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C2LAB Laboratório de Construção da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto Prof. Nuno Lacerda Lopes [email protected] MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO PAPEL G18 Carina Tiemi Fujimoto Oshita Natália Amgarten Simão

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C2LAB

Laboratório de Construção da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

Prof. Nuno Lacerda Lopes [email protected]

MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

PAPEL

G18 Carina Tiemi Fujimoto Oshita

Natália Amgarten Simão

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MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

PAPEL

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ABSTRACT

O presente trabalho de investigação pretende, inicialmente, aprofundar o conhecimento do material escolhido, analisando seus aspectos históricos e técnicos. Mais tarde, daremos ênfase a utilização e a compreensão do material na arquitetura. Veremos adiante que até mesmo um simples material como o papel, pode ser empregado na construção civil através do desenvolvimento da tecnologia e inovação na elaboração do projeto.

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01 Enquadramento Histórico, Origem e Cronologia

Antes da descoberta do papel eram utilizados outros suportes da escrita como placas de bambu e pano de seda como forma de transmitir informações e fazer com que fatos e acontecimentos perdurassem. O surgimento do papel ocorreu apenas no ano de 105 d.C., na China, por Ts’ai Lun, um cortesão do imperador Ho Ti. O papel é mais leve que o bambu e mais barato que a seda,por isso acabou por substituir estes materiais.

Inicialmente, o processo de fabricação era manual. Consistia na preparação de uma pasta cujo elemento principal era o trapo. Este era cortado por qualidade e lavado para ser cozido em tinas em mistura de potassa ou em leite de cal (branqueamento). Em seguida, reduzia-se a pasta pela acção de maços de madeira, e a distribuía por tinas onde era extraída, com uma fôrma (molde e moldura), a quantidade necessária para fabricar uma folha. A fôrma que determina as características do papel (tamanho e espessura), era mergulhada verticalmente na pasta, sendo removida na horizontal. Após certo período de tempo, removía-se a água e, em seguida, a moldura. Com os feltros se faziam pilhas para

eliminar a água residual e finalmente as folhas serem penduradas para secar.

A técnica medieval de fabricação do papel por muito tempo ficou retida por parte dos inventores, sendo que sua propagação só se iniciou após cinco séculos, aproximadamente no ano 611 a.C. no Japão. O processo de fabricação se expandiu depois da Batalha de Samarcanda, quando os chineses foram feitos de prisioneiros pelo exército mulçumano e trocaram sua liberdade pelo conhecimento da técnica do papel.

Outro fator que também contribuiu para a expansão da técnica foi a importância da localização de Samarcanda. A cidade era um grande centro de convergência das rotas comerciais da China, Afeganistão e Norte da Ásia. A partir da divulgação da técnica, o papel passou a ser fabricado em vários locais como no Império Islâmico, Bagdade (793), Egito (900) e Marrocos (1100). Mas somente no ano de 1500 iniciou-se a produção em grande escala, sendo que a primeira fábrica de papel foi inaugurada na Europa, em Xavita (leste da península ibérica).

No mundo árabe, até o aparecimento do papel, utilizava-se papiro e pergaminho. A resistência do papel e seu baixo custo levaram à inutilização de ambos os materiais mencionados. O primeiro centro cristão a produzir o papel foi a Itália, no ano de 1260, em Fabrino. A fábrica ficou conhecida pela grande qualidade dos papéis manufaturados e até hoje possui grande renome.

As características e vantagens do material foram fatores determinantes para sua maior utilização. A procura pelo papel aumentou bastante com o surgimento da imprensa no século XIX. Devido a grande demanda pelo produto, no século XVIII houve insuficiência da produção do papel causada pela falta do principal material para sua fabricação, ou seja, os trapos. Dessa forma várias experiências foram realizadas para encontrar outras fontes de fibra. A fibra da madeira foi a que se revelou mais adequada, devido à sua abundância e capacidade de se renovar.

O aumento da demanda e o advento da industrialização tornou a produção manual insuficiente. Portanto, aos poucos o trabalho manual foi substituído pelo trabalho de máquinas e o processo transformou-se progressivamente até a mecanização total do processo de

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fabricação do papel. Esse processo, atualmente, divide-se em duas principais fases, ambas realizadas por meio de máquinas.

A primeira consiste na obtenção da pasta. Pode se dar por ação mecânica, química ou método misto. Pela ação mecânica, a matéria-prima, trapos ou poupa de madeira, é cozida para depois ser triturada. As fibras, por serem curtas, produzem um papel de baixa qualidade.

No processo químico, os pedaços são tratados com dissolventes que eliminam as resinas e a lignina e deixam as fibras de celulose limpas. Já no método misto, utilizam-se dois processos: primeiramente realiza-se um tratamento químico leve e depois a mistura se sujeita à ação do mecânico.

São acrescidos à pasta cola, corantes e aditivos, conforme a característica desejada para o papel. Depois a pasta é filtrada, branqueada e colocada no tanque de alimentação da máquina de fazer papel (onde a pasta perde umidade e as fibras vão se entrelaçando). Mesmo após passar pelo tanque, o papel ainda não está seco. A água só é removida por prensa, por rolos aquecidos e por feltros.

A fase final é destinada apenas a calandragem, cuja função principal é a diminuição da aspereza da folha, bem como o controle de sua densidade aparente em papéis para imprimir e escrever.

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Exemplo atual do Fusuma-gami - portas translúcidas de correr tradicionais japonesas

02 Cultura e Contexto

Existem papéis de cores, texturas, gramaturas e outras características diferentes. Tal variedade permite usos diversos do papel: tanto no cotidiano da sociedade, quanto em outros mais específicos, em que tratamentos especiais agregam novo valor ao papel como material, principalmente no âmbito da construção civil. No cotidiano do ser humano, o papel é encontrado como material para impressão e escrita, higiene, embalagem de alimentos e outros produtos, para uso na cozinha, em laboratórios, etc. Na construção civil pode ser encontrado como aditivo de outros materiais, isolante térmico e até estrutura.

Os japoneses foram os pioneiros no uso arquitetônico do papel na construção. A casa tradicional japonesa era inicialmente um espaço totalmente aberto e o papel surge como uma alternativa interativa para dividir os espaços internos. O material que antes já era utilizado para revestir e decorar paredes (kabe-gami), passa a ser usado na forma de painéis móveis que deslizam sobre ranhuras no teto, entre pilares de madeira. Sua aplicação ainda é bidimencional, tal como no uso cotidiano, contudo o fim já se transforma em conformação espacial. Os Shoji-gami são as portas translúcidas, feitas com um papel fino e branco o qual permite a entrada suave e homogênea da luz. Os Fusuma-gami são os painéis de correr opacos, cobertos dos dois lados com papel opaco, que não promovem isolamento sonoro entre os ambientes, mas per-mitem certa priva-cidade, podendo ser removidos quando necessário. A vanta-gem desse sistema é a flexibilidade permi-tida pela leveza do papel, e a perme-abilidade na passa-gem da luz, sem que se perca a priva-cidade.

Talvez a primeira experiência tridimensional com o papel na construção tenha sido realizada por Elisha Waters e seu filho George, em 1867. Em Troy, New York, inventaram um método de fabrico de barcos de papel e, posteriormente, um método de construção de cúpulas de papel. A primeira cúpula, construída em 1878 para um observatório do “Rensselear Polytechnic Institute” de Troy, tinha 8,80m de diâmetro e era composta por 16 seções em papel e uma abertura de 1,20m para o telescópio. Pesava cerca de 1814kg, sendo 454kg só papel. Há registros de que em 1889 a cúpula encontrava-se ainda em bom estado, e somente foi removida para adaptação do edifício para outro uso.

The Williams Proudfit Astronomical Observatory, Troy, 1878.

O papel, pois, quando submetido a tratamentos físicos ou químicos especiais, pode adquirir características mecânicas muito significativas. Deste modo, aproveitando-se da leveza e do baixo custo do material, abrigos temporários foram pensados e construídos por arquitetos como Buckminster Fuller (Paper Geodesic Dome, 1954) e Hans Ruyssenaars (Teatro de cartão em Alpeldoorn, Holanda – projeto em associação com a Engeniers ABT Consulting). Atualmente, o origami arquitetônico é um grande exemplo da aplicação do papel em abrigos temporários: a empresa americana Shelter Systems fabrica grande variedade de tendas, cúpulas e estufas baseadas na estrutura desenvolvida por Fuller (cúpula geodésica). Tratam-se de estruturas leves, portáteis (rígidas ou dobráveis) e impermeáveis que podem ser utilizadas como habitação, stands de exposições, coberturas

temporárias, etc.

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Paper Geodesic Dome, 1954

Em outros campos das artes, a tridimensionalidade do papel também foi experimentada: o designer e arquiteto Frank Gehry foi um dos artistas que usou do papel para construir mobiliários de cartão. No início dos anos 1970, lançou a linha de mobiliário Easy Edges, que compreende cadeiras, bancos, mesas, sofá e estruturas para camas. Atualmente, no Japão, fabrica-se leques, caixas e carteiras, brinquedos, candeeiros, guarda-chuvas, tudo de papel. O designer de moda Hamai Koji foi mais além e descobriu o tecido de papel: tiras de papel em forma de fio associadas perpendicularmente aos fios de algodão. O resultado foi um tecido mais forte, leve e fresco que deixa passar o ar no Verão e no Inverno pode servir como bom isolante.

Easy Edges, Frank Gehry.

Transportando essa qualidade de isolante adquirida pelo papel associado ao algodão na moda para a construção civil, começa-se a entender um pouco mais as potencialidades de uso do papel como isolante térmico, e até acústico, quando associado a outros materiais. A resistência ao fogo do papel tratado, por sua vez, foi desafiada na construção de um carro elétrico todo feito de papel. O carro é resultado da adaptação de um carro elétrico da Toyota Motor Corporation, sendo apenas o chassis e as partes mecânicas, como o motor, não feitos de papel. O papel em questão chama-se washi, é tratado para resistir ao fogo e moldado com resina que permite que o material adquira várias formas sem precisar do suporte de uma estrutura em bambu, por exemplo.

Pavilhão do Japão, Expo 2000 – Hannover, Germany.

Dentre todas essas aplicações especiais do papel descobertas até então, a experiência do arquiteto japonês Shigeru Ban talvez seja a que mais interessa aqui no âmbito da construção permanente e temporária. Foi ele quem acreditou na potencialidade do uso dos tubos de papel cartão para a construção. Na sua visão, os tubos de cartão são uma espécie de “madeira evoluída”. Através de suas obras, Ban tem conseguido provar as muitas vantagens que a estrutura de papel pode trazer à construção, tais como: baixo custo, funcionalidade, estética agradável e baixo impacto ambiental. Ao arquiteto interessa utilizar os materiais disponíveis no local da construção, tal como defende atualmente o discurso da sustentabilidade. O cartão, pois, pode ser fabricado em toda e qualquer parte do mundo e não requer altas tecnologias.

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03 Modos de Aplicação

O papel pode, a princípio, não parecer um material adequado para construção. Contudo, tratamentos específicos podem transformá-lo em um material isolante térmico, resistente à água, ao fogo e a forças de tração e compressão. Os tipos de papel mais utilizados para o fim da construção são: o cartão compacto, o cartão canelado e o cartão de favos, os quais aparecem aplicados na forma de tubos, painéis, folhas ou fardos de cartão (papel reciclado).

Quando submetido a tratamentos especiais em seu processo de fabrico, o papel adquire novos valores como material. O processo kraft, por exemplo, é um processo químico diferenciado de fabrico do papel, também denominado como processo ao sulfato, o qual origina papéis castanhos de maior resistência conhecidos como papel Kraft, utilizado tanto em embalagens como também no fabrico do cartão.

Manta Kraft - Kanuf Insulation ®

// isolante termo-acústico de Lã Mineral com textura uniforme, que se apresenta sob a forma de rolos revestidos numa das suas faces com uma barreira de vapor constituída por um complexo de papel kraft / polietileno //

O papel também pode funcionar como aditivo e ser combinado a outros materiais construtivos, agregando-lhes qualidades. É o caso do gesso e do betão: atualmente existem experiências da adição de papel a esses materiais com o objetivo de otimizar suas características e lhes proporcionar maior resistência sem torná-los mais pesados.

Quando o uso do papel é especificamente estrutural, o papel necessita de elementos de conexão, sejam eles físicos os químicos, pois sozinho não consegue se sustentar. Os móveis de Gehry, por exemplo, foram feitos com cerca de 60 camadas de cartão prensado, fixadas com parafusos escondidos. Os barcos e cúpulas de Waters & Son também foram construídos em camadas de papel. Estas eram coladas, uma sobre as outras, em um molde de madeira com ranhuras, utilizado apenas até a secagem do papel. No caso da cúpula, o molde contemplava, além das camadas de papel, a estrutura-suporte de madeira. Um molde servia para fabricar todas as seções modulares da cúpula, as quais eram conectadas com ajuda de parafusos e a introdução de um grosso pano de algodão, embebido em chumbo, nas juntas de ligação. O papel washi do carro elétrico japonês, também necessitou da resina para moldagem e da estrutura-suporte de bambu para se sustentar.

Shigeru Ban, no uso dos tubos e painéis de cartão, utiliza-se de parafusos, chapas metálicas e cabos de aço para conectar os elementos estruturais de papel. No caso da obra a ser referida no item 05 deste trabalho, pequenos dispositivos de madeira fazem o encaixe entre os tubos, os quais são parafusados diretamente a eles e tensionados por meio de cabos de aço, visando a rigidez e o travamento necessários à estrutura.

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04 Um Autor

O arquiteto japonês, Shigeru Ban ficou mundialmente conhecido por inovar a arquitetura com a utilização do papel, material simples, leve e ecológico. O uso de tubos de papelão como elemento principal destaca sua arquitetura.

Shigeru Ban nasceu em Tokyo em 1957 e se graduou pela Union School, Estados Unidos, em 1984. Logo em seguida, em 1985, criou seu próprio escritório no Japão, onde além de iniciar sua carreira profissional como arquiteto também dedicou seu tempo para lecionar em algumas universidades.

O interesse do arquiteto pelo material iniciou-se nos anos 80. O emprego de tubos de papelão na construção civil já havia sido cogitado anteriormente na década de 70, nos Estados Unidos e mais tarde gerou alguns experimentos na Europa. Entretanto foi Shigeru Ban que mais se dedicou ao estudo do material para o desenvolvimento e divulgação da tecnologia do papel na arquitetura. O material, por ser mais barato, mais facilmente relocado e substituído, entusiasmava o arquiteto para a investigação de aspectos construtivos e para ser utilizado na construção de edifícios sociais.

Antes de o arquiteto fazer uso desse material como elemento estrutural, utilizou-o como painel divisório em ambientes internos como, por exemplo, na obra da Mostra de Alvar Alto, em

Tokyo, em 1986. Mais tarde, empregou o material em ambientes externos, em forma de vedação. Para isso foi preciso desenvolver uma técnica que se proporciona à exposição do material a ação de umidade e de fogo. O resultado foi a plástica dos tubos de papelão no Salão da cidade de Odawara, no Japão, em 1990.

A primeira obra de tipo estrutural testado por Shigueru Ban foi um painel estrutural, que só foi possível devido ao endurecimento da cola na fabricação do papel.

Ban mantém as características simples do tubo de papelão, utilizando-o oco e com tratamento contra a ação do fogo e da umidade, aumentando suas qualidades básicas para gerar um material estrutural com resistência satisfatória. O uso de ferramentas de articulação como peças metálicas e cordão fazem parte do desenvolvimento do arquiteto.

A evolução dos estudos possibilitou ao arquiteto projetar espaços compostos por treliças e pequenos arcos feitos a partir de elementos tubulares de papelão como a Biblioteca do Poeta, em 1991, no Japão. A biblioteca foi concebida para ser uma obra permanente, dessa forma, foi coberta por uma caixa de vidro.

A partir dessa grande descoberta novas obras foram construídas pelo mesmo sistema construtivo, entre eles o Pavilhão do Japão em Hannover (2000), a obra mais conhecida e de estrutura mais complexa em papel construída até hoje. Essa obra possui 3.100m² e criou um espaço imponente e generoso. Trata-se de uma casca gigantesca com formato irregular e orgânico, a partir de uma trama de tubo de papelão envolvida por uma membrana de PVC especialmente fabricada para ser reciclada. Shigeru Ban teve como colaborador do projeto o arquiteto engenheiro Frei Otto.

Ainda hoje, o arquiteto continua a estudar o material e a desenvolver novas técnicas que possibilitam criar uma arquitetura sustentável e de ótima qualidade. O sistema estrutural em papel se assemelha aos sistemas convencionais como as alvenarias estruturais, os sistemas em madeira e os sistemas tubulares em aço. A utilização do material na construção permite criar obra simples, leve, limpa, móvel e totalmente inovadora.

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05 Uma Obra

“Library of a Poet” foi a primeira obra permanente de Shigeru Ban em tubos de cartão. Foi concluída em fevereiro de 1991 e localiza-se em Zushi, Kanagawa – Japão. A biblioteca é um anexo à casa do cliente a qual já havia sido reformada e renovada pelo mesmo arquiteto em 1989. Segundo McQuaid (2003), através do papel, o arquiteto procurou relacionar o material e a estrutura da biblioteca ao trabalho do cliente: a poesia e a paixão em colecionar livros.

Os tubos de papel utilizados têm 10cm de diâmetro e 12,5mm de espessura. Cabos tensionados de aço são usados para conectar as peças de madeira (10cm x 10cm) que conectam os tubos de cartão, a essência da estrutura do edifício. Participa também da estrutura as quatro estantes pré-fabricadas que se extendem dos dois lados de maior extensão da biblioteca. Estas abrigam os livros, vedam o edifício e compõem o espaço. Cada estante, pois, funciona como parede lateral e ao receber acabamentos diferenciados, compõem um exterior diferenciado. Tratam-se de estruturas autoportantes, impermeabilizadas, que absorvem as cargas dos ventos laterais independentemente dos tubos de cartão.

O sistema construtivo em si é reticulado: resume-se a pilar, viga e paredes auto-portantes. O isolamento térmico e acústico da construção se dá através do pano de vidro e das estantes, responsáveis pela vedação da biblioteca. O vão livre é de 4m, vencido por uma estrutura curva em tubos de cartão que sustenta a cobertura em chapa ondulada de aço e garante a drenagem das águas pluviais. A fundação é feita em betão, garantindo assim o afastamento entre a estrutura de papel e a umidade direta do solo. O piso é composto por reguados de madeira e as aberturas fazem parte da cortina de vidro. O sistema elétrico foi pensado já integrado à estrutura.

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06 Um Corte Construtivo

Biblioteca “Library of a Poet” Zushi - Kanagawa |Japão Fevereiro de 1991 Shigeru Ban | Arquiteto Gengo Matsui | Minoru Tezuka | Kazuo Ito Engenheiros Estruturais

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07 Aspectos Técnicos do Material

A principal classificação técnica atribuída ao papel remete à sua gramatura: considera-se papel gramagens até 180 gramas; a partir de 180 até 350 gramas, o papel já passa a ser denominado cartolina; e por fim, acima de 350 gramas, o papel é chamado de cartão. Contudo, segundo apontamentos de Marta Gonçalves (2003), esses limites não são rígidos e podem apresentar variações.

As matérias-primas utilizadas no fabrico do papel são as fibras e os aditivos. As fibras são a estrutura do papel e o principal componente da pasta que dá origem ao material. Podem ser de origem vegetal, animal, mineral ou sintética. Os aditivos se resumem em colas, corantes ou aditivos de enchimento. As colas são adicionadas à pasta do papel quando o objetivo é conseguir maior impermeabilidade ao material; os corantes, quando é desejada uma coloração diferenciada ao papel; já os aditivos de enchimento ou carga, que preenchem os vazios entre as fibras, são adicionados quando procura-se aumentar qualidades de resistência, consistência, textura, permeabilidade ou impermeabilidade, e brancura ao material.

O comportamento estrutural do papel, por sua vez, pode ser comparado ao comportamento estrutural da madeira, já que ambos são estruturados a partir de fibras. Contudo, como é um material forjado e não extraído diretamente da natureza, suas características são mais definidas, com uma estrutura física controlada que pode variar, permitindo características e qualidades diferenciadas. É o processo de fabricação que decidirá o uso e qualidade. No mercado podemos encontrar tipos de cartão como o cartão canelado e o cartão de favo para uso na construção, além do compacto tradicional.

O cartão canelado é formado pela combinação de folhas de papel com superfícies planas (cobertura, liners ou facings) e onduladas

(caneluras ou flutas). A cobertura é feita com fibras longas para serem fortes e resistentes ao rasgo e as caneluras, com fibras curtas para serem rígidas e resistentes à pressão. A variação da altura e a quantidade de camadas na composição do cartão permitem a fabricação de um material de alta resistência. O espaço livre entre as duas camadas torna-o um bom isolante, que pode ser preenchido por material isolante, ou com betão se o cartão for usado em fundações. Os painéis são leves, duráveis, recicláveis e resistentes a queda, ao impacto, a vibração, a diferença de temperatura e umidade. O material pode ser serrado, pregado e pintado.

Cartão canelado

O cartão de favos é fabricado através de fibras recicladas, compostas por uma malha hexagonal de papel, disposta em posição perpendicular entre as duas camadas de cartão. É produzido de varias maneiras. O mais utilizado na construção é fabricado pela GridCore e pode ser utilizado no interior de portas, em tampos de mesa, painéis de parede, cenários de espetáculos, mobiliário, paletes e painéis para barco, aviões e veículos militares. O sistema estrutural trabalha como as vigas I: a parte interna suporta cargas de tração e compressão. A desvantagem do cartão de favos é a quantidade de material necessário para sua fabricação o que favorece na qualidade estrutural e na capacidade de isolante.

Papel cartão de favo

A resistência estática do papel considera características que são definidas a partir de: carga de ruptibilidade - tensão em que ocorre a

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ruptura do papel; ruptura pelo próprio peso - a extensão mínima de uma tira de largura constante cujo peso próprio causa sua própria ruptura; e extensibilidade – que considera as deformações resultantes dos esforços de compressão e tração a que o papel pode ser submetido. A resistência dinâmica, por sua vez, considera a resistência à abertura de um rasgo, ao próprio rasgo, e ao vinco – qualidade referente ao número de vincos duplos que o papel suporta quando sujeito a forças simultâneas de tração.

Segundo apontamentos de Marta Gonçalves (2003), o conteúdo equilibrado de água no papel cartão é aproximadamente 7 a 10% com umidade relativa de 30 a 70%. Esse é o valor limite para que o material apresente uma resistência à compressão constante. Acima dele, a resistência sofre redução de 10% a cada 1% a mais de água. O cartão, no seu estado natural, está sujeito à sua característica hidrófila, e, portanto, ameaçado a perder resistência à compressão quando na presença de água e umidade. Para evitar essa degradação e promover resistência à sua absorção natural de água, pode-se aplicar tratamentos de superfície no material (pintura impermeabilizante), ou tratamento aditivo no processo de fabrico, ou tratamento aditivo por adição de camadas protetoras de diferentes materiais, tais como polietileno, alumínio, entre outros.

Na reação ao fogo o papel apresenta características muito próximas às da madeira, de modo que quanto mais denso o material, maior a resistência à combustão. Existem diversos tipos de retardantes de chamas que podem ser aplicados na superfície do papel, impregnados na pasta de fabricação, ou adicionados como camada externa protetora. A diferença é o modo com que funcionam: uns previnem a chama, não deixando o papel incendiar quando sujeito a altas temperaturas, outros evitam a combustão do papel quando em contato com a chama. Existem também aqueles que são solúveis em água e não agridem muito a capacidade de reciclagem do papel cartão com muita química, contudo estes apresentam a desvantagem de não proporcionar resistência à umidade e à chuva.

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08 Alguns pormenores de construção 3D

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09 Referências de Catálogo e Marcas

Gridcore ®

Uma empresa americana fundada em 1992 que produzia vários tipos de cartão para o setor da construção civil. Teve sua falência no ano de 1999, devido a não comercialização do produto. A matéria prima principal do cartão é o papel Kraft reutilizado das caixas de cartão canelado. O resultado da fabricação é um subpainel com uma superfície lisa e a outra ondulada. A junção de duas camadas coladas forma um painel flexível e resistente que pode ser cortado, dobrado e aparafusado. O material possui uma espessura de 75mm e boas propriedades de isolamento térmico, pode ser usado em paredes, cobertura, pavimentos, cenários de espetáculos, mobiliário e etc.

Ceramiboard ®

Cartão canelado feito de celulose impregnada com químicos que lhe dão excelente resistência ao fogo e qualidade de isolamento térmico, acústico e alta resistência mecânica. É um material leve, de baixo custo e reciclável. Pode ser utilizado em ambientes externos e quando cobertos por uma superfície de filme plástico é impermeável.

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Tectan ®

É um material totalmente reciclável composto por 75% de papel, 20% de polietileno e 5% de alumínio (os componentes de embalagens de bebida tipo Tetra Pak™). Também podem ser fabricados a partir de embalagens de bebida, chamado Maplar ® que é utilizado em mobiliário urbano. A vantagem do painel é a capacidade de reciclar e grande resistência.

Fardos de desperdício de papel

No processo de reciclagem formam-se fados com pedaço de papel que são transportados as indústrias. Esse material bruto por ser diretamente utilizado na construção, como no projeto Corrugated Cardboard Pod.

Betão e papel – Papercrete

É um produto de construção feito de papel, areia e cimento. A mistura pode ser usada de varias maneiras: colocada em formas para fazer blocos ou paredes (cofragem), como revestimento de paredes ou como argamassa nas juntas de blocos. A vantagem do material é o baixo custo, leveza, boa propriedade isolante, boa resistência à compressão e ao fogo, mantém a forma quando molhados e o corte e a reparação são fáceis de serem executados. Apesar de existir varias vantagens o principal motivo para sua baixa comercialização é a demora no processo de secagem e a dificuldade no processo de preparação da pasta. A empresa que comercializa o produto é a Econovate Ltd, localizada na Inglaterra.

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Tubo de cartão

O processo de fabricação do tubo de papelão é bem simples. São feitos pela colagem de tiras de papel sobrepostas com uma inclinação em torno de um molde. O número de camadas e a inclinação determinam a espessura o tubo. A utilização como sistema estrutural permite algumas vantagens como à rigidez (o material não racha), e características e qualidades do material são facilmente controladas (comprimento, diâmetro e espessura). Além disso, os tubos têm boas propriedades de isolamento térmico e podem ser impermeáveis e resistentes ao fogo e tremores, são leves e fáceis de serem transportados e manipulados em obras. A resistência estrutural varia conforme a qualidade de umidade do ar, método de fabricação. A junção dos tubos é realizada pelo achatamento das extremidades como se faz nos aços ou pelo uso de outras ferramentas de aço ou por amarração. Um dos produtores do tubo de cartão para construção civil é a empresa Spiralpack (Alpesa Portugal).

Warmcell

É um material isolante feito de jornal. Pode ser aplicado pulverizado ou borrifado e substitui o isolante convencional e não prejudica a resistência ao fogo da parede ou teto. Há vários produtores o mais conhecido deles é a empresa Excel Industrie, localizada na Inglaterra.

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MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

PAPEL

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10 Bibliografia e outras Referências

GONÇALVES, Marta de Campos Figueroa. “Arquitetura de Papel e outras aplicações do papel”. Orientação de Clara Pimenta do Vale. FAUP (Licenciatura), Porto: 2004. McQUAID, Matilda. “Shigeru Ban”. Phaidon Press Limited, Londres: 2003. http://www.aedificandi.com.br/aedificandi/N%C3%BAmero%202/2_shigeru.pdf www.warmcel.co.uk http://www.greenspec.co.uk/html/product-pages/warmcel500.php

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