mecˆanica dos fluidos i - autenticação · outra observa¸c˜ao importante ´e que as linhas...

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Mecˆ anica dos Fluidos I Apontamentos sobre escoamentos potenciais (complementares das semanas 12–14 das aulas de problemas) 1 Introdu¸ ao Existe uma importante classe de escoamentos que s˜ ao incompress´ ıveis e em que a resultante das tens˜ oes desviadoras ´ e pouco relevante (por isso, ` as vezes s˜ ao chamados escoamentos inv´ ıscidos, ou escoamentos de fluido perfeito 1 ). Nestas circunstˆ ancias, as equa¸ oes da Mecˆ anica dos Fluidos simplificam-se, a ponto de ser poss´ ıvel obter solu¸ oes matem´ aticas para este tipo de problemas. Os escoamentos a n´ umeros de Reynolds elevados em torno de corpos fuselados, nomeadamente asas e p´ as de turbom´ aquinas, s˜ ao casos em que as simplifica¸ oes anteriores fazem sentido, porque os efeitos viscosos se confinam a camadas muito estreitas junto ` as paredes, sem interferirem praticamente com o resto do escoa- mento. Assim, ressalvando o interior dessas camadas muito finas, designadas por camadas limites, os campos de velocidade e de press˜ ao n˜ ao s˜ ao afectados pelas tens˜ oes desviadoras. 2 Fun¸ ao potencial e fun¸ ao de corrente A condi¸ ao de incompressibilidade exprime-se na equa¸ ao da continuidade e, para fluidos newtonianos incompress´ ıveis, a resultante das tens˜ oes desviadoras ´ e nula quando o rotacional da velocidade ´ e zero. Assim, temos: condi¸ ao de incompressibilidade: ∇· v =0 (1) mais tens˜ oes desviadoras nulas: ∇× v =0. (2) Dado um campo escalar φ, cont´ ınuo e com derivadas cont´ ınuas, e um campo vec- torial ψ, cont´ ınuo e com derivadas cont´ ınuas, a An´ alise Matem´ atica mostra que ∇× (φ) 0 e ∇· (∇× ψ) 0. Por isso, nas condi¸ oes 1 e 2, o campo de velocidade pode ser expresso em fun¸ ao de φ ou de ψ: ∇· v =0 v = ∇× ψ (3) ∇× v =0 v = φ. (4) 1 No contexto da F´ ısica, os adjectivos perfeito ou ideal costumam designar modelos simplifi- cados da realidade. ´ E esse o sentido de fluido perfeito, g´ as perfeito, oscilador harm´ onico perfeito, ciclo ideal, etc.

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Page 1: Mecˆanica dos Fluidos I - Autenticação · Outra observa¸c˜ao importante ´e que as linhas equipotenciais s˜ao ortogonais as linhas de corrente. Nota: A demonstra¸c˜ao ´e

Mecanica dos Fluidos IApontamentos sobre escoamentos potenciais

(complementares das semanas 12–14 das aulas de problemas)

1 Introducao

Existe uma importante classe de escoamentos que sao incompressıveis e em quea resultante das tensoes desviadoras e pouco relevante (por isso, as vezes saochamados escoamentos invıscidos, ou escoamentos de fluido perfeito1). Nestascircunstancias, as equacoes da Mecanica dos Fluidos simplificam-se, a ponto deser possıvel obter solucoes matematicas para este tipo de problemas.

Os escoamentos a numeros de Reynolds elevados em torno de corpos fuselados,nomeadamente asas e pas de turbomaquinas, sao casos em que as simplificacoesanteriores fazem sentido, porque os efeitos viscosos se confinam a camadas muitoestreitas junto as paredes, sem interferirem praticamente com o resto do escoa-mento. Assim, ressalvando o interior dessas camadas muito finas, designadas porcamadas limites, os campos de velocidade e de pressao nao sao afectados pelastensoes desviadoras.

2 Funcao potencial e funcao de corrente

A condicao de incompressibilidade exprime-se na equacao da continuidade e, parafluidos newtonianos incompressıveis, a resultante das tensoes desviadoras e nulaquando o rotacional da velocidade e zero. Assim, temos:

condicao de incompressibilidade: ∇· v = 0 (1)

mais tensoes desviadoras nulas: ∇× v = 0. (2)

Dado um campo escalar φ, contınuo e com derivadas contınuas, e um campo vec-torial ψψψψ, contınuo e com derivadas contınuas, a Analise Matematica mostra que∇× (∇φ) ≡ 0 e ∇· (∇× ψψψψ) ≡ 0. Por isso, nas condicoes 1 e 2, o campo develocidade pode ser expresso em funcao de φ ou de ψψψψ:

∇· v = 0 ⇒ v = ∇× ψψψψ (3)

∇× v = 0 ⇒ v = ∇φ. (4)

1No contexto da Fısica, os adjectivos perfeito ou ideal costumam designar modelos simplifi-cados da realidade. E esse o sentido de fluido perfeito, gas perfeito, oscilador harmonico perfeito,ciclo ideal, etc.

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O campo escalar φ designa-se por potencial da velocidade e ψψψψ denomina-se funcaode corrente, pela sua ıntima relacao com as linhas de corrente do escoamento.

Um escoamento potencial (em que a velocidade e o gradiente de um potencial,φ) e necessariamente irrotacional, conforme a inferencia 4. Um campo de veloci-dade representado pela funcao de corrente, ψψψψ, indicada em 3 e necessariamenteincompressıvel.

3 O potencial e a funcao de corrente satisfazem a equacao deLaplace

Veremos agora que, se um escoamento potencial for tambem incompressıvel, opotencial obedece a equacao de Laplace. E que, se um escoamento representavelpela funcao de corrente for tambem irrotacional, a funcao de corrente obedece aequacao de Laplace. Efectivamente,

aplicando 4 em 1: ∇· (∇φ) ≡ ∇2φ donde: ∇2φ = 0 (5)

aplicando 3 em 2: ∇× (∇× ψψψψ) ≡ ∇(∇·ψψψψ)−∇2ψψψψ donde (?): ∇2ψψψψ = 0. (6)

(?) A conclusao 6 implica que a funcao de corrente ψψψψ possa ser escolhida de tal forma que∇(∇· ψψψψ) = 0, mas demonstra-se que geralmente esta condicao nao envolve perda de ge-neralidade. Em escoamentos bidimensionais isso e particularmente evidente pois, comoveremos a seguir, a unica componente nao nula de ψψψψ e a componente ψz ortogonal aoplano e ∇· ψψψψ = 0.

O interesse de o potencial e a funcao de corrente satisfazerem a equacao de La-place esta em esta equacao ser linear e se conhecerem as suas solucoes fundamen-tais. Uma equacao diz-se linear quando, dadas duas solucoes dessa equacao, porexemplo φA e φB, que satisfazem determinadas condicoes de fronteira, φA + φB equalquer combinacao linear de φA e φB tambem sao solucao da equacao, sujeitaas mesmas condicoes de fronteira. Esquematicamente:

se ∇2φA = 0 e ∇2φB = 0 e ∇2φC = 0, etc., entao ∇2(φA +φB +φC +...) = 0.

Portanto, e possıvel construir solucoes para problemas muito complicados combase em numerosas solucoes simples, combinadas adequadamente.

Antes de apresentar algumas solucoes fundamentais, com as quais e possıvel cons-truir de forma generica outras solucoes, vamos restringir esta analise a problemasbidimensionais, porque admitem um tratamento analıtico mais simples e tem mui-tas aplicacoes em Mecanica dos Fluidos. A generalizacao dos metodos de solucaoda equacao de Laplace para problemas tridimensionais e relativamente intuitiva,embora geralmente o esforco de calculo para obter a solucao aumente muito. Emprincıpio, os problemas tridimensionais implicam o recurso a computadores.

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4 Problemas bidimensionais

Em problemas bidimensionais, o vector velocidade so tem duas componentes in-dependentes e, se as derivadas na direccao ortogonal ao plano da velocidade fo-rem zero, so a componente do vector funcao de corrente ψψψψ normal a esse planocontribui para a velocidade. Ou seja, o vector funcao de corrente so tem umacomponentes util, ψψψψ = (0, 0, ψz), e, portanto, em termos praticos, a funcao decorrente dos escoamentos bidimensionais e uma especie de escalar. A partir deagora, designaremos a componente nao nula da funcao de corrente dos escoamen-tos bidimensionais como funcao de corrente escalar, ψ.

Isto significa que a representacao do campo de velocidade em funcao do potencialou da funcao de corrente permite uma importante reducao de dimensionalidadedo problema. Em vez de duas componentes da velocidade, a incognita passa a serapenas um escalar, que pode ser o potencial ou a funcao de corrente.

Esquematicamente, em vez

do sistema

{∇· v = 0∇× v = 0

sujeito a determinadas condicoes de fronteira para v ,

basta resolvera equacao ∇2φ = 0 (ou a equacao ∇2ψ = 0), sujeita as condicoes de fronteiraadequadas para φ (ou ψ, se for o caso).

As componentes da velocidade relacionam-se com o potencial e a funcao de cor-rente de acordo com as equacoes 3 e 4. A duas dimensoes, em coordenadas rec-tangulares (x, y), fica:

v =

u =

∂φ

∂x=∂ψ

∂y

v =∂φ

∂y= −∂ψ

∂x

(7)

A duas dimensoes, em coordenadas polares (r, θ), fica:

v =

vr =

∂φ

∂r=

1

r

∂ψ

∂θ

vθ =1

r

∂φ

∂θ= −∂ψ

∂r

(8)

A duas dimensoes, a funcao de corrente tem um significado fısico muito impor-tante: as isolinhas de funcao de corrente sao tangentes ao vector velocidade e,portanto, sao linhas de corrente.

Nota: A demonstracao consiste em verificar que o gradiente da funcao de corrente e ortogonal a

velocidade. Efectivamente, usando as relacoes 7, (∇ψ)·v =∂ψ

∂xu+

∂ψ

∂yv = −v u+u v = 0.

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Outra observacao importante e que as linhas equipotenciais sao ortogonais aslinhas de corrente.

Nota: A demonstracao e analoga. Neste caso, consiste em provar que o angulo α entre o gra-diente do potencial e a velocidade e zero. (∇φ) · v = |∇φ| |v | cos(α). Usando as relacoes7 verifica-se que (∇φ) · v = |v |2 e que |∇φ| = |v |. Conclui-se que α = 0.

Outra observacao significativa e que a diferenca da funcao de corrente em doispontos e igual ao caudal volumico (por unidade de largura) que se escoa entreesses dois pontos.

Nota: A demonstracao e directa para dois pontos infinitesimalmente afastados (dx, dy) entre si.Depois, por integracao, a conclusao pode estender-se a dois pontos situados a qualquerdistancia um do outro.

A variacao infinitesimal da funcao de corrente ao longo do segmento (dx, dy), de com-primento d`, e

dψ =∂ψ

∂xdx+

∂ψ

∂ydy = −v dx+ u dy.

Mas a normal unitaria ao segmento (dx, dy), para a direita deste segmento orientado,tem componentes (nx =dy/d`, ny =−dx/d`), donde:

dψ =[−v (−ny) + unx

]d` = (v · n) d`,

que e, por definicao, o caudal escoado naquele segmento de recta. A expressao anteriorpermite concluir que, se a funcao de corrente cresce (dψ > 0), o caudal se escoa nadireccao da normal n , ou seja, para a direita do segmento orientado (dx, dy).

A relacao da funcao potencial e da funcao de corrente com a velocidade (cf. 3–4e 7–8) mostra que elas tem dimensoes fısicas de velocidade vezes comprimentoou, equivalentemente, caudal por unidade de comprimento .

4.1 Utilizacao de numeros complexos para estudar problemas bidi-mensionais

Os numeros complexos podem ser usados como forma compacta de representarvectores bidimensionais. Por exemplo, sendo z = x + i y um numero complexo,presta-se a representar o vector posicao (x, y).

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No presente contexto, e util definir o potencial vector, w, como um numero com-plexo cuja parte real e o potencial escalar φ e cuja parte imaginaria e construıdacom a funcao de corrente ψ:

w = φ+ i ψ. (9)

Demonstra-se que a derivada dw/dz e o complexo conjugado do vector velocidadeem coordenadas rectangulares. Ou seja:

dw

dz= u− i v = v . (10)

O vector velocidade e v = u+ i v e o seu complexo conjugado e v = u− i v.

A transformacao para coordenadas polares edw

dzei θ = (u− i v) ei θ = vr − i vθ.

5 Solucoes fundamentais da equacao de Laplace

Os seguintes tipos de escoamentos elementares bidimensionais sao uteis para cons-truir outras solucoes, por sobreposicao.

(a) (b) (c) (d)

(e) (f) (g)

Figura 1: (a) Escoamento uniforme; (b) diedro concavo; (c) diedro convexo; (d) fontede caudal positivo, q > 0; (e) poco, q < 0; (f) vortice de circulacao positiva, Γ > 0; (g)dipolo.

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Escoamento uniforme O campo de velocidade deste escoamento e v∞ =(Vx + i Vy)∞ = V∞ ei α.

Portanto,dw

dz= (Vx − i Vy)∞ e w = (Vx − i Vy)∞ z = V∞ e−i α z.

O potencial e a funcao de corrente sao: φ = Vx x+ Vy y, ψ = Vx y − Vy x.

Escoamento num diedro O potencial complexo de um diedro de aberturaα = π/n, com o vertice situado na origem, pode ser escrito em funcao de um

parametro constante a: w =a

nzn. Em que a = |a| ei α, conforme a figura 1.

Portanto,dw

dz= a z(n−1), a velocidade e v =

{u = |a| r(n−1) cos[(n−1) θ + α]v = −|a| r(n−1) sin[(n−1) θ + α]

e o modulo da velocidade e |v | =√u2 + v2 = |a| r(n−1).

Portanto, para angulos de abertura inferior a π (n>1) o vertice (r = 0) e umponto de estagnacao; para angulos superiores a π (n<1) a velocidade no verti-ce e infinita. Esta diferenca na velocidade reflecte-se na pressao no vertice e nogradiente de pressao nos lados do diedro: num ponto de estagnacao a pressao re-lativa a hidrostatica local e maxima; num ponto de velocidade infinita a pressaorelativa a hidrostatica local e −∞. Quando o angulo de abertura e superior a πas tensoes viscosas junto do vertice nao se podem ignorar, porque a condicao denao-escorregamento impede que a velocidade tenda para infinito.

O potencial e a funcao de corrente sao: φ =a

nrn cos(n θ), ψ =

a

nrn sin(n θ).

Escoamento tipo fonte/poco, que tem linhas de corrente irradiando de umponto (fonte), ou convergindo para ele (poco), sem rotacao. Estes escoamentoscaracterizam-se pelo respectivo caudal q por unidade de largura (q > 0 nas fontes,q < 0 nos pocos). Em relacao ao centro focal do escoamento, as componentes da

velocidade sao v =

{vr = q/(2π r)vθ = 0

ou v =

{vx = q/(2π r) cos(θ)vy = q/(2π r) sin(θ)

O potencial e a funcao de corrente sao: φ =q

2πln(r), ψ = q

θ

2π.

O potencial complexo e w =q

2πln(z).

Escoamento tipo vortice, que tem linhas de corrente circulares em torno deum ponto. Estes escoamentos caracterizam-se pela circulacao Γ por unidade delargura. Em relacao ao centro do vortice, as componentes da velocidade sao

v =

{vr = 0vθ = Γ/(2π r)

ou v =

{vx = −Γ/(2π r) sin(θ)vy = Γ/(2π r) cos(θ)

O potencial e a funcao de corrente sao: φ = Γθ

2π, ψ = − Γ

2πln(r).

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O potencial complexo e w = − iΓ2π

ln(z).

O integral Γ =∫

Sv ·ds ao longo de um circuito fechado S denomina-se circula-

cao. Para um contorno S que inclua um vortice no seu interior, a circulacao e aintensidade do vortice; se o contorno incluir varios vortices a circulacao e a somadas intensidades dos varios vortices. Se nao existirem vortices no interior de S acirculacao e nula.

Escoamento tipo dipolo, tem potencial complexo w = µ ei α/(π z), em queµ e a intensidade do dipolo e α e o angulo de orientacao do dipolo2. Em relacaoao centro do dipolo, as componentes da velocidade sao

v =

u = − µ

π r2cos(α− 2 θ)

v = +µ

π r2sin(α− 2 θ)

ou v =

vr = − µ

π r2cos(α− θ)

vθ = +µ

π r2sin(α− θ)

O potencial e a funcao de corrente sao: φ =µ

π rcos(α− θ), ψ =

µ

π rsin(α− θ).

O conceito de singularidade: alguns dos escoamentos elementares referidosacima — concretamente, a fonte, o poco, o vortice e o dipolo — nao sao contı-nuos e/ou nao possuem derivadas contınuas num ponto, que se denomina pontosingular. Nesses pontos isolados, e exclusivamente nesses pontos, as condicoes 1e 2 nao se aplicam. Pressupoe-se, portanto, que esses pontos isolados nao fazemparte do domınio de solucao.

Nota: As expressoes anteriores referem-se ao centro das singularidades. Se o centro focal dafonte/poco estiver em z0, o potencial complexo e w =

q

2πln(z − z0); analogamente

para o vortice w = −iΓ/(2π) ln(z− z0), para o dipolo w = µ ei α/π (z− z0)−1 e parao diedro w = (a/n) (z − z0)n.

Pode obter-se um dipolo no limite em que uma fonte e um poco de intensida-des simetricas tendem para um mesmo ponto. A medida que a fonte e o poco seaproximam, as respectivas intensidades tem de crescer em modulo, tendendo parainfinito a medida que a distancia tende para zero. O angulo α define a orientacaodo segmento sobre o qual a fonte e o poco se deslocam ao aproximarem-se.

2Ha varias maneiras de convencionar a definicao de intensidade das singularidades, nomea-damente dos dipolos. Nalguns textos, chama-se intensidade a −µ/π. Na definicao que usamos,α e definido de modo que a fonte esta a esquerda e o poco a direita. Deste modo, µ > 0.

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Consideremos um poco de caudal −q situado no ponto z0 = ε ei α e uma fontede caudal +q situada em −z0, como se mostra na figura junta. O potencialcomplexo do escoamento conjunto e w = q

π ln(z + z0) − qπ ln(z − z0). Estes

logarıtmos podem expandir-se em serie:

ln(z + z0) = ln(z) +z0z− 1

2

(z0z

)2

+O(z30)

ln(z − z0) = ln(z)− z0z− 1

2

(z0z

)2

+O(z30)

de modo que w = qπ

[z0/z +O(z3

0)]. Desenvolvendo z0 em coordenadas polares

e rearranjando, fica w =q ε

π

ei α

z+O(ε2). Se µ = (q ε) ficar constante quando ε

tender para zero (o que implica que o modulo q dos caudais tenda para infinitoquando ε tende para zero), no limite em que a fonte e o poco coincidem:

w =µ ei α

π z.

Escoamento no exterior de um cilindro circular. Este escoamento po-de representar-se pela combinacao de um escoamento uniforme de modulo V∞:(v∞=V∞ ei α) com um dipolo alinhado com o escoamento uniforme. O potencialcomplexo resultante e w = V∞ ei α + µ ei α/(π z) ou, usando R2 = µ/(π V∞):w = v∞ (z +R2/z).

O potencial escalar e φ = v∞ (r + R2/r) cos(θ) e a funcao de corrente e ψ =v∞ (r −R2/r) sin(θ). E facil de perceber que, para r = R, a funcao de correntee constante (concretamente ψ = 0), pelo que a circunferencia de raio R e umalinha de corrente e o escoamento exterior a ela e, de facto, o escoamento uniformeem torno de uma circunferencia centrada na origem.

As componentes da velocidade em coordenadas rectangulares podem calcular-se

num ponto generico a partir dedw

dz= v∞

(1− R2

z2

).

Sobre a circunferencia de raio R, z = R ei θ e dw/dz = v∞ (1− e−2 i θ). No casoem que a velocidade de aproximacao v∞ e paralela ao eixo real, com o escoamentoda esquerda para a direita (α= 0), as componentes da velocidade sao:

v =

u = V∞ [1− cos(2 θ)]

v = −V∞ sin(2 θ)ou v =

vr = u cos(θ) + v sin(θ) = 0

vθ = v cos(θ)− u sin(θ) = −2V∞ sin(θ)Obtinha-se o mesmo resultado usando as relacoes 8 para calcular vr e vθ a partirde ψ ou de φ (que teriam primeiro de ser expressas em coordenadas polares).Como seria de esperar, uma vez que a circunferencia de raio R e uma linha de

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corrente, a componente vr, ortogonal a ela, e nula e, sobre essa circunferencia,|vθ| coincide com o modulo da velocidade.

6 Condicoes de fronteira da equacao de Laplace

O estudo dos escoamentos potenciais assentou numa simplificacao fundamental,que e a hipotese de o escoamento ser aproximadamente invıscido. Essa hipotesenao e compatıvel com a condicao de nao-escorregamento em paredes solidas e,portanto, essa condicao de fronteira para a velocidade esta excluıda.

As condicoes de fronteira para a velocidade, mais importantes em escoamentospotenciais sao

(a) em domınios infinitos: velocidade uniforme no infinito,

(b) em paredes solidas: condicao de fronteira de impermeabilidade.

Ao longo de uma fronteira impermeavel, pode impor-se um valor de ψ constante;pode tambem impor-se que a componente da velocidade ortogonal a fronteira∂φ/∂n seja zero.

Numa seccao da fronteira de orientacao s atravessada pelo fluido, pode impor-seuma componente da velocidade, nomeadamente a componente normal a fronteira∂φ/∂n = vn (ou ∂ψ/∂s = vn). Se a velocidade for normal a um troco da fronteirapode impor-se um valor de φ constante nesse troco.

Uma forma expedita de impor a condicao de fronteira de impermeabilidade numalinha e recorrer ao metodos dos espelhos: se as singularidades e os escoamentoselementares estiverem simetricamente dispostos em relacao a essa linha, comonum espelho, ela sera uma linha de simetria e a componente da velocidade nor-mal a ela sera necessariamente nula. Note-se que a imagem de uma fonte e umafonte de identico caudal colocada na posicao simetrica, a imagem de poco tam-bem, mas a imagem de um vortice de intensidade Γ e um vortice de intensidadesimetrica, −Γ, localizado na posicao de simetria.

Ao impor as condicoes de fronteira da equacao ∇2φ =0 ou ∇2ψ =0 e importante:

(a) verificar a compatibilidade do balanco de caudal — porque o escoa-mento tem de ser incompressıvel,

(b) verificar que a circulacao e nula numa fronteira fechada que excluavortices — porque o escoamento tem de ser irrotacional,

(c) e verificar que o potencial ou a funcao de corrente sao prescritos pelomenos num ponto.

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7 Tracado de linhas de corrente

As seguintes observacoes acerca de linhas de corrente ajudam a analisar a confi-guracao de escoamentos potenciais.

O campo de velocidade e contınuo e tem derivadas contınuas, a nao ser em pontosisolados de singularidade (fontes/pocos, vortices, dipolos ou multipolos de ordemsuperior).

Se, numa linha de corrente o escoamento e num sentido (por exemplo, para aesquerda), tem de continuar a ter o sentido compatıvel ao longo do percurso, atealgum ponto de estagnacao. Em linhas de corrente adjacentes, o escoamento temde ter o mesmo sentido. Uma linha de corrente so pode ter um ponto angulosonum ponto em que a velocidade seja nula.

Nos pontos de estagnacao as linhas de corrente definem-se por passagem ao limitedas linhas de corrente vizinhas (cf. figura 2-a). Por isso, num ponto de estagna-cao (e so nesses pontos), uma linha de corrente pode bifurcar-se e duas linhas decorrente podem unir-se numa so. Isto significa que duas linhas infinitesimalmenteproximas seguem direccoes diferentes a partir do ponto de estagnacao, ou duaslinhas de corrente vindas de direccoes diferentes passam a ficar infinitesimalmenteproximas a partir do ponto de estagnacao.

Nos pontos de estagnacao, e so neles, as linhas de corrente formam diedros (aslinhas de corrente tem pontos angulosos). Mesmo que longe do ponto de estag-nacao o escoamento seja muito diferente de um diedro, na vizinhanca do verticeo campo de velocidade tende assimptoticamente para o de um diedro. Ora, numdiedro de abertura π/n a velocidade depende de n: |v | = a rn−1, em que a e umaconstante real. Portanto, para o campo de velocidade ser contınuo, os varios die-dros centrados num ponto tem de ter igual abertura angular. (Quando o diedro edevido a paredes solidas impermeaveis, o escoamento pode limitar-se a essa partedo plano, e, nesse caso, o angulo do diedro nao tem de ser submultiplo de 2π).

Normalmente, uma boa estrategia para tracar linhas de corrente e comecar poridentificar os pontos de estagnacao, as singularidades e as tendencias assimptoti-cas. Muitas vezes, e facil determinar o sentido da velocidade nalgumas linhas decorrente que passam em pontos de estagnacao e, tendo em conta a continuidadeda velocidade em linhas de corrente adjacentes, podem tirar-se conclusoes sobretodo o escoamento.

Os pontos de estagnacao identificam-se facilmente, porque neles todas as compo-nentes da velocidade sao nulas e portanto tambem dw/dz=0.

Por definicao, a direccao da linha de corrente que passa num ponto e a direccaodo vector velocidade nesse ponto. Para tracar toda a linha de corrente que passanum ponto pode calcular-se o valor da funcao de corrente nesse ponto (designe-mo-lo por ψ0) e resolver a equacao ψ(x, y) = ψ0 em ordem a x ou a y. Conforme

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(a) (b) (c)

Figura 2: (a) As linhas de corrente que contem pontos de estagnacao determinam-sepela passagem ao limite das linhas de corrente adjacentes. As linhas de corrente (b)nao podem estar correctas, porque os angulos dos diedros nao sao iguais junto de umponto de estagnacao e porque os sentidos da velocidade nao sao compatıveis. As linhasde corrente (a) e (c) nao infringem nenhuma dessas regras.

for mais facil, podem dar-se valores a x e calcular y ou, analogamente, dar valoresa y e calcular x correspondente.

Recorde-se que a diferenca entre funcoes de corrente de duas linhas de correntee igual ao caudal por unidade de largura que passa entre elas. Assim, conheci-da uma linha de corrente, podem tracar-se outras linhas linhas de corrente emrelacao a ela.

8 Transformacoes conformes

Seja ζ = ξ + i η o ponto generico de um plano e z = x + i y o ponto generico deoutro plano. Denomina-se transformacao entre o plano ζ e o plano z uma funcaoz = f(ζ) que faz corresponder um ponto z a cada ponto ζ do outro plano.

Figura 3: Transformacao do espaco ζ para o espaco z.

Dado o potencial complexo, w(ζ), de um escoamento no espaco ζ, se a trans-formacao for conforme entao w(z) e o potencial complexo de um escoamento noplano z. Deste modo, e possıvel aproveitar algumas solucoes (por exemplo, o es-coamento potencial em torno de um cilindro circular) para obter outras solucoes(por exemplo, o escoamento em torno de uma asa).

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8.1 Caracterısticas das transformacoes conformes

Se a funcao de transformacao f(ζ) for analıtica, isto e, se for infinitamente di-ferenciavel de modo que a serie de Taylor seja convergente, a transformacao econforme ou holomorfica, por preservar a forma dos elementos infinitesimais. Emparticular, duas linhas que passam por um ponto sao transformadas em duaslinhas que se cruzam no ponto homologo com o mesmo angulo entre elas.

Note-se que as transformacoes conformes preservam as proporcoes de elementosinfinitesimais homologos, mas podem distorcer significativamente o conjunto dasfiguras nao infinitesimais. O resultado de uma transformacao conforme e compa-ravel a um desenho impresso num lencol extensıvel, que fica deformado quandose estica ou encolhe o lencol nalguns pontos. Os angulos locais mantem-se, masos angulos entre pontos a distancias finitas podem alterar-se.

Sao exemplos de funcoes analıticas: as funcoes polinomiais, a funcao exponenciale a funcao logaritmo, as funcoes trigonometricas e as potencias. Sao exemplos defuncoes nao-analıticas: a funcao valor absoluto (porque nao e diferenciavel noponto 0); as funcoes definidas por trocos (porque podem nao ser diferenciaveisnos limites dos trocos).

8.2 Exemplos de transformacoes conformes

Translacao uniforme de todo o espaco de um deslocamento ζ0: z = ζ + ζ0.

Rotacao de todo o espaco de um angulo α em torno da origem, juntamente coma multiplicacao por um factor de escala ρ: z = (ρ ei α) ζ.

Passar o vector velocidade num ponto z = r ei θ de coordenadas rectangularespara coordenadas polares equivale a roda-lo de um angulo −θ. Portanto a rela-cao de transformacao e: (u+ i v) e−i θ = (vr + i vθ).A passagem do vector velocidade conjugada em coordenadas rectangulares pa-ra o vector velocidade conjugada em coordenadas polares nao e tao directageometricamente, porque se trata de vectores reflectidos (conjugados) no ei-xo dos xx ou na direccao radial. Fazendo o desenho com cuidado, percebe-seque a transformacao dos vectores conjugados e uma rotacao de θ. Portanto(u− i v) ei θ = (vr − i vθ).

Multiplicacao dos angulos em torno da origem por um factor n (que pode sermenor que 1) e modificacao das distancias a origem por um expoente n: z = ζn,

Transformacao de Joukowski, que transforma uma circunferencia numa eplipseou no perfil de uma asa: z = ζ + b2/ζ, sendo b2 um numero real positivo.

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8.3 Aplicacao de transformacoes conformes

Se w(ζ) for o potencial complexo de um escoamento, as componentes da veloci-dade podem determinar-se a partir das componentes do complexo conjugado davelocidade, que e dw/dζ.

Aplique-se o mesmo potencial complexo w(z) aos pontos z que resultam da trans-formacao conforme z = f(ζ). As componentes da velocidade deste novo escoa-mento podem determinar-se a partir das componentes do respectivo complexoconjugado da velocidade, que e

dw[z(ζ)]

dz=

dw(ζ)

dz. (11)

A derivada dζ/dz pode calcular-se como o inverso de dz/dζ = df(ζ)/dζ.

Exemplo: w = U∞(ζ +R2/ζ

)e o potencial complexo de um escoamento uniforme de veloci-

dade U∞ horizontal incidente sobre um cilindro de raio R, centrado na origem.Qual e o escoamento que resulta da transformacao de Joukowski, z = ζ + b2/ζ?A linha de corrente circular de raio R (que e ζ = R ei θ) vai ser transformada na linha

z = R ei θ + (b2/R) e−i θ = (R+ b2/R) cos(θ) + i (R− b2/R) sin(θ),

que e a elipse de eixos (R + b2/R) e (R − b2/R). Portanto, a transformacao permitiuobter o escoamento potencial em torno de uma elipse (ou de um cilindro elıptico).

Qual e o novo campo de velocidade? Para esta transformacao:dz

dζ= 1 − b2

ζ2, donde

dz=

ζ2

ζ2 − b2.

Portanto, num ponto generico de z, desenvolvendo a expressao 11, a velocidade conju-gada e:

dw

dz= U∞

(1− R2

ζ2

)ζ2

ζ2 − b2= U∞

ζ2 −R2

ζ2 − b2.

O ponto ζ correspondente a um determinado z e ζ = f−1(z) =12

(z ±

√z2 − 4 b2

).

9 Calculo da pressao em escoamentos potenciais

Como se viu, num escoamento potencial pode calcular-se o campo de velocida-de independentemente do campo de pressao, porque a equacao de transportede quantidade de movimento nao chegou a ser necessaria para determinar ca-balmente a velocidade. Recorde-se que as hipoteses de partida foram a equacaoda continuidade para escoamento incompressıvel, 1, e a condicao de as tensoesdesviadoras serem nulas, 2.

Sendo validas estas duas hipoteses, uma vez conhecido o campo de velocidade epossıvel aplicar a equacao de Bernoulli entre quaisquer dois pontos de uma linha

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de corrente e calcular a diferenca de pressao estatica entre eles (se o escoamentonao fosse estacionario, a equacao de Bernoulli teria de incluir um termo adicio-nal, que nao consideraremos). Nos escoamentos potenciais estacionarios em quea pressao total relativa a hidrostatica local, Prel(∞), e uniforme no infinito, aequacao de Bernoulli impoe que a pressao total relativa a hidrostatica local sejauniforme em todo o resto do domınio. Entao, para um ponto generico,

prel = Prel(∞)− 1

2ρ v2. (12)

Na direccao transversal a uma linha de corrente, a menos de termos de ordemsuperior, o gradiente da pressao relativa a hidrostatica local pode calcular-se pelaexpressao ∂prel/∂r = ρ v2/r, em que r e o raio local de curvatura. Esta expressaodeduz-se directamente da equacao de transporte de quantidade de movimento pa-ra a direccao radial, escrita em coordenadas polares, no caso em que o referencialcoincide com o centro local de curvatura.

10 Teorema de Kutta-Joukowski e paradoxo d’Alembert

Em geral, as componentes da forca aerodinamica sao expressas num referencialassociado ao escoamento principal: a componente ortogonal ao escoamento deno-mina-se sustentacao, L, (do ingles lift) a componente na direccao do escoamentochama-se resistencia, D, (do ingles drag).

Figura 4: A componente da forca ortogonal ao escoamento de aproximacao denomina-sesustentacao, L, a componente na direccao do escoamento chama-se resistencia, D.

Num escoamento estritamente potencial a forca de pressao equilibra a forca deinercia (cf. seccao anterior) e portanto nao ha forcas externas: so pode haverforcas externas aplicadas a singularidades de primeira ordem (fontes e vortices).O calculo da forca aerodinamica exercida por um escoamento uniforme de velo-cidade v∞ sobre um conjunto de singularidades cujo caudal total seja q e cujacirculacao total seja Γ atribui-se ao alemao Martin Wilhelm Kutta e ao russoNikolai Zhukovsky (ou Joukowski).

Considere-se um domınio de controlo circular centrado nas singularidades (pelosimples motivo de que essa geometria facilita o calculo, os integrais de contornode uma integranda analıtica nao dependem do contorno). A velocidade induzida

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Figura 5: Balanco de forcas e quantidade de movimento num domınio de controlocircular, centrado em singularidades de caudal q e circulacao Γ.

sobre a circunferencia tem componentes:

vr =q

2π r+ v∞ cos(θ) e vθ =

Γ

2π r− v∞ sin(θ).

A pressao total relativa a hidrostatica local, Prel, do escoamento de aproximacaoe uniforme. A equacao de Bernoulli, 12, fica:

prel = Prel −1

2ρ (v2

r + v2θ) = Prel −

1

[(q2 + Γ2

4π2

)1

r2+q cos(θ) + Γ sin(θ)

π

v∞r

].

Escolhamos um referencial (x, y) alinhado com o escoamento uniforme, de modoque a componente de sustentacao L (por unidade de comprimento) e a compo-nente fy e a componente de resistencia D (por unidade de comprimento) e acomponente fx. O balanco de forcas e quantidade na circunferencia referida e:∫ 2 π

0ρ v (v · n) r dθ =

∫ 2 π

0−prel n r dθ + (−f ),

em que −f e a forca exercida pelas singularidades sobre o fluido e f e a forcaexercida pelo fluido sobre as singularidades.

Em coordenadas polares, a normal exterior unitaria a circunferencia e n = (1, 0),de modo que v ·n = vr. Em coordenadas rectangulares, a normal exterior en = [cos(θ), sin(θ)] e as componentes da velocidade sao vx = vr cos(θ)−vθ sin(θ)e vy = vr sin(θ) + vθ cos(θ), ou:

vx =q cos(θ)− Γ sin(θ)

2π r+ v∞ e vy =

q sin(θ) + Γ cos(θ)

2π r.

Desenvolvendo o balanco:

f =

fx = −ρ

∫ 2 π

0vx vr r dθ −

∫ 2 π

0prel cos(θ) r dθ

fy = −ρ∫ 2 π

0vy vr r dθ −

∫ 2 π

0prel sin(θ) r dθ

Desenvolvendo mais as expressoes e efectuando os integrais obtem-se finalmente:

D = fx = ρ q v∞ e L = fy = −ρΓ v∞. (13)

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No caso particular de corpos fechados, o somatorio do caudal das fontes e pocose nulo (q = 0) e a componente de resistencia e nula, D = 0. Este facto de, numescoamento potencial, a componente de resistencia de um corpo finito ser nulae conhecido como paradoxo d’Alembert, em memoria do frances Jean le Rondd’Alembert (seculo XVIII).

O mecanismo de geracao de sustentacao sobre um corpo impermeavel finito ba-seia-se na diferenca de pressao relativa entre um lado e o outro do corpo e, deacordo com a equacao de Bernoulli, essa diferenca de pressao e fruto da diferen-ca de velocidade que, por sua vez, resulta da existencia de circulacao. Nao hasustentacao se a circulacao Γ for nula, porque e a circulacao que introduz umaassimetria na distribuicao de velocidade e de pressao em ambas as faces do corpo.

Isto e particularmente facil de compreender no caso do cilindro circular com umvortice centrado. Sem vortice (figura 6-a), a distribuicao superficial do moduloda velocidade e simetrica, a distribuicao de pressao tambem e a sustentacao eobviamente nula. Introduzindo um vortice no centro da circunferencia, quebra-sea simetria (figura 6-b): em cima, a velocidade induzida por um vortice negati-vo soma-se a velocidade do escoamento em torno do mesmo corpo na ausenciade circulacao; em baixo, a velocidade induzida por um vortice negativo subtrai--se a velocidade na ausencia de circulacao. Por isso, um vortice negativo reduza pressao em cima e aumenta-a em baixo (um vortice tem o efeito simetrico),provocando uma diferenca de pressao cuja resultante e ortogonal ao escoamentoprincipal (sustentacao). Repare-se que o vortice preserva a simetria da pressaona direccao do escoamento principal (resistencia).

Figura 6: (a) Escoamento em torno de um cilindro sem circulacao e (b) velocidadesuperficial modificada pelo acrescimo de um vortice de circulacao negativa, Γ < 0,produzindo uma sustentacao positiva L > 0.

O teorema de Kutta-Joukowski so se aplica:

(a) a escoamentos com velocidade uniforme no infinito,

(b) se nao houver fontes/pocos nem vortices no exterior do corpo.

Esta ultima restricao pode ultrapassar-se, substituindo a velocidade v∞ da equa-cao 13 por uma velocidade local efectiva, que tenha em conta a influencia dasfontes ou vortices exteriores ao corpo.

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Apendice: Operacoes com numeros complexos

Um numero complexo pode representar-se em coordenadas rectangulares (x, y)ou polares (r, θ). As seguintes notacoes sao equivalentes:

z = x+ i y = r cos(θ) + i r sin(θ) = r ei θ. (14)

A relacao entre as componentes e:{r =

√x2 + y2

θ = arctan(y/x)e

{x = r cos(θ)y = r sin(θ)

(15)

Os numeros complexos somam-se como os vectores e o seu produto e semelhanteao produto interno de vectores. Sendo z1 = x1 + i y1 e z2 = x2 + i y2,

z1 + z2 = (x1 + x2) + i (y1 + y2) (16)

z1 · z2 = (x1 x2)− (y1 y2) + i (x1 y2 + x2 y1). (17)

Em geral a multiplicacao, a divisao, a potencia e o logaritmo sao mais faceis emcoordenadas polares. Sendo z1 = r1 e

i θ1 e z2 = r2 ei θ2 ,

z1 · z2 = (r1 r2) ei (θ1+θ2) (18)

zn1 = rn

1 ei n θ1 (19)

1/z = z−1 =1

re−i θ (20)

ln(z) = ln(r ei θ) = ln(r) + i θ. (21)

Em certos casos particulares, as operacoes de divisao e potenciacao podem fazer--se directamente em coordenadas rectangulares. As situacoes mais importantesem que isso acontece sao:

z2 = (x2 − y2) + i 2x y e1

z=

z

|z|2=

x− i y

x2 + y2.

As derivacoes com numeros complexos efectuam-se como as dos numeros reais.Por exemplo, d(zn)/dz = n zn−1. Analogamente, mantem-se as propriedadescomutativas, associativas e distributivas das operacoes com numeros reais. Porexemplo, z1 z2 = z2 z1 e ln(z1 z2) = ln(z1) + ln(z2).

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