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54 PR REVISTA COMPOSITES & PLÁSTICOS DE ENGENHARIA NÁUTICA V oltando um pouco no tempo, o registro mais antigo que se tem de um barco construído em plástico re- forçado data de 1937. O feito pode ser creditado a Ray Greene, que, simplesmente testando alguns materiais, viu que era possível fabricar embarcações mais eficientes do que as que eram construídas na época, quando a madeira era o material predominante na indústria de barcos de re- creio. Depois de algumas experiências, o uso de materiais compostos começou a ser frequente em pequenas embarca- ções militares que serviram durante a II Guerra Mundial, e logo depois do final da guerra se iniciou a produção de pequenas embarcações entre 16 e 20 pés, construídas total- mente em fiberglass. No Brasil, somente a partir da década de 60 é que o uso do plástico reforçado passou a ser difundido nesta indústria e algumas embarcações da época mesclavam o uso de ma- Divulgação Acobar Talvez em toda a hist—ria do uso do pl‡stico reforçado nenhum outro produto teve fi berglass que comp›em este conjunto de produtos sejam utilizados, hoje em dia, nas mais diversas aplicaç›es de engenharia, o grande desenvolvimento da indœstria n‡utica mundial deira com revestimento de fibra de vidro. No final da década de 70, com a produção comercial local de vários produtos da linha do plástico reforçado, é que algumas embarcações de pequeno porte passaram a ser totalmente construídas em fiberglass. Hoje em dia quase que a totalidade das embarca- ções de recreio produzidas em todo o mundo, variando de 12 a 150 pés, são construídas com este conjunto de mate- riais e, deste total, a fibra de vidro e a resina poliéster são os produtos mais utilizados entre os fabricantes. Embora o mercado náutico seja dependente do uso ir- restrito do plástico reforçado, o volume comercializado no setor náutico não é expressivo quando comparado com ou- tras aplicações como as indústrias da construção civil, de energia, transporte e corrosão. Entretanto, o uso destes ma- teriais na construção de barcos de recreio tem tido uma só- lida participação na estatística do uso de plástico reforçado. Jorge Nasseh *

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Page 1: Materiais compostos na indústria náutica brasileira · 2011. 4. 8. · NBR 14574. O trabalho de confecção da norma - Requisitos para a Fabricação de Embarcações em Plástico

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NÁUTICA

Voltando um pouco no tempo, o registro mais antigo que se tem de um barco construído em plástico re-forçado data de 1937. O feito pode ser creditado a

Ray Greene, que, simplesmente testando alguns materiais, viu que era possível fabricar embarcações mais eficientes do que as que eram construídas na época, quando a madeira era o material predominante na indústria de barcos de re-creio. Depois de algumas experiências, o uso de materiais compostos começou a ser frequente em pequenas embarca-ções militares que serviram durante a II Guerra Mundial, e logo depois do final da guerra se iniciou a produção de pequenas embarcações entre 16 e 20 pés, construídas total-mente em fiberglass.

No Brasil, somente a partir da década de 60 é que o uso do plástico reforçado passou a ser difundido nesta indústria e algumas embarcações da época mesclavam o uso de ma-

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Divulgação Acobar

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queÊcomp›emÊesteÊconjuntoÊdeÊprodutosÊsejamÊutilizados,ÊhojeÊemÊdia,ÊnasÊmaisÊdiversasÊaplicaç›esÊdeÊengenharia,ÊoÊgrandeÊdesenvolvimentoÊdaÊindœstriaÊn‡uticaÊmundialÊ

deira com revestimento de fibra de vidro. No final da década de 70, com a produção comercial local de vários produtos da linha do plástico reforçado, é que algumas embarcações de pequeno porte passaram a ser totalmente construídas em fiberglass. Hoje em dia quase que a totalidade das embarca-ções de recreio produzidas em todo o mundo, variando de 12 a 150 pés, são construídas com este conjunto de mate-riais e, deste total, a fibra de vidro e a resina poliéster são os produtos mais utilizados entre os fabricantes.

Embora o mercado náutico seja dependente do uso ir-restrito do plástico reforçado, o volume comercializado no setor náutico não é expressivo quando comparado com ou-tras aplicações como as indústrias da construção civil, de energia, transporte e corrosão. Entretanto, o uso destes ma-teriais na construção de barcos de recreio tem tido uma só-lida participação na estatística do uso de plástico reforçado.

Jorge Nasseh *

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Ao contrário de outros países desenvolvidos, onde o clima não proporciona a utilização de embarcações duran-te todo o ano, o Brasil, com a temperatura média anual em torno de 24°C, tem um dos maiores potenciais náuticos do mundo. O país tem 7.480 km de extensão de costa ao longo de 17 estados e um número imenso de rios, lagos, represas e hidrovias que somam 32 mil 550 km de águas navegáveis, possuindo o segundo maior conjunto de águas interiores do planeta.

A indústria de construção de barcos no Brasil é repre-sentada pela Acobar - Associação Brasileira dos Constru-tores de Barcos e seus Implementos, fundada em 19 de dezembro de 1975 e que possui em seu quadro empresas das mais variadas atividades do setor náutico, tais como estaleiros, fabricantes de implementos, revendedores, dis-tribuidores, lojas, prestadores de serviços, fabricantes de motores, operadores de marinas, oficinas e equipamentos. A Associação congrega os maiores e mais importantes es-taleiros do mercado, responsáveis por 75% da produção da indústria nacional. Atualmente, o setor náutico brasileiro é responsável por milhares empregos diretos e indiretos, na sua maioria em empresas de médio e pequeno portes, pulverizadas por todo o país.

Com base nas estatísticas realizadas nos últimos anos o mercado brasileiro conta com 151 fabricantes de embarca-ções, 39 fabricantes de botes, 257 fabricantes de acessórios náuticos, 283 fabricantes e revendedores de equipamentos de pesca, e 111 fabricantes e revendedores de material es-portivo e à vela. Trata-se de um setor formado, em sua gran-de maioria, por pequenas e médias empresas, espalhadas por todo o país e que se destaca pelo uso intensivo da mão-de-obra, devido a sua produção quase artesanal.

Como grande parte de outros segmentos que mantêm forte concentração fabril perto de áreas de produção indus-trial de matéria-prima, a maior parte do registro de barcos produzidos em material composto se encontra na região Sudeste, em particular com maior densidade nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Estes três estados representam um total de 70% de registros efetua-dos nos últimos anos. Entretanto, boa parte dos estados do Nordeste tem aumentado a sua participação na instalação de novas empresas na área de construção e manutenção de embarcações em plástico reforçado. Certamente, as maiores dificuldades que os fabricantes instalados nestas áreas têm experimentado são os custos de transporte e tempo de esto-cagem dos produtos da linha do plástico reforçado.

O total da frota nacional de embarcações de esporte e re-creio acima de 14 pés fabricadas em plástico reforçado con-ta com mais de 63 mil unidades, conforme números estatís-ticos apurados em 2006. Incluindo nesta estatística barcos menores ou fabricados em outros materiais como alumínio, madeira ou termoplásticos, estes total de aproximadamente 180 mil unidades. Entre as embarcações acima de 14 pés, a maior parte deles é propulsionada a motor. Embora os valores de unidades comercializadas incluam a construção de pequenos barcos monotipos a vela, o total de barcos a vela representa somente pouco mais de 15% do total da frota existente hoje. Embora o esporte a vela seja um dos melhores meios de propaganda do setor de embarcações de recreio, o número total de barcos a vela fabricados nos últi-

mos 10 anos tem decrescido ano a ano. Algumas das razões para este declínio, também encontrado em todos os outros países, têm sido a falta de estrutura para guarda e o alto cus-to de manutenção que estas embarcações geram.

Outro ponto importante a ser notado no mercado de construção de barcos, é que o comprimento médio dos bar-cos tem crescido a cada ano. Em estatísticas fornecidas pela NMMA (National Marine Manufacturing Association) dos EUA, o comprimento médio dos barcos comercializados nos últimos 10 anos subiu de 26 para 32 pés. A frota brasi-leira de esporte e lazer é formada, em sua maior parte, por embarcações projetadas e construídas para navegação em baías, estuários, águas interiores e águas abrigadas e cerca de 85% da frota é composta por barcos de até 32 pés.

Demograficamente estima-se que 90% das embarcações estejam localizadas no litoral e apenas 10% no interior, sen-do a maior concentração de registros localizados na região Sudeste. O local de maior incidência se encontra no litoral norte do estado de São Paulo, nas localidades de Santos, São Sebastião e Ilha Bela e no sul do litoral do Rio de Janei-ro, que compreende Angra dos Reis e Paraty. Um dos maio-res fatores que acarretam a maior concentração de barcos nestas regiões é a possibilidade de se contar com estrutura formal de apoio, que compreende marinas, clubes e locais para reparo e manutenção. Embora estas regiões abriguem

A fabricação de embarcações construídas em plástico reforçado vem crescendo anualmente em uma taxa próxima de 5% ao ano

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a maior parte da frota de embarcações, muitos outros es-tados têm aumentado o investimento na geração de infra-estrutura o que demonstra certo crescimento de fabricantes em outras regiões do país. Para navegação e utilização em águas internas, em represas, rios e lagoas, a distribuição de embarcações ainda assim tem maior concentração nos esta-dos do Sudeste, embora já exista grande concentração em estados da região Centro-Oeste e Nordeste.

O mercado brasileiro é atendido por uma ampla rede de revendedores de barcos, motores, acessórios, equipamentos náuticos e oficinas de manutenção e reparo, e a sua distri-buição geográfica reflete a localização das maiores frotas de embarcações no território brasileiro. Nos últimos anos, a questão do planejamento e regulamentação para a implan-tação de estruturas de apoio náutico e projetos de acesso à costa voltou a ganhar destaque, pois o desenvolvimento da indústria náutica está ligado à facilidade de apoio a esta ati-vidade. Os estados do Rio de Janeiro e São Paulo abrigam a maioria das estruturas de apoio náutico, sendo 34 % ba-seadas em São Paulo e 28% no Rio de Janeiro. A estrutura total do mercado de apoio a indústria de construção de bar-cos conta segundo as últimas estatísticas, com 1.518 lojas de equipamentos náuticos, 654 iate clubes, marinas e garagens náuticas e 1.242 oficinas de manutenção.

A participação da mão-de-obra direta no custo de fabri-cação de embarcações de esporte e lazer varia entre 30% e 40%, sendo que embarcações maiores são proporcional-mente mais intensivas em mão-de-obra. Pela densidade média e tamanho de embarcações registradas é possível es-timar que cada embarcação requer a necessidade de cinco empregos diretos e três empregos indiretos, o que significa que para cada 1.000 embarcações fabricadas no Brasil são necessários o uso de 8.000 postos de trabalho.

Como qualquer outra atividade, a indústria náutica de hoje em dia passou a utilizar grande parte de sua força de trabalho para a montagem de barcos. Somente 40% do valor de uma embarcação é construída pelo estaleiro. O restan-

te do valor, composto por equipamentos, eletrônicos e motorização é fornecido por terceiros. Do preço final de venda de uma embarcação aproximadamente 18% se re-fere ao valor do casco e, deste total, 8% é o volume de material composto utilizado na sua produção. A produção de embarcações construídas em plástico reforçado vem crescendo anualmente em uma taxa próxi-ma a de 5% ao ano, embora os últimos dois anos tenham registrado um aumento mé-dio de 8%. Em valores atualizados do ano de 2007, o valor aproximado de embarca-ções comercializadas foi de 470 milhões de dólares sendo que deste total 9.8 milhões de dólares se referem a exportações.

Dos barcos menores que 18 pés, a par-ticipação do uso de material composto no preço final do produto representa 8%, en-quanto para barcos acima de 32 pés a par-ticipação chega a 11%. Dentro da estrutura de materiais utilizados na indústria náuti-ca, 95% dos barcos são produzidos com

resinas à base de poliéster com reforço de fibra de vidro, e a maior parte destas resinas são de base ortoftálica. O reforço tradicional dos barcos em plástico reforçado ainda é a fi-bra de vidro nas versões convencionais de mantas e tecidos. Barcos entre 14 e 25 pés são, na maior parte das vezes, cons-truídos pelo processo de spray-up (laminação por projeção) com a utilização de fios roving e resina poliéster. Embora este processo seja utilizado desde os primórdios desta in-dústria, ele ainda produz laminados eficientes e econômicos para barcos de pequeno porte que são produzidos em escala de produção. Nos barcos acima de 25 pés parte dos reforços utilizados ainda são as combinações intercaladas de mantas e tecidos de fibra de vidro através do processo de laminação manual (hand lay-up).

Dentre as ações técnicas do mercado náutico está o Selo de Conformidade Acobar, que é uma marca de iden-tificação criada para que o consumidor saiba que está com-prando um barco construído a partir de critérios rígidos de qualidade. O Selo de Conformidade leva em conta o com-promisso técnico e ético do fabricante, concedido apenas àquelas embarcações construídas de acordo com a norma da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) NBR 14574. O trabalho de confecção da norma - Requisitos para a Fabricação de Embarcações em Plástico Reforçado com Fibra de Vidro - durou seis anos sob a coordenação da Acobar e ABNT, e contou com a participação de mais de 20 engenheiros e técnicos ligados à construção de barcos em plástico reforçado.

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* Jorge Nasseh é vice-presidente da Acobar – Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e seus Implementos

O total da frota nacional de embarcações de esporte e recreio acima de 14 pés fabricadas em plástico reforçado conta com mais de 63 mil unidades, conforme números estatísticos apurados em 2006

www.acobar.com.br