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IDENTIDADE E LITERATURA: O EU, O OUTRO, O HÁ IDENTITY AND LITERATURE: THE “I”, THE OTHER, THE “THERE IS” João Barrento * [email protected] A questão de fundo (abordada de um ponto de vista teórico, e com três exemplos): o gesto, quase compulsivo, dos criadores para dizer “Eu sou Outro/Outros”, expli- cável pela própria natureza desse acto criador. Nos casos mais radicais de oscilação identitária, são diversas, na sua relação com a escrita, as “saídas” encontradas para o “dilema do nome”. Em Fernando Pessoa, através da dissociação e dramatização do Eu (toda a Obra, incluindo a ortónima, é uma construção heterónima, ou heteró- grafa); em Paul Celan, pela anulação trágica do Eu, pela via de uma poesia absoluta, em que um Isso, a própria voz da linguagem, fala a partir das ruínas da barbárie sem nome; em Maria Gabriela Llansol, por uma tripla via: discursiva (a das vozes do texto); genológica (o caso singular da “autobiografia” transformada em “signogra- fia”); e filosófica (o salto do plano do Eu para o do “Há”, do registo pessoal/impessoal para a escrita à distância de si e do nome). Palavras-chave: Identidade-alteridade; representação-autorrepresentação; Fer- nando Pessoa, Paul Celan; Maria Gabriela Llansol e main issue (dealt with from a theoretical point of view and with reference to three paradigmatic examples): the almost compelling impulse of creators to say “I am the Other/I am Others”, that can be explained by the very essence of the crea- tive act. In the more radical cases of identitarian oscillation there are, in the field of literature, different ways out of the “dilemma of the name”. In the work of Fern- ando Pessoa through dissociation and dramatization of the ‘I’ (thus making of all * Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, Portugal.

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Mauro

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  • IDENTIDADE E LITERATURA: O EU, O OUTRO, O HIDENTITY AND LITERATURE:

    THE I, THE OTHER, THE THERE IS

    Joo Barrento*

    [email protected]

    A questo de fundo (abordada de um ponto de vista terico, e com trs exemplos): o gesto, quase compulsivo, dos criadores para dizer Eu sou Outro/Outros, expli-cvel pela prpria natureza desse acto criador. Nos casos mais radicais de oscilao identitria, so diversas, na sua relao com a escrita, as sadas encontradas para o dilema do nome. Em Fernando Pessoa, atravs da dissociao e dramatizao do Eu (toda a Obra, incluindo a ortnima, uma construo heternima, ou heter-grafa); em Paul Celan, pela anulao trgica do Eu, pela via de uma poesia absoluta, em que um Isso, a prpria voz da linguagem, fala a partir das runas da barbrie sem nome; em Maria Gabriela Llansol, por uma tripla via: discursiva (a das vozes do texto); genolgica (o caso singular da autobiogra0 a transformada em signogra-0 a); e 4 los4 ca (o salto do plano do Eu para o do H, do registo pessoal/impessoal para a escrita distncia de si e do nome).

    Palavras -chave: Identidade -alteridade; representao -autorrepresentao; Fer-nando Pessoa, Paul Celan; Maria Gabriela Llansol

    2 e main issue (dealt with from a theoretical point of view and with reference to three paradigmatic examples): the almost compelling impulse of creators to say I am the Other/I am Others, that can be explained by the very essence of the crea-tive act. In the more radical cases of identitarian oscillation there are, in the 0 eld of literature, di3 erent ways out of the dilemma of the name. In the work of Fern-ando Pessoa through dissociation and dramatization of the I (thus making of all

    * Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, Lisboa, Portugal.

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    his work, including the ortonimous one, a heteronymic, or heterographic construc-tion); in the case of Paul Celan through a tragic annulation of the I, by means of an absolute poetry in which a Id, the voice of language itself, speaks from the ruins of nameless barbarity; in the work of Maria Gabriela Llansol, through a triple path: the discursive one (the entangled voices of the text); the one of genre (the unique case of autobiography turning out to be a signography); and the philosophical one (the leap from the level of the I to that of the 2 ere is, from a simultaneously personal/impersonal writing to a form of wiring at a distance from oneself and ones own name).

    Keywords: Identity -alterity; representation and self -representation; Fernando Pes-soa, Paul Celan; Maria Gabriela Llansol

    Tentemos um primeiro esboo de resumo dos problemas a tratar. Leio na capa do psilon (suplemento do Pblico) de 15 de Abril de 2011: O meu nome Philip Roth e escrevo livros! Tipicamente americano ( evidente o eco de John Ford), este gesto de se autonomear e, com alguma ingenuidade, atribuir a esse nome prprio a escrita de livros. Na Europa, o nome e a sua ligao directa escrita foi sempre muito mais problemtico, que o mesmo dizer, a questo da identidade foi sempre um problema etimologica-mente: um promontrio a ultrapassar, algo que lanado para alm de si e nos pode lanar para alm de ns.

    O problema da identidade e a identidade como problema esto presentes

    na literatura europeia desde muito cedo (e j na forma antiga do dilogo,

    que, na loso a ou na literatura, atenua desde logo a a rmao excessiva do Eu, ao desdobr -lo em personae, e situando -o em contexto dialgico):

    encontramo -lo no uso do pseudnimo ou do nome literrio desde os Can-

    cioneiros medievais; em formas dramatizadas como o chamado Rollen-

    gedicht alemo do sculo XVIII, em que o poeta se esconde por detrs de

    uma ou mais personagens; no jogo das mscaras e da impessoalidade em

    todos os momentos pr -modernos do sculo XIX, dos Romantismos (o ale-

    mo e o ingls, em particular com Hlderlin e Keats) aos poetas que mais

    explicitamente preparam e antecipam a modernidade, ou j a constituem:

    Baudelaire, Rimbaud e Mallarm, mas tambm Robert Browning e os seus

    monlogos dramticos[1]; e, naturalmente, na maior parte dos autores dos

    1 Vd., sobre Browning e o monlogo dramtico: Joo Barrento, Monlogos dramticos: alte-ridade e modernidade, in: O Espinho de Scrates. Expressionismo e Modernismo. Lisboa, Pre-sena, 1987, pp. 103 -111.

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    Modernismos, Valry ou Eliot, Gottfried Benn ou Pessoa, para s mencio-

    nar alguns, e poetas.

    No mesmo dia e no mesmo jornal e destaco este caso pelo contraste radical com o americano Philip Roth , o escultor portugus Rui Chafes, que na sua rea espec0 ca se alimenta exemplarmente de algumas daquelas tradies, instado a falar de si e da sua Obra, assume um gesto, mais euro-peu, de pudor de si e do nome, falando exclusivamente atravs daqueles que o formaram (que constituiram a sua identidade artstica, e so parte intrnseca dela), a comear por um dos seus mestres maiores, o escultor alemo Tilman Riemenschneider. Rui Chafes comea por a0 rmar: Nasci em 1266 numa pequena aldeia que j no existe, na Francnia, Baviera..., e nunca sair deste registo distanciado.

    A partir destes dois exemplos podemos colocar a questo de fundo, que abordaremos em primeiro lugar de um ponto de vista terico, e depois documentaremos com trs exemplos bem diferentes. Este gesto, quase compulsivo, dos criadores para dizer: Eu sou Outro/Outros explicar -se - talvez pela prpria natureza desse acto criador: nada nasce apenas a partir de um Eu (emprico ou transcendental), o processo sempre mais com-plexo. Nenhum Eu se constitui sem um Outro, a identidade s compreen-svel em relao com uma, ou vrias, alteridades. Isto sabido h bastante tempo, e hoje pac0 co.

    Mas, no caso da literatura, a vertente espec0 ca do problema desde logo determinada por um aspecto particular, que tem a ver com a mediao da linguagem verbal. No temos a linguagem, ela que nos tem a ns (Karl Kraus); No meu, no meu quanto escrevo... (F. Pessoa); Eu no sou eu nem sou o outro... (Mrio de S -Carneiro), etc. Ou seja: h um para -alm -da -linguagem que o sujeito no controla (o sujeito de escrita, e tambm o de fala: veja -se o 0 nal do Tractatus de Wittgenstein). E esse alm -de que move a escrita. Por isso, sobretudo desde os Romantismos, mais forte a conscincia dos limites, deste estar aqum -de (das capaci-dades expressivas da linguagem), que afecta necessariamente o sujeito e a sua identidade. Instalam -se formas vrias de cepticismo e perspectivismo (com especial destaque, e incidncias literrias, no caso de Nietzsche) e impe -se a ideia da no -coincidncia do Eu (uma pluralidade de manifes-taes) consigo e com a linguagem consigo, isto : com o seu si( -mesmo)/Selbst. Mas, que(m) esse si( -mesmo), que no se confunde com o Eu? Uma essncia determinante?

    A literatura moderna, e alguma contempornea, por ento em causa a mesmidade -do -ente que se manifesta no terreno particular do Ser da

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    Literatura, implcita no prprio conceito de id(em) -entidade. Discutire-mos isto com a ajuda de alguns 0 lsofos: Heidegger (e a identidade como co -pertena), Ricoeur (e a diferena entre identidade e ipseidade), Levi-nas (e a noo do H), Jos Gil (e o caso particular de Pessoa). E veremos, com trs exemplos concretos (de poetas, ou no: Fernando Pessoa, Paul Celan e Maria Gabriela Llansol), como nos casos mais radicais de oscila-o identitria, de autores nos quais se agudiza a relao com a linguagem enquanto matria visceral, para l das suas funes meramente comunicati-vas ou representativas, so diversas, na sua relao com a escrita, as sadas encontradas para o dilema do nome (desconhecido da multido daqueles que, na literatura, dizem Eu aproblematicamente):

    a. Em Fernando Pessoa, atravs da dissociao e dramatizao do Eu, que leva a que toda a sua Obra (incluindo a ortnima) seja uma construo heternima (ou hetergrafa);

    b. Em Paul Celan (e noutros poetas que escrevem no cone de sombra negra do holocausto, como o russo Ossip Mandelstam, o italiano Primo Levi ou a judia -alem Nelly Sachs), pela anulao trgica do Eu, rasurado pelo prprio movimento aniquilador da Histria, mas a0 rmando -se pela via de uma poesia absoluta, em que um Isso, a prpria voz da linguagem, fala a partir das runas da barbrie sem nome;

    c. Em Maria Gabriela Llansol, por uma tripla via: discursiva (a das vozes que falam no seu texto); genolgica (a das formas ou gneros, particu-larmente o caso singular da autobiogra0 a transformada em signogra0 a); e 4 los4 ca, que implica um salto do plano do Eu para o do H, do registo pessoal/impessoal para a escrita distncia de si e do nome, fora do social, da Histria e da memria pessoal, e perto do Aberto (Rilke) no espao do H sem Eu, uma espcie de lquido amnitico ou de murmrio do Ser que produz a energia que se liberta no acto de escrita e leva quem escreve para fora -de -si (hors de soi / hors du moi). Maria Velho da Costa colocou um dia a problemtica da escrita em Llansol nos seguintes termos: Tento evitar o tom universalizante do ntimo que o de Maria Gabriela Llansol. E Eduardo Prado Coelho, comentando esta a0 rmao, lana luz sobre o para-doxo: suspeito que em Llansol no h propriamente universalizao do ntimo; porque o ntimo j vivido como universal, foi o prprio sujeito que se universalizou por dentro (e a separao dentro/fora deixou de fazer sentido). (Prado Coelho, 1992: 124 -125).

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    1. Auto -retrato / autor -e -trato

    Ao reunir alguns documentos digitais pertinentes para este tema da auto--representao, da identidade e do auto -retrato, aconteceu -me um lapso de escrita (ou da mo) que teria consequncias imediatas para a matria que aqui nos interessa. Em vez de escrever auto -retrato, saiu -me autor -e trato. Reescrevendo o lapso numa folha em branco, a imagem visual da transformao de auto -retrato em autor -e -trato sugeriu -me de imediato uma srie de aspectos fundamentais para a problemtica que nos ocupa, transformando essa folha numa espcie de espelho e de esquema do meu pensamento. Vejamos como 0 cou a folha depois das muitas anotaes, para depois as comentar:

    Figura 1

    O lapso revelador do que pode ser qualquer auto -representao ou auto -retrato modernos: aquilo que se entende normalmente por uma representao de si (auto -retrato), desdobrou -se nos dois momentos envol-vidos, o agente (autor) e a aco (o trato) correspondendo aqui o trato (tratamento) trans -formao ou trans -0 gurao, des -0 gurao, hetero--representao de si (auto). Mas a imaginao, e o impacto visual da nova

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    imagem da palavra -expresso, despoletam ainda outras associaes: por exemplo com tracto, trao, retractar( -se), que, de facto, esto presentes na etimologia latina de retratar, e tambm, pela reiterao contida em tratos, da questo do duplo ou do mltiplo (no no sentido pop ou ps--moderno, mas no da criao de variantes de si)... Ligar, pela cpula e e pelos hfens, o autor (o fazer, ou o seu agente) e os tratamentos de si que ele opera, signi0 ca, ao mesmo tempo, confundir origem e objecto, ligar e distanciar essas duas metades do fenmeno, introduzindo no processo de auto -representao uma dialctica aberta do auto versus hetero, da id -enti-dade versus alter -idade. Auto -representar -se (vir presena pela mediao da escrita) signi0 ca dar tratos a si mesmo; e toda a questo se centra ento em saber que entidade essa que se liga ao id(em), se o Si, ou o Si -mesmo (o Selbst alemo) so verses essencializadas, transcendentais do Eu, ou outras, estranhas ao Eu, mas nascidas dele. Neste caso, corresponderiam, no a formas de id -entidade (reduo ao mesmo), mas de ipseidade, uma forma particular de alteridade que Paul Ricoeur de0 ne como aquela em que essa alteridade no vem juntar -se de fora ao Eu, mas faz parte do teor de sentido e da constituio ontolgica da ipseidade, que um soi -mme en tant que autre (e no se 0 ca por uma comparao) (Ricoeur, 1990: 385). o prprio no lugar do Outro (este tambm o modo como Goethe v a relao entre traduo e original, nas Notas ao Div Ocidental -oriental).

    O aparecimento inesperado do autor nesta cena nova leva naturalmente a toda a problemtica da questo autoral em literatura, da relao da mo (e do corpo) que escreve com o que escrito: o no meu, no meu quanto escrevo, de Pessoa, as leituras psicanalticas (lacanianas) do Isso (a) que me escreve, ou, numa linha no psicanaltica, a percepo de Llansol de que uma conscincia (e no j um inconsciente) a escreve: H algo maior do que eu, ou seja, diferente de mim, que escreve e mantm a Obra, uma conscincia muito mais vasta do que aquela que poderia ser a fonte do meu corpo; uma serenidade muito maior do que aquela que tenho dia a dia (Esplio de M. G. Llansol, caderno 1.12, p. 386 [1982]).

    A minha providencial folha sugere -me ainda que ao tratar o/do Eu em literatura ou arte se opera sempre uma deslocao do Eu: quem o faz um autor, e ao faz -lo (ao 0 gurar -se) des0 gura -se. O que era auto - sofre um tra-tamento de estranhamento, no espelho da sua questionao ou indagao de si e des -autoriza qualquer pretenso de 0 gurao verdadeira ou autn-tica (Manuel Gusmo fala, a este propsito, de instabilizao autoral: cf. Gusmo, 2011: 91). Numa entrevista recente sada no primeiro nmero da revista online Cinema, Georges Didi -Huberman lembra, na senda de Der-

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    rida, que 0 loso0 a autobiogra0 a, mas pensar deixar de se ver a si prprio no espelho do objecto, isto , ensaiar -se: no ensaio, diz Didi -Hubermann, no tenho necessidade de falar de mim (Didi -Huberman, 2010); e eu pr-prio constato, em O Gnero Intranquilo. Anatomia do ensaio e do fragmento: o ensaio no arma o cerco ao Eu, mas verdade possvel e inexpugnvel do seu objecto (Barrento, 2010: 23). Tambm em Llansol possvel cons-tatar como o H da escrita a respirao impessoal do texto a energia que circula no acto de escrever, e leva quem escreve para fora do Eu, mas no de si, se esse Si / Selbst for uma espcie de fundo residual que conduz a mo de quem escreve. E uma das 0 guras de msticos presentes na sua Obra desde o incio, Mestre Eckhart, sugere j num dos seus sermes (com a epgrafe Quasi stella matutina...) que a imagem, tambm a de mim, est em mim, mas eu s a posso ver num espelho que como que o intelecto de Deus, de onde ela nasce em forma de anjo, criatura -outra. Do outro lado do espelho, a minha imagem no pode ser outra coisa seno o Outro--de -mim (Mestre Eckhart, 2009: 302). Giorgio Agamben trata tambm, num dos captulos de Profanaes (O ser especial Agamben, 2005: 75 -82), desta questo da imagem, que atravessa toda a especulao escolstica, ao perguntar -se se a imagem substncia ou acidente, para responder que acidente, o modo daquilo que insubstancivel, quer se trate da imagem--re{ exo (no espelho, eikon) ou da imagem -representao (interior, eidolon). Num caso como noutro, como sugere tambm Eckhart, a imagem depende do sujeito: de um sujeito que a provoca pela exposio ao espelho, ou que a cria a cada instante em si mesmo (o Eu imaginante). Mas acontece e este o aspecto que mais nos interessa agora que esse eu imaginante aquele que se desdobra (em imagens de si), aquele que, quando diz Eu (e ao dizer objectiva -se e cinde -se), est a falar, no de si, mas de uma imagem de si. H, assim, um eu gerador ao qual se reportam todas as imagens que produz de si mesmo -outro (estamos na problemtica dos heternimos pessoanos, ou tambm das vozes que falam no texto de Llansol, a que voltaremos), que so da sua espcie, mas no se confundem com ele, porque a imagem mera aparncia, sombra ou fantasma. A linha de separao entre realismo e modernidade passa pelo lugar onde comeam a afastar -se estas duas formas de imagem: a imagem que se apega a uma aparncia a que chama realidade (o furor do real), e a imagem que faz apario e assombra (o fulgor do invisvel tornado visvel, por exemplo em M. G. Llansol) (vd., sobre isto, o livro de Toms Maia, Assombra. Ensaio sobre a origem da imagem).

    Tratar relaciona -se ainda com tratado, uma forma de escrita que no teria nada a ver com o que aqui nos interessa, nem com os autores

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    escolhidos, se no se desse o caso de ela no ser apenas escrita sistem-tica com pretenso de exaustividade e objectividade, como geralmente entendida. Mas ela nem sempre isso, existem desde a Idade Mdia outras formas de tratado, como aqueles de que fala Walter Benjamin no Prlogo ao livro sobre o drama do Barroco. Nesses tratados, cujo objectivo a busca de uma essncia no delimitvel do verdadeiro e cujo mtodo cami-nho no directo, ou desvio, o tratado faz -se de renncias conscientes (do mesmo modo que qualquer auto -representao, ou auto -retrato, renuncia de0 nitivamente, na modernidade, pretenso de dar a totalidade do Eu, ou a sua objectividade), assumindo uma condio fragmentria como a do mosaico, que vive da relao entre a elaborao microlgica e a escala do todo, e s encontra o seu contedo de verdade (relativa) atravs da mais exacta descida ao nvel dos pormenores (Benjamin, 2004: 14 -15).

    2. O Eu: refl exo e refraco, entre Romantismo e Modernidades

    Desamos ento um pouco mais ao nvel do pormenor da histria e da problemtica da identidade na literatura ocidental dos ltimos dois sculos. Uma das formas mais comuns de trazer o Eu a primeiro plano, transformando -o com isso desde logo em objecto de controvrsia ou pro-blema, a da auto -representao do Eu, nas modalidades do auto -retrato (mais frequente nas artes plsticas) e da autobiogra4 a (mais prpria da escrita). Das duas se tratar aqui, j que as diversas gradaes da exposio, do velamento ou da distanciao do Eu se aplicam a uma como a outra, e tambm na literatura o auto -retrato surge com alguma frequncia. Ou de forma explcita, como no exemplo de Self -portrait in a Convex Mirror, do americano John Ashbery alis inspirado num clebre quadro do pintor maneirista Parmigianino com o mesmo ttulo , em que uma busca impla-cvel de si resulta numa sistemtica distoro de si; ou tambm dissemi-nada, na Obra de poetas para quem a pardia e a auto -ironia so modos de permanentemente se retratarem retractando -se em planos de -formantes, num desconcertante narcisismo antinarcsico, em que o enamoramento de si resulta no desejo de perseguir o outro -de -si (o caso exemplar de Adlia Lopes); de modo implcito, nos poetas que praticam mais abertamente a metapoesia, traando por essa via um auto -retrato potico mais ou menos completo (casos de Vasco Graa Moura feito a sangunea, pre0 ro -me arteso ou, de modo diferente, Manuel de Freitas to difcil escrever um poema / que no fale da morte); na projeco de si em personagens marcadamente autobiogr0 cas, praticada por alguns autores de uma 0 co

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    do estranhamento (Ka| a poderia ser aqui referncia maior); e h ainda os casos, raros como o de Maria Gabriela Llansol, de uma escrita quase sem-pre na primeira pessoa que no um Eu (mas uma Voz, ou um revrbero do H, a voz impessoal que fala a partir do prprio Ser: trataremos deste caso com mais desenvolvimento na parte 0 nal). Finalmente, o auto -retrato literrio faz -se com frequncia em muitos poemas que so verdadeiras artes poticas, auto -retratos psicolgicos, ou autopsicogra0 as. A mais conhe-cida ser certamente a de Pessoa, mas h outras, e podemos j avanar com um brevssimo comentrio de dois casos clebres e paradigmticos que mostram como, no espao de um sculo, se passou de uma conscincia soberana e desproblematizada do Eu para a sua extrema problematizao crtica (isto , que sabe da no -inocncia do Eu, evidenciando, pelo contr-rio, a crise do sujeito trazida pela modernidade esttica e 0 los0 ca a partir de meados do sculo XIX, a que ainda nos referiremos adiante). Os casos mencionados so os de Goethe e de Pessoa, respectivamente representados por um nico poema (do de Pessoa bastar -nos - a primeira estrofe):

    Autopsicogra4 a Como irei eu partilhar...

    O poeta um 0 ngidor, Como irei eu partilharFinge to completamente A vida, entre fora e dentro,Que chega a 0 ngir que dor Se a todos tudo quero dar,A dor que deveras sente. Pra viver sob um s tecto?[...] Toda a vida tenho escrito Como penso, como sinto, E assim, meus caros, me divido, Sou sempre um s, e no minto.

    Se em Goethe encontramos um testemunho linear e nada complexo de um Eu com unidade e centro, sem 0 ngimento nem mscaras, e no qual escrever, pensar e sentir se correspondem, j em Pessoa, na sua apodctica de0 nio do poeta como 0 ngidor de um 0 gimento total e sem resto (agora de um Ele e no de um Eu, o que j indcio de um distanciamento), aqueles trs elementos se dissociam e o que resta o paradoxo de um 0 n-gimento que, levado ao extremo, a mais aguda forma da autenticidade de quem escreve (mas no necessariamente de quem l, bem menos complexo, como mostram as outras estrofes de Autopsicogra0 a ou o poema Isto).

    Na evoluo desta problemtica, que dos primeiros Romantismos chega at aos Modernos, encontramos, na literatura e tambm no pen-samento, um leque de posies que vai do Eu que diz Eu (a posio dos

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    crentes de si, como Goethe, Victor Hugo ou o anarquista Max Stirner, que, em O nico e a Sua Propriedade, tem como lema A minha causa exclu-sivamente o que meu (...), no uma causa universal, mas sim... nica, tal como eu, ou Coloquei a minha causa sob o signo de mim mesmo: Stirner, 2004: 9 -11 e passim) ao que no diz Eu (porque o objectiva: j o caso, como veremos, de um poeta clssico -romntico -moderno como Hlderlin), at queles que deixam de poder dizer Eu de forma aproblem-tica e dizem No -Eu ou no meu, no meu... (todos os que aprendem a lio de Nietzsche e do cepticismo 0 los0 co, do prprio Nietzsche a Pessoa, mas tambm a Brecht ou Benjamin, que a partir dos anos vinte evita o Eu nos seus ensaios). O anarquista Max Stirner, por exemplo, transforma o Eu numa fortaleza, ou num refgio, contra todas as formas de colectivos, par-tidos, ideologias humanitaristas hipcritas, etc. Mas a a0 rmao de identi-dade libertria do anarquismo no liberta, encerra o indivduo na priso, a0 nal estreita, do seu Eu. O sculo XIX ainda o faz, mas tudo isso se esboroa depois do golpe de Nietzsche sobre a coeso do sujeito e a possibilidade de a0 rmar um Eu sem brechas. Os Romantismos mais modernos, o alemo e o ingls, apercebem -se j dessas fracturas, tematizam -nas e tratam -nas literariamente, entre outras atravs da problemtica do duplo (em E. T. A. Ho3 mann ou Guy de Maupassant), ou tambm j da expresso impessoal, e mesmo da proposta de um grau zero da expresso subjectiva (aquilo que Benjamin ir designar de das Ausdruckslose), na poesia tardia e na potica de Hlderlin, de inspirao grega antiga e de antecipao dos Modernos. Este ltimo caso (e tambm o do destaque dado capacidade negativa, ausncia de identidade prpria do carcter potico do poeta -camaleo por John Keats) particularmente signi0 cativo, pela insistncia em trs momentos que contribuem para despersonalizar a expresso, superando j o subjectivismo e o impressionismo romnticos: 1) aquilo a que Hlder-lin, nos comentrios ao dipo e Antgona, de Sfocles, chama a lei do cl-culo; 2) uma lgica potica particular e j claramente moderna, que faz coincidir imaginao, emoo e raciocnio numa expressividade branca da pura palavra servida pelo processo da interrupo anti -rtmica da poesia trgica antiga, que quebra a empatia; e 3) uma forma especial de pathos que no grandiloquente ( la Victor Hugo), mas resulta antes numa dico hiertica, que tem em Pndaro o seu exemplo antigo maior (e nalguns 0 lmes de Jean -Marie Straub e Danille Huillet a sua melhor cor-respondncia moderna): o modo particular, hlderliniano, de exprimir as rbitas ex -cntricas da experincia potica (Llansol ir falar, em Hlder de Hlderlin, da estrutura do poema -poente, sugerindo que essas rbitas so

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    polidricas, j que a tudo se ir passar ento em frases breves, / fazendo rodar o poliedro do tempo: Llansol, 1993: [7]).[2]

    Depois, o tempo de algumas 0 guras proto -modernas, como Baude-laire ou Rimbaud, questionarem o Eu e as possibilidades da sua autenti-cidade potica: ou porque essa identidade se desvanece na alienao das alegorias da vida urbana moderna ( a problemtica da alienao, da perda e do reencontro do Eu -j -outro no meio da multido, na poesia ps--Correspondncias e nos Pequenos Poemas em Prosa de Baudelaire, ou tambm em contos como O Homem da Multido, de Edgar Allan Poe); ou ento porque na segunda metade do sculo, na sequncia da crise do sujeito cartesiano supostamente idntico a si mesmo, se instala aquilo a que Manuel Gusmo chamou a instabilizao autoral, ou a alterizao dos Modernos, que, desde a camu{ agem do poeta -camaleo de Keats, se con-tinuar at ao sculo XX, com Rimbaud e a potica da dissociao do JE est un autre; com Mallarm (ao apagar o Eu no enunciado do poema, mais tarde expresso na impessoalizao, no objectivo correlativo no lugar do Eu, em T. S. Eliot); com o recurso s mscaras do monlogo dramtico de R. Browning, com o 0 ngimento de Pessoa; ou no poema Post -scriptum, de Artaud, citado por Gusmo, onde se sugere que perguntar Quem sou? signi0 ca j estilhaar o Eu ou melhor, o seu corpo, mon corps actuel (o que no deixa de ser importante, dada a diferena que instaura entre o EU sou Antonin Artaud e o instante do meu corpo no acto de o dizer) (Gus-mo, 2011: 11 -23 e 84 -111).

    A mesma problemtica se encontra, mais tarde, nos clebres fragmentos de Benjamin (trs dos ltimos de O Livro das Passagens) em que este autor se coloca a questo do Quem sou? e do nome prprio, interrogando -se sobre a sua substancialidade ou a sua natureza acidental, sobre a relao entre o ser e o chamar -se, en0 m, sobre o mistrio do nome prprio. Para Benjamin, o que eu sou, que est para alm do nome, quando muito se re{ ecte no nome prprio, o re{ exo daquilo que j foi, do que foi vivido, o hbito de uma vida vivida, o substrato de uma experincia. Quando diz que o nome s pode ser reconhecido em contextos de expe-rincia, quando sugere que somos ns que nos ligamos a um nome (por uma aco animada pelo impulso mimtico), ou quando a0 rma que o bri-lho original do nome que corresponde ao Ser objecto de uma mimese (Ser deve entender -se aqui como a vertente da verdade, coincidncia

    2 Sobre Hlderlin lido por Llansol, veja -se a dissertao de Mestrado de Daniela Jones Oliveira, rbitas Polidricas. Hlder de Hlderlin, de Maria Gabriela Llansol. Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2004.

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    consigo prprio, como essncia de linguagem, no mera nomeao aci-dental, que a vertente instrumental da linguagem), est a dizer que eu sou aquilo com que me identi0 co pela aco, pelo fazer. Esse fazer o do verbo, no o do nome, nem mesmo o do nome que diz eu ( rara a per-gunta quem sou? nos textos de Benjamin, que, como se disse, cedo dei-xou de usar o pronome pessoal no que escrevia). O mesmo dir mais tarde tambm Maria Gabriela Llansol, no dirio que escreve para e com Verglio Ferreira, onde lemos: toda a linguagem est assente no nome, mas o eu como nome nada, o nome por que nos chamam no um consistente; um verbo mais forte do que o nome, porque o nome exclui o que o verbo admite e diz. E, falando de si e de Verglio Ferreira, conclui: o nosso verbo escrever (Llansol, 1996: 40, 48).

    No sculo XIX, em especial na sua segunda metade, assiste -se a um questionar em catadupa, e em vrios campos, do domnio da Razo, da teoria clssica do sujeito e da 0 co do Eu. Marx desenvolver uma teoria da alienao e rei0 cao dos sujeitos no mundo mercantilizado (de que Benjamin se servir largamente na sua anlise da Modernidade a partir de Baudelaire); Nietzsche dar o golpe de misericrdia decisivo nas 0 ces do sujeito coeso, do Eu autnomo e uno (que tambm Freud ir denun-ciar como uma iluso, com a tpica freudiana do sujeito: Super ego Ego Id, e a imagem do Eu como um iceberg de que s a ponta visvel), do conhecimento objectivo e da linguagem como seu instrumento privilegiado. A 0 loso0 a anti -metafsica, anti -substancialista, relativista e perspectivista de Nietzsche ser porventura a maior in{ uncia sobre a escrita e o pen-samento dos modernos a partir de 0 nais do sculo XIX. Denunciando como meras hipteses as 0 ces do Eu, do conhecimento e do mundo verdadeiro, Nietzsche abalar (juntamente com a psicanlise) os alicerces do individualismo e da segurana burgueses, instaurando uma crise do sentido de que at hoje (at Llansol) no recupermos. O sujeito deixa de ser instncia determinante, para ser visto como determinado por factores de ordem ideolgica, histrica e psquica. A 0 loso0 a de Nietzsche (parti-cularmente nos fragmentos pstumos, mais do que nos livros publicados) operar uma desmontagem da noo de sujeito, da fragmentao do Eu e do seu descentramento, propor uma teoria do conhecimento de marca relativista, que levar bastante longe, com as propostas de reviso do subs-tancialismo e da metafsica (o Ser d -se em graus, no de forma absoluta pr -determinada; no existem sentidos a priori, atrs ou acima das coisas; a multiplicidade do real deve ser medida ao 0 o do corpo; o cepticismo uma paixo, no o da negatividade, do desespero do niilismo passivo, mas

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    o das experincias, do niilismo activo, etc...), para a0 rmar uma 0 loso0 a do perspectivismo que haveria de ter consequncias determinantes, nomea-damente na hermenutica e nas poticas modernas. A crise da linguagem e o cepticismo que se instalam a partir do Fim -de -Sculo e alcanam o seu ponto alto no Tratado de Wittgenstein so uma consequncia muito directa destas ideias, que iro encontrar eco em documentos -chave como a Carta de Lord Chandos, de Hugo von Ho3 mansthal, um dos textos fundamentais da crtica da linguagem, e do monismo 0 los0 co, nos comeos do sculo XX.

    A este sentimento de insu0 cincia da linguagem iria reagir, de modos diversos, a poesia das primeiras dcadas do sculo XX, nomeadamente Fernando Pessoa, que, para superar esse mal -estar consigo prprio, com o mundo e com a linguagem, inventaria os heternimos, diversi0 cando as vises do mundo e os usos da linguagem.

    3. Pessoa: o Eu estilhaado

    Tratarei de forma mais breve o caso Pessoa, que certamente muito mais familiar do que os outros dois. Comearia por lembrar que convm analisar em contexto (pessoal e epocal) a problemtica da diviso do Eu, do 0 ngi-mento e das mscaras. Em primeiro lugar, como vimos, trata -se de fen-menos que vm de trs, mas ganham em Pessoa uma visibilidade extrema, pela proliferao de heternimos (muitos deles j vindos da frica do Sul, e no apenas nascidos da imaginao dese pai mtico, Alberto Caeiro), mas tambm pela recepo e miti0 cao de que o prprio Pessoa foi objecto. Por outro lado, essa visibilidade traduz -se numa espectacularidade muito particular, a dos jogos das mscaras, que so o modo prprio que Pessoa encontra para encenar a sua impotncia que no era s dele, mas dos tempos, como mostra, por exemplo, muita poesia do Expressionismo ale-mo sua contempornea, mas com a qual no teve contacto directo. Mas Pessoa ser (com Raul Brando na prosa e S -Carneiro na poesia) um dos poucos exemplos da literatura portuguesa da poca onde o niilismo e o desencanto profundos que grassavam pela Europa mais visvel. O resto era uma alegre inconscincia ou o espectculo circense de uns arremedos de Futurismo de imitao e pouca dura. Quando digo que se trata de fen-menos que vm de trs no penso apenas na tradio europeia do sculo XIX, de que j falei, mas tambm, a nvel pessoal, da bagagem literria e 0 los0 ca, anmala para a poca em Portugal, que Fernando Pessoa traz

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    consigo da frica do Sul. evidente a importncia que, neste contexto, podero ter tido poetas como Shakespeare, um caso de escrita mltipla, desdobrada em personagens, multiplnica, prismtica e universal; alguns dos poetas, ingleses e franceses, lidos por Pessoa, e que evidenciam uma prtica de jogo de mscaras e uma escrita j do 0 ngimento ou da inven-o de mundos (penso em Browning, mas tambm em Baudelaire e alguns simbolistas, como Jules Laforgue). Do outro lado, o das leituras 0 los0 -cas, sabe -se que Pessoa leu, pelo menos indirectamente (pelas ligaes que tinha a Berkeley), um 0 losfo pouco referido como Ernst Mach, mas muito in{ uente pela sua 0 loso0 a sensacionista, da dissoluo do sujeito racional em feixes de sensaes (como mostrei em Ismos em convergncia, ou: O sensacionismo portugus fala almo, Barrento, 1987: 51 -83); e que sobre-tudo Nietzsche haveria de ter, em variadssimos aspectos, uma in{ uncia e uma presena importantes na sua Obra[3].

    Destaco apenas duas ou trs ideias de fundo sobre a problemtica do Eu em Pessoa, avanando algumas teses sobre a construo heteronmica, j que se trata de matria mais conhecida e discutida (embora nem sempre consensual, nem levada s ltimas consequncias). Comeo por lembrar o prprio Pessoa (em carta a Gaspar Simes), quando a0 rma que nas 0 ces do Eu nunca se chega ao disfarce absoluto, isto , a alteridade nunca total. Um segundo aspecto importante o de que o Eu e essas suas 0 ces formam um todo: ou seja, nessa construo no h exterior, nem um centro que controle o jogo. Vai -se mais longe em Pessoa do que num poeta ante-rior como Robert Browning, como j sugeri num outro livro: enquanto a obra de Pessoa o documento de um permanente e total desencontro e des -controlo (quem controla quem no jogo dos heternimos?, pergunta, e bem, Eduardo Loureno), Browning ainda todos os Outros que inventa. Aqui reside a diferena entre um jogo do distanciamento que veicula uma viso do mundo e da arte diversi0 cada mas enraizada num sistema de valo-res, e o desespero tragicmico de um radical desenraizamento que traz as marcas da negatividade total, que impede o reencontro dos estilhaos do Eu e no legitima qualquer tentativa de sntese harmonizadora, ainda pos-

    3 Vd., sobre a recepo de Nietzsche em Portugal, e nomeadamente em Pessoa: Amrico Enes Monteiro, A Recepo da Obra de Friedrich Nietzsche na Vida Intelectual Portuguesa. Porto, Lello Editores, 2000; Joo Barrento, Cometa e palimpsesto (Nietzsche na literatura portu-guesa), in: A Espiral Vertiginosa. Ensaios sobre a cultura contempornea. Lisboa, Cotovia, 2001, pp. 121 -138; Antnio Azevedo, Pessoa e Nietzsche. Lisboa, Instituto Piaget, 2005; e Ste3 en Dix, Pessoa e Nietzsche: deuses gregos, pluralidade moderna e pensamento europeu no princpio do sculo XX, in: CLIO -Revista do Centro de Histria da Universidade de Lisboa, n 11/2004, pp. 139 -174.

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    svel em Browning. Pessoa, esse pergunta: Deus no tem unidade / Como a terei eu? (cf. Barrento, 1987: 111). O intelecto, que poderia ser esse cen-tro que falta, ou no sustenta o mundo, como sugere Yeats em Sailing to Bizantium (the center does not hold), ou no instncia soberana, livre e determinante: uma maldio, uma doena da nostalgia vitalista dos Modernos, um espinho cravado nessa predisposio vitalista recalcada em Pessoa, Benn, Kandinsky e outros. Em terceiro lugar, se as 0 ces no so absolutas, se no h exterior nem centro de controlo, ento tam-bm no pode existir um Pessoa ortnimo (i. : de nome prprio, certo, no seu lugar: ortos). Ou ento deixou de existir a partir do momento em que inventou (lhe nasceram) os heternimos (os nomes -outros). Daqui se pode concluir que a instncia geradora de orto - e heternimos uma matriz ausente, um lugar des -centrado, uma rbita ex -cntrica, um espao in -forme, um inconsciente esttico (e talvez existencial, quando, apesar de tudo, se coloca a pergunta Quem sou?).

    A tese global que daqui extraio a seguinte: todo o Pessoa escrito/de escrita uma constelao heteronmica, e por isso um Eu que no tem auto--retrato, mas to somente hetero -retratos (incluindo o pseudo -prprio). Ele prprio mais uma mscara de si, ou da grande e nica mscara que o explica (?) e abarca: a mscara do geometrismo (do intelecto), mas em ten-so com a nostalgia vitalista recalcada de que falei, uma forma de nostalgia que em muitos modernos sublimao de outra coisa. Tentaremos ainda ir um pouco mais longe, com a ajuda de duas aproximaes recentes, e bas-tante distintas, problemtica da identidade em Pessoa as de Manuel Gus-mo e Jos Gil , e estabelecendo, por antecipao, j alguns contrastes com o caso prximo e distante de Maria Gabriela Llansol. No ensaio, j citado, Anonimato ou alterizao?, Manuel Gusmo v Pessoa como autor de autores, multipolar e em dilogo mltiplo e descentrado; por outro lado, e ecoando Jos Gil, a0 rma -se que os heternimos so formas particulares de devir autor, modalidades de um devir -outro. A ser assim, parece -me ser possvel que exista, na construo pessoana, um duplo movimento (que con0 rma a minha tese de Pessoa como heternimo de si mesmo): o movi-mento de metamorfose do autor em heternimos e o da heteronimizao (defensiva) do autor Pessoa. Neste duplo movimento, que uma oscilao entre a ostenso da singularidade (no poema Isto, uma arte potica em que diz Eu) e a pretenso de universalidade (na Autopsicogra0 a, uma outra potica, mas do distanciamento do Eu atravs da terceira pessoa), se joga toda a teoria do 0 ngimento em Pessoa, 0 ngimento esse, diz ainda Gus-mo, remetendo para Nietzsche, que uma verdade -mentira em sentido

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    extra -moral (puramente esttico, 0 ccional, e no tico) (Gusmo, 2011: 105 -111). Completaria esta re{ exo com uma observao e uma conclu-so: a complexidade no dualista do problema do 0 ngimento deve pr -nos de sobreaviso em relao a qualquer forma de simplismo (eu versus outro, quando na verdade esse outro so muitos outros), de tentao de recolocar o autor no centro ou do jogo do 0 ngimento como o oposto da sinceri-dade. De facto, em Pessoa esse jogo levado ao ponto de o 0 ngimento se tornar ele mesmo... a mais genuna forma de sinceridade (de certo modo, foi tambm este aspecto que interessou mais a M. G. Llansol na sua ocupa-o de muitos anos com a personagem Pessoa, que haveria de transformar na 0 gura de Aoss).

    Por seu lado, no seu ltimo livro sobre matria pessoana O Devir -Eu de Fernando Pessoa Jos Gil traz uma sugestiva imagem para dar a com-plexidade (mas tambm a unidade tensa) do universo -Pessoa: a imagem do Eu -Pessoa como um espao interior implodido e cheio de uma multido, contendo em si, como o Eu de Tabacaria, todos os sonhos do mundo, mas sendo, parte isso, um nada. A outra ideia central a de uma noo de Eu como um espcie de receptculo para todos os outros, um mapa que reco-bre outros mapas, maneira de um palimpsesto. Este novo mapeamento, em dois regimes (o do eu -plano -multido e o do eu -pele ou eu -oce-ano), permite a Jos Gil rever toda a problemtica do Eu em Pessoa, para concluir: 1) que esse Eu no j um sujeito de nenhuma espcie, mas um puro plano, pura superfcie de circulao de { uxos de sensaes (imagem que pode conter uma contradio em relao do Eu como espao interior implodido); 2) que esse Eu no o outro, o mais clssico nos comentadores de Pessoa, o que sofreria de falta ontolgica de uma vida simplesmente humana; para Gil, esse Eu no nenhum Eu em perda (de humanidade), mas to somente um Eu que possibilita a escrita. Desfaz -se assim a distin-o, no operacional segundo F. Gil, entre o eu emprico e o eu substancial vazio, 0 guras estticas que substitui pela dinmica de eu -plano -multido, que no ser ponto de chegada, mas ponto de partida (entre outras coisas, do nascimento e da vida dos heternimos). E conclui: se conviermos em que esse Eu -plano -multido no propriamente um Eu, ento ele ser o lugar de onde sai a plenitude da vida. Contrariando todas as leituras (o erro dos leitores) que tomam o Eu negativado por oposio ao Eu emp-rico do Esteves, Fernando Gil consegue chegar a uma quase quadratura do crculo: mostrar que a0 nal o que atrai (melhor, o que subjuga) o leitor nesta poesia o seu poder de vida, que, por contaminao e osmose, pode ser libertador (pergunto -me: poder de vida, ou potncia de pensamento,

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    ainda e sempre?). Daqui a chegar tambm ideia de que toda a poesia de Fernando Pessoa visa a espontaneidade e a singularidade absolutas um passo. Assim sendo, o leitor levado, no a abismar -se num Eu oco sem fundo, mas a entrar, como lvaro de Campos, na substncia do mundo (Gil, 2010: 9 -33). Toda a argumentao se orienta no sentido de contrariar leituras correntes, para explicar o novo modo como o artista Pessoa capta (melhor, subjuga por osmose) o seu leitor, implicando, com todos os 0 l-tros da impessoalidade, e apesar deles, a existncia de um sujeito forte.

    Esta leitura marca uma diferena assinalvel entre Pessoa e Maria Gabriela Llansol, ou a sua leitura dele: Llansol, tendendo para uma expres-so do H do mundo no texto, dilui e anula o Eu no todo do Ser. Na carta a Casais Monteiro sobre a gnese dos heternimos, Pessoa fala da sua ten-dncia orgnica e constante para a despersonalizao e para a simulao. Em Llansol, o que encontramos a certeza de que o Eu que escreve (ou vive) no centro que se divida e estilhace ou despersonalize, mas parte que quer dissolver -se e fundir -se, anular -se e no a0 rmar -se. Deste modo, Pessoa enclausura -se em si, enquanto Llansol se derrama no universo vivo. E quanto a ter todos os sonhos do mundo, tambm nela no h sonhos nem utopias: o mundo no tem aqui substncia nem forma, visionado como espao dinmico (do) Aberto em que o Eu se insere. No h fragmentao nem simulao: o Eu de Llansol indistingue -se das vozes que povoam o seu texto, a sua marca uma sinceridade outra que a 0 ngida de Pessoa. A relao fundamental que Heidegger estabelece entre identidade e dife-rena, para de0 nir um princpio de identidade que articula pensamento e Ser (a partir de Parmnides), com vista aproximao de uma forma de verdade para o ser do ente (a da unidade do ente consigo mesmo, que em Llansol corresponde a uma convergncia), estar porventura mais presente em Llansol do que em Pessoa. Em Heidegger, essa convergncia d pelo nome de co -pertena (Zusammengehrigkeit) entre identidade e diferena, uma identidade que assenta numa mediao, relao, sntese: a unio, numa unidade, do Homem (o pensamento e a escuta do Ser, em Parmnides) e do Ser (enquanto presena e fundo do ente). Este ponto de vista exige um salto para l do dualismo ocidental (do sujeito e seu objecto), e lei desta relao mtua e co -determinante de Homem e Ser chama Hei-degger das Ge -stell: um posicionamento recproco, o modo de uma atri-buio de lugares que coloca o homem e o ser um em relao com o outro. O acto deste encontro, que diz muito sobre o modo como tambm Llansol v a relao mtua dos seres, buscando no confronto a sua id -entidade, chama -se em Heidegger Er -eignis: em sentido corrente, acontecimento,

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    mas neste contexto ser melhor traduzir, literalmente, por co -propriao originria, primordial, isto uma constelao de co -pertena de duas coi-sas singulares, e prprias (eigen) (Heidegger, 1968: 253 -310). No andamos longe das noes llansolianas do mtuo ou do ambo.

    4. Paul Celan: o Eu rasurado

    Bem diferente o modo como a problemtica da identidade se coloca num poeta como Paul Celan. Aqui no h lugar para jogos. E a nica mscara presente a da morte. Estamos na ponta 0 nal de todos os humanismos e no reino do totalitarismo, da nuli0 cao do humano, da reduo a zero do indivduo no beco sem sada da Histria. No h aqui lugar para o ldico, ainda que os jogos sejam srios; s para o trgico (e para a morte livre, forte expresso alem para suicdio, que Paul Celan escolheu num dia de Abril de 1970, entregando -se s guas do Sena). E no entanto ou talvez por isso mesmo esta poesia, contrariamente s leituras que a dizem her-mtica e impossvel depois de Auschwitz, no monolgica nem autotlica: dialgica (aprendeu a s -lo com Martin Buber, e poderia tambm ter sido com Levinas) e apresenta clareiras de esperana no corpo da sua linguagem altamente cinzelada, da sua fala lmpida e inconfundvel, em pleno terri-trio da lngua dos assassinos. Por isso o poema de Celan, que traz na memria o que h de mais sombrio e problemtico, no pode ter j nada a ver com uma tradio em que imperava aquela harmonia que, mais ou menos despreocupadamente, se ouviu com o que h de mais terrvel, ou ecoou a seu lado (Celan, 1996: 29 -30). O poema agora a fala de um Eu que se dirige a um Tu apostrofvel, e na sua essncia dialgico (Celan, idem: 34), faz -se a partir de uma inteno de relao e encontro mesmo sendo poesia absoluta, o poema impossvel nos limites da expresso.

    O poema solitrio. solitrio e vai a caminho (Celan, idem: 57): no expresso de um Eu dividido, mas de um Eu que incorpora um Tu, um Outro. A sua alteridade no radical, porque o outro est a, l, perto ou longe, mas num horizonte de esperana apesar de no ser esta a leitura mais habitual desta poesia tantas vezes sombria, elptica, por vezes gelada e negra:

    Mais negro no negro, estou mais nu.S quando sou falso sou 0 el.Sou tu quando sou eu. (Celan, 1993: 13)

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    Mas, quem este tu? O outro. Mas, que outro? O outro do Eu, dele indissocivel. Mesmo na mais radical solido de um campo de extermnio, o Eu no se sustenta sem o seu reverso, a sua distncia de si, que d para o outro. Na mesma linha, um outro topos desta poesia de fortes contrastes: o da indissociabilidade do Sim e do No, ainda e sempre do Eu e do Outro, da luz e da sombra:

    Fala Mas no separes o No do Sim.D tua sentena igualmente o sentido:d -lhe a sombra.[...]Fala verdade quem diz sombra. (Celan, idem: 67)

    O No o lado mais obscuro do Eu, e apesar de tudo apenas sua som-bra. De sombra se fala, no de trevas, que tambm as h nesta poesia. Mas do meio delas fala ainda muitas vezes (por exemplo nos poemas do esplio) um eu que, por mais rasurado e solitrio que esteja, ainda Eu:

    [...]Sou eu, eu,estava entre vs, estavaaberto, eraaudvel, toquei -vos, a vossa respiraoobedeceu, soueu ainda, mas vocsesto a dormir.[...](Celan, idem: 85)

    Eu ainda, mas em muitos poemas reduzido a Nada, a p, sob o peso trgico da conscincia da sua vulnerabilidade, da sua aniquilao pela His-tria:

    Salmo

    Ningum nos moldar de novo em terra e barro,ningum animar pela palavra o nosso p.Ningum.

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    Louvado sejas, Ningum.Por amor de ti queremos{ orir.Em direcoa ti.

    Um Nadafomos, somos, continuaremosa ser, { orescendo:a rosa do Nada, ade Ningum.

    Como estilete claro -de -alma,o estame ermo -de -cu,a corola vermelhada purprea palavra que cantmossobre, oh sobreo espinho. (Celan, idem: 103 -105)

    Algumas questes se levantam a partir destes exemplos (e do que pode-

    mos ler nos textos metapoticos de Paul Celan), quanto problemtica da identidade e ao estatuto do Eu. Uma primeira ideia a de que o Eu muda de estatuto, de atributos e de condio, se a sua relao dominante for com a Histria (Celan), com o Ser (Hlderlin, talvez tambm Llansol) ou consigo prprio (Pessoa). Daqui, a pergunta: que Eu fala numa poesia como a do judeu aptrida Paul Celan? A partir de que lugar negativo intolervel, ou esperana messinica audvel? Seja qual for a resposta, claro que Celan veio desmentir como que a partir de dentro, do prprio mago da poesia a a0 rmao de Adorno sobre a impossibilidade da poesia depois de Aus-chwitz. Ou ento Adorno queria dizer que a poesia o Eu de algum modo ainda mais ingnuo, ou tambm mais mental, que falava na poesia anterior ao holocausto se tornou outra nesse contexto histrico, e que esse outro indizvel. Talvez porque a o Eu o seu corpo, a sua condio no j men-tal, nem meramente vivencial, mas existencial e experiencial (no sentido de algum que passa por uma ex -perincia, ou seja, que faz uma travessia de risco). Celan dir, como Benjamin a propsito dos protagonistas do drama barroco, que essa condio criatural est fora da Histria, mas subme-tida sua cegueira, da moral e do prprio psiquismo humano. A sua tra-gdia no j a anterior, a do esprito ou da civilizao (diagnosticada por

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    pensadores como Georg Simmel, Max Weber ou Freud), mas a desse corpo individual e colectivo, da existncia nua e arriscada (mais tarde, tambm Llansol dir, por outras razes, que sem essa travessia de medo e de risco, a que chama metanoite, no h escrita).

    Nesta situao, o Eu cala -se, deixa( -se) falar (por) um Isso terrvel, que a voz que se ouve na poesia cada vez mais impessoal e mais branca de Celan. Esse Isso no a voz do inconsciente, mas a da barbrie sem nome: o Nada, o Rei (Cristo negro?) no centro do mundo; ou, no poema, na mandorla--mandala com o seu fundo azul real que a0 nal supera o negro, porque a ltima palavra. Dois exemplos:

    Terra negra, negraterra, me dashorasdesespero:

    Aquilo que da mo e da sua ferida a ti tenasceu fechaos teus clices. (Celan, idem: 111)

    Mandorla

    Na amndoa o que est na amndoa?O nada.Est o nada na amndoa.A est e est.

    No nada quem est a? O Rei.A est o Rei, o Rei.A est e est.

    Madeixa de judeu, s imortal.

    E os teus olhos para onde esto voltados os teus olhos?Os teus olhos esto voltados para a amndoa.Os teus olhos, para o nada esto voltados.Para o Rei.Assim esto e esto. Madeixa de homem, s imortal. Amndoa vazia, azul real. (Celan, idem: 111 -112)

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    O Eu per0 la -se aqui para alm de si: mas para alm de si no signi0 ca agora ele prprio desdobrado em outros, antes um destino o do Eu rasu-rado por uma condenao sem recurso, no beco da Histria:

    Ests para almde ti,

    para alm de tiest o teu destino,

    de olhos brancos, fugido aum cntico, algo se aproxima dele,que ajudaa arrancar a lngua,tambm ao meio -dia, l fora. (Celan, idem: 175)

    Mas perguntamo -nos: sem recurso? Talvez no, certamente que no, nem em Celan (vejam -se os poemas do esplio, e a luz que os atravessa), nem muito menos em Llansol. Em Paul Celan ainda indesmentvel a dimenso trgica; em Llansol, apesar do travo amargo e da viso crtica, mais visvel o per0 l csmico da esperana, sustentado pela crena na possibilidade de uma reinveno do humano. Em Celan isso acontece de outro modo, como que rebours: contra todo o pessimismo histrico (plenamente justi0 cado), o tom dos poemas do esplio mais elegaco, e a esperana a{ ora (No inaclarvel /abre -se uma porta), numa potica da revelao e do encontro, da ateno ao outro:

    No te escrevasentre os mundos,

    ergue -te contraa variedade de sentidos,

    con0 a no rasto das lgrimase aprende a viver. (Celan, 1998: 73)

    Mas tentemos ainda uma focagem mais prxima: que identidade a de um Eu que no fala, mas deixa falar outras instncias no poema, que usa mais o apelo a um Tu do que a a0 rmao de um Eu? Por outras palavras:

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    o que fala aqui, se no (j) o Eu? Talvez um duplo silncio. Em primeiro lugar, a radicalidade da presena (da coisa que anula a linguagem, como na Carta de Lord Chandos), ou a imagem nua que anula a emoo subjectiva (no sentido daquilo a que Celan, no clebre discurso O Meridiano, chama o poema absoluto que leva ad absurdum todas as metforas). Ou ento: a textura que fala (como nas telas 0 nais de Mark Rothko), o olhar que penetra, o poema como resultado da experincia beira do ponto -voraz, a0 rmando -se margem de si mesmo: do seu J -no -[Eu] ao seu Ainda -e--sempre -[Eu]. Em segundo lugar: o silncio da melancolia (no monocroma-tismo de Rothko, na reduo de linguagem e no apagamento do emocional nos ltimos poemas de Celan), explicvel por uma vontade de depura-o da diviso, de um regresso in -fantia (=ausncia de fala), expresso mais neutra do neutro. O resultado , nesta poesia, um materialismo do signi4 cante que se manifesta no peso da palavra isolada, uma esttica da pura potncia (como a de Bartleby), da negao sem niilismo. Uma potica sem centro, ou com centro vazio; uma expresso sem expressividade, sem pathos, sem prova; uma potica do rigor, que no trans0 gura, no poe-tiza: nomeia e postula... (Celan, 1996: 30). A voz de um Eu distante que, mergulhado na memria da catstrofe do sculo, busca o seu modo de estar a (Celan) o seu H. Com a entrada neste novo modo de estar -a, de presena -ausncia e de diluio do Eu a que Emmanuel Levinas chama o H estamos 0 nalmente no espao do terceiro autor que convoquei para a problemtica da identidade, o de Maria Gabriela Llansol.

    5. Llansol: o H existe

    A problemtica da identidade na escrita e da escrita em Maria Gabriela Llansol pode colocar -se a trs nveis:

    1) Discursivo: que voz ou vozes falam no texto, e qual o lugar do Eu,

    de quem nele diz Eu? Esta questo leva a um segundo nvel, o

    2) Genolgico (dos gneros ou das formas de escrita deste texto, ins-

    tveis e hbridas); gura aqui em lugar central a questo da autobiogra a (do auto -retrato) numa escrita que se faz entre a co (que ela se nega a ser), o dirio e a re exo, mas em que a primeira pessoa dominante;

    3) Filos co: o do salto que nesse texto se opera do Eu para o H, ou seja, do registo pessoal, com lugares e datas, para a mais radical impesso-

    alidade, o falar absoluto e sem sujeito (como disse um dia Eduardo Lou-

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    reno). Esta fala singular do texto de Llansol , no plano da sua relao

    com o Ser, o H de Levinas[4].

    Vejamos mais de perto estes trs aspectos.

    5.1. As vozes do discurso

    Na literatura portuguesa contempornea (em que manifesto, mesmo na poesia, um certo pudor do Eu, mais visvel sobretudo depois da chamada Poesia 61), quase todo o auto -retrato, quando existe, tende a s -lo em espelho convexo, isto , deformante e redutor, desfocando ou des -0 gurando o Eu objectivado pelos processos do distanciamento, da auto -ironia ou mesmo da pardia (o j citado caso de Adlia Lopes). Ou ento, invertendo este ltimo trao, em vez de reduzir amplia -se o Eu, precisamente dimen-so csmica do H. Domina, no entanto, um tipo de tratamento de si que resulta numa espcie de inverso e de irriso do mito de Narciso, que na origem est marcado pelo enamoramento de si (melhor, da sua imagem), pelo desejo ou a nostalgia de assimilar a si o outro -de -si.

    Maria Gabriela Llansol um caso paradoxal neste contexto: oferece--nos uma escrita quase sempre enunciada numa primeira pessoa... que no um Eu, que evidencia mesmo uma progressiva evanescncia do Eu! O paradoxo explica -se pela polifonia de vozes (no pessoas, nem gramati-cais nem sociais) presentes nesse enunciado no linear, ambguo e aberto, ou tambm pela irreversvel superao, a partir de O Livro das Comu-nidades, da personagem de 0 co, em favor da 4 gura (que inclui muitas vezes a narradora -autora e a sua voz). a prpria natureza desse novo ser -do -texto, a que chama 0 gura, que explica a necessidade dessa des-personalizao e do enunciado dessubjectivado: de facto, a 0 gura uma fora actuante (com ou sem nome, sempre com nome de ser, mas no necessariamente de gente), uma energia que, em confronto com outras, percorre o texto sob a forma de ns construtivos que so o sustentculo das cenas fulgor de que ele se tece. Maria Gabriela Llansol de0 niu um dia lapidarmente a 0 gura dizendo que ela aquele/aquela/aquilo que

    4 A ligao explcita de Llansol a Levinas passa provavelmente apenas pela leitura de tica e In4 nito. De facto, no existe hoje nenhum livro de Emmanuel Levinas na biblioteca pessoal de Llansol, j totalmente catalogada. E a nica referncia ao 0 lsofo que encontrei na sua Obra (dita e indita) at agora foi numa passagem do dirio Um Falco no Punho (j de 1982), em que se cita uma pgina, precisamente do incio de tica e In4 nito. No entanto, a repercusso do tema do H levinasiano em Llansol absolutamente excepcional, particular-mente em livros como Inqurito s Quatro Con4 dncias (mas tambm em Parasceve ou O Jogo da Liberdade da Alma).

  • 33IDENTIDADE E LITERATURA: O EU, O OUTRO, O H

    susceptvel de ressuscitao ou metamorfose e que incorpora um princ-pio de vida (apud Barrento, 2009: 124). Estamos prximos daquilo a que se poderia chamar o H da sua escrita, ou do poema -sem -eu, em que a vibrao (potica e humana) da escrita no reverte para um Eu, mas se expande para um universo, ganhando sentido universal: -me imposs-vel dizer Eu. Ns, talvez. Mas dizer todos, com esta que escreve includa, melhor (Llansol, 2010: 169).

    A pergunta do Eu em Llansol (como em Walter Benjamin, quando coloca a questo) a de quem busca situar -se, interrogando a identidade, entre o Ser e o Nome (ou o apelo do Outro). Essa pergunta divide -se em Llansol entre o Quem sou? (mesquinha pergunta de escravo) e o Quem me chama? (que pergunta de homem livre) (Llansol, 1998: 130). Pode parecer um paradoxo, mas explica -se pela diferena essencial que existe entre ser (porque tambm para a 0 loso0 a dialgica de Levi-nas -se com o Outro, cresce -se e forma -se o Eu no quadro da resposta que responsabilidade para com o outro, e o seu Rosto) e ter ter nome, simplesmente. E, como j vimos antes, em Llansol o verbo, e no o subs-tantivo, que determinante da identidade: o Eu como nome nada. A identidade forja -se no fazer, que sempre um fazer desfazendo imagens feitas que vo refazendo um retrato original que no existe. Num frag-mento de texto escrito margem da sua edio francesa do Zaratustra de Nietzsche, M. G. Llansol anota este processo de se pintar e apagar: H dias que decidi separar -me de todos os m[eus] comp[anheiros] para pintar [,] e primeiro tive que cobrir a parede de branco para recomear [...]; nunca pensei em pintar -me, uma simples pincelada em mim mesma e 0 caria coberta... (e deixaria o qu vista?, perguntamo -nos: fragmen-tos de si? a vertigem de si?). Llansol coloca, assim, sempre o Eu numa zona de dvida, de transformao (como as suas Figuras), ou claramente distncia, transformando -o em objecto, por exemplo quando escreve margem de uma pgina de caderno do esplio, a propsito da forma do dirio, da sua vida e da necessidade de a objectivar: ... no a primeira vez que a minha vida prpria me aparece do exterior; decidi hoje dividir este dirio, no por anos e por dias, mas por versculos; um dirio pode ser mais objectivo do que uma vida pessoal adjectivo que me faz pensar em Pessoa...[5].

    5 Esplio de M. G. Llansol, Caderno 1.11, p. 221 (15 de Novembro de 1981). O excerto passou, quase na mesma forma, para Um Falco no Punho, p. 62.

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    5.2. A autobiografi a

    Llansol sempre rejeitou a ideia de que o que escrevia era autobiogr0 co, sempre a0 rmou e escreveu a sua repulsa do confessionalismo e do empola-mento do Eu. H vrias passagens, em livros e nos cadernos do esplio, em que se exprime esse desejo de fugir ao destino do vate. Fugir mediocri-dade da autobiogra0 a (Llansol, 2000: 18).

    E no entanto, diz Llansol, escrever o duplo de viver (Llansol, 1998: 73). Como se explica ento que no haja autobiogra0 a? Porque escrever um duplo, e o duplo uma projeco, um prolongamento, no uma re -presentao narrativa. Llansol explica, numa entrevista a Antnio Guer-reiro: Primeiramente vivo, e depois escrevo com [no sobre!] a minha vida. No se pode dizer que o que escrevo autobiogr0 co[6]. Algumas obras da autora Depois de Os Pregos na Erva, e sobretudo Um Beijo Dado Mais Tarde mostram evidncia que vida e escrita no se relacionam em termos de exterioridade mtua: aqui, no se narra uma vida (passada), escreve -se experincia (presente). Por isso nestes livros, e noutros (como Parasceve ou O Jogo da Liberdade da Alma), o papel da memria se reduz e torna problemtico: porque a memria, se narrada sem decepao, implica sair do tempo da imanncia, o presente, que o tempo de toda a escrita de Llansol. Para M. G. Llansol mais importante o que se adquire (uma voz pr-pria, uma conscincia, uma alma crescendo, o que est sendo) do que o que se herda ou tem que matria a decepar, amalgamar com o presente, deslocar, transformar. Assim, eu diria, com Llansol: tem -se o que se herda, -se o que se devm, o que se vai adquirindo para ser outro (nada , tudo est sendo, lemos em Finita). Esse devir passa pela zona de risco a que se chama metanoite, o lugar onde se arrisca a identidade: em cada risco que tomam, as 0 guras descobrem novos aspectos da metanoite (Llansol, 2003: 143).

    E como no se tem o Eu, ele s pode ser em permanente mutao, s assim se pode escrever como escreve Llansol. Para poder ser assim em devir, o Eu escreve -se distncia de si e do seu nome; o eu como nome nada, e o nosso nome [o de quem escre -vive] um verbo, lemos no dirio para Verglio Ferreira, j citado (Llansol, 1996: 48). Este modo de existir escrevendo, de conceber uma vida como pulso de escrita, o da perfeita coincidncia do Eu com o H, quando a escrita se torna uma segunda natu-reza: escrevo como H (Llansol, 2003: 159, isto , como o mundo est a e respira. Na ltima interveno que fez sobre a escrita de Llansol, Eduardo

    6 Na margem da lngua, fora da literatura, entrevista com Antnio Guerreiro, Expresso, 6 de Abril de 1991.

  • 35IDENTIDADE E LITERATURA: O EU, O OUTRO, O H

    Loureno demarca -a claramente da denegao do estatuto do Eu conver-tido numa proliferao to v e virtual como a do eu suposto em Pessoa, para a0 rmar que a sua viso resulta de uma imerso original num No -Eu que, segundo Eduardo Loureno, seria equivalente ao Deus de Spinoza.[7] Ora, justamente esse Deus -substncia de todos os modos do Ser pode ser visto como a expresso absoluta do H.

    6. Do Eu ao H

    Escrevendo assim, anula -se a herana, a biogra0 a prpria (?), porque estamos sempre a escolher uma origem (a ideia est j em Nietzsche, e Llan-sol pode tambm nascer durante a leitura de um poema, ou no importa onde). O rosto desta origem a infncia, que, como tambm explica Levi-nas, participa do H: ... h, para mim, o fenmeno do ser impessoal: il (il y a). A minha re{ exo sobre este tema parte da re{ exo sobre a infncia. Dorme -se sozinho, as pessoas adultas continuam a vida: a criana sente o silncio do seu quarto de dormir como sussurrante [...] Algo que se parece com aquilo que se ouve ao aproximarmos do ouvido uma concha vazia, como se o vazio estivesse cheio, como se o silncio fosse um barulho. Algo que se pode experimentar tambm quando se pensa que, ainda que nada existisse, o facto de que h no se poderia negar (Levinas, 1988: 39 -40). O H ento, como em Llansol, um sussurro do mundo, um bru-mor (l -se em O Senhor de Herbais) que vem da cena do Ser em aberto, uma plenitude envolvente desse Ser de onde nasce a possibilidade de nos libertarmos de tudo o que foi o H est fora do social, da histria e do armazm da memria que a biogra0 a (da que a 0 gura llansoliana no se entenda sem este H, sendo, como , campo de foras, energia mutante, e no um Eu com biogra0 a estvel, e domesticado).

    A mais signi0 cativa consequncia deste modo particular de escrita--vida , no entanto, a constatao de que o que parece ser uma ausncia se converte numa presena, como uma atmosfera densa, mas leve e distante. essa a infncia enquanto rosto do H, de que fala Levinas (mas tambm, noutros termos, Spinoza e Nietzsche, Benjamin e Agamben): o lugar de um esquecimento activo (o tempo do animal na Segunda Intempestiva de Nietzsche), que se aproxima da noo do Aberto em Rilke. Uma substncia

    7 Eduardo Loureno, A realidade como texto e o texto da realidade, in: Llansol: A Liberdade da Alma (Segundas Jornadas Llansolianas de Sintra, Setembro de 2010). Lisboa, Mariposa Azual, 2011, p. 20.

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    neutra do humano, que Levinas de0 ne ainda como uma ausncia de todo o si -mesmo, um sem -si -mesmo, ou o existir sem existente de Heidegger, que Levinas reporta, tal como Llansol, ao verbo, e no ao substantivo: o H no o prprio dos seres que so, mas da prpria aco de ser (Levinas, 1993: 84 -86).

    Em Llansol, essa infncia o lugar (a que tambm chama espao ed-nico) no mtico, porque sempre a, na imanncia dos dias, de um tempo--espao da des -memria que encontramos em 0 guras como a mulher de Parasceve ou Tmia, a rapariga desmemoriada de O Jogo da Liberdade da Alma. Uma anamnese deliberada e construda, para que se a0 rme o presente nu e eterno da imanncia, uma 0 ltragem da empiria dos fenmenos, para que a escrita seja a da Ideia (como a vem Goethe ou Benjamin), contra o realismo e o autobiogr0 co, tal como se percebe pela leitura da Partcula 13 de Os Cantores de Leitura, onde se diz que o real um ser inexistente mas no imaginrio (exilado do H como a telenovela [...], aqueles enredos, todos eles fornecidos por um sculo e meio de romance e teatro, l -se em Inqurito s Quatro Con4 dncias) do qual a escrita extrai o essencial para chegar ao humano: Esta a tcnica mais simples de construir o texto, e que lhe cria a repugnncia do autobiogr0 co (Llansol, 2007: 32). Escrita do H, que, em Levinas como em Llansol, no se explica por via da ontologia, mas de uma metafsica da imanncia. A, a identidade dilui -se, o Eu apaga -se nesse lquido amnitico do Ser e da escrita cujo motor o jbilo: No h que escolhi, / a minha espinha dorsal o jbilo. Escrever / est dentro do redil do paraso, que tambm uma sebe onde eu entro atravs do ar... (Llansol, 1996: 72). Este H parece ser em Llansol a prpria condio da escrita para l do Eu, ou, como para Levinas, um terceiro excludo, existir sem exis-tente ou presena de uma ausncia determinante, que no o puro nada, mas porque ainda que nada existisse, o facto de que h no se poderia negar (Levinas, 1988: 40 e 1993: 84).

    Perguntamo -nos, a concluir: que pode ter isto, a problemtica do H, a ver com aquilo que nos ocupou at agora, a auto -representao e a questo autoral em literatura? Tem tudo a ver, se pensarmos que estamos perante uma das formas mais radicais de deslocamento do ponto de vista em rela-o a tudo, ou quase tudo, o que conhecemos como literatura: No h literatura. Quando se escreve s importa saber em que real se entra e se h tcnica adequada para abrir caminho a outros. (Llansol, 1998, 55). Quando Maria Gabriela Llansol escreve esta frase to citada, est a dizer que escre-ver , no comunicar um Eu (sair dele para o leitor), mas entrar num real pela linguagem. A nfase posta, no no sair de si, mas no entrar num real-

  • 37IDENTIDADE E LITERATURA: O EU, O OUTRO, O H

    -outro, margem de si e da prpria lngua. Retira -se o Eu, o autor apaga--se ( j apenas scriptor), o campo do texto, do trabalho de linguagem nele 0 ca aberto e disponvel para a entrada do leitor, que aqui, no sendo um leitor -modelo, nem lector in fabula, preso nas malhas de uma qualquer 0 co, mas um agente (legente), gera ele mesmo um novo modo de ler/escrever, a que se chama escreler.

    Nesse espao, os vrios Eus intervenientes dissolvem -se, apagam -se nas suas funes, no seu fazer, e confundem -se com o prprio Ser. H no esp-lio de Llansol um papel avulso que uma smula do universo, do projecto e dos mbeis da sua escrita, e em que se fala de sageza ou sophia, e onde se diz, simplesmente: O H existe[8].

    Figura 2

    8 Esplio de M. G. Llansol, avulso Fams0621r.

  • 38 JOO BARRENTO

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