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Simp.TCC/ Sem.IC.2017(12);2131-2136 2131 MEDICINA VETERINÁRIA LUXAÇÃO DE PATELA EM CÃO: CLÍNICA E TERAPÊUTICA PATELLAR LUXATION IN A DOG: CLINICAL AND THERAPEUTIC CONSIDERATIONS ADALTON DOS SANTOS SILVA VICTOR HUGO DE QUEIROZ MIRNA RIBEIRO PORTO Resumo A luxação de patela é uma afecção ortopédica frequentemente diagnosticada em cães. Os sinais clínicos variam de acordo com os diferentes graus da doença, mas, normalmente, culminam no desuso do membro e promovendo alterações funcionais em todo o grupo musculoesquelético. Diagnóstico é realizado através da palpação da articulação e radiografia. Nas luxações patelares de grau I e II o tratamento pode ser com fisioterapia e/ou uso de antiinflamatórios. Já nas de grau III e IV o tratamento é cirúrgico. Para tanto, algumas técnicas cirúrgicas utilizadas de forma associada beneficiam a maioria dos pacientes. Esse trabalho foi escrito para relatar o caso de um cão da raça Samoieda com luxação patelar medial bilateral. Foi realizado procedimento cirúrgico em ambos os membros no mesmo tempo cirúrgico utilizando-se a técnica de aprofundamento de sulco troclear em conjunto com a transposição de tuberosidade tibial e técnica anti-rotacional. Palavras-Chave: Ortopedia, Articulação fêmoro-tíbio-patelar, Canino. Abstract Patellar dislocation is a frequently diagnosed orthopedic condition in dogs. Clinical signs vary according to the different degrees of disease, but usually lead to disuse of the limb and promote functional changes throughout the musculoskeletal group. Diagnosis is performed through palpation of the joint and radiography. In class I and II dislocations the treatment may be with physiotherapy and / or use of anti-inflammatories. As for degrees III and IV, the treatment is surgical. Therefore, some surgical techniques used in an associated way benefit most patients. This work was written to report the case of a Samoyed dog with bilateral medial patellar dislocation. A surgical procedure was performed in both limbs at the same surgical time using the trochlear groove deepening technique in conjunction with tibial tuberosity transposition and anti-rotational technique. Keywords: Orthopedics, Femoral-tibial-patellar artery, Canine. INTRODUÇÃO A luxação de patela é o deslocamento repentino ou duradouro, parcial ou completo de um ou mais ossos da articulação do joelho (ANDRADE et al., 2014). Esse deslocamento é decorrente da atuação de uma força direta ou indireta na articulação, que empurra o osso para uma posição anormal, levando a uma perda de relação anatômica normal entre o sulco troclear do fêmur e a patela (PIERMATTEI & FLO, 1999; FOSSUM, 2002). Essa alteração articular é uma das mais comuns afecções que acometem o joelho dos cães, podendo ocorrer em qualquer raça, idade ou sexo. A luxação patelar pode ser caracterizada como: intermitente, lateral ou medial, traumática, congênita ou evolutiva (TOMLINSON e CONSTANTINESCU, 1994; ARNOC e TARVIN, 1998; FOSSUM, 2002; SOUZA et al., 2009). A forma medial congênita tem sido mais relatada em cães de raças pequenas e miniaturas, visto que, nas raças de porte grande ou gigante ocorre com mais a luxação lateral (FOSSUM, 2002; LARA et al., 2013). A luxação medial da patela causa claudicação e também promove anormalidades músculo-esqueléticas. Dentre essas alterações podemos citar o deslocamento medial do grupo muscular quadricipital (composto pelos músculos reto do fêmur, vasto lateral, vasto intermediário e vasto medial), desalinhamento do complexo quadríceps (músculo quadríceps, patela e ligamento patelar) e inclinação lateral do terço distal do fêmur. A graduação da luxação patelar e a idade do paciente no momento da luxação influenciam na gravidade dos distúrbios anatômicos acima citados (FOSSUM, 2002; DENNY e BUTTERWORTH, 2006). O exame ortopédico bem realizado está sendo cada vez mais importante na rotina do médico veterinário. O diagnóstico é baseado nos sinais clínicos, na palpação do joelho e exame radiográfico, a fim de graduar e classificar a alteração (SOUZA et. al., 2009; BOLFER, 2013). Os achados radiográficos de animais acometidos com a luxação de Grau I e II são descritos como deslocamento medial da patela ou permanência desta no sulco troclear. Em casos de lesões de Grau III ou IV os achados radiográficos demonstram deslocamento patelar em sentido medial e lateral (FOSSUM, 2002) (Tab 1). Dentre os diagnósticos diferenciais devemos citar necrose da cabeça do fêmur, luxação coxofemoral, entorse ligamentar da articulação fêmuro-tíbio-patelar e estiramento muscular. Vale ressaltar que alguns pacientes que apresentam luxação patelar também podem apresentar necrose pois o mesmo por estar necrosado causa incomodo e mau alinhamento ósseo, (FOSSUM 2002). Os sinais clínicos desta enfermidade estão relacionados diretamente com o grau de luxação (Tab. 1) em que o animal se encontra, podendo estar incluso: claudicação, dor, defeitos conformacionais e dificuldade em andar (ROUSH, 1993; FOSSUM, 2002).

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MEDICINA VETERINÁRIA LUXAÇÃO DE PATELA EM CÃO: CLÍNICA E TERAPÊUTICA PATELLAR LUXATION IN A DOG: CLINICAL AND

THERAPEUTIC CONSIDERATIONS

ADALTON DOS SANTOS SILVA VICTOR HUGO DE QUEIROZ

MIRNA RIBEIRO PORTO Resumo A luxação de patela é uma afecção ortopédica frequentemente diagnosticada em cães. Os sinais clínicos variam de acordo com os diferentes graus da doença, mas, normalmente, culminam no desuso do membro e promovendo alterações funcionais em todo o grupo musculoesquelético. Diagnóstico é realizado através da palpação da articulação e radiografia. Nas luxações patelares de grau I e II o tratamento pode ser com fisioterapia e/ou uso de antiinflamatórios. Já nas de grau III e IV o tratamento é cirúrgico. Para tanto, algumas técnicas cirúrgicas utilizadas de forma associada beneficiam a maioria dos pacientes. Esse trabalho foi escrito para relatar o caso de um cão da raça Samoieda com luxação patelar medial bilateral. Foi realizado procedimento cirúrgico em ambos os membros no mesmo tempo cirúrgico utilizando-se a técnica de aprofundamento de sulco troclear em conjunto com a transposição de tuberosidade tibial e técnica anti-rotacional. Palavras-Chave: Ortopedia, Articulação fêmoro-tíbio-patelar, Canino. Abstract Patellar dislocation is a frequently diagnosed orthopedic condition in dogs. Clinical signs vary according to the different degrees of disease, but usually lead to disuse of the limb and promote functional changes throughout the musculoskeletal group. Diagnosis is performed through palpation of the joint and radiography. In class I and II dislocations the treatment may be with physiotherapy and / or use of anti-inflammatories. As for degrees III and IV, the treatment is surgical. Therefore, some surgical techniques used in an associated way benefit most patients. This work was written to report the case of a Samoyed dog with bilateral medial patellar dislocation. A surgical procedure was performed in both limbs at the same surgical time using the trochlear groove deepening technique in conjunction with tibial tuberosity transposition and anti-rotational technique. Keywords: Orthopedics, Femoral-tibial-patellar artery, Canine. INTRODUÇÃO

A luxação de patela é o deslocamento repentino ou duradouro, parcial ou completo de um ou mais ossos da articulação do joelho (ANDRADE et al., 2014). Esse deslocamento é decorrente da atuação de uma força direta ou indireta na articulação, que empurra o osso para uma posição anormal, levando a uma perda de relação anatômica normal entre o sulco troclear do fêmur e a patela (PIERMATTEI & FLO, 1999; FOSSUM, 2002).

Essa alteração articular é uma das mais comuns afecções que acometem o joelho dos cães, podendo ocorrer em qualquer raça, idade ou sexo. A luxação patelar pode ser caracterizada como: intermitente, lateral ou medial, traumática, congênita ou evolutiva (TOMLINSON e CONSTANTINESCU, 1994; ARNOC e TARVIN, 1998; FOSSUM, 2002; SOUZA et al., 2009). A forma medial congênita tem sido mais relatada em cães de raças pequenas e miniaturas, visto que, nas raças de porte grande ou gigante ocorre com mais a luxação lateral (FOSSUM, 2002; LARA et al., 2013).

A luxação medial da patela causa claudicação e também promove anormalidades músculo-esqueléticas. Dentre essas alterações podemos citar o deslocamento medial do grupo muscular quadricipital (composto pelos músculos reto do fêmur, vasto lateral, vasto intermediário e vasto medial), desalinhamento do complexo quadríceps (músculo quadríceps, patela e ligamento patelar) e inclinação lateral do terço

distal do fêmur. A graduação da luxação patelar e a idade do paciente no momento da luxação influenciam na gravidade dos distúrbios anatômicos acima citados (FOSSUM, 2002; DENNY e BUTTERWORTH, 2006).

O exame ortopédico bem realizado está sendo cada vez mais importante na rotina do médico veterinário. O diagnóstico é baseado nos sinais clínicos, na palpação do joelho e exame radiográfico, a fim de graduar e classificar a alteração (SOUZA et. al., 2009; BOLFER, 2013).

Os achados radiográficos de animais acometidos com a luxação de Grau I e II são descritos como deslocamento medial da patela ou permanência desta no sulco troclear. Em casos de lesões de Grau III ou IV os achados radiográficos demonstram deslocamento patelar em sentido medial e lateral (FOSSUM, 2002) (Tab 1).

Dentre os diagnósticos diferenciais devemos citar necrose da cabeça do fêmur, luxação coxofemoral, entorse ligamentar da articulação fêmuro-tíbio-patelar e estiramento muscular. Vale ressaltar que alguns pacientes que apresentam luxação patelar também podem apresentar necrose pois o mesmo por estar necrosado causa incomodo e mau alinhamento ósseo, (FOSSUM 2002).

Os sinais clínicos desta enfermidade estão relacionados diretamente com o grau de luxação (Tab. 1) em que o animal se encontra, podendo estar incluso: claudicação, dor, defeitos conformacionais e dificuldade em andar (ROUSH, 1993; FOSSUM, 2002).

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O tratamento da luxação da patela vai do conservador ao cirúrgico (FOSSUM, 2002; SOUZA et al., 2009; PIERMATTEI & FLO, 1999) . A escolha do método de tratamento depende da idade do paciente, da história e achados clínicos, mas principalmente, do grau da luxação, podendo ser realizado através de reconstrução de tecidos moles, ou osteotomias corretivas com reconstrução óssea. (SOUZA et al., 2009; PIERMATTEI & FLO, 1999). Segundo FOSSUM (2002) nos animais jovens imaturos, que apresentam sintomas clínicos ou não, a cirurgia é o tratamento de escolha, pois a luxação patelar poderá desgastar de maneira prematura a cartilagem articular da patela. Ainda segundo FOSSUM (2002) e DENNY e BUTTERWORTH (2006), em pacientes idosos assintomáticos, raramente o tratamento de escolha é a cirurgia, sendo nesses casos indicado o tratamento conservador.

Em relação ao tratamento conservador podemos citar o uso de condroprotetores ou a combinação desses com antinflamatórios não-esteroidais de prolongado uso (SOUZA et.al., 2009). Segundo estudos realizados por GONÇALVES et.al., (2008), o sulfato de condroitina obteve um resultado mais satisfatório para o estímulo da atividade condrocítica quando comparado ao uso de hialuronato de sódio, já que este não apresentou eficiência na diminuição do processo degenerativo articular. Exercícios devem ser indicados e encorajados, pois tem o efeito de desenvolver e manter o tônus muscular da região (DENNY e BUTTERWORTH, 2006). Grau I Deformidades ósseas ausentes, sem

sinais clínicos evidentes. Nesse grau da afecção pode-se promover a luxação mecânica da patela durante o exame físico. Essa por sua vez, retorna ao sulco troclear quando liberada da pressão. Observa-se flexão e extensão da articulação dentro da normalidade.

Grau II Deformidades angulares leves (rotação interna da tíbia, torção de fêmur e abdução do jarrete). Pode-se deslocar a patela realizando-se pressão lateral desta utilizando-se os dedos (polegar e indicador) ou através da flexão da articulação fêmuro-tibio-patelar.

Grau III Deformidades ósseas mais graves (rotação tibial interna e curva em forma de S do fêmur distal e tíbia proximal, sulco troclear raso sendo palpável quando a patela é luxada). Patela permanentemente luxada medialmente (ectópica), podendo ser manualmente reduzida com o joelho em extensão.

Grau IV Luxação permanente e não redutível da patela, deformidades ósseas

graves (tíbia gira de 60º para 90º relativo ao plano sagital), varus femoral marcado, claudicação dor e relutância ao andar.

Tab.1 Graus de luxação da patela (FOSSUM, 2002; PAVAN, 2009). Tendo em vista que as luxações patelares variam eventualmente com o grau do processo patológico presente e com o potencial para sequelas degenerativas, é de grande importância clínica a individualização terapêutica. Entretanto, a técnica de escolha não deverá influir de maneira adversa o crescimento esquelético (VASSEUR,1998; PIERMATTEI & FLO,1999; FOSSUM, 2002). Numerosas técnicas podem ser descritas para a realização da restrição da patela ao sulco troclear. Dentre elas podem-se citar a transposição da tuberosidade tibial, liberação da cápsula articular medial, reforço do retináculo lateral, aprofundamento do sulco troclear, osteotomia femoral e osteotomia tibial. Normalmente há a necessidade da combinação dessas técnicas, e a escolha dessas vai depender da gravidade da luxação, da presença de deformidades esqueléticas e da preferência do cirurgião (FOSSUM, 2002; SOUZA et.al, 2009). De acordo com VASSEUR (1998) e FOSSUM (2002), um método eficaz para tratamento de luxações patelares de Graus II, III e IV é a transposição da crista (tuberosidade) tibial, que normalmente é associada ao aprofundamento do sulco troclear em paciente com luxação de Graus III e IV. Ainda segundo FOSSUM (2002) e SOUZA et al (2009), em casos de pacientes com grave deformidade esquelética onde as técnicas anteriormente descritas não conseguem manter reduzida a patela, indica-se a osteotomia femoral.

A confecção desse trabalho tem objetivo de descrever a apresentação clínica, conduta diagnóstica, tratamento e evolução de um caso de luxação patelar em um cão. Relato de caso

Um cão, macho, de 14 meses de idade, da raça Samoieda foi atendido no Centro Clínico Veterinário Saúde Animal, localizado em Taguatinga Norte-DF, apresentando dificuldade de se manter em estação e claudicação com apoio dos membros pélvicos.

Ao exame clínico o animal foi colocado ao passo para observação da deambulação. O animal apresentou relutância ao caminhar e elevado grau de claudicação, com saltos durante a marcha (salto de coelho) e, passadas mais rápidas e mais rígidas. Também observou-se desvio medial da tíbia, coluna em curvatura (postura anormal); caminhar saltitante e aumento visual de volume articular, sugerindo luxação patelar medial grau 3.

O exame físico e ortopédico foi realizado através de palpação da região patelar bilateral dos membros. Primeiramente a palpação foi feita com

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o animal em estação permitindo dessa forma a avaliação bilateral simultânea das duas regiões. Nesse exame pôde-se constatar tumefação, mau alinhamento ósseo, da patela em relação ao fêmur e tíbia, crepitação da região patelar e atrofia muscular. Posteriormente realizou-se o exame em decúbito lateral com movimento de flexão e extensão e palpação direta sobre a patela, que se deslocava sozinha do seu sulco troclear retornando somente com a ajuda da manipulação manual ou pela extensão contínua do membro.

A confirmação do diagnóstico foi realizada através de exame radiográfico de ambos os membros pélvicos nas projeções cranio-caudal e médio lateral (Fig 1). As imagens demonstraram desvio medial das patelas, rotação interna da tuberosidade das tíbias (Fig 1 A e B), concluindo como luxação de patela com consequente alteração da angulação anatômica do fêmur e da tíbia, bilateralmente. Observou-se desvio valgus em aproximadamente 14º em relação ao eixo anatômico em membro pélvico direito (Fig 1 C e D).

A partir do diagnóstico definitivo decidiu-se pela cirurgia corretiva. Para isso foram solicitados exames complementares pré-operatórios como hemograma completo e bioquímico (uréia, creatinina e ALT). Os exames apresentaram padrão fisiológico e foi marcado o procedimento cirúrgico.

Fig 1. Radiografias pré-operatórias. Imagem dorso-ventral direita (A) e esquerda (B). imagem ventro dorsal da pelve (C) e esquerda (D). Cortesia: Clínica Veterinária Convet.

Indicou-se ao proprietário a realização de jejum prévio no paciente de 8 horas de alimento sólido e 4 horas de ingestão de líquidos.

O animal foi encaminhado para o setor de cirurgia logo após realização de tricotomia em toda a região pélvica. Realizou-se medicação pré-anestésica (MPA), com administração intramuscular de cloridrato de meperidina (3 mg/kg), realizando-se após 15 minutos a indução anestésica com midazolan (0,5mg/kg) em conjunto com propofol (4mg/kg). A anestesia epidural foi feita com infusão de lidocaína (3 mg/kg) e manutenção anestésica com agente inalatório isoflurano e oxigênioterapia em sistema semi-aberto.

Os dois membros foram realizados no mesmo tempo cirúrgico. Iniciou-se com a realização de incisão na região lateral ao joelho e afastamento de estruturas adjacentes até a exposição da patela (Fig 2A).

Procedeu-se a realização de artrotomia o que possibilitou a inspeção visual e avaliação do

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ligamento cruzado cranial (LCC), meniscos e sulco troclear (Fig 2B). Foram notadas alterações apenas na tróclea e na profundidade do sulco. Foi observada alteração degenerativa na patela.

Como o sulco troclear estava raso realizou-se sulcoplastia troclear, técnica cirúrgica para melhor acomodar a patela no sulco do fêmur. Para isso, a cartilagem hialina do fêmur foi desgastada (com o uso do Drill) até atingir o osso subcondral. A profundidade do sulco foi feita até a acomodação de aproximadamente 50% da altura da patela. As cristas trocleares medial e lateral foram deixadas paralelas uma à outra e a base do sulco troclear perpendicular a cada uma delas.

Como a tensão de deslocamento da patela mesmo após a redução da luxação continuou, optou-se pela dissecação (liberação) dos músculos do grupo quadricipital. Essa dissecação se fez até o nível médio femoral. Lateralmente, a separação realizou-se entre o músculo vasto lateral e bíceps. Em sua porção medial, entre os músculos vasto-medial e ventro-caudal do músculo sartório.

Em sequência iniciou-se a transposição da tuberosidade tibial. Realizou-se uma incisão craniolateral proximal à patela estendendo-se até abaixo da tuberosidade tibial, incluindo também os tecidos subcutâneos. Realizada a reflexão do músculo tibial cranial até alcançar o tendão extensor longo dos dedos procedeu-se a dissecação da região até ter-se aceso a superfície profunda do tendão patelar para a colocação de osteótomo. Foi feita uma incisão no periósteo da tuberosidade tibial, com o auxilio de serra oscilatória, na face central da face medial da tíbia, iniciando no começo da crista da tíbia estendendo-se distalmente até o seu fim. Preparou-se o leito no qual foi introduzido dois pinos de Steinmann em direção ao canal medular (Fig 2C). O diâmetro do pino empregado foi aproximado ao diâmetro do canal medular do osso tibial. Após a aplicação dos pinos realizou-se abaixo da incisão uma perfuração transversal na tíbia utilizando-se a técnica de banda de tensão. Para essa técnica utilizou-se um fio de Kirschner 2.0 e uma sutura em “8” com fio de aço cirúrgico 0,8mm para promover a estabilização da crista da tíbia que foi movimentada (Fig 2D).

Para a correção da deformidade rotacional da tíbia, procedeu-se a técnica anti-rotacional. Para tal utilizou-se fio de poliéster nº 2.0 que foi ancorado na fabela (ao lado oposto da luxação) e na patela, corrigindo-se dessa forma a rotação.

A artrotomia foi suturada com fio absorvível sendo utilizado padrão interrompido simples. A síntese do periósteo (tecidos fibrosos) e tecido subcutâneo em padrão contínuo simples foi realizada com fio absorvível (Poliglactina® 910 nº 2-0) e a sutura de pele feita com material não absorvível (Nylon® 2-0) com padrão simples interrompido.

Fig 2. Procedimento cirúrgico. A- Incisão de pele e exposição da patela. B- Avaliação articular. C- Transposição da tuberosidade tibial. D- Estabilização articular.

No pós-operatório foi feita administração endovenosa de meloxican (0,1 mg/kg), ceftriaxona (30mg/kg) e, subcutânea de cloridrato de tramadol (3mg/kg) e dipirona monohidratada (25 mg/kg). O animal teve alta no dia posterior e foi receitado administração oral de Maxican na dose de 0.1mg/kg SID durante 06 dias, Cloridrato de Tramadol na dose de 4mg/kg BID durante 10 dias, Cefalexina 30mg/kg BID durante 12 dias. O proprietário foi orientado a iniciar a fisioterapia 2 dias após a cirurgia. O protocolo de eletroterapia consiste em tens, magnetoterapia e laser. Essas seções são realizadas duas vezes por semana. Na parte ativa da fisioterapia o paciente recebe seções de cinesioterapia com o uso de bola, obstáculos e hidroesteira.

Com 12 dias o animal foi levado à clínica para a retirada dos pontos e avaliação física, quando constatou-se boa recuperação, com a patela anatomicamente posicionada e o animal se locomovendo sem grandes dificuldades.

Na radiografia pós-operatória a articulação fêmuro-tíbio-patelar apresentava aspecto congruente (normal), apresentando implantes metais (2 pinos e fio de cerclagem) em topografia da crista da tíbia, aumento de radiopacidade de tecidos moles periféricos a articulação, demais estruturas ósseas de aspectos normal, sem evidenciar presença de alterações radiográficas visíveis (Fig 3).

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Fig 3. Radiografia pós-cirúrgica. Imagem latero-lateral (A) e dorso-ventral (B) do membro direto. Imagem latero-medial (C) e latero-lateral do membro esquerdo. Cortesia: Med. Vet. Marcelo Faria Santos. Discussão

A luxação patelar é uma afecção de comum frequência na rotina clínica, acometendo em sua grande maioria cães de pequenas raças sendo que grande parte dos casos evidenciam a forma medial e congênita. Entretanto, cães de raças grandes também podem ser acometidos, mas apresentando mais comumente a forma lateral da doença (TOMLINSON e CONSTANTINESCU, 1994; ARNOC e TARVIN, 1994; FOSSUM, 2002; SOUZA et al., 2009).

Dentre os sinais clínicos mais citados pelos proprietários destacam-se claudicação com dificuldade locomotora, em sua grande maioria, proporcional ao grau de luxação e consequente comprometimento articular (ROUSH, 1993; FOSSUM, 2002; PAVAN, 2009). Como citado previamente no texto, animais acometidos com luxação de grau 3 apresentam caminhar em saltos, tumefação na região articular do joelho, mau alinhamento ósseo, crepitação, sendo esses os sinais apresentados pelo paciente em estudo (ROUSH, 1993; FOSSUM, 2002; PAVAN, 2009).

Com a confirmação de luxação de patela grau 3 por meio dos sinais clínicos e exames radiográficos, a escolha terapêutica foi a realização de cirurgia bilateral dos membros utilizando-se as técnicas de aprofundamento do sulco troclear, liberação parcial do quadríceps, transposição da tuberosidade tibial (realizada fixação com fios de Kirschner). Para o aprofundamento do sulco troclear optou-se pela técnica de ressecção troclear por ter como vantagem principal a sua simplicidade. A ressecção troclear permite a formação de tecido fibroso em combinação com fibrocartilagem. Os pacientes tratados com essa técnica de aprofundamento de tróclea apesar de exibirem um

retorno mais lento ao funcionamento do membro apresentam uma função biomecânica de aceitável à excelente que é inversamente proporcional à prévia lesão e à realização de reabilitação pós-cirúrgica (BOJRAB, 1996; FOSSUM, 2002). O mau alinhamento do quadríceps e a tensão de deslocamento provocada sobre a patela exigiu que esse músculo fosse liberado (dissecado) até o nível médio femoral, e a imbricação dos tecidos moles laterais com suturas anti-rotacionais. Essa técnica consiste na criação de um ligamento patelar sintético lateral através da ancoragem da fabela lateral à patela com fio de sutura não absorvível. Por mais que as referidas suturas venham a soltarem-se o tecido fibroso formado ao redor da sutura em conjunto com o realinhamento dos tecidos moles irão manter a nova posição da tíbia e/ou patela (PIERMATTEI & FLO, 1999; FOSSUM, 2002). Por fim, a escolha da transposição da tuberosidade tibial se deu pelo fato desta apresentar-se posicionada de forma anormal e a rotação interna da tíbia apresentava-se excessiva. Dessa forma o objetivo desta técnica foi de corrigir o alinhamento do complexo quadricipital, promovendo o alinhamento da patela com o fêmur distal auxiliando na estabilidade patelar. (ROUSH, 1993; FOSSUM, 2002).

Em relação ao tratamento pós-operatório indicou-se a administração de antinflamatórios e analgésicos para que o paciente respondesse melhor aos protocolos fisioterapêuticos e a administração de antibiótico visando em especial a não infecção da articulação já que a mesma sofreu grande manipulação durante o procedimento cirúrgico. A reabilitação através da fisioterapia consiste em protocolos para ganho de massa muscular e amplitude de movimento, já que nenhuma técnica cirúrgica visa corrigir as alterações musculares causadas pela luxação. Para tanto foi instituído o uso de órtese para auxiliar a hiperextensão do tarso, além das técnicas anteriormente citadas (eletroterapia e parte ativa) (MENDES et. al., 2015). Conclusão

A luxação patelar em cães seja ela medial ou lateral, de origem congênita ou traumática é muito comum na clínica médica de pequenos animais. Isso exige uma constante evolução das ferramentas de diagnóstico e de técnicas curativas.

O sucesso terapêutico só é possibilitado mediante a definição exata da graduação da lesão. E para isso o diagnóstico deve ser baseado nos sinais clínicos, na palpação do joelho e exame radiográfico.

Conclui-se que a associação dos procedimentos cirúrgicos adotados permitiu uma melhor recuperação pós-cirúrgica dos movimentos pélvicos e do bem estar do paciente. Já as técnicas de transposição da tuberosidade tibial e do aprofundamento do sulco troclear, foram utilizadas com o intuito de evitar osteotomias

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corretivas que seriam mais invasivas. Agradecimentos

Ao Especialista em Ortopedia Veterinária e meu supervisor de estagio, Victor Hugo de Queiroz, à minha amiga e professora, Lucia Banceu e à minha orientadora Mirna Ribeiro Porto. Referências 1 – ARNOCK, S.P.; TARVIN, G.B. Reparo cirúrgico das luxações e fraturas patelares. In: BOJRAB, M.J. (Ed). Técnicas atuais em cirurgia de pequenos animais. 3.ed. São Paulo: Roca, 1994. p.275-279. 2 - BOJRAB, M. J. Mecanismos da Moléstia na Cirurgia dos Pequenos Animais. 2.ed. São Paulo: Manole, p. 938–951, 1207, 1216, 1996. 3 – BOLFER LHG, FANUCCHI L, NUNES RV, MEYER M, SOTELO A, MAIA R. Luxação lateral congênita da patela - relato de caso. Biblioteca Digital Mundo Vet. [artigo eletrônico] 2011. Disponível em: URL: http://www.mundovet.com.br/wp-content/ uploads/2011/08/luxação-lateral-congênita-da-patela-relato-de-caso.pdf [2013 ago 22]. 4 – DENNY, H. R.; BUTTERWORTH, S. J. Cirurgia ortopédica em Cães e Gatos. 3.ed. São Paulo: Roca, p. 30–37, 396–406, 2006. 5 – FOSSUM, T. W. Cirurgia de Pequenos Animais. São Paulo: Roca, p. 799, 803–806, 808- 809, 812-814, 1079–1090, 2002. 6 – GONÇALVES, G.; MELO, E.G.; GOMES, M.G. et al. Effects of chondroitin sulfate and sodium hyaluronate on chondrocytes and extracellular matrix of articular cartilage in dogs with degenerative joint disease. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.60, p.93-102, 2008. 7 – LARA, J.S., OLIVEIRA, H.P., ALVES, E.G.L., SILVA, R.F. & RESENDE, C.M.F. (2013). Aspectos clínicos, cirúrgicos e epidemiológicos da luxação de patela em cães atendidos no Hospital Veterinário, no período de janeiro de 2000 a julho de 2010: estudo retrospectivo. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. Vol.65 no.5. 8 – PAVAN LRB. Luxação patelar e tratamento fisioterapêutico [monografia online]. São Paulo: Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas UFMU; 2009. 9 - PIERMATTEI, D. L.; FLO, G. L. A articulação fêmuro-tíbio-patelar. Ortopedia e tratamento das fraturas dos pequenos animais. 3 ed. São Paulo: Manole,1999. 480p. 10 – ROUSH, J.K. Canine patellar luxation. Vet. Clin. N. Am.: Small Anim. Pract., v.23, p.855-868, 1993. 11 – TOMLINSON, J.; CONSTANTINESCU, G.M. Repair of medial patellar luxation. Vet. Med., v.89, p.48-56, 1994. 12 – SOUZA M.M.D., RAHAL S.C., OTONI C.C., MORTARI A.C. & LORENA S.E.R.S. 2009. Luxação de patela em cães: estudo retrospectivo. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia. 61 (Supl 2): 523-526. 13 - VASSEUR. Articulação do joelho. In: SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais. 2ed. vol 1, Manole, São Paulo, Sp, 1998, pg. 2149.