mello, jorge - joão pernambuco um olhar sobre sua obra

Upload: alexandre-dias

Post on 05-Apr-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    1/13

    JOO PERNAMBUCO. UM OLHAR SOBRE SUA OBRA.

    Por

    Jorge Mello.1- Um breve perfil.

    Joo Teixeira Guimares nasceu em Jatob, serto pernambucano, no dia 02 denovembro de 1883. Seus pais foram Manoel Teixeira Guimares e Tereza Vieirae Joo era o terceiro dentre os onze filhos do casal. Com a morte do sr.Manoel, sua me casou-se com Eugnio Alves Mendes com quem viria a teroutros onze filhos. Buscando uma vida melhor, partiram todos para Recife,onde foram morar no bairro da Torre.Ao mesmo tempo em que, seguindo os passos de seu irmo Jos, aprende oofcio de ferreiro, Joo participa tambm de animadas reunies decantadores, violeiros e repentistas no Mercado de So Pedro. Os cantadoresUgulino de Teixeira, Romano da Me D'gua, Incio da Catingueira, Mane doRiacho e os violeiros Manoel Cabeceira, Cirino da Guajurema, Bem-te-v,Mandapolo, Serrador, Cego Sinfrnio e Falco das Queimadas foram grandesmestres da tradio nordestina e muito contriburam formao de suapersonalidade artstica.Um passo maior foi dado por Joo quando decidiu morar no Rio de Janeiro,ento capital da Repblica, e onde j se encontravam seus irmos Jos eMaria. Chegou ento em 1904, aos vinte anos de idade com seu violo, umamuda de roupas e muitos sonhos. Mesmo trabalhando pesado como ferreiro em

    jornadas de at dezesseis horas dirias, encontrava Joo sempre algum tempopara tocar violo e falar de sua terra para os amigos em nmero semprecrescente. Da o apelido com que ficou conhecido e que o acompanhou peloresto de sua vida: Joo Pernambuco. A partir de 1908 passa a trabalhar comocalceteiro de ruas, as mos ainda sofrendo com as marretadas, mas com um

    salrio maior e uma jornada de trabalho menor, o que lhe permitia uma maiordedicao s rodas de choro e ao violo. Comea ento sua vida artsticapropriamente dita justamente neste ano em que o violo, considerado pormuitos como um instrumento de desocupados, entra nos sales do austeroInstituto Nacional de Msica. Levado pelas mos de Catulo da PaixoCearense, Quincas Laranjeiras, Z Cavaquinho e Ernani Figueiredo, teve oviolo seu dia de glria no dia cinco de julho deste ano num Concerto quealcanou um enorme sucesso.Joo Pernambuco foi realmente um tipao, muito bem descrito na galeria deperfis da Revista do Violo, dezembro de 1929: "... dono de um grandecorao( no fosse ele poeta), alm de ser uma alma infantil acomodadanaquele corpanzil de atleta...". Ao longo de sua vida ele exerceu funesmodestas, como as de ferreiro, calceteiro, servente (no Pedagogium, que

    ficava na rua do Passeio) e contnuo, funo exercida na Superintendncia deEducao Musical e Artstica a partir de 1934, a convite de seu amigoVilla-Lobos. Este inclusive foi muito criticado por esta atitude:"...torna-se inconcebvel que o maestro Villa-Lobos convide o mestre JooPernambuco para exercer a funo de contnuo dentro de um rgo que tinhacomo objeto central a msica..."( Ver " Joo Pernambuco.Arte de umpovo"-Jos de Souza Leal/Artur Luiz Barbosa). Muitos atribuam estesacontecimentos a sua suposta condio de analfabeto. Uma foto sua,autografada e dedicada, em 1913, sua irm, coloca em dvida estasuposio.

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    2/13

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    3/13

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    4/13

    a obra deste grande homem, grande em estatura (1,84 m) e em carter e quetraz em seu apelido o compromisso com seu povo, que iremos agora focalizar.A obra de Joo Pernambuco (1883/1947) possui duas vertentes bem distintas: a

    sertaneja e a violonistica.2) A Cano Sertaneja:

    A contribuio de Joo Pernambuco Cano Sertaneja pode ser aquilatadapelo contedo do verbete correspondente na Enciclopdia da Msica Brasileira(pg 136) onde se l: "...A aceitao dessas chamadas canes sertanejascomeou, na rea popular, a partir do sucesso carnavalesco em 1914 da toadaCaboca di Caxang (Joo Pernambuco/ Catulo da Paixo Cearense) e, entre asclasses mdia e alta, desde o sucesso do ciclo de conferncias sobre temasfolclricos organizado por Afonso Arinos...". A participao de JooPernambuco foi de fundamental importncia no encerramento do referido cicloquando houve uma apresentao de msicas folclricas por um grupo lideradopor ele e contando ainda com Otvio Lessa, Luis Pinto de Lima e Jos Alvesde Lima. Tal evento ocorreu no dia 28 de dezembro de 1915. Devido ao grandesucesso alcanado ele teve que ser bisado, o que ocorreu dois dias depois.Com o intuito de divulgar os costumes e a msica de sua gente, JooPernambuco organizava grupos que se vestiam com trajes tpicos e cujosintegrantes adotavam os nomes dos cantadores famosos daquelas regies.Podemos citar o Grupo Caxang, o Trio ViriatoCorreia/Storni/Pernambuco e a Troupe Sertaneja. Ele tambm participou, entre1919 e 1922, do conjunto Oito Batutas que mais tarde alcanaria fama aoexcursionar pela Europa.

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    5/13

    Joo Pernambuco em suas andanas pelo nordeste incentivava sempre a quegrupos tpicos se apresentassem na capital da Repblica. Por sua influnciaaqui chegaram na dcada de vinte do sculo passado os seguintes grupos:Turunas Pernambucanos, Turunas da Mauricia e A Voz do Serto. Estes gruposeram constitudos por msicos de altssimo nvel e que alcanariam, maistarde, projeo nacional. Tal era o caso de Luperce Miranda, Jararaca,Ratinho, Augusto Calheiros, o cego Manoel de Lima (que tocava violo comeste deitado em seu colo) e Jaime Florence (Meira). O sucesso destes grupos

    foi tanto que acabaram por influenciar diversos grupos de origem urbana queforam formados para tocar este tipo de msica como os Turunas Paulistas(organizado por Amrico Jacomino em 1927) e o Bando dos Tangars (1929),integrado por Noel Rosa, Almirante e Joo de Barro, dentre outros. O enormesucesso da msica Luar do Serto, outra parceria de Joo Pernambuco comCatulo, serviu para estabelecer definitivamente a assim chamada CanoSertaneja.A divulgao desta vertente da obra de Joo Pernambuco ficou restritadurante um longo perodo de tempo quelas realizadas pelos seguintesintrpretes:1) Cantores da Casa Edison: Caboca d Caxang (1913) e Luar do Serto(1914).2) Bahiano: Tia de Junqueira (1922) e Cuscus de Sinh Chica (1922).

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    6/13

    3) Patrcio Teixeira: Poeta do Serto (1927); As Emboladas do Norte (1929);Preto no Branco (1929); Cravo (1926); Jandaia (1926); Seu Coitinho Pegue oBoi (1926) e Ajueia Chiquinha (1926).

    4) Stefana de Macedo: Maneca dos Geraes (1929); Biro Biro Iai (1929);Siricia (1929); Estrela D'Alva (1930); Vanc (1929); Sodade Cabocla (1930)e Tia de Junqueira (1929).5) Jararaca: Catirina (1930); Meu Noivado (1930) e Perigando (1930).6) Janurio de Oliveira: A inveja matou Caim (1930) e Corrupio da Lagoa(1930).7) Paraguass: Am de Caboco (1930); Luar do Serto (1936) e Poeta do Serto(1936), estas duas com a participao do Grupo Verde-amarelo.Em So Paulo, a partir de 1927, encontraria a Cano Sertaneja um terrenofrtil para a sua expanso. Foi marcante a realizao das Noites Brasileirasorganizadas em duas edies por Amrico Jacomino e contando com aparticipao de msicos como Jos Sampaio, Armandinho Neves, Paraguass eRaul Torres. No tardariam a aparecer, alm do j citado Turunas Paulistas,novos grupos regionais como os Batutas Paulistas (organizado por RaulTorres); os Chores Sertanejos; o Grupo Verde-Amarelo( liderado porParaguass), a Orquestra Colbaz ( liderado por Ga) e o Sexteto BertorinoAlma, liderado por Alberto Marino. Alm dos j citados Paraguass , RaulTorres, Jararaca e Stefana de Macedo, outros intrpretes expressivos foram asoprano Elsie Houston-Peret e Baptista Jnior. Uma gerao de msicos dealtssimo nvel tcnico integrava estes conjuntos. Podemos citar Zezinho(mais tarde conhecido como Z Carioca); Atlio Granny; Jonas Arago; NestorAmaral; Garoto; Alberto Marino; Ga; Jos Sampaio e Aymor.No perodo compreendido entre 1929 e 1935, viveu a Cano Sertaneja o seuapogeu em So Paulo e, como retribuio quele que tanto fez pela divulgaodesta msica, foi justamente l que Joo Pernambuco gravou a parte maisexpressiva (tanto em qualidade como em quantidade) de sua obra em ambasvertentes.

    Por fina ironia, foi exatamente nesta vertente que Joo amargou as maioresdecepes com parceiros e supostos amigos. O caso clssico aquele queenvolve Catulo da Paixo Cearense por este no reconhecer em Joo o seuparceiro nas msicas Caboca d Caxang e Luar do Serto. Catulo quetornou-se conhecido como compositor de modinhas, produzidas entre 1902 e1912, passa aps esta data a compor canes com motivos sertanejos ou seja,logo aps conhecer e conviver com Joo Pernambuco. Devemos ressaltar que naletra de Caboca d Caxang faz-se meno a cidade de Jatob, lugar onde Joonasceu e viveu at os doze anos. Apesar disto Joo foi "por vrias vezesamigo de Catulo", conforme mencionado na j citada revista "O Violo".Diversos foram os eventos em que Catulo e Joo participaram juntos j nadcada de vinte, tempos aps estas parcerias...A polemica esquentou mesmoquando entraram em cena novos atores: De um lado,defendendo Joo, estavam

    Villa-lobos e Almirante. Do lado oposto, o jornalista Carlos Maul e o sr.Martins Guimares. Trocaram cartas, trocaram farpas e o caso foi parar naJustia e...nada!Outro episdio bastante desagradvel foi aquele que determinou o fim doGrupo Caxang, que se apresentava nos carnavais da Capital. Contando na suaformao inicial com Joo Pernambuco( que era o lder), Caninha, Donga,Pixinguinha e Jacob Palmieri dentre outros, este grupo alcanou enormesucesso no carnaval de 1914 justamente com a msica Caboca di Caxang! Comum nmero cada vez maior de participantes (p.ex: Quincas Laranjeiras, LuluCavaquinho, Z Fragoso, Jaime Ovalle e Nelson Alves) este grupo brilha noscarnavais seguintes at 1919 quando desfeito para dar origem a outro grupoque acabaria por se tornar famoso: Os Oito Batutas. Formado por quase todosos integrantes do Caxang, este novo conjunto estava incumbido de atrair o

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    7/13

    pblico para o Cine Palais, pblico este que se afastara pelo temor da gripeespanhola. Estranho como possa parecer, Joo no foi chamado para participarda primeira formao deste grupo que se apresentava na sala de espera do

    referido cinema, que ficava quase em frente ao no menos famoso Cine Odeon.Neste novo conjunto, Pixinguinha e Donga eram as figuras mais importantes elogo eles acabaram por esquecer do seu amigo e parceiro, parceiro em trsmsicas compostas em 1913, no tempo em que eles e Joo moravam juntos numarepblica na rua do Riachuelo 268. Estas msicas so: Os Trs Companheiros,Sabi e Estou Voltando. Joo s foi incorporado ao grupo graas interveno do milionrio Arnaldo Guinle. Este se disps a financiar umatourn dos Batutas com o objetivo de recolher canes tpicas do interiordos estados de Minas, So Paulo, Rio de Janeiro e tambm do sertonordestino. Guinle necessitava de um profundo conhecedor do folclorebrasileiro e por este motivo Joo foi chamado. Ele participou desteconjunto de 1919 at 1921 quando se desligou aps um desentendimento muitomal explicado com Arnaldo Guinle. No depoimento de Donga ao Museu da Imageme do Som encontramos uma verso para este fato no condizente com o carterde Joo Pernambuco.

    Outro dissabor ocorreu quando Juvenal Fontes, um dos membros da Troupe

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    8/13

    Sertaneja, abandonou o grupo para formar outro com o mesmo repertrio e,pasmem! Com o mesmo nome....

    3) A Obra Violonstica.Esta parte da obra de Joo Pernambuco representa um dos mais importantescaptulos da histria do violo brasileiro. Villa-Lobos, um entusiasta destaobra, assim se manifestou: "...Bach no teria vergonha de assinar os estudosde Joo Pernambuco como sendo seus.". O renomado musiclogo Mozart de Arajono fez por menos: "Joo Pernambuco est para o violo assim como ErnestoNazareth est para o piano". Por outro lado Domingos Prat, em seuconceituado Diccionario de Guitarristas, assim se refere a ele: "...Hemospodido escuchar sus versiones de Suspiro Apaixonado, P de Mico, Sonhos deMagia y Magoado em excelentes grabaciones donde revela su innegable domniode la guitarra.". At mesmo o controvertido Catulo da paixo Cearense, emseu livro A Mata Iluminada, nos conta que: "... espantoso v-lo e ouvi-loexecutar produes de Barrios, Robledo, Albeniz, Levino e outros, conhecendoapenas os rudimentos de msica...". Realmente espantoso como algum quetrabalhando como ferreiro em jornadas de at dezesseis horas dirias porquatro anos e, aps isto, outro tanto de anos como calceteiro de ruas,pudesse tocar violo com esta maestria. Era sim um intuitivo ou umviolonista espontneo como afirmava Catulo. Mas isto s o engrandecia jque, praticamente sem estudo formal, foi capaz de processar todas asinformaes recebidas dos cantadores e violeiros das feiras e mercados deRecife, bem como as recebidas dos chores do Rio de Janeiro, misturando-as etransformando-as em algo genuinamente nosso, numa msica essencialmentebrasileira. Suas composies violonsticas passeiam por vrios estilos comoo Maxixe, a Valsa, o Jongo, o Fox-Trot alm de preldios e estudos.Seu grande incentivador e mestre foi Joaquim dos Santos, mais conhecido porQuincas Laranjeiras, que por muitos considerado o pioneiro do ensino deviolo por msica entre ns. Dentre seus alunos, alm de Joo, podemos

    destacar Donga, Levino Albano, Jos Augusto de Freitas, Antonio Rebello eOthon Salleiro. O primeiro registro fotogrfico da convivncia de Joo comQuincas Laranjeiras data de 1909, onde aparecem juntos tocando violo.

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    9/13

    bem provvel que Joo Pernambuco tenha integrado o famoso "GrupoK. Laranjeiras" que gravou seis msicas pela Odeon R em 1910 e outras trs,na mesma gravadora, em 1912. Muito ligado por laos de amizade a Catulo, tambm provvel que Quincas tenha promovido a aproximao daquele com Joo.Esta convivncia tumultuada, no fim, foi benfica para ambos: Se por um ladosua aproximao com Catulo permitiu a Joo alcanar admiradores em platiasmais sofisticadas, por outro lado no h como negar que a convivncia com

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    10/13

    Joo deu um novo flego a produo musical de Catulo. A admirao deste porJoo tornou-se pblica em diversas ocasies, uma destas colhida porAlexandre Gonalves Pinto em seu livro O Choro (pg . 124) : "Catulo o

    distinguia como um farol que brilha no mundo das harmonias". Outra estcontida na revista O Violo: "...para ser notvel, nada mais precisava eledo que a convivncia aturada com o clebre paraguaio Agustn Barrios ou coma grande Josefina Robledo, recebendo-lhes as lies tericas...). pode-seentender, a partir destas consideraes, como se deu o aprendizadoessencialmente informal de Joo Pernambuco. O afamado violonista paraguaioAgustn Barrios, de quem disse John Williams ser mais importante para oviolo do que o prprio Villa-Lobos, admirava muito Joo Pernambuco. Reza alenda que ao ouvir um choro executado por Joo emocionou-se e ali, na mesmahora, comps o seu Choro da Saudade. Barrios esteve entre ns pela primeiravez no Rio de Janeiro em 1916 e na sua estria dividiu opinies. Enquantoque uns exaltavam-no como um virtuose, outros como Ernani Figueiredo eHomero Alvarez criticavam-no por usar cordas de ao ao invs das de tripa.Barrios chegou precedido de muita fama e logo a imprensa dedicou-lhe umgrande espao, o que certamente descontentou aqueles violonistas patrciosque lutavam pelo ressurgimento do violo, como Ernani e o Brant Horta. Emsua segunda visita a Capital, Barrios foi muito bem recebido e no recitalque deu no dia nove de julho daquele ano apresentou um repertrio bemdiferente do anterior, revelando agora sua admirao e o conseqenteenvolvimento com a msica brasileira. Msicas como Bicho Feio, Bela Morena,Viola Cantadeira e Chora Cavaquinho fizeram a delcia da platia. Por estaocasio, enquanto Donga e Pixinguinha estavam com os Oito Batutas, Joo eQuincas participavam de animadas reunies musicais com Barrios na loja OCavaquinho de Ouro, que ficava na rua Uruguaiana 137. provvel que aquelafamosa foto em que os trs aparecem juntos nesta loja seja desta poca, eno de 1929 como consta em muitos lugares. Comparando outras fotos de Jooe de Barrios datadas de 1929 com aquela em que os trs aparecem juntos,

    pode-se chegar a esta concluso. bem verdade que Barrios esteve no Rio deJaneiro em 1929 realizando concertos e tambm participando de reuniesmusicais no Cavaquinho de Ouro com a presena de Quincas, Joo Pernambuco,Nelson Alves, Luperce Miranda, Meira e Othon Salleiro.Outro fato marcante na vida de Joo foi a homenagem recebida quando darealizao do evento O Que Nosso, promovido pelo jornal Correio da Manh.Tal evento consistia de um concurso com provas em categorias como violo,canto, msicas ao piano e emboladas sertanejas. Na categoria violo, estavamprevistas trs provas: a primeira consistindo de execuo de uma peaclssica, a segunda de uma composio nacional e a terceira de livreescolha. Para patrono destas provas foi convidado Joo Pernambuco, quemereceu daquele jornal o seguinte texto: "... um nome que o Brasil inteiroconhece. Ouvi-lo tanger as cordas de seu violo sentir toda a doura do

    nosso folclore, que ele conhece como poucos. Suas composies primam peloestilo tipicamente nacional. Pernambuco o violo brasileiro porexcelncia: romntico, choroso e alegre...". Para estas provasinscreveram-se Amrico Jacomino, mais conhecido por Canhoto, a ento meninaYvonne Rabello, filha do Z Cavaquinho e o cego Manoel de Lima, integrantedo conjunto Turunas da Mauricia. Aps a realizao destas prova no TeatroLrico em 19/02/1927, a comisso organizadora resolveu instituir trsprmios ao invs de apenas um. Deste modo o Amrico Jacomino ficou com oPremio Joo Pernambuco, a menina Yvonne com o Premio Joaquim dos Santos e oManoel de Lima com o Premio Levino Albano.Ainda em 1927 participam Joo e Catulo da festa em homenagem ao grande amigode ambos, Amrico Jacomino, realizada no Teatro Carlos Gomes. No anoanterior Joo e Catulo viajaram at So Paulo, capital, e depois a Santos em

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    11/13

    apresentaes musicais. Nesta viagem, Joo conheceu o violonista ecompositor Armandinho Neves, de quem se tornou amigo e parceiro em pelomenos duas composies: Serrano e Pinheirada.

    Sua discografia como violonista confunde-se com a do inspirado compositorque foi. Excetuando-se as msicas Pensando em Agostinha (Phoenix 1912) eGrupo do Abacate (Odeon R 1914), toda sua obra violonistica foi gravada nadcada de vinte: Com acompanhamento de Rogrio Guimares, que se destacariamais tarde como solista de violo, gravou pela Odeon R em 1926 as msicasMimoso e Lgrimas. Neste mesmo ano e pela mesma gravadora, mas comacompanhamento de Nelson Alves ao cavaquinho e ao violo grava as msicasMagoado e Sons de Carrilhes. Nas dez msicas seguintes, gravadas entre 1928e 1929, o acompanhamento de Zezinho e a gravadora, Columbia. Zezinho, quemais tarde se tornou conhecido por Z Carioca, desempenhou importante papelna msica de Joo Pernambuco pela qualidade de seus acompanhamentos. Bastacitar o que ele faz na msica Interrogando onde enquanto o solista est naregio grave, o acompanhante est na regio agua e vice-versa, dando aidia de um interrogatrio. Estas msicas acompanhadas por Zezinho so:Suspiro Apaixonado, P de Mico, Sonho de Magia, Magoada, Rebolio, RosaCarioca, Recordando, Dengoso, Sentindo e Interrogando.Por mais de dez anos (1925/1935) morou Joo Pernambuco no casaro da av. Memde S 81. Funcionava l uma repblica em que moravam, em sua maioria,

    jogadores de futebol e msicos. Joo organizava a concorridas rodas dechoro onde eram certas as presenas de Pixinguinha, Donga, Patrcio Teixeirae , sempre que possvel, Villa-Lobos.Foi tambm nesta casa que Joo acolheu a Jaime Florence, o Meira, quando seuirmo Robson( integrante dos Turunas Pernambucanos) faleceu. Meira, que veioao Rio com o grupo Voz do Serto, seria conhecido tanto pelo duo de violesque formou com Dino 7 cordas quanto por sua composio Molambo, com AugustoMesquita. Deve-se ressaltar sua importncia como professor de alunos que setornaram ilustres como Rafael Rabello, Baden Powell e Maurcio Carrilho.

    Meira transmitia a seus alunos o respeito e a admirao pela obra de seugrande amigo Joo Pernambuco. Convm esclarecer que Meira derivado deJaimeira, um apelido seu de infncia.O primeiro contato de Joo com um jovem e promissor violonista, aluno deLevino Albano, e que com ele chegou ao Rio de Janeiro no encerramento de umatourn por vrios estados brasileiros, ocorreu tambm nesta casa. Este alunochamava-se Dilermando Reis e este encontro deu-se em 1933. Ao chegar naCidade maravilhosa Levino quis logo saber como encontrar seu velho amigoJoo Pernambuco. J de posse do endereo rumou com Dilermando para o casaroda Lapa. Aps o reencontro e a conversa posta em dia comearam, Levino eJoo, a tocar violo a recordar os velhos tempos, para deleite do jovemDilermando que a tudo assistia maravilhado. Com o avanar da hora, Jooconvida-os a pernoitar em seu quarto, que dispunha apenas de duas camas.

    fcil adivinhar onde Dilermando dormiu, mas certamente foi esta sua melhornoite mal dormida...Na manh seguinte, enquanto Levino ainda dormia e Joosara para comprar o po, Dilermando estava a tocar o violo na tentativa dereproduzir tudo aquilo que ouvira na noite anterior. Joo, que j estavaprximo da porta, prestes a entrar e, ao ouvir o violo, perguntou: -Levino, voc?. A resposta veio tmida e abafada: -No, sou eu,Dilermando...Nasceu da uma grande amizade que seria eternizada por Dilermando em suainterpretao de Sons de Carrilhes, em gravao de 1952 pela Continental,transformando-a em sucesso nacional. Um ano depois Dilermando gravaInterrogando, pela Continental.No se deve esquecer o importante trabalho de preservao e catalogao departituras realizado pelo extraordinrio msico e pesquisador que foi Jacob

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    12/13

    do Bandolim. Suas anotaes sobre a obra de Joo Pernambuco, hoje parteintegrante de seu acervo no Museu da Imagem e do Som, constituem o ponto departida para qualquer investigao sria sobre este assunto. Jacob gravou

    acompanhado de regional, pela RCA Victor em 1950, a msica Grana de JooPernambuco, musica esta que fazia parte do repertrio dos Oito Batutas e quepor eles foi gravada em 1923 pela Victor.O ressurgimento do interesse na obra de Joo Pernambuco deve ser creditado,sem sombra de dvidas, ao grande violonista erudito Turbio Santos. Suaproximidade com a obra violonistica de Villa-Lobos certamente o impeliu parauma investigao das peas de Pernambuco. O resultado foi apresentado no LpChoros do Brasil e principalmente na edio de treze partituras, pelaRicordi, de msicas de Joo. Devido ao seu grande prestgio, Turbio fez comque muitos violonistas expressivos inclussem estas msicas em seusrepertrios.Quase nesta poca, em 1979, a gravadora Continental lana um Lp com asgravaes originais de Joo Pernambuco e Z Carioca, gravadas pela Columbia,e complementadas com as duas gravaes feiras por Dilermando.Em 1982, com vistas ao centenrio de Joo Pernambuco, a Funarte promove umlanamento triplo:1) A biografia Joo Pernambuco- Arte de um Povo, autoria de Jos de SouzaLeal e Artur Luiz Barbosa.2) Lp Joo Pernambuco 100anos, com Antonio Adolfo e o conjunto N em PingoD'Agua.Neste trabalho so apresentadas as seguintes msicas: Interrogando, Mimoso,Sonho de Magia, Choro em Sol, Sentindo, Rosa Carioca, Brasileirinho,Dengoso, Valsa em L, Sons de Carrilhes e a Estrada do Serto.3) lbum de partituras arranjadas por Antonio Adolfo e Maurcio Carrilhocontendo as seguintes msicas: Estrada do Serto, Brasileirinho, RosaCarioca e Sonho de Magia.Na dcada de noventa tivemos quatro lanamentos significativos sobre a obra

    do Poeta do Violo:1) Caio Csar interpreta Joo Pernambuco-vol 1.1993 (independente). Neste Cdso apresentadas as seguintes msicas: Sons de Carrilhes, Brasileirinho,Dengoso, Brejeiro, Sonho de Magia, Sentindo, Interrogando, Grana, Choro No1, Choro No 2 e Cecy. Infelizmente o segundo volume, que sairia pela Velas,naufragou junto com a gravadora2) Joo Pernambuco, O Poeta do Violo- Eldorado 1997- Neste Cd o pesquisadore violonista Leandro Carvalho fornece uma viso bem abrangente da obra deJoo, incluindo sete canes sertanejas alm das peas violonisticas. Soelas: Rebolio, Caboca d Caxang, Ronca o Bizouro na Fulo, Dengoso, Sons deCarrilhes, Luar do Serto, Preto no Branco, P de Mico, Azulo, Grana,Sonho de Magia, A Estrada do Serto, Meu Noivado e Interrogando. Aexcelncia do violo de Leandro Carvalho, a qualidade dos msicos

    participantes e maravilhosa cantora que Sandra Pereira, fazem destetrabalho uma obra prima.3) Descobrindo Joo Pernambuco-Eldorado 1999- Novamente Leandro Carvalho nossurpreende com um trabalho da mais alta competncia. So apresentadas pelaprimeira vez as parcerias de Pernambuco com Donga e Pixinguinha e tambmsuas parcerias com Armandinho Neves. As msicas so as seguintes: Serrano,Recordando, Pensando em Agostinha, Estudo No 1, Pinheirada, Estrada doSerto, Sonhando na Rede, Sabi, Rosa Carioca, Brasileirinho, Lgrima,Saudosa Viola, Valsa em L, Lamentos, Noite de Ventura, Noturno, Choro No 1,Os Trs Companheiros e Luar do Serto.4) Baden- Joo Pernambuco e o Serto- Sesc 2000- O genial Baden Powellapresenta em seu derradeiro trabalho uma emocionante e emocionada leitura daobra de Joo. Com a participao de Leandro Carvalho, Baden nos apresenta as

  • 8/2/2019 Mello, Jorge - Joo Pernambuco um olhar sobre sua obra

    13/13

    seguintes msicas: Luar do Serto, Brasileirinho, Sons de Carrilhes, Valsaem L, Grana, Dengoso, Estudo No 1, P de Mico, Sonho de Magia eInterrogando. Ao escutar este trabalho, sinto a presena de Meira. Numa

    entrevista a Jos de Souza Leal e que se encontra na Biografia de Joo,Rafael Rabello nos diz que; "conheci sua obra ouvindo Dilermando Reis e, aosdez anos, quando conheci o Meira perguntei-lhe se sabia tocar msicas deJoo Pernambuco. A ento ele me ensinou uma poro de msicas...". Maistarde Rafael nos presentearia com uma interpretao antolgica deInterrogando, com Dino 7 Cordas no acompanhamento. Outro aluno de Meira,Maurcio Carrilho, participou ativamente dos projetos da Funarte relativosao centenrio de Joo. Por fim, Baden com este derradeiro e belotrabalho...Meira e Pernambuco devem estar radiantes l em cima, assim comons aqui em baixo.