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ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: uma nova estratégia de ação para o SEBRAE Material de Apoio 2: Textos dos Estudos Empíricos Elaborados pela RedeSist Coordenação Geral do Projeto Helena M.M. Lastres José E. Cassiolato Agosto de 2002

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ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS:

uma nova estratégia de ação para o SEBRAE

Material de Apoio 2:

Textos dos Estudos Empíricos Elaborados pela RedeSist

Coordenação Geral do Projeto Helena M.M. Lastres

José E. Cassiolato

Agosto de 2002

2

Contrato BNDES/FINEP/FUJB Arranjos e Sistemas Produtivos Locais e as Novas Políticas de Desenvolvimento

Industrial e Tecnológico

Bloco 3

Nota Técnica 25

Novas políticas na economia do conhecimento e do aprendizado

Helena M.M. Lastres Marco Antônio Vargas

Cristina Lemos

Coordenação dos Estudos Empíricos Arlindo Villaschi Filho Renato Ramos Campos

Marina Honório de Souza Szapiro Cristina Lemos

Coordenação do Projeto José Eduardo Cassiolato

Helena Maria Martins Lastres

Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IE/UFRJ

Rio de Janeiro, dezembro de 2000

3

SUMÁRIO

1. Introdução 4

2. A nova forma do capitalismo mundial e as novas condições de desenvolvimento industrial e tecnológico 6

2.1 A economia do conhecimento e do aprendizado................................................................. 6

2.2 Desafios do Regime de Acumulação dominado pelas Finanças.......................................... 9

2.3 Glocalização x globalização: a importância do local no novo contexto ........................... 11

2.4 Países em desenvolvimento e a economia do aprendizado crescentemente globalizada.... 13

Desafios e oportunidades para países em desenvolvimento e seus sistemas produtivos locais 14

3. O novo papel, objetivos e instrumentos de política de desenvolvimento industrial e tecnológico 17

3.1 Promoção de arranjos e sistemas produtivos locais: novas dimensões de política industrial e tecnológica............................................................................................................................ 20

3.2 Novos requerimentos de política industrial e tecnológica em países em desenvolvimento e no Brasil .................................................................................................................................... 21

Schmitz, 2000, por seu turno, discutindo mais as implicações para políticas dos estudos sobre arranjos produtivos em países em desenvolvimento, relaciona as seguintes conclusões: ..... 23

4. Considerações finais 25

Relação das 13 Notas Técnicas do Bloco 1 do projeto 28

Bibliografia complementar 29

4

Novas Políticas na Economia do Conhecimento e do Aprendizado

Helena M. M. Lastres, Marco Antonio Vargas e Cristina Lemos

1. Introdução

O projeto de pesquisa Arranjos e Sistemas Produtivos Locais e as Novas Políticas de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico originou-se da necessidade de investigar em detalhe um conjunto de questões interrelacionadas, as quais têm despertado interesse no âmbito tanto acadêmico quanto político-institucional.

Conforme enunciado em seu termo de referência, o projeto parte do reconhecimento de que (i) o cenário mundial sofreu significativas transformações na década dos 80, envolvendo aspectos e dimensões políticas, produtivas, tecnológicas, organizacionais, informacionais, comerciais e financeiras, institucionais, sociais etc, que se relacionam de maneira dinâmica; (ii) a aceleração dos processos de liberalização econômica, (r)evolução tecnológica, assim como da crescente competição e globalização são as manifestações mais visíveis de tais transformações ao nível da economia mundial.

Reconhece-se também que as transformações associadas à conformação da nova ordem mundial vêm implicando em importantes readaptações e reestruturações. Estas afetam, em primeiro lugar, a hierarquia política e econômica de diferentes segmentos dentro das sociedades nacionais, assim como dessas diferentes sociedades no cenário mundial. Afetam as várias atividades e setores produtivos, destacando-se principalmente o maior dinamismo relativo do setor de serviços e das atividades intensivas em informação e conhecimento. Afetam também as diversas instituições (particularmente em seus papéis, formas de organização, atuação e de articulação), a começar por empresas de todo o tipo, centros de ensino e treinamento, pesquisa e desenvolvimento, até o próprio Estado com seus distintos órgãos e instâncias. Assim como, afetam os próprios indivíduos, enquanto consumidores, trabalhadores e cidadãos.

Dentro do conjunto mais amplo das transformações acima referidas, emergem duas questões de relevância central para o projeto de pesquisa realizado e cuja discussão constituiu o cerne do primeiro bloco do mesmo. A primeira refere-se à consideração de que o próprio processo de desenvolvimento econômico vem sendo influenciado de forma significativa pelas importantes mudanças vividas nas duas últimas décadas do milênio. Igualmente destaca-se que, na Era do Conhecimento, o acirramento da competição, a emergência do paradigma das tecnologias de informação e comunicações (TICs) e a aceleração do processo de globalização têm apresentado um impacto significativo sobre a forma como se realiza o desenvolvimento industrial e tecnológico. Nosso interesse particular nesta discussão consiste em caracterizar e analisar como essas transformações vêm afetando as capacitações nacionais e locais, tanto produtivas quanto inovativas.

A segunda questão relaciona-se ao reconhecimento de que, como reflexo das atuais mudanças, formulam-se novas exigências de políticas para o desenvolvimento industrial e inovativo, assim como estão sendo revistas as próprias concepções de Estado-nação e formas de intervenção. Atrelados a essa conclusão encontram-se desdobramentos que, longe de consensuais, vêm sendo alvo de intensos debates. Por um lado, argumenta-se que - como decorrência de tais transformações e particularmente da aceleração do processo de globalização - os espaços dos projetos e políticas nacionais ficariam reduzidos, ou mesmo anulados. De lado diametralmente oposto, vem se defendendo a tese de que uma das razões para estar-se retardando a saída da crise de adaptação provocada pelas referidas transformações refere-se exatamente à demora em conhecer melhor suas especificidades e traçar políticas visando sua superação.

O principal objetivo desta nota técnica é o de resgatar as principais contribuições sobre o impacto das mudanças recentes aos processos de desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico, assim como

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sobre os novos requisitos de políticas para a promoção dos mesmos. Para tal contou-se com as conclusões e recomendações (i) do seminário internacional do projeto, realizado em setembro de 2000; e (ii) das 13 notas técnicas integrantes do bloco 1 do projeto, que abordaram os diferentes aspectos da discussão proposta. As 13 notas e seus temas estão relacionadas no final, antes da bibliografia complementar.

Estruturamos a presente nota técnica em torno dos dois grandes eixos de análise propostos no termo de referência geral deste projeto de pesquisa. O primeiro eixo estrutura-se com base nas novas condições e formas como se realizam o desenvolvimento industrial e tecnológico associadas à Era do Conhecimento, tendo em vista a experiência internacional e considerando as necessidades de um país como o Brasil. Este recorte analítico envolve o seguinte conjunto de questões:

1) Em que medida o desenvolvimento e difusão das TICs e a atual fase de aceleração do processo de globalização modificam a dimensão espacial do processo de inovação e do desenvolvimento econômico, em geral, e tendo em vista a situação de um país em desenvolvimento?

2) Quais têm sido as características mais marcantes do desenvolvimento econômico, industrial e inovativo e quais colocam-se como tendências mais prováveis do mesmo no próximo milênio, ou na, assim denominada, Era do Conhecimento?

3) Quais são as conclusões e lições mais importantes produzidas pela análise comparativa das experiências de clusters e distritos industriais em países avançados e em desenvolvimento?

4) Que novos desafios e oportunidades vêm sendo apresentados aos sistemas nacionais de inovação do Brasil e dos países da América Latina?

No segundo eixo de análise pretende-se equacionar qual o papel, objetivos e instrumentos de política de desenvolvimento industrial e tecnológico, tendo em vista as dimensões supranacional, nacional, regional, estadual e local, no novo cenário. As principais questões que norteiam este segundo eixo de análise são as seguintes:

5) Qual a importância do local no cenário crescentemente globalizado e quais têm sido as alternativas mais significativas de políticas nacionais e regionais para enfrentamento dos novos tempos?

6) Quais os papéis e sinergias entre as novas políticas nacionais, subnacionais e supranacionais face à aceleração da globalização?

7) Quais são as principais tendências das políticas de promoção de arranjos e sistemas de desenvolvimento industrial e inovativo nos países que apresentam os casos mais significativos de desempenho de tais arranjos?

8) Quais as características mais importantes das políticas para promoção de Sistemas Nacionais de Inovação na Economia do Conhecimento, tendo em vista a experiência dos países que têm demonstrado maior dinamismo econômico e inovativo atualmente?

9) Dentre os novos objetivos e instrumentos de políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico propostos em diferentes países quais têm sido (e seriam) mais adequados ao caso dos países em desenvolvimento?

10) Tendo em vista o atual quadro político institucional e macroeconômico brasileiro quais seriam indicadas como as mais importantes alternativas de estratégias e políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico?

Tendo em vista esse conjunto de questionamentos, a presente nota técnica encontra-se organizada em dois itens, além desta introdução e das considerações finais:

• a nova forma do capitalismo mundial e as novas condições de desenvolvimento industrial e tecnológico;

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• o novo papel, objetivos e instrumentos de política de desenvolvimento industrial e tecnológico

No primeiro item, inicialmente discutem-se as características principais da que se convencionou denominar “economia do conhecimento e do aprendizado” e “regime de acumulação dominado pelas finanças”. Em seguida, resgata-se a importância que assume a proximidade na dinâmica produtiva e inovativa das firmas que integram arranjos e sistemas locais de produção, tendo em vista a dicotomia que se estabelece entre o global e o local na organização das atividades produtivas e inovativas; e são discutidas as ameaças e oportunidades a arranjos e sistemas produtivos locais nos países em desenvolvimento diante das transformações que vêm sendo promovidas na forma de organização das atividades produtivas e inovativas no escopo da nova economia do conhecimento e do aprendizado.

No segundo item são analisadas as implicações deste novo contexto de desenvolvimento sobre a promoção e implementação de políticas voltadas para arranjos e sistemas produtivos locais, assim como são discutidos os novos requerimentos de política industrial e tecnológica em países em desenvolvimento e no Brasil.

2. A nova forma do capitalismo mundial e as novas condições de desenvolvimento industrial e tecnológico

2.1 A economia do conhecimento e do aprendizado

Todos as contribuições dos estudos temáticos do primeiro bloco do projeto de pesquisa reconhecem a importância de caracterizar a mudança de padrão de acumulação ocorrida a partir da década de 1980. Apesar das diferentes abordagens para compreensão das mudanças em curso, a quase maioria dos autores reconhece que a presente fase da economia é caracterizada pelo mais intenso uso do conhecimento como principal fonte de mudança (Johnson e Lundvall, 2000; Humbert, 2000; Freeman, 2000; e Petit, 2000). As principais reflexões realizadas, no âmbito dos estudos temáticos deste projeto sobre o conhecimento, e suas implicações em relação aos demais aspectos mencionados acima, serão objeto de analise neste item.

No cerne das mudanças estruturais que delineiam este novo regime de crescimento encontra-se a difusão de um novo regime tecnológico ou, mais amplamente, de um novo paradigma tecno-econômico, centrado nas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Estas tecnologias alteraram substancialmente o padrão de produção e consumo mundial, tendo em vista que possuem como principal característica sua penetrabilidade em todas as partes, setores e atividades econômicas. De fato, observou-se que, a partir da difusão da microeletrônica e concomitante diminuição de preços destas tecnologias, mudaram significativamente a velocidade de geração e difusão das inovações.

Os avanços observados na microeletrônica e tecnologias correlacionadas tiveram como consequências de maior impacto para a economia e para sociedade o desenvolvimento e difusão de equipamentos e sistemas cada vez mais sofisticados que executam grande parte das tarefas anteriormente realizadas pelo trabalho humano direto. Microcomputadores e softwares constituem-se em exemplo disso. Os avanços nas telecomunicações igualmente revolucionaram os sistemas de comunicação. A convergência entre estas duas bases tecnológicas vem permitindo o acelerado desenvolvimento dos sistemas e redes de comunicação eletrônicos mundiais e o desenvolvimento de novas formas de geração, tratamento e distribuição de informações.

Neste processo, reconhece-se que é crescente a proporção da força de trabalho envolvida na produção e distribuição de informações e conhecimento codificado e não mais na produção de bens materiais, gerando reflexos no crescimento relativo do setor de serviços, frente ao industrial. Como nos lembra Petit, 2000, tal constatação levou alguns inicialmente a caracterizar a nova forma de acumulação econômica como pós-industrial. Campolina, 2000, por sua vez salienta que, apoiados pelas TICs, os serviços ganham nova natureza e funções, características técnicas e mercados diferenciados, sendo cada

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vez mais difícil a separação entre estes e a produção material. Já Chesnais e Sauviat, 2000, destacam as sinergias estabelecidas entre estas novas tecnologias, a aceleração do processo de globalização e o setor financeiro.

Destaca-se também que o novo contexto é fortemente orientado por um novo tipo de competição, não mais baseado unicamente no preço, mas principalmente na construção de competências específicas para a aquisição de conhecimentos e de inovação. A busca por melhoria na competitividade passa a depender muito mais fortemente da criação e renovação de vantagens competitivas associadas ao aprendizado, à qualidade dos recursos humanos e à capacitação produtiva das empresas. A produtividade e competitividade dos agentes econômicos dependem, não apenas dos novos meios técnicos disponibilizados e da capacidade de usá-los, mas principalmente da capacidade de aprender e de inovar, mesmo que estas capacidades em muito possam ser potencializadas com a utilização eficiente dos mesmo.

Assim, a despeito do maior acesso a informações - que vêm sendo processadas e transmitidas por meio de novos instrumentos e sistemas - aponta-se para a importância crucial do conhecimento incorporado em indivíduos e (através dos mesmos em organizações) para se ser capaz de enfrentar e gerar mudanças. Pois sem o mesmo não é possível decodificar o conteúdo das informações e transformá-las em novos conhecimentos. Em outras palavras, a partir da crescente e acelerada difusão do novo padrão de acumulação baseados nas TICs, a informação e o conhecimento codificado podem ser mais facilmente transferidos através do mundo. No entanto, o conhecimento que não é codificado, aquele que permanece tácito, só se transfere com aprendizado interativo, através da interação social, localizada e enraizada em organizações e ambientes específicos (Johnson e Lundvall, Humbert, 2000).

O acesso a conhecimentos de vários níveis, particularmente aqueles científicos e tecnológicos, assim como a capacidade de apreendê-los, acumulá-los e usá-los são vistos como definidores do grau de competitividade e desenvolvimento de nações, regiões, setores, empresas e indivíduos. Aludindo-se ao aumento de tal importância é que tem se tornado comum a referência a esta fase como sendo a “era do conhecimento” ou da “economia baseada no conhecimento”. Argumenta-se também que a emergência do atual paradigma baseado nas TICs, colocou ainda mais em relevo o papel das inovações e a importância de suas diferentes fontes e da interação entre estas como condição necessária para possibilitar sua geração permanente. Cada uma das fontes de geração de inovações – baseadas na ciência, ou na experiência cotidiana de produção, design, gestão, comercialização e marketing dos produtos e até mesmo baseadas na imitação – tem relevância e impacto distinto para o processo. Tudo isso depende da estrutura e tipo da empresa, dos setores e países em questão, e também da natureza da inovação, se se refere a aperfeiçoamentos ou se representa rupturas nos sistemas tecnológicos, ou seja, se são inovações incrementais ou radicais.

Com o crescimento das exigências de competitividade, o processo de inovação aumentou consideravelmente sua velocidade nas últimas décadas. A ponto de alguns autores denominarem o novo padrão de acumulação como a “economia da inovação perpétua” (Morris-Suzuki, 1997). Novas exigências são constantemente criadas, forçando os indivíduos, empresas e organizações a gerarem, adquirirem e utilizarem mais intensamente conhecimentos e inovações. As atuais altas taxas de mudanças e inovações implicam por sua vez em uma forte pressão por capacitação para responder às necessidades e oportunidades que se abrem. Exigem, por sua vez, novos e cada vez maiores investimentos em educação e treinamento, pesquisa e desenvolvimento.

Assim, cada vez mais se compreende que o processo de inovação consiste em um processo de aprendizado interativo, realizado com a contribuição de variados agentes econômicos e sociais que possuem acesso a diferentes tipos de informações e conhecimentos. O processo de geração de conhecimentos e de inovação vai implicar no desenvolvimento de capacitações científicas, tecnológicas e organizacionais e envolvendo, principal mas não exclusivamente, esforços substanciais:

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• em aprendizado com experiência própria, no processo de produção (learning-by-doing), comercialização e uso (learning-by-using); na busca incessante de novas soluções técnicas nas unidades de pesquisa e desenvolvimento ou em instâncias menos formais (learning-by-searching); e

• na interação com fontes externas, como fornecedores de insumos, componentes e equipamentos, licenciadores, licenciados, clientes, usuários, consultores, sócios, universidades, institutos de pesquisa, prestadores de serviços tecnológicos, agências e laboratórios governamentais, organismos de apoio, entre outros (learning-by-interacting).

Conhecimentos codificados e tácitos, públicos ou privados vêm se tornando cada vez mais interrelacionados e a nova dinâmica nas formas de geração, difusão e aquisição de conhecimento leva a mudanças nas relações entre conhecimento tácito e codificado. Visando maiores chances de apropriação do conhecimento, nota-se uma necessidade intensificada de expansão das fronteiras do conhecimento codificado. O processo de codificação do conhecimento vem sendo intensificado, em última instância, para dotá-lo de atributos que o tornem similares aos bens tangíveis e convencionais, aproximando-o de uma mercadoria, objetivando facilitar sua apropriação para uso privado e sua comercialização. Transformando-se em uma mercadoria – mesmo que com características bastante específicas - o conhecimento codificado como informação permite ser armazenado, transacionado e transferido, além de poder ser reutilizado, reproduzido e comercializado indefinidamente, a custos extremamente baixos (Cowan e Foray, 1998).

O papel do conhecimento como o principal recurso na atual fase, contribui para reforçar a tendência de “comodificação” deste (Johnson e Lundvall, 2000), o que pode acrescer as dificuldades para acessá-lo. De um lado, as firmas querem acesso livre à informação e ao conhecimento gerado, aproveitando suas características de bem público. De outro, querem garantir de forma mais eficiente a apropriação e controle daquele conhecimento produzido internamente. Johnson e Lundvall, 2000, discutindo o processo de transformação de conhecimento em mercadoria notam que: i) o conhecimento é socialmente produzido através de aprendizado interativo e localizado, tornando-se difícil captar e distribuir seus retornos; ii) a dinâmica das mudanças no conteúdo do conhecimento faz com que somente aqueles que participam de seu processo de criação tenham acesso ao mesmo; iii) por outro lado, fica cada vez mais difícil fazer com que o processo de codificação do conhecimento acompanhe a rapidez com que se dão as mudanças tecnológicas; e iv) as características particulares do conhecimento dificultam ainda mais seu processo de comodificação nos moldes dos bens tangíveis tradicionais.

Apesar de se apontarem os limites inerentes ao processo de codificação do conhecimento - tendo em vista a impossibilidade de todo o conhecimento tácito ser codificado - Johnson e Lundvall alertam que o descontrolado processo de comodificação pode ser perigoso. Pois pode tender a minar algumas das mais importantes e usuais formas contemporâneas de produção e uso do conhecimento. Destacam particularmente aquelas relacionadas com as redes para o compartilhamento do conhecimento, baseadas no aprendizado interativo e intensivo para a geração de inovações. Nestas são fundamentais capacitações, como know-how, know-who, que estão incorporados além de indivíduos, em organizações e regiões específicas, nas relações sociais que promovem cooperação e comunicação entre diferentes tipos de pessoas e organizações.

Neste sentido é que Johnson e Lundvall (2000) reforçam a necessidade crescente, não só de investir na melhoria qualitativa dos níveis educacionais, mas fundamentalmente de estimular a capacidade dos indivíduos em aprender, para poder enfrentar a velocidade das mudanças que se apresentam. Estes autores propõem a utilização do conceito de “economia do aprendizado”1 como um conceito alternativo ao de “economia baseada no conhecimento”, objetivando ampliar a compreensão dos elementos chaves 1 Desenvolvido recentemente (Lundvall e Johnson, 1994 e Lundvall e Borràs, 1999), o conceito de economia do aprendizado, basea-se na hipótese de que nas últimas décadas vem se acelerando a criação e destruição de conhecimentos. Tal conceito expressa a idéia de que indivíduos e instituições necessitam renovar suas competências (mais frequentemente do que no passado). Neste contexto, considera-se que ter acesso a um estoque especializado de conhecimento não é garantia de êxito. A chave deste está muito mais no aprendizado, e também no esquecimento daqueles conhecimentos que inibem novos aprendizados, do que em um conhecimento consolidado específico.

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desta fase. A opção pelo aprendizado como conceito chave enfatiza o caráter dinâmico do processo de criação, transformação e destruição de conhecimentos especializados. Enfatiza-se, assim, que o que realmente importa atualmente é a capacidade de aprender e também de esquecer, muito mais do que dispor de um estoque dado de conhecimentos. Na economia do aprendizado, a habilidade de aprender é, mais do que nunca, crucial para o sucesso econômico de indivíduos, firmas, regiões e nações. O aprendizado, neste sentido, se refere à construção permanente de novas competências e ao estabelecimento de novas qualificações. E o crescimento se dá e é alimentado por um processo baseado na confiança e em “capital social”.2

2.2 Desafios do Regime de Acumulação dominado pelas Finanças

Diferentemente dos demais autores que utilizam os termos “economia da informação, do conhecimento ou do aprendizado”, Chesnais e Sauviat, 2000, desenvolvem o conceito de “regime de acumulação dominado pelas finanças” – RADF – para caracterizar a nova forma de capitalismo em difusão a partir dos anos 80. Neste sentido contrapõem: (a) o regime de acumulação dominante desde o final da segunda guerra mundial caracterizado por forte presença do Estado na definição e implementação de investimentos, tanto produtivos quanto de infraestrutura, com (b) o atual regime, no qual o governo e as autoridades públicas (o Estado), na maior parte dos países, têm aceitado (ou sido forçado a) diminuir a sua capacidade de comandar o processo de tomada de decisões relativas a investimentos, particularmente aqueles com grandes efeitos estruturantes.

Acrescentam que a progressiva erosão desta capacidade no Estado tem um papel importante no novo regime de acumulação. Acima de tudo ressalta-se que as decisões de investimento passaram crescentemente a ser comandadas pelo setor privado e utilizam critérios subordinados aos objetivos de “portfolio” dos grandes investidores institucionais. O argumento principal aqui é que as atividades de intermediação do setor financeiro são associadas a uma avaliação da competência das firmas, seus ativos e a relevância de suas estratégias, que privilegia as necessidades de remuneração de capital muito específicas e tem influenciado significativamente o modo de governança das empresas produtivas.

Esta governança, de caráter eminentemente “financeiro”, estaria levando as empresas produtivas a darem prioridade total aos interesses dos “acionistas” em detrimento de outros interesses, particularmente aqueles dos trabalhadores e outros ligados à estratégia de longo prazo das empresas. O resultado líquido é que as empresas produtivas estariam sendo levadas a perseguir estratégias baseadas em critérios de curto prazo. Em tal contexto, são as atividades que tendem a ser privilegiadas pelas empresas que terão um impacto maior no retorno do investimento a curto prazo (como o conhecido “downsizing”). De maneira oposta, aquelas atividades que requerem uma visão de longo prazo, como os investimentos em P&D, tendem a ser negligenciadas.

Salientam-se importantes exceções naqueles países onde (i) o governo se mantém como foco central do sistema de inovações (ii) o processo de privatizações enfrenta resistências políticas internas e (iii) continua-se reconhecendo a necessidade de contínuo apoio público à ciência e tecnologia. Estas exceções incluem países como Japão, França e EUA.3 Aponta-se, no entanto, que mesmo no caso dos EUA - e excluindo-se as indústrias de alta tecnologia, onde a aliança Estado-setor privado continua vigente - as exigências dos novos investidores com relação à distribuição da renda corporativa (nível de lucros e também divisão de lucros entre dividendos e lucros 2 Conforme destacado por Johnson e Lundvall, 2000, o conceito de capital social, extraído da sociologia, tem sua base em um conjunto de hábitos e normas, que influenciam os níveis de coesão, confiança, interação e aprendizado do sistema social. É proporcional à densidade das relações entre os cidadãos e peso especial é dado à frequência de participação em organizações e redes que se estendam além de fronteiras familiares. 3 Nota-se que é neste último que os exemplos são mais contundentes: principalmente no caso de semicondutores (onde o governo alocou diretamente no programa SEMATECH US$ 200 milhões por ano durante o período 1985-1995) e na indústria automobilística (US$ 1 bilhão nos anos 90 no Programa Supercar 2000, após o financiamento de programas como “Star-Wars”) Além desses, aumentos importantes têm sido observados nos gastos públicos em P&D em biotecnologia e ciências da vida, visando apoiar as empresas norte-americanas do setor farmacêutico e agro-industrial.

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retidos) têm já apresentado importantes efeitos na estratégia tecnológica das empresas (e, consequentemente, no montante de gastos em P&D). Tais efeitos significam, de fato, uma mudança generalizada nas estratégias tecnológicas das grandes corporações, onde a “adaptação” de tecnologias é enfatizada em detrimento de busca sistematizada por novos produtos e processos. Adicionalmente argumenta-se que: • tal mudança em direção a estratégias adaptativas é sustentada, no curto prazo, na exploração das

capacitações acumuladas no passado; • algumas empresas têm tentado contrabalançar a diminuição dos esforços internos de P&D a partir do

aumento de diferentes formas de aquisição externa de tecnologia. Alianças tecnológicas, aquisição de capacitações em universidades e centros públicos de P&D, entre outros, têm sido os meios utilizados;

• já são visíveis os resultados negativos decorrentes da substituição de esforços internos de P&D pela aquisição externa de tecnologia;

• a capacidade que o sistema produtivo tem demonstrado de preencher as novas demandas do RADF relaciona-se ao uso extremamente eficiente das tecnologias de informação e comunicações - TICs.4

Chama-se a atenção aqui para a congruência entre as contribuições de Chesnais e Sauviat e Freeman, 2000, referente ao questionamento da sustentabilidade de tal modelo. Neste sentido ambas contribuições põem em xeque os argumentos dos entusiastas da “Nova Economia” de que (i) a crise estrutural de ajuste ao novo paradigma tecnológico associado às TICs já passou, no caso dos EUA; e que (ii) a economia mundial está se movendo em direção a um longo período de crescimento, comparável aos dos anos 1950-1960 ou 1850-1860. Um dos argumentos principais é que o crescimento da produtividade norte-americana é um fenômeno ainda limitado ao próprio segmento produtor de bens e serviços baseados em tecnologias de informação e comunicações, estando longe de ser um fenômeno generalizável. Igualmente descarta-se a visão entusiasta de que as TICs - ao disponibilizar informações econômicas instantâneas e com alto grau de precisão - teriam a capacidade de aumentar a “perfeição dos mercados” e assim torná-los mais estáveis. Assim é que Freeman (2000) discute as possibilidades de uma decolagem forçada para o propalado atual crescimento do economia norte-americana. Adicionalmente, enfatiza que idéias eufóricas sobre a inauguração de “novas economias” renascem a cada grande revolução tecnológica. Nota que, enquanto existe alguma justificativa para euforia em relação às mudanças associadas à difusão das novas tecnologias no bojo de tais revoluções, há menos justificativas para a subestimação que em geral se faz do tumulto econômico que acompanham tais mudanças. Na comparação entre os diagnósticos e expectativas que políticos, acadêmicos, banqueiros e industrialistas influentes nos EUA faziam do quadro econômico nos anos 20 e fazem agora nos 90, o autor aponta que: ♦ se, por um lado, há evidentes e importantes diferenças entre a economia norte-americana dos anos

90 e aquela dos 20 e que a análise do boom dos anos 20 e seu subsequente colapso de forma alguma mostra que o mesmo processo pode ser repetido nos próximos anos;

♦ por outro, a estória dos anos 20 é um claro e salutar exemplo de como a euforia produzida durante um boom pode distorcer o julgamento mesmo de participantes e observadores bem informados5.

4 “The successful recourse to IT can indeed be listed as a fifth trait of the accumulation regime. It helps to explain why a regime in which industry is dominated by finance has nonetheless been, up to now capable of producing and transferring to the financial sphere enough wealth to meet the appetite of institutional investors and other institutions of finance capital along with the large rentier interests grouped around them. It has done this despite a strong fall in the rate of growth of R&D and in some instances a drop in the absolute levels of outlays and a shift to adaptive strategies based on the exploitation of the capabilities accumulated in the past” (Chesnais e Sauviat, 2000). 5 Seus argumentos principais são que: ‘it is still “irrational exuberance” which is sustaining the American stock market and that this bubble is inflated by expectations which cannot possibly be fulfilled’ (Freeman, 2000, p. 10); ‘the events of the Great Depression are themselves a factor inducing caution on the part of the banks and other financial institutions, including the Federal Reserve, which now has greater powers to regulate the system, and has shown its willingness to use them to

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2.3 Glocalização x globalização: a importância do local no novo contexto

Um dos aspectos bastante debatidos sobre as recentes mudanças no cenário mundial refere-se ao processo de crescente globalização da economia. Este processo é sem dúvida intensificado pela difusão de um novo padrão baseado nas TICs, o qual permite a interconexão e aproximação de diferentes e mais distantes partes geográficas do mundo em tempo real e a comunicação e troca de informações como nunca antes foi experimentado.

A difusão de um novo paradigma tecno-econômico e a aceleração da globalização relacionada a esta são resultado assim como refletem mudanças político-institucionais que caracterizaram o ambiente de países mais desenvolvidos. Tais mudanças também orientam o processo de crescente desregulação e liberalização de mercados mundiais supostamente associados às crescentes exigências de maior competitividade. Na verdade, o que se observa-se, mais fortemente, é um movimento de globalização financeira, apoiado sobremaneira pelas TICs e a busca por expansão de mercados produtores e consumidores. Porém, aponta-se para uma tendência de intensificação da concentração do locus da decisão em alguns países mais desenvolvidos.

No que se refere ao processo de globalização das economias, uma análise mais acurada permite perceber que são muito poucas as multinacionais realmente globais; a mobilidade do capital não tende da mesma forma a promover um deslocamento dos investimentos e do emprego de países avançados para aqueles em desenvolvimento; além de existir uma concentração dos fluxos comerciais, produtivos e tecnológicos nos países da chamada Tríade. No que se refere especificamente ao processo inovativo e aos fluxos tecnológicos originados deste, sua geração permanece localizada e não há evidência da desconcentração da apropriação de seus resultados. No caso brasileiro, o autor aponta para uma exclusão do país dos fluxos globais de geração de tecnologia (Maldonado,1999; Humbert, 2000).

Neste sentido, a globalização é entendida por muitos autores como um estágio mais recente do processo histórico de internacionalização do capital. Outros, como por exemplo Petit, 2000, consideram que o atual processo vai além da internacionalização já vista, pois as economias nacionais estariam passando a atuar como partes de um único todo global. Este autor salienta contudo que, apesar da crescente globalização, a fase atual não pode ser caracterizada ainda por uma híper globalização, na qual o mundo se transformaria em um único e grande mercado, com uma única esfera de produção e com fronteiras nacionais dissolvidas. Adicionalmente, e conforme argumentado em publicações resultantes de fases anteriores deste mesmo projeto de pesquisa, ao mesmo tempo em que se assiste ao avanço do processo de globalização em algumas dimensões, assiste-se também a uma tendência oposto em outras.

Aponta-se particularmente para a inexistência de evidências comprovando mudanças significativas no sentido da desconcentração da apropriação dos resultados ou da divisão do trabalho intelectual entre as diferentes empresas, regiões, países ou blocos de países. Na verdade, a análise das evidências disponíveis ressalta, não apenas a localização (ao contrário da globalização) de informações, conhecimentos e atividades consideradas estratégicas para empresas e países - relacionados ao planejamento e controle decisório e às atividades de pesquisa e desenvolvimento, por exemplo - como em muitos casos, conclui-se por uma reconcentração de tais atividades, informações e conhecimentos.6 Igualmente, aponta-se para uma significativa concentração em nível mundial da taxa de introdução de inovações, com alguns países, setores, empresas tendendo a desempenhar o papel de principais indutores de inovações, enquanto outros ficam relegados ao papel de adotantes. Isto contraria radicalmente a hipótese de que o mundo estaria rumando para uma situação de tecno-globalismo, a qual se ajustaria ao atingir equilíbrio.

make credit available in the event of recession before a downward spiral gained momentum. However, the Fed now has a somehow different problems: how to slow or stop the asset inflation without bringing about a serious inflation’ (pg. 33). 6 Ver, dentre outros, Cassiolato, 1996; Lastres, 1997.

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A atenção que passa a ser dada ao caráter localizado da inovação e do conhecimento deriva particularmente, da constatação dessa desigual distribuição espacial da capacidade de geração e de difusão de inovações. Cabe então notar que o enfoque em sistemas nacionais de inovação (i) se contrapõe à idéia de um suposto tecno-globalismo; (ii) reforça as teses de que a geração de inovações e de tecnologias é localizada e circunscrita às fronteiras localizadas nacional ou regionalmente. Tendo em vista que parte importante dos conhecimentos que baseiam o processo inovativo são tácitos, cumulativos e localizados, existiria um espaço importante em nível nacional, regional ou local para o desenvolvimento de capacitações tecnológicas endógenas, imprescindíveis para se absorver conhecimentos de forma eficiente para adaptar, modificar e gerar, assim, novos conhecimentos.

Humbert (2000) utiliza a noção de “glocalização” para salientar a importância de articulação entre o global com o local, de forma a aproveitar as dinâmicas globais para alimentar aquelas locais. Para ele, orientações deste tipo devem ser objeto de políticas governamentais, particularmente para países em desenvolvimento. Como aponta o autor, algumas rotinas e competências residem em forças locais e regionais que conformam as capacitações das firmas. Culturas locais são cruciais em vários processos de mudança técnica e outras associadas. Isto graças ao caráter tácito e localizado do conhecimento e à necessidade de compartilhar a linguagem, confiança e o sentimento de pertencer à mesma comunidade, que permitem a comunicação interfirmas e a cooperação. Salienta-se, ainda, o papel da confiança, hoje reconhecido como de extrema importância, promovendo a troca de valores e cultura, conforme vem sendo abordado no enfoque de sistemas de inovação.

Conforme destacado em estudos anteriores7 e também enfatizado por Mytelka (2000), o interesse crescente em torno de diferentes conceitos de aglomerações produtivas reflete um conjunto de mudanças no ambiente competitivo das empresas que passaram a ficar evidentes no decorrer das décadas de 70 e 80. De fato, desde a década de 80 a análise da relação entre proximidade geográfica, dinamismo tecnológico e vantagens competitivas tem sido objeto de diversos estudos que focalizam a experiência de arranjos produtivos locais em diferentes regiões e países. Muitos destes estudos estiveram fundamentados nas mudanças paradigmáticas envolvendo a transição do modelo fordista de produção em massa para novas formas de organização baseadas na desintegração vertical da produção e na aglomeração espacial de empresas.

Inspiradas pelo conceito marshalliano de externalidades, um dos elementos chave destas abordagens reside na percepção de que os processos de inovação nas firmas são gerados e sustentados através de relações inter-firmas e, particularmente, através de vínculos intra regionais entre atores que integram circuitos inovativos. Esse interesse em torno da dinâmica econômica e tecnológica de sistemas produtivos operando em regiões específicas tem resultado na criação de múltiplas definições e conceitualizações: sistemas regionais de inovação, vantagens competitivas dinâmicas, economia, innovative milieux, sistemas locais de inovação, entre outros. Da mesma forma, ainda que sejam oriundos de abordagens teóricas diversas, este corpo de literatura tem demonstrado uma considerável convergência de idéias com relação à dimensão localizada da competitividade e da inovação.

Em primeiro lugar, a maior parte destes estudos tem destacado a importância crescente de aglomerações industriais locais e regionais como elemento central na busca de competitividade e dinamismo tecnológico de firmas em diferentes setores. Em segundo lugar, na medida em que o aprendizado interativo emerge como um elemento chave neste novo contexto de desenvolvimento econômico e tecnológico, a proximidade geográfica também surge como o melhor contexto para facilitar a troca de conhecimentos tácitos. Desta forma, a região passa a ser vista como um espaço cognitivo, onde valores compartilhados, confiança e outras formas de ativos intangíveis constituem-se em elementos fundamentais que podem contribuir para o desenvolvimento de processos de aprendizado interativo e para minimizar custos de transação entre as firmas. Em terceiro lugar, ainda que permaneça com uma unidade primária de análise do processo de inovação, a firma passa a ser reconhecida como uma organização cujo aprendizado é influenciado por contextos institucionais mais amplos. Em outras palavras, processos de aprendizado não ocorrem num ‘vácuo’ institucional. A dimensão institucional, 7 Ver Lastres, Lemos, Cassiolato, Maldonado e Vargas, 1999.

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enquanto o conjunto de normas e rotinas sob as quais sistemas produtivos locais são organizados constituem-se num elemento crucial para compreensão do processo de capacitação inovativa e competitiva locais e regionais. Em quarto lugar, outro ponto importante de convergência da maior parte destes estudos se reflete no esforço conceitual e metodológico de lidar com esquemas de análise dinâmicos relacionados à análise dos processos de inovação em aglomerações industriais locais e regionais.

Em particular, percebe-se atualmente no estudo de sistemas locais e regionais de inovação um grande esforço no sentido de priorizar o foco dos estudos na evolução de trajetórias de aprendizado ao invés de enfatizar unicamente aspectos relacionados à infra-estrutura tecnológica e educacional desses arranjos. Cabe inclusive lembrar que os principais elementos associados com as trajetórias de sistemas locais de inovação tendem a mudar na medida em que estes sistemas evoluem.

2.4 Países em desenvolvimento e a economia do aprendizado crescentemente globalizada

Ao discutirem as consequência da difusão das TICs, do processo de globalização e do estabelecimento do novo regime de acumulação, alguns autores explicitam a preocupação de que as desigualdades constituídas no passado entre países pobres e ricos, mais ou menos desenvolvidos ou industrializados sejam ainda mais aprofundadas. Ou seja, que com a acirrada competição internacional, intensifiquem-se disparidades na capacidade de acessar e usar as novas tecnologias e, principalmente, na capacidade de aprender, absorver e gerar novos conhecimentos e inovações, no que alguns vêm chamando de digital divide e learning divide (Arocena e Sutz, 2000).

Na visão consensual dos autores que contribuíram com o primeiro bloco deste projeto, a promoção apenas do uso das TICs nos países em desenvolvimento não é suficiente e pode contribuir para torná-los e mantê-los passivos e dependentes no processo de globalização. No sentido de contribuir para contrarrestar efeitos negativos aponta-se para a importância do apoio à difusão das TICs, centrado no estímulo ao aprendizado, com a participação dos agentes em redes, respeitando as condições específicas de cada país e região (Petit, 2000; Humbert, 2000).

Evidentemente que a maior possibilidade de comunicação amplia as oportunidades de troca de informações, experiências e culturas e também oferece maiores oportunidades de aprendizado. Entretanto, não desloca nem substitui as interações face a face. As evidências disponíveis sobre o uso das TICs apontam para a complementação e potencialização das interações interpessoais.

Sem dúvida que para países em desenvolvimento, uma questão fundamental e prioritária relacionada à economia do aprendizado refere-se à força de trabalho existente e aos seus níveis reduzidos de escolaridade, capacitação e qualificação. Outra grave questão refere-se aos desafios colocados pela aceleração do processo de evasão de cérebros (brain drain) que assola a grande maioria dos países menos desenvolvidos. Tais aspectos negativos podem reduzir de forma alarmante as possibilidades de inserção de forma positiva na nova economia e podem invalidar outros esforços.

Na chamada “era do conhecimento”, os dados disponíveis relativos ao padrão das exportações latino-americanas nos anos 90, apontam para uma tendência à especialização dos países em setores e áreas de dinamismo relativamente baixo. Assim, as exportações latino-americanas, em termos de valor, crescem a taxas significativamente menores do que aquelas dos países desenvolvidos e asiáticos.8 Apesar de a pauta de exportações latino-americana (em particular a brasileira, argentina e mexicana) ter evoluído no sentido de maior presença de produtos industrializados, a inserção atual de tais países no mercado internacional, caracteriza-se pela exportação de commodities intensivas em recursos naturais e/ou energia e de bens intensivos em mão-de-obra barata. Como é sabido tais commodities têm

8 No período 1985-90, enquanto tais taxas para aqueles grupos de países eram de 14,0% e 18,6% ao ano, a dos países latino-americanos crescia a 5,8%. Tal tendência se repete, quando, durante 1990-95, o valor das exportações dos países desenvolvidos crescia 12,2%, o dos países asiáticos 15,8% e o dos países latino-americanos 9,1%.

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experimentado uma tendência de baixo dinamismo, excesso de oferta e consequentemente estagnação e mesmo queda de preços. Tal progressiva erosão na competitividade internacional latino-americanos associa-se à importante perda de fatias no mercado internacional. A participação das exportações destes países no exportações mundiais têm diminuído. Em 1960 ela era de 7,7%, em 1980, 5,5% e em 1994, 3,8%. A um nível de detalhe maior e focalizando especificamente os países do Mercosul, nota-se que o Brasil era responsável por 1,5% das exportações mundiais em 1984. Em 1993 e 1996, tal percentual decresceu para 1% e 0,93%, respectivamente. Excluindo-se as exportações intra-Mercosul, a participação brasileira decresceu de 1,42%, em 1984, para 0,79%, em 1995, e a argentina de 0,31%, em 1986, para 0,28%, em 1995. Tais dados questionam, portanto, a eficácia das políticas de ‘inserção competitiva’ praticadas nestes países quanto a seu quesito fundamental.

Desafios e oportunidades para países em desenvolvimento e seus sistemas produtivos locais

A análise da literatura sobre arranjos e sistemas produtivos, em diferentes âmbitos, demonstra que a maior parte dos estudos desenvolvidos - sejam de cunho teórico ou baseados em evidências empíricas - não refletem importantes especificidades referentes ao contexto dos países menos desenvolvidos na medida em que se baseiam fundamentalmente na experiência de países industrializados mais avançados e geralmente nos casos de sucesso9. Neste contexto, não obstante a importância que assumem estes estudos ao prover novos elementos teóricos e empíricos para composição de uma abordagem sistêmica para o processo de inovação em arranjos locais, eles dificilmente logram refletir as especificidades do contexto de países em desenvolvimento.

De uma maneira geral, a experiência dos países em desenvolvimento revela que, aliado ao investimento reduzido nas atividades de C&T e à importância de fontes externas na capacitação tecnológica do setor produtivo10, existem limitações igualmente importantes relacionadas à inexistência ou ineficácia de configurações institucionais que compõem o sistema de inovação e mesmo à falta de interação entre seus principais atores. Em outras palavras, a natureza sistêmica dos processos de inovação - que constitui um elemento essencial na concepção de sistemas de inovação - dificilmente encontra-se presente no contexto institucional dos países em desenvolvimento (Arocena and Sutz, 1999).

Da mesma forma, considera-se que o estabelecimento de um referencial analítico adequado ao estudo do impacto do ambiente local na capacitação competitiva inovativa de arranjos produtivos nos países em desenvolvimento passa também pela compreensão do impacto das transformações recentes que vêm sendo promovidas na estrutura econômica e produtiva destes países. Tais transformações remetem ao processo de reformas estruturais promovidas no decorrer da década de 90 e refletem a crescente internacionalização de mercados associada ao processo de globalização.

O impacto do processo de reformas estruturais sobre diferentes elementos da economia latino-americana é analisado por Katz, 2000. De acordo com o autor, ainda que o processo de reformas estruturais no decorrer da década de 90 tenha logrado resgatar o equilíbrio macroeconômico nos países latino americanos, existe uma clara percepção de que o intenso processo de abertura comercial externa, desregulação e privatização não trouxe nenhuma melhora significativa em termos de eficiência produtiva e menos ainda eqüidade distributiva. De uma maneira geral, os ganhos de produtividade associados com o processo de reformas estruturais foram sustentados principalmente pelos setores tradicionais em detrimento de setores intensivos em conhecimento. Além disso, os ganhos de

9 De fato em particular algumas experiências de sucesso atraíram a atenção de pesquisadores: os distritos industriais italianos na região Nordeste da Itália, o Vale do Silício na California, Baden-Wurttemberg, no Sul da Alemanha, Toyota City no Japão. 10 Como enfatizado por Cassiolato and Lastres (1999:7-8) “ Across the majority of technology importing firms of the region and over four decades from the 1950s to the 1980s, the acquisition of foreign technology was not part of a broader process of technologically dynamic industrial development.… These ‘ex-post’ patterns of limited dynamism in assimilating what had been imported were typically associated with only limited ‘ex-ante’ efforts to create the technological capabilities required for effectively exploiting international sources of technology in the first place.

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produtividade verificados nestes setores tradicionais estiveram associados tanto com a redução no emprego como com a diminuição do peso relativo do segmento de PMEs nestes setores.

Tais preocupações são compartilhadas por Coutinho, 2000, o qual reforça particularmente o ponto de que as características específicas dos regimes macroeconômicos se sobrepõem e condicionam as decisões microeconômicas, tendendo a conformar padrões de financiamento e de coordenação corporativa, de comércio exterior, de concorrência e de mudança técnica. “As variáveis-chave (taxa de juros, taxa de câmbio, expectativa de inflação) e demais condições macroeconômicas involucram e moldam o espaço das decisões micro. Estas, por sua vez, ao se socializarem (em geral através de convenções) formam padrões em vários planos (inclusive mesoeconômicos) que terminam por repercutir e condicionar o próprio regime macroeconômico que lhes deu origem. Há, portanto, uma dupla e realimentada interação entre os planos micro e macroeconômico”. Os principais argumentos de sua contribuição são que: • sob a dominância da “globalização” a posição externa das economia se tornou um condicionante-

chave para a determinação de seu regime macroeconômico. Economias com posição externa sólida (ou frágil) tanto em termos de estoque (posição credora/devedora) quanto em termos de fluxo (superávit/déficit em conta-corrente) se situam bem (ou mal) em termos de raio-de-manobra para as políticas de taxas de juros/taxas de câmbio.

• para conviver bem com a “globalização das finanças” é preciso não depender tanto dela. Países que têm seus balanços de pagamentos equilibrados ou superavitários, com boa posição de reservas cambiais, se tornam mais atraentes pois podem crescer mais a partir de taxas de juros mais baixas e fator de risco-cambial mais reduzido. China, Taiwan e a Coréia do Sul são tomados como exemplos desta condição. Ao contrário, os países com persistente desequilíbrio em sua conta de transações correntes, sem uma posição sustentável de reservas de divisas, ficam onerados por riscos de câmbio-país e precisam manter taxas de juros mais altas, refletindo uma condição de vulnerabilidade macroeconômica, como no caso da maioria dos países da América Latina nos anos 90.

• o indicador chave do grau de autonomia da política macroeconômica de um país não-emissor de moeda internacional é a trajetória da sua conta de transações correntes (sendo isto é ainda mais verdadeiro e intenso para os países em desenvolvimento) e a autonomia é diretamente proporcional à robustez da conta-corrente que agrega o resultado da balança comercial e da conta de serviço dos fatores (fluxo líquido de juros, lucros, dividendos, royalties, etc.) e dos não-fatores (fluxo líquido de turismo, transportes, seguros, etc.).

• paradoxalmente, os países em desenvolvimento, carentes de capital, que em tese deveriam ser deficitários em conta-corrente (o que equivale a importar capitais) tendem a ser punidos pelas “finanças globalizadas” ao se colocarem em uma posição persistentemente deficitária. Ao contrário, os países superavitários conseguem conviver autônoma e favoravelmente – em termos de política de juros e mesmo da possibilidade de impor controles seletivos de capitais – muito embora não se coloquem numa posição de importadores líquidos de capital e sim, fundamentalmente, de poupadores de base doméstica.

• ao contrário do sistema organizado de Bretton Woods, onde os países em desenvolvimento poderiam incorrer em déficits externos moderados (a serem financiados por investimentos diretos e por empréstimos oficiais) sem injunções sobre suas políticas de juros, o atual não-sistema de “finanças globalizadas” traz implicações perversas sobre a “alocação eficiente” de capitais ao punir os países deficitários e premiar os superavitários.

Como decorrência, Coutinho, 2000 aponta que - no final dos 90 neste contexto da globalização, sob um regime “maligno” - a situação do setor empresarial brasileiro como um todo era de evidente fragilidade, em função dos seguintes aspectos macroeconômicos: • performance competitiva fraca com projeção da fragilidade comercial para todos os setores com alto

valor agregado e alto conteúdo tecnológico. Reforça então o ponto já destacado acima de que - contrariamente ao desejável tendo em vista os desafios da economia do conhecimento - a

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competitividade brasileira é forte somente em setores de commodities com larga escala de produção e baixo valor agregado e que usam intensivamente insumos agrícolas, minerais e energéticos.

• vulnerabilidade financeira persistente das firmas brasileiras resultante de altos custos do capital, associada à regressão significativa da base de financiamento de longo prazo da economia e do mercado de capital, o que atrasou a centralização do capital e perpetuou a estrutura concentrada de propriedade familiar.

• perda de propriedade nacional em muitos setores,11 enfraquecimento e redução do tamanho dos grupos empresariais brasileiros, tornando praticamente impossível que eles se tornassem atores globais ativos.

Juntamente com o processo de reformas estruturais, a crescente internacionalização dos mercados e o aumento da competição enfrentada por produtores locais também vem gerando um novo conjunto de desafios competitivos nos países em desenvolvimento. Neste novo contexto de internacionalização, verifica-se que um número crescente de produtores locais nos países em desenvolvimento tem sido forçado a se integrar em cadeias produtivas globais como forma de sobreviver às pressões competitivas que emergem do mercado internacional. Esta questão é analisada por Schmitz (2000) que avalia a implicações da articulação entre produtores locais nos países em desenvolvimento e cadeias globais de produção sobre o processo de capacitação competitiva destes produtores. Neste sentido, considera que o equilíbrio entre as forças locais e externas constitui-se numa variável crucial no processo de definição das estratégias de desenvolvimento dessas aglomerações industriais (Schmitz e Knorringa, 1999).

A noção de cadeias globais de produção remete à análise de autores como Gereffi (1994; 1999). Estas cadeias podem ser definidas como um conjunto de redes inter-organizacionais agrupadas em torno de uma mercadoria ou produto, integrando empresas em diferentes regiões e países. Neste aspecto, a abordagem sobre cadeias globais apresenta uma visão explícita sobre a dimensão internacional de cadeias produtivas aliada à percepção de que as formas de coordenação ao longo dessas cadeias representam uma dimensão chave na busca de vantagens competitivas. Uma das noções básicas que permeia a abordagem de cadeias globais de produção é de que a integração neste tipo de cadeia produtiva representa uma oportunidade para produtores locais em países em desenvolvimento embarcarem numa trajetória progressiva de modernização pela incorporação de novos conhecimentos através de compradores globais12. Em outras palavras, o acesso a empresas que coordenam a cadeia produtiva em nível global é visto como etapa necessária para o desenvolvimento tecnológico na medida em que permite situar os produtores locais nos países em desenvolvimento em rotas de aprendizagem que são potencialmente dinâmicas.13

11 Coutinho, 2000, destaca que diferentemente de países como a Coréia - onde fundos abundantes disponíveis pela globalização foram usados para alavancar a expansão de grandes grupos de negócios nacionais - a política macroeconômica praticada no Brasil permitiu a venda massiva de importantes grupos nacionais para o capital estrangeiro, passando-se o controle de mais de 300 empresas nacionais para corporações estrangeiras. 12 A abordagem das cadeias de produção define duas trajetórias possíveis de upgrading. A primeira encontra-se relacionada a mudanças em nichos de mercado através da produção de bens que demandem maior valor agregado por empregado a partir do mesmo rol de atividades. O segundo tipo de trajetória implica na busca de capacitações que se estendam além das atividades relacionadas aos processo de produção, como por exemplo, em marketing e design (Humphrey and Oeter, 1999:13). 13 Gereffi também propõe uma distinção de acordo com a natureza da divisão de trabalho e intensidade de capital ao longo da cadeia produtivas globais. Duas categorias principais são apresentadas: a das cadeias governadas pelos produtores e das cadeias governadas pelos compradores:“Producer-driven commodity chains are those in which large, usually transnational, manufacturers play the central roles in coordinating production networks (including their backward and forward linkage) (…) Buyer-driven commodity chains refer to those industries in which large retailers, marketers, and branded manufacturers play the pivotal roles in setting up decentralized production networks in a variety of exporting countries, typically located in the third world. Production is generally carried out by tiered networks of third world contractors that make finished goods for foreign buyers. The specifications are supplied by the large retailers or marketers that order the goods” (Gereffi, 1999:41-43).

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Entretanto, estudos empíricos recentes sobre aglomerações industriais nos países em desenvolvimento (Schmitz, 1999) têm demonstrado as limitações do enfoque sobre o processo de capacitação de produtores locais desenvolvido no escopo da abordagem sobre cadeias produtivas globais. Ainda que a inserção neste tipo de cadeia contribua muitas vezes para a capacitação de produtores locais na esfera da produção, o mesmo não ocorre com relação à capacitação inovativa em esferas mais estratégicas da cadeia produtiva, associadas, por exemplo com atividades como as de design e marketing. Em outras palavras, a inserção de arranjos e sistemas produtivos locais em cadeias globais envolve, na maior parte dos casos, o estabelecimento de relações assimétricas de poder que podem restringir o processo de capacitação inovativa de produtores locais.14

Além dos aspectos já mencionados, verifica-se que a dimensão financeira constitui-se num fator de suma importância para compreensão dos limites e possibilidades relativas ao processo de capacitação competitiva e inovativa de arranjos e sistemas produtivos nos países em desenvolvimento. Esta questão é discutida por Saviotti (2000) que explora as limitações da infra-estrutura institucional para financiamento da inovação.

Conforme é colocado pelo autor, as inovações de cunho institucional envolvem duas linhas distintas de ação. Por um lado, se refletem nos mecanismos institucionais que garantem a busca de novos nichos ou ‘janelas de oportunidade’ para a criação/geração de inovações na economia. Por outro lado, se refletem também na existência de uma infra-estrutura institucional voltada para financiamento da inovação. Esta última remete à importância do papel dos bancos no financiamento de inovações radicais na economia seja através de ‘venture capital’ ou outros tipos de fundos.

Em termos práticos, na maior parte dos casos as instituições financeiras não estão em condições de entender a natureza dessas inovações radicais, o que torna o financiamento deste tipo de inovação – que potencialmente pode levar à essa mudança qualitativa da economia – um problema. Uma mudança neste tipo de situação, que constitui-se num problema mundial, mas assume uma dimensão ainda maior no contexto de instabilidade macroeconômica dos países em desenvolvimento, requer necessariamente a mudança de uma abordagem administrativa/burocrática para outra centrada no ‘empreendedorismo’ por parte das instituições financeiras.

3. O novo papel, objetivos e instrumentos de política de desenvolvimento industrial e tecnológico

Um dos pontos consensuais das contribuições feitas ao projeto refere-se à argumentação de que a retórica sobre um suposto renascimento do liberalismo não se respalda por uma prática efetiva nos países ditos “centrais”. Lembra-se inclusive que mesmo o próprio discurso está mudando. Reconhece-se que além da acelerada globalização financeira ocorridas nas duas últimas décadas, a maior exposição das economias nacionais aos mercados internacionais, o consequente maior condicionamento externo das políticas econômicas nacionais levaram a uma perda relativa de autonomia dos governos nacionais. Adicionalmente, nota-se que as políticas nacionais passam crescentemente a ter que incluir temas supranacionais, tais como meio ambiente, acordos de bitributação, assim como definições de regras e acordos orientando o uso de redes e sistemas de informação. Paralelamente, coloca-se uma tendência de crescente valorização de políticas subnacionais.15 Em muitos casos, essa descentralização passa a representar um elemento desagregador da coesão nacional - tendo em vista o acirramento da “competição” entre diversas regiões, assim como a dificuldade de os governos federais enfraquecidos desempenharem bem o papel de coordenação dos diferentes esforços regionais.

14 Cabe ainda lembrar o destaque feito por Schmitz de que geralmente apenas casos de sucesso são discutidos pela literatura e, neste sentido, ressalta a importância dos estudos que mostrem como e porque algumas tentativas, estratégias e formatos produtivos e inovativos não deram certo. 15 Nota-se principalmente as pressões no âmbito da OMC e outros organismos internacionais, e a crise fiscal dos governos centrais, tem sido observada uma tendência visando uma mudança das políticas e do respectivo apoio financeiro do nível federal para o local (algumas vezes estadual, como no caso dos EUA).

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Critica-se aqui principalmente o ressurgimento de políticas de desenvolvimento industrial por parte de governos locais que vêm privilegiando, em certas áreas como única alternativa, a promoção de empreendimentos de corporações transnacionais, dentro de um processo de forte disputa entre interesses locais. As diferentes regiões são vistas apenas como possíveis hóspedes de investimentos, dentro de um processo que envolve vultosos e variados incentivos. De fato, nestes casos são oferecidas vantagens que resultam para a localidade em custos altamente elevados - englobando incentivos os mais variados, desde facilidades de aquisição de terrenos e criação de infra-estrutura até isenções fiscais e financiamentos de longo prazo. Refere-se sobretudo aos casos em que as vantagens oferecidas para atrair tais investimentos não estão amarradas a outras condições que correspondam às necessidades e potencialidades da região em questão – como a promoção dos processos de aprendizado e capacitação inovativa e o fortalecimento de redes e vínculos que incluam agentes locais (Cassiolato e Szapiro, 2000). Nota-se também que, com a ausência de políticas orientando o crescimento produtivo e o desenvolvimento, crescem as demandas e pressões por proteções específicas, por esquemas casuísticos de fomento setorial e por incentivos fiscais - descoordenados e geradores de disputas entre estados e municípios - os quais evidentemente não podem ser estendidos a todos. No que se relaciona à continuidade desta estratégia, destaca-se que:

• se tais medidas não forem acompanhadas de outras que exijam o cumprimento de certas exigências quanto ao desempenho das empresas beneficiárias (como, por exemplo, obtenção de certas metas quanto a exportações e conteúdo local),16 a tendência é que o encadeamento com a economia local continuará se reduzindo e os empreendimentos continuarão tendo impacto negativo na balança comercial, dado o seu caráter intensivo em importação.17 • as medidas visando gerar excedentes de exportação a partir de incentivos à instalação de subsidiárias de transnacionais são extremamente sensíveis às flutuações de mercado mundial. Isto é, na ausência de encadeamentos com a economia local, crises relacionadas a excedentes de produção em escala global podem levar à diminuição da produção e ao fechamento das unidades industriais incentivadas.

Adicionalmente, destaca-se que as vantagens oferecidas para atrair tais investimentos não estão vinculadas a outras condições que correspondam às necessidades e potencialidades da região onde se localiza o empreendimento. De fato, encontram-se crescentes evidências que as guerras fiscais para atrair investimentos não atraem o tipo de investimento que gera aprendizado e inovação.18 Uma conclusão aqui é que, na falta de promoção dos processos de aprendizado e capacitação tecnológica e do fortalecimento de redes e vínculos que incluam agentes locais, as empresas receptoras dos subsídios encontram poucas razões para se enraizar nas regiões hospedeiras. Argumenta-se que, apesar do espaço e condições diferenciarem-se do passado, os governos nacionais particularmente dos países desenvolvidos vêm mantendo sua legitimidade e capacidade de intervir.19 Esses países continuam agindo pragmaticamente na defesa ou reforço de sua competitividade industrial e tecnológica, pois entendem que desta depende sua soberania. Conforme visto acima, particularmente Chesnais e Sauviat, 2000 e Freeman, 2000 argumentam que, no caso dos Estados Unidos, a participação pública no investimento é bem maior do que se imagina. “The role of the US Federal Government in the promotion of ICT has been far from the passive non-interventionist stance sometimes assumed. …. A feature of the United States R&D system for a long time has been the exceptionally large part of total 16 Deve-se lembrar que as medidas de atração de investimento estrangeiro, quando aplicadas nos países mais avançados, vêm, de maneira geral, acompanhada de compromissos por parte dos beneficiários particularmente no que se refere ao aumento do valor agregado localmente (Cassiolato e Britto (1998) apresentam uma análise de tais políticas para os EUA). 17 No caso brasileiro recente, Laplane, Suzigan e Sarti (1998) demonstram que os 100 maiores projetos de investimento de subsidiárias de empresas transnacionais anunciados no período 1995-1997 apresentam exatamente estas características. 18 Ver Cassiolato e Lastres, 1999, e Mytelka, 1998. Neste último caso que a autora refere-se aos casos dos países mais avançados do mundo, como particularmente os Estados Unidos. 19 Ver Cassiolato e Lastres, 1999.

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R&D expenditures financed by the Federal Government but performed in industry. … further demonstrated in the most recent period by the support given to the efforts of many state governments to strengthen their local clusters of technological activities both in industry and universities. … University research supported by industry has increased in the 1980s and 1990s and patenting by universities themselves has increased considerably.” (Freeman, 2000). Observa-se, portanto, a implementação de uma ampla gama de instrumentos cada vez mais complexos como forma de contrabalançar os efeitos do grau elevado de exposição das economias ao novo ambiente externo. Entre os principais objetivos das políticas adotadas, na década dos 90s, destaca-se a preservação e potencialização dos componentes principais da soberania nacional, particularmente o domínio e algum grau de autonomia em tecnologias críticas. Aqui combinam-se estratégicas (militares, industriais, etc.) que variam de acordo com o país. Outras áreas importantes são a promoção do pleno emprego, a inserção na sociedade da informação, a melhoria da balança comercial, o apoio às PMEs e ao desenvolvimento regional (Cassiolato e Szapiro, 2000).

Neste quadro, identifica-se uma tendência de mudança nas formas de formular políticas e a crescente necessidade de consideração das mesmas de uma maneira holística. Além da convergência crescente entre conjuntos diferentes de políticas, crescentemente reconhece-se a importância (i) dos processo interativos de inovação e aprendizado, e seu caráter localizado, bem como (ii) da abordagem de sistemas nacionais de inovação, o que faz com que estes sejam objeto de preocupações por parte dos formuladores de políticas em alguns países ou blocos de países. Assim, identifica-se uma ênfase das políticas a blocos agregados de desenvolvimento, como clusters ou arranjos locais.

Tendo em vista tais tendências, cabe portanto destacar que, na discussão sobre o novo papel das políticas públicas de desenvolvimento industrial e tecnológico, acima de tudo não se pode confundir as restrições advindas da crise fiscal - reais e sérias - com a adesão majoritária das elites políticas e governamentais à retórica neoliberal.20 Nesta direção, Johnson e Lundvall, 2000, apontam que as medidas macroeconômicas que fizeram parte até recentemente do receituário de organismos internacionais (FMI, Banco Mundial, OCDE, entre outros) para a implementação de políticas baseadas no equilíbrio macroeconômico (manutenção de baixos índices de inflação e de deficit fiscal, abertura das economias, etc.) não contribuíram para o desenvolvimento de países e devem ser complementadas com políticas que promovam inovações institucionais e mudança de cultura. Estes autores argumentam que a idéia de que o fluxo de informações circula livremente entre os países - e que, portanto, não existe necessidade de ações específicas para se capacitar para gerar e absorver conhecimento e inovações – já é reconhecida como inadequada até mesmo no discurso recente de organismos internacionais, que estão tendendo a incluir em suas agendas: i) a ênfase no conhecimento e na inovação como um processo interativo; ii) novos requerimentos institucionais; iii) a necessidade de se combinar diferentes tipos de políticas que incorporem o capital social no processo, iv) bem como a busca por maior igualdade social, educação, saúde, respeito ao meio ambiente e a culturas específicas. Estes dois autores destacam a necessidade maior de conceber e implementar novas políticas e estratégias de desenvolvimento adotando a abordagem sistêmica, conforme o conceito de sistemas nacionais de inovação. Apontam que este conceito consiste em uma forma mais bem estruturada para capturar e enfrentar a nova fase baseada no conhecimento e no aprendizado, para a integração de estratégias que combinem inovações técnicas, organizacionais e institucionais. Acrescentaríamos aqui as vantagens

20 Deve-se lembrar, entretanto, que o pesado ataque neoliberal à intervenção do Estado, assim como a hegemonia política do neoliberalismo começou a mostrar sinais de esgotamento no início dos anos 90 - inclusive com o reconhecimento de executivos de primeira linha de instituições tais como o Banco Mundial - colocando claro que novas idéias eram necessárias. Adicionalmente, argumenta-se que a discussão sobre “quanto” devem os governos intervir na economia tornou-se estéril, até porque considera que, no mundo atual, (i) o envolvimento dos Estados constitui-se num dado; e que, portanto, (ii) intervenção ou não-intervenção não podem ser tomados como alternativa. Aponta-se, por conseguinte, para a necessidade de centrar o debate na questão apropriada: de que forma (em oposição “a quanto”) deve-se dar-se a intervenção.

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deste conceito em permitir realizar uma ponte entre as condições gerais macroeconômicas de um determinado país e as necessidades microeconômicas específicas de arranjos locais particulares. Como decorrência, pode se estabelecer uma maior coerência e articulação entre políticas implícitas e explícitas, além de evidentemente evitar que as primeiras anulem por completo as possibilidade de implementação das segundas. 3.1 Promoção de arranjos e sistemas produtivos locais: novas dimensões de política industrial e tecnológica

Destaca-se a necessidade de as novas políticas objetivarem transformar os diferentes arranjos produtivos em um conjunto realmente articulado e capaz de inovar respondendo a mudanças rápidas. Isto implicaria em: (i) estimular não apenas os agentes econômicos, mas também as instituições voltadas para o aprendizado; (ii) desenvolver visões e instrumentos de política integrados e coordenados; (iii) criar as condições para que o processo de estabelecimento de políticas seja também de aprendizado e possa adaptar-se constantemente às novas demandas e condições da economia. Nota-se, também, que a transposição de tais objetivos gerais para políticas específicas deve pautar-se nos aprendizados baseados em sistemáticas avaliações dos programas de ação e nas experiências próprias. A proposta mais ampla de Johnson e Lundvall é a de efetivamente implementar as adaptações e reformulações necessárias a um melhor enfrentamento dos novos desafios da Economia do Aprendizado dentro da visão que denominam de new new deal. Conclui-se que o Estado-nação eficiente e flexível nesta nova era é aquele capaz de moldar a forma como as empresas nacionais e estrangeiras interagem com a sociedade nacional, promovendo e aprimorando antes de tudo o padrão de vida de seus cidadãos. Recomendam também que particular atenção seja dada ao objetivo de os projetos e políticas nacionais articularem a crescente importância conferida às dimensões sub e supranacionais.

Acima de tudo destaca-se que existem diferentes trajetórias de desenvolvimento e que cada país deve ter sua própria estratégia. E evidentemente, o desenvolvimento não pode ser relegado apenas à promoção do crescimento econômico. Todos os autores das notas técnicas - e particularmente Johnson e Lundvall, 2000 - fazem questão de frisar a importância de não esquecer jamais de uma questão particular: que se mostra absolutamente necessária a implementação de políticas relacionadas à distribuição mais igual da renda, educação, saúde, meio ambiente, cultura e bem estar social.

Reconhece-se também que o novo processo de aceleradas mudanças impõe a formulação de novas estratégias de integração; mudanças organizacionais; dinâmicas de mercado de trabalho e de inovação. Neste sentido, recomenda-se intensificar as relações industriais e que envolvam o mais amplo leque de agentes (incluindo sindicatos, associações, comunidade, etc.), de forma em especial a também contribuir para o fortalecimento do capital social dos contextos em questão. O cerne das preocupações reside aqui na possibilidade concreta e perigosa, neste processo de mudanças rápidas, de ocorrer a destruição de capacitações específicas, locais, culturas próprias e do capital social.

Como apontam principalmente Campolina; Johnson e Lundvall; Chesnais e Sauviat, o acesso às informações e a participação no processo global e a absorção de impactos mais positivos ou negativos, vai depender sobretudo das trajetórias passadas de determinados agentes e das formas como se capacitam, aprendem e se adaptam às mudanças em curso. Alertam que a maior exposição aos ditames do regime de acumulação dominado pelas finanças vem elevando ainda mais a necessidade de acelerar o processo de aprendizado, de forma a contribuir para evitar a possibilidade de destruição do capital social.

Adicionalmente, deve ser ressaltado que alguns aspectos particulares associados às mudanças em curso contribuíram para expor ainda mais as dificuldades que a teoria econômica mais tradicional sempre teve ao lidar com conhecimento, tecnologia e outros intangíveis. Dentre estes destacam-se:

• o significativo aumento da importância dos intangíveis na economia;

• a maior importância das redes e das formas e intensidade de articulação entre agentes;

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• a inegável especificidade dos ambientes sócio-político-econômicos locais, regionais e nacionais, as quais são responsáveis diretas pelo sucesso ou fracasso dos empreendimentos produtivos e inovativos.

Cabe finalmente neste item destacar a contribuição de Johnson e Lundval, 2000, quanto à importância de os policy-makers (i) compreenderem corretamente as novas dimensões do desenvolvimento industrial e tecnológico21 e (ii) serem capazes de desenhar e implementar políticas ativas e bem posicionadas quanto a tal novo papel. Argumenta-se que a maior parte das resistências devem-se mais propriamente a barreiras pessoais e institucionais à mudança (ao invés de falta de capacidade intelectual) e aponta-se para a necessidade de um constante esforço de aprendizado institucional. Neste caso, particularmente por parte das instituições de política e dos policy-makers.

3.2 Novos requerimentos de política industrial e tecnológica em países em desenvolvimento e no Brasil

Como vimos acima, algumas das proposições de ações e políticas têm o foco direcionado, por exemplo, ao apoio à difusão das TICs, centrado no estímulo ao aprendizado, com a mobilização de agentes coletivos, especialmente empresas de pequeno porte, tanto produtores como usuários. Recomenda-se adicionalmente realizar investimentos em educação formal e treinamento; promover a participação em redes de alcance global, respeitando as condições específicas de cada país ou região; e promover a glocalização da tecnologia, através da utilização de fontes externas de tecnologias, bens de capital, licenças, investimento direto, aliado a um desenvolvimento tecnológico industrial interno (Petit, 2000; Humbert, 2000).

No caso dos países em desenvolvimento, a questão mais fundamental e prioritária que se coloca quanto aos desafios da economia do aprendizado refere-se aos seus níveis reduzidos de escolaridade, capacitação e qualificação da sociedade. Geralmente tal observação é feita com relação à força de trabalho, no entanto é estendida a consumidores e cidadãos. Isto tendo em vista tanto as argumentações acima sobre capital social como também o largo emprego das TICs em áreas e atividades que em muito extravasam as produtivas. Outra grave questão associada e já destacada refere-se aos desafios colocados pela aceleração do processo de evasão de cérebros que assola a grande maioria dos países menos desenvolvidos.

Considera-se que tal evasão vem seriamente reduzindo as possibilidades de inserção positiva na nova economia e podem invalidar outros esforços. Note-se inclusive que até na pauta das políticas de alguns países desenvolvidos são definidas estratégias para neutralizar tal tendência. Recomenda-se, assim, focar primordialmente a construção de competências nos indivíduos e na sociedade como um todo, ao se tratar dos desafios que se impõem também para países em desenvolvimento.

Faz-se aqui uma ponte com a analogia proposta por Johnson e Lundvall, 2000, entre dilemas de crescimento e desenvolvimento sustentável no paradigma passado e o atual. Aponta-se que, da mesma forma que se discute o equilíbrio desejável entre crescimento produtivo e exaustão de recursos naturais, deve ser discutido o possível e desejável equilíbrio entre acumulação de capital intelectual e erosão social. “A development strategy that focuses only on production capital and intellectual capital is not sustainable. Accumulation of production capital should not erode natural capital and incentives to stimulate the accumulation of intellectual capital should not be designed in such a way that they erode social capital”.

Reconhecendo os efeitos desiguais da globalização e que estes tendem a aumentar em países que não implementem políticas de valorização dos indivíduos, os autores recomendam priorizar desde a educação formal, até o treinamento e qualificação, como forma de possibilitar a criação e

21 Referem-se aqui particularmente às lacunas e inadequações da visão neoclássica da tecnologia e do processo de inovação e reforçam a importância da adoção de uma nova racionalidade teórica – como a de sistemas de inovação - para dar conta dos novos desafios.

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aproveitamento das oportunidades associadas às mudanças. Retomando o argumento de que, se não controlado, o processo atual pode contribuir ainda mais para o enfraquecimento de relações sociais, esses dois autores enfatizam que a produção do capital intelectual (que propicia o aprendizado) é oriunda basicamente da existência de uma coesão social, e sem esta, tornam-se distantes objetivos de incremento da competitividade e mais ainda de desenvolvimento. Para diminuir tais efeitos, relativos à dispersão da coesão social, propõe-se a implementar inovações também em âmbito institucional e organizacional. Assim é que Johnson e Lundvall, 2000, reforçam que o contexto de aceleração das mudanças necessita de formulação de novas estratégias no nível da firma, da região e do país e particularmente no caso daqueles menos desenvolvidos, requerendo ainda a revisão das relações industriais e do papel dos sindicatos. Se existe uma necessidade de integrar mudança organizacional, dinâmica de mercado de trabalho e inovação no nível da firma, consideram que também isto é verdadeiro nas implicações sobre estratégias de desenvolvimento.

Estes autores insistem também na integração horizontal e vertical de políticas para a promoção da construção de competências e de inovação como a melhor forma de se preparar para absorver e gerar mudanças. Recomendam, portanto, a adoção de uma nova perspectiva – sistêmica que privilegie a política de aprendizado e de inovação – que integre, articule e potencialize as demais políticas correlatas: de emprego, educação, industrial, ciência e tecnologia, energética, ambiental, e outras, seja em nível nacional, regional ou local. Recomenda-se, portanto, promover políticas que visem integrar mais positivamente o Brasil na economia do aprendizado crescentemente globalizada, adotando-se diferentes formas e focos, entre os quais:

• estabelecimento de visões de desenvolvimento sustentado;

• foco na construção institucional que suporte a produção e reprodução do capital social;

• estímulo a experiências locais e regionais, desenvolvimento de novos métodos de avaliação de resultados destas experiências que levem em conta os efeitos de aprendizado;

• tentativas, testes, avaliações e estabelecimento de novas práticas e rotinas na condução de políticas para o aprendizado e inovação;

• análise e comparação de características sistêmicas e indicadores importantes entre regiões, organizações e países;

• desenvolvimento de novos fóruns para a participação democrática na formulação e implementação de estratégias de desenvolvimento, com o estímulo ao diálogo entre empregados, empresas, sindicatos, pesquisadores e governos;

• estabelecimento de novas formas regionais e internacionais de colaboração objetivando intensificar a experiência construída na participação em organizações internacionais, regionais e em comunidades locais.

Sugere-se ainda que estas formas diferentes de políticas devem, assim, ser combinadas com uma observação sistemática da mudança do contexto global e nas mudanças das características sistêmicas das economias nacionais. Apontam que a necessidade de combinação de elementos locais - que preservem e estimulem suas especificidades, capacitação e desempenho competitivo - torna-se fundamental para enfrentar os novos desafios de um mundo crescentente globalizado, pois sem isto, as forças internas específicas e os diferenciais de cada local, país ou região podem ser minados.

Katz, 2000 igualmente propõe e discute os principais elementos de uma nova agenda de políticas de desenvolvimento de arranjos e sistemas produtivos locais, tendo em vista o contexto específico dos países latino-americanos. Na caracterização dos principais desafios e oportunidades associados ao novo contexto da economia do conhecimento, inicialmente, este autor identifica os efeitos negativos gerados em todo o continente advindos da adoção das reformas estruturais (liberalização, privatização e desregulação) Em seguida explora o papel de medidas de políticas voltadas a neutralizar os efeitos indesejáveis das reformas estruturais recentes. Em particular, considera que o processo de privatizações

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levadas a cabo na maior parte do países latino-americanos, durante a década de 90, negligenciou a necessidade de criação de mecanismos e entidades de regulação capazes de garantir a regulação da competição e a proteção de consumidores.

De acordo com Katz a experiência internacional demonstra que o movimento de privatizações esteve invariavelmente acompanhado de um intenso processo de aprendizado com vistas à construção de novas regras e instituições de regulação. Essa questão se reveste de particular importância em atividades que envolvem uma infra-estrutura física básica e que geram elevadas economias de escala como nos setores de energia e telecomunicações. Neste contexto, a eficiência dos mecanismos e entidades reguladoras constitui-se no contraponto à presença de grandes conglomerados de capital nacional ou de empresas transnacionais (Katz, 2000).

Além de garantir a eficiência da organização social da produção através de novos desenhos institucionais, um segundo elemento fundamental para o desenvolvimento de arranjos e sistemas produtivos consiste na promoção de políticas destinadas tanto à ampliação do esforço de P&D no âmbito de aglomerações locais como também à consolidação de sinergias entre diferentes atores do segmento produtivo, entidades de pesquisa e formação de recursos humanos e governo.

Schmitz, 2000, por seu turno, discutindo mais as implicações para políticas dos estudos sobre arranjos produtivos em países em desenvolvimento, relaciona as seguintes conclusões:

§ “Successful clusters cannot be created from scratch; there needs to be a critical mass of enterprises and skills (however rudimentary) that outside assistance can "hook into".

§ Government support for clusters works best where industrial policy is decentralised and builds on public-private partnership.

§ To be effective, Government support needs to be informed by the needs of customers and delivered through collective organisations.

§ Strategic responses to global competitive pressures cannot just rely on private joint action but require public agencies as catalysts or mediators.

§ In order to be effective, local industrial policy requires building a coalition of the key actors in the public ad private sectors.”

Finalmente cabe destacar o destaque feito por grande parte dos autores das notas técnicas do bloco 1 – e particularmente Saviotti, 2000 e Mytelka e Farineli, 2000 - para a necessidade urgente de desenvolver novos mecanismos e instrumentos adequados à promoção dos processos de aprendizado e inovação e aos novos desafios discutidos acima. Um ponto fundamental aqui refere-se às formas de financiamento e investimento a agentes coletivos e às consequentes adaptações na pauta de prioridades e pauta de operação das agências encarregadas do apoio ao desenvolvimento industrial e tecnológico. Nesta linha, Mytelka, 2000, enfatiza em particular a montagem de um banco para financiar redes e sistemas produtivos de PMEs e apresenta uma proposta concreta para a criação de um “cluster bank”.

Baseando-se especificamente nas conclusões de sua análise sobre como o Brasil enfrentou os desafios relativos à difusão do novo regime de acumulação, paradigma das TICs, assim como as reformas estruturais, Coutinho, 2000 desenvolve um conjunto de proposições de como retomar o crescimento sustentado da economia. Apesar de considerar que, com a desvalorização abrupta do Real no início de 1999, abriu-se a possibilidade de transição do regime macroeconômico em direção a um outro menos maligno, aponta que tal possibilidade não é nem simples nem automática. Recomenda, portanto, que se formule, deliberada e urgentemente, uma estratégia de transição para um regime macroeconômico benigno. Ou seja, que se formule – e de modo explicito – uma articulação clara entre a política macroeconômica e a construção de uma trajetória sustentada de desenvolvimento. Enfatiza que o novo projeto de desenvolvimento deve ter como suporte uma articulação mutuamente reforçadora entre a política macroeconômica e uma política industrial e tecnológica, buscando uma inserção competitiva autônoma, comercialmente superavitária, para assegurar ao Brasil uma convivência não-vulnerável e não-destrutiva com o processo de globalização.22 Aponta, ainda, que esta formulação é fundamental para 22 “Esta articulação entre as políticas macro e industrial-tecnológica deve, simultaneamente, sustentar o esforço exportador e

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reduzir a incerteza e para induzir expectativas convergentes e construtivas quanto ao futuro da economia; e que, pela primeira vez em muitos anos, seria possível articular de forma solidária e mutuamente benéfica as políticas macroeconômica e industrial-tecnológica, na medida em que esta última pode contribuir decisivamente para uma transição mais rápida em direção à um regime do tipo benigno.23 No que se refere à política tecnológica, destaca a importância de: difundir as tecnologias de classe mundial, agregar valor aos produtos e deslanchar processos locais de aprendizado. Destaca ser este um valioso instrumento se concebido de modo compatível com as regras da OMC – Organização Mundial do Comércio - e com os novos padrões de política praticados pelos países desenvolvidos. Neste sentido, note-se a importância, ainda mais crítica e estratégica do que no passado, não apenas da política de promoção ao desenvolvimento científico e tecnológico, mas também ao desenvolvimento regional. Estas duas juntamente com as de proteção ambiental são as únicas formas de promoção ao desenvolvimento industrial atualmente permitidas tendo em vista as novas regras estabelecidas pela OMC. Recomenda portanto: • reduzir o elevado déficit comercial através (i) do esforço de substituição de importações e de criação

de capacidade exportadora em bases eficientes, observando os benchmarks mundiais, de componentes microeletrônicos, materiais e softwares, visando reverter os elevadíssimos deficits observados em telecomunicações, eletrônica de consumo e bens de capital (que ascenderam a cerca de US$ 15 bilhões ao ano no final do milênio); (ii) de avanços qualitativos na capacitação tecnológica doméstica de setores como os de autopeças, petroquímica, química de especialidades, componentes para os diversos setores da indústria mecânica e outros.

• melhorar significativamente os desempenhos de exportação dos arranjos produtores de (i) bens de consumo não-durável (têxtil, confecções, calçados, alimentos industrializados) avançando no desenvolvimento de produtos, design e qualidade, com preços competitivos. Neste caso, salienta que a política mais adequada é a do fomento à organização e avanço competitivo de sistemas produtivos locais; (ii) commodities ( siderurgia, processamento de minérios, alumínio, celulose e papel, suco de laranja, soja-derivados-avicultura), avançando na capacitação tecnológica e na prática de P&D, visando agregar mais valor aos seus produtos.

• Aponta que a obtenção de taxas elevadas de expansão de exportações requer a consecução de sucessivos saltos qualitativos da indústria brasileira em direção ao padrão mundial de inovação e de competitividade, cada vez mais marcado pela integração virtuosa das cadeias produtivas, propiciada simultaneamente pelos extraordinários avanços da telemática e pela proximidade física em sistemas produtivos locais. Para tal, acentua a necessidade de conceber e operacionalizar novos instrumentos de gestão, fomento e de financiamento e de promover uma importante reestruturação institucional e organizacional do aparelho de Estado no sentido de capacitá-lo a implementar essas novas políticas.

Neste sentido, suas recomendações convergem com as mencionadas acima e que destacam a necessidade de promover o aprendizado institucional particularmente no caso de países como o Brasil, que vêm enfrentando importantes impactos econômicos e sociais negativos com as transformações discutidas neste projeto. Por um lado, para permitir que as empresas e demais atores econômicos tenham uma visão mais ampla sobre a realidade dos processos com que se defrontam e assim estar mais capacitadas a definirem estratégias e pautarem ações mais adequadas aos novos desafios. Por outro lado, destaca-se a importância fundamental de garantir o envolvimento de agências de governo - e iniciar programas de substituição eficiente de importações, dentro da visão contemporânea de cadeias integradas. Estes programas deveriam enfocar, imediatamente, todas as cadeias setoriais geradoras de substanciais déficits comerciais. Adicionalmente, a política de promoção comercial e de defesa contra importações desleais, dumping e barreiras discriminatórias contra produtos brasileiros deveria ser urgentemente instrumentalizada e reforçada” (Coutinho, 2000). 23 “O desenvolvimento industrial voltado para a geração de saldos comerciais (via aumento das exportações e/ou via substituição de importações) deveria ser alçado à condição de objetivo macroeconômico estratégico na medida em que a redução do déficit externo é elemento chave para robustecer e ampliar os graus de liberdade da política macroeconômica aproximando-a de uma política benigna” (Coutinho, 2000).

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particularmente aquelas encarregadas das políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico - neste processo de aprendizado.

4. Considerações finais

Objetivando entender as particularidades da nova ordem mundial em conformação e difusão, os diferentes autores vêm cunhando e usando designações e formas de categorizá-la. A variedade de enfoques e conceitos não impede, porém, que importantes convergências analíticas sejam verificadas. Identifica-se consensualmente a informação, o conhecimento e as tecnologias de informação, como elementos fundamentais da dinâmica da nova ordem mundial. Da mesma forma, dentre as características mais importantes do novo padrão de acumulação, em primeiro lugar nota-se sempre a absoluta relevância (além da crescente complexidade) dos conhecimentos científicos e tecnológicos desenvolvidos e utilizados.

Outras características são também recorrentemente identificadas e implícita ou explicitamente aludem a este mais importante e estratégico papel do conhecimento, assim como das inovações tanto técnicas, quanto organizacionais e institucionais. Assim, talvez a diferença mais marcante entre os diferentes enfoques diga respeito mais propriamente ao tipo de ênfase e hierarquia dada a um conjunto correlacionado de parâmetros descritivos, que acabam influenciando a própria designação dada ao novo padrão. Exemplos de tais características e correlatas designações incluem:

• a maior velocidade, confiabilidade e baixo custo de geração, transmissão, armazenamento e processamento de enormes quantidades de conhecimentos codificados e de outros tipos de informação; assim como o paralelo aumento das possibilidades de privatização e “comodificação” dos mesmos, os quais passam a ter uma interrelação ainda mais ampla com o setor produtivo. Como consequência acelerou-se ainda mais a parcela de conhecimentos codificados e informações incorporados no valor dos bens e serviços produzidos e comercializados. A ênfase à informação, enquanto recurso de maior visibilidade neste processo, é que geralmente leva ao uso do termo “economia da informação”;

• a aceleração do processo de geração de novos conhecimentos (inclusive através da intensificação da fusão de conhecimentos), acompanhada pela crescente capacidade de codificação de conhecimentos e, ao mesmo tempo, pelo aprofundamento do nível de conhecimentos tácitos (não codificáveis, acumulados por indivíduos). A atividade inovativa torna-se então ainda mais "localizada" e específica, nem sempre comercializável ou passível de transferência. Tal ênfase geralmente busca salientar a importância do recurso mais importante: conhecimento e sua parcela mais estratégica: a tácita. Neste caso, a preferência leva ao uso do conceito de “economia do conhecimento”;

• a intensificação da adoção, difusão e também descarte de inovações, implicando que o tempo necessário para se lançar e comercializar novos produtos e processos tem se reduzido e que os ciclos de vida dos mesmos são também crescentemente menores. Tal percepção tem levado alguns autores a qualificar a nova economia como “economia da inovação perpétua”;

• as exigências de um nível de qualificação muito mais amplo e complexo dos trabalhadores, consumidores e cidadãos, para que possam se inserir mais positivamente no novo cenário. Reforçando esta linha, é que muitos vêm preferindo referir-se não ao principal recurso, mas sim ao principal processo da nova era: aprendizado; e, assim, preferem utilizar o termo “economia do aprendizado” para caracterizá-la;

• a influência nos processos descritos acima do advento de um novo padrão sócio-técnico baseado nas tecnologias da informação – TIs, e sua difusão (cada vez mais intensa através da economia e sociedade mundiais, embora de forma irregular e desigual), exigindo restruturações econômicas,

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sociais e políticas. Tais aspectos são particularmente destacados por aqueles que desenvolveram o conceito de “paradigma tecno-econômico das TIs”;

• as mudanças fundamentais nas formas de gestão e de organização empresarial, gerando maior integração das diferentes funções da empresa (pesquisa, produção, administração, marketing, etc.), assim como maior interligação de empresas (destacando-se os casos de integração entre usuários, produtores, fornecedores e prestadores de serviços) e destas com outras instituições, Novos padrões de relacionamento são estabelecidos, os quais usam intensivamente as TIs e dependem crescentemente de informações e conhecimentos. Como aqui privilegiam-se os conhecimentos e inovações organizacionais e institucionais, os conceitos preferencialmente usados para caracterizar a nova economia seguem a mesma ênfase: “economia de redes” (network society) ou “economia associacional”;

• a nova dinâmica político/institucional associada às mudanças técnicas, econômicas e sociais. Neste caso, o uso do conceito de “novo regime de acumulação e regulação” para caracterizar a nova ordem em conformação e difusão, geralmente acompanha a crítica feita a outros conceitos que são baseados em aspectos de maior visibilidade, mas que de forma alguma se constituem no eixo dinâmico das transformações. Neste caso coloca-se ênfase na nova estrutura de poder associada às referidas transformações. Inclui-se neste caso, do conceito usado por Chesnais e Sauviat, 2000 de “regime de acumulação dominado pelas finanças”

As diferentes visões e definições da nova ordem mundial são geralmente apresentadas como alternativas a outras anteriores. Apesar disso, importantes convergências podem ser encontradas nas contribuições de autores que vêm trilhando caminhos diferentes ao analisarem as atuais mudanças. Estas convergências dizem tanto respeito à identificação de oportunidades abertas com a inauguração e desenvolvimento da nova ordem, nova economia ou novo padrão sócio-técnico, como dos novos desafios envolvidos. Um exemplo aqui é o alerta (i) aos perigos de ver desenvolver uma Era da Ignorância (ao contrário de Conhecimento), (ii) aos riscos associados à hiperinformação, resultante do alto volume de informação em circulação e ao relativo descuido com a geração e acumulação de conhecimentos. Desta forma, adverte-se que, mais grave ainda do que não possuir acesso às novas tecnologias e a informações, é não dispor de conhecimentos suficientes para fazer uso das mesmas.

Assim é que alguns vêm manifestando preocupações com o advento de uma era onde novas (e ainda mais complexas) disparidades entre indivíduos, empresas e outras organizações, países e regiões, podem se concretizar e consolidar. Uma tradução de tais receios refere-se à possibilidade de acrescentar às atuais desigualdades identificadas entre países industrializados e não industrializados outra, separando países ricos e pobres em termos de TIs e informação (digital divide) e ainda pior em termos da capacidade de aprendizado (learning divide).24 Freeman, 1995, por exemplo, é um dos que argumenta que uma sociedade intensiva em informação, sem conhecimento ou capacidade de aprender, seria caótica e ingovernável.

Aponta-se portanto para (i) o risco de ameaça à coesão social das economias se for negligenciada a dimensão social e distribucional das políticas que vêm promovendo a implantação das infra-estruturas de informação; (ii) a importância da promoção de capacitações e competências e particularmente da capacidade de aprender, como elementos fundamentais em qualquer estratégia que vise limitar o grau de exclusão social. Nesta linha de argumentação é que alguns vêm alertando para o risco de TI tornar-se o acrônimo de Tribalismo Intelectual ao invés de Tecnologias da Informação.25

Já autores como Chesnais e Sauviat, caracterizando o novo “regime de acumulação dominado pelas finanças”, argumentam que as características inerentes a tal regime na verdade contrariam a maior parte das expectativas projetadas quanto ao papel do conhecimento científico e tecnológico. O centro desta argumentação é que, neste regime, a preferência pela liquidez e o foco na lucratividade financeira de curto prazo vêm prejudicando e mesmo inviabilizando investimentos de alto risco e custo - os quais 24 Ver Arocena. e Sutz, 2000. 25 Ver Foray e Lundvall, 1996.

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caracterizam as atividades de desenvolvimento científico e tecnológico e de formação e capacitação de recursos humanos – além de contribuir para a fragilização das condições de trabalho. Nesta mesma linha, explicam a aparentemente paradoxal tendência à queda na taxa de crescimento dos gastos em P&D (e até diminuição dos mesmos), reforçando seus argumentos de que os conceitos básicos que caracterizam a Era do Conhecimento têm sido na verdade contraditos pelo que vem se manifestando na prática no mundo. Outros elementos do novo padrão de acumulação dominante considerados como antagônicos à hipótese de progressão continuada, automática e democrática do desenvolvimento da C&T referem-se:

♦ à tendência à privatização e comodificação de conhecimentos e ao uso seletivo e crescentemente polarizado dos mesmos;

♦ do ponto de vista do setor privado, às pressões para se fazer uso intenso dos resultados da P&D realizados no passado, atendendo às supostas necessidades de fazer frente aos requisitos de competitividade e lucratividade no curto prazo. Mais grave ainda é que tal tendência dar-se-ia em detrimento da realização de novos investimentos;

♦ do ponto de vista do Estado, à maior austeridade nos gastos públicos e à maior restrição do poder e esferas públicas, os quais geralmente constituem-se em importantes promotores e executores de atividades de C&T; e

♦ à busca por novas formas de financiar universidades e centros de pesquisa, assim como às pressões a professores, cientistas e pesquisadores se tornarem consultores.

Tais desafios são colocados a todos os países do mundo, inclusive daqueles mais avançados e até os Estados Unidos (Freeman, 2000). Porém os impactos destes desafios mostram-se particularmente importantes no caso daqueles países menos desenvolvidos que possuem sistemas de inovação ainda desarticulados e, portanto, relativamente mais dependentes da dinâmica internacional (Coutinho, 2000; Katz, 2000).

Na Era do Conhecimento, Aprendizado ou Inovação Perpétua, as capacitações adquiridas e as possibilidades de geração e uso de conhecimentos são vistas como possuindo papel mais central e estratégico, não apenas na competitividade, mas para a própria sobrevivência de indivíduos, organizações e países. No entanto, juntamente com este reconhecimento consensual destaca-se um alerta importante feito por autores das mais diferentes correntes que vêm discutindo as características fundamentais da nova ordem mundial em conformação e difusão. Este alerta destaca principalmente que:

• o desenvolvimento científico, tecnológico e inovativo nunca é neutro nem automático;

• por mais óbvio que possa parecer o papel da C&T na nova era, de forma alguma se deve descuidar do estímulo à continuidade dos processos de aprendizado e de desenvolvimento científico, tecnológico e inovativo, tendo em vista, não apenas as necessidades do crescimento econômico, mas particularmente do desenvolvimento social;

• investir apenas para ter acesso a novas tecnologias, equipamentos e sistemas avançados não basta, uma vez que o conhecimento e o aprendizado possuem importantes aspectos tácitos que são difíceis de transferir e estão amarrados a pessoas e seus ambientes;

• as novas formas sustentáveis de parceria industrial e tecnológica exigem níveis de qualificação e capacitação e bem mais elevados do que no passado;

• longe de significar um mundo integrado e sem fronteiras, a nova ordem mundial exige níveis de qualificação e capacitação e bem mais elevados do que no passado, requerendo o atendimento de especificidades locais, nacionais e regionais;

• a presente fase de aceleração do processo de globalização certamente traz novos desafios à definição e implementação de projetos e políticas nacionais e locais. Deve-se ressaltar porém que, ao

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mesmo tempo, abrem-se novas oportunidades, as quais têm sido melhor aproveitadas exatamente pelas sociedades que têm coesão, estratégia e medidas eficientes para delas tirar proveito;

• no caso particular dos países menos desenvolvidos, o desafio maior é garantir que o ambiente macro, sócio-político-econômico, não venha a anular a implementação das políticas visando minimizar os impactos negativos e maximizar as possibilidades de aproveitamento das mudanças.

Ressalta-se finalmente que - em épocas de transição entre paradigmas tecno-econômicos, envolvendo transformações radicais - a relevância de políticas promovendo a capacitação necessária para possibilitar o aproveitamento das novas oportunidades é mais estratégica do que nunca. Caso contrário, as divisões e maior distanciamento entre economias, segmentos sociais e organizações irão se concretizar e cristalizar.

Relação das 13 Notas Técnicas do Bloco 1 do projeto

NT 01 - A Hard Landing for the 'New Economy'? Information Technology and the US national system of innovation - Christopher Freeman (Sussex University, UK)

NT 02 - The Financing of Innovation-Related Investment in the Contemporary Global Finance-Dominated Accumulation Regime - François Chesnais (Université Paris XIII) and Catherine Sauviat (IRES, France).

NT 03 - Structure and Development of a Knowledge Based Economy: policy implications - Pascal Petit (CEPREMAP, France)

NT 04 - Promoting Innovation Systems as a Response to the Globalising Learning Economy - Björn Johnson & Bengt-Åke Lundvall (Aalborg University, Denmark).

NT 05 - Local Clusters, Innovation Systems and Sustained Competitiveness

Lynn Mytelka (INTECH, Netherland and Carleton University, Canada) & Fulvia Farinelli (UNCTAD, Switzerland)

NT 06 - Local Upgrading in Global Chains - Hubert Schmitz (Sussex University, UK)

NT 07 - On the Policy Implications of Variety Growth for Developing and Industrialising Countries - Pier Paolo Saviotti (Université Pierre Mendès-France, France)

NT 08 - Globalisation and Glocalisation: problems for developing countries and policy (supranational, national and subnational) implications - Marc Humbert (Université Rennes 1, France)

NT 09 - Global-Local: interdependências e desigualdade ou notas para uma política tecnológica e industrial regionalizada no Brasil - Clélio Campolina Diniz (UFMG, Brazil)

NT 10 - El Nuevo Modelo Economico Latinoamericano: aspectos de eficiencia y equidad que questionan su sustentabilidad de largo plazo - Jorge Katz (CEPAL, Chile)

NT 11 - Macroeconomic Regimes and Business Strategies: an alternative industrial policy for Brazil in the wake of the 21th century - Luciano Coutinho (UNICAMP, Brazil)

NT 12 - Les transformations du Rapport Salarial dans le Régime d'Accumulation Financiarisé - Catherine Sauviat (IRES, France) & François Chesnais (Université Paris XIII, France)

NT 13 – Novos objetivos e instrumentos de política industrial e inovativo em países selecionados – José Cassiolato, e Marina Szapiro (UFRJ, Brasil)

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Bibliografia complementar

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