matérias de ordem pública no âmbito do contencioso
TRANSCRIPT
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito
Galderise Fernandes Teles
Matérias de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário
Doutorado em Direito Tributário
São Paulo
2019
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Galderise Fernandes Teles
Matérias de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado (Direito Tributário), sob a orientação do Prof. Dr. Robson Maia Lins.
São Paulo
2019
Galderise Fernandes Teles
Matérias de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado (Direito Tributário), sob a orientação do Prof. Dr. Robson Maia Lins.
Aprovada em: ___ de _______________ de 2019.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Robson Maia Lins
________________________________________
Tácio Lacerda Gama
________________________________________
Fabiana Del Padre Tomé
________________________________________
Argos Campos Ribeiro Simões
________________________________________
Paulo Cesar Conrado
“Se alguém não sabe para que porto está
velejando, nenhum vento é favorável.”
Lúcio Aneu Sêneca
O presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de
Financiamento 001.
This study was financed in part by the Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (Capes) – Finance Code 001.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho foi possível apenas devido a importantes pessoas que
vêm acompanhando minha trajetória acadêmica. Nesse sentido, agradeço, inicialmente, aos
meus pais, maiores incentivadores e entusiastas da minha dedicação à academia.
À minha companheira na trajetória de vida e academia, Jade Thomaz Veloso, com
quem foram divididos os momentos de incertezas, descobertas e alegrias ao longo dessa
intensa caminhada.
Ao amigo e irmão, Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho Neto, sincera amizade
construída nas disciplinas iniciais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Ao meu orientador, Robson Maia Lins, inspiração na docência, advocacia e
sobretudo em sua humanidade, qualidade que a cada dia se torna mais pujante.
Ao Professor Paulo de Barros Carvalho, nosso vetor maior de orientação e
responsável pelas lições do constructivismo lógico-semântico.
É preciso ainda registrar agradecimento a algumas instituições. Primeiramente, à
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela oportunidade de aprendizagem nos
estudos do Direito Tributário e pelo ambiente formador de minha segunda família: a
acadêmica.
Ao Instituto Brasileiro de Estudos Tributário (Ibet), pela formação e
oportunidades proporcionadas no fomento das discussões tributárias.
Ao Escritório Monteiro & Neves Advogados, do qual faço parte há quase seis
anos e esteve presente durante todo esse período de pesquisa, contribuindo
significativamente com minha formação profissional.
Ao Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP), órgão que,
com muito orgulho, integro há quatro anos e que me proporcionou o conhecimento de um
contencioso administrativo tributário desenvolvido com seriedade e técnica.
Por fim, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil
(Capes) que possibilitou a concretização da presente pesquisa.
RESUMO
TELES, Galderise Fernandes. Matérias de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário. 2019. 155 f. Tese (Doutorado em direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019. O presente trabalho tem como núcleo de análise as matérias de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário. Nesse contexto, a partir do estudo do conteúdo semântico do termo, desenvolvemos a interpretação dos elementos fundantes do âmbito do contencioso administrativo tributário e a exposição do tratamento jurisprudencial atribuído à temática. Verificamos ainda os argumentos utilizados pelos julgadores para conferir o caráter de ordem pública a determinada matéria e evidenciamos a falta de coerência nos requisitos usados para a categorização dessa classe. O exame dos julgados se apresenta como ponto de clarificação para demonstrar a impossibilidade da construção da classe por meio da experiência jurisprudencial, seja administrativa ou judicial. Nesses termos, avançamos para a proposta de definição do conceito com resposta a doze questões centrais do presente objeto de estudo. O desenvolvimento desta pesquisa pautou-se por análise bibliográfica e jurisprudencial acerca do tema, buscando sempre um desencadeamento lógico, coerente e sistemático em torno do assunto, adotando para tal desiderato uma abordagem na qual fossem preservados os pilares do direito administrativo, processual e tributário, ramificações jurídicas relacionadas diretamente com a problemática proposta. Palavras-chave: Contencioso Administrativo Tributário. Matéria de Ordem Pública.
ABSTRACT
TELES, Galderise Fernandes. Public policy matters in the context of tax administrative litigation. 2019. 155 f. Thesis (Doctorate in Tax Law) – Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2019. The present work has as its core of analysis the matters of public order in the context of tax administrative litigation. In this sense, from the study of the semantic content of the term we develop an approach of the founding elements of the scope of tax administrative litigation and exposition of the jurisprudential treatment given to the theme. We also analyzed the arguments used by the judges to confer the character of public order to a given subject and showed the lack of consistency in the requirements used for categorization of this class. The analysis of the judges is a point of clarification to demonstrate the impossibility of class construction through jurisprudential experience, whether administrative or judicial. In these terms, we advance to the concept definition proposal with answer to 12 (twelve) core questions of the present object of study. The development of this research was based on bibliographic and jurisprudential analysis on the subject, always seeking a logical, coherent and systematic trigger around the subject, adopting for this purpose an approach in which the buttress of administrative, procedural and legal law was preserved tax, legal ramifications directly related to the proposed problem. Keyword: Tax Administrative Litigation. Public Order.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13
Delimitação do Objeto .............................................................................................. 14
Enfoque Teórico ........................................................................................................ 15
Metodologia .............................................................................................................. 15
Plano de Exposição ................................................................................................... 16
1. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA: ELEMENTOS PRELIMINARES PARA DEFINIÇÃO DO CONCEITO ................................................................................. 18
1.1 Propostas de definição do conceito .................................................................. 18
1.2 Ordem pública processual e material ............................................................... 22
1.3 Ordem pública como nulidade passível de cognição de ofício ........................ 24
1.4 O efeito translativo das matérias de ordem pública ......................................... 27
1.5 Dos questionamentos à temática ...................................................................... 30
2. RELEVÂNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO ................. 33
2.1 Suspensão da exigibilidade do crédito tributário ............................................. 35
2.2 Celeridade processual ...................................................................................... 39
2.3 Elevado nível técnico de julgamento ............................................................... 44
2.4 Paridade na composição das câmaras de julgamento ...................................... 45
2.5 Construção do fato jurídico ............................................................................. 46
2.6 Qualificação das demandas judiciais ............................................................... 51
2.6.1 Projeto de Lei 6.064, de 2016 .............................................................. 54
3. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO .......................................................................................................... 56
3.1 Legalidade ........................................................................................................ 58
3.1.1 Exercício da função jurisdicional no processo administrativo fiscal: processo e/ou procedimento ................................................................. 60
3.1.2 Jurisdição delimitada – Incompetência para as questões constitucionais: inconstitucionalidade x legalidade ....................................................... 63
3.2 Impessoalidade .................................................................................................... 67
3.3 Moralidade ....................................................................................................... 68
3.4 Publicidade ...................................................................................................... 70
3.5 Eficiência ......................................................................................................... 72
3.6 Razoabilidade .................................................................................................. 74
3.7 Finalidade ........................................................................................................ 74
3.8 Motivação ........................................................................................................ 77
3.9 Interesse público .............................................................................................. 80
3.10 Demais princípios formadores ......................................................................... 82
3.10.1 Republicano ......................................................................................... 82
3.10.2 Verdade material .................................................................................. 84
3.10.3 Formalismo moderado ......................................................................... 88
3.10.4 Autotutela administrativa ..................................................................... 91
4. REQUISITOS DO ATO ADMINISTRATIVO DO LANÇAMENTO FISCAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO .................................................. 95
4.1 Competência .................................................................................................... 97
4.2 Finalidade ...................................................................................................... 102
4.3 Forma ............................................................................................................. 108
4.4 Motivo ............................................................................................................ 111
4.5 Objeto ............................................................................................................ 113
5. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA: A IMPOSSIBILIDADE DA CONSTRUÇÃO DA CLASSE PELA ANÁLISE DOS JULGADOS ............................................... 116
5.1 A relevância do ato de classificar .................................................................. 116
5.2 Síntese da classe matéria de ordem pública e não matéria de ordem pública resultante da análise dos julgados .................................................................. 119
5.3 Inviabilidade da formação da classe a partir das análises dos julgados......... 121
5.3.1 Matérias consideradas nas duas classes concomitantemente ............. 121
5.3.2 Situações relacionadas a procedimento/forma ................................... 122
5.3.3 Situações relacionadas à iliquidez do crédito tributário .................... 123
5.3.4 Situações relacionadas à afronta da legalidade .................................. 125
5.3.5 A utilização do argumento pela consequência para formação da classe .................................................................................................. 126
5.3.6 A falsa percepção da questão fático-probatória como impeditivo para matéria de ordem pública ................................................................... 127
6. FORMAÇÃO DA CLASSE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA E RESPOSTA AOS QUESTIONAMENTOS ......................................................................................... 128
6.1 Existe uma definição geral aplicada a todas as áreas jurídicas acerca do conceito de matéria pública? ........................................................................................ 129
6.2 No âmbito do contencioso administrativo tributário, quais matérias podem ser consideradas de ordem pública? .................................................................... 130
6.3 Questões de inconstitucionalidade e ilegalidade são matérias de ordem pública no contencioso administrativo tributário? ..................................................... 131
6.4 Há diferença entre as matérias de ordem pública do âmbito do contencioso administrativo para o judicial tributário? ....................................................... 135
6.5 Envolver questão probatória retira o caráter de matéria de ordem pública? . 138
6.6 As matérias de ordem públicas são passíveis de reconhecimento ex officio? 140
6.7 Existe limite processual para arguição de matéria de ordem pública no processo administrativo tributário? ............................................................................... 141
6.8 A matéria de ordem pública prescinde a questão de conhecimento? ............ 142
6.8.1 É necessário haver tempestividade do recurso para conhecimento de matéria de ordem pública? ................................................................. 143
6.8.2 É necessária a indicação de paradigma para conhecimento de recurso especial em caso de matéria de ordem pública? ................................ 143
6.9 A aplicação de princípio pode ser considerada matéria de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário? ......................................... 144
6.10 A matéria de ordem pública supera o efeito devolutivo do recurso? Implica necessário efeito translativo? ......................................................................... 145
6.11 Matérias de ordem pública são passíveis de correção pelo julgador administrativo? .............................................................................................. 145
6.12 Responsabilidade tributária é matéria de ordem pública? ............................. 150
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 154
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 161
ANEXO – EMENTÁRIO DE JULGADOS ................................................................ 167
1. Análise de julgados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) .............................................................................................................. 167
2. Análise de julgados do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT) .............................................................................................................. 176
3. Análise de julgados do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (CMT) ....................................................................................................................... 184
4. Análise de julgados no Superior Tribunal de Justiça ..................................... 186
13
INTRODUÇÃO
Os Tribunais Administrativos Tributários exercem importante função em nosso
sistema jurídico. Atuam como filtros qualitativos reduzindo as demandas instaladas no
contencioso judicial, conferem alto teor de tecnicidade na análise dos conflitos levados à sua
resolução e refletem os valores republicanos de nossa Carta Magna ao proporcionarem, em
regra, representatividade da sociedade na composição paritária dos órgãos de julgamento.
Com efeito, os casos examinados no âmbito administrativo caracterizam-se pela
intensa busca da verdade jurídica material e pela construção do fato jurídico tributário em
seu exato alcance e dimensão, sempre calcado na preservação e concretização do interesse
público.
As particularidades do contencioso administrativo tributário proporcionam às
partes envolvidas no processo: (i) precisa efetivação do devido processo legal; (ii) amplo e
profundo debate das temáticas sob análise; (iii) garantia de suspensão da exigibilidade do
crédito tributário independentemente de dispêndio financeiro; e (iv) desprendimento do rigor
formalístico presente com maior ênfase no âmbito judicial.
Com razão, o que se busca nesse contexto é a análise de qualidade do lançamento
fiscal, não sendo – ou devendo ser – de interesse da Administração, como responsável pelo
lançamento fiscal ou órgão de julgamento administrativo, a manutenção da constituição de
crédito tributário desprovido dos requisitos necessários para sua formação e devida
irradiação de efeitos jurídicos.
Papel de suma relevância na análise de qualidade do lançamento tributário é o do
julgador administrativo. Em que pese o debate acerca da existência de função jurisdicional
desses órgãos de julgamentos – que será abordado em tópico específico –, tem-se de forma
efetiva: (i) a resolução de litígio, (ii) realizada por autoridade competente, (iii) com
imparcialidade à causa1 e (iv) com base em regramento que assegura o devido processo legal.
1 Tratando acerca da imparcialidade do julgador administrativo, Fernando Luiz da Gama Lobo pontua: “Entretanto, a melhor doutrina já esclareceu que no procedimento administrativo tributário não se confundem as funções dos órgãos de lançamento – a quem compete privativamente as funções de fiscalização e lançamento do tributo (arts. 142, 149, 194 e 196 do CTN) – com as funções dos órgãos de julgamento, a quem compete o exercício do autocontrole da legalidade da atividade administrativa do lançamento, vez que, podendo ser demandado como parte em qualquer de seus tribunais (inclusive administrativos), o Estado está obrigado a assegurar a garantia da imparcialidade, seja pela clara distinção
14
Árdua questão presente no exame dos processos administrativos refere-se à
delimitação e limitação do julgador tributário perante as causas de nulidade do ato
administrativo. Se, por um lado, tem-se um formalismo moderado que permite inclusive a
atuação – representação exercida diretamente pelo próprio autuado –, há, por outro,
regramento específico com rol de prazos, medidas recursais e requisitos de admissibilidade
para as defesas apresentadas. Em outras palavras, estabelecimento/observância das regras do
jogo e finalidade do processo administrativo tributário (devida construção do fato jurídico
tributário possibilitando a filtragem das demandas judiciais) inseridos como núcleos
valorativos do processo administrativo fiscal, contrapondo-se em casos concretos.
Nesse sentido, caberão ao julgador administrativo a ponderação dos referidos
valores e a determinação do adequado consequente normativo para o caso em análise,
considerando-se que a decisão alcançada precisa observar as diretrizes legais a ele
submetidas e, ao mesmo tempo, concretizar seu principal ideal – realizar o devido controle
de qualidade do lançamento fiscal –, efetivando a qualitativa filtragem das demandas levadas
ao Judiciário.
Há, contudo, situações que ultrapassam a esfera de atuação/conhecimento desse
julgador, seja pela característica de jurisdição do órgão administrativo, ou, ainda, pela
inexistência de argumento de defesa que deveria ser trazido no âmbito da medida recursal.
Neste momento, o cerne de nossa problemática ganha evidência, especialmente
em dois aspectos, o primeiro de natureza conotativa: a) o que confere status de ordem pública
a uma matéria?; e o segundo de cunho denotativo: b) quais matérias são passíveis de inserção
na classe de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário?
Delimitação do Objeto
Com base nas considerações iniciais, ter-se-ão como objeto de análise as matérias de
ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário. Nesse contexto, serão
realizados estudo e proposta da categorização das matérias de ordem pública na seara
e independência funcional entre os órgãos de lançamento – que atuam como parte no processo administrativo – e os órgãos de julgamento, seja pela participação equidistante e igualitária das partes no processo administrativo, sob pena de nulidade da decisão, por afetar o princípio da imparcialidade que deve reger não só o processo judicial, como também o administrativo” (D’EÇA, Fernando Luiz Gama Lobo. Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – Carf. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – Carf. São Paulo: RT/Centro de Extensão Universitária, 2012. p. 200. (Série Pesquisas Tributárias. Nova Série, n. 18.)
15
tributária, especialmente com relação aos atos administrativos de lançamento fiscal, objeto
do contencioso administrativo tributário.
Enfoque Teórico
A tratativa da presente temática enseja uma análise sistemática e harmônica de
diferentes ramos autônomos do direito. Com efeito, o enfrentamento da elucidação e a
formação da classe – matéria de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo
tributário – demandam o cotejamento do direito: (i) administrativo; (ii) tributário; (iii)
processual; e (iv) teoria geral do direito.
Por essa razão, será utilizada como enfoque teórico lição de ilustres juristas
relacionados às áreas do direito suprarreferidas.
Metodologia
Toda análise de objeto requer a eleição de um método para seu estudo, ou seja, é
necessário estabelecer o modo como o sujeito pretende caminhar ao longo do processo de
cognição, a fim de se aproximar do objeto. Em síntese, Metodologia é a forma que
escolhemos para nos aproximar (approach) cognitivamente do objeto de estudo.
No presente trabalho será utilizado o expediente metodológico do constructivismo
lógico-semântico, um método que se vale de várias técnicas para o estudo do objeto, como
a lógica, a semântica e a semiótica.2
Adota, ainda, uma postura hermenêutica-analítica de forma a decompor/seccionar
o objeto, reduzindo sua complexidade para melhor compreendê-lo. Por meio da
hermenêutica, investiga-se o fenômeno jurídico com visão cultural. Dada a característica de
nosso objeto de estudo – o direito positivo –, expresso sempre em linguagem,
frequentemente realizar-se-á verdadeira decomposição significativa com o intuito de obter
uma linguagem precisa, a construção de um raciocínio lógico-jurídico coerente e harmônico
com nosso ordenamento jurídico e ditames constitucionais.
2 A semiótica é a ciência que estuda os signos. Nesse sentido, cabe destacar que estes podem ser verificados por meio de uma análise sintática (direciona-se para a relação do signo com outros signos), semântica (direciona-se para a análise do sentido do signo) e pragmática (volta-se para a análise do signo com seus utentes). Os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos estão inter-relacionados, sendo a divisão realizada com a finalidade puramente de estudo.
16
O método em tela foi criado pelo Professor Lourival Vilanova e vem sendo
profundamente desenvolvido pelo Professor Paulo de Barros Carvalho que, em linhas
conclusivas, explica:
O Constructivismo Lógico-Semântico é, antes de tudo, um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento; meio e processo para construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos requisitos do saber científico tradicional. [...] O modelo constructivista se propõe a amarrar os termos da linguagem, segundo esquemas lógicos que deem firmeza à mensagem, pelo cuidado especial com o arranjo sintático da frase, sem deixar de preocupar-se com o plano do conteúdo, escolhendo as significações mais adequadas à fidelidade da enunciação. Apesar de suas origens e das concepções que estão bem caracterizadas na plataforma inferior de suas bases, dista de ser um projeto filosófico: de método é seu estatuto.3
Portanto, o presente trabalho adota uma postura constructivista, ou melhor, é
desenvolvido com base no expediente metodológico do constructivismo lógico-semântico,
ao passo que inserimos no processo comunicacional uma nova realidade – no papel de
cientista do direito –, a qual que discorrerá acerca das matérias de ordem pública no âmbito
do contencioso administrativo tributário.
Plano de Exposição
O desenvolvimento do presente trabalho foi pautado por seis capítulos na seguinte
ordem:
(i) O Capítulo 1 tratará dos elementos preliminares para definição do conceito
de ordem pública. Nesse contexto, será evidenciada a principal doutrina
acerca da matéria, a fim de reduzir a vagueza em torno da definição, e
refletido o núcleo semântico de nosso objeto de estudo. Na conclusão do
referido capítulo, serão estabelecidas doze indagações nucleares sobre o
assunto que serão retomadas no capítulo final do trabalho.
(ii) O Capítulo 2 discorrerá acerca da relevância do processo administrativo
tributário. Com efeito, falar de matéria de ordem pública no âmbito do
contencioso administrativo tributário requer o conhecimento das principais
3 CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o constructivismo lógico-semântico. Organização Aurora Tomazini de Carvalho. São Paulo: Noeses, 2014. v. I, p. 2.
17
características desse campo de modo a evidenciar os principais valores por
ele tutelados.
(iii) O Capítulo 3 trará os princípios específicos do processo administrativo
tributário. Tão importante quanto compreender as características do
contencioso administrativo tributário é conhecer os princípios específicos –
formadores desse âmbito de julgamento – do controle de legalidade dos atos
administrativos de lançamento fiscais. Parece-nos hialina a compreensão de
que a construção de uma classe de matéria de ordem pública enseja a
consideração dos principais valores/princípios relacionados à temática.
(iv) O Capítulo 4 terá como ponto de análise os requisitos do ato administrativo
de lançamento fiscal. É preciso ter em mente que o contencioso
administrativo tributário é formado, em regra, por ato administrativo de
lançamento fiscal e, nesse sentido, inseridos num âmbito de análise das
matérias de ordem pública/vícios e nulidade, o conhecimento dos requisitos
desse ato é elemento necessário para uma adequada construção de sentido
acerca do tema.
(v) O Capítulo 5 fará uma abordagem pragmática do assunto com o apontamento
da impossibilidade da construção da classe pela análise dos julgados.
Teremos uma análise de 81 julgados dos principais Tribunais Administrativos
em cada âmbito de competência, federal, estadual e municipal, além de
julgados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Será demonstrada a
forma tímida ainda pela qual o assunto é tratado e evidenciada a nítida falta
de coerência nos julgados, o que não permite uma adequada construção de
classe de matéria de ordem pública embasada pela experiência dos julgados
administrativos e judiciais.
(vi) O Capítulo 6 vai propor a formação da classe de matéria de ordem pública e
resposta aos questionamentos. Será o resultado de todas as considerações
tecidas nos capítulos anteriores e apresentará respostas às indagações
inicialmente expostas no capítulo inicial, buscando conferir tom de coerência
às premissas fixadas.
18
1. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA: ELEMENTOS PRELIMINARES PARA DEFINIÇÃO DO CONCEITO
1.1 Propostas de definição do conceito
A compreensão de qualquer instituto perpassa necessariamente pela construção
semântica de sua definição. Com efeito, a atividade de definir requer do sujeito cognoscente
o exercício conotativo acerca dos elementos pertinentes a uma determinada classe.
Quando lidamos com a temática – matéria de ordem pública –, uma relevante zona
de penumbra revela-se fruto da carência de elementos clarificadores para uma construção de
classe coerente.4
Não há a respeito da referida temática norma sistematizadora, seja no aspecto
material ou processual. Observa-se o contrário: o legislador, ao tratar do assunto, fá-lo de
forma esparsa e pontual.5
Tratando do conceito de ordem pública, José Augusto Delgado pontua:
O conceito de ordem pública é impreciso, pois esta pode ser considerada como instituto de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito
4 Trazendo definição ao termo, J. M. Othon Sidou, em Dicionário jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, pontua: Dir. Adm. Conjunto de condições essenciais a uma vida social conveniente, fundamentadas na segurança das pessoas e bens, na saúde e na tranquilidade públicas. CF; art. 136. p. 437. Ainda sobre o assunto, Maria Helena Diniz afirma que a delimitação conceitual da ordem pública “é um desafio à argúcia e à sagacidade dos juristas, que, apesar disso, são unânimes no entendimento de que é reflexo da ordem jurídica vigente em dado momento, em determinada sociedade” (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 408).
5 Analisando a temática de forma específica em tese de doutorado, Gisele Santos Fernandes Góes discorre sobre as disposições do Código Civil, que considera de ordem pública: (i) capacidade – art. 3.º; (ii) pessoas jurídicas de direito público; (iii) associações; (iv) bens públicos; (v) negócios/atos jurídicos – art. 104, v.g., arts 166 a 184; (vi) prescrição/decadência; (vii) provas; (viii) obrigações – v.g., art. 318; (ix) contratos; (x) enriquecimento sem causa; (xi) responsabilidade civil – art. 927; (xii) posse; (xiii) direitos reais; (xiv) condomínio; (xv) direito de família – art. 1.548, entre outros; (xvi) direito sucessório – arts. 1.829 e 1957 e seguintes. Entende a autora que a maior parte das normas referentes à prescrição tem feição de ordem pública absoluta (arts. 192, 197-199, 202-204 e 205-206 do CC). Quanto à decadência, compreende que a ordem pública mescla-se ora pela absoluta (decadência legal – art. 209 do CC, com dever de conhecimento de ofício – art. 210 do CC), ora pela relativa (decadência convencional – art. 211 do CC), não estando o magistrado autorizado a conhecer ex officio (GÓES, Gisele Santos Fernandes. Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial. Orientador: Tereza Arruda Alvim. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – PUC-SP, São Paulo, 2007, p. 177-183).
A autora ainda elenca as matérias de ordem pública encontradas no âmbito do Código Civil; vejamos: (i) jurisdição; (ii) direito de ação; (iii) direito de recorrer; (iv) direito de defesa; (v) pressupostos processuais; (vi) procedimento; (vii) atos processuais; (viii) nulidades; (ix) provas; (x) sentença e coisa julgada; (xi) tipos de tutela; (xii) cumprimento da sentença e procedimento executivo; (xiii) vigência da lei processual; (xiv) idoso.
19
Privado, Direito Processual e Direito Internacional Público e Privado, mas, em qualquer caso, ela sempre diz respeito a tudo quanto se considera como indispensável à manutenção da ordem social [...] sempre diz respeito a tudo quanto se considera como indispensável à manutenção da ordem social. A ordem pública é formada por cinco componentes: a) ordem econômica; b) ordem social; c) ordem política; d) ordem cultural; e) ordem jurídica. Elas atuam de modo coordenado e indissociável na busca de realizarem o bem comum. A ideia de ordem jurídica corresponde à noção de direito subjetivo, enquanto a ordem pública é vista como uma situação de legalidade normal, portanto, de caráter mais generalizado.6
A imprecisão descrita pelo autor exige para cada área do direito a construção da
definição de ordem pública. Ainda que possível o estabelecimento de balizas
uniformes/nucleares para essa construção, é certo que cada âmbito jurídico possuirá
elementos próprios formadores do sentido do termo.
Assim, cada disciplina jurídica possui seu próprio núcleo de regras e princípios fundamentais e em cada uma será diferente a eventual constatação da violação à ordem pública. Porém, os diversos conceitos acabam por chegar ao mesmo cerne: são de ordem pública as normas conforme suas finalidades, os valores que elas representam e a realidade fática para a qual se dirigem.7
Maria Helena Diniz, ao se referir ao tema, faz o seguinte apontamento:
[...] a ordem pública é o conjunto de normas essenciais à convivência nacional; logo não comporta classificação em ordem pública interna e internacional, mas tão somente a de cada Estado. Sem embargo, autores existem, como Despagnet, que vislumbram três categorias de leis de ordem pública, em todas as legislações: a) a compreensiva de institutos e leis que interessam à consciência jurídica e moral de todos os povos civilizados, como as alusivas ao casamento, ao parentesco em linha reta; b) a que engloba leis tidas como aplicação de verdadeiros princípios da moral e da organização social; c) a referente às disposições imperativas em considerações de ordem regional.8
Tratando da temática e pontuando o tratamento específico que deverá ser
conferido por cada ordenamento à questão de ordem pública, Norberto Bobbio, Nicola
Matteucci e Gianfranco Pasquino, ao abordarem a definição de ordem pública,
compreendem:
6 DELGADO, José Augusto. A ordem pública como fator de segurança. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/79062873.pdf. Acesso em: 5 out. 2019, p. 20.
7 Esse é o posicionamento trazido por: FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública. Curitiba: Juruá, 2019. p. 28.
8 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 366.
20
[...] como sinônimo de convivência ordenada, segura, pacífica e equilibrada, isto é, normal e conveniente aos princípios gerais de ordem desejados pelas opções de base que disciplinam a dinâmica de um ordenamento. Nessa hipótese, ordem pública constitui objeto de regulamentação pública para fins de tutela preventiva, contextual e sucessiva ou repressiva [...] Com a variação da inspiração ideológica e dos princípios orientadores (democráticos ou autocráticos, por exemplo), cada ordenamento dará uma disciplina própria (ampla ou restrita) das hipóteses de intervenção normativa e de administração direta tendentes a salvaguardar a ordem pública.9
Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão Ferreira, em obra específica sobre o
tema, assinala:
Adotamos o entendimento, portanto, de que as matérias de ordem pública de natureza processual são as regras que tratam dos requisitos genéricos para a obtenção de provimento de mérito e são os pressupostos processuais, as condições da ação e as nulidades absoltas (e inexistência) (grifos do original).10
Há ainda de considerar que a junção de termos vagos – ordem e pública – dificulta
a construção da definição, como bem reconhecido por Nathaly Campitelli Roque:
Ambas as ideias foram absorvidas pelo pensamento jurídico moderno, especialmente a partir das teorizações do direito como sistema. A ideia de “ordem” é um dos componentes da ideia básica de “sistema”, já que se entende que todo o sistema conta com uma “organização”, em sentido amplo. Já a noção de “público” remete a ideia de interesse de todos, diferente da ideia de “privado”, que remete ao íntimo, ao particular.11
Evidenciando a relevância e a cogência da matéria de ordem pública, Ana Prata e
Gisele Santos Fernandes Góes fazem importantes considerações:
É o conjunto dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico, com valor supraordenador e básico, cuja salvaguarda em vista não apenas a tutela de interesses privados, mas – e primariamente – a de interesses coletivos.12
9 BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 11. ed. Brasília, 1998.
10 FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 69.
11 ROQUE, Nathaly Campitelli. A ordem pública e seu regime jurídico do direito processual civil – As questões de ordem pública. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 908, p. 266-267, 2013.
12 PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual. Coimbra: Almedina, 2005. p. 758.
21
A ordem pública é justamente uma razão pública que congrega valores sociais, políticos e econômicos de uma sociedade sendo função do ordenamento proteger tais valores, tipificando-os em normas jurídicas.13
O interesse público encontra nítida proximidade com a compreensão de ordem
pública, determinando diretrizes que limitam o campo da autonomia da vontade em
detrimento de um valor maior.
Nesse sentido, Ricardo de Carvalho Aprigliano elucida:
A ordem pública e os direitos indisponíveis têm em comum o fato de retratarem o interesse público, e este, por sua vez, a despeito de variar conforme o tempo e o lugar, deve ser encarado como núcleo de interesses que são tutelados pelo ordenamento jurídico, a partir de sua matriz constitucional.14
Portanto, para a devida construção de sentido do termo ordem pública, será
imperioso observar o núcleo de interesses tutelados pelo ordenamento jurídico, a partir de
sua matriz constitucional.
Com razão, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento cujo objeto era a
homologação de uma sentença arbitral estrangeira, contestada pelo requerido sob a alegação
de violação à ordem pública brasileira, fazendo menção à doutrina de Maria Helena Diniz e
Serpa Lopes, enuncia a seguinte passagem:15
[...] Esses conceitos demonstram as dificuldades enfrentadas pela doutrina para esclarecer a compreensão do que seja ordem pública. Assentado está, contudo, que são leis de ordem pública: a) as constitucionais; b) as administrativas; c) as processuais; d) as penais; e) as de organização judiciária; f) as fiscais; g) as de polícia; h) as que protegem os incapazes; i) as que tratam de organização de família; j) as que estabelecem condições e formalidades para certos atos; k) as de organização econômica (atinentes aos salários, à moeda, ao regime de bem) [...] É de salientar que a fraude à lei é, também, considerada na noção de ordem pública.
Cabe aqui registrar que o presente trabalho visa a análise das matérias de ordem
pública no âmbito do contencioso administrativo tributário. Nesse contexto, a construção de
13 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial cit., p. 55.
14 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem pública e processo: o tratamento das questões de ordem pública no direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2011. p. 17.
15 Passagem do Voto do Ministro José Delgado Sentença Estrangeira Contestada 802, Corte Especial, j. 17.08.2005.
22
classe do termo perpassa necessariamente nos elementos nucleares desse âmbito jurídico
ensejando a exposição e o enfrentamento de seu arquétipo nuclear.
1.2 Ordem pública processual e material
O ato de classificar tem o condão de conferir o corte analítico e diminuir as
complexidades do objeto de análise. Nesse contexto, uma classificação inicial que pode ser
utilizada para o presente estudo reside em dividir a ordem pública em material e processual.
A referida divisão possui maior sentido didático visando indicar a possibilidade
de a matéria de ordem pública ser verificada na relação jurídica entre as partes envolvendo:
a) norma de direito material; e b) norma de direito processual.
Nesse sentido, relevante esclarecimento é trazido por Ricardo de Carvalho
Aprigliano:
O que determina a natureza de ordem pública não é o tipo de matéria tratada pela norma, ou sua hierarquia, mas o seu conteúdo específico, que deve ser comparado aos valores fundamentais da sociedade, em determinado tempo e lugar.
Os elementos necessários e presentes em todos os exemplos trazidos pela doutrina ou pela jurisprudência são, portanto, (i) os valores que informam a norma, de interesse da coletividade, que se revelam particularmente sensíveis, de repercussão acima e além do mero interesse das partes desta mesma relação, seja por razões de ordem social, ética, econômica ou cultural, e (ii) o fato de cuidarem de relações jurídicas indisponíveis, ressalvada a expressão meramente econômica de tais direitos, que são sempre disponíveis, elementos que, somados, compõem o espectro do “interesse público” que vem sendo referido em diversas passagens deste estudo.16
Os elementos que denotam a matéria de ordem pública podem referir-se tanto ao
direito material quanto ao processual. Nessa medida, observa-se forte relação da ordem
pública com a atividade jurisdicional, atuando as matérias de ordem pública a fim de
assegurar o desenvolvimento válido e regular do exercício jurisdicional.
16 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem pública e processo: o tratamento das questões de ordem pública no direito processual civil cit., p. 38.
23
Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão Ferreira e Ricardo de Carvalho
Aprigliano, respectivamente, asseveram acerca da relevante função dessas matérias para
correta utilização e cumprimento da finalidade do processo:
Assim, temos que os objetivos da ordem pública processual estão relacionados à função jurisdicional do Estado, para que esse possa cumprir seu mister de prestar a tutela pleiteada no tempo e modo devidos, observando todas as regras de preceitos para o desenvolvimento válido e regular do processo, sob pena de ser prestada de modo deficiente, podendo ser objeto de questionamento por qualquer das partes prejudicadas, mesmo após o trânsito em julgado da decisão. Essas normas asseguram o regular desenvolvimento do processo, dando, por conseguinte, segurança jurídica.17
Sob esta perspectiva, é interesse do próprio Estado fiscalizar a regularidade deste instrumento, sua aptidão para produzir resultados que dele se esperam. É preciso então instituir filtros para que a atividade jurisdicional só se desenvolva se o instrumento se relevar efetivamente apto, se o resultado deste processo puder ser o de solucionar a crise de direito material que lhe foi trazida. A ordem pública processual atua precisamente para realizar este controle. Sua função não é outra senão a de assegurar a correta utilização do processo.18
Sobre o mesmo ponto, Ricardo de Carvalho Aprigliano faz importante
advertência:
[...] a ordem pública processual compreende o conjunto de regras técnicas que o sistema concebe para o controle da regularidade do processo, ou seja, pra salvar processos, permitir que sejam conduzidos ao julgamento do mérito. E, quando não atua para salvar, o faz para eliminar os processos efetivamente “condenados”, mas justamente porque o objetivo de pacificação não deixa jamais de ser perseguido, esta eliminação anormal de processos só se justifica se ocorrer tempestivamente. Todos os exemplos concretos de questões de ordem pública indicam que o sistema não admite que um processo viciado deva sobreviver por longo tempo. Há um aspecto de utilidade muito latente. Se o instrumento não serve aos seus fins, deve ser eliminado desde logo. A ordem pública processual só pode ser interpretada como um conjunto de técnicas voltadas ao tempestivo controle sobre a viabilidade do processo19 (grifo nosso).
Há, portanto, em matérias dessa natureza, seja em sua faceta material ou
processual, a hialina finalidade de preservação do interesse público e utilidade do
17 FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 39.
18 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem pública e processo: o tratamento das questões de ordem pública no direito processual civil cit., p. 64.
19 Idem, p. 65.
24
instrumento na presteza da tutela estatal, o que lhe confere o caráter poder-dever da cognição
de ofício e efeitos translativos.
1.3 Ordem pública como nulidade passível de cognição de ofício
Ao considerar/reconhecer certa matéria na categoria – classe de ordem pública –
dissociamo-la da disponibilidade e de interesses estritamente das partes envolvidas por sua
direta relação com o interesse público, ultrapassando assim os horizontes do interesse
particular.
Por essa razão, ao tratarmos das matérias de ordem pública, a temática de
nulidades é ponto recorrente. Inserir determinado elemento como matéria de ordem pública,
seja no campo material ou processual, implica a sanção de decretação de nulidade pelo
descumprimento da norma que implique o desvio de finalidade do ato:
Essa sanção – privação de validade admite, porém, graus de intensidade. Quando a ilegalidade atinge a tutela de interesses de ordem pública, ocorre a nulidade (ou nulidade absoluta), que ao juiz cumpre decretar de ofício, quando conhecer o ato processual viciado (não depende, pois, de nenhum requerimento da parte prejudicada; o prejuízo é suportado diretamente pela jurisdição). Sempre, porém, que a ilegalidade tiver repercussão sobre interesse apenas raivado da parte (que, por isso, tem disponibilidade do direito tutelado pela norma ofendida), o que ocorre é a anulabilidade (nulidade relativa). Pela menor repercussão social do vício, a lei reserva para o titular da faculdade prejudicada o juízo de conveniência sobre anular ou manter o ato defeituoso. Não cabe ao juiz, por sua própria iniciativa, decretar a invalidade de ato apenas anulável. Sem requerimento da parte interessada, o ato se convalida (é como se não portasse o defeito que nele se instalou).20
Tácio Lacerda Gama, em obra em que discorre a respeito da competência
tributária, traça importante consideração dos vícios da norma:
Pois bem, ter sido criada de forma ilícita – sem fundamento na norma de competência ou ajustada à norma sancionatória de competência – é o que há de comum entre os vícios de inconstitucionalidade, ilegalidade, nulidade, anulabilidade, erro de fato, erro de direito e de simples improcedência da pretensão da Fazenda ou do contribuinte. Ocorre, em todos esses casos, um desajuste entre a norma jurídica criada e seu respectivo fundamento de validade [...] Noutras circunstâncias, porém, os vícios são menos graves, a ponto de poderem ser convalidados sem prejuízo para a validade, vigência ou eficácia da norma. Em qualquer caso, cabe
20 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1, p. 761.
25
sempre ao direito positivo regular em que circunstâncias a norma se sujeita a sanções graves ou leves. Não cabe ao intérprete autêntico julgar a gravidade do ilícito sem fundamento no que prescreve a lei, tampouco se admite juízos discricionários neste particular.21
Interessante observar da passagem supracitada as diversas modalidades de vícios
passíveis de ocorrência: inconstitucionalidade, ilegalidade, nulidade, anulabilidade, erro de
fato, erro de direito e de simples improcedência da pretensão da Fazenda ou do contribuinte.
Nesse ponto, construção de sentido de árdua elaboração é determinar quais vícios se inserem
na classe de ordem pública.
Conferindo continuidade ao pensamento do autor, há advertência da possibilidade
da convalidação dos vícios e a delimitação de o intérprete autêntico julgar a gravidade do
ilícito sem fundamento no que prescreve a lei, tampouco se admitem juízos discricionários
nesse particular. Com efeito, no âmbito do sistema jurídico – dever-ser –, descabida seria
qualquer criação normativa e/ou estabelecimento de consequente normativo desprovido do
necessário fundamento de validade.
Não obstante, é preciso reconhecer que o alto grau de segurança e determinismo por
vezes perquirido é impraticável por lidarmos com estruturas jurídico-normativas oriundas da
atividade de construção de sentido humano, portanto sujeita a graus de variação de
entendimento, especialmente quando afeto a matérias de cunho mais valorativo que requerem
atividade de elucidação e conotação mais apurada, como é o caso do tema em análise.22
Como consectário lógico-jurídico da ocorrência de nulidade, tem-se a
possibilidade de declaração/cognição de ofício das matérias de ordem pública. Aqui, tem-se
21 GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária. Fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009. p. 323-327.
22 Abordando a temática do ato valorativo de decidir e os limites do juiz, Bianor Arruda Bezerra Neto faz interessante consideração: “em sua concepção formal, a decisão apresenta-se como a escolha entre duas ou mais possibilidades, a qual é levada a termo com base em um critério. Este, por sua vez, é estabelecido em função da finalidade da ação. A decisão criteriosa envolve a avaliação, a valoração e a escolha, que representa a conclusão da decisão. Nenhuma decisão racional, portanto, é possível sem a utilização de um critério [...] Em tais termos, no âmbito da construção da decisão judicial, justificar é uma atividade que consiste em explicar, provando ou demonstrando, os critérios utilizados e respectivos sistemas de referência, utilizados pelo magistrado no processo de valoração que redunda na atribuição de sentido à linguagem e, portanto, na criação da realidade jurídica que é a própria decisão” (BEZERRA NETO, Bianor Arruda. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz. São Paulo: Noeses, 2018. p. 359-363).
26
superada a questão da preclusão23 em virtude do dever de saneamento de vício por parte do
juízo.
A doutrina, em especial a processualista, possui entendimento sedimentado acerca
desse ponto:
As matérias de ordem pública ditas processuais podem ser conhecidas de ofício e nenhuma polêmica há a respeito, especialmente por força de disposições legais expressas nesse sentido, a saber, os arts. 267 e 301 do CPC. Dado se vincularem ao exercício de uma atividade pelo Estado-juiz, precisamente a atividade jurisdicional, é natural, óbvio até, conferir-se ao magistrado atuação de ofício acerca de matérias de ordem pública de caráter processual.24
Assim chegamos a uma premissa importante: toda matéria de ordem pública é e deve ser conhecida de ofício pelo magistrado e não estão sujeitas à preclusão [...] Entendemos que qualquer matéria de ordem pública deve ser reconhecida em qualquer tempo e grau de jurisdição, independente do estágio em que se encontra no processo e mesmo havendo sido praticados alguns ou muitos atos processuais, porque não se pode deixar chegar ao fim um processo viciado. Portanto, é atividade do juiz, ao conduzir o processo e cuidar para que todos os princípios e normas processuais sejam observados e cumpridos e, em caso negativo, agir para que esse vício seja imediatamente reconhecido, sem qualquer interferência das partes.25
Interessante posicionamento ainda é trazido pelo Professor Cassio Scarpinella
Bueno que, ao se referir ao modelo constitucional do processo, elucida:
O “modelo constitucional do direito processual civil brasileiro” compreende, para fins didáticos, quatro grupos bem destacados: os “princípios constitucionais do direito processual civil”, a “organização judiciária”, as “funções essenciais à Justiça” e os “procedimentos jurisdicionais constitucionalmente identificados”. Para comprovar o acerto e a amplitude da proposta metodológica aqui anunciada, convém tecer algumas considerações sobre cada um deles. Mais do que enumerar os “princípios constitucionais do direito processual civil”, impõe analisar, desde a doutrina do direito constitucional – a chamada “nova
23 A preclusão é a perda do direito/possibilidade da prática de um ato processual em virtude da razão de tempo – preclusão temporal – em razão da incompatibilidade de se praticar atos/preclusão lógica ou em virtude da prática de um ato de maneira defeituosa – preclusão consumativa.
24 MELLO, Rogério Licastro Torres de. Atuação de ofício em grau recursal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 55. Nota: importante elucidar que os artigos referidos são pertinentes ao CPC/1973, de forma que correspondem aos arts. 485 e 337 do vigente CPC.
25 FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 63-64.
27
hermenêutica” – seu adequado método de utilização, levando em conta, notadamente, o § 1.º do art. 5.º da Constituição Federal.26
Nesses termos, a própria moldura constitucional confere ao processo civil
elementos para uma aplicação voltada à efetivação: (i) dos princípios constitucionais do
direito processual civil; (ii) da organização judiciária; (iii) das funções essenciais à Justiça;
e (iv) dos procedimentos jurisdicionais constitucionalmente identificados, inserindo-se
como elementos desse rol o saneamento de vícios configuradores de matéria de ordem
pública.
Têm-se, portanto, por exigência do próprio sistema jurídico, mecanismos voltados
à condução do processo, de forma que os princípios e normas processuais sejam observados
e cumpridos e, em caso negativo, deve-se agir para que esse vício seja imediatamente
reconhecido, sem qualquer interferência das partes, tendo em vista o interesse maior tutelado
– o interesse público.
1.4 O efeito translativo das matérias de ordem pública
Ponto ainda merecedor de abordagem para traços iniciais da construção do
conceito diz respeito ao efeito devolutivo e translativo quando lidamos com temáticas
relacionadas ao presente objeto de análise.
Para a admissibilidade de algumas espécies recursais, seja no âmbito judicial ou
administrativo, tem-se a determinação de alguns requisitos formais, como o apontamento de
julgados paradigmáticos ou a realização de prequestionamento da matéria.
A questão, não obstante possuir forte diretiva do Supremo Tribunal Federal,27
encontra posições antagônicas na doutrina.
26 BUENO, Cassio Scarpinella. O “modelo constitucional do direito processual civil”: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/31094177/Modelo_Constitucional_do_processo_civil.pdf?response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DTeoria_do_Processo_e_Teoria_do_Direito_o.pdf&X-Amz-Algorithm=AWS4-HMAC-SHA256&X-Amz-Credential=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A%2F20191012%2Fus-east-1%2Fs3%2Faws4_request&X-Amz-Date=20191012T181838Z&X-Amz-Expires=3600&X-Amz-SignedHeaders=host&X-Amz-Signature=664f02823b242e7d16ea53536dde4152a297524d93aecc38ffca8ece578d0477. Acesso em: 12 out. 2019.
27 O Supremo Tribunal Federal tem como imprescindível o prequestionamento da questão suscitada, mesmo com relação às matérias de ordem pública. Há sobre o assunto inclusive aplicação da Súmula 282 – É
28
De um lado, há juristas que apontam a necessidade da observância formal para a
tratativa das matérias:
O princípio da congruência é uma das faces do princípio dispositivo e implica provimento jurisdicional nos limites da demanda proposta, ou seja, o juiz limitará o seu provimento às partes postas na demanda inicial, aos fundamentos de fato arrolados (causa petendi) e ao pedido deduzido (art. 128 do CPC).28
Princípio dispositivo. O efeito devolutivo da apelação é manifestação direta do princípio dispositivo. O apelante é quem fixa os limites do recurso, em suas razões e no pedido de nova decisão. Em outras palavras, o mérito do recurso é delimitado pelo apelante (CPC 141), devendo o tribunal decidir apenas o que lhe foi devolvido, nos limites das razões de recurso e do pedido de nova decisão (CPC 492) é vedado ao tribunal julgar o recurso de apelação, decidir fora dos limites da lide recursal.29
Em contrapartida, constatamos forte posicionamento que reflete diversa
construção de sentido, de modo a pontuar a necessidade de observância das matérias de
ordem pública, independentemente do ato formal de prequestionamento:
Pensamos que, data maxima venia, a expressão causas decididas do texto constitucional não pode ser interpretada como afastamento da atividade judicante do seu dever de cognoscibilidade de ofício, pois o prequestionamento exigido para as questões de mérito do recurso não se aplica às matérias de ordem pública justamente por seu caráter impositivo e imperativo. Deve haver, aqui, ponderação e cuidado para afirmar, como se fossem parte da mesma categoria, as matérias de ordem pública e o mérito do recurso excepcional. O reconhecimento das matérias de ordem pública está num estágio anterior ao exame do mérito [...] Assim, a característica de norma cogente não pode ser deixada de lado pela mudança da dita “instância ordinária” para a “instância extraordinária”. Por isso é que pensamos que também se aplica o chamado efeito translativo aos recursos extraordinários lato sensu. [...] Faz sentido permitir que o vício permaneça no processo para que, depois do trânsito em julgado, seja proposta ação rescisória?30
inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.
28 RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. Admissibilidade. Sentença de mérito proferida em processo de liquidação por órgão judicial desconsiderar o princípio dispositivo. Inexistência de pedidos de condenação em verbas e títulos referentes ao pensionamento. Violação literal disposição de lei no julgamento extra e ultra petita. Revista de Processo, São Paulo, v. 151, p. 275, 2007. Nota: o artigo mencionado refere-se ao anterior CPC/1973, de forma que corresponde ao atual art. 492 do CPC.
29 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. Novo CPC, Lei 13.105/2015. São Paulo: RT, 2015. p. 2067.
30 FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 168-171.
29
Sendo assim, tais requisitos (condições da ação e pressupostos processuais) são indispensáveis todo o tempo durante o qual o Estado exerce a jurisdição, não sendo possível ou lógico distinguir-se, quanto a isso, entre a atuação estatal por diferentes órgãos ou perante diferentes instâncias. Quer isso dizer que, mesmo perante os Tribunais Superiores, e não obstante sua função no sistema, aqueles pressupostos devem estar presentes e, nessa medida, ser objeto de fiscalização por parte do órgão judicante. De fato, seria contrário à lógica do sistema imaginar que o STF e STJ – embora considerado seu diferenciado e relevante papel – pudessem conhecer de um recurso extraordinário ou especial, se presentes os requisitos constitucionais para tanto, e que, nessa hipótese, passassem a julgar a questão constitucional ou federal mesmo diante de óbice à existência ou à validade do processo. Assim, não parece razoável que, sendo o caso de conhecimento do recurso extraordinário ou especial, o STF ou o STJ deixem de conhecer de matéria de ordem pública, tão somente sob o argumento de que a mesma não teria sido alvo da devida apreciação pela instância inferior. A presença dos pressupostos processuais é antecedente lógico do julgamento do mérito e, nessa medida, tais pressupostos são também antecedente lógico do julgamento do mérito dos recursos pelo STF e STJ.31
Reside nesse aspecto questão de relevante reflexão: os limites do julgador; a
função da atividade judicante e seu respectivo dever de cognoscibilidade de ofício com a
identificação de matéria de ordem pública.
São pontos delicados que ensejam necessária delimitação para melhor
enfrentamento. Inicialmente, é preciso reiterar que o corte de análise se concentra no âmbito
do contencioso administrativo tributário, que possui características diversas das do
contencioso judicial, haja vista não ostentar o mesmo rigor formalístico, âmbito/qualidade
de jurisdição e até mesmo finalidade.
Os princípios norteadores de cada âmbito – judicial e administrativo – possuem
especificidades próprias. No contencioso administrativo tributário, veremos a influência e a
relevância de princípios como: a) formalismo moderado; b) autotutela; e c) verdade jurídica
material, que conferem contorno diverso a essa esfera de julgamento, inclusive ao que se
entende como princípio da congruência e limites da demanda proposta.
A função do julgador administrativo e judicial, nesse contexto, também apresenta
traços distintivos muito em virtude do exercício de jurisdição diferenciada, delimitada e
dever de autotutela do contencioso administrativo. Com efeito, em ambos há a busca pela
realização e preservação do interesse público, mas, por se tratar de ambiente diverso de
31 GRINOVER, Ada Pellegrini. Litisconsórcio necessário e nulidade do processo (matéria que independe de prequestionamento). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 804, p. 97, out. 2002.
30
análise, ainda que do mesmo ato administrativo/lançamento fiscal, a forma de concretização
desse interesse ocorre de maneira específica em cada área de julgamento.
Essas características, aliadas às considerações que serão desenvolvidas no
presente trabalho, conferem tons específicos para o reconhecimento/classificação de matéria
de ordem pública em cada contencioso, administrativo e judicial, e o respectivo dever de
cognoscibilidade de ofício.
É certo que, para o desenvolvimento da temática – matéria de ordem pública –,
será necessária a realização da atividade da intertextualidade32 para a construção semântica
pretendida e o enfrentamento das seguintes questões no âmbito do contencioso
administrativo tributário.
Pelas tratativas inseridas no presente capítulo, nota-se que o tratamento da
temática, em nosso sentir ainda tímido, encontra maior desenvolvimento no âmbito da
doutrina processual civil, carecendo o processo administrativo tributário de maiores
reflexões sobre o assunto.
Não obstante, temos como certo que, uma vez reconhecida como matéria de
ordem pública, seja na esfera judicial ou administrativa, parece-nos imperioso o
enfrentamento desse ponto com a efetiva atuação estatal por diferentes órgãos ou perante
distintas instâncias pelo interesse maior tutelado – o público.
1.5 Dos questionamentos à temática
Com efeito, o objetivo nuclear do presente trabalho reside na construção da classe
– matéria de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário –, finalidade
essa que inicia sua trajetória nas considerações preliminares deste capítulo e se desenvolve
até as marcas conclusivas desse suporte físico.
32 A intertextualidade é formada pelo intenso diálogo que os textos mantêm entre si, sejam eles passados, presentes ou futuros, pouco importando as relações de dependência estabelecidas entre eles. Assim que inseridos no sistema, iniciam a conversação com outros conteúdos, intrassistêmicos e extrassistêmicos, num denso intercâmbio de comunicações. O direito positivo como corpo de linguagem (texto) relaciona-se com outros sistemas/áreas de conhecimento (político, social, econômico, entre outros), os quais são também corpo de linguagem-texto. Nesse âmbito, verificamos uma intertextualidade externa – não jurídica, de menor relevância, haja vista o escopo não ser o jurídico. Essa relação dialógica é responsável pela moldagem das valorações do intérprete. Há ainda de observar que o direito positivo como sistema também possui relações entre suas unidades, verificando-se, nesse sentido, uma intertextualidade interna.
31
A construção da referida classe possui como intuito, além da clarificação de ampla
zona de penumbra em torno do tema, ofertar respostas/posicionamentos coerentes, ainda que
sempre abertos a refutações, especialmente aos pensamentos que adotem premissas diversas,
às seguintes indagações:
(i) Existe uma definição geral aplicada a todas as áreas jurídicas acerca do conceito de matéria pública?
(ii) No âmbito do contencioso administrativo tributário, quais matérias podem ser consideradas de ordem pública?
(iii) Questões de inconstitucionalidade e ilegalidade são matérias de ordem pública no contencioso administrativo tributário?
(iv) Há diferença entre as matérias de ordem pública do âmbito do contencioso administrativo para o judicial tributário?
(v) Envolver questão probatória retira o caráter de matéria de ordem pública?
(vi) As matérias de ordem públicas são as passíveis de reconhecimento ex officio?
(vii) Existe limite processual para arguição de matéria de ordem pública no processo administrativo tributário?
(viii) A matéria de ordem pública prescinde da questão de conhecimento?
(viii.a) É preciso haver tempestividade do recurso para conhecimento de matéria de ordem pública?
(viii.b) É necessária a indicação de paradigma para conhecimento de recurso especial em caso de matéria de ordem pública?
(ix) A aplicação de princípio pode ser considerada matéria de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário?
(x) A matéria de ordem pública supera o efeito devolutivo do recurso? Implica necessário efeito translativo?
(xi) Matérias de ordem pública são passíveis de correção pelo julgador administrativo?
(xii) Responsabilidade tributária é matéria de ordem pública?
Delineados os pontos de inquietação que motivam a redação do presente trabalho,
passemos a tecer as considerações necessárias para a construção da classe pretendida e o
enfrentamento das indagações delineadas.
Como toda construção de sentido, possui o raciocínio desenvolvido alicerce em
elementos valorativos, especialmente por refletir temática relacionada a termos de alta
vagueza, como interesse público. Contudo, buscando conferir tons de objetividade e
coerência ao trabalho, é importante registrar que, para o alcance do desiderato proposto,
consideramos imperioso o tracejar do seguinte caminho: (i) Relevância do processo
32
administrativo tributário; (ii) Os princípios específicos do processo administrativo tributário;
(iii) Os requisitos do ato administrativo do lançamento fiscal no processo administrativo
tributário; (iv) A impossibilidade da construção da classe pela análise dos julgados; (v)
Formação da classe de matéria de ordem pública e respostas ao quesitos; e por fim (vi)
Conclusões acerca da temática.
33
2. RELEVÂNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
Conforme tratado em linhas iniciais, a construção da classe de ordem pública está
atrelada à área jurídica relacionada. Com efeito, cada ramificação jurídica possui
características próprias que lhe conferem contornos específicos dos elementos de maior
relevância e necessária observação.
Nesse contexto, sendo o objeto do presente trabalho a análise das matérias de
ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário, é fundamental a adequada
compreensão das características e relevância do processo administrativo tributário.
Solucionar conflitos de interesses, dentro da concepção de um Estado de Direito,
é atribuição direcionada à função judicial. Deveras, a primazia do Poder Judiciário para
conferir contornos de definibilidade aos conflitos de interesse é um nítido traço do Estado
de Direito na busca de garantir o devido processo legal e a submissão à lei de todos os
governantes e governados.
Nesse desiderato, nossa Carta da República de 198833 prescreve no Título de
Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos,
a garantia ao processo judicial e administrativo.34
33 Nota-se que o contencioso administrativo foi abolido com a Constituição de 1891 e esteve ausente nos textos constitucionais de 1934, 1937, 1946 e 1967. Teve seu ressurgimento pela Emenda Constitucional 1/1969 e sua efetiva consagração enunciativa com a Carta da República de 1988, art. 5.º, LV.
34 É interessante observar o desenvolvimento do estudo do contencioso administrativo tributário para identificar principalmente os valores e características que o informam. Nesse sentido, Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas faz importante elucidação do assunto: “no início da década de 30 do século passado, o professo italiano Francesco Carnelutti foi quem primeiro desenvolveu a noção de processo tributário, considerado especificamente como projeção do direito tributário no campo processual. Em 1942 surge a 1.ª edição da obra do autor italiano Enrico Allorio, que, após incorporar questões criticadas por outros autores – entre eles A. D. Gannini –, volta em 1962 com reflexões a respeito da teoria geral do processo tributário, avançando nas questões relativas à compreensão tanto do processo jurisdicional quanto do processo de autotutela, conceituando lide tributária, relação jurídico-tributária e constitutividade da eficácia do lançamento. Quase na mesma época, Rubens Gomes de Souza começou a estudar e demonstrar a importância do desenvolvimento do direito processual tributário brasileiro, pela importância da distribuição da justiça em matéria fiscal e da organização da justiça administrativa e da justiça judiciária. Outra contribuição valiosa veio dos estudos desenvolvidos pelo autor espanhol Sainz de Bujanda, por meio da sua clássica obra Sistema de Derecho Financeiro, que, localizando o direito processual no âmbito do direito público, preocupou-se com a importância, na compreensão do processo. Do procedimento de jurisdição, identificando as devidas correspondências entre o direito substantivo e o processo [...] Convém destacar a doutrina de Ramón Valdés Costa, professor uruguaio que participou da elaboração do Modelo de Código Tributário para a América Latina, e em sua obra publicada em 1992 particulariza a importância da solução dos conflitos tributários dada pela compreensão e aplicação dos princípios da legalidade, da igualdade e da tutela jurisdicional, principalmente porque só no campo do direito tributário o Estado
34
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (grifo nosso).
É cristalino, portanto, que o processo administrativo atua como elemento
garantidor do devido processo legal, sendo assegurado por força de norma constitucional.
Concretizando essa garantia no âmbito tributário em nível federal, o Decreto
16.580, de 4 de setembro de 1924, instituiu um Conselho de Contribuintes em cada Estado
e no Distrito Federal, com competência para julgamento de recursos referentes ao Imposto
sobre a Renda, cujos cinco membros seriam escolhidos entre contribuintes do comércio,
indústria, profissões liberais e funcionários públicos, todos de reconhecida idoneidade e
nomeados pelo Ministro da Fazenda. O Conselho de Contribuintes do Imposto de Renda no
Distrito Federal, único a ser instalado, iniciou seu funcionamento em 14 de setembro de
1925.35
No âmbito estadual, temos como exemplo o Tribunal de Impostos e Taxas do
Estado de São Paulo, vinculado à Coordenadoria de Administração Tributária da Secretaria
da Fazenda. É órgão paritário de julgamento de processos administrativos tributários
decorrentes de lançamento de ofício. Foi instituído em 5 de junho de 1935 pelo Decreto
7.184.36
Ainda merece registro o Conselho Municipal de Tributos do Município de São
Paulo criado pela Lei Municipal 14.107, de 12 de dezembro de 2005, responsável também
pela regulamentação do Processo Administrativo Fiscal (PAF).
A criação do referido órgão, conforme consta no próprio site do conselho,
[...] atendeu a uma antiga aspiração dos contribuintes, com o surgimento de um órgão julgador colegiado, composto por representantes do Fisco e da sociedade, para decidir, em última instância administrativa, as
assume a tríplice função de criador da obrigação, credor dela e juiz dos conflitos dela decorrentes” (RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo administrativo tributário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 125).
35 Disponível em: http://idg.carf.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/memoria-institucional. Acesso em: 28 jun. 2017.
36 Disponível em: https://portal.fazenda.sp.gov.br/servicos/tit/Paginas/Sobre.aspx. Acesso em: 28 jun. 2017.
35
controvérsias tributárias entre os contribuintes e a administração municipal.37
Com razão, observamos que, com o passar dos anos, novos Tribunais
Administrativos Tributários de julgamentos são criados, consolidando a efetivação desses
órgãos em todo o território nacional, seja no âmbito federal, estadual e/ou municipal.
O desenvolvimento do contencioso administrativo tributário, entre outras
motivações, dá-se em razão da necessidade de estabelecer um conjunto de normas e
procedimentos de administração, destinados a exercer o controle de qualidade sobre os
lançamentos tributários e influenciados pelos princípios da publicidade, da economia, da
motivação e da celeridade, garantindo ao contribuinte o pleno exercício do contraditório e
da ampla defesa.
As características presentes nesse âmbito de julgamento conferem aos
lançamentos fiscais mantidos maior rigor de certeza e liquidez, além de evitarem instauração
de demandas judiciais fadadas ao insucesso para o fisco, acarretando o ineficiente uso do
aparelhamento estatal nas defesas desses casos e ainda implicando ônus financeiro com
possível condenação de honorários de sucumbência. Em suma, é nítida forma de
concretização do interesse público perquirido.
2.1 Suspensão da exigibilidade do crédito tributário
A suspensão da exigibilidade do crédito tributário pode ser considerada a
característica/garantia de maior relevância para os contribuintes inseridos no âmbito de
discussão de lançamento fiscal.
O alto grau valorativo por parte dos contribuintes dá-se em virtude da vedação de
práticas de atos expropriatórios na fase do contencioso administrativo tributário por força do
enunciado legal contido no Código Tributário Nacional, em seu art. 151, III:
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
37 Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/fazenda/institucional/index.php?p= 3182. Acesso em: 29 ago. 2018.
36
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança;
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela LCP n.º 104, de 2001.)
VI – o parcelamento. (Incluído pela LCP n.º 104, de 2001.)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela consequentes (grifo nosso).
Diversamente do que ocorre com o contencioso judicial, em que o crédito
tributário ostenta natureza de executoriedade, tem-se no âmbito administrativo fase
desprovida dessa qualidade, justamente por sua característica de controle de qualidade do
ato administrativo para verificação do rigor de liquidez e certeza do crédito.
Cabe registar que, ao falarmos da suspensão, ela é atrelada à exigibilidade, e não
ao crédito tributário. Com efeito, o lançamento fiscal tem o condão de inserir no sistema
normativo norma individual e concreta, em regra, que constitui uma relação jurídica entre
fisco e contribuinte, em que o primeiro atua como sujeito ativo (detentor do direito) e o
segundo como sujeito passivo (com o dever jurídico de cumprir uma obrigação tributária ou
dever instrumental).
Em outras palavras, a suspensão é da exigibilidade, e não do crédito tributário.
Nesse contexto, Paulo de Barros Carvalho esclarece:
Com a celebração do ato jurídico administrativo, constituidor da pretensão, afloram os elementos básicos que tornam possível a exigência: a) identificação do sujeito passivo; b) apuração da base de cálculo e da alíquota aplicável, chegando-se ao quantum do tributo; e c) fixação dos termos e condições em que os valores devem ser recolhidos. Feito isso, começa o período de exigibilidade. A descrição concerta bem com os atributos que dissemos ter o ato jurídico administrativo do lançamento: presunção de legitimidade e exigibilidade. Com ele, inicia a Fazenda Pública as diligências de gestão tributária, para receber o que de direito lhe pertence. É o lançamento que constitui o crédito tributário e que lhe confere foros de exigibilidade, tornando-o susceptível de ser postulado, cobrado, exigido. O direito positivo prevê situações em que o atributo da exigibilidade do crédito fica temporariamente sustado, aguardando nessas condições sua extinção, ou retomando sua marcha regular para ulteriormente extinguir-se.38
38 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direto tributário. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 378-379.
37
O reconhecimento da suspensão de exigibilidade, quando verificada em virtude
de processo administrativo, independe inclusive de oferecimento de garantia ao crédito
tributário. Tal fato confere contornos de maior acessibilidade a esse âmbito de discussão do
lançamento tributário.
De forma diversa da verificada no contencioso judicial, em que a efetiva análise
de mérito e provas exigem o dispêndio econômico por parte do interessado, tornando em
muitos casos impraticável a suspensão da exigibilidade por insuficiência econômica ou
ainda, circunstância de maior gravidade, impossibilitando o acesso à jurisdição pelo simples
fato de não ser possível o oferecimento de garantia, bem como de custas judiciais.39
É certo que a jurisprudência do contencioso judicial faz referência à exceção de
pré-executividade como arguição da ausência dos requisitos da execução, não requerendo,
portanto, desprendimento financeiro para o ingresso da medida.
Trata-se de caminho procedimental preconizado pela maioria da doutrina pátria,
que sustenta como legítima a possibilidade de alegar as matérias de ordem pública,
independentemente de embargos.
Como subsídio dessa “defesa”, a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco pontua:
A inépcia da petição inicial executiva ou a presença de qualquer óbice ao regular exercício da jurisdição in executivis constituem matéria a ser apreciada pelo Juiz da execução, de ofício ou mediante simples objeção do executado, a qualquer momento e em qualquer fase do procedimento. Da circunstância de ser a execução coordenada a um resultado prático, e não a um julgamento, não se deve inferir que o Juiz não profira, no processo executivo, verdadeiros julgamentos, necessários a escoimá-lo de irregularidades formais e a evitar execuções não desejadas pela ordem pública. A recusa a julgar questões dessa ordem no processo executivo constituiria negativa do postulado da plena aplicação da garantia constitucional do contraditório a esse processo... Dos fundamentos dos embargos, muito poucos são os que o Juiz não pode conhecer de ofício, na própria execução.40
No mesmo sentido, Nelson Nery Jr.:
Mesmo antes de opor embargos do devedor, o que somente pode ocorrer depois de seguro o juízo pela penhora, o devedor pode utilizar-se de outros instrumentos destinados à impugnação no processo de execução,
39 A título de exemplificação, no Estado de São Paulo, o valor de custa judicial de uma ação anulatória pode corresponder a 3 mil UFESP, que equivale R$ 77.100,00 (setenta e sete mil e cem reais). Disponível em: http://www.oabsp.org.br/servicos/tabelas/tabela-de-custas/justica-estadual//. Acesso em: 1.º set. 2018.
40 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 447.
38
notadamente no que respeita às questões de ordem pública por meio da impropriamente denominada exceção de pré-executividade... A possibilidade de o devedor, sem oferecer bens à penhora ou embargar, poder apontar a irregularidade formal do título que aparelha a execução, a falta de citação, a incompetência absoluta do juízo, o impedimento do Juiz e outras questões de ordem pública, é manifestação do princípio do contraditório no processo de execução.41
Por fim, dando ampla abrangência a lição por Araken de Assis:
Embora não haja previsão legal, e tendo o Juiz tolerado, por lapso, a falta de algum dos pressupostos, é possível o devedor requerer o seu exame desobrigado do aforamento de embargos, ou antes mesmo de sofrer penhora.42
É notório que a finalidade da presente via consubstancia-se nas hipóteses que
impedem a configuração do título executivo ou que o privam da força executiva por razões
ligadas à falta de liquidez ou exigibilidade da obrigação, bem como a falta de interesse pela
inadequação do meio escolhido para obter a tutela jurisdicional executiva, dada a ausência
das condições da demanda executiva, em outras palavras, pela verificação de matéria de
ordem pública.
Como verificado nas citações suprarreferidas, a ausência de tais condições
representa matéria de ordem pública que pode ser alegada a qualquer tempo e grau de
jurisdição, notadamente sua análise de ofício, sem provocação da parte interessada e não
sujeita à preclusão.
Ocorre que o reconhecimento por parte do juízo de matéria subsumida à classe
dessa natureza não é de fácil ocorrência. Além do mais, a elucidação dos elementos que
compõem a classe de ordem pública não possui rol normativo e ainda há situações que
podem fugir a essa classificação e não ser levadas ao Judiciário por impossibilidade
financeira da parte interessada.
Nessas situações, nosso vigente Código de Processo Civil prevê em sua sessão
IV, arts. 98 a 102, a possibilidade de pedido de justiça gratuita, dependendo do acatamento
judicial.
Nota-se, portanto, que a via administrativa não se encontra atrelada à garantia do
juízo e – em regra – a pagamento de custas para o exercício do devido processo legal e acesso
41 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1992. p. 129. 42 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. Porto Alegre: Letras Jurídicas, 1987. v. I, p. 344.
39
à atividade de jurisdição. Com razão, atrelar o direito de defesa a uma garantia econômica
em muitos casos impossibilita seu próprio exercício.
Por fim, interessante notar dicção do art. 35 do Decreto-lei 70.235/1972, ao dispor
sobre o processo administrativo fiscal prescrever o julgamento de recurso, ainda que
perempto: “Art. 35. O recurso, mesmo perempto, será encaminhado ao órgão de segunda
instância, que julgará a perempção”.
O teor do referido artigo implica reconhecimento de suspensão da exigibilidade
do crédito tributário combatido por medida recursal perempta até seu efetivo julgamento
pelo órgão de segunda instância.
A preservação da suspensão da exigibilidade do crédito tributário é ato essencial
para garantia de valor de maior expressividade atinente às características do contencioso
administrativo tributário, possibilitando amplo acesso dos contribuintes ao julgamento mais
célere e técnico de suas demandas.
2.2 Celeridade processual
O tempo do direito nem sempre atende o anseio daqueles que buscam na “justiça”
a guarida de seus interesses. Com razão, ponto de clamor popular encontra-se no lapso
temporal necessário para o encerramento de questões judiciais, sendo inclusive motivo de
desmotivação para ingresso de novas demandas.
Nesse contexto, o contencioso administrativo tributário demonstra um elevado
nível de eficiência. A título exemplificativo, serão apontados resultados de três dos maiores
Tribunais Administrativos do País, a saber: Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais
(Carf); Tribunal Administrativo de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP); e
Conselho Municipal de Tributos do Município de São Paulo (CMT/SP).
Em análise no próprio sítio virtual dos referidos órgãos, podemos evidenciar
estatísticas que apontam: a) quantidade de casos julgados; b) valores envolvidos de alta
quantia; c) tempo médio de julgamento.
40
- Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais (Carf)
- Tribunal Administrativo de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP)
41
- Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (CMT/SP)
Pelas informações inseridas, verifica-se que no âmbito federal o contencioso
administrativo foi responsável, em 2017, pelo julgamento de 21.634 acórdãos; no estadual,
o TIT/SP realizou 18.827 julgamentos; por sua vez, no municipal, o CMT/SP encerrou no
mesmo ano 10.048 processos.
São números significativos, ainda mais por se tratar de Tribunais especializados,
ou seja, julgam questões pertinentes ao âmbito tributário de suas respectivas competências.
Realizando uma comparação43 meramente ilustrativa com o Supremo Tribunal
Federal, nossa corte constitucional com requisitos próprios de admissibilidade e competência
diversa da dos Tribunais Administrativos, verifica-se que ano de 2017 o plenário da Suprema
Corte realizou 12.896 julgamentos.
43 Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=decisoesinicio. Acesso em: 1.º set. 2018.
42
Deveras, no presente caso, estamos comparando elementos diversos, o que em
termos lógicos prejudica uma adequada análise de classes. Não obstante, há elementos
aproximadores entre os ambos contenciosos: a) a profundidade técnica, em regra, conferida
aos julgamentos; e b) a especialização dos Tribunais, sendo um voltado à matéria
estritamente tributária da competência respectiva do ente federativo a que está relacionado
e o outro à temática de cunho constitucional, independentemente do ramo do direito.
Merece ainda destaque o lapso temporal necessário para o julgamento dos processos
no âmbito administrativo tributário. Nesse sentido, a mero título exemplificativo, pode-se
fazer menção ao Tribunal Administrativo de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo
(TIT/SP) que possui como tempo médio decorrido entre o início do contencioso e a decisão
final administrativa o período de 22 a 29 meses.44
44 Disponível em: https://portal.fazenda.sp.gov.br/servicos/tit/Paginas/prazo_medio.aspx. Acesso em: 3 fev. 2019.
43
As informações apresentadas ratificam a relevância do contencioso administrativo
tributário e refletem sua capacidade de solucionar conflitos de interesse com o devido
aprofundamento da matéria analisada em tempo célere, conjugando dois valores
extremamente importantes para o processo tributário: a) qualidade do julgamento; e b)
duração razoável do processo.
O julgamento no âmbito administrativo é caracterizado pelo intenso debate e
análise profunda acerca da constituição do fato jurídico tributário, possibilitando, nessa
medida, a existência de decisões mais técnicas e balizadas, comungando os valores da
celeridade e do devido processo legal.
44
2.3 Elevado nível técnico de julgamento
A composição dos órgãos de julgamento observa, em regra, critério técnico para
preenchimento dos quadros de julgadores. Nesses termos, a nomeação dos juízes
administrativos é precedida de processo seletivo, que conta com comissão de seleção voltada
à análise curricular dos candidatos.
O perfil dos julgadores administrativos possibilita profundo debate acerca da
constituição do fato jurídico. Trata-se de operadores do direito com conhecimento de causa
das temáticas levadas a julgamento – familiaridade com a matéria objeto da autuação.
Com razão, elucida Hugo de Brito Machado:
Muitas vezes o exame dos fatos, no processo administrativo fiscal, se faz com mais conhecimento de causa. E muitas questões de direito ordinário são também melhor apreciadas. A legislação específica de cada tributo é muito melhormente conhecida das autoridades administrativas julgadoras que da maioria dos juízes.45
Essa característica confere aos casos do âmbito administrativo tributário o alcance
de decisões com alto rigor de tecnicidade, ingressando em meandros não comuns ao julgador
judicial.
Tal fato ocorre pelo perfil verificado em cada âmbito de julgamento: judicial e
administrativo. No primeiro, tem-se local propício para enfrentamento de teses, ilegalidades e
inconstitucionalidades; o segundo, por sua vez, é o ambiente de excelência para análise da
constituição do fato jurídico em sua exata dimensão e alcance por meio da linguagem das provas.
Esclareça-se que, apesar de ser por excelência o ambiente para constituição do
fato jurídico com análise de provas, há no Tribunal Administrativo a realização de
construção normativa.
Nesse contexto, é preciso pontuar que a clarificação da significação de um
enunciado é ato díspar da não aplicação de texto cogente por considerá-lo inconstitucional.
Não se trata, aqui, de negativa à base textual normativa, mas sim da atribuição de construção
de sentido, que reflete a adequada subsunção do fato à norma, permanecendo incólume o
texto jurídico-base de lançamento fiscal.
45 MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de segurança. São Paulo: RT, 1994. v. III, p. 88-89.
45
2.4 Paridade na composição das câmaras de julgamento
Entende-se por paridade igualdade na representação nos órgãos de julgamento do
contencioso administrativo. Nesse sentido, a título exemplificativo, o Tribunal de Impostos
e Taxas do Estado de São Paulo é composto por representantes da sociedade civil e agentes
da Administração Pública (agentes fiscais de rendas e procuradores do Estado).
Não existe uma uniformidade na composição dos Tribunais Administrativos, uma
vez que possuímos o estabelecimento de normas dessa natureza distribuído entre a União,
26 Estados, Distrito Federal e alguns municípios.
A paridade é valor presente na significativa maioria desses órgãos. Vejamos, à
guisa de exemplo, a forma de tratamento de composição, mandatos e forma de seleção no
âmbito estadual:46
Conforme observado, dos 27 órgãos estaduais de julgamento apenas em seis não
se observa a paridade. Trata-se de importante característica do contencioso administrativo
46 Slide da apresentação do Professor Osvaldo Santos de Carvalho na palestra em comemoração aos 81 anos do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Em 07.07.2016.
46
fiscal, refletindo, inclusive, os ideais do princípio republicano, ao passo que possibilita a
participação da sociedade civil por meio de julgadores representantes dos contribuintes.
Estabelecem-se, dessa forma, núcleos valorativos diversos no julgamento. O ato
de julgar exige, com toda a razão, o máximo grau de imparcialidade possível por parte do
julgador. A composição paritária com representação da sociedade civil e da Administração
Pública coloca o lançamento fiscal sob análise de óticas naturalmente com vetor
interpretativo diverso: fisco x contribuinte.
Não se trata de alimentar uma cultura de dicotomia entre essas partes, mas a
construção de sentido está atrelada a contexto e horizontes culturais de qualquer indivíduo,
sendo, portanto, natural a compreensão diversa, o que não descaracteriza a imparcialidade,
mas traz à mesa de debate distintos núcleos de preferência relevantes para o julgamento.
2.5 Construção do fato jurídico
Elemento de suma relevância, podendo ser considerada a principal razão do
processo administrativo tributário, é a prova. Com razão, o processo administrativo tributário
é por excelência o ambiente propício para construção do fato jurídico tributário nas exatas
proporções de sua ocorrência, ou ainda inocorrência.
Quando se menciona fato jurídico tributário, refere-se à descrição linguística do
evento, a qual corresponderá à hipótese do antecedente normativo de uma norma individual
e concreta de natureza tributária, ou seja, aquela norma que está relacionada a uma regra-
padrão de incidência tributária, a qual terá o condão de fazer nascer uma relação jurídica
tributária, verificando-se nesse aspecto dois tipos de relações: as de caráter obrigacional
(patrimonial) e as que determinam deveres instrumentais ou formais.
Abordando o assunto, o Professor Paulo de Barros Carvalho elucida:
A constituição de um fraseado normativo capaz de justapor-se como antecedente normativo de uma norma individual e concreta, dentro das regras sintáticas ditadas pela gramática do direito, assim como de acordo com os limites semânticos arquitetados pela hipótese da norma geral e abstrata.47
47 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2009. p. 481.
47
Nesses termos, o fato jurídico tributário refere-se a uma descrição linguística de
um evento, o qual precisa de comprovação para ser apto a irradiar os efeitos pretendidos
(causalidade jurídica). Há de ressaltar que o evento é intangível, esgota-se no tempo e no
espaço, sendo, portanto, a prova o elemento idôneo para implicar a certeza (segurança)
jurídica acerca da ocorrência ou inocorrência do fato.
É nítida a relação entre prova e fato jurídico tributário. O antecedente normativo
de uma norma individual e concreta é formado por elementos que visam conferir concretude
ao acontecimento de determinado evento; esses elementos são as provas. Estas, por seu
turno, como vestígios do evento esvaído no tempo e no espaço, são elementos nucleares do
contencioso administrativo que, no exercício da função jurisdicional delimitada, busca a
construção da verdade jurídica material.
Nesse sentido, é precisa a pontuação da Professora Fabiana Del Padre Tomé:
Considerando que os acontecimentos do mundo da experiência são inacessíveis, por se terem esgotados no tempo e no espaço, a prova consistirá sempre em uma construção linguística que toma por fundamento marcas deixadas pela ocorrência fenomênica.48
Tem-se aqui concepção de prova no sentido de ser um enunciado linguístico
decorrente de ação humana, cujo fundamento são as marcas deixadas pela ocorrência
fenomênica, possuindo, portanto, três características: a) pessoal, por depender da ação
humana; b) documental, por apresentar-se em forma de enunciado linguístico; c) indireta,
uma vez que jamais alcança o fato que pretende provar. Pode-se salientar que a prova como
signo apresenta-se sempre como representação parcial de outro fato, ingressando nos termos
prescritos pelo direito.49
Analisando a legislação federal (Decreto 7.574 de 2011), a do Estado de São Paulo
(Lei 13.457/2009) e a Lei 14.107/2005, referentes à determinação de exigência de crédito
tributário em face da União, do Estado e Município de São Paulo, respectivamente, notamos
enunciados voltados à temática das provas (constituição do fato jurídico).
48 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008. p. 95. 49 Idem, p. 97.
48
Decreto 7.574, de 29 de setembro de 2011
Lei 13.457, de 18 de março de 2009
Lei Municipal 14.107, de 12 de dezembro de 2005
Art. 24. São hábeis para comprovar a verdade dos fatos todos os meios de prova admitidos em direito (Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973, art. 332). Parágrafo único. São inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos (Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, art. 30).
Art. 18. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos obtidos de forma lícita, são hábeis para provar a verdade dos fatos controvertidos.
Art. 21. A prova documental deverá ser apresentada na impugnação, a menos que: I – fique demonstrada a impossibilidade de sua apresentação oportuna por motivo de força maior; II – refira-se a fato ou a direito superveniente; III – destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.
Art. 25. Os autos de infração ou as notificações de lançamento deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito (Decreto n.º 70.235, de 1972, art. 9.º, com a redação dada pela Lei n.º 11.941, de 2009, art. 25).
Art. 19. As provas deverão ser apresentadas juntamente com o auto de infração e com a defesa, salvo por motivo de força maior ou ocorrência de fato superveniente. Parágrafo único. Nas situações excepcionadas no caput deste artigo, que devem ser cabalmente demonstradas, será ouvida a parte contrária.
Art. 22. A juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante petição em que se demonstre, fundamentadamente, a ocorrência de uma das condições previstas nos incisos do art. 21 desta lei.
Art. 35. A realização de diligências e de perícias será determinada pela autoridade julgadora de primeira instância, de ofício ou a pedido do impugnante, quando entendê-las necessárias para a apreciação da matéria litigada (Decreto n.º 70.235, de 1972, art. 18, com a redação dada pela Lei n.º 8.748, de 9 de dezembro de 1993, art. 1.º). Parágrafo único. O sujeito passivo deverá ser cientificado do resultado da realização de diligências e perícias, sempre que novos fatos ou documentos sejam trazidos ao processo, hipótese na qual deverá ser concedido prazo de trinta dias para manifestação (Lei n.º 9.784, de 1999, art. 28).
Art. 20. Não dependem de prova os fatos: I – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; II – admitidos, no processo, como incontroversos.
Art. 25. Os órgãos julgadores determinarão, de ofício ou a requerimento do impugnante, a realização de diligências que entenderem necessárias, fixando prazo para tal, indeferindo as que considerarem prescindíveis, impraticáveis ou protelatórias. Parágrafo único. As diligências serão efetuadas por Inspetor Fiscal ou por Agente de Apoio Fiscal, observadas as respectivas competências.
Art. 36. A impugnação mencionará as diligências ou perícias que o sujeito passivo pretenda sejam efetuadas, expostos os motivos que as justifiquem, com a formulação de quesitos referentes aos exames desejados, e, no caso de perícia, o nome, o endereço e a qualificação profissional de seu perito deverão constar da impugnação (Decreto n.º 70.235, de 1972, art. 16, inciso IV, com
Art. 25. Os órgãos de julgamento determinarão a realização de diligências necessárias à instrução do processo. § 1.º Encontrando-se o processo em fase de julgamento, somente por decisão do órgão julgador poderá ser determinada diligência para esclarecimento de matéria de fato. § 2.º A exibição e o envio de dados e de documentos resultantes das diligências de que trata o caput deste artigo
49
a redação dada pela Lei n.º 8.748, de 1993, art. 1.º). § 1.º Deferido o pedido de perícia, ou determinada de ofício sua realização, a autoridade designará servidor para, como perito da União, a ela proceder, e intimará o perito do sujeito passivo a realizar o exame requerido, cabendo a ambos apresentar os respectivos laudos em prazo que será fixado segundo o grau de complexidade dos trabalhos a serem executados (Decreto n.º 70.235, de 1972, art. 18, com a redação dada pela Lei n.º 8.748, de 1993, art. 1.º). § 2.º Indeferido o pedido de diligência ou de perícia, por terem sido consideradas prescindíveis ou impraticáveis, deverá o indeferimento, devidamente fundamentado, constar da decisão (Decreto n.º 70.235, de 1972, arts. 18 e 28, com as redações dadas pela Lei n.º 8.748, de 1993, art. 1.º). § 3.º Determinada, de ofício ou a pedido do impugnante, diligência ou perícia, é vedado à autoridade incumbida de sua realização escusar-se de cumpri-las.
poderão ser realizados por meio eletrônico, na forma do regulamento.
Art. 26. Os órgãos de julgamento apreciarão livremente as provas, devendo, entretanto, indicar expressamente os motivos de seu convencimento.
Os enunciados em tela refletem a delimitação para apresentação e determinação
de produção probatória e expressam, em certa medida, um grau de subjetividade para
acatamento de realização de perícias e juntada de elementos probatórios posteriormente à
impugnação – primeira defesa.
Sendo o âmbito do contencioso administrativo tributário o ambiente propício para
configuração do fato jurídico tributário nas exatas dimensões de sua ocorrência, parece
impróprio falar em limitação para o alcance da verdade jurídica material.
É preciso lembrar que, como processo, está inserido em um conjunto de normas e
procedimentos destinados a exercer o controle de qualidade sobre os lançamentos tributários
50
e influenciados pelos princípios da publicidade, da economia, da motivação e da celeridade,
garantindo ao contribuinte o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
Em outras palavras, é preciso observar o texto legal, conferir estabilidade nas
relações, previsibilidade na aplicação normativa como forma de alcançar o valor maior da
segurança jurídica. “Qualquer fato para ingressar no âmbito jurídico precisa observar as
regras do jogo – passar por uma espécie de filtro que seleciona quais propriedades entram e
quais ficam de fora daquele conjunto.”50
A temática tem o condão de ofertar significativa complexidade. De um lado, o
valor da verdade material e, de outro, a necessidade de delimitações para o alcance dessa
verdade em nome de uma segurança jurídica.
O resultado desse embate pode ocasionar a falta de critério para uma determinação
objetiva de possibilidade para construção de elementos probatórios, provocando diversos
casos de conversão em diligência, seja para autuado ou autuante juntar provas em
determinadas situações, ou ainda vedando essa produção em casos similares.
É preciso ponderar que nesse ponto não há que buscar um equilíbrio no tratamento
entre fisco e contribuinte, isto é, essa é uma relação que imperiosamente deve ser marcada
pelo desequilíbrio como forma de alcançar uma isonomia.
Portanto, a atividade de constituir o crédito tributário é vinculada por força do
Código Tributário Nacional em seu art. 142:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Por essa razão, a incumbência probatória deve recair com maior peso sobre a
autoridade autuante que atribui ao contribuinte a prática de ato vedado pelo sistema jurídico.
Merece ainda registro que a autoridade fiscal possui o poder de polícia e consequentes
mecanismos para verificação da existência ou não do fato jurídico tributário.
50 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário cit., p. 145.
51
Encontrar equilíbrio entre a abertura para construção de provas e a necessidade de
limitação dessa produção é tarefa árdua para o âmbito administrativo tributário. Contudo, é
preciso ponderar, independentemente da compreensão de processo ou procedimento
administrativo, que o contencioso tributário não judicial é formado por conjunto de
enunciados que especificam o momento passível de produção probatória.
Com efeito, não é por ser o ambiente de excelência da análise de formação do fato
jurídico que o âmbito administrativo tributário admitirá, a qualquer momento, a produção
probatória. Há regras no jogo que precisam ser observadas para existência de sistema com
previsibilidade e segurança jurídica.
2.6 Qualificação das demandas judiciais
As características abordadas até o presente momento contribuem para a
qualificação das demandas judiciais. O contencioso administrativo tributário proporciona
melhor desempenho das procuradorias da Fazenda, ao passo que possibilita o foco em casos
mais relevantes, bem como confere ao Poder Judiciário uma economia processual,
concentrando a discussão judicial em lançamentos dotados de maior rigor de liquidez e
certeza.
Nesse sentido, Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas faz importante apontamento:
Se todas as questões entre fisco e o contribuinte fossem submetidas ao Judiciário, o acúmulo de processos dificultaria mais ainda as soluções dos litígios, pela demora, o que resulta na utilização do contencioso administrativo como meio adequado para reduzir o número de causas instauradas perante o Poder Judiciário de modo célere e eficaz quando esses organismos atuam no processo administrativo tributário, como instrumento auxiliar no aperfeiçoamento do Estado de Direito, para controle do poder [...] O exame dessas controvérsias pelo poder jurisdicional deve ser exceção, e não regra, para não sobrecarregá-lo com soluções de questões que podem ter seu desate no âmbito administrativo, uma vez que o excesso de causas é exatamente um dos principais motivos da morosidade da máquina judiciária. Assim, o processo administrativo tributário funciona como mecanismo redutor do volume de feitos no Judiciário.51
Num cenário em que o Judiciário se encontra com elevada quantidade de
demandas, a filtragem realizada pelo âmbito administrativo é fundamental para a
51 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo administrativo tributário cit., p. 154-155.
52
qualificação das lides tributárias. Dados do Conselho Nacional de Justiça 52 revelam a
preocupante situação de judicialização de demandas, inclusive as de natureza tributária em
nosso sistema.
Os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de
casos pendentes e 74% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de
congestionamento de 91,7%, ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que
tramitaram no ano de 2017, apenas oito foram baixados. Desconsiderando esses processos,
a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia 9 pontos percentuais, passando de
72% para 63% em 2017.53
52 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao. Acesso em: 3 fev. 2019. O primeiro grau de jurisdição é o segmento mais sobrecarregado do Poder Judiciário e, por conseguinte, aquele que presta serviços judiciários mais aquém da qualidade desejada. Dados do Relatório Justiça em Números 2018 revelam que, dos 80 milhões de processos que tramitavam no Judiciário brasileiro no ano de 2017, 94% estão concentrados no primeiro grau. Nessa instância estão, também, 85% dos processos ingressados no último triênio (2015-2017); 84% dos servidores lotados na área judiciária; 69% do quantitativo de cargos em comissão; 61% em valores pagos aos cargos em comissão; 75% do número de funções comissionadas; e 66% dos valores pagos pelo exercício das funções de confiança. O percentual de servidores da área judiciária no primeiro grau de jurisdição deveria seguir a proporção dos casos novos, ou seja, de 87%. No entanto, o percentual em 2017 foi de 85,3%, com aumento de 0,4 ponto percentual em relação ao ano de 2016, restando, ainda, avançar em 1,7 ponto percentual para atingir a equivalência. Tal diferença implica uma necessidade de transferência de 6.414 servidores do 2.º para o 1.º grau, ainda por ser realizada. Além disso, é a instância mais congestionada. Enquanto a taxa de congestionamento do 2.º grau é de 54%, no 1.º grau é de 20 pontos percentuais a mais: 74%. A carga de trabalho do magistrado é o dobro (7.219 no 1.º grau e 3.531 no 2.º grau) e os indicadores de produtividade dos servidores e dos magistrados são maiores na primeira instância. Esses dados, por tribunal e segmento de justiça, estão apresentados no Relatório Justiça em Números 2018 e podem ser acessados pelo menu lateral desta página.
53 Dados do Relatório do Conselho Nacional de Justiça acerca do índice de produtividade 2018. p. 125.
53
Destacando a análise para o total de execuções fiscais pendentes por Tribunal em
2017, o número é muito representativo e reflete o cenário de abarrotamento das lides
tributárias.54
Com efeito, ter-se-ia um quadro de maior agravamento com relação ao
congestionamento, se não fosse a relevante função exercida pelo contencioso administrativo
tributário.
Outro ponto a ser considerado é o benefício econômico proporcionado pela
qualificação das demandas judiciais tributárias, evitando a condenação da Fazenda em
honorários sucumbenciais resultantes de lançamentos tributários desprovidos da qualidade
necessária para sua produção de efeitos.
As considerações tecidas até o presente momento têm o condão de evidenciar a
relevância do processo administrativo tributário seja para a Administração, seja para o
administrado, realizando nesses termos típica atividade de interesse público imprescindível
para a preservação do Estado de Direito e do devido processo legal.
54 Dados do Relatório do Conselho Nacional de Justiça acerca do índice de produtividade 2018. p. 126.
54
A existência do contencioso administrativo permite à Administração Pública a
consolidação de crédito tributário com maior rigor de liquidez e certeza, haja vista o
julgamento especializado da matéria, possibilitando maior chance de êxito em futura
execução fiscal. Por outro lado, propicia ao administrado-contribuinte a garantia do exercício
da ampla defesa e a certeza de um julgamento mais célere e especializado.
2.6.1 Projeto de Lei 6.064, de 2016
Elemento importante de observação que pode ocasionar sérias consequências na
característica da qualificação das demandas judiciais trata-se do Projeto de Lei 6.064, de
2016, o qual altera o Decreto 70.235, de 6 de março de 1972, que “Dispõe sobre o processo
administrativo fiscal, e dá outras providências”, para extinguir o voto de qualidade no âmbito
do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
Em que pese ter como título a extinção do voto de qualidade no âmbito do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o projeto de lei insere novo enunciado que
possibilita a Procuradoria da Fazenda Nacional ingressar com ação judicial na hipótese de
decisão administrativa definitiva.
Art. 37. [...]
§ 4.º No caso de empate na deliberação das turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas ou das turmas especiais, aplica-se a interpretação mais favorável ao contribuinte, podendo a Procuradoria da Fazenda Nacional ingressar com ação judicial na hipótese de decisão administrativa definitiva. (NR)
A possibilidade de reabertura de discussão no âmbito judicial de decisão
administrativa definitiva representa nítida afronta ao arquétipo de nosso sistema
constitucional tributário, retirando uma das principais características (funções) do processo
administrativo tributário: a qualificação das demandas judiciais.
Com razão, sendo o processo administrativo tributário ambiente de realização da
autotutela da Administração Pública voltada à análise da qualidade do lançamento fiscal,
torna-se verdadeiro vazio jurídico a reabertura da discussão do lançamento fiscal, que já teve
atestadas a falta de liquidez e a certeza quando da análise do julgamento administrativo.
Nesse sentido, é precisa a lição de Paulo de Barros Carvalho:
55
Ora, quando um órgão administrativo decide qualquer litígio entre o particular e a Administração Pública, é o próprio Estado que está manifestando sua vontade. Essa decisão tem efeito vinculante para a própria Administração, acarretando duas consequências: “a insuscetibilidade da revisão judicial desses atos por iniciativa da própria Administração e o dever de execução daquelas decisões”. A decisão terminativa do procedimento administrativo tributário é definitiva para o ente tributante, pois consiste no ato final do controle de legalidade do lançamento, pelo qual a Administração, exercendo competência privativa legalmente fixada, examina aquele ato, decidindo mantê-lo ou não [...] com essa espécie de decisão, o lançamento extingue-se, deixa de existir.55
Há ainda pontos de alta obscuridade que a aprovação de projeto dessa natureza
pode ocasionar: (i) tendo o julgamento administrativo cancelado o auto de infração, pode a
Administração Pública requerer a constituição em dívida ativa?; (ii) pode haver protesto do
suposto crédito tributário nessa situação?; (iii) qual o meio processual de que a Procuradoria
da Fazenda Nacional poderá dispor para o questionamento do lançamento fiscal?; (iv) a
discussão no âmbito judicial será dotada de exigibilidade, ou seja, precisará o contribuinte
assegurar o juízo para ter plena defesa sem risco de atos constritivos?; (v) teria a Fazenda
Nacional interesse de agir nessas situações?; (vi) tem o Projeto de Lei o condão de realizar
modificação no sistema constitucional tributário dessa natureza?
O projeto recebeu aprovação na Câmara de Deputados em 28.05.2019 e com o
regime de urgência poderá ser submetido à votação diretamente em Plenário. Trata-se de
relevante modificação proposta que fulmina a garantia de encerramento da discussão do
lançamento fiscal no âmbito federal quando do julgamento favorável ao contribuinte.
55 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2016. v. III, p. 218.
56
3. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
As características tratadas do processo administrativo fiscal permitem o ingresso
em temática de alta relevância para qualquer sistema/ramificação jurídica, quais sejam os
princípios a ela pertinentes.
Merece reiteração de registro que “cada disciplina jurídica possui seu próprio
núcleo de regras e princípios fundamentais e em cada uma será diferente a eventual
constatação da violação à ordem pública”.56
Torna-se, portanto, imperioso o conhecimento dos princípios basilares,
formadores do processo administrativo tributário, a fim de eventual identificação da
infringência de matéria nuclear do contencioso administrativo tributário.
Neste momento, é importante clarificar que a palavra princípio pode ser
considerada um desses termos que apresentam o vício de ambiguidade e vagueza. Ela é
ambígua por ser polissêmica, ou seja, por apresentar mais de uma possibilidade de
significado. Também, a depender do contexto, pode ser considerada vaga por falta de um
conteúdo preciso.
Atentando-se a esse ponto, o Professor Paulo de Barros Carvalho assevera que a
compreensão acerca dos princípios pode abranger acepções diferenciadas:
De forma sucinta podem-se destacar as seguintes concepções: a) princípio como norma jurídica de posição privilegiada e portador de valor expressivo; b) princípio como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites; c) princípio como valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) princípio como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nesse contexto, nas duas primeiras acepções temos princípios como norma, enquanto que nas duas últimas, princípios como valor.57
É importante salientar que a divisão de princípio como valor e norma não
implica a plena dissociação entre esses dois termos, pois o direito, como objeto cultural que
56 Esse é o posicionamento trazido por: FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 28.
57 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 159.
57
é, possui em toda a sua configuração o elemento axiológico – o dado valorativo. Não
obstante, didaticamente podemos observar que a classificação do professor paulista
concentra-se na forma de manifestação dos princípios, ora como valor, ora como limites
objetivos. Em suma, toda norma possui um quantum de valoração, do mesmo modo que todo
valor pode ser manifestado numa norma.
A proposta do presente capítulo volta-se à análise dos princípios aplicados ao
processo administrativo tributário. Nesses termos, a seletividade dos valores – princípios –
e normas abordados toma por base suportes físicos jurídicos com relação direta à temática,
tais como: a) Carta da República de 1988; b) Constituição do Estado de São Paulo; c) Lei
Complementar estadual 939, de 03.04.2003 – Código de Direitos, Garantias e Obrigações
do Contribuinte no Estado de São Paulo; d) Lei Ordinária estadual 10.177, de 30.12.1998
que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública estadual e) Lei
Ordinária estadual 13.457, de 18.03.2009 (dispõe sobre o processo administrativo tributário
decorrente de lançamento de ofício, e dá outras providências).
Vejamos:
Na Constituição Federal de 1988, o art. 37 prescreve:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]
A Constituição do Estado de São Paulo, por sua vez, trata dos princípios em seu
art. 111:
Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
O Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Estado de São
Paulo discorre sobre o assunto em seu art. 8.º:
Art. 8.º A Administração Tributária atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos.
58
A Lei Ordinária estadual 10.177, de 30.12.1998, que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública estadual, traz em seu art. 4.º o rol dos
princípios aplicados: “Art. 4.º A Administração Pública atuará em obediência aos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse
público e motivação dos atos administrativos”.
Por fim, a legislação do processo administrativo do Estado de São Paulo
prescreve:
Art. 2.º O processo administrativo tributário obedecerá, entre outros requisitos de validade, os princípios da publicidade, da economia, da motivação e da celeridade, assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Sintetizando os valores principiológicos dos dispositivos normativos
suprarreferidos, temos o seguinte: a) legalidade; b) impessoalidade; c) moralidade; d)
publicidade; e) eficiência; f) razoabilidade; g) finalidade; h) motivação; e i) interesse
público.
Passemos a verificar a relevância e as implicações dos referidos princípios no
âmbito do processo administrativo fiscal.
3.1 Legalidade
Conforme entendimento exposto em trabalho de dissertação,58 temos como uma
das marcas do nosso sistema constitucional a concepção de Estado Democrático de Direito.
A qualificação “de direito”, embora não expressada de forma preambular, é
consequência lógica jurídica dos valores inseridos no preâmbulo de nossa Carta Magna, e,
além do mais, está explicitamente enunciada no art. 5.º, II, do texto constitucional, que assim
dispõe:
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
58 TELES, Galderise Fernandes. Planejamento tributário e normas antielisivas: uma análise a partir da perspectiva de nosso sistema constitucional. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 94-97.
59
[...]
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...]
Com efeito, a concepção de Estado de Direito representa um divisor de águas na
relação entre sociedade e Estado, e, a partir desse momento, não apenas a sociedade estava
submetida à lei, mas também o próprio Estado (responsável pela elaboração normativa)
passa a moldar sua conduta conforme os ditames legais.
Implica verdadeiro marco no processo de evolução histórico-normativa da
sociedade, sendo a primeira vez que nesse contexto a conduta humana não é determinada
pela política do mais forte, mas, sim, pela observância aos dispositivos normativos os quais
devem ser igualmente seguidos pelo próprio Estado.
Nessa nova concepção, os atos emanados por parte dos governantes podem até se
revestir de caráter discricionário (possibilidade de escolha de conduta dentre um leque legal),
não obstante não mais poderem ser qualificados como arbitrários. A lei torna-se o ponto de
referência máximo que imperiosamente deve ser observado por todos, inclusive pelo próprio
órgão ejetor de normas – a supremacia da legalidade.
Decorrente dessa supremacia legal é a divisão de funções dentro do Estado, o qual
representa o poder uno e deve ser exercido como condição necessária para a efetividade dos
interesses da sociedade. Nesse sentido, a divisão de atribuições do poder edificou as bases
de um Estado de Direito.
A observância desse princípio em nosso ordenamento jurídico é de longa data,
como bem esclarece o mestre Aliomar Baleeiro:
As constituições republicanas sempre mencionaram o princípio da legalidade, que jamais foi contestado no Brasil. Poder-se-á mostrar que, no período colonial, as tributações geralmente eram aprovadas, para períodos definidos, pelos Senadores das Câmaras, isto é, pelos representantes dos contribuintes eleitos para a vereança municipal. As atas dos vereadores da Bahia, conservadas a partir de 1624, são instrutivas a esse respeito.
A constituição imperial de 1824, conquanto não se referisse expressamente à lei, firmava a competência legislativa para a tributação, tanto sob o aspecto da legalidade quanto o da anualidade, como se vê do art. 171
60
(“Todas as contribuições diretas... serão anualmente estabelecidas pela Assembleia...”) e também do art. 172.59
No mesmo sentido, merece nota a precisa lição do Professor José Artur Lima
Gonçalves, que em concisas linhas esclarece: “A legalidade, portanto, não é regra meramente
formal. É princípio de amarração de toda a sistematicidade do ordenamento constitucional.
É a legalidade que garante o necessário consentimento do cidadão”.60
A relevância da legalidade ganha contornos ainda mais acentuados ao lidarmos
com a temática tributária em que se verifica uma interferência no direito de propriedade
também tutelado no texto constitucional.
O princípio em tela é responsável pela amarração de toda a sistematicidade do
ordenamento constitucional, possuindo implicações diretas no objeto de nossa análise –
matéria de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário –, haja vista a
delimitação do caráter jurisdicional nesse campo, bem como pela necessidade de
observância aos comandos emanados do Poder Legislativo pela atividade vinculante
desenvolvida pela Administração Pública.
3.1.1 Exercício da função jurisdicional no processo administrativo fiscal: processo e/ou procedimento
Até o presente momento, fizemos menção ao termo “processo administrativo
tributário”. Em que pese o frequente uso da expressão, é preciso registrar que há, acerca da
referida nomenclatura, ponto de relevante controvérsia de modo a considerar não a existência
de um processo, mas sim de um procedimento administrativo.
Nesse sentido, sustentando a verificação de um procedimento administrativo, o
Professor Paulo de Barros Carvalho elucida:
Penso ser imperiosa a distinção entre processo e procedimento. Reservemos o primeiro termo, efetivamente, à composição de litígios que se opera no plano da atividade jurisdicional do Estado, para que signifique a controvérsia desenvolvida perante os órgãos do Poder Judiciário. Procedimento, embora sirva para nominar também a conjunção dos atos e
59 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 82.
60 GONÇALVES, José Artur Lima. Planejamento tributário: certezas e incertezas. Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2006. p. 272.
61
termos harmonizados na ambitude da relação processual, deve ser o étimo apropriado para referir a discussão que tem curso na esfera administrativa.61
Sobre o tema, importante contribuição é trazida por James Marins, que aduz:
No Direito Tributário, deve-se enfrentar o dualismo procedimento/ processo em três diferentes regimes jurídicos: 1.º procedimento enquanto caminho para consecução do ato de lançamento (inclusive fiscalização tributária e imposição de penalidades); 2.º processo como meio de solução administrativa dos conflitos fiscais; e 3.º processo como meio de solução judicial dos conflitos fiscais.62
Merece ainda registro o esclarecimento de Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas,
no seguinte sentido:
Independentemente de se dar caráter jurisdicional à função dos órgãos de julgamento administrativo-tributário – como sustentado por parte da doutrina – ou caráter judicante – como defendido neste estudo –, para que não se confunda com a função jurisdicional de declarar o Direito de modo definitivo e imutável, competência exclusiva do Poder Judiciário, o importante é que no processo administrativo tributário o cidadão contribuinte deve encontrar as garantias e os princípios de aplicação necessária [...] é inegável que a atuação estanque das esferas administrativas e judicial no processo tributário – até porque as estruturas funcionais são diferentes – causa os prejuízos levantados. Melhor será, para a solução definitiva do problema da justiça fiscal, harmonizar o entrosamento entre as duas instâncias, administrativa e judicial, sem exclusão da supremacia do controle judicial, de modo que seus procedimentos, ao invés de se sobreporem ou se excluírem, passem a se completar, ou seja, integrando-se sincronizadamente em uma sistematização.63
Em nosso sentir, conforme exposto em linhas introdutórias do presente trabalho,
compreendemos ser nítido que o âmbito do julgamento administrativo tributário atua como
elemento garantidor do devido processo legal, sendo assegurado por força de norma
constitucional e possuindo, por conseguinte, natureza de processo, conforme previsto no art.
5.º do texto constitucional e art. 15 do Código de Processo Civil:
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
61 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método cit., p. 920. 62 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). São Paulo: Dialética,
2010. p. 143. 63 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo administrativo tributário cit., p. 157.
62
[...]
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente (grifo nosso).
Com razão, onde se constatar a existência de lides, resolvidas mediante o
estabelecimento de uma linguagem competente e devido processo legal, teremos a noção de
função jurisdicional.64
Essa nos parece ser também a posição de Francisco Campos, ao pontuar ser
[...] inquestionável que a Administração, quando aplica a Lei, ou estabelece que se verificaram as condições de fato para sua aplicação, exerce uma função jurisdicional ou em todos os pontos análoga ou idêntica à função judicial. A identidade será completa na hipótese em que a Lei prescreve à Administração um processo contraditório, ou do qual participem os interessados, isto é, um processo de natureza judicial.65
Nesse sentido, identificamos na atividade do contencioso administrativo as
seguintes características: a) existência de um conflito de interesse; b) regramento específico
do procedimento a ser adotado; c) autoridade competente; d) imparcialidade.
Abordando a temática, o Professor Paulo Cesar Conrado esclarece com precisão
peculiar:
Como o judicial, o processo administrativo pode e deve ser visto como instrumento de jurisdição, portanto. É certo, por óbvio, que essa jurisdição – a processada no ambiente administrativo – não experimenta as mesmas características da “jurisdição judicial”, fossem sobrepostas em todos os
64 Com relação à jurisdição, Castro Nunes ensinava: “o conceito de jurisdição é de direito público, mas não se confina nas estreitezas do direito judiciário, vez que as vias judiciárias não esgotam a função jurisdicional, porquanto, do ponto de vista material, o ato jurisdicional pode ser praticado por um funcionário ou agente do poder público, como por um magistrado, donde decorre que o contencioso administrativo ou, mais corretamente, matéria contenciosa administrativa, existe mesmo nos Estados onde não haja jurisdição administrativa organizada como via paralela às vias judiciárias, sendo certo que a autoridade que decide por aplicação da norma legal invocada como fundamento do direito reclamado, pratica necessariamente um ato de jurisdição, na acepção material da palavra” (NUNES, Castro. Op. cit., p. 3-4, 16-17 apud D’EÇA, Fernando Luiz da Gama Lobo. Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – Carf cit., p. 192-193); cf. tb. MEIRELLES, Hely Lopes. O processo administrativo e em especial o tributário. São Paulo: IBDF/Resenha Tributária, 1975. p. 10, nota 1; FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Op. cit. p. 163 apud D’EÇA, Fernando Luiz da Gama Lobo. Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – Carf cit., p. 192-193; VILLAR Y ROMERO, Jose Maria. Derecho procesal administrativo. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1948. p. 5 e ss.
65 CAMPOS, Francisco. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. v. 2, p. 23.
63
seus aspectos, seria sem sentido a distinção. Não obstante isso, é de jurisdição, definitivamente, o que se tem num e noutro âmbito.66
Contudo, a referida função possui elementos caracterizadores próprios em cada
esfera. Não se pode retirar do Judiciário a atribuição de última palavra sobre os conflitos de
interesse, de forma que a coisa julgada é ato preponderantemente do âmbito judicial.
Utilizamos o termo preponderantemente em razão da possibilidade de a coisa
julgada se instaurar ainda no âmbito administrativo, como ocorre em situações em que o
Estado não recorre ou não pode recorrer, por força de lei, das decisões contrárias em última
instância administrativa.
Por todos os ângulos possíveis de observação, temos a verificação do legítimo
exercício da função jurisdicional no âmbito administrativo, havendo, contudo, a necessidade
de reconhecimento das características inerentes a cada esfera.
Com efeito, onde se identificar (i) a existência de um conflito de interesse, (ii)
solucionado por meio de regramento específico do procedimento a ser adotado, (iii)
observando o devido processo legal, com (iv) a existência de autoridade competente
exercendo a atribuição de julgamento com (v) imparcialidade, teremos os contornos
necessários para reconhecimento de uma legítima função jurisdicional, ainda que delimitada.
3.1.2 Jurisdição delimitada – Incompetência para as questões constitucionais: inconstitucionalidade x legalidade
Com razão, o ato de julgar no âmbito administrativo não possui o mesmo alcance
(âmbito) de competência para o julgamento na esfera judicial. O campo de análise
jurisdicional do julgador administrativo é diverso do judicial.
Nesse sentido, Fritz Fleiner esclarece que “a jurisdição administrativa significa
jurisdição sobre a administração, sendo que a principal missão dos tribunais contencioso-
administrativos consiste em examinar a legalidade dos atos administrativos integralmente”.67
Essa delimitação é externada em contornos nítidos na própria legislação do
processo administrativo tributário dos órgãos de julgamento, e, a título exemplificativo,
66 CONRADO, Paulo César; ARAÚJO, Juliana Furtado Costa. O novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015. p. 250.
67 FLEINER, Fritz. Instituciones de derecho administrativo. Traducción da 8. ed. Sabin A. Gendin. Barcelona, Madrid e Buenos Aires: Labor, 1993. p. 199-203.
64
fazemos menção a dispositivos normativos de três Tribunais que estarão presentes no estudo
em tela.
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
Tribunal Administrativo de Impostos e Taxas do Estado
de São Paulo
Conselho Municipal de Tributos de São Paulo
Portaria MF 343, de 9 de junho de 2015 – Aprova o
Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf) e dá outras providências.
Lei 13.457, de 18 de março de 2009 – Dispõe sobre o processo
administrativo tributário decorrente de lançamento de
ofício, e dá outras providências.
Lei 14.107, de 12 de dezembro de 2005 – Dispõe sobre o
processo administrativo fiscal e cria o Conselho Municipal de
Tributos.
Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do Carf afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade. Súmula Carf 2 O Carf não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.
Art. 28. No julgamento é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada: I – em ação direta de inconstitucionalidade; II – por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo. III – em enunciado de Súmula Vinculante. (Inciso acrescentado pela Lei 16.498, de 18.07.2017; DOE 19.07.2017.)
Art. 53. Compete ao Conselho Municipal de Tributos: Parágrafo único. Não compete ao Conselho Municipal de Tributos afastar a aplicação da legislação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Dos enunciados supracitados evidencia-se a incompetência dos Tribunais
Administrativos referenciados para tratativas de questões relacionadas a afastamento da
aplicação legislativa por inconstitucionalidade.
O Conselho Municipal de Tributos de São Paulo tem previsão de caráter ainda mais
delimitativo ao enunciar no parágrafo único do art. 53: “Não compete ao Conselho
Municipal de Tributos afastar a aplicação da legislação tributária por inconstitucionalidade
ou ilegalidade”.
São duas as passagens que denotam essa delimitação: a) legislação tributária; b)
inconstitucionalidade ou ilegalidade. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e o
Tribunal Administrativo de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, ao tratarem do
assunto, referem-se a afastamento de lei; já o Conselho Municipal de Tributos de São Paulo
faz uso do termo legislação tributária.
65
Com efeito, a legislação tributária tem o condão de abarcar as diversas espécies
normativas, seja as de caráter primário, como as leis (lei ordinária, lei complementar, lei
delegada etc.), ou as secundárias, como decretos, portarias, instruções normativas etc. Nesse
contexto, no âmbito do contencioso administrativo do município de São Paulo, a atribuição
do julgador é seriamente restrita/vedada no alcance do conhecimento de matérias no campo
da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.
É importante registrar que o direito tributário é tratado de forma detalhada em nosso
sistema constitucional, havendo inclusive por meio do texto constitucional a identificação
de enunciados que permitem a construção de: (i) regras-matrizes de incidência tributária,
estruturadas em normas gerais e abstratas; (ii) elementos para a classificação dos tributos;
(iii) determinação da competência tributária; e (iv) disposições acerca das limitações ao
poder de tributar.
O legislador originário pouca margem deixou para grandes inovações em matéria
tributária, e Geraldo Ataliba, de forma inaugural, assinala o caráter de nosso sistema
constitucional:
Pode-se dizer que o legislador constituinte atirou no que viu e acertou tanto no que viu quanto no que não viu. Criou um sistema completo, fechado e harmônico, que limita e ordena estritamente, não só cada poder tributante como – consequência lógica – toda a atividade tributária, globalmente considerada. [...] Ora, tanto a rigidez da discriminação quanto a do próprio sistema tributário – que se traduz na necessidade de permissão, autorização, outorga expressa e específica do próprio texto constitucional – são peculiaridades da nossa Constituição.68
Nesse contexto, é interessante refletir: que tipo de ilegalidade em matéria
tributária não possui reflexo direto em temática constitucional? Não encontrarmos zonas de
abrangências diferenciadas e clarificadas nesse sentido, e o caráter rígido e detalhista de
68 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 1968. Cap. II, p. 26-27. É importante registrar que a referida obra foi escrita como tese de concurso, apresentada à douta Congregação da Faculdade Paulista de Direito, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. À época em que foi impressa sua primeira parte (capítulos I a IX), não se cogitava, mesmo remotamente, de qualquer reforma constitucional. Cuidava-se, isso sim, de pôr em vigor a Emenda Constitucional 18, que alterou visceralmente nosso sistema jurídico, felizmente de modo efêmero, porque, em curto prazo, sobreveio a Carta Constitucional de 1967. Com efeito, o sistema constitucional tributário da Carta Constitucional de 1967 é – na maioria de seus princípios e naquilo de estrutural e básico – quase o mesmo da Constituição de 1946. Cabe destacar que as considerações do ilustre mestre, realizadas nesse período, são plenamente aplicadas ao nosso atual sistema constitucional tributário, diante do acentuado grau de detalhamento e rigidez verificado na Carta Magna de 1988.
66
nosso sistema tributário acaba por implicar afetação de inconstitucionalidade, ainda que no
campo da ilegalidade.
Tomando por base as considerações realizadas no presente tópico, seria
condizente a construção de entendimento no sentido de que cabe aos Tribunais
Administrativos a estrita análise de provas, tendo em vista a impossibilidade de afastamento
de lei ou legislação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Contudo, partilhamos do entendimento de que a análise de provas – campo
intranormativo –, em que pese consistir em relevante atribuição do contencioso
administrativo, não esgota a competência desses Tribunais. As exemplificações, nesse
sentido, podem ser verificadas quando se têm julgamentos envolvendo guerra fiscal,
conflitos de competência, nulidades do lançamento, entre outros.
A título exemplificativo, merece registro julgamento no qual se discutia a
incidência do ICMS sobre a inserção de publicidade, posterior à Lei Complementar
157/2016, que inseriu na lista anexa da Lei Complementar 116/2003 o item 17.25, que trata
de inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer
meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão
sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita).
Na ocasião, o voto relator foi pelo cancelamento do auto em virtude do caráter
privativo e facultativo da competência tributária. Ao fazer o enfrentamento direto da
inexistência de afastamento de lei por inconstitucionalidade, foi realizada a seguinte
elucidação:
A clarificação da significação de um enunciado é ato díspar da não aplicação de texto cogente por considerá-lo inconstitucional. Não se trata, aqui, de negativa à base textual normativa, mas sim da atribuição de construção de sentido, que, em meu sentir, reflete a adequada subsunção do fato à norma prevista na Lei Complementar n.º 157/2016, permanecendo incólume o signo jurídico contido na Lei Complementar n.º 87/1996, bem como no RICMS/00.69
Com razão, o cancelamento do lançamento fiscal deixa incólume a legislação de
ICMS estadual, em específico, a materialidade de ICMS – comunicação e mercadoria, e
ambas continuam vigentes e válidas e não foram refutadas na análise do caso. Na verdade,
69 Passagem do voto de Relatoria – Galderise Fernandes Teles – do AIIM 4.100.569, no Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo.
67
verifica-se, pela materialidade descrita no lançamento, consequente normativo diverso do
considerado pela autoridade fiscal.
Tem-se, portanto, a análise probatória como traço indelével do processo
administrativo tributário, porém não se confunde com seu único campo de competência.
3.2 Impessoalidade
No âmbito dos julgamentos administrativos, o referido princípio estabelece o
dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e pri-
vilégios no exercício da função administrativa.
Celso Antônio Bandeira de Mello assinala acerca da impessoalidade:
Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguição são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia.70
Nota-se ainda reflexo da impessoalidade quando julgadores administrativos,
sejam representantes do contribuinte ou da Fazenda, reconhecem causa de impedimento no
ato de julgar.
As legislações dos Tribunais Administrativos possuem, em regra, enunciados com
densa preocupação na tutela desse valor. Nesse contexto, o Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais dispõe:
Art. 42. O conselheiro estará impedido de atuar no julgamento de recurso, em cujo processo tenha:
I – atuado como autoridade lançadora ou praticado ato decisório monocrático;
II – interesse econômico ou financeiro, direto ou indireto; e
III – como parte, cônjuge, companheiro, parente consanguíneo ou afim até o 3.º (terceiro) grau.
70 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 117.
68
O Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, com legislação alterada
em 2017, trouxe ampliação nas hipóteses de impedimento, consignando o seguinte:
Art. 31. É vedado o exercício da função de julgar àquele que, relativamente ao processo em julgamento: (Redação dada ao artigo pela Lei 16.498, de 18.07.2017; DOE 19.07.2017.)
I – tenha atuado no exercício da fiscalização direta do tributo, como Representante Fiscal ou Julgador de primeira instância administrativa;
II – tenha atuado na qualidade de mandatário ou perito;
III – tenha conhecido em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;
IV – tenha interesse econômico ou financeiro, por si, por seu cônjuge ou companheiro, ou por parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau, inclusive;
V – tenha vínculo, como sócio ou empregado, com a sociedade de advogados ou de contabilistas ou de economistas, ou de empresa de assessoria fiscal ou tributária, a que esteja vinculado o mandatário constituído por quem figure como interessado no processo;
VI – seja sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica interessada no processo;
VII – seja herdeiro presuntivo, donatário ou empregador do interessado;
VIII – figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;
IX – figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório; e
X – promova ação contra o interessado ou seu advogado.
A impessoalidade confere ao contencioso administrativo tributário a efetivação
do valor da igualdade nos julgamentos realizados, atuando de forma a preservar uma análise
técnica sem a interferência de interesses pessoais na demanda administrativa tributária.
3.3 Moralidade
A moralidade foi assunto também tratado em trabalho de dissertação de
mestrado,71 em que foi apontada a dificuldade de determinar o conteúdo/núcleo desse valor
em virtude da vagueza e da alta carga axiológica. Nesse sentido, compreendemos que esse
princípio agrega a realização de valores como justiça, probidade, legalidade, boa-fé, entre
71 TELES, Galderise Fernandes. Planejamento tributário e normas antielisivas: uma análise a partir da perspectiva de nosso sistema constitucional cit., p. 103-105.
69
outros, podendo, portanto, ser considerado um sobreprincípio por duas razões: (i) pela alta
carga axiológica; e (ii) por seu conteúdo ser formado a partir da junção de diversos outros
princípios/valores.
Em razão de sua complexidade, essa matéria merece maior atenção por parte da
doutrina, possuindo reflexos diretos na área tributária, e sobre o assunto Klaus Tipke faz o
seguinte esclarecimento:
La moral tributaria no exige que las leyes tributarias respondan a una tradición, sino que estén de acuerdo con la Constitución vigente y con los principios éticos presentes en los derechos fundamentales constitucionalizados. El legislador actúa de modo inmoral cuando de modo doloso o culposo dicta leyes inconstitucionales o cuando no deroga o modifica aquellas leyes que del modo fundado todos consideran inconstitucionales.72
O posicionamento do autor reitera a relevância do texto constitucional de forma
que a moral em matéria tributária não implica uma observância à tradição, mas sim a
consonância dela com o texto maior.
Na doutrina nacional, a Professora Regina Helena Costa, abordando esse ponto,
comenta:
Em primeiro lugar, a nosso ver, forçoso pensar-se numa ética tributária, assim entendida como o conjunto de princípios e regras que devem ser observados pelo legislador e pelo administrador tributários e que lhes impõem, mais que a estrita obediência às leis, o prestígio aos valores de probidade, lealdade, boa-fé, decência e justiça, enfim.
O princípio em foco opera efeitos em dois planos distintos: no legislativo, orientando o legislador na busca de uma atividade tributária equilibrada e justa; e no administrativo, sempre reportando ao primeiro, norteando os agentes públicos para que procedam de modo ético no exercício de suas atribuições.73
Trazendo a moralidade para o campo tributário, nota-se a necessidade do respeito
às atribuições dos poderes, ao caráter rígido e detalhado do sistema constitucional tributário
e à imposição de exação com base na estrita legalidade. Em suma, o princípio, nesse
72 TIPKE, Klaus. Moral tributaria del Estado y de los contribuyentes (Besteuerungsmoral und Steuermoral). Traducción, presentación y notas a cargo de Pedro M. Herrera Molina. Prólogo de Juan José Rubio Guerrero. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2002. p. 89-90.
73 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. Constituição e Código Tributário Nacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 76.
70
momento referido, implica observar/preservar os contornos jurídicos que nossa Carta Magna
delineou para matéria tributária.
Realizando análise do princípio diretamente no âmbito do contencioso
administrativo tributário, Fábio Soares de Melo pontua:
No âmbito do processo administrativo tributário, consideramos que configurariam frontais desrespeitos ao princípio da moralidade, de forma exemplificativa, as hipóteses de (i) conversão de julgamento em diligência desnecessárias em razão de elementos já contidos nos autos; (ii) pedidos de vistas protelatórios; (iii) autuação fiscal em desconformidade com entendimento jurídico consolidado (objeto de edição de Súmula) pelos Tribunais Superiores; e (iv) não admitir o seguimento de peças recursais sem a inerente motivação, dentre outros.74
Portanto, a observação à moralidade proporciona a efetivação de outros valores
tutelados por nosso ordenamento como justiça, probidade, legalidade, boa-fé. No âmbito do
contencioso administrativo tributário, atua de modo a assegurar a imparcialidade nos
julgamentos, celeridade na análise e a busca pela efetivação e adequado julgamento.
3.4 Publicidade
A publicidade é elemento essencial para a própria existência do ato
administrativo, externa os elementos de motivação para produção do ato, permitindo ao
administrado o conhecimento das razões de fato e de direito para possível oferecimento de
defesa.
Relaciona-se diretamente com o dever de transparência da Administração Pública,
conforme bem elucida Celso Antônio Bandeira de Mello:
Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1.º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida [...] Na esfera administrativa o sigilo só se admite, a teor do art. 5.º, XXXIII, precitado, quando “imprescindível à segurança da Sociedade e do Estado”.75
74 MELO, Fábio Soares de. Processo administrativo tributário: princípios, vícios e efeitos jurídicos. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p. 47.
75 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 117-118.
71
No âmbito do contencioso administrativo tributário, tem-se a necessidade de
devida cientificação do lançamento fiscal para sua validade, proporcionando ao contribuinte
conhecimento da imputação que lhe é feita.
O referido princípio foi reverberado em julgamento do Tribunal de Impostos e
Taxas do Estado de São Paulo quando da análise da existência de procedimento de controle
de legalidade no lançamento fiscal:
ICMS. Falta de pagamento do imposto na qualidade de distribuidor de combustível na escrituração em valor inferior do imposto na aquisição de etanol de produtor não credenciado (I.1). Crédito do imposto destacado indevidamente na nota fiscal emitida por produtor não credenciado (II.2). Conversão do julgamento em diligência. Apresentação da autorização da Comissão de Controle de Qualidade. Portaria CAT n.º 115/2014 (Tribunal de Impostos e Taxas, Câmara Superior, AIIM 4074423/SP, Rel. Klayton Munehiro Furuguem, 06.12.2018).
O caso citado é importante precedente da Câmara Superior do Tribunal de
Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, em que houve conversão de julgamento em
diligência para verificação da existência do procedimento de controle de qualidade, em que
pese ainda não ter ocorrido, até a presente data, conclusão da diligência. A inexistência do
controle de legalidade pode implicar a nulidade do lançamento fiscal.
Com razão, a legislação paulista, notadamente a Portaria CAT 21/2009,
expressamente determina que toda e qualquer autuação superior a 80.000 UFESP somente
pode ser feita após análise da Comissão de Controle de Qualidade, com emissão de ato
específico autorizando a lavratura do auto de infração.
Tratando do assunto mais recentemente, a Portaria CAT 115/2014 disciplinou o
controle de qualidade antecedente à lavratura de auto de infração e imposição de multa,
conferindo contornos mais significativos a esse procedimento.
Nesse contexto, em seu art. 4.º, a referida portaria enuncia:
Art. 4.º Compete às Comissões de Controle de Qualidade:
I – do Núcleo de Fiscalização: avaliar a lavratura de AIIM para a constituição do crédito tributário de valor superior a 20.000 (vinte mil) UFESPs e igual ou inferior a 250.000 (duzentos e cinquenta mil) UFESPs;
II – da Delegacia Regional Tributária: avaliar a lavratura de AIIM para a constituição do crédito tributário de valor superior a 250.000 (duzentos e cinquenta mil) UFESPs.
§ 1.º Para efeitos desta portaria:
72
1 – o crédito tributário compreende o valor do imposto, das multas e dos juros;
2 – serão somados os valores dos AIIMs que resultarem de mesma ação fiscal, quando propostos no mesmo mês.
Importante ainda salientar que, conforme dispõe a própria Portaria CAT 115 de
2014, o referido controle existe pela razão de que:
[...] tendo em vista os princípios da eficiência administrativa e da razoabilidade previstos no artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo e visando uniformizar e disciplinar o controle de qualidade dos serviços fiscais, saneando-os antes da lavratura de Auto de Infração e Imposição de Multa, de modo a salvaguardar os interesses da Fazenda Pública do Estado assim como do contribuinte.
O referido procedimento visa dar uniformidade e disciplinar o controle de
qualidade dos serviços fiscais, saneando-os antes da lavratura de auto de infração e
imposição de multa, em função do crédito tributário a ser reclamado, salvaguardando-se
igualmente os interesses do contribuinte e evitando-se erros que possam prejudicá-lo.
3.5 Eficiência
Ponto de contínua busca em qualquer corte didático jurídico/sistema é a eficiência.
Nesse contexto, Renato Lopes Becho e Edson Antônio Sousa Pontes Pinto fazem importante
elucidação da amplitude semântica do referido princípio.
Vemos que o princípio da eficiência processual se subdivide em duas vertentes principiológicas, sendo a primeira a primazia do mérito, e a segunda a celeridade processual. A primazia do mérito determina que o julgador dê efetividade ao objeto e atinja o fim do processo, afastando a análise dispensável de questões meramente formais, prestigiando-se, assim, a apreciação das questões de mérito existentes no processo, resolvendo-as, e não encontrando subterfúgios processuais que permitem a postergação ou até mesmo a inviabilidade de sua análise [...] Quanto à celeridade exige-se que a questão em discussão tenha, em tempo razoável, uma solução definitiva, respeitando-se, para tanto, os direitos e garantias fundamentais aos envolvidos.76
76 BECHO, Renato Lopes; PINTO, Edson Antônio Sousa Pontes. O princípio da eficiência no processo administrativo tributário a partir do Código de Processo Civil. Processo administrativo tributário. Belo Horizonte. D’Plácido. 2018. p. 441.
73
O âmbito do contencioso administrativo é ambiente por excelência da
conformação desse princípio. Temos no processo administrativo tributário a característica
de análise técnica das demandas conjugada com a celeridade dos julgamentos.
O princípio ainda é refletido na filtragem qualificativa dos casos submetidos ao
contencioso judicial, proporcionando a concentração do trabalho das procuradorias em
processos que ostentam maior grau de liquidez e certeza, diminuindo dessa forma o risco de
sucumbência do ente tributante.
A constituição ou não do crédito tributário exige de forma imperiosa a
concretização da eficiência para o alcance de seu desiderato, seja para posterior cobrança do
valor devido a título de tributo e respectivas sanções ou descumprimento de dever
instrumental, seja na segurança levada ao contribuinte de inexistência de fato jurídico apto
a embasar lançamento fiscal.
José Eduardo Soares de Melo é preciso ao pontuar:
A fiscalização que demora para concluir seu trabalho junto a um empresário prejudica a Fazenda (falta de eventual lançamento), e o próprio contribuinte (insegurança de comprometimento de seu patrimônio). O mesmo ocorre com o processo administrativo lento, que nunca termina, ficando anos nas gavetas para uma solução, causando transtornos às partes litigantes. A Fazenda vê-se impossibilitada ao recebimento do crédito tributário, na hipótese de o contribuinte dilapidar seu patrimônio, cair em insolvência durante o trâmite processual, passando a inexistir bens suficientes para garantir a execução judicial.77
Concretizar o valor da eficiência não se confunde com a faceta de maior
arrecadação (constituição de crédito tributário/lançamento fiscal), também não implica a
simples celeridade processual conferida aos julgamentos. O contencioso âmbito
administrativo tributário deve ter como valor nuclear/premissa fundante a qualidade do
crédito tributário, realizada na delimitação de sua função jurisdicional.
77 MELO, José Eduardo Soares. Princípio da eficiência em matéria tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.) Pesquisas tributárias. 12. ed. São Paulo: RT/CEU, 2006. (Nova Série.)
74
3.6 Razoabilidade
A razoabilidade, em que pesem sua vagueza e elevado nível subjetivo por
expressivo grau axiológico, é valor tutelado e perquirido no exercício das atribuições da
Administração Pública.
Nesse contexto, Celso Antônio Bandeira de Mello faz relevante esclarecimento:
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muitos menos significa que liberou a administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda.78
Analisando o referido princípio no âmbito do contencioso administrativo
tributário, tem-se sua expressão na: (i) duração razoável do processo; (ii) conversão do
julgamento em diligência para saneamento de dúvidas relevantes ao caso; (iii) fungibilidade
dos atos processuais, quando por alguma atecnia os recursos são nomeados erroneamente;
(iv) redução de medidas sancionatórias impostas, desde que amparadas pela específica
normatividade, como é o caso do art. 527-A do RICMS/SP; (v) retirada de processos de
pauta de julgamento, quando o patrono encontra-se impossibilitado de comparecer; (vi)
oferecimento de possibilidade de realização de sustentação oral, ainda que não requerida.
3.7 Finalidade
O exercício da atividade da Administração Pública encontra-se estritamente
atrelado à finalidade do interesse público. Hely Lopes Meirelles assevera de forma precisa:
E a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público. Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade, que a nossa lei da ação popular conceituou como o “fim diverso daquele previsto, explícita ou
78 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 111.
75
implicitamente, na regra de competência” do agente (Lei 4.717/65, art. 2.º, parágrafo único, “e”).79
Sobre o assunto merece registro a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em visto do qual foi editada [...] O que explica, justifica e confere sentido a uma norma é precisamente a finalidade que a anima. A partir dela é que se compreende a racionalidade que lhe presidiu a edição. Logo, é na finalidade da lei que reside o critério norteador de sua correta aplicação, pois é em nome de um dado objetivo que se confere competência aos agentes da administração.80
Pode causar espécie falar de finalidade da lei, quando se pontuou na exposição
metodológica o constructivismo lógico semântico. Há na referida Escola relevante
posicionamento de que o sentido se encontra atrelado ao intérprete, e não ao texto enquanto
mero enunciado.
Nessa linha, a Professora Aurora Tomazini faz o seguinte esclarecimento:
Interpretar não é extrair da frase ou sentença tudo o que ela contém, mesmo porque ela nada contém. A significação não está atrelada ao signo (suporte físico) como algo inerente a sua natureza, ela é atribuída pelo intérprete e condicionada às suas tradições culturais. Uma prova disto está na divergência de sentidos interpretados do mesmo texto. Se cada palavra (enquanto marca de tinta presente num papel, ou onda sonora) contivesse uma significação própria e o trabalho do intérprete se restringisse em encontrar tal significação, todos os sentidos seriam unívocos, ou pelo menos tenderiam à unicidade.81
Com razão, o intérprete é o elemento principal para construção de sentido, e o
texto enquanto signo/enunciado requer a atividade interpretativa para a construção de sua
pujança semântica.
Contudo, o plano da literalidade é condição necessária para a existência da
atividade de interpretação, sendo o único dotado de objetividade. E mais: é a partir dele que
se pode avaliar a “correção” dos demais. Ele marca a validade e a vigência dos textos. Toda
79 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.93. 80 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 109. 81 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. O constructivismo lógico-semântico.
São Paulo: Noeses, 2009. p. 211.
76
construção significativa só poderá ser validamente edificada em face de um plano de
expressão vigente.82
Mesmo inserida numa concepção constructivista, a atribuição de valores aos
signos e sua respectiva definição estão atreladas a alguns fatores que delineiam a construção
de sentido e a aplicação normativa:
(i) o primeiro fator de delineamento é o próprio texto (em sentido estrito); toda
construção de sentido inicia-se e dirige-se ao texto. Não obstante, mesmo o texto
não tendo o condão de conferir per se seu alcance semântico, a construção de
sentido nele inicia-se a partir das marcas de tinta inseridas no papel. Nesse
sentido, o intérprete parte de um suporte físico determinado, cabendo a ele
construir seu alcance semântico com parâmetro no próprio texto, o qual é ponto
de partida para essa construção;
(ii) um segundo fator de delineamento é o contexto – a situação histórico-social em
que está inserido o texto (em sentido estrito). Esse elemento certamente é de
significativa relevância para o estabelecimento das definições. Com efeito, toda
construção de sentido e aplicação normativa são realizadas em meio a um
determinado contexto, o qual deve ser considerado no estabelecimento de
consequentes normativos;
(iii) deve-se reiterar ainda a existência de um sentido mínimo das palavras
estabelecido por convenção, o que possibilita o processo comunicacional.
Portanto, adotar uma postura constructivista não implica o desapego de limites
para construção de sentido; há um quantum ontológico no próprio constructivismo, o qual
não está atrelado à essência do signo, mas à convenção adotada no próprio sistema em torno
desse signo, o qual não possui um sentido unívoco, mas também não pode ter qualquer
sentido.
O sentido mínimo das palavras estabelecido convencionalmente e o contexto que
envolve o enunciado jurídico e a devida observação do ponto de partida do texto legal para
a realização da atividade interpretativa devem nortear a busca pela finalidade dos atos
administrativos.
82 IVO, Gabriel. O direito e a inevitabilidade do cerco da linguagem. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2014. v. 1.
77
O âmbito do julgamento administrativo tributário deve possuir como escopo
principal o controle de qualidade do lançamento fiscal – a constituição ou não do crédito
tributário em sua exata dimensão e alcance. Essa é, com razão, a expressão do interesse
público do contencioso administrativo tributário e consequente matéria de ordem pública no
processo administrativo fiscal.
3.8 Motivação
Os princípios possuem uma natural tendência à graduação hierárquica e, nesse
contexto, a motivação ocupa lugar de destaque em relação aos demais valores que permeiam
o ato administrativo.
É pela motivação que se proporciona e realiza a efetivação de demais valores
caros ao desenvolvimento da atividade da Administração Pública. A lição de Hely Lopes
Meirelles é precisa ao assinalar:
Pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática. Claro está que em certos atos administrativos oriundos do poder discricionário a justificação será dispensável, bastando apenas evidenciar a competência para o exercício desse poder e a conformação do ato com o interesse público, que é pressuposto de toda atividade administrativa. Em outros atos administrativos, porém, que afetam o interesse individual do administrado, a motivação é obrigatória, para o exame de sua legalidade, finalidade e moralidade administrativa. A motivação é ainda obrigatória para assegurar a garantia de ampla defesa e do contraditório prevista no art. 5.º, LV, da CF de 1988. Assim, sempre que for indispensável para o exercício da ampla defesa e do contraditório, a motivação será constitucionalmente obrigatória.83
Com efeito, no âmbito do contencioso administrativo, os pressupostos de fato e
de direito são imperiosos para o exercício da ampla defesa e do contraditório, bem como
para a identificação da legalidade do ato, implicando, dessa forma, o atendimento à
finalidade e moralidade administrativa.
Trata-se de elemento fundamental para o lançamento fiscal, sendo ponto de
constante análise por parte dos Tribunais Administrativos. Vejamos a título exemplificativo
83 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro cit., p. 103.
78
julgado do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais em que foi identificada a falta de
motivação no lançamento:
Assunto: Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – Simples.
Ano-calendário: 1999, 2000.
Razões fundamentadas do auto de infração. Descrição dos fatos deficiente. Falta ou errônea motivação.
Sendo a descrição dos fatos e a fundamentação legal da autuação elementos substanciais e próprios da obrigação tributária, os equívocos na sua determinação no decorrer da realização do ato administrativo de lançamento ensejam a sua nulidade por vício material, uma vez que o mesmo não poderá ser convalidado ou sanado pelo julgador, pois implicaria novo ato de lançamento o que é vedado. Por isso, a falta de motivação ou motivação errônea do lançamento alcança a própria substância do crédito tributário, de natureza material, não havendo de se cogitar em vício de ordem formal. Se o ato de lançamento não contém ou contém a indicação da capitulação legal equivocada (pressuposto de direito) e/ou se a descrição dos fatos é omitida ou deficiente (pressuposto de fato) tem-se por configurado vício material por defeito de motivação. A errônea indicação dos dispositivos legais infringidos conjugada com a deficiente descrição dos fatos acarreta ausência de subsunção dos fatos à norma jurídica, defeito grave que configura vício material do lançamento por falta de motivação. Se não constatada uma clara subsunção entre os fatos imputados ao sujeito passivo com a norma legal infringida, o auto de infração é nulo por vício material, por ferir requisito essencial na constituição do lançamento (Acórdão 1301003.493, 3.ª Câmara, 1.ª Turma Ordinária, Rel. Nelso Kichel, 21.11.2018) (grifo nosso).
A legislação do contencioso administrativo também é rigorosa na exigência dos
elementos que motivam o ato de lançamento. Vejamos o art. 99 do Decreto 54.486, de 26 de
junho de 2009, que regulamenta a Lei 13.457, de 18 de março de 2009, que dispõe sobre o
processo administrativo tributário decorrente de lançamento de ofício e dá providências
correlatas:
Art. 99. O auto de infração conterá, obrigatoriamente:
I – a identificação da repartição fiscal competente e o registro do dia, hora e local da lavratura;
II – a identificação do autuado;
III – a descrição do fato gerador da obrigação correspondente e das circunstâncias em que ocorreu;
IV – a determinação da matéria tributável e o cálculo do montante do tributo devido e da penalidade cabível;
V – a indicação dos dispositivos normativos infringidos e dos relativos às penalidades cabíveis;
79
VI – a indicação do prazo para cumprimento da exigência fiscal ou para apresentação da defesa;
VII – o nome legível e a assinatura do Agente Fiscal de Rendas autuante, dispensada esta quando grafada por meio eletrônico, nas situações expressamente previstas pela Secretaria da Fazenda.
§ 1.º O auto de infração deve ser instruído com documentos, demonstrativos e demais elementos materiais comprobatórios da infração.
§ 2.º Ao autuado será entregue uma via do auto de infração, mediante recibo, valendo como notificação, juntamente com cópia dos demonstrativos e demais documentos que o instruem, salvo daqueles cujos originais estejam em sua posse. [...]
Notam-se no referido artigo enunciados diretamente voltados à motivação do ato,
tais como: (i) a identificação da repartição fiscal competente e o registro do dia, hora e local
da lavratura; (ii) a identificação do autuado; (iii) a descrição do fato gerador da obrigação
correspondente e das circunstâncias em que ocorreu; (iv) a determinação da matéria
tributável e o cálculo do montante do tributo devido e da penalidade cabível; (v) a indicação
dos dispositivos normativos infringidos e dos relativos às penalidades cabíveis.
A expressividade do princípio em tela também é refletida em outros ordenamentos
jurídicos. Nesse contexto, à guisa de exemplo, é relevante o registro do entendimento da
Cámara Nacional de Apelaciones do Contencioso Administrativo Federal da Argentina
sobre o tema:
Al respecto, la Cámara Nacional de Apelaciones en lo Contencioso Administrativo Federal há señalado que la motivación de lacto administrativo es la expresión de las razones y circunstancias de hecho y de derecho que llevaron a su dictado, preconizando que toda decisión administrativa que afecte derechos de particulares debe responder a una motivación suficiente y resultar de la derivación razonada de sus antecedentes, a fin de resguardar las garantías constitucionales en juego (arts. 16,17 y 18, Const. Nac.).84
A relevância da motivação do ato pode ainda ser verificada ao analisarmos o art.
489 do Código de Processo Civil, aplicado supletiva e subsidiariamente ao processo
administrativo tributário:85
84 FOLCO, Carlos María. Procedimiento tributario. Natureza y estructura. 3. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2011. t. I, p. 87-88.
85 O Código Processo Civil dispõe em seu art. 15: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Tratando dessa aplicação supletiva e subsidiária, Rodrigo Dalla Pria faz importante elucidação: “Na primeira situação, a de supletividade, o que se supõe é a total ausência de especial norma reguladora do processo administrativo, caso em que o Código de Processo Civil acaba por assumir função
80
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1.º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Os enunciados contidos no artigo supra refletem elementos necessários para
fundamentação de qualquer decisão judicial. Nesse contexto, registra-se que o entendimento
acolhido no presente trabalho é no sentido de adotar posicionamento de que as decisões dos
Tribunais Administrativos devem observar os comandos legais aqui mencionados pela
aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil nos processos administrativos.
3.9 Interesse público
De todo o rol de princípios expostos no presente tópico o interesse público é o que
possui relação de maior proximidade com a temática objeto de análise. Com efeito, todo o
exercício da atividade da Administração Pública deve ser voltado para o atendimento do
interesse público, de forma que o exercício de atividade administrativa que não atender a
essa finalidade infringirá valor fundante e basilar do processo administrativo tributário.
‘normativo-substitutiva’. Na segunda hipótese, quando o assunto é subsidiariedade, pressupõe-se alguma regulamentação, ostentando o Código de Processo Civil de 2015 função ‘normativa complementar’” (Apud CONRADO, Paulo César; ARAÚJO, Juliana Furtado Costa. O novo CPC e seu impacto no direito tributário cit., p. 251).
81
Em que pese a ausência de disposição expressa no texto constitucional86 a esse
valor, trata-se de princípio geral de Direito, como bem reconhece Celso Antônio Bandeira
de Mello:
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim não se radica em dispositivo algum da constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas deles, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI), ou tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social.87
Ainda sobre o assunto, merece registro elucidação de Valdir de Oliveira Rocha:
O processo administrativo não é um legitimador de qualquer ato da administração, mas, antes, o processo administrativo visa a conferir a justiça positivada – com o que não atende a pretenso interesse nem da Administração nem do administrado, e sim ao interesse público, que é o do Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos individuais, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a justiça etc. como valores supremos da sociedade brasileira (tudo conforme o “Preâmbulo” da Constituição).88
Quando nos referimos ao contencioso administrativo tributário, tem-se o
atendimento/concretização do interesse público à medida que se preserva a constituição de
crédito tributário – seja em ato de lançamento fiscal ou de julgamento administrativo –,
conferindo os contornos de liquidez e certeza necessários para sua exigibilidade, inclusive
no âmbito judicial.
Não se trata de defender o interesse do contribuinte ou do fisco. Com razão, essas
partes, em que pese situarem-se em lados opostos numa relação processual administrativa
tributária, possuem/devem possuir o mesmo objetivo, qual seja a qualidade do lançamento
fiscal. O fisco não tem o interesse de desperdiçar trabalho para lançamentos infundados, bem
como o que o contribuinte, em significativa parte, busca é a legítima cobrança do que for
86 Importante registrar que o referido princípio é tratado expressamente em outros dispositivos normativos como o já citado art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo, que dispõe: “Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”.
87 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 93.
88 ROCHA, Valdir de Oliveira. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, 1997. p. 141.
82
devido a título de tributo/respectiva medida sancionatória e o combate à parcela de sujeitos
infratores do sistema que criam um cenário de concorrência desleal. Em suma, não há ou
não deveria haver a dicotomia na relação fisco x contribuinte.
Portanto, não atende ao interesse público o mero aumento de certidões de dívidas
ativas resultantes de processos administrativos tributários pseudotraçados do caráter de
liquidez e certeza.
O julgamento no âmbito administrativo deve se vestir de filtro seletivo dos casos
aptos de judicialização, colaborando para a criação de sistema racional e eficiente, sob pena
de não observância/concretização do valor de maior relevância para o processo
administrativo tributário: o interesse público/questão de ordem pública.
Em nosso sentir, a observância de princípios formadores do contencioso
administrativo tributário é questão de interesse público. Da mesma forma, evitar dispêndio
econômico com processos fadados ao insucesso no âmbito judicial, seja por existência de
matéria pacificada na jurisprudência, seja por ocorrência de vício em lançamento fiscal,
caracteriza-se como elemento concretizador desse interesse coletivo.
Há de ponderar e refletir acerca da principal função do processo administrativo
tributário, realizar uma filtragem das demandas aptas à discussão no âmbito judicial,
ostentando assim atos administrativos que gozam de maior rigor de certeza e liquidez.
Utilizar a máquina pública, por meio de procuradores, juízes e demais serventuários da
justiça, para prolongamento de processos judiciais oriundos de lançamentos fiscais viciados
ou infringentes à jurisprudência pacificada é inserir a Administração Pública em situação de
agravamento de dispêndio econômico, inclusive com condenação de honorários, atentando-
se contra qualquer concepção que possa ser conferida a ato eficiente e de interesse público.
3.10 Demais princípios formadores
3.10.1 Republicano
Destacamos agora três princípios com relevante papel no processo administrativo
tributário, mas que, por conta do acanhado tratamento legal, são escassamente explorados
no âmbito da normatividade do contencioso administrativo, porém são fundamentais para a
compreensão do arquétipo do âmbito do administrativo tributário.
83
Nesse contexto, iniciamos por um valor/princípio que tem ganhado pouca atenção,
inclusive no âmbito doutrinário: o princípio republicano, que recebeu algumas considerações
na ocasião da dissertação de mestrado.89
Uma das características pertinentes aos valores/princípios é a tendência de
graduação hierárquica. Nesse sentido, podemos sustentar que o princípio republicano
encontra-se em elevado patamar hierárquico, trazendo elementos que estão presentes nos
conteúdos das designadas cláusulas pétreas.
Nosso ordenamento positivo não permite a criação/expedição de leis que
importem na depreciação das exigências da República e da Federação. Há nesse ponto, como
ensina o Professor Geraldo Ataliba, uma superioridade e intocabilidade destas últimas.
Esclarece ainda o ilustre mestre:
Caracteriza-se modernamente o regime republicano pela tripartição do exercício do poder e pela periodicidade dos mandatos políticos, com consequentes responsabilidades dos mandatários. Todos os mandamentos constitucionais que estabelecem os complexos e sofisticados sistemas de controle, fiscalização, responsabilização e representatividade, bem como os mecanismos de equilíbrio, harmonia e demais procedimentos a serem observados no relacionamento entre os poderes, asseguram, viabilizam, equacionam, reiteram, reforçam e garantem o princípio republicano, realçando sua função primacial no sistema jurídico. Assim, funciona ele como alicerce de toda a estrutura constitucional, pedra de toque ou chave de abóbada do sistema.90
Portanto, o valor em questão reflete o principal pilar da estrutura normativa,
trazendo a noção de igualdade, representatividade, responsabilidade, legalidade e tripartição
do exercício do poder. Cabe ainda salientar que ele representa o próprio consentimento da
sociedade que se submete ao ordenamento jurídico. Nesse contexto, a atividade tributante,
embora caracterizada pela obrigatoriedade, é uma compulsoriedade consentida. Consentida
à medida que a imposição de incidência tributária está embasada em ato normativo primário
oriundo do Poder Legislativo e observa os princípios constitucionais tributários.
Em suma, imposição diversa daquela consentida pela sociedade não é legítima,
não é republicana. Em outras palavras, a exigência de tributo sem prévia lei, além de afronta
direta à legalidade e estrita legalidade, representa ofensa ao princípio republicano. No
89 TELES, Galderise Fernandes. Planejamento tributário e normas antielisivas: uma análise a partir da perspectiva de nosso sistema constitucional cit., p. 92-94.
90 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 38.
84
mesmo sentido, a divisão das atribuições/funções dos Poderes (Legislativo, Executivo e
Judiciário) é reflexo desse princípio, e seu desvirtuamento implica quebra da harmonia e
equilíbrio entre eles, conforme garantido pelo texto maior.
Focando o contencioso administrativo tributário, temos na paridade dos Tribunais
(formação dos órgãos julgadores com participação de representantes do Fisco e
contribuintes) nítido reflexo do valor republicano, tendo o processo administrativo o decisum
como resultado do julgamento com representação de partes diferentes.
Há nesse ponto relevante questionamento trazido pelo voto de qualidade nos
Tribunais Administrativos, inclusive pela razão de a quase totalidade desses Tribunais
Administrativos paritários ter na presidência representante do Fisco, sendo, em significativa
quantidade de julgamentos, o desempate a favor da manutenção do lançamento fiscal.
De toda forma, a preservação de uma formação paritária nos Tribunais
Administrativos, ainda que com estabelecimento de voto de qualidade, representa relevante
traço do princípio republicano.
3.10.2 Verdade material
Seguramente, um dos princípios mais requeridos no âmbito do processo
administrativo tributário é o da verdade material. Em certa medida, todos os agentes atuantes
no âmbito dos processos administrativos buscam o alcance da referida verdade.
Em que pese não se tratar de enunciado expresso, é um dos valores mais
perquiridos e constantes nos argumentos de defesa em face de lançamento fiscal.
Em obra específica sobre o assunto, Demetrius Nichele Macei pontua a relevância
do tema:
A busca pela verdade material é princípio de observância indeclinável da Administração Tributária no âmbito de suas atividades procedimentais e processuais. Ela deve fiscalizar em busca da verdade; deve apurar e lançar com base na verdade; deve julgar com base na verdade. A busca da verdade material, antes de ser direito do contribuinte, é um dever do Estado. Assim, a verdade é buscada pela Administração independentemente de provocação
85
do contribuinte e, obviamente, se a iniciativa não partir do contribuinte ou do Fisco, deve partir do julgador.91
Com efeito, por meio da linguagem das provas é possível construir a verdade
jurídica de um determinado caso. Normalmente, percebe-se a utilização do termo verdade
material elevando-o a uma categoria de princípio que, embora não esteja especificamente
expresso em nosso sistema constitucional, é perfeitamente construído a partir da aplicação
de outros princípios, como legalidade, justiça e moralidade.
Nosso direito tributário rege-se, entre outros, pelos princípios da estrita legalidade
e tipicidade tributária, de modo que a obrigação tributária tem nascimento tão somente se
verificado o fato descrito conotativamente no antecedente da regra-matriz de incidência.
Nesse contexto, a prova é de extrema relevância para a configuração do fato
jurídico tributário, pois sem ela não existe fundamento para a aplicação normativa e
consequente constituição da relação jurídica tributária/laço obrigacional.
Entretanto, cabe a advertência de que a divisão entre verdade material e formal,
normalmente verificada, não encontra razão de ser, levando-se em consideração as premissas
aqui adotadas. A compreensão da verdade material está embasada na concepção de uma
verdade por correspondência que pressupõe a possibilidade de refletir a realidade por meio
da linguagem. Parte, portanto, da ideia de possibilidade de descrição integral do mundo da
experiência. Ignora, nesses termos, que o real é infinito e irrepetível.
Com razão, Tárek Moysés Moussallem critica essa tradicional classificação:
Cabe aqui mais uma observação: a tradicional classificação da verdade em material e formal passa a ser irrelevante, uma vez que, no sistema adotado, toda verdade passa a ser formal, ou seja, verdade dentro de um sistema de linguagem [...] Neste sentido, torna-se inútil afirmar que o direito (processual) penal em contraposição ao direito (processual) civil busca a verdade material. Verdade é sempre formal porque depende da linguagem. O juiz não tem acesso aos acontecimentos, mas sim às interpretações, versões, linguagem.92
No mesmo sentido, a Professora Fabiana Del Padre Tomé faz valiosa advertência:
O que se consegue, em qualquer processo, seja administrativo ou judicial, é a verdade lógica, obtida em conformidade com as regras de cada sistema
91 MACEI, Demetrius Nichele. A verdade material no direito tributário. A cidadania fiscal administrativa e judicial. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 177.
92 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006. p. 18.
86
[...] A verdade que se busca no processo de positivação do direito, seja ele administrativo ou judicial, é a verdade lógica, quer dizer, a verdade em nome da qual se fala, alcançada mediante a constituição de fatos jurídicos, nos exatos termos prescritos pelo ordenamento: a verdade jurídica.93
Por essas razões, adota-se neste trabalho o conceito de verdade jurídica, ou seja,
aquela formada linguisticamente dentro do processo, seja administrativo ou judicial. A
construção dessa verdade é imperiosa para comprovar a existência ou não de ato simulatório
ou dissimulatório implicando evasão fiscal e conferindo ao Fisco o poder-dever de
requalificação dos efeitos jurídicos tributários.
Ponto de delicada análise refere-se à delimitação para produção e alcance da
verdade material no âmbito do processo administrativo tributário, como referido
anteriormente: é preciso observar o texto legal, conferir estabilidade nas relações,
previsibilidade na aplicação normativa, como forma de alcançar o valor maior da segurança
jurídica. “Qualquer fato para ingressar no âmbito jurídico precisa observar as regras do jogo
– passar por uma espécie de filtro que seleciona quais propriedades entram e quais ficam de
fora daquele conjunto.”94
A temática tem o condão de ofertar significativa complexidade. De um lado, o
valor da verdade material e, de outro, a necessidade de delimitações para o alcance dessa
verdade em nome de uma segurança jurídica.
Observando julgados recentes de alguns Tribunais Administrativos, notamos que
a aplicação do princípio em tela encontra certa ponderação, de forma a não se considerar a
protuberância aqui exposta.
Assunto: Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. Exercício: 2003. Matéria não suscitada em sede de defesa/impugnação. Preclusão processual. Afora os casos em que a legislação de regência permite ou mesmo nas hipóteses de observância ao princípio da verdade material, não devem ser conhecidas as razões/alegações constantes do recurso voluntário que não foram suscitadas na impugnação, tendo em vista a ocorrência da preclusão processual, conforme preceitua o artigo 17 do Decreto n.º 70.235/72. ITR. Área utilizada para exploração extrativa. Não comprovação. Para que se possa valer da benesse fiscal que implica a significativa redução de alíquota, não basta que demonstre a aprovação de um plano de manejo, há de se demonstrar, na forma da lei, o cumprimento do cronograma de exploração tal como rigorosamente aprovado pelo Ibama. É uma condição,
93 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário cit., p. 23-25. 94 Idem, p. 145.
87
a Exploração Extrativa, que deve ser demonstrada a cada exercício que dela se pretende beneficiar (Acórdão 2401006.562, 4.ª Câmara, 1.ª Turma Ordinária, Rel. Rayd Santana Ferreira, 09.05.2019) (grifo nosso).
ICMS. Creditamento indevido, em junho de 2015, por ter transportado com valor a maior o saldo credor referente à GIA de maio de 2015. O autuado admite que o saldo credor do mês anterior não foi declarado corretamente, em razão “de um mero erro de digitação da contabilidade”. O cometimento de erro pelo contribuinte não afasta a materialidade da infração, na medida em que é irrelevante a intenção do agente, posto que sua responsabilidade é objetiva, nos termos do artigo 136 do Código Tributário Nacional. O princípio da verdade material, assim como qualquer outro princípio, não é absoluto, devendo ser sopesado em conjunto com outros princípios, em especial com o da legalidade, que é basilar ao direto tributário. Em observância ao princípio da legalidade, a GIA deve declarar o saldo transportado do período anterior, o que veda o procedimento adotado pelo autuado. Não houve violação ao princípio da não cumulatividade, visto que as regras previstas no RICMS para apuração e declaração do imposto devido não impedem a compensação do imposto cobrado na operação anterior, tampouco extrapolam a Lei n.º 6.374/1989, a qual determina que o Executivo pode estabelecer condições e requisitos para apropriação do crédito do imposto (artigos 36, § 2.º, e 38, § 1.º), dentre os quais destaco a entrega de GIA, disciplinada nos artigos 253 e seguintes do RICMS. A Câmara Superior do TIT já entendeu que a eventual existência de saldo credor não afasta a ocorrência da infração relativa ao crédito indevido, pois “A única forma coercitiva de que o fisco dispõe para exigir o estorno do crédito indevidamente apropriado pelo contribuinte é a lavratura do auto de infração. Pensar de outro modo significaria convalidar qualquer ato ilícito relativo a tributos, simplesmente porque o contribuinte possui eventual saldo credor em sua escrituração” (AIIM 3028603-7) (Delegacia Tributária de Julgamento de São Paulo, Julgador: Lílian Zub Ferreira. 04.01.2019) (grifo nosso).
Construções desse sentido harmonizam-se com o entendimento da necessária
estabilização das relações jurídicas tributárias com a devida observação à regra do jogo –
aqui considerado o disposto nos enunciados da legislação do contencioso administrativo de
cada Tribunal.
No entanto, há entendimento em sentido diametralmente oposto que pode ser
constatado em explanação de Demetrius Nichele Macei:
Mesmo não sendo objeto deste trabalho traçar os limites objetivos da aplicação do princípio, vimos que não há outra conclusão senão a de que o único limite do exercício do direito de apresentar novas provas e alegações se esgote apenas no átimo anterior do trânsito em julgado do processo. Se o objetivo do processo, seja administrativo ou judicial, é reconhecidamente a busca da verdade material, a limitação temporal por si só releva cerceamento de defesa. Todos os argumentos e fundamentos apresentados até agora têm cunho eminentemente constitucional. Como vimos, foi tão somente na Constituição que elevamos a esfera administrativa de julgamento ao status de processo, que identificamos a verdade material
88
como realização da Justiça e do devido processo legal, que encontramos os claros fundamentos para a exigência incondicional da verdade real em matéria tributária, em razão da estrita legalidade e igualdade tributária, e será também na Constituição que encontraremos eventuais limites para a aplicação do princípio95 (grifo nosso).
É inegável o caráter rígido e detalhista conferido ao nosso texto maior em matéria
constitucional, havendo expressiva textualidade da processualidade do contencioso
administrativo tributário. Não obstante, por mais rico que seja o texto constitucional, não
tem a pretensão/função de esgotar todas as tratativas em matéria tributária.
Nessa medida, entendemos que a busca pela verdade jurídica material é construída
no âmbito da processualidade administrativa, de forma que a ampla defesa é garantia inerente
a todo contencioso administrativo dentro das regras do jogo estabelecidas pela autoridade
competente.
Logo, a determinação de contornos para apresentação de provas/matéria de defesa
no âmbito processual é elemento voltado à própria segurança jurídica de todos os
participantes: Estado x contribuinte, ambos terão delimitação para apresentação das provas,
e o Estado, pela função exercida e poder de polícia que possui, deverá ostentar menor grau
de reparação no lançamento fiscal, o qual não deve ser objeto de emendas posteriormente à
sua conclusão/lavratura.
Ao contribuinte devem ser ofertadas maiores garantias de apresentação de provas
e realização de diligências como forma de alcançar a isonomia entre as duas partes, mas sem
que isso represente uma permanente e indefinida abertura à sua manifestação.
3.10.3 Formalismo moderado
Diversamente do processo civil, o âmbito do contencioso tributário administrativo
é tomado por certo grau de informalismo em sua procedimentalização. Isso ocorre pela
própria essência do processo administrativo fiscal, que é a busca da verdade jurídica
material/conformação do fato jurídico tributário em sua exata dimensão e alcance.
Tratando do assunto, Marcos Vinicius Neder e Maria Tereza Martínez López
pontuam:
95 MACEI, Demetrius Nichele. A verdade material no direito tributário. A cidadania fiscal administrativa e judicial cit., p. 180-181.
89
Paralelamente, a este formalismo tradicional do Direito Processual Civil, o processo administrativo fiscal releva pequenas incorreções de forma, de modo a possibilitar o acesso do administrado ao processo da maneira mais simples possível, até porque não há necessidade de o contribuinte ser representado por advogado [...] Tal informalidade moderada, desde que preservadas as garantias fundamentais do administrado, é mais adequada ao autocontrole da legalidade pela Administração Pública e mais aberta à busca da verdade real que, como vimos, é a base de todo sistema.96
Importante registro também é realizado por James Marins:
O formalismo moderado tem duas vertentes de funcionalidade: a primeira revestida sob a forma de Informalismo a favor do administrado, que tem por escopo facilitar a atuação do particular de modo a que excessos formais não prejudiquem sua colaboração no procedimento ou defesa no processo; a segunda vertente relaciona-se com a celeridade e economia que se espera do atuar administrativo fiscal. Nesse último sentido a eliminação de formalidades desnecessárias concorre positivamente para a celeridade e a economia administrativa e contribui para o primado da eficiência, consagrado constitucionalmente no art. 37 da Constituição Federal de 1988.97
Nota-se que o referido princípio atua de forma a colaborar com a busca da verdade
jurídica material, possibilitando ao administrado a superação do rigor formalístico. Aqui
mais uma vez teremos a questão de produção de provas como ponto central do debate.
O formalismo moderado é trazido como elemento para embasar: (i) a produção
probatória tardia, posterior ao determinado em enunciados da legislação do contencioso
administrativo tributário; (ii) o alcance da verdade jurídica material do processo; (iii) a
interpretação mais favorável ao administrado; (iv) a elasticidade do procedimento em
benefício do administrado.
Os referidos pontos de embasamento podem ser verificados na lição de Carlos
María Folco que, analisando a influência do princípio em tela na Cámara Nacional de
Apelaciones, pontua:
El principio de informalismo consiste en la excusación de la observancia de exigencias formales no esenciales y que pueden cumplirse después, por ejemplo, la errónea calificación del recurso. Naturalmente, parece innecsario advertir que este principio traduce la regla jurídica del in dubio actione, rectora em la materia, que obliga a admitir el criterio interpretativo más favorable al ejercicio del derecho de acción, de forma tal que se
96 NEDER, Marcos Vinicius; LÓPEZ, Maria Teresa Martínez. Processo administrativo fiscal federal comentado. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 80.
97 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial) cit., p. 165.
90
garantise al administrado una resolución sobre el fondo de la cuestión objeto del pronunciamento, aventado todo exceso de rigor formal impediente.98
Por último, como acertadamente señalara la Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil, con cita de Bidart Campos, el informalismo implica que el particular puede invocar la elasticidade del procedimento en beneficio propio, sin el rigorismo del proceso judicial, pero no rige en favor de la administración.99
De maneira similar, Paulo de Barros Carvalho trata do referido princípio:
Por um lado, o informalismo muitas vezes conduz à arbitrariedade, pela ausência de fórmulas determinadas, que se afiguram autênticas garantias da segurança das relações procedimentais. Por outro, contudo, o informalismo significa a aceitação de um quadro amplo de direitos e prerrogativas, para a busca da melhor adequação fáctica ao suposto normativo geral e abstrato. E é com tal acepção que há de ser acolhido, presumindo-se que todos os efeitos favoráveis que venha a suscitar, beneficiem o administrado. Daí a referência expressa a informalismo em favor do interessado [...] Não aproveita, porém, à Fazenda, que deverá ater-se ao espectro de requisitos formais que inspiram suas manifestações. Caso admitíssemos o informalismo em favor da Administração, entraríamos nos perigosos domínios do arbítrio e no mar revolto das soluções extralegais.100
O sentido perquirido pelo formalismo moderado também é refletido no princípio
da instrumentalidade do processo.
Assim, haja vista a segurança processual para as partes, garantindo dessa forma o direito de atuação e defesa dentro do processo, o direito processual moderno está mais relacionado com o interesse coletivo do que meramente com o interesse individual das partes. Com esse pensamento, têm-se deixado de lado as formalidades excessivas, que podem ser sanáveis com pequenos ajustes, desde que sem prejuízo para as partes, buscando, assim, a celeridade e economia processual, aplicando-se amplamente ao processo o princípio da instrumentalidade das formas.101
A junção da busca da verdade material com o formalismo moderado ratifica o
entendimento da necessidade de mecanismos que possibilitem ao administrado tratamento
isonômico pela sua posição hipossuficiente, quando comparamos com a Administração
98 FOLCO, Carlos María. Procedimiento tributario. Natureza y estructura cit., p. 130-131. 99 Idem, p. 133. 100 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método cit., p. 908-909. 101 FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública
cit., p. 56.
91
Pública. Por essa razão, a elasticidade conferida por esses princípios ao rigor formalístico é
medida necessária para o alcance de relação processual mais justa.
3.10.4 Autotutela administrativa
A existência de um processo administrativo tributário pauta-se pelo poder-dever
de autotutela que possui o Estado para correção de seus atos. 102 Os Tribunais
Administrativos de julgamento desempenham a relevante função de revisão dos lançamentos
fiscais, exercendo atividade de hialino interesse público na presteza de tutela e controle da
legalidade dos atos em análise.
Com razão, a revisão do ato de lançamento fiscal por parte da Administração
Pública, além de poder encontrar amparo nos princípios e características anteriormente
tratados, possui como relevante fonte de fundamentação o princípio da autotutela
administrativa, meio pelo qual a Administração pode rever seus atos sem a necessidade de
instaurar discussão judicial.
Sobre o assunto, Hely Lopes Meirelles elucida:
A anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui a forma normal de invalidação de atividade ilegítima do Poder Público. Essa faculdade assenta no poder de autotutela do Estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos.103
102 Tratando do assunto, José Cretella Jr. faz importante consideração: “há todo o interesse do Estado em que seus atos observem os requisitos de legalidade e mérito, sendo que para tanto o policiamento exercido pela administração sobre os atos administrativos é exercido, na prática, por uma série de providências espontâneas do poder público que consubstanciam a denominada autotutela, definida sinteticamente como o poder de polícia da administração, dirigido aos atos administrativos [...] A ilegalidade pode ser descoberta espontaneamente pela administração ou pode ser denunciada pelo interessado, mediante recurso administrativo, interposto no próprio âmbito do Poder Executivo e, portanto, além de recair sobre os atos administrativos, [...] a autotutela pode ainda recair sobre os processos administrativos. Assim, os aspectos formais do processo administrativo e da concorrência pública devem estar de acordo com a lei geral e com as leis especiais que os regem, cabendo, pois, ao Estado, mediante autotutela, verificar se foram cumpridos tais aspectos. Em caso contrário, ainda em consequência da verificação autotutelar, o processo administrativo e a concorrência serão anulados, inteiramente [...] Processos administrativos, em todas as fases [...] sofrem impacto sensível do procedimento autotutelar e, como consequência, são expurgados de vícios que os inquinam, ou são anulados [...] Em suma a autotutela é vigilância, fiscalização, policiamento, condição precípua da própria administração” (CRETELLA JR., José. Da autotutela administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 108, p. 50-63, abr./jun. 1972).
103 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro cit., p. 209.
92
A doutrina estrangeira caminha em sentido similar, ao pontuar a relevância e o
alcance semântico do referido princípio:
Así se configura juridicamente la denominada “autotutela administrativa”, en mérito a la cual la administración se encuentra facultada per se para definir una situación jurídica, sin necesidad de ocurrir a tribunales judiciales (autotutela declarativa), y ejecutar la declaración contenida en e lacto administrativo (autotutela ejecutiva), excepto cuando la ley o la propia naturaleza del acto tornen insoslayable la intervención judicial.104
A revisão dos atos administrativos pela própria Administração é forma de
concretizar valores relevantes, como a eficiência perquirida no exercício da função pública.
Com efeito, a existência dos Tribunais Administrativos proporciona a consolidação de
crédito tributário com maior rigor de liquidez e certeza, haja vista o julgamento especializado
da matéria, extirpando lançamentos ficais viciados, desprovidos do caráter necessário para
sua permanência no sistema jurídico.
Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas:
A administração age na qualidade de titular dos interesses do Estado que a lei quer que sejam realizados, vinculada sempre à legalidade. Quando a atuação da autoridade administrativa está errada, nada impede sua revisão. Ao contrário, a revisão representa um autocontrole da Administração, e está a serviço da obtenção de uma tributação segundo a lei. [...] Essa revisão ex officio pode decorrer da hierarquia, mas também a autoridade prolatora do ato pode tomar a iniciativa de reexaminar a própria decisão, confirmando-a ou modificando-a [...] É característica do processo administrativo tributário servir como instrumento de controle da regularidade da atividade administrativa tributária. Aliás, cada vez mais se constata a crescente adoção de procedimentos para as atividades públicas de modo geral [...] O poder geral que a Administração tem de rever seus próprios atos, quando eivados de vícios e ilegalidade, está pacificado na jurisprudência, independentemente de se tratar de erro de fato ou de direito, pois ao se considerar a questão de direito não se pode prescindir da influência da questão de fato, já que ambas são indivisíveis. Entendimento contrário afronta não só a legalidade, mas também a indisponibilidade da coisa pública.105
Merecedora de registro é a lição de James Marins ao assinalar:
Esta autotutela, que presenta o trato unilateral que é concedido ao Estado quando cuida do interesse público, embora não seja prestigiada com foros de intangibilidade (já que não é imune ao controle do Poder Judiciário), é
104 FOLCO, Carlos María. Procedimiento tributario. Natureza y estructura cit., p. 91. 105 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo administrativo tributário cit., p. 87-90.
93
instrumento essencial ao atendimento das premências instrumentais do Estado.106
Podemos ainda considerar que a autotutela com a legalidade informa um princípio
não diretamente tratado no presente trabalho, por considerarmos como corolário desses
valores normativos: o princípio da oficialidade pelo qual a Administração está obrigada a
considerar e proclamar de ofício todo e qualquer possível vício de ilegitimidade ou
ilegalidade que o ato atacado contenha, revogando-o imediatamente, mesmo que a
impugnação do administrado não tenha apontado concretamente o vício.107
As referidas considerações demonstram a relevância desse princípio informador
do contencioso administrativo tributário e revelam em marcas nítidas a estreita relação que
ele possui com a legalidade e o interesse público. A nosso ver, todos os princípios
formadores do processo administrativo tributário possuem como destino final a
concretização dos valores da legalidade e da preservação do interesse público.
Significativos avanços foram alcançados no decorrer da instituição dos Tribunais
Administrativos Tributários, sedimentando uma seara de revisão e controle de qualidade dos
lançamentos fiscais. Todavia, é preciso reconhecer que nos defrontamos com cenário de
dilemas e desafios, os quais demandam detidas reflexões a fim de clarificarmos os caminhos
que pretendemos trilhar na solução de conflitos de interesses no âmbito administrativo
tributário, e, nesse sentido, verificam-se as matérias de ordem pública passíveis de
conhecimento ex officio pelo julgador administrativo tributário.
A classificação de determinada matéria como de ordem pública no âmbito do
contencioso administrativo tributário releva-se como expressão do valor maior de interesse
público e possui na autotutela administrativa fundamento complementar para
reconhecimento ex officio pelo julgador administrativo tributário de matéria de ordem
pública.
O apontamento dos princípios tratados no presente capítulo demonstra o grau de
relevância que eles possuem para a formação do contencioso administrativo tributário,
trazem especificidades do formalismo moderado da autotutela da verdade jurídica material,
106 MARINS, James. Princípios fundamentais do direito processual tributário. São Paulo: Dialética, 1998. p. 121.
107 Cf. GORDILLO, Agostin A. Procedimento y recursos administrativos. 2. ed. Buenos Aires: Macchi, 1971. p. 61.
94
entre outros princípios específicos abordados, como instrumentos idôneos a concretizar o
valor maior do interesse público e da ordem pública.
Em certa medida, todos os princípios versados são nucleares e específicos para o
processo administrativo tributário, de forma que a inobservância deles tem o condão de
atingir e se revelar como matéria de ordem pública.
95
4. REQUISITOS DO ATO ADMINISTRATIVO DO LANÇAMENTO FISCAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
O âmbito do contencioso administrativo tributário tem, em regra,108 como objeto
de análise a realização de um lançamento fiscal voltado à exigência de tributo não recolhido
e suas respectivas aplicações sancionatórias. Nesse sentido, o ato de lançamento fiscal, em
que pese desencadear efeitos no âmbito das relações jurídicas tributárias, é, antes de tudo,
um ato administrativo. Como tal, requer para sua plena formação e validade a observância
de determinados requisitos essenciais para sua adequada irradiação de efeitos.
Trabalhando a definição do referido conceito de ato administrativo, Paulo de
Barros Carvalho elucida:
Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.109
Se se pretende – objeto de análise do presente estudo – a construção da classe de
matéria de ordem pública no processo administrativo tributário, é fundamental a
compreensão do ato administrativo tributário e seus respectivos requisitos. Como ato
administrativo, é imperioso que se observem, além dos princípios anteriormente
mencionados, os elementos estruturais/requisitos de validade, sendo esse o objeto do
presente capítulo.
Com razão, a falta de qualquer dos requisitos responsáveis pela plena
validade/conformação do ato administrativo implica inobservância ao próprio núcleo de
108 Falamos em regra porque há em algumas legislações a possibilidade de levar à instância de julgamento administrativo os pedidos administrativos como: (i) regime especial; (ii) compensação; (iii) imunidades; (iv) isenção, entre outros. Nesses casos, em que pese a instauração de um “contencioso administrativo”, não teremos a presença de um lançamento fiscal revestido de exigência de tributo não recolhido e respectiva aplicação sancionatória.
109 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método cit., p. 504.
96
regras e princípios fundamentais ao ato administrativo, acarretando a constatação da
violação à ordem pública.
Da mesma forma que a “função dos pressupostos processuais é a de evitar a
instauração ou prosseguimento de processo que não reúne as condições mínimas de
procedibilidade, evitando-se o gasto de tempo e dinheiro públicos com processos que não
possuem condições de oferecer a eficaz tutela jurisdicional”,110 a análise dos requisitos do
ato administrativo de lançamento fiscal é verificar a existência das condições necessárias
para o regular lançamento fiscal.
Há na doutrina administrativa divisão acerca da identificação, nomenclatura e
número de elementos relacionados aos requisitos do ato administrativo.111
Exemplo de posição da divisão divergente da doutrina tradicional é Celso Antônio
Bandeira de Mello, que realiza a classificação da seguinte forma: a) elementos do ato; b)
pressupostos de existência; e c) pressupostos de validade. Independentemente da
classificação adotada pelo jurista, sua conclusão sobre a observância dos
elementos/pressupostos é precisa:
Sem os elementos não há ato algum, administrativo ou não. Ou seja, inexistirá o próprio ser que se designa pelo nome de ato jurídico. Sem os pressupostos de existência faltará o indispensável para a produção jurídica daquele objeto constituído pelos elementos, isto é, para o surgimento de um ato jurídico qualquer (administrativo ou não, válido ou inválido), ou então, faltará o requerido para a qualificação dele como ato administrativo (válido ou inválido). Sem os pressupostos de validade não haverá ato administrativo válido.112
Em que pese a classificação adotada, percebe-se que a inobservância a elementos
do ato ou a seus pressupostos implica ocorrência de vício que macula o ato administrativo,
110 FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 45.
111 Sobre o assunto, interessante posicionamento é observado na obra de Celso Antônio Bandeira de Mello ao assinalar: “É fácil perceber-se que, dentre esses chamados ‘elementos’, nem todos realmente o são. Donde a impropriedade do uso da palavra para designar o conjunto batizado sob tal rótulo. Com efeito, o termo ‘elementos’ sugere a ideia de ‘parte componente de um todo’. Ocorre que alguns deles, a toda evidência, não podem ser admitidos como ‘partes’ do ato, pois lhe são exteriores [...] Preferimos, pois, sistematizar o assunto de outro modo, levando em conta que, dentre os assim chamados, dois são, realmente, elementos, ou seja, realidades intrínsecas do ato. Em uma palavra, componentes dele, a saber: o conteúdo e a forma. Não, porém, os outros. Daí separarmos os elementos do ato e os pressupostos do ato. Estes últimos, de seu turno, distinguem-se em pressupostos de existência, ou seja, condicionantes de sua existência, e pressupostos de validade, ou seja, condicionantes da sua lisura jurídica” (Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 396).
112 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 397.
97
e essa mácula é o ponto que nos interessa para o presente objeto de análise, qual seja: as
matérias de ordem pública no ato administrativo de lançamento fiscal.
Portanto, visando conferir elucidação ao corte realizado para abordagem do
assunto, tomaremos como pontos de análise cinco elementos que consideramos essenciais
para formação do ato jurídico administrativo, a saber: competência, finalidade, forma,
motivo e objeto.
Importante registrar que discorrer a respeito da validade das normas vai depender
do ponto de vista adotado para se considerar uma norma como válida ou não. Se a validade
é tida como atributo ou propriedade que qualifica a norma, ou se ela é visualizada como
status de relação, na lição do professor Paulo de Barros Carvalho:
Tem status de relação: é o vínculo que se estabelece entre normativa, considerada na sua inteireza lógico-sintática do direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’ a norma “n” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”. Ser norma é pertencer ao sistema.113
Para o presente capítulo, a principal matéria de análise residirá na identificação dos
requisitos necessários para permanência da relação de pertinência da norma – ato
administrativo – com o sistema jurídico. Nesses termos, ainda que produzido o lançamento
fiscal sem a devida observância aos requisitos essenciais, ele será considerado válido até que
retirado do sistema por não ostentar os requisitos de permanência nele.
4.1 Competência
Elemento basilar para qualquer ato administrativo é a competência114 para sua
produção. Com razão, o desempenho da função administrativa requer do agente observação
e delimitação aos ditames legais pertinentes ao exercício de sua atribuição.
Trata-se de exigência imperativa na constituição de todos os atos administrativos,
sendo inclusive considerado como requisito de ordem pública:
113 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 75-76.
114 O Supremo Tribunal Federal, em ADIn 2970/DF, Pleno, 20.04.2006, Rel. Ellen Gracie, DJU 12.05.2006, p. 4, v. 02231-01v p. 0163, e RTJ 200-01/056, já pontou: A competência administrativa, sendo um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável ad nutum do administrador, só podendo ser delegada ou avocada de acordo com a lei regulamentadora da Administração.
98
Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração [...] A competência administrativa, sendo requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados115 (grifo nosso).
O lançamento fiscal como resultante da atividade administrativa, sendo “assim
entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador
da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo
devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”,
nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional, encontra-se estritamente adstrito ao
âmbito de competência da autoridade responsável pela produção de lançamento.
Não raro se observa questionamento no âmbito do contencioso administrativo
tributário acerca da competência das autoridades administrativas para o ato de lançar. Nesse
sentido, a temática do conflito de competência é ponto que reverbera com significativa
frequência. Vejamos alguns exemplos:
Veiculação de publicidade na internet – ICMS x ISS
ICMS. Comunicação. Conflito de competência. Superveniência da Lei Complementar 157/2016. Caráter privativo da competência tributária. Recurso ordinário conhecido e provido (Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, 5.ª Câmara Julgadora, AIIM 4100569, Voto vista Galderise Fernandes Teles, 21.03.2019).
115 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro cit., p. 154.
99
Analisando a temática em voto vista proferido no Auto de Infração 4.100.569,
houve entendimento pela falta de competência do Estado de São Paulo para realizar o
lançamento referido pela superveniência de lei complementar que, pelo caráter facultativo e
privativo, retira do âmbito de incidência estadual a referida hipótese de exação.
No caso em tela, a razão de decidir pode ser sintetizada na seguinte passagem do
voto:
A competência tributária é dotada – em regra – de privatividade, de forma que não há alternatividade de competência em nosso sistema constitucional. Ao atribuir à Lei Complementar a atribuição de dirimir conflito de competência, o nosso texto maior reservou a esse veículo normativo a função de determinar em contornos nítidos a quem cabe o
100
poder de instituir o tributo – a competência – determinando o dever – ser de forma plena em toda a sua extensão de irradiação de efeitos jurídicos.116
Ponto de possível questionamento poderia recair sobre o impedimento constante
nas legislações dos Tribunais Administrativos do afastamento de normas constitucionais. No
referido julgado, o assunto não passou despercebido, sendo registrado o entendimento no
seguinte sentido:
Além do mais, pontuo meu entendimento no sentido de que a clarificação da significação de um enunciado é ato díspar da não aplicação de texto cogente por considerá-lo inconstitucional. Não se trata, aqui, de negativa à base textual normativa, mas sim da atribuição de construção de sentido, que, em meu sentir, reflete a adequada subsunção do fato à norma prevista na Lei Complementar n.º 157/2016, permanecendo incólume o signo jurídico contido na Lei Complementar n.º 87/1996, bem como no RICMS/00.
No âmbito federal o assunto de conflito de competência também é recorrente:
Prestação de serviço gráfico customizado e personalizado – IPI x ISS
Assunto: Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.
Período de apuração: 1.º.01.2003 a 31/.12.2006.
Conflito de competência. União. Estados e municípios. IPI. Princípio da eficácia Vinculante dos Precedentes Jurisprudenciais.
Em respeito ao Princípio da Eficácia Vinculante dos Precedentes, emanado explicitamente pelo Novo Código de Processo Civil, cabe no processo administrativo, quando houver similitude fática dos casos tratados e jurisprudência pacificada, a observância dos precedentes jurisprudenciais fluidos pelos Tribunais, conforme arts. 15, 926 e 927 da Lei 13.105/15.
Ressurgindo a competência tributária trazida pela Constituição Federal, quando se tratar de atividades relacionadas aos serviços gráficos personalizados passíveis de tributação pelo ISS, é de se afastar a incidência de IPI, conforme inteligência promovida pelo art. 1.º, § 2.º, da LC 116/03 (Acórdão 9303005.430, 3.ª Turma, Rel. Tatiana Midori Migiyama, 25.07.2017).
Diversos exemplos da temática podem ser observados em nossa jurisprudência
administrativa, ressaltando a relevância da questão. Com efeito, “a competência está inserida
116 Passagem do voto vista do AIIM 4100569, fls. 8-9.
101
na classe dos conceitos fundamentais do direito. Estudar o direito, é em certa medida,
compreender a sua estrutura hierárquica e respectiva repartição de competência”.117
Assinalada a relevância da competência e trazendo exemplo em doutrina e
jurisprudência alienígena, vale destacar:
El acto debe ser dictado por autoridad competente. El Tribunal Fiscal de la Nación tiene dicho que, cualquiera que se ala opinión que se adopte con relación a la competencia en razón del grado del juez administrativo que rechazó un reclamo de repetición formulado por un exportador, lo cierto es que las cuestiones relacionadas con este elemento del acto administrativo, en principio, guardan la gravedad suficiente como para que deban ser examinadas conforme los principios de atribución de competencias, la subdelegación, la delagación y la avocación de funciones y los artículos 14 y 17 de la ley 19.549 [...] El tribunal cimero, en la causa “Peña de Tuero, Magdalena”, sostuvo que del juego armónico de los artículos 14 y 19, inciso a, de la Ley Nacional de Procedimientos Administrativos surge que cuando el vicio que afecta al acto es el de incompetencia en razón de la materia, no es susceptible de ser saneado mediante su ratificación por el órgano superior.118
Importante ponderação é realizada por Tácio Lacerda Gama, que traz quatro
acepções para o tema. Nesse sentido, esclarece:
i. por competência entendemos a aptidão para criar normas jurídicas que, direta ou indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos;
ii. norma de competência em sentido amplo engloba toda e qualquer proposição que concorra para programar essa aptidão;
iii. norma de competência em sentido estrito é o juízo hipotético condicional que prescreve, no seu antecedente, os elementos necessários à enunciação válida e, no seu consequente, uma relação jurídica que tem como objeto a validade do texto que verse sobre determinada matéria ou comportamento;
iv. a formação da competência em sentido completo pressupõe reunir, além da norma de competência em seu sentido estrito, uma norma jurídica que prescreva a sanção pelo exercício ilegítimo daquela, ou seja, a reação do sistema pela criação de norma jurídica sem fundamento da validade.119
Com razão, inexistindo competência, é insuscetível a correção do ato
administrativo, devendo o lançamento fiscal ser cancelado por falta de requisito essencial
117 LINS, Robson Maia. Curso de direito tributário brasileiro. São Paulo: Noeses, 2019. p. 251. 118 FOLCO, Carlos María. Procedimiento tributario. Natureza y estructura cit., p. 85-86. Grifo nosso. 119 GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária. Fundamentos para uma teoria da nulidade cit., p. 61-62.
102
para sua permanência de validade, sendo sua retirada do sistema jurídico resultado de reação
do próprio sistema pela criação de norma jurídica sem fundamento de validade.
4.2 Finalidade
Outro elemento considerado como essencial na elaboração do ato administrativo
é a finalidade. Com efeito, todo ato dessa natureza busca o alcance de determinado fim e,
inserido no âmbito do administrativo tributário, o interesse público far-se-á presente
invariavelmente.
Sobre o assunto a doutrina é rica em sua abordagem. Vejamos algumas menções
de renomados juristas:
Celso Antônio Bandeira de Mello pontua acerca da finalidade:
Finalidade é o bem jurídico objetivado pelo ato. Vale dizer, é o resultado previsto legalmente como o correspondente à tipologia do ato administrativo, consistindo no alcance dos objetivos por eles comportados. Em outras palavras: é o objetivo inerente à categoria do ato.120
Hely Lopes Meirelles, sobre o assunto, esclarece:
Outro requisito necessário ao ato administrativo é a finalidade, ou seja, o objetivo de interesse público a atingir. Não se compreende ato administrativo sem fim público. A finalidade é, assim, elemento vinculado de todo ato administrativo – discricionário ou regrado – porque o Direito Positivo não admite ato administrativo sem finalidade pública ou desviado de sua finalidade específicas.121
Assim elucida Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Finalidade é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato [...] Pode-se falar em fim ou finalidade em dois sentidos diferentes: 1. Em sentido amplo, a finalidade corresponde à consecução de um resultado de interesse público; nesse sentido, se diz que o ato administrativo tem que ter finalidade pública; 2. Em sentido restrito, finalidade é o resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido na lei; nesse sentido, se diz que a finalidade do ato administrativo é sempre a que decorre explícita ou implicitamente da lei [...] é o legislador que define a finalidade que o ato deve alcançar, não havendo liberdade de ação para autoridade administrativa [...] seja infringida a finalidade legal do ato (em
120 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 409. 121 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro cit., p. 155.
103
sentido estrito), seja desatendido o seu fim de interesse público (sentido amplo), o ato será ilegal por desvio de poder.122
Observam-se eloquentes vozes do direito administrativo que relacionam a
finalidade do ato ao interesse público, havendo menção de que o legislador é o responsável
por definir a finalidade que o ato deve alcançar.
Merece aqui ponderação de que a construção de sentido da autoridade
administrativa em relação ao enunciado não se verifica da forma automática e infalível como
desejado ou esperado.
Conforme exposto em trabalho de dissertação de mestrado,123 como corpo de
linguagem, o direito permite a construção de diversos entendimentos a seus participantes e
observadores, cada qual construindo interpretação conforme suas características, ou seja, de
maneira prescritiva ou descritiva. Portanto, é praticamente inconcebível a existência de um
sistema jurídico fechado no qual se verifica a unicidade de entendimento. Evidenciamos em
alguns casos a presença de elementos jurídicos que comportam menor grau de discussão,
com um campo de convergência maior que o seu âmbito de disparidade.
Abordando o tema, Hart faz o seguinte esclarecimento:
Se o mundo em que vivemos fosse caracterizado só por um número finito de aspectos e estes, conjuntamente com todos os modos por que se podiam combinar, fossem por nós conhecidos, então poderia estatuir-se antecipadamente para cada possibilidade. Poderíamos fazer regras cuja aplicação a casos concretos nunca implicasse outra escolha. Tudo poderia ser conhecido e, uma vez que poderia ser conhecido, poder-se-ia, relativamente a tudo, fazer algo e especificá-lo antecipadamente através de uma regra. Isto seria um mundo adequado a uma jurisprudência mecânica. Simplesmente este mundo não é o nosso mundo, os legisladores humanos não podem ter tal conhecimento de todas as possíveis combinações de circunstâncias que o futuro pode trazer.124
Deveras, a construção do sentido é assunto que comporta intenso debate,
levando-nos à reflexão acerca da função da atividade interpretativa. Nesse contexto, a
atividade de interpretação/aplicação de normas é por muitos considerada um ato que busca
122 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 246- 247.
123 TELES, Galderise Fernandes. Planejamento tributário e normas antielisivas: uma análise a partir da perspectiva de nosso sistema constitucional cit., p. 23-29.
124 HART, Hebert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. Capítulo VII, p. 141.
104
refletir o verdadeiro sentido embutido naqueles mandamentos. Nessa concepção, se
concluíssemos que cada dispositivo legal comporta um, e apenas um, sentido, sendo função
do intérprete a descoberta do conteúdo da norma, estaríamos, portanto, conferindo um
caráter de homogeneidade a todos os enunciados jurídicos.
Adotando essa linha de pensamento, Carlos Maximiliano faz esta consideração:
As leis positivadas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama de interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.125
Em via diametralmente oposta, o Professor Paulo de Barros faz a seguinte
assertiva:
É no átimo da aplicação que aparece o homem, atuando por meio dos órgãos singulares ou coletivos, na sua integridade psicofísica, com seus valores éticos, com seus ideais políticos, sociais, religiosos, fazendo a seleção entre as interpretações possíveis, estimando-as axiologicamente, para eleger uma entre outras, expedindo então a nova regra jurídica.126
Afirmar que o intérprete constrói o sentido do texto implica salientar que este se
encontra de forma inexorável relacionado e condicionado ao sentido atribuído pelo intérprete
em conformidade com seus limites e vivências culturais. Contudo, cabe sempre advertir que
a construção de sentidos tem como ponto de partida o próprio texto.
No desenvolvimento dessa atividade interpretativa, o intérprete passa por um
percurso gerador de sentido. Estudando o assunto, o professor Paulo de Barros Carvalho127
125 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Introdução.
126 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direto tributário, 21. ed., cit., p. 90. 127 Idem, p. 115-129. (S1) representa o plano da expressão, onde estão localizados os suportes físicos dos
enunciados prescritivos. Marca o início do percurso de interpretação é o espaço, por excelência, das modificações introduzidas no sistema total. (S2) representa o início da trajetória pelo conteúdo, lidando com os enunciados de forma isolada, buscando encontrar significações atribuindo valores unitários aos signos encontrados compondo segmentos portadores de sentidos. (S3) representa o início da contextualização dos conteúdos obtidos com finalidade de produzir unidades completas de sentido, é nesse momento que aparece a norma jurídica em sua pujança significativa. (S4) representa a organização-
105
indica quatro planos responsáveis pela construção de sentido, e a partir deles explica como
se dá o processo da atividade de atribuição de sentido aos textos jurídicos, desde o primeiro
contato do intérprete com o texto até a relação da norma jurídica construída com as demais
normas do ordenamento jurídico.
Logo, interpretar o direito é conhecê-lo, atribuindo valores aos símbolos, e o
trabalho interpretativo está associado a dois axiomas: intertextualidade e inesgotabilidade.128
Importante observar que, no tocante a esses axiomas da interpretação, a existência
dos predicados da inesgotabilidade e da intertextualidade não implica ausência de limites
para a tarefa interpretativa. De acordo com o Professor Paulo de Barros:129 “a interpretação
toma por base o texto: nele tem início, por ele se conduz e até o intercâmbio com outros
discursos instaura-se a partir dele”.
Ora, o texto de que falamos é o jurídico-positivo e a construção de seu conteúdo
inicia-se no plano dos enunciados. Nesse ponto, deve ser perquirido o alcance da finalidade
da lei que, embora não plenamente adstrita às marcas de tinta de papel, destas não pode
dissociar-se diametralmente.
A atividade interpretativa não está fadada à homogeneidade semântica, porém isso
não implica salientar que toda construção de sentido é compatível com o ordenamento
jurídico.
Com razão, pode-se afirmar que não há sentido explícito, pois o direito enquanto
norma jurídica é sempre construído pelo intérprete, e a atividade de interpretação do direito
não se resume a extrair do texto seu sentido, mas, pelo contrário, é justamente a função de
atribuir sentido ao texto.
Não obstante, essa atividade de construção de sentidos, por mais que não nos leve
a um único caminho, certamente não poderá nos conduzir a qualquer caminho. Queremos
com isso advertir que reconhecer a atividade interpretativa como um processo/ato de
construção de sentido não implica sustentar que toda construção realizada pelo intérprete é
compatível com o sistema normativo. Em suma, o intérprete pode construir o que quiser,
integração das normas numa estrutura escalonada havendo a coordenação e subordinação entre as unidades construídas.
128 A inesgotabilidade corresponde à ideia de que toda interpretação é infinita, nunca restrita a determinado campo semântico. Daí a inferência de que todo texto poderá ser sempre reinterpretado.
129 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método cit., p. 194.
106
contudo apenas as construções harmônicas com o ordenamento jurídico estarão aptas a ser
aplicadas adequadamente.
Portanto, a construção de sentido não deve ser entendida como um processo sem
critério, ou melhor, sem limites. Mesmo inseridas numa concepção constructivista, a
atribuição de valores aos signos e sua respectiva definição estão atreladas a alguns fatores:
(i) o primeiro fator de limitação é o próprio texto (em sentido estrito), e toda construção de
sentido inicia-se e dirige-se ao texto. Não obstante, mesmo o texto não tendo o condão de
conferir todo o seu alcance semântico, a construção de sentido inicia-se por ele, das marcas
de tinta inseridas no papel. Nesse sentido, o intérprete parte de um suporte físico
determinado, cabendo a ele construir seu alcance semântico com parâmetro no próprio texto,
o qual é ponto de partida para essa construção; (ii) um segundo fator de limitação é o
contexto, a situação histórico-social em que está inserido o texto (em sentido estrito), e esse
elemento certamente é de grande relevância para o estabelecimento das definições porque,
ao mesmo tempo que configura porta de abertura semântica para construção de sentido,
delimita os contornos das possíveis construções de sentido; (iii) deve-se reiterar ainda a
existência de um sentido mínimo das palavras estabelecido por convenção, o que possibilita
o processo comunicacional.
Adotar uma postura constructivista não implica o desapego de limites para
construção de sentido; há um quantum ontológico no próprio constructivismo que não está
atrelado à essência do signo, mas à convenção adotada no próprio sistema em torno desse
signo, o qual não possui um sentido unívoco, mas também não pode ter qualquer sentido.
Observando a dificuldade do determinismo da finalidade à estrita enunciação
legislativa, Marçal Justen Filho pontua:
A finalidade do ato administrativo é o resultado da representação mental sobre o futuro, dos problemas existentes e do modo mais adequado a atingir certo resultado. Por isso, as fórmulas usuais para indicar a finalidade do ato administrativo (interesse público, bem comum, necessidades coletivas) geram o risco de uma confusão muito perigosa entre a realidade objetiva e a subjetiva do agente. Como se cada ato administrativo fosse independente de uma representação mental do agente quanto ao mundo, quanto aos fins a serem buscados e quanto ao melhor modo de fazê-lo [...] É costumeiro afirmar que todo ato administrativo é vinculado quanto aos fins, já que deve buscar a realização do interesse público. Rigorosamente, essa afirmativa não tem sentido lógico, sendo mero jogo de palavras. Mais que isso, é uma asserção inútil para o direito administrativo [...] Quando exercita uma função estatal, o agente promove a concretização do ordenamento jurídico em seu conjunto. Logo, existem inúmeras finalidades a serem realizadas. É indispensável identificar essas finalidades contempladas de modo teórico no ordenamento jurídico. Depois, cabe produzir uma conjugação entre as
107
diversas finalidades, tendo em vista o princípio da proporcionalidade. É dever do administrador público expor à vista da comunidade a concepção que adota como finalidade dos atos administrativos que pratica.130
Realizar o fim pretendido pela lei, seja em forma de interesse público ou bem
comum, dependerá da devida demonstração da concepção que se adota como finalidade no
caso concreto. Quando lidamos com a atividade de lançamento fiscal, temos a produção do
ato administrativo adstrito a uma necessária previsão normativa pela realização de fato
jurídico tributário.
Nesses casos, a motivação do ato administrativo terá o condão de externar as
razões que proporcionam o alcance da finalidade pretendida. De igual forma, o ato de
julgamento no âmbito do contencioso administrativo tributário encontra-se atrelado a uma
finalidade: controle de qualidade do lançamento fiscal, concretizando nesses termos nítida
realização do interesse público.
Situações polêmicas podem surgir quando analisamos a finalidade administrativa
com o ato de julgar. Em muitas ocasiões, tem-se a preservação do lançamento fiscal contrário
a entendimento consubstanciado no âmbito judicial, contudo, por orientação de normas
administrativas,131 seja por expressa previsão em forma de a) súmulas administrativas, b)
jurisprudência administrativa, c) legislação expressa de lei estadual, d) instrução normativa,
e) consulta, há a manutenção do crédito tributário.
Situação dessa natureza naturalmente ocasiona o questionamento se a finalidade
administrativa está devidamente observada, uma vez que a matéria no âmbito judicial
certamente terá tratamento diverso, ocasionando ônus econômico para a própria
Administração Pública.
Em outras palavras: qual a finalidade a ser observada: a) a prevista em enunciado
específico da legislação do contencioso administrativo ou b) a que preserva a maior
eficiência para Administração Pública?
130 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 325-326.
131 A título exemplificativo, podemos citar a Súmula 10/2017 do Tribunal de Impostos e Taxas: “Em virtude do disposto no art. 28 da Lei 13.457 de 2009, aplica-se ao montante do imposto e multa, exigidos em auto de infração, a taxa de juros de mora prevista no artigo 96 da Lei 6.374, de 1.º de março de 1989”. Contrária ao julgado: TJSP, Arguição de Inconstitucionalidade 01709096120128260000/SP.
108
Importante ainda notar que o caráter de jurisdição delimitada do julgamento
administrativo implica balizamentos para o julgador, sendo uma ponderação imperiosa para
o exercício da função jurisdicional administrativa. No entanto, como expressão de maior
valor – o interesse público –, deve ser o ponto de busca de todo ato administrativo, de forma
que enunciado contrário a esse núcleo é atentatório à própria ordem pública.
4.3 Forma
Ao tratarmos da forma, duas acepções podem ser referidas: a primeira relacionada
à exteriorização do ato e a segunda ao procedimento, todas necessárias para a produção do
ato, sendo tratado por ilustres juristas da área administrativa.
A respeito do assunto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro pontua:
Encontram-se na doutrina duas concepções da forma como elemento do ato administrativo: 1. Uma concepção restrita, que considera forma como a exteriorização do ato, ou seja, o modo pelo qual a declaração se exterioriza; nesse sentido, fala-se que o ato pode ter a forma escrita ou verbal, de decreto, portaria, resolução etc.; 2. Uma concepção ampla, que inclui no conceito de forma não só a exteriorização do ato, mas também todas as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação da vontade da Administração, e até os requisitos concernentes à publicidade do ato.132
Tratando da temática, mas realizando diferenciação entre forma e formalização,
Celso Antônio Bandeira de Mello faz a seguinte assertiva:
A forma é o revestimento exterior do ato; portanto, o modo pelo qual este aparece e revela a sua existência [...] Não se deve confundir forma, na acepção enunciada, com formalização, que é um modo específico de apresentação da forma, ou seja, uma dada solenização requerida para o ato. Esta última é um pressuposto formalístico [...] Normalmente, a formalização do ato administrativo é escrita, por razões de segurança e certeza jurídicas.133
Independentemente da nomenclatura que se adote, seja como forma ou
formalização, a inobservância do presente elemento tem o condão de ensejar a invalidade do
ato produzido, sendo a caracterização dessa invalidade dependente da análise de cada caso
132 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo cit., p. 244. 133 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 398-416.
109
concreto e relacionada a desvirtuamento legal previsto e/ou à garantia de direitos individuais,
conforme bem pontuado por ambos os doutrinadores referidos.
Finalmente, ainda quanto à forma, pode-se aplicar ao ato administrativo a classificação das formas em essenciais, consoante afetem ou não a existência e a validade do ato; no entanto, a distinção tem sido repelida, por não existirem critérios seguros para distinguir umas e outras [...] É só o exame de cada caso concreto que permite concluir se a forma é ou não essencial; terá essa qualidade necessariamente quando for estabelecida como garantia de respeito aos direitos individuais.134
Sem embargo, há aspectos da formalização que podem, eventualmente, ser irrelevantes quanto à validade do ato. Como ao diante se verá, ao tratar da invalidade dos atos administrativos, certos defeitos de formulação apenas caracterizam o ato como “irregular”, não afetando sua validade [...] É evidente, todavia, que tal “irregularidade” só se caracteriza como tal quando uma formalização falha ou de todo modo diversa daquela prevista em lei seja, deveras, absolutamente irrelevante para fins de garantia do administrado, isto é, quando o desvio do padrão normativo não implique diferença alguma capaz de afetá-lo.135
No âmbito do contencioso administrativo tributário, tem-se um amplo campo de
exemplificações, especialmente quando lidamos com questões de observância de
procedimentalização dos atos administrativos.
Ao abordarmos o princípio da publicidade no item 3.4, foi salientada a questão da
Portaria CAT 114/2015 acerca do controle de qualidade – trata-se de procedimento voltado
para a Administração Pública. É nítido exemplo de situação que desencadeia vício na forma
ou formalização do ato.
Outro exemplo que pode ser apresentado a título elucidativo refere-se à
necessidade de processo administrativo tributário devidamente instaurado ou procedimento
de fiscalização em curso para acesso a informações financeiras, originadas de operações de
cartão de crédito.
Essa situação ocasionou uma operação de fiscalização no território do Estado de
São Paulo conhecida como operação cartão vermelho que, em síntese, identificava a
inconsistência dos valores informados ao fisco em operações de circulação de mercadorias
e as informações obtidas das operadoras de cartão de créditos.
134 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo cit., p. 246. 135 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 416-417.
110
Diversos lançamentos fiscais foram realizados no tocante a essa temática e o ponto
de controvérsia no âmbito do julgamento administrativo ocorreu justamente na análise da
observância dos procedimentos necessários para obtenção das informações financeiras,
especialmente pela razão de o Estado de São Paulo ter a Portaria CAT 12/2010 que
[...] disciplina o procedimento que deve ser observado para a requisição e fornecimento de dados e informações referentes a operações de usuários de serviços das instituições financeiras e das entidades a ela equiparadas, nas hipóteses previstas no Decreto 54.240, de 14 de abril de 2009.
A inobservância à portaria em tela serviu de base de fundamentação para
cancelamento de lançamentos fiscais dessa natureza, conforme pode ser observado nos
seguintes julgados:
ICMS. Falta de pagamento. Levantamento fiscal. Informações financeiras obtidas junto às operadoras de cartão de crédito sem prévio processo administrativo instaurado. Requisitos formais da Lei Complementar n.º 105/2001 e do Decreto n.º 54.240/2009. Inobservância. Nos termos dos artigos 1.º e 6.º da Lei Complementar n.º 105/2001, para o agente fiscal tributário do Estado ter acesso a informações financeiras, inclusive aquelas oriundas de operações de cartão de crédito, é obrigatório o prévio processo ou procedimento administrativo. Regulamentando expressamente a Lei Complementar n.º 105/2001, o Decreto n.º 54.240/2009 determina que a requisição de informações somente poderá ser emitida pela Secretaria da Fazenda quando existir processo administrativo tributário devidamente instaurado ou procedimento de fiscalização em curso. Entre a publicação da Lei Complementar (2001) e a edição do Decreto (2009), foram publicadas a Lei Ordinária n.º 12.294/2006, alterando a redação do inciso X do artigo 75 da Lei n.º 6.374/1989, bem como a Portaria n.º CAT 87/2006, as quais dispuseram apenas sobre a obrigatoriedade de fornecimento de informações pelas operadoras de cartão de crédito, a respeito das operações realizadas pelos contribuintes do ICMS no Estado de São Paulo. Tal obrigatoriedade não deve servir como subterfúgio para não observar os requisitos impostos pelo Decreto n.º 54.240/2009 e Portaria n.º CAT 12/2010, no sentido de necessidade de processo administrativo tributário devidamente instaurado ou procedimento de fiscalização em curso para acesso a informações financeiras, originadas de operações de cartão de crédito. Nulidade do AIIM. Recurso ordinário conhecido e provido (AIIM 4089766-7, São Paulo, 12.ª Câmara Julgadora, Rel. Lílian Zub Ferreira, 06.10.2017) (grifo nosso).
ICMS. Falta de pagamento do ICMS apurado através de diferença de movimento tributável nos valores informados pelas administradoras de cartão de débito e de crédito e o declarado pelo contribuinte à Secretaria da Fazenda. Infração caracterizada. Falta de cumprimento da Portaria CAT n.º 12/2010. Nulidade do auto de infração. Recurso ordinário conhecido e provido (AIIM 4076277-4, São Paulo, 7.ª Câmara Julgadora. Rel. Patricia Cristina Cavallo, 16.05.2017) (grifo nosso).
111
Não se nega que o tema em específico não possua entendimento uniforme no
âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, 136 contudo os
posicionamentos expostos demonstram a relevância do assunto e a possibilidade de
reconhecimento de invalidade do lançamento fiscal por inobservância a requisito de forma
do ato administrativo, o que representa ofensa a requisito essencial do ato administrativo,
tendo, portanto, o condão de refletir matéria de ordem pública.
4.4 Motivo
Outro importante elemento/requisito necessário para a formação do ato
administrativo é o motivo, o qual está relacionado à atividade da construção de sentido
embasada na conjugação de dois pontos: fato e norma.
Sobre o assunto, Marçal Justen Filho acentua com precisão:
O motivo envolve uma situação externa ao agente, a qual se traduz numa representação mental que desencadeia uma decisão. A expressão “motivo” do ato administrativo indica essa representação intelectual que o sujeito realiza quanto ao mundo externo conjugando fatos e normas. O motivo do ato administrativo consiste não nos fatos propriamente ditos, mas na representação intelectual que o agente realiza a propósito deles. Relacionando-a com o direito e atingindo uma conclusão. Essa representação mental conjuga os fatos e o direito aplicável e resulta em uma “causa jurídica”.137
A respeito da matéria, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assinala:
Motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. Pressuposto de direito é o dispositivo legal em que se baseia o ato. Pressuposto de fato, como o próprio nome indica, corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a administração a praticar o ato [...] A ausência de motivo ou a indicação de motivo falso invalidam o ato administrativo.138
136 Há jurisprudência da presente temática com entendimento contrário: “ICMS. Levantamento fiscal. Trabalhos fiscais relacionados com a operação cartão vermelho. Alegada existência de vícios e ilegalidades do procedimento administrativo, no que toca a inexistência de instauração de procedimento prévio, específico e justificado a legitimar a obtenção das informações financeiras/bancárias da ora recorrente junto às administradoras de cartão de crédito e débito. Vícios e ilegalidades inexistentes. Matéria pacificada no plenário deste tribunal. Recurso conhecido, mas desprovido” (AIIM 3153196, São Paulo, Câmara Superior, Rel. Fernando Moraes Sallaberry, 1.º.09.2015).
137 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo cit., p. 323. 138 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo cit., p. 247.
112
A compreensão acerca do conceito do motivo possui estreita relação com o
conceito de fato e evento. Logo, podemos considerar evento como todo acontecimento do
mundo social, e o fato, por sua vez, corresponderia às construções de linguagem e, como tal,
são representações metafóricas do próprio evento. Portanto, um único evento pode propiciar
a construção de diferentes fatos, ou seja, fatos contábeis, fatos econômicos, fatos jurídicos,
fatos sociológicos, entre outros, o que nos permite salientar que não existe um fato jurídico
puro ou econômico puro, e sim cortes linguísticos diferentes a depender da área de interesse
de cada intérprete.
A representação intelectual realizada pelo agente consiste na construção do fato
jurídico, que dará ensejo ao lançamento/ato administrativo. Nesse sentido, Paulo de Barros
Carvalho elucida:
[...] todos os elementos utilizados para a composição do enunciado relacional são extraídos do fato, e não do evento, que já se consumiu ao transformar-se no enunciado do antecedente normativo [...] se priorizarmos o direito pelo ângulo da regulação efetiva das condutas intersubjetivas, tendo em vista encaminhá-las para a realização de certos valores, é no consequente da norma que esse resultado pode ser obtido. O antecedente cumpriria a função de pretexto objetivo para, a contar dele, passar-se à disciplina dos comportamentos sociais. Sobre tais fundamentos, e com as ressalvas iniciais, é no consequente que estaria a tônica do direito, já que é por meio dele que o direito persegue suas finalidades precípuas. Pensando assim, a natureza da norma individual e concreta, veiculada pelo ato de lançamento tributário, ou pelo ato produzido pelo sujeito passivo para apurar seu débito, nos casos estabelecidos em lei, assumirá a feição significativa de providencia constitutiva de direitos e deveres subjetivos.139
Adequada advertência é realizada pela doutrina com relação à diferenciação entre
motivo e motivação, e nesse sentido Celso Antônio Bandeira de Mello adverte:
Não se confunde o motivo do ato administrativo com a “motivação” feita pela autoridade administrativa. A motivação integra a “formalização” do ato, sendo um requisito formalístico dele (cf. ns. 53 e ss.) É a exposição dos motivos a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito habitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado. Não basta, pois, em uma imensa variedade de hipóteses, apenas aludir ao dispositivo legal que o agente tomou como base para editar o ato. Na motivação transparece aquilo que o agente apresenta como “causa” do ato administrativo.140
139 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direto tributário, 21. ed., cit., p. 433-434. 140 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 404.
113
O conhecimento do motivo dá-se mediante o ato de motivação. Não obstante se
encontrarem em nítida relação, não se confundem, em que pese a imperiosa correlação lógica
jurídica.
A carência, seja do motivo ou da motivação, possui o condão de invalidar o ato
administrativo, e é por meio desses elementos que se viabilizam o exercício da ampla defesa,
bem como a busca da verdade jurídica material.
Ao se referir à verdade jurídica material, cabe salientar a inadequação de falar na
existência de uma verdade absoluta. Embora não tenhamos acesso ao nomos (essência), mas,
sim, ao fenômeno, afigura-se, dentro dessa concepção, que tomamos a verdade como valor
em nome do qual se fala, caracterizando necessidade lógica do discurso.
No direito positivo, a “verdade” está relacionada com a teoria das provas, com o
antecedente normativo, com a existência ou inexistência do fato lastreado na linguagem das
provas. Assim, a verdade sobre o fato jurídico é construída em função das regras do direito
processual positivo. Por conseguinte, pode-se salientar que inexiste verdade plena – absoluta
–, imutável, haja vista que a representação intelectual realizada pelo agente consiste em
linguagem, a responsável pela criação do objeto, pelo ato de lançamento, e, nesse contexto,
a enunciação dessa representação mental como construção linguística sempre estará sujeita
a refutações por outras proposições.
Dessarte, o motivo – elemento relacionado à atividade da construção de sentido
embasado na conjugação de dois pontos: fato e norma – é requisito essencial à formação do
ato administrativo, sendo imperioso para motivação do ato, bem como para viabilizar a
ampla defesa e a busca pela verdade jurídica material, ostentando, portanto, caráter de
matéria de ordem pública.
4.5 Objeto
Por último, temos o objeto como elemento essencial para a formação do ato
administrativo. Alguns autores fazem advertência para a necessidade de distinção entre
objeto e conteúdo. Sobre o assunto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro faz precisa assertiva:
Alguns autores distinguem conteúdo e objeto. É o caso de Régis Fernandes de Oliveira (1978:54) que, baseando-se na lição de Zanobini, diz que o objeto é a coisa, a atividade, a relação de que o ato se ocupa e sobre qual vai recair o conteúdo do ato [...] O importante, no entanto, é deixar claro que, para o ato administrativo, o que interessa é considerar o segundo aspecto, ou seja, a produção de efeitos jurídicos. Quando se parte da ideia
114
de que o ato administrativo é espécie do gênero ato jurídico e quando se fala, em relação a este, de objeto como um dos seus elementos integrantes, nada impede, antes é aconselhável, que se utilize o mesmo vocábulo no direito administrativo.141
Entretanto, para o presente estudo, referida diferenciação não ocasiona maiores
implicações, tendo em vista buscar a análise dos elementos/requisitos necessários para
formação do ato jurídico. Assim, adotar-se-á lição clássica no sentido de o objeto consistir
no efeito jurídico produzido pelo ato, devendo observar a licitude, a possibilidade, a certeza
e a moralidade, como bem salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Objeto ou conteúdo é o efeito jurídico imediato que o ato produz. Sendo o ato administrativo espécie do gênero ato jurídico, ele só existe quando produz efeito jurídico, ou seja, quando, em decorrência dele, nasce, extingue-se, transforma-se um direito. Esse efeito jurídico é o objeto ou conteúdo do ato. Para identificar-se esse elemento, basta verificar o que o ato enuncia, prescreve, dispõe [...] Como no direito privado, o objeto deve ser lícito (conforme à lei), possível (realizável no mundo dos fatos e do direito), certo (definido quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar), e moral (em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos, éticos).142
Por relacionar-se a pontos como licitude, possibilidade, certeza e moralidade, a
abrangência do objeto alcança contornos significativos, tornando-se inviável realizar a
indicação exaustiva dos elementos que preenchem as classes dos pontos referidos para
validade do ato.143
De toda forma, a relevância do tema é patente, sendo válida inclusive a observação
a respeito do assunto em doutrina estrangeira:
El objeto del acto debe ser cierto y física y juridicamente posible, debe decidir todas las peticiones formuladas, pero puede involucrar otras no propuestas, previa audiencia del interesado y siempre que ello no afecte derechos adquiridos. En tal sentido, el Tribunal Fiscal entende que cabe declarar la nulidade de la resolución de la Administración Federal de Ingresos Públicos por la que se aplica una multa a la recurrente, por presunta infracción al régimen de información de la resolución general 4120/96 (DGI), por violación del requisito de validez contenido en el
141 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo cit., p. 243. 142 Idem, p. 243. 143 Nesse contexto, Marçal Justen Filho elucida: “O conteúdo do ato consiste naquilo que é determinado ou
executado pela Administração Pública. É inviável indicar de modo exaustivo os requisitos de existência e de validade quanto ao conteúdo do ato administrativo. O conjunto das normas de direito administrativo destina-se, na sua esmagadora maioria, a disciplinar precisamente esse tema. Por outro lado, a disciplina normativa varia em função das diferentes categorias de atos administrativos” (Curso de direito administrativo cit., p. 322-323).
115
artículo 7.º de la Ley 19.549 “[...] en tanto no se otorgó acabado cumplimiento al procedimiento esencial y sustancial previsto para el desarrollo del sumario y la protección del derecho de contradicción del encartado previo a la imposición de la sanción y, como corolario, se dio a luz a un acto carente de la debida motivación, y de objeto, ya que no decidió concretamente las peticiones formuladas pro la contribuyente en el descargo administrativo”.144
Há, portanto, a necessidade de verificação dos pontos formadores da classe do
objeto (licitude, possibilidade, certeza e moralidade) de acordo com a função das diferentes
categorias de atos administrativos. No presente caso, o ponto de análise concentrar-se-á na
categoria do ato administrativo de lançamento fiscal, a fim de compreender os aspectos
ensejadores de pertencimento à classe de ordem pública no âmbito do contencioso
administrativo tributário.
De qualquer modo, ainda que o objeto esteja relacionado a elementos como
licitude, possibilidade, certeza e moralidade, cuja abrangência encontra contornos de
vagueza significativos, inviabilizando a realização da indicação exaustiva dos elementos que
preenchem essa classe, é certo tratar-se de requisito essencial do ato administrativo, de forma
que a inobservância implica ofensa à matéria de ordem pública a ser verificada em cada caso
concreto.
144 FOLCO, Carlos María. Procedimiento tributario. Natureza y estructura cit., p. 86-87.
116
5. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA: A IMPOSSIBILIDADE DA CONSTRUÇÃO DA CLASSE PELA ANÁLISE DOS JULGADOS
Os temas tratados até o presente momento refletem a característica, os princípios
e os requisitos do ato administrativo. Com efeito, são pontos que possuem estreita relação
com a validade145 desses atos, de modo que a inobservância deles afronta a matéria de ordem
pública no âmbito do contencioso administrativo tributário.
Passemos agora para o exercício direto da construção da classe da matéria de
ordem pública no âmbito do contencioso administrativo, realizando inicialmente, para tanto,
considerações acerca do ato de classificar, das exigências do rigor lógico/sintático e
semântico e, posteriormente, por meio de análise pragmática de julgados específicos da
matéria, conclusão sobre o assunto.
5.1 A relevância do ato de classificar
A construção da definição do conceito de matéria de ordem pública exige a
formação da classe dos elementos que possuem relação de pertinência e o respectivo
estabelecimento das propriedades necessárias para o ingresso na referida classe.
Nesse contexto, o presente trabalho tem como ponto central a análise e a
construção de uma classe coerente que contenha as propriedades necessárias para
adjetivação de matéria de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário.
Como todo ato de classificação, o referido desiderato encontrar-se-á pautado pela fixação de
determinadas premissas, bem como sempre aberto a considerações de refutação, sendo
adequado o registro que se trata de uma dentre as inúmeras formas possíveis de classificar,
não obstante pautada e alinhada com uma boa classificação.146
145 Sobre o assunto, Carlos María Folco elucida: “La Corte Suprema ha postulado que la inobservancia de los requisitos de forma impuestos por principios vinculados al orden público administrativo (garantía de los administrativos) es causa de nulidad de lacto emitido con tal defecto (argumento de los arts. 7.º y 14 de la Ley 19.549) (Procedimiento tributario. Natureza y estructura cit., p. 89).
146 Nesse sentido, pontua Paulo de Barros Carvalho: “Cumpre advertir que a boa classificação depende não só do processo de bem dividir o termo, mas, antes disso, de elaborarmos uma definição adequada de seu conceito. E definir é operação lógica demarcatória dos limites, das fronteiras, dos lindes que isolam o campo de irradiação semântica de uma ideia, noção ou conceito. Com a definição, outorgamos à ideia sua
117
Tratando do ato de classificar, Paulo de Barros Carvalho faz a seguinte
elucidação:
Classificar é distribuir em classes, é dividir os termos segundo a ordem da extensão ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente determinadas em relação às demais classes. Os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de espécie e de gêneros, sendo que espécies designam os grupos contidos em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais extenso que contém as espécies [...] Toda classe é susceptível de ser dividida em outras classes. É princípio fundamental em lógica que a faculdade de estabelecer classes é ilimitada enquanto existir uma diferença, pequena que seja, para ensejar a distinção. Realmente não existem limites à liberdade de fazer classificações que, no fundo, consubstancia-se em separar em classes, em grupos, formando subclasses, subdomínios, subconjuntos [...] Devemos estar atentos para a correção do processo de circunscrição, garantindo que os gêneros e as espécies sejam, efetivamente, gêneros e espécies.147
O ato de classificar exige o rigor sintático/lógico, o respeito às premissas fixadas
com a devida observação do alcance semântico dos elementos inseridos numa mesma classe.
Pode-se definir uma classe como a extensão de um conceito geral ou universal.148
Pode-se igualmente estabelecer a noção de classe como coleção de todos aqueles e somente
aqueles termos aos quais certo conceito seja aplicável. Por outras palavras, classe é o campo
de aplicabilidade, é a extensão de determinado conceito.149 Em suma, um sistema de objetos,
todos com uma propriedade comum, denomina-se classe.
Como bem adverte Vicente Ferreira Silva, é necessário o estabelecimento de um
método para determinar a propriedade que serviu para selecionar o conjunto.
O singular, o único, é que forma o fundo próprio da realidade. A um sistema de objetos, tendo todos uma mesma propriedade comum, denominamos classe ou conjunto. Podemos definir uma classe como a extensão de um dado termo. Dada uma certa classe, não podemos determinar univocamente qual a propriedade que serviu para selecionar o conjunto em questão, isso porque, muitas propriedades distintas podem servir para definir um certo conjunto. Somos, pois, levados a adotar como método geral, para selecionar
identidade, que há de ser respeitada do início ao fim do discurso” (Direito tributário: linguagem e método cit., p. 120).
147 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método cit., p. 117-119. 148 Definição na lição de Albert Menne. Nesse sentido, é importante lembrar que o nome individual tem o
condão de exaurir seu universo, sendo, portanto, também universal. Ou, finalmente, como a relação dos nomes de objetos que satisfazem a função proposicional “f(x)”.
149 Lição de LANGER, S. K. An introduction to symbolic logic. 3. ed. New York: Dover, 1967. p. 116. Apud MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005. p. 41.
118
um conjunto, o processo de estabelecer uma dada propriedade, cujo campo de aplicação constitui uma classe.150
No exercício de construção de uma classe haverá a atividade de verificação de
pertinência e atividade de subsunção. A relação de pertinência consiste no verificacionismo
de que todo indivíduo “x” satisfaz as características definitórias da classe “k”. Em outras
palavras, é a identificação de determinado elemento que possui todas as características
necessárias para pertencer a certa classe. Por seu turno, o conceito de subsunção advém do
conceito de inclusão entre classes e das correspondentes subclasses, ou seja, é operação
lógica entre conceitos/classes.
Nesses termos, consideramos que não há uma identidade entre os dois conceitos
em questão, uma vez que pertinência (como adequação dos elementos em prol da unicidade
do conjunto) é utilizada na operação lógica da subsunção, mas com ela não se confunde.
O Professor Lourival Vilanova já atentava para a diferença entre inclusão de
classes e relação de pertinência:
[...] a relação de membridade ou de pertinencialidade é do indivíduo para sua classe, não das classes entre si; a extinção factual do indivíduo não afeta a existência lógica da classe do indivíduo. De uma classe ou conjunto lógico, diz-se que é o subconjunto de si mesmo, que há conjunto sem indivíduos ou membros – os conjuntos nulos ou vazios –, que todo conjunto nulo é parte de qualquer conjunto: proposições estas que carecem de sentido se tomássemos como sujeitos os indivíduos.151
Portanto, subclasse é uma classe que está incluída em outra classe e, nesse sentido,
cabe destacar que a inclusão é entre classes, e não entre elemento e classe, o que configuraria
relação de pertinência. Salienta-se que, embora a união de duas classes disjuntas não resulte
na classe universal, ambas compõem a classe universal de normas. Por sua vez, as normas
individuais são subclasses das normas gerais, pela razão de estarem inseridas nestas.
150 SILVA, Vicente Ferreira da. Lógica simbólica. São Paulo: Realizações, 2009. Capítulo VII. 151 VILANOVA, Lourival. Teoria das formas sintáticas: anotações à margem da teoria de Husserl. In: ______.
Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: Ibet/Axis Mundi, 2003. v. 2, p. 93-140. Apud MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária cit., p. 46.
119
5.2 Síntese da classe matéria de ordem pública e não matéria de ordem pública resultante da análise dos julgados
A construção de uma classe passa pela necessária análise semântica dos
elementos, a fim de estabelecer a relação de pertinência destes com a classe a que se pretende
vincular. É ato de imperiosa abordagem que tem o condão de conferir a rigidez/pureza
sintática para essa elaboração.
A exploração semântica é aspecto que vem sendo tratado desde as considerações
iniciais do Capítulo 1 do presente trabalho. Logo, neste tópico, adotaremos como referência
o ponto pragmático, ou seja, será realizado o estudo de julgados que tratam acerca da
temática matéria de ordem pública.
É importante elucidar que, em razão do reduzido enfrentamento do tema no
âmbito jurisprudencial, foi necessário realizar detida análise dos inteiros teores dos julgados,
a fim de identificar passagens/razões de decidir que tratam especificamente do assunto.
Nesses termos, notamos em diversos julgados que, apesar de não utilizarem diretamente a
nomenclatura “ordem pública”, fazem uso de termos como: a) nulidade; b) nulidade
insanável; c) matéria passível de conhecimento ex officio; d) vício; e) vício insanável; f)
matéria não passível de correção; entre outros.
Não obstante, procurando conferir maior objetividade à análise pretendida,
buscamos primar por julgamentos que trataram diretamente do tema, trazendo, portanto, o
termo “matéria de ordem pública” expresso nas razões de decidir.
Selecionamos um total de 81 julgados dos principais Tribunais Administrativos
do País, levando-se em consideração a competência para análise dos tributos federais,
estaduais e municipais. Dessarte, teremos filtragem de julgamentos do: (i) Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais – Carf (33 julgados); (ii) Tribunal de Impostos e Taxas
do Estado de São Paulo – TIT (20 julgados); (iii) Conselho Municipal de Tributos de São
Paulo – CMT (5 julgados).
Analisamos ainda julgamentos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (23
julgados), por ser órgão uniformizador de entendimentos dos Tribunais judiciais do País.
A exposição e o detalhamento desses julgados encontram-se em parte anexa do
presente trabalho com um ementário dos julgamentos que possuem as seguintes
120
informações: (i) número do processo; (ii) matéria discutida como de ordem pública; (iii)
resultado da análise; (iv) argumento nuclear; e (v) data de julgamento.
Em face da análise dos julgados dos principais Tribunais Administrativos do País,
bem como do Superior Tribunal de Justiça, chegamos à seguinte constatação:
Matéria conhecida como de ordem pública Matéria não conhecida como de ordem pública
Falta de juntada ao processo do ato de exclusão do Simples
Necessidade de lançamento de ofício para alteração de base de cálculo dos débitos em pedido de ressarcimento de PIS/Cofins não cumulativos
Aplicação da correção monetária e dos expurgos inflacionários sobre repetidos
Aplicação de legislação vigente à época dos fatos. Decreto 5.442/2005, o qual reduzia a zero as alíquotas das referidas contribuições incidentes sobre as receitas financeiras
Exigência da multa de ofício proporcional concomitantemente com a multa isolada por falta de recolhimento de estimativa, sobre essa mesma base de cálculo
Exigência concomitante das multas de ofício aplicadas na autuação fiscal
Cerceamento do direito de defesa/ ausência de requisitos fundamentais no auto de infração
Incorreções na base de cálculo do arbitramento, bem como a inadequação de sua adoção
Coisa julgada material Recurso intempestivo – decadência Incompetência do julgador Multa confiscatória Decadência Exigência de multa, inclusive agravada, no
lançamento de ofício, para a constituição de crédito tributário
Lançamento com erro na modalidade de regime de tributação. A fiscalização não poderia ter efetuado o lançamento na modalidade do lucro real anual, pois a regra geral de periodicidade seria o lucro real trimestral
Conceito de prática reiterada de infração – consequente estabelecimento de penalidade mais gravosa
Erro na identificação de sujeito passivo – ilegitimidade passiva
Aplicação de penalidade – retroatividade benéfica
Fatos geradores equivocadamente tidos, pela fiscalização, como ocorridos trimestralmente, e para estas contribuições a norma tributária prevê a ocorrência mensal
Observância de tratados internacionais e irretroatividade
Recurso intempestivo – decadência Aplicação do princípio da consunção – absorção Exigência de penalidades, entre elas a multa de ofício isolada por falta de recolhimento do tributo por estimativa
Controle de qualidade – Portaria CAT 115/2014
Apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL com base no lucro presumido, quando os valores tidos como omitidos na autuação são superiores ao limite previsto no art. 13 da Lei 9.718/1998, obrigando a apuração pelo lucro real
Decadência
Vício de fundamentação Inconstitucionalidade da taxa de juros Ausência de norma que impõe condição à fruição do benefício do diferimento
Imunidade
Aplicação do princípio da consunção – absorção Iliquidez, decadência e prescrição Aplicação de norma vigente Responsabilidade solidária Descrição incorreta da infração
121
Intempestividade Reexame necessário Princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal
Adequação do valor executado Correção monetária, assim como juros de mora Erro de procedimento Vício de nulidade no lançamento Impenhorabilidade de bem Legitimidade ad causam para repetição de indébito tributário
Nulidade da inscrição em dívida ativa Valor estabelecido como limite para expedição de requisição de pagamento por meio de RPV
Prescrição intercorrente Requisitos constitutivos do título executivo (certeza, liquidez e exigibilidade)
Erro no levantamento fiscal específico
5.3 Inviabilidade da formação da classe a partir das análises dos julgados
A análise dos julgamentos leva-nos à constatação da falta de tratamento
harmônico do presente tema. Nesse sentido, observa-se carência de rigor lógico jurídico na
construção da classe matéria de ordem pública, especialmente no âmbito administrativo
tributário, objeto do presente trabalho.
A temática, além de ser tratada sem a clareza e o aprofundamento necessários,
possui reduzido campo de análise, havendo, em alguns casos, nítida tergiversação do núcleo
de enfrentamento.
Para uma melhor identificação e compreensão das conclusões alcançadas,
faremos a separação dos principais pontos de inconsistência verificados.
5.3.1 Matérias consideradas nas duas classes concomitantemente
Função basilar de qualquer ato classificatório é a separação de elementos
pertencentes a uma determinada classe e os que não possuem relação de pertinência.
Referido objetivo é alcançado pelo estabelecimento das características necessárias a cada
elemento para pertencimento ou não a uma determinada classe.
Da análise dos julgados pesquisados nota-se hialina carência nos pressupostos
básicos de classificação, ao passo que identificamos matérias idênticas e/ou similares
consideradas concomitantes como de ordem pública e de não ordem pública.
122
À guisa de exemplo, podemos apontar as seguintes matérias: a) liquidez, certeza
e exigibilidade; b) decadência; c) aplicação do princípio da consunção; d) exigência
concomitante das multas de ofício aplicadas na autuação fiscal.
LIQUIDEZ – CERTEZA Matéria de Ordem Pública Não Matéria de Ordem Pública
9101001.845 (Carf); 411.3208 (TIT) 1401003.018 (Carf)
DECADÊNCIA Matéria de Ordem Pública Não Matéria de Ordem Pública
1302000.999; 1302003.232 (Carf) 4083604 (TIT); 838.399 (STJ)
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO Matéria de Ordem Pública Não Matéria de Ordem Pública
4063722 (TIT) 4027663; 4029481 (TIT); 6017.2018/00492765 (CMT)
EXIGÊNCIA CONCOMITANTE DAS MULTAS DE OFÍCIO APLICADAS Matéria de Ordem Pública Não Matéria de Ordem Pública
140200246; 140200236 (Carf) 1801002048; 9303008207 (Carf)
A demonstração supra, realizada meramente a título exemplificativo, reflete a
falta de critério para classificação das matérias referidas como pertencentes à não classe de
ordem pública. Tal fato per se já revela sério descompasso jurídico da jurisprudência acerca
da matéria.
5.3.2 Situações relacionadas a procedimento/forma
Outro ponto de incongruência verificado refere-se à inobservância aos
procedimentos determinados. Nesse contexto, o referido tema ora é entendido como matéria
de ordem pública, ora como não matéria de ordem pública. Vejamos alguns exemplos: a)
falta de juntada ao processo do ato de exclusão do Simples (é considerado matéria de ordem
pública); b) necessidade de lançamento de ofício para alteração de base de cálculo dos
débitos em pedido de ressarcimento de PIS/Cofins não cumulativos (não é considerado
matéria de ordem pública); c) erro de procedimento (é considerado matéria de ordem
pública); d) controle de qualidade – Portaria CAT 115/2014 (não é matéria de ordem
pública).
Sintetizando para melhor compreensão:
123
INOBSERVÂNCIA AOS PROCEDIMENTOS DETERMINADOS Número do Processo e Matéria Conclusão acerca da Ordem Pública
1003000013 (Carf) – Falta de juntada ao processo do ato de exclusão do Simples
É considerado matéria de ordem pública
93003006608 (Carf) – Necessidade de lançamento de ofício para alteração de base de cálculo dos débitos em pedido de ressarcimento de PIS/Cofins não cumulativos
Não é considerado matéria de ordem pública
1010361 PR (STJ) – Erro de procedimento É considerado matéria de ordem pública 4113648 (TIT) – Controle de qualidade – Portaria CAT 115/2014
Não é matéria de ordem pública
Os julgados referidos, em certa medida, retratam questões relacionadas a
procedimentos específicos previstos. Nesses termos, parece-nos inadequado, pelo menos
com o teor das fundações verificadas em cada caso, atribuir à mesma classe jurídica –
observância a procedimentos específicos – consequentes diversos para consideração da
matéria como de ordem pública.
5.3.3 Situações relacionadas à iliquidez do crédito tributário
Observa-se ainda que vários julgados dizem respeito à questão direta de iliquidez
do crédito tributário e, nesse sentido, temos mais uma vez a constatação de que o referido
ponto é tratado como pertencente a ambas as classes.
Nesse contexto, pode-se afirmar que os julgados 1402-00.236; 1401003.018;
1302001.732; 1801002.048; 102-001.222; 1402-00.246; 9303005.491; 9303005.100;
9303008.207; 1301002.272; 9101001.845; 9303008.206 versam sobre liquidez do crédito
tributário. Como sustentar conclusões diversas acerca da caracterização como matéria de
ordem pública?
Têm-se, portanto, considerado como de ordem pública: a) aplicação da correção
monetária e dos expurgos inflacionários sobre repetidos; b) lançamento com erro na
modalidade de regime de tributação. A fiscalização não poderia ter efetuado o lançamento
na modalidade do lucro real anual, pois a regra geral de periodicidade seria o lucro real
trimestral; c) fatos geradores equivocadamente tidos, pela fiscalização, como ocorridos
trimestralmente, e para essas contribuições a norma tributária prevê a ocorrência mensal; d)
apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL com base no lucro presumido, quando os
valores tidos como omitidos na autuação são superiores ao limite previsto no art. 13 da Lei
9.718/1998, obrigando a apuração pelo lucro real; e) valor estabelecido como limite para
124
expedição de requisição de pagamento por meio de RPV; f) exigência concomitante das
multas de ofício aplicadas na autuação fiscal.
Por outro vértice, têm-se como não matéria de ordem pública: a) incorreções na
base de cálculo do arbitramento, bem como a inadequação de sua adoção; b) multa
confiscatória; c) exigência concomitante das multas de ofício aplicadas na autuação fiscal;
d) inconstitucionalidade da taxa de juros.
Sintetizando para melhor compreensão:
ILIQUIDEZ DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Número do Processo e Matéria Conclusão Acerca da Ordem Pública
1402-00.236: Exigência de penalidades, dentre elas a multa de ofício isolada por falta de recolhimento do tributo por estimativa
É matéria de ordem pública
1401003.018: Incorreções na base de cálculo do arbitramento, bem como a inadequação de sua adoção
Não é matéria de ordem pública
1302001.732: Fatos geradores equivocadamente tidos, pela fiscalização, como ocorridos trimestralmente, e para essas contribuições a norma tributária prevê a ocorrência mensal
É matéria de ordem pública
1801002.048: Exigência concomitante das multas de ofício aplicadas na autuação fiscal.
Não é matéria de ordem pública
102-001.222: Lançamento com erro na modalidade de regime de tributação. A fiscalização não poderia ter efetuado o lançamento na modalidade do lucro real anual, pois a regra geral de periodicidade seria o lucro real trimestral
É matéria de ordem pública
1402-00.246: Exigência da multa de ofício proporcional concomitantemente com a multa isolada por falta de recolhimento de estimativa, sobre essa mesma base de cálculo
É matéria de ordem pública
9303005.491: Aplicação da correção monetária e dos expurgos inflacionários sobre repetidos.
É matéria de ordem pública
9303005.100: Aplicação da correção monetária e dos expurgos inflacionários sobre repetidos
É matéria de ordem pública
9303008.207: A exigência de multa, inclusive agravada, no lançamento de ofício, para a constituição de crédito tributário
Não é matéria de ordem pública
1301002.272: Multa confiscatória Não é matéria de ordem pública 9101001.845: Apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL com base no lucro presumido, quando os valores tidos como omitidos na autuação são superiores ao limite previsto no art. 13 da Lei 9.718/1998
É matéria de ordem pública
9303008.206: A exigência de multa, inclusive agravada, no lançamento de ofício, para a constituição de crédito tributário
Não é matéria de ordem pública
125
Tem-se novamente atribuição à mesma classe jurídica – iliquidez do crédito
tributário – de consequentes diversos para consideração da matéria como de ordem pública,
o que reforça a impossibilidade de construção coerente da classe de ordem pública com base
nos julgados.
5.3.4 Situações relacionadas à afronta da legalidade
Em certa medida, pode-se afirmar que todos os processos citados possuem relação
com a legalidade. Nesse contexto, cabe a referência aos julgados 1001000.565;
1301001.529; 9101001.845; 1401003.018; 1301003.779; 1302001.732; 1102-001.222; 01-
05.895; CSRF/01-05.837; 1301002.158; 1102000.826; 1302003.307; 1401001.729.
Têm-se como reconhecidas como de ordem pública as questões: a) incompetência
do julgador; b) ausência de norma que impõe condição à fruição do benefício do diferimento;
c) aplicação de norma vigente; d) intempestividade.
Por outro lado, não foram consideradas como de ordem pública: a) observância
de tratados internacionais e irretroatividade; b) aplicação de penalidade/retroatividade
benéfica; c) aplicação de legislação vigente à época dos fatos, Decreto 5.442/2005, o qual
reduzia a zero as alíquotas das referidas contribuições incidentes sobre as receitas
financeiras.
AFRONTA À LEGALIDADE Número do Processo e Matéria Conclusão acerca da Ordem Pública
1001000.565: Decadência É matéria de ordem pública 1301001.529: O conceito de prática reiterada de infração – consequente estabelecimento de penalidade mais gravosa
Não é matéria de ordem pública
9101001.845: Apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL com base no lucro presumido, quando os valores tidos como omitidos na autuação são superiores ao limite previsto no art. 13 da Lei 9.718/1998, obrigando a apuração pelo lucro real
É matéria de ordem pública
1401003.018: Incorreções na base de cálculo do arbitramento, bem como a inadequação de sua adoção
Não é matéria de ordem pública
1301003.779: Ilegitimidade passiva É matéria de ordem pública 1302001.732: Fatos geradores equivocadamente tidos, pela fiscalização, como ocorridos trimestralmente, e para essas contribuições a norma tributária prevê a ocorrência mensal
É matéria de ordem pública
1102-001.222: Lançamento com erro na modalidade de regime de tributação. A fiscalização não poderia ter efetuado o lançamento na
É matéria de ordem pública
126
modalidade do lucro real anual, pois a regra geral seria de periodicidade 01-05.895: Incompetência do julgador É matéria de ordem pública CSRF/01-05.837: Incompetência do julgador É matéria de ordem pública 1301002.158: Aplicação de legislação vigente à época dos fatos, Decreto 5.442/2005, o qual reduzia a zero as alíquotas das referidas contribuições incidentes sobre as receitas financeiras
Não é matéria de ordem pública
1102000.826: Cerceamento do direito de defesa – ausência de requisitos fundamentais no auto de infração
É matéria de ordem pública
1302003.307: Coisa julgada material É matéria de ordem pública 1401001.729: Observância de tratados internacionais e irretroatividade
Não é matéria de ordem pública
Com efeito, seja por via direta ou reflexa, a legalidade encontra-se presente em
todas as análises dos 81 julgamentos selecionados para a tentativa de construção da classe
de matéria de ordem pública.
Nesse contexto, parece-nos inadequado graduar a ilegalidade de forma que em
determinados casos tem-se classificação como matéria de ordem pública e em outros não.
Caso seja essa a opção, é preciso externar as razões que levam a essa conclusão, e, pelo teor
dos julgamentos analisados, não identificamos embasamentos satisfatórios para a referida
divisão.
Aqui, verifica-se a aplicação de lei lógica do terceiro excluído, ou identifica-se
afronta à legalidade ou não se identifica, não há uma terceira via possível de construção,
“meia-legalidade”, e nesses termos é preciso adotar postura segura no sentido de considerar
ou não afronta dessa natureza como matéria de ordem pública.
5.3.5 A utilização do argumento pela consequência para formação da classe
Constata-se que em diversos julgados não há uma preocupação com a elucidação
da construção da classe, sendo realizado mero argumento de consequência para caracterizar
determinada matéria como de ordem pública.
É o que se observa, por exemplo, com os julgados 9303005.100 e 9303005.491.
O argumento pela consequência ou pela negativa não tem o condão de formar uma classe.
Com razão, considerar ser matéria de ordem pública por se tratar de decadência,
falta de motivação, ou qualquer outro elemento, não fornece os elementos necessários para
definição dos critérios para construção da classe. Em outras palavras, realizar atividade
127
denotativa não é forma de construir uma classe; é preciso ir além, buscar as características
uniformes aos elementos apontados de modo a externar os requisitos necessários para a
relação de pertinência.
5.3.6 A falsa percepção da questão fático-probatória como impeditivo para matéria de ordem pública
Da análise dos julgados há nítido posicionamento no sentido de considerar a
questão fático-probatória como impeditivo para caracterização de matéria de ordem pública.
Sobre o assunto, merecem ponderação os julgamentos dos Processos
1302003.232; 1401002.645; 1401003.101 e 1001000.565. Os casos referidos versam sobre
a decadência, e em todos houve a segura conclusão de tratar-se de matéria de ordem pública.
Contudo, cabe a indagação: como aplicar adequadamente o § 4.º do art. 150152 ou 173153 do
Código Tributário Nacional, sem envolver questões probatórias? É possível analisar questão
de pagamento, simulação, dolo ou fraude sem envolver questão probatória?
A resposta parece-nos seguramente negativa. Com efeito, envolver questão
probatória não é impeditivo para reconhecimento de matéria de ordem pública. Aqui,
registre-se, o direito é constituído por linguagem e possui como fato jurídico os resquícios
linguísticos/probatórios que remetem ao evento que se esvai no tempo e espaço. Portanto,
retirada a questão probatória, não sobra nada no âmbito jurídico, especialmente do
contencioso administrativo tributário, que foge da análise probatória.
Por todas essas considerações, é hialina a inviabilidade de construção de classe a
partir da análise dos julgados. O estudo jurisprudencial apenas reforça a necessidade de
aprofundamento do tema, a fim de alcançar decisões que ostentem maior rigor do prisma
lógico jurídico, imperioso para uma coerente construção de classe.
152 “§ 4.º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.”
153 “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; [...].”
128
6. FORMAÇÃO DA CLASSE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA E RESPOSTA AOS QUESTIONAMENTOS
Em face de tudo considerado até o presente momento, a construção da classe de
matéria de ordem pública deve observar os seguintes pontos basilares:
(i) É certo que cada âmbito jurídico possuirá elementos próprios formadores
do sentido do termo.
Assim, cada disciplina jurídica possui seu próprio núcleo de regras e princípios fundamentais e em cada uma será diferente a eventual constatação da violação à ordem pública. Porém, os diversos conceitos acabam por chegar ao mesmo cerne: são de ordem pública as normas conforme suas finalidades, os valores que elas representam e a realidade fática para a qual se dirigem.154
(ii) É o conjunto dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico, com
valor supraordenador e básico, cuja salvaguarda tem vista não apenas a
tutela de interesses privados, mas – e primariamente – a de interesses
coletivos.155
(iii) Todos os exemplos concretos de questões de ordem pública indicam que
o sistema não admite que um processo viciado deva sobreviver por longo
tempo. Há um aspecto de utilidade muito latente. Se o instrumento não
serve a seus fins, deve ser eliminado desde logo. A ordem pública
processual só pode ser interpretada como um conjunto de técnicas voltadas
ao tempestivo controle sobre a viabilidade do processo.156
(iv) A ordem pública e os direitos indisponíveis têm em comum o fato de
retratarem o interesse público, e este, por sua vez, a despeito de variar
conforme o tempo e o lugar, deve ser encarado como núcleo de interesses
154 Esse é o posicionamento trazido por: FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 28.
155 PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual cit., p. 758. 156 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem pública e processo: o tratamento das questões de ordem
pública no direito processual civil cit., p. 65.
129
que são tutelados pelo ordenamento jurídico, a partir de sua matriz
constitucional.157
(v) No âmbito do contencioso administrativo tributário, o conhecimento a) de
suas características, b) de seus princípios e c) dos requisitos do ato
administrativos é essencial para evidenciar o núcleo de formação da
matéria de ordem pública.
Com fulcro nessas considerações, passaremos a enfrentar as questões propostas
no capítulo inicial do presente trabalho, buscando conferir a todos os posicionamentos
expostos ponto de coerência e harmonização.
6.1 Existe uma definição geral aplicada a todas as áreas jurídicas acerca do conceito de matéria pública?
A nosso ver, a construção de matéria de ordem pública encontrará baliza própria
em cada ramo jurídico a ser analisado. Com efeito, hão de ser observados os princípios e os
requisitos fundamentais da disciplina jurídica sob exame para identificar os valores de maior
relevância para o âmbito normativo em que se deseja construir a classe de matéria de ordem
pública.
Diante do exposto, podemos seguramente sustentar que inexiste uma definição
que determine de forma exaustiva as matérias de ordem pública para todo ordenamento
jurídico, haja vista as características e os princípios inerentes a cada ramificação jurídica.
Por outro lado, é plenamente plausível considerar a existência de uma diretriz/regra-matriz
semântica aplicada à construção do termo pertinente a todo âmbito jurídico.
Portanto, “são de ordem pública as normas conforme suas finalidades, os valores
que elas representam e a realidade fática para a qual se dirigem”,158 ou seja, a matéria de
ordem pública está diretamente relacionada aos principais valores jurídicos tutelados por
cada âmbito jurídico, de modo que os referidos valores podem ser expressos por elementos
de diferente densidade normativa, ora se manifestando por meio de princípio geral,
específico ou norma stricto sensu.
157 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem pública e processo: o tratamento das questões de ordem pública no direito processual civil cit., p. 17.
158 Esse é o posicionamento trazido por: FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 28.
130
6.2 No âmbito do contencioso administrativo tributário, quais matérias podem ser consideradas de ordem pública?
Prosseguindo com a linha de raciocínio de que a construção de classe de matéria
de ordem pública exige a compreensão dos elementos de maior valor para cada sistema
jurídico, a determinação dessa classe para o âmbito do contencioso administrativo requer o
conhecimento dos pontos de maior relevância para esse sistema.
Portanto, conforme exposto no desenvolvimento do presente trabalho, temos que
o contencioso administrativo tributário possui arquétipo que exige a devida observância das
características pertinentes e, em especial, dos princípios específicos e dos requisitos do ato
administrativo.
Logo, atos que infrinjam os princípios da (i) legalidade; (ii) impessoalidade; (iii)
moralidade; (iv) publicidade; (v) eficiência; (vi) razoabilidade; (vii) finalidade; (viii)
motivação; (ix) interesse público; (x) republicano; (xi) verdade material; (xii) formalismo
moderado; e (xiii) autotutela administrativa representam uma ofensa ao núcleo do
contencioso administrativo tributário, relevando-se como afronta à matéria de ordem
pública.
Igualmente, sendo o processo administrativo tributário resultante, em regra, de ato
de lançamento fiscal, a inobservância aos requisitos do ato administrativo constituirá ofensa
ao valor nuclear desse sistema.
Por essa razão, a identificação de infringência de questões de (i) competência; (ii)
finalidade; (iii) forma; (iv) motivo; e (v) objeto também se reveste de caráter de matéria de
ordem pública para o âmbito do contencioso administrativo tributário.
É certo que o alcance de conclusão dessa natureza dependerá de devida construção
de sentido na atividade do julgamento administrativo, exigindo apropriada fundamentação e
ponto de inobservância que ensejou o reconhecimento de matéria de ordem pública no caso
concreto.
Não obstante, há um aspecto sempre presente nas matérias de ordem pública no
processo administrativo tributário: todas se revelam, em certa medida, uma forma de
preservação do interesse público. Esse é seguramente o valor de maior expressividade desse
âmbito jurídico; ato administrativo, seja em forma de lançamento ou de decisão
131
administrativa, que não buscar a concretização desse valor estará fadado à retirada, inclusive
de ofício, do sistema por meio da autotutela administrativa.
Nota-se, nesses termos, que não há um rol exaustivo denotativo das matérias de
ordem pública no processo administrativo tributário. Contudo, certamente há estrutura
conotativa que permite a identificação de situações ensejadoras dessa natureza. Em suma,
toda situação que revele infringência aos princípios do contencioso administrativo tributário
e aos requisitos dos atos administrativos aqui referidos implica matéria de ordem pública,
por desvirtuarem o arquétipo desse sistema e a concretização do interesse público, aqui
entendido como a não admissão de que um ato e/ou processo viciado permaneça no sistema.
6.3 Questões de inconstitucionalidade e ilegalidade são matérias de ordem pública no contencioso administrativo tributário?
Já expressamos entendimento no sentido de que os princípios específicos no
âmbito do contencioso administrativo tributário e os requisitos do ato administrativo são
núcleos desse sistema, revelando-se como matérias de ordem pública.
Conforme apontado no Capítulo 3, a seletividade dos valores/princípios/normas,
abordados no presente trabalho, tomou por base suportes físicos jurídicos com relação direta
à temática, tais como: a) Carta da República de 1988; b) Constituição do Estado de São
Paulo; c) Lei Complementar estadual 939, de 03.04.2003 – Código de Direitos, Garantias e
Obrigações do Contribuinte no Estado de São Paulo; d) Lei Ordinária estadual 13.457, de
18.03.2009 – dispõe sobre o processo administrativo tributário decorrente de lançamento de
ofício, e dá outras providências; e e) Lei Ordinária 13.457/2009, do Processo Administrativo
no Estado de São Paulo.
Vejamos:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL Artigo Enunciado
Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
132
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO Artigo Enunciado
Art. 111 A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
CÓDIGO DE DIREITOS, GARANTIAS E OBRIGAÇÕES DO CONTRIBUINTE NO ESTADO DE SÃO PAULO
Artigo Enunciado
Art. 8.º A Administração Tributária atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos.
LEI ORDINÁRIA ESTADUAL 10.177, DE 30.12.1998, QUE REGULA O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL
Artigo Enunciado
Art. 4.º A Administração Pública atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público e motivação dos atos administrativos.
LEI ORDINÁRIA 13.457/2009 – PROCESSO ADMINISTRATIVO DO ESTADO DE
SÃO PAULO Artigo Enunciado
Art. 2.º O processo administrativo tributário obedecerá, entre outros requisitos de validade, os princípios da publicidade, da economia, da motivação e da celeridade, assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
A simples verificação da enunciação dos princípios em suporte físico
constitucional e infralegal demonstra que as matérias de ordem pública no âmbito do
contencioso administrativo tributário podem se reportar a questões de inconstitucionalidade
e ilegalidade.
133
Contudo, sabe-se que o processo administrativo tributário possui delimitação de
conhecimento da matéria passível de análise do julgador administrativo, a qual é externada
em contornos nítidos na própria legislação do processo administrativo tributário dos órgãos
de julgamento. Aqui pontuamos especificamente a legislação pertinente ao CARF, TIT e
CMT, objeto de estudo mais detalhado do presente trabalho.
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
Tribunal Administrativo de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo
Conselho Municipal de Tributos de São Paulo
Portaria MF 343, de 9 de junho de 2015 – Aprova o
Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e dá outras
providências.
Lei 13.457, de 18 de março de 2009 – Dispõe sobre o processo
administrativo tributário decorrente de lançamento de
ofício, e dá outras providências.
Lei 14.107, de 12 de dezembro de 2005 – Dispõe sobre o
processo administrativo fiscal e cria o Conselho Municipal de
Tributos.
Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do CARF afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade. Súmula CARF 2 O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.
Art. 28. No julgamento é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada: I – em ação direta de inconstitucionalidade; II – por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo; III – em enunciado de Súmula Vinculante. (Inciso acrescentado pela Lei 16.498, de 18.07.2017; DOE 19.07.2017.)
Art. 53. Compete ao Conselho Municipal de Tributos: Parágrafo único. Não compete ao Conselho Municipal de Tributos afastar a aplicação da legislação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Dos enunciados supracitados evidencia-se a incompetência dos Tribunais
Administrativos referenciados para tratativas de questões relacionadas a afastamento da
aplicação legislativa por inconstitucionalidade.
Uma vez estabelecida a incompetência por força legal, temos a impossibilidade
do conhecimento de matéria por parte do julgador administrativo e o respectivo
reconhecimento de matéria de ordem pública.
Parece-nos uma delimitação indevida pelas seguintes razões:
134
(i) Inicialmente, é necessário reiterar que temos um sistema tributário
altamente constitucionalizado por opção do legislador originário.
Portanto, as tratativas das matérias tributárias em nosso ordenamento são
realizadas preponderantemente por norma constitucional, e, por meio de
nossa Carta Magna, podemos identificar: (a) regras-matrizes de incidência
tributária, estruturadas em normas gerais e abstratas; (b) elementos para a
classificação dos tributos; (c) determinação da competência tributária; e
(d) disposições acerca das limitações ao poder de tributar. O legislador
originário pouca margem deixou para grandes inovações em matéria
tributária.
(ii) Por essa característica do arquétipo constitucional do direito tributário é
difícil identificar uma situação de afronta à legalidade que não reflita de
forma direta ou reflexa matéria afeta à norma constitucional, em outras
palavras, qual a ilegalidade em matéria tributária que não se relaciona
com: (a) regras-matrizes de incidência tributária, estruturadas em normas
gerais e abstratas; (b) elementos para a classificação dos tributos; (c)
determinação da competência tributária; (d) disposições acerca das
limitações ao poder de tributar; e (e) princípios tributários e do ato
administrativo? Ou, ainda, é possível realizar controle de legalidade sem
observar as normas constitucionais? Em nosso sentir, a resposta seria não!
(iii) A nosso ver, é preciso separar duas situações jurídicas totalmente díspares:
a) a não aplicação de norma por considerá-la inconstitucional; e b) sua
declaração de inconstitucionalidade. Na primeira situação, têm-se o
atingimento direto da eficácia da norma geral e abstrata e a não aplicação
ao caso concreto, permanecendo incólume a validade da norma para as
demais relações jurídicas. Na segunda situação, há o atingimento da
validade da norma com a não aplicação ao caso e concreto e, a depender
da forma de análise – se controle concentrado ou difuso com resolução do
Senado –, proliferação de efeitos para demais relações jurídicas. Nesse
último ponto, é atribuição precípua do Poder Judiciário.159
159 Com relação ao tema, vale registrar a lição de Alberto Xavier no seguinte sentido: “Tomada posição quanto ao problema atrás exposto, importa agora pronunciar-nos sobre o ‘dilema’ do argumento segundo o qual o sistema vigente seria incompatível com a competência dos órgãos judicantes da Administração para
135
(iv) O desenvolvimento da atividade do contencioso administrativo tributário
está relacionado com o controle de legalidade do lançamento fiscal.
Nesses termos, encontra-se como objetivo maior a preservação do
interesse público/coletivo. Não nos parece preservar e concretizar o
interesse público a constituição de crédito tributário desprovido do
necessário requisito de liquidez e certeza, sob pena inclusive de resultar
em ônus sucumbencial para o Estado, além de implicar o aumento de
demandas judiciais e custo público para acompanhamento desses casos
que poderiam ter alcançado sua resolutiva no processo administrativo
tributário – filtro seletivo das demandas judiciais.
6.4 Há diferença entre as matérias de ordem pública do âmbito do contencioso administrativo para o judicial tributário?
O corte de análise do presente trabalho consiste na construção de classe de
matérias de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário. Nesses
termos, traçar linha de diferenciação para o contencioso judicial pode representar ultrapassar
os limites do objeto do estudo.
Com razão, ainda que não tenhamos tratado especificamente do contencioso
judicial, é possível identificar linhas de diferenciação a partir de algumas considerações e
características já abordadas no presente escrito.
Como externado em indagação inicial,
apreciarem a constitucionalidade das leis, tendo em vista a inadmissibilidade de decisões definitivas que declarem, ainda que incidenter tantum, a inconstitucionalidade de leis sem que dessas decisões caiba reexame ao Poder Judiciário. O caráter artificioso do ‘dilema’ não passou despercebido a Djalma Bittar, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, quando, no seu voto em separado no célebre Acórdão SF 2.713/95, denunciou a falta de nexo lógico entre a questão da ‘definitividade’ das decisões proferidas contra a Fazenda por órgãos judicantes, integrados na Administração, e a questão da apreciação da constitucionalidade ou da legalidade de ato normativo por aquele órgão judicante. Com efeito, o argumento só seria verdadeiro se os órgãos judicantes da Administração tivesse uma ‘competência de rejeição’, isto é, fossem dotados do poder de declarar a inconstitucionalidade das leis com efeitos constitutivos e erga omnes. Não é, porém, assim. A mera desaplicação da lei ordinária como fundamento da declaração de nulidade do ato administrativo tributário, por vício de inconstitucionalidade indireta, deixa tal lei vigente incólume e intocada. Acresce que o argumento prova demais, pois os riscos da definitividade das decisões proferidas em processo administrativo desfavoráveis à Administração ativa não são privativos da apreciação de inconstitucionalidade das leis, mas atingem por igual os casos de errada interpretação e aplicação da lei ordinária” (XAVIER, Alberto. Princípios do processo administrativo e judicial tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 83-84).
136
[...] cada disciplina jurídica possui seu próprio núcleo de regras e princípios fundamentais e em cada uma será diferente a eventual constatação da violação à ordem pública. Porém, os diversos conceitos acabam por chegar ao mesmo cerne: são de ordem pública as normas conforme suas finalidades, os valores que elas representam e a realidade fática para a qual se dirigem.160
Realizando atividade comparativa entre os dois âmbitos de julgamento –
administrativo e judicial –, notamos características pertinentes ao primeiro que lhe confere
grau diferenciado de ordem pública. Vejamos:
(i) O formalismo moderado: diversamente do âmbito judicial, o
administrativo é marcado por um tom de informalidade, de modo que a
finalidade/utilidade do processo é o objetivo maior, não se apegando ao
rigor formalístico. Nesse sentido, Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas
elucida:
Bastam as formalidades essenciais à obtenção da certeza jurídica e à segurança processual, ficando, portanto, dispensadas formas rígidas para o processo administrativo tributário, segundo o princípio da informalidade [...] Do mesmo modo, têm sido toleradas razões de defesa não alegadas na inicial, e até admitida a adição de provas mesmo depois de proferida a decisão singular, quando justificáveis os motivos.161
As inovações de razões de defesa, bem como a amplitude de admissão de
conteúdo probatório, são marcas do formalismo moderado do contencioso administrativo
que confere grau de diferenciação para o judicial, ao qual há necessidade de observância.
Em ambas as esferas de julgamento é preciso se atentar às regras do jogo, contudo o que
precisamos nesse sentido é que o âmbito administrativo permita grau de flexibilização não
observado no judicial por sua própria essência de formação: o controle de legalidade do ato
administrativo de lançamento fiscal e a busca pela verdade jurídica material.
(ii) Verdade jurídica material: valor de grande relevância para o julgamento
administrativo é a verdade material, aqui tratada inicialmente como
jurídica, pelas razões já abordadas quando tratamos do princípio
específico. Nota-se nesse valor diretivo do julgamento administrativo
elemento de fundamento para: a) conversão do julgamento em diligência,
160 Esse é o posicionamento trazido por: FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 28.
161 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo administrativo tributário cit., p. 48-49.
137
independentemente do pedido das partes; e b) acatamento de provas, ainda
que já apresentada defesa inicial. É mais uma demonstração do grau de
flexibilidade do processo administrativo tributário não observado, em
regra, no judicial.
(iii) Autotutela x congruência: certamente, nesse aspecto reside elemento de
maior fundamentação para diferenciação da construção de classe de
matéria de ordem pública do âmbito administrativo para o judicial. No
julgamento judicial, tem-se com maior rigor a observância ao princípio da
congruência, 162 isto é, os limites do decidir são estabelecidos pelos
pedidos realizados pelas partes do processo. No âmbito administrativo, em
nosso sentir, há primordialmente uma atividade de controle de legalidade
do ato administrativo que impõe ao julgador o dever de análise da
observância dos procedimentos/legalidade do ato de lançamento fiscal,
independentemente do pedido das partes. Nesse sentido, merece registrar
a seguinte assertiva:
[...] sendo o agente público competente o poder legal de autuar também pode ser dele o dever-poder de anular, corrigir ou modificar o auto de infração, à vista da consagrada autotutela administrativa, segundo a qual se reconhece ao agente administrativo o direito e o dever de corrigir seus próprios erros, adequando seus atos às exigências legais. Esse anulamento, tido como declaração de inviabilidade de ato administrativo ilegítimo ou ilegal, não é uma faculdade, mas um dever da própria Administração que o praticou, podendo esta agir de ofício ou mediante provação do interessado.163
Por essas razões, compreendemos que a construção da classe de matéria de ordem
pública é diversa para cada âmbito de julgamento – administrativo e judicial –, de modo que
162 “O princípio da congruência é uma das faces do princípio dispositivo e implica provimento jurisdicional nos limites da demanda proposta, ou seja, o juiz limitará o seu provimento às partes postas na demanda inicial, aos fundamentos de fato arrolados (causa petendi) e ao pedido deduzido (art. 128 do CPC). Princípio dispositivo. O efeito devolutivo da apelação é manifestação direta do princípio dispositivo” (RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. Admissibilidade. Sentença de mérito proferida em processo de liquidação por órgão judicial desconsiderar o princípio dispositivo. Inexistência de pedidos de condenação em verbas e títulos referentes ao pensionamento. Violação literal disposição de lei no julgamento extra e ultra petita cit., p. 275).
“O apelante é quem fixa os limites do recurso, em suas razões e no pedido de nova decisão. Em outras palavras, o mérito do recurso é delimitado pelo apelante (CPC 141), devendo o tribunal decidir apenas o que lhe foi devolvido, nos limites das razões de recurso e do pedido de nova decisão (CPC 492) é vedado ao tribunal julgar o recurso de apelação, decidir fora dos limites da lide recursal” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. Novo CPC, Lei 13.105/2015 cit., p. 2067).
163 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo administrativo tributário cit., p. 91.
138
o julgador administrativo, pelo grau de flexibilização conferido pelo formalismo moderado,
pelo vetor valorativo da constante busca da verdade jurídica material e, por fim, pelo poder
e, sobretudo, dever de controle da legalidade do ato de lançamento fiscal, possui rol de maior
amplitude para os elementos revestidos de caráter de ordem pública.
Esse rol de amplitude pode sofrer sopesamento ao considerarmos a possibilidade
de reconhecimento de inconstitucionalidade por parte do âmbito judicial e vedado ao âmbito
administrativo. Conforme tratado anteriormente, consideramos que possuímos um sistema
jurídico tributário altamente constitucionalizado, tornando-se inviável a identificação de
ilegalidade que não resvale em matéria constitucional. De todo modo, a consideração de
inconstitucionalidade para atingir a validade de norma jurídica – inter partes ou erga omnes
– é atribuição específica do poder judicial.
Merece elucidação – que não é objetivo da presente pesquisa – o rol das matérias
de ordem pública no âmbito do contencioso judicial. Portanto, reitera-se que a presente
questão tem como intuito específico identificar as características diversas pertinentes a cada
âmbito de julgamento que acabam por implicar delimitação diferente das matérias de ordem
pública.
6.5 Envolver questão probatória retira o caráter de matéria de ordem pública?
Em nosso sentir, a resposta é precisa: não. No direito positivo, a “verdade” está
relacionada com a teoria das provas, com o antecedente normativo, com a existência ou
inexistência do fato lastreado na linguagem das provas. Nesses termos, conforme exposto,
envolver questão probatória não é impedimento para consideração de matéria de ordem
pública.
É válido registrar que o direito é constituído por linguagem e possui como fato
jurídico os resquícios linguísticos probatórios que remetem ao evento que se esvai no tempo
e espaço. Retirando-se o elemento probatório, não sobra nada no âmbito jurídico,
especialmente do contencioso administrativo tributário, que foge da análise probatória.
Nota-se, nesse ponto, a inconsistência dos julgamentos que utilizam esse tipo de
argumento – não ser matéria de ordem pública por envolver análise probatória – e, por outro
lado, a verificação de diversos julgados assegurando tratar-se de matéria de ordem pública
questões como decadência, sujeição passiva, competência, entre outros.
139
Como atestar a aplicação de qualquer um desses institutos referidos sem realizar
uma análise probatória? Reitera-se novamente a questão: é possível aplicar adequadamente
o § 4.º do art.150164 ou 173 165 do Código Tributário Nacional sem envolver questões
probatórias? É possível analisar questão de pagamento, simulação, dolo ou fraude sem
envolver questão probatória?
Não há nada no direito que escape ao filtro probatório, pois lidar com o jurídico
exige a devida análise probatória. Portanto, consideramos que envolver análise probatória
não é impedimento para reconhecimento de matéria de ordem pública, e adotar entendimento
em sentido contrário implicaria chegarmos à conclusão de que nada é matéria de ordem
pública, ao passo que no direito tudo exige, em certa medida, análise probatória.
Questão diversa é exigir a produção probatória para alcançar uma decisão. Nesses
termos, o ato administrativo goza de presunção de legitimidade, 166 imperatividade, 167
exigibilidade168 e executoriedade.169 Logo, para retirar a presunção juris tantum, verificada
em virtude das referidas qualidades do ato administrativo, faz-se necessária a infirmação por
meio da linguagem das provas, cabendo ao julgador administrativo uma conclusão em forma
de decisão embasada nos elementos de provas presentes no processo administrativo.
Com efeito, não há como exigir do julgador tributário a infirmação da matéria que
exige a produção probatória, se tal ato não é trazido ao processo. Nesse sentido, a título
164 “§ 4.º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.”
165 “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; [...].”
166 “É a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário. Isto é: milita em favor eles uma presunção juris tantum de legitimidade; salvo expressa disposição legal, dita presunção só existe até serem questionados em juízo” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 423).
167 “É a qualidade pela qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 423).
168 “É a qualidade em virtude da qual o Estado, no exercício da função administrativa, pode exigir de terceiros o cumprimento, a observância, das obrigações que impôs [...] a exigibilidade é o atributo do ato pelo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para induzir o administrado a observá-la” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 423).
169 “É a qualidade pela qual o Poder Público pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 30. ed., cit., p. 423).
140
exemplificativo, destacamos que matérias como levantamento fiscal e aplicação do art. 527-
A170 do RICMS/SP requerem a devida demonstração e infirmação probatória por parte do
sujeito passivo.
A menos que constatados erros de cunho teratológico, como um equívoco
aritmético no levantamento fiscal, o ato administrativo não infirmado por prova em sentido
contrário gozará da presunção de legitimidade, não cabendo ato de nulidade por infringência
à matéria de ordem pública.
6.6 As matérias de ordem públicas são passíveis de reconhecimento ex officio?
Costuma-se afirmar que as matérias que o julgador deve conhecer de ofício são
aquelas de ordem pública. Contudo, tal assertiva não elucida o requisito necessário para ser
matéria de ordem pública, no máximo poderia trazer consequência da matéria reconhecida
como de ordem pública.
Explica-se: não é o fato de ser passível de reconhecimento ex officio que torna
uma matéria como de ordem pública, pelo contrário, a razão de ser matéria de ordem pública
possibilita o reconhecimento ex officio da matéria, logo são situações díspares.
É plenamente possível e, saliente-se, comum que matérias de ordem pública sejam
guerreadas, ou seja, enfrentadas diretamente pela parte no curso do processo administrativo,
não se verificando, portanto, o reconhecimento ex officio pelo julgador. Tal fato, com efeito,
não retira da matéria suscitada a natureza de ordem pública, evidenciando, assim, que as
matérias de ordem pública independem do conhecimento ex officio do julgador
administrativo.
É importante ainda ressaltar que nem todas as matérias apreciáveis ex officio são
necessariamente matérias de ordem pública, pois a lei processual, excepcionalmente, pode
170 Do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo que prescreve: “A multa aplicada nos termos do artigo 527 poderá ser reduzida ou relevada por órgão julgador administrativo, desde que a infração tenha sido praticada sem dolo, fraude ou simulação, e não implique falta de pagamento do imposto (Lei 6.374/89, art. 92 e § 2.º, na redação da Lei 10.619/2000, art. 1.º, XXXI, e Lei 10.941/2001, art. 44). (Acrescentado o art. 527-A pelo inciso I do art. 2.º do Decreto 46.676 de 09.04.2002; DOE 10.04.2002; efeitos a partir de 01.05.2002.)
§ 1.º Na hipótese de redução, observar-se-á o disposto no § 7.º do artigo 527. § 2.º Não poderão ser relevadas, na reincidência, as penalidades previstas na alínea ‘a’ do inciso VII e na alínea
‘x’ do inciso VIII do artigo 527. § 3.º Para aplicação deste artigo, serão levados em consideração, também, o porte econômico e os antecedentes
fiscais do contribuinte”.
141
estabelecer que determinadas matérias de ordem privada sejam apreciadas de ofício, como
bem adverte Teresa Arruda Alvim Wambier:
Numa imagem matemática, dir-se-ia que o conjunto de matérias examináveis de ofício é maior que o das matérias de ordem pública. Portanto, toda matéria de ordem pública é examinável de ofício, mas nem tudo o que pode ser examinado de ofício consiste em matéria de ordem pública.171
O consequente de uma classificação não pode ser confundido com o requisito para
o ato de classificar, e o que faz determinada matéria ser alçada à categoria de ordem pública
são a finalidade e os valores que ela representa e a realidade fática para a qual se dirige, ou
seja, a matéria de ordem pública está diretamente relacionada aos principais valores jurídicos
tutelados por cada âmbito jurídico.
6.7 Existe limite processual para arguição de matéria de ordem pública no processo administrativo tributário?
Verificando as disposições do Código de Processo Civil, identificamos que, em
regra, condições da ação e pressupostos processuais têm como principal característica a
possibilidade de serem conhecidos de ofício pelo julgador a qualquer tempo ou grau de
jurisdição (art. 485, § 3.º, do CPC).172
O teor do § 3.º do art. 485 do CPC faz referência às matérias constantes nos incisos
IV, V, VI e IX do caput do enunciado. Vejamos:
IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;
V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;
VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;
IX – em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal.
171 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 137.
172 “§ 3.º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.”
142
Parece-nos que o legislador deixa evidentes situações impeditivas para
continuidade válida do processo, e a identificação de qualquer das situações referidas implica
necessário dever de conhecimento e impedimento de resolução meritória.
Em nosso entender, o limite será o próprio trâmite do processo administrativo
tributário, pois, enquanto perdurar o andamento do processo administrativo, é possível a
arguição de matéria de ordem pública para análise do julgador independentemente da fase
de julgamento. Com razão, a redação final do enunciado do § 3.º do art. 485 do Código de
Processo Civil faz expressa previsão: “O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos
incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o
trânsito em julgado”.
Portanto, uma vez caracterizada como matéria de ordem pública. instalam-se os
seguintes consequentes: a) possibilidade de reconhecimento ex officio; e b) possibilidade de
arguição a qualquer tempo enquanto perdurar o trâmite processual.
Logo, afigura-se-nos cristalino que as questões de ordem pública não se sujeitam
às regras de preclusão usualmente estabelecidas, especialmente no âmbito do contencioso
administrativo tributário, pelas características inerentes como a autotutela, o formalismo
moderado e o princípio maior fomentador do interesse público.
6.8 A matéria de ordem pública prescinde a questão de conhecimento?
Tem-se mais uma questão de delicado trato. O conhecimento é ato necessário para
a evolução da análise do lançamento tributário no ato do julgamento administrativo. Aqui,
podemos evidenciar dois pontos de entendimento: (i) as questões de conhecimento
caracterizam-se como elemento de matéria de ordem pública; (ii) as matérias de ordem
pública ultrapassam as questões de conhecimento pela proteção a um valor maior perquirido
– o interesse público.
Deveras, focadas em um contexto de rigor formalístico, questões como
tempestividade e apontamento de paradigmas se revestem de necessário ato para verificação
das questões meritórias de impugnação/defesa apresentada.
Por outro lado, ressaltamos que o âmbito do contencioso administrativo tributário
é marcado por características específicas que conferem a esse âmbito de julgamento grau
diverso do judicial. Por essa razão, pautados pelo fim maior da utilidade do processo e
143
concretização do interesse público, compreendemos que as matérias de ordem pública
ultrapassam as questões de conhecimento pela proteção a um valor maior perquirido.
6.8.1 É necessário haver tempestividade do recurso para conhecimento de matéria de ordem pública?
A tempestividade revela-se como requisito formal para conhecimento do ato de
defesa. Se verificado em termos formais, teremos, em regra, na legislação do contencioso
administrativo a necessidade de cumprimento desse ponto, sendo, portanto, elemento
objetivo de expressa previsão normativa.
Tem-se, nesse sentido, inegável objetividade da necessária observação da
tempestividade recursal. Assim, ainda que expressas de forma objetiva, as considerações
tecidas no presente trabalho levam-nos a uma conclusão de que o âmbito administrativo se
revela primordialmente como seara de controle da legalidade do ato administrativo.
Dessarte, ainda que intempestivamente, compreendemos que a nítida identificação de
infringência à matéria de ordem pública deveria ser analisada e reconhecida como forma de
concretização do interesse público.
Com efeito, qual o interesse de levar ao Judiciário demanda com nítida
identificação de ofensa à matéria de ordem pública, por exemplo, um lançamento eivado
pela decadência em qualquer dos prismas possíveis de contagem decadencial?
Atos dessa natureza a) em nada colaboram para o aprimoramento de nosso sistema
jurisdicional; b) não contribuem para a filtragem das demandas levadas ao âmbito judicial;
c) requerem o uso do funcionalismo público para casos de patente nulidade; e d) e ainda
implicam aumento de ônus financeiro com a condenação de honorários de sucumbência.
6.8.2 É necessária a indicação de paradigma para conhecimento de recurso especial em caso de matéria de ordem pública?
Nosso posicionamento é preciso nesse aspecto. As matérias de ordem pública se
revestem como dever de análise do julgador administrativo, especialmente pela atribuição
de autotutela.
Portanto, independentemente de apontamento paradigmático, situações dessa
natureza devem receber a devida análise dos órgãos administrativos, ainda mais quando
suscitadas diretamente pela parte interessada.
144
Ainda que se adote compreensão em sentido contrário, é preciso ponderar que a
similitude fática para esse tipo de matéria não se confunde necessariamente com o núcleo
infracional do lançamento fiscal, mas sim com a natureza do vício que se identifica. Em
outras palavras, é perfeitamente possível a existência de atos administrativos de lançamento
fiscal, com núcleos infracionais diametralmente opostos – por exemplo, um caso versando
sobre creditamento indevido e outro acerca de falta de pagamento de imposto –, possuir a
mesma natureza de nulidade/vício, seja por falta de motivação, ilegitimidade passiva ou
inobservância a procedimento específico.
Logo, mesmo que se perfilhe pela necessidade de apontamento de paradigma para
admissibilidade de recurso versando acerca de matéria de nulidade/ordem pública, será
preciso ponderar que a similitude fática perquirida não pode ser confundida com o núcleo
infracional objeto do ato administrativo.
6.9 A aplicação de princípio pode ser considerada matéria de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário?
A resposta à presente questão mostra-se fortemente positiva. Com efeito, os
princípios representam os vetores de maior valoração e balizamento de um ordenamento
jurídico e, nesse sentido, expressam o que de mais relevante há para cada sistema normativo.
Neste trabalho apontamos que a seletividade dos valores/princípios/normas
observou os suportes físicos jurídicos com relação direta à temática, tais como: a) Carta da
República de 1988; b) Constituição do Estado de São Paulo; c) Lei Complementar estadual
939, de 03.04.2003 – Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Estado
de São Paulo; d) Lei Ordinária estadual 13.457, de 18.03.2009 – dispõe sobre o processo
administrativo tributário decorrente de lançamento de ofício, e dá outras providências; e e)
a Lei Ordinária 13.457/2009 do processo administrativo no Estado de São Paulo.
Sintetizando os valores principiológicos dos dispositivos normativos
suprarreferidos, temos o seguinte rol: a) legalidade; b) impessoalidade; c) moralidade; d)
publicidade; e) eficiência; f) razoabilidade; g) finalidade; h) motivação; e i) interesse
público.
Nesses termos, a simples verificação da enunciação dos princípios em suporte
físico constitucional e infralegal demonstra que os referidos valores são de imperiosa
145
observação, caracterizando-se como matérias de ordem pública no âmbito do contencioso
administrativo tributário.
Merece ainda registrar que, por se revestir de natureza de ordem pública, não há
preclusão para o julgador administrativo realizar aplicação de princípio enquanto em trâmite
o processo administrativo.
6.10 A matéria de ordem pública supera o efeito devolutivo do recurso? Implica necessário efeito translativo?
Ostentar a natureza de matéria de ordem pública implica alguns consequentes: a)
a possibilidade de ser arguida em qualquer momento do trâmite processual; b) a
possibilidade de ser analisada de ofício, ainda que não observados determinados requisitos
formais; e c) a superação do estrito efeito devolutivo.
Portanto, o reconhecimento de matéria como de ordem pública atrai o efeito
translativo e possibilita o conhecimento, ainda que ex officio, por parte do julgador
administrativo tributário.
6.11 Matérias de ordem pública são passíveis de correção pelo julgador administrativo?
Todas as considerações tecidas no presente trabalho conduzem-nos à conclusão
de que a infringência de matéria de ordem pública se constitui de vício que macula o
lançamento fiscal, sendo, portanto, nesse caso insubsistente o auto de infração.
Assim, uma vez caracterizada ofensa à matéria de ordem pública, entendemos ser
inviável a correção do ato administrativo pela nítida quebra do pressuposto de legitimidade
e ofensa a requisito essencial do ato administrativo.
Contudo, verificando a legislação do contencioso administrativo, especificamente
a do âmbito federal, estadual e municipal de São Paulo, notamos dispositivos voltados à
correção do lançamento fiscal, o que, a nosso ver, é evidente afronta à matéria de ordem
pública.
Vejamos síntese comparativa dos enunciados:
146
TIT/SP – DECRETO 54.486, DE 26 DE JUNHO DE 2009
DECRETO 70.235, DE 6 DE MARÇO DE 1972
CMT – LEI 14.107, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2005
Art. 75. As incorreções ou omissões do auto de infração não acarretarão sua nulidade, quando nele constarem elementos suficientes para se determinar com segurança a natureza da infração e a pessoa do infrator.
Art. 59. São nulos:
I – os atos e termos lavrados por pessoa incompetente;
II – os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa.
§ 1.º A nulidade de qualquer ato só prejudica os posteriores que dele diretamente dependam ou sejam consequência.
§ 2.º Na declaração de nulidade, a autoridade dirá os atos alcançados, e determinará as providências necessárias ao prosseguimento ou solução do processo.
§ 3.º Quando puder decidir do mérito a favor do sujeito passivo a quem aproveitaria a declaração de nulidade, a autoridade julgadora não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta. (Incluído pela Lei n.º 8.748, de 1993.)
Art. 13. As incorreções, omissões ou inexatidões da notificação de lançamento e do auto de infração não o tornam nulo quando dele constem elementos suficientes para determinação do crédito tributário, caracterização da infração e identificação do autuado.
Art. 76. Os erros existentes no auto de infração poderão ser corrigidos pelo autuante, com anuência de seu superior imediato, ou por este, enquanto não apresentada defesa, cientificando-se o autuado e devolvendo-se-lhe o prazo para apresentação da defesa ou pagamento do débito fiscal com o desconto previsto em lei.
Parágrafo único. Apresentada a defesa, as correções possíveis somente poderão ser efetuadas pelo órgão de julgamento ou por determinação deste.
Art. 60. As irregularidades, incorreções e omissões diferentes das referidas no artigo anterior não importarão em nulidade e serão sanadas quando resultarem em prejuízo para o sujeito passivo, salvo se este lhes houver dado causa, ou quando não influírem na solução do litígio.
Art. 14. Os erros existentes na notificação de lançamento e no auto de infração poderão ser corrigidos pelo órgão lançador ou pelo autuante, com anuência de seu superior imediato, enquanto não apresentada impugnação e não inscrito o crédito em dívida ativa, cientificando o sujeito passivo e devolvendo-lhe o prazo para apresentação da impugnação ou pagamento do débito fiscal com desconto previsto em lei.
Parágrafo único. Apresentada a impugnação ou inscrito o crédito em dívida ativa, as correções possíveis somente poderão ser efetuadas pelo órgão de
147
julgamento ou por determinação deste.
Art. 77. Estando o processo em fase de julgamento, os erros de fato e os de capitulação da infração ou da penalidade serão corrigidos pelo órgão de julgamento, de ofício ou em razão de defesa ou recurso, não sendo causa de decretação de nulidade.
§ 1.º Quando da correção resultar penalidade de valor equivalente ou menos gravoso, será ressalvada ao interessado, expressamente, a possibilidade de efetuar o pagamento do débito fiscal no prazo de 30 (trinta) dias, contados da intimação, com desconto igual ao que poderia ter usufruído no decurso do prazo previsto para a apresentação da defesa.
§ 2.º A redução do débito fiscal exigido por meio de auto de infração, efetuada em decorrência de prova produzida nos autos, não caracteriza erro de fato.
Art. 61. A nulidade será declarada pela autoridade competente para praticar o ato ou julgar a sua legitimidade.
Art. 15. Estando o processo em fase de julgamento, os erros de fato ou de direito serão corrigidos pelo órgão de julgamento, de ofício ou em razão de impugnação ou recurso, não sendo causa de decretação de nulidade.
§ 1.º Nos casos de erros corrigidos de ofício, o sujeito passivo será cientificado, devolvendo-lhe o prazo para apresentação da impugnação ou pagamento do débito fiscal com desconto previsto em lei.
§ 2.º O órgão de julgamento mandará suprir as irregularidades existentes, quando não puder efetuar a correção de ofício.
§ 3.º Quando, em exames posteriores e diligências, realizados no curso do processo, forem verificadas incorreções, omissões ou inexatidões de que resultem agravamento da exigência inicial, será lavrado auto de infração ou emitida notificação de lançamento complementar, devolvendo ao sujeito passivo o prazo para impugnação da matéria agravada.
Art. 78. O órgão de julgamento mandará suprir as irregularidades existentes no auto de infração, quando não puder efetuar a correção de ofício.
§ 1.º As irregularidades que tiverem causado prejuízo à defesa, devidamente identificado e justificado, só acarretarão a nulidade dos atos que não
Art. 16. Nenhum auto de infração será retificado ou cancelado sem despacho da autoridade administrativa.
Parágrafo único. O arquivamento do auto de infração será providenciado pela unidade competente, na forma do regulamento.
148
puderem ser supridos ou retificados.
§ 2.º Saneadas as irregularidades pela autoridade competente e tendo havido prejuízo à defesa, será devolvido ao autuado o prazo de 30 (trinta) dias para pagamento do débito fiscal com o desconto previsto à época da lavratura do auto de infração, ou para apresentação da defesa, relativamente aos itens retificados.
Da análise dos enunciados chamam-nos maior atenção os referentes ao Conselho
Municipal de Tributos do Munícipio de São Paulo. Nota-se que o referido órgão prevê em
dois enunciados disposições, em nosso sentir, antagônicas. Vejamos.
De um lado, em seu art. 13, dispõe que “as incorreções, omissões ou inexatidões
da notificação de lançamento e do auto de infração não o tornam nulo quando dele constem
elementos suficientes para determinação do crédito tributário, caracterização da infração e
identificação do autuado” (grifo nosso).
Nesses termos, parece-nos adequado concluir que a determinação do crédito
tributário, caracterização da infração e identificação do autuado são elementos impassíveis
de correção e, a nosso ver, representam, pela própria disposição legal, elementos essenciais
do ato administrativo, revestindo-se do caráter de matéria de ordem pública.
Em contrapartida, no art. 15 dispõe:
Estando o processo em fase de julgamento, os erros de fato ou de direito serão corrigidos pelo órgão de julgamento, de ofício ou em razão de impugnação ou recurso, não sendo causa de decretação de nulidade.
§ 1.º Nos casos de erros corrigidos de ofício, o sujeito passivo será cientificado, devolvendo-lhe o prazo para apresentação da impugnação ou pagamento do débito fiscal com desconto previsto em lei (grifo nosso).
O referido enunciado confere a possibilidade, ainda que estando o processo em
fase de julgamento, de correção do lançamento fiscal, seja por erro de fato ou erro de
149
direito,173 abrangendo praticamente todas as possibilidades de vícios existentes e conferindo
salvaguarda para sua correção.
Uma forma de buscar conferir harmonia aos enunciados referidos seria
compreender que a correção do lançamento fiscal, seja por erro de fato ou erro de direito,
pode ser realizada ainda que o processo esteja em fase de julgamento, desde que não
configure erro de determinação do crédito tributário, caracterização da infração e
identificação do autuado.
Em que pese a tentativa de harmonia, ter-se-ia ainda quadro de patente atecnia,
haja vista os vícios apontados como não passíveis de correção poderem se revestir de erro
de fato e/ou de direito.
Verificamos situação similar com a legislação do contencioso administrativo
estadual de São Paulo, cujo art. 75 dispõe: “As incorreções ou omissões do auto de infração
não acarretarão sua nulidade, quando nele constarem elementos suficientes para se
determinar com segurança a natureza da infração e a pessoa do infrator” (grifo nosso).
Pelo enunciado, afigura-se-nos adequado concluir que as situações que impliquem
insegurança da natureza da infração e a pessoa do infrator são casos de nulidades não
passíveis, portanto, de correção.
Prosseguindo, na legislação estadual observamos o art. 77 no seguinte sentido:
“estando o processo em fase de julgamento, os erros de fato e os de capitulação da infração
ou da penalidade serão corrigidos pelo órgão de julgamento, de ofício ou em razão de defesa
ou recurso, não sendo causa de decretação de nulidade” (grifo nosso).
Em suma, o enunciado confere a possibilidade de correção dos erros de fato e os
de capitulação da infração ou da penalidade, e mais uma vez identificamos atecnia na
legislação em razão de esses vícios poderem configurar insegurança da natureza da infração
e da pessoa do infrator. É certa a possibilidade de realizar interpretação em que se teria nessas
duas situações – insegurança da natureza da infração e da pessoa do infrator – exceção à
173 “O erro de fato refere-se a erros relacionados à manipulação dos arranjos linguísticos empregados na composição dos enunciados, ou seja, dos modos cabíveis de relatar-se juridicamente um acontecimento do mundo real-social, relacionando-se com as provas, em suma são desajustes de linguagem internos. Já o erro de direito refere-se a um problema de subsunção, é a distorção entre o enunciado protocolar da norma individual e concreta e a universalidade enunciativa da norma geral e abstrata, em suma, são desajustes de linguagem externos” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Capítulo II).
150
regra, mas ainda sim estaríamos diante de afronta à matéria de ordem pública, portanto, não
passível de correção.
6.12 Responsabilidade tributária é matéria de ordem pública?
Matéria que vem gerando considerável nível de debate jurídico, especialmente no
âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, é o reconhecimento da
ilegitimidade passiva como matéria de ordem pública.174
À guisa de exemplo, podemos mencionar os seguintes julgados mais recentes
sobre a temática: (i) 3402-006.831; (ii) 1301003.943; (iii) 1002-000.744; (iv) 3402006.609;
(v) 9101003.589.
Acórdão Fundamento Data do julgamento
3402-006.831, 3.ª Seção de
Julgamento, 4.ª Câmara, 2.ª
Turma Ordinária
Não cabe às Turmas Ordinárias apreciar matéria, ainda que de ordem pública, que não seja atinente a um recurso de ofício ou a um recurso voluntário, no caso, a responsabilidade tributária de pessoas que não interpuseram recurso voluntário.
21.08.2019
1301003.943, 3.ª Câmara, 1.ª
Turma Ordinária
Em primeiro lugar, quanto ao não conhecimento das alegações de ilegitimidade passiva, em razão da intempestividade do recurso voluntário dos responsáveis, entendo que a questão pode, e deve, ser conhecida de ofício por este Colegiado, por se tratar a ilegitimidade passiva de questão de ordem pública, não sujeita a preclusão e cujo conhecimento independe de alegação específica. Contudo, outro ponto relevante há se ser observado. A preclusão só incidirá sobre as questões cuja ausência de arguição na época oportuna refira-se a assunto de disponibilidades das partes, ou seja, não afeta questões de ordem pública. Nesse caso, entendemos que não se aplica a preclusão, podendo a decisão ser revista a qualquer tempo ou grau de jurisdição, ou mesmo apreciado novo argumento, independentemente do momento em que a matéria tenha sido arguida.
11.06.2019
174 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-06/direto-carf-ilegitimidade-passiva-processos-administrativos-carf. Acesso em: 8 nov. 2019.
151
1002-000.744, 1.ª Seção de
Julgamento, 2.ª Turma
Extraordinária
Ad initio, faz-se mister reconhecer de ofício a ilegitimidade passiva da recorrente. Trata-se de tema afeto à ordem pública e, portanto passível de apreciação direta por este e. Colegiado Recursal. É de inequívoca consequência a superação do transcurso temporal, quando se trata de sujeito passivo ilegítimo, razão pela qual essa situação representa o cerne meritório da presente causa.
09.07.2019
3402006.609, 4.ª Câmara, 2.ª
Turma Ordinária
Contudo, aqui estamos diante de questão de ilegitimidade passiva que, sabidamente, é condição da ação e, por conseguinte, matéria de ordem pública conhecível a qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme expressa o artigo 485, inciso VI e § 3.º do Novo Código de Processo Civil (antigamente no art. 267, VI, § 3.º, do CPC).
21.05.2019
9101003.589, 1.ª Turma [...] a busca da verdade material; a prevalência do princípio inquisitorial; e o cumprimento da finalidade de controle da legalidade do ato administrativo, que normalmente produz uma ampliação no rol das questões que devem ser consideradas como de ordem pública, quando se compara com o processo civil (regido pelo princípio dispositivo). Nesse passo, registramos que a correta identificação do sujeito passivo configura elemento fundamental na atividade de lançamento, conforme o art. 142 do CTN. No entanto, por outro lado, nenhum sujeito passivo devidamente intimado para o cumprimento da exigência fiscal no momento do lançamento pode ingressar no processo apenas na fase de recurso voluntário, sem ter apresentado anteriormente impugnação.
08.05.2018
Notamos nos cinco casos elencados que todos são uniformes ao considerar a
ilegitimidade passiva como matéria de ordem pública. Com efeito, a diferença é a
consequência atribuída a uma matéria considerada de ordem pública.
Nesse sentido, temos o seguinte cenário:
(i) 3402-006.831 – Nesse caso, em que pese reconhecer a matéria como de
ordem pública, pontua a necessidade de arguição tempestiva em âmbito
recursal para possibilidade de apreciação por parte do órgão
administrativo. Parece-nos que a referida conclusão retira efeito cristalino,
em nosso sentir, da matéria de ordem pública, qual seja a possibilidade de
152
conhecimento em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não
ocorrer o trânsito em julgado, para o âmbito administrativo, ou seja, a
finalização do trâmite processual. O referido raciocínio insere ainda no
âmbito de consequência jurídica as matérias de ordem pública e as não de
ordem pública, uma vez que ambas requerem a tempestiva arguição para
sua análise.
(ii) 301003.943 – 1002-000.744 – 3402006.609 – em todos esses casos, a
conclusão foi no sentido de que, como matéria de ordem pública, a
ilegitimidade passiva transcende os interesses individuais, sendo,
portanto, conhecível a qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme
expressa o art. 485, VI e § 3.º, do Código de Processo Civil/2015.
(iii) 9101003.589 – por fim, o último julgado inserido, em que pese reconhecer
a matéria como de ordem pública, esbarra no art. 14 do Decreto
70.235/1972, “a impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do
procedimento”, requerendo, portanto, o expresso enfrentamento
tempestivo do argumento de defesa para sua análise. Aqui, apontamos as
mesmas observações realizadas no caso 3402-006.831. Em nosso sentir,
reconhecer determinada matéria como de ordem pública é conferir a
necessária possibilidade de conhecimento/admissibilidade em qualquer
tempo e grau de jurisdição, até a finalização do trâmite processual. Adotar
postura diversa retira o principal traço diferenciador, em termos de
consequente jurídico, das matérias de ordem pública e das não matérias de
ordem pública: o reconhecimento e a análise dessas matérias em qualquer
momento, enquanto houver trâmite processual.
Parece-nos hialina a conclusão de que a ilegitimidade passiva é matéria a ser
elevada à categoria de ordem pública, com respaldo, inclusive, no próprio Código de
Processo Civil, art. 485, VI e § 3.º (verificar a ausência de pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo).
Ponto que consideramos precisar ser pacificado, especialmente no âmbito do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, é a consequência a ser atribuída, uma vez
153
considerada determinada matéria de ordem pública. Aqui mais uma vez reiteramos que a
inserção de elemento nessa classe implica a possibilidade de conhecimento e análise
enquanto não exaurido o trâmite processual, principalmente no âmbito do contencioso
administrativo tributário, que possui como princípios basilares a autotutela, a eficiência e o
interesse público.
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ultrapassados os apontamentos realizados, é chegado o momento de tecermos as
considerações finais acerca da temática proposta à análise e aqui retomamos a origem
motivadora do presente estudo: nossa experiência no Tribunal de Impostos e Taxas do
Estado de São Paulo (TIT/SP).
Com efeito, o exercício da função de julgador no maior Tribunal Administrativo
Estadual do País oferece denso repertório de análise para uma diversidade de temas
merecedores de um olhar mais profundo e inseridos em contexto de paridade, no qual
denotam-se valores dos representantes do fisco e dos contribuintes.
Como assentado anteriormente, entendemos inexistir uma dicotomia entre o
interesse do fisco e do contribuinte, e o que se busca ou deve ser perquirido no
estabelecimento dessa relação é o alcance de uma tributação justa, observados os princípios
e requisitos do direito administrativo tributário e a preservação do interesse público.
Nesses termos, contrariando linha de entendimento que sustenta primeiro temos
o ato de decisão para depois fundamentar, o desenvolvimento do presente trabalho observou
trajetória diversa.
Iniciamos com uma questão nuclear desprovidos de qualquer faceta conclusiva
acerca do assunto: matérias de ordem pública no âmbito do contencioso administrativo
tributário. O próprio desenvolvimento dos capítulos formadores da pesquisa não resulta de
ato preestabelecido de tipificação, mas sim de desencadeamento e aprofundamento das
questões de base tratadas no capítulo inicial.
As matérias de ordem pública revelaram-se temática de acentuada complexidade
com tratamento ainda tímido no âmbito acadêmico, em especial no processo administrativo
tributário. O campo de investigação jurisprudencial dos principais Tribunais Administrativos
do País e do Superior Tribunal de Justiça ratificaram a necessidade de tratamento mais
coerente ao assunto e a fixação de premissas mais claras e balizadas.
Não nos preocupamos em nenhum momento em realizar a defesa de determinada
posição em torno da matéria, mas sim de construir posição que se relevasse segura e coerente
com as premissas estabelecidas.
Nesse contexto, chegamos aos seguintes pontos basilares:
155
(i) É certo que cada âmbito jurídico possuirá elementos próprios formadores
do sentido do termo matéria de ordem pública.
(ii) Assim, cada disciplina jurídica possui seu próprio núcleo de regras e
princípios fundamentais e em cada uma será diferente a eventual
constatação da violação à ordem pública. Porém, os diversos conceitos
acabam por chegar ao mesmo cerne: são de ordem pública as normas
conforme suas finalidades, os valores que elas representam e a realidade
fática para a qual se dirigem.175
(iii) A matéria de ordem pública está estritamente relacionada com o conjunto
dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico, com valor
supraordenador e básico, cuja salvaguarda tem em vista não apenas a tutela
de interesses privados, mas também – e primariamente – a de interesses
coletivos.176
(iv) No âmbito do contencioso administrativo tributário, o conhecimento das
a) características desse âmbito; b) de seus princípios; e c) dos requisitos
do ato administrativos são essenciais para evidenciar o núcleo de formação
da matéria de ordem pública.
(v) Nesse sentido, identificamos três princípios basilares que denotam os
principais valores do âmbito administrativo tributário: a) autotutela (e aqui
também inserimos a oficialidade como valor decorrente); b) eficiência; e
c) interesse público (este, a nosso ver, é a diretriz de maior busca do
processo administrativo tributário).
(vi) Todos os exemplos concretos de questões de ordem pública indicam que
o sistema não admite que um processo viciado deva sobreviver por longo
tempo. Há um aspecto de utilidade muito latente. Se o instrumento não
serve a seus fins, deve ser eliminado desde logo. A ordem pública
175 Esse é o posicionamento trazido por Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão Ferreira na obra Prequestionamento e matérias de ordem pública cit., p. 28.
176 PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual cit., p. 758.
156
processual somente pode ser interpretada como um conjunto de técnicas
voltadas ao tempestivo controle sobre a viabilidade do processo.177
(vii) A ordem pública e os direitos indisponíveis têm em comum o fato de
retratarem o interesse público, e este, por sua vez, a despeito de variar
conforme o tempo e o lugar, deve ser encarado como núcleo de interesses
tutelados pelo ordenamento jurídico, a partir de sua matriz
constitucional.178
(viii) Chegamos à segura conclusão, inseridos nas premissas anteriormente
delineadas, de que no âmbito do contencioso administrativo tributário a
observância aos princípios específicos/formadores do processo
administrativo tributário e dos requisitos do ato administrativo se reveste
de matéria de ordem pública por consistir o próprio núcleo de regras e
princípios fundamentais do ordenamento jurídico do processo
administrativo tributário, representando valor supraordenador e básico
voltado à preservação e concretização do interesse público. A referida
conclusão é reforçada e embasada pela conjugação dos princípios da
autotutela, eficiência e do interesse público, que atuam como verdadeiros
vetores do processo administrativo tributário.
Neste momento, notamos que nossa indagação inicial – motivadora da presente
pesquisa – nos leva a outro questionamento que se releva como verdadeiro elemento
fundante do tema: no âmbito do contencioso administrativo tributário o que não é matéria
de ordem pública?
Aqui, acreditamos existirem duas barreiras que levarão à construção da classe de
não matéria de ordem pública: a) matérias que demandem dilação probatória; e b) matérias
não passíveis de conhecimento. Portanto, tudo o que não necessitar de dilação probatória e
for passível de conhecimento é matéria de ordem pública no âmbito do contencioso
administrativo tributário, uma vez que esse âmbito se reveste, em primeiro lugar, do caráter
de controle da legalidade dos atos administrativos, de modo que o dever de autotutela deve
ser exercido ainda de ofício para preservação do interesse público, aqui entendido como a
177 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem pública e processo: o tratamento das questões de ordem pública no direito processual civil cit., p. 65.
178 Idem, p. 17.
157
observância aos princípios/procedimentos necessários para constituição de crédito tributário
respaldado nas características da liquidez e certeza.
Podemos seguramente concluir que a constituição de crédito tributário desprovido
do caráter de liquidez e certeza é ato nitidamente atentatório ao interesse público. Isso porque
consideramos não ser de interesse público a utilização da máquina estatal por meio de
funcionários e órgãos para lavratura de lançamentos fiscais e manutenção de autos de
infrações fadados ao insucesso no âmbito do contencioso judicial.
Atos dessa natureza implicam: a) o reforço do pseudoquadro de certidões de
dívidas ativas que comporão o percentual de irrisório crédito tributário recuperável,179 ou
seja, valores convertidos aos cofres públicos resultantes dos processos judiciais; b) o
indevido uso de gasto da máquina pública, seja na fase da lavratura do auto de infração, no
julgamento administrativo ou no judicial, utilizando considerável dedicação de tempo dos
agentes fiscais, dos julgadores administrativos e judiciais e da procuradoria, entre outros que
atuam durante o trâmite processual; e, ainda, c) o direto dispêndio econômico-financeiro na
condenação de honorários sucumbenciais à Fazenda Pública.180
Com efeito, todos esses pontos atuam de forma diametralmente oposta à eficiência
e ao interesse público que devem ser perquiridos e concretizados, especialmente no âmbito
do contencioso administrativo tributário com o exercício da autotutela. Cabe a advertência
de que não temos a pretensão de relacionar o irrisório índice de recuperabilidade do crédito
tributário simplesmente com a manutenção no âmbito administrativo de lançamentos fiscais
179 Sobre o assunto interessante verificar o artigo disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/02/21/o-gasto-com-as-execucoes-fiscais-inuteis/. Acesso em: 17 nov. 2019, no qual há a pertinente conclusão: “O Estado brasileiro terá que repensar sua forma de cobrar seus créditos. Isso não apenas contribuirá com a redução do abarrotamento do Judiciário, auxiliando-o a cumprir o mandamento constitucional de prestar jurisdição de maneira célere, mas também propiciará maior racionalidade, economicidade e eficiência na arrecadação”.
180 A condenação da Fazenda Pública é tratada expressamente no art. 85 do Código de Processo Civil em seu § 3.º, que traz a seguinte previsão: “Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2.º e os seguintes percentuais: I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários mínimos; II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários mínimos até 2.000 (dois mil) salários mínimos; III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários mínimos até 20.000 (vinte mil) salários mínimos; IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários mínimos até 100.000 (cem mil) salários mínimos; V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários mínimos”.
158
desprovidos do caráter da liquidez e certeza, contudo há forte influência nesse sentido, o que
retira a característica de filtro exercido pelo contencioso administrativo tributário.
Avançando nas considerações finais, é preciso elucidar o que entendemos como
barreiras que levarão à construção da classe de não matéria de ordem pública: a) matérias
que demandem dilação probatória; e b) matérias não passíveis de conhecimento.
No tocante à primeira – matérias que demandem dilação probatória –, já
enunciamos considerações no sentido de que no âmbito jurídico lidamos constantemente
com linguagem/prova, de forma ser incabível considerar a existência de fato jurídico não
revestido na linguagem das provas. Por essa razão, afastamos desde o início a falsa percepção
de que a análise probatória é impeditiva para reconhecimento de matéria de ordem pública.
Questão diversa é quando o caso necessita de dilação probatória para a construção
do fato jurídico relevante para o adequado consequente normativo do julgamento. Nesse
sentido, sendo o ato administrativo de lançamento provido do pressuposto de legitimidade e
validade, não havendo prova no sentido de infirmá-lo, sua consideração como legítimo e
válido é de rigor, não cabendo nesses termos falar em vício – matéria de ordem pública –
por inexistência de elementos que permitam essa identificação por parte do julgador
administrativo.
Quanto à segunda barreira – matérias não passíveis de conhecimento –,
identificamos duas possíveis formas de compreensão: b.1) a primeira relacionada ao não
conhecimento com base no regramento específico de cada órgão de julgamento
administrativo, havendo, nesse contexto, a observância ao rigor literal e formal desses
enunciados. Teríamos como exemplos de não conhecimento: recursos intempestivos,
questões de constitucionalidade e inovações recursais não arguidas inicialmente; b.2) por
outro lado, temos uma segunda via de entendimento atrelada aos vetores principiológicos do
processo administrativo fiscal, no qual a eficiência, a autotutela e o interesse público
flexibilizam essas questões formais de conhecimento, devendo prevalecer a constituição de
crédito tributário provido do necessário caráter de certeza e iliquidez.
Aqui, reitera-se a ponderação da delimitação da jurisdição administrativa no
sentido de impossibilidade de reconhecimento de norma inconstitucional – atribuição do
poder judicial –, e questão diversa, em nosso sentir, é a não aplicação de norma, ainda que
prevista no âmbito de regulamento administrativo, mas considerada incompatível com o
ordenamento jurídico. Sustentamos que considerações dessa natureza requerem o respaldo
159
em situações sedimentadas no âmbito judicial, especialmente as previstas nos arts. 926,181
927,182 e 928183 do Código de Processo Civil.
Nesses casos, ainda que constatada a intempestividade ou a inovação em matéria
recursal, em virtude da eficiência, autotutela e interesse público a serem preservados no
contencioso administrativo, identificado vício no lançamento fiscal, será imperiosa a
admissibilidade para o reconhecimento, ainda que de ofício, de matéria de ordem pública.
Adotar entendimento contrário, a nosso ver, é retirar o caráter de filtragem que o
processo administrativo tributário desempenha em nosso ordenamento e contribuir para o
lamentável quadro de congestionamento de execuções fiscais em curso e irrisório índice de
recuperabilidade do crédito tributário.
Advertimos que o consequencialíssimo do panorama do preocupante quadro de
abarrotamento de lides judiciais tributárias é mero ato decorrente e não causal das conclusões
alcançadas no presente trabalho. Em outras palavras, o referido cenário não é fonte
motivadora para conclusão acerca de nossa compreensão do que seja matéria de ordem
pública, mas, devidamente a partir da premissa estabelecida no presente trabalho, temos nas
181 “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1.º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2.º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”
182 “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1.º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1.º, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2.º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3.º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4.º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5.º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”
183 “Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em: I – incidente de resolução de demandas repetitivas; II – recursos especial e extraordinário repetitivos. Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.”
160
matérias de ordem pública eficaz instrumento para filtragem qualitativa dos processos
judiciais.
Acreditamos que as considerações tecidas – em que pese o persistente sentimento
de inesgotabilidade que nos acompanhou a cada escrito realizado – possuem o condão de
alcançar o propósito inicialmente estabelecido: definir uma classificação para as matérias de
ordem pública no âmbito do contencioso administrativo tributário.
Como toda classificação, encontra-se aberta a um vasto campo de refutações, o
que acreditamos ser salutar para o desenvolvimento e aprofundamento de temática ainda
pouco explorada no âmbito do processo administrativo tributário.
Entretanto, a coerência às premissas fixadas é um traço perquirido em cada marca
de tinta produzida, de forma que o destino atingido é natural resultado dos caminhos
trilhados. É certo que há outras vertentes e foge de nossa pretensão determinar nossa opção
como única ou melhor escolha possível.
Trata-se, com razão, de uma possibilidade, a nosso ver, condizente com a essência
do processo administrativo tributário como instrumento de autotutela/controle de legalidade
dos atos administrativos/filtro qualitativo das demandas judiciais e concretização do
interesse público.
161
REFERÊNCIAS
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem pública e processo: o tratamento das questões de ordem pública no direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2011.
ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. Porto Alegre: Letras Jurídicas, 1987. v. I.
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
______. Sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 1968.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
______. ______. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
BECHO, Renato Lopes; PINTO, Edson Antônio Sousa Pontes. O princípio da eficiência no processo administrativo tributário a partir do Código de Processo Civil. Processo administrativo tributário. Belo Horizonte. D’Plácido. 2018.
BEZERRA NETO, Bianor Arruda. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz. São Paulo: Noeses, 2018.
BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 11. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1998.
BUENO, Cassio Scarpinella. O “modelo constitucional do direito processual civil”: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/31094177/Modelo_ Constitucional_do_processo_civil.pdf?response-content-disposition=inline%3B%20filena me%3DTeoria_do_Processo_e_Teoria_do_Direito_o.pdf&X-Amz-Algorithm=AWS4-HMAC-SHA256&X-Amz-Credential=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A%2F20191012%2 Fus-east-1%2Fs3%2Faws4_request&X-Amz-Date=20191012T181838Z&X-Amz-Expires=3600&X-Amz-SignedHeaders=host&X-Amz-Signature=664f02823b242e7d16ea 53536dde4152a297524d93aecc38ffca8ece578d0477. Acesso em: 12 out. 2019.
CAMPOS, Francisco. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. v. 2.
162
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009.
CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o constructivismo lógico-semântico. Org. Aurora Tomazini de Carvalho. São Paulo: Noeses, 2014. v. I.
______. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
______. ______. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
______. Derivação e positivação no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2016. v. III.
______. Direito tributário: linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2009.
______. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
CONRADO, Paulo César; ARAÚJO, Juliana Furtado Costa. O novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015.
______. Processo tributário analítico. Coisa julgada. São Paulo: Noeses, 2019. v. IV.
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. Constituição e Código Tributário Nacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CRETELLA JR., José. Da autotutela administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 108, p. 50-63, abr./jun. 1972.
D’EÇA, Fernando Luiz Gama Lobo. Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – Carf. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – Carf. São Paulo: RT/Centro de Extensão Universitária, 2012. (Série Pesquisas Tributárias. Nova Série, n. 18.)
DELGADO, José Augusto. A ordem pública como fator de segurança. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/79062873.pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
______. ______. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
163
FALLET, Allan. A natureza jurídica do processo administrativo fiscal. São Paulo: Noeses, 2019.
FERREIRA, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão. Prequestionamento e matérias de ordem pública. Curitiba: Juruá, 2019.
FLEINER, Fritz. Instituciones de derecho administrativo. Traducción da 8. ed. Sabin A. Gendin. Barcelona, Madrid e Buenos Aires: Labor, 1993.
FOLCO, Carlos María. Procedimiento tributario. Natureza y estructura. 3. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2011. t. I.
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária. Fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009.
GÓES, Gisele Santos Fernandes. Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial. Orientador: Tereza Arruda Alvim. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – PUC-SP, São Paulo, 2007.
GONÇALVES, José Artur Lima. Planejamento tributário: certezas e incertezas. São Paulo: Dialética, 2006. (Grandes questões atuais do direito tributário, v. 10.) 2006.
GORDILLO, Agostin A. Procedimento y recursos administrativos. 2. ed. Buenos Aires: Macchi, 1971.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Litisconsórcio necessário e nulidade do processo (matéria que independe de prequestionamento). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 804, out. 2002.
HART, Hebert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
IVO, Gabriel. O direito e a inevitabilidade do cerco da linguagem. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2014. v. 1.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.
LINS, Robson Maia. Curso de direito tributário brasileiro. São Paulo: Noeses, 2019.
MACEI, Demetrius Nichele. A verdade material no direito tributário. A cidadania fiscal administrativa e judicial. São Paulo: Malheiros, 2013.
MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de segurança. São Paulo: RT, 1994. v. III.
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). São Paulo: Dialética, 2010.
164
______. Princípios fundamentais do direito processual tributário. São Paulo: Dialética, 1998.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
______. O processo administrativo e em especial o tributário. São Paulo: IBDF/Resenha Tributária, 1975.
MELO, Fábio Soares de. Processo administrativo tributário: princípios, vícios e efeitos jurídicos. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
MELO, José Eduardo Soares. Princípio da eficiência em matéria tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.) Pesquisas tributárias. 12. ed. São Paulo: RT/CEU, 2006. (Nova Série.)
MELLO, Rogério Licastro Torres de. Atuação de ofício em grau recursal. São Paulo: Saraiva, 2010.
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006.
______. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005.
NEDER, Marcos Vinicius; LÓPEZ, Maria Teresa Martínez. Processo administrativo fiscal federal comentado. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2010.
NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1992.
______; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. Novo CPC, Lei 13.105/2015. São Paulo: RT, 2015.
PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual. Coimbra: Almedina, 2005.
RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo administrativo tributário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. Admissibilidade. Sentença de mérito proferida em processo de liquidação por órgão judicial desconsiderar o princípio dispositivo. Inexistência de pedidos de condenação em verbas e títulos referentes ao pensionamento. Violação literal
165
disposição de lei no julgamento extra e ultra petita. Revista de Processo, São Paulo, v. 151, 2007.
ROCHA, Valdir de Oliveira. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, 1997.
ROQUE, Nathaly Campitelli. A ordem pública e seu regime jurídico do direito processual civil – As questões de ordem pública. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 908, p. 266-267, 2013.
SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015.
SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico. Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
SILVA, Vicente Ferreira da. Lógica simbólica. São Paulo: Realizações, 2009.
TELES, Galderise Fernandes. Planejamento tributário e normas antielisivas: uma análise a partir da perspectiva de nosso sistema constitucional. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014.
THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1.
TIPKE, Klaus. Moral tributaria del Estado y de los contribuyentes (Besteuerungsmoral und Steuermoral). Traducción, presentación y notas a cargo de Pedro M. Herrera Molina. Prólogo de Juan José Rubio Guerrero. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2002.
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008.
VILLAR Y ROMERO, Jose Maria. Derecho procesal administrativo. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1948.
VIVEIROS, Estefânia. Os limites do juiz para correção do erro material. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.
XAVIER, Alberto. Princípios do processo administrativo e judicial tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4. ed. São Paulo: RT, 1998.
166
Outros sites consultados
http://idg.carf.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/memoria-institucional. Acesso em: 28 jun. 2017.
https://www.conjur.com.br/2019-nov-06/direto-carf-ilegitimidade-passiva-processos-administrativos-carf. Acesso em: 8 nov. 2019.
http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao. Acesso em: 3 fev. 2019.
http://www.oabsp.org.br/servicos/tabelas/tabela-de-custas/justica-estadual//. Acesso em: 1.º set. 2018.
https://portal.fazenda.sp.gov.br/servicos/tit/Paginas/prazo_medio.aspx. Acesso em: 3 fev. 2019.
https://portal.fazenda.sp.gov.br/servicos/tit/Paginas/Sobre.aspx. Acesso em: 28 jun. 2017.
http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=decisoesinicio. Acesso em: 1.º set. 2018.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/fazenda/institucional/index.php?p=3182. Acesso em: 29 ago. 2018.
167
ANEXO – EMENTÁRIO DE JULGADOS
1. Análise de julgados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS (Carf) N.º Acórdão Matéria
discutida como ordem pública
Resultado da análise
Argumento nuclear Data de julgamento
1003000.013 Falta de juntada ao processo do ato de exclusão do Simples
É matéria de ordem pública.
Tratando-se de ato vinculado, tem-se que a lei define todos os seus aspectos e a Administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse como requisito de validade. A juntada aos autos do ato declaratório é imprescindível para a caracterização inequívoca do fato que o motivou a exclusão em consonância com a norma legal.
06.06.2018
9303006.608 Necessidade de lançamento de ofício para alteração de base de cálculo dos débitos em pedido de ressarcimento de PIS/Cofins não cumulativos
Não é matéria de ordem pública
A necessidade ou não de realização de lançamento de ofício é matéria que poderia ter sido alegada pela parte desde o início da discussão travada no processo administrativo, não se tratando de hipótese que deva ser reconhecida de ofício pelo juiz.
11.04.2018
9303005.100 Aplicação da correção monetária e dos expurgos inflacionários sobre repetidos
É matéria de ordem pública
Sabe-se já estar pacificado no Poder Judiciário que a correção monetária é matéria de ordem pública, de forma que, implicitamente, integra o pedido formulado pelo autor da demanda.
11.05.2017
9303005.491 Aplicação da correção monetária e dos expurgos inflacionários sobre repetidos
É matéria de ordem pública
É pacificado no Poder Judiciário que a correção monetária é matéria de ordem pública, de forma que, implicitamente, integra o pedido formulado pelo autor da demanda.
27.07.2017
1402-00.246 Exigência da multa de ofício proporcional concomitante-
É matéria de ordem pública
As aplicações de penalidades são matérias de ordem pública, pois o Estado não tem interesse
04.08.2010
168
mente com a multa isolada por falta de recolhimento de estimativa, sobre essa mesma base de cálculo
em punir indevidamente os administrados.
1102000.826 Cerceamento do direito de defesa – ausência de requisitos fundamentais no auto de infração
É matéria de ordem pública
Analisando o Auto de Infração 2994 (fls. 12/18), verifica-se facilmente que não foram determinados a matéria tributável nem seu fato gerador, ou seja, não revelou a peça acusatória sobre qual tributo e período de apuração estava sendo calculado o suposto crédito tributário. O auto de infração é um ato/procedimento administrativo formal e solene, cuja forma e rito estão descritos no art. 10 do Decreto 70.235/1972, de tal forma que a inobservância aos requisitos mínimos ali prescritos, por primarem pela segurança jurídica da relação tributária, poderá tornar inválido e nulo todo o seu resultado.
05.12.2012
1302003.307 Coisa julgada material
É matéria de ordem pública
A inação do contribuinte, todavia, não impede o conhecimento do fato ora analisado, seja por se tratar, efetivamente, de uma ordem judicial que, como dito, pode encerrar a apuração de crime de desobediência, acaso não acatada, seja porque, a teor do art. 337, VII e § 5.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo administrativo por força de disposição legal expressa (art. 15 do aludido digesto processual), a coisa julgada é matéria de ordem pública cognoscível de ofício em qualquer grau ou instância de julgamento.
13.12.2018
01-05.895 Incompetência do julgador
É matéria de ordem pública
O controle da competência dos órgãos julgadores no processo administrativo, por constituir pressuposto processual de ordem pública, é passível de
25.06.2008
169
conhecimento ex officio pela autoridade pública administrativa julgadora, não dependendo, em consequência, de qualquer provocação formal dos sujeitos que intervêm no processo.
CSRF/01-05.837
Incompetência do julgador
É matéria de ordem pública
O controle da competência dos órgãos julgadores no processo administrativo, por constituir pressuposto processual de ordem pública, é passível de conhecimento ex officio pela autoridade administrativa julgadora, não dependendo, em consequência, de qualquer provocação formal dos sujeitos que intervêm no processo.
15.07.2008
1301002.158 Aplicação de legislação vigente à época dos fatos. Decreto 5.442/2005, o qual reduzia a zero as alíquotas das referidas contribuições incidentes sobre as receitas financeiras
Não é matéria de ordem pública
Os exemplos citados, especialmente aplicáveis ao processo administrativo fiscal, são a decadência, as condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade de parte), além dos pressupostos processuais de existência e validade. Em tais situações, a jurisprudência administrativa tem admitido o exame em segundo grau mesmo na ausência de prequestionamento na fase impugnatória ou, ainda, que o relator ou qualquer dos julgadores suscite de ofício matéria não impugnada nem recorrida. Bem se vê, entretanto, que no caso em tela não está em discussão questão que possa ser entendida como de ordem pública.
05.10.2016
1302000.999 Decadência É matéria de ordem pública
Com efeito, a jurisprudência predominante entende que a decadência é questão de ordem pública, devendo ser reconhecida inclusive de ofício.
02.10.2012
1302003.232 Decadência É matéria de ordem pública
A decadência, na forma dos arts. 332, § 1.º, e 342, II, do CPC, aplicável à espécie por força do art. 15
21.11.2018
170
do citado diploma processual civil, é matéria de ordem e, portanto, cognoscível de ofício em qualquer grau de jurisdição, não se aplicando, no caso, as limitações impostas pelo art. 16 do Decreto 70.235/1972.
1401002.645 Decadência É matéria de ordem pública
De fato, se for para formar seu livre convencimento, o julgador pode conhecer de argumentos de fato ou de direito ex officio, desde que indique os motivos que levaram a tal decisão. Isso porque, em virtude do dever de decidir (proibição do non liquet), há o poder-dever de aplicar ao caso a norma jurídica que o julgador entender mais pertinente, mesmo que não tenha sido suscitada pelas partes.
17.05.2018
1401003.101 Decadência É matéria de ordem pública
No entanto, certo é que a matéria de decadência, por ser de ordem pública, não preclui, devendo ser enfrentada nesse julgamento.
24.01.2019
1102-001.222
Lançamento com erro na modalidade de regime de tributação. A fiscalização não poderia ter efetuado o lançamento na modalidade do lucro real anual, pois a regra geral de periodicidade seria o lucro real trimestral
É matéria de ordem pública
Esclarecemos que o vício do lançamento é de ordem material. Isso porque o erro no critério temporal do fato gerador agride a própria definição do lançamento do art. 142 do Código Tributário Nacional, na medida em que há claras falhas na determinação da matéria tributável e no cálculo do montante devido.
21.10.2014
101-93.726 Erro na identificação de sujeito passivo
É matéria de ordem pública
Não se podendo sanear o lançamento, sem efetuar um novo lançamento, uma vez que nele deveria figurar como sujeito passivo a sucessora, que é responsável tributária pelos tributos devidos pela sucedida (art. 132 do CTN) e é titular, de fato, do interesse contrário à pretensão do Fisco, não resta outra hipótese senão
23.01.2002
171
a declaração de nulidade do ato de ofício.
1801002.048 Exigência concomitante das multas de ofício aplicadas na autuação fiscal
Não é matéria de ordem pública
Assiste razão à Procuradoria da Fazenda Nacional no que respeita ao fato de esta Turma Julgadora haver julgado ultra petita, em vista do fato de a recorrente não ter se manifestado contra a exigência concomitante das multas de ofício aplicadas na autuação fiscal – art. 44, II, b, e I, § 1.º, da Lei 9.430/ 1996 vigente –, o que tornou a matéria incontroversa e impossível de análise pelo segundo grau colegiado de julgamento.
29.07.2014
1302001.732 Fatos geradores equivocadamente tidos, pela fiscalização, como ocorridos trimestralmente, sendo que para essas contribuições a norma tributária prevê a ocorrência mensal
é matéria de ordem pública
As exigências de ofício para as contribuições de PIS e Cofins realizadas ao arrepio da norma tributária quanto à peridiocidade da ocorrência dos fatos geradores das contribuições não pode prevalecer e afronta o art. 142 do CTN. O vício constatado nos Autos de Infração acostados às fls. 186 a 190 (Cofins) e às fls. 197 a 201 (PIS) é de natureza material e não pode ser saneado, pelo que insubsistentes os lançamentos tributários para a exigência de PIS e Cofins.
09.12.2015
1301003.779 Ilegitimidade passiva
É matéria de ordem pública
No caso, o auto de infração foi lavrado em nome de órgão da Administração direta estadual, sem personalidade jurídica, e não em nome da pessoa jurídica de direito público interno (unidade federada). Ilegitimidade passiva configurada.
21.03.2019
1401003.018 Incorreções na base de cálculo do arbitramento, bem como a inadequação da sua adoção,
Não é matéria de ordem pública
Entretanto, nenhuma matéria de ordem pública foi alegada, mas apenas razões de mérito, que sabidamente estavam sujeitas à preclusão consumativa.
22.11.2018
172
1402002.083 Recurso intempestivo – decadência
É matéria de ordem pública
Tratando-se de matéria de ordem pública, entendo que, ainda que o recurso voluntário seja tempestivo, deva-se manter a exoneração do crédito tributário em razão de sua extinção pela ocorrência de decadência.
21.01.2016
9202007.615 Recurso intempestivo – decadência
Impossibilidade de análise de matéria de ordem pública pela intempes-tividade
A intempestividade afasta a possibilidade de apreciação da decadência, mesmo diante do fato de se tratar de matéria de ordem pública que, portanto, pode ser conhecida de ofício. Não se deve confundir a possibilidade de conhecimento de ofício de uma matéria não suscitada pelas partes com a análise de tema desprovido de suporte em instrumento jurídico, pois a interposição de recurso fora do prazo ocasiona seu não conhecimento, não havendo que falar em análise do mérito.
26.02.2019
1301002.272 Multa confiscatória
Não é matéria de ordem pública
O argumento de multa confiscatória carece de prequestionamento, quando não alegado na peça de impugnação, seja entendendo-se como matéria de ordem pública ou não. Ademais, incabível na esfera administrativa, a discussão sobre ferimento de princípios constitucionais, pois essa competência é atribuída exclusivamente ao Poder Judiciário. O Carf não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária (Súmula Carf 2).
10.04.2017
9303008.207 A exigência de multa, inclusive agravada, no lançamento de oficio, para a constituição de crédito tributário
Não é matéria de ordem pública
No presente caso, entendo que a aplicação da multa agravada no lançamento de ofício não constitui matéria de ordem pública. O conceito de ordem pública não está previsto em quaisquer diplomas legais. Assim, trata-se
21.02.2019
173
de um conceito subjetivo. Na esfera administrativa, as decisões sobre o lançamento de multas de ofício são no sentido de que tal matéria não constitui questão de ordem pública e deve ser expressamente questionada no respectivo recurso voluntário.
1402-00.236 Exigência de penalidades, entre elas a multa de ofício isolada por falta de recolhimento do tributo por estimativa
É matéria de ordem pública
Resta então aqui decidir se exigência da multa de ofício proporcional concomitantemente com a multa isolada por falta de recolhimento de estimativa, sobre essa mesma base de cálculo, seria matéria de ordem pública, passível de apreciação de ofício. Entendo que sim. A rigor, as aplicações de penalidades são matérias de ordem pública, pois o Estado não tem interesse em punir indevidamente os administrados.
03.08.2010
9303008.206 A exigência de multa, inclusive agravada, no lançamento de ofício, para a constituição de crédito tributário
Não é matéria de ordem pública
No presente caso, entendo que a aplicação da multa agravada no lançamento de ofício não constitui matéria de ordem pública. O conceito de ordem pública não está previsto em quaisquer diplomas legais. Assim, trata-se de um conceito subjetivo. Na esfera administrativa, as decisões sobre os lançamentos de multa de ofício são no sentido de que tal matéria não constitui questão de ordem pública e deve ser expressamente questionada no respectivo recurso voluntário
21.02.2019
9101001.845 Apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL com base no lucro presumido, quando os valores tidos como omitidos na autuação são superiores ao
É matéria de ordem pública
Inicialmente, é de se ter em conta que, conforme definido no parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional, o lançamento é atividade administrativa vinculada. Assim, na prática dessa atividade, que compreende
10.12.2013
174
limite previsto no art. 13 da Lei 9.718/1998, obrigando a apuração pelo lucro real
a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, a determinação da matéria tributável, o cálculo do montante do tributo devido, a identificação do sujeito passivo e aplicação da penalidade cabível, a autoridade administrativa está vinculada ao que prevê a lei. Ato administrativo (lançamento) eivado do vício de ilegalidade deve ser anulado pela Administração, como determina o art. 53 da Lei 9.784, de 1999. Nulidade do ato administrativo é matéria de ordem pública e como tal pode ser conhecida de ofício em sede de recurso especial, quando ultrapassado o conhecimento, à luz do efeito translativo dos recursos.
1301001.529 O conceito de prática reiterada de infração – consequente estabelecimento de penalidade mais gravosa
Não é matéria de ordem pública
O conceito de prática reiterada é contaminado de indeterminação, não cabendo, assim, falar em matéria de ordem pública. Não obstante, cumpre registrar que, ao sustentar que praticou de forma reiterada a infração imputada pela autoridade fiscal, a recorrente busca, em última análise, beneficiar-se da sua própria torpeza, o que, convenhamos, não se pode admitir. De fato, não é admissível que, em sede de recurso, a contribuinte possa arguir a prática de infração mais gravosa do que a imputada pela autoridade fiscal com o exclusivo intuito de tornar insubsistentes as exigências tributárias formalizadas.
08.05.2014
1001000.565 Decadência É matéria de ordem pública
Finalmente, no que toca à pretensão de interromper o prazo de decadência, é necessário lembrar que as
05.06.2018
175
disposições que cuidam dessa matéria são de ordem pública, sujeitas ao princípio da legalidade estrita, não podendo ser alteradas nem pelo contribuinte, nem pela autoridade administrativa.
9202005.282 Aplicação de penalidade/retroatividade benéfica
Não é matéria de ordem pública
Entendo que, uma vez tendo sido aplicada a multa em sede de lançamento, consoante o arcabouço normativo, vigente desde a época da ocorrência do fato gerador até o momento de lançamento e tendo sido editada a lei mais benéfica em momento anterior à data de interposição do Recurso Voluntário (13.08.2010, conforme fl.406), a superveniência de legislação mais benéfica quanto à penalidade aplicada não se trata de matéria de ordem pública, mas sim de matéria vinculada a direito patrimonial disponível do contribuinte, que necessariamente deveria ter sido alegada no momento processual oportuno, sob pena de preclusão.
28.03.2017
9202006.468 Aplicação de penalidade/retroatividade benéfica
Não é matéria de ordem pública
Entendo que, uma vez tendo sido aplicada a multa em sede de lançamento consoante o arcabouço normativo vigente desde a época da ocorrência do fato gerador até o momento de lançamento, a superveniência de legislação mais benéfica quanto à penalidade aplicada não se trata mais de matéria de ordem pública, mas sim de matéria vinculada a direito patrimonial disponível do contribuinte, que, dessarte, necessariamente deve ser alegada no momento processual oportuno (desde que não se tratando de ato definitivamente julgado), sob pena de preclusão.
30.01.2018
176
1401001.729 Observância de tratados internacionais e irretroatividade
Não é matéria de ordem pública
A observância de tratados internacionais não é matéria de ordem pública. A tal “matéria de ordem pública” é aquela que diz respeito às bases da lide e que, portanto, pode ser conhecida de ofício pelo julgador, ainda que tenha havido preclusão. Quanto à alegação de irretroatividade trazida pela recorrente durante a sustentação oral, ela não é matéria de ordem pública, não havendo que ser aqui analisada.
04.10.2016
1302003.240 Vício de fundamentação
É matéria de ordem pública
Se o despacho decisório se calça em premissas jurídicas equivocadas, ele, necessariamente, leva a erro a parte, encerrando inegável violação à ampla defesa e, por conseguinte, à sua nulidade, a teor dos preceitos do art. 59, II, do Decreto 70.235. E, por se tratar de nulidade por desrespeito à ampla defesa, seu conhecimento pode se dar de ofício, justamente por se tratar de matéria de ordem pública, a teor do art. 485, VI, do CPC.
22.11.2018
2. Análise de julgados do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT)
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE IMPOSTOS E TAXAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – TIT
N.º AIIM Matéria discutida como ordem pública
Resultado da análise
Argumento nuclear Data de julgamento
4013197 A ausência de norma que impõe condição à fruição do benefício do diferimento
É matéria de ordem pública
A condicionante contida no § 2.º, que exigia, para a fruição do diferimento, a ausência de débitos foi inserida no ordenamento jurídico Bandeirante, somente após 31.03.2010. Com efeito, se não havia norma que impusesse qualquer condição antes de 31.03.2010, o benefício podia ser gozado pela contribuinte. Portanto, (1) sendo esta uma questão de ordem pública, uma vez que se
16.04.2014
177
relaciona direta e objetivamente com questão no tocante à validade, vigência e eficácia da lei, e, (2) a exigência de tributo, desamparada de norma nessas condições, implica irremediável mácula ao princípio da estrita legalidade, pilar mestre do direito público, em especial, do direito tributário, entendo que há que ser reconhecida de ofício a improcedência da acusação consubstanciada no item I.1 e a improcedência parcial da acusação consubstanciada no item II.2.
4027663 Aplicação do princípio da consunção – absorção
Não é matéria de ordem pública
Voto Relator: A absorção não é uma questão de ordem pública e deve ser ventilada no recurso ordinário, pelo que não acolho a petição em que a autuada se manifesta nesse sentido. Voto Preferência: A matéria suscitada na petição referida trata-se da consunção – técnica hermenêutica voltada a impedir a dupla irradiação sancionatória no mesmo fato; - Com efeito, não se vislumbra no âmbito do direito tributário sancionador enunciado expresso que determine de forma cogente a aplicação do referido instituto jurídico trazido à baila no presente momento; - Tal fato per se não é obstáculo para aplicação/construção de norma, desde que amparado em balizas normativas, em especial de cunho constitucional, bem como infralegal, como poderiam ser apontados os arts. 108 e 112 do Código Tributário Nacional. De toda forma, buscando conferir maior grau de objetividade ao tema, identifico que a Câmara Superior de Julgamento na análise do Auto de Infração 4029481-0, em sessão de 4 de setembro de 2018, por maioria de votos, consubstanciou entendimento de que a temática em tela não ostenta caráter de ordem pública.
27.11.2018
4063722 Princípio da consunção
É matéria de ordem pública
Dessa forma, embora não tenha sido arguido pela recorrente, verifico se tratar de clássica situação de bis in idem, vedado pelos comandos normativos extraídos do ordenamento jurídico-positivo pátrio. A infração cometida no item II.2 é conduta meio (descumprimento de
11.04.2017
178
dever instrumental) necessária ao alcance da conduta-fim, apropriação de crédito de ICMS indevido, objeto do item I.1. Considero imperioso o reconhecimento de ofício da ocorrência de bis in idem, cancelando parcialmente o item II.2 em relação às Notas Fiscais 140, 154, 156, 583 e 584, em razão da aplicação do princípio da consunção.
4113648 Controle de qualidade – Portaria CAT 115/2014
Não é matéria de ordem pública
O controle de qualidade se constitui em procedimento anterior à lavratura do AIIM, portanto o AIIM só é lavrado, após sua aprovação. O controle de qualidade se reveste de procedimento interna corporis, não sendo, portanto, elemento essencial para a instrução do AIIM, razão pela qual inexiste a necessidade da juntada de documento que materialize a existência do prévio controle.
09.05.2019
3.115.544 Decadência É matéria de ordem pública
Nesse sentido, temos que, sendo o prazo decadencial uma proteção ao contribuinte, trata-se de matéria de ordem pública, devendo ser, portanto, conhecida de ofício pelo juiz. Sendo a decadência uma causa extintiva do crédito tributário, não há como admitir que se cobre este após sua extinção, eis que ao Fisco não cabe mais esse direito.
10.12.2010
82749 Decadência É matéria de ordem pública
Recurso conhecido e provido parcialmente apenas quanto à questão da decadência por tratar-se de matéria de ordem pública
26.08.2008
4083604 Decadência Não é matéria de ordem pública
Voto Vencedor: Após análise dos autos, concordo com o I. Relator quanto a caracterizar-se a r. decisão recorrida como extra petita, na medida em que, conforme sedimentado nesta C. Câmara Superior, o enfrentamento da questão da decadência deveria ter sido suscitada pela autuada em seu recurso ordinário, não cabendo, pois, ser declarada de ofício. Com efeito, no presente caso, o v. acórdão atacado caracteriza-se, à evidência, como extra petita, na medida em que a decadência relativa ao item II.4 foi concedida sem qualquer pleito da autuada, de modo que a Fazenda Pública não pôde se manifestar a respeito em suas contrarrazões ao recurso
02.08.2018
179
ordinário, com violação do princípio do contraditório. Voto Vista: Por sua vez, nenhum dos arestos apresentados pela recorrente trata da matéria: decadência como tema de ordem pública, e, portanto, passível de conhecimento a qualquer tempo. Limita-se o quanto juntado a questões outras que não adentram se prestam ao confronto da natureza de matéria de ordem pública da decadência e seu possível reconhecimento de ofício. Caso vencido quanto ao conhecimento, nego provimento ao recurso, isso porque à luz do quanto decidido pelo STJ decadência é matéria de ordem pública e, como tal, deve ser reconhecida a qualquer tempo, inclusive de ofício.
4041356 Decadência É matéria de ordem pública
Preliminarmente, constato existir matéria de ordem pública atinente à decadência que deve ser julgada previamente ao mérito, por esse motivo faz-se necessário enfrentar referido tema antes de dar sequência à discussão sobre o mérito da causa.
19.06.2015.
2.085.775 Falta de fundamentação
É matéria de ordem pública
A decisão recorrida não seria clara nem precisa porque apenas relata genericamente que os atos concessórios e os Registros de Exportação seriam suficientes para comprovar a exportação, não indicando quais seriam esses documentos [...] Também nessa parte o recurso será conhecido, por se por se tratar de matéria de ordem pública.
25.11.2008
4.000.782 Aplicação de norma vigente
É matéria de ordem pública
De início, tem-se que, sem renovar substancialmente nos argumentos já apresentados em primeira instância administrativa, o recorrente não nega os fatos, antes os confirma, atribuindo-lhes, no entanto, validade. Esquece-se, contudo, que a obrigação tributária é ex lege e que toda a legislação tributária e, em especial, a do ICMS são normas imperativas, de ordem pública, ou seja, de observância inafastável e obrigatória por todos, contribuintes e agentes do Estado, não se admitindo a autonomia provada tampouco conferindo-se ao particular poder legiferante.
10.12.2012
4094772 Responsabilidade solidária
É matéria de ordem pública
Inicialmente é preciso abordar a questão da responsabilidade solidária. A despeito de inexistir
01.12.2017
180
defesa ou recurso do solidário, conheço-a de ofício por consistir em matéria de ordem pública. A mera leitura do AIIM é suficiente para comprovar que nenhum dispositivo relativo à atribuição de responsabilidade solidária ao Sr. José Costa de Oliveira consta como capitulação legal; igualmente, não há tipificação, fundamentação e motivação no AIIM ou em Relatório Circunstanciado, o que viola frontalmente o art. 142 do CTN, o art. 34, V, da Lei 13.457/2009 e art. 99, V, do Decreto 54.486/2009, vício na origem do ato administrativo, e engendra a nulidade absoluta do AIIM em relação ao responsável solidário, mácula insanável e passível de conhecimento a qualquer tempo e grau de jurisdição.
4028328 Descrição incorreta da infração
É matéria de ordem pública
A meu ver, a descrição equivocada da infração inviabiliza o exercício da ampla defesa, pois ilude o contribuinte, limitando a lide às fronteiras diversas daquelas onde realmente se encontra o cerne da questão. Portanto, tratando-se de matéria de ordem pública, uma vez que se relaciona direta e objetivamente com questão tocante à validade do lançamento, com reflexos imediatos no direito a ampla defesa e contraditório, entendo que há que ser reconhecida de ofício a improcedência da acusação consubstanciada no item I.1e I.2. Com efeito, julgo que a correta descrição da infração é pressuposto da constituição válida do processo, que adequadamente chamamos de regular lançamento da obrigação, assim como a garantia à ampla defesa é condição de desenvolvimento válido e regular do processo, logo, desatendidos os pressupostos essenciais, cabe ao julgador, a qualquer tempo e grau de jurisdição conhecer de ofício a irregularidade.
23.05.2014
3.079.649 Responsabilidade solidária ou subsidiária do sócio administrador. Ausência dos pressupostos
É matéria de ordem pública
Decido pela exclusão do sócio Reinaldo Gerbi e pelo não reconhecimento da solidariedade que lhe foi imputada, ainda que ausente recurso ordinário interposto pelo corresponsável, por se tratar de matéria de ordem pública,
07.05.2009
181
previstos no art. 124 e incisos e 135, III, do CTN
reconhecível, portanto, de ofício pelo julgador tributário e por ser objeto de impugnação também do recurso ordinário interposto pela empresa à fl. 243.
4038265 Responsabilidade solidária. Ausência de tipificação e motivação para inclusão dos responsáveis solidários no AIIM
É matéria de ordem pública
Voto Vista Vencedor: A ausência de motivação, fundamentação, descrição dos fatos e indicação do amparo legal do lançamento tributário viola a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal (arts. 2.º, III, e 5.º, IV, da LC 939/2013, 2.º da Lei 13.457/2009, 65 do Decreto 54.486/2009 e 5.º, LIV e LV, da CF). 9. A espécie cuida de matéria de ordem pública e, como tal, não se sujeita ao regime das preclusões nas instâncias ordinárias e deve ser conhecida e decidida independentemente de pedido da parte ou interessado. Mutatis mutandis, esse é o entendimento do STJ acerca da ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo [1], aplicável, a fortiori, no âmbito do processo administrativo, pois se trata de vício na origem do ato administrativo. Voto Preferência: Assim sendo, a matéria relativa à procedência ou não de sua inclusão no polo passivo do presente lançamento não foi submetida à apreciação dos órgãos de julgamento. Ressalto que decidir esta questão neste processo significa extrapolar os limites da lide, além de caracterizar supressão de instância, já que tal exclusão não foi analisada pela decisão a quo. Por estas razões, entendo que os responsáveis solidários não podem ser excluídos de ofício.
20.03.2019
4044977 Intempestividade É matéria de ordem pública
A tempestividade foi reconhecida como matéria de ordem pública pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo definido pelo d. Ministro Castro Meira, nos autos do REsp 992690/BA. Dessa forma, ainda que não tenha a parte se manifestado sobre a tempestividade de sua defesa, por se tratar de matéria de ordem publica, é reconhecível de ofício pelos julgadores a existência ou não de tempestividade a um recurso.
08.06.2016
4103132 - Retificação da EFD
É matéria de ordem
Quanto à alegação de que as matérias de ordem pública devem
13.11.2018
182
- Necessidade de recomposição a escrita gráfica da recorrente a fim de verificar saldo credor - Decadência - Retificação de escrituração/declaração fiscal dentro do prazo legal de 5 (cinco) anos - Inconstitucionalidade da taxa de juros
pública a decadência
ser conhecidas pelo órgão de julgamento ex officio, cumpre observar que assiste parcial razão à recorrente, pois, de fato, tais matérias, no meu entendimento, são passíveis de reconhecimento pelo órgão de julgamento competente, ex officio, ainda que não alegados pela parte. Contudo, para que tal conhecimento se dê, é necessário, ao menos, que as peças recursais ou de defesa sejam recebidas, e o processo administrativo contencioso tenha seu trâmite normal, o que não se observa no presente caso. Ademais, entre as matérias elencadas pelo recorrente como de ordem pública, há certa convergência da doutrina apenas quanto à matéria de decadência.
4029481 Teoria da Absorção das Penas (Consunção)
Não é matéria de ordem pública
Voto Relator Vencedor: Entretanto, como não consta súmula vinculante elaborada nos termos dos arts. 45, III, e 52, da Lei 13.457/2009, os órgãos de julgamento ficam vedados de aplicar este assunto sem que tenha um pedido específico elaborado pelo contribuinte. No mesmo sentido, a matéria, a meu ver, não caracteriza como de “ordem pública” em que haveria possibilidade de aplicação de ofício, tendo em vista que o tema envolve interpretações da legislação, de conceitos e teorias do direito positivo. Voto Vista: Estou convencido de que o princípio da consunção é matéria de ordem pública e por isso pode ser aplicado de ofício. Dessarte, é inegável que o princípio da consunção é matéria de ordem pública, posto que jungido aos princípios constitucionais tributários e ao da vedação à dupla penalização. Sua incidência no direito pátrio é insofismável, muito embora não esteja expressamente positivado na Constituição Federal de 1988. Contudo, esse instituto se traduz num ideário que está subjacente a diversos preceitos constitucionais e no ordenamento infraconstitucional, reforçando sua natureza de “interesse público”. Ora, as questões de ordem pública, sejam elas de cunho material ou de
04.11.2018
183
natureza processual, são aquelas matérias em que há supremacia do interesse público sobre o particular, cujos direitos envolvidos são indisponíveis e que não podem deixar de ser reconhecidos, caso contrário, os atos administrativos ou as relações entre particulares estarão viciados.
3.070.837 Vício de fundamentação
É matéria de ordem pública
Vício de fundamentação em decisão é matéria de ordem pública. Ora, é inconteste, s.m.j., que a decisão ordinária, da forma como foi lançada, não contemplou os referidos requisitos fundamentais, com manifesta contradição para o deslinde do caso, e por consequência, outro destino não pode ser senão a decretação de sua nulidade. Para finalizar, declaro o vício do acórdão recorrido, nulidade esta que consigno ser de interesse público e de natureza absoluta, reconhecendo, assim, que houve contradição relevante e não foi justificada adequadamente questão significante posta nos autos.
17.02.2011
4.121.753 Vício de fundamentação. Responsabilidade tributária
É matéria de ordem pública
Indicação de responsabilidade tributária sem a descrição do fato, sem indicação de conduta dolosa, sem provas e sem indicação de qual o dispositivo infringido que haveria a subsunção à hipótese de incidência da norma de responsabilidade. Matéria passível de reconhecimento de ofício. Inexistência de nulidade da decisão por ser extra petita. Falta de elementos que determinem com segurança a pessoa do infrator, no caso, do responsável tributário – matéria de ordem pública.
03.10.2019
4.113.208 Erro em levantamento fiscal específico
É matéria de ordem pública
Inclusão equivocada de CFOPs. As diferenças de entrada eventualmente apuradas geram a acusação fiscal de “infração relativa à documentação fiscal”, sob a presunção de “recebimento de mercadorias sem documentação fiscal”, não havendo falar em infração relativa à falta de pagamento do imposto, com penalidade prevista no inciso I do art. 85 da Lei 6.374/1989. Ocorrência de erro de direito. Vício insanável. Matéria cognoscível de ofício.
22.10.2019
184
3. Análise de julgados do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (CMT)
Conselho Municipal de Tributos de São Paulo N.º Processo Matéria
discutida como ordem pública
Resultado da análise
Argumento nuclear Data de julgamento
6017.2018/00492765 Consunção Não é matéria de ordem pública
Voto Relator: Pelo princípio da consunção, fundamentando-me no art. 112 do CTN invocado pelo contribuinte e haja vista o contexto do ISS aqui analisado, entendo incabível a manutenção do AIIM 6.731.461-9, devendo este ser anulado. Voto Vista Vencedor: O primeiro ponto que divirjo da Senhora Conselheira Relatora refere-se à possibilidade de apreciação da aplicação do “Princípio da Consunção” ao caso em debate, na medida em que o referido tema não foi objeto do recurso interposto pela recorrente, tampouco caracteriza matéria de ordem pública. Com a devida vênia daqueles que palmilham em sentido contrário, não identifico nos argumentos trazidos pela recorrente matéria que enseje, ainda que por via incidental, o exame da aplicação do “Princípio da Consunção” ao caso sob lentes. Tampouco há, a meu juízo, subsunção da aplicação do referido princípio, também conhecido como “Teoria da Absorção”, às disposições dos arts. 106 e 112 do CTN.
10.11.2018
6017.2016/00094480 Decadência É matéria de ordem pública
Nesse sentido, nada obstante não haver explícita alegação do contribuinte em relação a eventual ocorrência da extinção do crédito tributário pela decadência (art. 156, VII, do CTN), entendo que a matéria
15.09.2016
185
seria cognoscível de ofício, na medida em que tema de ordem pública, passível de conhecimento a qualquer tempo e independentemente de arguição pelo contribuinte. Este, na realidade, é o entendimento do STJ desde há muito.
6017.2015/00003688 Falta de motivação
É matéria de ordem pública
A matéria é de ordem pública relativa à falta de motivação do lançamento fiscal na medida em que o procedimento da fiscalização é diametralmente oposto ao entendimento da própria administração pública municipal.
20.06.2018
6017.2016/00337227 Intempestividade É matéria de ordem pública
Inicialmente, entendo que, por tratar-se de questão referente a intempestividade da reclamação tributária, inclusive possível de ser reconhecida ex officio (matéria de ordem pública), entendo pela sua apreciação por essa Colenda Câmara. Ressalto, ainda, que tal situação não se sujeita à preclusão temporal possibilitando a sua cognição em qualquer tempo e grau de jurisdição, como nos presentes autos.
04.10.2017
2014-0.327.424-6 Intempestividade É matéria de ordem pública
A despeito de não ter sido considerada esta questão em primeiro grau, entendo que a tempestividade do recurso é matéria de ordem púbica e, como tal, cognoscível a qualquer tempo, não havendo que falar, eventualmente, em preclusão (não alegada a intempestividade pelo órgão julgador, obrigatoriamente este Conselho não poderia enfrentar a questão e deveria ser conhecido o recurso).
27.05.2015
186
4. Análise de julgados no Superior Tribunal de Justiça
Em que pese o foco do presente trabalho encontrar-se diretamente relacionado ao
âmbito do contencioso administrativo tributário, a título de análise far-se-á apontamento de
julgados acerca das questões de ordem pública no Superior Tribunal de Justiça.
Referida análise permitirá a identificação de similitudes e diferenças das matérias
inseridas na classe de ordem pública no âmbito administrativo e âmbito judicial.
Superior Tribunal de Justiça N.º Processo Matéria
discutida como ordem
pública
Resultado da análise
Argumento nuclear Data de julgamento
REsp 1.680.899/SC
Reexame necessário
É matéria de ordem pública
Questão concernente ao reexame necessário consiste em matéria de ordem pública, cognoscível de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição, cuja supressão impede o trânsito em julgado, implica ineficácia da sentença e nulidade absoluta dos atos processuais seguintes, independentemente da conduta ou da vontade das partes, pouco importando que a falta de julgamento do recurso ex officio tenha decorrido de erro administrativo do próprio Poder Judiciário. Súmula do Supremo Tribunal Federal.
21.09.2017
EDcl no AgInt no Ag. REsp 936.285/SP
Princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal
É matéria de ordem pública
Evidenciada a necessidade da produção de provas requeridas pela autora, a tempo oportuno, constitui cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, com infração aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. A violação a tais princípios constitui matéria de ordem pública e pode ser conhecida de ofício pelo órgão julgador.
23.08.2018
AgInt nos EDcl no REsp 1.414.179
Coisa julgada É matéria de ordem pública
No caso dos autos, a Corte de origem, ao dar provimento ao agravo de instrumento, interposto pelas empresas contribuintes, não se manifestou acerca da existência de coisa julgada, matéria relevante para a solução da controvérsia. Na forma da jurisprudência do STJ, “decerto a apelação interposta pelo recorrente não devolveu explicitamente esse tema ao
05.04.2018
187
Tribunal. Nada obstante, cuida-se de matéria de ordem pública, suscitada nos embargos de declaração e passível de conhecimento de ofício pelo órgão julgador, o que afasta falar em preclusão”.
AgInt no REsp 1.239.692/RS
Adequação do valor executado
É matéria de ordem pública
No que diz com a alegada preclusão da matéria relativa aos juros de mora sobre valores pagos administrativamente, bem como a eventual extrapolação dos limites da lide, esta Corte, em hipótese semelhante, concluiu que “constitui matéria de ordem pública a adequação do valor executado, para se extirpar o excesso. Ressalte-se que, tratando-se de matéria de ordem pública, pode ser alegada na instância ordinária a qualquer tempo, podendo inclusive ser conhecida de ofício”.
12.09.2017
AgInt no REsp 1.364.982/MG
A correção monetária, assim como os juros de mora
É matéria de ordem pública
A correção monetária, assim como os juros de mora, incide sobre o objeto da condenação judicial e não se prende a pedido feito em primeira instância ou a recurso voluntário dirigido à Corte de origem. É matéria de ordem pública, cognoscível de ofício em sede de reexame necessário, máxime quando a sentença afirma a sua incidência, mas não disciplina expressamente o modo como essa obrigação acessória se dará no caso.
16.02.2017
EDcl no AgIn 1.352.229
Prescrição e decadência
É matéria de ordem pública
Ressalte-se que, conforme entendimento jurisprudencial desta Corte, ainda que a questão seja de ordem pública, é imprescindível o prequestionamento, o que, contudo, não ocorreu na hipótese dos autos.
14.02.2017
AgRg no REsp 1.010.361/PR
Erro de procedimento
É matéria de ordem pública
“Existem situações ou vícios processuais imunes à preclusão, em que o direito dos litigantes cede pelo interesse público a ser preservado [...] São as denominadas questões de ordem pública passíveis de ser apreciadas, inclusive, de ofício pela autoridade judicial.” No caso, a Corte Estadual reconheceu que se estava diante de matéria de ordem pública e que a decisão que determinou o levantamento, pelo Estado-Agravante, do produto da arrematação efetivada no
07.04.2016
188
executivo fiscal decorreu de erro de procedimento, daí por que afastou a alegada preclusão projudicato para rever a ordem de levantamento dos valores, reconhecendo a preferência do ente federal.
AgRg no AgIn 1.361.610/RS
Vício de nulidade no lançamento
É matéria de ordem pública
Eventual existência de vício de nulidade no lançamento constitui matéria de ordem pública que fulmina o título executivo, e, por conseguinte, o pressuposto de validade da correspondente execução fiscal, motivo pelo qual sobre tal questão não se opera a preclusão, devendo, inclusive, ser conhecida de ofício pelas instâncias ordinárias, nos termos do art. 267, § 3.º, do CPC (REsp 1.167.053/RS, Min. Benedito Gonçalves, DJe 26.06.2011).
05.11.2015
AgRg no Ag em REsp 557.289/MT
Ilegitimidade da parte
É matéria de ordem pública
Conforme já disposto no decisum combatido, o argumento de que o julgamento a quo teria incidido em vício extra petita não prospera, tendo em vista que a ilegitimidade de parte constitui matéria de ordem pública que pode ser reconhecida de ofício na instância ordinária, ex vi do disposto no art. 267, § 3.º, CPC.
02.06.2015
AgInt no Ag em REsp 871.324/SP
Ilegitimidade da parte
É matéria de ordem pública
O aresto impugnado encontra-se em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que as questões sobre ilegitimidade da parte, por se tratar de matéria de ordem pública, podem ser analisadas de ofício e em qualquer grau de jurisdição.
19.09.2017
REsp 1.756.066/PR
Impenhorabilidade de bem
É matéria de ordem pública
Nos termos da jurisprudência assente do STJ, “o imóvel que se enquadra como pequena propriedade rural, indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família, é impenhorável, consoante disposto no § 2.º do art. 4.º da Lei 8.009/1990, norma cogente e de ordem pública que tem por escopo a proteção do bem de família, calcado no direito fundamental à moradia” (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 222.936/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 26.02.2014).
26.02.2019
REsp 1.682.216/AM
Imunidade Não é matéria de ordem pública
A jurisprudência do STJ tem admitido que a imunidade tributária pode ser suscitada em exceção de pré-executividade,
19.09.2017
189
como se fosse matéria de ordem pública cognoscível de ofício, apenas quando comprovada de plano, sem necessidade de verificação do direito da parte mediante dilação probatória.
AgRg no REsp 1.481.539/RS
Intempestividade
É matéria de ordem pública
Sem embargo, por ocasião do novo julgamento, o órgão julgador do STJ pode conhecer de questão de ordem pública que impeça a retratação, a exemplo da intempestividade do recurso extraordinário, com o consequente trânsito em julgado do acórdão recorrido.
18.12.2014
AgRg no REsp 1.372.893/BA
Legitimidade ad causam
É matéria de ordem pública
Dessarte, inconteste a violação do art. 535, II, do CPC pelo acórdão do Tribunal a quo, porquanto deixou de abordar a questão da legitimidade, que se reveste de ordem pública, vinculada à condição da ação, que pode/deve ser verificada de ofício nas instâncias ordinárias, pelo juiz ou tribunal, a qualquer tempo, e cuja ausência de manifestação torna intransponível o óbice para o conhecimento da matéria na via estrita do especial, sob pena de supressão de instância.
18.11.2014
REsp 1.693.918/RS
Legitimidade ad causam para repetição de indébito tributário
É matéria de ordem pública
O referido dispositivo repercute sobre a legitimidade ad causam para repetição de indébito de ICMS, razão pela qual constitui matéria relevante que não poderia deixar de ser enfrentada na instância de origem. Decerto, a apelação interposta pelo recorrente não devolveu explicitamente esse tema ao Tribunal. Nada obstante, cuida-se de matéria de ordem pública, suscitada nos embargos de declaração e passível de conhecimento de ofício pelo órgão julgador, o que afasta falar em preclusão.
10.11.2017
RMS 54.333/RN
Ilegitimidade passiva
É matéria de ordem pública
A legitimidade da parte é condição da ação, por isso passível de controle de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de provocação das partes.
19.09.2017
REsp 838.399 Iliquidez, decadência e prescrição
Não é matéria de ordem pública
Na espécie, entretanto, temos questões em torno da extinção do crédito tributário em razão de transação e conversão em renda da exequente; iliquidez da CDA em virtude de remissão parcial da dívida; decadência e prescrição. Se essas questões pudessem ser resolvidas sem necessidade de
17.08.2006
190
dilação probatória ou interpretação de artigos de lei, não tenho dúvida quanto à pertinência da pré-executividade. Contudo, necessitando-se de prova e de interpretação das normas pertinentes, entendo que só por embargos é possível fazer-se ampla discussão sobre o assunto.
AgRg no Ag em REsp 557.560/PB
Nulidade da inscrição em dívida ativa
É matéria de ordem pública
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que a nulidade da inscrição em dívida ativa é matéria de ordem pública insuscetível de preclusão nas instâncias ordinárias, pois consubstancia-se em condição da ação executiva fiscal. Ou seja, ainda que a nulidade não tenha sido suscitada pela parte apelante, pode o Tribunal reconhecer exofficio o vício existente.
07.10.2014
EDcl no REsp 1.467.926/PR
Valor estabelecido como limite para expedição de requisição de pagamento por meio de RPV
É matéria de ordem pública
O valor estabelecido como limite para expedição de requisição de pagamento por meio de RPV constitui matéria de ordem pública, que deve ser observada pelos operadores do Judiciário, em qualquer fase do processo.
03.11.2015
HC 249.732/SP
Prescrição intercorrente
É matéria de ordem pública
A prescrição da pretensão punitiva (matéria de ordem pública) pode ser declarada de ofício, em qualquer fase do processo (art. 61 do Código de Processo Penal). Isto é, a análise da questão cabe ao juízo ou tribunal no qual se encontra tramitando o feito. Ocorrendo o trânsito em julgado da condenação, a competência será do juízo da vara de execuções penais (art. 66, II, da Lei 7.210/1984).
27.09.2016
REsp 1.450.361/RN
Prescrição intercorrente
É matéria de ordem pública
O STJ possui entendimento de que a prescrição é matéria de ordem pública, não se sujeitando à preclusão pro iudicato nas instâncias ordinárias. Precedentes: AgRg no Ag 1333860/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 16.12.2013; EDcl no AgRg no REsp 1.358.343/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 13.05.2013.
03.06.2014
AgRg no REsp 1.394.133/AL
Prescrição da pretensão punitiva estatal quanto à pena
É matéria de ordem pública
A extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal constitui matéria de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício, em qualquer grau de jurisdição, nos termos do
27.09.2016
191
privativa de liberdade
art. 61 do Código de Processo Penal.
EDcl no AgRg no REsp 1.350.305/RS
Requisitos constitutivos do título executivo (certeza, liquidez e exigibilidade)
É matéria de ordem pública
O acórdão embargado foi claro no sentido de que o fundamento da preclusão não tinha o condão de afastar o pronunciamento sobre o tema, visto que a jurisprudência desta Corte entende ser possível o conhecimento de ofício pelas instâncias ordinárias das questões referentes aos requisitos constitutivos do título executivo (certeza, liquidez e exigibilidade), por tratar-se de matéria de ordem pública que não se submete aos efeitos da preclusão.
28.05.2013