revolucao dos cravos

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 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS E SEUS DILEMAS NA HORA DE DESCOLONIZAÇÃO DE ANGOLA, 1974/1975  JOSÉ BERNARDO 1 T rabalho Apres entado no Seminário Pedagógico da Universidade F ederal Rural de Pernambuco, Abril de 2007, cidade do Recife, Brasil. 1  Mestre em Desenvolvimento Urbano, UFPE e Especialista em Ensino de História, UFPRE, Recife/Brasil. 1

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25 Abril 1974

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA

    REVOLUO DOS CRAVOS E SEUS DILEMAS NA

    HORA DE DESCOLONIZAO DE ANGOLA,

    1974/1975

    JOS BERNARDO1

    Trabalho Apresentado no Seminrio

    Pedaggico da Universidade Federal

    Rural de Pernambuco, Abril de 2007,

    cidade do Recife, Brasil.

    1 Mestre em Desenvolvimento Urbano, UFPE e Especialista em Ensino de Histria, UFPRE, Recife/Brasil.

    1

  • RESUMO

    Este trabalho analisa a Revoluo de 25 de Abril de 1974 e suas

    implicaes no momento de descolonizao de Angola. Trata-se de

    uma revoluo que marcou o fim de uma longa ditadura e traou o

    caminho de transio para a independncia dos territrios

    portugueses na frica e da democracia em Portugal. Considera-se

    um perodo extremamente extraordinrio: inesperado, muito mal

    entendido em seus efeitos sobre o cenrio nacional e internacional.

    Procuramos neste trabalho mostrar a frmula encontrada pelo

    Portugal para a descolonizao de Angola, aps da crise

    desencadeada por Spnola, que tornou o processo de descolonizao

    de Angola ainda moroso e difcil. Em Moambique e Guin Bissau a

    situao estava definida, com a entrega do poder FRELIMO e ao

    PAIGC. A aprovao da nova Lei 7/74 Constitucional pelo Conselho

    de Estado, em 26 de julho de 1974, em Lisboa, que consagrava o

    reconhecimento, por parte de Portugal, do direito

    autodeterminao e independncia dos povos das colnias

    ultramarinas trouxe grandes esperanas para as colnias

    portuguesas na frica, portanto, foi reconhecida a legitimidade para

    negociarem com Portugal. No contexto do processo de

    descolonizao de Angola o Acordo do Alvor de 1975, desempenhou

    um papel fundamental, primeiro, ao definir as regras pelo qual

    Angola seria independente, e segundo, o Portugal ao se comprometer

    em reconhecer publicamente o direito independncia e

    autodeterminao dos povos angolanos. O estudo foi realizado

    atravs de pesquisa bibliogrfica, utilizando livros, artigos, jornais,

    revistas, publicaes de Internet, e outras.

    Palavras-Chave: Revoluo, Descolonizao e Conflitos.

    2

  • INTRODUO

    At incio de 1974, Portugal era governado por um regime

    autoritrio de inspirao fascista italiana2, que passou a controlar o

    pas, sob o governo do Estado Novo. A Repblica Nova era apoiada

    pela igreja catlica, pelos pequenos e grandes proprietrios de terra

    e pelos funcionrios burocrticos de baixo escalo. Sua poltica era

    movida por uma engrenagem composta de intelectuais

    conservadores e semifascistas, uma polcia secreta e um pequeno

    nmero de grandes empresas privadas. De acordo com a viso da

    histria dos idelogos do regime, o pas manteve uma poltica

    baseada na manuteno das colnias ultramarinas, ao contrrio da

    maior parte dos pases europeus que ento desfaziam os seus

    imprios coloniais. Apesar da contestao nos fruns mundiais, como

    na Organizao das Naes Unidas (ONU), Portugal manteve uma

    poltica de fora, tendo sido obrigado, a partir do incio dos anos 60,

    a defender militarmente as colnias contra os movimentos de

    libertao de Angola, Guin Bissau e Moambique.

    A decadncia econmica e o desgaste com a guerra colonial na

    frica3 provocaram em Portugal descontentamento nas Foras

    Armadas e na populao. Alm disso, a ausncia de liberdade no pas

    e os abusos da Polcia de Investigao e Defesa do Estado (PIDE),

    2 Em 1919, em Milo, Itlia, Mussolini fundou o Partido Fascista italiano. Os fascistas ganharam apoio da elite e da classe mdia, expandindo-se por todo o pas. Entre as principais razes da ascenso desse movimento na Itlia destacam-se a crise poltica e econmica e os efeitos desmoralizantes sofridos pelo pas com a Primeira Guerra Mundial. Esse movimento passou a ser considerado por alguns governantes da Europa, por exemplo, Portugal e Espanha, como modelo ideal para os seus pases. 3 As guerras coloniais iniciadas nos anos 1960, em Angola, Moambique e Guin Bissau foram cruciais para a decadncia do ltimo imprio colonial na frica e o fim do governo autoritrio de Antnio Salazar e Marcelo Caetano, em Abril de 1974, em Portugal. A derrota do colonialismo portugus na frica foi total em todos os campos de lutas, sejam militares, diplomticas e polticas.

    3

  • favoreceram a apario de um movimento contra a ditadura, na

    dcada de 70.

    De acordo com Silvino (2004), no dia 24 de Abril de 1974, um

    grupo de militares (COPCON)4 comandados por Otelo Saraiva de

    Carvalho instalou secretamente o posto de comando principal do

    movimento golpista no quartel da Pontinha, em Lisboa. Nesse mesmo

    dia publicada uma nota no jornal Repblica, divulgando para a

    noite a transmisso do programa Limite na Rdio Renascena. s

    10h 55 min da noite transmitida a cano E depois do Adeus, de

    Paulo de Carvalho, pelos Emissores Associados de Lisboa, emitida

    por Lus Filipe Costa. Este foi um dos cdigos previamente

    combinados pelos golpistas e que sinalizava a tomada de posies da

    primeira fase do golpe de estado.

    O segundo sinal foi dado no dia 25 de abril s 0h20 min,

    quando foi transmitida a msica de estilo revolucionrio proibida

    pela censura, Grndola5 Vila Morena, de autoria do Dr. Jos Afonso

    (Zeca), pelo programa Limite, da Rdio Renascena, que confirmava

    o golpe e marcava o incio das operaes. Os dados estavam

    lanados. O locutor de servio nessa emisso foi Leite de

    Vasconcelos, jornalista e poeta moambicano. (SILVINO, 2004)

    O golpe militar do dia 25 de Abril teve a colaborao de vrios

    regimentos militares que desenvolveram uma ao concertada.

    Conforme Silvino (2004), no Norte, uma fora militar liderada pelo

    Tenente-Coronel Carlos Azeredo toma o Quartel-General da Regio

    Militar do Porto. Estas foras so reforadas por militares vindas de

    Lamego. Foras militares do nono Batalho do Comando (BC9) de 4 Comando Operacional do Continente. Fora militar de represso com funes idnticas s da Polcia de Investigao e Defesa do Estado PIDE e da Guarda Nacional Republicana GNR no tempo de Salazar. Sanches Osrio. O Equvoco de 25 de Abril, 1975.5 Grndola, Vila Morena: Cano de autoria do dr. Jos Afonso, de estilo revolucionrio. Grndola uma Vila do Alentejo, Portugal.

    4

  • Viana do Castelo tomam o Aeroporto de Pedras Rubras. E outras

    foras aliadas do comando militar tomam a Rdio Televiso

    Portuguesa (RTP) e o Rdio Comercial Portuguesa (RCP) no Porto. O

    regime reagiu, e o ministro da defesa ordenou as foras localizadas

    em Braga para avanarem sobre o Porto, no que no foi obedecido, j

    que estas j tinham aderido ao golpe.

    A Escola Prtica de Cavalaria, que partiu de Santarm para

    Lisboa, coube o papel mais importante: a ocupao do Terreiro do

    Pao. As foras da Escola Prtica de Cavalaria eram comandadas

    pelo ento capito Salgueiro Maia. O Terreiro do Pao foi ocupado s

    primeiras horas da manh. Salgueiro Maia moveu, mais tarde, parte

    das suas foras para quartel do Carmo onde se encontrava o chefe

    do governo, Marcelo Caetano, que ao final do dia se rendeu, fazendo,

    contudo, a exigncia de entregar o poder ao General Antnio de

    Spnola, que no fazia parte do MFA, para que o "poder no casse

    na rua". No entanto, o regime caiu sem ter quase quem o

    defendesse. (IDEM, 2004)

    A revoluo, apesar de ser freqentemente qualificada como

    "pacfica" culminou no final do dia, resultando, contudo, na morte de

    04 pessoas, quando elementos da PIDE (Polcia Poltica) dispararam

    sobre um grupo que se manifestava porta das suas instalaes na

    Rua Antnio Maria Cardoso, em Lisboa.

    Para Silvino (2004), do amanhecer at s 16h todos os pontos

    estratgicos j eram ocupados pelo MFA. Emissoras de rdio, TV,

    aeroportos, quartis, bancos e palcios estavam em poder do

    Movimento das Foras rebeldes. Enquanto as foras leais ao regime

    se rendem, uma parte de foras militares do MFA marchava sobre

    Lisboa, a Sede do Governo, anunciando a queda do antigo regime, a

    populao sa s ruas e comemoravam o fim da ditadura distribuindo

    ptalas de cravos, a flor nacional, aos soldados rebeldes. Existem

    5

  • vrias verses, sobre quem teria sido primeiro a jogar ptalas de

    flores nas ruas, mas uma delas que uma florista contratada para

    levar cravos para a abertura de um hotel, foi vista por um soldado

    que ps um cravo na espingarda, e em seguida todos o fizeram,

    portanto, algum comeou a distribuir cravos vermelhos pelos

    soldados que depressa os colocaram nos canos das espingardas. A

    partir da, o cravo tornou-se o smbolo da Revoluo de 25 de Abril

    de 1974.

    No dia seguinte, forma-se a Junta de Salvao Nacional,

    constituda por militares golpistas, e que proceder a um governo de

    transio. Tambm apresentado o programa do MFA, no qual

    constava trs pontos essenciais: Democratizar, Descolonizar,

    Desenvolver (SILVINO, 2004). Ou seja, o programa do MFA

    propunha a instaurao, a curto prazo, duma Democracia Poltica em

    Portugal, implantao de uma nova poltica econmica, posta ao

    servio do povo portugus e o direito de autodeterminao dos

    territrios africanos (MAXWELL, 2006). Alm disso, foram tomadas

    medidas imediatas da revoluo, como a extino da polcia poltica

    (PIDE/DGS) e da censura (SILVINO, 2004).

    Em 26 de abril vrios presos polticos foram libertados da

    Priso de Caxias e de Peniche, Portugal. Os lderes polticos da

    oposio no exlio voltaram ao pas nos dias seguintes.

    Os sindicatos livres e os partidos polticos, incluindo o Partido

    Comunista Portugus (PCP) e o Partido Socialista (PS), que haviam

    sido proibidos de funcionar no pas pelo regime salazarista foram

    legalizados. A PIDE definitivamente extinta e seus agentes caados

    pelo povo, que exige punio pelas arbitrariedades cometidas. Em 16

    de maio, o 1 Governo Provisrio toma posse em Portugal, presidido

    por Adelino da Palma Carlos com participao de Mrio Soares,

    lvaro Cunhal e S Carneiro.

    6

  • Conforme Pissarro (2005), a notcia do 25 de abril de 1974

    pegou os lderes dos movimentos de libertao nacional de Angola de

    surpresa. Nesse dia, Agostinho Neto presidente do Movimento de

    Libertao de Angola (MPLA) encontrava-se em Canad, mantendo

    contatos com a companhia petrolfera norte-americana Gulf Oil, em

    busca de apoio ocidental para o MPLA. Sem hesitao classificou o

    golpe em Portugal como um ajuste de contas entre faces do

    regime. Os trs movimentos, alis, em comunicados tornados

    pblicos nos dias imediatos, no escondiam as suas reservas. A

    Frente Nacional de Libertao de Angola (FNLA), em comunicado

    publicado a 30 de abril, apelava continuao da luta do povo

    angolano at que "a justia universalmente seja reconhecida, o bom-

    senso e o direito livre determinao" sassem vitoriosos (IDEM,

    2005, P. 14).

    Na primeira semana de maio de 1974, o general Costa Gomes6

    chega a Luanda, e afirma em conferncia de imprensa que o combate

    contra os movimentos de libertao continua, at que estes

    deponham as armas e aceitem uma soluo poltica. (PISSARRO,

    2005, P. 14)

    Ainda em maio de 1974, o presidente da FNLA, Holden

    Roberto, admitia j negociaes com Portugal, com uma condio: o

    reconhecimento do direito autodeterminao e independncia.

    (PISSARRO, 2005, P. 15)

    Pelo mesmo caminho, Agostinho Neto lder do MPLA ajustara a

    opinio sobre o golpe militar em Portugal, mas mantinha a

    6 Segundo Costa Gomes nenhuma provncia, nenhum grupo, nenhuma raa, tero permisso para impor uma soluo que no tenha passado pelo crivo de um teste democrtico, disse general, acrescentando, em resposta a dvidas manifestadas pelos jornalistas, que nossa inteno continuar a luta contra as guerrilhas, e essa posio manter-se- at que os guerrilheiros aceitem a nossa oferta para depor as armas e se apresentem como um partido poltico legal (GOMES apud PISSARO, 2005, p.14)

    7

  • determinao de lutar at que Portugal se comprometesse a

    conceder a independncia, a partir do que poderia ser iniciada a

    negociao sobre a transferncia do poder. Neto rejeitava

    categoricamente qualquer federao com a antiga metrpole (IDEM,

    2005, P. 15).

    A Unio Nacional para Independncia Total de Angola (UNITA)

    liderada por Jonas Savimbi, a 21 de maio alinhava-se pelas mesmas

    idias. Mas, segundo o jornal "Provncia de Angola", Jonas Savimbi

    teria j acordado com as autoridades portuguesas um cessar-fogo. A

    14 de Junho, Savimbi tornava pblica, no mesmo jornal, as suas

    posies sobre a questo, propondo um perodo de preparao

    poltica do povo para a independncia, com a participao dos trs

    movimentos, e a realizao de eleies (IDEM, 2005, P. 15).

    Pissarro (2005), lembra que de Portugal, a Junta de Salvao

    Nacional ordenara o regresso do ento governador de Angola,

    Santos e Castro, e nomeara em seu lugar o ento tenente-coronel

    Soares Carneiro. Da priso de Luanda so libertados 85 presos

    polticos, e da de So Nicolau, em Momedes atual Namibe, 1.200.

    A PIDE formalmente extinta, mas formam-se os agentes integrados

    num novo servio de informaes, o Comando da Polcia de

    Informao Militar (CPIM).

    Em 06 de junho de 1974, inicia a negociao para a

    independncia de Moambique. Enquanto isso Angola vivia o clima

    de agitao militar entre os trs movimentos de libertao e Portugal

    enfrentava a ocupao de sem-teto e greves. No dia 12 de junho,

    Spnola indica Vasco Gonalves para o cargo de Primeiro Ministro.

    Em 18 de junho, o 2 Governo Provisrio toma posse, presidido pelo

    general Vasco Gonalves, membro do MFA. Em termos gerais,

    considera-se que esta revoluo foi um dos movimentos nacional

    mais importante na histria de Portugal, pois procurou devolver a

    8

  • paz e a liberdade ao povo portugus e aos territrios africanos

    (SILVINO, 2004).

    Segundo Maxwell (2006), o Golpe Militar comeou a ser

    preparado na Guien Bissau. Em 21 de agosto de 1973 realizada

    em Bissau a primeira reunio clandestina de capites portugueses.

    Em 09 de Setembro do mesmo ano, no Monte Sobral (Alcovas)

    surge o Movimento das Foras Armadas (MFA), como reao

    insatisfao profissional e a questes de status e privilgios. Em 24

    de setembro, o movimento para a independncia da Guin-Bissau e

    Cabo Verde (PAIGC) declara unilateralmente a proclamao da

    repblica, em 10 de outubro o novo Estado j havia sido reconhecido

    por 54 pases.

    Muito antes do golpe, Marcelo Caetano tentou salvar o regime

    de Lisboa com medidas de liberalizao, porm foi sem sucesso e

    tornou o regime mais fraco ainda. No dia 05 de maro de 1974, os

    Militares das Foras Armadas e populao participante do

    Movimento de oposio ao regime aprovam o primeiro documento do

    MFA contra o governo autoritrio e a Guerra Colonial na frica. Este

    documento posto a circular clandestinamente. (WIKIPDIA, 2007)

    No dia 14 de maro de 1974, o governo demite os generais

    Spnola e Costa Gomes dos cargos de Vice-Chefe e Chefe de Estado-

    Maior General das Foras Armadas, alegando terem recusado a

    participar numa cerimnia de apoio ao regime. No entanto, a

    verdadeira causa da expulso dos dois Generais foi o fato do

    primeiro ter escrito, com a cobertura do segundo, um livro, "Portugal

    e o Futuro", no qual, pela primeira vez uma alta patente advogava a

    necessidade de uma soluo poltica para as revoltas separatistas

    nas colnias africanas e no uma soluo militar. Este ato foi

    fundamental para acelerar o fim do regime salazarista. Em 16 de

    maro registra-se tentativa de golpe militar das Caldas da Rainha.

    9

  • Cerca de 200 militares so presos. No dia 24 de maro a ltima

    reunio clandestina decide o derrube do regime pela fora. (IDEM,

    2007)

    O golpe no garantiu apenas a tranqilidade da populao, mas

    tambm trouxe muitas conseqncias internas imediatas para o

    prprio pas. Quando o velho regime caiu, pouca ateno se deu ao

    MFA. O programa do movimento era pouco debatido, apesar do fato

    de logo ser promulgado como a Constituio provisria da repblica

    portuguesa. Havia muitas ambigidades na definio do programa

    poltico do MFA, especialmente no que se refere descolonizao de

    provncias ultramarinas. Antes do golpe Spnola havia excludo do

    programa, o direito autodeterminao dos territrios africanos,

    dificultando independncia desses pases. Em seu projeto propunha

    a criao de uma federao de pases lusfonos, o que no foi aceite

    pelo MFA que defendia a independncia imediata para as colnias

    africanas. Sem demora Portugal entra em um perodo de grande

    agitao revolucionria, fazendo com que a questo das provncias

    do ultramar, em particular Moambique e Angola, ficasse num

    segundo plano. Vrios polticos moderados e conservadores de 25 de

    Abril consideravam o Caso Angola, Moambique, Guin Bissau como

    fardos pesados, dos quais no seriam fcil de se livrar deles o mais

    rpido possvel, fosse esta ou aquela forma a mais indicada. Alm

    disso, achavam que seria uma iluso perigosa que rapidamente se

    pudesse resolver o problema de descolonizao dos territrios

    africanos, pois o Portugal no estava numa situao de impasse para

    resoluo da questo. Tambm afirmavam que houve dificuldades e

    sempre haver dificuldades na descolonizao da frica. As

    negociaes seriam conseqentemente difceis e morosas, o que

    exigiria necessariamente tempo a solucionar, e que isso no

    dependeria unicamente de Portugal. Em junho de 1974, Spnola e o

    primeiro-ministro, o professor Palma Carlos, tentaram reduzir a

    influncia do MFA, mas tiveram seus planos frustrados. A crise

    10

  • acarretou a renncia de Palma Carlos. medida que se

    evidenciavam as divergncias fundamentais entre Spnola e o MFA

    sobre a direo da poltica interna e colonial, o PCP que havia nos

    primeiros meses depois do golpe de Estado se colocado firmemente

    no centro do espectro poltico e que tambm se opunha s atitudes

    de Spnola na questo da descolonizao, foi aumentando a sua

    colaborao com os membros do MFA.

    Em 26 de julho de 1974, Portugal aprova e promulga a Lei

    Constitucional n 7/74, pela qual reconhece o direito

    autodeterminao e independncia das colnias africanas, e d pela

    primeira vez ao Presidente da Repblica competncia para, atravs

    de acordos assinados por ele ou por outra via que se considere

    vantajosa, formalizar atos de descolonizao. Spnola no teve outra

    sada seno a de assinar a presente lei.

    Em 22 de fevereiro de 1975, o MFA amplia seus poderes ao

    criar o veto s decises polticas fundamentais. A 11 de maro,

    ocorre uma nova tentativa de Golpe de Estado em Portugal, desta

    vez, organizado pelos spinolistas que estavam insatisfeitos com as

    decises polticas do MFA. Mas a resistncia fracassou, grande parte

    dos revoltosos abandona o pas com medo de represlias.

    Em 10 de setembro de 1974, o Governo Portugus reconhece

    oficialmente a independncia da Guin Bissau. J no dia 25 de junho

    de 1975, Moambique proclama a sua independncia. Em 05 de julho

    de 1975, Cabo Verde anuncia tambm a proclamao da sua

    independncia. Sem demora, a 12 de julho de 1975, S. Tom e

    Prncipe proclama a independncia do pas. Nesse perodo Angola

    vivia uma situao dramtica, os conflitos internos entre os

    11

  • movimentos7 de guerrilha atrapalhava todo o processo de

    transferncia do poder para os angolanos (SILVINO, 2004).

    1. Portugal e a Descolonizao de Angola

    1.1. Portugal reconhece o direito independncia de Angola no meio de Conflitos internos e externos.

    Angola sempre esteve prxima do centro da luta entre as

    grandes potncias do mundo, sobretudo da Unio Sovitica e dos

    Estados Unidos da Amrica durante os turbulentos primeiros meses

    em que se seguiram ao golpe em Lisboa. No toa, Angola era

    considerada pela metrpole A Jia da Coroa Portuguesa. Suas

    riquezas e sua beleza cobiam qualquer nao.

    Na Guin-Bissau e em Moambique, Portugal sabia exatamente

    com quem iria negociar os acertos para a independncia dos

    territrios: do outro lado da mesa iriam estar s o Partido Africano

    de Independncia da Guin e Cabo Verde (PAIGC) e a Frente de

    Libertao de Moambique (FRELIMO). Mas a existncia de trs

    movimentos de libertao no caso de Angola tornava impossvel

    qualquer tentativa de uma rpida soluo negociada (SILVINO,

    2004).

    Segundo Pissarro (2005), aps do golpe militar, Portugal

    passou por um perodo conturbado que durou cerca de 3 meses sem

    7 O MPLA (Movimento Popular de Libertao de Angola) tinha a sua zona de influncia poltica concentrada principalmente em Luanda, pois, no Leste, o seu famoso guerrilheiro, Daniel Chipenda, antigo jogador internacional do Benfica de Portugal, estava negociando com a FNLA uma estratgia poltica, para ele e todos os seus homens. A UNITA (Unio Nacional para a Independncia Total de Angola) tinha no sul, na etnia dos umbundos, os seus grandes redutos. Jonas Savimbi era homem do sul. Sua ideologia no parecia totalmente clara, mas no momento, segundo Mota Veiga Pereira, era a UNITA o movimento que possua o maior nmero de eleitores brancos, no s em Luanda, como nas cidades do sul, Nova Lisboa, S da Bandeira e outras. Restavam para a FNLA (Frente Nacional de Libertao de Angola) seus tradicionais redutos do Norte, a zona do caf, a grande fronteira com a Repblica do Zaire, de onde sempre partiram os apoios logsticos s guerrilhas contra o exrcito portugus, durante 14 anos (CASCUDO, 1979).

    12

  • saber com quem negociar diretamente para a transferncia do poder

    em Angola.

    As rivalidades entre os movimentos de libertao, marcadas

    pelas diferenas tnicas, ideolgicas e polticas e as intransigncias

    de Spnola de no querer reconhecer o direto de autodeterminao

    da nao angolana tornavam os sonhos da independncia do pas

    cada vez mais distante da sua realidade.

    Aps de muitos meses de divergncias entre o general Spnola

    e MFA sobre a descolonizao de Angola, os portugueses, finalmente,

    encontram uma frmula para a independncia do territrio

    ultramarino.

    De acordo com Freitas (1975), a nvel do MFA, uma ordem

    direta de Lisboa, diz para seus representantes em Angola a fim de se

    avanar com negociaes com os movimentos de libertao nacional

    para a cessao das hostilidades no pas. Foi assim, em 14 de junho

    de 1974 Portugal, atravs do Comandante-Chefe que tinha sido

    nomeado aps o 25 de Abril para coordenar as atividades do MFA em

    Angola, o General Franco Pinheiro e a UNITA assinam em Lungu-

    Bungo a cessao das hostilidades, em 10 de outubro a faco abre a

    sua sede em Luanda. E tambm se fizeram muitos contatos com

    outros movimentos de libertao de Angola, a FNLA e o MPLA. A 12

    de outubro Portugal e a FNLA assinam em Kinshasa, Zaire o acordo

    de cessar-fogo, no dia 15 de outubro marca-se o incio da cessao

    das hostilidades entre Portugal e a FNLA, e em 16 do mesmo ms a

    Frente Nacional de Libertao de Angola abre as suas instalaes em

    Luanda; Por ltimo, em 21 de outubro em Lunhamege-Angola,

    Portugal e o MPLA assinam acordo de cessao de hostilidades, e em

    08 de novembro o movimento abre a sua delegao em Luanda.

    A 09 de agosto de 1974, a Junta de Salvao Nacional de

    Portugal divulga o primeiro programa formal para a descolonizao

    13

  • de Angola. Era prevista a formao de um Governo provisrio de

    coligao, aps a assinatura de um cessar-fogo com os movimentos

    de libertao, que integrariam um Gabinete em condies de

    igualdade com representantes dos grupos tnicos mais significativos,

    entre os quais o dos "brancos" referido explicitamente. (FREITAS,

    1975)

    Aps um recenseamento, seriam realizadas no prazo de dois

    anos, eleies para uma Assemblia Constituinte, segundo o

    princpio de um homem, um voto, e, aps a elaborao da

    Constituio, seriam realizadas eleies para o Parlamento e o

    Governo, cujos resultados Portugal se comprometia a respeitar. Era

    igualmente admitida a possibilidade de verificao, pelas Naes

    Unidas, das eleies (IDEM, 1975).

    O anncio, que tinha por finalidade acalmar a populao

    branca em Angola, acabou por ter algum efeito contrrio. O MPLA e

    a FNLA rejeitam o programa, devido proposta de representao

    dos maiores grupos tnicos. Em Portugal, o programa aceite, mas

    sem grande consentimento da maioria dos conservadores e do

    presidente da repblica.

    Entretanto, Spnola, descontente com aprovao do documento

    tentou mais uma vez impedir a descolonizao de Angola, usando

    manobras astcias e enganosas de forma a ganhar o tempo para a

    criao de foras polticas fora da rota de coalizo com os

    movimentos de libertao nacional. Neste contexto, surge a seguinte

    indagao: por que o General Spnola em todos os momentos

    rejeitava a descolonizao de Angola? Qual era a sua inteno em

    relao Angola? Para responder esta questo procuramos

    compreender, em primeiro, o que foi estabelecido no encontro

    realizado em Cabo Verde entre Spnola e o Mobutu8, em 1974.

    8 Joseph Mobutu, ex- presidente do Zaire, atual Repblica Democrtica do Congo, desde 1965 at 1997.

    14

  • 1.1.1. O encontro na Iha do Sal, Spnola com Mobutu

    Spnola, vencido em julho de 1974 no acordo com o PAIGC

    sobre a Guin-Bissau e frustrado no comeo de setembro em seu

    plano para Moambique tentou manter o controle pessoal nas

    negociaes com Angola. Mas o seu plano para a descolonizao de

    Angola dependia muito da colaborao do presidente Mobutu, do

    Zaire.

    Passando poucos meses aps 25 de abril, isto no sbado, 14

    de setembro de 1974 o General Spnola e Presidente Mobutu do

    Zaire encontram-se e conversam secretamente durante cinco horas

    na Ilha do Sal, Cabo Verde. A inteno do General Spnola era a de

    evitar para que o processo de descolonizao de Angola no

    ocorresse os mesmos erros que tinham sido cometidos na

    descolonizao de Moambique. Segundo Osrio (1975, p. 75), a

    descolonizao de Angola estava a ser (e foi) mal executada. Com

    efeito, o Moambique havia sido entregue a uma faco, injusta e

    erradamente, pois havia outras faces com legitimidade para

    negociar. (OSRIO, 1975, P. 75-76)

    Ainda de acordo com Osrio (1975),

    Pretende-se fazer o mesmo com Angola. Alis, ainda hoje o

    Governo de Lisboa pretende entregar Angola a uma nica e

    determinada faco o que, necessariamente, leva a

    convulses internas. Concretamente o Governo de Lisboa

    quer entregar Angola faco comunista representada pelo

    MPLA. O General Spnola pretendia arranjar uma soluo

    de equilbrio entre as vrias faces, incluindo o MPLA e a

    populao branca a qual, atingindo cerca de 800. 000

    pessoas, tem tambm uma palavra a dizer. Da o encontro

    com o Presidente Mobutu, ao qual assistiram os Tenentes

    Coronis Rubin de Andrade, Dias de Lima e Firmino Miguel.

    Era perfeitamente legtima a preocupao do General

    Spnola em querer controlar a descolonizao de Angola,

    15

  • pois que, no caso de Moambique, nem sequer o Ministro

    dos Negcios Estrangeiros Mrio Soares e o Ministro da

    Administrao Internacional Almeida Santos a puderam

    fazer fosse o que fosse. De fato, quando estes dois Ministros

    chegaram a Lusaka, j os Acordos para a independncia de

    Moambique estavam praticamente elaborados por Melo

    Antunes e a Frelimo. Parece inconcebvel que assim tenha

    sido, mas foi. (OSRIO, 1975, p.75-76).

    Alm disso, como em muitos dos projetos de Spnola, seus

    planos para Angola no deixavam de ser astuciosos. Ele pretendia

    que as colnias portuguesas seguissem a linha de orientao poltica

    dos pases ocidentais, especialmente sob orientao dos Estados

    Unidos da Amrica e eliminar a possibilidade de tendncia poltica

    do Moscou.

    De acordo com Freitas (1975), durante o encontro na Ilha do

    Sal, Cabo Verde cada parte a apresentou as suas exigncias e

    definiu a sua posio poltica pela qual as provncias ultramarinas

    poderiam orientar-se.

    O general Mobutu solicitou de Spnola, em primeiro lugar, o

    apoio a Holden Roberto em Angola, amputada da sua

    provncia de Cabinda, em segundo lugar que confiasse, por

    um lado, Angola a uma equipe dependente conjuntamente

    de Spnola e Mobutu, por outro lado, Cabinda, cujo subsolo

    contm imensos jazigos de petrleo a uma segunda equipe

    sada de uma certa Frente de Libertao do Enclave de

    Cabinda, instalada em Kinshasa; esta segunda equipe

    dependeria igualmente de Spnola e Mobutu. Em terceiro

    lugar, Spnola deveria ajudar Mobutu realizao daquilo

    que este ltimo chamou uma Federao Zaire-Angola-

    Cabinda, tendo Mobutu como presidente e, eventualmente,

    Holden Roberto como vice-presidente. (FREITAS, 1975, P.

    458)

    16

  • Freitas (1975), ainda afirma que,

    Spnola aceitou estas propostas com trs condies: em

    primeiro lugar, Mobutu deveria ajudar a equipe de Spnola

    junto de certos Chefes de Estado africanos com o fim de

    desembaraar diplomaticamente o Governo Portugus no

    plano internacional e permitir-lhe adquirir uma certa

    honorabilidade, sombra da qual ele poderia empreender,

    com eficincia, uma nova poltica colonial, e no interior de

    Portugal, uma poltica de restaurao da ordem. Mobutu

    aceitou esta exigncia. Em segundo lugar, Spnola exigiu de

    Mobutu que todas as sociedades capitalistas, portuguesas e

    multinacionais, atuassem sob a cobertura de Portugal,

    dispondo livremente, e durante o mnimo de vinte anos, dos

    imensos recursos naturais de Angola, Cabinda e Zaire. Esta

    exigncia foi igualmente aceite por Mobutu. Em terceiro

    lugar, Spnola pediu a Mobutu que o ajudasse a recuperar

    Moambique e a Guin-Bissau, no s provocando golpes de

    Estado, como procedendo a assassinatos por meio de

    infiltraes de mercenrios e da corrupo de certos

    quadros dos Movimentos de Libertao. Neste caso

    igualmente Mobutu aceitou as exigncias (FREITAS, 1975,

    P. 458).

    Silva considera o encontro do general Spnola, no Sal, com

    Mobutu e depois com Nixon9 nos Aores da seguinte forma:

    Em relao ao encontro do Sal, propriamente balde de gua

    fria, no foi. Foi, sim, uma grande surpresa visto que no

    sabamos nada do que se l tinha passado. Soubemos pelos

    jornais que l tinha ido e nunca chegamos a saber o que

    que tinha conversado. No entanto, posteriormente, foi-se

    deduzindo o que que de fato l se tinha passado. Eu no

    considero isso um balde de gua fria, mas sim uma surpresa

    desagradvel, uma vez que no fazia sentido que num

    processo de descolonizao em que havia trs Movimentos

    de Libertao o Presidente da Repblica se fosse encontrar

    com o Presidente de um Estado que dava abrigo a um dos

    9 Richard Nixon foi eleito duas vezes presidente dos Estados Unidos da Amrica (1968/1972 e 1972/1974). O fim do seu governo deu-se com o Caso Watergate iniciado em 1972.

    17

  • Movimentos, porque desde logo fazia pensar que haveria a

    idia de dar uma certa preponderncia a esse Movimento.

    Portanto, nesse aspecto para ns foi preocupante e

    extremamente desagradvel. Quando ao encontro dos

    Aores, eu tenho a impresso que s podemos pensar que

    ele estava na linha do ex-General. Ele servia determinado

    nmero de interesses e esses interesses passavam

    necessariamente pelos Estados Unidos. Assim o encontro

    com patro Nixon estava certo (SILVA apud FREITAS,

    1975, P. 168).

    claro que, Spnola no se simpatizava com a poltica do

    comunismo sovitico, por isso queria reconhecer a faco de

    Chipenda (rebeldes do Leste) como representante do MPLA e isolar

    Neto. Em seguida haveria eleies para a Assemblia Constituinte,

    com voto universal. O entendimento particular entre Mobutu e

    Spnola na Ilha do Sal baseou-se no desejo comum aos dois de ver o

    MPLA neutralizado e, se possvel, eliminado. O contra-almirante

    Rosa Coutinho, alto comissrio portugus em Angola, que no estava

    a par da reunio, declarou depois que os objetivos eram instalar

    Holden no primeiro lugar, com Chipenda e Savimbi a seu lado, e

    eliminar Neto. Spnola, quando insistiu em que no se negociasse

    com o MPLA, afirmou que Neto recebia ordens de Moscou.

    (MAXWELL, 2006, P. 144)

    Por outro lado, tanto Spnola como Mobutu consideravam

    Chipenda manipulvel se lhe fossem dados os incentivos certos.

    Chipenda havia exercido o papel temporrio como protegido de

    Moscou, ele tambm fora, em vrios momentos, protegido de quase

    todos os forasteiros envolvidos na luta angolana, inclusive a polcia

    secreta portuguesa. (MAXWELL, 2006, P. 145)

    18

  • Agostinho Neto10 na sua opinio sobre o encontro do General

    Spnola com Mobutu, na Ilha do Sal afirma o seguinte:

    Claro que o General Spnola queria no seu encontro com o

    General Mobutu, pura e simplesmente eliminar o MPLA,

    como em Portugal ele tambm queria eliminar todas as

    foras progressistas. O seu problema era eliminar as

    foras progressistas e no Sal o que se combinou foi reunir

    todas as foras no progressistas em Angola para

    poderem afastar o MPLA. Simplesmente o ex-General

    Spnola enganou-se, no foi capaz de realizar os seus

    desejos e foi ele o afastado. Mas eu creio que a idia do

    ex-General ainda permanece no esprito de alguns

    responsveis portugueses que tambm acreditam que o

    MPLA no pode governar Angola, no deve governar

    Angola por causa, exatamente, do seu ideal progressista

    (NETO apud FREITAS, 1975, P. 165).

    Essas manobras astcias do Spnola levaram o MFA a tomar

    uma postura radical contra general. Em 28 de setembro de 1974,

    Spnola renuncia presidncia, tendo fracassado na tentativa de

    passar por cima do MFA, dos comunistas e do MPLA, pedindo o apoio

    da maioria silenciosa. Em seu lugar foi nomeado o General Costa

    Gomes11. No mesmo perodo, o 3 Governo Provisrio chefiado por

    Vasco Gonalves toma posse (SILVINO, 2004).

    Na verdade, Spnola12, em seu projeto, em que preconizava a

    formao de uma comunidade lusitana, argumentava que os povos

    africanos no estavam politicamente preparados para assumir uma

    10 Um dos fundadores do MPLA, em 1956, e primeiro presidente da Repblica de Angola em 1975. Nasceu em Angola, na aldeia de Caxicane, em Icolo e Bengo numa famlia de pai pastor de igreja e a me professora da escola primria. Formou-se em medicina em Lisboa, Portugal. Por ter se envolvido na vida poltica defendendo a causa africana, nos anos 50, vrias vezes foi preso. Morreu de leucemia em setembro de 1979, em Moscou, ex-Unio Sovitica.11 Assumiu o cargo de presidente da repblica deixado por Spnola, em 1974.12 O projeto de federao luso-afro-brasileira proposto por Spnola, em 1974, tinha apoio de grupos de acionistas portugueses, empresas multinacionais que atuavam nas colnias portuguesas, principalmente Angola e Moambique, apoio dos Estados Unidos e de outros pases ocidentais. Lembrando que o referido projeto foi imediatamente rejeitado pelos movimentos de libertao nacional, na frica.

    19

  • independncia total dos seus territrios e, que a presena de

    Portugal seria importante para conduzi-los de forma paulatina e

    benigna em um autogoverno no quadro de uma federao luso-afro-

    brasileira e, garantir, sem dvida, os direitos de propriedades de

    colonos e os interesses capitalistas a presentes. Para isso, um

    referendo a favor da federao nos territrios coloniais seria

    extremamente fundamental para saber as intenes e as opinies

    polticas dos povos africanos.

    Entretanto, a soluo poltica do MFA para frica significava

    muito mais do que o tipo de autonomia em uma federao lusitana

    previsto por Spnola. Como explicou sem rodeios o boletim divulgado

    pelo MFA: Os que se beneficiaram com a guerra foram os mesmos

    grupos financeiros que exploraram o povo na metrpole e,

    confortavelmente instalados em Lisboa e Porto ou no exterior, por

    meio de um governo venal, obrigaram o povo portugus a lutar na

    frica em defesa de seus lucros imensos (MAXWELL, 2006, P. 140-

    141)

    Entre outubro de 1974 e janeiro de 1975 o MFA deteve o

    poder efetivo em Portugal. Reforou esse poder formando um grupo

    de apoio mais amplo para supervisionar seus assuntos, o Conselho

    dos Vinte, e instituindo a Assemblia dos Duzentos para atuar como

    um organismo semilegislativo encarregado de deliberar sobre

    polticas importantes. Durante esses quatro crticos meses, o MFA

    permaneceu unido no comprometimento com a descolonizao

    imediata, pois todos os diversos elementos de esquerda no

    movimento concordavam sobre a necessidade da rpida sada da

    frica. A ascendncia da esquerda no movimento tambm levou as

    autoridades portuguesas ideologicamente mais perto do MPLA do

    que dos dois movimentos. (MAXWELL, 2006, P. 145). Justamente os

    dois movimentos referidos aqui so a FNLA e a UNITA.

    20

  • Segundo Maxwell (2006), obvio que os movimentos de

    libertao de Angola, da Guin e Moambique sempre tiveram maior

    cuidado na escolha entre o povo portugus que os apoiava, e o

    governo autoritrio que estava tentando elimin-los. O MPLA, o

    PAIGC e a FRELIMO temeram desde o incio que uma revoluo

    poltica nas colnias portuguesas ainda pudesse deix-los na situao

    de dependncia neocolonial de Portugal e dos interesses econmicos

    da Europa aos quais a metrpole estava ligada e pelos quais s vezes

    atuava como agente. Por isso, o surgimento de idia terceiro

    mundo na esfera das foras armadas portuguesas, assim como a

    crescente aliana entre a ala radical do MFA e os comunistas, foram

    vistas com grande interesse pelas organizaes marxistas na frica.

    Essas estratgias possibilitavam-lhes para acelerar o processo de

    descolonizao e garantir que, que mesmo existissem grupos

    nacionalistas concorrentes, os que, como o MPLA, possussem

    contatos de longos anos com a antiga oposio clandestina

    portuguesa receberiam considerao especial.

    Ainda Maxwell (2006), alm disso, a desconfiana do

    liberalismo tambm ajuda a esclarecer a importncia do casamento

    de marxismo ecltico e nacionalismo na filosofia do MFA. Dela

    resultou a base de convergncia entre, de um lado, o PAIGC, o MPLA

    e a FRELIMO, e de outro o MFA. Essa coligao temporria entre o

    MFA e seus oponentes pode estar na origem do momento oportuno e

    circunstncias especiais das lutas dos movimentos de libertao e

    pelo atraso da metrpole, que desagradava aos oficiais do MFA. Os

    movimentos de libertao tinham objetivos especficos dentro dessa

    aliana, mas o MFA no. Portanto, os movimentos de libertao

    estavam comprometidos com a independncia nacional, enquanto o

    compromisso do MFA continuava a ser, ver as colnias africanas

    livres.

    O perodo foi crtico porque permitiu ao MFA tempo para

    respirar e restabelecer a liderana sobre a independncia de Angola.

    21

  • Tambm permitiu ao Agostinho Neto organizar o seu to dividido

    movimento (MPLA). O papel dos portugueses nesse momento

    especfico de descolonizao do territrio angolano foi crucial. Uma

    das dificuldades [...] foi o fato de que, militarmente, a guerra colonial

    [em Angola] no apresentava as mesmas condies que em

    Moambique ou Guin. Em Angola as foras portuguesas

    controlavam praticamente todo o territrio. Os movimentos, em certa

    medida, estavam sendo derrotados13. O MPLA estava praticamente

    derrotado do ponto de vista militar. claro que esta situao

    acabou por agravar o problema da descolonizao, porque o

    movimento com maior sustentao poltica era ento militarmente o

    mais fraco. (MAWELL, 2006, P. 146-147)

    Apesar de todos esses impasses quanto descolonizao de

    Angola, nesse perodo foram formalizados diversos acordos de

    cooperao entre os movimentos rivais de libertao nacional. A 25

    de novembro de 1974, FNLA e a UNITA assinam acordo em

    Kishansa; e em 18 de dezembro MPLA e a UNITA assinam acordo em

    Luso, Angola, desde logo ficou assente que teria de haver um

    encontro a trs a fim de encontrar uma plataforma comum que

    permitisse discutir com os portugueses a questo da descolonizao

    de Angola (FREITAS, 1975 E CORREIA, 1996). A Organizao da

    Unidade Africana (OUA) que em momentos diferentes reconhecera a

    FNLA e o MPLA como nico porta-voz nacionalista legtimo de

    Angola, agora estendia reconhecimento de ltima hora a Jonas

    Savimbi, da UNITA. (MAXWELL, 2006, P. 147)

    Conforme Silva (apud Freitas, 1975, P. 156), para a descolonizao de Angola foi necessrio fazer outro 25 de Abril dentro de Angola.

    13 A existncia de rivalidade entre as organizaes de guerrilhas marcadas pelas diferenas tnicas e das divises internas e clivagens polticas so uns dos fatores que contriburam no enfraquecimento dos movimentos de libertao em Angola. No caso do MPLA, o movimento enfrentava dois graves problemas: a) a posio dos intelectuais da Revolta Ativa, constituda pelo prprio fundador do MPLA, Mrio Pinto de Andrade, cujo destino, neste momento, ignorado e incerto contra Agostinho Neto, dentro de Luanda, na cpula do prprio partido; b) nas bases populares e militares, o conflito com Daniel Chipenda, o chefe de Revolta do Leste.

    22

  • Primeiro houve aqui em Angola, digamos outro 25 de Abril

    em miniatura, porque os chefes militares de ento usaram

    um mtodo que ns consideramos bastante dbio e que

    obrigou os oficiais, que desde logo aderiram ao 25 de

    Abril, a tomar posies firmes para que eles se

    definissem. Ora, essas posies de fato nunca

    apareceram. Ns nessa altura estvamos em contato

    estreito com Lisboa como natural, tnhamos sucapa,

    at com ar de conspirao, comunicao diria com

    Lisboa por diversas vezes e diversas vias, isto logo a

    seguir ao 25 de Abril, digamos nos dias 26, 27 e 28. Havia

    c vrios oficiais ligados ao Movimento dos Capites,

    simplesmente a partir de certa altura, por necessidade de

    manter o segredo, deixou de ser possvel aqui saber

    quando que se iria passar o 25 de abril, embora se

    soubesse que estava para breve, especialmente depois do

    16 de maro nas Caldas da Rainha. Eu no era um desses,

    mas havia de fato vrios oficiais que estavam ligados

    desde o princpio ao Movimento dos Capites, mas no s

    esses como muitos outros que aderiram desde o 25 de

    Abril, tiveram necessidade, aqui em Luanda, de forar os

    comandantes militares a definir a sua posio

    relativamente revoluo que se tinha dado em Portugal.

    Essa definio no apareceu seno duma forma muito

    pouco consistente e para ns muito pouco satisfatria

    depois de muitas presses. Essas presses foram feitas

    atravs de reunies em que ns de fato impusemos a

    presena desses comandantes militares para que eles

    definissem, reunies de que saram diversos comunicados,

    mas que ns no consideramos satisfatrios. (SILVA apud

    FREITAS, 1975, P. 156).

    A partir de 1975 vrias cimeiras para os assuntos de

    descolonizao de Angola so realizadas em vrios pases, com a

    participao de Portugal, MPLA, FNLA e da UNITA: Entre os dias 3,

    4 e 5 de janeiro renem-se no palcio presidencial em Mombaa,

    Qunia, as trs delegaes do movimento de libertao nacional,

    23

  • todas representadas por seus respectivos presidentes Holden

    Roberto pela FNLA, Agostinho Neto pelo MPLA, e Jonas Savimbi

    pela UNITA num clima de mtua compreenso e perfeito

    entendimento encontraram uma plataforma comum em vista s

    negociaes com o governo Portugus para a formao de Governo

    de Transio que conduziria Angola independncia. Dentro do

    mesmo esprito de compreenso e unidade os trs Movimentos

    decidiram que a partir desta data se obrigam a cooperar em todos os

    domnios, especialmente no quadro de descolonizao, defesa e

    integridade territorial, bem como no da reconstruo nacional,

    (FREITAS, 1975, p. 179). Alm desses acordos, era necessrio fazer

    outro acordo onde se discutiria as modalidades para qual o Portugal

    faria a transferncia do poder para os angolanos. Entre eles foi o

    Acordo do Alvor realizado no continente europeu.

    1.1.2. O Acordo de Alvor

    Nos dias 10 a 15 de janeiro de 1975, reunidos em Portugal no

    Hotel da Penina, Algarve, o Estado Portugus e os representantes

    dos trs Movimentos de Libertao Nacional (MPLA, FNLA e UNITA)

    assinam o Acordo de Alvor, que estabelece a frmula pela qual

    Angola se tornaria independente. Chefiava o lado portugus o

    general Costa Gomes como presidente provisrio de Portugal, Mrio

    Soares como ministro dos negcios estrangeiros, o major Melo

    Antunes e o alto comissrio, almirante Rosa Coutinho. Ambas as

    partes negociaram o processo e o calendrio do acesso de Angola

    independncia, entre os pontos principais acordados so:

    artigo 1 o Estado Portugus reconhece os Movimentos de

    Libertao, Frente Nacional de Libertao de Angola (FNLA),

    Movimento Popular de Libertao de angola (MPLA) e Unio

    Nacional para a Independncia Total de Angola (UNITA), como os

    nicos e legtimos representantes do povo angolano;

    24

  • artigo 2 o Estado Portugus reafirma, solenemente, o

    reconhecimento do direito do povo angolano independncia;

    artigo 3 Angola constitui uma entidade uma e indivisvel nos seus

    limites geogrficos e polticos atuais e, neste contexto, Cabinda

    parte integrante e inalienvel do territrio angolano;

    artigo 4 a independncia e soberania plena de Angola sero

    solenemente proclamadas em 11 de novembro de 1975, em Angola,

    pelo presidente da Repblica Portuguesa ou por representante seu

    expressamente designado;

    artigo 5 o poder passa a ser exercido, at proclamao da

    independncia, pelo Alto Comissrio e por um Governo de Transio,

    o qual tomar posse em 31 de janeiro de 1975 (FREITAS, 1975, P.

    181 e MAXWELL, 2006 ).

    Em sntese: o Acordo previa que Portugal continuaria a sua

    soberania em Angola at a data fixada para sua independncia, 11 de

    novembro: Seria formado o Governo de Transio, com os

    Ministrios divididos entre os movimentos e alguns nas mos de

    portugueses, como o de economia. Previa o problema dos refugiados

    vizinhos do Zaire ou Zmbia, eleies gerais em outubro, para

    formao de uma Assemblia Constituinte, cooperao entre

    Portugal e Angola, sada progressiva das tropas portuguesas do pas;

    criao da Comisso Nacional de Defesa, presidida pelo alto-

    comissrio de Portugal em Angola, constituio dos projetos da Lei

    Fundamental, da Lei Eleitoral e da prpria Constituio da futura

    Repblica, formao de comisses mistas para assuntos de

    descolonizao, cooperao, pagamentos de dvidas a Portugal etc.

    (CASCUDO, 1979).

    25

  • Segundo Pissarro (2005), o jornal a Provncia de Angola do

    dia 16 de fevereiro de 1975, cujo ttulo Angola governada por

    angolanos a partir de 31 de janeiro, informava que:

    Foi num ambiente de confiana mtua e de franca cordialidade, que decorreu, esta noite, no Hotel da Penina, a cerimnia de encerramento da conferncia geral sobre Angola. Presidiu ao ato o Presidente da Repblica Portuguesa, general Costa Gomes, que se encontrava ladeado, direita pelos elementos da Delegao portuguesa e do FNLA, e esquerda, pelos representantes das Delegaes do MPLA e da UNITA. Em lugar especial sentavam-se o primeiro-ministro do Governo Provisrio portugus, brigadeiro Vasco Gonalves, o ministro sem pasta, major Vtor Alves e o alto comissrio de Angola, almirante Rosa Coutinho. (PISSARRO, 2005, P. 16)14. Este fato testemunhado pela Figura 01, que mostra a foto dos participantes do Acordo de Alvor.

    Figura 01: Acordo de Alvor (Foto Net). Fonte: Pissarro (2005, P.16)15

    O acordo foi um grande feito, e o principal responsvel

    por essa realizao foi o MFA, ento no auge de seu poder e

    prestgio. Agostinho Neto prestou um discreto tributo ao Movimento

    das Foras Armadas no fim do encontro de Alvor, na poca pouco

    notado, mas de grande significncia em suas implicaes: chamou o

    MFA de O Quarto Movimento de Libertao. (MAXWELL, 2006, P.

    148)

    14 PISSARRO. Memria. Angola 1951-1975. 2005. 15 Idem

    26

  • No dia do encerramento da cimeira que deu lugar assinatura

    do Acordo de Alvor. O Presidente de Portugal, Costa Gomes proferia

    as seguintes palavras nao angolana: O Povo Angolano Sente na

    Alma o Blsamo da Esperana. No seu discurso afirmava:

    Senhores presidentes: As vossas assinaturas selaram com

    Portugal um acordo de transcendente importncia nos

    destinos dos povos de Angola. Ficou assim encerrado um

    captulo que foras retrgradas prolongaram injustamente.

    Trabalhamos nesta reunio cimeira com uma gerao de

    atraso nas correntes da Histria. Compete-nos agora ser

    generosos quanto ao passado, diligentes quanto ao futuro e

    presente e esclarecidos ao futuro.(...) Senhores presidentes:

    O povo angolano, todos os homens bons que em Angola

    desejam viver e trabalhar em clima de justia social,

    penosamente saturados por uma guerra sem grandeza,

    sentem na alma o blsamo de esperana. O seu desejo de

    paz e tranqilidade to forte que, estou certo, todos daro

    o melhor do seu esforo e colaborao para que os seus

    sofrimentos e esperanas no sejam vos na histria da

    grande ptria que vai nascer. Vs, angolanos, governantes e

    governados, sereis capazes de dirigir e aplicar as

    potencialidades do territrio ao ritmo trepidante de quem

    tem a construir um dos mais florescentes pases do

    continente africano. Repousar nas vossas mos, homens de

    Angola, tudo quanto o destino vos reservou para criardes

    uma ptria materialmente grande e rica, espiritualmente

    fraterna e justa. (PISSARRO, 2005, P. 16) 16.

    Em seguida Agostinho Neto, presidente do Movimento Popular

    de Libertao de Angola (MPLA) dirigia a seguinte mensagem ao

    povo angolano: Saibamos Reforar e Consolidar as Conquistas

    Obtidas. Em seu discurso dizia:

    Povo angolano, companheiros de luta, camaradas e

    simpatizantes do MPLA angolanos: Falo-vos no momento de

    particular transcendncia do processo j longo da luta de

    libertao do nosso povo e do nosso pas. No interessa

    16 PISSARRO. Memria. Angola 1951-1975. 2005.

    27

  • relembrar agora os inmeros sacrifcios, os incalculveis

    sofrimentos por que passou o nosso povo, pois o sangue

    derramado pelos nossos heris, os sacrifcios consentidos

    pelo nossos mrtires, as humilhaes dos vivos e dos

    mortos, constituem j, historicamente, a argamassa

    indestrutvel que construiu os alicerces da nossa libertao.

    O que importa neste momento que a grande e portentosa

    nao que j se vai erguer, sobre as bases conquistadas,

    saiba trilhar o mesmo caminho de dignidade e justia e de

    humanidade que sempre caracterizaram a ao do

    Movimento Popular de Libertao de Angola. (...).

    Compatriotas camaradas: agora que os trabalhos da cimeira

    esto concludos, agora que o Mundo inteiro nos olha com a

    considerao e o respeito que a nossa luta de libertao

    constituram, saibamos reforar e consolidar as conquistas

    obtidas. Um s povo, uma s nao, defendendo

    intransigentemente, sem subterfgios ou ambigidades a

    democracia e o direito sagrado de podermos entrar no seio

    da comunidade mundial com as credenciais conseguidas ao

    longo de 18 anos de luta. FNLA, UNITA e MPLA unidos,

    pretos, mestios e brancos unidos so a garantia para

    construirmos uma ptria independente para o povo

    angolano. A vitria certa (PISSARRO, 2005, P. 16)17.

    Por ltimo, as palavras de Holden Roberto, lder da Frente

    Nacional de Libertao de Angola (FNLA) populao angolana:

    Acabou o Colonialismo que Oprimiu Angola. O seu discurso

    caracterizava-se da seguinte forma:

    Boa noite, angolanos. Como do vosso conhecimento, a

    cimeira de Alvor acaba de terminar. Foi beira do Oceano

    Atlntico, nesta distante provncia portuguesa do Algarve,

    que h cinco sculos as caravanas portuguesas receberam

    ordem de partida para as distantes terras de frica. Foi

    desta terra que partiu Diogo Co, desses conquistadores,

    desses colonizadores para atracar no nosso pas. Pois, meus

    irmos, com regozijo que vos anuncio que nessa mesma

    terra onde nasceu o colonialismo, o colonialismo que

    oprimiu Angola, acabou. o fim de uma poca e a primeira 17 Idem, Ibidem.

    28

  • de outra, e neste momento solene em que os coraes de

    todos os angolanos batem uma, os meus pensamentos

    esto dirigidos para vs. Ao mesmo tempo peo para

    celebrarem comigo esta vitria que o nosso povo depois de

    catorze anos de luta sangrenta e implacvel acaba de

    alcanar, mas tendo em conta que essa vitria alcanada

    com sangue, com lgrimas e com o suor dos filhos mais

    queridos de Angola. E este momento que celebramos esta

    vitria nosso dever dirigir o nosso pensamento para

    aqueles que se sacrificaram para que este dia to glorioso

    nos anais da histria do nosso povo se torne uma realidade.

    11 de Novembro de 1975 Angola ser independente para

    toda a eternidade. Regozijai-vos, cantai e danai porque a

    liberdade pela qual tanto sofremos, se torne uma realidade.

    Daqui a pouco assumireis novas responsabilidades e no

    sereis homens sem ptria, meios cidados. Pois sereis,

    doravante, verdadeiros cidados.(...). (PISSARRO, 2005, P.

    16)18

    Jonas Savimbi no se pronunciou. Passados que so 30 anos

    se analisarmos bem estes discursos veremos que so eivados de pura

    hipocrisia. Nenhum dos partidos conhecia a realidade angolana de

    1974, porque os seus dirigentes estavam no estrangeiro. O MPLA at

    ento, no tinha lutado no terreno nem praticamente a UNITA. Estes

    discursos foram uma autntica humilhao aos portugueses

    permitida pelo ento presidente da Repblica Costa Gomes que

    presidiu conferncia. De Vasco Gonalves e de Rosa Coutinho podia

    esperar-se tudo porque j tinham planos para a entrega

    incondicional de Angola aos comunistas do MPLA (PISSARRO, 2005,

    P. 6)19.

    18 Idem, Ibidem.19 Idem, Ibidem.

    29

  • 1.1.2.1. Formao do Governo de Transio em Angola, 1975

    Em 31 de janeiro de 1975, forma-se o Governo de Transio de

    Angola nos termos do Acordo do Alvor. Nesse dia os membros

    escolhidos de cada movimento de libertao assumiam os seus

    respectivos cargos. Alm disso, escutavam-se palavras de conciliao

    e discursos de cada representante do movimento.

    Destacamos aqui alguns trechos do discurso proferido por

    representante de Portugal, o Alto Comissrio de Angola Silva

    Cardoso. Saibamos merecer a grandeza da liberdade.

    Em Angola damos hoje incio aplicao do acordo assinado

    no Algarve, que responsabiliza os legtimos representantes

    do povo angolano FNLA, MPLA e UNITA na definio da

    poltica que dar base nacional governao independente

    deste portentoso Pas. (CARDOSO, apud PISSARRO, 2005 P.

    6)

    Vamos desta forma retomar os objetivos que conduziram a

    Mombaa e ao Alvor, agora melhor compreendidos e

    cimentados nas tarefas que cada a um cabem, como parte

    dum conjunto empenhado em dar ao povo angolano o futuro

    que merece, e em dar a Angola uma projeo na frica e no

    Mundo. (IDEM, 2005 P. 16).

    Palavras proferidas por lder da UNITA, Jonas Savimbi na

    tomada de posse do Governo de Transio em Angola:

    O momento que vivemos neste dia o coroamento de

    sacrifcios sem par que o nosso Povo veio concedendo

    durante muitos anos. A tomada de posse do governo

    Angolano de Transio enche de orgulho todos os

    angolanos. Para aqueles que combateram o colonialismo de

    arma na mo sentem o reencontro de a sua luta no ter sido

    em vo. (SAVIMBI apud PISSARRO, 2005 P. 6)20

    20 PISSARRO. Memria. Angola 1951-1975. 2005.

    30

  • Pessoalmente gostaria de estar do vosso lado nesta hora

    histrica. Mas ontem, como hoje, amanh como sempre,

    servirei os interesses da unidade nacional. Exorto-vos a agir

    conforme o esprito de Mombaa e a respeitar

    integralmente o protocolo de Penina. O vosso lema no pode

    ser outro seno servir o vosso Povo, a justia humana

    constituir a garantia do vosso sucesso. Contareis sempre

    que precisareis com os meus fracos prstimos. Viva Angola,

    viva a Unidade Nacional. (IDEM, P. 16)

    Mensagem de Agostinho Neto dirigida nao Angolana. S

    com o povo no poder teremos a verdadeira democracia.

    No nome do Bureau Poltico e do Comit Central do

    Movimento Popular e de Libertao de Angola com a

    maior alegria, que neste 31 de Janeiro de 1975, os felicito

    pela honrosa responsabilidade assumida de orientar at 11

    de Novembro do ano corrente, a descolonizao do nosso

    pas e a transferncia do poder para as mos do nosso povo.

    (NETO apud PISSARRO, 2005, P. 16)

    A dura luta contra o colonialismo revelou a capacidade do

    nosso povo por si mesmo e, por isso, este deve sentir no

    Governo de Transio o intrprete fiel das suas aspiraes,

    o defensor da sua independncia, o continuador da luta

    contra as seqelas do colonialismo e contra o Imperialismo.

    (IDEM, 2005, P. 16)

    Palavras de Holden Roberto. Apoiemo-lo todos porque o

    nosso governo

    "Irms Angolanas. Irmos Angolanos. 31 de Janeiro de

    1975. Este dia que o da instalao de um Governo de

    Transio cuja Sede a Capital do nosso Pas, ficar

    marcado a partir de hoje pelo mais brilhante cristal da

    HISTRIA (em letras maisculas) da nossa querida Ptria!

    Este dia que pela sua solenidade se distingue de todos os

    outros, marca, sem sombra de dvida, o princpio da

    efetivao do processo irreversvel que conduzir o nosso

    pas independncia, processo que foi objeto das

    31

  • negociaes levadas a cabo, resultante foi o ACORDO de

    Alvor, firmado em 15 deste mesmo ms de Janeiro e que o

    RENASCIMENTO da Ptria Angolana". A restante parte do

    discurso praticamente uma repetio do que foi dito no

    Acordo de Alvor na Penina por isso dispensamos a sua

    transcrio. (ROBERTO, apud PISSARRO, 2005, P. 16).

    1.1.2.2. O Acordo do Alvor fracassa, Portugal abandona Angola

    e a Guerra Civil inicia no pas.

    Entretanto, o Acordo do Alvor era destrudo, a cada instante,

    principalmente pelo MPLA e FNLA. Por sua vez, a fora militar

    portuguesa, que possua dispositivos blicos capaz de exercer

    vigilncia ao longo das fronteiras angolanas, nunca se preocupou

    com os desembarques de armas e tropas estrangeiras cubanas, sul-

    africanas e zairenses. Tudo isso seria fatal, a partir de 15 de maio e

    com conseqncias ainda maiores num futuro prximo. Sem demora,

    aps de alguns dias da formao do Governo de Transio de Angola,

    o sangue comea a correr nas ruas da capital do pas. Inicia o

    tremendo calvrio da transio, regado pela dor, pelo luto, pela

    morte intil, pela fuga precipitada e sem destino. (FREITAS, 1975,

    P. 195-196)

    Em 13 de fevereiro de 1975, registra-se na cidade de Luanda ao

    armada do MPLA contra as instalaes da faco dissidente de

    Daniel Chipenda conhecida como Frente-Leste. Segundo um

    comunicado do MPLA, tratava-se de uma medida preventiva,

    neutralizar essas foras ilegais, perigosas e reacionrias (FREITAS,

    1975, p. 238)

    Em 21 de maro do mesmo ano, comea a guerra civil ps-

    Alvor, bipartida, com confrontos armados entre a FNLA e o MPLA,

    em Luanda e nos distritos do Uge e do Zaire; no dia 27 do mesmo

    ms comea a chegar as primeiras notcias oficiais do incio da

    32

  • internacionalizao do conflito angolano com a confirmao de

    suspeitas anteriores da presena de tropas regulares da Repblica

    do Zaire no interior de Angola, atuando em apoio a FNLA.

    (CORREIA, 1996, P. 192)

    Na cidade capital desalojados perdem-se em Luanda. Dormem

    ao ar livre frente ao palcio do governo, no Aeroporto espera de

    um bilhete21, amontoam-se em barracas de campanha junto Casa

    do Desportista, na Ilha, vivem em quartos improvisados num prdio

    de Luanda que ainda nem est acabado. (FREITAS, 1975, p. 195).

    Segundo o Boletim do MFA n 19, de 30 de maio de 1975,

    Desde a constituio do Governo de Transio de Angola,

    com representantes dos trs Movimentos de Libertao, a

    situao poltica tem-se degradado continuamente. A causa

    principal da degradao da situao o no-cumprimento

    geral do Acordo do Alvor, que foi livremente aceite pelos

    dirigentes dos trs Movimentos de Libertao e

    nomeadamente o atraso na efetivao de certos pontos

    bsicos, como a Lei Fundamental, a Lei Eleitoral ou a

    Constituio das Foras Militares Mistas. (BOLETIM DO

    MFA N 19 DE 30 DE MAIO DE 1975, apud FREITAS, 1975,

    p. 196).

    Ainda conforme o Boletim do MFA n 19, 1975,

    O antagonismo que existem entre a FNLA, MPLA, que tem

    fundas razes na histria do movimento de libertao de

    angolanos e nas ideologias opostas que defendem, tem-se

    exacerbado e a partir de uma falta de entendimento mnimo

    e pela desconfiana mtua, est na origem da escalada de

    violncia que atingiu gravssimas propores nos ltimos

    incidentes de princpios de maio. (BOLETIM apud FREITAS,

    1975, P. 196)

    21 Refere-se bilhete de passagem area.

    33

  • A deteriorao das relaes entre os dois Movimentos

    acelerada, por vezes, por confrontos a partir de motivos

    mais do que prosaicos, que surgem ao nvel de bases

    militares, ultrapassando, pois a vontade das cpulas,

    cortando a estas a capacidade oportuna de controle. Ao nvel

    dos dirigentes ainda existe uma base suficientemente ampla

    para se discutirem os assuntos, mas ao nvel da base isso j

    no existe. Alm disso, tida como certa a existncia de

    grupos infiltrados provocadores que no pertencem a

    nenhum dos Movimentos, a soldo de grandes potncias ou

    de grupos de extrema-direita que atacam tanto a FNLA

    como o MPLA, lanando-os um contra o outro. Isto tem

    acontecido com freqncia. Finalmente, h certos elementos

    da colnia portuguesa em Angola que jamais se conformaro

    com a perda da anterior situao de privilgio e/ou esto

    diretamente implicados nos grupos provocadores terroristas

    ou procuram exercer no campo poltico uma atividade

    complot, provocando um clima de tenso e frico entre os

    Movimentos. (IDEM, 1975, P. 196-197)

    A partir desta situao surgiu um fator novo, o medo que se

    apoderou de grande parte da colnia portuguesa e de outras

    etnias, provocando um movimento importante de tentativa

    de regresso a Portugal. Esta tendncia grave para o

    abandono atingiu na colnia portuguesa as camadas mdias

    da populao, sobretudo de tcnicos e mo-de-obra

    semiespecializada, que abandonaram a zona de Luanda e

    voltaram s zonas de origem. (IDEM, 1975, P. 197)

    Desse fator resulta o declnio acentuado da atividade

    econmica, agravado pela ameaa de paralisao de

    trabalho em muitas empresas e pela reduo do potencial

    das mesmas, o que na atual situao de Angola pode levar, a

    curto prazo, a uma rpida degradao econmica que teria

    um reflexo imediato no agravamento da situao poltica.

    Com efeito, uma situao em que viesse a escassear

    alimentos ou abastecimentos, provocaria certamente

    movimentos das populaes e uma agitao social

    incontrolveis, o que daria origem a uma situao ainda

    mais degradada e favorvel a novas ingerncias das grandes

    34

  • potncias e grupos econmicos que cobiam este territrio.

    (IDEM, 1975, 197)

    A questo coloca-se designadamente ao nvel das influncias

    e apoios externos que certas grandes potncias ou grupos

    econmicos transformam numa autntica ingerncia interna

    nos assuntos do povo angolano e que podem viciar todo o

    processo de descolonizao e o futuro de um pas que todos

    queremos independente e progressista e livre do

    imperialismo. (IDEM, 1975, P. 197)

    O papel das Foras Armadas Portuguesas decisivo para

    evitar e travar, sempre que necessrio, a escalada de

    violncia. A sua interveno enrgica dentro do princpio da

    neutralidade ativa era o fator que garantia neste momento a

    estabilizao da situao face aos conflitos que surgem a

    cada passo. Cabe ainda s Foras Armadas Portuguesas, em

    particular aos seus responsveis polticos, intervirem no

    plano poltico e estabelecerem um estreito e fraternal

    dilogo, um dilogo constante com os Movimentos de

    Libertao, na procura do esprito da unidade nacional

    fundamental para a independncia de Angola. A interveno

    poltico-militar das nossas Foras Armadas o garante do

    avano do processo poltico em Angola numa via pacfica

    para a independncia. (IDEM, 1975, P. 197).

    A 15 de junho de 1975, ocorre a Cimeira de Nakuru, Qunia.

    Durante oito dias decorreram longas e delicadas conversaes entre

    o MPLA, a FNLA e a UNITA. Os trs presidentes dos Movimentos de

    Libertao, conscientes da grave situao em que Angola se

    encontrava e dos interesses nacionais que tm necessariamente de

    ser colocados acima de quaisquer divergncias polticas ou

    ideolgicas, afirmaram solenemente renunciar ao uso da fora como

    meio de resolver os problemas e honrar todos os compromissos

    resultantes das concluses do acordo que se segue. (FREITAS,

    1975, p. 270) Alguns pontos capitais que foram acordados no Alvor

    35

  • foram ratificados em Nakuru, como por exemplo, o da criao das

    foras armadas angolanas. (FREITAS, 1975)

    Apesar dos xitos alcanados nos acordos do Alvor e de Nakuru

    entre os trs Movimentos de Libertao, a situao poltica em

    Angola no era de tranqilidade. Vivia-se um clima tenso e de

    agitao de guerra, principalmente entre o MPLA e FNLA. O nmero

    de pessoas que pretendiam deixar Angola com destino para as suas

    terras de origem era alarmante. Alm dos portugueses, cabo-

    verdianos e guinenses que desejavam deixar Angola, tambm havia

    angolanos que no se sentiam seguros nos seus locais de trabalho

    habituais. Como o caso dos bailundos22 que regressavam aos seus

    lugares de origem em massa a procura de proteo. Esse problema

    foi preocupante, muitas vezes teve repercusso altamente negativa

    quer para Angola quer para Portugal onde na verdade todos tinham

    conscincia da crise em que se vivia no pas. (FREITAS, 1975)

    Na verdade, o Acordo do Alvor no expressava entidade para

    qual o governo portugus deveria transferir a soberania no ato da

    proclamao da independncia. Nos termos dos artigos 42 e 44 do

    Acordo do Alvor estipulava, que o Governo de Transio devia

    aprovar uma Lei Fundamental, que vigoraria transitoriamente at

    aprovao da Constituio de Angola, e que essa lei seria elaborada

    por uma Assemblia Constituinte que deveria estar eleita e instalada

    at 31 de outubro de 1975 (artigo quadragsimo). Do princpio da

    reserva de legitimidade conferida aos movimentos de libertao

    como representantes dos seus povos, resultou que o texto do acordo

    s a eles reconhecesse o direito de se candidatarem s eleies

    (artigo quadragsimo primeiro), o que deveria conferir s eleies

    uma legitimidade democrtica dualista, a revolucionria e

    representativa. (CORREIA, 1996, p. 26)

    22 Povos de etnia Umbundo localizados, sobretudo no centro-sul de Angola. Natural de Bailundo.

    36

  • A Lei Fundamental foi de fato promulgada em 13 de junho de

    1975 e nela se previam, como rgos de soberania do novo Estado no

    momento da independncia, a prpria Assemblia Constituinte e um

    Presidente da Repblica, que seria eleito pela assemblia at 08 de

    novembro e entraria em funes no momento da independncia, a 11

    de novembro de 1975. (IDEM, 1996, P. 26). A publicao da lei no

    evitou o pior que mais tarde aconteceu em Luanda, Norte e Sul de

    Angola.

    Ainda segundo Correia (1996), em 20 de julho de 1975,

    verifica-se uma das graves incidentes, MPLA expulsa a FNLA de

    Luanda, e o conflito toma uma proporo enorme com envolvimento

    de tropas estrangeiras. A 03 de agosto lanam a Operao

    Iafeature, consistindo numa aliana militar entre a FNLA e a

    UNITA, foras regulares zairenses, foras regulares sul-africanas e

    mercenrios portugueses, coordenadas pela CIA, para combater o

    MPLA e conquistar o poder em Luanda no dia da independncia,

    para uma coligao FNLA-UNITA. A 04 de agosto Savimbi anuncia a

    entrada oficial da UNITA no conflito de Angola. A guerra civil torna-

    se tripartida com tendncia para passar a bipartida pela

    aproximao da FNLA e da UNITA contra o MPLA. A 09 do mesmo

    ms verificam-se intervenes armadas autnomas de foras

    regulares da frica do Sul no interior de Angola, com aes sobre as

    barragens de Calueque e Ruacan. No dia 20 ainda do mesmo ms

    MPLA e a UNITA fazem negociaes em Luanda, mas sem sucesso, a

    guerra se expande para as outras regies de Angola, destruindo as

    infra-estruturas econmicas e desalojando famlias inteiras.

    Em 11 de novembro de 1975 as condies reais que se

    observavam em Angola inviabilizaram a transferncia do poder nos

    termos acordados e formalmente estabelecidos. Verificava-se um

    vazio governativo que, para alm da paralisao executiva e

    legislativa, inviabilizara a elaborao da lei eleitoral e das restantes

    37

  • operaes preparatrias das eleies. Do vazio governativo resultava

    o vazio do Estado, pois a Assemblia Constituinte no foi eleita e,

    sem ela, no se podia eleger o Presidente da Repblica. O Acordo do

    Alvor, sistematicamente violado por trs Movimentos de Libertao e

    que estava j, de fato, irremediavelmente ultrapassado em muitas

    das suas disposies, fora parcialmente suspenso pelo Governo

    Portugus em 22 de agosto de 1975, atravs do Decreto-Lei n 458-

    A/75. Entretanto, alastrara a guerra civil entre os trs Movimentos

    polticos de Angola internacionalizada por intervenes armadas

    externas em apoio de todos eles e por eles prprios solicitadas, o que

    fizera subir o patamar do conflito regional (CORREIA, 1996, P. 26-

    27).

    Diante deste impasse o Estado Portugus resolveu declarar

    oficialmente a independncia de Angola, como se comprometera,

    transferindo o poder para o nico soberano a quem reconhecia

    legitimidade do povo angolano.

    A noite de 10 para 11 de novembro, o Alto Comissrio general

    Silva Cardoso lia a mensagem de que se destaca o seu nmero dois:

    Nestes termos, em nome do Presidente da Repblica

    Portuguesa proclamo solenemente (com efeito, a partir das

    zero horas do dia 11 de novembro de 1975) a independncia

    de Angola e a sua plena soberania, radicada no povo

    angolano a quem pertence decidir das formas do seu

    exerccio (CORREIA, 1996, p. 27).

    Conforme Correia (1996), os angolanos reagiram de acordo

    com a situao real que se vivia naquele momento no pas. s 24

    horas do dia 11, o MPLA, em Luanda proclamava a independncia da

    Repblica Popular de Angola (RPA) sob um regime socialista de

    partido nico, sem a presena de qualquer representante da antiga

    potncia colonizadora, Portugal. Agostinho Neto, lder do MPLA,

    38

  • torna-se o primeiro presidente do pas. No mesmo dia no Huambo a

    coligao FNLA/UNITA tambm proclamava a independncia da

    Repblica Democrtica de Angola (RDA). Apesar dos fatos ter

    acontecido de forma estranha, o governo do MPLA se consolidou e

    foi logo reconhecido internacionalmente por dezenas de pases, o

    governo FNLA/UNITA no sobreviveu mais do que um dia e no foi

    reconhecido por qualquer pas. Reconhecendo o seu fracasso, j no

    dia seguinte a UNITA declarava publicamente a extino da RDA.

    Para Correia (1996), a formalizao da descolonizao de

    Angola no se traduziria em qualquer mudana radical na situao

    que o pas vivia. Os conflitos armados iriam continuar, mas num

    cenrio muito diferente daquele verificado antes da independncia,

    havia alteraes na configurao dos protagonistas e dos atores

    secundrios. A guerra j assumia um carter clssico com a presena

    nas frentes de combate de tropas cubanas ao lado do MPLA e tropas

    sul africanas e zairenses ao lado da UNITA e FNLA, usando

    armamento mais sofisticado e de grosso calibre.

    Em 09 de fevereiro de 1976 o presidente Ford promulga a

    Emenda Clark, que probe o envolvimento dos Estados Unidos em

    Angola. Apesar da aprovao da emenda, as aes da UNITA e da

    FNLA continuavam sendo coordenadas pela CIA (Agncia de

    Inteligncia Americana) atravs da frica do Sul com objetivo de

    desestabilizar e derrubar o governo do MPLA (CORREIA, 1996).

    39

  • CONSIDERAES FINAIS

    Para terminar o nosso estudo procuramos fazer pequenas

    consideraes dos acontecimentos que foram relatados durante a

    trajetria deste trabalho.

    Em 1975, pela primeira vez a bandeira portuguesa deixava de

    ser hasteada no solo africano. Assistia-se a derrota do ltimo imprio

    europeu que dominou os territrios africanos por quase cinco

    sculos e meio depois da conquista de Ceuta em 1415. Os

    acontecimentos que marcaram o meado da dcada de 70 tambm

    tiveram papeis importantes e precoces no grande conflito ideolgico

    do sculo XX.

    Os eventos desencadeados pelo golpe militar de 1974 em

    Portugal produziram uma lgica poltica diferente. O golpe no

    trouxe apenas a derrubada do velho regime autoritrio do governo

    Salazar, mas tambm levou a democracia, a liberdade e a igualdade

    para o povo portugus. Por outro lado, lamentavelmente, as colnias

    africanas, principalmente Angola e Moambique tiveram menos

    sorte. A forma como Portugal abandonou essas terras foi

    simplesmente indigna de um estado civilizado, mas obedecendo a

    uma lgica das grandes potncias hegemnicas do mundo,

    nomeadamente a Unio Sovitica e os Estados Unidos executada em

    Portugal, Zaire e frica do Sul nas pessoas de Antnio de Spnola,

    lvaro Cunhal, Mrio Soares, Mobutu, Piters Botha e afins. O que

    muitos em Portugal e Angola clamaram como descolonizao, ou

    descolonizao possvel, foi em verdade um processo que resultou na

    morte de milhes de civis, de guerras prolongadas, fome, misria e

    devastao numa escala que ultrapassaria de longe a dos conflitos da

    era colonial precedente. A virulncia dos conflitos africanos, em

    especial em Angola, foi em grande medida conseqncia dos

    40

  • acontecimentos em Portugal entre 1974 e 1976 e da intruso das

    lutas insufladas pela Guerra Fria naquela regio.

    Vrios autores consideram a Revoluo de 25 de Abril como

    somente um ato provocado por interesses imperiais estrangeiros

    para conseguirem atravs da metrpole o que no conseguiram no

    teatro de guerra no ultramar: o abandono de Portugal de Angola e

    Moambique.

    A maioria dos portugueses, angolanos e moambicanos sabe

    que a guerra no ultramar foi desencadeada, incentivada e

    patrocinada por estados estrangeiros que tinham interesses

    imperiais em Angola e Moambique. hoje pblico que a Unio

    Sovitica, os Estados Unidos da Amrica, a China, a Inglaterra e o

    Brasil foram os que mais contriburam para uma degradao da

    presena portuguesa em frica.

    por esta razo, que durante o golpe militar a democracia em

    Portugal esteve por vrias vezes ameaada, quer pelo Partido

    Comunista Portugus, quer por grupos radicais de esquerda e da

    direita. Por pouco, Portugal no mergulhou por uma guerra civil

    orquestrada pelos interesses dos Estados Unidos da Amrica e da

    Unio Sovitica.

    Em muitos aspectos a caracterstica mais notvel que

    possibilitou a descolonizao de provncias ultramarinas, sem

    dvida, foi o triunfo da Revoluo de 25 de Abril. Depois de muitas

    divergncias internas verificadas em Portugal entre a ala moderada e

    conservadora e o setor da extrema esquerda do MFA aps o golpe do

    estado, o governo portugus conseguiu criar um mecanismo que

    tornaria Angola independente. Os termos em que devia processar-se

    a descolonizao de Angola e o ordenamento institucional que devia

    vigorar durante o perodo de transio at ao momento da

    41

  • transferncia do poder, foram estabelecidos pelo Acordo do Alvor,

    assinado em 15 de janeiro de 1975, em Portugal pelos

    representantes do Governo Portugus e pelos lderes dos trs

    Movimentos de Libertao de Angola, Movimento Popular de

    Libertao de Angola (MPLA), Frente Nacional de Libertao de

    Angola (FNLA) e Unio Nacional para a Independncia Total de

    Angola (UNITA).

    A fase do processo da descolonizao de Angola teve de

    enfrentar muitos impasses, pois o pas estava em conflito armado, o

    que impunha a necessidade de comear por fazer a paz para que as

    negociaes pudessem ter xito. Foi esta a chave mestra de toda a

    arquitetura do Acordo do Alvor. Acordo que foi ponto de chegada de

    uma rdua caminhada iniciada com a Revoluo dos Cravos em

    Portugal, cujo primeiro passo foi o reconhecimento pelo Portugal do

    direito autodeterminao e independncia dos povos de Angola e

    de outras colnias africanas, promulgado em 26 de julho de 1974 na

    Lei 7/74. Prosseguiu com a definio dos interlocutores a quem foi

    reconhecida legitimidade para negociarem com Portugal, os trs

    movimentos de libertao com que Portugal estava em guerra, com

    as negociaes unilaterais de cesso das hostilidades com cada um

    deles, com os acordos bilaterais entre eles e, por fim, com a cimeira

    em que os trs lderes angolanos, em Mombaa, Qunia aprovaram a

    plataforma comum que serviu de base negociao com Portugal.

    O texto do Acordo do Alvor configura esta progresso. O seu

    ponto de partida reconhecimento dos trs movimentos de

    libertao que haviam desencadeado a guerra pela independncia

    como nicos representantes legtimos do povo angolano, o que viria

    a ser alcanado logo no seu artigo primeiro. Este reconhecimento,

    para alm de garantir a obteno da paz, correspondia a posies de

    princpios j manifestadas pela Organizao das Naes Unidas

    (ONU) e pela Organizao da Unidade Africana (OUA).

    42

  • Trinta anos depois da Revoluo dos Cravos, 25 de Abril de

    1974, a poltica de Portugal e dos territrios ex-colnias portuguesas

    continua a dividir a sociedade em diferentes extremos do espectro

    poltico, principalmente as pessoas politicamente mais empenhadas.

    Existem atualmente dois pontos de vista dominantes na

    sociedade angolana e portuguesa em relao ao 25 de Abril. Quase

    todos, com muito poucas excees, consideram que o 25 de Abril

    valeu a pena. Mas as pessoas mais esquerda do espectro poltico

    tendem a pensar que o esprito inicial da revoluo se perdeu. O

    Partido Comunista Portugus (PCP) lamenta que a revoluo no

    tenha ido mais longe e que muitas das conquistas da revoluo se

    foram perdendo. As pessoas mais direita lamentam a forma como a

    descolonizao foi feita e lamentam as nacionalizaes.

    43

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