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Diana Damasceno

Luís Carlos Bittencourt

Maristela Fittipaldi

(Org.)

Diana Damasceno

Luís Carlos Bittencourt

Maristela Fittipaldi

(Org.)

e imprensano brasil

revolucaorussa

um estudo sobre o

fazer jornalístico

REVOLUÇÃO RUSSAE IMPRENSA NO BRASIL

um estudo sobreo fazer jornalístico

Rio de JaneiroiVentura

2017

Copyright © 2018, Diana Damasceno, Luís Carlos Bittencourt e Maristela FittipaldiTodos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98).

Coordenação EditorialLuís Carlos Bittencourt

Capa, Projeto Gráfico e DiagramaçãoFelipe Veloso e Marcelo Saraiva

Revisão

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Adriana R. C. de Sá, CRB 7 - 4049

iVentura Editora Comercial Ltda.EditorLuís Bittencourtwww.iventura.com.bre-mail: [email protected].: (21) 97616-6968Rua da Maçonaria, 10 – CentroTrês Rios – RJ – CEP: 25.805-023

REVOLUÇÃO RUSSAE IMPRENSA NO BRASIL

um estudo sobreo fazer jornalístico

Diana DamascenoLuís Carlos Bittencourt

Maristela Fittipaldi(organização)

Rio de JaneiroiVentura

2017

I34 Revolução Russa e imprensa no Brasil: um estudo sobre o fazer jornalístico / Diana Damasceno, Luís Carlos Bittencourt, Maristela Fittipaldi (organização). – Rio de Janeiro: iVentura, 2017. 105 p. ; ISBN 978-85-89335-51-5 1. União Soviética - História – Revolução, 1917-1921. 2. Jornalismo. I.

Damasceno, Diana. II. Bittencourt, Luís Carlos. III. Fitipaldi, Maristela. IV. Título. CDD – 947.0841

REVOLUÇÃO RUSSAE IMPRENSA NO BRASIL

um estudo sobreo fazer jornalístico

Diana DamascenoLuís Carlos Bittencourt

Maristela Fittipaldi(organização)

Rio de JaneiroiVentura

2017

I34 Revolução Russa e imprensa no Brasil: um estudo sobre o fazer jornalístico / Diana Damasceno, Luís Carlos Bittencourt, Maristela Fittipaldi (organização). – Rio de Janeiro: iVentura, 2017. 105 p. ; ISBN 978-85-89335-51-5 1. União Soviética - História – Revolução, 1917-1921. 2. Jornalismo. I.

Damasceno, Diana. II. Bittencourt, Luís Carlos. III. Fitipaldi, Maristela. IV. Título. CDD – 947.0841

Índice

Parte I - ARTIGOS ACADÊMICOS - 11

O LIVRO-REPORTAGEM E A REVOLUÇÃO RUSSA Uma breve análise do livro Os dez dias que abalaram o mundo - 13 Bruno de BlaseDiogo Ferreira

UMA ANÁLISE SOBRE A REVOLUÇÃO RUSSAE O PODER DA IMPRENSA - 27Yasmin Thomaz Lopes

CEM ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA: o olhar jornalístico brasileiro sobre o conflito - 37Gabriel Brum

A INFLUÊNCIA DA REVOLUÇÃO RUSSANA IMPRENSA BRASILEIRA - 45Lohana Rebelo

JORNALISMO BRASILEIRO E REVOLUÇÃO RUSSA: um olhar construído por diversos olhares - 57Érica Oliveira FortunaLuana Vitória UchaGuilherme Cazé

Parte II - REPORTAGENS - 67

NAÇÃO VERMELHA - 69Gustavo Barreto

A HISTÓRIA NUNCA CONTADA: Como as mulheres russas colaboraram para aquela que foi uma das maiores revoluções do século passado - 75Débora Esteves

A REVOLUÇÃO RUSSA NO CINEMA - 81Larissa Mendes Penna

A REVOLUÇÃO HOJE: Como um jornal Russo transformou os eventos da Revolução de 1917 em notícias - 91Silvia Priscila Juppa

Parte III - ARTIGOS JORNALÍSTICOS - 99

IMPÉRIO DE CINZAS - 101Gustavo Barreto

ISKRA: Organização e divulgação - 103Gabrielle Cortes, Bernardo Araújo e Jhade Carvalho

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Apresentação

Este livro é resultado de uma proposta do coordenador – Prof. Luís Carlos Bittencourt - encampada pelo NDE (Núcleo Docente Estruturante) do curso de Jornalismo da Universidade Veiga de Almeida de editar e-books para oferecer à comunidade algumas produções acadêmicas de interesse geral que, de outra forma, ficariam guardadas em arquivos ou gavetas. Entendemos que o conhecimento se produz numa universidade deve retornar em benefício da sociedade. Não é outro o objetivo dos projetos extraclasses desenvolvidos com a supervisão da diretora de Extensão, Profa. Maria Frastrone: oferecer a oportunidade de os alunos desenvolverem atividades em diversas áreas, envolvendo muitas vezes a interdisciplinaridade.

Uma das intenções do projeto extraclasse é criar ambientes acadêmicos mais apropriados para que o estudante aprenda com a prática. E nada melhor do que projetos, sejam interdisciplinares, de pesquisa ou de extensão com parceiros institucionais. Este e-book é um desses projetos. É interdisciplinar, envolve pesquisa e leva o conhecimento à comunidade por meios digitais.

Para que ele se efetivasse, foram solicitados aos alunos das disciplinas História da Imprensa e Jornalismo de Revista trabalhos sobre a Revolução Russa, que em 2017 completou 100 anos. Como resultado, os alunos produziram artigos acadêmicos, reportagens e artigos jornalísticos, sendo selecionados aqueles que mais se destacaram para compor esta publicação híbrida, que representa uma pequena parcela do que vem sendo alcançado na preparação dos futuros profissionais de imprensa de acordo com as novas Diretrizes Curriculares do MEC para o Bacharelado em Jornalismo.

A escolha editorial dividiu o livro em três partes, começando pelos artigos acadêmicos. Bruno de Blase e Diogo Ferreira estudaram 0 livro-reportagem e a Revolução Russa, fazendo uma breve análise do livro Os dez dias que abalaram o mundo, de John Reed; Yasmin Thomaz Lopes propôs uma análise sobre a Revolução Russa e o poder da

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imprensa; Gabriel Brum pesquisou o olhar jornalístico brasileiro sobre a Revolução; Lohana Rebelo seguiu o caminho inverso e escolheu pensar a influência do movimento na imprensa brasileira; “Jornalismo brasileiro e Revolução Russa: um olhar construído por diversos olhares”, de Érica Oliveira Fortuna, Luana Vitória Ucha e Guilherme Cazé, finaliza essa seção.

A segunda parte traz as seguintes reportagens: “Nação Vermelha”, por Gustavo Barreto; “A história nunca contada: como as mulheres russas colaboraram para aquela que foi uma das maiores revoluções do século passado”, por Débora Esteves; “A Revolução Russa no cinema”, por Larissa Mendes Penna; e “A Revolução hoje: como um jornal russo transformou os eventos da revolução de 1917 em notícias”, por Silvia Priscila Juppa.

Dois artigos jornalísticos compõem a parte final: Gustavo Barreto volta a se debruçar sobre o fato e escreve “Império de cinzas”, no qual discute o modelo socioeconômico soviético nascido do ideal revolucionário; já Gabrielle Cortes, Bernardo Araújo e Jhade Carvalho examinam em “Iskra: organização e divulgação”, a capacidade do jornal, fundado ilegalmente na Rússia czarista por Lênin, de transmitir as ideias do Partido Operário Social-Democrata Russo.

O curso de Jornalismo da UVA segue o princípio de que o fundamental é aprender fazendo. E nada melhor na formação do jornalista do que investigar os fatos. Aí está a essência do jornalismo ao construir a sua identidade como profissão ao longo dos anos: investigação e análise. É o que norteia a formação do jornalista na Universidade Veiga de Almeida. Seja qual for o rumo que tomará na sua vida profissional, da comunicação corporativa à produção de conteúdo em redes sociais, da redação de um jornal ao jornalismo online, o egresso da UVA tem um carimbo no seu diploma: a experiência investigativa do jornalismo.

Jornalismo já foi uma habilitação no guarda-chuva da Comunicação Social. Desde 2013, no entanto, graças ao esforço de jornalistas, professores e pesquisadores recuperou a sua identidade e independência, marcas de uma profissão inconformista a serviço da liberdade de expressão, da democracia e da sociedade. E o curso da UVA oferece desde 2015 o diploma de Bacharelado em Jornalismo.

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Para concluir, queremos contar que este livro é uma estreia. É o primeiro de uma série do Núcleo de Estudos em Jornalismo da UVA, associado ao grupo de pesquisa no CNPq denominado Qualidade em Comunicação. Acreditamos nisso: Jornalismo de qualidade.

Os organizadores

Parte I

ARTIGOS ACADÊMICOS

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O LIVRO-REPORTAGEM E A REVOLUÇÃO RUSSA

Uma breve análise do livro Os dez

dias que abalaram o mundo

Bruno de Blase e Diogo Ferreira

Resumo

Este trabalho tem como objetivo tecer uma breve análise do jornalismo e da literatura, de tal forma que possamos entender as suas naturezas, para adentrarmos no livro-reportagem. Ao definir tais conceitos, uma breve análise do livro Os dez dias que abalaram o mundo, de John Reed, será feita, relacionando-os.

Palavras-chave: jornalismo, literatura, Revolução Russa, livro-reportagem

Abstract

This paper has as its goal to describe a brief analysis on journalism and literature, in a way we can understand their natures, so we can explore the book-report. By defining such concepts, a brief analysis of the book Ten days that shook the world by John Reed, will be done, relating them.

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Keywords: journalism, literature, Russian Revolution, book-report

Estamos na Rússia, em 1917, onde o clima político é bastante indefinido. Por conta disso, o país encontra-se instável, podendo eclodir um conflito político-social a qualquer momento. Nesse período, diversos movimentos sociais e partidos se moviam para tocar o futuro do país, após a queda do regime czarista, dando fim à monarquia, até chegarmos em outubro de 1917, quando os bolcheviques põem a sua revolução em ação. Assim, o país é tomado pelos proletários, colocando o socialismo em prática e surgindo uma nova Rússia, tal como descrito pelo jornalista John Reed:

Os bolcheviques conquistaram o poder. Mas conquistaram-no sem acordos com as classes dominantes ou com os diversos chefes de partidos, destruindo o antigo mecanismo governamental. Não chegaram tampouco ao poder por meio de um golpe de força organizado por um pequeno grupo. A revolução teria fracassado, se as massas não tivessem sido preparadas em toda Rússia para a insurreição. Por que os bolcheviques venceram? Porque sabiam lutar pelas pequenas e pelas grandes aspirações e reivindicações das grandes camadas populares, organizando-as e dirigindo-as para a destruição do passado e lutando com elas para edificar, sobre as ruínas fumegantes do sistema social destruído, uma nova sociedade, um novo mundo. (REED, 1978, p.181)

O momento impactou o mundo. A partir disso, aconteceram diversos conflitos que nunca foram vistos antes, alimentando ainda mais o que Eric Hobsbawm (1995) chama de “a era dos extremos”.

Obviamente, o jornalismo estava lá, nos bastidores, observando tudo. Além das notícias que corriam de jornal em jornal, John Reed empreendia algo diferente. Presente no país durante os conflitos políticos, o jornalista norte-americano é autor do clássico Os dez dias que abalaram o mundo, seu magnum opus, considerado por muitos como um dos principais livros para se compreender, com detalhes, os episódios da Revolução de Outubro.

É em cima desse livro que trabalharemos, fazendo jus ao centenário

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da Revolução Russa, em 2017, para o Projeto Experimental Memória da Imprensa, da Universidade de Almeida.

Neste artigo, desenvolvido a partir de uma base bibliográfica, iremos, em primeiro lugar, discutir e debater a velha problemática acerca das relações entre a literatura e o jornalismo, definindo, também, o conceito de jornalismo-literário. Em seguida, levantaremos questões relacionadas ao livro-reportagem, concluindo com uma breve análise do livro em questão.

A literatura e o jornalismo

Embora o jornalismo, hoje, esteja quase que completamente voltado para a linguagem objetiva, com a utilização de técnicas como o lead, em busca de um texto claro e conciso (SQUARISI; SALVADOR, 2015), nem sempre foi dessa maneira. Roberto Nicoleto lembra que “a aproximação dos dois gêneros (se assim podemos defini-los) começa no século XVIII e ao longo da história eles se confluem e divergem”, tendo maior influência quando há alguma ameaça aos seus gêneros, como “crises de criatividade ou quando suas funções ou representatividades estão em xeque, numa sociedade em contínuo processo de mudanças” (2006, p.1).

Felipe Pena (2006) segue a mesma linha de Nicoleto. Para ele, foi entre os séculos XVIII e XIX, fases conhecidas como primeiro e segundo jornalismos, que a literatura esteve mais influente, uma vez que escritores de prestígio estavam envolvidos nos jornais, tanto nas redações, como definindo linguagem e conteúdos.

No entanto, foi no século XX que a separação maior entre os dois gêneros aconteceu. Nicoleto (2006) traz à tona as transformações sociais do período. Para ele, as evoluções tecnológicas e a redução do analfabetismo, no século XX, permitiram que os jornais garantissem a sua credibilidade por conta de um novo modelo de produto jornalístico, que se afastava da subjetividade literária.

O autor ainda destaca que o surgimento das reportagens e das entrevistas mostraram a forte influência do pensamento racional e científico. Dessa maneira, não tardou para o jornalismo começar a preocupar-se em capturar a realidade, apresentando-a de maneira objetiva, com suas próprias ferramentas, afastando-se do subjetivo imposto pela verossimilhança, fortemente utilizada pela literatura.

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Neste ponto, esbarramos em diversas questões acerca do que é literatura e do que é jornalismo. Em primeiro lugar, devemos especificar o que podemos chamar de literatura, porém, Aguiar e Silva (1973) já nos adverte a dificuldade de se estabelecer um conceito para literatura.

Em sua obra Teoria da Literatura, o pesquisador propõe uma análise semântica da palavra “literatura”, ao longo dos tempos. Entre os séculos XVII e XVIII, o autor demonstra que havia uma separação de significados entre a palavra latina “litteratura” e as palavras “poesia” e “belas letras”, sendo a primeira destinada à ciência, em geral, e à cultura do homem de letras, e a segunda destinada a um estilo de prosa. Com o passar dos anos, a palavra vai tomando novas formas. Na segunda metade do século XVIII, ela passa a significar “um objeto ou conjunto de objetos que se podem estudar”, se aproximando do que chamamos de “literatura” hoje, a partir da penúltima década do século XVII:

A palavra literatura conhece um novo e importante matiz semântico, passando a designar o fenômeno literário em geral e já não circunscrito a uma literatura nacional, em particular (...). Explica-se que esta transformação semântica do vocábulo literatura tenha tido lugar na segunda metade do século XVIII: por um lado, o termo ciência especializa-se então fortemente, acompanhado o desenvolvimento da ciência indutiva e experimental, de modo que deixa de ser possível abranger na literatura os escritos de caráter científico; por outro lado, a assiste-se a um largo movimento de valorização de gêneros literários em prosa, desde o romance até ao jornalismo, tornando-se necessária, por conseguinte, uma designação genérica capaz de abarcar todas as manifestações da arte de escrever. Essa designação genérica foi literatura. (AGUIAR E SILVA, 1973, p.23)

Dessa maneira, observamos que, embora a designação à literatura seja genérica, o jornalismo não é retirado da lista de gêneros literários. Ainda assim, precisamos abordar o que podemos chamar de jornalismo.

Embora as questões de entrelaçamento estejam presentes, Pena aborda o que, para ele, pode ser jornalismo:

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No livro Teoria do Jornalismo, deixo clara a minha posição, que está muito mais próxima da primeira versão. Para mim, a natureza do jornalismo está no medo. O medo do desconhecido, que leva o homem a querer exatamente o contrário, ou seja, conhecer. E assim, ele acredita que pode administrar sua vida de forma mais estável e coerente, sentindo-se um pouco mais seguro para enfrentar o cotidiano aterrorizante de seu meio ambiente. Mas, para isso, é preciso transpor limites, superar barreiras, ousar. Entretanto, não basta produzir cientistas e filósofos, ou incentivar navegadores, astronautas e outros viajantes a desbravar o desconhecido. Também é preciso que eles façam relatos e reportem suas informações a outros membros da comunidade que buscam a segurança e a estabilidade do “conhecimento”. A isso, sob certas circunstâncias éticas e estéticas, posso chamar jornalismo. (PENA, 2006, p.1)

O jornalismo se define, também, pela sua linguagem. Suas características e técnicas servem como alimento para argumentar as diferenciações entre literatura e jornalismo. Segundo Nicoleto (2006, p. 6), enquanto o “caráter verossímil do discurso, ou seja, o pacto de verdade firmado com leitor de um mundo possível com relação a determinada história” é o que importa para a literatura, o jornalismo contemporâneo procura ser distanciar disso.

Conforme abordado anteriormente, o jornalismo vive em busca de uma “suposta verdade dos fatos”, sendo amparado “pela existência de provas, sejam elas materiais, testemunhais ou científicas.” O autor também nos recorda da complexidade da questão, uma vez que “a realidade pode fragmentar-se em unidades autônomas e independentes que podem ser traduzidas numa simples notícias, ganhar uma dimensão sociológica numa grande reportagem ou simplesmente ser objeto de juízo de valor nos textos opinativos .”( NICOLETO, 2006, p.7)

Portanto, para que essa relação com a verdade, com o real, aconteça, o texto jornalístico precisa passar pelo por “uma série de ‘filtros’. ” Sendo assim, o texto sofre sérias interferências, desde o grupo editorial a uma séries de “ injunções de caráter político até a mediação do próprio enunciatário, que traz em seu repertório características ideológicas, profissionais, de classe social, entre outras.” (NICOLETO, 2006, p.7)

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Vemos, a partir daí, que o jornalismo vive em busca de fatos. De acordo com o Manual da Redação da Folha de São Paulo, que preza o texto objetivo, as reportagens devem ser iniciadas pelo lead. Segundo o manual, “o lide tem por objetivo introduzir o leitor na reportagem e despertar seu interesse pelo texto já nas linhas iniciais”, isto é, deverá constar, nesse primeiro parágrafo, as informações mais importantes do fato apresentado pela matéria jornalística, respondendo as seis perguntas fundamentais: “o quê?”, “quem?”, “quando?”, “onde?”, “como?” e “por quê?” (2010, p.44).

Além disso, diferente da literatura, onde os discursos devem ser verossímeis, o jornalismo se põe dedicado diretamente aos fatos, mas nem todos os existentes são importantes ao ponto de transformá-los em uma matéria. O manual da Folha destaca cinco características para nos levar à relevância de um fato, sendo eles o ineditismo, a improbabilidade, interesse, apelo, empatia e proximidade. A união desses elementos determina se o fato vale a pena ser considerado como uma notícia ou não, além de apresentar a sua relevância se comparando a outros fatos.

Dessa forma, podemos perceber que o jornalismo vai ao encontro do factual, isto é, tenta se aproximar ao máximo da realidade. Para isso, o mesmo usa e abusa da descrição, tal qual a literatura, pois trata-se de uma apresentação de algo ou de alguém, que pode variar o seu significado, de acordo com o ponto de vista do autor, o que nos leva a dois tipos de descrição (GARCIA, 2002):

A subjetiva e a objetiva. Na primeira, reflete-se predominantemente o estado de espírito do observador, suas idiossincrasias, suas preferências, que fazem com que veja apenas o que quer ou pensa ver e não o que está para ser visto. (…) A descrição realista ou objetiva é exata, dimensional. Nela os detalhes não se diluem, não se esmaecem em penumbra, antes se destacam nítidos em forma, cor, peso, tamanho, cheiro, etc. É o que caracteriza a descrição técnica ou científica.(GARCIA, 2002, p.248)

Observando essa definição, podemos ver que o jornalismo, baseado nas regras propostas pelas escolas americanas dos anos 1920 em diante (NICOLATO, 2006), rende-se à descrição objetiva, o que, para o Manual

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da Redação da Folha de São Paulo (2010), não é possível em sua totalidade, uma vez que o jornalista, ao apurar, toma decisões pessoais. Por isso, ele precisa, ao escrever, ir direto ao ponto, sem muitas delongas, e, ainda, consultando o máximo de fontes possíveis.

Entretanto, nem sempre este está ligado à descrição exata do que é visto. Felipe Pena (2006) recorda que o jornalismo, mesmo nos tempos atuais, com regras que propõem a objetividade, possui uma mesclagem entre os dois gêneros.

Segundo o pesquisador, o jornalismo literário é um subgênero que pode ser caracterizado por potencializar os recursos do jornalismo, isto é, “ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lide, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade aos relatos.” (PENA, 2006, p. 6)

Ao contrário do que se espera, o subgênero não nega as técnicas do jornalismo, tampouco os seus discursos. Para o autor do estudo, as práticas profissionais se mantém, como “a apuração rigorosa, a observação atenta, a abordagem ética e a capacidade de se expressar claramente, entre outras coisas” (PENA, 2006, p.7) Ou seja, o jornalista adota novas estratégias, alterando a linguagem do texto, mas não abandona a sua base.

Para isso, o autor propõe sete características, como o rompimento com a periodicidade e atualidade, características do jornalismo contemporâneo; a preocupação em contextualizar a informação de forma abrangente; o exercício da cidadania, onde o jornalista “deve pensar em como sua abordagem pode contribuir para a formação do cidadão, para o bem comum, para a solidariedade”; o rompimento com o lide; a possibilidade de evitar “definidores primários”, isto é, o jornalista pode buscar outras fontes, fugindo do “círculo vicioso” e abordando outros pontos de vista; e, por fim, a perenidade, onde o jornalista deve criar uma obra de valor, sem ser efêmera ou superficial. (PENA, 2006, p.7-9)

Ainda assim, como podemos ver, a discussão em busca da relação entre o jornalismo e a literatura não teve seu fim, de tal maneira que podemos ver a sua união mesmo nos dias atuais, especialmente com a proposta do jornalismo literário.

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Portanto, o jornalismo não se limita puramente aos modelos que vemos atualmente. Podemos levá-lo a outras plataformas, com outro tipo de linguagem, dando mais liberdade ao autor. Um exemplo é o livro-reportagem, conceito que abordaremos com mais profundidade adiante.

O livro-reportagem e a obra de John Reed

Entre literatura e jornalismo, o livro-reportagem traz mais uma referência que pode nos trazer mais discussões. Dessa maneira, precisamos buscar a definição desse conceito que parece se apropriar não apenas da literatura, como, também, da história.

Segundo Paula Rocha e Cintia Xavier, em um artigo que averigua as especificidades do livro-reportagem, podemos considerá-lo como “quando uma obra trata de acontecimentos ou de fenômenos reais e utiliza, para sua produção, procedimentos metodológicos inerentes ao campo do jornalismo, sem, contudo, descartar certas nuances literárias” (2013, p.144). Entretanto, quando Ariane Pereira estuda os discursos do livro-reportagem, sua definição vai além:

Acredito que o livro-reportagem é, ao mesmo tempo, literatura e jornalismo (...) Jornalismo, ou reportagem, porque o jornalista-escritor prima pela investigação, pelo levantamento de informações, por narrar histórias “reais”, histórias que denunciam alguma coisa que vai/caminha/está errada na sociedade (...) Ou seja, o livro-reportagem é jornalismo porque cumpre a função primeira deste que é informar e, através dessa informação, levar a sociedade a se posicionar e a buscar mudanças. Literatura, ou livro, porque ao contar essas histórias do cotidiano o jornalista-escritor não segue (necessariamente) os paradigmas/as normas do discurso jornalístico. Ou seja, a imparcialidade, a isenção, a neutralidade e a objetividade perseguidas no jornalismo diário podem - e são - deixadas de lado. Assim, ao fazer sua narrativa, o jornalista-escritor abandona o estilo seco, duro dos jornais diários e recorre (sem perdas informacionais)

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a elementos literários (…) A partir dessa exposição e contextualização do livro-reportagem como discurso outro, que não é nem simplesmente discurso jornalístico nem apenas discurso literário, proponho-me a pensar a especificidade do livro-reportagem”. (PEREIRA, p.2-3, 2006)

Ademais, as autoras Rocha e Xavier (2013) nos chamam a atenção para a realidade de que, mesmo tendo um foco no jornalismo, em muitos casos, o papel do jornalista e do historiador se encontram. Nesse caso, o livro-reportagem pode ganhar mais uma função. Para elas, “as relações entre o passado e o presente fazem parte do horizonte” de ambos, por isso, nessas obras,

Não há um limite entre onde termina o jornalismo e começa a história, especialmente quando entende-se que o livro-reportagem auxilia na construção de sentidos (...) a reportagem e seus desdobramentos podem oferecer contextos e novas abordagens para determinados fatos, a partir da compreensão de acontecimentos reconfigurados. As relações entre jornalismo e história podem ser visualizadas ainda quando estas se utilizam da memória como fonte e método para as abordagens. (ROCHA; XAVIER, 2013, p.144-145)

Nesse aspecto, podemos corroborar o valor histórico da obra de John Reed ao ver o prefácio de Lenin na edição norte-americana, quando é dito que “é uma obra que eu gostaria de ver publicada aos milhões de exemplares e traduzida para todas as línguas, pois traça um quadro exato e extraordinariamente vivo dos acontecimentos que tão grande importância tiveram para a compreensão da Revolução Proletária e da Ditadura do Proletariado” (1978, p.7).

Dessa maneira, podemos ver que o livro é recomendado não apenas para se entender o desenrolar dos fatos naquele período, como, também, servir como relato histórico, quando diz que “o livro de John Reed, indubitavelmente, ajudará a esclarecer o problema do movimento operário internacional” (1978, p.7).

Além disso, as autoras propõem regras que devem ser seguidas para esse tipo de obra, que vão ao encontro do que Felipe Pena (2006) chama de jornalismo literário, em especial, quando trata da contextualização

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da informação, de forma abrangente, além da possibilidade de abordar outros tipos de fontes e pontos de vista.

Para Rocha e Xavier (2013), tais obras exigem uma pesquisa de campo maior, com um aprofundamento mais elaborado da apuração. É necessário sempre confirmar a veracidade dos fatos, fazendo “análise de documentos, pesquisa do tema, observação do jornalista tanto das fontes como do ambiente e acontecimentos que norteiam o tema, entrevista a fontes primárias e secundárias e rechecagem de todos os dados levantados para aferir a autenticidade dos mesmos” (2013, p.145), tendo a pesquisa e os documentos como fontes fundamentais nas abordagens investigativas e elaboração do livro-reportagem.

John Reed nos entrega não somente trechos de jornais russos, como também, comunicados oficiais, onde os editoriais de jornais foram utilizados para descrever a reação dos que estavam em oposição aos bolcheviques, durante a Revolução de Outubro:

O Dielo Naroda escrevia:‘Uma revolução é uma sublevação de todo o povo. Pois

bem, que vemos entre nós? Um punhado de pobres loucos, enganados por Lênin e por Trótski… Seus decretos e seus apelos serão mais tarde recolhidos ao museu das curiosidades históricas…’

E o Naródnoie Slóvo (A Palavra do Povo), órgão socialista popular, dizia:

‘Governo operário e camponês? Ninguém reconhecerá tal governo. Ele só poderá ser reconhecido pelos países inimigos.’ (REED, 1978, p.186)

Além disso, o autor utiliza documentos que, frequentemente, eram fixados em muros e paredes de locais públicos e particulares. Aqui, trazemos o exemplo de quando um documento foi fixado nas salas do Comitê Militar Revolucionário, a fim de desmentir informações falsas:

Nas salas, afixaram o seguinte comunicado:‘Krásnoie-Tseló, 10 de novembro às 6 horas da manhã.Para ser comunicado a todo o Estado-Maior, ao

comandante-em-chefe, a todos os comandantes da frente norte, e a todos, a todos, a todos!

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O ex-Ministro Kerenski procura fazer crer, por meio de mentirosos telegramas circulares, que as tropas revolucionarias de Petrogrado depuseram as armas e passaram-se para o lado das forças do antigo governo de traidores e que o Comitê Militar Revolucionário lhes havia dado ordens de render-se. Os solados de um povo livre não se entregam nem se rendem.

Nossas tropas abandonaram Gatchina em boa ordem, a fim de evitar derramamento de sangue entre elas e seus irmãos cossacos, que se deixaram enganar. Recuaram para ocupar posição estratégica mais favorável. Sua posição atual é tão forte que companheiros de armas dispusessem de forças dez vezes superiores às que possuem atualmente, seriam facilmente vencidos. O moral de nossas tropas é excelente.

Em Petrogrado reina tranquilidade.O chefe da defesa de Petrogrado e do distrito de Petrogrado,

Tenente-Coronel Muraviov.’ (REED,1978, p.190-191)

Rocha e Xavier sugerem, também, que o livro-reportagem deve estar sempre em busca de uma linguagem mais próxima do leitor, na tentativa de humanizar o texto (ROCHA; XAVIER, 2013). Neste caso, podemos perceber que as narrações de acontecimentos, falas e fatos podem ser diferentes daquelas que são vistas nas mídias impressas, no cotidiano, garantindo mais liberdade ao autor.

Garcia define narração como “o relato de um episódio, real ou fictício” (GARCIA, 2002). Uma narração deve responder todas ou algumas dessas perguntas: “o quê?”, “quem?”, “como?”, “quando?”, “porquê?” e “por isso”. Ainda de acordo com o autor, uma narração deve ter, pelo menos, a existência do “quem?” e “o quê?”. Caso contrário, não há narração. Tal como a descrição, a narração conta com o ponto de vista como fator primordial. Garcia lembra, ainda, que o narrador pode se colocar na primeira pessoa, quando é um dos personagens, e apresenta a história sob seu ponto de vista, ou na terceira pessoa, quando apenas conta, apesar de poder ter os poderes da onisciência.

Na obra de Reed, pode-se constatar a presença de um narrador em primeira pessoa, como no trecho a seguir:

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Na quarta-feira, dia 7 de novembro, levantei-me muito tarde. A Fortaleza de Pedro e Paulo dava o tiro do meio-dia quando eu descia pela Avenida Niévski. Fazia um frio úmido e irritante. As portas do Banco do Estado estavam fechadas e guardadas por soldados com baionetas caladas.

— De que lado estão vocês? — perguntei. — Do governo?— Já não há mais governo, Slava Bogu! (Graças a Deus)

— respondeu um deles, com uma risada.Foi tudo o que conseguir saber. (REED, 1978, p.98)

A descrição da cena encontra-se de acordo com o que foi visto pelos seus olhos, utilizando observações pessoais, sob a sua ótica. A seguir, no diálogo, o narrador se inclui, expondo suas falas em um discurso direto.

É importante notar, também, a maneira como descreve a situação de maneira objetiva, o que vai ocorrer em diversos momentos do livro, como, por exemplo, na seguinte passagem:

Os bondes passavam correndo pela Avenida Niévski, com homens, mulheres e crianças pendurados nos balaústres. As lojas estavam abertas e a multidão na rua parecia menos alarmada do que no dia anterior. A noite fizera nascer pelas paredes nova floração de apelos aos camponeses, aos soldados que combatiam nas trincheiras e aos operários de Petrogrado, condenando a insurreição. (REED, 1978, p.17)

A utilização desse recurso é uma característica apresentada por Paula Rocha e Cintia Xavier, onde o jornalista deve ir além das fontes factuais. Para elas, “o jornalista tem que estar atento a tudo, pois gestos, atos, movimentos, cenas, ambientes também informam, mesmo a ausência é uma informação” (ROCHA; XAVIER, 2013, p.145). Ainda segundo as pesquisadoras, isso permite que o jornalista possa construir o texto com mais informações, de maneira que este auxilie a sua apuração e os elementos da investigação, além de garantir uma linguagem que se distancie um pouco da objetividade, isto é, humanizando o texto, como proposto anteriormente.

Assim, diferente dos outros formatos jornalísticos, o livro-reportagem possui um suporte próprio, distinto dos outros meios,

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dialogando e mesclando outros gêneros, como o interpretativo, o investigativo e o literário, o que gera um aspecto híbrido (ROCHA; XAVIER, 2013), e vai ao encontro do proposto pelo jornalismo literário (PENA, 2006).

Considerações Finais

Embora haja uma enorme discussão que vise a entender as diferenças entre o jornalismo e a literatura como gêneros distintos, há de se notar que, independente das mudanças que sejam colocadas entre ambos, com o desenrolar dos anos, o encontro é sempre possível. O livro-reportagem é uma sustentação dessa hipótese.

Vimos, aqui, como o jornalismo e a literatura têm o seu encontro nos séculos passados, especialmente quando grandes autores estavam presentes nas redações de jornais. Entretanto, tal relação foi-se modificando com a chegada do século XX, trazendo mudanças sociais e tecnológicas, garantindo um novo estágio ao jornalismo. Todavia, até hoje, a literatura ainda se encontra, vez ou outra, com o jornalismo. O jornalismo literário é uma proposta de subgênero que traz essa mesclagem. Nele, o texto possui mais liberdade e rompe com ferramentas como o lead, que é, praticamente, o suprassumo do que chamamos de objetivismo no jornalismo, além de outras questões.

Dessa forma, temos o livro-reportagem como bom exemplo. É nele que encontramos mais liberdade, quando se trata de regras de linguagem, que, podendo ser pensado enquanto jornalismo literário, traz a base do jornalismo – em geral, de maneira mais exigente, requerendo, inclusive, apuração mais aprofundada, mais fontes –, mas permite que o autor possa bradar um estilo mais literário, com focos narrativos específicos, sobre o factual.

Não esqueçamos, ainda, que ao contextualizar os fatos, o livro-reportagem também abraça a linguagem da História, caso do livro estudado, Os dez dias que abalaram o mundo, de John Reed, que atravessa os anos, narrando a tão representativa Revolução Russa.

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Referências

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PENA, Felipe. Jornalismo literário. São Paulo: Contexto, 2006.PEREIRA, Ariane Carla. Os discursos no discurso do livro-

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UMA ANÁLISE SOBRE A REVOLUÇÃO RUSSA E O PODER

DA IMPRENSA

Yasmin Thomaz Lopes

Resumo

A Revolução Russa gerou inúmeras repercussões ao redor do mundo. Operários e chefes de estado entram em conflito, protestos a favor de melhores condições de vida tornam-se frequentes e a revolução torna-se referência e inspiração para trabalhadores que procuravam por mudanças. Os primeiros registros deste acontecimento histórico foram de caráter jornalístico, que defendiam o ponto de vista e colocavam as opiniões explicitamente. A mídia teve influência considerável durante os acontecimentos. No Brasil, a imprensa mudou o discurso conforme a revolução se desenvolvia. O estudo sobre os ocorridos na Rússia durante esse período, por meio dos jornais, permite que sejam avaliados valores e visões de mundo da sociedade naquele tempo.

Abstract

The Russian Revolution has generated countless repercussions around the world. Workers and heads of state are in conflict, protests

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for better living conditions become frequent and the revolution becomes a reference and inspiration for workers looking for change. The first records of this historical event were of a journalistic nature, which defended the point of view and put the opinions explicitly. The media had considerable influence during the events. In Brazil, the press changed the discourse as the revolution unfolded. The study of those occurring in Russia during this period through newspapers allows values and world views of society to be assessed at that time.

Palavras-chave: Revolução Russa; imprensa; Brasil.

A Revolução Russa

Em 2017, a revolução que causou grandes mudanças na Rússia e no mundo completa cem anos. No século XIX, a Rússia não era bem vista pela própria população. Não havia modernização, a economia era baseada na agricultura. O país participou da Primeira Guerra Mundial, levando a mais derrotas e decaídas na qualidade de vida. O caminho da nação não levava a boas perspectivas. A Rússia ainda não havia adotado a transição do calendário juliano para o gregoriano, permanecendo, literalmente, dias atrasada se comparada a outros países europeus. Isso gerou protestos contra o Czar Nicolau II, que pediam por melhoria de condição de vida e, em um dos protestos, houve o domingo sangrento: a população que protestava pacificamente foi recebida pelas tropas armadas e a neve transformou-se de branca para vermelha.

Com essas sucessivas situações, a pressão popular estava tamanha que o Czar abdicou da coroa. Como resultado, o poder de controlar a Rússia passou a ser de dois grupos: enquanto um era formado por membros da Duma (parlamento que abrigava desde liberais até esquerdistas revolucionários) e sovietes (conselhos populares de inspiração marxista), o outro era composto por duas facções esquerdistas: bolcheviques (que eram mais radicais, liderados por Lênin) e mencheviques (apoiavam a implementação do socialismo de forma moderada). Os trezentos anos de poder da dinastia Romanov na Rússia terminam e toda a família foi assassinada. Lênin passou a liderar o país, com incentivo da Alemanha, oferecendo garantias diplomáticas e financeiras.

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Lênin retirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial e instalou um partido único: o PC (Partido Comunista). Após a revolução, foi implantada a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Embora os russos tenham se libertado de um governo absolutista, a liberdade da população não durou por muito tempo. O partido que atuava para os russos reprimia qualquer pessoa ou mídia que fosse contra os princípios socialistas e, desse modo, grande parte da população, que discordava, foi perseguida, presa e assassinada. Não havia democracia para os russos.

A Nova Política Econômica (NEP) surgiu para recuperar a economia e terminar com as desigualdades sociais, a fome e a miséria da URSS. O desejo de reestruturar o país era tamanho que foi permitida a aplicação de práticas capitalistas, como a entrada de capital estrangeiro. Essas medidas implementadas levaram melhorias e avanços para a população. Com o tempo, a URSS tornou-se uma potência econômica e militar, o que acabou conduzindo à Guerra Fria, contra os Estados Unidos.

O Poder da imprensa russa durante a Revolução

Registros de relatos daqueles que testemunharam os fatos surgiram na imprensa da época. Segundo Segrillo, “ Os primeiros textos sobre a Revolução Russa foram, como se pode imaginar, de cunho jornalístico ou (auto)briográfico de participantes/observadores in loco dos acontecimentos” (SEGRILLO, 2010, p.65). Além deles, houve registros de emigrados russos, na Europa e nos Estados Unidos, e coberturas de jornalistas correspondentes, do ocidente, para os veículos de comunicação ocidentais.

Todos os lados tinham lugar para deixarem registradas observações sobre os acontecimentos revolucionários, de acordo com o ponto de vista mais conveniente, mas o marco desse primeiro período é o caráter partidário.

Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lênin, percebeu, de imediato, o poder que os jornais poderiam oferecer, de caráter ativo. Ele escrevia artigos e, em um deles, “Por onde começar” (1901), publicado no jornal Iskra (“faísca” em russo), dizia que “o jornal não é somente

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um propagandista e agitador coletivo, mas também um organizador coletivo”. O revolucionário não enxergava a imprensa como simples transmissora da informação, mas como uma rede que poderia ensinar a população a pensar e a acompanhar atentamente os acontecimentos políticos.

O conceito de imparcialidade no jornalismo não era defendido. A visão de todos sobre o jornal era informarem-se dos acontecimentos com as percepções vinculadas, as ideias coletivizadas, a união de parte da população russa. Já que a imprensa carregava a ideia de opinativa, todos os revolucionários daquele ano de 1917 escreviam textos e, assim, tornavam-se jornalistas, pois tinham conhecimento sobre o poder e a influência que os meios de comunicação tinham na sociedade.

Não era incomum encontrar um jornal citando o outro, revidando algo que tenha sido citado ou um texto com argumento político contra a linha editorial da empresa. A tentativa era buscar mais leitores e grupos que apoiassem o próprio ponto de vista. Essas discussões intelectuais e jornalísticas na mídia aceleraram a percepção de necessidade de mudança na Rússia. Historiadores acreditam que é no campo da imprensa e do jornalismo que houve a primeira vitória dos revolucionários.

Entretanto, o desapego à imparcialidade não era garantia de poder escrever todas as opiniões livremente. A história da imprensa na Rússia nunca foi marcada pela liberdade. A importância e o nome das mídias mais conhecidas também não as protegia da censura, como por exemplo, os jornais A Folha de Moscou, o Jornal da Bolsa de Valores ou a Gazeta Russa. Segrillo lembra que

O caráter teórico dos debates sobre a Revolução Russa entre os próprios russos não foi refletido nos anos 1920 nos países ocidentais. Nos EUA e em outros países, aquela década foi marcada por uma continuação dos relatos de cunho jornalístico ou diplomático e de polêmicas de cunho político mais imediato (SEGRILLO, 2010, p. 69).

O pesquisador também reforça que as histórias mais significativas da revolução, até os anos 1930, não foram escritas por historiadores profissionais. Um sintoma, para Segrillo, de “desconfiança e cuidados,

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que estes têm com os acontecimentos muito recentes. Isto abre espaço para as contribuições (de diversos graus de profundidade) de autores provindos de outras áreas” (SEGRILLO, 2010, p.71).

Hélcias conclui:

Mesmo passado o partidarismo das primeiras décadas, em que muitos dos escritores eram ex-participantes do processo, com um interesse velado na questão, nas décadas seguintes, tanto da Guerra Fria, como do Pós-Guerra Fria, as principais posições e tendências historiográficas refletiam o contexto da situação em que foram escritas (HÉLCIAS, 2017).

A imprensa brasileira durante a Revolução Russa

Enquanto a Revolução Russa se iniciava, não havia muita divulgação no Brasil sobre o movimento. Apenas após um espaço de tempo, a imprensa começou a transmitir informações sobre o que ocorria no continente europeu. A intenção era passar a ideia de aceitação da Revolução de Fevereiro de 1917, por ser contra os princípios da Alemanha. Com a tomada do poder pelos sovietes e as ações operárias radicalizadas no Brasil, os jornais começaram a noticiar os fatos relacionados à revolução com um tom ofensivamente crítico. Esse tipo de discurso era utilizado para disputas políticas e consolidar valores e visões de mundo, para que, consequentemente, fossem justificados golpes de Estado.

Havia uma imprensa voltada para a classe trabalhadora que, ligada a sindicato ou partido, informava e buscava conscientizar as pessoas sobre o que estava acontecendo no mundo, para que pudessem se mobilizar e se posicionarem sobre a revolução. Foi questão de tempo até a circulação desses jornais e as conversas entre trabalhadores interferirem na sociedade brasileira. A Revolução começava a deixar suas marcas no Brasil. A chegada dessas ideias iniciou mudanças na formação de valores e no modo de ver a política.

É possível observar o posicionamento da imprensa brasileira se adaptando à realidade. Nas capitais Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, havia ainda mais cuidado no discurso pois nelas havia o

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maior número de pessoas que poderiam se tornar eleitoras em 1920. A produção de matérias que não divulgavam todas as informações, que omitiam dados, aponta a construção de um discurso que desejava favorecer os interesses políticos e ocultar os fatos que não eram convenientes. Porém, bastou os sovietes tomarem o poder em novembro que a imprensa deixou de ocultar para informar de forma ofensiva e crítica.

A realidade dos operários brasileiros era precária. Não havia boa qualidade de vida: insalubridade, jornada de trabalho entre 10h a 12h e baixos salários para sobreviver ao alto custo de vida, considerado um dos maiores do país. O estado era tão grave que a expectativa de vida média do operário era de 25 anos. Para agravar este cenário, a consequência da Primeira Guerra ainda reinava no Brasil: a crise econômica.

O início da Primeira República teve o movimento operário brasileiro em lutas sindicais e com presença marcante de anarquistas. O ânimo de revolta ocasionou greves e a imprensa não poderia ocultar os fatos. A estratégia da imprensa brasileira não seguia um padrão até a radicalização das ações operárias. O discurso utilizado tinha como objetivo procurar elementos externos para direcionar a responsabilidade e deixar os leitores com receio. O posicionamento era defender a ordem conservadora. Enquanto as ações operárias cresciam, com a influência da Rússia, surge em 1919 o partido comunista pelos anarquistas cariocas. Segundo Pereira, “com o primeiro grupamento de operários comunistas nasceu também o órgão de imprensa correspondente – o Movimento Comunista, pequena revista mensal e depois quinzenal (…) de Janeiro de 1922 a Junho de 1923” (PEREIRA, 2012, p.87).

Às vésperas da unificação formal da União Soviética, em dezembro de 1922, a Rússia já havia se tornado um ideal simbólico, vista pelos trabalhadores ao redor do mundo como referência da possibilidade de gerar mudanças para melhoria da qualidade de vida, uma visão de liberdade dos operários e de renovação social. Apesar disso, com três anos de revolução, já havia discordâncias entre o partido sobre os rumos que os acontecimentos na Rússia tomavam. Consequentemente, no Brasil, houve divergência entre a grande imprensa e a imprensa operária, cada uma defendendo a própria visão e valores sobre o acontecimento histórico que mantinha uma influência que ultrapassava oceanos.

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A História contada pela imprensa

A imprensa em geral tem grande influência e poder na sociedade. Quando há movimentos contra o governo ou revoluções, a mídia sabe que é o momento de agir. As notícias chegam à população repletas de ideologias e pontos de vista, seja abertamente a favor de um dos lados ou atrás da imparcialidade, pois cada palavra escolhida, implicitamente, influencia na leitura e interpretação dos fatos.

Desse modo, grandes decisões políticas têm forte ligação com o interior das redações. A comunicação de massa interfere em ações da população e deixa de ser apenas informante passiva de informações. A imprensa tem uma grande responsabilidade com a História Política na forma como age de acordo com os fatos.

Retomar e aprender mais sobre um período histórico por meio da leitura de jornais pode ser uma ótima forma de entender o que se passava na época, pois são documentos que, a princípio, relatam acontecimentos verídicos junto a valores daquele tempo. Eles também colaboram na compreensão do papel da imprensa quando há processos sociais. A frequência que os jornais eram vendidos auxilia na junção de mais informações sobre fatos históricos, como a Revolução Russa, pois sempre que houvesse um marco histórico, repórteres fariam a cobertura para a população.

É preciso cuidado, no entanto, na forma de assimilar os relatos. Como os agentes de notícia não se prendem ao papel passivo de transmitir as informações, é preciso cuidado e atenção para encontrar os interesses do jornal e a causa defendida. Embora o jornalismo seja capaz de criar documentação sobre fatos históricos, comportamentos sociais e o modo da própria imprensa se portar diante de um momento histórico, ele ainda está envolvido na história. Ou seja, não há como creditar total confiança nos relatos históricos publicados nos jornais.

Tendo como exemplo quando as notícias sobre as transformações da Revolução Russa, em 1917, chegaram ao Brasil, o jornalismo passava pela transição do discurso opinativo para o discurso de imparcialidade, à procura de mais leitores e de publicidade. Além disso, também havia a mudança tecnológica, quando os jornais deixariam de ser artesanais para tornarem-se industriais.

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Mesmo que haja o ideal de imparcialidade, é importante analisar quais eram os objetivos do jornal e qual a linha editorial. Para que seja realizado um estudo sobre fatos históricos a partir da imprensa, é importante encontrar jornais que defendiam pontos de vista diferentes, para que um complemente as informações do outro e, até mesmo, confronte – isso mostrará como a mídia era ativa para transmitir a informação e formar opiniões. Os jornais não tinham como objetivo apenas influenciar e criar opiniões de revolucionários. Eles também buscavam atingir pessoas isoladas e segregadas da sociedade para que fossem engajados na ideologia que o jornal acreditava.

Iamara Andrade (2017, p.20-21), após estudar um breve panorama do noticiário no Brasil sobre a Revolução Russa, conclui que “é possível observar como a investigação desse conteúdo jornalístico pode indicar vestígios das formas como a imprensa brasileira construiu sua abordagem, consolidando valores, opiniões, ideias política, que perpassam pela história social do Brasil até o tempo presente”.

Considerações Finais

A Revolução Russa, embora estivesse ocorrendo em outro continente, impactou diversos países, servindo como inspiração e influência para trabalhadores ao redor do mundo. Este artigo, ao unir informações sobre a Revolução Russa, a imprensa tanto russa quanto a brasileira e o modo como a imprensa conta a História e deixa fatos registrados, com pontos de vistas e opiniões diferentes, busca promover uma reflexão sobre como a humanidade enxerga os processos históricos, mediados pela imprensa. Quem produz o registro tem grade influência sobre o modo que outras pessoas irão receber as informações. Neste ano, que é o centenário da revolução que causou diversas consequências no mundo, ainda é possível perceber o quanto a imprensa dos dias de hoje age da mesma forma que na Rússia há cem anos.

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CEM ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA: o olhar jornalístico brasileiro sobre o conflito

Gabriel Brum

Resumo

Este artigo propõe destacar e apresentar como a imprensa brasileira abordou a Revolução Russa, nos principais periódicos do país, entre os anos de 1917 e 1922. A necessidade de importar informações das agências de notícias internacionais, os textos opinativos dos jornalistas e o medo de que conflitos parecidos ocorressem no Brasil são alguns pontos abordados neste artigo. A linha editorial dos jornais também será ponto de análise, aqui sendo dividida em grande imprensa e imprensa operária, para podermos apontar as principais diferenças no tipo de abordagem do assunto em questão: a Revolução Russa.

Palavras-chaves: Centenário; Revolução Russa; Imprensa.

Abstract

This article proposes to highlight and present how the Brazilian press approached the Russian Revolution in the main periodicals of the country, between the years of 1917 and 1922. The need to import

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information from international news agencies, the opinions of journalists and the fear that similar conflicts occurred in Brazil are some points discussed in this article. The editorial line of the newspapers will also be a point of analysis, being divided in major press and the working-class press, so that we can point out the main differences in the type of approach of the subject in question: the Russian Revolution.

Keywords: Centennial; Russian Revolution; Press

Em busca de notícias: Revolução Russa na imprensa brasileira

Quando os primeiros conflitos e fatos começaram a acontecer na Rússia, os jornais brasileiros não tinham condições de mandar um correspondente internacional para apurar a guerrilha. Foi nas agências internacionais, como Havas e Reuters, que o Brasil conseguiu as informações para tratar do assunto nos periódicos nacionais. É importante notar que os conteúdos extraídos sobre a Revolução Russa eram apenas de países aliados, como Estados Unidos e Inglaterra, na Primeira Guerra Mundial.

Segundo Iamara Andrade (2017) a primeira notícia a circular em jornais brasileiros foi sobre a Revolução de Fevereiro (março para o calendário ocidental). O jornal baiano, A Cidade, divulgou a seguinte notícia: “O czar foi deposto. Rebentou uma revolução na Rússia”. A matéria falava sobre a derrubada do kaiser Nicolau II e a procura por estabelecer uma república de cunho liberal em seu lugar. Mais tarde, o jornal voltou a tratar do assunto e, como conta Andrade, o título da vez era “Não foi um puff alemão”, informando que havia sido instalado um novo governo no país europeu (ANDRADE,2017, p.63).

Sobre esse conflito de Fevereiro, periódicos internacionais trataram o assunto com bastante rigidez. Augusto Buonicore (2007) lembra que o italiano Corriere della Sera escreveu: “Os aliados, portanto, só tem a se alegrar com esse golpe deferido contra a Alemanha, o mais forte depois de Marne”. Já o inglês Evening Standard estampou: “Essa revolução não foi nem anti-dinástica, nem anti-aristocrática. Foi puramente anti-alemã”. Matérias como essa ajudaram a propagar teorias infundadas

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ao redor do mundo. Para Buonicor, o jurista brasileiro Ruy Barbosa foi um dos que aceitaram as informações como verdades absolutas:

Num primeiro momento, Ruy Barbosa parecia estar certo, pois o governo provisório dirigido pela burguesia liberal - e com participação minoritária dos socialistas reformistas - manteve todos os compromissos militares assumidos pelo czar. Mas isto estava longe de representar os verdadeiros interesses das massas populares que haviam posto abaixo a dinastia Romanov (BUONICOR, 2007).

Moreira e al., no artigo “Revolução Russa sob o olhar da imprensa” (2012), mostram que em algumas edições do jornal A Gazeta era possível ler trechos de jornais londrinos que se mostravam favoráveis à queda do czar, e que esse mesmo jornal noticiou que todos os ministros russos haviam sido presos pelo atual comandante do país, Martov Kerenski. A informação chegou à Gazeta através de um telegrama da agência de notícias americana Associated Press.

Após a queda do kaiser e a decisão do príncipe regente de não tomar posse, o governo provisório de Kerenski assume o comando da Rússia impondo uma série de medidas. As pesquisadoras (2012) lembram, também, que ainda no mês de março o jornal O Estado de São Paulo publicou a política provisória do novo governo. Entre os atos estavam a anistia geral para crimes políticos e históricos e a manutenção da disciplina militar no país.

Lênin aos olhos brasileiros

A divulgação das Teses de Abril, uma série de diretivas escritas por Lênin para responder aos questionamentos da população russa, catapultou o nome do líder bolchevique Vladimir Ilyich Ulyanov aos cinco continentes. Quem parece não ter gostado do que estava escrito foram os países aliados e as nações que dependiam desses governos, como era o caso do Brasil. A partir desse momento, o revolucionário russo começou a ser duramente criticado na imprensa mundial.

Em maio, no Brasil, o jornal A Noite divulgou o seguinte trecho numa matéria:

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Em certos pontos trabalhadores dirigidos por agentes alemães, quiseram fazer demonstrações contra a guerra, os demais operários protestaram, travando-se conflitos de certa importância que exigiram a intervenção da polícia (...) O correspondente de um jornal norueguês (...) anunciou também que foi assassinado em Petrogrado, ontem de manhã, o socialista Lênin, apontado como agente alemão (A Noite. 02/05/1917 apud BUONICORE, 2007).

Como forma de propagar uma ideia contra os valores bolcheviques no Brasil, a imprensa começou a atacar os movimentos realizados pelo grupo político. Buonicore explica que eles eram chamados nos países da América Latina, a maioria dependentes dos países aliados, de maximalistas.

Alguns diziam que era porque defendiam o programa máximo, outros porque era maioria (bolchevique) no Partido Social-Democrata. Existiam ainda aqueles que – mal informados – acreditavam que o termo se devia ao fato de serem discípulos do famoso escritor russo Maximo Gorki (BUONICORE, 2007).

O historiador relembra, entre muitos outros, ataques da imprensa nacional contra o líder revolucionário:

Jornais importantes, como o Correio da Manhã, não se furtavam de publicar coisas hilariantes como essa: “O célebre agitador Lênin faleceu em 1916 na Suíça e o falso Lênin que ultimamente tem agitado a Rússia não é outro senão um certo Zaberlun, antigo amigo de Lênin”. Era comum referência a Lênin como sendo judeu – uma clara tentativa de relacionar a revolução russa com um suposto complô judaico internacional para conquistar o mundo (BUONICORE, 2007).

A Gazeta também foi um dos periódicos que realizou uma série de

matérias criticando Lênin e o partido do qual ele era líder. A nota “A situação na Rússia” era publicada periodicamente pelo jornal para que o público não esquecesse das atrocidades ocorridas no país europeu. Moreira e al.

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(2012) apresentam, em sua pesquisa, algumas manchetes dessa seção: “Os bolcheviques perseguem ingleses e franceses da Rússia”; ”A czarina e suas quatro filhas foram assassinadas”; “ O Massacre na Rússia”; “Na Rússia praticam-se casos monstruosos em nome do socialismo”.

Essa seção do jornal teve fim alguns anos mais tarde, mais precisamente em 1918. Ainda segundo as autoras, a última matéria foi escrita por um correspondente do jornal estadunidense The New York Times. No texto ele fez um resumo da experiência vivida na Revolução Russa, detalhando os conflitos que presenciou. Detalhes esses indo contra a ideologia do partido bolchevique. É nítido que nessa época os periódicos, não apenas do Brasil, mas do mundo, falavam apenas do lado negativo do partido russo, não dando margem para destacar o lado positivo do poder.

Em novembro do mesmo ano (outubro para o calendário ocidental), Lênin consegue tirar do poder o governo provisório e assume o comando do país os jornais do mundo não veem outra saída a não ser divulgar a vitória do líder russo.

Nos primeiros dias que se seguiram a queda do governo provisório, as notícias começaram novamente a serem distorcidas. No dia 11 de novembro o jornal A noite anunciava prazeroso: “os cossacos, ajudados pelos minimalistas, estão prestes a dominarem os leninistas, com os quais têm travado batalhas nas ruas da capital” (BUONICORE, 2007).

O País, um dos principais jornais do país na época, afirmou: “O governo chefiado pelo Sr. Lênin reconheceu-se incapaz de deter as forças consideráveis de Kerenski” (...) “já não há dúvidas sobre a situação da Rússia: o sr. Kerenski dominará integralmente a desordem leninista”. (...) “Comunicações de fontes autorizadas aqui recebidas anunciam que o Sr. Kerenski, à frente de importantíssimas tropas, marcha sobre Petrogrado” (O País, 12/11/1917 apub BUONICORE. 2007).

O medo brasileiro de uma possível revolução

O povo russo quis lutar na Primeira Guerra Mundial, mas as consequências desse ato foram impensáveis. Fome, pobreza,

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racionamentos, desorganização econômica, passeatas nas principais ruas pedindo a renúncia do czar foram alguns dos ocorridos pós-Primeira Guerra Mundial. Segundo Andrade, uma situação que lembrava de certo modo a rotina dos brasileiros:

Enquanto chegavam as notícias da Revolução Russa, os operários brasileiros viviam em condições adversas de trabalho (insalubridade, baixos salários, jornadas de trabalho entre 10h a 12h) e enfrentavam um custo de vida considerado um dos maiores da história do Brasil, com os altos preços dos alimentos, dos aluguéis, do transporte, e tudo isso para sobreviver e alcançar os 25 anos, que era a expectativa de vida média do operário nesse período (CASTELUCCI, 2002, p.43 apud ANDRADE, 2017, p.65).

Andrade informa, também, que a população ficava receosa com a violência na Rússia devido ao que lia nos jornais. Uma matéria de um periódico baiano questionando a possibilidade de revolta no Estado aterrorizou o povo. A matéria falava “que mãos ocultas atearam fogo no rastilho das desordens na Rússia e chegaram até o Brasil com o intuito sinistro de atentar contra a segurança das classes conservadoras, determinando a paralisação de toda a nossa vida econômica” (ANDRADE, 2017, p.65).

Mas a revolta não acontecia apenas na Bahia, outros estados do país também passavam por situações complicadas. Em São Paulo, por exemplo, aconteceu o maior movimento de greve dentre todos os estados. Ocorreram no ato saques, deportações e até mortes. Isso tudo acontecendo no Brasil enquanto a Revolução estava em alta na Rússia. Ainda sem a existência de outros meios de comunicação, os jornais detinham o poder de informação do país. Vendo como a situação do Brasil era semelhante à da Rússia pré-revolução, é possível entender um dos motivos pelo qual a imprensa nacional sempre tratou o tema com veemência: o medo de acontecer o mesmo no país.

Se, anteriormente, foi falado que a imprensa queria evitar que os ideais da Revolução Russa chegassem ao Brasil, para não influenciar e instigar a população a fazer o mesmo, a reabertura do jornal A Plebe muda esse cenário. Após três anos desde a queda do kaiser, a

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Revolução ainda servia de inspiração para outras pessoas, mesmo que os responsáveis pela Plebe, anarquistas que eram, discordassem de alguns pontos de vista.

De volta à Bahia, o Sindicato dos Pedreiros e Carpinteiros e Demais Classes (SPCDC) publicou dois jornais no ano de 1920. O primeiro, com apenas três edições, chamava-se Germinal enquanto o segundo tinha o nome de A Voz do Trabalhador. Em um trecho do segundo periódico citado leia-se: “a Rússia vos vem visitar: a Rússia vos vem libertar, ó camaradas!... e é preciso preparardes uma vermelha recepção. Que vos falta? Organização apenas. Organização é a Lei e a Força dos Pequenos e dos Trabalhadores” (ANDRADE, 2007, p.68).

Período de conflitos, incertezas, insegurança que persistiu até o começo da União Soviética, em 1922. A imprensa brasileira, adotada pelo estilo norte-americano de fazer jornalismo, conseguiu conter os ânimos dos trabalhadores brasileiros. O começo da URSS simbolizava o sucesso do comunismo, medo de muitas nações capitalistas ao redor do mundo. Como sabemos, o modelo empregado pela União Soviética teve seu fim em solo russo, em 1991, e em nenhum momento foi imposto no Brasil.

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Referências Bibliográficas

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ANDRADE, Iamara. Ecos da Revolução Russa na imprensa brasileira. História e Cultura Franca, v. 6, n. 1, p. 61-82, mar. 2017. Disponível em:

https://ojs.franca.unesp.br/index.php/historiaecultura/article/view/1984 Acesso em 07 de maio de 2017.

BUONICORE, A. A Revolução Russa e a imprensa brasileira. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=1166&id_coluna=10 Acesso: 27 de abril de 2017.

LUCA, Tania Regina de e MARTINS, Ana Luiza (orgs.). História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.

MOREIRA, A. P. et al. Revolução Russa sob o olhar da imprensa. Disponível em: http://jornalehistoria.blogspot.com.br/p/revolucao-russa-1917.html Acesso: 02 de maio de 2017.

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A INFLUÊNCIA DA REVOLUÇÃO RUSSA NA IMPRENSA

BRASILEIRA

Lohana Rebelo

Resumo

Este artigo apresenta como os ideais de Marx e Engels influenciaram a imprensa revolucionária, durante a Revolução Russa, de 1917 e, consequentemente, o surgimento da imprensa revolucionária do Brasil e a fundação do Partido Comunista do Brasil.

Palavras chaves: imprensa revolucionária; jornalismo brasileiro; Revolução Russa.

Abstract

This article presents how the ideals of Marx and Engels influenced the revolutionary press during the Russian Revolution of 1917 and, consequently, the emergence of the Brazilian revolutionary press and the founding of the Communist Party of Brazil.

Keywords: revolutionary press; brazilian journalism; Russian Revolution

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Introdução

A maior influência da Revolução Russa na imprensa brasileira atingiu grandiosamente o jornalismo político, sobretudo aquele com viés anarquista e marxista inexistente no Brasil até então, e o jornalismo revolucionário. É necessário entender um pouco sobre o jornalismo revolucionário e seu poder perante a sociedade.

A imprensa revolucionária começou, em 1842, com Karl Marx, ainda jovem, que trabalhou com jornalismo político na Gazeta Renana1, como opção, já que não pôde realizar seu sonho de lecionar na Universidade. Chegou a ser redator chefe, apesar de sua experiência na Gazeta Renana ter sido breve. Na França, conheceu o amigo que levou para a vida, Friedrich Engels, juntos escreveram inúmeros artigos jornalísticos. Criaram um legado ao disseminar o seu conhecimento para o público.

A consolidação da imprensa revolucionária aconteceu quando Marx e Engels se envolveram no trabalho na Nova Gazeta Renana, de 1848 a 1849. Vladimir Lênin viria a considerar a Nova Gazeta Renana “o melhor, insuperável órgão do proletariado revolucionário”. Marx e Engels trabalhavam juntos e, desde o início de suas juventudes, tiveram consciência da necessidade do jornalismo como instrumento de orientação e de organização das lutas populares.2

A Nova Gazeta Renana foi o primeiro jornal revolucionário, que abordou de forma clara as lutas de classes e as questões políticas daquele momento. A imprensa começara a mostrar o outro lado, não somente informar, mas esclarecer, denunciar o próprio governo, educando a população a ter um olhar mais crítico perante as questões políticas e sociais.

1 - Gazeta Renana: Jornal com um cunho editorial reformista pró-democracia, provendo uma saída para a classe média e intelectuais da região do Reno, que cada vez mais se opunham ao autoritarismo Prussiano. Marx escreveu para o jornal seu artigo contra a censura do governo prussiano, publicado anonimamente com o crédito “por um renano” foi amplamente louvado pela comunidade progressista.

2 - Cadernos da Comunicação Série Memória. Imprensa Revolucionária: o jornal como agente politizador, 2008.

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Segundo o próprio Marx, o papel da imprensa “é ser o cão de guarda público, o denunciador implacável dos dirigentes, o olho onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade”. Essa perspectiva levou inúmeros jornais e partidos a assumir tal ideologia e disseminá-la para a população. Chega-se, assim, a outro personagem importante da imprensa revolucionária influenciado por Marx e Engels: Vladimir Lênin.

Em O que fazer com a imprensa3 Lênin nos diz quão importante é o jornalismo político:

O jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador social. Ele é, também, um organizador coletivo. Neste último sentido, ele pode ser comparado com os andaimes que são levantados ao redor de um edifício em construção, que assinalam os contornos, facilitam as relações entre os diferentes pedreiros, ajudam-lhes a distribuírem tarefas e a observar os resultados gerais alcançados pelo trabalho organizado. (LÊNIN apud BIANCHI, 2005, p.1)

Lênin fez um jornal de apelo popular para informar e disseminar os ideais do partido revolucionário russo, pois sabia do importante poder do jornalismo na sociedade. Obteve a ajuda de Leon Trotsky que, além de ter interesse pelo socialismo, era excelente jornalista. O jornal transformava o contexto social da massa através do que retratava, sendo de extrema importância para as lutas de classes e para retratar as questões políticas, só assim conseguiriam que a massa compactuasse com os seus ideais socialistas.

Influência na imprensa brasileira

A Revolução Russa causou muita curiosidade e admiração para uma parte dos jornalistas e trabalhadores da época, por ter sido considerado o primeiro movimento liderado por aqueles que trabalhavam, e sendo

3 - O que fazer com a imprensa: Livro de Vladimir Lênin escrito entre outubro de 1901 e fevereiro de 1902, publicado em março desse mesmo ano, em que o autor, através da crítica a uma recente ala dentro do movimento social-democrata russo, o economismo (como Lênin o chama), discute questões práticas acerca da revolução socialista no então cenário da Rússia Czarista.

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visto como início de mudanças significativas na relação do trabalhador com a sociedade. A imprensa tradicional, por outro lado, manteve uma posição mais conservadora, contra os Bolcheviques e Lênin, de forma imparcial, na tentativa de impedir algum movimento de ruptura por inspiração do exército vermelho.

No Brasil, não foi diferente, algumas publicações brasileiras mostraram sua admiração pela proposta revolucionária, como o artigo a seguir, publicado em um periódico alagoano de 1917.

O povo russo, num ímpeto de revolução verdadeiramente popular há poucos dias, acaba de dar ao mundo o exemplo mais grandioso e digno de ser observado por todos os ângulos da Terra e acompanhado no desdobramento dos seus ideais. Parece mesmo que na atual emergência, quando, afogando-se em sangue o Velho Continente, neste período mais agudo de loucura de destruir os esforços de tantos séculos de trabalhos e grandezas acumuladas, e num monstruoso contraste, redundou nesta presente calamidade em vez de paz, ele, o povo russo, desloca-se do conjunto infernal para retomar a verdadeira trajetória para onde se destinam os povos.4

O pensamento dos estudiosos e ativistas russos foram de extrema importância para o nascimento da imprensa revolucionária no Brasil. O jornal A Classe Operária5, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi fundado pelo jornalista Astrojildo Pereira Duarte Silva, grande defensor da revolução, em primeiro de maio de 1925. Silva participou de um Congresso Comunista, em Moscou, para que o Partido Comunista Brasileiro tivesse reconhecimento internacional, viu-se aí a necessidade de um jornal, nasceu, então, A Classe Operária, que se manteve até o período militar disseminando os ideais do comunismo e politizando os trabalhadores e a população.

4 - Artigo assinado por um alfaiate, chamado Gracindo Alves, no periódico operário anarquista de Maceió, capital de Alagoas: A Semana Social, “A Revolução Russa”, ano 1, nº 12, 14/07/1917, p. 03.

5 - Órgão oficial de comunicação do Partido Comunista do Brasil - PCB, o jornal A Classe Operária foi fundado em 1925 e sua primeira edição ocorreu em 1º de maio de 1925.

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Astrojildo Pereira Silva, além de ter sido um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro, foi grande crítico político e literário, escreveu para inúmeros jornais: Diário da Notícia, Diretrizes, as revistas

Problemas de Paz e do Socialismo e Estudos Sociais, entre outras, sempre tendo por base o socialismo da revolução russa.

Com o passar do tempo e o crescimento da imprensa anarquista, foi-se apurando melhor os fatos, e as matérias, notas e entrevistas sobre a revolução tornaram-se mais frequentes e abundantes, demonstrando o quanto os movimentos sociais e tudo o que acontecia durante e após a Revolução Russa interessava a algumas partes da população. Não se sabe, ao certo, quais eram os jornalistas que apuravam os fatos e construíam as matérias da época, mas, mesmo ocorrendo simultaneamente a Guerra Fria, entre União Soviética e Estados Unidos. Alguns consideravam a Revolução Russa o assunto mais importante, dando preferência a ele no noticiário, mesmo ocorrendo uma guerra maior que afetava o mundo inteiro, como demostra o texto de um publicação, de 1917, do jornal carioca O Cosmopolita.

Desejando investigar-lhes o pensamento acerca das ideias gerais, perguntei-lhes o que julgavam eles da guerra.

- Que os diabos a levem, retorquiram. Temos aqui uma guerra maior em que nos empenharmos, a guerra contra os capitalistas.

- Mas, afinal, sois a favor da paz em separado? - Favorecemos toda a espécie de paz, mas isso pouco

importa, porque é bem possível que sejamos todos mortos aqui, logo que o governo peça o auxílio das tropas para nos atacar; e morreremos todos, porque não somos covardes. 6

Boa parte da pequena burguesia brasileira apoiava a revolução, pois acreditava que esse caminho levaria a paz, aos arredores com os seus vizinhos alemães. Entretanto, o governo provisório não deu certo, o que levantou movimentos anarquistas mais radicais, liderados pelos próprios bolcheviques.

Ainda em 1917, o periódico A Plebe, de São Paulo, fez uma matéria afirmando que a revolução que acontecia na Rússia tinha que ir contra não só aos movimentos externos, mas internos também, pois além

6 - O Cosmopolita, “Um telegrama interessante”, ano 2, nº 14, 15/07/1917, p. 02.

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do colonialismo internacional, no caso da Alemanha, havia grupos internos conservadores, conflitos diplomáticos e ministros socialistas, que faziam parte de um grupo do governo provisório.

1º Os ministros socialistas foram enviados pelo Conselho ao governo provisório revolucionário com o mandato preciso de alcançar a paz por meio de um acordo entre os povos, e não de prolongar uma guerra imperialista em nome da libertação das nações pelas bayonetas;

2º O objetivo final da participação dos socialistas no governo revolucionário não é a cessação da luta de classes, mas pelo contrário a sua prolongação por meio de poder político. [...].7

Havia uma dualidade de poderes em que os “jornais maximalistas”8 exploravam, de um lado, os revolucionários e, do outro, os bolcheviques, anarquistas radicais que chegaram ao governo provisório com o intuito de levar paz, sem êxito. Infelizmente, na época, os jornais não forneceram muitas informações e não havia como saber se as fontes eram fidedignas, pois também não eram reveladas. Porém os relatos eram de que os socialistas fomentavam a revolução para que a luta entre burgueses e operários continuasse.

As polêmicas em torno da guerra mundial na Rússia daquele momento – declaração datada de 11 de junho – foi um dos assuntos mais delicados nesta “dualidade de poderes” dentro do país. Trotsky comenta os impasses desta dualidade, em que ou a burguesia se apoderava totalmente do aparelho de Estado e suprimisse os sovietes, ou os sovietes constituiriam as bases do novo Estado, liquidando as classes que se serviam do aparelho antigo, solução está, segundo ele, defendida pelos bolcheviques e rejeitada pelos mencheviques e socialistas revolucionários 9.

7 - A Plebe, “Ao redor da epopeia russa: avanço ou recúo?”, ano 1, nº 11, 25/08/1917, p. 04.8 - Maximalistas era como o jornal chamava os bolcheviques, pois defendiam o programa

máximo socialista. Notícia de novembro de 1917: “A situação na Rússia: o governo provisório de Kerensky foi derrubado - maximalistas assumem o poder” (Estado de São Paulo, O Jornal Cobriu duas Guerras Mundiais, 2012)

9 - Cadernos da Comunicação Série Memória. Imprensa Revolucionária: o jornal como agente politizador. 2008

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Uma das maiores influências que a Revolução Russa deixou para Brasil, além da imprensa revolucionária, foi o interesse sobre o movimento anarquista, que foi crescendo em uma parte da população, conforme o desenrolar da referida revolução. Até mesmo um jornal anarquista dos trabalhadores foi criado no Rio de Janeiro, o já citado O Cosmopolita10.

Em 1917, ainda, outro jornal anarquista O Debate, do Rio de Janeiro, publicou uma carta que seria de Lênin, aos socialistas suíços para esclarecer as calúnias de que estava a comando dos alemães e esclarecendo, também, os objetivos do seu partido, defendendo a paz e a independência das colônias como o próprio periódico explicou, em nota, relatando que a sua fonte foi A Sementeira, um jornal lisboeta. Abaixo, trecho da publicação.

A garantia única contra o estabelecimento do despotismo czarista está na organização e armamento do proletariado russo. Só o proletariado russo e europeu que se conservou fiel á bandeira internacional revolucionaria é que pode libertar a humanidade da brutal violência desta guerra europeia”. [...] “No n. 47 do “Social-democrata”, respondemos abertamente ás perguntas que nos foram feitas sobre o que faria o nosso partido, si alcançasse imediatamente o poder: Dissemos: 1º Oferecer a paz a todos os povos beligerantes; 2º Propor a proposito as seguintes condições: a) proclamação imediata da independência das colônias; b) libertação dos povos oprimidos, com restituição dos seus direitos. Daríamos o exemplo imediato, libertando os povos oprimidos pelos grandes russos.11

10 - Jornal feito por trabalhadores e para trabalhadores, o periódico aborda diversos temas de cunho político e social, como, por exemplo, as transformações decorrentes ao processo revolucionário russo de 1917. Contém poesias, contos e diversos anúncios comerciais.

11 - O Debate, “Os factos do exterior: uma carta programma de Lenine”, ano 1, nº 15, 27/10/1917, p. 09.

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Essa carta mostra um Lênin oposto às acusações da “imprensa alliadófhila”,12 principalmente por falar da independência das colônias, dos seus ideais libertários de autonomia da população, da luta dos oprimidos contra os opressores – ideais originados por Marx -, unindo o proletariado, em busca de liberdade, pois um dos principais lemas do anarquismo é separar para unir-se voluntariamente, “só pode nascer do livre acordo, da harmonização espontânea e desejada dos interessados” (MALATESTA, 2000, p. 29).

No ano de 1918, poucas foram as publicações sobre a Revolução Russa, pois o estado de sítio no país dificultou muito o trabalho da imprensa anarquista. Somente O Cosmopolita trouxe uma matéria de importância, naquele ano, sobre o que acontecia na Rússia, com um relato de uma testemunha da Revolução Russa.

[...] Confiando pouco no valor do papel depois da guerra, os “novos ricos” se apressavam em dissipa-lo nos jogos imediatos. E era de ver, então, como eles afrontavam o povo com o seu luxo insolente e ás vezes criminoso. (Eu diria: -- sempre criminoso.). Nunca se viram circular pelas ruas tantos automóveis, nem tantos diamantes a faiscar nos colos das mulheres. Os teatros regorjeavam de espetadores. Uma orgia perene teria nos restaurantes da moda. Pagavam-se 100 rublos por uma garrafa de champanhe (200 francos); e os convivas divertiam-se a derrama-lo em ondas... [...] Durante esse tempo a fome se anunciava ameaçadora. Não que faltassem à Rússia os elementos necessários à sua subsistência; mas a imperícia governamental, o sistema de vexata levado ao cumulo, a avidez insaciável dos açambarcadores e prováveis convivências com o inimigo entravavam o seu abastecimento. [...].13

12 - Os editores de O Debate referem-se nessa ocasiãoà grande imprensa, ou seja, “alliadófhila” por essa imprensa defender a posição dos aliados na guerra mundial.

13 - O Cosmopolita, “A Revolução Russa (vista por uma franceza)”, ano 3, nº 36, 20/07/1918, p. 01.

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Outros periódicos tradicionais, como o Gazeta e O Estado de São Paulo, também noticiaram a Revolução Russa tendendo, primeiramente, para o lado do regime socialista, porém, de forma bem mais branda, do que a imprensa revolucionária. Após a queda do Czar e a divisão dos Bolcheviques e Mencheviques, a imprensa tradicional foi claramente contra os Bolcheviques, que eram defendidos pela imprensa revolucionária.

Um dos argumentos da imprensa tradicional para atacar os Bolcheviques era a censura imposta, impedindo o jornalismo de cumprir o seu papel informativo. Dessa forma, só era relatado o que havia de ruim no Governo Bolchevique, levando a população a crer que socialismo era algo ruim, opressivo e criminoso, de forma tendenciosa.

Toda a cobertura brasileira da Revolução Russa foi executada por meio de agências de notícias internacionais, até mesmo por limitações econômicas e tecnológicas do jornalismo brasileiro da época. Assim, as informações eram breve e superficiais, sem muitas investigações e, muitas vezes, com desconhecimento do que ocorreu de fato.

O Brasil acompanhou a queda do Czar e a deposição de Kerenski [chefe do governo provisório na Rússia] com a retina de Havas, United Press e outras agências internacionais. A imagem da revolução russa, que projetavam, era a imagem que as altas finanças de New York, Londres e Paris dela faziam. O volume de mentiras era de tal monta que Gilberto Amado escreveu na Gazeta de Notícias: “A United Press e a Havas continuam a nos julgar indignos da verdade, pobres bugres que convém manter no alheamento completo do que se passa no mundo”. (BANDEIRA, 1980, p. 73).

Parece visível a diferença de ideologia e a abordagem dos fatos dos periódicos direcionados aos trabalhadores e à população mais simples, pela grande imprensa, comandada por conglomerados. Mais uma vez, na história, o sistema tenta abafar ou utilizar os meios de comunicação como ferramenta de controle da população e de suas ideologias, impedindo implicitamente qualquer ato subversivo.

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Considerações finais

A Revolução Russa foi de extrema importância para o Brasil, não só para a imprensa brasileira, como também para a política, por ter sido a principal influência para que o grupo de Astrojildo Pereira fundasse o Partido Comunista Brasileiro, mesmo depois de inúmeras mudanças e movimentos separatistas. Dos dois lados, tanto o PCB e o PCdoB mantiveram em sua pauta as ideias socialistas. Além disso, foi um acontecimento que disseminou um outro pensar sobre a política, fora da hegemonia estadunidense, fazendo crescer interessados, em diversas camadas da sociedade, trazendo um novo conhecimento e um olhar sociológico maior sobre algumas classes, e, orientando o proletariado sobre os seus direitos, contribuindo para que, posteriormente, com o aprimoramento desse conhecimento, fossem criados os sindicatos.

No que diz respeito à contribuição direta ao jornalismo nacional, a Revolução fomentou o crescimento do jornalismo anarquista e revolucionário, através de inúmeros jornalistas que abraçaram a causa, escrevendo artigos e matérias, documentos importantes, hoje, fontes de pesquisas e estudos. À época, o aprimoramento de um olhar político e social da imprensa, que influenciou e modificou o contexto social, por conta do seu poder crítico e informativo, particularmente, em um país pobre, onde a maioria da população não era alfabetizada, a imprensa não só informava como, também, educava.

Saliente-se, também, o desenvolvimento da comunicação entre países, para poder noticiar o que acontecia do outro lado do mundo, mesmo com a precariedade das ferramentas existentes, frente à necessidade de apuração dos fatos.

Além disso, podemos verificar que esse momento histórico foi um divisor de águas, pois intensifica-se uma divisão de crenças na imprensa, graças aos ideais propostos pela Revolução Russa.

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Referências Bibliográficas

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Biblioteca Digital da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Disponível em: (https://bibdig.biblioteca.unesp.br/

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Portal Vermelho. Astrojildo Pereira: A Revolução Russa e a Imprensa.

Disponível em: (http://www.vermelho.org.br/noticia/272442-381). Acesso em maio de 2017.

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JORNALISMO BRASILEIRO E REVOLUÇÃO RUSSA: um olhar construído por diversos olhares

Érica Oliveira FortunaLuana Vitória Ucha

Guilherme Cazé

Resumo

O presente artigo busca entender como se deu, em primeira instância, a construção do olhar jornalístico brasileiro sobre a Revolução Russa, de 1917. Para isso, foi necessário esclarecer a decorrência do movimento que influenciou o comportamento social e político mundial, além de resumir a postura dos principais jornais brasileiros, com seus apoios e posições contrárias ao que ocorria.

Palavras-chave: Revolução russa; jornalismo; imprensa brasileira; agências de notícias internacionais.

Abstract

This article tries to understand how the Brazilian journalistic view of the Russian Revolution of 1917 was constructed in the first instance.

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For this, it was necessary to clarify the result of the movement that influenced the world social and political behavior, in addition to summarizing the position of the main Brazilian newspapers, with their support and positions contrary to what happened.

Keywords: Russian revolution; journalism; brazilian press; international news agencies.

Introdução

No início do século XIX, a Rússia encontrava-se atrasada econômica, política e socialmente, com o poder monárquico absolutista como sistema de governo. Até o fim do século, o país passou por investimentos industriais, sob o comando do czar Nicolau II, que permitiu a entrada de capital estrangeiro na economia russa. Apesar dessa decisão ter tido consequências positivas, uma burguesia fraca, política e economicamente, surgiu, ao mesmo tempo em que se formou um proletariado forte e combativo. Politicamente, as diversas tendências partidárias motivaram uma nova fase de poder na Rússia.

Ideologia russa e desenrolar do jornalismo no Brasil

O ano de 1917 foi marcado como sendo o estopim para o desenvolvimento de uma nova sociedade no antigo império russo que ultrapassou as fronteiras do país e influenciou o mundo todo. Depois de muita luta política interna, a revolução de 1905, conhecida como “Domingo Sangrento”, e a derrubada da aristocracia, em 1917, com a consequente abdicação de Nicolau II, o poder da Rússia passou para o partido dos Mencheviques, cuja liderança mais conhecida era formada por Kerenski e Lvov, até firmar-se com os Bolcheviques, liderados por Vladimir Lenin e Leon Trotski, resultando na Revolução de Outubro que, de acordo com Hobsbawm (1995), produziu de longe o mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna. Assim, o poder passou do regime liberal burguês para o operário socialista, marcando, na História, uma possível “queda” do

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capitalismo, defendida por Hobsbawm. O olhar paralelo dessa nova forma de governo se tornou, inevitavelmente, uma subversão ao sistema capitalista predominante, atacando fortemente as ideologias burguesas e, consequentemente, influenciou os destinos da política em muitos países dominados pela mediocracia capitalista.

A Revolução Russa de 1917 aconteceu em meio (e também em consequência) da Primeira Guerra Mundial, que causou mudanças na geopolítica europeia. A nova República Soviética tomou posição com os aliados na então Tríplice Entente (Reino Unido, França e Império Russo), gerando uma ação duvidosa sobre os acontecimentos no país, a partir das notícias vinculadas aos meios de comunicação da época. As agências de notícias tinham como base as grandes economias europeias e estadunidense. Com a chegada de um novo sistema, os jornais internacionais continuaram a transmitir as informações de empresas como Reuters, Havas, Associated Press e United Press, apesar destas escreverem de acordo com sua própria percepção. A Grande Mídia, veículos que dirigem seus pensamentos a um grupo, sendo correntes dominantes, usufruía das grandes chamadas e incentivos publicitários para o seu desenvolvimento e continuação.

A grande imprensa da época também passou por transformações. Com a guerra e o novo cenário político mundial, os jornais tiveram que se adaptar economicamente para crescerem juntamente com a economia capitalista. O Brasil não ficou de fora dessas transformações. Muitos jornais se consolidaram nas primeiras décadas do século XX, em decorrência não só das mudanças econômicas e políticas internas no país, como também da busca de informações pelos leitores sobre o que acontecia em outros países, entre eles a República Soviética Russa e países europeus que passavam por conflitos políticos, como a Alemanha e a Inglaterra.

Com isso, a compra das notícias internacionais marcou a diferença de mídia no Brasil. A opinião de uma marca de jornal valia mais que o próprio jornal, estimulando uma visão de controle midiático. Jornais importantes da época como O Estado de S. Paulo e o Correio da Manhã seguiam a linha de ‘lucradores midiáticos’, o que ocasionava publicações contraditórias sobre o que ocorria na Europa do século XX, em relação às lutas internas que ocorriam no Brasil entre os operários e as classes sociais dominantes no país. A revolução ajudou na instauração de

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grupos anarquistas brasileiros, formados inicialmente por imigrantes italianos, que influenciaram a criação de partidos políticos à esquerda que, por sua vez, passaram a se manifestar também em pequenos jornais que expressavam seus ideais político-partidários.

A chegada de informações precisas sobre o que acontecia na ex-Rússia czarista por meio das agências de notícias, todas elas surgidas em sociedades capitalistas, levou os movimentos à esquerda, no Brasil, a lançarem seus jornais que seriam os porta-vozes de seus ideais revolucionários. Da mesma forma, houve, em contraposição, um fortalecimento das publicações liberais e de direita. Os ideais da Revolução Russa se espalharam por muitos movimentos sociais e sindicais brasileiros, reforçando a atuação política desses grupos e influenciando os partidos liberais e republicanos. A euforia de um movimento libertário marcava uma geração de convictos pensadores sociais. No Brasil, essa expansão igualitária de pensamento chegou até a década de 1930 entre os jovens intelectuais de famílias da oligarquia latifundiária e oficiais subalternos do exército (MARTINS RODRIGUES, 1984, pp.390-7).

A Revolução Russa, depois de influenciar o movimento anarquista no Brasil, levou alguns ex-anarquistas a criarem em 1922 o PCB – Partido Comunista Brasileiro, que, de imediato, não foi reconhecido pelos soviéticos como defensores dos ideários comunistas. Fizeram parte desse grupo inicial ex-anarquistas como Astrojildo Pereira, Cristiano Cordeiro e João da Costa Pimenta. Outros continuaram leais ao anarquismo, que também teve uma forte presença nos anos iniciais que levaram à Revolução Russa.

Alguns escritores e jornalistas também aderiram aos ideários da Revolução, como o jornalista Lima Barreto, que tinha como necessidade escrever literaturas que seguiam as tendências para uma mudança social, esta que se baseia na transformação de práticas e costumes defendidos por classes específicas. Já o jornalista Astrojildo Pereira defendia a Revolução Russa e Lênin, produzindo textos para os principais jornais do Rio de Janeiro usando, devido à censura imposta aos jornais de direção socialista, o pseudônimo Alex Pavel. Ambos, apesar de não seguirem o tradicional capitalismo inglês e estadunidense, agregaram valor à imprensa brasileira pelos textos escritos e pelas suas posições frente às matérias vindas do exterior.

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O anarquismo e o comunismo são, de certa forma, produto de meados do Século XIX e início do Século XX. Mas a ideia de socialismo e de uma sociedade igualitária e solidária vem de muito antes. Já na passagem do Século XVIII para o Século XIX surgiram os primeiros pensadores igualitários, os chamados “Socialistas Utópicos”. Estes como Saint Simon (1760-1825), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que escreveu obras famosas, entre elas “Contrato Social”, Charles Fourier (1772-1837) e o precursor do anarquismo, Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Na segunda metade do Século XIX, Karl Marx e Friedrich Engels estabeleceram as bases teóricas do Socialismo com uma crítica até hoje essencial à economia capitalista. Com o desenvolvimento da justiça e da paz para controlar os “poderosos e fracos”, a liberdade civil seria o direito necessário ao povo depois da perda da sua liberdade natural, que seria, basicamente, uma liberdade de vida sem demonstrações de superioridade, indecisão e infelicidade.

Esses direitos, por si só, podem ser caracterizados como direitos providenciados pelo Estado, visto que este atua em áreas essenciais para a harmonia da sociedade, como educação, trabalho, saúde, moradia e alimentação. A centralidade do Estado torna o povo dependente de um sistema até então solidário e único em distribuição de rendas e produtos. O Socialismo Marxista chega com a ideia do término da luta entre classes, o que também era, de certa forma, defendido pelo Contrato de Rousseau, já que o filósofo considerava, por exemplo, a propriedade privada um mal para os homens. Com o desenvolvimento da presença proletária nas mudanças da comunidade, o socialismo alcançaria o comunismo de uma forma relativamente lenta e gradual. Como foi visto, o modelo segue uma determinada instância até a elaboração de novas normas, como o comunismo em si e o anarquismo.

Como foi apresentado, figuras importantes brasileiras também seguiram essas ideologias e alguns até se tornaram líderes de bancadas ativistas, mas deve-se entender também que esse período foi marcado por repreensões por parte da polícia a mando do governo. Jornais fechavam diariamente por conta das pressões estabelecidas em volta das publicações comunistas. As ideias dificilmente divulgadas apropriavam-se das críticas sociais e das críticas sobre o que se passava no “país mãe”, berço do movimento operário russo e, por fim, brasileiro também. O sindicalismo, aliado aos empregados, também repudiava a

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burocracia e os envolvimentos políticos, contribuindo para a luta da melhoria de vida do trabalhador.

A atividade jornalística dos anarquistas, como de outros militantes é voluntária. Seus colaboradores, fazendo do jornal um meio de luta, redigem, imprimem e distribuem no pessoalmente, pois nem todas as bancas aceitam vendê-los, na maior parte das vezes por temor à represálias policiais. Os recursos advindos da venda do periódico são usados para a sua própria sobrevivência. (...) Além de articular entre si seus próprios periódicos, esses militantes entrosam-nos com outros, livre pensadores, liberais, culturais, literários, socialistas e divulgando-a anunciando seu lançamento, comentando artigos ou criticando-os quando se posicionam de formas contrárias em relação a determinadas questões. (...). (KHOURY, 1988, p. 84 e 86).

Dessa forma, pode-se compreender as divergências que ocorriam na época em relação aos movimentos socialistas e comunistas e aqueles que eram a favor de uma imprensa clara, a respeito do que ocorria na “grande Rússia” e, também, sobre aqueles que apoiavam uma ditadura, por assim dizer, do proletariado, que seria desenvolvida futuramente. Esclarecendo a postura da imprensa, principalmente dos grupos militantes que foram formados na época no Brasil, com base na conduta russa do século XX, é possível entender a ligação entre uma grande mídia e às pequenas que não se mantinham devido à censura, perante os novos caminhos de revolução social.

Produção de verdade em tempos de Revolução Russa

A Revolução Russa, que surgiu e foi influenciada pela Primeira Guerra, teve grande repercussão mundial e as informações eram distribuídas aos países por meio das agências internacionais de notícias. Segundo Leandro Ribeiro Gomes (2012. p.12), “devemos levar em conta o grau de intensidade das expectativas e temores que

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ela [a guerra] suscitou; a importância que atingiu as suas polêmicas na sociedade, o que ajuda a entender a rapidez de sua ‘expansão global”. Isso porque, de acordo com Hobsbawn (1995), a preocupação da época girava fundamentalmente em torno dos impactos decisivos que os conflitos teriam na história, tendo em vista a possibilidade de haver a desvalorização do capitalismo e suas consequências nas esferas mundiais.

A revolução assustava muita gente porque representava uma ameaça a regimes políticos consolidados e a ordem social de outros países. As agências de notícias utilizadas eram a fonte de informação essencial advindas do exterior a serem utilizadas pela imprensa brasileira nesse período de guerra. Como todo processo comunicacional é um sistema que envolve apropriação, interpretação e emissão para gerar uma nova apreensão, está permeado por visões de mundo que podem alterar (conscientemente ou não) o teor das informações iniciais. Partindo desse pressuposto, as notícias que chegavam ao Brasil poderiam não conseguir traduzir a integralidade dos fatos.

No início do século XX, os jornais impressos e periódicos eram as principais fontes de informação sobre a Revolução Russa. Por isso, constituem importantes registros históricos que funcionam como base de pesquisa sobre os relatos da guerra, inclusive para o estudo e a avaliação das repercussões e impactos da referida revolução no movimento operário brasileiro, durante o seu período de acontecimento (GOMES, 2012).

Nesse sentido, os impactos e repercussões da guerra sentidos no Brasil, podem ser encontrados nos relatos jornalísticos da época, que compunham não só informações sobre uma realidade como também as visões de mundo tanto dos repórteres que transmitiam a informação pela agência de notícias como daqueles que recebiam e escreviam para os impressos brasileiros. Era inevitável que os relatos chegassem às pessoas sem estarem recheados de posicionamentos políticos, por mais objetivo, imparcial e isento que o jornalista tentasse ser.

Sob esse viés, existia uma “corrida” ou “disputa” pela “verdade dos fatos”. Esmiuçando esse pensamento, Ferro (1984) escreveu:

Nada se sabia do regime instituído na Rússia. Quanto mais a direita multiplicava as informações inquietantes

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sobre o regime dos sovietes, tanto menos a opinião militante de esquerda estava disposta a escutá-las. Ela havia sido excessivamente manipulada. Para os trabalhadores, para seus dirigentes, para os que estavam acostumados a falar em nome do povo, o período imediatamente seguinte ao final da guerra comportava muitas desilusões, muitos fracassos, com a vitória da direita na Câmara francesa, a ascensão do fascismo na Itália; e isso impedia que o mito da Revolução fosse abalado. Ele era ainda mais necessário para os que tinham esperanças. Em face das informações negativas provenientes da Rússia, e que só podiam ser emitidas “pelos inimigos da democracia”, constituiu-se uma espécie de frente da recusa contra todos os emissores de más notícias (...). (FERRO, 1984, p. 58).

Sendo assim, as discussões acerca da verdade estavam presentes nos relatos e permeavam as matérias jornalísticas. De qualquer forma, o “mau” jornalismo quando evidenciado tentando influenciar pessoas, era rechaçado por seus leitores, enfatizando a necessidade quanto à imposição de critérios de isenção na imprensa.

Repercussão da Revolução Russa no jornalismo brasileiro

Em uma época na qual não se tinha uma tecnologia comunicacional avançada, transmitir informações entre continentes era uma árdua tarefa. No período da Revolução Russa, as notícias, muitas vezes, chegavam aos jornais brasileiros de maneira deturpada, sem uma boa apuração dos dados. A partir desse fato, muitos impressos mudavam diariamente sua colocação perante a Guerra. Os primeiros acontecimentos da Revolução Russa foram associados a Guerra Mundial, tendo suas notícias divulgadas nas seções que tratavam do assunto. No jornal A Cidade (Salvador), o evento recebeu a manchete “O Czar foi deposto. Rebentou uma revolução na Rússia. Faltam Pormenores”. No dia seguinte, o mesmo periódico trazia na capa o título “Não foi um bluff alemão”,

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esclarecendo que havia sido confirmado a instalação de um novo governo russo.

Na segunda metade da Guerra, quando a Rússia estava passando por problemas internos, o país começou a se afastar do movimento, gerando uma tensão entre a União Soviética e os outros países envolvidos. Devido à grande influência e parceria com os Estados Unidos, alguns dos grandes jornais brasileiros retratavam os acontecimentos da Revolução Russa sempre de maneira pejorativa e depreciativa. Os Aliados na Primeira Guerra eram os que forneciam notícias para o Brasil, logo, as informações recebidas tinham sempre a visão dessas companhias.

Não eram todos os jornais que iam contra a revolução, no período entre outubro a dezembro de 1917, o jornal Diário Popular, foi o que mais postou notícias sobre a revolução, por meio de telegramas. Os dias 10, 11 e 12 de outubro foram os que mais tiveram publicações sobre as greves na Rússia. Por conta da grande repercussão nos jornais, o proletariado brasileiro organizou uma greve geral no Brasil no mesmo ano. O movimento foi feito por operários de indústrias, camponeses e trabalhadores rurais, no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, reivindicando direitos trabalhistas, o fim da exploração de menores e diminuição da carga horária. Com isso, foi possível entender o poder que a imprensa tem em disseminar ideologias.

Considerações finais A partir do que foi apontado, percebe-se que o jornalismo

brasileiro recebeu grande influência dos acontecimentos russos, estes sendo responsáveis para o desenvolvimento do modo de fazer jornalismo no país. Com a necessidade de se montar uma postura séria para o esclarecimento dos fatos ocorridos durante o período da Revolução, o Brasil experimentou diversas opiniões em jornais favoráveis e contrários ao que acontecia no outro lado do globo. Pode-se entender, também, a participação das agências internacionais e na colaboração que estas deram ao jornalismo como um todo, a partir do compartilhamento de informações.

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Referências bibliográficas

GOMES, Leandro Ribeiro. Libertários e Bolcheviques: a repercussão da Revolução Russa na imprensa operária anarquista brasileira (1917-1922). 2012. 242f. Dissertação de mestrado – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 2012.

Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Russa_de_1917 – acessado em 11/04/2017.

http://wp.ufpel.edu.br/ndh/files/2017/02/06.-Adriano_Belmudes_Antunes.pdf

h t t p : / / w w w. ve r m e l h o . o r g . b r / c o l u n a . p h p ? i d _ c o l u n a _texto=1166&id_coluna=10 – acessado em 11/04/2017.

http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/282360/Como-a-Revolu%C3%A7%C3%A3o-Russa-que-faz-100-anos-influenciou-o-Brasil.htm – acessado em 11/04/2017.

http://jornalehistoria.blogspot.com.br/p/revolucao-russa-1917.html - acessado em 10/05/2017.

https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/94089/gomes_lr_me_assis.pdf?sequence=1 - acessado em 10/05/2017

HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: SCHWARCZ S.A, 1995

KHOURY, Y. M. A. Edgard Leuenroth: uma voz libertária – imprensa, memória e militância anarco-sindicalistas. (Tese de Doutorado). USP, São Paulo, 1988.

Parte II

REPORTAGENS

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NAÇÃO VERMELHA

Por Gustavo Barreto

Um reino maior do que qualquer outro no mundo: suas terras se expandiam pelo extremo da Ásia até desembocar no lado oriental da Europa. Um império comandado por uma família real acima da população por poder político e “providência divina”. Esse clã, aliás, tinha seus alicerces interligados a todas as mais antigas monarquias da Europa, laços esses construídos à base de casamentos montados com certo planejamento político, um hábito antigo proveniente da Idade Média que sobreviveu à aurora de um novo século.

Essa pode parecer a descrição de um reino ficcional, cuja origem pode ser encontrada nas obras clássicas de Sir Thomas Mallory e seu “La morte d´Arthur” ou no manual de como um governante deve se portar, escrito por Nicolau Maquiavel, “Il Principe”. Mas é a descrição de como a maior parte das antigas monarquias europeias via o mundo e como eles se viravam para perpetuar sua linhagem. Entre tantas, a que mais se destacava por seus hábitos rígidos era o clã Romanov, cujo poder se estendia por todo o território da atual Rússia.

Para o professor Paulo Victor Macedo, 26 anos, a origem desse povo advém de uma cultura não ligada diretamente à Europa medieval. “A Rússia foi fundada por eslavos vindos do norte, provavelmente vikings, que saíram do norte da Europa e chegaram até onde é a Ucrânia atual. Lá fundaram o império kievan russo”. Já a professora Juliana Sant ´Anna, 32 anos, destaca: “A Rússia contava com uma liderança política centralizada nas mãos do Czar (Nicolau II). Esse, por sua vez,

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se apoiava na influência política de uma elite agrária tradicional, que se articulava em funções administrativas”.

O controle dessas elites agrárias se fazia sentir principalmente pela economia russa ainda estar bastante atrasada em relação à dos outros impérios europeus ou até mesmo dos Estados Unidos. Se, por um lado, a Inglaterra, por exemplo, havia liderado o mundo em uma inédita revolução industrial na qual a mão de obra bruta dos trabalhadores vindos do campo fora substituída por um novo maquinário, na Rússia, essa modernização ainda não tinha se estabelecido e a economia ainda tinha suas bases fincadas na agricultura.

Para a professora, mesmo a economia dependendo do camponês, a vida para ele não era fácil. “A maior parte da população pertencia a uma base agrária bastante explorada, ainda que no século XIX o Estado tenha oferecido pequenas reformas que pouco modificaram de fato a vida da população. Havia uma burguesia industrial concentrada em algumas cidades, porém com pequena representatividade”.

Se a economia e os níveis de satisfação da população não andavam os mais altos, a opulência oferecida pela corte na sua vida diária chegava a níveis exorbitantes. Festas com diversos tipos de alimentos, que quase sempre sobravam e eram jogados fora, constantes viagens ao exterior e gastos nas manutenções dos grandes palácios residenciais e de férias só faziam aumentar a dívida da coroa para com bancos estrangeiros e o esforço da população em produzir algo para fechar a conta e ainda assim não morrer de fome. A família real, por sua vez, era formada pelo Czar Nicolau II, pela rainha Alexandra Feodorova e pelos filhos Olga, Tatiana, Maria, Anastásia e Alexei Romanov.

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O quadro geral indicava que o século XX seria mais um período de atraso para a Rússia e de servidão medieval para a população, entretanto um fato mudou a história do país e do mundo. Em 28 de junho de 1914, o arquiduque do império Austro-Húngaro (soberano em toda a área do sudeste europeu), Francisco Ferdinando, fora alvejado por Gavrilo Princip em uma visita a novos museus na cidade de Sarajevo, na Sérvia. Esse homicídio gerou comoção em todas as monarquias europeias por se tratar da morte do herdeiro cuja casa possuía várias ramificações, entre elas a casa Romanov.

Como consequência, tanto por esse fato quanto pelo cenário global em que esses países repartiam partes da África e da Ásia em uma corrida imperialista, a Áustria-Hungria invadiu a Sérvia como uma forma de retaliação ao homicídio do herdeiro do trono, deflagrando assim um grande conflito. Ao seu apoio vieram o império alemão (comandado pelo kaizer Guilherme II) e o reino da Itália (sob o comando de Vitor Emmanuel III), formando assim a tríplice aliança.

O império russo se uniu ao Reino Unido e à França, no que ficou conhecido como a tríplice intente. Nos primeiros dois anos de conflito, a Rússia se mostrou uma aliada instável. Se, por um lado, seu enorme contingente era uma vantagem, por outro, sua modernização precária, a má alimentação por parte das tropas e as crescentes dívidas acumuladas pelo governo levaram à mobilização de vários setores da população, pedindo pelo fim da participação russa no conflito.

É só então que Vladimir Ulyanov (Lênin), retornando de um exílio na Suíça, começa a fomentar o que seria um levante do proletariado contra os abusos do governo. Essa nova revolução encontraria bases nas teorias do manifesto comunista elaborado por Karl Marx e Friedrich Engels em 1848. A professora Juliana Sant´Anna explica qual a diferença essencial entre o comunismo e o socialismo. “O socialismo é entendido como uma etapa transitória para o comunismo. Para tal prática ocorrer, é necessário que haja um momento de ápice do próprio capitalismo industrial. Esse cenário não era visto na Rússia pré revolucionária”.

Em 27 de fevereiro de 1917, uma multidão tomou de assalto o palácio Tauride, local de reunião da Duma (câmara baixa da assembleia federal). Temendo um possível massacre, a família real tentou abandonar o solo russo, mas foi rapidamente detida por membros do partido Bolchevique e levada para a casa Ipatiev. Lá, todos foram

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encarcerados em quartos. A ração era a mesma usada na alimentação dos soldados no front, os guardas faziam desenhos e pronunciavam ofensas para as filhas do Czar, os poucos jornais a que o deposto imperador tinha acesso faziam constantes alusões a possíveis traições da rainha e à perda de virgindade das filhas.

Após receberem uma transferência para as prisões da instalação, a família real russa foi executada, um membro de cada vez, até sobrar apenas Nicolau, que, antes de morrer, teria apenas dito: “O quê? O quê?”. O professor de geografia, Paulo Victor Macedo, analisa o que levou à execução da família real. “O novo governo Bolchevique sabia que a existência do Czar e da família representaria uma deslegitimação do novo regime, logo a decisão de executa-los não foi um ato impensado”.

Ao contrário do que se acredita, o processo de conversão do estado russo monárquico para um novo modelo baseado na total igualdade da população, em que a produção do trabalhador a ele pertencia, não foi feito da noite para o dia. Até o governo Bolchevique conseguir instaurar seu modelo em todo o território do império levou ao menos cinco anos.

Nesse meio tempo, o novo governo, liderado por Lênin, conseguiu

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tirar a Rússia da primeira guerra em definitivo, modernizar as indústrias - contando também com uma forte campanha publicitária de cunho nacionalista - e nacionalizar todo o patrimônio estrangeiro no território, gerando assim uma receita de bilhões de Rublos. Lênin não veria o nascimento da União Soviética, pois viria a falecer em 1924. No seu lugar entra Josef Stalin, que assumiu a missão de expandir o novo modelo comunista a todas as regiões vizinhas.

O professor de economia política internacional, Fernando Padovani, estabelece como o modelo econômico adotado pelos soviéticos dependia de um forte controle estatal e do compromisso por parte da população. “Todas as lojas eram governamentais, portanto havia poucas lojas e pouca variedade de produtos. Na União Soviética, o planejamento era total e não havia nada que fosse de livre iniciativa. Era uma engenharia social inimaginável”.

Esse mesmo controle estatal se refletiria na vida dos cidadãos, principalmente estrangeiros, nos anos pós segunda guerra mundial, quando os Estados Unidos e a Rússia iniciaram uma corrida armamentista no período que ficou conhecido como a Guerra Fria (1945-1991), cujas consequências levaram a um número recorde na produção de armas nucleares, mas ao mesmo tempo significou um importante avanço nos campos da ciência e da cultura.

O estado soviético passa então a espionar cada indivíduo ou empresa em seu solo para evitar o vazamento de segredos militares. Esse controle era sentido principalmente na imprensa, tanto nacional quanto estrangeira. O editor do caderno internacional d´O Globo, Flavio Lino, estabelece o quão paranoico tornou-se o estado russo. “Os estados comunistas tinham como um dos pilares de sustentação do seu poder o controle total sobre a imprensa, que só veiculava a versão oficial dos fatos. No caso da imprensa estrangeira, procurava-se limita-la ou impedir ao máximo o acesso dela”.

A disputa entre as duas potências também se estendeu ao campo da ciência, quando, em 1961, a URSS viria a lançar o primeiro homem ao espaço, o cosmonauta Yuri Gagarin. Em resposta, os EUA lançariam Neil Armstrong, Buzz Auldrin e Michael Collins à lua, em 1969. Essa corrida espacial acabou por pesar nos cofres da URSS, que, após cancelar novos projetos espaciais, voltou a concentrar suas forças na expansão militar no Oriente Médio.

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A tentativa soviética de intervir no Afeganistão (1979-1989) se deu em um contexto em que os EUA supriam secretamente milícias anticomunistas na região. O combate longo, caro e mortal para muitos soldados soviéticos levou à retirada comunista do Afeganistão.

A crise econômica advinda do fracasso na guerra - somada a empresas estatais cujo planejamento exagerado levava a uma produção que, muitas vezes, empacava no mercado, ao fato de o estado carregar todo o peso da produção industrial sozinho e, por fim, à limitada liberdade de livre circulação e de expressão entre as nações do bloco socialista - acabou por desgastar a imagem desse modelo.

Para o professor Fernando Padovani, os últimos anos da URRS foram marcados pela falência do sonho socialista. “No fim, as pessoas não gostavam mais de tudo padronizado e igual. A desigualdade de privilégios entre funcionários do governo e a população também pesou. Para se ter bens melhores, era necessário abrir mão de algumas coisas, pois era caro”. O estado soviético viria a ser formalmente dissolvido em 1991, após o ex-secretário geral do partido comunista (um cargo similar ao de um presidente) Mikhail Gorbachev propor um plano de abertura da então fechada economia soviética (Perestroika) e um outro de abertura política e liberdade dos meios de comunicação (Glasnost). Uma nova história começaria a ser escrita.

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A HISTÓRIA NUNCA CONTADAComo as mulheres russas

colaboraram para aquela que foi uma das maiores revoluções do

século passado

Por Débora Esteves

Neste ano de 2017, o mundo comemora o 100° Aniversário das Revoluções Russas, ocorridas em março e novembro de 1917, respectivamente. Uma das maiores – e, por que não dizer, a maior - revoluções do século XX: o embate político - ideológico de um futuro estado nação, indignado com a conjuntura político social do então império. O que pouquíssimas pessoas sabem é que esse movimento, que culminou com a queda da dinastia Romanov e a formação da União das Repúblicas Soviéticas (URSS), foi iniciado por um grupo de pessoas que tinham pouca, ou nenhuma, relevância na sociedade: as mulheres. Aquelas que, durante muito tempo, sempre foram vistas apenas como as que deveriam ser responsáveis pelas tarefas domésticas e pelo cuidado da família, levantaram-se e foram lutar, não apenas por seus direitos, mas também pelos direitos de toda uma nação.

A Rússia era um país atrasado economicamente. Oitenta por cento de sua economia vinha da agricultura. Entretanto, esses trabalhadores rurais vivam em extrema pobreza, pois os impostos cobrados por Nicolau II eram abusivos. Ele era o que se pode chamar de imperador

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“tirano” absolutista. Administrava a Rússia com mãos de ferro, sempre favorecendo a aristocracia, que não queria que houvesse divisão de terras ou melhores condições de trabalho para os camponeses, pois acreditava que a industrialização da Rússia os empobreceria. O temor maior da nobreza russa era que ocorresse lá o que aconteceu na França e Inglaterra após as revoluções burguesas do século XVIII.

Analisando bem a forma como foi desenhada a Revolução, nota-se que ela iniciou bem antes de 1917. O czar russo (título dado ao imperador) continuava seu favorecimento aos mais abastecidos, levando assim a população a iniciar levantes para mostrar ao imperador as reais condições em que viviam. Nicolau II recebeu uma petição, em tom de desespero, na qual os trabalhadores relatavam tudo o que acontecia dentro das indústrias e também no campo, na esperança de surtir algum efeito junto ao governo. Ledo engano. As condições de trabalho não mudaram. Nesse momento, ocorreu um fato que desencadeou em um episódio desnecessário: a demissão de quatro operários que lutavam contra o sistema de maus tratos por parte dos feitores que chefiavam a indústria.

Esse fato fez com que os demais trabalhadores organizassem uma manifestação, que receberia apoio dos sindicatos. Era um movimento pacífico, sem armas ou qualquer tipo de objeto que remetesse à guerra. Porém, ao se aproximarem do Palácio de Inverno de São Petersburgo, foram alvejados pelos militares que lá estavam. No dia 9 de janeiro de 1905, 200 pessoas foram assassinadas e cerca de 800 ficaram gravemente feridas, no massacre que ficou conhecido como Domingo Sangrento. Os russos foram tomados por um sentimento de revolta e continuaram a fazer marchas e protestos contra o regime, em todo o território, o que culminou em uma greve geral. Nicolau II não teve outra alternativa a não ser assinar um decreto que abriria o caminho para as primeiras eleições parlamentares livres.

No fim do século XIX e começo do século XX, a Europa assistia a um fortalecimento dos movimentos feministas. Mulheres reivindicavam maior participação política e maior espaço no mercado de trabalho. O trabalho nas fábricas resumia-se aos setores têxteis, às escolas e a alguns postos do governo. No âmbito doméstico, trabalhavam como faxineiras, babás ou em creches. Ao sair de suas casas no campo e migrarem para as cidades, essas mulheres começaram a ser

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instruídas dentro das doutrinas difundidas em seus países - no caso da Rússia, o socialismo -, o que concedia a elas um senso crítico e uma noção maior da realidade que a nação vivia e lhes dava mais segurança e certeza para lutarem por seus ideais.

Em meio à Primeira Guerra Mundial, o então império russo estava passando por grandes dificuldades financeiras. O país estava quebrado, mas o czar Nicolau II insistia em continuar com as tropas russas nas frentes das batalhas. Por essa razão, o número de homens servindo ao país em decorrência da guerra só aumentava. Logo, o número de trabalhadores diminuía, por causa das baixas sofridas na guerra. Nesse cenário, as mulheres iniciam seu protagonismo frente à sociedade russa. Agora, elas não mais cuidavam só da casa e dos filhos. Elas também tinham que ir trabalhar nas fábricas dos centros urbanos. E como o campo e as cidades eram relativamente distantes, muitas se mudaram, resultando no aumento do número de moradores das metrópoles.

São encontrados pouquíssimos relatos sobre esse protagonismo feminino dentro do contexto da Revolução Russa. A professora e tradutora Graziella Schneider, organizadora do livro A Revolução das Mulheres: Emancipação feminina na Rússia soviética, explica por que: “Assim como na maioria dos países, na Rússia textos teóricos - ensaios, artigos políticos - como atas e panfletos, discursos e afins - e até mesmo literários são mais lidos e conhecidos por pesquisadores, especialistas ou estudantes”, diz. Ela acrescenta: “Depois das Revoluções de 1917, ao longo do século XX, a história dessas e de outras mulheres costumava ser celebrada na Rússia, seja por meio de prêmios, condecorações ou eventos, e o próprio dia das mulheres era um marco”.

Essa afirmação da professora é corroborada pela resposta do jovem militar e estudante de física nuclear Nikita Shmatov, de 24 anos. Ele conta que nunca antes havia ouvido falar sobre a famosa marcha das mulheres em março de 1917: “Eu sempre pensei que os trabalhadores normais haviam começado tudo. Mas a revolução começou no Dia Internacional da Mulher sim, as mulheres realmente começaram as greves e, em seguida, os trabalhadores se juntaram a eles”. Isso mostra que nem mesmo os habitantes do próprio país estão cientes de toda sua história, embora o conhecimento do passado ajude as futuras gerações a não cometerem os mesmos erros ou a se inspirarem para algo novo.

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O passado sempre ensina. Nas fábricas, na ocasião, as mulheres tinham a tão famosa dupla jornada, que perdura até os dias de hoje na sociedade. Isso não seria problema se ao menos as condições de trabalho nas fábricas e a qualidade de vida delas e de suas famílias fossem prioridades para o governo czarista. Elas trabalhavam em locais insalubres, os salários eram baixos, tudo era muito difícil. A professora Graziela diz que para entender esse contexto, seria interessante ler os textos de algumas das autoras revolucionárias da época. Em seu livro, há uma compilação deles, entre os quais destaca-se o de Alekssandra Kollontai.

Um trecho de um desses textos relata exatamente as dificuldades que não apenas as mulheres, mas que todo o povo russo enfrentava: “Na Rússia do início do século 20, a vida dos 6 milhões de proletárias não tinha luz nem esperança; sua existência era repleta de fome, dificuldades e humilhações. O turno de trabalho de 12 horas (ou, no menor do casos, 11), o miserável salário de 12 a 15 rublos por mês, o cotidiano nos quartéis superlotados, a ausência de qualquer ajuda por parte do Estado ou da sociedade no caso de doença, gravidez ou desemprego”.

Nascida na Ucrânia, porém criada em São Petersburgo na Rússia, Aleksandra Kollontai foi a primeira mulher a assumir a posição de ministra na história do país após a Revolução. Graças a sua atividade política, as mulheres adquiriram direitos por lei na Rússia. Durante o governo de Stalin, Aleksandra serviu como diplomata da URSS na Noruega, no México e na Suécia. Ela, juntamente com Natália Sedova, Inessa Armand, Anatóli Lunatcharski, Rosalia Zemliatchka, após esse momento das revoluções, começou a ter notoriedade frente aos partidos políticos da época e assumiu cargos de relevância dentro da URSS.

O dia 8 março já era conhecido como o Dia Internacional da Mulher, devido ao ocorrido em uma fábrica de camisas de Nova Iorque em 1911, quando cerca de 130 operárias morreram carbonizadas após um trágico incêndio. Mas em 1917, esse dia teve uma proporção ainda maior para a população russa. A insatisfação das mulheres com tudo o que estava acontecendo no país chegou a um extremo, que as levou às ruas, em uma paralisação geral, reivindicando não apenas seus direitos, mas de toda a nação russa. Elas foram às ruas com cartazes que diziam: “Igualdade, paz e pão”. Suas palavras de ordem eram: “Chega de autocracia!”, “Chega de guerra!”

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Leon Trotsky, em seu livro “A História da Revolução Russa” (uma coletânea de três livros lançadas a partir de 1930), relata como as mulheres foram de suprema importância para o sucesso da revolução: “O 23 de fevereiro (no calendário juliano, 8 de março no calendário gregoriano) era o Dia Internacional da Mulher. Os elementos social-democratas se propunham a festeja-lo na forma tradicional: com assembleias, discursos, manifestos, etc. Não passou pela cabeça de ninguém que o Dia da Mulher pudesse se converter no primeiro dia da revolução. Nenhuma organização fez um chamamento à greve para esse dia. A mais combativa organização bolchevique, o Comitê do setor operário de Víborg, aconselhou que não se fosse à greve”.

Mesmo não tendo o apoio dos sindicatos bolcheviques, elas se levantaram e foram às ruas, ganhando apoio da população russa e também dos militares. O resultado, foi a queda do império czarista da dinastia Romanov, que governava a Rússia desde 1613. Nesse momento, retornaram ao cenário político os soviétes, que foram criados durante as eleições parlamentares de 1905. Nesse momento, a nação começa a viver uma nova realidade. Agora eles se tornariam a primeira república socialista da história. Essa revolução foi o estopim para que a de outubro do mesmo ano viesse a acontecer, criando a União das Repúblicas Soviéticas.

Talvez por muito tempo, a história -não apenas a da Revolução Russa, mas muitas outras histórias - esteja sendo contada sob um outro aspecto. Quando se estuda ou se lê sobre a Rússia e sua revolução, muitos desses relatos são omitidos. E isso não ocorre por descuido. Acontece por falta de conscientização de quem conta a história. Uma vez que os relatos estão lá, nos livros, revistas, artigos, basta que eles sejam difundidos. Ninguém que participa de uma história deve ser deixado de fora no momento em que ela for relatada. “Não é que a História não tenha sido contada, mas foi contada do ponto de vista hegemônico, masculino”, diz a pesquisadora da USP Graziela. E ela conclui: “A questão é que a mulher não é somente uma participante na história, mas ela faz e narra a história com a sua voz, de acordo com seu ponto de vista”.

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A REVOLUÇÃO RUSSA NO CINEMA

Por Larissa Mendes Penna

O cinema russo é um dos mais antigos e importantes da história da sétima arte. Obras de grandes autores como Tolstói e Dostoiévski já eram adaptadas para as telas durante o regime czarista. Com o início da revolução e a instalação de um novo regime, o cinema começa a sofrer grande influência do governo bolchevique, que incentivava produções que exaltassem a coragem e a valentia de um povo que, no momento, realizava a transição do cristianismo ortodoxo para a utopia comunista. Os ícones religiosos logo iam sendo substituídos pela bandeira vermelha e por muitos outros símbolos de um regime que não tardou a se tornar ainda mais poderoso que o reino dos czares.

“O encouraçado Potemkin”, produzido pelo diretor Serguei Eisenstein, conta a trajetória de um navio do Czar Nicolau II que partiu em 1905 da Rússia para enfrentar a batalha no Extremo Oriente contra a ascensão do Japão, na chamada Guerra Russo-Japonesa. Os marinheiros da embarcação se revoltaram devido aos maus tratos vindos de seus superiores, devido à tirania e às más condições de trabalho apresentadas. O longa ficou marcado na história do cinema e atendia às expectativas do novo governo. Em contraposição, durante o período da Guerra Fria, os Estados Unidos produziam filmes para demonizar o comunismo. Foi nessa época que surgiu o famoso agente espião 007. Os Estados Unidos, por sinal, tiveram oportunidade

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de conhecer e usar até hoje muito das técnicas cinematográficas de Eisenstein, que trabalhou por um período em Hollywood.

Outro famoso filme do diretor que retrata alguns momentos da revolução é “Outubro”. Em tom de documentário, acontecimentos em Petrogrado são encenados desde o fim da monarquia, em fevereiro de 1917, até o fim do governo provisório em novembro do mesmo ano. Lênin volta em abril. Em julho, os contrarrevolucionários mandaram prendê-lo. Em outubro, os Bolsheviques estão prontos para atacar: “Os dez dias que abalaram o mundo”. A filmagem da cena de assalto no Palácio de Inverno contou com a participação de 11 mil extras, e o excesso de energia utilizado provocou um apagão no resto da cidade. Uma história absurda, que torna o filme mais lendário, é que mais pessoas se machucaram ao reproduzirem para o cinema o ataque ao Palácio de Inverno do que no ataque real dos bolcheviques ao local.

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Crítico de cinema e doutor em História, Wallace Andrioli defende que Eisenstein pensa a própria estética como revolucionária, como elemento de transformação da sociedade, tanto em um sentido de ruptura com uma linguagem cinematográfica, ainda em formação naquele momento, mais voltada à emulação do teatro, quanto na inserção nessa linguagem de uma lógica dialética, proveniente do pensamento marxista que embasava a revolução no campo político. “Eisenstein traz para o filme, novamente por meio da montagem, a ideia de contradição, de choque entre elementos distintos, tese e antítese, na dialética”.

Na linguagem cinematográfica, a montagem é uma técnica absolutamente essencial para dar coerência estrutural ao filme. A interligação e a relação entre planos num filme são determinantes para o resultado estético, e seriam os diretores russos os responsáveis por

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desenvolver a montagem de forma definitiva. Serguei Eisenstein, Dziga Vertov, Kuleshov e Pudovkin foram os cineastas que exploraram todas as dimensões expressivas e comunicacionais da montagem.

O “Efeito Kuleshov” surgiu no início dos anos 20 a partir da seguinte experiência: um grande plano expressivo do rosto de um ator com outro mostrando um prato de sopa; em seguida o mesmo plano com um outro mostrando um caixão de criança; e ainda um terceiro conjunto com a visão do ator e uma mulher seminua em pose provocante. Kuleshov então projetou o conjunto final perante uma audiência, sendo unânime a opinião de que o ator era ótimo, dado que expressava de um modo magnífico os sentimentos de fome, dor e de desejo. Kuleshov mostrou que o significado de uma sequência de planos pode depender apenas da relação subjetiva que cada espectador estabelece entre imagens ou planos que, isoladamente, não têm qualquer significação. O diretor de cultura ABI, Jesus Chediak, destaca a queda do expressionismo alemão como um fator para o crescimento do cinema na Rússia. “Os alemães eram a grande força experimental do cinema. Com sua queda, tudo foi transferido para a União Soviética. Depois disso, ocorre o lançamento de filmes como A Mãe”. O teórico e cineasta russo Pudovkin, que se tornou conhecido por interpretar de forma visual as motivações internas e as emoções dos personagens de seus filmes, foi o responsável por este clássico. Em “A mãe”, o discípulo de Lev Kuleshov faz uma adaptação do romance de Maksim Gorki utilizando recursos de montagem para representar ideias complexas, como na sequência que mostra cenas da rebelião numa prisão, intercaladas com imagens do gelo que flutua sobre um rio e se quebra.

Outro ponto importante destacado por Chediak é o cinema-olho ou cinema-verdade de Dziga Vertov. Ele foi o responsável pela criação de diversas teorias cinematográficas e se predispôs a experimentações até então ignoradas, fato que o diferencia de diretores como Kuleshov, Pudovkin, Dovjenko e Serguei Eisenstein. Suas experiências com o domínio do som levaram à criação do Laboratório do Ouvido, para proceder ao registro e à montagem de fonogramas, enquanto as experiências sonoras o aproximaram do movimento futurista. Dziga Vertov se uniu ao Comitê de Cinema do Comissariado do povo e, em 13 de agosto do mesmo ano, aliou-se ao Comboio de Propaganda de

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Lênin, buscando concretizar a concepção marxista da história e da arte a partir da agitação e da propaganda entre as massas de trabalhadores.

Em 1929, Vertov lançou o mais revolucionário e experimental de seus filmes: “Um Homem Com Uma Câmera”. Um longa rico em imagens da União Soviética sob os mais diversos ângulos e que pretendia desvelar os segredos do cinema, da técnica e da linguagem cinematográfica. O filme representou o rompimento definitivo do cinema de Vertov com a literatura e o teatro. O foco estava totalmente na experiência. Cineasta favorito de Lenin, Vertov foi o símbolo da revolução, o traço de união entre o partido e a classe operária. A maioria das imagens conhecidas de Lenin saiu das lentes visionárias do diretor. ‘Réquiem a Lenin’ descreve o líder soviético visto pela tradição popular, que, nas palavras de Vertov, seria uma tentativa de cristalizar os pensamentos do povo sobre Lenin. Fez grande sucesso na União Soviética e em vários países da Europa. Nas palavras do cineasta, este filme é “uma grande orquestra sinfônica do pensamento”.

Mais um diretor que merece destaque é Andrei Tarkovsky. Formado em pintura e música, possuía um sentido apurado, produzindo filmes poéticos para falar da realidade. Sua sensibilidade leva a um universo filosófico de poesia e introspecção. Sua obra foi caracterizada pelo drama existencial e por uma ânsia de descobrir os mistérios que circundam o ser humano. Desde a Revolução Russa de 1917 até a extinção da União Soviética em 1991, foram 74 anos em que muitos intelectuais e diretores de cinema sofreram todo tipo de censura, que finalmente começou a abrandar a partir da década de 1980, no governo de Mikhail Gorbatchev, último presidente da URSS. É neste período que surge o novo cinema russo, com filmes como “Penitência” (1984); “Garota Internacional” (1989), um dos primeiros filmes a abordar o tema da prostituição na União Soviética; “O Assassino do Czar” (1991), que conta a verdadeira história do assassinato da família imperial russa; e “O Sol Enganador”, de Nikita Mikhalkov, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1995.

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Em 1971, a verdadeira história do último governante da Rússia vai parar nas telas. Um retrato dos anos que antecederam a Revolução Russa, que derrubou a dinastia dos Romanov e, consequentemente, o governo de Nicolau II (Michael Jayston) e da czarina Alexandra (Janet Suzman). Nicholas nasceu para ser um dos homens mais poderosos do mundo, pois governava milhões de pessoas em um império que tomava mais de um sexto do mundo, mas a revolução que abalou o mundo reservou para ele e sua família um trágico destino. A personagem Alexandra foi inicialmente oferecida a Audrey Hepburn. Rex Harrison e Veronica Redgrave estiveram cotados para interpretar os personagens do título.

A família do Czar também aparece no longa de animação lançado em 1997 pela Fox Animation Studios, “Anastasia”. O filme é baseado na lenda urbana de que a princesa Anastásia Romanova teria escapado ao assassinato de sua família. Apesar das objeções de alguns historiadores devido às grandes mudanças feitas para o público infantil, teve uma recepção positiva de muitos críticos. Além disso, embora o orçamento do filme tenha sido composto por apenas 53 milhões de dólares, ele arrecadou $ 139.804.348 em uma escala global, tornando “Anastasia”

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um sucesso de bilheteria. Por último, mas não menos importante, o filme também recebeu indicações para vários prêmios, incluindo dois cobiçados Oscars, de Melhor Canção Original e Melhor Musical.

Retomando a tradição dos clássicos romances de Tolstoi e

Dostoievski, Boris Pasternak recriou parte da história moderna da Rússia focalizando seu povo. Nascido no regime czarista e criado durante a Primeira Guerra Mundial, incapaz de controlar seu destino durante a revolução e da guerra civil entre o exército branco e o vermelho, Jivago firmou-se como um dos grandes heróis trágicos da literatura russa. Os originais de ‘Doutor Jivago’ contrabandeados para a Itália foram publicados pelo editor milanês Giangiacomo Feltrinelli, integrante do Partido Comunista Italiano, em 1957. “Doutor Jivago” trata da impossibilidade da realização pessoal diante de um estado totalitário em formação. Traz o conturbado amor de Lara e Jivago, tendo a Revolução Russa como um dos principais personagens.

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Baseado no romance do vencedor do Prêmio Nobel, Mikhail Sholokhov, o filme “Don Silencioso” tem quase seis horas de duração e exibe a vida dos cossacos do Don em uma vila no sul da Rússia entre 1912 e 1922. O personagem principal é Grigori Melekhov, um robusto cossaco que está dividido entre seu primeiro e verdadeiro amor, Aksiniya (esposa de outro guerreiro), e sua própria esposa Natalya. A vida pessoal de Grigori Melekhov é mostrada como um caminho áspero por meio da experiência da Primeira Guerra Mundial, da Revolução Russa e da seguinte Guerra Civil. Conduzidos à decepção e à desgraça, os dois amantes, perdidos na tempestade da História, combatem a condenação da antiga ordem e os perigos de um mundo novo surgindo. Os cossacos são mostrados como agricultores e guerreiros tradicionais, que estão sofrendo com os eventos mais dramáticos da história da Rússia.

Entre os diretores russos que surgiram na última década, estão algumas mulheres como Maria Saakian, uma cineasta de 34 anos que levou três filmes para a Mostra de Cinema Russo Contemporâneo da Caixa Cultural no Rio de Janeiro: “Farol”, de 2006; “Essa não sou eu”, de 2012; e “Entropia”, de 2012. Outro filme da Mostra que merece

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destaque é “Leviatã”, uma alusão à obra de Thomas Hobbes, do diretor Andrey Zvyagintsev, ganhador do Melhor Roteiro no Festival de Cannes de 2014 e indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Não é uma novidade que até mesmo as artes podem ser usadas em benefício de ideologias políticas: algumas são criadas com esse objetivo, outras ganham nova interpretação para o mesmo fim. O crítico de cinema Andrei Plakhov, que esteve na Mostra de Cinema no Rio de Janeiro, mostrou-se muito preocupado com as tentativas recentes do governo russo de controlar o que se diz e se mostrar nas produções que recebem incentivo algum público. Até hoje muitos diretores são comissionados para fazerem filmes de propaganda do governo de Vladimir Putin, um ex-agente da KGB que governa o país de forma centralizadora há 16 anos, envolvido em suspeitas de corrupção, de liderar uma nova máfia russa, e com assassinato de opositores. A arte tem mesmo poder.

12 filmes sobre a Revolução Russa

1 . O Encouraçado Potemkin2 . Outubro3 . Chapaev4 . A mãe5 . A greve6 . Réquiem a Lenin7 . Don Silencioso8 . Anastasia9 . Doutor Jivago10. Nicholas e Alexandra11 . Um Homem Com Uma Câmera12 . Crimes Ocultos

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A REVOLUÇÃO HOJEComo um jornal Russo

transformou os eventos da Revolução de 1917 em notícias

Por Silvia Priscila Juppa

Em pleno século XXI, as informações rodam a internet em questão de minutos. Acontecimentos em países do outro lado do globo chegam ao Brasil graças à agilidade dos meios de comunicação digital e de seus usuários. Mais de 50 milhões de informações, de acordo com o Twitter Counter, são veiculadas todos os dias no mundo. Somente o aplicativo da mesma empresa está no ranking das dez redes sociais mais utilizadas, com quase 320 milhões de pessoas ativas. Qualquer informação pode ser colocada e acessada de forma simples e rápida. Hoje essa realidade é possível, mas no início do século passado não. Foi pensando nessa diferença de alcance entre os meios de comunicação atuais e de cem anos atrás que o diretor de mídias sociais do jornal Russian Telegraph, Kirill Karnovich-Valua, decidiu criar o projeto #1917LIVE. O objetivo, além de comemorar o centenário da Revolução Russa, que acontece em 2017, era recriar de forma divertida e interativa as notícias publicadas por jornais de todo o mundo em 1917. Dia a dia, a conta @RT_1917 publicaria as informações em ordem cronológica dos fatos.

Juntamente com uma equipe de pesquisa, Kirill buscou informações em jornais, revistas e documentos históricos para fazer com que o projeto

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se tornasse um sucesso. “O desafio mais difícil foi passar por uma quantidade enorme de materiais, diários e memórias, e depois organizá-los em um formato cronológico, adaptado para o Twitter”, revela o diretor. Além das publicações, os perfis das principais figuras também foram traçados para recriá-los igualmente na plataforma. Algumas das personalidades da época, como Vladmir Lenin, Nicholas Romanov e Leon Trotsky, também foram escolhidos para interagir nas redes sociais.

De forma atual, as postagens feitas nos perfis buscam a interação com o público, utilizando uma linguagem simples e, em muitos casos, cômica. Na publicação feita no Twitter de Vladimir Lenin, no dia 23 de abril de 2017, o futuro líder socialista escreve: “Agradeço as felicitações de aniversário e peço desculpas por não responder todas elas. A revolução mundial é o melhor presente para mim”. Além de textos como esse, provocações entre revolucionários e conservadores mostram possíveis “explicações” para a sequência de acontecimentos que se sucederam a partir do dia 8 de março de 1917.

Historicamente, foi esse o dia que marcou o início da primeira fase da revolução, entretanto, a publicação que abre oficialmente o perfil do Russian Telegraph foi realizada somente no dia 20 de abril de 2017, data da veiculação das teses de Lenin após seu retorno do exílio. O jornal responsável por divulgar o texto foi o Pravda, de cunho bolchevique. De acordo com Kirill, a escolha do artigo do futuro líder socialista respeitou a primeira publicação de importância feita no país. Já os meios de comunicação da Rússia eram sufocados pelo império czarista de Nicolau II e só após a abdicação os periódicos de oposição ganharam expressão.

Mesmo que o Russian Telegraph não tenha incluído no perfil os eventos anteriores à abdicação, a imprensa internacional já falava ao redor do mundo das manifestações populares que tomavam as ruas de Petrogrado. A maior cobertura da revolução foi realizada pelo New York Time, que deu sua primeira nota sobre o assunto no dia 9 de março, um dia após o início das revoltas. A publicação, que teve como título “Fome causa revoltas em Petrogrado”, dizia, de forma pessimista: “A maior parte da multidão, incluindo muitas mulheres, estava lá para assistir a outras pessoas fazerem bagunça”.

Esse simples artigo ocupou uma única coluna da primeira página do New York Times e dividiu a atenção com informações sobre a

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Primeira Guerra Mundial, que já chegava ao seu terceiro ano. Além da imprensa americana, as demais notícias chegavam por meio de agências internacionais. Diariamente, telegramas enviados pela Reuters, Associated Press e Havas atualizavam a imprensa mundial dos acontecimentos. No Brasil, as primeiras matérias sobre o início da revolução foram publicadas pelos jornais “A Gazeta” e o “Estado de São Paulo”, em 16 de março de 1917.

Publicação A Gazeta 16 de março de 1917

Os dois veículos deram destaque à abdicação de Nicolau II e à formação de um governo provisório. Diferentemente do New York Times, o conteúdo veiculado no Brasil ganhou um tom mais sério, destacando a situação do descontentamento popular dos russos. “A Gazeta” tinha como título “A Revolução na Rússia”, e, de forma mais simples, o “Estado de São Paulo” anunciava “A Conflagração”. As publicações feitas pelos jornais brasileiros não aparecem na programação de postagens realizadas pelo Russian Telegraph, mas foram cruciais os imigrantes vindos da Rússia que buscavam informações de familiares e amigos.

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Publicação NYT de 16 de março de 1917

Foi o caso da Russa Elza Liefke, que chegou ao Brasil em 1911, com 14 anos. Seu filho, Uno Juppa, hoje com 88 anos, lembra que a mãe não falava português e os vizinhos ajudavam a entender o que estava escrito nos jornais. “Era difícil achar alguém que sabia ler naquela época, mas havia uma família mais rica que dava os jornais para ela”. Depois de anos, os filhos descobriram que o interesse por saber o que se falava do país de origem vinha desde sua chegada. “Ela não era de falar muito. Foi só depois que ela faleceu que as minhas irmãs acharam jornais velhos guardados. A maioria sobre a Rússia”.

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Elza Liefke (foto de arquivo pessoal da família)

Uno Juppa (foto de arquivo pessoal da família)

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Assim como Elza, os que vinham para o Brasil em busca de dias melhores deixavam para trás a realidade da pobreza e do medo. Os levantes que aconteceram em 1917 foram causados por anos de um império absolutista, voltado para a nobreza e o clero. A maior parte da população era camponesa, não possuía terras para o plantio e passava fome com os cortes de suprimentos feitos pelo governo. A entrada do país na Guerra só agravou a situação de descontentamento popular. Com o fim do czarismo, o governo provisório tenta acalmar as massas. É nesse momento que Lenin volta do exílio e ganha às páginas do Pravda.

Os jornais locais aderem ao discurso de Lenin e a suas reformas, já que o governo provisório é colocado como “contrarrevolucionário” por manter os soldados em combate e não realizar reforma agrária e industrial. Em maio, o então chanceler Pavel Miliukov dá uma declaração favorável à guerra e renuncia após sofrer pressão popular. Em países como Inglaterra e França, as notícias veiculam o avanço dos bolcheviques ao poder e causam descontentamento nas classes burguesas. Os pensamentos socialistas defendidos por Lenin vão de encontro aos ideais capitalistas das grandes potencias.

A socióloga Heloise Kuehl explica que os ideais socialistas eram conhecidos, mas que a possibilidade de serem implantados em um país de grande influência era vista de forma ameaçadora. “O socialismo era visto somente como utópico, já que a revolução Industrial trouxe bons frutos ao desenvolvimento do capitalismo”. Foi por esse motivo que grandes jornais europeus e americanos anunciavam aliança entre alemães e bolcheviques, com intenção de desmoralizar o movimento revolucionário.

Em uma análise realizada pelos pesquisadores Walter Lippmann e Charles Merz, o jornal Times publicou entre 3 e 4 mil matérias sobre a revolução Russa de 1917. Em 91 delas, foi anunciada a derrota dos bolcheviques para o governo provisório. Três vezes o conteúdo divulgado declarava a prisão de Lenin e, em uma ocasião, confirmava a morte do líder socialista. Há alguns registros de informações semelhantes publicadas no Brasil. Os periódicos “A Noite”, “O País” e “O Imparcial” foram alguns deles. Em 11 de novembro, dias após a invasão do exército vermelho aos prédios públicos de Petrogrado, o “A Noite” afirmava que a queda bolchevique era inevitável: “Os cossacos,

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ajudados pelos minimalistas, estão prestes a dominar os lenistas, com os quais têm travado batalhas nas ruas da capital”.

A francesa e professora de idiomas Nathalie Pompeu, de 60 anos, conta que, antes de se casar e vir para o Brasil, se deparava com opiniões depreciativas do movimento social Russo de 1917. “Antes de vir para o Brasil, meu objetivo era continuar os estudos em Moscou. Muitos dos professores e também familiares me falavam que era perda de tempo estudar sobre um governo que foi um fracasso”. Ela acredita que parte das críticas às escolhas era motivada pelos meios de comunicação franceses, que se mostravam contra a ascensão de Lenin ao poder. “Se as matérias fossem neutras, provavelmente as pessoas pensariam de forma mais crítica sobre a revolução”.

Nenhuma das publicações com conteúdo dúbio, de acordo com o Russian Telegraph, foi incluída no acervo projeto #1917LIVE. A equipe do jornal buscou somente os fatos históricos verdadeiros, sem intuito de divulgar especulações. “Levamos em consideração os jornais da época, mas a história está escrita, sabemos o que entra e o que fica fora”, afirma Kirill. A página do @RT_1917 já publicou 2.157 das informações coletadas e é acompanhada por 32,9 leitores. Esse número mostra a expressão do alcance dos dias atuais. “É fascinante saber que todo o nosso esforço tem um público fiel que espera nossas notícias assim como espera uma série diária da BBC”, exalta o diretor.

Os dois momentos da Revolução 1917

1917 (Fevereiro, março no calendário russo) – Ocorre o início da revolução, na qual, diante da pressão popular, o Czar renuncia ao cargo. Em seguida, é instalado o governo provisório liderado por Alexander Kerensky, com membros que se identificavam com os interesses da burguesia russa. Medidas tomadas pelo novo governo não agradaram os camponeses e suas reivindicações são expostas pelos bolcheviques liderados por Lênin, que, no mesmo ano, derruba o governo provisório e assume o poder.

1917 (Outubro, novembro no calendário russo) – Acontece a Revolução de Outubro que abriu o caminho para a Rússia se recuperar. Lênin, com ideais marxistas, promovia a ideia de criar uma sociedade

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livre e igual. Várias medidas foram tomadas, a igreja, a burguesia e a nobreza perderam suas terras, que foram repassadas aos camponeses, quase tudo ficou em poder do Estado.

As principais contas no Twitter

Russian Telegraph - @RT_1917 The New York Times - @NYT_1917Vladimir Lenin - @VLenin_1917 Alexander Kerensky - @Kerensky_1917Nicholas Romanov - @NicholasII_1917Leon Trotsky - @LeoTrotsky_1917

Parte III

ARTIGOS JORNALÍSTICOS

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IMPÉRIO DE CINZAS

Por Gustavo Barreto

A Revolução Russa, realizada em outubro de 1917 e cujo centenário se comemora este ano, surgiu da insatisfação de um povo com seus governantes autoritários. Dessa revolução nasceu o primeiro grande governo comunista do mundo, dono do segundo maior arsenal nuclear existente, a União Soviética.

É compreensível que durante a segunda parte do século XX, o modelo socioeconômico soviético tenha despertado o interesse - por vezes, o fanatismo - de toda uma nova geração que atravessava o despertar sexual promovido pelos anos 60, que viu a corrida armamentista da guerra fria atingir níveis cada vez mais alarmantes e que, nos anos 80, principalmente nos países latino americanos, enfrentou terríveis crises econômicas e inflação galopante.

Imagine viver em uma utopia na qual todos são iguais, em que não há analfabetismo e na qual o estado assegura todas as suas necessidades? Não, isso não existe e esse “sonho” não é a tão desejada utopia humana. A começar pelo poder maciço concentrado nas mãos de um único grupo político, o controle sobre a sua vida e sua visão de mundo. Por mais que seja odioso saber como o mundo financeiro realmente funciona, é necessário entender que ele tem uma fluidez muito mais equilibrada que os famosos cupons de ração distribuídos entre os estados soviéticos. Muitos deles mal chegavam a certas partes da população para serem acumulados nas mãos dos membros do partido e seus familiares.

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No quesito de expansão militar, a União Soviética não era diferente de seu maior inimigo, os Estados Unidos. Sua influência e o envio de armamentos deflagraram a Guerra da Coreia (1950 – 1953) e ajudaram a arrastar a sangrenta e desnecessária Guerra do Vietnã ( 1955 – 1975), conflito esse considerado o mais estúpido e evitável do século passado, uma prova de que a vaidade dessas duas potências era maior do que qualquer discurso sobre democracia ou igualdade entre os homens. Não será por intermédio de um modelo comunista ou capitalista que a humanidade atingirá seu auge.

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ISKRA Organização e divulgação

Por Gabrielle Cortes, Bernardo Araújo e Jhade Carvalho

“Da fagulha nascera a chama”. Essa frase abria a primeira edição do jornal Iskra (russo para “fagulha”), em primeiro de dezembro de 1900. Fundado ilegalmente na Rússia czarista por Lênin e outros integrantes, o periódico se tornou a voz do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), em meio à censura governamental e a rivalidade outros partidos. Em 1903, o jornal protagonizou a rixa que originaria a divisão do partido e criação dos Bolcheviques e Mencheviques, alinhando-se ao segundo grupo e induzindo a saída de Lenin do corpo editorial, devido a discordâncias políticas. Dois anos depois, o jornal encerra suas publicações.

Apesar do período de atividade relativamente curto, o Iskra teve um papel fundamental no contexto revolucionário. Em cinco anos tornou-se a gazeta clandestina mais bem sucedida de seu tempo, tendo sido impressa na Alemanha, Suíça e Inglaterra, para entrar ilegalmente em território russo. Foi pano de fundo tanto de reuniões e discussões operárias quanto das primeiras divergencias entre bolcheviques e mencheviques. Esses cinco anos mostraram-se incrivelmente intensos, sendo um expressivo extrato e predição do ritmo e gravidade que se seguiria na “era dos extremos”, como o século XX é caracterizado pelo historiador Eric Hobsbawm. O jornal, em si, não se furta desse extremismo.

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O Iskra não se inclina para a imparcialidade, característica proposta, em tese, pelos jornais de hoje. O artigo “Por onde começar?” (Iskra nº 4, maio, 1901 - V. Lenin) indica uma autoconsciência notável por parte de Lenin, até então, editor do jornal: "Um jornal, todavia, não tem somente a função de difundir ideias, de educar politicamente e de conquistar aliados políticos. O jornal não é somente um propagandista e agitador coletivo, mas também um organizador coletivo". Nesse momento, o Iskra demonstra pleno entendimento da influência que detinha.

De fato, o alcance do jornal excedeu as expectativas, ultrapassando as barreiras do analfabetismo. Devido ao índice de escolaridade relativamente maior entre os operários, a presença de trabalhadores alfabetizados era suficiente para possibilitar leituras coletivas de exemplares, que se desdobravam em discussões ativas entre os mesmos. Dessa forma, o Iskra não só difundia ideias e sentimentos de resistência, mas fomentava um espírito crítico e uma coesão entre os trabalhadores, além de uma rede de ideias entre os trabalhadores e os partidários, que seriam cruciais nos anos seguintes, que levaram à Revolução Russa de 2017.