media + igual - boletim n.º 5 janeiro 2014

12
Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 31 de Janeiro de 2014, a partir da monitoriza- ção de nove títulos de imprensa escrita portuguesa: - dois de âmbito regional: As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional: Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Men’s Health Nesta edição: 1. Editorial 2/3. Visibilidades positivas 4/5. Desigualdades e estereótipos 6/7./8/9/10. Violência doméstica 11. Em poucas palavras 12. A fechar/ Agenda/ Saber + Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Janeiro de 2014 05 MEDIA+igual Com a viragem do ano e a publicação do boletim dedicado à monitoriza- ção de Janeiro, chegámos sensivelmente a meio do projecto MEDIA+Igual. Este tem sido um caminho que nos enche de orgulho, já com a sinalização de 456 artigos na imprensa relacionados com questões de (des)igualdades de género nos meios de comunicação social. A que se junta também a consequente desconstrução de exemplos negativos e a visibilidade dada aos exemplos positivos que felizmente também vamos encontrando nas páginas dos jornais e revistas monitorizadas. Na análise deste mês, a violência doméstica surge como tema predomi- nante, através de um retrato mediático em que as mulheres surgem como vítimas e os actos dos agressores muitas vezes menorizados por variadas justificações. Não esquecer, a este respeito, que, em Janeiro, três mulhe- res morreram, num período de apenas dois dias, às mãos dos seus actuais/ex companheiros.

Upload: ieba

Post on 30-Mar-2016

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Os boletins mensais do projecto MEDIA + Igual apresentam uma selecção de notícias dos media portugueses monitorizados pelo projecto e as respectivas as análises, consensualizadas no âmbito de reuniões periódicas entre os parceiros da ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. O projecto MEDIA + Igual é promovido pelo IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais e apoiado pela UE-FSE / Governo de Portugal / QREN / POPH-GIG.

TRANSCRIPT

Page 1: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

Boletim Informativo

Integra uma selecção de notícias

publicadas de 1 a 31 de Janeiro

de 2014, a partir da monitoriza-

ção de nove títulos de imprensa

escrita portuguesa:

- dois de âmbito regional:

As Beiras

Diário de Coimbra

- sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã

Diário de Notícias

Público

Caras

Maria

Happy Woman

Men’s Health

Nesta edição:

1. Editorial

2/3. Visibilidades positivas

4/5. Desigualdades e estereótipos

6/7./8/9/10. Violência doméstica

11. Em poucas palavras

12. A fechar/ Agenda/ Saber +

Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media

Janeiro de 2014 05

MEDIA+igual

Com a viragem do ano e a publicação do boletim dedicado à monitoriza-

ção de Janeiro, chegámos sensivelmente a meio do projecto

MEDIA+Igual. Este tem sido um caminho que nos enche de orgulho, já

com a sinalização de 456 artigos na imprensa relacionados com questões

de (des)igualdades de género nos meios de comunicação social. A que se

junta também a consequente desconstrução de exemplos negativos e a

visibilidade dada aos exemplos positivos que — felizmente — também

vamos encontrando nas páginas dos jornais e revistas monitorizadas.

Na análise deste mês, a violência doméstica surge como tema predomi-

nante, através de um retrato mediático em que as mulheres surgem como

vítimas e os actos dos agressores muitas vezes menorizados por variadas

justificações. Não esquecer, a este respeito, que, em Janeiro, três mulhe-

res morreram, num período de apenas dois dias, às mãos dos seus

actuais/ex companheiros.

Page 2: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

02

As questões ligadas às (des)

igualdades de género na Admi-

nistração Pública — e à pró-

pria linguagem inclusiva —

ganharam uma visibilidade

mediática acrescida com a

cobertura noticiosa do jornal

Público. Em dois momentos

distintos, a 04 e 22 de Janeiro,

o diário dedicou artigos alar-

gados (de uma e duas páginas,

respectivamente) ao Pla-

no Nacional para a Igualdade

de Género, Cidadania e Não-

discriminação 2014-2017 .

No primeiro artigo, “Governo vai

avaliar se a ‘linguagem inclusiva’ já

chegou à Administração”, é positivo

o destaque dado ao próprio docu-

mento legislativo, mas também a

diversidade de fontes e de áreas de

análise. O alerta para o diminuto

número de empresas públicas a

implementar planos de igualdade

(relembrando a legislação anterior

à publicação do novo Plano Nacio-

nal) serve também como pressão

pública para que esta realidade seja

invertida.

É também de notar, neste primeiro

artigo, a relevância dada à área da

educação (com o debate sobre a

necessidade de existir uma discipli-

na específica que aborde a igualda-

de de género).

No segundo artigo do Público, “O

género feminino aparece entre

parênteses no Plano para a Igualda-

de”, o ênfase é colocado na lingua-

gem inclusiva. Explorando as con-

tradições entre o que o Plano para a

Igualdade preconiza e a forma

como este foi publicado oficialmen-

te (em Diário da República), a notí-

cia explica a importância da refe-

rência a ambos os géneros das pala-

vras de forma igualitária, assim

como a relevância do uso de uma

linguagem inclusiva. Isto mesmo

tendo em conta que, no primeiro

artigo sobre o Plano Nacional, da

autoria da mesma jornalista, era

referido que a linguagem inclusiva

poderia ser feita com parênteses ou

barras diagonais — quando este

segundo artigo acaba por estar cen-

trado no uso errado dos parênteses.

Esta apresentação de informação

contraditória, em textos distintos,

pode contribuir para uma percep-

ção errada do tema da linguagem

inclusiva.

visibilidades positivas

Page 3: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

Também no jornal Público

surge este artigo (de 08 de

Janeiro), dedicado ao Festi-

val de Cinema de Cannes e à

escolha de Jane Campion

para presidir o júri do certa-

me. Com o título “Jane Cam-

pion, a única mulher com

uma Palma de Ouro, preside

ao júri de Cannes em Maio”,

há uma óbvia referência a

assimetrias de género. E se,

em boletins anteriores, este

tipo de títulos foi criticado

por o género da pessoa não

ser relevante para a notícia,

aqui passa-se o contrário: as

assimetrias de género no Fes-

tival de Cannes são uma parte

fundamental do artigo.

Neste caso, o título é justificado e

salientado pela positiva, assim

como o restante artigo. Ao longo

do discurso jornalístico, é dada

visibilidade à falta de mulheres

galardoadas com a Palma de Ouro,

através de argumentos de realiza-

doras e do colectivo feminista

francês La Barbe, que fez publicar

uma carta aberta sobre este tema

(da qual o Público cita o seguinte

trecho: “os homens adoram que as

mulheres tenham profundidade,

mas só no que toca ao seu deco-

te”). A própria Jane Campion é

citada na sua denúncia do sistema

de estúdios “como uma espécie de

sistema de velhos rapazes”.

Esta visibilidade às assimetrias de

géneros na cultura cinematográfi-

ca acaba por contribuir para a des-

construção desta realidade, atra-

vés do alerta à opinião pública. O

artigo é enriquecido com argu-

mentos factuais (“mas [Jane Cam-

pion] continua a ser, em 67 anos

de história do festival, a única

mulher que ganhou a Palma”) e

recurso a uma diversidade de fon-

tes relevantes.

Também a escolha da fotografia

ilustrativa é bastante interessante.

Em primeiro plano, surge a reali-

zadora neozelandesa, isolada.

Atrás, inúmeros fotógrafos (na sua

grande maioria do sexo masculi-

no) fotografam a presidente do

júri. Ou seja, também a imagem

exibe uma componente visual

muito forte de assimetrias de

género, o que contribui para a lei-

tura discursiva deste tema.

03

visibilidades positivas

Page 4: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

“Não há supermulheres”. É

desta forma que o Diário de

Noticias intitula um tema

dedicado à conciliação de car-

gos de chefia com actividades

da esfera familiar, através da

apresentação do caso especí-

fico de três mulheres.

Por um lado, considera-se positiva

a valorização das carreiras femini-

nas e a visibilidade dada às mulhe-

res em cargos de chefia. No entan-

to, o modelo de discurso apresen-

tado recai na distinção de casos

isolados, que funcionam como

excepção — e, portanto, poderão

reforçar estereótipos de que esta

realidade dos cargos de chefia não

se aplica a todas as mulheres.

Ainda numa perspectiva de este-

reótipos, verifica-se que, mais uma

vez, o retrato mediático de mulhe-

res em cargos de chefia não é dis-

sociado da esfera familiar. E, por-

tanto, reforça-se o papel, dito

‘natural’, da mulher como esposa,

mãe e cuidadora do lar. Tendo em

conta que, tradicionalmente, a

esfera familiar é frequentemente

associada ao feminino, este tipo de

representações mediáticas tendem

a legitimar papéis assimétricos de

género. Ainda a este respeito, a

apresentação de cada uma das

mulheres é sempre feita com o seu

nome, idade e número de filhos/

netos (assumindo-se que estes

sejam os seus aspectos identitários

básicos). Essa normalização e

naturalização do papel da mulher

na família é também reforçada

através de alguns dos testemunhos

apresentados (por exemplo, “sou

mulher e tenho de continuar a

fazer coisas enquanto tal, tenho

marido e não posso descurar isso,

sou mãe e não posso descurar dos

meus filhos”).

De forma a que o artigo fosse mais

diverso, seria benéfica a inclusão

de exemplos mais heterogéneos,

tanto a nível dos cargos desempe-

nhados, como da classe social das

entrevistadas. Ao nível das funções

nas empresas, por exemplo, as três

mulheres apresentadas desempe-

nham cargos ligados à gestão de

recursos humanos, tradicional-

mente vistos como mais ligados ao

género feminino (e, neste contex-

to, acabando por reforçar novas

assimetrias de géneros em áreas

profissionais).

De referir ainda que a caixa

“Portugal é o país com mais milio-

nárias” não está associada ao tema

principal do artigo, podendo gerar

leituras erróneas.

04

desigualdades e estereótipos

Page 5: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

Na cobertura mediática à publica-

ção “Análise do género nos servi-

ços do MJ [Ministério da Justiça]”,

este artigo do Diário de Notícias,

de 6 de Janeiro, dá conta dos prin-

cipais resultados da realidade de

homens e mulheres funcionários/

as da Justiça.

No geral, este é um artigo positivo,

que faz uma análise de género em

contexto laboral, incluindo perfis

exemplificativos de mulheres diri-

gentes que são exclusivamente

profissionais (não se adiantando

pormenores da esfera pessoal/

familiar de cada uma destas

mulheres).

No entanto, a forma como a lin-

guagem é usada neste discurso jor-

nalístico acaba por transmitir algu-

mas mensagens ambíguas, como o

que acontece no próprio título,

“Mulheres já estão a ganhar mais

mas chefiam menos”. Este título

acaba por generalizar os dados do

Ministério da Justiça a uma reali-

dade mais ampla, contribuindo

para uma mensagem (errada) de

que as mulheres, no geral, ganham

mais do que os homens (quando o

que se verifica é o contrário). O

título poderia, por isso, ser mais

explícito, coadunando-se melhor

ao subtítulo e ao próprio texto.

Também a caixa que acompanha o

texto está desajustada do tema

principal. Apesar de se referir a um

estudo sobre “As Mulheres na

Magistratura em Portugal”, não

existe nenhuma componente de

género associada ao texto. Muito

pelo contrário, o título escolhido

“Portugueses têm imagem negati-

va dos tribunais” pode parecer, à

primeira vista, uma reacção aos

dados apresentados no texto prin-

cipal (de que as mulheres ganham

mais, em média, no Ministério da

Justiça, mas não ocupam tantos

cargos dirigentes) — quando, na

verdade, se tratam de dados inde-

pendentes do relatório tratado no

artigo principal.

O primeiro parágrafo denota ainda

usos de linguagem que poderão

reforçar estereótipos: “Ainda são

os homens quem ocupa mais car-

gos dirigentes da Justiça, mas as

mulheres já são a maioria e têm,

até, os ordenados mais altos”. O

uso das palavras “ainda” e ´”até”

vem legitimar um statuos quo de

que as chefias são maioritariamen-

te homens .

Seria interessante que no artigo,

constasse a distinção, no que diz

respeito ao género, entre cargos de

nomeação e vagas a concurso. Por

fim, é importante sublinhar que as

regras de contratação da função

p ú b l i c a o b r i g a m à n ã o -

-discriminação entre géneros. Daí

que a realidade no sector público

não possa ser generalizada ao sec-

tor privado.

03

05

desigualdades e estereótipos

Page 6: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

Em apenas dois dias de Janei-

ro, três mulheres foram

assassinadas pelos compa-

nheiros (actuais ou anterio-

res). Daí que, em termos

mediáticos, estes diferentes

casos tenham surgido fre-

quentemente juntos na

imprensa diária monitoriza-

da. A realidade é trágica e a

junção dos múltiplos casos

na mesma cobertura mediáti-

ca permite dar visibilidade à

dimensão da violência domés-

tica em Portugal.

O artigo do Diário de Notícias de

14 de Janeiro, “Tiro fatal no rosto

põe fim a ‘relação de amor-ódio”,

retrata a morte de Ana Raquel.

Logo no início do texto, há a refe-

rência aos outros dois femicídios, o

que descontrói a perspectiva des-

tes crimes como caso isolado.

No entanto, o título acaba por

repercutir estereótipos associados

à violência doméstica, nomeada-

mente com a justificação do agres-

sor pela referência ao “amor”. A

expressão “relação de amor-ódio”

denota uma simetria entre o casal,

contrária às assimetrias verificadas

na violência doméstica. Já a caixa

final, “Vítimas não vêem sinais de

violência e desculpam” é bastante

positiva, por dar visibilidade a

sinais de violência no namoro. O

artigo cita fontes da APAV

(Associação Portuguesa de Apoio à

Vítima) e da UMAR (União Mulhe-

res Alternativa e Resposta).

Também o Correio da Manhã deu

destaque ao homicídio de Ana

Raquel, no artigo “Executa mulher

a tiro em frente às filhas”, de 14 de

Janeiro (na página ao lado).

Trata-se de uma descrição muito

mais sensacionalista do que a do

Diário de Notícias, com vários por-

menores do homicídio. A própria

expressão “saco de pancada” acaba

por recair neste sensacionalismo

discursivo (transformando a vio-

lência em entretenimento), apesar

de retratar a continuidade de

agressões sofrida pela vítima.

O jornal faz igualmente uma refe-

rência aos outros casos de homicí-

dio de mulheres pelos respectivos

parceiros, em Janeiro. Notam-se,

no entanto, várias tentativas de

encontrar uma justificação dos

agressores, na apresentação destes

outros casos.

Ainda no Correio da Manhã, verifi-

ca-se que a informação sobre

“queixas retiradas” acaba por pas-

sar uma mensagem errónea, tendo

em conta os actuais procedimentos

legais. Nesse sentido, eis o esclare-

cimento da APAV, para o

Média+Igual, sobre o tema:

violência doméstica

06

Page 7: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

O crime de violência doméstica,

previsto no art. 152º do Código

Penal, é um crime público, isto é,

qualquer pessoa o pode denunciar

às autoridades, sendo esta denún-

cia o suficiente para que o Minis-

tério Público instaure o procedi-

mento criminal. Não é necessário

que seja a própria vítima a apre-

sentar queixa-crime, podendo o

Ministério Público tomar conheci-

mento da ocorrência por conheci-

mento directo; porque outra auto-

ridade judiciária ou um órgão de

polícia criminal o presenciou,

lavrando auto de notícia; porque

alguém soube da ocorrência do

crime e o denunciou ao Ministério

Público.

Por ser um crime público não é

admissível a desistência de quei-

xa, ou seja, o procedimento crimi-

nal não cessa com a comunicação

do ofendido de que pretende desis-

tir da queixa-crime. No entanto,

caso a/o ofendida/o declare

perante as autoridades policiais

ou judiciais que não pretende o

procedimento criminal, apesar de

não ser admissível a desistência

da queixa, é possível, desde que

estejam preenchidos os pressupos-

tos legais, que o Ministério Públi-

co proponha uma suspensão pro-

visória do processo, mediante a

imposição ao arguido de injun-

ções ou regras de conduta.

Frequentemente, nos casos de vio-

lência doméstica, existem vítimas

que depois de apresentada a

denúncia informam as autorida-

des de que pretendem “desistir” da

queixa, ou seja, que não desejam

prosseguir com o procedimento

criminal. Nestes casos o Ministé-

rio Público pode verificar a exis-

tência dos pressupostos para apli-

cação da suspensão provisória do

processo, indo ao encontro da

vontade da/o ofendida/o, ao mes-

mo tempo que aplica injunções e

regras de conduta ao/à arguido/a

de forma a prevenir a ocorrência

de novos casos. Por desconheci-

mento ou falta de informação,

muitas vítimas que viram o proce-

dimento criminal suspenso, refe-

rem-se a esta medida como

“desistência de queixa”.

Porém, é possível que haja situa-

ções de violência doméstica quali-

ficadas como crime de ofensas à

integridade física e não como cri-

me de violência doméstica e, nes-

tes casos, dado que se trata de um

crime semi-público, já será admis-

sível a desistência da queixa.

Aconselha-se, portanto, uma

melhor averiguação sobre as

eventuais “desistências”, bem

como uma atitude pedagógica

informando de forma simples,

mas precisa, sobre as etapas do

procedimento criminal. Neste sen-

tido, pode ser consultado o site

www.infovitimas.pt.

APAV — Coimbra

violência doméstica

07

Page 8: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

08

Na cobertura do homicídio de

Manuela Santos pelo seu ex-

-companheiro, tanto os dis-

cursos mediáticos do Diário

de Notícias, como do Correio

da Manhã acabaram por pro-

curar justificações para o cri-

me, através de suposições não

provadas.

No caso do Correio da Manhã, o

artigo de 13 de Janeiro, intitulado

“Executa mulher por ciúmes e dívi-

das” (em baixo), o próprio título

reforça a tentativa de justificação

do homicídio. Além disso, logo no

primeiro parágrafo pode ler-se que

“José Henriques, taxista, 50 anos,

não aguentou mais os ciúmes nem

o facto de a ’ex’ não lhe pagar o que

devia e ainda gozar com ele”. O dis-

curso, legitimado por surgir no

espaço mediático, assume como

‘facto’ as alegações do agressor,

sem as questionar, nem descons-

truir. Neste retrato mediático, veri-

fica-se, portanto, um certo grau de

culpabilização da vítima. A expres-

são “não aguentou” também carac-

teriza a situação como um acto

impensado, a que o homicida não

conseguiu resistir. Contudo, o pró-

prio texto acaba por denotar que o

agressor passou a noite à porta da

casa da vítima, o que reflecte pre-

meditação. Desta forma, o discurso

jornalístico acaba por construir um

reforço de assimetrias de género e

tentativa de justificação de crimes

de natureza passional.

No artigo do DN, “Mulher morta a

tiro no interior do seu café pelo

antigo companheiro”. de 13 de

Janeiro, verificam-se idênticas ten-

dências de justificação do crime,

embora não de forma tão explícita

como no Correio da Manhã (até

porque o discurso deixa claro que

se tratam de alegações do agressor

e não afirmações legitimadas pelo

próprio jornalista).

violência doméstica

Page 9: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

“‘Ecossistema com falhas’

explica violência doméstica”

é o título deste artigo da edi-

ção de 09 de Janeiro do Diá-

rio de Coimbra. Num traba-

lho jornalístico dedicado

exactamente à cobertura de

um debate sobre violência

doméstica na perspectiva da

Psicologia, o discurso mediá-

tico falhou na desconstrução

da mensagem veiculada no

evento.

Ao longo do artigo, as citações

usadas são várias e extensas, mas

acabam por não ser contextualiza-

das. O discurso jornalístico limita-

-se, assim, a repercutir citações,

sem trabalhar na descodificação

da mensagem para o público gene-

ralista. Como resultado, a forma

como o discurso está apresentado

acaba por contribuir para uma

percepção errónea da violência

doméstica por parte do público.

Isto mesmo tendo em conta que

há vários aspectos muito relevan-

tes (e de visibilidade positiva)

mencionados ao longo do artigo

(por exemplo, a questão das assi-

metrias de poder entre géneros no

“ecossistema” social). No entanto,

esse efeito positivo acaba por ficar

perdido pela falta de desconstru-

ção jornalística dos conteúdos do

debate.

Caso existisse oportunidade de um

maior trabalho de desconstrução

dos conteúdos do debate, o texto

poderia resultar num discurso

mais claro e, por isso, com um

papel mais relevante na formação

de uma opinião pública informa-

da, no que diz respeito à violência

doméstica e às assimetrias sociais

entre géneros.

09

violência doméstica

Também no Diário de Coimbra

surge o artigo “Homem acusado

de violar menor de 14 anos que

engravidou”, a 10 de Janeiro.

Numa notícia dedicada ao julga-

mento de um padrasto acusado de

violar a afilhada menor, o discurso

acaba por dar bastante ênfase aos

pormenores do aborto que a

jovem fez (resultado da violação).

Esta questão surge logo na primei-

ra coluna de texto, com uma refe-

rência minuciosa aos dias de ges-

tação, local do procedimento de

interrupção voluntária da gravidez

e de quem foi a decisão (da menor

e da mãe). Sendo um tema social

delicado, os pormenores poderão

deixar vulnerável a menor

(mesmo estando a sua identidade

protegida).

O mesmo se aplica às descrições —

também pormenorizadas — dos

abusos do agressor. Acabam por

não ter relevância para a informa-

ção pública do caso (são pormeno-

res do julgamento) e menorizam a

protecção da menor. Tendo em

conta o papel dos media e a sua

visibilidade pública, torna-se rele-

vante que esta sensibilidade de

protecção das vítimas exista por

parte dos profissionais e dos pró-

prios órgãos de comunicação

social.

Page 10: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

10

O artigo “Salta por janela a

fugir à mulher”, da edição de

05 de Janeiro do Correio da

Manhã, foi seleccionado pela

representação mediática

específica de um caso de vio-

lência doméstica em que a

agressora é uma mulher. A

construção do discurso e a

linguagem usada enfatizam

um carácter bizarro e até

cómico da situação, acabando

por reforçar assimetrias de

género (o caso é retratado

como ‘cómico’ porque sai do

‘comum’ no que concerne aos

papéis de género na violência

doméstica).

De realçar, ainda, a patologização

da mulher agressora. Enquanto a

maioria dos artigos monitorizados

relativos a violência doméstica ten-

tam encontrar uma justificação

para os crimes quando perpetra-

dos por homens (nomeadamente

os ciúmes), neste caso não são

apresentados motivos para o com-

portamento da mulher. Há, no

entanto, uma ênfase na tal dimen-

são de patologia (“mulher em

fúria”, “foram precisas cerca de

quatro horas para acalmar a agres-

sora — que acabou detida e trans-

portada pelos Bombeiros de Espo-

sende para a unidade de psiquia-

tria do Hospital de Braga”). O dis-

curso reforça, desta forma, este-

reótipos que associam o comporta-

mento agressivo das mulheres à

loucura/histeria — numa patologi-

zação genderizada comum ao lon-

go da história.

violência doméstica

em poucas palavras

A expressão “mulheres de conforto” resulta de

um branqueamento oficial, através da lingua-

gem, da escravatura sexual a que as mulheres

retratadas no artigo foram sujeitas durante a

segunda Guerra Mundial. Ao reproduzir este

mesmo uso de linguagem, sem contexto ime-

diato (nem no título, nem na entrada), o dis-

curso jornalístico serve como continuador deste

branqueamento. Além disso, o tema da escrava-

tura sexual associada ao esforço de guerra surge

aqui como tema ‘exótico’, sem a desconstrução

de que se trata de uma realidade global.

Dando espaço a um tema surgido nas redes

sociais, o Diário de Notícias acabou por legitimar

— através do discurso mediático — a tentativa de

fiscalização da aparência feminina. O artigo repor-

ta-se à escolha de vestuário (considerado inapro-

priado) de uma assessora do Palácio de Belém

durante a condecoração do futebolista Cristiano

Ronaldo. O tema em si, e o recurso a fontes espe-

cialistas em protocolo, parece uma forma de legiti-

mar um ‘mexerico’ das redes sociais. Além disso, o

tema denota assimetrias de género no escrutínio

de indumentárias de homens e mulheres.

Público, 28/01/2014 Diário de Notícias, 22/01/2014

Page 11: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

11

entrevista: Reynald Blion

MEDIANE, assim se chama o pro-

jecto conjunto entre o Conselho da

Europa e a União Europeia para

promover a diversidade e a não-

discriminação nos media europeus,

através da troca de boas práticas

entre profissionais. A poucas sema-

nas do encontro de Lisboa, agenda-

do para os dias 26, 27 e 28 de Mar-

ço e que pretende reunir contribu-

tos do sector dos media, o coorde-

nador do projecto, Reynald BLion,

defende que as soluções devem ser

encontradas entre os próprios pro-

fissionais.

Como surgiu a necessidade de

criar um projecto centrado

exclusivamente nos media?

Já desenvolvemos três projectos

relacionados com os media no

âmbito do trabalho do Conselho da

Europa desde os anos 90, altura

em que fizemos recomendações aos

vários governos para que promo-

vessem a não-discriminação. A rea-

lidade que observámos nos anos

90, em virtude dos resultados de

investigadores, foi que os grupos

minoritários não estavam incluídos

nos conteúdos mediáticos. As notí-

cias eram feitas e dirigidas a

homens brancos, com mais de 45

anos. E essa acaba por ser uma ten-

dência que continua. A partir da

observação de que muitos grupos

não estavam incluídos na produção

de notícias, o Conselho da Europa

apresentou recomendações para

que os governos desenvolvessem

medidas. Depois disso surgiu a

necessidade de acções directas com

o sector mediático.

Quais os resultados esperados

deste projecto MEDIANE?

Como Conselho da Europa, somos

um mediador para que os media

possam ter ideias sobre a melhor

forma de implementar mais inclu-

são e diversidade [nos conteúdos

mediáticos]. Queremos que sejam

encontradas soluções comuns,

baseadas na troca de experiências e

boas práticas. Consideramos que é

melhor aproximar os media para

que eles encontrem as suas pró-

prias soluções. Não somos uma

organização de media, estamos

aqui para facilitar e não para dizer

‘façam isto’, ‘façam aquilo’…

Qual tem sido a adesão do sec-

tor dos media até agora?

Entre 1995 e 2005, quando apre-

sentámos recomendações e resolu-

ções, tivemos um primeiro enqua-

dramento valioso para contactar

organizações que representam os

órgãos de comunicação social.

Além disso, o Conselho da Europa

é valorizado pelas organizações de

media devido ao trabalho realiza-

do em prol da liberdade de impren-

sa. No primeiro projecto ligado

directamente ao sector, convidá-

mos várias organizações europeias

para contribuírem para enriquecer

as propostas do Conselho. Foi um

primeiro momento para mostrar

que queríamos participar como

mediadores, numa abordagem

inclusiva para encontrar soluções

comuns. Hoje estamos ligados

directamente a cerca de 560 pla-

yers do sector mediático.

Tem sido um processo difícil?

Ao início foi realmente difícil tra-

balhar directamente com os media,

porque não estávamos habituados.

Hoje em dia, e através das organi-

zações de representação dos media,

mais de 6000 profissionais estão

envolvidos neste trabalho ou rece-

bem informação para a partilha de

ideias. E outros projectos indepen-

dentes já foram lançados pelos pró-

prios media, graças a estas parti-

lhas de boas práticas.

Page 12: MEDIA + Igual - Boletim N.º 5 Janeiro 2014

04

na internet Siga-nos no Facebook, em:

www.facebook.com/mediamaisigual Conheça outras iniciativas IEBA:

www.ieba.org.pt/

créditos

Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Janeiro 2014 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA—Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | [email protected]

12

fomos notícia

O projecto MEDIA+Igual

ganhou ampla cobertura

mediática, a nível regional,

mas também nacional, duran-

te o mês de Janeiro.

A iniciativa de monitorização de

imprensa foi notícia da Agência

Lusa, com base numa entrevista

feita à coordenadora do projecto,

Carla Duarte, do IEBA. A partir

daí, foram várias as referências on-

-line ao projecto. A cobertura noti-

ciosa surgiu, por exemplo, no sítio

web do diário As Beiras, do Notí-

cias de Coimbra (regionais), do

jornal Expresso, da revista Visão,

do Diário Digital, do Diário de

Notícias da Madeira e do Notícias

ao Minuto (nacionais). No geral, o

destaque foi dado à “maioria” de

artigos problemáticos sinalizados e

à invisibilidade de certos grupos

minoritários nos media.

agenda

Reunião MEDIA + Igual

13 de Março

Casa de Chá, Jardim da Sereia

Coimbra

14h00

saber +

Debater a sexualidade, quebrar preconceitos

Reflectir sobre vários aspectos relacionados com a sexualidade humana, a partir da

experiência em meio clínico. Este é o propósito do debate “Sexo e Saúde: Orgulho e

Preconceito”, uma iniciativa da Associação ‘não te prives’ — grupo de defesa dos

direitos sexuais e membro integrante do projecto MEDIA+Igual —, agendada para

02 de Maio, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O objectivo

passa por perceber as resistências, os preconceitos e o que se pode e deve trabalhar

de forma a agilizar e garantir um atendimento inclusivo e justo. Ente os oradores/as,

estarão a jornalista São José Almeida, o psiquiatra Hugo Bastos, a médica de família

Teresa Tomé e a técnica de serviço social Marta Correia.

Para mais informações sobre o evento e a ‘não te prives’ , consulte: naoteprives.org