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7º Encontro Anual da ANDHEP Direitos Humanos, Democracia e Diversidade 23 a 26 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR) Grupo de Trabalho 3: Constituição, Democracia e Direitos Humanos DIREITOS HUMANOS NO CASO PINHEIRINHO E UMA ANÁLISE JURÍDICA E DA ABORDAGEM PELA MÍDIA BRASILEIRA Morgana Moura Lima - FMU Vinícius Mauricio de Lima PUC-PR

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Este trabalho faz uma análise jurídica da reintegração de posse da comunidade de Pinheirinho, de São José dos Campos, interior de São Paulo, ocorrida em 22 de fevereiro de 2012, pela polícia militar do Estado, e de como a mídia brasileira, principalmente por meio da internet, trabalhou e divulgou as informações e fatos sobre o caso. Ainda, são trazidos à baila temas como os Direitos Humanos Internacionais, Conceitos Jurídicos sobre elementos concernentes ao caso em questão, Responsabilidade Social da Imprensa, Ideologia das instituições, entre outros assuntos.

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Page 1: MAURICIO-LIMA, Vinícius. LIMA, Morgana Moura. Direitos Humanos No Caso Pinheirinho e uma Análise Jurídica e da Abordagem pela Mídia Brasileira

7º Encontro Anual da ANDHEP

Direitos Humanos, Democracia e Diversidade

23 a 26 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR)

Grupo de Trabalho 3: Constituição, Democracia e Direitos Humanos

DIREITOS HUMANOS NO CASO PINHEIRINHO E

UMA ANÁLISE JURÍDICA E DA ABORDAGEM PELA MÍDIA BRASILEIRA

Morgana Moura Lima - FMU

Vinícius Mauricio de Lima – PUC-PR

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DIREITOS HUMANOS NO CASO PINHEIRINHO E UMA ANÁLISE JURÍDICA

E DA ABORDAGEM PELA MÍDIA BRASILEIRA

Morgana Moura Lima*

Vinícius Mauricio de Lima**

RESUMO

Este trabalho faz uma análise jurídica da reintegração de posse da comunidade de

Pinheirinho, de São José dos Campos, interior de São Paulo, ocorrida em 22 de

fevereiro de 2012, pela polícia militar do Estado, e de como a mídia brasileira,

principalmente por meio da internet, trabalhou e divulgou as informações e fatos sobre

o caso. Ainda, são trazidos à baila temas como os Direitos Humanos Internacionais,

Conceitos Jurídicos sobre elementos concernentes ao caso em questão,

Responsabilidade Social da Imprensa, Ideologia das instituições, entre outros

assuntos.

Palavras-chave: Direito, Direitos Humanos, Jornalismo, Moradia, Responsabilidade

Social.

*Morgana Moura Lima é graduanda em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas

Unidas de São Paulo e aluna-pesquisadora do Núcleo Metropolitano de Pesquisa Jurídica de Inclusão e

Dignidade da Pessoa com Deficiência no Âmbito da Informação.

**Vinícius Mauricio de Lima é graduado em Comunicação Social, habilitado em Jornalismo, pela

Universidade Católica de Santos. Especialista em Jornalismo Científico pela Escola Brasil de Jornalismo

Científico. E pós-graduando em Antropologia Cultural pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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INTRODUÇÃO

A reintegração de posse da comunidade de Pinheirinho, em São José dos

Campos, interior de São Paulo, em janeiro de 2011, repercutiu nos meios de

comunicação do mundo. O Estado de São Paulo, por intermédio de ordem judicial, não

levou em consideração a liminar da justiça federal suspendendo a reintegração. O que

se viu na mídia, em geral, foi o confronto entre as famílias da comunidade e a polícia

militar, com doses absurdas de violência contra a Constituição Cidadã de 1988, que

prevê o direito à moradia, sem contar a violência física e moral sofrida pela

comunidade. O fato foi denunciado junto a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Neste caso, além de ferir constitucionalmente as leis que regem a

sociedade brasileira, o Estado de São Paulo adotou uma postura contra os direitos

humanos internacionais, previstos em 1948. O que podemos vislumbrar foi a aplicação

de normas jurídicas em letras frias da Lei, lamentavelmente, uma oportunidade

desperdiçada de execução da verdadeira equidade e justiça.

Já a mídia, absteve-se de sua responsabilidade social, talvez sua mais

importante função, e se colocou, na maior parte das vezes, ao lado do Estado de São

Paulo. Para Houaiss, na Revista de Comunicação e Política (p. 23-33) significa que

“uma comunicação que aceita o processo social acriticamente, põem-se a serviço do processo social. E tem que aceitar, inclusive, como da corresponsabilidade sua, as características patológicas que o processo social oferecer”.

A análise jurídica se faz necessária para evidenciar como, apesar de haver

leis, prevalece, em certos casos, o descumprimento das mesmas e até a negligência

no âmbito jurídico. Também a análise da mídia é importante para constatar como são

noticiados casos como esse. E, claro, como a própria mídia deveria fazer, fiscalizando

para a própria sociedade os três poderes: executivo, legislativo e judiciário.

Bastante em voga esse tema, mas ainda pouco visto sobre o viés

acadêmico, faz-se necessário que a academia se atenha com casos práticos como o

de Pinheirinho. Não só analisando e criticando, mas propondo soluções. A análise

será feita por intermédio das leis que regem a sociedade brasileira e os direitos

internacionais do homem, bem como a partir do estudo do discurso dos meios de

comunicação e de reportagens publicadas, levando em consideração reportagens

positivas, negativas e neutras em relação a Pinheirinho.

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1. UMA ANÁLISE JURÍDICA DO CASO

1.1 DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL

O conceito de propriedade não está expressamente descrito na lei,

destarte, podemos extrair um conceito a partir da analise do art. 1.228 do Código Civil

que assim dispõe:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Pode-se concluir que a propriedade é o direito de que desfruta o titular do

imóvel para usar, gozar e dispor da sua maneira, e também se relaciona com o interior

do proprietário em saber que é dono da coisa (RIZZARDO, 2006, p. 170).

A propriedade acaba que por constituir um direito em contínua mudança

que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder. Essa

função social constitui um dos princípios que norteia a ordem econômica do país.

Assim, destaca Sérgio Iglesias Nunes de Souza (2004, p. 229):

“Com o advento do principio da função social, a concepção privatista do direito à propriedade cedeu lugar a uma nova concepção moderna, por meio do direito público. Eis que o principio da função social é integrante do Estado Social, e sua condição é a base elementar da organização do Estado democrático atual, no qual se constata a natureza jurídica desse direito relacionado também a Ordem Econômica”.

O especialista em Direito Público Antonio Riccitelli 1 afirma que o mais

antigo conceito de utilização social da propriedade é o coletivo. Os romanos possuíam

vários institutos que demonstravam claramente a preocupação social, entre eles, o

principal era o omni agro deserto que autorizava a aquisição da propriedade pelos

agricultores que utilizassem e tornassem produtivas as terras longínquas e fronteiriças.

É defendida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, XXIII - a propriedade

atenderá a sua função social. Está disposto no Código Civil de 2002, em seu art.

1.228:

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com

as suas finalidades econômicas e sociais (...).

Com isso, verifica-se que o papel da função social em relação à moradia,

facilita o exercício de morar, exercendo e preservando a própria dignidade do indivíduo

como membro de uma sociedade, embora não seja titular ou proprietário do bem

patrimonial do qual se utiliza.

1 RICCITELLI, Antonio. Citações e referências a documentos eletrônicos. Disponível em:

http://www.lopespinto.com.br/adv/publier4.0/texto.asp?id=374.

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1.2 CONCEITO DE POSSE E SUA REINTEGRAÇÃO

Segundo a teoria de Ihering, adotada pelo direito pátrio, possuidor é aquele

que atua frente à coisa como se fosse proprietário, pois exerce algum dos poderes

inerentes ao domínio, desempenhada por uma exteriorização fática da propriedade.

Estabeleceu, portanto, que a natureza jurídica da posse é a de um direito subjetivo

diferenciado, que somente existe enquanto a situação de fato existir. Resume Maria

Helena Diniz (2007, pp. 40 e 41) sobre a doutrina de Ihering: a) a posse é a condição

de fato de utilização econômica da propriedade; b) o direito de possuir faz parte do

conteúdo do direito de propriedade; c) a posse é o meio de proteção do domínio; e d)

“a posse é uma rota que conduz à propriedade, reconhecendo, assim, a posse como

um direito”.

Em reintegração de posse, devem ser atendidos os requisitos constantes

no art. 927 da lei 5.869 de 1.973, que institui o Código de Processo Civil, e o ônus

deve ser comprovado pelo autor da ação. Não havendo elucidação, por parte das

testemunhas, da ocorrência de esbulho, merece ser julgado improcedente o pedido. O

conceito legal trouxe-nos a figura do possuidor sendo “aquele que tem de fato o

exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade”

(art. 485 do CC/1916), ou, como agora tão somente, “à propriedade” (art. 1.196, do

CC/2002).

Em situações possessórias não se discute a propriedade ou domínio, mas

sim a sua exteriorização, circunstância eminentemente fática por sua natureza, cuja

construção ocorre no passar do tempo e na dinâmica cotidiana da vida. Deve-se,

nesta, buscar os elementos que, eventualmente, podem alcançar a verdade real,

conforme o contexto das alegações do demandante e as demais provas existentes.

As normas, contudo, não devem ser tão somente cumpridas na letra fria da

lei, devidas o impacto social que algumas decisões devem causar. Neste

entendimento, explana brilhantemente o Rodrigo Suzuki Cintra2:

2 CINTRA, Rodrigo Suzuki. Pinheirinho – entre o Direito e a Política. Publicado em 27 de janeiro de 2012, em seu

blog oficial. Disponível em: http://rsuzukicintra.blogspot.com.br/2012/01/pinheirinho-entre-o-direito-e-

politica_27.html.

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"Ocorre que a correta técnica jurídica não consiste em simplesmente aplicar normas jurídicas, como por exemplo, a que diz respeito ao direito de propriedade, de maneira descontextualizada como se o direito fosse um mero jogo de encaixar, ou seja, aplica-se a norma fria, sem se preocupar com as conseqüências sociais e também sem se compreender o direito como um sistema de normas e não como uma mera soma de dispositivos normativos. Não se pode interpretar o direito de maneira fragmentária, interpretando partes dos códigos como se fossem o todo, ao sabor de interesses políticos altamente questionáveis".

1.3 O DIREITO À MORADIA COMO UM DOS DIREITOS HUMANOS

O direito à moradia goza de proteção legal, principalmente no âmbito do

direito internacional, e especialmente na Declaração Universal dos Direitos do

Homem. Instrumento este que tem relevante adesão no processo de democratização

interna do Brasil quando o assunto são Direitos Humanos. Esta aceitação legitimada

em preocupações internacionais, dispostas em diálogos com as instâncias

internacionais, consolida-se como uma das mais relevantes, senão a mais relevante

pauta da agenda internacional do Brasil contemporâneo3.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela

Resolução 217ª (III), da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de

1948, sendo ratificada pelo Brasil na mesma data 4, já estabelecia o direito à moradia,

não obstante, utilizar-se da expressão “habitação”, estabelecida no inciso XXV, item I;

“Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito á segurança, em caso de desemprego, doença ou invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstancias fora de seu controle”

5.

E ainda sobre a efetiva aplicação do direito à moradia6:

3 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4ª Edição. São Paulo: Max

Limonad, 2000. cit., p. 232. Sobre o assunto, vale a pena conferir o trabalho da autora, que trata não só dos fundamentos dos direitos humanos, como também da aplicabilidade e efetividade de tais direitos no plano nacional e internacional, sob a luz das constituições internacionais. 4 Quanto à interpretação dos citados dispositivos, estabelece o artigo 30 da referida declaração que: “nenhuma

disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado á destruição de quaisquer dos direitos e

liberdades aqui estabelecidos”. 5 Tradução não-oficial, obtida na obra Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, fornecida

pelo centro de Estudos da procuradoria Geral do Estado e do governo do estado de São Paulo, são Paulo, 2ª tiragem., série documentos n. 14, agosto de 1997. 6 Op. Cit. p.64.

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“A proteção do direito à moradia como direito humano deu- se, para o cenário internacional, como uma técnica de plano de desenvolvimento social adotado pelo Estado brasileiro, cuja adoção de medidas legislativas deve permitir a facilitação do exercício da moradia, propiciando a utilização de lugares que lhe reservem o seu pleno exercício, sem se questionar a necessidade da efetiva propriedade, mas que assegure principalmente às classes econômicas menos favorecidas no capitalismo, o exercício desse direito como forma de garantia de um nível de vida tido como adequado pelos organismos internacionais.”

2 - A MÍDIA E SUA RESPONSABILIDADE SOCIAL

O caso de Pinheirinho também é um exemplo da (ir) responsabilidade que

a mídia tem (ou deveria ter) em relação à sociedade. Sabe-se que o Jornalismo é uma

profissão social, que une a técnica à percepção social. Para Mauricio de Lima (2011,

p. 14), a técnica é aprendida na universidade, com aulas de Sociologia, Antropologia,

Realidade Brasileira e Regional, entre outras, as quais, sem uma formação técnica,

talvez, o profissional de Jornalismo não tivesse acesso em seu dia a dia.

Aliada à formação técnica está a percepção social, ou seja, a prática, o

entendimento da importância e da função do Jornalismo para a sociedade. Quando

percebe socialmente um espaço, uma comunidade, uma região ou um País, o

jornalista transcende as fronteiras do comum.

Um exemplo para entender isso são as reportagens feitas em feiras livres,

em que é mostrado o preço das frutas, verduras e legumes. Elas são comuns (e

necessárias), mas é preciso mais do jornalista. É necessário adentrar a sociedade, às

vezes, até mostrar a quantidade de alimentos desperdiçados diariamente e quanta

gente sobrevive dos restos e sobras de alimentos das feiras, visão que, sem uma

formação acadêmica crítica, fica comprometida. MAURICIO DE LIMA (2011, p. 15)

Outro critério para se levar em consideração no Jornalismo são as

ideologias políticas, que dão diretriz para linhas editorias, produção de conteúdo e até

a cobertura jornalística de fatos e eventos. Historicamente, o Jornalismo brasileiro é

semelhante ao Jornalismo estadunidense, com meios de comunicação de massa

tentando chegar o mais próximo da objetividade possível em detrimento de sua linha

editorial.

Os editoriais pouco assumem um lado político abertamente, como ocorre

na Europa, com os tabloides. Claro que, mesmo que esses editoriais não evidenciem

às claras suas ideologias políticas, elas são perceptíveis ao leitor crítico – há leitores

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que preferem ler um jornal ou assistir um canal de TV justamente pela ideologia que

seguem.

Nesse jogo, o princípio da verdade pode ficar comprometido, já que há

tendências políticas influenciando na transmissão dos fatos e informações. Segundo

Charaudeau trabalhar a verdade não é simples (2007, p. 88),

Tratar a verdade não é uma tarefa simples. (...) “Dizer o exato” significa que há coincidência entre o que é dito e os fatos do mundo exterior à linguagem. Além disso, essa coincidência deve poder ser verificada, seja pela percepção humana (o olho como prova do visto) no mesmo instante da ocorrência do fato (coexistência do dito e do fato) que cria a ilusão de um saber universal, seja por um saber que pode ser sustentado com o auxílio de experiências (a gravitação), de instrumentos exteriores ao homem (o microscópio) ou de certo modo de calcular (quando se diz de uma operação matemática que ela está correta ou exata, e não verdadeira).

Acreditamos, enfim, que, apesar das ideologias dos meios de

comunicação, seja possível, assumir uma postura ética e de responsabilidade social

em relação às informações. E são a percepção e responsabilidade sociais da mídia

que devem ser analisadas, neste artigo, no caso Pinheirinho.

2.1 ENTENDA O CASO PINHEIRINHO

Em 22 de janeiro de 2012, o Estado de São Paulo, por meio de ordem

judicial, autorizou a desapropriação de 1,3 milhão de metros quadrados ocupados pela

comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos (97 quilômetros de São Paulo,

capital). Foram desalojadas cerca de 6 mil pessoas, aproximadamente 1.500 famílias

inteiras - adultos, crianças e idosos. O espaço físico, parte da massa falida da

empresa Selecta S/A (quando uma empresa decreta falência, parte de seus bens

ficam à disposição para pagamento de dívidas ou como crédito), foi invadido pelas

famílias sem-teto há mais de sete anos.

Cerca de dois mil policiais militares participaram da retirada dessas

pessoas, o que não aconteceu de forma pacífica. A comunidade declara que a polícia

cometeu abusos, inclusive sexuais, algumas imagens mostram a truculência por parte

dos policiais. A imprensa também foi vetada em certos momentos da cobertura dos

fatos.

O caso abriu para que grupos e pessoas defensoras dos direitos humanos

se pronunciassem, não apenas contra a polícia, mas contra os mandatários da

desapropriação e quem a autorizou. O professor titular da Faculdade de Direito da

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Universidade de São Paulo, Fábio Konder Comparato, criou uma petição pública, de

forma a angariar assinaturas para denunciar o caso junto à Comissão Interamericana

de Direitos Humanos.

Já os moradores expulsos de Pinheirinho fizeram um manifesto contra os

soldados da polícia do Estado de São Paulo, que abriu para outros questionamentos.

Em um dos trechos do manifesto, os moradores alegam que “Os que mandam reprimir

nossas famílias são os milionários que só pensam nos seus bolsos e não se importam

com nossa vida. Querem ganhar milhões com grandes empreendimentos nesse

terreno”. Também no documento os próprios moradores fazem uma denúncia

relevante para o caso: “A empresa Selecta, proprietária do terreno, é uma empresa

fantasma, nunca teve nenhum funcionário. O dono é Naji Nahas, condenado por

lavagem de dinheiro e corrupção. Esses senhores deixaram o terreno abandonado por

mais de 30 anos e não pagaram IPTU”.

Jorge Lourenço, em reportagem para o Jornal do Brasil, em 1º de

fevereiro de 2012, denuncia que o mega-empresário e banqueiro Naji Nahas, citado na

carta dos moradores de Pinheirinho, pode ter usado um laranja em seu nome, para ser

seu próprio credor do bairro Pinheirinho. O terreno de Pinheirinho, sendo parte da

massa falida da empresa e, sob o pretexto de desapropriação para posterior venda, foi

tomado pelo Estado.

O nome de Naji Nahas remonta à operação Satiagraha, da polícia federal

brasileira, que visa abrir esquemas de desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem

de dinheiro, em que foram investigados banqueiros, diretores de banco, investidores e

especuladores, como Nahas. Quando teve início a operação da polícia federal, em

2008, Nahas foi preso, entre outros, acusado de fazer parte de um dos núcleos, que

teria colaborado na lavagem de dinheiro público repassado a parlamentares em forma

de propina, em troco de apoio ao governo de Luís Inácio Lula da Silva.

2.1.1 Algumas datas e fatos jurídicos importantes

Segundo reportagem de Lilian Milena, para a Agência Dinheiro Vivo, os

advogados da massa falida da Selecta S/A entram, em 2004, com pedido de

reintegração na 18ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que é o

responsável, em São Paulo, por casos que envolvem empresas falidas. O juiz Luiz

Beethoven Giffoni Ferreira, do TJ-SP, concede liminar de reintegração, cinco meses

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depois do pedido dos advogados, e envia uma carta ao juiz da 6ª Vaga Cível de São

José dos Campos pedindo o cumprimento da ordem.

Em São José dos Campos, o juiz Marcius Geraldo Porto de Oliveira recebe

o processo e, ao invés de cumprir a ordem de Ferreira, considera que a função social

da propriedade e o direito a moradia devem ser assegurados antes da posse. Assim,

Oliveira envia ofícios ao prefeito de São José dos Campos, ao governador do Estado e

ao presidente para que encontrem uma solução de moradia para as famílias antes de

autorizar a reintegração. A partir dessa decisão do juiz de São José dos Campos,

começa o embate jurídico sobre qual decisão deve ser levada em consideração, pois

tanto o juiz do ST-SP quanto o juiz de São José dos Campos têm a mesma hierarquia.

Então, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância jurídica superior ao TJ-SP, dá

lado para a 6ª Vara Cível de São José dos Campos.

Em um novo momento, em 2005, os advogados da massa falida entram

com uma nova ação judicial (agravo de instrumento) pedindo a reintegração, que é

aceita pelo juiz do TJ-SP, Candido Alem, e os ocupantes de Pinheirinho, por sua vez,

entram com recurso no STJ contra essa nova ação, alegando que, quando houve

agravo de instrumento, a 6ª Vara Cível de São José deveria ter sido informada até três

dias da existência da nova ação dos advogados da massa falida. A defesa pública de

São José dos Campos declara intempestividade, invalidando a decisão.

Em 2011, o STJ dá ganho de causa aos ocupantes, desconsiderando o

recurso. E, então, a massa falida teria encaminhado petição a 6ª Vara Cível de São

José de Campos desistindo da liminar de reintegração. Porém, três meses depois, a

então juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, Márcia Loureiro, determina a

desocupação de Pinheirinho. A juíza toma como verdadeira a primeira decisão judicial,

do juiz do TJ-SP Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, desconsiderando a decisão final do

STJ. Juridicamente, segundo a reportagem da Agência Dinheiro Vivo, a juíza Márcia

Loureiro só poderia tomar a decisão se uma das partes envolvidas tivesse se

manifestado contra a decisão do STJ. Entretanto, a massa falida mesmo já havia

desistido da reintegração.

Já em 2012, tropas policiais se deslocam para o local par fim de cumprir o

mandado da justiça estadual, validado pela juíza Márcia Loureiro. No mesmo dia, a

juíza federal de plantão, Roberta Monza Chiari, expede mandado para interromperem

a ação de reintegração, alegando interesse da União sobre o caso. E a missão das

tropas é abortada.

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Mas o juiz da 3ª Vara Federal de São José dos Campos, Carlos Alberto

Antonio Junior, reinterpreta a decisão da juíza Roberta Monza Chiari, alegando que a

justiça estadual poderia agir por conta própria no caso. Os moradores recorrem ao

Tribunal Regional Federal de São José dos Campos, o desembargador Antonio

Cedenho reconhece a decisão da juíza Roberta Monza Chiari – ambos se pautaram

no ofício do Ministério das Cidades encaminhado, no dia 6 de janeiro de 2012, à juíza

Márcia Loureiro, em que são solicitados 120 dias para que o Ministério procurasse

uma solução pacífica para o caso.

A justiça estadual e os partidos de situação no Estado de São Paulo (o

governo do Estado é do PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira) alegam que

a União não entrou no caso anteriormente por interesse político, pois o caso abriria

para problemas com regularização fundiária no País todo. No dia 22 de janeiro de

2012, Pinheirinho é invadido. Os moradores teriam entrado com mandado de

segurança encaminhado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar

Peluso, contra a ação da justiça estadual. Mas, em 24 de janeiro do mesmo ano, o

ministro indeferiu a liminar, alegando ela ser inviável dentro das normas jurídicas.

A juíza Márcia Loureiro teria afirmado que não faltou tempo para que os

moradores, Prefeitura, Estado e União discutissem a desocupação pacífica, que não

aconteceu devido à recusa dos próprios ocupantes por uma proposta da massa falida

para ficarem por dois anos no local até que fosse construído um conjunto habitacional

em outro bairro da Cidade. Assim, os processos continuam e o procurador geral da

República, Aurélio Rios, ingressou com recurso no STJ contra o TJ-SP, justificando

que o órgão não poderia ter autorizado a reintegração após a decisão da 3ª Vara

Federal de São José dos Campos, impedindo a ação. O STJ seria o único ente capaz

de decidir qual dos poderes estaria apto a autorizar ou desautorizar algo no caso,

mesmo assim, sua decisão não foi respeitada.

3 - VIOLAÇÃO E DENÚNCIAS CONTRA OS DIREITOS HUMANOS

Em decorrência das denúncias contra os direitos humanos no caso

Pinheirinho, representantes do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana

(CDDPH), do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)

e do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), todos ligados à Secretaria

Nacional de Direitos Humanos, visitaram o local e se reuniram com membros do

Ministério Público e Defensoria Pública estaduais, do Poder Executivo de São José

dos Campos e com os desabrigados.

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Em nota pública, os Conselhos disseram que foram constatadas inúmeras

violações contra os direitos humanos, que colocam os desabrigados em situação de

vulnerabilidade física e psíquica. E, por fim, apresentaram reivindicações de caráter

humanitário emergencial ao Secretário de Desenvolvimento Social de São José dos

Campos.

Os Direitos Humanos são protegidos e constituem um ideal comum a

atingir por todos os povos e todas as nações. Neste diapasão, cabem as brilhantes

palavras do Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2011, p. 49) acerca da proteção desses

direitos:

“Esses direitos-liberdades, graças ao reconhecimento, ganham proteção. São garantidos pela ordem jurídica, pelo Estado. Isto significa passarem a gozar de coercibilidade. Sim, porque, uma vez reconhecidos, cabe ao Estado restaurá-los coercitivamente se violados, mesmo que o violador seja órgão ou agente do Estado”.

Outra passagem marcante de violação foi a violência abrupta com que a

Polícia Militar usou para retirar os moradores de suas casas, comparando-se o fato até

com uma Guerra Civil, uma vez que a conduta está prevista no Código de Conduta

para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei de 1979:

O Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, de 1979, é dirigido a todos os agentes da lei que exerçam poderes policiais (art. 1, com Comentário). “No cumprimento do seu dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, e manter e apoiar os direitos humanos de todas as pessoas” (art. 2) (...) Além disso, tais atos não podem ser justificados por ordens superiores ou circunstâncias excepcionais, tais como estado de guerra ou outras emergências públicas (art. 5).

Após a desocupação do Pinheirinho foi redigido um relatório pela ONG

Justiça Global para ser entregue à Organização das Nações Unidas (ONU) e à

Organização dos Estados Americanos (OEA), denunciado as violações dos direitos

humanos ocorridas na desocupação da comunidade. Intitulado "Pinheirinho: Um relato

preliminar da Violência institucional” também foi entregue aos participantes da

audiência pública sobre o assunto, realizada em 23 de fevereiro.

4- A MÍDIA CONVALESCENTE

O jornalista Pedro Rios Leão ao ver a cobertura, por vezes, inconsistente

da mídia para casos sociais de ordem política, foi até a frente da Rede Globo, no Rio

de Janeiro, para protestar, e fez greve de fome. Na internet, circulou uma das frases

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do jornalista: “A sociedade é vítima de seu próprio senso torpe de justiça e do seu

apego por privilégios. Um dia os acomodados irão se envergonhar".

A indignação de Pedro com a mídia reflete bem a cobertura feita (ou não

feita) para fatos sociais, como o de Pinheirinho. A ideologia de cada grupo de

comunicação, neste caso, não poderia deixar ser mencionada - alguns grupos

considerados de direita não fizeram uma cobertura mais profunda por estarem ligados

ao governo do Estado de São Paulo. Ao passo que grupos considerados de esquerda

teriam se posto, mais facilmente, ao lado dos cidadãos retirados de Pinheirinho.

Mas, aqui, deter-se-á, a uma análise ao meio de comunicação que parece

ser mais democrático, na atualidade: a internet. É na internet que circulam, além das

críticas aos meios e grupos de comunicação de massa que dominam o País, como os

jornais impressos e os canais de TV aberta, as opiniões de jornalistas influentes e até

da própria sociedade, que encontra espaço para expor sua opinião, seja através de

blogs pessoais e das redes sociais, seja do contato direto com profissionais de

imprensa.

Lévy (In. MAIGRET 2010, p. 41) também atenta para essa característica

importante da internet:

Por intermédio dos computadores e das redes, (...) Cada conexão suplementar acrescenta mais heterogeneidade, novas fontes de informação, novas linhas de fuga, de modo que o sentido global é cada vez menos legível, cada vez mais difícil de circunscrever, de fechar, de dominar (...)”.

Neste sentido, no Brasil, a internet parece ser mais democrática em

relação às outras mídias. Em nossa metodologia, procuramos favorecer, então, a partir

de material coletado da internet, opiniões consideradas contra a desapropriação de

Pinheirinho, opiniões neutras e opiniões a favor, para que haja melhor esclarecimento

das ideias.

O blog Brasilianas.org reúne reportagens e artigos de críticos reconhecidos

em relação à desapropriação de Pinheirinho. Em uma das reportagens do blog, da

autoria de Márcio Falcão, publicado pela Folha online em 22 de fevereiro, o ministro

Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, afirma que o governo federal foi

surpreendido pela atitude do governo do Estado de São Paulo e que estranhou o

prefeito de São José dos Campos ter desmarcado a reunião sobre a ocupação,

marcada para a quinta-feira (19 de janeiro), anterior à ação da polícia militar.

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Em 23 de fevereiro, o site Brasil Atual divulgou uma entrevista em que o

procurador do Estado de São Paulo, Marcio Sotelo Felippe, diz que o governador do

Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado,

desembargador Ivan Sartori, e Naji Nahas devem ser presos pelos crimes cometidos

contra a humanidade, em Pinheirinho. Felippe teria analisado a documentação do

processo de falência da empresa Selecta S/A e afirma que a ação da polícia só serviu

para beneficiar Nahas.

O site do Estadão, em 23 de fevereiro, divulgou a briga envolvendo os

senadores Eduardo Suplicy (PT) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), ambos de São

Paulo, na audiência pública pela Comissão dos Direitos Humanos do Senado para o

caso Pinheirinho.

O senador do PSDB justificou que o PT estaria trazendo as discussões

para um âmbito político-partidário, já que, em 2012, há eleições. Mas, na reportagem

do Estadão, não há nenhuma fala referente ao senador do PT. Isto pode ter ocorrido

por inúmeras hipóteses, entre elas, o repórter não ter conseguido contato com o

senador ou o repórter pode ter conseguido e a edição ter cortado a fala do senador do

PT da reportagem.

Em reportagem de Julianna Granjeia, o site da Folha, em 23 de janeiro,

noticia que o Tribunal de Justiça de São Paulo divulgou nota colocando a

responsabilidade toda da operação de reintegração sobre a Justiça e não sobre o

governo estadual. Já o governador do Estado disse, em seu twitter, que “apenas” teria

cumprido ordens. A reportagem da Folha mais parece um texto enviado da Prefeitura

de São José dos Campos para a imprensa, contando apenas o número de moradores

e os atendimentos que receberiam, sem profundidade esperada para o tamanho do

grupo de comunicação que é a Folha de S. Paulo.

Quando se fala em situações como o caso Pinheirinho, que vão muito além

do simples fato da invasão ou da reintegração de posse, pois adentram o campo da

Política, entre outros, é preciso que a mídia também trabalhe mais profundamente em

suas averiguações. É preciso investigar.

Neste caso, que envolve direitos humanos, é preciso ir além das

reportagens comuns, que trazem, normalmente, informações sobre a invasão, falas de

políticos e suas decisões (salientando que também são importantes essas

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informações, mas não o cerne) e, principalmente, abolir reportagens tendenciosas,

que mostraram, por exemplo, a apreensão de drogas na comunidade.

Na concepção de Fortes (2007, p. 53), deve-se levar em conta, em

reportagens investigativas, o princípio da honestidade de quem faz, das circunstâncias

da reportagem, da intenção da pauta e dos limites do bom senso e da ética. Mauricio

de Lima (2011, p. 94) acredita que há informações que podem valer vidas:

“Mediante ao Código de Ética da profissão (...), é mais importante, no Jornalismo, fazer bem a fazer o bem. Porque, às vezes, se o profissional age com doçura, ou seja, faça o bem, pode não conseguir exercer seu trabalho, fator que não invalida a necessidade de o jornalista ser prudente, tolerante e ter boa-fé”.

CONSIDERAÇÕES

Pinheirinho teve repercussão internacional, e grupos de direitos humanos e

brasileiros das mais diversas partes do planeta se manifestaram, mostrando apoio à

comunidade retirada do bairro de São José dos Campos. O caso, em relação à mídia

brasileira, efetiva a ideia de que é preciso, para o Jornalismo e para os jornalistas, um

olhar diferenciado, mais crítico e mais sério para a sociedade.

O Jornalismo, acreditamos, precisa ir muito além das ideologias políticas e

decisões judiciais, no sentido de, se a política, os políticos e os juristas não podem

tomar uma decisão única, consistente e humana, é o Jornalismo que tem de estar lá

para dar a força social às pessoas.

O jornalista da TV Bandeirantes, Ricardo Boechat7, ciente de seu papel

social até mesmo ultrapassando as fronteiras da ideologia do grupo em que trabalha,

faz uma crítica muito válida em relação à mídia, à política e à justiça brasileiras para o

caso Pinheirinho:

“Eu sei que é uma área invadida, (...) a imprensa gosta de falar ‘os invasores’, como se fossem os alienígenas que tivessem chegado aqui em discos voadores para tirar o patrimônio do Naji Nahas (...). A premência com que o senhor Geraldo Alckmin agiu nessa história, a urgência com o juiz reiterou ou a juíza batendo no peito, na toga, cumprimento da lei (...), mostra apenas quais são as alianças que essas instituições e essa gente têm. Aliança que essas instituições e essa gente têm, definitivamente, não é com a população mais pobre, não é com os mais necessitados. (...)

7 Ricardo Boechat e a Favela Pinheirinho.wmv Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=mghmTSVEyrM&feature=youtube_gdata_player.

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É importante ressaltar que, no caso Pinheirinho, a Prefeitura de São José

dos Campos tentou estar paralela à situação referente ao bairro da Cidade. O

Município, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elevado - 0,849, e

referência em tecnologia no Estado e no País, nada fez ou agilizou para que a

reintegração de posse fosse pacífica. Assim, como o governo do Estado se absteve de

seu dever de impedir ou colaborar para a reintegração pacífica, aliás, autorizou a

polícia militar a invadir ou que já estava invadido.

Em reportagem de Felipe Prestes, para o site Sul 21, é noticiado que o

PSDB de São José dos Campos recebeu R$ 427 mil de 22 empresas do ramo

imobiliário em 2008 para a campanha ao executivo municipal, 20% de mais de R$ 2

milhões recebidos pelo Comitê para campanha. Deste valor, mais de R$ 630 mil foram

destinado à campanha do atual prefeito, Eduardo Cury.

Ainda segundo a reportagem, o deputado estadual Fernando Capez

(PSDB), irmão do desembargador do TJ-SP Rodrigo Capez, que coordenou a ação

policial em Pinheirinho, também teria recebido doação de mais de R$ 400 mil de 15

empresas do ramo imobiliário, 38% do valor que arrecadou em campanha.

A reportagem também afirma que a prefeitura de São José dos Campos

obteve propostas dos governos do Estado e federal para inscrever a área em projetos

habitacionais sem que tivesse que pagar o valor do terreno de Pinheirinho, mas não se

inscreveu.

Em outro trecho de sua crítica ao caso, Boechat (2012) critica o governo

federal que, juntamente com o governo de São Paulo, se apressaram para cumprir o

mandado judicial, em detrimento da busca rápida de resolução para o caso. Tanto as

esferas do executivo federal e estadual, para Boechat (2012), não tiveram “padrão

moral, ético e perfil humano”. E frisou o cumprimento frio de leis:

“(...) quando for assim, governador, não cumpra. Diga pra justiça: justiça, a senhora está errada, mobilize o seu poder, a sua força política a sua liderança para dizer para a juíza ou para o juiz o seguinte - vou recorrer, não vou aceitar, não vai ser com a minha polícia (...) eu duvido que a população fique contra o senhor”.

A comunicação e o acesso à informação que também cabem ao

Jornalismo são direitos humanos. Em Pinheirinho, os principais meios de comunicação

de massa ficaram paralelos aos fatos e se puseram, mais uma vez, aos seus lados

ideológicos da situação. Por isso, também foi necessária a análise ter sido feita, para

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este trabalho, com auxílio de meios de comunicação alternativos, que são fontes de

informações valiosas não divulgadas pela grande mídia.

Precisa-se esclarecer também que nada tem a ver com critérios de espaço

temporal na TV ou espaço publicitário em jornais e revistas e muito menos com

critérios de notícia para que fosse feita uma análise mais detalhada de Pinheirinho.

Mesmo porque a maioria dos mais importantes critérios de notícia definidos pelo

Jornalismo, como proximidade, relevância, importância social, estão a favor da

divulgação criteriosa de Pinheirinho, prol sociedade.

É válido ressaltar também que a problemática de moradia no País e os

movimentos sociais que existem são históricos, como é o caso do MST. É uma

discussão profunda, de resolução política. Mesmo assim, o jornalista pode, com

profundidade, adentrar nos fatos, esclarecer a população de suas origens e noticiar o

desenrolar das situações.

Já em relação à ação policial, ainda não há no Brasil uma solução para

conflitos desta tipicidade. Os recentes e lamentáveis episódios decorrentes de ações

de repercussão nacional da polícia militar do Estado de São Paulo, tanto na região

conhecida como Cracolândia, na capital paulista, quanto na ocupação do Pinheirinho,

mereceram alusão a notas do Partido dos Trabalhadores (PT) em defesa dos direitos

humanos e, obviamente, de políticas públicas que afastem a repressão policial de

conflitos sociais. Neste sentido, a Comissão Executiva Nacional do PT divulgou em

nota: “Tão importante quanto à denúncia da violência e de seus autores é a busca de

reparação das vítimas da barbárie, e a responsabilização criminal e civil das pessoas e

instituições envolvidas".

A proposta tem como prioridade: "a discussão de uma plataforma

legislativa regulatória sobre mediação de conflitos, direitos humanos e organização de

ações policiais de reintegração de posse". Daí a necessidade mencionada no texto

petista de atos autorreguladores, como os que se esperam, por exemplo, do Conselho

Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, a partir da análise

da participação dos vários agentes nas decisões judiciais sobre a reintegração de

posse da área do Pinheirinho.

Conclui-se, sobre o âmbito judicial desta análise, que, em relação às

soluções das problemáticas concernentes tanto aos Direitos Humanos, quanto às

tipicidades dos problemas que alastram a sociedade, o Estado precisa revisar,

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reafirmar e revitalizar formas e maneiras de aplicações eficazes e efetivas, protegendo

os deveres dos indivíduos humanos.

É preciso, antes mesmo de instituir órgãos para prevenir as ilegalidades,

promover uma solução alternativa de conflitos que supra a deficiência da equidade

social. Equidade e justiça caminhando juntas de mãos dadas, em defesa da

transformação nos aspectos objetivos e subjetivos necessários a manter a

humanidade, pela preservação e manutenção de fatos e valores, que são

historicamente necessários e comuns à comunidade humana.

Em suma, um dos mandamentos do Direito, proferidos pelo jurista

uruguaio Eduardo Juan Couture, se encaixa perfeitamente tanto aos juristas quanto

aos jornalistas, outros profissionais e políticos: “LUTA. Teu dever é lutar pelo direito.

Mas no dia em que encontrares em conflito direito e justiça. Luta pela justiça”.

REFERÊNCIAS:

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