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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: USOS E FUNÇÕES DOS ESPAÇOS PÚBLICOS NA CIDADE CONTEMPORÂNEA Carlos Roberto Loboda Professor Adjunto do Curso de Geografia da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP), Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Email: [email protected] Resumo: Propomos nesse trabalho uma reflexão acerca dos espaços públicos no contexto da cidade contemporânea, de forma específica na cidade de Guarapuava, Paraná, enfatizando as práticas religiosas como formas de apropriação e uso de determinadas parcelas do espaço urbano, conferindo-lhes um caráter de locais multifuncionais, de sociabilidade urbana. Este trabalho foi desenvolvido a partir de parte dos resultados de nossa tese de Doutorado, defendida no Programa de Pós-graduação em Geografia da Fct/Unesp de Presidente Prudente - SP em 2008. Nossa abordagem está calcada na análise das práticas que se estabelecem diretamente nos espaços públicos (praças e parques), além de outros lugares que assumem essa função específica como o caso dos santuários, capelas e grutas. Essa análise é relevante por dois motivos principais: a princípio, pelo fato de que são constantes as práticas religiosas nos espaços públicos da cidade de Guarapuava; e, em segundo lugar, pelo fato de que tais espaços públicos foram citados em enquete de opinião pela população, quando questionada sobre as formas de utilização dos espaços públicos guarapuavanos, revelando uma estreita relação entre a população e estes lugares, enquanto representação dos hábitos e costumes locais. Enfim, tratando-se de práticas socioespaciais enquanto elementos representativos de elementos culturais. Palavras-chave: Produção do espaço urbano, estruturação da cidade, sagrado e profano, espaço público. NOTAS INTRODUTÓRIAS É inconteste a forte presença e influência das igrejas na paisagem urbana. Trata-se de um fato característico em nossas cidades. Uma realidade que trazemos conosco enquanto representação do poder da Igreja Católica em sua estreita relação com o Estado e, principalmente, a influência dessa relação na dinâmica da estruturação da cidade. Não raro, observamos sempre nas áreas centrais das cidades, locais destinados para as catedrais, geralmente entrepostas por amplos espaços públicos. Uma característica que traz consigo os traços e os reflexos de um Brasil colônia e que se reproduz até mesmo nas cidades mais recentes (MARX, 2003 e REIS FILHO, 1968). Mesmo com as transformações eminentes auferidas pelo processo de secularização, os símbolos da regiliosidade representados pelos santuários, capelas e grutas, imagens sacras, oratórios estão muito presentes na paisagem urbana de Guarapuava. Corroborando com a ênfase de Rosendahl (2005), de que a religiosidade é um sistema de símbolos sagrados e seus Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1

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  • ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: USOS E FUNES DOS ESPAOSPBLICOS NA CIDADE CONTEMPORNEA

    Carlos Roberto LobodaProfessor Adjunto do Curso de Geografia da Faculdade de Cincias Integradas do Pontal

    (FACIP), Universidade Federal de Uberlndia (UFU)Email: [email protected]

    Resumo: Propomos nesse trabalho uma reflexo acerca dos espaos pblicos no contextoda cidade contempornea, de forma especfica na cidade de Guarapuava, Paran, enfatizandoas prticas religiosas como formas de apropriao e uso de determinadas parcelas do espaourbano, conferindo-lhes um carter de locais multifuncionais, de sociabilidade urbana. Estetrabalho foi desenvolvido a partir de parte dos resultados de nossa tese de Doutorado,defendida no Programa de Ps-graduao em Geografia da Fct/Unesp de PresidentePrudente - SP em 2008. Nossa abordagem est calcada na anlise das prticas que seestabelecem diretamente nos espaos pblicos (praas e parques), alm de outros lugares queassumem essa funo especfica como o caso dos santurios, capelas e grutas. Essa anlise relevante por dois motivos principais: a princpio, pelo fato de que so constantes as prticasreligiosas nos espaos pblicos da cidade de Guarapuava; e, em segundo lugar, pelo fato deque tais espaos pblicos foram citados em enquete de opinio pela populao, quandoquestionada sobre as formas de utilizao dos espaos pblicos guarapuavanos, revelandouma estreita relao entre a populao e estes lugares, enquanto representao dos hbitos ecostumes locais. Enfim, tratando-se de prticas socioespaciais enquanto elementosrepresentativos de elementos culturais. Palavras-chave: Produo do espao urbano, estruturao da cidade, sagrado e profano,espao pblico.

    NOTAS INTRODUTRIAS inconteste a forte presena e influncia das igrejas na paisagem urbana. Trata-se

    de um fato caracterstico em nossas cidades. Uma realidade que trazemos conosco enquantorepresentao do poder da Igreja Catlica em sua estreita relao com o Estado e,principalmente, a influncia dessa relao na dinmica da estruturao da cidade. No raro,observamos sempre nas reas centrais das cidades, locais destinados para as catedrais,geralmente entrepostas por amplos espaos pblicos. Uma caracterstica que traz consigo ostraos e os reflexos de um Brasil colnia e que se reproduz at mesmo nas cidades maisrecentes (MARX, 2003 e REIS FILHO, 1968).

    Mesmo com as transformaes eminentes auferidas pelo processo de secularizao,os smbolos da regiliosidade representados pelos santurios, capelas e grutas, imagens sacras,oratrios esto muito presentes na paisagem urbana de Guarapuava. Corroborando com anfase de Rosendahl (2005), de que a religiosidade um sistema de smbolos sagrados e seus

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  • respectivos valores, envolvendo a produo, o consumo, o poder, as localizaes e fluxos,alm dos agentes sociais em suas dimenses, econmica, poltica e de lugar. Como, assimtambm o , com os smbolos de representao do Estado e sua monumentalidade; dosclubes como o caso do Lions Club, Rotary Club etc; ou ento, de sociedade secretas como aMaonaria. Enfim, uma srie de grupos e suas formas simblicas de atuao e representaono espao urbano. nesse sentido que pretendemos enfatizar nesse trabalho que o espaopblico assume uma funo primordial, sobretudo quando tratamos diretamente das atuaesprticas e simblicas dessas instituies, notadamente na cidade de Guarapuava.

    A opo pelo estudo de Guarapuava est fundamentada no grau de importncia quea mesma possui no cenrio regional, como cidade plo, pelo fato de que desempenhadiferentes papis urbanos e regionais, sendo assim, uma cidade intermediria entre as cidadesmenores e cidades maiores. O municpio possui uma populao estimada pelo InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatstica de 172.728 habitantes (IBGE, 2009), sendo que mais de90% dessa populao est concentrada na rea urbana.

    Para alm desses aspectos de ordem geral nossa preocupao est centradaperspectiva de que a cidade, de forma geral, apropriada por uma multiplicidade desegmentos da sociedade, assim sendo, interessa-nos, identificar como se estabelecem asrelaes entre o sagrado e o profano, considerando os diferentes tipos sociais que se utilizamdela e/ou parte da mesma e, de forma peculiar, de seus espaos pblicos; quais so os usos eas funes deles no sentido de garantir as necessidades de lazer e, sobretudo, simblica, pormeio das crenas religiosas.

    DOS PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    No que tange aos procedimentos metodolgicos adotados, subdividimos nossosreferenciais empricos, que assumem aqui funo principal, em trs dimenses distintas, asaber: - aplicao de enquete de opinio junto populao sobre os espaos pblicos; -levantamento de informaes em jornais locais, observao direta nos espaos pblicos comanotaes e registros iconogrficos; - levantamento e sistematizao das prticas cotidianasque representam as relaes entre o sagrado e o profano nos espaos pblicos.

    Assim sendo, nossa anlise pauta-se aqui em dois nveis de abordagem que estoatrelados diretamente ao processo de estruturao da cidade de Guarapuavana longo do

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  • tempo: a estruturao da cidade e seus respectivos espaos pblicos e as prticassocioespaciais que neles se estabelecem, considerando aqui, as relaes entre sagrado eprofano.

    Apoiando-nos de forma mais especfica em referenciais, trabalhamos com essarelao por meio das prticas socioespaciais cotidianas, enfatizando a rotina das pessoas nacidade e, sobretudo, nos momentos em que os espaos pblicos exercem as funes delugares das prticas religiosas, os espaos de representao, do simblico.

    BALIZAMENTO TERICO: SAGRADO E PROFANO

    Do ponto de vista terico e conceitual fundamentamo-nos nas abordagens deautores como Rosendahl (2005), Pallamin (2005), Marx (2003), Serpa (2007), Da Matta(1997), dentre outros, com o intuito de apresentar uma reflexo por meio da relao entre osagrado e o profano enquanto nveis analticos necessrios para compreenso das formas deuso e apropriao dos espaos pblicos na cidade de Guarapuava. convenienteesclarecemos que a relao entre sagrado e profano em nossa abordagem no vai alm darelao das prticas de cunho religioso ou espiritual com ligao direta ao primeiro termo, deoutras atividades que ocorrem efetivamente nos espaos pblicos da cidade.

    Nesse sentido, consideramos a diferenciao entre o sagrado e profano utilizada porRosendahl (2005, p. 193), para quem essa anlise deve partir do pressuposto de que oterritrio dividido em lugares do cosmo (que esto profundamente comprometidos com odomnio do sagrado) e, como tal, marcado por signos e significados; e, em lugares do caos(aqueles que designam uma realidade no divina). Para essa autora, o cosmo qualifica-secomo territrio sagrado, enquanto o caos representa ausncia de consagrao, sendo umterritrio profano, no religioso. A relao entre o sagrado e profano (ROSENDAHL 2005 eMARX, 1991) est nitidamente expressa nos usos recorrentes dos espaos pblicos dacidade e na sua diversidade de usos. Tais prticas foram, por ns, constatadas por meio dosusos diferenciados dos espaos pblicos da cidade pela populao. Essa concepo foicorroborada, pelas informaes obtidas em nossa enquete de opinio e, ratificada quandoentramos em contato com tais prticas nos levantamentos de campo in loco.

    Por outro lado, considerando a perspectiva de Serpa (2007), constatamos que pormeio das prticas socioespaciais recentes, dos usos e apropriao diferenciados, os espaos

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  • pblicos urbanos passam por um processo de territorializao do espao. Transformaram-se,portanto, em uma justaposio de espaos privatizados; ele no partilhado, mas, sobretudo,dividido entre os diferentes grupos que fragmentam o espao pblico por meio dos diferentesusos. Tais pressupostos so importantes no sentido de caracterizar as multifuncionalidade doespao pblico na cidade contempornea. Como enfatiza Pallamin (2005), as prticas sociaiscontemporneas tm promovido a ampliao dos modos de presena cultural e poltica noespao pblico, configurando uma multiplicidade de arenas de ao cujos horizontes devalores nem sempre so mutuamente compatveis.

    Essa perspectiva importante no sentido de caracterizar a multifuncionalidade doespao pblico na cidade contempornea. Ressaltamos, nesse sentido, que estamos tratandoda diversidade de formas de usos e apropriao e no o contrrio, daquele espao pblicorelegado ao esquecimento, ou ao abandono, assumindo, muitas vezes funes que noaquelas a que se destina. Enfatizamos, nesse sentido, a idia de Sobarzo (2007), para quem oespao pblico deve ser visto como um possibilitador dos encontros impessoais e annimos,um espao compartilhado sem a compulso de conhec-las profundamente, o lugar dadiversidade.

    No entanto, no queremos com isso, reforar a idia recorrente da diferenciaosocioespacial e do espao pblico enquanto resduo, ou ento, como fragmento da vidapblica na cidade. Mas sim, ressaltar a multiplicidade dos seus usos e apropriao, da suapluralidade, como enfatiza Jovchelovitch (2000), fundamentada no pensamento de arendtiano,da pluralidade enquanto elemento essencial da vida pblica, ensejada pelas relaes entre osagrado e profano, entre o pblico e o privado no espao pblico, ou mesmo no espaocoletivo e que refletem diretamente no uso do espao pblico concreto. Essa perspectiva foipor ns evidenciada durante todo processo de pesquisa, quando concomitantemente nosdeparamos com prticas cotidianas nas praas da cidade: grupos de pessoas rezando o tero,jovens que estavam ali reunidos para passar o tempo e tambm para o consumo de bebidas,alm dos que praticavam algum tipo de esporte e transeuntes.

    ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: FUNES E USOS DOS ESPAOS PBLICOS

    Por meio da anlise das formas de uso e apropriao dos espaos pblicos nacidade queremos enfatizar que determinadas parcelas do espao urbano assumem a funo

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  • de lugares caracterizados pelos usos diversos ensejados pelas prticas socioespaciaiscotidianas: desde o local da sobrevivncia, perpassando pelo ldico e pela festa, peloambiente para as manifestaes polticas, comemorativas, cvicas, e culturais, bem como, doespao do protesto e da reivindicao. Enfim, prticas e relaes sociais que fazem com queo espao pblico continue sendo lugar de sociabilidade e reunio dos diferentes segmentossociais na cidade.

    Num perodo em que as prticas socioespaciais na cidade so caracterizadas poraes individualizadas, as pessoas esto cada vez mais fechadas dentro de suas residncias,presas a uma televiso, compartilhando do desejo de estar entre os iguais, corroborando parauma urbanidade que nega o outro, certamente, atividades mltiplas que norteiam o processode utilizao do espao pblico na cidade contempornea, mostram-nos um horizontediferenciado. So aspectos importantes, pelo fato de buscarem ultrapassar as fronteirasimpostas da cultura de massa representada pela televiso, tratam-se, na verdade, dediferentes formas de se relacionar, de representar num mesmo espao o diferente, ou seja, ooutro. Como ressalta Jovchelovitch (2000), a diferena no um simples sinnimo deisolamento ou da fragmentao. Pelo contrrio, comunidade prpria da esfera pblica quepermite diferena ser expressa. Assim, o , com o espao pblico. No um espao banal,mas um lugar que se expressa por meio das prticas socioespaciais que nele se desenvolvem.

    , considerando essa perspectiva, do espao pblico enquanto lugar do possvel,que estaremos tratando das prticas que nele ocorrem, notadamente entre o sagrado e oprofano. A princpio, chamamos ateno, para uma prtica que ocorre cotidianamente naspraas, parques e outros espaos pblicos da cidade de Guarapuava: a orao do tero nosespaos pblicos.

    De forma paralela e articuladamente s atividades desenvolvidas pela IgrejaCatlica, tornou-se uma prtica cotidiana, a orao do tero nos diversos espaos pblicosda cidade por parte da populao. Todos os dias, s dezoito horas, os fiis tm encontromarcado nas praas, parques e outros espaos pblicos para a prtica da reza do tero,como por exemplo, na Praa da Saudade (Foto 1).

    Considerando determinados espaos pblicos da cidade, essa prtica ganhanotoriedade, como no caso da Praa Juscelino Kubitschek de Oliveira, situada em frente Universidade Estadual do Centro-Oeste como, por exemplo, pudemos evidenciar na

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  • afirmao da senhora de 56 anos residente no Bairro Santa Cruz: j conseguimos reunir maisde sessenta pessoas na Praa JK para rezar o tero.

    Para Passos e Guerriero (2004, p. 122), essa relao entre o sagrado e profanoadquire configuraes prprias, que transcendem qualquer delimitao, fixao ehomogeneidade de sentidos presentes em lugares. Nessa perspectiva, analisando, do pontode vista da diversidade de usos, presenciamos tanto na Praa da Saudade, quanto nas PraasPadre Paulo Tschorn e Juscelino Kubitschek de Oliveira concomitantemente, a orao dotero e os grupos de jovens que se reuniam para o consumo de bebidas e passar o tempo,transeuntes, alm daqueles que jogavam futebol na quadra esportiva da Praa JuscelinoKubitschek.

    Na mesma linha, chamamos ateno para outro espao pblico, embora com asprerrogativas de ser um local destinado expresso religiosa, o caso da mstica Capela doDegolado (Foto 2). Situado na Rua General Rondon, Bairro Dos Estados, esse espao mais uma representao da relao entre o sagrado e o profano na cidade, considerado atmesmo como uma atrao turstica, ainda que, para outros, seja um lugar para a orao econtemplao, uma espcie de Santurio.

    A pequena capela qual se tem acesso por meio de escadarias trata-se, de mais umespao, que representa as crenas populares em meio dessacralizao dos espaosreligiosos na cidade moderna. Trata-se de um local que convivem aqueles que o visitam parafazer suas oraes, pedidos, devoes etc; tambm, por grupos que se utilizam do local,como ponto de encontro para o consumo de bebidas e at de entorpecentes, caracterizandoas diferentes formas de usos desse espao, ensejadas pela relao entre o sagrado e profano.

    Outro exemplo, caracterstico das prticas religiosas em espaos pblicos emGuarapuava, o da Praa da F. Trata-se de uma praa pblica que assume um papelpeculiar no contexto da cidade. Seu projeto inicial, traado pelo poder pblico em conjuntocom lideranas da igreja catlica e de outras, foi de criar um espao destinado a sediareventos religiosos, alm de integrar diferentes igrejas por meio de um espao ecumnico.

    No entanto, com as programaes da Semana Santa promovida pela IgrejaCatlica, que a praa ganha notoriedade, com a encenao da Vida, Paixo, Morte eRessurreio de Cristo, alm, da comemorao de Corpus Christi. Eventos, antes realizados

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  • nas parquias, hoje se concentram na praa. Nos ltimos anos, o evento da Paixo de Cristovem ganhando notoriedade, no somente em nvel local, mas tambm regional, que ratificada pela iniciativa do Poder Pblico Municipal demandando que o evento integrasse ocalendrio de festas religiosas do Estado do Paran.

    Organizado pelo poder pblico municipal e a diocese de Guarapuava, o eventocaracteriza-se como um dos maiores acontecimentos cnicos a cu aberto do Estado doParan (Foto 3). No entanto, por trs dessa organizao, est um conjunto de pessoas querepresentam as dez parquias locais, que acompanhadas pela companhia Arte de Manha(grupo de teatro local), atuam na representao do acontecimento cristo, interpretando ospersonagens bblicos. Enfim, um momento que se transformou num ritual para a comunidadecatlica guarapuavana. Corroborando com a idia de Da Matta (1997, p. 37), quandoenfatiza que uma ao que no mundo dirio banal e trivial pode adquirir alto significado (aassim virar rito), quando destacado num certo ambiente e por uma repetio de vezes.Segundo reportagens do Dirio de Guarapuava, nos anos de 2004 e 2005, o evento reuniuaproximadamente 500 pessoas (entre atores amadores e bastidores) e atraiu um pblicosuperior a quarenta e cinco mil pessoas para a Praa da F. J, segundo informaes do anode 2008, o evento contou com cerca de 650 atores amadores, em sua maioria jovens,oriundos das dez parquias locais, alm de um pblico de aproximadamente cinqenta e cincomil pessoas.

    Alm desse evento principal, que ocorre regularmente, acontece tambm na praa ao encerramento da celebrao de Corpus Christi. Esse evento religioso assume outro carterno contexto da cidade, tendo em vista, que a manifestao religiosa inicia-se no centro dacidade, em frente Catedral Nossa Senhora do Belm (com as ruas enfeitadas com tapetescoloridos) e percorre em procisso pelas as ruas at a Praa da F (Fotos 4 e 5). Para DaMatta (1997, p. 65), a procisso tem um sentido conciliador, formado por um ncleo depessoas que carregam o santo, (nesse caso o corpo de cristo, representado pela Hstiaconsagrada, conduzida num ostensrio) e, geralmente, esto rigidamente hierarquizadas, soautoridades eclesisticas, civis e militares. No entanto, segundo esse autor, o ncleo formado e seguido por um conjunto desordenado de todos os tipos sociais: penitentes quepagam promessas, aleijados e doentes que buscam alvio para seus males, pessoas comunsque apenas demonstram devoo. A idia desse autor importante, analisando, do ponto de

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  • vista simblico que o rito proporciona, o santo est entre o povo, na rua, fato, que difere, porexemplo, de um desfile realizado como parada militar, em Sete de Setembro, em que asautoridades esto fixas, em seus palanques, como o povo que a ela assiste. Considerando asinformaes do Dirio de Guarapuava, verificamos que a procisso leva, todos os anos,milhares de fiis a percorrer as ruas da cidade, repetindo um ato de f j tradicional.

    Seguindo, nessa mesma linha, no podemos deixar de fazer meno aos santuriosexistentes na cidade. Embora caracterizados por espaos que assumem objetivos precpuos,que sejam aqueles dedicados orao, obras de caridade, a concentrao espiritual, sotambm locais utilizados para a contemplao, para a realizao das festas religiosascomemorativas e, at mesmo, para fins tursticos e/ou do turismo religioso. No raro, osencartes elaborados pela Secretaria Municipal de Turismo apresentam tais locais entre osprincipais pontos tursticos da cidade de Guarapuava, notadamente o Santurio da DivinaTernura (Foto 6), o Santurio de Schoenstatt (Foto 7) e a Praa da f.

    Alm dos santurios j mencionados, os quais ganham maior notoriedade nocontexto da cidade, existe ainda o Santurio de Nossa Senhora Aparecida, localizado noBairro Bom Sucesso. Na mesma linha dos outros locais j mencionados, constitui-se numespao muito utilizado para orao, meditao, alm de uma srie de outras atividades quelhe so inerentes, notadamente aquelas com vista para obras assistncias, voltadas para aevangelizao e auxilio a comunidade.

    No que tange a esse ltimo aspecto, queremos enfatizar a estreita relao entre acomunidade, ou ao menos parte dela, e esses centros aglutinadores de pessoas na cidade,considerando que a sociedade composta por vrios credos, o que tambm limita certasrelaes de convivncia entre os sujeitos. No entanto, o que queremos destacar, que,mesmo tratando-se de experincias comuns, as quais ocorrem em espaos mais ou menoshomogneos, como o caso das parquias, das igrejas e dos sales comunitrios. Essasacabam por transforma-se nos nicos locais e momentos de encontro e de sociabilidade, dosmomentos festivos e de lazer. Aqueles momentos que para Da Matta (1997) so,

    [...] momentos extraordinrios marcados pela alegria e por valores consideradosaltamente positivos. A rotina da vida diria que vista como negativa. Da, ocotidiano ser designado pela expresso dia a dia ou, mais significativamente,vida ou dura realidade da vida. (DA MATTA, 1997, p. 52, grifos do autor).

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  • Para sermos mais claros, nesse sentido, destacamos, por exemplo, algumas dasatividades que se desenvolvem cotidianamente no Santurio Nossa Senhora Aparecida.Fundamentadas no princpio bsico da regiliosidade, tais atividades desmembra-se em vriostipos de pastorais, movimentos, servios e aes como: catequese de adultos, grupos dereflexo e vivncia, clubes de mes, cozinha comunitria, grupo de terceira idade, comitcontra a misria e a fome, teatro, lazer, dentre outros (Foto 8). Para citar um exemplo que, decerta forma, est diretamente associado ao espao pblico, no raro, as ruas em frente aoSanturio so transformadas pelos jovens na rua do lazer.

    A rua, enquanto o meio de circulao e acesso rpido, por meio do automvel,passa a dar lugar ao tempo em detrimento do espao, o tempo para a apropriao. Otradicional futebol, o voleibol, tnis de mesa, dentre outras atividades, so atraes de quemfaz da rua um espao de encontro e de convivncia.

    Enfim, verificamos que, na falta de outra estrutura, para o lazer nos bairros, osespaos comunitrios das igrejas assumem a funo do espao pblico coletivo para arealizao de prticas socioespaciais atinentes prpria vida urbana.

    CONSIDERAES FINAIS

    Por meio da reflexo aqui estabelecida, o que queremos ressaltar, que, entre osdesejos e as necessidades bsicas, sagrado e profano, pblico e privado, casa e rua, isotopiase heteretopias, lugares abertos e fechados, diferena e diversidade... devemos priorizar aconvivncia entre as diferenas, como base para sntese contraditrias, como elementofundamental no espao pblico na cidade contempornea.

    considerando as diferentes prticas socioespaciais, enquanto resultantes de ummovimento em que o sagrado e profano se relacionam num processo em que ora opem-se,ora interpenetram-se, que se revelam, nos interstcios do cotidiano da cidade, aspossibilidades de constituio dos diferentes lugares e seus sujeitos sociais. Do-se, ento,condies favorveis a diferentes formas de organizao dos sujeitos, enquanto construtoresde suas prprias histrias, produtores da cidade enquanto reproduo da vida, das relaessociais por meio da identificao entre habitante e lugar.

    Figuras: relao das fotos citadas no texto

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  • FERNCIAS BIBLIOGRFICASDA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heris: para uma sociologia do dilemabrasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.DIRIO DE GUARAPUAVA (Jornal Dirio). Levantamento de matrias sobre a cidade eos espaos pblicos referentes ao perodo de 1998 at o ano de 2006. JOVCHELOVITCH, Sandra. Representaes sociais e esfera pblica: a construosimblica dos espaos pblicos no Brasil. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.LOBODA, Carlos Roberto. Prticas socioespaciais e espaos pblicos em Guarapuava-PR. 2008. 337f. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Estadual Paulista, campus dePresidente Prudente, 2008.MARX, Murilo. Nosso cho: do sagrado ao profano. 2. ed. So Paulo: Edusp, 2003.PALLAMIN, Vera M. Espao pblico e as lutas por reconhecimento. In: Espao Pblico: oconceito e o poltico. Espao e Debates - Revista de Estudos Regionais e Urbanos. SoPaulo. n. 46, v. 25. jan/jul 2005. p. 55 - 61.

    Foto 1 Praa da Saudade Foto 2 Capela do Degolado Foto 3 Praa da F

    Foto 4 Procisso Corpus Foto 5 Procisso Corpus Foto 6 Santurio da Divina

    Foto 7 Santurio de Foto 8 Projeto Comunidade

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  • PASSOS, Joo; Silas Guerriero. Metamorfoses religiosas no centro antigo de So Paulo:variaes sobre a paisagem e o espao. In: Ciencias Socialis y Religin/Cincias Sociaise Religio. Porto Alegre. n. 6, v. 6, outubro de 2004. p. 117 - 133.REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuio ao estudo da evoluo urbana no Brasil(1500 - 1720). So Paulo: EDUSP, 1968.ROSENDAHL, Zeny. Territrio e territorialidade: uma perspectiva geogrfica para o estudoda religio. In: ROSENDAHL, Zeny e CORRA, Roberto Lobato (Orgs.). Geografia:temas sobre cultura e espao. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2005. p. 191 - 226.SERPA, Angelo. O espao pblico na cidade contempornea. So Paulo: Contexto,2007.SOBARZO, Oscar. Apontamentos para uma proposta terico-metodolgica para a anlisedo espao pblico em cidades mdias. In: SPOSITO, Maria Encarnao Beltro. (Org.)Cidades mdias: espaos em transio. 1. ed. So Paulo: Expresso Popular, 2007. p. 157- 172.

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