mediação e conciliação

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31/03/2015 Parte I – Os Centros de Conciliação e a aplicação da mediação da conciliação O novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em 18 março de 2016, prestigiou a mediação como método de solução de conflitos. Logo no seu capítulo I, que trata das NormasFundamentais do Processo Civil, estabeleceu que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º). Em seguida, afirmou que a conciliação, a mediação outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes,advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processojudicial (§3º). O novo CPC não somente acompanhou uma tendência do Direito - como deve ocorrer com uma codificação nova - como também conferiu às suas disposições maior harmonia com o texto constitucional, que, logo no seu preâmbulo, preconiza a solução pacífica das controvérsias em todos os níveis. Sendo assim, a mediação e a conciliação são citadas em vários trechos do novo Código, mas otema mereceu disciplina no Capítulo III, do Livro I, que trata dos Auxiliares da Justiça, no CapítuloV, que cuida da audiência de conciliação ou de mediação, além do capítulo X, que versa sobre asações de família. No artigo 165, o novo diploma processual determinou aos tribunais que criassem centros de conciliação e de mediação e desde logo estabeleceu algumas normas quando à sua coordenação efuncionamento. Pode-se dizer que o novo CPC extrapolou os limites da norma processual ao determinar que osTribunais instalem e mantenham centros de mediação e conciliação, porque essa não é umanorma processual propriamente dita e sim uma regra que diz respeito à organização judiciária.

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Mediação e Conciliação

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31/03/2015

Parte I – Os Centros de Conciliação e a aplicação da mediação da conciliação

O novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em 18 março de 2016, prestigiou a mediação como método de solução de conflitos. Logo no seu capítulo I, que trata das NormasFundamentais do Processo Civil, estabeleceu que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º). Em seguida, afirmou que a conciliação, a mediação outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes,advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processojudicial (§3º).

O novo CPC não somente acompanhou uma tendência do Direito - como deve ocorrer com uma codificação nova - como também conferiu às suas disposições maior harmonia com o texto constitucional, que, logo no seu preâmbulo, preconiza a solução pacífica das controvérsias em todos os níveis.

Sendo assim, a mediação e a conciliação são citadas em vários trechos do novo Código, mas otema mereceu disciplina no Capítulo III, do Livro I, que trata dos Auxiliares da Justiça, no CapítuloV, que cuida da audiência de conciliação ou de mediação, além do capítulo X, que versa sobre asações de família.

No artigo 165, o novo diploma processual determinou aos tribunais que criassem centros de conciliação e de mediação e desde logo estabeleceu algumas normas quando à sua coordenação efuncionamento.

Pode-se dizer que o novo CPC extrapolou os limites da norma processual ao determinar que osTribunais instalem e mantenham centros de mediação e conciliação, porque essa não é umanorma processual propriamente dita e sim uma regra que diz respeito à organização judiciária.

Assim, parece que o legislador federal avançou na autonomia dos poderes judiciários estaduaiscomo forma de garantir um resultado almejado – implantação de uma mudança de hábito –embora essa autonomia decorra do texto constitucional (art. 96, I, b, da CF), segundo o qualcompete privativamente aos tribunais organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dosjuízos que lhes forem vinculados [...]”.

Com isso, o legislador deixou claro que aplicação da mediação por outra via que não a dos centrospoderia ser menos eficaz do ponto de vista de uma mudança de conduta por parte dos diversosagentes concitados ao estímulo à solução pacífica de conflitos nas normas fundamentais (art. 3º,§ 3º).

Não fosse isso, os tribunais poderiam agir da forma como já ocorreu por ocasião da criação dosJuizados Especiais, em relação aos quais a lei federal

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cuidou do processo (Lei n. 9.099/95) e a leiestadual cuidou da sua organização judiciária.

No Estado da Bahia, por exemplo, a Lei n. 7.033, de 1997, estruturou o sistema por meio da criação das unidades cíveis e criminais e definiu o quadroconciliadores no parágrafo único do seu art. 22 e anexo único, nos quais determinou a designaçãode dois conciliadores para cada turno de trabalho nos Juizados Cíveis da Capital e um conciliadorpara os demais Juizados (criminais e das comarcas do interior do Estado).

Certamente, influenciou essa tomada de decisão do legislador do CPC a própria experiênciahavida com os Juizados Especiais, bem como a política pública instituída pelo Conselho Nacionalde Justiça por intermédio da Resolução nº 125, de 2010.

Isso fica mais claro da leitura do art. 165, onde se afirma que esses centros devem ser mais queum mero espaço em que a mediação e conciliação ocorrem, tanto que o referido dispositivoincube aos centros a promoção e o “desenvolvimento de programas destinados a auxiliar,orientar e estimular a autocomposição”.

Com isso, o legislador demonstra uma intenção clara de implantar e fortalecer uma nova cultura,fazendo com que a aplicação do método da mediação e da conciliação possa ganhar consistênciae uniformidade nos diversos estados da Federação, o que dificilmente ocorreria caso cadaTribunal simplesmente designasse um mediador para cada Juízo, hipótese em que cada umdesses mediadores tenderia a atuar como auxiliar daquele juízo e, portanto, sobre a orientaçãopeculiar de cada um deles.

Esse pensamento se torna mais claro quando verificados os requisitos de capacitação para oexercício da função de mediador (§ 1º, do art. 165), a ser realizada por meio de curso oferecidopor entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional deJustiça em conjunto com o Ministério da Justiça. Como se vê, não basta o conhecimento genéricoou específico sobre determinado método e sim o conhecimento específico sobre a ideia demediação judicial concebida pelo Conselho Nacional de Justiça, tido como mínimo para oexercício da mediação.

O texto legal menciona que esses centros serão coordenados por um Juiz de Direito (§ 2º, art.173), mas não exige a sua capacitação. No entanto, por se tratar de conhecimento específico, nãocontemplado pela carreira de magistrado, há de se entender que para o exercício da coordenaçãodesse centro, terá o coordenador que reunir conhecimento mínimo sobre as técnicas demediação e conciliação, sem o que não será possível um trabalho profícuo de coordenação e,muito menos, de desenvolvimento de programas destinados a orientar e fomentar aautocomposição.

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Por desenvolvimento de programas destinados a estimular à conciliação e à mediação, pode-setambém compreender os destinados aos agentes mencionados no § 3º, do art. 3º, que atuem nosprocedimentos em tramitação no próprio centro de mediação e conciliação.

Ainda na mesma Seção V, do Capítulo III, o novo CPC adota outras diretrizes contidas naResolução nº 125, do Conselho Nacional de Justiça, inclusive quanto à nomenclatura utilizada,tanto que o CPC adotou a designação de “centro” o local onde ocorre a sessão de mediação,diferentemente de projetos existentes, que adotam o nome “núcleo”.

Nota-se nesses dispositivos, especialmente art. 166, § 4º, um tratamento liberal em relação àaplicação do método consensual, tanto que o mencionado dispositivo estende o princípio da livreautonomia da vontade (normalmente aplicável à questão de mérito discutida) à definição daspróprias regras procedimentais. O intuito aqui é o de facilitar ainda mais o método consensual.

Namesma linha, o art. 168, § 1º, o novo CPC, faculta às partes a possibilidade de escolha doconciliador, mediador ou câmara privada de conciliação e de mediação não integrantes docadastro do tribunal.

A nova lei preservou, como regra geral, uma característica natural da mediação - que é umprocedimento voluntário - ao estabelecer a possibilidade de recusa pelo autor, na petição inicial,bem como pelo réu, depois da citação (art. 334, § 5º), mas com antecedência de 10 dias daaudiência. Caso o réu não recuse formalmente a tentativa de conciliação e não compareça à audiência, a sua ausência será considerada como ato atentatório à dignidade da Justiça,sancionado com multa.

No entanto, nas disposições inseridas no capítulo dedicado às ações de família, que são especiais,não há previsão de recusa da fase de mediação ou conciliação. Com isso, o legislador conferiutratamento mais adequado para essas questões, em razão das suas peculiaridades, e criou para oslitigantes a oportunidade de, pelo menos, ouvirem as explicações do mediador sobre o propósitodessa fase processual.

Diferente do Projeto de Lei 7.169, de 2014 (originário do projeto de lei nº 517, de 2011, deiniciativa do Senado Federal), o CPC não traz uma definição do que vem a ser mediação deconflito, mas a partir da distinção da atuação domediador e do conciliador, acaba estabelecendoo que vem a ser uma coisa e outra, uma vez que, no parágrafo segundo do art. 165,estabelece que a conciliação deve ocorrer preferencialmente nos casos em que não tiverhavido vínculo anterior entre as partes e na qual o conciliador poderá sugerir soluções para olitígio, sem constranger ou intimidar os interessados. Já o mediador atuará preferencialmentenos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes e as auxiliará a compreender asquestões e os interesses em conflito,

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de modo que, pelo restabelecimento da comunicação,possam identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Ao assim dispor, o CPC absorveu um conceito adotado doutrinariamente no Brasil, inclusive naResolução nº 125/2010, do CNJ, no sentido de admitir essas duas formas de mediação, uma maisorientadora, designada por conciliação, além da mediação propriamente dita, meramentefacilitadora.

O art. 166 elege como princípios informadores da conciliação e a mediação a independência, aimparcialidade, a autonomia da vontade, a confidencialidade, a oralidade, a informalidade e adecisão informada. Assim como a Resolução CNJ n. 125/2010, a lei não inclui a isonomia como umdos princípios, embora esse princípio possa ser considerado implícito, uma vez que não é possívela mediação eficaz quando as partes estão em desequilíbrio. No projeto de lei 7.169, de 2014, esseprincípio é previsto logo em seguida ao princípio da imparcialidade do mediador.

Ao elencar a independência como o primeiro princípio a ser observado pelo mediador e aodeterminar que os tribunais criem centros de mediação e conciliação, além de exigir a capacitaçãomínima desses mediadores, o legislador processual, conhecedor das experiências anteriores doPoder Judiciário, criou mecanismos para que esse princípio possa ser observado.

Assim, os centros de mediação e conciliação são, de certo modo uma, garantia da efetividade desseprincípio e o não atendimento desse princípio significa outras regras da mediação poderão serquebradas, o que colocaria em risco todo o esforço desenvolvido pelo CNJ até o presentemomento na capacitação de mediadores e instrutores e mediação e na própria eficácia dasnormas sobre o tema introduzidas no novo CPC.

A confidencialidade mereceu disciplina específica no art. 166, segundo o qual ela deve seestender a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá serutilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes (§ 1º). Além disso,o § 2º, do mesmo artigo, estabelece que, em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, oconciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar oudepor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.

No art. 167, a lei estabeleceu que conciliadores e os mediadores serão inscritos em cadastro,nacional e de cada tribunal (estadual e regional federal), podendo o tribunal optar pela criação dequadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos. Haverá também a necessidade de cadastramento das câmaras privadas de conciliação emediação.

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Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados, se advogados, estarão impedidos de exercera advocacia nos juízos em que exerçam suas funções (§ 5º, do art. 167). Ficam tambémimpedidos, pelo prazo de 1 ano, contado do término da última audiência em que atuaram, deassessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes (art. 172).

Com relação à remuneração, o art. 169, afirma que o conciliador e o mediador receberão pelo seutrabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetrosestabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

Quanto às câmaras privadas, a lei impõe o dever de prestação gratuita de serviços comocontrapartida do seu credenciamento (§ 2º, do art. 169), no percentual de audiências que ostribunais estabelecerem.

No que tange à gratuidade, parece evidente que o poder público terá que remunerarconciliadores e mediadores, sem o que não será possível atender à grande quantidade deprocessos que gozam desse benefício, especialmente em tramitação nas varas de família. Frise-seque a faculdade à fase de mediação é conferida apenas às partes (no processo que não seja defamília) e não ao Poder Judiciário que terá a obrigação de oferecer a possibilidade de conciliaçãona forma prevista no novo CPC, sob pena de incidir em descumprimento de regra processual.

Diferente do projeto de lei de mediação, que no seu artigo 26 incorporou expressamente a ideiada Lei n. 9.099/95, no sentido de que, na audiência de conciliação, as partes são meramenteassistidas por seus advogados, o novo CPC parece ter feito isso implicitamente ao adotar amediação como uma das formas de solução do litígio, uma vez que o próprio método tem comouma de suas principais característica o fato de que as partes devem adotar uma conduta deprotagonismo da solução consensual, mesmo quando assistidas por advogado.

Assim, a fase de mediação e conciliação, no novo CPC, tenderá a ser vista como uma espécie detrégua ao litígio, fase essa que não poderá resultar em qualquer prejuízo à defesa das tesesdefendidas no processo, tanto que essa fase é protegida pelo sigilo em relação ao mediador eauxiliares (que será ampliado até mesmo para os advogados, caso aprovado o projeto de lei em fase final de tramitação na Câmara dos Deputados). Haverá uma pausa na litigiosidade para queas questões possam ser debatidas com maior eficácia entre as partes e, para que isso ocorra, oadvogado deverá atuar como assistente do seu cliente.

Uma prática que poderia ser incorporada ao texto seria a da dispensa do advogado nas questõescíveis de valor não superior a 20 salários mínimos, largamente aceita por todos, muito útil àsolução de controvérsias e ao atendimento de princípios processuais, como o da celeridade, alémde facilitadora do acesso ao Judiciário. A nova legislação também poderia ter

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avançado um poucomais no estímulo à conciliação se tivesse incorporado à essa fase processual uma prática queocorre nos processos de família, em que a ausência de advogado na assistência do réu emquestões simples, que envolva apenas valor da pensão de alimentos ou regras de convivênciaentre os familiares, não impede a formalização do acordo. Evidentemente que, nesses casos,antes de entrar na discussão das questões (e também durante as discussões), o mediador teráque se certifica se as partes estão em posição de equilíbrio.

O novo CPC criou um sistema bem organizado para a atividade de mediação e conciliação, mas,infelizmente, não criou estímulos à solução consensual das controvérsias. O art. 169 (queestabelece que o conciliador e o mediador receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal) parece sugerir que a remuneração desses profissionais deverá sercusteada pelas partes (o PL 7.169, de 2014, é mais claro quanto a esse aspecto ao estabelecer quea remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelos tribunais e custeada pelaspartes).

Evidente que se, o autor da ação já antecipou as custas iniciais no momento do ajuizamento doprocesso é de se supor que esse autor terá assegurada a tramitação desse processo até asentença de primeiro grau. Ora, se esse autor já terá assegurado o direito ao provimento judicial -solução mais onerosa para o estado - não faz sentido que esse mesmo autor, ao encontrar umasolução consensual antes da sentença, que acarreta menor custo para o poder público, tenha quee remunerar novamente o estado.

De notar, ainda que o art. 90, § 3º, afirma que se a transação ocorrer antes da sentença, as partesficam dispensadas do pagamento das custas processuais remanescentes, o que significa dizer queas custas iniciais já contemplam a remuneração dos atos processuais até a sentençahomologatória e, sendo a conciliação uma etapa processual anterior a essa sentença, resultaevidente que o estado já foi remunerado até esse momento processual. Por outro lado, sehouver cobrança de custas específicas para a remuneração dos mediadores e conciliadores, oautor da ação, que já incorreu no pagamento das custas iniciais, tenderá a preferir participar datentativa de conciliação presidida pelo Juiz, que nenhum ônus lhe trará, providência que omagistrado terá que adotar, em cumprimento ao que determinar o art. 359, do novo CPC(instalada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anteriorde outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem).

Uma alternativa seria cobrar custas iniciais depois de esgotada a tentativa de solução consensual.

Nesse caso, o poder público poderia tratar diferenciadamente a solução autocompositiva dasolução heterocompositiva, onerando menos os que

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conseguiram resolver consensualmente asua controvérsia - objetivo maior do conjunto de normas sobre mediação e conciliação – eonerando na justa medida os que demandarão solução litigiosa. Além disso, a aqueles que logo napetição inicial rejeitasse a tentativa de autocomposição, as custas seriam cobradas na formausual.

Outra solução seria a de cobrar-se um valor inicial mais baixo (compatível com a soluçãoamigável), valor esse que seria complementado depois da audiência, caso frustrada a tentativa deconciliação, embora o prático seja acrescer às custas iniciais as despesas com a remuneração dosconciliadores e mediadores, o que se justifica por se tratar de um gasto adicional do Poderjudiciário com um serviço que será disponibilizado universalmente aos que recorrerem aoJudiciário.

Em que pese o aspecto relativo às despesas processuais parecer de menor relevância, apossibilidade de o autor ser cobrado por despesas no ajuizamento da ação e, logo em seguida,por nova despesa apenas para viabilizar a tentativa de autocomposição, consistirá em sérioobstáculo ao fim almejado pelo novo CPC, sobretudo na Justiça Estadual, em que essas custas sãosignificativas.

É importante também que a solução extraprocessual ou pré-processual, cuja eficácia dependa dehomologação judicial, mereça do poder público um maior estímulo, já que seria iníquo a umanorma que deseja estimular a mediação e a conciliação onerar financeiramente, do mesmo modo,quem consegue resolver a sua demanda sem a necessidade do ajuizamento do processo litigioso(e somente recorre ao Judiciário para obtenção de uma sentença homologatória para atender auma formalidade legal) de quem não consegue o consenso e exige do estado um esforço maior nasolução litigiosa.

Parte II – A Mediação das questões de família

O Capítulo X, do novo CPC, trata das ações de família. Melhor seria que a lei mencionasse“questões” de família, em vez de “ação” de família, porque grande parte das crises familiares sãoresolvidas sem a necessidade de ajuizamento de ação. O direito de família é talvez o único ramodo direito que contempla um procedimento judicial nomeado de “consensual”. Há vários anos odivórcio consensual já pressupõe a ideia de autocomposição, o mesmo ocorrendo com o divórcioformalizado por escritura pública.

O art. 691 estabelece que as normas do Capítulo X aplicam-se aos processos contenciosos dedivórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Aoreferir-se à separação litigiosa é possível que a nova lei faça renascer uma discussão que surgiucom a Emenda Constitucional nº 66/2010, que nos dias atuais já não encontra utilidade, diante doesgotamento do tema pela jurisprudência e dogmática jurídica, bem como pelo próprio desuso doinstituto da separação judicial.

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Logo no início do capitulo, a lei estabelece que todos os esforços devem ser empreendidos para asolução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outrasáreas de conhecimento para a mediação e conciliação (art. 692) e que o Juiz poderá determinar asuspensão do processo enquanto os litigantes se submetem à mediação extrajudicial ou aatendimento multidisciplinar, o que contribuirá para a solução das controvérsias mais complexas.

Aqui a mediação já não parece ser um procedimento voluntário, o que se justifica pelacaracterística da relação discutida, tanto que o art. 693 estabelece que, recebida a petição inicial,o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação,observado o disposto no art. 692, isto é, que essa convocação deve estar desacompanhada decópia da petição inicial.

O § 2º do referido artigo estabelece que citação ocorrerá com antecedência mínima de 15 dias dadata designada para a audiência, no que discrepa do art. 334, do mesmo código, que estabeleceantecedência de 20 dias, o que reforça a ideia de que aqui o demandado não dispõe da opção derecursar a tentativa de mediação ou conciliação, daí não haver a necessidade de maior tempoentre a citação e audiência. Tanto isso é verdade que o art. 697 estabelece que, as regras doprocedimento comum só passam a ser aplicadas ao processo de família caso não realizado oacordo.

Se assim for, é de se deduzir que nesses casos, a ausência injustificada do réu não poderá resultarna aplicação de penalidade pecuniária, o que, de resto, somente serviria para aprofundar arelação litigiosa e dificultar uma futura tentativa de autocomposição, o que seria ilógico.

Por outro lado, apesar da obrigação do comparecimento à sessão de mediação ter uma respostabastante positiva nos processos de família, esse dever poderá ser questionado se admitido quedeterminada pessoa, por razões de foro íntimo, não queira discutir perante um estranho,questões que ele possa considerar da sua intimidade. O questionamento da obrigatoriedade depresença na audiência ganhará um fundamento maior se convertido em lei o PL 7.169, de 2014,em cujo § 2º do art. 2º estabelece com toda clareza que ninguém será obrigado a submeter-se aprocedimento de mediação.

O estabelecimento de dever de comparecer à sessão de mediação poderia ser estabelecido commaior tranquilidade para o autor da ação (exceto no caso de requerimento de medida deurgência), porque poderia ser dito que quem se socorre do procedimento judicial presume-se sesubmeter às regras do próprio procedimento ou ao destinatário de uma decisão liminar, como forma do seu destinatário reafirmar o interesse na manutenção da medida e de contribuir com asolução da lide por meio consensual. Para o réu, é mais difícil estabelecer essa obrigação, porquenão coube a ele a opção pelo litígio.

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Chama a atenção também o art. 698, no qual se afirma que o Ministério Público somente interviráquando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo,conduta essa que já ocorre em algumas práticas, principalmente na conciliação e mediação pré-processuais, em que não se verifica a necessidade da participação do representante do MinistérioPúblico nas sessões de mediação e conciliação.

O divórcio consensual não pressupõe a perda da capacidade dos pais em cuidar dos interesses dosfilhos e, muitas vezes a separação de um casal, quando consensual, faz com que os interesses dosfilhos passem a merecer maior atenção pelos pais, não sendo incomum que muitos pais passem ater uma atenção maior com os filhos depois da separação, tarefa às vezes deixada sob o encargoda mãe durante o casamento.

Por outro lado, a mediação e a conciliação são regidas por princípios como o da autonomia davontade e da decisão informada e o consenso pré-processual obtido sob a orientação demediador judicial pressupõe a estabilização da crise familiar e o empoderamento em relação àsquestões de mérito. Apesar da autonomia da vontade não parecer um valor absoluto quanto emjogo o interesse de incapaz, a determinação contida no art. 696, associada às características doprocesso de mediação, parecem afastar a possibilidade de o Ministério Público intervir nessasquestões sem, evidentemente, prejuízo do seu papel fiscalizador.

Assim, se em um acordo de família uma questão alusiva à menor de idade não tenha sido tratada,poderá o MP se insurgir contra a homologação para que as partes deliberem sobre essa questão.

No entanto, se esta questão é adequadamente discutida e licitamente deliberada, como ocorrecom a regulamentação da convivência familiar e deliberação do valor da pensão alimentícia,parece claro que esse órgão não poderá intervir no mérito da solução adotada.

Ainda quanto ao papel do Ministério Público nas questões de família, ele parece mais relevantenos procedimentos litigiosos, nos quais o acirramento de uma disputa poderá ter reflexo negativoem relação aos filhos.

Em matéria de família é muito importante que se estimule a solução pré-processual, porque oambiente da mediação é o ideal para o tratamento desses casos. A discussão de uma questão defamília sem um processo judicial, em um ambiente discreto e informal da mediação, em que aconfidencialidade é garantida, em que não existe a formalidade de registro em documento dasquestões discutidas e não existe a necessidade de intimação de uma parte por oficial de justiça epara a audiência, cuja data poderá ser escolhida pelas partes, é o que existe de mais adequado.

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Em quase todos os projetos de mediação de família, a média de solução consensual se aproxima a80% dos casos tratados, o que significa que as famílias preferem a solução consensual para osproblemas decorrentes da separação e, por isso, a mediação pré-processual poder ser estimuladaao máximo e um dos estímulos poderia ser a isenção de custas processuais, especialmente paraos casos em que não contemplem partilha de patrimônio de valor elevado (um parâmetro para aisenção poderia ser a existência de partilha de imóvel de valor inferior a 200 salários mínimos oude imóvel financiado por valor superior, mas que o valor amortizado fique abaixo desse limite).

Atualmente, existe uma inversão de valores entre as questões de família, de maior significadohumano e social, que as questões decorrentes de relação de consumo. Estas normalmente gozam de gratuidade nos Juizados Especiais, enquanto que as de família recebem um tratamento maisrigoroso e evidente que o ideal é que existe um melhor equilíbrio no tratamento desses casos.

Pela sua simplicidade, a mediação pré-processual pode ser oferecida com maior facilidade,rapidez e com menor custo para o poder público, proporcionando a discussão antes que o litígiopossa se agravar e, por isso, essa forma de mediação pode evitar maiores consequênciasnegativas decorrentes de uma crise familiar e, por tudo isso, o ideal é que as questões de famílianão resolvidas pela própria família passem a ser tratada em sessão de mediação pré-processualou extraprocessual.

Parte III - O art.565 do CPC de 2015: Estímulo à Solução Consensual ou ao Litígio?

Em uma de suas palestras proferidas em Salvador, no ano de 2012, a professora Mônica CarvalhoVasconcelos relatou que, em uma tentativa de conciliação de um casal, a mulher, que sofriaviolência diária por parte do marido, depois de reconhecer que o seu agressor era cuidadoso comos filhos, sugeriu que aceitaria um acordo se as agressões pudessem ser reduzidas para apenasum dia na semana.

Esse é um exemplo exagerado do que viria a ser um objeto ilícito de um acordo e da manifestaçãoinválida da vontade por quem, diante de um sofrimento reiterado, poderá aceitar um acordo quepossibilite a diminuição desse dano.

A viabilidade da mediação depende da observância de regras e princípios norteadores doprocedimento, como os mencionados na Resolução nº 125, do Conselho Nacional de Justiça, emcujo artigo 1º são eleitos os princípios que a referida norma considera fundamentais, dentre osquais a confidencialidade, a decisão informada, a competência (no sentido de habilitação), aimparcialidade, a independência e a autonomia, o respeito à ordem pública e às leis vigentes, oempoderamento e a validação.

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Um dos pressupostos da mediação eficaz é o da igualdade entre as partes. Tendo em vista que noprocedimento mediativo cabe às próprias partes encontrar a solução para determinadoproblema, o desequilíbrio de forças entre elas proporcionará uma solução igualmente iníqua.

Por isso é que o Manual de Mediação Judicial editado pelo Conselho Nacional de Justiça orienta omediador a intervir no procedimento de mediação quando isso for necessário para estabelecer aigualdade de condições entre as partes, uma vez que o objetivo da mediação não é a solução aqualquer preço de um conflito, mas sim, a solução mais justa possível, “de forma a evitar que aspartes deixem de receber o que lhes é devido, concedendo-lhes o direito a um processo justo, oque só ocorrerá se as partes estiverem atuando em igualdade de condições” (2013, p. 172 e 242).

Na mesma linha, o PL nº 7169/2014 elencou, no seu art. 2º, a isonomia entre as partes como umdos princípios norteadores da mediação, inserindo-o logo depois do princípio da imparcialidadedo mediador (incisos I e II).

Assim, verificadas as premissas que orientam a mediação, pode-se afirmar que esse método podeser tomado como adequado à solução de determinada demanda, mas não de todas.

O esbulho possessório a tomada da posse por meio violento, no qual o esbulhado é subjugadopelo invasor, supõe-se que as partes estejam em desequilíbrio de forças, ainda mais quando setrata de esbulho coletivo, que ocorre de forma e planejada, e que sequer permite a possibilidadede defesa da posse pela vítima.

Nesses casos, não se verifica o trabalho do mediador no sentido de se restabelecer a comunicaçãoentre as partes e, por outro lado, a mediação aqui passa a ser obrigatória. A liberalidade quecaracterizou os demais dispositivos do novo CPC acerca da mediação, inclusive quanto aoestabelecimento de regras procedimentais, não acontece em relação o art. 565 e seus parágrafos.

Além disso, a norma proporciona a existência de dúvidas, como: as partes, com base no art. 334,§ 5º, rejeitar a tentativa de mediação e conciliação? O pedido de liminar já não seria, por si só,uma manifestação de negativa à tentativa de mediação?

Por tudo isso, parece evidente que a ideia de mediação contida no próprio art. 165 do CPC parecenão se encaixar na mediação tratada no art. 565 e, por isso, melhor seria que o legisladoratribuísse a esse tipo de tentativa de autocomposição o nome de conciliação.

Por outro lado, o fato parágrafo primeiro suspender a decisão liminar para que uma novatentativa de mediação seja realizada, caso essa decisão liminar não tenha sido executada no prazode um ano, contado retroativamente à data de

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distribuição da ação, deve estimulará a ocorrênciade manobras processuais para retardar esse cumprimento, aprofundando o litígio.

O acesso do trabalhador rural à terra e a eliminação do déficit habitacional nas áreas urbanas sãoproblemas que devem ser solucionados por meios lícitos e suportados pela sociedade como umtodo e não pelo proprietário de um imóvel, escolhido aleatoriamente para arcar com esse ônus.

Para essas pessoas, o Poder Judiciário tem sido a última esperança em ver restabelecida aintegridade patrimonial violada por ato ilícito.

A legislação poderia tratar mais adequadamente esse tema, de forma desestimulasse as invasõesde imóveis, mas, em vez disso, o CPC, parece ter abrandado a ideia de esbulho possessórioquando cometido coletivamente, além de ter reduzido a atuação do Juiz e isso pode estimular aocorrência de novos esbulhos organizados, fomentando a existência de conflitos agrários eurbanos em torno da posse de bens imóveis.

Ao conciliador restará o desafio de obter uma autocomposição cujo resultado se aproxime doideal da mediação, que é de proporcionar às partes o que lhes é devido, tarefa difícil no contextoapresentado.

IV - Conclusão

As inovações introduzidas no Código de Processo Civil importarão em modificação de conduta porparte de vários agentes que atuam no processo civil, bem como pelo próprio jurisdicionado. Operíodo da vacatio legis servirá não somente para uma melhor compreensão das novasdisposições, como também para o planejamento e implementação de providências determinadasna lei, especialmente a instalação dos centros de mediação e conciliação pelos tribunais que aindanão adotaram essa prática (prevista na Resolução CNJ nº 125/2010) e para a organização e ofertados cursos de capacitação em mediação judicial.

Estas são impressões preliminares em relação à autocomposição prevista na nova legislaçãoprocessual que, a partir de agora, será alvo de abordagens mais aprofundadas pelosdoutrinadores, sobre os seus diversos aspectos.

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Referência Bibliográfica:

AZEVEDO, André Gomma (Org.). Manual de Mediação Judicial. 4. Ed. Brasília: 2013.