integração da

Amazônia, tais construções não conseguiram garantir, em nenhum momento, consenso

entre as lideranças regionais e nacionais. Dispendiosas, as rodovias amazônicas não

apresentavam suficientes atrativos em termos de lucros para a iniciativa privada e, por isso,

a tarefa de financiar suas construções coube exclusivamente ao Estado brasileiro. Se, por um

lado, havia entusiastas dos projetos, por outro, até mesmo aliados dos governos militares

questionaram os investimentos que se previam para a abertura de estradas na região. As

opiniões negativas apontavam para a frágil relação custo-benefício dessas obras, o fato de

que já havia uma ampla rede fluvial de acesso à região e, principalmente, questionavam os

recursos que seriam “desviados” de uma região para outra.

Esse tipo de crítica gerou problemas para o ministro da economia Delfim Neto, que

não tinha como, recorrendo aos seus conhecimentos de economia, argumentar em defesa

dos investimentos em infra-estrutura que seriam necessários para promover a integração da

Amazônia (SKIDMORE, 2004). Para responder às críticas, foi necessário ressaltar, mais uma

vez, para a região, a característica de “espaço não-construído, porém suscetível de se tornar

um valor” (SANTOS, 2004, p.30), estratégico face ao crescimento das demandas políticas,

econômicas e militares daquele momento.

Tal resposta aparece com uma unidade impressionante, tanto nos planos nacionais

de desenvolvimento e integração quanto nas falas dos governantes. Documentos do

Ministério dos Transportes afirmavam que, enquanto era possível nas regiões de antiga

povoação, tomadas como espaços construídos, basear a abertura das vias terrestres em

“critérios usuais de análise econômica”15, na Região Norte tal processo não poderia ocorrer

devido à ausência quase generalizada de atividades econômicas instaladas e à grande

rarefação demográfica, condições que convertiam a abertura de estradas em obras não

“economicamente justificáveis”, ou justificáveis apenas “quando consideradas como suporte

de outros projetos de colonização” (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 1971, p.386-387).

Desse modo, apelava-se para o fato de que, com as estradas amazônicas, os

investimentos visavam atingir mais os “benefícios indiretos e intangíveis, que representavam

15

Por “critérios usuais de análise econômica” para a construção de estradas, os documentos apontam a consideração da relação custo-benefício da abertura de uma estrada apenas em termos monetários, estudando as potencialidades econômicas já existentes em cada região a ser interligada pela obra e os possíveis intercâmbios e lucros que dela adviriam (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 1971).

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interesses públicos”, do que aqueles que pudessem exprimir “lucros diretos para os

indivíduos” (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 1971, p.388). Desenvolvendo o mesmo

argumento, Mario Andreazza, Ministro dos Transportes (1967-1974), enumerava, para

deputados federais, em julho de 1970, que a construção de estradas na Amazônia seria o

instrumento para promover a

ocupação efetiva de imensas áreas de nosso território; a integração territorial dessas áreas no contexto nacional; a abertura de nova fronteira de desenvolvimento econômico e social; a criação de novas atividades econômicas e a oportunidade de absorção de grandes contingentes de trabalhadores desempregados ou em regime de subemprego (ANDREAZZA,1970, p.32).

Um mês depois, o próprio Delfim Neto apresentava justificativas semelhantes ao

Senado Federal, quando afirmou que os grandes feitos da humanidade não teriam passado

por testes prévios de rentabilidade (NETO, 1970 apud SKIDMORE, 2004, p.292). O então

Ministro da Fazenda deixava de lado os argumentos econômicos com que costumava

justificar a crescente concentração de renda no país e aderia aos argumentos da geopolítica

militar que marcavam os discursos da integração.

Se de fora o principal questionamento dizia respeito aos recursos financeiros

necessários para se implantar esse modelo de integração, dentro da Amazônia não se

encontram críticas que viessem a negar a importância dos investimentos em estradas na

região, mas outras, reclamando das dificuldades de diálogo com o governo federal e

discutindo a pequena participação das lideranças locais nos planos que definiam os traçados

das rodovias. Por isso, em geral, nas críticas que partiram do interior da região se encontram

ora reclamações de cidades que não seriam atingidas pelas estradas, por vezes

acompanhadas de acusações de que cidades menores, por serem demasiado pequenas, não

justificariam alguns desvios no traçado, ou, ainda, o receio de que a ocupação em seu

entorno fosse desordenada16. O que se pode afirmar diante disso é que a construção de

estradas no contexto amazônico descortinava, em nível local, disputas latentes.

16

Ainda que não tenham sido encontrados questionamentos diretos à política de migração e novos assentamentos na Amazônia, no Jornal Boa Vista há reportagens que apresentam, entre os diversos argumentos para exigir a regularização da posse da terra, a preocupação de se controlar a ocupação do entorno das estradas. Chega-se inclusive a citar que seria necessário regularizar a terra antes da inauguração da BR174, para que se pudesse “evitar o que ocorrera anteriormente em Rondônia”. Esses argumentos evidenciam uma séria crítica à forma como vinha se dando a ocupação fundiária no entorno das rodovias federais e, dada sua publicação no jornal do próprio governo do Território Federal de Roraima, fica claro

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Para rebater todas as críticas, fossem estas internas ou externas à Amazônia, o tom

desenvolvimentista foi fundamental. Desde a abertura da Belém-Brasília, durante o governo

JK, o bordão do desenvolvimento foi o mote que permitiu que se argumentasse em favor da

construção de estradas para o interior do país, e tal situação se manteve durante o Regime

Militar (SKIDMORE, 2004). Como as tradicionais hidrovias “não ofereciam maiores estímulos

na hora de acertar o ritmo” (MEIRA MATOS, 1980, p.100) as estradas seriam o instrumento

mais adequado para que se pudesse impor um dinamismo à integração, pois, segundo os

militares, as estradas permitiriam “adiantar o relógio amazônico, muito atrasado” (MÉDICI,

1970 apud SKIDMORE, 2004, p.289). Com elas, poder-se-ia compor uma rede urbana

amazônica (MELO & THÉRY, 2001) que, interligada por via terrestre e composta por núcleos

populacionais preexistentes, teria finalmente condições de incrementar a atividade agrícola,

a pecuária ou o extrativismo mineral (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 1971, p.386-387).

No ideário militar para a integração nacional, estabeleceu-se uma estreita ligação

entre o Nordeste e a Amazônia. Esta se apresentava como possível devido às diferenças

complementares entre as duas regiões, tanto do ponto de vista físico como demográfico. É o

que se vê, por exemplo, quando, em 1970, o Ministério dos Transportes afirmava que,

no Nordeste, a característica essencial são os baixos índices pluviométricos, apresentando-se em sua maior parte com aspecto semi-árido,[...] por outro lado a região amazônica apresenta, em sua totalidade, elevados índices pluviométricos e está quase totalmente coberta pela densa floresta equatorial”

(1971, passim).

Complementando a ideia, o mesmo documento explicava que, se na Amazônia “o

homem continuava sendo o grande ausente”, na Região Nordeste, havia vinte e sete milhões

de habitantes que sofriam com as dificuldades para se “dinamizar a política de

desenvolvimento”. Com o objetivo de resolver esses dois problemas presentes em regiões

distantes do centro de decisões do Brasil, o governo vinha “estudando a abertura de novas

fronteiras agrícolas com a ocupação e colonização de novas áreas na região amazônica”

(idem, p.390). Desse modo, integrar e povoar a Amazônia com indivíduos oriundos do

Nordeste equivalia, pela ótica militar, a matar dois coelhos com uma cajadada só, pois iria

resolver a grave crise fundiária nordestina e ao mesmo tempo mitigar elementos que

fragilizavam a segurança do país na Amazônia.

também que a crítica partia de aliados políticos do Regime Militar no interior da Amazônia (Solução do problema fundiário... JBV, 27/7/1974).

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Foi por intermédio do PIN, o Programa de Integração Nacional, criado pelo Decreto

de 16 de junho de 1970, que se impuseram as proposições de ocupação dirigida para a

Amazônia, durante o Regime Militar, de modo mais efetivo. O surgimento e a execução

desse plano foi um dos marcos do governo Médici. Peça importante na constituição de uma

propaganda ufanista que proclamava a chegada dos tempos de um novo país, o Brasil

Grande, com “mais terra para o Brasil e os brasileiros”17, o PIN participou com destaque do

chamado Milagre Brasileiro, denominação dada por uma revista estadunidense a uma

conjuntura que apresentava índices relevantes de crescimento do produto interno bruto e

manutenção de taxas inflacionárias relativamente baixas no Brasil, em conseqüência da

política econômica daquele governo.

Na historiografia brasileira sobre o período, não falta quem coloque aspas no

milagre, que na verdade ocorreu com base em empréstimos estrangeiros e muita

propaganda governamental, sendo responsável, ao final, por uma enorme concentração de

renda. A declaração de Delfim Neto, em 2004, de que “não houve milagre, mas trabalho do

povo brasileiro e da política econômica”18 parece demonstrar que o ex-ministro foi, em certa

medida, permeável a algumas dessas críticas. Para piorar o quadro do “milagre”, do ponto

de vista político, esse momento se confunde exatamente com aquele em que, sob os

auspícios do Ato Institucional n.º5, se empreendeu a mais dura e covarde repressão contra

os opositores do Regime.

O fato é que, a despeito desses problemas, com a política para a Amazônia apelando

para as vagas noções de desenvolvimento e segurança, que permearam as doutrinas dos

anos de 1970 para esta região, o governo Médici angariava apoios em amplos setores:

militares, interessados na defesa geoestratégica desta faixa do território; instituições

públicas e privadas que se beneficiariam da construção de obras de infra-estrutura; diversos

investidores estrangeiros e nacionais, interessados nas novas frentes de exploração

econômica e nos gordos lucros delas advindos; famélicos migrantes de todo o país, que viam

na Amazônia o acender de uma esperança de melhoria de vida; e, ainda, de grande parte da

própria população amazônica, marcada pelas sucessivas ondas de devassamento e crise e

sedenta de uma maior integração com o restante do país, tanto em termos de acesso físico

quanto de desenvolvimento econômico, integração que possibilitaria a chegada de serviços

17

Era o que propagava o governo em campanha oficial sobre a construção da rodovia Transamazônica. 18

Declaração feita ao Telejornal Bom dia, Brasil. Rede Globo, 2004, em reportagem realizada e transmitida por ocasião do aniversário da emissora

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e bens de consumo até então indisponíveis para os moradores da região. Com capacidade de

acenar para todos esses desejos num único discurso, o governo central encontrava as

condições bastantes para ignorar técnicos, adversários e até mesmo o “centro tradicional da

oposição”, ou seja, o Congresso Nacional (SKIDMORE, 2004, p.293).

Além de forjar apoios, o discurso de que “a verdadeira segurança pressupõe

desenvolvimento, quer econômico, quer social”, e que, “por outro lado, o desenvolvimento

econômico pressupõe um máximo de segurança e estabilidade das instituições” (MEIRA

MATOS, 1980, p.97) demonstra que o Estado Nacional militarizado pretendeu assumir para

si o controle dos ritmos daquela região em específico, submetendo “o movimento da

matéria a disposições legais” que impediam ou promoviam alterações na forma desse

espaço (SANTOS, 2004, p.28). Para tanto, foram previstos 430 milhões de dólares em

recursos para o exercício de 1971-74 (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 1971, p.394), o que

significava um expressivo investimento em obras públicas para a Amazônia no âmbito do

PIN. Além da abertura de estradas de rodagem para “vertebrar o território continental

amazônico” (MEIRA MATOS, 1980, p.97), pretendia-se promover a construção ou conclusão

de diversas obras de infra-estrutura com vistas a facilitar o desenvolvimento econômico das

regiões Norte e Nordeste através de sua integração.

Como principais metas desse Plano destacaram-se os projetos de construção das

rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém. Em nível local, para o Território Federal de

Roraima, duas importantes estradas, a BR174, Manaus-Boa Vista, e a BR 210, Perimetral

Norte, também foram planejadas e tiveram suas obras iniciadas com recursos do PIN.

No ano de 1973, quando já se anunciavam os problemas provocados pela primeira

crise internacional do petróleo, o Ministério dos Transportes previa, segundo notícia

veiculada no Jornal Boa Vista,

a implantação de treze mil quilômetros, dos quais sete mil serão pavimentados, [...] para a rede rodoviária básica de interesse direto para a Amazônia. [...] De transcendental importância para a área [...], nesta primeira etapa se colocam a Transamazônica, a Cuiabá-Santarém e a Manaus-Boa Vista (JBV, 15/09/1973, capa).

Quando observada em seu conjunto, a rede rodoviária instalada na Amazônia pelos

militares confirma a lógica geopolítica que guiava as ações governamentais do período no

que diz respeito à ocupação do espaço. As estradas planejadas pelo PIN para o Território

Federal de Roraima apresentavam importante semelhança com o traçado previsto para a

Transamazônica e a Cuiabá-Santarém, pois, assim como aquelas se entrecruzariam no

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estado do Pará, também as BRs 174 e 210 se entroncariam, nas proximidades de Caracaraí,

quase no centro do mapa do Território. A produção destas intersecções era

intencionalmente planejada com o objetivo de cortar os territórios atingidos pelas estradas

no sentido leste-oeste e norte-sul, teoricamente promovendo acesso a todas as

extremidades dessa área e possibilitando, desse modo, um controle estratégico mais amplo

e mais eficiente.

Nesse sentido, a continuação das obras da BR174 foi um dos grandes objetivos

militares sobre o espaço de Roraima. Apresentada como recurso estratégico para promover

maior integração com a Venezuela e, ao mesmo tempo, para manter o controle sobre a

fronteira com aquele país vizinho, foi construída pelo 6º Batalhão de Engenharia e

Construção, o 6º BEC, e as obras para sua conclusão se iniciaram ainda no ano de

lançamento do PIN. Apenas no ano de 1976, o trecho Manaus-Caracaraí foi completado.

Ligando a capital do estado do Amazonas a Santa Helena do Uairén, na Venezuela, a estrada

cruzou o Território Federal de Roraima de norte a sul, em sua extensão total, passando por

seu maior núcleo urbano, a cidade de Boa Vista. Sua inauguração oficial, no ano de 1977, foi

motivo de grande cerimônia, com a presença do então vice-presidente da República,

Adalberto Pereira dos Santos.

No momento da construção das estradas, a rede fluvial amazônica, ainda que fosse

caracterizada como carente de dinamismo, não foi desprezada. No caso do Território Federal

de Roraima, garantiram-se as premissas de que a rede terrestre a ser implantada significaria

a “complementação do rico sistema fluvial da Amazônia” e que os acessos fluviais deveriam

servir de parâmetro (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 1971, p.395) para a primeira, já que,

ao final, a BR174 foi construída praticamente em paralelo ao rio Branco. Como o rio já era a

principal via de acesso à região, o traçado da BR174, que começa ligando Boa Vista a

Caracaraí, demonstra que, em Roraima, cumpriu-se o interesse declarado nos documentos

nacionais de que as estradas amazônicas viessem a interligar, por terra, os núcleos

populacionais que já existiam e se relacionavam, anteriormente, pelos rios.

Logo após a conclusão da rodovia, e durante os anos em que permaneceu não

pavimentada, a BR174 foi realmente complementar à via fluvial, aliviando as dificuldades de

acesso geradas nos períodos de seca do rio Branco. De modo cada vez mais significativo, no

entanto, passou a atender a demanda da população urbana por produtos industrializados

que, em sua quase totalidade, vinham de fora do Território, inclusive substituindo o

importante fluxo norte de produtos industrializados que ingressavam como contrabando

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vindo da República da Guiana e da Venezuela19. Com a pavimentação ocorrendo de forma

gradual (concluída apenas na década de 1990), a estrada acabou por praticamente substituir

o rio para o transporte de produtos e passageiros20.

A construção da BR 210, outra importante estrada aberta pelos governos militares,

também foi prevista pelo PIN. Com percurso de 2.586 km e orçamento inicial de 884 milhões

de cruzeiros, deveria ter sido completada no ano de 1977, ligando Porto Grande, no Amapá,

até a fronteira com a Colômbia (JBV, 03/11/1973, capa). Tal trajeto nunca foi, de fato,

completado. O início de sua construção partiu de Roraima, no quilômetro 500 da BR174, e

seguiu rumo a leste, chegando a um total de 83 quilômetros de estrada construída no ano de

1975 (BARROS, 1995, p.209).

Também chamada de Perimetral Norte, essa rodovia foi construída, a exemplo do

que ocorria com outras obras, sob forte discurso do desenvolvimento e da integração. No

ano de 1980, ao lamentar a suspensão da construção “por motivos orçamentários”, o

General Meira Matos falava sobre a importância geopolítica da BR 210. Afirmava que, para

integrar a região em que estava “a mais atrasada das frentes de penetração”, ou seja, a área

compreendida no interior do “enorme arco fronteiriço que vai dos limites de Roraima até os

limites de Rondônia, envolvendo nossos lindes com a Guiana, Venezuela, Peru e norte da

Bolívia”, a Perimetral Norte seria “o eixo articulador indispensável” (MEIRA MATOS, 1980,

p.155).

Proferido quase dez anos depois do início das obras da BR 210, o discurso de Matos

sobre a rodovia Perimetral Norte mantinha argumentos muito semelhantes àqueles que

foram inicialmente arrolados pelos militares para justificar sua abertura. O conteúdo desse

discurso demonstra, a exemplo do que já foi apontado como uma das causas para o

recrudescimento das propostas de integração, que ao atravessar o sudeste do então

Território, abrindo caminho por quilômetros e quilômetros de mata fechada, a obra fosse,

para além do interesse do controle estratégico dos espaços fronteiriços, também um grande

negócio para os grupos que Milton Santos (2004, p. 32) chama de “consumidores de espaço,

famintos por infra-estruturas”, ou seja, as firmas multinacionais e aparentadas que lucrariam

com a abertura de novas frentes de exploração capitalista, oriundas daquela estrada.

19

Segundo informações de Adalberto Pereira Duarte (2006), no ano de 1967 a preocupação inicial do governo era combater o contrabando que vinha da Guiana e Venezuela, mas esta preocupação, no entanto, foi

diminuída diante da escassez de produtos que provocava enorme alta de preços no Território. 20

Para mais dados sobre o processo de crescimento do tráfego de produtos e passageiros no eixo sul-norte, cf. BARROS, 1996.

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Mesmo não sendo concluída em toda a sua extensão, a BR 210, em seu trecho que

liga Novo Paraíso a Entre Rios, provocou, a exemplo da BR174, importante impacto sobre

Roraima. Abrindo caminho na região sudeste do Território, a construção da estrada garantiu

a chegada de uma grande leva de migrantes, atraída pela distribuição de lotes de terra no

entorno da rodovia. Segundo Crócia de Barros (1995), esses indivíduos foram, em grande

parte, os responsáveis pelo processo de crescimento populacional observado nos anos de

1980.

Para além do crescimento populacional e maior controle do território, o impacto das

rodovias tem também sua dimensão simbólica, e por isso os discursos sobre elas são

importantes elementos na composição de uma memória específica para o período do

Regime Militar em Roraima. Focalizando esse aspecto, algumas diferenças foram verificadas

no que diz respeito ao trato que se deu, em nível local, para a duas estradas.

Na cobertura jornalística da abertura das duas estradas, feita pelo Jornal Boa Vista, a

Perimetral Norte aparece mais destacada. Duas reportagens sobre a estrada chamam a

atenção em novembro de 1973 e treze meses depois, em dezembro de 1974. Nas duas

matérias se destacam fotografias da obra em que o ambiente é caprichosamente retratado

como um cenário que se impõe às figuras humanas de forma opressiva. Assim aparece o

Ministro dos Transportes Mario Andreazza, no centro-direita de uma das imagens, em pé,

junto a um trator e seu operador: em primeiro plano, a cena é composta por um grande

torrão de terra com restos de raízes e, ao fundo, por árvores de copas altas, destacadas à

direita. Em outra fotografia, um grupo com mais de vinte pessoas, entre as quais estavam os

formandos do Instituto de Educação de Roraima, é retratado comprimido na parte inferior

direita do enquadramento. Tendo o fotógrafo registrado a imagem de um plano acima do

grupo, tornou-se possível ver a estrada em que todos estão como um vale, devido à

paisagem composta pelo leito da rodovia, os barrancos e grandes árvores que o margeiam,

tomando todo o alto da imagem, à direita, à esquerda e ao fundo (JBV, 15/12/1974, p.4).

Nestas composições, a natureza é retratada com conotações que oscilam entre

obstáculo, opressora, imensa, hostil. Por um lado, assim como afirma a reportagem de 1974,

as imagens eram “eloqüentes” para demonstrar as dificuldades da construção. No entanto, a

presença do elemento humano e de grandes tratores nas duas fotografias demonstra que há

outra mensagem, bastante clara, que se quer passar: a de que esta mesma natureza poderia

ser controlada e modificada, por homens e suas máquinas.

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Ilustração 3 – Destaque da BR 210 no JBV de 15 de dezembro de 1974.

Se as imagens carregam na grandiosidade da mata, que, feito inimiga, deveria “ser

vencida”, o domínio da natureza não aparece como único para justificar a “batalha”, uma

vez que, como fora anunciado na manchete da primeira reportagem, a Perimetral Norte

marcaria “o encontro de civilizações, da era do computador com a da pedra lascada” (JBV,

13/11/1973, p.2). Tal discurso representa os yanomami, na ponta oeste do projeto, como

um povo da “era da pedra lascada” em contraste com o restante da sociedade nacional, que,

a leste, já se encontrava na “era do computador”. Para reforçar essas ideias claramente

exageradas sobre as populações atingidas pela estrada, é sintomático que as pessoas

retratadas nas imagens das matérias citadas sejam um Ministro de Estado e professores

recém-formados21, pois, com sua presença na estrada em obras, essas figuras

materializavam a representação do caráter civilizador daquela construção.

A preocupação em registrar, não apenas a presença de uma autoridade nacional, mas

também de pessoas “com formação”, denuncia o interesse do Jornal em legitimar os

esforços e recursos ali empregados, afinal, se, metendo-se na selva para inspecionar a

realização da gigantesca obra da integração, um ministro militar abandonara seu gabinete

em Brasília e, um ano depois, recém-formados professores deixaram seus livros em Boa

21

O Magistério, curso técnico de nível médio era, naquele momento, o mais alto grau de instrução que se poderia alcançar estudando-se apenas em Roraima, como será detalhado no terceiro capítulo.

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Vista, quem, mesmo que não visualizasse benefícios diretos daquela obra para o Território

naquele momento, poderia opor-se a tal empreendimento?

Esse questionamento parece pertinente quando se compara o tom das reportagens

sobre a Perimetral Norte com o das produzidas, pelo mesmo Jornal, sobre a BR174. Mesmo

também tendo recebido autoridades no momento de sua abertura, e igualmente

apresentando dificuldades de construção nos trechos de mata fechada, a rodovia que ligaria

Manaus a Boa Vista recebeu, na cobertura jornalística, matérias menores e bem mais

sóbrias. Ainda que as referências feitas pelo Jornal a essa estrada sejam mais freqüentes,

dando conta dos avanços e dificuldades da construção, em nenhuma delas se encontra a

apologia presente nas matérias que versam sobre a Perimetral Norte.

Se no JBV a BR174 não recebe o mesmo destaque, por outro lado, nos livros de

história de Roraima estudados, (Souza [s.d.], Freitas, 2001 e Magalhães, 1993) a abertura da

rodovia é apresentada como a materialização de um antigo desejo roraimense. Para tanto,

contam sobre duas tentativas anteriores de ligação terrestre entre Boa Vista e Manaus: uma

realizada por Sebastião Diniz, a mando do governador Eduardo Ribeiro, em fins do século

XIX, e outra, pouco tempo depois, empreendida por um guianense chamado Collins, de

quem não se apresentam muitos dados. Também há, nesses livros, grande destaque ao fato

de que foram “os homens do 6ºBEC, que ainda hoje palmilham cada quilometro da BR174

fazendo a conserva da rodovia” (SOUZA, *s.d.+), os responsáveis pela conclusão da estrada.

No livro de Ferreira, o primeiro dos três a ser publicado, há ainda, sobre a construção da

BR174, um tópico específico tratando da Missão Calleri, evento dramático em que um padre

católico e seus acompanhantes foram mortos nas terras ocupadas pelos atroari.

O mesmo tratamento não é dispensado, pelos memorialistas, à BR210. Não existe,

em nenhum dos trabalhos estudados, um único tópico exclusivo para tratar da história de

sua construção. Aimberê Freitas é o único a fazer referência explícita a essa estrada, citando-

a como importante por ter permitido, em conjunto com a 174, que se “descobrisse a

próspera região sul do estado” (FREITAS, 2001, p.126).

Considerando que as obras estavam inseridas no mesmo plano nacional de

integração dos espaços amazônicos e que foram realizadas com recursos federais mais ou

menos no mesmo período, surge a questão sobre o que teria motivado essa diferença de

abordagem?

Apesar das semelhanças, um ponto que diferencia a construção da BR174 da BR210 é

que, positivamente atingidos pela conclusão da primeira, estavam os habitantes das cidades

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de Boa Vista e Caracaraí, contando com uma ligação terrestre para a cidade de Manaus, que,

naquele contexto, crescia em importância econômica devido à instalação da Zona Franca. O

mesmo não se poderia dizer da Perimetral Norte, estrada que atravessaria regiões inteiras

de mata virgem sem interligar nenhum grande núcleo populacional no interior do Território.

Nesse contexto, é factível que a população local tenha agido com certa indiferença em

relação à construção da BR210. Reforça essa ideia a afirmação de Freitas de que a região

cortada por esta estrada era “até então desconhecida dos roraimenses quanto a sua

exploração econômica” (FREITAS, 2001, p.126). Este “desconhecimento” e sua conseqüente

indiferença, explicariam o esforço de se publicar elogios para a abertura da BR210 no Jornal.

Do mesmo modo, como não é necessário convencer ninguém daquilo em que já se acredita,

os mesmos esforços eram dispensáveis no caso da BR174, que já tinha os benefícios de sua

abertura reconhecidos e ansiados por parte da população local.

No entanto, se para explicar a diferente abordagem jornalística sobre as obras é

válido recorrer à percepção roraimense, naquele momento, para a utilidade de cada estrada,

o mesmo não é suficiente para que se compreenda porque as duas obras receberam

tratamento tão distinto pela historiografia memorialista, produzida posteriormente.

Um fator relevante do ponto de vista da abordagem memorialista é o destaque que

se deu à participação do 6º BEC para a conclusão das obras da BR174 e o relativo silêncio

sobre o processo de construção da Perimetral Norte. Tal distinção mostra que, ao menos aos

olhos daqueles autores, o segundo processo, feito por empresas privadas como a

Paranapanema, a Rabelo e a Camargo Correa, não apresenta nada de extraordinário.

Provavelmente para aqueles diletantes que escreveram sobre a história de Roraima, na

construção da Perimetral Norte, feita por milhares de trabalhadores anônimos, falta

dramaticidade, uma vez que, apesar de ter sido retratada pelo Jornal Boa Vista como uma

verdadeira “batalha” contra a natureza, lá não há notícia de “ataques” de nativos, para lá

não marcharam soldados, nem mártires da Igreja Católica.

A forma como se conta a história da BR174 é muito importante para demonstrar

como parte da população roraimense se reporta aos anos de 1970, pois acena com a ideia

de que, somente naquele momento da história de Roraima foi possível, com a presença dos

militares à frente da administração, realizar um sonho antigo da diminuta população local.

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menor de tempo, tornam-se mais impactantes e perceptíveis aos indivíduos podendo,

portanto, gravar-se em sua memória com maior facilidade.

Na cidade de Boa Vista, grandes transformações também podem ser apontadas como

conseqüências diretas das políticas de integração empreendidas pelos governos

republicanos do século XX. As alterações na cidade começaram a se acentuar principalmente

quando, a partir do ano de 1944, ainda sob o primeiro governo territorial (FOLHA DE BOA

VISTA, 2008, p.15), um planejamento foi feito com a intenção de reestruturar totalmente o

espaço urbano daquela que se tornara capital do Território.

Várias publicações locais citam a existência do Plano Diretor que remodelou a cidade.

No entanto não foi possível localizar os documentos relativos ao planejamento, que teria

sido realizado no Rio de Janeiro, pelo engenheiro Darci Aleixo Deregusson (PAVANI e

MOURA, 2007). Aquele que parece ser o documento mais antigo sobre essa remodelação é

uma imagem retratando, em plano aéreo, o novo traçado da cidade e a reorganização

prevista para a antiga povoação ribeirinha.

Ilustração 4 - Boa Vista planejada, imagem do acervo da Casa de Cultura Madre Leotávia22

Considerada motivo de orgulho entre os roraimenses, Boa Vista tem buscado, no

decorrer de sua história, ressaltar características que contribuam para a construção de sua

identidade enquanto cidade. Dois argumentos são arregimentados para tanto. O primeiro

22

Sem data nem autoria definidas, o original está disponível na Casa de Cultura Madre Leotávia, bastante danificado, em um álbum que também não contém nenhuma identificação específica. Sobre sua data, é possível afirmar que esta fotografia foi tirada entre os anos de 1946 e 1962: antes o planejamento da cidade não existia, depois, o nome do Território, que consta na parte mais danificada do documento, não era mais Rio Branco.

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tem apelado para sua localização geográfica peculiar em relação às demais cidades do país,

já que a capital de Roraima é “a mais setentrional do Brasil” e a única situada acima da linha

do Equador. O segundo argumento toca exatamente no fato desta ter sido uma das três

cidades “planejadas no país”23. Essa segunda linha de argumentação explica, em parte, a

impressionante quantidade de tomadas aéreas das paisagens da cidade. A presença dos

ângulos superiores como preferenciais nas imagens da capital de Roraima demonstra a

intenção de apresentar seu traçado como um fator que a distingue dos demais centros

urbanos. Esse modo especial de retratar a cidade dá, por outro lado, uma dimensão do

caráter monumental de que ela se reveste, podendo-se afirmar, afinal, que Boa Vista se

tornou, no século XX, devido à sua característica de espaço urbano planejado, o maior dos

monumentos de Roraima.

Em termos de localização geográfica, o Rio Branco foi, provavelmente, o mais

importante referencial tomado em consideração para o planejamento da cidade. Com a base

disposta no mesmo sentido em que o rio corre naquele trecho (nordeste-sudoeste), a

ocupação urbana cresceria a partir dessa base num sistema radial-concêntrico. Assim, ao

redor do centro, cujo eixo aponta para noroeste, largas avenidas principais, em radiais,

compõem um contorno assemelhado a um leque.

Prevendo modestamente o crescimento da população, segundo a declaração do

próprio governador que ajudou em sua concepção, o plano inicial não preparava a cidade

para o enorme impacto populacional que sofreria trinta anos mais tarde. Assim se pensou

que, quando necessário, novos núcleos deveriam ser planejados como cidades satélites, que

haveriam de surgir em torno do espaço planejado inicialmente, visto na ilustração de nº. 4.

Da década de 1960, existem imagens aéreas retratando a cidade de Boa Vista, como

a publicada por PAVANI e MOURA (2007). Tomada de um plano mais distante do que o que

aparece representado pela ilustração nº2, o documento permite verificar que o traçado total

da cidade se manteve bastante próximo do original nas duas décadas seguintes à execução

do novo plano diretor. A fotografia mostra, além das avenidas abertas no lavrado (modo

como se chamam os campos naturais naquele lugar) e do “leque” por elas formado, grandes

23

É o que consta, por exemplo, num cartão postal produzido pelo governo federal para promover os “roteiros do Brasil”, junto de uma foto aérea da capital de Roraima. Esse é um dos motivos apresentados para se conhecer a cidade de Boa Vista.

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manchas no entorno do que seria a cidade. Estas manchas correspondem a lagoas naturais,

que surgiam ou cresciam nas épocas de chuvas. Olavo Viana Braga faz referência a tais

lagoas, que constam como cenário de suas memórias de pescarias em Boa Vista, na primeira

metade do século XX.

Sua presença na imagem é importante para atestar, na década de 1960, a existência

de grandes espaços vazios, bastante próximos do centro da cidade. Dessas lagoas, apenas

uma, conhecida como Lago dos Americanos, foi poupada do aterramento, por ocasião da

construção do Parque Anauá, outro ponto importante da cidade, inaugurado no ano de 1982

(SÃO JOÃO... 1991).

Essas paisagens naturais desaparecem das cercanias de Boa Vista em conseqüência

da crescente ocupação da cidade, ocorrida com maior intensidade a partir dos anos de 1970.

Nesse momento, em paralelo à ocupação mais intensa do espaço central, surgiram e/ou

cresceram bairros próximos ao centro, como Mecejana (oeste), São Francisco e Aparecida

(norte) e São Vicente (sudoeste). Além dessas, outras áreas, mais distantes, começaram a

ser ocupadas sem que um novo planejamento fosse de fato realizado.

Ilustração 5- Fotografia aérea de Boa Vista, década de 1960 (PAVANI e MOURA, 2007)

Aproveitando a ausência de acidentes geográficos significativos no relevo, que se

apresentava já bastante plano e regular, o novo traçado da cidade previu um importante

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deslocamento do centro do poder para um ponto pouco mais distante da orla. Antes

representado pelo Prédio da Intendência e localizado à margem do rio, esse centro seria

abrigado ainda em paralelo ao Rio Branco, em terreno destinado a compor uma praça

central em que se alocariam os três poderes.

Este espaço que viria a receber a Praça do Centro Cívico estava no âmago do arco

desenhado pelas avenidas e, na ilustração nº. 5, aparece como um clarão sem árvores nem

edificações. Tal fato se explica porque, apesar de o planejamento da cidade ter ocorrido na

década de 1940, o surgimento de obras naquele espaço, só começou a acontecer de modo

efetivo a partir da segunda metade dos anos de 1960.

A partir dessa década, a Praça do Centro Cívico passou a ser uma das principais

paisagens da cidade de Boa Vista. É quase impossível passar pela cidade sem conhecer essa

Praça. Todas as mais importantes avenidas de acesso aos bairros começam nela e, com isso,

se pode partir dali diretamente para as zonas oeste, norte e sul da capital (a leste está o rio).

Em termos de sentido do tráfego, essas avenidas possuem mão dupla e transitando por elas

tanto se sai como se chega ao Centro Cívico, motivo pelo qual se costuma afirmar, em Boa

Vista, que “todos os caminhos levam à Bola”, como costuma ser chamada a via que circunda

a praça central.

Ainda que, numa cidade planejada, possa parecer mais óbvio o fato de que à

disposição de prédios, ruas e praças possui uma intencionalidade, que denuncia em si a

subjetividade de quem a criou, o “Complexo Arquitetônico do Centro Cívico,” (RORAIMA,

2002) que tanto impacta o cotidiano de quem vive na capital de Roraima, nunca foi objeto

de especulação, sequer sendo analisado pelos historiadores locais.

Formado, em sentido horário, pelos prédios do Hotel Aipana Palace (antigo Boa

Vista), Catedral Cristo Redentor, Palácio da Justiça, Fórum Sobral Pinto, Banco do Brasil,

Secretaria Estadual da Educação, Secretaria da Fazenda Federal, Tribunal de Justiça,

Assembléia Legislativa, Correios, novo Palácio da Cultura e sede do Banco da Amazônia,

instalou-se em ampla e plana área onde durante muito tempo o que existiu foi um areal.

A constituição da Praça e a conseqüente ocupação do lavrado, com grandes e

modernos prédios, concretizada a partir da década de 1970, foram retratadas como sinais

inequívocos da chegada do progresso e faziam parte de um roteiro turístico divulgado pelo

governo do Território em 1971 (FOLDERES... 1991). Desse modo, pode-se dizer que, em nível

local, a instalação do Centro Cívico foi parte importante para que se sentisse o clima de

“Brasil Grande” do governo Médici, cujo representante em Roraima foi, até 1974, o

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governador Hélio da Costa Campos. Sônia Souza (2008), em seu trabalho sobre aquele

governo, deixa um depoimento sobre essas impressões, afirmando que, “em Roraima, o

Milagre não foi só sentido, foi visto”, e explica:

Eu lembro que a chegada dos ônibus na cidade foi uma festa, eu tinha dez anos e fazia a terceira série na Escola Presidente Costa e Silva, recém-inaugurada e nessa ocasião, o governo proporcionou a todos os estudantes do Território um passeio, uma visita às novas construções. A distância entre elas era enorme e as edificações também eram grandes e se destacavam em meio ao lavrado (SOUZA, 2008).

As primeiras grandes construções erigidas naquele local foram o Palácio Senador

Hélio Campos, sede do poder executivo (1968), a Catedral Cristo Redentor (1972), o Hotel

Boa Vista e o antigo Palácio da Cultura (1974), e a sede do BASA, inaugurada em 1975.

Se, como se viu no exemplo das estradas amazônicas, a dificuldade na captação de

recursos foi, em geral, um dos problemas centrais para a execução das chamadas “obras

faraônicas” do Regime Militar, no caso das construções efetivadas no Centro Cívico, na

capital do Território Federal de Roraima, dotação orçamentária suficiente e disponível não

resolvia totalmente o problema, pois dificuldades mais comezinhas se apresentavam como

grandes obstáculos. É o que se pode verificar, por exemplo, nas falas dos governadores do

Território, entrevistados por Aimberê Freitas (1993, passim), os quais, ao arrolar as

dificuldades para governar Roraima, citavam a completa ausência local de mão-de-obra

especializada para o planejamento e execução das construções de forma muito mais

freqüente do que a falta de recursos financeiros. Esse é um sinal importante de que, para

construir em Roraima, ter dinheiro não bastava.

O Bispo Prelado de Roraima, D. Servílio Conti, não deixou de registrar, em sua

Locução da entrega da Catedral Cristo Redentor à comunidade católica de Roraima (1972) e

no Breve histórico da construção e cooperação da Catedral Cristo Redentor (1972a) que

acompanhou esse discurso, a dificuldade em “encontrar um chefe de obra de comprovada

competência e capacidade”. Naquele contexto, profissionais italianos vieram para Roraima

especialmente para trabalhar naquela construção. Diante das dificuldades de se conseguir

outros trabalhadores qualificados e com a chegada do Missionário Pedro Menegon, mestre

de obras com mais de vinte anos de experiência na Europa, ocorreu nos canteiros de

construção da Catedral, segundo o padre Vanthuir, a instalação de uma verdadeira escola de

construtores, em que mais de cinqüenta homens foram treinados para atuar como

trabalhadores na obra que, com muita dificuldade, estendeu-se de 1967 até 1972.

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Além da questão da mão-de-obra, outros aspectos colocam a história da construção

da Catedral, muitas vezes, como uma obra concorrente em relação às demais. Foi o que

pude perceber de modo destacado também na conversa que tive com o padre Vanthuir,

importante colaborador em minha empreitada de investigar sobre a construção da Catedral

e atual responsável pelo acesso à documentação da Diocese de Roraima. Este lembrou,

entre outras coisas, que essa era uma construção “tão grande quanto o Palácio *do

governo+, mas que levou muito menos tempo para ser concluída”. Também afirmou, em

relação ao Palácio, ter notícia de que, em virtude da rapidez com que a Catedral foi erigida,

os custos foram menores. Mesmo a afirmação de que operários foram treinados para

construir a Catedral acaba servindo de comparativo, uma vez que, ao fim da obra, em 1972,

os trabalhadores teriam sido rapidamente reaproveitados para a construção dos outros

prédios públicos.

Não considerei pertinente me aprofundar no conteúdo dessas comparações,

sobretudo devido à grande dificuldade em se conseguir documentos confiáveis que

pudessem demonstrá-las. No entanto, não posso deixar de destacar a intenção de meu

colaborador em, ao enumerar essas diferenças, distanciar a construção da Catedral do

contexto de construções oficiais presentes no Território no mesmo período, estabelecendo,

assim, uma relação de concorrência entre essas e aquela.

É lícito crer que, além da escassez de mão-de-obra local, outro fator de disputa seria

a falta generalizada de materiais. Cimento, ferro e brita, básicos para qualquer construção,

tinham de ser comprados fora do Território, às vezes fora do Brasil (CONTI, 1972a), e vinham

para Boa Vista em embarcações que enfrentavam as já citadas dificuldades de navegação do

Rio Branco24. Com muitas obras sendo executadas ao mesmo tempo, a chegada desses

materiais não era suficiente para que se garantisse a continuidade das mesmas e, à medida

que estas cresciam, os materiais disponíveis se tornavam cada vez mais escassos e caros. Faz

sentido, portanto, que nos documentos produzidos pelo Bispo à época da inauguração da

Catedral, haja referência às compras “maciças de ferro e de máquinas, indispensáveis para

os trabalhos diretamente nas fábricas de São Paulo”, bem como às pausas forçadas na

construção.

24

Foi nessas condições que teria chegado, por exemplo, o cimento para a construção da Catedral, vindo da Polônia (CONTI, 1972a). Sobre essas dificuldades, o padre Vanthuir lembrou ainda de um evento em que, devido a um naufrágio no Rio Branco, foram perdidos os vitrais italianos que, representando as estações da Paixão de Cristo, decorariam a Catedral.

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80

Foi por causa da ausência da brita, por exemplo, que os construtores da Catedral

fizeram estudos para utilizar o seixo rolado na montagem das colunas de concreto que dão

sustentação ao prédio. Em material produzido para a campanha de arrecadação de fundos

para a reforma da Catedral, em 200825, consta uma fotografia onde se contam treze

pequenas embarcações atuando na retirada de seixo rolado do Rio Cauamé para a

construção.

Em relatos informais colhidos na Diocese, fui informada de que o uso deste material

teria sido desaconselhado pelo Exército, uma vez que se considerava que o seixo não daria a

liga necessária para garantir a segurança das estruturas com ele construídas. Segundo o

padre Vanthuir, como os engenheiros teriam se responsabilizado pela utilização daquele

novo material – e como seu emprego comprovou-se adequado do ponto de vista da

durabilidade e segurança da edificação – a nova técnica, empregando um material existente

na região, difundiu-se entre os construtores locais tornando-se “um marco na história das

construções em Roraima”.

Pensando ter aí a materialização de disputa entre Igreja e Exército sobre o processo

de construção de edifícios em Roraima no período estudado, busquei junto aos documentos

do 6º Batalhão de Engenharia – que seria o responsável pela fiscalização das obras realizadas

no Território durante o período – por maiores informações sobre a construção da Catedral.

Lamentavelmente, no entanto, nenhum documento sobre isso foi encontrado nos arquivos

do Batalhão, impossibilitando a confirmação e detalhamento desse evento.

Atualmente, a Igreja católica local possui séria preocupação em não ligar a memória

da construção da Catedral aos governos militares, o que pode ser compreendido dado o

conflito constante daquela instituição com os governos da região, devido, por sua vez, às

diferentes posições que assumem em relação à questão das terras indígenas. Indícios disso

apareceram já na primeira conversa que tive o padre Vanthuir. Quando expliquei a ele que o

objetivo de meu trabalho era investigar a memória do Regime Militar em Roraima, sua

reação foi imediata. Afirmando que “a construção da Catedral não teve nada a ver com o

Regime Militar”, o padre argumentou que, da parte do governo, não foi recebida nenhuma

ajuda de ordem técnica nem financeira para a construção. Em seguida, recordou que a Igreja

Católica, naquele momento, era, inclusive, parte importante da resistência à ditadura.

25

Trata-se de um arquivo digital de apresentação de slides, produzido pela equipe do Padre Vanthuir para ser apresentado aos fiéis nas missas realizadas naquele ano.

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81

É parcialmente verdade. O papel da Igreja Católica durante o Regime Militar, foi

marcado por ambigüidades, pois, se é inegável que a Igreja foi importante para abrigar a

resistência através das Comunidades Eclesiais de Base, que teve presos, torturados e mortos

entre os seus profissionais de fé, não se pode esquecer também que foi em seu seio que se

articularam as Marchas que, anos antes, apoiavam os interesses golpistas em defesa “da

Família, com Deus pela Liberdade”. Se, nos anos de 1970, “na Amazônia, os bispos

denunciavam o sistema econômico como injusto”, outras duas alas, com posturas mais

“conservadoras” ou “moderadas”, faziam parte da mesma instituição, pois, naquele

momento, “a Igreja estava fortemente dividida em relação ao papel que lhe cabia na

política” (SKIDMORE, 1988, p.271).

Em nível local, nos anos de 1970, diante da emergência da organização indígena pela

luta por direitos, a Igreja de Roraima, que via crescer em seu seio a adesão à Teologia da

Libertação, foi paulatinamente se afastando da antiga elite pecuarista, que até então lhe

financiara no Território. Esse processo gradual de afastamento teria se iniciado, em fins da

década de 1960, com a chegada dos missionários da Consolata, e se firmou com a chegada

do polêmico D. Aldo Mongiano em 1975. Permanecendo no Território até o ano de 1986,

Mongiano foi chamado de “bispo vermelho” e acusado, pelos militares, de cometer vários

crimes, entre eles, o de incitar o desrespeito à política indigenista oficial, uma vez que

“colocava os indígenas contra os fazendeiros” (VIEIRA, 2007).

Os trabalhos que focam as experiências de mobilização indígena em Roraima

demonstram ter sido exatamente durante o período entre 1970 e 1980 que emergiu, de

forma mais estruturada, um processo de resistência indígena e de organização política

visando a luta por direitos e que foi nesse exato momento que a política indígena passou a

ganhar visibilidade. Sem pretender estabelecer relações nem discutir sua natureza – o que

tem sido exaustivamente feito por outros pesquisadores –, é importante para meu trabalho

ressaltar que o processo de organização indígena ocorreu em paralelo aos frutos da Teologia

da Libertação e às conseqüentes mudanças operadas na Igreja de Roraima, por aquilo que o

próprio D. Aldo Mongiano chamou, em depoimento gravado em vídeo (WWF,1989), de

tomar “partido dos pobres”.

A ideia defendida pelos militares do Conselho de Segurança Nacional de que o Bispo

Mongiano fomentava, entre os indígenas, uma postura de contestação que, para além do

conflito com os fazendeiros, eram subversivas e atentavam contra a segurança nacional

(VIEIRA, 2007, p.163) se cristalizou e se generalizou sobre a atuação da Igreja Católica no

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Território. É sintomático que a parede lateral esquerda da Catedral tenha sido pichada,

recentemente, com a frase: “abaixo a Igreja”, assim como se pode ver, em outras pichações

na cidade, as frases “fora Funai” e “Lula traíra”, todas em alusão à homologação da Terra

Indígena Raposa Serra do Sol26. Outro exemplo da cristalização do discurso militar sobre a

Igreja em Roraima está nas manchetes dos jornais locais, que acusam os católicos de

defender uma política indigenista contra a soberania nacional.

O distanciamento não se deu apenas entre os militares e a Igreja, como demonstra o

discurso de Dorval de Magalhães. Católico insuspeito, que chegara inclusive a presidir, junto

da primeira dama Beatriz Campos, a comissão responsável pela última campanha de

arrecadação de fundos para a construção da Catedral antes da inauguração (CONTI, 1972 a),

Magalhães definia, em meados dos anos 80, os conflitos “registrados entre índios

aculturados e ruralistas” como “resultado de uma política desvirtuada da filosofia posta em

prática por Nóbrega, Anchieta e Vieira”, e ainda ressalvava que “nenhum deles *...+ defendeu

a criação de parques, assim, com essa ênfase desmedida com que certos grupos hoje

agem...” (MAGALHÃES, 1986, p.11).

Mais de dez anos antes, os documentos produzidos por D. Servílio Conti, no

momento da inauguração da Catedral, também apontavam, de algum modo, para esse

conflito que se gestava entre a instituição Igreja e parte importante de seus fiéis, ou seja, a

elite local em Roraima. Ainda que dê conta da abertura de “um livro de ouro para registrar o

nome dos maiores colaboradores”, e que fizesse constar, no histórico, a gratidão pelos

empréstimos do Banco de Roraima, D. Servílio Conti (1972a) não deixou de citar a

importância do Instituto de Missões da Consolata de Turim na captação de recursos e

declarou que, dos 800 mil cruzeiros gastos até aquele momento, 214 mil ainda estavam por

ser pagos, 295 mil tinham vindo do exterior e 290 mil eram “contribuições provindas no

Território”. Desse modo, o Bispo destacava, ainda que de forma discreta, que a participação

da sociedade local no empreendimento tinha sido menor que a externa. Em seu discurso,

ressaltou que a Catedral era o “fruto do sacrifício dos humildes” para a superação da “falta

completa de fundos”. De acordo com os dois documentos, pode-se inferir que o Bispo

considerava a participação da população local reduzida, e não se furta, ainda que

26

Demarcada em 1988, a Terra Indígena somente foi homologada pela Presidência da República em 15 de abril de 2005. Esse procedimento não impediu, no entanto, que uma série de questionamentos ao processo levassem à decisão final sobre a Reserva para Supremo Tribunal Federal que pronunciou-se em definitivo sobre a questão apenas no início do ano de 2009.

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veladamente, a criticar tal atitude, imputando-a não apenas à “escassa renda do povo”

como também “à psicologia do nosso meio, um tanto acostumado ao paternalismo”.

Ainda que fosse apresentada a necessidade de se construir a Catedral, dado o

“rápido crescimento da cidade, que fez com que a antiga matriz ficasse deslocada, pequena,

insuficiente para as necessidades do culto, exigindo que se providenciasse com urgência um

templo maior”, o Bispo Servílio Conti deixa transparecer, em seu discurso, a exemplo do que

fez o Padre Vanthuir, um elemento de disputa, ao afirmar que a “Matriz, pequena,

acanhada, viu-se aos poucos relegada à margem do centro populacional da cidade” (1972b).

Isso demonstra que, para além do aspecto funcional, não passava despercebida, pelo chefe

da Igreja Católica em Roraima, a importância de cravar um marco institucional naquela

praça, que, “enriquecida de tantos prédios, centro motor da vida social, exigia também um

monumento de fé”.

De todo modo, em uma quadra que anteriormente teria servido como cemitério,

doada pela prefeitura do município para a construção da Catedral Cristo Redentor, a Igreja

Católica também veio ocupar, no início dos anos de 1970, importante espaço no complexo

arquitetônico do Centro Cívico. A atual preocupação em garantir, de alguma maneira, que a

história da construção do prédio não seja relacionada diretamente ao contexto do Regime

Militar pode, portanto, ser considerada como uma representação da disputa política que se

inaugurava entre a Igreja e o poder público locais, no contexto de reorganização do espaço

em Roraima.

A construção da Catedral coexistiu, por um ano, com o erguimento de uma nova sede

do poder executivo. Quando, em abril de 1967, foi limpa a quadra onde a Catedral seria

edificada, a construção daquele prédio já se havia arrastado por dez anos. Interrompida por

diversas vezes, esta obra foi retomada com maior vigor, a partir de 1965, e concluída três

anos depois, em 1968, sendo uma das mais imponentes construções erigidas naquele local.

No momento de sua inauguração pelo então governador Hélio Campos, o prédio foi

chamado de Palácio 31 de Março, homenageando a data da tomada do poder pelos

militares. Com função de acolher o poder Executivo e ser, ao mesmo tempo, residência do

governador, o Palácio está situado no cerne da Praça, voltado para o Rio Branco. A frente do

Palácio possui linhas retas e harmoniosas, que caracterizam o chamado estilo neoclássico,

com grandes colunas frontais, sustentando um avançado para a proteção da entrada. Sobre

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ele, uma alta sacada sugere a possibilidade de se ver o governador acenando lá de cima.

Branco, com grandes portais de vidro, o prédio é alto e imponente e, visto de frente, chega a

lembrar a Casa Branca estadunidense. Suas características exemplificam a intenção do

governo local em, de fato, empregá-lo como marco naquela praça.

Ilustração 6 - Palácio 31 de março, ainda isolado no Centro Cívico, no ano de 1972. Acervo Casa de Cultura Madre Leotávia.

Para continuar compondo o complexo, outra obra oficial de grande destaque foi o

Palácio da Cultura. Concluída no ano de 1974, a obra abrigaria a biblioteca pública, um

museu e um grande auditório, até que, no ano de 1988, o prédio foi fechado para reforma e,

dali em diante tornou-se a sede do Legislativo Estadual. Sua inauguração recebeu ampla

cobertura no Jornal Boa Vista. Na edição de cinco de fevereiro de 1974, duas das três

manchetes de capa falam do Palácio da Cultura: uma dava notícia de sua inauguração, dois

dias antes, com a presença do Ministro do Interior e do Bispo de Roraima entre outros. A

outra informava que o “Auditório do Palácio da Cultura foi sede da 15ª reunião do conselho

administrativo do Projeto Rondon” (JBV, 05/02/1974, capa).

Tratado nessas notícias como “verdadeira obra de arte” e “jóia arquitetônica”, o

prédio já havia sido alvo, quinze dias antes, de uma nota na coluna social assinada por Oscar

de Almeida. Ali, sob uma foto em que o prédio aparece tomado da lateral direita, o texto do

colunista louvava o governador Hélio Campos, agradecendo a este por “lisonjear Boa Vista

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com a riquíssima oferenda que é o Palácio da Cultura, jóia do Centro Cívico”, e anunciava a

vinda, não confirmada posteriormente, do “Ministro Passarinho, da educação para inaugurá-

lo brevemente (JBV, 15/01/1974, p.2)”.

Ilustração 7 – Palácio da Cultura por dois ângulos: Na imagem maior, antes de sua inauguração (JBV, 1974) e no detalhe, em fotografia do acervo da Casa de Cultura Madre Leotávia (1980).

A terceira notícia que dividia espaço com as manchetes de inauguração do Palácio da

Cultura na capa do Jornal Boa Vista destacava outra construção. Era a sede do Banco da

Amazônia que deveria contar com 750m² de área construída no Centro Cívico, “ao lado da

Secretaria de Segurança Pública”. Segundo a notícia, o prédio, cujo desenho vinha

acompanhando a matéria, seria “um monumento a mais para embelezar a capital que,

gradativamente, vai assumindo, com muita categoria, ares de verdadeira metrópole” (JBV,

05/02/1974, capa). Anunciada em fevereiro, a obra teve início apenas em fins de maio,

quando então foram previstos doze meses para a sua conclusão. A declaração dada pelo

responsável pela edificação, de que “todas as medidas necessárias foram tomadas para

evitar qualquer paralisação” (JBV, 29/05/1974, p.6), demonstra que tanto a aquisição de

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material quanto a contratação de mão-de-obra continuavam como problemas de difícil

solução para a execução de obras em Roraima.

Em junho de 1975, nova nota de capa, dessa vez já com a fotografia da obra

concluída, dava conta de que o Ministro do Interior não estaria presente à inauguração (JBV,

28/06/1975, capa), a qual ocorreu de fato no dia oito de julho daquele ano. É interessante

observar que, apesar do destaque que se deu ao prédio e a seu desenho em matérias

anteriores à produzida na cobertura da inauguração, nesta última, que toma uma página

inteira do Jornal, nenhuma menção tenha sido feita ao edifício. A manchete, “mais recursos

para o desenvolvimento”, mostra que, em paralelo à preocupação com a composição de um

“patrimônio urbano”, a ser enriquecido pelas “linhas modernas e funcionais” do prédio do

BASA, declarada pelo Jornal um ano antes, seguia o interesse em conseguir ampliar as linhas

de crédito “para projetos que visem o desenvolvimento do Território” (JBV, 12/07/1975,

p.02).

Essa situação é importante para atestar que a ocupação do Centro Cívico durante o

Regime Militar atendia a duas ordens de interesses. A primeira, mais explícita, até porque

constava oficialmente como objetivo de sua construção, era favorecer a administração, com

a instalação das diversas instituições estatais em prédios apropriados e bem localizados.

Simultaneamente a essa ordem, há outra, mais ligada à imagem do poder que se pretendia

apresentar à população local. Aparições do poder são elementos simbólicos de grande

importância para a constituição de uma comunidade de sentido e, para um estudo da

memória, são fundamentais para demonstrar a ideia que esse poder faz de si mesmo. Nesse

sentido, a ocupação da praça central tinha efeitos simbólicos bastante sintonizados com o

discurso integracionista e modernizante, com uma mensagem que não poderia ser mais

explícita: naquele momento, o Estado Brasileiro, através de suas instituições, vinha residir no

centro de Roraima, em sua capital, Boa Vista.

A Praça do Centro Cívico não é formada apenas por grandes prédios: possui quase

uma dezena de monumentos instalados em seu interior. Um dos mais antigos foi instalado

do lado esquerdo da entrada principal do Palácio do Governo. Composto por uma águia de

bronze sobre uma coluna branca de concreto, o monumento contém ainda uma placa

metálica que diz laconicamente: “Homenagem ao CAN Roraima, 10 – 08 -1968”.

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Ilustração 8 – Monumento ao CAN. Fotografia de Elisangela Martins.

Fazendo alusão ao Correio Aéreo Nacional, que desde a década de 1940 servia o

Território, sendo uma das principais vias de comunicação entre Roraima e o restante do país,

é bastante significativo que o Monumento tenha sido colocado em frente à sede do poder

executivo do Território Federal de Roraima. Ao homenagear ao CAN, o governo territorial

reverenciava, indiretamente, à própria Aeronáutica e, desse modo, estabelecia, naquele

contexto, um importante lugar de memória para a Instituição que, desde o ano de 1964 e

durante todo o Regime Militar, seria a responsável pela indicação dos governadores de

Roraima. O Monumento ao CAN acaba simbolizando, desse modo, a relação estabelecida,

durante o Regime Militar, entre o poder executivo do Território e a Aeronáutica.

No momento de sua inauguração, a águia que representa o Correio Aéreo Nacional

foi instalada em uma praça parcamente arborizada, que continha um grande Palácio,

praticamente isolado no centro, devido ao vazio da maioria dos quarteirões que

circundavam o Centro Cívico, e dividia espaço com apenas um monumento, o Garimpeiro.

Tal configuração modificou-se bastante com o passar do tempo, pois, no ano de 2008, além

de repleta de árvores frutíferas, dentre as quais se destacam mangueiras e cajueiros, a

enorme praça central de Boa Vista se vê convertida num palco de disputas pela memória,

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diante da profusão de monumentos – sete ao total, dispersos em uma área bastante ampla e

fazendo referência a temas muito distintos entre si – que vieram a ocupar o mesmo local.

Nesse novo contexto, o Monumento ao CAN poderia ter se tornado apenas mais um

monumento e tranquilamente ser confundido como um detalhe do Palácio, passando

despercebido por quem transita pela Praça.

No entanto, quando se trata de verificar as condições de conservação e cuidado com

os monumentos presentes naquele local, a homenagem ao CAN se destaca, pois todos os

demais apresentam visível abandono. No Monumento à Bíblia, de 1980, por exemplo, a

placa metálica de identificação está coberta por uma mão de tinta branca, provavelmente a

mesma mistura de cal e água passada para a conservação dos troncos das árvores e muretas

da praça.

Ilustração 9 – Monumento à Bíblia: sua placa de identificação foi encoberta pela pintura da base. Fotografia de Elisangela Martins.

Em outro ponto da praça, uma placa de aço, que é a mais nova entre as homenagens,

ali instalada em 2006, para registrar o repúdio ao assassinato de um índio na delegacia de

Normandia, está com claras marcas de depredação, com o revestimento descolando. Que

dizer, então, de um suporte de granito preto que, ladeado por duas placas distintas que

fazem referência a outras obras, parecia conter sobre si um busto, do qual não se tem

notícia?

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Ilustração 10– Mais novo monumento instalado na Praça do Centro Cívico, a placa acima possui evidentes sinais de depredação. Fotografia de Elisangela Martins.

Ilustração 11 – Coluna de granito ladeada por placas assinadas pelos prefeitos

Teresa Jucá e Ottomar de Souza Pinto: nenhuma das placas faz referência ao que parece ter sido arrancado do suporte. Fotografia de Elisangela Martins.

Assim como acontece com os indivíduos, que têm capacidade de reter na memória

muitos eventos, mas efetivamente perpetuam apenas alguns desses, o Centro Cívico, por

sua grandeza, também pode abrigar muitas memórias, mas a conservação e manutenção das

mesmas estão sujeitas, como se vê, à seletividade aplicada pelo poder público. Essa

seletividade fica demonstrada quando se verificam as diferentes condições dos monumentos

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ali presentes e é capaz de revelar quais conteúdos se pretende gravar na memória. É

compreensível que, por estar localizado muito próximo ao Palácio e também por ser

bastante simples, o Monumento ao CAN tenha recebido manutenção que garantiu sua

permanência, nos últimos quarenta anos, em excelente estado de conservação e sem sinais

de desgaste ou depredação. Dado que o mesmo cuidado não foi dispensado aos demais

monumentos erguidos naquele local, fica evidenciado que, no Centro Cívico, apenas o

monumento que faz referência direta aos governos militares e a sua atuação em Roraima

está recebendo, por parte do poder público, atenção e cuidado.

O que se verifica diante de todos esses elementos é que na Praça do Centro Cívico,

além dos três poderes de Estado e outras instituições governamentais, repousa silenciosa

uma memória dos tempos de ditadura no Brasil. No momento do planejamento do projeto

de ocupação central da cidade, o ano de 1944, vivia-se sob o Estado Novo. A execução desse

projeto vem ocorrer efetivamente no período entre 1968 e 1975, nos chamados “anos de

chumbo” da Ditadura Militar. No centro desse palco cívico, inaugurado sob os auspícios do

governo militar e homenageando a data de início desse regime, o Palácio do Governo foi

também alvo de disputas para a preservação de uma determinada memória. Após o advento

da democratização, em 1985, devido a questionamentos sobre sua denominação, houve a

alteração do nome do Palácio de “31 de Março” para “Palácio da Fronteira”. Esta nova

nomenclatura não durou muito, porém, e o prédio logo voltou a assegurar a memória do

Regime Militar quando, em 1989, foi rebatizado como Palácio Senador Hélio Campos,

homenageando não mais o início da ditadura no Brasil, mas o governador que, indicado

pelos militares, governou Roraima durante o Milagre Econômico. Tendo permanecido à

frente da administração do Território no período que vai de 1967 a 1974, o Aviador Hélio da

Costa Campos ainda teve tempo de encerrar sua carreira política como senador de Roraima,

eleito pelo PMN (Partido da Mobilização Nacional), no ano de 1991.

Um último detalhe sobre a composição do Centro Cívico e a sede do Executivo deve

ser apontado. Constituída como cidade monumental por seu traçado, Boa Vista recorda,

talvez não intencionalmente, uma forma de organização do poder em que o Executivo

prevalece sobre os demais. É sintomático que, naquela praça, apenas o prédio dedicado ao

poder Executivo tenha permanecido exatamente no Centro e a todos os demais, inclusive

aqueles que posteriormente vieram abrigar o Legislativo e o Judiciário, tenha sido destinado

margear a praça central. Essa configuração fez com que os prédios desses poderes estejam

separados do Palácio pela avenida de quatro vias que forma a “Bola do Centro”. Assim,

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enquanto todos os prédios ali situados têm suas entradas voltadas para a Praça Central e,

conseqüentemente, para a sede do Executivo, esta, por sua disposição, parece solenemente

ignorar as demais edificações presentes na Praça, uma vez que sua principal entrada está

voltada de frente para a estátua do Garimpeiro, ou, mais além, para o Rio Branco.

2.2 - “Roraima de ontem e de hoje”: a cobertura das obras públicas no Jornal Boa Vista.

Nos grandes centros urbanos brasileiros, a televisão foi o principal instrumento para

fazer circular as peças publicitárias que configuraram os anos de 1970 como o momento do

“Brasil Grande”, do “País do futuro”, “que vai pra frente” junto com os “setenta milhões em

ação”. Nesse aspecto, Roraima apresenta uma especificidade importante, uma vez que a

primeira retransmissora de TV foi instalada no Território apenas no ano de 1979, quando o

Regime, assim como sua propaganda, já começava a dar claros sinais de desgaste27.

Foi adaptando-se a essa realidade local que o governo do Território lançou, em

setembro de 1973, o Jornal Boa Vista. A manutenção de um meio impresso de comunicação

pelo governo do Território se justificava, entre outras coisas, pela incipiência dos meios de

comunicação locais: sem TV, Roraima também não tinha nenhum outro jornal em circulação,

mal recebia as ondas de rádio do Brasil, devido à interferência das emissoras dos países

vizinhos e o acesso a revistas e jornais de outras praças era precário, ocorrendo de forma

esporádica e defasada.

O Jornal Boa Vista já apareceu como uma importante fonte do corpo documental de

minha pesquisa, por ter registrado de modo intenso as transformações do espaço de

Roraima e sua capital na década de 1970. Sua importância, no entanto, transcende a do

registro, motivo pelo qual o JBV passa a ser merecedor de atenção especial neste momento

de meu trabalho.

Assemelhado a um jornal comercial, o Jornal Boa Vista circulou em intervalos não

regulares, variando entre edições semanais e quinzenais, de setembro de 1973 até o ano de

1979. Com um número médio de oito páginas por edição, que cresce para doze nos dois

últimos anos em que circulou, o jornal possuía espaço para anúncios e era vendido aos

leitores por valores que variaram, na década, entre um e três cruzeiros. Além disso,

publicaram-se em torno de uma dezena de “Edições Especiais” do Jornal. Estas geralmente

contavam com um maior número de páginas e imagens, e eram mais comuns como

27

Essa interpretação está presente em grande parte da historiografia do período, sendo corroborada por FICO (2007), SKIDMORE (2004) e REIS Filho (2004).

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retrospectiva do ano anterior ou dando a cobertura de festividades cívicas, como as datas de

07 e 13 de setembro.

No decorrer de sua história, o Jornal Boa Vista não teve concorrentes que lhe

fizessem frente. Shirley Rodrigues (1996) afirma que uma das características da maior parte

dos jornais que circularam em Boa Vista era a de surgir por ocasião das eleições e

desaparecer em seguida. Ainda que haja notícia da existência de periódicos ligados a

políticos de oposição durante os anos de 1970, sua manutenção era bastante difícil em

função dos investimentos necessários para se manter um empreendimento desse tipo.

A longevidade do Jornal Boa Vista se explica porque esse veículo de comunicação era

de propriedade do Território Federal, produzido por funcionários pagos pelo governo e

estando sob controle direto do governador, que poderia, inclusive, assumir a sua direção. Na

data de seu primeiro aniversário, em 1974, o JBV comemorava a publicação de 1200

exemplares e assim, certamente por ser de propriedade do Território Federal, o JBV acabou

se tornando, dada a sua circulação por seis anos e sua presença nas repartições públicas, o

primeiro periódico com alcance e regularidade consideráveis na cidade de Boa Vista.

O conteúdo das notícias veiculadas pelo JBV não se preocupa em ocultar seu forte

tom oficioso, demonstrando que, no caso de Roraima, na ausência da televisão28, o Jornal

cumpriu com muita eficácia o papel de suporte da ideologia e da propaganda do Regime. A

existência de um periódico à disposição do governo, feito pelo governo, travestiu, na década

de 1970, a propaganda política como notícia. O Jornal Boa Vista divulgou amplamente, para

aqueles que moravam em Roraima, as obras dos governos militares para a Amazônia,

tornando-as tema central de suas manchetes e lhes dedicando, no corpo das matérias,

rasgados elogios. Desse modo, não se pode negar que o Jornal desempenhou importante

papel político, convertendo-se num dos instrumentos disponíveis para a construção de

consensos no que diz respeito às diversas ações governamentais na década de 1970.

Sobre a propaganda política do Regime Militar em nível nacional, sabe-se que, no

interior das AERP/ARP, agências responsáveis pela “comunicação social entre governo e

povo”, existia certa resistência à execução de peças publicitárias que remetessem à

propaganda política tradicional (FICO, 2003).

28

Com base no próprio JBV sabe-se da existência de aparelhos de TV que, em Roraima, captavam o sinal vindo de Porto Rico já no ano de 1973. A transmissão de programas da televisão brasileira, que se iniciou a partir do ano de 1974, era feita por “tapes” que vinham de Manaus e até o ano de 1977, não possuiu regularidade.

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93

Em conseqüência disso, uma das características da propaganda do Regime Militar é

ter se apoiado em ideias-força que, apresentadas de modo difuso, não eram associadas

diretamente a um partido ou pessoa, explorando uma publicidade que reinventava o

otimismo brasileiro como importante elemento de sustentação dos governos militares

(FICO, 1997). No caso do JBV e sua forma específica de abordar o cotidiano de Roraima na

década de 1970, ocorre a repetição de duas das ideias-força presentes na propaganda feita

em nível nacional por aquelas agências, a saber, a ideia de um passado ruinoso

acompanhada da ideia de sua superação pela construção ou reconstrução coletiva.

O JBV destaca o contraste entre “Roraima de ontem e de hoje”, e sob este destaque

jaz a ideia de que era necessária a participação de todos para acabar com o isolamento e

atraso da região. Assim, com a construção de Roraima e sua capital, Boa Vista, como espaços

integrados ao território nacional, um novo tempo se iniciava, de prosperidade e bem estar

para aqueles que ali habitavam. Estas promessas, que também aparecem difusas na

propaganda nacional, surgem de forma bastante importante nas páginas do JBV. Já em suas

primeiras edições, nos anos de 1973 e 1974, um tipo especial de reportagem facilitava a

veiculação dessas ideias-força, motivo pelo qual se pode explicar em parte a sua grande

freqüência. São as notícias que tratam da construção das estradas, pontes e prédios

públicos. Produzidas muitas vezes numa linguagem empolada e cansativa, essas reportagens

traziam um tipo de exaltação semelhante àquela que foi ridicularizada nas campanhas

publicitárias do Regime em nível nacional.

Nesse sentido, a primeira edição do Boa Vista já trazia duas manchetes

emblemáticas: “A vez das pontes” e “Médici e as estradas”, dando grande destaque aos

projetos financiados pelo PIN e às realizações do governo Hélio Campos. A capa da segunda

edição destaca a expansão da Companhia de Energia de Roraima, CER, e a promessa de

doação, pelo FUNRURAL, de dois hospitais para o norte do Território, um em Bonfim e outro

em Pacaraima. Nas duas edições seguintes, as manchetes “Desenvolvimento e Segurança é o

lema do futuro presidente” e “Presidente Médici, liderança legítima”, mostram que, como

não poderia deixar de ser, o Jornal estava bastante sintonizado com a política e a

propaganda nacional.

As edições posteriores não mudam significativamente de tom, e seguem anunciando

que no Proterra residiam “as esperanças do homem roraimense” (JBV, 13/10/1973, p.12 ),

que “Rademaker se impressionara com o progresso de Roraima” (JBV, 20/11/1973, p.2) e, no

bojo de discursos integrais, como o do Ministro Mauricio Rangel Reis, afirmações de que

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Roraima possuía “condições excepcionais para a conquista do mercado externo” (JBV,

29/05/1974, p.8). O tom a que me refiro se caracteriza, no conjunto dessas matérias,

sobretudo pelo emprego recorrente de palavras como progresso, modernidade e

desenvolvimento. Este tipo de discurso demonstra o sentimento que se tinha e que se

pretendia reverberar, através das notícias, em relação às obras que estavam sendo

realizadas no Território.

As construções de pontes e estradas aparecem diretamente associadas a essas ideias

e não é a toa que, nas quinze edições de 1973, 26 manchetes tenham versado diretamente

sobre obras desse tipo, retratadas, geralmente, como aquelas que levariam Roraima “rumo

ao progresso”. O destaque que se dá às pontes, em especial, é impressionante, e permite

afirmar que estas ocupam espaço privilegiado na formação da memória do período sobre a

região. A importância da construção das pontes para a forja de uma memória é afirmada não

apenas pelo número de reportagens que lhe dedica o Jornal, mas também pela existência de

um álbum intitulado “Fotos das pontes”, do Departamento de Cultura – Divisão de

Patrimônio Histórico, disponível na Casa de Cultura Madre Leotávia.

A observação atenta do conjunto de imagens e das reportagens sobre as pontes

permite afirmar que uma estratégia importante dos repórteres fotográficos a serviço do

governo territorial em Roraima, para retratar as pontes construídas na década de 1970, era a

composição de mensagens subliminares, com o emprego de altas doses de simbolismo. A

presença tão significativa de fotografias nessas matérias não era casual nem visava apenas

reforçar a mensagem escrita nas reportagens. O enorme espaço dedicado às imagens e o

cuidado que – como será demonstrado a seguir – foi dispensado à composição das mesmas,

sugere importante preocupação do Jornal em tornar suas mensagens acessíveis também ao

público não-leitor, fazendo-se compreensível mesmo para os analfabetos de Roraima que,

em 1970, correspondiam a 45% do total da população (IBGE, 1981).

Uma única matéria desse tipo podia tomar uma página inteira do Jornal e era

relativamente comum que em seu bojo apresentasse detalhes técnicos como as medidas da

ponte em questão, quanto de concreto ou ferro seria necessário para sua construção ou

ainda a quantidade de “sapatas e tubulões” projetados para sua sustentação. O periódico

produziu diversas matérias específicas, discorrendo sobre a construção das pontes sobre os

rios Surumu, Mucajaí, Itacutu, Amajari e Cotingo entre outros rios, todas com uma

abundante quantidade de fotografias. Na reportagem de página inteira “As pontes do

grande norte” (JBV, 24/12/1974, p.5), por exemplo, as imagens chegam a ocupar metade do

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espaço, sem contar as outras duas imagens que aparecem na contra-capa da mesma edição,

em chamada para a matéria principal. Nesta última, há três imagens maiores, em tomadas

aéreas das pontes do Surumu e Amajari, e uma quarta imagem, menor, com o detalhe de

uma “sapata de concreto” da ponte sobre o Surumu.

Ilustração 12 – Grande quantidade de imagens nas reportagens sobre construção de pontes em Roraima (JBV, 24/12/1974).

Espaço ainda maior receberam as sete imagens presentes na reportagem “Ponte do

Cotingo liga anel rodoviário da região norte”, tomando mais de 80% da página (JBV,

20/03/1976, p.12). Esta matéria, ao contrário do que sugerem o título e a maior das imagens

nela contidas, fala da abertura de concorrência pública, pela prefeitura de Boa Vista, para a

construção da ponte referida na manchete. As fotografias presentes na página retratam

outras pontes, algumas ainda em construção, como a do rio Urubu, na RR026, e a do Baixo

Surumu, na RR027. A imagem que recebe maior destaque, situada na parte superior, traz

uma ponte não identificada, ainda que o texto, composto de uma única coluna, faça

referência direta a ela, afirmando que a ponte do Cotingo, ainda a ser licitada, deveria ser

“similar à foto”.

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Ilustração 13 – Ponte de Concreto sobre o igarapé AuAu. In: Álbum. Fotos das Pontes.

Uma forma impactante de se retratar esse tipo de obra aparece na fotografia do

igarapé AuAu (ilustração nº 13). O retrato é feito de sobre a ponte, a partir do centro,

focando-a desde esse ponto até uma das extremidades, aproveitando para incluir, no alto do

enquadramento, em perspectiva, a continuidade da estrada. A observação da imagem causa

a nítida sensação de que o fim da ponte é o início de um novo caminho no lavrado. Essa

estratégia também aparece em algumas fotografias aéreas, que destacam não apenas a

ponte, mas também a paisagem para qual ela dá acesso.

Ilustração 14 – Fotografia da Ponte do Rio Cauamé, in: Fotos das Pontes.

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Casa de Cultura Madre Leotávia.

Como ocorre em imagens de outras pontes, a fotografia sobre o rio Cauamé,

presente no álbum estudado, foi tomada num ângulo superior e transversal. Esse

documento traz gravada a data de inauguração da obra (22-05-1965) e a inscrição “Velho

sonho dos roraimenses”. Na fotografia, além de toda a ponte, pode-se ver o lavrado, vazio,

na parte superior da imagem, bem como as duas margens do rio. Ao mostrar o rio de uma

margem à outra destacando, ao mesmo tempo, a estrutura de fundação da ponte, produz-se

um impacto visual importante, uma vez que se amplia a impressão de profundidade do leito

sobre o qual a ponte está instalada. O efeito final salienta, desse modo, a importância e

grandeza da ponte. No Jornal, uma imagem como esta poderia, a exemplo do que ocorreu

com outra tomada semelhante da ponte sobre o rio Amajari, ser acompanhada da legenda

“a ponte que vai fazer desaparecer a imagem de solidão” (JBV, 24/12/1974, p.5).

É necessário ressaltar que as tomadas aéreas não foram as mais exploradas para

retratar tais obras. Ao contrário. É nítida a preferência dos fotógrafos por ângulos de sob a

ponte, muitas vezes no nível da água. Assim foram retratadas, no álbum e no JBV, as

construções sobre os rios Parimé, Surumu, Cotingo, Amajari, Uraricoera, entre outras. Como

exemplo, aparecem algumas das imagens que, tiradas de baixo, mostram a população

concentrada sobre o rio Surumu, no momento de sua inauguração. Numa delas, aparece,

sob a ponte, em primeiro plano, na parte inferior da foto, uma galinha, à direita, e algumas

pessoas sob uma árvore, à esquerda. Noutra, tirada quase do mesmo lugar, novamente

retratando a cerimônia de inauguração, destacam-se, além de alguns transeuntes, uma

criança pequena, agachada. Esses elementos tornam, pelo contraste, a ponte ainda maior.

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Ilustração 15 – Ponte sobre o Rio Surumu. In: Fotos das Pontes. Casa de Cultura Madre Leotávia.

Essas composições trazem mensagem semelhante àquela produzida nas imagens das

estradas em construção: as pontes, “maravilhas da ação humana”, permitiam o domínio do

meio natural e melhoravam o acesso a regiões carentes de desenvolvimento (o lavrado

‘vazio’), possibilitando a modernização do espaço. Dessa maneira, as imagens das pontes,

amplamente divulgadas no JBV e guardadas no álbum da Casa de Cultura, ecoavam/ecoam o

discurso militar do período, sobre o qual já discorri. Ao dar este destaque para as pontes

como obras tão grandiosas quanto as estradas, reforçava-se a sua caracterização como

importantes agentes de integração, responsáveis, entre outras coisas, pelo aumento do

número de empregos, pela maior circulação de produtos e serviços e por aumentar os meios

de acesso para a população a outras localidades. Desse modo, as notícias/propagandas

apelavam para um discurso que depositava nas noções de desenvolvimento e progresso as

esperanças de melhores tempos para a região. Construía-se um novo espaço, num presente

que anunciava um futuro grandioso, para que o passado de isolamento fosse

definitivamente esquecido.

No entanto, apesar da força e do apelo simbólico dessas notícias, o ímpeto com que

o Jornal começa falando da construção de estradas e pontes no ano de 1973 não se mantém

nos anos seguintes. Em 1974, apenas nove manchetes citam essas obras. Há um decréscimo

também no uso do termo “desenvolvimento”, que aparece em quatro manchetes das 15

edições de 1973, mas em apenas cinco manchetes das 38 edições do ano de 1974. Os

termos “progresso” e “evolução” também surgem em número menor nas edições de 1974:

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são apenas duas em contraste com as cinco aparições do ano anterior. No ano de 1974,

apenas as manchetes com os termos “inauguração”, “novo, nova ou novidade” e “moderno

ou modernidade” superam as publicadas no ano de 1973, ainda assim, apenas em números

absolutos, dado o maior número de edições daquele ano.

Esse relativo declínio do emprego de termos que remetem às representações de

progresso e desenvolvimento, relacionadas às pontes e estradas, dá-se em paralelo a uma

aparição maior de notícias reportando outras iniciativas governamentais, ações que

compunham os “outros projetos de colonização” e que diziam respeito a políticas de

saneamento, urbanização, educação, esporte e cultura, cujo impacto seria de mais longo

prazo. Desse modo, as construções, em sentido literal, perdem espaço, crescendo o apelo

para as obras sociais.

Apresentadas com detalhes nas notícias, muitas dessas obras também aparecem no

Programa de Ação do Governo para o Território de Roraima e no II Plano Nacional de

Desenvolvimento, para os anos de 1975 a 1979. Este documento apresentado pelo Governo

Territorial ao Ministério do Interior tinha por objetivo destacar as demandas locais por

políticas de integração. Publicado em 1975, composto por dados provenientes de estudos

feitos pela Prefeitura de Boa Vista, pela Associação de Crédito Agrícola de Roraima – ACAR e

pelo Serviço de Estatística e Geografia do Território, entre outras instituições, o Programa

permite que se produza um contraponto às notícias apresentadas pelo Jornal Boa Vista para

o período de 1973 a 1975, pois, apesar de o produtor dos documentos ser o mesmo, isto é, o

governo do Território, as maneiras de as apresentar são diferentes. Enquanto que no

periódico é possível afirmar que as obras são retratadas para o público, no Programa de RR

para o II PND essas mesmas ações aparecem discutidas no restrito âmbito das relações

institucionais, mais especificamente no trato com o nível federal ao qual estava

subordinado. Desse modo, se por um lado o Jornal se convertia em uma vitrine das ações

governamentais, dando destaque àquilo que o governo já realizara ou pretendia realizar, o

Programa, talvez devido ao fato de que precisasse justificar ou pleitear financiamento para

determinadas obras, destacou, mesmo que de modo involuntário, necessidades não

atendidas da população e as metas de integração não atingidas, apesar da realização de

diversas obras.

Na tensão entre aquilo que afirma o Programa e o que noticia o Jornal, é possível

identificar de modo mais nítido o alcance e os limites das obras de integração realizadas pelo

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governo territorial, tanto na capital quanto no interior, permitindo demonstrar, a partir daí,

como agia o JBV em relação a algumas das obras públicas executadas no período.

Uma característica importante do JBV é que o tempo a que se referia, na maior parte

de suas reportagens, era o do futuro. As obras exaltadas, na verdade, nem sempre estavam

realizadas, sendo enorme a quantidade de matérias que apresentam como fatos

consumados simples projetos do governo. É necessário ressaltar, no entanto, que mesmo

convertido em espaço publicitário para os governos militares locais, o Jornal apresenta-se,

em muitos momentos, permeável aos problemas enfrentados cotidianamente pela

população, que apareciam diante das rápidas transformações pelas quais passavam o

Território e sua capital.

Exemplo disso se encontra na abordagem feita das obras de distribuição de água

encanada em Boa Vista. Em 1973, o Jornal Boa Vista deu grande destaque para a expansão

que aconteceria na rede de fornecimento de água tratada pela CAER, Companhia de Águas

de Roraima (JBV, 27/10/1973, p.9). No início do ano de 1974, uma notícia com declarações

do diretor técnico da Companhia explicava “os constantes cortes de abastecimento”.

Segundo o engenheiro Rivaldo Neves, as interrupções ocorriam devido ao fechamento de

registros para “evitar desperdício com vazamentos” (JBV, 15/01/1974, p.6).

Segundo dados do censo de 1970, nas áreas urbanas de Roraima, apenas 990 dos

3614 domicílios possuíam água encanada. Esse dado permite concluir que a presença de tais

manchetes não significava apenas propaganda, mas uma reação do governo ao crescimento

de um problema local: as dificuldades no abastecimento de água. A versão de que os cortes

ocorriam para evitar desperdícios era muito pouco factível se fosse considerado o contexto

da cidade naquele período, afinal, o crescimento populacional e a conseqüente expansão

urbana já apontavam, quatro anos antes, para a insuficiência do sistema. No entanto, diante

do silêncio que se seguiu em relação ao tema, a versão da “economia de água” permaneceu

para o público do Jornal por mais oito meses.

Em setembro, com a manchete “Dinamização do saneamento”, anunciava-se, na

capa, “o reforço do abastecimento de água e prosseguimento das obras de esgoto sanitário

e drenagem pluvial” (JBV, 22/09/1974, capa). O retorno ao tema pelo Jornal pode ter sido

motivado, mais do que pelo interesse em noticiar novos investimentos, por um agravamento

do problema do abastecimento de água que, no mês de setembro, quando se iniciava o

período de seca e temperaturas mais altas em Roraima, podia ter-se tornado crônico. No

Programa de RR para o II PND, o governo local informava que, no ano de 1975, um total de

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3.175 casas possuía água encanada. Conclui-se, ao confrontar esse dado com os do censo de

1970, que o total de ligações não atendia suficientemente as casas da cidade com água

encanada.

O Jornal voltaria ao tema mais duas vezes nos meses de outubro e novembro de

1974, reforçando a suspeita aventada acima. Primeiro, anunciou “Esgotos e drenagens

prontos em dezembro” e, depois, numa reportagem de duas páginas, intitulada “Do carro

pipa ao parque das águas,” fez referência à estação de captação e tratamento de água.

Apelando, em sua manchete, mais uma vez para o contraste “antes e depois dos militares”, a

matéria anunciava que, “em breve” a cidade contaria “com mais um requinte, a água

fluoretada” e divulgou fotografias da “moderníssima estação de tratamento” (JBV,

10/11/1974) que, à época, a exemplo do que ocorria com as obras do Centro Cívico, também

era parte de um roteiro turístico.

Em 1975, o Jornal seguia, nas manchetes, vendendo como fatos consumados aquilo

que estava ainda em fase de projeto. Para continuar no tema do saneamento, aponto a

manchete que, em janeiro de 1975, afirmava: “Cidade hoje já tem hidrômetro”. No corpo da

reportagem, porém, o que se verifica é que, em vez de instrumentos de medição do

consumo de água instalados, o que havia era um convênio, firmado entre o governo do

Território e a CAER, dotando esta última de recursos que permitiriam a instalação de “três

mil hidrômetros” em Boa Vista (JBV, 26/01/1975, p.12). Confirmando que a notícia tratava

apenas de um projeto, no mesmo ano, o Programa de RR para o II PND afirmava que, das

mais de três mil ligações que existiam na cidade de Boa Vista, apenas 1000 contavam com

hidrômetros instalados.

Como se pode observar, apesar dos fortes indícios de limites e dificuldades, o tom

das reportagens permanecia sendo o de confiança nas ações do governo, não apresentando

críticas diretas. A exaltação das obras realizadas pelo governo era uma estratégia empregada

como forma de não tocar diretamente nos problemas. Apesar disso, o descontentamento

com o abastecimento de água burlou os espaços de exaltação e apareceu, ainda que de

modo muito sutil, nas matérias do Jornal. É o caso do aparente desabafo do jornalista, que,

no final da matéria sobre o reforço da rede de distribuição, aponta-a como necessária para

solucionar “em termos definitivos” os “velhos e exasperantes problemas boavistenses” (JBV,

22/09/1974, capa; grifo meu).

Os dados segundo os quais menos de um terço dos domicílios atendidos com água

encanada pagava pelo consumo permitem entender, em parte, nesta leitura retrospectiva

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dos fatos, a dificuldade que havia em ampliar a rede de abastecimento: por causa da

inadimplência, o governo territorial dispunha de menos recursos do que poderia ter para

continuar a expansão do serviço e zelar por sua qualidade. Não se pode esquecer que, no

ano de 1974, começavam-se a sentir, no Brasil, as dificuldades econômicas provocadas pela

primeira crise do petróleo, sobretudo com a diminuição daqueles recursos que garantiram o

crescimento observado no “Milagre”. Estes argumentos, no entanto, não foram arrolados

em nenhum momento no Jornal, o qual, a respeito do tema saneamento básico,

permaneceu intercalando momentos de silêncio e de exaltação.

Novamente, dando vazão à existência do problema que atingia a todos na cidade,

numa charge publicada em junho de 1975, com o título “toda casa deve ter caixa d’água”, o

Jornal transfere a responsabilidade da solução dos problemas de distribuição para cada

cidadão, que deveria ter um depósito de água para evitar sua falta. Lida dessa forma, a

charge aparece apenas como mais uma peça de publicidade do governo, uma peça típica,

inclusive, já que a propaganda militar também se caracterizava por uma autoritária

“intenção pedagógica”.

No entanto, não se pode esquecer que, defronte para o que inspira temor, muitas

vezes o escárnio costuma ser, nas diversas camadas e grupos que compõem a sociedade

brasileira, o comportamento de defesa contra as imposições do poder (FICO, 1997). Para a

população de Boa Vista, as dificuldades com o abastecimento de água persistiram e, assim, é

justo ver na mesma charge uma reação de escárnio diante da postura que arbitrariamente

ignorava a existência do problema: às 17:45h, hora em que o sol começa a dar uma trégua

aos boavistenses e que, em geral, a temperatura começa a arrefecer, voltando para a marca

entre os vinte e sete e vinte e nove graus, um homem se prepara para “aquele banhozinho”.

No entanto, às 18:15h, a frustração toma conta, pois não consegue refrescar-se, ficando

ensaboado sob um chuveiro do qual não sai água suficiente.

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Ilustração 16 – Charge publicada no JBV em janeiro de 1975.

O que pretendo demonstrar com esse longo exemplo é que, a despeito da existência

de problemas sérios em decorrência do crescimento populacional e da expansão urbana, a

forma como o Jornal Boa Vista abordava a realidade cotidiana de Boa Vista diz muito sobre a

intenção de se produzir consenso em torno dos governos e de suas ações na década de

1970.

A abordagem de outros temas, pelo Jornal, apresenta características muito

semelhantes às que, como pretendi demonstrar, marcam as “notícias” sobre a construção

de pontes e estradas, ou ainda sobre o abastecimento de água na cidade de Boa Vista. Os

exemplos poderiam compor um rosário, indo desde a cobertura de construções simples

como escolas e postos de saúde, passando pela chegada e atuação de instituições bancárias

e de crédito e chegando até a implantação da TV. O estudo das edições do JBV demonstra

que a exaltação e as projeções dos benefícios das “obras da revolução” são colocadas,

nesses casos, lado a lado com o silêncio e a conseqüente negação dos problemas que delas

poderiam advir.

Em Roraima, prometendo “novos tempos”, a publicidade do Regime, veiculada como

notícia nas páginas do Jornal Boa Vista, apoiou-se, assim como no restante do Brasil, em

estratégias discursivas que apelavam para “material histórico preexistente, fundando-se em

mitos e estereótipos clássicos” (FICO, 1997, p.146), ou seja, nas ideias de vazio amazônico,

do domínio humano sobre o meio natural como forma de garantir progresso e

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desenvolvimento e destes dois últimos como conseqüências diretas e imediatas da

“integração”. Esse apelo da publicidade a elementos anteriormente arraigados no imaginário

da região e na composição identitária do roraimense permite crer que as notícias do JBV

reverberavam de modo significativo entre parte da população. Acrescente-se a esse fator

simbólico, o fato de que, em Roraima, a ideia da “construção de um novo tempo” teve um

suporte material impactante, traduzido pela grande quantidade de obras públicas na

transformação do espaço do Território e sua capital. Por isso, pode-se arriscar que os

esforços do JBV em criar uma comunidade de sentido que trata positivamente o período

relativo ao Regime Militar tenham sido mais eficazes entre os roraimenses que em outros

lugares do país, que não contaram com o mesmo suporte material para as ideias veiculadas

por sua propaganda política.

Além de um grande suporte para a propaganda governamental, o Boa Vista foi

também um importante espaço de visibilidade para a elite local. Meio eficaz de ver e ser

visto, publicava as mais diversas informações sobre os chamados “"filhos da terra"”. Ao lado

das notícias sobre as obras governamentais, outras, não apenas na coluna social, garantiram

espaço suficiente para prestar homenagens escritas e publicar imagens e registrar fatos

envolvendo jovens que passavam nos vestibulares, senhoras que bem recebiam autoridades

em suas casas ou a presença de alguma celebridade esportiva ou artística. O Jornal garantiu,

ainda, em seus seis anos de existência, a ampla cobertura dos torneios esportivos, concursos

de misses, rainhas e princesas, bem como dos bailes e desfiles que contavam com a

participação da “mais fina flor da mocidade roraimense”. Ressalte-se ainda que muitos dos

que trabalharam no JBV se tornaram, posteriormente, “papas” do jornalismo em Roraima,

como Laucides de Oliveira, a quem os jornalistas locais chamam de Mestre Lau, e o radialista

Carlos Alberto Alves, que à época atuou como repórter esportivo.

Por todas essas coisas, não se pode tratar o JBV como um simples veículo de

imposição de ideias, estabelecendo uma relação direta de causa e efeito entre sua forma de

abordar os anos de 1970 e determinada memória roraimense sobre o Regime Militar. Isso

porque é impossível abranger, dadas as limitações deste estudo, as diferentes formas de

recepção do JBV no conjunto da sociedade roraimense. Reafirmo, entretanto, que esse

jornal teve grande importância na composição de uma comunidade de sentido em relação

aos fatos dos anos de 1970 em Roraima, e que, dessa comunidade de sentido fazem parte,

principalmente, os elementos do grupo social que, aliado direta ou indiretamente aos

militares, produzia e consumia aquele veículo de comunicação.

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Por fim, é importante lembrar que as edições do Jornal Boa Vista estão encadernadas

e disponíveis, atualmente, em dois locais públicos de pesquisa. Mais que na parca

bibliografia sobre Roraima ou nos documentos dispersos, disponíveis para o público, essas

edições registram o cotidiano roraimense nos anos de 1970 – através de eventos, ideias,

ações individuais e coletivas sob a peculiar ótica do governo territorial. A salvaguarda do

jornal, portador de um discurso elogioso em relação às políticas de integração que vinham

“desenvolvendo o Território” (JBV, 20/11/1973, p.3), considerada junto ao fato de que o

mesmo cuidado não foi dispensado a outros documentos da época, é mais um dado que

demonstra a existência de ações voltadas para a manutenção de determinada visão sobre o

período em que vigorou o Regime Militar, tornando-a indelével na memória roraimense.

2.3 - Estado, migrantes, militares e indígenas: nova memória para novo espaço.

A despeito da coesão pretendida (e simulada) pela maior parte das matérias do

Jornal Boa Vista, o estudo de suas edições mostra que, em certa medida, o jornal foi

permeável aos problemas e às contestações enfrentados pelo governo territorial para a

execução das políticas de reordenação do espaço e do cotidiano em Roraima. Como todos os

setores da população local se viram envolvidos em maior ou menor medida nesse processo,

conflitos exigiram que fossem realizadas, por parte do governo, ações incisivas de

disciplinamento do uso do espaço. Pode-se dizer que o Jornal foi importante instrumento

para isso, veiculando campanhas contra a violência no trânsito, incentivando o plantio de

árvores ou mesmo orientando para o uso adequado dos telefones públicos.

Por outro lado, tais conflitos também permitiram o aparecimento de articulações e

negociações entre os diferentes grupos que compunham a sociedade roraimense. Assim,

ainda que o Estado Nacional militarizado tenha desejado centralizar as ações de integração

do espaço amazônico, que tenha sido seu o tom “ufanista” dado pelas reportagens do JBV às

obras e mudanças ocorridas no Território e que tenha havido entusiastas das mudanças na

capital Boa Vista, nem mesmo o jornal oficial pôde ocultar os limites dessa ação estatal,

provocados, dentre outras causas, pela emergência de intervenções importantes vindas

tanto da antiga elite local como dos migrantes e indígenas envolvidos nesse processo.

Desse modo, não são incomuns as notícias do JBV que apresentam reivindicações de

malocas inteiras ou tuxauas isolados, de grupos de garimpeiros, pescadores e, claro,

também de fazendeiros ao governo territorial. As limitações do Estado Brasileiro para

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orquestrar o processo de fomento às frentes pioneiras de exploração na região provocavam

iniciativas descoordenadas e, por vezes, até mesmo contraditórias. Apesar de, ao exemplo

do que acontecera em outras regiões, os militares defenderem que o Estado deveria chamar

a si o planejamento global e as tarefas de execução da política de desenvolvimento, em que se incluem sistemas de controle e impulsos deliberadamente dispostos para desencadear o processo acumulativo e suas implicações (ANDRADE, 1971, p.151),

as ações de integração promovidas por iniciativa estatal tiveram dificuldades para se

consolidar em Roraima, sobretudo devido à falta de recursos humanos. Afirmo isso ao

verificar o apelo constante do governo territorial, durante os anos de 1970, para que as

pessoas realizassem trabalhos voluntários. Para o governo, recorrer ao trabalho voluntário

era uma maneira de explorar, de modo mais incisivo, os parcos recursos humanos

disponíveis para a execução das políticas de integração. Por isso mesmo, a exaltação de

“exemplos de patriotismo” e “amor ao próximo” foi importante elemento da retórica

governamental em Roraima para justificar o voluntariado, bem como para conseguir

adeptos e aliados no processo de integração.

Essa estratégia pôde ser observada com mais freqüência na história das políticas

específicas dos governos territoriais para a área de assistência social, educação e saúde. Um

primeiro exemplo disso está em uma reportagem não assinada, presente na capa do Jornal

Boa Vista, de 10 de abril de 1976, em que se elogia a “vida exemplar” de “D. Palmira”, a

qual, “com dedicação e amor aos índios”, trabalhou no Serviço de Proteção ao Índio por

mais de quinze anos “sem qualquer remuneração”. O texto segue informando que,

posteriormente, mesmo aposentada, a senhora teria continuado, “espontaneamente e sem

remuneração”, a “exercer atividades em prol da causa indigenista”, criando, “com recursos

próprios, quase uma centena de meninos índios”, motivos pelos quais era, naquele ano,

“agraciada com a medalha do mérito indigenista”. Chama a atenção, no curto texto da

reportagem, a repetição da ideia de que a senhora em questão era uma voluntária, que

trabalhava “sem qualquer remuneração”, investindo, inclusive, “recursos próprios” para a

execução do trabalho de assistência aos estudantes indígenas.

Mas não apenas com retórica se garantia o voluntariado, como se pode verificar

neste trecho extraído da entrevista com o professor Newton Campos, que chegou a Roraima

como militar do Batalhão Especial de Fronteira no ano de 1972. Segundo ele,

o Território não tinha professores suficientes para atender o número crescente de estudantes e muitos militares eram convidados a prestar

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serviço de apoio neste setor no seu horário de folga. Era uma questão de patriotismo e o pedido vinha do seu comandante, o que tornava quase irrecusável. Por isso um número razoável de militares era uma constante nas escolas, principalmente à noite, o ensino ficava quase todo nas mãos dos militares e para isso ninguém ganhava nada, era de grátis (CAMPOS, 2007).

Como o próprio entrevistado fez questão de assinalar, o atendimento ao chamado

para o trabalho voluntário em Roraima era mais que patriótico, afinal, os voluntários eram,

muitas vezes, “convidados” ao trabalho sem remuneração por seus superiores imediatos, o

que inibia a possibilidade de recusa. Mesmo assim, é importante notar a permanência do

“aspecto patriótico” do trabalho voluntário, que aparece no relato do entrevistado, e isso se

explica também pelo fato de que esse era um discurso comum da época. Como apontou

Carlos Fico, era uma das “ideias força” presentes na propaganda governamental do período,

a de que se estava promovendo, sob a batuta dos militares, a “construção do país”, obra

para a qual se clamava pelo empenho pessoal de todos.

Mesmo que seja impossível mensurar o quanto, é possível crer que, em Roraima, o

apelo “construtivo” da propaganda governamental se revestisse de alguma objetividade,

pois, para muito além do discurso, na década de 1970, produziram-se implicações evidentes

no cotidiano das pessoas que ali residiam, com a chegada da água encanada, dos telefones

públicos, das transmissões de TV, bem como do acesso terrestre à região, garantindo a

percepção de que Roraima estava realmente em construção.

Outro fator que pode ter ampliado essa percepção é que o governo territorial criou

uma verdadeira rede executora de políticas sociais, em que havia claro envolvimento de

pessoas ligadas ao serviço público. Mas outros indivíduos, não profissionalmente envolvidos

com as ações, também eram aceitos e absorvidos, e a rede se compunha por pessoas físicas

e também por entidades diversas, com ou sem caráter governamental.

Exemplo disso é a própria existência do chamado Programa de Desenvolvimento da

Comunidade. Promovido em nível regional, desde o ano de 1971, o Programa foi

desenvolvido no Território Federal de Roraima pelo Governo Territorial em conjunto com a

SUDAM e a prefeitura de Boa Vista. O projeto governamental teria por objetivo “sensibilizar

instituições locais” para “intervir tecnicamente no processo de desenvolvimento regional”

(JBV, 29/05/1974, p.5), atacando problemas como a “falta de integração e participação da

população em programas de desenvolvimento” e o “isolamento institucional” para integrar

os “esforços e recursos de programas com os mesmos objetivos” (JBV, 16/12/1975, p.3).

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Assim, ações educativas e de assistência social eram a base prática do Programa de

Desenvolvimento da Comunidade, que tinha como participantes de seu Conselho Executor

em Roraima, em maio de 1974, instituições bastante distintas entre si, como a FUNAI

(Fundação Nacional do Índio), as secretarias de governo, a Comissão Municipal do MOBRAL

(Movimento Brasileiro de Alfabetização), o Exército Brasileiro, através do 6º Batalhão de

Engenharia e Construção, a Rádio Roraima e a Legião Brasileira de Assistência (estatais), mas

também pelo Lions Clube de Roraima e setores organizados pela Igreja Católica, através da

irmandade da Consolata, entre outras não governamentais (JBV, 29/05/1974, p.5).

Um dos casos emblemáticos de atuação do Programa foi a “urbanização do Bairro 31

de Março”, que descrevo a seguir. Chamado originalmente de “Bairro da Palha” ou “Palhal”,

o bairro estava bastante afastado das áreas centrais ocupadas da cidade, e, no ano de 1974,

o Programa de Desenvolvimento da Comunidade se envolveu com seus moradores. Sem

água encanada nem energia elétrica, o Palhal tinha ruas estreitas e sem calçamento, era

composto de residências insalubres, feitas de madeira ou barro e cobertas de palha. Seus

moradores eram muito pobres, em geral retirantes nordestinos analfabetos, muitos recém-

chegados a Roraima. Foi exatamente por causa da característica das casas, cobertas de palha

e não de telhas, como mandava a nova forma de construir, que o local fora apelidado pelos

populares de “Bairro da Palha”. Segundo entrevista de sua coordenadora à época, o

principal objetivo do Programa para com aquele bairro era “lutar por melhorias nas

condições de saneamento e infra-estrutura” (JBV, 29/05/1974, p.5).

Há, nas declarações da coordenadora do Programa, destacadas acima, uma imensa

dubiedade, na medida em que se assemelha ao discurso de um representante de bairro, em

sua luta por infra-estrutura junto aos organismos municipais. É claro que esse não era o seu

papel. O Programa por ela coordenado atuava no sentido de implantar, de cima para baixo,

um processo educativo da população para a reorganização do espaço urbano, afinal, o Bairro

31 de Março, apesar de suas precárias condições, não tinha surgido de forma espontânea,

como fruto de uma invasão: as famílias haviam chegado ali, “na lonjura do lavrado”,

orientadas pelo próprio governo territorial, que as tinha desalojado de um terreno no centro

da cidade e que serviria, segundo as notícias da época, para a captação de água do rio

Branco pela CAER.

Através do Programa de Desenvolvimento da Comunidade, a atuação do governo

territorial pôde mascarar o aspecto autoritário da “urbanização do 31 de março”, já que o

recurso à ideia de filantropia e a atuação da Igreja Católica mobilizaram parte importante da

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população mais antiga da cidade naquele processo. Articuladas pelo Programa, equipes

atuavam junto às famílias removidas para o bairro, oferecendo-lhes cursos de alfabetização

e saúde ou mesmo promovendo arrecadação de donativos para elas. Nas conversas com os

mais antigos moradores do bairro 31 de Março, distante apenas dois quilômetros do centro

da cidade de Boa Vista, aparece com freqüência a lembrança das dificuldades pela falta de

infra-estrutura (31 DE MARÇO..., 2008), mas não há relatos de descontentamento com o

governo da época, o que me permite crer que certa confusão entre disciplinamento e

filantropia é um recurso eficaz para minimizar a memória de possíveis dissensos.

No entanto, há um documento da época que deixa entrever certa tensão entre os

moradores e o governo territorial. Trata-se de uma reportagem de janeiro de 1976 sobre o

Bairro 31 de março, que conta da inauguração do Centro Comunitário, com a presença do já

mencionado Bispo de Roraima, D. Aldo Mongiano, do governador Fernando Ramos Pereira e

do prefeito da cidade, Julio Martins. Segundo a reportagem, enquanto em seu discurso o

governador fez promessa de construir uma escola no bairro, “o padre Lírio destacou a

participação” de um idoso e um menino que, voluntariamente, trabalharam como pedreiro e

servente para a construção do prédio que se inaugurava naquele momento. O texto segue

informando que “todos” aqueles que falaram em nome do Centro Comunitário registraram

que, “se o auxílio das autoridades fora grande, a participação dos moradores dera o toque

decisivo” para aquela conquista (JBV, 01/01/1976, p.3). Apesar de afirmar que a

confraternização “coroava a alegria que imperava no semblante de todos”, a reportagem

deixou gravados, de um lado, o vacilante discurso do governador, “que não queria marcar

datas” para o cumprimento de sua promessa e, de outro, a unidade da fala dos moradores

que, fazendo coro à voz da Igreja, destacavam sua importância “decisiva” para a conclusão

daquela obra. Há que se considerar que, diante de tantas autoridades governamentais, a

forma escolhida pelos representantes do bairro para marcar sua presença na construção do

prédio não chega a ser sutil, podendo ser entendida como indício de uma disputa velada na

organização do novo bairro.

Para além desse exemplo, e ainda a respeito do Bairro 31 de Março, não se pode

deixar de assinalar que o deslocamento de famílias mais pobres para regiões mais distantes

e sem condições adequadas de habitação, por ação estatal, assim como as declarações da

coordenação do Programa de Desenvolvimento da Comunidade – de que a população de Boa

Vista tinha “aspirações de baixo nível”, pois “estava habituada a receber passivamente,

acostumada a uma tradição paternalista” (JBV, 16/12/1975, capa) –, desnudam a presença

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de uma visão elitista, discriminatória e autoritária do Estado em relação aos migrantes no

processo de organização da ocupação territorial da cidade.

A história do Bairro 31 de Março, inicialmente chamado de “bairro da palha”,

aparece ligada à história do Programa de Desenvolvimento da Comunidade. Possíveis

conflitos ou dissensos sobre seu surgimento ou urbanização apagaram-se das fontes

disponíveis. O 6º Batalhão de Engenharia e Construção foi, segundo o Jornal Boa Vista, um

dos responsáveis pelo processo de urbanização, mas não disponibilizou nenhum documento

sobre as atividades que desenvolveu junto daquela população. Como memória do

surgimento do “Palhal”, ficou seu significativo “novo” nome, que mais uma vez lembrava o

dia da tomada do poder pelos militares no Brasil e marcava, desse modo, o momento

histórico em que se formou o menor bairro da cidade de Boa Vista.

A existência de um programa como o de Desenvolvimento da Comunidade nos

permite observar, em escala reduzida, quais eram as estratégias do Estado Nacional

empregadas no Território Federal de Roraima para garantir o controle e a articulação dos

diferentes grupos com vistas a realizar suas obras de integração. É sensato pensar que, a

despeito disso, não se conseguia a adesão de todos os grupos. Nesse novo contexto, Estado

Nacional militarizado, migrantes e indígenas apresentam distintas estratégias de interação,

ora colocando-se em embates abertos, ora compondo alianças conjunturais ou mesmo,

como se viu, atuando em disputas veladas.

Nélvio Santos (2004) sustenta, sobre a década de 1970 em Roraima, que os

governadores militares tinham consciência da necessidade de se cooptar lideranças locais

para compor uma nova relação de poder. Para isso, usaram de diferentes estratégias, que

iam desde a tradicional distribuição de cargos públicos até o apoio estatal a determinadas

atividades privadas, passando pelo auxílio a jovens estudantes que buscavam formação em

outras unidades da federação. Essa postura dos governos militares em Roraima por certo

permitiu que se identificasse certa convergência de interesses entre as chamadas famílias

tradicionais da sociedade local e os militares que neste momento estavam à frente do

governo do Território.

Como já tratei anteriormente, existe uma determinada representação da sociedade

roraimense, produzida pelos historiadores memorialistas, que é fruto do empenho de

setores dessa mesma sociedade em compor um mito fundador para Roraima. O esforço em

torno da construção desse mito de origem se manifestou com ênfase ampliada durante os

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anos do Regime Militar, momento em que o Estado Nacional empreendia uma intensificação

da política de integração da região.

Os governos militares foram responsáveis por grandes mudanças neste extremo

norte do país, entre elas, a caracterização de Boa Vista como cidade monumental. Além do

seu desenho “em forma de leque”, dos grandes prédios públicos e da imensa Praça do

Centro Cívico, aos quais já me dediquei, a capital de Roraima possui obras artísticas

grandiosas, voltadas à preservação da memória de diferentes grupos sociais e que servem,

em geral, para reafirmar a importância dos militares e pecuaristas no processo de

construção do atual estado de Roraima. A reconstituição da história de alguns desses

monumentos demonstra que a valorização do Forte São Joaquim não foi o único elemento

de estreitamento da relação entre os pioneiros e os militares para a composição de um mito

fundador para Roraima, uma vez que as representações de pioneiros, militares, índios e

migrantes, presentes nos monumentos, são muito semelhantes àquelas contidas na

historiografia memorialista. Para além desta produção historiográfica e das demais fontes

escritas aqui estudadas, os monumentos investigados documentam a aliança entre a elite

tradicional e os militares para construção de determinada memória.

Não se pode dizer, no entanto, que foi assim desde o princípio do Regime Militar. A

instalação do “primeiro monumento de Roraima” (OLIVEIRA, 1990) ocorreu entre 1969 e

1970, durante o governo de Hélio Campos e não fazia nenhuma referência à atividade

pecuarista. Trata-se de uma estátua chamada de Monumento ao Garimpeiro. A garimpagem

marcou a história de Roraima no século XX e pode ser dividida em duas fases. Num primeiro

momento a exploração de diamantes ganhou importância menos pelos lucros que gerava do

que pelo contraste com o declínio da pecuária. Na segunda fase, porém, ocorrida na última

metade da década de 1980, a garimpagem de ouro nas serras foi responsável por um

processo intenso de expansão da exploração capitalista. Para se ter uma ideia do impacto

dessa atividade no cotidiano roraimense naquele momento, basta citar que o aeroporto

internacional de Boa Vista chegou a contar com algo em torno de 400 pousos e decolagens

diários (WWF, 1989). Também se pode apontar que, junto ao crescimento da garimpagem

em Roraima cresceram os problemas de ordem ambiental, social e econômica (PROCÓPIO,

1992), que não foram resolvidos quando, em 1991, por decreto do então presidente

Fernando Collor de Mello, o garimpo foi proibido nas serras de Roraima (BARROS, 1995;

SILVA, 2008).

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Ilustração 17 – A estátua do Garimpeiro, em Boa Vista, vista por dois ângulos. Na primeira, o sol da tarde se compõe com a imagem, fazendo brilhar a bateia. Fotografia de Elisangela Martins.

Apesar da importância da história do garimpo para o Território Federal, pouco se

pode saber do Monumento ao Garimpeiro por fontes escritas. Junto à prefeitura da capital,

que é a atual responsável pela manutenção da estátua, é impossível encontrar informações

sobre seu surgimento, dado que foi uma obra do governo territorial. Nos departamentos

subordinados ao governo estadual, por sua vez, fui informada de que a documentação do

“Garimpeiro” – como é carinhosamente chamada a estátua – possivelmente foi transferida

para Brasília ou destruída.

Francisco das Chagas Duarte, que ocupou vários cargos de confiança durante os

diversos governos territoriais desde o ano de 1964, afirma que o Monumento ao Garimpeiro

foi composto, à época, a pedido do próprio governador, que o mandou trazer “de uma

empresa em São Paulo”. Segundo Chagas Duarte, Hélio Campos simplesmente “pensou e

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mandou fazer *a estátua do Garimpeiro+”. Desse modo, “não foi uma obra planejada,

prevista e talvez por esse motivo *se explique+ a dificuldade de se encontrar documento”

(DUARTE, 2007).

Mesmo com a falta de documentação é possível saber que a estátua é oca para

permitir a vazão da água e que a aparência de concreto, na verdade, oculta que o

monumento é feito em alumínio “para evitar o peso e suportar intempérie” (idem, 2007).

Em termos de suas dimensões, o Monumento ao Garimpeiro pode ser considerado um dos

maiores da cidade de Boa Vista. Uma rampa de 14 metros se eleva para permitir o acesso à

sua parte frontal, que se resume à imagem de um homem sem camisa, com grande chapéu

que, curvado para frente, no sentido norte, segura uma bateia. Instalado sobre um espelho

d’água retangular, que possui sete metros e meio de largura por quinze metros e setenta de

comprimento, o ponto mais alto da estátua chega a atingir mais de sete metros de altura em

relação ao chão da praça. Quando ligada, uma bomba dá vida ao Monumento, permitindo

que a água escorra da bateia para o espelho sob a estátua simule a mineração em sistema

de faisqueira, muito comum no início da exploração mineral em Roraima.

Imponente, cravado no centro da Praça do Centro Cívico, o monumento é

considerado, atualmente, um “símbolo histórico da cidade, parte principal da paisagem

urbana de Boa Vista” (BOA VISTA, 2007). Por esse motivo, seu desenho estilizado foi

tornado, por decreto do prefeito Iradilson Sampaio (janeiro de 2007), o símbolo da

Prefeitura da capital de Roraima. O trecho destacado acima repete, em certa medida, o que

diz uma placa instalada pela prefeitura junto à estátua e, ao assumir o Garimpeiro como

“símbolo histórico”, a prefeitura não leva em consideração que o boom da atividade

mineradora, descrito pelo documento como “um ciclo do desenvolvimento econômico,

político e social” e que seria “representado” pelo monumento, ocorrera quase vinte anos

depois de sua instalação. Assim, o decreto confere ao Garimpeiro um significado que esta

não possuía no momento em que este foi erigido.

É verdade que, diante do próprio histórico da mineração em Roraima, as razões para

erigir este monumento em fins dos anos de 1960 também não são claras. Desde o início do

século XX a mineração crescera em importância e em 1943 o extrativismo mineral já atingia

“59,6% da produção total” no Território. Apesar disso, o registro feito por Araújo Cavalcanti

para a “recuperação e desenvolvimento do vale do Rio Branco” não parecia muito favorável

à exploração mineral, já que, segundo ele, apenas o diamante constituía “objeto de

exploração, extraído pelos mais atrasados processos imagináveis”. Além disso, em clara

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crítica, Araújo Cavalcanti apontava “a sedução dos diamantes” como o primeiro fator entre

os responsáveis “pelo quase aniquilamento da pecuária riobranquense” (CAVALCANTI 1949

p.21 e 25).

Tal visão oficial sobre a mineração parece ter se alterado com o decorrer do tempo,

pois a partir dos anos de 1960 ocorreu um novo “ciclo de devassamento amazônico”,

intensificado pelos governos militares (BECKER, 1998) e uma das características desse

momento é exatamente o avanço dos interesses capitalistas sobre as riquezas amazônicas,

dando importante destaque para a exploração extrativista em escala industrial e incluindo a

extração mineral como uma das atividades impulsionadoras desse processo (PROCÓPIO,

1992). Além disso, buscando respostas nas fontes sobre os primeiros anos do Hélio Campos,

encontra-se uma retrospectiva, publicada na primeira edição do JBV, que afirmava que

o princípio foi muito difícil para o governador [...]. No Ministério do Interior foram-lhe fornecidas muitas informações. [...] trazia um staff de primeiríssima, gente especializada e de currículo (JBV, 15/9/1973, p.06).

Diante disso pode-se crer que, chegando a Roraima em 1967, o coronel aviador Hélio

da Costa Campos considerasse, com base nas informações recebidas pelo Ministério do

Interior, que a atividade garimpeira seria a alternativa adequada para se promover o

adensamento da terra sem homens por homens sem terra pois, como já se sabia da

existência de ouro no extremo norte, o que faltava era criar as condições para a chegada

daqueles que o explorariam em grande quantidade. A instalação da estátua bem pode,

nesse quadro, ter significado uma ação simbólica que visava anunciar qual seria a atividade

econômica impulsionadora do projeto de integração nacional que, em consonância com os

princípios dos governos militares em nível federal, Hélio da Costa Campos pretendia

promover no Território Federal de Roraima e não haveria, portanto, nada de visionário na

instalação da estátua do Garimpeiro.

A medida não parece ter sido bem recebida, no entanto, no seio da elite local. Em

seu livro, Dorval de Magalhães chegou a classificar a escultura como “um dos erros em

Roraima” e afirmou que, quando o monumento foi colocado na praça, dirigiu-se

pessoalmente ao governador, Hélio Campos, para demonstrar sua insatisfação. Apesar de

não ser revelada a reação do governador diante da oposição à instalação da estátua do

Garimpeiro, é factível que os questionamentos vindos do grupo de "filhos da terra"

implicaram na necessidade de Hélio Campos adotar algumas mudanças em seus planos

iniciais, como se pode entender pela continuidade da matéria publicada no JBV:

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[Hélio Campos] logo se apercebeu da dificuldade de adaptação [...] de seus auxiliares [para] viver os sentimentos do elemento da terra, seus anseios, temores, respeitar suas dúvidas. [...] O filho da terra precisava apenas de uma oportunidade para trabalhar. [...] Respeitava-se o elemento da terra. Confiava-se para a recíproca (JBV, 15/09/1973, p.06)

O questionamento sobre o garimpeiro, produzido por Dorval de Magalhães se

baseava na opinião de que a estátua era uma homenagem equivocada porque, segundo ele,

para atingir os diferentes valores, [a referência] deveria ser tríplice: ao índio, que foi indubitavelmente o primeiro habitante da região, havendo recebido pacificamente o colono branco; ao ruralista ou vaqueiro, que plasmou a primeira economia regional e por fim ao garimpeiro, eterno nômade e sonhador (MAGALHÃES, 1986, p.103).

Mesmo tendo sido o único memorialista a registrar sua opinião de que a homenagem

aos garimpeiros era inadequada, a indignação de Dorval de Magalhães não pode ser

considerada como uma reação isolada. Não custa lembrar que este era um ativo pensador

da tradicional elite roraimense e que suas opiniões eram ouvidas pelo poder público, a

exemplo do que acontecera com a mudança de nome do Território.

Como se viu pelas proposições da historiografia produzida pelos memorialistas, o

lugar de desbravadores e de pioneiros da economia regional deveria ser assegurado aos

antigos fazendeiros de gado e, consistente com essas proposições, o discurso de Dorval de

Magalhães chama a atenção para o fato de que os “pioneiros” deveriam ser lembrados

como elementos dinâmicos que, recebidos pelos pacíficos (e passivos) nativos, fixaram-se na

região promovendo uma forma de ocupação distinta daquela realizada pelos garimpeiros

que, para ele, eram “nômades e sonhadores” eternos.

A atitude de Hélio Campos em homenagear aos garimpeiros em fins da década de

1960 significava atestar o declínio dos pecuaristas e, considerando a indignação de Dorval de

Magalhães, lhes negar a importância histórica que julgavam ter. Além disso, pode-se

identificar nesse evento uma fissura importante no grupo que se denomina de “filhos da

terra”, uma vez que a propriedade de terra e gado podia garantir status e tradição, mas era

o garimpo quem garantia, naquele momento, a formação e manutenção das fortunas

necessárias para a manutenção desse mesmo status. Nesse quadro, pode-se supor que, ao

cravar a estátua do Garimpeiro no Centro Cívico Hélio Campos não teria necessariamente

optado por um lado do grupo que compunha a elite local, agindo mais de acordo com a

tradicional prática política de “dividir para conquistar”. De qualquer modo, o desabafo de

Dorval de Magalhães, publicado mais de quinze anos depois da instalação da estátua do

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Garimpeiro, é uma demonstração da inquietação dos descendentes de antigos pecuaristas

para garantir, junto ao poder público, a memória de sua participação no que teria sido o

início de Roraima.

Roraima, informações históricas foi, entre os livros estudados, o único a ser publicado

na década de 1980, durante a febre do garimpo, quando seus reflexos negativos – como o

aumento dos preços e da violência na cidade de Boa Vista – puderam ser sentidos de modo

mais intenso. Esse contexto provavelmente tornava mais fácil criticar uma atividade tão

lucrativa quanto a garimpagem, mesmo que os motivos para as críticas estivessem situados

em outra disputa. Como os demais livros - à exceção do trabalho do professor Ferreirinha –

surgem em momento posterior à proibição do garimpo, pode-se entender a ausência desse

tipo de reclamação nos outros livros, o que não significa necessariamente que os demais

autores não comungassem da mesma opinião de Dorval de Magalhães.

Além da mudança na postura do governo para com os “filhos da terra”, já indicada

pela reportagem do JBV, a grita dos pioneiros teve outros resultados. O desejo das famílias

tradicionais de que sua representação não ficasse apenas no nível abstrato do discurso,

garantiu o aparecimento de diversas homenagens, começando pela instalação de um

primeiro Monumento aos Pioneiros, inaugurado em 25 de julho de 1975, pela Prefeitura

Municipal. A escultura foi colocada na Praça Barreto Leite, que recebeu esse nome em

homenagem ao representante do Estado do Amazonas, responsável por instalar a

Intendência de Boa Vista do Rio Branco, em 1890.

O ponto ocupado pela primeira homenagem aos pioneiros está no ponto central

situado entre o que seria o antigo Porto do Cimento, porta de entrada da cidade, o terreno

do Prédio da Intendência, onde Boa Vista se tornara cidade oficialmente, e a sede da

Fazenda Boa Vista, que dera origem à Freguesia de Nossa Senhora do Carmo. Esta

localização não disputava espaço com o “novo centro” que, naquele momento, se erigia em

torno da Praça do Centro Cívico e garantia, a exemplo do que acontece em outras cidades do

Brasil, a instituição de um marco zero para Boa Vista, ou delimitar, como seria chamado mais

tarde, o “berço histórico da cidade”.

Construído por ocasião dos 85 anos da “fundação e instalação da cidade de Boa

Vista”, o monumento retratava uma embarcação a vela, produzida em concreto, e seus

veleiros chegavam a mais de dois metros e meio de altura. O tipo de embarcação retratada é

estranho, uma vez que os pioneiros subiam o rio Branco em gaiolas ou batelões movidos à

verga ou remo e não em veleiros. No entanto, não foi encontrado nenhum questionamento

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acerca dessa característica, talvez porque, ao fazer referência direta à navegação, tenha-se

contemplado, ainda que de forma imprecisa, uma lembrança da única forma disponível aos

pioneiros para se chegar à região.

A inauguração desse monumento fez parte de uma programação especial em

homenagem à capital do Território, da qual constavam atividades distintas: desde uma

mensagem do prefeito na “Alvorada Cívica” (programa que ia ao ar às cinco da manhã pela

Rádio Roraima), passando pela divulgação do resultado de um concurso de trabalhos sobre a

história de Roraima, a inauguração de um abrigo para parada de ônibus, a inspeção de obras

de urbanização no bairro Pricumã até uma visita à construção de uma usina de tratamento

do lixo.

A cerimônia de inauguração do Monumento aos Pioneiros foi registrada em

reportagem de duas páginas no Jornal Boa Vista. Realizado ao anoitecer, o evento contou

com bastante pompa: teve, além da presença do prefeito, Julio Martins, a participação do

governador do Território, Ramos Pereira, que “ligou a chave geral para iluminar o

logradouro”. Em seguida, o bispo de Roraima, D. Servílio Conti, abençoou o monumento,

tudo sob os olhares de “autoridades civis e militares” que prestigiavam a inauguração. O

discurso da Sra. Haidée Lima, parente próxima de Dorval de Magalhães e convidada para a

inauguração para representar os pioneiros homenageados, afirmava a alegria por estarem

todos reunidos pelo mesmo entusiasmo e satisfação, pelo mesmo desejo em homenagear nossos heróis, aqueles que, com espírito de civismo e amor patriota, enfrentaram sérios problemas da época, em meio a sacrifícios, desbravaram nossa terra e por ela lutaram, trabalharam no sentido de elevá-la a uma condição de glória que hoje estamos vendo realidade (JBV, 02/08/1975, p.6-7)

A construção e inauguração do monumento permitem ver o empenho da prefeitura e

do governo territorial, durante o Regime Militar, em reconhecer essas famílias como

importante elemento formador da cidade. O discurso dos descendentes dos pioneiros, por

sua vez, deixa claro que estes consideram o reconhecimento justo e acertado,

apresentando-se muito confortáveis no papel de “bandeirantes modernos”. É digno de nota

que Haidée Lima não deixou de ressaltar a consideração de que, naquele momento de

intensas transformações, Roraima vivia uma “condição de glória”.

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Ilustração 18 – Imagem do veleiro que restou do primeiro Monumento aos Pioneiros, depois da reforma da Praça Barreto Leite, Boa Vista, Roraima. Fotografia de Elisangela Martins.

O evento de inauguração pode ser considerado como um sinal público da aliança

entre pioneiros e a prefeitura de Boa Vista no que diz respeito a constituir a história de

Roraima como uma história de conquista. É importante lembrar que Julio Martins, prefeito

da capital indicado pelo governador Fernando Ramos Pereira, era considerado um “filho da

terra”. No entanto, não se pode deixar de observar que, naquela inauguração, investia-se

mais do que na memória dos pioneiros, afinal, tanto os discursos da cerimônia de

inauguração quanto o Monumento aos Pioneiros em si provocam uma fusão intencional de

memórias. Materialidade dessa afirmação se encontra na instalação de duas placas em

bronze na estátua do veleiro: Uma, identificava-o com os dizeres “No 85º aniversário do

Município de Boa Vista, homenagem à memória dos seus pioneiros. 9 julho 1975”, e

permanece até os dias atuais naquilo que restou da embarcação de concreto. Da segunda

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placa, ficaram apenas as marcas, uma vez que foi completamente depredada. Mas a

reportagem de 1975, intitulada Município homenageou seus pioneiros, informa que aquela

placa teria sido descerrada por Horácio Mardel de Magalhães, outro representante dos

“pioneiros” presente ao evento de inauguração, e trazia as palavras do ex-comandante geral

do Exército para a Amazônia, General Rodrigo Otávio Jordão Ramos: “É árdua a missão de

desenvolver e defender a Amazônia, muito mais difícil porém foi a de nossos antepassados

em conquistá-la e mantê-la”.

Poder-se-ia questionar sobre o estado atual de degradação do monumento, uma

aparente contradição na argumentação até aqui apresentada a respeito da aliança entre o

grupo de "filhos da terra" e os governos locais para a forja de uma memória. Em resposta a

isso é possível afirmar que a descaracterização do primeiro monumento aos pioneiros foi

feita por iniciativa do poder público municipal quando da criação de um novo Monumento

aos Pioneiros, no ano de 1995. Ainda que eu vá me ocupar desse processo mais adiante,

cabe afirmar, nesse momento, que a substituição de um monumento por outro, em locais

muito próximos, se deu com total apoio e assessoria de representantes da família Brasil, que

para si também pleiteiam o título de tradicionais "filhos da terra". Lembrando a histórica

disputa existente entre os Brasil e os Magalhães, a qual já aludi anteriormente valendo-me

do que aponta Barros (1995) para o processo de ocupação territorial em Roraima, e

identificando que os Magalhães parecem ter sido mais ativos no processo que deu origem ao

primeiro Monumento aos Pioneiros, o desmonte e consequente degradação do mesmo me

parece ser fruto mais disputa entre as duas famílias pela definição e invenção das tradições

do que necessariamente uma perda do poder de nomeá-las entre os "filhos da terra".

Feita essa explicação, é importante ressaltar que, do conjunto composto pelo

primeiro Monumento aos Pioneiros e por sua cerimônia de inauguração emerge um discurso

que, configurando-os como precursores do próprio Estado, apresenta os pioneiros como

aliados do Estado Nacional no processo de integração. Por outro lado, é importante observar

que, apesar de ter sido erigido “em memória dos pioneiros”, o monumento perpetuava as

palavras do General Rodrigo Otávio, garantindo assim um lugar destacado também para os

militares brasileiros que, naquele momento, consideravam-se com a “árdua missão de

desenvolver e defender a Amazônia”.

Além da valorização do Forte São Joaquim e dessa participação no Monumento aos

Pioneiros, houve ainda outras iniciativas de perpetuação da memória dos militares em

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monumentos presentes na cidade de Boa Vista, como se pode verificar pela observação

atenta da forma como os logradouros centrais da cidade foram denominados.

Ilustração 19 – Representação do arco central da cidade. (BRASIL, 1996)

O desenho do centro da cidade de Boa Vista – representado na ilustração acima –

tem como primeiro arco a Praça do Centro Cívico e como último aquele formado pelas

Avenidas Terêncio Lima e Major Williams. A base desse arco é a Avenida Benjamim

Constant, mas além dela fazem parte do centro, ainda, outras três vias que seguem paralelas

ao Rio Branco. Da Praça, partem seis grandes avenidas radiais e, mais adiante, a partir do

segundo e terceiro arcos, outras pequenas vias começam a entrecortar os quarteirões, que,

devido ao desenho da cidade, tornam-se maiores à medida que se afastam do centro.

As avenidas e ruas do centro da cidade, ao contrário do que ocorreu posteriormente

com bairros inteiros29, foram batizadas, a exemplo do que acontece em outras cidades, em

memória de pessoas consideradas ilustres pelo poder público e também pela parcela mais

influente da sociedade local. Assim, personagens de vulto nacional emprestam seus nomes

29

Como exemplos, pode-se citar o bairro Pricumã, em que todas as ruas possuem nomes de flores, o Bairro Paraviana, e suas ruas com nomes de árvores, o Bairro Santa Tereza, com ruas batizadas com nomes de peixes e o Bairro dos Estados, que como o próprio nome sugere, possui ruas e avenidas homenageando aos estados brasileiros.

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para algumas das vias centrais de Boa Vista, como é o caso das Avenidas Getúlio Vargas,

Floriano Peixoto, da já citada Benjamim Constant, bem como da Rua Barão do Rio Branco.

Para além desses, que são padrinhos já suficientemente conhecidos por sua presença nos

manuais de História do Brasil, são poucas as ruas e avenidas que, além do nome, revelem

também alguma característica sobre quem foram seus patronos. Nesse caso, as homenagens

aos personagens “pioneiros,” como aos fazendeiros Inácio de Magalhães e Sebastião Diniz,

não possuem distinção em relação àquelas feitas, por exemplo, para lembrar daqueles que

ocuparam algum cargo importante na administração local, como é o caso de Ville Roy (ex-

governador do estado do Amazonas) ou Mario Homem de Melo (ex-prefeito da cidade). É

digno de nota, no entanto, que os segundos apadrinharam avenidas, enquanto os primeiros

ficaram com ruas e vielas.

Essa relativa indistinção faz com que aqueles cujos nomes batizam os logradouros

centrais de Boa Vista ocupem uma vala comum na memória da população, que na maioria

das vezes não sabe de fato quem foram as pessoas que emprestam seus nomes às ruas da

cidade e nem porque, entre tantos habitantes, seus nomes foram escolhidos. Prova disso, e

também da curiosidade da população em conhecer quem foram essas pessoas, é a

existência, há anos, da coluna “Minha rua fala”, publicada na Folha de Boa Vista pelo

jornalista Francisco Cândido, em que se conta a história daqueles que dão nome às ruas da

cidade. Essa coluna pode ser entendida como um esforço para garantir que a memória e a

distinção perpetuadas com a nomeação das ruas constituam, de fato, uma memória.

Tomando o conjunto das trinta ruas e avenidas centrais de Boa Vista (desconsiderei

as travessas e ruelas, que geralmente levam o nome do maior e mais próximo logradouro),

pude verificar que, antecedendo os nomes dos patronos, aparece apenas uma forma de

identificação, que é a indicação da atividade profissional desempenhada pelo patrono. Três

tipos distintos de ocupação estão ali presentes: a primeira é a do médico Sílvio Lofêgo

Botelho, designada pela tradicional inscrição “Dr.”. Dois professores, Diomedes e Agnelo

Bitencourt, também foram imortalizados com os nomes antecedidos da identificação

profissional. Por fim, vem o grupo identificado por patentes militares. São ao todo dez ruas e

avenidas, incluindo-se aí aquela que, perpendicular à base, marca o eixo central do mapa da

cidade. Esse número representa um terço do total das vias centrais e permite afirmar que a

exaltação da atividade militar, nas ruas centrais de Boa Vista, excede, em muito, àquela

dedicada às demais ocupações profissionais.

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A variedade das patentes demonstra que, sendo mais que soldado, não importava

muito o posto ocupado, já que se homenageiam um alferes (Paulo Saldanha), dois coronéis

(Mota e Pinto), quatro capitães (Julio Bezerra, Ene Garcez, Bessa e Francisco Ferreira), um

general (Penha Brasil) e dois majores (Williams e Manoel Correia). O destaque dado às

patentes é bastante eficaz no sentido de garantir uma referência precisa e, mesmo que com

o tempo se deixe de saber quem foi, em que época viveu ou em quê contribuiu, para a

cidade, cada um dos patronos citados, qualquer pessoa que venha a caminhar pelas ruas e

avenidas às quais emprestam os nomes saberá que se trata, antes de tudo, de militares.

Outros segmentos sociais, no entanto, começam a aparecer em seguida nos

Monumentos. É o que testemunha a Praça da Cultura. Instalada em frente à Torre da

Embratel (antiga Telaima), na parte de trás do pequeno terminal rodoviário urbano do

Centro Cívico, no início da Avenida Ene Garcez, a praça é, durante o dia, freqüentada por

trabalhadores ambulantes e dos quiosques no entorno do terminal, que utilizam os

sanitários públicos instalados sob o teatro de arena que compõe a Praça, ou descansam

junto às mesas e bancos de concreto instalados à sua frente. Em comparação com as

construções que monopolizam a vida noturna na mesma avenida, porém, (Praça das Artes,

Das Águas, Centro Velia Coutinho e Complexo Esportivo Ayrton Senna) a Praça da Cultura,

menos iluminada e sem nenhum atrativo, é um espaço morto. Mesmo assim, não se pode

negar que a praça está bem conservada desde que foi reformada, no ano de 1999, sob o

governo municipal de Ottomar Pinto.

A arena de concreto, formada por um círculo ladeado por cinco grandes degraus,

tem, no alto da construção, três colunas, que, marcando as extremidades, servem de

pedestais para estátuas de concreto representando um “fazendeiro”, um “índio” e um

“garimpeiro”, todas com data de dezembro de 1991 e assinadas por um artista identificado

apenas como Coelho. O garimpeiro está na extremidade esquerda do arco. Assim como o

grande garimpeiro do Centro Cívico, é representado de chapéu, dorso nu e calças curtas.

Ereto, segura uma bateia com a mão esquerda e uma pá apoiada no ombro direito e fica

exatamente de frente para a figura do “fazendeiro” que, retratada por um homem de

chapéu, camisa e botas, com um laço a tiracolo e apontando com o braço esquerdo para

frente, parece uma mistura de bandeirante e cowboy. A representação do indígena retrata

um homem jovem, cabelos num corte cuia (lisos e retos, à altura das orelhas), vestido

apenas com uma tanga e empunhando um arco e flecha.

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O que se pretende com essas imagens? Poder-se-ia responder que a representação

presente na praça veio, com algum atraso, atender àqueles que, como Dorval de Magalhães,

reclamaram uma homenagem que lembrasse também de indígenas e pecuaristas além dos

garimpeiros. No entanto, qualquer interpretação deve levar em consideração o contexto

histórico mais geral. O ano de 1991, em que foram produzidas as imagens instaladas na

praça no ano seguinte, foi marcado pela instalação do Estado de Roraima, com a posse do

primeiro governador eleito, Ottomar Pinto. Foi também nesse mesmo ano que, diante das

pressões internacionais por conta de denúncias de massacres contra os indígenas das serras

onde se dava a garimpagem, foi criada a Reserva Indígena Yanomami e decretada, pelo

presidente da República Fernando Collor, a proibição do garimpo em Roraima.

Observando o Monumento de modo mais detido e levando em consideração esse

contexto em que foram produzidas as imagens, pode-se perceber que a forma como foram

dispostas, distantes e sem relação entre si, passa a ideia de que fazendeiros, índios e

garimpeiros compunham esferas distintas e isoladas na sociedade roraimense. Essa ideia se

acentua pelo fato de que as estátuas estão calcadas em imagens tão arraigadas no

imaginário como desligadas da realidade histórica de Roraima, na qual as relações entre

fazendeiros, garimpeiros e indígenas são bastante imbricadas e conflituosas, sobretudo

devido às disputas pelas terras.

Por outro lado, a estátua do indígena presente no monumento reforça a mais

tradicional representação produzida com referência aos nativos. Firmemente instalada no

imaginário coletivo, a imagem do índio seminu empunhando arco e flecha reproduz a ideia

do indígena como simples ascendente do povo brasileiro, habitante do passado, que deve

ser lembrado como se não mais existisse. Essa concepção do indígena é fortemente

influenciada por uma historiografia que o pensava apenas como mais um elemento para a

formação do povo brasileiro e encontrou forte eco entre os diletantes que escreveram sobre

a história de Roraima. Exemplo disso é que, anos antes, em seu livro Informações Históricas,

influenciado por autores como Arthur Cezar Ferreira Reis e Adolpho Ducke, que cita várias

vezes, Dorval de Magalhães legou à posteridade um testemunho que permite vislumbrar as

ambigüidades do pensamento da elite roraimense sobre os indígenas. O autor opinava que a

“vinda do aborígene à civilização importa, sem dúvida nenhuma, na miscigenação entre as

raças em contato, na formação do extraordinário povo brasileiro” (MAGALHAES, 1986, p.11).

Tratando do contexto mais geral, em que eram inegáveis os conflitos entre indígenas,

fazendeiros e garimpeiros, o autor reconhecia a impossibilidade de ficar “impassível ante o

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problema indígena”, mas negava o fato de que, no Brasil havia “cifras de milhões de índios

mortos”, afirmando que “muitos dos silvícolas considerados mortos, simplesmente casaram-

se com brancos, mestiços e negros, numa miscigenação conhecida, mas infelizmente

pouquíssimo proclamada”. Essa situação, na interpretação de Dorval de Magalhães, levava a

“um erro de interpretação” que, com relação à população do Território Federal de Roraima,

confundia “o índio autêntico com o brasileiro comum, descendente de índio, mas que não

guarda as tradições dos seus ancestrais” (MAGALHÃES, 1986, p.35).

Parece ser exatamente essa a concepção que garantiu a inserção da imagem do índio

entre as imagens do fazendeiro e do garimpeiro. Uma vez que ser indígena não é,

obviamente, uma profissão, ao dispor “o índio” entre dois profissionais, “o garimpeiro” e “o

fazendeiro”, o monumento transmite a errônea ideia de que a parcela da população inserida

no mundo do trabalho formado, em Roraima, pela pecuária e a mineração não era composta

por indígenas. O efeito dessa mensagem é nefasto porque distorce a participação dos

indígenas na história de Roraima, negando, por exemplo, a sua presença majoritária como

mão-de-obra para a função de vaqueiro nas fazendas do Vale do Rio Branco30. Assim, a

representação do indígena na Praça da Cultura não é aleatória nem inocente, e cristaliza

imagens preconcebidas dos indígenas e de sua participação na construção do Estado. Por

tudo isso, pode-se interpretar que a Praça da Cultura, inaugurada no centro de Boa Vista, no

ano de 1992, pelo prefeito Barac Bento, testemunha e materializa uma interpretação

específica da realidade histórica de Roraima naquele momento, reafirmando a importância

de fazendeiros e garimpeiros em detrimento da presença indígena, representada como algo

pretérito ou ainda fadado ao fim pela miscigenação e pelo contato.

30

Cf. os relatos de Jaques OURIQUES (1906), do início do século XX, bem como os trabalhos de Nádia FARAGE (1991) e Paulo SANTILLI (1994).

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Ilustração 20 – Nas três imagens, vista geral e detalhes da Praça da Cultura, Centro de Boa Vista. Fotografias de Elisangela Martins

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126

A valorização histórica dos fazendeiros em relação a indígenas e demais migrantes

seria ampliada e tornada mais contundente no Projeto Raízes, desenvolvido pela prefeitura

de Boa Vista em parceria com a Fundação Banco do Brasil no ano de 1995. Reafirmando a

existência de um “centro histórico” para a cidade, a exemplo do que já havia sido feito em

1975, o Projeto previa, além da montagem de um novo Monumento aos Pioneiros, a

restauração de prédios históricos próximo às margens do rio Branco e a publicação de um

livro intitulado “Berço histórico de Boa Vista”, produzido por Amazonas Brasil.

Inaugurado pela Prefeita Tereza Jucá, esse segundo Monumento aos Pioneiros foi

analisado no trabalho Formação das identidades políticas indígenas e não- indígenas no final

do século XX, de Raimundo Santos (2003). A descrição que o autor faz do painel central que

compõe o monumento é bastante completa, motivo pelo qual a reproduzo:

A obra em si foi esculpida em concreto armado pelo artista plástico roraimense Luiz Canará, que procurou obedecer à seqüência: a chegada de famílias imigrantes em canoas movida a remo, à esquerda e em primeiro plano; o transporte de seus utensílios quando em terra feito por homens e mulheres, também à esquerda, mas em segundo plano; a conquista dos campos representada pelo homem a cavalo ao centro do conjunto e; à direita, os indígenas, com destaque para o busto da principal personagem da mitologia indígena roraimense, o “Pabá Curinâ Makunaima” – o Grande Pai Macunaima, que aparece em primeiro plano e em alto relevo, tendo por trás um grupo de indígenas, de pé e nus.

Santos considera que aquele “lugar de memória” foi composto como uma “tentativa

de apresentar a história da formação da cidade e, por que não dizer, do Estado de Roraima”.

Ele observou que os “migrantes de pouco poder aquisitivo”, vindos em canoas, foram

retratados em segundo plano, contrastando com a figura do fazendeiro que, sobre um

cavalo, fica bem no centro da imagem. Acrescento a isso que o Monumento explicita um

marco temporal e restringe a história retratada ao século XIX, posto que, na cena, uma

criança que acompanha os migrantes que chegavam a pé, carrega a bandeira do Império

Brasileiro. Desse modo, o Monumento, a exemplo do que já expus sobre a historiografia

memorialista, fala da chegada dos “verdadeiros pioneiros” e impede que estes sejam

confundidos com os migrantes chegados a Roraima no fim do século XX.

Diferente do primeiro Monumento aos Pioneiros, a construção de 1995 faz

referências mais indiretas às figuras militares. Isso se explica, ao menos em parte, pelo novo

contexto político do país, marcado pela abertura democrática que há dez anos tinha

afastado os militares do Executivo Central. No entanto, à semelhança do que fizera a

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historiografia memorialista, o novo Monumento aos Pioneiros valoriza os militares através

do Forte São Joaquim, representado por um muro de arrimo construído em pedra-jacaré ao

lado do painel central.

A univocidade entre a historiografia memorialista e o novo Monumento aos

Pioneiros, que hoje é um dos principais cartões postais da cidade de Boa Vista,

lamentavelmente não pára na valorização de fazendeiros e militares. Também se repete, ali,

uma concepção sobre os povos indígenas, pois, como apontou Santos, apenas os migrantes,

ao lado direito da cena, apresentam-se dinâmicos, contrastando com a figura dos indígenas

que, “estáticos”, pareciam “barrar o caminho dos pioneiros”.

Ilustração 21 – O novo Monumento aos Pioneiros, retratado na página do livro de Amazonas Brasil (BRASIL, 1996) e em fotografia de Elisangela Martins.

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Tal ideia de “entrave”, presente na imagem, não apenas repete as proposições dos

historiadores memorialistas às quais já aludi no primeiro capítulo, como reproduz um

discurso muito forte nos anos de 1970. Exemplo disso é que, naquela época, a presença

indígena apareceu em diversas reportagens do Jornal Boa Vista, predominantemente como

“um problema” a ser resolvido, como mostra a fala do Cel. João Tarcisio de Cartaxo Arruda,

então comandante do 6º Batalhão de Engenharia Civil. Sobre as obras da BR174, o Coronel

se pronunciou afirmando que entre as diversas dificuldades para a construção da rodovia,

constavam a variedade da topografia, a quantidade de chuvas, a falta de trabalhadores e os

riscos de se enfrentar os atroari e os abunai (JBV, 17/08/1974, p.05). Noutro momento, o

governador Ramos Pereira, ao se pronunciar sobre a necessidade de regulamentação das

terras em Roraima, reclamava que,

excluídas as áreas de reservas e de restrições estabelecidas pela faixa de fronteiras, reservas indígenas, faixa de cem quilômetros ao longo das rodovias federais e reservas de preservação de floresta, área inferior a 10% de toda a área territorial restaria a uma utilização desenvolvimentista pelo governo de Roraima (JBV, 27/07/1974, p.05; grifos meus).

É preciso levar em consideração que essa ideia emerge do processo desencadeado

em conseqüência das diversas políticas de integração adotadas pelo Estado Nacional

Militarizado, a partir dos anos de 1970, e que a interpretação da presença indígena como um

problema atendia aos interesses desenvolvimentistas defendidos, em nível local, por dois

grupos hegemônicos e aliados: a elite fazendeira e os militares que governavam o Território

Federal de Roraima.

Diante das mensagens contidas nos Monumentos descritos e interpretados, pode-se

afirmar que os mesmos são mais um suporte para divulgação e perpetuação de concepções

específicas sobre a sociedade roraimense, valorizando a participação histórica de grupos

sociais muito restritos (fazendeiros e militares) em detrimento de outros (indígenas e

migrantes) e servem, portanto, como elementos de disputa para formação identitária local.

Mesmo que não se possa medir o impacto dos Monumentos para a desvalorização da

memória de indígenas e migrantes junto à população, pode-se arriscar que os indígenas são

mais afetados que os migrantes: a estátua que representa o índio na Praça da Cultura tem

evidentes sinais de depredação, como partes quebradas do arco e da flecha; no painel do

Monumento aos Pioneiros, uma pichação foi feita exatamente no peito da figura de

Makunaima. Tais avarias não são vistas nas imagens que representam garimpeiros ou

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demais migrantes, e por isso não podem ser consideradas apenas como mais um ato de

vandalismo contra bens públicos. Tal argumento se fortalece quando se atenta para o fato

de que, em Roraima, os ataques violentos contra indígenas ainda são bastante freqüentes,

incluindo desde atos de preconceito, como o da publicação da “venda de filhotes de

yanomami” num jornal local, até crimes cruéis, como o assassinato, no ano de 1988, do

jovem Ovelário Tames, indígena macuxi, na delegacia de Normandia31.

É preciso lembrar que a transição do Regime Militar no Brasil levou Roraima de

Território Federal a Estado, mas isso não significou uma importante alteração no que diz

respeito às pessoas instaladas no poder público. É o que se observa, por exemplo, com a

eleição de Ottomar Pinto para governador, em 1990: militar da reserva, o brigadeiro chegara

ao Território como governador biônico. Tal transição, com a participação expressiva dos

setores civis que apoiaram os governos militares anteriores, garantiu a permanência das

ideias que se haviam formulado sobre a formação de Roraima e, por outro lado, permitiu

que se continuasse a empregar mecanismos para disseminá-las.

Os “pioneiros” de Roraima conseguiram, a partir do Regime Militar, estabelecer

determinada versão do passado da região. Pressionando os governos locais com vistas à

preservação de sua memória, uniram-se aos militares em busca de valorização em

detrimento dos demais grupos que compõem a sociedade roraimense. Em meio às

transformações sociais, econômicas e culturais surgidas da intervenção violenta do Estado

Nacional sobre o espaço roraimense, esse grupo buscou garantir, como já havia feito nos

livros da historiografia memorialista, a fixação de suas ideias nos Monumentos erigidos na

cidade de Boa Vista. Cravada em livros e concreto, mantém-se, no novo espaço que surge,

uma memória hegemônica sobre a formação de Roraima e seu povo.

31

Ver imagem do monumento instalado na Praça do Centro Cívico, em 2006, por recomendação da Organização Interamericana dos Direitos Humanos.

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CAPÍTULO III. Comemorações públicas em Roraima: este é o Brasil que vai pra frente!

Marcas do que se foi / sonhos que vamos ter como todo dia nasce novo em cada amanhecer...

Ruy Mauriti

As comemorações públicas, geralmente dedicadas à lembrança de efemérides, são

eventos em que memória e história se fundem, misturam-se. Para o historiador, essas

comemorações são importante fonte de conhecimento, uma vez que os fatos apresentados

como dignos de se comemorar dizem bastante sobre aqueles que os comemoram. Além

disso, as formas como essas comemorações se desenrolam e os recursos empregados para a

sua realização são elementos que possibilitam compreender aspectos não relativos apenas à

sociedade que as realiza, mas também ao próprio momento histórico em que essas mesmas

celebrações acontecem.

Já se sabe que os governos militares foram pródigos em comemorações cívicas (FICO,

1997). A leitura que se tem feito dessas comemorações, até o momento, tem priorizado as

intenções do Estado militarizado em produzir festividades para manipular a opinião pública e

incutir valores e ideias favoráveis à política adotada pelos governos durante o Regime32. Essa

leitura se faz levando em consideração que as comemorações, de um modo geral,

representam uma forma de perpetuar determinada memória histórica e se constituem num

meio relativamente eficiente de promover o esquecimento dos conflitos, apagando as

descontinuidades e dissensos que, de fato, marcam a dimensão das existências humanas.

É preciso levar em consideração, ainda, que, quando ocorre em momentos

traumáticos para a (re)constituição da unidade do sentimento nacional – como é o caso de

um período ditatorial –, a adesão coletiva a determinados eventos políticos tende a ser

apagada da memória histórica. Há demonstrações de que, no caso da ditadura militar no

Brasil, esse fenômeno próprio da memória recente teria levado a deslocamentos de sentido

e reconstruções históricas, que, de algum modo, pretendem cristalizar a ideia de que

o povo brasileiro, macuinicamente, comera lentamente a ditadura, mastigando-a devagarzinho, a digerira e se preparava agora para expeli-la pelos canais próprios. Num verdadeiro achado, a sociedade brasileira não só resistira à ditadura, mas a vencera (REIS, 2005, p.71).

Assim, tomar as festividades cívicas que proliferaram nos anos de 1970 apenas sob a

perspectiva da manipulação da opinião pública é seguir ignorando o envolvimento de uma

32

Refiro-me a trabalhos como os de Ricardo Constante Martins (1999), Susana Arakaki (2003) e Paula Regina Siega (2007).

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parcela significativa da sociedade brasileira no “clima” de Brasil Gigante e,

conseqüentemente, o grande esforço coletivo empregado para a construção de um

consenso sobre a realidade do país à época. É ainda contribuir para a cristalização de uma

“memória da resistência” mais condizente com os princípios democráticos proclamados

após o término da Ditadura no Brasil, dando margem para que o adesismo ou simplesmente

a indiferença da população, durante os chamados anos de chumbo, se mantenham nas

profundezas do esquecimento.

Em Roraima, como já foi apontado, esse fenômeno mnemônico de deslocamento de

sentido sobre os anos do Regime Militar não parece ter se cristalizado e, por isso, o estudo

das comemorações públicas ocorridas no Território, à época, é um mecanismo importante

para se compreender não apenas a construção como a manutenção de determinada

memória local sobre o período.

No que diz respeito às comemorações realizadas em nível local, é correto afirmar

que, durante os anos do Regime Militar, geralmente foram promovidas pelo Governo

Territorial de Roraima ou pela prefeitura da capital. Muito além dos tradicionais desfiles

cívicos, das homenagens e/ou inaugurações, foram promovidos concursos diversos, festivais,

festas com distribuição de brindes, torneios esportivos, bailes e gincanas. Segundo o

apurado, mesmo nas festividades organizadas por outras instituições não necessariamente

governamentais, o governo territorial e/ou a prefeitura figuravam como importantes

apoiadores. As diversas comemorações se estendiam por todo o ano, compondo um

calendário intenso. Trata-se de um quadro que permite afirmar que a capital do Território de

Roraima foi, na década de 1970, um animado palco, em que a sociedade local, capitaneada

pelos governos territoriais, comemorava a integração do Território Federal de Roraima ao

restante do país. Não fora, entretanto, sempre assim. Recuando um pouco no tempo, a

julgar pelos relatos de Dorval de Magalhães e demais memorialistas, nas primeiras décadas

do século XX e nos anos iniciais do processo de federalização do Território, o aspecto

religioso era o mais marcante nas festas ocorridas no Rio Branco. Tais festividades de alguma

forma estavam restritas ao acontecimento de procissões, quermesses e novenas em dias de

santos e eram patrocinadas, em geral, pelos grandes proprietários e pecuaristas locais.

Na segunda metade do século XX, as comemorações estritamente religiosas e

financiadas por fazendeiros foram perdendo vulto diante daquelas motivadas

principalmente pelo “civismo” oficial. Em 1976, por exemplo, em sua coluna no Jornal Boa

Vista, Jaber Xaud afirmava que os eventos da Semana da Pátria contaram com “garbo e

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imponência”. Entretanto, em meio às referências elogiosas ao “bonito desfile do dia 07 de

setembro”, o colunista deu vazão à melancolia:

Pedaços de saudade. Festa de São Sebastião. Arraial animado, depois da novena o pessoal se espalhando pelo largo. Uns iam para as bancas de refrescos e doces, outros para a barraca da quermesse onde Francisco Vasconcelos, juntamente com um grupo de senhoras e senhoritas, sorteava bonitos prêmios. Outros se dirigiam às bancas de jogo de roleta e faziam sua fezinha na roleta dos saudosos velhos Teixeira, Barbosa, Felipe Xaud. Assim viviam as noitadas felizes de um tempo feliz que ficou só na nossa imensa saudade (JBV, 12/09/76, p.13).

Dois anos depois, em 1978, tal saudosismo se materializava em ação para “restaurar”

o modo antigo das celebrações, na festa de São Sebastião a ser realizada naquele ano. Um

“membro da comissão de festejos” declarava a expectativa de que o arraial reviveria “os

velhos tempos, em que a festa atraía não apenas pessoas da capital, mas também do

interior roraimense”. A Paróquia Cristo Redentor seria a responsável pela festa de São

Sebastião, que pretendia converter “num grande arraial”. Os organizadores apontavam, no

entanto, que, para atingir seus objetivos, seria necessário o “envolvimento de todos” e

registraram o “convite muito especial aos fazendeiros do Território, “para que se façam

presentes às festividades de seu protetor e contribuam com doações visando o êxito total do

empreendimento” (JBV, 01/08/1978, p.25).

O que se pode identificar por estas reportagens é que, no decorrer da década de

1970, as grandes comemorações públicas ocorridas em Roraima haviam mudado de modo

substancial. Fica claro que houve paulatina secularização das celebrações, cada vez mais

realizadas ou fortemente incentivadas pelos governos territoriais, substituindo fazendeiros e

a Igreja Católica no papel de financiadores e organizadores. Assim, lado a lado e até em

detrimento das festas do calendário religioso, emergiam novos motivos a comemorar. Entre

esses motivos, um se destacou por permear todos os eventos estudados: trata-se da

celebração da política de integração nacional empreendida pelos governos militares,

entendida localmente como fim do insulamento e da escassez até então característicos do

Território Federal de Roraima.

Para completar as mudanças, e garantindo certa materialidade às ideias que estas

traziam, as comemorações sofreram importante deslocamento físico, deixando de ocorrer

no largo da matriz, em frente ao rio Branco, e se instalando prioritariamente na Praça do

Centro Cívico, símbolo máximo das mudanças ocorridas em Roraima após a chegada dos

militares ao poder.

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133

Nesse ponto é relevante citar que, se por um lado o Estado tomava as rédeas para

conduzir os grandes eventos, sendo seu financiador e por isso mesmo definindo os motivos a

se comemorar, isso não significou um afastamento da Igreja Católica nem da elite civil. Os

registros disponíveis sobre tais eventos sempre fazem referência à “presença de autoridades

civis, militares e eclesiásticas”. Ademais, muitos dos pronunciamentos de representantes da

Igreja Católica e da classe de proprietários, por ocasião de momentos festivos, ficaram

documentados, e seu conteúdo, sempre muito adequado ao clima comemorativo em que

foram proferidos, sugere que o crescimento da interferência do Estado na proposição e

execução de comemorações não ensejou grandes conflitos.

Isso não impede que seja identificado certo ressentimento no que diz respeito às

mudanças ocorridas nas comemorações públicas em Roraima, como se verifica nos próprios

textos aqui destacados. A tensão, ainda que sutil, pode ser um sinal aparente – também nas

comemorações públicas em Roraima, ocorridas na década de 1970 – do rearranjo político

com vistas a acomodar Igreja, fazendeiros e governo do Território sob o contexto do Estado

Militarizado. Nas festas, no entanto, as tensões advindas desse rearranjo aparecem de modo

menos explícito que na constituição de uma historiografia memorialista ou na forja do

espaço, e a explicação para isso certamente está no caráter peculiar das manifestações

comemorativas que, como já foi aludido anteriormente, pretendem apagar os dissensos e

promover o esquecimento dos conflitos.

Nos três tópicos a seguir, pretendo apresentar minha reflexão acerca das diferentes

comemorações públicas promovidas durante os anos de 1970 em Roraima. É relevante

ressaltar que o estudo dessas comemorações foi possível a partir da investigação em fontes

diversas, mas sendo a principal delas o já citado Jornal Boa Vista, que, além de dar ampla

cobertura aos eventos, também cumpria o papel de divulgar e convidar a população para os

mesmos, pois não raro lançava matérias sobre os preparativos de determinadas festas. No

Pium, publicação mensal dos oficiais militares ligados ao 6º Batalhão de Engenharia e

Construção, que circulou entre os anos de 1974 e 1976, com distribuição gratuita e tiragem

média de 600 exemplares por edição, e nos Boletins Internos daquela unidade militar (aos

quais tive acesso apenas durante o mês de junho de 2009), foram investigados detalhes

sobre alguns dos eventos divulgados pelo JBV. Entrevistas realizadas por Sônia Suely Soares

de Souza, entre 2006 e 2007, para a elaboração de uma monografia (2008) do curso de

Especialização em História Regional da UFRR, também contribuíram bastante para esta

pesquisa, oferecendo subsídios, sobretudo, acerca do Movimento Estudantil em Roraima.

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134

Nos acervos do Palácio da Cultura e da Casa de Cultura Madre Leotávia, foram encontrados

documentos e fotografias de desfiles cívicos do período. Estes auxiliam na composição de

um quadro mais completo do que teria sido o conjunto de comemorações públicas durante

o Regime Militar em Roraima. Para finalizar, apresento, com base em diversos projetos de lei

propostos por senadores, um quadro mais atual da disputa pela memória daquele período, e

dos possíveis deslocamentos que a mesma vem sofrendo com o processo de abertura

política e a elevação do antigo Território Federal a Estado da Federação.

O detalhamento da abordagem e do diálogo com essas fontes em busca da história

das comemorações públicas tem como objetivo apontar o quê foi celebrado e/ou esquecido,

quem tomou parte nessas celebrações para, a partir desses dados, elucidar a importância de

tais eventos na constituição e manutenção de uma determinada memória do roraimense

sobre o período.

3.1 – Os doces setembros.

“Eu quero sair, eu quero falar, eu quero ensinar meu vizinho a cantar nas

manhãs de setembro...” Vanusa, 1973.

Setembro é especial para quem vive em Roraima. Último mês do período marcado

por intensas chuvas, chamado pelos moradores locais de “inverno”, setembro marca o

momento em que as águas começam a cessar e as praias de rio lentamente ressurgem. Mais

do que essa característica natural, os meses de setembro da década de 1970 tiveram um quê

a mais para os roraimenses, pois era durante esses trinta dias que se comemoravam,

respectivamente nos dias 07 e 13, os feriados da Independência do Brasil e do Aniversário

do Território. Em alguns momentos, como em 1977, houve a junção das duas festividades

numa única “Semana da Pátria e do Território” (JBV, 27/08/1977, p.9), mas essa unificação

das comemorações foi uma medida incomum na década de 70 quando, em geral,

comemoravam-se separadamente a “Semana da Pátria” e a “Semana do Território”. Tais

comemorações incluíam os desfiles de Sete e de Treze de Setembro, os Jogos Escolares, que

gradualmente se converteram num grande torneio desportivo local, um Baile de Gala, que

acontecia anualmente no Palácio do Governo, em homenagem ao aniversário do Território,

diversas inaugurações e apresentações especiais, etc. Desse modo, distribuídas por duas

semanas inteiras, as comemorações marcavam de modo especial toda a primeira quinzena

do mês de setembro em Roraima.

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Inicialmente, e para esse estudo em específico, a investigação se concentrou em dois

conjuntos distintos de fontes: de um lado, as já citadas reportagens da época, publicadas

tanto no JBV como no Pium. Além disso, foi empregado também um conjunto de vinte e três

fotografias em preto e branco, acomodadas em um álbum artesanal montado pelos

servidores da Casa de Cultura Madre Leotávia. Sobre este último corpo documental, que

ajuda a reconstituir os primeiros desfiles cívicos de setembro registrados em Roraima, é

necessário fazer algumas considerações:

Ainda que os funcionários da Casa de Cultura afirmem que esses documentos devem

ter sido produzidos por pessoas a serviço do governo à época, lamentavelmente, nem os

autores das fotografias nem as pessoas nelas retratadas estão identificadas, sendo possível

apenas precisar sua origem oficial. O álbum também não é datado e as imagens são

vagamente apresentadas como “homenagem dos estudantes” ao aniversário do Território.

No verso de alguns desses documentos, no entanto, há inscrições que dão preciosas pistas:

em uma das fotografias, por exemplo, há três caligrafias diferentes, tentando identificá-la de

modos distintos. A primeira inscrição, centralizada no alto, aparece feita em esferográfica

azul: “Festas e comemorações”. Ao lado, em tinta preta, outra caligrafia gravou a palavra

“cívicos”. O número “41.3”, que se vê a seguir, marcado com caneta azul, por cima de uma

inscrição a lápis, pode ter sido outra forma de tentar identificar/organizar o documento, que

ainda traz, mais abaixo, numa terceira caligrafia, em letra de forma, a descrição: “Aniversário

do Território de Roraima alunos da rede oficial de ensino? num desfile alegórico

homenageiam o aniversariante”. Há, por fim, outro número escrito, desta vez, “1.118”.

A maior parte das imagens constantes no álbum apresenta situação semelhante à

descrita. A profusão de inscrições no verso dos documentos permite supor a ocorrência de

diversas tentativas, daqueles que manipularam esses documentos, em precisar ou descrever

aquilo a que corresponde seu conteúdo. Tantas inscrições podem apontar ainda para o fato

de que, na ausência de um arquivo público, esses documentos tenham passado por

diferentes repartições do Governo de Roraima antes de chegar à Casa de Cultura,

corroborando a informação, passada pelos atendentes daquele local, de que tais fotografias

foram produzidas por funcionários públicos e a mando do Governo Territorial. Se assim for,

as anotações no verso – assim como a própria preservação desses documentos - são

expressão de sua história e demonstrando a importância que foi dada a eles e aos fatos que

registraram no âmbito governamental.

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À primeira vista, como as fotografias estão dispostas num mesmo álbum, são todas

em preto e branco e possuem as mesmas dimensões, tem-se a impressão de que retratam

um único evento. No entanto, observando um pouco mais detidamente, ainda que não haja

nenhuma informação sobre isso no álbum, verifica-se que ele é composto, na verdade, de

imagens tomadas de dois desfiles cívicos ocorridos em anos distintos. O primeiro pode ser

datado com certeza como sendo do ano de 1971, quando se comemoravam os 28 anos de

Roraima numa das faixas empunhadas por um grupo de estudantes. Nesse grupo de

imagens, a Catedral Cristo Redentor aparece ao fundo, ainda em construção. Em outras

imagens, no entanto, o prédio da Catedral já apresenta o acabamento externo, permitindo

que se considere que tratam de momento posterior a 1971. Ademais, como o Jornal Boa

Vista permite o mapeamento dos desfiles da Semana da Pátria e do Aniversário do Território

a partir do ano de 1973, há alguma segurança em afirmar, por contraste, que esse segundo

desfile retratado em algumas das fotografias da Casa de Cultura seja do ano de 1972.

A partir daqui, como não há catalogação nem identificação oficial para tais imagens,

elas serão identificadas como “do álbum”, apenas com a finalidade de diferenciá-las

daquelas presentes nas reportagens do Jornal Boa Vista, que, registrando detalhes preciosos

dessas comemorações, também deu bastante destaque à participação das autoridades e da

população nos eventos cívicos daquele período. Tudo indica que a cobertura desses eventos,

composta de inúmeras fotografias e pequenos textos, interessava especialmente aos

leitores, pois eram publicadas, na maior parte das vezes, em Cadernos Especiais que não

podiam ser vendidos separadamente da edição regular do jornal. Além disso, essa cobertura

também pode ser considerada como testemunho do empenho do Governo Territorial em

registrar as manifestações cívicas por ele patrocinadas.

A maior parte das fontes empregadas para esse ponto da pesquisa foi produzida num

período que, ou coincide com o segundo governo de Hélio Campos (1970-74), no auge do

Milagre Econômico, ou lhe é imediatamente posterior. Essa concentração maior de fontes

no período possibilita o palpite de que foi durante o mandato daquele governador que, de

algum modo, se sistematizou a produção de documentos para a memória dos eventos

cívicos que se realizavam em Roraima, ainda que não permita afirmar que foi somente a

partir de 1970 que o mês de setembro se converteu num momento de intensas

comemorações.

Tomando as fontes de um modo geral, é possível identificar e entender o grande

alcance dos desfiles cívicos, destacados entre as comemorações realizadas no período, tanto

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pela quantidade de público envolvido como dos investimentos governamentais para seu

planejamento, divulgação e execução. As exibições públicas eram certamente a culminância

das atividades festivas do mês de setembro e, até o ano de 1978 – quando foram

transferidas para a Avenida Ene Garcez (JBV, 22/09/1978, p.9) –, tinham início próximo ao

Palácio do Governo. Nessa época, os desfiles seguiam pela avenida que margeia o Centro

Cívico e passavam pela frente da Catedral Cristo Redentor, percorrendo uma distância

aproximada de 500 metros. Realizados sempre pela manhã, tais espetáculos não tiveram um

padrão de duração ao longo dos anos em que se repetiram, podendo chegar a consumir uma

manhã inteira com apresentações.

Às paradas, comparecia uma importante parcela da população. Nas inúmeras

imagens que retratam desfiles no decorrer da década, não é possível identificar

arquibancadas montadas para o público. Mesmo assim, as pessoas comuns que iam assistir

aos desfiles aparecem sob o sol, apinhadas nas calçadas, dos dois lados da avenida, em pé,

no chão ou sobre carrocerias de carros e caminhões estacionados ao lado de um palanque

montado para as autoridades. Entre o público retratado, figura um número significativo de

crianças. Nas imagens do álbum, em especial, os pequenos aparecem sentados no meio fio,

entre a calçada e o asfalto.

Para se ter uma ideia da quantidade de pessoas que comparecia a essas

manifestações, as reportagens do Jornal Boa Vista são de grande valor. Este apontava, em

1976, por exemplo, que cinco mil pessoas acorreram para assistir ao Desfile de Treze de

Setembro. Segundo a mesma reportagem, a secretaria de educação teria mobilizado “cerca

de mil alunos das Unidades Escolares para representarem o desenvolvimento do Brasil e do

Território” (JBV, 18/09/1976, p.6-7). Assim como a população da cidade, o número de

presentes a esses eventos também aumentava ano a ano. Em 1978, o Jornal Boa Vista

calculava que quase seis mil pessoas tinham desfilado em sete de setembro (JBV,

22/09/1978, p.9) e que outras oito mil “disputavam palmo a palmo os lugares em volta da

pista de desfiles” (JBV, 06/10/1978, p.14)

Mesmo que se possa admitir certo exagero na contagem exposta pelo Jornal, o total

de pessoas envolvidas nos desfiles impressiona se forem levados em consideração os

seguintes pontos: a participação de alunos implica no envolvimento, direto ou indireto, de

professores, diretores de escolas e pais, ampliando o alcance do evento para um número

bastante maior que o dos estudantes que desfilavam; segundo, a representatividade

numérica (mil alunos em 1976) dos que desfilavam na capital é significativa, sobretudo

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quando se observa, no ano de 1977, por exemplo, que a totalidade das matrículas chegava a

apenas 14.995 em todas as escolas de 1º e 2º graus do Território (IBGE, 1988, p.36). Por

último, há que se levar em conta que, além dessa comunidade, por assim dizer, escolar,

participavam dos desfiles também militares, como os representantes do Segundo Batalhão

Especial de Fronteira e do Sexto Batalhão de Engenharia e Construções, estudantes de nível

superior matriculados na extensão da Universidade Federal de Santa Maria, representantes

de entidades civis como as Bandeirantes e o Grupo de Escoteiros Valério de Magalhães (JBV,

18/09/1976, p.6-7), etc. Para se ter uma ideia de quantas pessoas poderiam desfilar por

essas entidades, vale dizer que, no desfile do Território, no ano de 1975, cento e sessenta

pessoas desfilaram apenas pelo 6º BEC (O Pium, 1975, p.5). Tais dados apenas reforçam o

que as imagens já antecipam: a enorme capacidade que esses desfiles tinham para mobilizar

a população.

Uma iniciativa peculiar contribuiria para que um ar de carnaval fosse emprestado às

paradas de setembro, sobretudo ao desfile do dia 13. As imagens nos mostram que

automóveis e caminhões eram improvisados como carros alegóricos e também desfilavam

com muitos estudantes, que, fantasiados ou não, por vezes, seguravam cartazes e faixas.

Pelo que se pode depreender do estudo das fontes, fica claro que os desfiles de

setembro em Roraima atendiam aos interesses governamentais de propagação de suas

ideias. Era o tempo de abrir “a terra sem homens para homens sem terra” e esta mensagem

foi realmente uma constante nos desfiles. No desfile de 1971 – pode-se notar numa das

imagens –, dois caminhões desfilam perfilados. Os grandes veículos, enfeitados para o

desfile com faixas na dianteira e na lateral, traziam nas carrocerias jovens e crianças e

compunham uma mensagem que falava do tempo. No primeiro caminhão, com a sentença

“ontem... era assim”, há três jovens de pé e um pequeno grupo de crianças sentadas muito

juntas. O segundo, com a faixa “hoje...”, trazia um número bem maior de jovens e crianças,

ocupando toda a carroceria.

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Ilustração 22 – Desfile de 1971: caminhões “alegóricos” e, ao fundo, a Catedral em Construção

Essa composição “alegórica”, além de aludir ao objetivo governamental de “povoar”

Roraima, consoante ao conhecido “integrar para não entregar”, tenta marcar a chegada de

um “novo tempo”, opondo o “ontem ao hoje”. Desse modo, remetia a outras campanhas de

propaganda difundidas em nível nacional, podendo ser considerada como versão local do

refrão que, desde a primeira metade da década anterior, já dizia que “até 1964 o Brasil era o

país do futuro, mas agora o futuro chegou”.

A reverberação dos slogans federais entre as atividades locais está presente nos

desfiles ocorridos por toda a década. Nas fotos identificadas como sendo do desfile de 1972,

aparece uma faixa em que se lê: “Este é um país que vai pra frente”, o que também pode ser

lido numa imagem do desfile do ano de 1976 (JBV, 18/09/1976, p.6). No ano de 1977,

quando o governo federal lançou o slogan “o Brasil é feito por nós” e propôs “Faça um cata-

vento para comemorar a Semana da Pátria”, uma página do JBV, dedicada à divulgação da

“Programação Oficial” das comemorações relativas à “Semana da Pátria e do Território”,

trazia exatamente um cata-vento como ilustração (JBV, 27/08/1977, p.9-10). O mesmo

ocorreu no ano seguinte, quando a imagem do catavento foi substituída pela de um avião de

papel (JBV, 01/09/1978, p.10).

Os carros adaptados também foram aproveitados, como era de se esperar, para

realizar propagandas elogiosas às ações específicas do governo em nível local. É o caso, por

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exemplo, do que ficou registrado em uma fotografia do desfile de 1971: um pequeno

caminhão com a faixa “Realizações de HC33” carregando, na carroceria, duas jovens que, de

macacão, empunhavam canos ao lado de uma miniatura de Caixa d’água. Anos depois, um

Jipe transformado em carro alegórico simbolizava “a estação rastreadora de satélite” em

homenagem às telecomunicações que começavam a chegar a Roraima (JBV, 16/09/1975,

p.8-9). Essas, entre tantas outras composições, faziam alusão, respectivamente, aos

investimentos que o governo prometia para a área de saneamento da cidade de Boa Vista

através da CAER e da ampliação da rede de comunicações com a chegada da televisão ao

Território (o que só veio a se efetivar no fim da década!). Assim, a integração nacional e a

expansão do sistema de telecomunicações são temáticas freqüentes nas imagens dos

desfiles.

Outra característica importante desses desfiles é presença da intenção “educativa”,

que Fico (1997, p.133) já identificara como presente nas propagandas do Regime. Esta

denunciava que os militares entendiam a sociedade em geral como rude e despreparada,

“necessitada de educação e amparo”. É exatamente o que aparece, por exemplo, na imagem

que, no ano de 1974, registrava o desfile de um carro com uma enorme boca aberta e a

inscrição “cuidado com a cárie” (JBV, 16/09/1974, p.3).

Como não poderia deixar de ser, a influência e a presença militar eram evidentes nos

desfiles. Por esse motivo, foram buscadas informações junto ao Sexto Batalhão de

Construções que, de acordo com as reportagens do Jornal Boa Vista, era um dos

destacamentos mais ativos nessas festividades. No Arquivo do BEC em Boa Vista, foi possível

encontrar todos os chamados Boletins Internos referentes aos meses da década de 1970. Na

abordagem dos Boletins, um primeiro esforço foi feito no sentido de se investigar aqueles

que se referiam aos meses de setembro em toda a década de 1970. O objetivo era

identificar informações sobre a participação do Batalhão nos desfiles Cívico e Alegórico de

Sete e Treze.

Esses documentos são divididos em quatro partes: “serviços diários”, “instrução”,

“assuntos gerais e administrativos” e “justiça e disciplina”. Sua função parece ser a de um

resumo diário do que ocorre no Batalhão: a ordem do dia, o trânsito de oficiais, baixas à

enfermaria, promoções e punições, eventos extraordinários, como a visita de uma

autoridade, e, por vezes, em datas comemorativas de batalhas, aniversários de patronos,

etc., uma mensagem do Comando com alusão aos motivos da comemoração.

33 Como era chamado o então governador Hélio da Costa Campos (1969-1974).

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Logo foi verificado que as informações sobre as participações do BEC em desfiles,

eventos diversos e comemorações eram publicadas como “assunto da S3”, o que significa

que era essa a Seção responsável por emitir notas internas referentes a esses temas. As

notas de serviço têm uma função meramente administrativa e de certo modo servem

apenas para que seu conteúdo seja “transcrito em histórico da unidade”, ou seja, nos

Boletins Internos. Por isso, depois de um determinado período, tais notas são destruídas,

motivo pelo qual não foi possível encontrar, para a década de 1970, nenhum dos inúmeros

documentos aos quais os boletins fazem referência. São exatamente essas notas os

documentos que detalhavam os mais diversos temas abordados sumariamente nos boletins,

os quais traziam informações muito restritas sobre os desfiles de setembro ou mesmo

qualquer outro evento comemorativo. É o que se vê, por exemplo, no Boletim nº 208

(BRASIL, 1970), que informava que “no dia sete de setembro, Independência do Brasil (Dia

da Pátria), não haveria expediente previsto na letra ‘a’ do artigo 217 do R/2”, ou ainda no

Boletim de nº 205 (BRASIL, 1971), que publicava a “aprovação de parecer médico de

dispensa da parada militar de sete de setembro”. Apesar dessas referências indiretas e da

publicação de Boletins Especiais, como o que trazia um longo artigo em homenagem à

Independência do Brasil, arrolando fatos que iam desde a Insurreição Pernambucana até a

Independência propriamente dita, com D. Pedro I (BRASIL, 1972), não há nos boletins

nenhum detalhamento sobre a participação do 6º Batalhão nos eventos comemorativos de

setembro. Este foi mais um motivo porque, mesmo investigando o arquivo do 6º BEC, não se

pôde verificar em maior profundidade a participação do Batalhão naquelas comemorações.

Mesmo assim, com base no Jornal Boa Vista, é possível dizer que, além da tradicional

exibição de praças e apresentação das armas, comuns nesse tipo de evento em todo o país,

outros mecanismos para a valorização do elemento militar eram evocados durante os

eventos ocorridos em Roraima. É o que aparece, por exemplo, em duas fotografias do

Caderno Especial de setembro de 1973. Na primeira imagem, figuram meninos e meninas

fardados, marchando sérios com seus quepes militares e portando coldres na cintura. Na

segunda imagem, com outro modelo de farda, um grupo de crianças ainda menores –

aparentando menos de dez anos de idade –apresentam-se com coturnos e capacetes

redondos, como os utilizados em movimentação de guerra.

Essas aparições e a valorização explícita dos militares, no entanto, não parecem ter

sido entendidas pela população como um processo de militarização das comemorações,

nem tampouco de alijamento dos civis diante dessas festividades. Em termos locais, ocorreu

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certa especialização dos desfiles, havendo “espaço para todos”: Enquanto o “desfile da

Pátria”, de sete de setembro, contava prioritariamente com as representações do 6º BEC, do

2º BEF, da Guarda Territorial e, posteriormente, da Polícia Militar de Roraima, o desfile

ocorrido em homenagem ao Território, em treze de setembro, era significativamente

chamado de “desfile alegórico”, para o qual os estudantes e civis “guardavam sua

apresentação” mais efetiva (JBV, 8/09/1974, p.7). Assim, pode-se crer que a existência de

dois grandes eventos cívicos no mês de setembro ajudava a impedir que, em Roraima, o

caráter castrense das paradas de independência fosse alvo de críticas, como as proferidas

pelo deputado Márcio Moreira Alves em seu conhecido discurso, de 1968, pronunciado na

Câmara Federal (GASPARI, 2002).

A aparição do poder nessas paradas foi registrada de modo intenso, sem ser

necessariamente ser opressiva, apontando para o fato de que, em Roraima, foram atingidas

as pretensões dos ideólogos da Assessoria de Relações Públicas, AERP, para as

manifestações cívicas da independência34. Nas ocasiões dos desfiles, para abrigar o

governador, o prefeito, o bispo, os comandantes de unidades militares e seus respectivos

acompanhantes, um palanque simples era montado na calçada, ao lado da avenida. Feito em

madeira e coberto com telhas do tipo “Brasilit”, era, até o ano de 1978, posicionado bem em

frente ao Hotel Tropical, permitindo que quem nele estivesse pudesse ver não apenas o

desfile, mas também, ao fundo, o Palácio do Governo e parte da praça central. Um dado

interessante é a maneira como o palanque aparece nos primeiros registros: as imagens

dispostas no álbum da Casa de Cultura foram geralmente tomadas em diagonal e, desse

modo, destacam a proximidade física da população com as autoridades. Parece haver uma

intenção do fotógrafo em retratar o desfile de tal maneira que pudesse reforçar a ideia do

clima festivo que tomava a todos e minimizar a divisão entre as autoridades e público

comum.

Apesar disso, os limites da proximidade entre a população local e as autoridades

aparecem de modo sutil, quando se verifica, no detalhe das fotografias, a presença de

soldados fardados, que, em sentinela, isolavam a parte frontal do palanque, que não é

destacada em nenhuma das fotografias. A preocupação com o isolamento da via de desfiles

e conseqüentemente com a segurança das autoridades apresentou-se de modo explícito em

34

A AERP tinha a intenção de transformar o sete de setembro em uma festa de apelo popular, a exemplo do que ocorria com o quatro de julho nos Estados Unidos. Para mais informações, ver FICO, 1997, p.143.

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apenas uma reportagem do JBV, a qual afirmava que o impressionante público tinha

rompido “os cordões de isolamento e chegado a atrapalhar o desfile” (JBV, 16/09/1974,

capa).

A partir do ano de 1973, pode-se dizer que tanto a criação de uma expectativa

quanto a reverberação do espírito festivo que envolvia esses eventos eram tarefas

cumpridas pelo Jornal Boa Vista, que publicava, nos dias que antecediam às festas, notas

que em geral prometiam um grande espetáculo e, nas edições posteriores, ampla cobertura

dos eventos comemorativos. Porém, se é certo que o JBV teve importância para garantir o

êxito e a participação popular nestas comemorações, a massa civil que comparecia aos

desfiles era atraída também pelo espetáculo quase carnavalesco que se seguia depois da

passagem das tropas militares, quando os estudantes entravam em cena. Estes e os demais

civis que desfilavam nos eventos de setembro se empenhavam bastante no que diz respeito

à sua caracterização. Além de grupos uniformizados com impecáveis e diferentes fardas

escolares, a preocupação com os trajes se expressava na elaboração de “fantasias”, que

davam um colorido especial às paradas. Esta preocupação com a roupa já aparecia nas

primeiras imagens, presentes na Casa de Cultura, e foi registrada também em todos os

desfiles posteriores documentados pelo JBV.

Nas imagens do desfile de 1971, por exemplo, encontram-se estudantes vestidos

como médicos e enfermeiros, complementando a ideia do carro que, provavelmente

abrindo o cortejo, levava um grande cartaz com os dizeres: “mais técnicos para a Amazônia”.

Esse tipo de caracterização é relativamente comum e, como os já citados médicos e

enfermeiros, aparecem outras fantasias alusivas às mais diversas profissões. Também são

freqüentes as fotos de pessoas em trajes de gala, sobretudo meninas, com longos vestidos

de cetim e segurando flores de tecido, ou faixas, ou cartazes; aparecem ainda grupos de

garotas e garotos caracterizados como índios, gaúchos, mexicanos, agricultores. Presentes

em praticamente todos os desfiles, jovens vestidos em roupa de ginástica realizavam

acrobacias olímpicas, moças levavam bambolês e rapazes jogavam malabares ou cuspiam

fogo. Entre esses jovens, algumas vezes é registrada a presença de garotas que desfilavam

de biquíni.

Além de todo esse aparato em termos da indumentária, era possível encontrar

grupos que desfilavam carregando adereços inusitados, como grandes maquetes. Em uma

das fotos de 1971, se encontra, por exemplo, estudantes carregando uma maquete com o

que seria a Catedral, ainda em construção. Já entre as imagens de 1975, uma adolescente,

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trajada com mini-saia e botas ¾, desfilou a frente de um pelotão de garotas igualmente

trajadas e carregando um grande mapa do Território com os dizeres “Roraima no

Polamazônia” (JBV, 16/09/1975, p.8).

Os desfiles eram controlados de perto pela Secretaria de Educação do Território, que

definia o tema a ser comemorado a cada ano. Assim, o “desenvolvimento” – uma das ideias-

força da propaganda que vigorou durante o Milagre Econômico – foi, em 1976, definido

como tema central para o desfile alegórico do dia 13, de modo que caberia a cada entidade

ou escola apresentar um aspecto do “desenvolvimento” na avenida. O que se viu então, a

considerar pela reportagem do Jornal Boa Vista foi uma grande encenação exaltando as

diferentes ações governamentais de integração: a construção da BR174, a ação da Prefeitura

na construção de uma “Usina do Lixo”, as campanhas de educação para o trânsito, a

abertura de estradas e construção de hidroelétricas em todo o Brasil, a evolução dos meios

de comunicação “desde o tambor e o fogo” e a integração dos “silvícolas” com a “mistura

das raças” foram temas de desfiles de diferentes escolas, de unidades militares como o 6º

BEC, entidades civis de escoteiros e bandeirantes, etc. (JBV, 18/09/1976, p.6-7).

A participação popular nesses eventos não era totalmente espontânea, como já se

pôde observar até aqui. No entanto, seja pela grande participação civil, notadamente dos

estudantes, seja pelo incremento das fantasias, seja ainda pelas expressões daqueles que

desfilavam e assistiam aos desfiles, é impossível ignorar que a população local se apropriou

das paradas de setembro, impondo uma nova ordem aos eventos, que findaram

caracterizados, de fato, como uma grande festa popular. Essa apropriação talvez explique a

permanência, até os dias atuais, de paradas militares no dia do aniversário do município de

Boa Vista, em nove de julho, bem como o sucesso de público do concurso de fanfarras

envolvendo estudantes e professores de toda a cidade de Boa Vista no desfile comemorativo

do Sete de Setembro.

Se a participação popular nos eventos cívicos da década de 1970 foi, no caso de

Roraima, uma realidade, não se pode ignorar, por outro lado, que, apelando para noções

vagas de civismo e patriotismo, gradualmente os desfiles se tornaram o veículo principal de

um complexo mecanismo que realizava a divulgação da ideologia do desenvolvimentismo e

da integração.

Daniel Aarão Reis (2005), referindo-se a programas ou pacotes sociais do Regime

Militar à época do Milagre Econômico, como o “Programa de Integração Nacional *...+, o

Mobral [...], o Plano Nacional de Saúde, o PIS-PASEP e o Projeto Rondon”, afirma que “os

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êxitos econômicos não conseguiam disfarçar as desigualdades sociais” e, apoiado na ideia da

falência dos programas citados, opina que, nessas condições,

a tentativa de estruturar um sistema nacional de instrução moral e cívica que orientasse aquelas gentes nos bons caminhos da moral e dos bons costumes era uma incongruência na terra de Makunaíma (p.59).

A busca de adesão através de propaganda não foi nada rara naquele contexto. A

publicidade oficial dos governos militares, veiculada principalmente por rádio e televisão,

articulou, sobre o tecido de uma mesma realidade, o ideológico, o imaginário e o mítico,

permitindo a “criação de um sistema de auto-reconhecimento social” para os brasileiros, sob

a “mística da esperança e do otimismo” (FICO, 1997, p.19). Esta propaganda oficial

pretendia, entre outras coisas, oferecer “à população a chance de participar do projeto

desenvolvimentista”, mas era uma oferta vazia, uma vez que, diante da situação concreta da

política arbitrária do Regime, não se pretendia “materializar a proposta em nada

propriamente viável ou palpável” (idem, p.130).

Voltando a refletir sobre a questão da formação da memória e de sua conservação, é

factível que, para a maior parte da população de outras regiões do Brasil, que tomou

contato com as ideias de Brasil Gigante apenas pela propaganda veiculada pela televisão ou

pelo rádio, tenha sido mais fácil abrigar o sentimento de ter sido logrado quando, junto à

crise econômica que marcou, nos anos de 1980, a ressaca do Milagre, começaram a surgir

também os relatos das atrocidades cometidas pelo Regime. Esse processo, que deu corpo a

certa consciência do vazio característico do ufanismo que tomara o país que ia pra frente,

pode de fato ser uma das causas pelas quais se consolidou uma memória que, ao fim,

pretende redesenhar o que Reis chama de “quadro das relações da sociedade com a

ditadura” (2005, p.71).

As reflexões de Fico e Reis, feitas para “o Brasil”, não parecem se adequar ao que se

vê em Roraima. Leve-se em conta que, à época, na original terra de Makunaima, a

integração nacional se fazia sentir de modos distintos: havia imenso impacto das obras

públicas no cotidiano, o MOBRAL atingia grande parte da população e o Projeto Rondon,

além de trazer profissionais diversos para o Território, foi responsável pela instalação do

Campus Avançado de Santa Maria, então a única possibilidade de se cursar o nível superior

em Roraima. Para aqueles que viveram os anos do Milagre sob o constante signo da

mudança, a ausência da televisão não chegou a fazer diferença no que diz respeito à

propagação da ideologia desenvolvimentista. Os desfiles foram um artifício influente ao

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elencar as transformações advindas das políticas governamentais como dignas de

comemoração e ao mesmo tempo provocar grande envolvimento popular a partir de

inúmeros atos anônimos, que iam desde a confecção de fantasias, passando pelos ensaios

de fanfarras e até a marcha sob o escaldante sol de Roraima. Assim, a ideologia do Regime

foi celebrada vivamente em festas e desfiles que reforçavam, em cada indivíduo envolvido, a

convicção de que “o Brasil é feito por nós”. Cabe considerar que, para estes, a sensação de

ter feito parte do Brasil Gigante se avoluma e, por certo, torna-se mais difícil de apagar

devido a “pudores democráticos”.

Desse modo, os desfiles cívicos da Independência e do aniversário do Território, na

década de 1970, foram, a um só tempo, engenhos especiais de propaganda ideológica,

festas populares, espaço para a expressão cultural de um povo em formação e ações

coletivas de apagamento dos dissensos. Com essas características, os desfiles tornaram-se

ingredientes importantes para adoçar de modo poderoso “as manhãs de setembro”

roraimenses, bem como a memória que ainda se guarda sobre o regime militar em Roraima.

3.2 - Estudantes e o Regime Militar em Roraima: entre misses, esportistas e artistas

No que diz respeito à história política do Brasil, especialmente na primeira década do

regime militar brasileiro, os estudantes tiveram papel destacado graças aos protestos de

oposição ao governo, que partiam muito freqüentemente dos jovens universitários e

secundaristas. Essa participação teria vindo num crescente desde o início do governo de

João Goulart, quando a UNE se envolveu diretamente numa campanha pela ampliação das

vagas no nível superior.

Após o golpe de 1964, as reivindicações estudantis específicas, como a luta por mais

verbas para a educação, as reclamações por falta de professores ou mesmo pela qualidade

do bandejão foram tratadas como motivos para uma repressão cada vez maior por parte dos

militares (STEPHANOU, 2001) e, desse modo, os estudantes se tornaram “alvo principal para

a repressão no pós-golpe” (SKIDMORE, 1988, p.151). Exemplo disso está no ataque contra a

sede da União Nacional dos Estudantes, no dia 1º de abril de 1964, quando aquela entidade

representativa dos estudantes, formada desde 1937, teve sua sede, na cidade do Rio de

Janeiro, “ocupada, saqueada e incendiada pelos golpistas, através de uma organização

paramilitar denominada CCC – Comando de Caça aos Comunistas” (ARQUIDIOCESE DE SÃO

PAULO, 1986, p.132).

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Segundo o Brasil Nunca Mais, o número de processos abertos contra estudantes

imediatamente após a chegada dos militares ao poder teve número reduzido quando

comparado aos que atingiram sindicalistas e militares, por exemplo. Apesar disso, o impacto

do golpe já “foi suficiente para deixar paralisada a luta dos estudantes por algum tempo”

(idem, 1986, p.133).

Esta situação não impediu que, na intenção de fazer da educação nacional um

instrumento de formação de técnicos, para atuar como mão-de-obra qualificada no mercado

que se abria diante da expansão da exploração capitalista no Brasil, outras medidas fossem

tomadas pelos governantes militares contra os estudantes brasileiros. Desde sua chegada ao

poder, os golpistas trataram a área da educação como um foco importante de possível

resistência às mudanças promovidas pela “modernização conservadora” do Regime.

Assim, desde fins de 1964, por exemplo, passou a vigorar a Lei Suplicy, que criou

“uma nova estrutura de associações estudantis, proibidas de engajar-se em atividades

políticas” (SKIDMORE, 1998, p.151). Vinculadas às administrações universitárias e ao próprio

Ministério da Educação e Cultura, essas associações deveriam substituir, em todos os níveis,

as entidades civis de estudantes como Centros Acadêmicos (CAs), Diretórios Centrais (DCEs),

Uniões estaduais e a própria União Nacional dos Estudantes. A formação de professores

passou por mudanças drásticas com a implantação das licenciaturas curtas, a ênfase no

tecnicismo marcou as interferências no currículo do antigo primeiro e segundo graus,

tornando as atividades escolares mais repetitivas e menos criativas. Disciplinas como história

e geografia tiveram suas cargas horárias diminuídas para que lições de educação moral e

cívica tomassem seu espaço. Além disso, a intervenção direta na educação combinava a

instalação de Inquéritos Policiais Militares – IPMs, contra professores, reitores e funcionários

de todas as universidades no país, associada à depredação, intervenção direta ou invasão

truculenta de faculdades. Todas estas ações demonstram o ataque sistemático feito pelos

militares contra aquilo que consideravam como crescimento da subversão entre os

estudantes (STEPHANOU, 2001, p.99).

Houve violência, prisões e torturas35 contra os estudantes brasileiros, e esse tipo de

ação repressiva do Regime se intensificou no decorrer dos anos. Como se sabe, tal repressão

não impediu a participação destacada dos estudantes nas manifestações políticas contra o

Regime, que recrudesceram em 1968 e antecederam ao AI5. Acredita-se inclusive que foi o

35

Quase 40% das vítimas de repressão com ocupação conhecida, entre 1968 e 1972, eram estudantes (LÖWY apud RIDENTI, 1993, p.121)

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conjunto da repressão voltada para a área de educação e contra o Movimento Estudantil um

dos fatores que influenciaram na politização propriamente dita de parte dos estudantes e,

no adiantado do processo, no seu ingresso nas fileiras das esquerdas em geral (STEPHANOU,

2001).

Assim, muitos daqueles que abraçaram a luta armada contra a ditadura eram ex-

militantes do Movimento Estudantil e, segundo Ridenti, a análise da participação dos

estudantes no processo de oposição e luta contra o Regime Militar é “peça-chave para

compreender as esquerdas armadas urbanas” (1993, p.38-121). Aqueles que se ocuparam

do estudo do Movimento estudantil e de sua atuação junto à política nacional durante os

anos do Regime Militar concordam em apontar que, depois de 1968, o ME teria entrado “em

refluxo” e que, com o AI5, “a ditadura reprimiu sem clemência os que insistiram em

organizar o movimento” (idem, p.121).

Em Roraima, essa história foi bastante diferente. Ali, segundo o IBGE (1981, p.36), no

ano de 1950, existiam, ao todo, apenas 20 unidades escolares. Como ocorria no restante do

país, o analfabetismo grassava, atingindo a média de 50% da população nos anos de 1960. É

fato que o número de escolas cresceu significativamente entre 1950 e 1970, mas, para se ter

uma ideia da precariedade em que se manteve a educação no Território, vale citar que, em

1977, o ensino de segundo grau era oferecido em apenas duas escolas, na capital. Nesse

mesmo ano, somente 1394 alunos se matricularam em uma das três séries desse nível,

sendo que, destes, 16% se evadiram sem concluir o ano letivo. O mesmo órgão informa que

a clientela que alcançava esse nível de escolaridade pertencia, em boa parte, a grupos de status sócio-econômico mais elevado, cujas aspirações se voltavam para o ensino superior (1981, p.36)

Como já foi apontado anteriormente, havia grande falta de professores e, por isso,

parte importante do corpo docente era formada por militares que atuavam de modo

voluntário. Em 1969 foi instalado o Campus Avançado da Universidade de Santa Maria em

Roraima, mas a maior parte daqueles que pretendiam seguir os estudos em nível superior

deveria sair do Território.

Com esta descrição, seria possível imaginar que em Roraima não existia, na década

de 1960, um movimento estudantil organizado. Não é verdade. Em Boa Vista, o movimento

estudantil secundarista se organizava através da URES, União Riobranquense dos Estudantes

Secundaristas, entidade filiada à União Brasileira de Estudantes Secundaristas, UBES. Em

1963, os estudantes “Ubirajara Souto, Idamir Cavalcante, Marlene Cavalcante e Marielza

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Freitas”, após terem “perdido a política para a presidência da URES”, criaram uma segunda

entidade representativa, a Associação Juvenil Roraimense. As duas instituições teriam sido

fechadas após o ano de 1964 (FREITAS, 1993, p.216).

O presidente da URES nesse momento era João Pujucan Pinto Souto Maior.

Entrevistado por Sônia Suely, o ex-líder estudantil conta que sua militância política começou

em Roraima no ano de 1960, junto com Gaúcho Dias36 “do PSD, então um partido de direita

dos fazendeiros”. É verdade que a entrevistadora não pediu ao seu entrevistado que se

aprofundasse sobre sua participação no Movimento estudantil em Roraima, nem sobre a

articulação da URES com o Movimento Nacional, o que pode explicar o fato de que a

entrevista não traga nenhuma referência sobre reivindicações dos estudantes, ou sobre as

pautas de discussão entre as organizações de nível local ou federal, ou ainda alguma

reflexão sobre a representatividade do movimento em Roraima. A falta de direcionamento

nesse sentido, no entanto, está longe de ser um fator negativo para o emprego do

documento. Como as declarações sobre a militância estudantil foram prestadas de modo

muito espontâneo pelo entrevistado, sua entrevista é preciosa para que se entenda e

perceba a fragilidade do ME em Roraima, suas relações com a política nacional e também

com a elite local.

Declarando que sua atuação “era a mesma dos demais estudantes, defendendo o

socialismo como forma de governo”, o entrevistado fala rapidamente de algumas viagens

que fez como líder estudantil secundarista. Mesmo não se referindo à divisão entre os

estudantes pelo surgimento de outra entidade representativa no ano de 1963, Souto Maior

se recorda daquele ano. Ele lembra que participou de manifestações na Cinelândia, em que

se colocavam

aquelas latas de banha uma sobre a outra e subíamos em cima para fazer o comício, o governador do Rio de Janeiro mandava dispersar os estudantes debaixo de pau, mas nós contávamos com o apoio de João Goulart para fazer esses comícios (SOUTO MAIOR, 2007).

O entrevistado não chega sequer a aludir sobre os motivos das manifestações de que

fez parte, mas, inferindo por local, data e personagens envolvidos, provavelmente se trata

36

Morto aos 73 anos, vítima de um ataque cardíaco que o fulminou em junho de 1974, Gaúcho Dias, um homem citado por diversas fontes como sendo “de oposição” aos militares em Roraima, recebeu honras do Jornal Boa Vista que, uma semana após a primeira nota noticiando e lamentando de modo veemente a sua morte, o caracterizava como “filho dos campos, temperado ao sol de Roraima, irmão dos alísios ventos constantes [...] trabalhando sempre com os olhos fitos no futuro,[...] era um homem do interior [...] passou a ser uma lembrança imperecível, uma saudade constante...” (JBV 29/06/1974, p.5). Ainda que frágil, dado o trágico da situação, esta postura do Jornal pode ser considerada como mais uma evidência da “cordial” relação entre governo e oposição no Território Federal de Roraima durante o Regime Militar.

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do momento em que, no Rio de Janeiro e em outras capitais, os estudantes pressionavam

pela realização das “Reformas de Base”.

Levando-se em consideração o contexto geral da política nacional e a já aludida

participação estudantil, chama a atenção o fato de que as duas memórias registradas por

Souto Maior, em relação à sua atuação como representante do Movimento Estudantil

roraimense em nível nacional, estejam diretamente ligadas a pormenores pitorescos. Em

outro momento, o entrevistado recorda-se de um congresso no Amapá, ocorrido ainda

durante o governo do presidente João Goulart. Desse evento, destaca apenas a participação

de “oito cubanos”, completando em aparente galhofa: “era charuto Havana para toda

parte”.

É surpreendente que um líder estudantil secundarista conseguisse viajar ao Rio de

Janeiro ou ao Amapá para participar de eventos políticos estudantis de importância

nacional, nos idos de 1964, quando se leva em consideração a incipiência da educação em

Roraima àquela época, a pequena representatividade de seus estudantes em termos

nacionais e o alto custo para se sair do Território, que ainda não possuía ligação terrestre

com o restante do país. Mesmo sem ter sido questionado sobre isso, Souto Maior esclarece

a questão quando afirma que o que faziam os líderes estudantis à época “era só essa coisa

doutrinária, com o aval do governo federal” e completa que “viajava para esses Congressos

com passagens que o governo dava”.

Considerando o relato de João Pujucan Souto Maior, o que se verifica é que, no

Território Federal de Roraima, a atuação repressiva após o golpe tomou de fato contornos

bastante peculiares. Assim como ocorrera no restante do país, quando “a simples

identificação política com o governo deposto em 1964 foi motivo de incriminação”

(ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1986, p.87), no momento do golpe, o dito “aval do governo

federal” dado ao movimento estudantil local caiu junto com Jango.

Já é conhecida e destacada a arbitrariedade das prisões efetuadas, em todo o Brasil,

pelos órgãos de repressão à época do Regime. A investigação pioneira feita pelo Brasil

Nunca Mais demonstrou que o momento da detenção foi ocultado em muitos processos e

que, em grande parte das vezes, a prisão ocorria antes mesmo da instauração de uma

investigação oficial (idem, 1986, p.86). Souto Maior foi preso logo após o golpe, mas esse

evento não aparece, em seu relato, revestido de drama. Segundo ele, em 1964, quando “o

presidente já estava fora do poder”, um telegrama de apoio a Jango foi assinado por ele e

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151

pelo amigo João Santoris de Melo. O telegrama teria sido interceptado pelo Serviço Nacional

de Informações em Roraima e acabou motivando a prisão dos dois amigos.

Levado à prisão por seu próprio professor de matemática, “o Tenente Vilela”, Souto

Maior e seu amigo, João Santoris de Melo, ficaram na “9ª Companhia de Fronteira”, onde

permaneceram por um dia inteiro. Segundo Souto Maior, o oficial responsável por sua prisão

e interrogatório teria se mostrado inicialmente constrangido (“poxa, essa é uma situação

muito chata”) diante do prisioneiro. O entrevistado atribui isso, indiretamente, ao fato de

que não era um desconhecido: além de aluno do interrogador, era conhecido também de

sua esposa, “a Perpetinha, filha de Olavo Brasil”, com quem tinha estudado anteriormente.

O relato de Souto Maior (2007) sobre o evento de sua prisão é especialmente

interessante e revelador. Ele conta:

Fomos levados para o pelotão de fronteira, [...] para averiguações, passamos a tarde inteira e entramos pela noite lá. O capitão dessa Companhia de Fronteira, Rubens Paim Sampaio, se apresentou e pediu desculpas por estarmos naquela situação e falou que, como estavam num período de Revolução, o Exército estava sem carne para o jantar. Nesse momento, o Santoris, meu amigo, disse logo: “eu não como conserva!” e então o Capitão pediu ao oficial do dia que mandasse fazer um bife de fígado pra ele.

Diante dos relatos de brutalidade e arbitrariedade cometidas pelos militares nos

momentos de detenções durante o Regime, chama a atenção – a crer no entrevistado - o

fato de que Souto Maior e Santoris de Melo, declarados apoiadores do governo deposto,

tenham tido condições de exigir prerrogativas durante sua detenção. Mais surpreendente

ainda é a lembrança de que, mesmo naquele contexto, tenham sido atendidos! Não se pode

negar que há, aí, uma memória muito distinta daquela que comumente surge entre os que

foram presos pelos militares durante a vigência dos anos de ditadura. Ainda que Souto

Maior permita que transpareça certa dureza nas falas do Ten. Vilela, que o teria acusado de

“percorrer quase todo o Brasil pregando a subversão e a desordem” e mantido o

interrogatório cansativamente até “prá lá da meia-noite”, a tensão presente em suas

lembranças sobre o interrogatório aponta mais para um diálogo travado entre professor e

aluno do que de um investigador militar inquirindo um suspeito de subversão. Após contar

sobre o teor do interrogatório, que teria girado em torno de sua atuação no Movimento

Estudantil, Souto Maior (2007) fez questão de ressaltar que tudo

foi feito dentro do maior respeito e depois ele [o oficial] se ofereceu para me deixar em casa porque a luz ia embora dez horas e já estava escuro, tudo isso com a maior cordialidade.

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152

Essa mesma cordialidade não aparece na memória dos estudantes que, no ano de

1968, envolveram-se, Brasil afora, em um maior número de manifestações nas grandes

cidades, ou melhor, não aparece na memória que tem sido cristalizada pelos relatos da

resistência, muito mais saturados de tensão. Essa outra qualidade de relato aparece, por

exemplo, no discurso de Aimberê Freitas, que, desde janeiro de 1964, vivia no Rio de

Janeiro, onde cursou medicina veterinária na Universidade Federal Fluminense. O então

estudante afirma ter participado ativamente das manifestações organizadas pela FUEC

(Frente Unida dos Estudantes do Calabouço), cuja “liderança maior era Wladimir Palmeira”.

Freitas relata a história de uma passeata rumo ao Hotel da Glória, contra o fechamento do

restaurante, em que um amigo “do Maranhão” teve o braço decepado por uma bomba

lançada por policiais. Afirma ainda que estava no “galpão feio, poeirento e escondido atrás

de um edifício na Esplanada do Castelo”, improvisado pelo governo para instalar o

restaurante Calabouço quando “a polícia militar matou, em novembro de 1968, o colega

Edson Luiz de Lima Souto”. Freitas registra que, emocionado, acompanhou toda a história

até o enterro de Edson Luiz (FREITAS 1993, p.234).

A repressão específica para os estudantes, no entanto, não parece ter sido sentida

em Roraima pela liderança estudantil. Ainda que Freitas afirme que “em 1964 acabaram com

a URES e destruíram seu prédio, tal e qual foi feito com a UNE no Rio de Janeiro” (FREITAS

1993, p.215), a experiência que registra ter tido como estudante na capital carioca não o

impediu de retornar a Roraima após sua formatura, ainda durante o Regime militar, e passar

a ocupar, entre outros, o cargo de Secretário de Economia, agricultura e colonização durante

o governo de Fernando Ramos Pereira (1974-1979). Nesse período, Aimberê Freitas chegou

a ocupar o cargo de governador interino do Território Federal (FREITAS 1993, contra-capa).

O que se pode concluir é que Freitas cola sua história pessoal a um importante evento de

resistência à ditadura militar, resistência de que não fez parte ao voltar a Roraima, dada sua

participação nos governos da época.

Fato é que, segundo Souto Maior, o qual, ao contrário de Freitas, estava em Roraima

nos primeiros momentos do Regime Militar,

aqui no Território não houve repressão nenhuma, fomos chamados [presos] só uma vez, eles não levavam muito em conta a ideologia política dos funcionários não, eles não perseguiam politicamente ninguém (2007).

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Observe-se que nesse momento, Souto Maior fale como “funcionário” e não como

líder estudantil, deixando transparecer certa confusão entre as duas esferas de atuação. Isso

é compreensível quando se leva em consideração a proximidade da liderança estudantil

representada por Souto Maior e o governo Territorial antes do golpe, evidenciada no caso

do patrocínio governamental concedido para participação do estudante em eventos

nacionais, bem como no fato de que o militante tinha se tornado escriturário no gabinete do

governador Hélio Araújo (1959-1961), segundo ele mesmo, devido à proximidade com

Gaúcho Dias (PSD) e o apoio que deu a Lott, em 1960, através da URES37.

Esta imbricada relação entre governo e movimento estudantil não apenas ilustra o

uso do Território de Roraima como máquina política para garantir apoio aos interesses

federais, característica bastante apontada pela historiografia memorialista para se referir ao

momento político anterior ao golpe de 1964 em Roraima. Permitiu também que, após o

golpe, a oposição, estudantil ou não, fosse observada de perto e controlada pelo contra-

cheque. É exatamente o que aparece no depoimento de Adalberto Penteado Duarte,

tenente paraquedista que atuou no Serviço de Informações em Roraima, desde o ano de

1967:

Eu era diretor do SI no governo do Tenente Coronel Hélio da Costa Campos. Todas as informações chegavam a mim [...] a maior parte das informações que saía daqui era solicitada pelo SNI e o que fazíamos era atender ao pedido. Eram informações a respeito do comportamento político do grupo de oposição ao governo, tratava da questão política mesmo, partidos políticos, revolucionários e outros. Quem fazia parte desse partido aqui era João Pujucan, M. Nogueira e Gaúcho Dias, mas não eram revolucionários, trabalhavam no governo, tinham família no Território, não se comportavam como inimigos do governo (DUARTE, 2006).

Souto Maior (2007), por sua vez, corrobora essa afirmação em seu depoimento,

quando alega que a oposição era “totalmente dependente do governo federal, do contra-

cheque da União”. Para ele, essa situação peculiar justificaria o fato de, no Território Federal

de Roraima, não ter havido “aquela caça às bruxas que víamos acontecer lá fora”.

A hipótese aventada por Souto Maior levanta a questão: no Território, a relação

entre movimento estudantil e governos militares, não sentiu a repressão porque não houve

resistência, ou não houve resistência porque não sentiu a repressão? O que as fontes

respondem é que, entre estudantes e governo, não houve choque, mas a manutenção de

37

No Território Federal, ao contrário do resultado geral das eleições presidenciais, em que saiu vencedor o candidato Jânio da Silva Quadros, o general Lott foi o candidato mais votado.

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154

uma relação fisiológica que garantiu que, em Roraima, os interesses de militares e

estudantes convergissem nos anos que se seguiram.

Tanto é assim que, em 1973, por exemplo, a direção do “Centro Roraimense de

Estudantes no Pará”, CREP, declarou-se agradecida “ao Governo do Território e ao Coronel

Hélio da Costa Campos” pela sede da entidade, mantida pelo governo territorial em Belém.

Nessa nota, os estudantes “já formados” do CREP em “edificações, agrimensura e

eletrotécnica”, bem como aqueles que iam se formar em “medicina, engenharia civil e

odontologia” aproveitaram para declarar a disposição em “participar do repentino

desenvolvimento que se processava” no Território e, segundo eles, “colocar Roraima, num

futuro próximo, no exato lugar que realmente merece” (JBV, 03/11/1973, p.06). Essa nota

demonstra a dimensão do relacionamento do governo territorial com os jovens ligados ao

CREP, uma vez que serve para demonstrar que, além do apoio que já vinham recebendo

para estudar, estes contavam também com a importante possibilidade de conquistar um

emprego público em Roraima no momento em que voltassem formados para o Território.

As reportagens do JBV deixam claro que ser estudante em Roraima, na década de

1970, garantia algum status, sobretudo para aqueles jovens que iam estudar fora. Não se

pode afirmar, no entanto, que isso ocorria pelo estudante em si, ou por seu desempenho em

termos de aquisição de conhecimentos, mas, principalmente, pela correlação que se poderia

estabelecer entre esse desempenho e as políticas do governo Territorial, como se pode

identificar nas matérias a seguir:

Em 1973, com a manchete “Jovem roraimense que se destaca na vida universitária”,

o Jornal informava sobre o estudante Sandoval Ferreira Lima. Ao frisar o currículo do

estudante de administração, a reportagem afirma que o mesmo concluíra

o primeiro estágio do curso de Problema do Desenvolvimento Brasileiro, ministrado em todo o território nacional pelo Centro de estudos do desenvolvimento da Universidade de São Paulo [...] e fora contemplado com uma bolsa de estudos para participar [...] do segundo estágio em São Paulo,

mas não deixa de destacar que este era “um dos inúmeros roraimenses residentes na Casa

do Estudante do Amazonas, mantida pelo governo do Território” (JBV, 13/11/1973, p.6), e

que sua trajetória era facilitada pelos investimentos governamentais. Com esse mesmo

espírito, há freqüentes notas dando conta, com orgulho, da aprovação de roraimenses no

vestibular:

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O jovem roraimense Hélvio Tupinambá [...] é mais um estudante que se destaca fora do Território. Na faculdade do Amazonas, de modo brilhante, sobressaiu-se nos exames vestibulares esse ano [...] e foi o único a classificar-se dos que daqui se deslocaram para tentar a sorte nas mesmas condições (JBV, 19/02/1974, p.2).

No ano de 1975, ocorreu uma grande expansão na oferta de vagas para o nível

secundário de ensino: o Território passou a contar com cinco escolas de segundo grau (JBV,

02/08/1975, p.5) e tal expansão fez com que a demanda pelo nível superior também

crescesse. Assim, dois anos depois da vitória solitária de Hélvio Tupinambá, o JBV noticiava:

Prossegue em ritmo cada vez mais crescente a marcha para o desenvolvimento regional [...]. Notícias procedentes de Manaus fornecidas pela [...] representante do Território naquela capital, dão-nos conta do destaque alcançado por Roraima em razão do sucesso de seus filhos nos exames vestibulares desse ano. (JBV, 31/01/1976, p.2).

A reportagem faz questão de mencionar os nomes de catorze aprovados no

vestibular da Universidade do Amazonas, nas áreas de engenharia civil, economia,

odontologia, física, educação física, mecânica, pedagogia, ciências biológicas e farmácia,

além de antecipar que “outros seis jovens conseguiram sucesso”, explicando que seus

nomes seriam oportunamente publicados, “assim que a redação tivesse mais detalhes”.

Essas informações demonstram que a política governamental para os estudantes foi

azeitada, em Roraima, por investimentos na construção de escolas, a criação do Campus

Avançado de Santa Maria, em 1969, a manutenção de casas de apoio a estudantes

roraimenses em Belém e Manaus, a construção de ginásios poliesportivos e de um estádio

de futebol, bem como a realização freqüente de torneios, concursos e comemorações

diversas voltados para jovens e estudantes do Território. Assim, ao contrário do que ocorreu

em grandes centros de nosso país – nos quais, apesar da crença existente de que seria

possível “conquistar a simpatia dos universitários através de uma ideologia anticomunista

assentada nos ideias do chamado ‘mundo livre’” (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1986,

p.132), os governos militares sofreram intensa oposição estudantil –, no Território Federal

de Roraima, com expedientes mais comezinhos, herdeiros diretos do clientelismo que marca

as relações políticas no país, o governo conseguiu não apenas neutralizar uma possível

oposição, mas também garantir apoio importante para suas ações por parte dos estudantes.

Além da formação e de emprego para estudantes, o governo territorial buscou outras

formas de relacionamento com os jovens de Roraima. Uma delas foi o incentivo a atividades

culturais através de concursos. No último trimestre de 1973, por exemplo, partindo de

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iniciativas oficiais, houve não apenas o já citado Concurso de Monografia sobre Roraima

(JBV, 22/09/1973, p.8), mas também um Concurso de Música Popular Regional de Exaltação

a Roraima (JBV, 20/11/1973, p.8). Este último acabou rendendo, no ano seguinte, o Festival

da Canção, ocorrido no Iate Clube de Roraima, com quarenta e uma canções inscritas (JBV,

29/01/1974, p.3). A partir de 1975, foram realizadas Maratonas Escolares anuais,

patrocinadas pela Caixa Econômica Federal com prêmios em dinheiro para os estudantes

que se destacassem em leitura e interpretação de textos (JBV, 16/06/1978, p.3) e, por

ocasião do quarto aniversário do governo Fernando Ramos Pereira, em 1978, um concurso

nacional para escolha do símbolo da semana da Pátria premiou dez estudantes entre oito e

dezessete anos. Destes, os três primeiros colocados, premiados “em etapa nacional”,

receberam três mil cruzeiros do Banco do Brasil e os demais ficaram com prêmios de hum

mil cruzeiros (JBV, 28/04/1978, p.2).

Entre todos estes certames há um tipo que se destaca tanto pela freqüência dos

eventos como pela quantidade de concorrentes: os concursos de beleza. O Jornal Boa Vista

se ocupou grandemente dessas disputas. Por ele, é possível conhecer a legião de rainhas

coroadas pela sociedade roraimense durante a década de 1970. Entre outras coroas, foram

disputadas as de Rainha da Feira Agropecuária, de rainha do verão, de rainha de cada um

dos clubes da cidade de Boa Vista e de rainha do Carnaval.

Alguns desses concursos têm características curiosas. Uma competição que deveria

eleger, entre candidatadas com idade de 13 a 15 anos, aquela que receberia a faixa de

“brotinho da comunidade”, foi promovida pela “Representação Federal da Campanha

Nacional de Alimentação Escolar” (JBV, 22/09/1973, p.5). Já o “Restaurante e Boite Beira

Rio” fazia a escolha anual da mais bela “miss churrasco” (JBV, 01/12/1974, p.4).

Além dessas, também eram realizadas competições exclusivas para estudantes, como

o baile de gala em que uma “aplicada aluna da quarta série ginasial” foi escolhida como a

“mais bela gremista do Ginásio Euclides da Cunha” por sua “autêntica beleza e requintada

elegância na apresentação em passarela” (JBV, 22/09/1973, p.2). Noutro exemplo, o Projeto

Minerva chegou a receber apoio do comércio local e do Atlético Roraima Clube para realizar

um baile em que se escolheria a mais bela estudante do curso “madureza ginasial” (JBV,

06/10/1973, p.2).

A importância dada aos concursos locais era tamanha que na capa da primeira edição

do Jornal Boa Vista já aparecia a fotografia da “garota biquíni 73, *...+ Vitória Régia, a rainha

da praia” (JBV, 15/09/1973, capa). A antecessora de Vitória, a jovem Darlene Cruz, “garota

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biquíni 72 com 16 anos e 1,70m de altura” era, segundo o colunista Oscar de Almeida,

“presença constante e querida no society boavistense”. Darlene era apresentada pelo Jornal

como “a grande esperança de livrar Roraima do complexo de baixinhas no miss Brasil” (JBV,

29/09/1973, p.2).

Promovido entre 1955 e 1980 pelos “Diários e Emissoras Associados através da TV

Tupi”, o concurso nacional contava com representantes de cada unidade da federação

brasileira e chegou a ser considerado como uma festa “superada apenas pela Copa do

Mundo” (MISS BRASIL OFICIAL, 2009). Em geral, as reportagens permitem associar a

proliferação de concursos de beleza em Roraima ao sucesso popular do concurso de Miss

Brasil, já que os primeiros pareciam preparar as candidatas para representar o Território

Federal. Foi o que ocorreu, por exemplo, em 1974, quando a Rainha da Exposição Agro-

pecuária 1972 e Rainha do Verão 1973, Ceister Miranda, eleita Miss Roraima, participou, em

Brasília, do concurso nacional.

Mesmo depois de 1974, quando o presidente Ernesto Geisel se negou a receber as

candidatas a Miss Brasil no Palácio do Planalto para não “banalizar suas audiências” públicas

(GASPARI, 2003, p.412), em Roraima as misses eram bastante valorizadas. Exemplo disso

está no ano de 1975. Naquele ano não houve notícia de concurso local para miss Roraima.

Apesar de não haver referência, nas fontes, sobre quem a teria indicado para representar o

Território no Miss Brasil, duas edições do JBV se dedicam a apresentar a candidata

roraimense: Maria de Jesus nascera em Roraima, mas vivia no Rio Grande do Sul desde o

ano de 1960, quando tinha apenas quatro anos. Chamada de “Modelo de Integração Norte-

Sul”, Maria de Jesus teria “se emocionado ao conhecer a terra de que seu pai tanto falara”,

quando chegou a Boa Vista para ser “apresentada à sociedade roraimense” (JBV,

08/06/1975, capa).

Segundo o site oficial do Concurso de Miss Brasil, tanto a indicação como a

importação de candidatas eram práticas relativamente comuns em algumas unidades da

Federação que pretendiam aumentar suas chances de ganhar o concurso na década de

1970. Fato é que Maria de Jesus, que já tinha sido Rainha Nacional da Soja representando o

Rio Grande do Sul em 1974, teve uma recepção calorosa durante sua estada na cidade de

Boa Vista, com direito a coquetel promovido pela Prefeitura, baile de gala, “carinho e

presentes na Prefeitura e Câmara Municipal”, passeio de barco pelo Rio Branco, jantar com

o governador e a primeira dama na residência oficial e o “auxílio de dez mil cruzeiros em

cheque entregue pelo governador” em ato ao qual estiveram presentes, além da imprensa,

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o prefeito, o secretário de segurança pública, um tenente do Exército e o juiz de direito (JBV,

16/06/1975, p.3 e 11).

Maria de Jesus não ficou entre as primeiras colocadas e, no ano seguinte, Roraima

simplesmente não enviou representante ao certame nacional, que teve apenas 23

candidatas. Em 1977, no entanto, sob a coordenação de Jaber Xaud, houve novo concurso

que escolheu para miss Roraima Zara Xirly Lima Tavares. Nesse pleito, disputaram cinco

garotas com idades entre 18 e 20 anos e, entre estas, apenas uma não era funcionária

pública do Território (JBV, 28/05/1978, p.8). Uma semana depois do concurso, a miss

Roraima 77 foi “recebida em audiência especial pelo Comando do 6º BEC, o Juiz de Direito e

o presidente do Banco de Roraima” e, posteriormente, coroada “no Salão Nobre do

Aeroporto Internacional de Boa Vista”. Maria de Jesus, a miss 1975, teria apenas enviado

“votos de felicitações” e não compareceu à cerimônia de coroação para passar a faixa à sua

sucessora, que também teria sofrido o boicote das candidatas que derrotara. Após a

cerimônia, a miss seguiu para Brasília, “totalmente apoiada pelo Governo do Território”,

para representar Roraima (JBV, 04/06/1977, p.10-11).

O que esses dois episódios de Miss Roraima mostram é o interesse do governo

territorial em controlar de perto esse evento popular, incentivando-o com homenagens,

prêmios e passagens para as eleitas. Com esse tipo de postura, o governo promovia uma

aproximação com setores cada vez mais amplos da juventude roraimense, que via as

vantagens de se associar a tal processo. É esta a postura que se encontra também na política

específica de esportes do governo territorial. Oferecendo auxílio e patrocínio para

participação em eventos de caráter nacional, ou ainda realizando, direta ou indiretamente,

inúmeros torneios desportivos que marcaram toda a década de 1970, o governo territorial

dava apoio a atletas de diferentes modalidades, o que de fato garantia que suas ações

repercutissem de modo favorável entre a juventude.

Para os leitores do JBV, o Território aparecia como um celeiro de atletas e os bons

resultados nacionais são surpreendentes quando se leva em consideração o tamanho do

Território e sua influência reduzida no conjunto da federação brasileira. Em 1975, o JBV

noticiava o grande feito da atleta roraimense Marlene Gomes do Nascimento, que se

tornara recordista brasileira no salto em distância (JBV, 19/05/1977, p.2). Em 1976, a seleção

infantil de basquetebol de Roraima sagrou-se vice-campeã nacional (JBV, 07/09/1977, p.9).

No ano de 1978, durante os Jogos Escolares Brasileiros - JEBs, a seleção feminina roraimense

de handebol conseguiu ficar entre as cinco melhores do país (JBV, 21/07/1978, p.12) e, no

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Campeonato Brasileiro Juvenil, promovido pela Confederação Brasileira de Desportos no Rio de Janeiro, o atleta Eloi do Nascimento, campeão juvenil de 100 e 200m conquistou a medalha de prata na prova de 100 metros, com o tempo de 10’9s, chegando quase ao lado do campeão, um paulista com a marca de 10’8s (JBV, 05/11/1978, p.13).

Estes resultados são fruto de uma política deliberada de incentivo ao esporte que,

em Roraima, beneficiava todas as modalidades. Com apoio governamental, eram realizados

os mais diferentes torneios, como o I Campeonato de Tênis de Roraima, realizado pela

Confederação de Educação Física e Recreação, CEFERE, e patrocinado por empresas privadas

que, após a final, “ofereceram um jantar comemorativo no restaurante do Parque de

Aeromodelismo”. A disputa chegou a contar com “quase vinte participantes” e os

organizadores previam a realização do “I Torneio Individual Simples” para o ano seguinte

(JBV, 27/11/1976, p.14). Campeonatos de futebol e vôlei de praia, eram disputados pelos

militares (CABEC..., 1975), que associavam a realização de eventos esportivos à

comemorações diversas. São exemplos disso a Corrida Duque de Caxias, com participação de

51 atletas em homenagem à Semana do Exército (ATIVIDADES..., 1975), a Corrida do Fogo

Simbólico da Pátria, quando, “simbolizando a integração”, atletas largaram em Pacaraima,

na fronteira com a Venezuela, e chegaram em Boa Vista em homenagem à Independência

do Brasil (JOCONDO, 1975), ou um “sensacional torneio” de futebol de salão em

comemoração ao Dia da Engenharia (COLUNA...,1976).

Na diversificada pauta esportiva que se desenvolvia em Roraima, nos anos 70,

ocorreu o XIV Campeonato Brasileiro de Aeromodelismo. Realizado na cidade de Boa Vista,

em 1976, o campeonato da “modalidade esportiva amadora” contou com participantes de

diversos estados brasileiros e com o total apoio do governo territorial. Explica-se: com essa

iniciativa, o governo pretendia garantir mais um ato de integração do Território ao restante

de nosso país (JBV, 17/04/1976, capa). Dois anos depois, em 1978, ocorreu o “Primeiro

Torneio de Xadrez”, chamado de “D. Diógenes Campeiro”, e “envolveu dezesseis enxadristas

da capital” (JBV, 17/12/1978, p.10). Nesse mesmo ano, o Território Federal de Roraima

sediou a quarta edição dos jogos do Torneio da Integração, disputados por equipes de

futebol que representavam os territórios amazônicos. Por essa ocasião, importantes obras

de infra-estrutura foram realizadas na cidade de Boa Vista (JBV, 21/07/1978, p.12).

Acompanhando as notícias de esportes, pode-se verificar que tanto os clubes como

as federações, constituídas como mecanismos de controle e poder sobre as atividades

esportivas, eram também espaços de disputa política entre diferentes grupos locais. Os

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termos dessas contendas apenas transparecem em algumas matérias do JBV e não foram

aprofundados nesta pesquisa, uma vez que tal atitude demandaria o estudo específico de

cada instituição envolvida. É possível ressaltar, no entanto, que os conflitos envolvendo os

esportistas e suas instituições eram claramente minimizados pelo JBV. Veja-se o exemplo do

basquete: em 1973, uma comitiva formada por treze pessoas, representando a “Federação

Roraimense de Basquetebol”, viajava “pela Cruzeiro do Sul”, até Maringá, com a intenção de

participar de um torneio envolvendo equipes do “Paraná, Guanabara, Maranhão, Mato

Grosso, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Ceará,

Estado do Rio e Alagoas”. Segundo a reportagem, as atletas locais deveriam “manter o alto

nível” que tinham apresentado em competição no ano anterior (JBV, 03/11/1973, p.4). Três

anos depois, no entanto, outra notícia, menos auspiciosa, aparecia tratando do basquete

local: os clubes locais Baré e São Raimundo teriam se unido para denunciar que a Federação

Roraimense de Basquete “funcionava irregularmente”, não levava em consideração a

opinião de seus filiados, não realizava campeonatos regionais e se preocupava

“exclusivamente com o treinamento de seleções que participavam de certames nacionais”

(JBV, 23/10/1976, p.14). Depois de longo silêncio sobre as disputas aí presentes, aparece,

em 1978, uma manchete afirmando que o basquete adulto voltaria a ser atração. Mesmo

involuntariamente, o JBV aponta, nessa última reportagem, para a fragilidade da federação

local que, para promover um torneio, esperava pela “participação de equipes não filiadas”

como “o 6º BEC, 2º BEF, P.M., Escolas de 2º grau e estabelecimentos bancários *...+ para

maior sucesso do evento” (JBV, 16/06/1978, p.8).

Além de silenciar sobre os conflitos, o Jornal adota uma estratégia discursiva

eficiente, enlevando os atletas e os tratando como “apolíticos”, deslocando, assim, qualquer

indício de conflito para o âmbito “das direções” das entidades. É o que se pode observar na

“Galeria dos Campeões”, por exemplo. Publicada depois de diversas reportagens falando das

dificuldades do futebol roraimense, tratando, por exemplo, do apoio financeiro dado pelo

governo para assegurar a participação de equipes em competições fora do Território (JBV,

16/06/1975, p.06), a matéria de uma página inteira, recheada de fotografias, homenageava

os jogadores de futebol roraimenses que teriam se destacado no ano de 1978. Abaixo das

fotos, outra matéria, referindo-se aos grandes jogadores brasileiros, trazia como manchete:

“quando o assunto é política, a maioria quer ficar na reserva” (JBV, 22/03/1978, p.18). Desse

modo, ainda que o incentivo aos esportes em nível local constituísse uma expressiva ação

política do governo, parece que não era desse modo que o JBV pretendia caracterizá-la.

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Ilustração 23 – Jornal Boa Vista em março de 1978: quando o assunto é política...

O incentivo à prática de esportes começava nas escolas. A partir de 1968, ano do AI5,

quando estudantes eram rechaçados a bala das manifestações que agitaram o Rio de

Janeiro, começava a ser implantada de modo sistemático uma política educacional para a

prática esportiva, com a realização da primeira edição dos JER, Jogos Escolares de Roraima.

Não foi possível colher informações sobre as primeiras edições desse torneio, pois a

Secretaria de Educação de Roraima, responsável pelas edições dos Jogos, alegou não possuir

nenhuma documentação a respeito. Desse modo, somente a partir do ano de 1974, quando

começam a aparecer referências aos Jogos Escolares no Jornal Boa Vista e no Pium, é que se

pode contar com informações sobre o evento.

Os Jogos Escolares eram realizados em setembro, como os desfiles cívicos, e se

firmaram, durante a década de 1970, como principal torneio desportivo local. Pelas matérias

do JBV, os Jogos Escolares, realizados sempre por ocasião do aniversário do Território, eram

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assinalados como uma espécie de culto à juventude. O apelo a esta caracterização seria uma

estratégia bastante apropriada para a instauração daquilo que Carlos Fico chamou de

“mística da esperança e do otimismo” (1997, p.19), identificando não apenas os

participantes dos Jogos, mas toda a população local, pela referência ao próprio Território de

Roraima, que comemorava seu trigésimo segundo aniversário em 1975. “Maravilhosa festa

da juventude e da eugenia” (JBV, 08/09/1974, p.12), os Jogos eram apresentados ano a ano

como uma comemoração cheia de “cores, alegorias e beleza juvenil” (JBV, 12/09/1976,

p.15), reforçando a ideia de juventude e esperança que dela advém. Esta foi a tônica do

discurso do governador Fernando Ramos Pereira, registrado durante a abertura dos Jogos

Escolares em 1975, que, após dedicar o Estádio que inaugurava “aos desportistas, jovens e

estudantes”, depositou sobre esses a esperança de que seriam os “futuros valores do

esporte, para orgulho de Roraima e do Brasil” (JBV, 07/09/1975, p.6-7).

O crescimento da importância dos Jogos foi garantido por grandes investimentos em

infra-estrutura desportiva. Quando, durante o Milagre Econômico, o governo federal erguia

em todo o país estádios e ginásios – muitas vezes justificados apenas pelo clima otimista

gerado pela vitória brasileira na Copa do Mundo de 1970 –, os Jogos Escolares de Roraima

serviam, em alguma medida, para abonar grandes obras, que podem ser apontadas como

mais uma mostra da relação direta entre as ações governamentais no Território e a política

de integração nacional.

A inauguração do Ginásio Hélio Campos é a primeira dessas obras. Na “Edição

especial de Independência”, de setembro de 1974, o Jornal Boa Vista informava que, “em

rápido cerimonial”, o governador Fernando Ramos Pereira teria lido, “pelo moderno sistema

de som [...], o decreto que dava a denominação de Ginásio Hélio Campos àquela peça do

conjunto do Ginásio Polivalente”. Descrito como “arejado e majestoso *...+ coberto, amplo,

*possuidor+ de requintes de modernismo com suas tabelas de vidro e placar eletrônico” (JBV,

08/09/1974, p.12), o Ginásio fora nomeado em homenagem ao Coronel Aviador que iniciara

as obras do Complexo Esportivo. A capa da Edição especial do JBV já destacava, com uma

foto, a chegada do ex-governador homenageado que, recebido pelo governador Fernando

Ramos Pereira, acompanhado da primeira dama, do bispo de Roraima “e de outras

personalidades de Boa Vista”, era apontado como responsável pelo início das obras de

construção do que seria “um verdadeiro palácio dos esportes, *...+ um templo do ‘mens sana

in corpore sano’” (JBV, 08/09/1974, capa). O Ginásio abrigaria, a partir de então, os torneios

de esportes coletivos, como handebol, basquete e voleibol dos Jogos Escolares de Roraima,

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todos disputados nas categorias feminino e masculino. Para as provas de atletismo, segundo

o JBV, seria utilizada a pista do 6º Batalhão de Engenharia e Construção e, para o torneio de

futebol, “o campo do Roraima” (idem).

O Estádio 13 de setembro – o nome oficial não “pegou” e o estádio ficou mais

conhecido como Canarinho – foi inaugurado um ano depois, em 1975. Segundo admitia o

governador à época, “recém-nascido, mas já consolidado [...], a obra do estádio necessitava

de complementação”. Mesmo assim, além das pessoas que lotaram as arquibancadas para

assistir à abertura do VII JER, o Estádio também recebeu, em sua inauguração, a presença do

ex-governador Ene Garcez dos Reis, o primeiro a governar o Território, entre 1944 e 1946.

Homenageado, Ene Garcez deu o pontapé inicial numa demonstração de futebol entre dois

clubes locais, Baré e Roraima, num jogo que teve apenas 50 minutos de duração (JBV,

07/09/1975, p.6-7).

Ilustração 24 – Detalhe da cobertura dos Jogos Escolares pelo JBV em 1975.

É possível crer que essas duas inaugurações garantiram condições objetivas para o

crescimento da importância dos Jogos Escolares de Roraima. Se, em 1974, havia “mais de mil

atletas envolvidos nas diferentes modalidades” (SEMANA...,1974, p.6), esse número cresceu

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significativamente no momento da inauguração do estádio, quando 716 estudantes se

inscreveram apenas para as categorias de atletismo e o número total de inscritos chegou a

quase dois mil (JBV, 23/08/1975, p.12). Em 1978, noticia-se o aparecimento de novas

modalidades disputadas, como ginástica rítmica desportiva, tênis de mesa, ciclismo e

natação (JBV, 01/09/1978, p.16), mas, apesar disso, o número de inscritos não voltara a

manter o crescimento observado anteriormente. Em 1979, o número de participantes foi de

1729 atletas (JBV, 07/09/1977, p.8).

A cerimônia de abertura dos Jogos recebia ampla cobertura do JBV. Em 1977, por

exemplo, com um projeto gráfico que se referia diretamente ao desfile de abertura dos

Jogos, o Jornal destacava a presença da “Banda de Música da Polícia Militar de Roraima”,

dos estudantes representando vinte e cinco escolas do interior e da capital, aparecendo em

verde, amarelo, azul e branco e compondo, na arena, uma “bandeira viva”, como a sugerida

pela disposição das imagens e do texto que compunham a própria reportagem. Os quadros

com as palavras “esporte”, “cultura”, “educação” e “lazer”, além do lema nacional “o Brasil é

feito por nós” e o grande número de fotografias do evento completavam a matéria, dando-

lhe uma aparência que garantia visibilidade à mão oficial por trás dos Jogos.

Ilustração 25 – Disposição gráfica da reportagem, lembrando a bandeira do Brasil, em 1977.

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Não poderia ser diferente. A realização de um Torneio de tal grandeza, abrangendo

tantas modalidades esportivas e um número tão significativo de participantes, certamente

implicava na interferência do Estado, expressa em esforços concentrados na área de

educação, mais especificamente para a formação de atletas no meio escolar. Essa política,

que só podia ser aplicada a médio e longo prazos, parecia ter sucesso em Roraima. Segundo

se pode identificar pelas reportagens, muitos dos atletas locais que figuravam como

competidores de nível nacional começaram sua carreira esportiva destacando-se nas

acirradas competições dos Jogos Escolares de Roraima.

Os Jogos envolviam especialmente os alunos dos colégios centrais da cidade de Boa

Vista, entre eles o Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, São José, Lobo D’Almada, Oswaldo

Cruz, Pescador, Gonçalves Dias. Estas escolas eram justamente as que recebiam como alunos

os filhos das famílias mais tradicionais, dos militares e dos técnicos recém-chegados ao

Território. Apesar da rivalidade que desenvolveram entre si, disputavam com algum

equilíbrio, se consideradas as diferentes modalidades esportivas. O mesmo não ocorria com

as escolas periféricas, os núcleos do MOBRAL e as escolas do interior cuja participação nos

Jogos, sem expressivos resultados, mal aparece nas reportagens do JBV que tratam do

torneio.

Em 1978, os Jogos foram divididos em duas etapas, hierarquizando a participação

estudantil de modo revelador. Na primeira etapa, ocorreram as disputas entre os alunos de

5ª a 8ª séries da capital, e foram os resultados dessa etapa que definiram “o Colégio

Monteiro Lobato como tetra-campeão dos Jogos”. Da segunda etapa – configurada como

um tipo de série B de campeonato –, participaram os alunos de todas as séries de escolas do

interior e ainda os alunos de 1ª a 4ª séries da capital. Mesmo após a divisão, não há menção

alguma a essas escolas na reportagem que pretendeu divulgar a “galeria dos campeões dos

JER” (JBV, 06/10/1978, p.32).

Assim, apesar dos Jogos serem retratados como uma enorme festa, não se pode

negar que a festa era parcial, dada a enorme discrepância entre as escolas centrais e as do

interior. Cabe então pensar no impacto que este evento provocou junto à população. Diante

de toda a elaboração que pareceu existir sobre os Jogos, àquele momento, que impressão

poderia ter sido deixada pelos governos da década de 1970 junto aos jovens que

desenvolveram, em tenra idade, aptidões esportivas para participar dos Jogos Escolares e

naqueles que viajaram para representar Roraima nos Jogos Estudantis em nível nacional?

Ampliando a abrangência desse impacto para além dos atletas, como repercutem esses

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Jogos na memória daqueles que, nas arquibancadas dos novíssimos Ginásio e Estádio,

emocionaram-se com as conquistas ou derrotas esportivas de irmãos ou colegas?

Ilustração 26 – Detalhe do Jornal Boa Vista de 06 de outubro de 1978.

O caráter festivo que as reportagens do JBV atribuíam aos JER e aos demais

concursos e competições realizados sob a batuta do governo territorial era de extrema

importância para promover o apagamento das diferenças. Além disso, auxiliava na forja

identitária que unia os jovens na representação de suas escolas e clubes e, sobretudo, de

seu torrão pátrio. A festa jogava sombra sobre a política concentracionista que, em Roraima,

assim como no restante do Brasil, continuava a garantir diferenciação social entre o campo e

a cidade, o centro e a periferia. Como, em Roraima, era significativo o número de

beneficiados por essas ações governamentais, os concursos, revestidos de festa, garantiram

a adesão alegre de milhares de estudantes, no decorrer da década de 1970, à política de

integração nacional empreendida pelos governos militares, gerando uma inapagável

memória entre aqueles que ali viveram tempos tão doces.

3.3 - Memórias revistas e a ditadura que amávamos tanto...

Subjazendo a uma memória hegemônica, pode haver outras, transmitindo

“cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a

hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas”, que garantem, por

ora, seu silenciamento. Tal realidade é encontrada com maior freqüência nas relações entre

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grupos minoritários e uma sociedade que tende a englobar as partes (POLLAK, 1989, p.3).

Em alguma medida, é correto afirmar que essas memórias têm conseguido, em Roraima,

manifestar-se por meio da historiografia acadêmica, a qual, muitas vezes empregando a

história oral, aborda especificamente o passado recente dos diversos grupos indígenas ou

dos migrantes pobres que chegaram a Roraima durante o período do Regime Militar, fosse

para trabalhar no campo, fosse no garimpo. Assim, apesar de ter sido considerada, a ideia de

buscar por essas “outras memórias” foge completamente do escopo de meu trabalho,

motivo pelo qual não se tornou efetiva.

A observação de como determinada memória sobre o Regime Militar foi se

construindo e se tornando hegemônica demonstrou que essa mesma memória não pode ser

simplesmente considerada como resultado da imposição de um Estado dominador, ainda

que este fosse o caso do Estado Nacional Militarizado. Não há como nem porque negar o

arbítrio produzido pelos governos militares, mas isso não permite que se ignore o fato de

que, muito mais que imposta, a memória, em Roraima, foi se constituindo mediante

conjunturas políticas específicas, ecos da propaganda oficial de alcance nacional,

comemorações, obras e programas. Juntos, caracterizaram alterações significativas no

cotidiano de uma população que se ressentia do isolamento geográfico, econômico e

cultural relativamente ao restante do país. Além disso, o importante adesismo ao projeto

integracionista e sua importância como contexto da composição de uma identidade local

deve ser apontado como fator fundamental para a composição de uma memória positiva

sobre aquele período.

Ao analisar a “incômoda memória” deixada pela ditadura militar no Brasil, Daniel

Aarão Reis, aponta que essa memória teria se consolidado a partir da Lei de Anistia, de 1979,

e que fixara “versões” do período como se fossem “verdades irrefutáveis” (2005, p.70-71).

Tal processo se deu graças a deslocamentos de sentido sobre os acontecimentos objetivos

daquele momento histórico. Para Reis, a memória, dir-se-ia dominante, relativa ao período

provocou o apagamento do apoio das massas, que existiu tanto para a instalação do Regime

– por meio da Marcha da família com Deus pela Liberdade, para ficar em um exemplo –,

quanto para sua permanência nos anos que se seguiram – promovendo, desse modo, o

desaparecimento das “pontes e cumplicidades tecidas entre a sociedade e a ditadura ao

longo dos anos 70” (idem).

Esse apagamento não é verificado de modo tão intenso em Roraima, onde existe

grande diversidade de modos e suportes para uma constante celebração em memória

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daquele período. Mantendo erguidas as pontes que unem a sociedade roraimense às

posturas e políticas do Regime Militar, essa memória, que tem importante relação com a

formação de uma identidade local, foi construída com esmero por uma significativa parcela

da sociedade roraimense. Consolidada pela historiografia pioneira e memorialista, a forma

positiva como a memória hegemônica apresenta o Regime Militar em Roraima em nada

recorda aquela de que trata Reis, quando afirma que

para a grande maioria da sociedade, a ditadura e os ditadores foram demonizados e, em 1998, se consagrou uma orientação de hostilidade à ditadura celebrando aos vencidos de então e condenando sem piedade os poderosos que mandavam e desmandavam no país (idem, p.7).

É, talvez, improdutivo discutir qual das duas memórias estaria mais de acordo com a

realidade vivida durante os anos do Regime Militar. Fruto das distintas interpretações e

experiências do passado, a dissonância entre essas memórias testemunha a riqueza de

possibilidades interpretativas do período, sobretudo quando se leva em consideração as

proporções continentais de nosso país.

Ocorre que a memória observada em Roraima, mesmo que seja considerada como

uma memória dos grupos próximos ao poder, descontados aí os migrantes pobres e os

indígenas, não pode ser totalmente atribuída à ausência de repressão. Mesmo no Jornal Boa

Vista, podem ser encontradas notícias de políticos locais atingidos pelo AI5 ou pela Lei de

Segurança Nacional. As fontes, em geral, confirmam o que apontou Souza (2008) com

relação ao rígido controle político exercido pelo governo territorial sobre o funcionalismo

público, o que permite acreditar que esta tenha sido a principal forma de repressão política

praticada em Roraima durante os governos militares. Mas há mais. Roraima, que possuía

apenas uma vaga na Câmara Federal, foi duramente atingido com a repressão política e

perdeu, entre 1964 e 1969, três deputados federais pelo Território, todos cassados pelo

Regime Militar. O primeiro deles foi Gilberto Mestrinho, cujo mandato foi perdido na

primeira onda de expurgos do Regime, em abril de 1964. Em maio, a vaga foi preenchida

pelo suplente, Félix Valois de Araújo, que também veio a ser cassado e perdeu os direitos

políticos em junho daquele mesmo ano. Dois anos depois, em 1966, Atlas Brasil Catanhede

foi eleito para o cargo, sendo dele afastado, em fevereiro de 1969, por conta do AI5

(OLIVEIRA, 2000, pp.59, 113, 134).

Essa realidade incômoda traz uma dificuldade suplementar para aqueles interessados

em manter intacta a memória positiva do Regime Militar. A história desses mandatos e

cassações raramente é contada e, mesmo após a abertura política, verifica-se que esses atos

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de arbítrio tiveram pouca repercussão. Nos livros que tratam dessa história, as cassações de

deputados pelo Território aparecem em notas minúsculas. Freitas é o autor que mais se

atém a eles, certamente por sua intenção de contar “a história política e administrativa de

Roraima”. Isto não significa, no entanto, que dê destaque às cassações, que figuram apenas

como mais um detalhe da vida política dos deputados cassados.

Tratando de Gilberto Mestrinho, o primeiro dos deputados a ser cassado, Aimberê

Freitas afirma apenas que, em 1962, quando disputou a vaga de deputado federal pelo

Território de Roraima, o então governador do Amazonas

investiu maciçamente na campanha, até uma rádio clandestina, denominada Rádio Parima foi utilizada. Foi nessa campanha que se iniciou, praticamente, o aliciamento profissional de eleitores no Território. Mestrinho promoveu a distribuição, em grande escala, de alimentos, sapatos, óculos, roupa, passagens aéreas, etc. Tudo isso para conquistar o eleitorado (1996, p.150).

Se pouco tratou de Mestrinho, sobre o tenente-coronel Félix Valois de Araújo, Freitas

escreveu muitas páginas. É ele quem informa que Félix Valois foi governador do Território

indicado pelo presidente Dutra, entre 1946 e 1948. Que seguiu carreira política no Território,

eleito deputado federal pelo Rio Branco por duas legislaturas, de 1950/1954 e de

1954/1958. Passou por diversos partidos políticos e, em sua prática fisiológica38, não apenas

foi responsável pela indicação de três governadores do Território Federal como também

logrou tornar-se, em 1958, uma unanimidade entre os líderes políticos do Rio Branco: PSD,

UDN, PTB e PSP se uniram “contra Valois”. Freitas segue informando que, naquele ano,

Valério Caldas de Magalhães foi escolhido o novo deputado federal pelo Rio Branco,

impondo derrota a Félix Valois de Araújo (FREITAS, 1993, p.75-77). Em 1962, novamente

candidato, Valois foi eleito suplente de Gilberto Mestrinho. Com a cassação do titular, em

maio de 1964, voltou ao cargo de deputado federal por Roraima. No entanto, com a

continuidade das cassações, perdeu os direitos políticos e o mandato em junho do mesmo

ano.

Atlas Brasil Catanhede, o terceiro deputado cassado, é o menos citado por Freitas. O

autor apenas conta que a eleição de Atlas, em 1966, ocorrera pela influência do governador

Dilermando Cunha da Rocha (1964-1967), o primeiro governador indicado pelos militares.

38

Valois, como deputado federal por Roraima, explicava seu desrespeito às regras partidárias no plenário da Câmara alegando que não era indisciplinado, mas comprometido com sua consciência. Este argumento é, no entanto, apenas mais um dos artifícios utilizados por políticos brasileiros para justificar seu fisiologismo, como aponta Daniela Resende Archanjo (2008, p.85).

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Também informa que, cassado em 1969, Atlas Brasil Catanhede não foi substituído por seu

suplente e, assim, o Território teria ficado “sem representação política até as eleições de

1970” (FREITAS, 1993, p.158-164).

Lamentavelmente, não foi possível levantar detalhes sobre nenhum desses casos de

cassação política. Segundo informação obtida junto ao Centro de Documentação e

Informação da Câmara Federal, os processos contra os deputados são diretamente

acessíveis somente para os atingidos ou para suas famílias. Para Freitas, que quando

retornou a Roraima tornou-se um homem próximo do poder e que baseou a maior parte de

seu trabalho em entrevistas com personagens envolvidos com o governo, a dificuldade de

acesso aos processos não foi, certamente, o mais determinante fator para ignorar a questão

das cassações.

O silêncio sobre os atos de repressão ocorridos contra homens envolvidos com as

disputas de poder em Roraima é mais revelador que muitos dos discursos até agora

estudados. O fato de que, no Estado, não tenha havido, a exemplo do que ocorreu no

restante do país, a publicação de memórias daqueles que teriam resistido ao Regime, pode

ser considerado como parte da mesma ação de silenciamento. Isto faz, também, com que o

processo de abertura política em Roraima contraste com o movimento que teria se dado em

outras partes do Brasil, quando, devido à redemocratização, a ditadura teria passado “da

celebração ao estigma” (REIS, 2004, p.41). Assim, o que a análise das disputas recentes pela

memória do Regime demonstra é que estas dizem respeito muito mais às contendas pelo

controle político do novo estado da República do que à adoção de valores democráticos.

Essa afirmação decorre, sobretudo, da leitura do tratamento dado à memória de dois

dos deputados cassados em momento posterior à criação do estado de Roraima. Como se

viu, no trabalho que produziu em 1991, Freitas caracterizava Valois como um personagem

contra o qual os políticos de Roraima se uniram. Para não se comprometer, Freitas publicou,

sob o título “Valois na opinião de José Maria Barbosa”, parte da entrevista daquele que fora

governador do Território entre 1955 e 1958. Neste trecho, o ex-governador afirmava que

Félix Valois

Como deputado, lutou muito para que o Território fosse beneficiado com verbas e obras do governo federal [...]. Um orador brilhante, inteligente e professor do Colégio Militar do Rio de Janeiro [...] fez carreira no Território [principalmente] devido à ação nefasta dos governadores que o sucederam [...] e foi chamado para que se candidatasse a deputado federal para liberar o Território daquela tirania e opressão que era imposta ao povo.

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Com essa opinião, Barbosa denunciava que

Uma grande injustiça que os governantes do Território cometeram contra o Deputado Félix Valois de Araújo é o fato de que, agora, depois de sua morte, nenhuma rua, nenhum beco sequer tenha o nome dele (FREITAS, 1993, p.128).

A caracterização que Aimberê Freitas faz de Valois talvez explique a dificuldade em

homenageá-lo na cidade de Boa Vista. Uma primeira tentativa foi feita no ano de 1991,

ainda antes da publicação do livro de Freitas. A Lei 244, de 06 de setembro, aprovada pela

Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito Barac Bento, determinava que, na zona oeste

da cidade de Boa Vista,

partindo da interseção da av. São Sebastião com a av. Cambará, seguindo por esta até a interseção com a rua Bentel, seguindo por esta até a interseção com a av. Ataíde Teive, seguindo por esta até a interseção com a av. São Sebastião, seguindo por esta até a interseção com a av.Cambará, ponto inicial desta poligonal,

estaria o Bairro Félix Valois de Araújo (BOA VISTA, 1991, p.75). Na prática, no entanto, o

bairro, surgido a partir de um conjunto habitacional conhecido popularmente Cambará,

nunca foi chamado de Félix Valois de Araújo, nome que consta apenas de documentos

oficiais do IBGE e da própria prefeitura. Nem os Correios tratam o bairro dessa maneira.

Numa cidade em que proliferam as homenagens a políticos, em prédios, praças e

monumentos, renomear um bairro consolidado com três nomes, entre eles um estrangeiro,

parece maneira certa de não homenagear ninguém. De todo modo, o costume dos

moradores do Cambará venceu a homenagem imposta pela prefeitura e o nome do ex-

governador ficou no silêncio.

A tentativa de homenagear Atlas Brasil Catanhede foi mais bem sucedida, e nela se

pode ver, de fato, cenas de um duro combate pela memória do Regime Militar: em outubro

de 2001, Mozarildo Cavalcanti apresentou ao Senado uma proposta de lei para mudança de

nome do Aeroporto Internacional de Boa Vista para Aeroporto Atlas Brasil Catanhede, que

tramitou na Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado, sendo, depois, enviado à

Câmara dos Deputados (BRASIL, 2001).

Em 2002, quando Tereza Jucá se candidatara ao senado, o apoio de Ottomar Pinto,

então pleiteante do governo do Estado, foi decisivo para a reeleição de Mozarildo, que era

seu reconhecido aliado. Em dezembro de 2007, com a morte do governador Ottomar de

Souza Pinto, começou uma curiosa disputa. O Senador Romero Jucá, também de Roraima e

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desafeto político de Ottomar, aproveitando-se do fato de que a lei de 2001 ainda não havia

sido sancionada, apresentou um novo projeto de lei ao Senado, propondo que o Aeroporto

de Boa Vista homenageasse ao recém-falecido governador.

A “briga pelo espólio” político de Ottomar ficou evidenciada. Diante da situação

embaraçosa em que estava metido Mozarildo Cavalcanti, “pressionado para mudar sua

indicação de batizar o Aeroporto com o nome do heróico piloto Atlas Brasil Catanhede para

o do governador Ottomar Pinto”, o site roraimense de notícias Fonte Brasil se manifestou:

Reconhecendo a “saia justa” do senador, o articulista Junior Brasil expôs com clareza o

interesse das “famílias tradicionais” em assegurar que o Projeto de Mozarildo Cavalcanti não

sofreria nenhuma alteração. Imprimindo um tom coronelístico ao discurso, a nota dizia que

Se Mozarildo alterar o projeto, descontentará de uma só vez, quatro grandes troncos de tradicionais famílias roraimenses (MOTA, PEREIRA, BRASIL e CATANHEDE) ligadas ao piloto pioneiro no estado... E, como o senador bem sabe, é nesse reduto de famílias roraimenses – e suas ramificações – que estão os alicerces de todas as suas eleições (FONTE BRASIL, 2007).

Mozarildo não se manifestou nem retirou seu projeto de lei, que foi finalmente

sancionada com o nº 11.920, em 9 de abril de 2009, pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Quando o “Projeto de Lei do Senado nº 726 de 2007”, de autoria de Romero Jucá, foi

apreciado na Comissão de Educação, Cultura e Esporte por Augusto Botelho, terceiro

senador da República por Roraima, este fez questão de ressaltar que “embora divergentes,

as homenagens propostas por um e outro projeto são pertinentes e os homenageados,

igualmente merecedores”. Contudo, o senador julgou “impróprio, senão descabido, que o

Senado manifeste agora a intenção de atribuir outra denominação para o Aeroporto

Internacional de Boa Vista, considerando-se a recente lei sancionada em abril do corrente

ano”, motivo pelo qual decidiu “pela prejudicialidade do projeto” (BRASIL, 2009).

Alguns pontos dessa recente história de disputa pela memória de Roraima chamam a

atenção. O primeiro é o fato de Senadores da República terem se ocupado tão

dedicadamente ao projeto de renomear o Aeroporto Internacional de Boa Vista. O segundo

ponto é o contraste entre a morosidade para a aprovação da primeira proposta de Lei, que

levou mais de sete anos tramitando na Câmara Federal, e a rapidez com que Romero Jucá

decidiu homenagear Ottomar Pinto – afinal, entre a morte do governador e a apresentação

do projeto de lei que o homenageava decorreram apenas oito dias!

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Para completar, há as justificativas constantes nos dois projetos de Lei, muito úteis

para discutir possíveis “revisões” na memória local acerca do Regime Militar. Nesses textos

em que argumentam sobre o “valor histórico dos homenageados”, as estratégias adotadas

pelos dois senadores para desligar as figuras de Atlas Catanhede e de Ottomar Pinto do

Regime Militar são sutis, mas perceptíveis. No projeto de Mozarildo Cavalcanti consta que:

Nos idos dos anos cinqüenta e sessenta, quando [...] Roraima encontrava-se quase isolado do restante do País [...], surgiu a figura dos pilotos civis, facilitando o deslocamento entre as suas distantes localidades. Atlas Brasil Catanhede foi pioneiro na prestação desse serviço à população roraimense. Para que pudesse descer com seus aviões em algumas localidades abriu áreas de pouso com as próprias mãos e com a ajuda de moradores nas regiões do Mau, Cotingo, Tepequém, Contão, Uiramutã, Mutum, dentre outras (BRASIL, 2001).

Atlas Catanhede é apresentado como pertencendo a um grupo pioneiro de “pilotos

civis” que teria aberto “caminho para outros”, entre estes a própria “Força Aérea Brasileira”.

A separação da imagem de Catanhede e dos militares aumenta quando o senador lembra,

em seu projeto, que este

foi [...] representante do Território Federal de Roraima, mas teve o seu mandato cassado pelo Ato Institucional nº 5/68. Em 19 de fevereiro de 1973, um desastre aéreo no interior do Estado do Amazonas ceifou-lhe a vida (idem).

O que Mozarildo silencia sobre Atlas Catanhede é que o deputado federal cassado

era da ARENA e não tinha logrado sucesso nas eleições por suas aptidões democráticas.

Tratando dessa mesma eleição, Souto Maior, em sua já citada entrevista a Sonia Suely,

lembra que

a pressão política no período da eleição era muito grande. O governador escolhia seu candidato e impunha seu nome aos funcionários públicos, poucos tinham coragem de dizer não [...]. Certa vez o governador mandou chamar o Jaci Cruz e disse: – meu candidato é o Atlas Brasil Catanhede e o senhor é obrigado a me acompanhar [...] mas o Jaci [...] saiu do gabinete sem aceitar a imposição que o governo lhe impunha (2007).

O senador Romero Jucá teve que se esforçar mais para diminuir a importância do

Regime na biografia de seu homenageado, afinal, Ottomar era militar de carreira, que, no

auge do Milagre Econômico, foi receber formação nos Estados Unidos. De volta, em 1971,

passou pela Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica e, em 1979, foi indicado para

assumir o cargo de governador biônico. Desse modo, Jucá opta por contar toda a trajetória

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militar de Ottomar, desde a sua entrada na Aeronáutica até a chegada em Roraima,

destacando apenas uma característica: a profusão de cursos que o Brigadeiro teria feito. É

mencionado, no texto, que Ottomar se formara “em Engenharia Civil, Engenharia Elétrica,

Medicina, Direito, Ciências Contábeis e Economia”, além de ter feito cursos de “Mestrado

em Pavimentação pela Texas University e Mestrado em Transportes pela Berkeley

University, na Califórnia”, e dois “MBA pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela

Fundação Getúlio Vargas”. Jucá também se aproveitou do fato de que seu homenageado

tinha permanecido vivo e atuante na política roraimense para destacar que

sua vida política teve início quando foi nomeado governador do então Território Federal de Roraima pelo Presidente João Figueiredo, quando administrou o Território entre os anos de 1979 e 1983. Em 1986, foi eleito deputado federal e nessa condição participou da Assembléia Nacional Constituinte, cuja nova Carta Magna elevou Roraima à condição de Estado. Assim, Ottomar Pinto se tornou o primeiro governador eleito pelo voto direto, no pleito de 1990. Em 1996, foi eleito prefeito de Boa Vista. Candidato novamente a governador do Estado, em 2002, seu retorno à chefia do Executivo Estadual se deu em 10 de novembro de 2004, quando foi empossado após a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que cassou o mandato de Flamarion Portela por crime eleitoral (BRASIL, 2007).

A estratégia discursiva de dar destaque aos cursos feitos por Ottomar antes de falar

de sua chegada a Roraima, de algum modo, apaga o fato de que o que lhe valeu a indicação

para o governo de Roraima foi sua patente de Brigadeiro e não a vasta formação superior. O

caráter autoritário da chegada de Ottomar a Roraima também se camufla, já que, como se

pode ver no trecho transcrito acima, o senador dedica poucas linhas para o governo biônico,

mas dá destaque às eleições vencidas pelo “Brigadeiro”.

O que esses eventos e discursos sobre o passado recente revelam é que, em Roraima,

o silêncio sobre a repressão e a continuidade política, observados na passagem do status de

Território a Estado, impediram o aparecimento de uma postura pública de repúdio aos

militares ou aos anos de ditadura. Isso garantiu, em certa medida, a manutenção das

memórias que ligam os militares ao processo de integração e desenvolvimento, preservando

a face amada da ditadura em Roraima. Por outro lado, com a consolidação do jogo

democrático, com a ampliação do acesso à educação e com as releituras que a memória

pública faz do traumático momento da ditadura no Brasil, os discursos de políticos locais

(que muito se beneficiaram com o Regime) começam a apresentar sutis transformações.

Adaptando-se, eles estão paulatinamente incorporando os deslocamentos de sentido

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observados por Daniel Aarão Reis (2005) e começam a tratar da democratização do país

como algo que, a exemplo da elevação do Território a Estado, sempre foi aspiração de todos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurando cinzas numa história em brasa...

Neste trabalho, procurei demonstrar, por meio dos elementos de formação e

manutenção em que se materializa, a existência de determinada memória roraimense sobre

o Regime Militar. Presente em suportes distintos como a historiografia memorialista, a

(des)organização pública de acervos e documentos disponíveis para acesso ao passado, a

constituição do espaço e a denominação dos logradouros, esta memória se mantém

também devido ao apelo para a formação da identidade local, uma vez que é comum, nas

fontes estudadas, o reconhecimento dos anos do Regime Militar como coincidentes com

aqueles em que se promoveu de fato a construção de Roraima como lugar.

É certo que a propaganda oficial do Regime Militar concorreu para a construção de

parte importante do discurso positivo sobre o período, os militares e suas políticas de

integração, concepções que permeiam a memória identificada em Roraima. A pesquisa

mostrou, porém, que é inadequado e incorreto afirmar que a memória roraimense sobre o

Regime Militar seja fruto exclusivo da propaganda, sobretudo porque, como ficou

demonstrado pelo contexto de grandes mudanças que atingiram a população de Roraima

naquele período, havia mais do que discurso para se levar a população a perceber o

chamado processo de integração nacional como algo positivo e que apontava para a

chegada de novos tempos.

Não se pode, portanto, afirmar que a formação de tal memória seja fruto de uma

simples manipulação do alto. O estudo tornou possível compreender os motivos pelos quais

se instalou uma percepção positiva sobre os militares e seus governos no interior da

dinâmica social que ali se estabeleceu. Ficou claro, por exemplo, que algumas conjunturas

concorreram para que fatos considerados arbitrários em outras regiões do país fossem

percebidos como continuidade de uma situação política dada antes dos militares, como a

proibição do voto para governador ou as perseguições ao funcionalismo por questões

políticas.

Marcada pelo clientelismo político e altamente dependente dos investimentos

federais, parte significativa da sociedade roraimense viu nos militares a possibilidade de

contar de modo mais efetivo com as políticas de integração e a conseqüente ampliação dos

investimentos em educação, saúde, transporte e energia que beneficiariam a capital do ex-

Território. A oposição política, por sua vez, se exprimia mais na permanência das disputas

entre grupos locais pré-existentes que necessariamente contra os governadores militares. A

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julgar pelos personagens arrolados, pareceu haver uma cordial relação entre MDB e ARENA

locais, ainda que as pendengas políticas entre as duas agremiações constituam uma

possibilidade de novo estudo sobre a história de Roraima.

Ainda em termos políticos, outro aspecto importante a ser destacado é que, como

conseqüência do estado indigente da educação formal encontrado pelos militares, não

houve um movimento estudantil com poder para se opor ao Regime. Foram os

governadores militares os responsáveis por investir em construção de escolas e contratação

de professores e estabelecer, ainda que de forma precarizada, a ampliação da educação

formal no Território.

Esses fatores todos contribuíram em diferentes medidas para minimizar os

questionamentos aos governos do período. Dessa forma, a ocorrência de ações repressivas

por parte dos governos foram desnecessárias para a manutenção e controle do poder local

e, por isso, os militares ficaram mais associados ao fato de suprirem necessidades da

população, desempenhando atividades paralelas (como as de professor, médico e dentista)

do que à ação truculenta que marcou sua presença em outras regiões do país.

Passados os anos, ocorreu a cristalização dessa percepção positiva sobre o Regime

Militar em Roraima, contrastando, em grande medida, com a memória nacional que se

começava a forjar sobre o período. A perpetuação dessa forma específica de o roraimense se

referir ao recente passado comum foi impressa em diversos suportes e, a exemplo do que

ocorria em outros locais, se tornava alvo de inúmeras disputas.

Como se pode observar no discurso historiográfico, tal processo aponta para funções

sociais da memória: Seja o perdão necessário para que a sociedade não se desintegre depois

de anos de arbítrio, seja como garantia de formação e defesa de determinada identidade

local. É nesse ponto que a memória pesquisada passa a apresentar importantes

conseqüências políticas e sociais e se constitui como objeto de exame para a história. No

caso de Roraima, como se viu, a memória do Regime reserva lugares bastante específicos

para indígenas e migrantes pobres e, apresentada como história, se torna veículo de

manipulação que justifica discursos e práticas excludentes e autoritários, presentes na

sociedade roraimense atual.

Não há muito mais o que concluir. Fruto de quase três anos de trabalho mexendo em

brasas, espero que esta dissertação não seja um ponto a mais no quadro em preto e branco

das discussões sobre o Regime Militar brasileiro: oxalá, possa cumprir seu objetivo de ter

nascido cinza.

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FONTES CONSULTADAS, POR ACERVO

CASA DE CULTURA MADRE LEOTÁVIA – BOA VISTA, RR.

Fotos das pontes. Álbum. Casa de Cultura Madre Leotávia – Boa Vista, RR.

Artigos do Jornal Boa Vista, de 1973-1978:

07 DE SETEMBRO, Roraima festejou o dia da Pátria. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.7, 8/9/1974.

13 DE SETEMBRO, a festa do Território. Jornal Boa Vista. Boa Vista, Capa, 16/9/1974.

VI JOGOS estudantis, maravilhosa festa da Juventude e da Eugenia. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.12, 8/9/1974.

VIII JER, uma festa da juventude que o povo aplaudiu. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.15, 12/9/1976.

X JOGOS escolares iniciam-se dia 06 de setembro. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.16, 1º/9/1978.

A FESTA de São Sebastião. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.25, 1º/8/1978.

ABASTECIMENTO d’água: fala à nossa reportagem o diretor técnico... Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.6, 15/1/1974.

ABERTOS os IX Jogos Escolares de Roraima. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.9, 7/9/1977.

ALMEIDA, Oscar de. Ao Balanço das horas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 15/1/1974.

ALMEIDA, Oscar de. Darlene, a esperança. Ao balanço das horas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 29/9/1973.

ALMEIDA, Oscar de. Gladys: a mais bela. Ao balanço das horas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 22/9/1973.

ALMEIDA, Oscar de. Hélvio Tupinambá. Ao balanço das horas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 19/2/1974.

ALMEIDA, Oscar de. Projeto Minerva escolherá a mais bela estudante do Madureza Ginasial. Ao balanço das horas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 10/9/1973.

ALMIRANTE Heleno Nunes apóia totalmente o Copão 78. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.12, 21/7/1978.

AS ALEGRIAS do 13 de setembro. O desfile. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.3, 16/9/1974.

AS COMEMORAÇÕES da semana da Pátria. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.6-7, 7/9/1975.

AS EXPOSIÇÕES: um raio-x do governo e comandos militares. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.5, 17/8/1974.

AS PONTES do grande norte. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.5, 24/12/1974.

ATIVIDADES comemorativas da Semana do Exército. O Pium. Boa Vista, ano II, n.15, p.4, 20/8/1975.

ATLETA roraimense bate recorde de salto em distância. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 19/5/1977.

AUDITÓRIO do Palácio da Cultura foi sede da 15ª reunião do Conselho Deliberativo do Projeto Rondon. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 5/2/1974.

BAIRRO 31 de março inaugura Centro Comunitário. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.3, 1º/1/1976.

BASA construirá a sede de sua nova agência. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 5/2/1974.

BASA inaugura agência na terça. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 28/6/1975.

BASQUETE adulto voltará a ser atração. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.8, 16/6/1978.

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BOAS perspectivas para o desenvolvimento da comunidade em 1976. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.3, 16/12/1975.

BRASIL, Ministério do Interior, Território Federal de Roraima... Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.10, 1º/9/1978.

BROTINHO da comunidade em destaque: candidatas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.5, 22/9/1973.

CAER planeja a expansão de hidrômetros na rede hidráulica da cidade. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.3, 20/11/1973.

CIDADE hoje já tem hidrômetro. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.12, 26/1/1975.

CIÊNCIA, técnica e cultura para o desenvolvimento de Roraima. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.6, 3/11/1973.

COMEMORAÇÕES ao quarto aniversário da administração Ramos Pereira. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 28/4/1978.

COMISSÃO julgadora classifica a melhor monografia de Roraima. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.11, 3/1/1974.

COROAÇÃO de Zara Xirly – Miss Roraima 1977. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.11, 4/6/1977.

DESENVOLVIMENTO foi o tema do desfile do dia 13. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.6-7, 18/9/1976.

DINAMIZAÇÃO do saneamento. JBV, Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 22/9/1974.

DO CARRO pipa ao parque das águas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, sem paginação, 10/11/1974.

DOIS MIL alunos nos VII Jogos Estudantis de Roraima. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.12, 23/8/1975.

ENCERRADO 1º Torneio de Xadrez D. Diógenes Campero. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.10, 17/12/1978.

ESPERANÇAS do homem roraimense residem no PROTERRA. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.12, 13/10/1973.

FAÇA um cata-vento para comemorar a semana da Pátria. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.10, 27/8/1977.

FEDERAÇÃO de Basquete na berlinda. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.14, 23/10/1976.

FESTA do reconhecimento: Ginásio Hélio Campos. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 9/9/1974.

FESTIVAL da Canção, um sucesso absoluto. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.3, 29/1/1974.

GALERIA dos campeões. Jogos Escolares. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.32, 6/10/1978.

GALERIA dos campeões. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.18, 22/3/1978.

GAROTA Bikini 73. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 15/9/1973.

GAÚCHO Dias. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.5, 26/6/1974.

GOVERNO deu passagens à delegação. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.6, 16/6/1975.

III MARATONA Escolar em Roraima. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.3, 16/6/1978.

IMPLANTADO em Roraima o Programa de Desenvolvimento da Comunidade. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.5, 29/5/1974.

INICIADO canteiro de obras da sede do BASA. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.6, 29/5/1974.

JOÉLIA é miss churrasco. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.4, 1º/12/1974.

JOVEM roraimense que se destaca na vida universitária. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.6, 13/11/1973.

MAIS recursos para o desenvolvimento. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 12/7/1975.

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MARIA de Jesus é Miss Roraima 75. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 8/6/1975.

MÉDICI e as estradas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 15/9/1973.

MISS RORAIMA 75, modelo de integração. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.3, 16/6/1975.

MONOGRAFIA do Território tem apenas dois candidatos inscritos no concurso. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 8/1/1974.

MORREU Gaúcho Dias. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.4, 22/6/1974.

MUNICÍPIO homenageou seus pioneiros. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.6-7, 2/8/1975.

O DESFILE de 13 de setembro. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.8-9, 16/9/1975.

O GRANDE desfile do 13 de setembro. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.7, 6/10/1978.

PALÁCIO da Cultura foi inaugurado. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 5/2/1974.

PERIMETRAL Norte marcará o encontro de civilizações. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 13/11/1973.

PERIMETRAL Norte. Jornal Boa Vista. Boa Vista, Capa, 3/11/1973.

PONTE do Cotingo liga anel rodoviário da região norte. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.12, 20/3/1976.

PREFEITURA institui concurso de Monografia. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.8, 22/1/1974.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA, Portaria s/n, de 13/11/73. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.8, 20/11/1973.

RADEMAKER se impressiona com o progresso de Roraima. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 20/11/1973.

REDE hidráulica terá mais 44 quilômetros. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.9, 27/10/1973.

RODOVIA 210: Perimetral Norte. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.4, 15/12/1974.

RORAIMA comemora a independência do Brasil. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.9, 22/9/1978.

RORAIMA destaca-se nos vestibulares do Amazonas. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.2, 31/1/1976.

RORAIMA novamente vice do Brasil. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.13, 5/11/1978.

RORAIMA oferece condições excepcionais para a conquista do mercado externo. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.8, 29/5/1974.

RORAIMA: handebol feminino, o 5º do Brasil. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.12, 21/7/1978.

RUMO ao progresso. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.3, 20/11/1973.

SANTOS, Andrelino Rocha. O QUE você sabe sobre sua cidade? Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.5, 2/8/1975.

SEMANA da Pátria e do Território. Programação oficial. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.9, 27/8/1977.

SOLUÇÃO do problema fundiário urgente! Imediata! – clama o governador Ramos Pereira. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.5, 27/7/1974.

TEMPO cooperou para a abertura do XIV Brasileiro de Aeromodelismo. Jornal Boa Vista. Boa Vista, capa, 17/4/1976.

TÊNIS - Roraima já tem campeões. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.14, 27/11/1976.

VIAJA a delegação feminina de basquetebol que vai a Maringá. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.4, 3/11/1973.

XAUD, Jaber. Sociedade. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.10, 4/6/1977.

XAUD, Jaber. Sociedade. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.11, 16/6/1975.

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XAUD, Jaber. Sociedade. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.13, 12/9/1976.

ZARA Xirly é miss Roraima 77. Jornal Boa Vista. Boa Vista, p.8, 28/5/1977.

DOCUMENTOS DA IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE RORAIMA – BOA VISTA, RR.

Edições do Jornal Boa Vista, 1979.

BOA VISTA. Decreto nº026/E de 26 de Janeiro de 2007. Institui o Monumento Garimpeiro como símbolo a ser apresentado em papéis da Administração Pública Municipal. Diário Oficial do Município de Boa Vista. Boa Vista, RR, Poder Executivo, ano XIII, n.1898, p.2, 30/1/2007.

BOA VISTA. Lei 244 de 06 de Setembro de 1991. Dispõe sobre a promoção do desenvolvimento urbano, zoneamento, uso e ocupação do solo, sistema viário, parcelamento do solo e dá outras providências. Boa Vista, RR, 1991.

DOCUMENTOS DO PALÁCIO DA CULTURA – BOA VISTA, RR.

Edições do Jornal Boa Vista, de 1973-1978.

RORAIMA. Programa de Ação do Governo para o Território de Roraima 1975 a 1979. II Plano Nacional de Desenvolvimento. Brasília, 1975.

DOCUMENTOS DO 6º BATALHÃO DE ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO – BOA VISTA, RR.

Edições encadernadas do periódico O Pium, 1974-1976.

CABEC – Campeã do Peladão. O Pium. Boa Vista, ano II, n.9, p.14, 20/2/1975.

COLUNA esportiva. O Pium. Boa Vista, ano III, n.23, p.13, 20/4/1976.

JOCONDO, Tenente. Corrida do Fogo Simbólico da Pátria. O Pium. Boa Vista, ano II, n.16, p.3, 20/9/1975.

SEMANA do Território. O Pium. Boa Vista, ano I, n.4, p.5, 20/9/1974.

Edições encadernadas dos Boletins internos, 1970-1979.

BRASIL. Ministério do Exército. 6º Batalhão de Engenharia e Construção. Boletim Interno. N.º 199, 26/8/1974.

BRASIL. Ministério do Exército. 6º Batalhão de Engenharia e Construção. Boletim Interno. N.º 205, 10/9/1971.

BRASIL. Ministério do Exército. 6º Batalhão de Engenharia e Construção. Boletim Interno. N.º 208, 4/7/1970.

BRASIL. Ministério do Exército. 6º Batalhão de Engenharia e Construção. Boletim Especial. 5/9/1972.

DOCUMENTOS DA DIOCESE DE RORAIMA – BOA VISTA, RR.

CONTI, D. Servílio. Locução da entrega da Catedral Cristo Redentor à comunidade católica de Roraima. Cópia reprográfica do original. Boa Vista, Diocese de Roraima, 1972.

CONTI, D. Servílio. Breve histórico da construção e cooperação da Catedral Cristo Redentor. Cópia reprográfica do original. Boa Vista, Diocese de Roraima, 1972a.

DOCUMENTOS DO ACERVO PARTICULAR DA AUTORA

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Folha de Boa Vista, 2008.

Revista Diretrizes, 1990-1991.

31 DE MARÇO, homenagem à história do Brasil. Folha de Boa Vista. 18/8/2008.

“Antevisão de Lobo D’Almada”. Revista Diretrizes. Boa Vista, ano 2, n.1, contracapa, jan/1991. [ilustração]

BRAZAO, Tiana. Carta de Roraima, abaixo-assinado pede intervenção do Exército. Folha de Boa Vista. Boa Vista, p.3, 7/4/2008.

FOLDERES e portfólios contam história. Revista Diretrizes. Boa Vista, ano 2, n.1, p.24, jan/1991.

FOLHA DE BOA VISTA. Boa Vista, 118 anos em fatos e fotos. Suplemento especial. Boa Vista: Editora Boa Vista, 2008.

OLIVEIRA, Laucides. Esta Boa Vista que eu amo. Revista Diretrizes. Boa Vista, 30/12/1990.

SÃO JOÃO sem igual no Anauá. Revista Diretrizes. Boa Vista, ano 2, n.2, jul-set/1991.

BRASIL. Ministério do turismo. Boa Vista Roraima, vista aérea. Cartão Postal, Roteiros do Brasil, [s.d].

World Wildlife Fund. O ouro de Roraima. Filme em VHS, 110m. Roraima, WWF, 1989.

DOCUMENTOS DISPONÍVEIS NA WEB

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BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n.º 726 de 19 de dezembro de 2007. Altera o nome do Aeroporto Internacional de Boa Vista. Diário do Senado Federal. Brasília, 20 de dezembro de 2007. Disponível em: <HTTP:// http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/12125.pdf>

BOTELHO, Augusto. Relatório em Decisão terminativa da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal. 2009. Disponível em: <HTTP:// http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/63767.pdf>

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DA REDAÇÃO. Alexandre Garcia diz que fronteira de RR está ameaçada. Folha de Boa Vista,

10/4/2008, edição eletrônica disponível em http://www.folhabv.com.br/noticia.php?Id=38322. Último acesso em 27/4/2008.

IBGE. Tabela dos Censos 1950-2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/english/estatistica/populacao/tendencia_demografica/tabela01.shtm. Último acesso em novembro de 2009.

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ENTREVISTAS – ACERVO PARTICULAR DE SÔNIA SUELY SOARES DE SOUZA.

CAMPOS, Newton. Newton Campos: depoimento [out.2007]. Entrevista a Sônia Suely Soares de Souza. Cedida para projeto de monografia em História Regional, 2007.

DUARTE, Francisco das Chagas. Francisco das Chagas Duarte: depoimento [out.2007]. Entrevista a Sônia Suely Soares de Souza. Cedida para projeto de monografia em História Regional, 2007.

DUARTE, Adalberto Penteado. Adalberto Penteado Duarte: depoimento [dez.2006]. Entrevista a Sônia Suely Soares de Souza. Cedida para projeto de monografia em História Regional, 2006.

SOUTO MAIOR, João Pujucan Pinto. João Pujucan Pinto Souto Maior: depoimento [Nov.2007]. Entrevista a Sônia Suely Soares de Souza. Cedida para projeto de monografia em História Regional, 2007.

OUTRAS FONTES – CIDADE DE BOA VISTA, RR.

Monumento ao CAN, 1968 – Boa Vista, RR.

Monumento aos Pioneiros, 1975 – Boa Vista, RR.

Monumento aos Pioneiros, 1995 – Boa Vista, RR.

Praça do Centro Cívico – Boa Vista, RR.

Praça da Cultura – Boa Vista, RR.

OBRAS DE MEMORIALISTAS

BRAGA, Olavo Viana. Momentos da história de Roraima. Manaus: Editora Silva, 2002.

CAVALCANTI, Araújo. Recuperação e desenvolvimento do Vale do Rio Branco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Congresso Nacional,1949.

FREITAS, Aimberê. A história política e administrativa de Roraima, 1943-1985. Manaus: Editora Umberto Calderaro, 1993.

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MAGALHÃES, Dorval de. Roraima, informações históricas. Rio de Janeiro: Graphos, 1986.

SOUZA, Antônio Ferreira de. Roraima, fatos e lendas. Boa Vista: [s.c.e], [s.d.].

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