media + igual - boletim n.º 5 janeiro 2014
DESCRIPTION
Os boletins mensais do projecto MEDIA + Igual apresentam uma selecção de notícias dos media portugueses monitorizados pelo projecto e as respectivas as análises, consensualizadas no âmbito de reuniões periódicas entre os parceiros da ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. O projecto MEDIA + Igual é promovido pelo IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais e apoiado pela UE-FSE / Governo de Portugal / QREN / POPH-GIG.TRANSCRIPT
Boletim Informativo
Integra uma selecção de notícias
publicadas de 1 a 31 de Janeiro
de 2014, a partir da monitoriza-
ção de nove títulos de imprensa
escrita portuguesa:
- dois de âmbito regional:
As Beiras
Diário de Coimbra
- sete de âmbito nacional:
Correio da Manhã
Diário de Notícias
Público
Caras
Maria
Happy Woman
Men’s Health
Nesta edição:
1. Editorial
2/3. Visibilidades positivas
4/5. Desigualdades e estereótipos
6/7./8/9/10. Violência doméstica
11. Em poucas palavras
12. A fechar/ Agenda/ Saber +
Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media
Janeiro de 2014 05
MEDIA+igual
Com a viragem do ano e a publicação do boletim dedicado à monitoriza-
ção de Janeiro, chegámos sensivelmente a meio do projecto
MEDIA+Igual. Este tem sido um caminho que nos enche de orgulho, já
com a sinalização de 456 artigos na imprensa relacionados com questões
de (des)igualdades de género nos meios de comunicação social. A que se
junta também a consequente desconstrução de exemplos negativos e a
visibilidade dada aos exemplos positivos que — felizmente — também
vamos encontrando nas páginas dos jornais e revistas monitorizadas.
Na análise deste mês, a violência doméstica surge como tema predomi-
nante, através de um retrato mediático em que as mulheres surgem como
vítimas e os actos dos agressores muitas vezes menorizados por variadas
justificações. Não esquecer, a este respeito, que, em Janeiro, três mulhe-
res morreram, num período de apenas dois dias, às mãos dos seus
actuais/ex companheiros.
02
As questões ligadas às (des)
igualdades de género na Admi-
nistração Pública — e à pró-
pria linguagem inclusiva —
ganharam uma visibilidade
mediática acrescida com a
cobertura noticiosa do jornal
Público. Em dois momentos
distintos, a 04 e 22 de Janeiro,
o diário dedicou artigos alar-
gados (de uma e duas páginas,
respectivamente) ao Pla-
no Nacional para a Igualdade
de Género, Cidadania e Não-
discriminação 2014-2017 .
No primeiro artigo, “Governo vai
avaliar se a ‘linguagem inclusiva’ já
chegou à Administração”, é positivo
o destaque dado ao próprio docu-
mento legislativo, mas também a
diversidade de fontes e de áreas de
análise. O alerta para o diminuto
número de empresas públicas a
implementar planos de igualdade
(relembrando a legislação anterior
à publicação do novo Plano Nacio-
nal) serve também como pressão
pública para que esta realidade seja
invertida.
É também de notar, neste primeiro
artigo, a relevância dada à área da
educação (com o debate sobre a
necessidade de existir uma discipli-
na específica que aborde a igualda-
de de género).
No segundo artigo do Público, “O
género feminino aparece entre
parênteses no Plano para a Igualda-
de”, o ênfase é colocado na lingua-
gem inclusiva. Explorando as con-
tradições entre o que o Plano para a
Igualdade preconiza e a forma
como este foi publicado oficialmen-
te (em Diário da República), a notí-
cia explica a importância da refe-
rência a ambos os géneros das pala-
vras de forma igualitária, assim
como a relevância do uso de uma
linguagem inclusiva. Isto mesmo
tendo em conta que, no primeiro
artigo sobre o Plano Nacional, da
autoria da mesma jornalista, era
referido que a linguagem inclusiva
poderia ser feita com parênteses ou
barras diagonais — quando este
segundo artigo acaba por estar cen-
trado no uso errado dos parênteses.
Esta apresentação de informação
contraditória, em textos distintos,
pode contribuir para uma percep-
ção errada do tema da linguagem
inclusiva.
visibilidades positivas
Também no jornal Público
surge este artigo (de 08 de
Janeiro), dedicado ao Festi-
val de Cinema de Cannes e à
escolha de Jane Campion
para presidir o júri do certa-
me. Com o título “Jane Cam-
pion, a única mulher com
uma Palma de Ouro, preside
ao júri de Cannes em Maio”,
há uma óbvia referência a
assimetrias de género. E se,
em boletins anteriores, este
tipo de títulos foi criticado
por o género da pessoa não
ser relevante para a notícia,
aqui passa-se o contrário: as
assimetrias de género no Fes-
tival de Cannes são uma parte
fundamental do artigo.
Neste caso, o título é justificado e
salientado pela positiva, assim
como o restante artigo. Ao longo
do discurso jornalístico, é dada
visibilidade à falta de mulheres
galardoadas com a Palma de Ouro,
através de argumentos de realiza-
doras e do colectivo feminista
francês La Barbe, que fez publicar
uma carta aberta sobre este tema
(da qual o Público cita o seguinte
trecho: “os homens adoram que as
mulheres tenham profundidade,
mas só no que toca ao seu deco-
te”). A própria Jane Campion é
citada na sua denúncia do sistema
de estúdios “como uma espécie de
sistema de velhos rapazes”.
Esta visibilidade às assimetrias de
géneros na cultura cinematográfi-
ca acaba por contribuir para a des-
construção desta realidade, atra-
vés do alerta à opinião pública. O
artigo é enriquecido com argu-
mentos factuais (“mas [Jane Cam-
pion] continua a ser, em 67 anos
de história do festival, a única
mulher que ganhou a Palma”) e
recurso a uma diversidade de fon-
tes relevantes.
Também a escolha da fotografia
ilustrativa é bastante interessante.
Em primeiro plano, surge a reali-
zadora neozelandesa, isolada.
Atrás, inúmeros fotógrafos (na sua
grande maioria do sexo masculi-
no) fotografam a presidente do
júri. Ou seja, também a imagem
exibe uma componente visual
muito forte de assimetrias de
género, o que contribui para a lei-
tura discursiva deste tema.
03
visibilidades positivas
“Não há supermulheres”. É
desta forma que o Diário de
Noticias intitula um tema
dedicado à conciliação de car-
gos de chefia com actividades
da esfera familiar, através da
apresentação do caso especí-
fico de três mulheres.
Por um lado, considera-se positiva
a valorização das carreiras femini-
nas e a visibilidade dada às mulhe-
res em cargos de chefia. No entan-
to, o modelo de discurso apresen-
tado recai na distinção de casos
isolados, que funcionam como
excepção — e, portanto, poderão
reforçar estereótipos de que esta
realidade dos cargos de chefia não
se aplica a todas as mulheres.
Ainda numa perspectiva de este-
reótipos, verifica-se que, mais uma
vez, o retrato mediático de mulhe-
res em cargos de chefia não é dis-
sociado da esfera familiar. E, por-
tanto, reforça-se o papel, dito
‘natural’, da mulher como esposa,
mãe e cuidadora do lar. Tendo em
conta que, tradicionalmente, a
esfera familiar é frequentemente
associada ao feminino, este tipo de
representações mediáticas tendem
a legitimar papéis assimétricos de
género. Ainda a este respeito, a
apresentação de cada uma das
mulheres é sempre feita com o seu
nome, idade e número de filhos/
netos (assumindo-se que estes
sejam os seus aspectos identitários
básicos). Essa normalização e
naturalização do papel da mulher
na família é também reforçada
através de alguns dos testemunhos
apresentados (por exemplo, “sou
mulher e tenho de continuar a
fazer coisas enquanto tal, tenho
marido e não posso descurar isso,
sou mãe e não posso descurar dos
meus filhos”).
De forma a que o artigo fosse mais
diverso, seria benéfica a inclusão
de exemplos mais heterogéneos,
tanto a nível dos cargos desempe-
nhados, como da classe social das
entrevistadas. Ao nível das funções
nas empresas, por exemplo, as três
mulheres apresentadas desempe-
nham cargos ligados à gestão de
recursos humanos, tradicional-
mente vistos como mais ligados ao
género feminino (e, neste contex-
to, acabando por reforçar novas
assimetrias de géneros em áreas
profissionais).
De referir ainda que a caixa
“Portugal é o país com mais milio-
nárias” não está associada ao tema
principal do artigo, podendo gerar
leituras erróneas.
04
desigualdades e estereótipos
Na cobertura mediática à publica-
ção “Análise do género nos servi-
ços do MJ [Ministério da Justiça]”,
este artigo do Diário de Notícias,
de 6 de Janeiro, dá conta dos prin-
cipais resultados da realidade de
homens e mulheres funcionários/
as da Justiça.
No geral, este é um artigo positivo,
que faz uma análise de género em
contexto laboral, incluindo perfis
exemplificativos de mulheres diri-
gentes que são exclusivamente
profissionais (não se adiantando
pormenores da esfera pessoal/
familiar de cada uma destas
mulheres).
No entanto, a forma como a lin-
guagem é usada neste discurso jor-
nalístico acaba por transmitir algu-
mas mensagens ambíguas, como o
que acontece no próprio título,
“Mulheres já estão a ganhar mais
mas chefiam menos”. Este título
acaba por generalizar os dados do
Ministério da Justiça a uma reali-
dade mais ampla, contribuindo
para uma mensagem (errada) de
que as mulheres, no geral, ganham
mais do que os homens (quando o
que se verifica é o contrário). O
título poderia, por isso, ser mais
explícito, coadunando-se melhor
ao subtítulo e ao próprio texto.
Também a caixa que acompanha o
texto está desajustada do tema
principal. Apesar de se referir a um
estudo sobre “As Mulheres na
Magistratura em Portugal”, não
existe nenhuma componente de
género associada ao texto. Muito
pelo contrário, o título escolhido
“Portugueses têm imagem negati-
va dos tribunais” pode parecer, à
primeira vista, uma reacção aos
dados apresentados no texto prin-
cipal (de que as mulheres ganham
mais, em média, no Ministério da
Justiça, mas não ocupam tantos
cargos dirigentes) — quando, na
verdade, se tratam de dados inde-
pendentes do relatório tratado no
artigo principal.
O primeiro parágrafo denota ainda
usos de linguagem que poderão
reforçar estereótipos: “Ainda são
os homens quem ocupa mais car-
gos dirigentes da Justiça, mas as
mulheres já são a maioria e têm,
até, os ordenados mais altos”. O
uso das palavras “ainda” e ´”até”
vem legitimar um statuos quo de
que as chefias são maioritariamen-
te homens .
Seria interessante que no artigo,
constasse a distinção, no que diz
respeito ao género, entre cargos de
nomeação e vagas a concurso. Por
fim, é importante sublinhar que as
regras de contratação da função
p ú b l i c a o b r i g a m à n ã o -
-discriminação entre géneros. Daí
que a realidade no sector público
não possa ser generalizada ao sec-
tor privado.
03
05
desigualdades e estereótipos
Em apenas dois dias de Janei-
ro, três mulheres foram
assassinadas pelos compa-
nheiros (actuais ou anterio-
res). Daí que, em termos
mediáticos, estes diferentes
casos tenham surgido fre-
quentemente juntos na
imprensa diária monitoriza-
da. A realidade é trágica e a
junção dos múltiplos casos
na mesma cobertura mediáti-
ca permite dar visibilidade à
dimensão da violência domés-
tica em Portugal.
O artigo do Diário de Notícias de
14 de Janeiro, “Tiro fatal no rosto
põe fim a ‘relação de amor-ódio”,
retrata a morte de Ana Raquel.
Logo no início do texto, há a refe-
rência aos outros dois femicídios, o
que descontrói a perspectiva des-
tes crimes como caso isolado.
No entanto, o título acaba por
repercutir estereótipos associados
à violência doméstica, nomeada-
mente com a justificação do agres-
sor pela referência ao “amor”. A
expressão “relação de amor-ódio”
denota uma simetria entre o casal,
contrária às assimetrias verificadas
na violência doméstica. Já a caixa
final, “Vítimas não vêem sinais de
violência e desculpam” é bastante
positiva, por dar visibilidade a
sinais de violência no namoro. O
artigo cita fontes da APAV
(Associação Portuguesa de Apoio à
Vítima) e da UMAR (União Mulhe-
res Alternativa e Resposta).
Também o Correio da Manhã deu
destaque ao homicídio de Ana
Raquel, no artigo “Executa mulher
a tiro em frente às filhas”, de 14 de
Janeiro (na página ao lado).
Trata-se de uma descrição muito
mais sensacionalista do que a do
Diário de Notícias, com vários por-
menores do homicídio. A própria
expressão “saco de pancada” acaba
por recair neste sensacionalismo
discursivo (transformando a vio-
lência em entretenimento), apesar
de retratar a continuidade de
agressões sofrida pela vítima.
O jornal faz igualmente uma refe-
rência aos outros casos de homicí-
dio de mulheres pelos respectivos
parceiros, em Janeiro. Notam-se,
no entanto, várias tentativas de
encontrar uma justificação dos
agressores, na apresentação destes
outros casos.
Ainda no Correio da Manhã, verifi-
ca-se que a informação sobre
“queixas retiradas” acaba por pas-
sar uma mensagem errónea, tendo
em conta os actuais procedimentos
legais. Nesse sentido, eis o esclare-
cimento da APAV, para o
Média+Igual, sobre o tema:
violência doméstica
06
O crime de violência doméstica,
previsto no art. 152º do Código
Penal, é um crime público, isto é,
qualquer pessoa o pode denunciar
às autoridades, sendo esta denún-
cia o suficiente para que o Minis-
tério Público instaure o procedi-
mento criminal. Não é necessário
que seja a própria vítima a apre-
sentar queixa-crime, podendo o
Ministério Público tomar conheci-
mento da ocorrência por conheci-
mento directo; porque outra auto-
ridade judiciária ou um órgão de
polícia criminal o presenciou,
lavrando auto de notícia; porque
alguém soube da ocorrência do
crime e o denunciou ao Ministério
Público.
Por ser um crime público não é
admissível a desistência de quei-
xa, ou seja, o procedimento crimi-
nal não cessa com a comunicação
do ofendido de que pretende desis-
tir da queixa-crime. No entanto,
caso a/o ofendida/o declare
perante as autoridades policiais
ou judiciais que não pretende o
procedimento criminal, apesar de
não ser admissível a desistência
da queixa, é possível, desde que
estejam preenchidos os pressupos-
tos legais, que o Ministério Públi-
co proponha uma suspensão pro-
visória do processo, mediante a
imposição ao arguido de injun-
ções ou regras de conduta.
Frequentemente, nos casos de vio-
lência doméstica, existem vítimas
que depois de apresentada a
denúncia informam as autorida-
des de que pretendem “desistir” da
queixa, ou seja, que não desejam
prosseguir com o procedimento
criminal. Nestes casos o Ministé-
rio Público pode verificar a exis-
tência dos pressupostos para apli-
cação da suspensão provisória do
processo, indo ao encontro da
vontade da/o ofendida/o, ao mes-
mo tempo que aplica injunções e
regras de conduta ao/à arguido/a
de forma a prevenir a ocorrência
de novos casos. Por desconheci-
mento ou falta de informação,
muitas vítimas que viram o proce-
dimento criminal suspenso, refe-
rem-se a esta medida como
“desistência de queixa”.
Porém, é possível que haja situa-
ções de violência doméstica quali-
ficadas como crime de ofensas à
integridade física e não como cri-
me de violência doméstica e, nes-
tes casos, dado que se trata de um
crime semi-público, já será admis-
sível a desistência da queixa.
Aconselha-se, portanto, uma
melhor averiguação sobre as
eventuais “desistências”, bem
como uma atitude pedagógica
informando de forma simples,
mas precisa, sobre as etapas do
procedimento criminal. Neste sen-
tido, pode ser consultado o site
www.infovitimas.pt.
APAV — Coimbra
violência doméstica
07
08
Na cobertura do homicídio de
Manuela Santos pelo seu ex-
-companheiro, tanto os dis-
cursos mediáticos do Diário
de Notícias, como do Correio
da Manhã acabaram por pro-
curar justificações para o cri-
me, através de suposições não
provadas.
No caso do Correio da Manhã, o
artigo de 13 de Janeiro, intitulado
“Executa mulher por ciúmes e dívi-
das” (em baixo), o próprio título
reforça a tentativa de justificação
do homicídio. Além disso, logo no
primeiro parágrafo pode ler-se que
“José Henriques, taxista, 50 anos,
não aguentou mais os ciúmes nem
o facto de a ’ex’ não lhe pagar o que
devia e ainda gozar com ele”. O dis-
curso, legitimado por surgir no
espaço mediático, assume como
‘facto’ as alegações do agressor,
sem as questionar, nem descons-
truir. Neste retrato mediático, veri-
fica-se, portanto, um certo grau de
culpabilização da vítima. A expres-
são “não aguentou” também carac-
teriza a situação como um acto
impensado, a que o homicida não
conseguiu resistir. Contudo, o pró-
prio texto acaba por denotar que o
agressor passou a noite à porta da
casa da vítima, o que reflecte pre-
meditação. Desta forma, o discurso
jornalístico acaba por construir um
reforço de assimetrias de género e
tentativa de justificação de crimes
de natureza passional.
No artigo do DN, “Mulher morta a
tiro no interior do seu café pelo
antigo companheiro”. de 13 de
Janeiro, verificam-se idênticas ten-
dências de justificação do crime,
embora não de forma tão explícita
como no Correio da Manhã (até
porque o discurso deixa claro que
se tratam de alegações do agressor
e não afirmações legitimadas pelo
próprio jornalista).
violência doméstica
“‘Ecossistema com falhas’
explica violência doméstica”
é o título deste artigo da edi-
ção de 09 de Janeiro do Diá-
rio de Coimbra. Num traba-
lho jornalístico dedicado
exactamente à cobertura de
um debate sobre violência
doméstica na perspectiva da
Psicologia, o discurso mediá-
tico falhou na desconstrução
da mensagem veiculada no
evento.
Ao longo do artigo, as citações
usadas são várias e extensas, mas
acabam por não ser contextualiza-
das. O discurso jornalístico limita-
-se, assim, a repercutir citações,
sem trabalhar na descodificação
da mensagem para o público gene-
ralista. Como resultado, a forma
como o discurso está apresentado
acaba por contribuir para uma
percepção errónea da violência
doméstica por parte do público.
Isto mesmo tendo em conta que
há vários aspectos muito relevan-
tes (e de visibilidade positiva)
mencionados ao longo do artigo
(por exemplo, a questão das assi-
metrias de poder entre géneros no
“ecossistema” social). No entanto,
esse efeito positivo acaba por ficar
perdido pela falta de desconstru-
ção jornalística dos conteúdos do
debate.
Caso existisse oportunidade de um
maior trabalho de desconstrução
dos conteúdos do debate, o texto
poderia resultar num discurso
mais claro e, por isso, com um
papel mais relevante na formação
de uma opinião pública informa-
da, no que diz respeito à violência
doméstica e às assimetrias sociais
entre géneros.
09
violência doméstica
Também no Diário de Coimbra
surge o artigo “Homem acusado
de violar menor de 14 anos que
engravidou”, a 10 de Janeiro.
Numa notícia dedicada ao julga-
mento de um padrasto acusado de
violar a afilhada menor, o discurso
acaba por dar bastante ênfase aos
pormenores do aborto que a
jovem fez (resultado da violação).
Esta questão surge logo na primei-
ra coluna de texto, com uma refe-
rência minuciosa aos dias de ges-
tação, local do procedimento de
interrupção voluntária da gravidez
e de quem foi a decisão (da menor
e da mãe). Sendo um tema social
delicado, os pormenores poderão
deixar vulnerável a menor
(mesmo estando a sua identidade
protegida).
O mesmo se aplica às descrições —
também pormenorizadas — dos
abusos do agressor. Acabam por
não ter relevância para a informa-
ção pública do caso (são pormeno-
res do julgamento) e menorizam a
protecção da menor. Tendo em
conta o papel dos media e a sua
visibilidade pública, torna-se rele-
vante que esta sensibilidade de
protecção das vítimas exista por
parte dos profissionais e dos pró-
prios órgãos de comunicação
social.
10
O artigo “Salta por janela a
fugir à mulher”, da edição de
05 de Janeiro do Correio da
Manhã, foi seleccionado pela
representação mediática
específica de um caso de vio-
lência doméstica em que a
agressora é uma mulher. A
construção do discurso e a
linguagem usada enfatizam
um carácter bizarro e até
cómico da situação, acabando
por reforçar assimetrias de
género (o caso é retratado
como ‘cómico’ porque sai do
‘comum’ no que concerne aos
papéis de género na violência
doméstica).
De realçar, ainda, a patologização
da mulher agressora. Enquanto a
maioria dos artigos monitorizados
relativos a violência doméstica ten-
tam encontrar uma justificação
para os crimes quando perpetra-
dos por homens (nomeadamente
os ciúmes), neste caso não são
apresentados motivos para o com-
portamento da mulher. Há, no
entanto, uma ênfase na tal dimen-
são de patologia (“mulher em
fúria”, “foram precisas cerca de
quatro horas para acalmar a agres-
sora — que acabou detida e trans-
portada pelos Bombeiros de Espo-
sende para a unidade de psiquia-
tria do Hospital de Braga”). O dis-
curso reforça, desta forma, este-
reótipos que associam o comporta-
mento agressivo das mulheres à
loucura/histeria — numa patologi-
zação genderizada comum ao lon-
go da história.
violência doméstica
em poucas palavras
A expressão “mulheres de conforto” resulta de
um branqueamento oficial, através da lingua-
gem, da escravatura sexual a que as mulheres
retratadas no artigo foram sujeitas durante a
segunda Guerra Mundial. Ao reproduzir este
mesmo uso de linguagem, sem contexto ime-
diato (nem no título, nem na entrada), o dis-
curso jornalístico serve como continuador deste
branqueamento. Além disso, o tema da escrava-
tura sexual associada ao esforço de guerra surge
aqui como tema ‘exótico’, sem a desconstrução
de que se trata de uma realidade global.
Dando espaço a um tema surgido nas redes
sociais, o Diário de Notícias acabou por legitimar
— através do discurso mediático — a tentativa de
fiscalização da aparência feminina. O artigo repor-
ta-se à escolha de vestuário (considerado inapro-
priado) de uma assessora do Palácio de Belém
durante a condecoração do futebolista Cristiano
Ronaldo. O tema em si, e o recurso a fontes espe-
cialistas em protocolo, parece uma forma de legiti-
mar um ‘mexerico’ das redes sociais. Além disso, o
tema denota assimetrias de género no escrutínio
de indumentárias de homens e mulheres.
Público, 28/01/2014 Diário de Notícias, 22/01/2014
11
entrevista: Reynald Blion
MEDIANE, assim se chama o pro-
jecto conjunto entre o Conselho da
Europa e a União Europeia para
promover a diversidade e a não-
discriminação nos media europeus,
através da troca de boas práticas
entre profissionais. A poucas sema-
nas do encontro de Lisboa, agenda-
do para os dias 26, 27 e 28 de Mar-
ço e que pretende reunir contribu-
tos do sector dos media, o coorde-
nador do projecto, Reynald BLion,
defende que as soluções devem ser
encontradas entre os próprios pro-
fissionais.
Como surgiu a necessidade de
criar um projecto centrado
exclusivamente nos media?
Já desenvolvemos três projectos
relacionados com os media no
âmbito do trabalho do Conselho da
Europa desde os anos 90, altura
em que fizemos recomendações aos
vários governos para que promo-
vessem a não-discriminação. A rea-
lidade que observámos nos anos
90, em virtude dos resultados de
investigadores, foi que os grupos
minoritários não estavam incluídos
nos conteúdos mediáticos. As notí-
cias eram feitas e dirigidas a
homens brancos, com mais de 45
anos. E essa acaba por ser uma ten-
dência que continua. A partir da
observação de que muitos grupos
não estavam incluídos na produção
de notícias, o Conselho da Europa
apresentou recomendações para
que os governos desenvolvessem
medidas. Depois disso surgiu a
necessidade de acções directas com
o sector mediático.
Quais os resultados esperados
deste projecto MEDIANE?
Como Conselho da Europa, somos
um mediador para que os media
possam ter ideias sobre a melhor
forma de implementar mais inclu-
são e diversidade [nos conteúdos
mediáticos]. Queremos que sejam
encontradas soluções comuns,
baseadas na troca de experiências e
boas práticas. Consideramos que é
melhor aproximar os media para
que eles encontrem as suas pró-
prias soluções. Não somos uma
organização de media, estamos
aqui para facilitar e não para dizer
‘façam isto’, ‘façam aquilo’…
Qual tem sido a adesão do sec-
tor dos media até agora?
Entre 1995 e 2005, quando apre-
sentámos recomendações e resolu-
ções, tivemos um primeiro enqua-
dramento valioso para contactar
organizações que representam os
órgãos de comunicação social.
Além disso, o Conselho da Europa
é valorizado pelas organizações de
media devido ao trabalho realiza-
do em prol da liberdade de impren-
sa. No primeiro projecto ligado
directamente ao sector, convidá-
mos várias organizações europeias
para contribuírem para enriquecer
as propostas do Conselho. Foi um
primeiro momento para mostrar
que queríamos participar como
mediadores, numa abordagem
inclusiva para encontrar soluções
comuns. Hoje estamos ligados
directamente a cerca de 560 pla-
yers do sector mediático.
Tem sido um processo difícil?
Ao início foi realmente difícil tra-
balhar directamente com os media,
porque não estávamos habituados.
Hoje em dia, e através das organi-
zações de representação dos media,
mais de 6000 profissionais estão
envolvidos neste trabalho ou rece-
bem informação para a partilha de
ideias. E outros projectos indepen-
dentes já foram lançados pelos pró-
prios media, graças a estas parti-
lhas de boas práticas.
04
na internet Siga-nos no Facebook, em:
www.facebook.com/mediamaisigual Conheça outras iniciativas IEBA:
www.ieba.org.pt/
créditos
Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Janeiro 2014 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA—Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | [email protected]
12
fomos notícia
O projecto MEDIA+Igual
ganhou ampla cobertura
mediática, a nível regional,
mas também nacional, duran-
te o mês de Janeiro.
A iniciativa de monitorização de
imprensa foi notícia da Agência
Lusa, com base numa entrevista
feita à coordenadora do projecto,
Carla Duarte, do IEBA. A partir
daí, foram várias as referências on-
-line ao projecto. A cobertura noti-
ciosa surgiu, por exemplo, no sítio
web do diário As Beiras, do Notí-
cias de Coimbra (regionais), do
jornal Expresso, da revista Visão,
do Diário Digital, do Diário de
Notícias da Madeira e do Notícias
ao Minuto (nacionais). No geral, o
destaque foi dado à “maioria” de
artigos problemáticos sinalizados e
à invisibilidade de certos grupos
minoritários nos media.
agenda
Reunião MEDIA + Igual
13 de Março
Casa de Chá, Jardim da Sereia
Coimbra
14h00
saber +
Debater a sexualidade, quebrar preconceitos
Reflectir sobre vários aspectos relacionados com a sexualidade humana, a partir da
experiência em meio clínico. Este é o propósito do debate “Sexo e Saúde: Orgulho e
Preconceito”, uma iniciativa da Associação ‘não te prives’ — grupo de defesa dos
direitos sexuais e membro integrante do projecto MEDIA+Igual —, agendada para
02 de Maio, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O objectivo
passa por perceber as resistências, os preconceitos e o que se pode e deve trabalhar
de forma a agilizar e garantir um atendimento inclusivo e justo. Ente os oradores/as,
estarão a jornalista São José Almeida, o psiquiatra Hugo Bastos, a médica de família
Teresa Tomé e a técnica de serviço social Marta Correia.
Para mais informações sobre o evento e a ‘não te prives’ , consulte: naoteprives.org