mariÁtegui, josé c. - dos sonhos às coisas
TRANSCRIPT
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 1/156
H1iS
n q f rx
ionisa ac e.
orn urn i
.V.De
ilson
c 1 1 T 8 .
sti
Do sonho s cois s
etratos subersios
1T RI AL
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 2/156
I S B N : 8 5 7 5 5 9 0 6 1 8
Il DI9788575 59 614
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 3/156
Em um a curta e intensa vida, o jornalista, teórico
e dirigente revolucionário peruano José Carlos
M ariátegui 1894-193o)uniupensamento e açào,
arte e polItica, jornalismo e m ilitância, construindo
uma o bra que fez dele o m ais original dos
pensadores m arxistas latino-americanos.
Em penhado em trazer as idéias de Marx para a
realidade d o subco ntinente, Mariategui abriu
caminhos para uma reflexão propria do marxismo,
semp re lutando pelo papel dos povos e culturas
indIgenas na luta de classes e pela transformaçao
social. Sua obra teórica - e sua visâo sobre a form açao
social e étnica da Indo-Am érica - influenciou desde
a Revo luçao Cubana e Che G uevara ate og zapatistas
de Chiapas, e segue inspirando m ovimentos clue
lutam pela igualdade e pela emancipaçao em toda aAm erica Latina. Entre os vários livros que escreveu,
destacam se Stete ensayos de interpretactóri de la
realtdadperuanae La escena contemporánea.
Mariátegui aliava o trabalho teórico ao gosto pelos
debates das van guardas artisticas e o trabalho
com o jornalista, que no início da carreira o levou
a escrever sobre assuntos tao diversos quan to
corridas de cava los e noticias policiais. Publicou
poem as, fundo u revistas de hum or e arte. Mas
logo passou a se dedicar corn convicçao causa
socialista - fundando o Partido Socialista Peruano,
escrevendo como correspondente na Europa
e criando publicacOes corn forte conteüdo de
crItica social. Entre elas, a célebre revistaArnauta,
palavra quIchua que significa sábio, sacerdote, e
clue se tornou uma espécie de alcunha do p róprio
Mariátegui.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 4/156
DO SON HO As COIS S
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 5/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 6/156
DO SONHO AS COISAS
retratos subversivos
Jos CARLOS MARIATEGtJI
traduçao organizacão e notas
Luiz Bernardo Pericás
E I T RI AL
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 7/156
Copyright desta ediçao © Boitempo E ditorial, 2005
Traduçao organiza cáo e notas: Luiz B ernardo Pericás
Coordenaçáo editorial: Ivana JinkingsAluizio Leite
Ass istente: An a Paula Castellani
Revisáo: Elaine Cristina Del Nero
Editoraçao eletrônica
e tratamento de imagens:
Capa:
Produçao gr4fIca:
Fotolitos:
Raquel S allaberiy Brião
David Amid
Marcel Iha
OESP
Todos os direitos reservados. Nen hum a parte deste Iivro pode set utilizadaon reprodu zida sem a expressa autorização da editora.
CIP-BRASIL. CATALO GAçAO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
M286d
Mariátegui, José Carlos, 1894-1930Do sonho a s coisas: retratos subversivos / José Carlos M ariátegui; traduçao, organi-
zação e notas Lu iz Bernardo Pericás. - São Pau lo: Boitempo, 2005160p. : ii. - (Marxismo e literatura)
Conretido parcial: José Carlos Mariátegui e o marxismo I Luiz B ernardo Pericás
ISBN 85-7559-061-8
1. Mariátegui, José Carlos, 1894-1930. 2. Socialismo. 3. Comu nismo. 4. Politicos.I. Pericás, Lu iz Bernardo, 1969-. II. TItulo. III. Série.
05-0473.
la edicão: marco de 2005
BOITEMPO EDITORIAL
Jinkings Editores Associados L tda.
Rua Eu clides de An drade, 27 Perdizes
05030-030 Sao Paulo SP
Tel/Fax: 11) 3875-7250/ 3872-6869
e-mail: [email protected]
site: www .boitempo.com
CDD 335.43CDU 330.85
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 8/156
umário
Introduçao - José Carlos Mariategui e o marxismo
BENITO MUSSOLINI 1
GABRIELE D ANNUNZIO 7
H G WELLS 3
DAVID LLOYD GEORGE 7
JOHN MAYNARD KEYNES 3
THOMAS WOODROW WILSON 7
HERBERT HOOVER 1
EUGENE V DEBS 5
JEAN JAURES 1ANATOLE FRANCE 5
ANDRE GIDE 1
JACQUES SADOUL 5
LEON TROTSKY 1
GRIGORI ZINOVIEV 5
MAXIMO GORKI 01
SUN YAT SEN 5
MAHATMA GANDHI 9
RABINDRANATH TAGORE 15
ALVARO OBREGON 19
TRISTAN MAROF 23
JOSE INGENIEROS 27
OLIVERIO GIRONDO 31
Nota auto biograjIca 35
Cronologia resumida dejose Carlos Maridtegui 37Obras do autor 39
Textos biogr4fIcos 41
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 9/156
Introducao
JOSE CARLO S MARIATEGUL E 0 MARX SMO
Luiz Bernardo Pericds
Na época em q ue José Carlos Mariátegui publicou La escena conternpordnea
seu prirneiro livro, ele já podia set considerado urn dos rnais importantes inte-
lectuais do Peru e talvez a rnais influente personalidade de esquerda de seu
pals. Jornalista autodidata, dono de urn estilo seco e preciso, M ariátegui desde
jovern se destacou com e, exceleiite cronista de seu tempo, assim corno urn
polérnico debatedor. Durante toda a vida teve de lutar contra enfermidades e
crIticas de adversários, que m uitas vezes o acusavam de ter pouca profundida-
de em suas elaboraçoes e de não possuir forrnacao académica, acusacôes estas
que n ao o incornodavam e q ue somente o estirnulavarn ainda rnais a continuar
produzindo seus diversos artigos e livros. Desde a juventude, qu ando estava
mais ligado aos movimentos literários e estéticos do corneco do século XX do
que polltica, ate sua maturidade, já completamen te envolvido corn a cau sa
do socialismo no Peru, ele foi urna figura extremamente atuante na vida social
de seu pals, assirn come, também fun damental Para a elaboracao de urn pensa-
men to marxista latino-arnericano realmen te original.
José Carlos M ariátegui nasce no dia 14 de junho de 1894, em M oquegua,
filho de Maria Am alia La Chira Ballejos, ama don a de casa mestiça de origem
hum ilde, e Javier Francisco M ariátegui y Req uejo, funcionário do Tribun al
M ayor de Cuen tas. 0 pai, criollo de urna tradicional famIlia de Lima, é trans-
ferido para o norte alguns anos rnais tarde e abandona a farnulia. 0 jovem
Mariátegui e seus dois irmâos, Guillermina e Julio César, são criados pela mae,
que trabaiha corno costureira para poder sustentar os filhos.
0 Peru v ivia urn rnornento conturbado. No ano do nascimento do "funda-
dor do socialismo p eruano" é d eclarada ama greve dos po rtuários de Callao.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 10/156
Dois anos m ais tarde, em 1896, SO os trabaihadores das indü strias téxteis e
dos gráficos de Lima que se levantarn em p rotestos. 0 Congresso O perário,
organizado por Ram ón Espinoza, é realizado em 1901, na capital, enquanto
na mesma época é fundada a Assembléia das Sociedades Unidas, responsável
pela publicacao do jornal La Voz Obrera e pela constituição da Biblioteca Po-
pular "Ricardo Palma". A intensidade da atuacao dos trabaihadores aumenta
nos anos subsequen tes, resultando em duras bataihas durante a greve dos po r-
tuários em 1904 e, um ano mais tarde, corn urna série de lutas em Lima e
Callao por uma jornada diana de oito horas de trabalho. Em 1906 , os traba-
lhadores téxteis novamente se levantam em g reve, junto corn os funcionários
das empresas de bondes, seguidos, pouco depois, por novas manifestacoes dos
estivadores de C allao. 0 m ovimento operário peruano naquele perlodo fundao Centro S ocialista 12 de M aio, que mudará de nome para Centro de Estudos
Sociais P de M aio e terá o jornal El Oprimido como seu órgão oficial. E born
lembrar que na época d o nasciinento e da infância de M ariátegui a Segund a
Internacional, fundada em 1889, incentiva em todos os palses os protestos de
P de m aio, as jornadas de oito horas e a discussâo sobre a possibilidade de os
partidos de esquerda participarem de governos nacionais de outras coloraçoes
polIticas. Os debates sobre as idéias revisionistas de Eduard Bernstein e a ques-tao do colonialismo, rnais tarde, também foram assuntos que certamente trans-
cenderam os limites da Internacional na Europa e chegaram a outras regióes
do planeta.
Nos Estados Unidos, por exem plo, o Partido Socialista O perário trabalha
para unit partidos e sindicatos na luta pela revolucao socialista. Daniel DeLeón,
seu principal dirigente, considerado por alguns estudiosos o prime iro teórico
marxista original do continente, escreve urna série de artigos sobre as peculia-
ridades do caso norte-americano, apontando os m elhores caminhos para a m u-
danca de sistema social no pals. E a primeira tentativa de adaptacao do marxismo
a realidade nacional de um pals do h emisfério ocidental. 0 Partido Socialista,
urna cisão do P50, também inicialmente dá apoio a s causas mais radicais e
comeca a ganhar forca na polItica institucional. A revolucao está na ordem do
dia e, em 1905, é fundada, em Ch icago, a IW\XT (Industrial Wo rkers of the
W orld), organizacão sindical formada pelas mais importantes lideranças poll-
ticas de esquerda dos Estados Unidos, como DeLeón, Eugene Debs e W illiam
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 11/156
Hay wood , corn o objetivo de organizar os trabalhadores mais negligenciados
do pals, como mexicanos, negros, asiáticos, imigrantes do sui e leste europeu,
lenhadores, mineiros, estivadores e migrantes. A IW W cresce enormemen te
nos primeiros anos após sua constituiçáo, incentivando a luta de classes e sen-
do urn elemento importante nos combates do proletariado contra patróes ca-
pitalistas, poilcia e governo. Seus objetivos principais são criar "urn grande
sindicato ünico e tomar o poder por meio de uma greve geral em todas as
fábricas da nação. A central será perseguida pelo governo federal e ira perder
praticamente toda sua influência durante a Primeira Guerra Mundial, mas
seus dirigentes, mesmo presos e expulsos do pals, ajudarão na criacão do Parti-
do Com unista dos E stados Unidos alguns anos depois.
A A merica Latina também presencia o crescimento do m ovimento opera-rio em toda a região. No corneco da década de 1890, num perlodo ainda
marcado p or grande influência de idéias anarquistas, é realizado em Cuba o
Congresso Regional Operário, com a presenca de delegados de diversas orga-
nizaçóes de cinco provincias da ilha - com excecão do O riente -, no qual se
decide defender a implementacao de um a jornada diana de oito horas e um
modelo de organizacão para a classe operária. Tam bém é discutido o trabaiho
feminino e infan til, a discriminacão racial e o incen tivo reuniáo dos traba-
Ihadores em seçóes autônomas organizadas por categorias, que depois integra-
riarn a Federacão dos Trabaihadores de Cuba. A imprensa operária cresce e se
torna cada vez mais atuante, corn diversas publicacoes, como ElArtesano 1886),
ElObrero 1888), ElCiarIn 1889), La Clariclacl 1890), LaAntorcha 1890),
El Obrero Cubano 1890), ElAcicate 189 1) e La Batalla 1891). Ern seguida,
uma série de greves mostra a movimentacão popular por melhores condicoes
de vida Para o proletariado. Assim, em 1907 ocorre greve dos tabaqueiros, em
19 8 dos ferroviários e em 1911 dos operários da construcao. A repressao do
governo da ilha, porém, é dura. 0 periódico El Productor e o CIrculo de
Trabajadores de La Habana já haviam sido fechados em 1891, o mesmo ocor-
rendo corn o Congreso Regional Obrero um ano mais tarde. Já a Sociedad
G eneral de Trabajadores encerra suas atividades após 1898. Mesmo assim, em
1900, surge o Partido Popular, liderado por Diego Vicente Tejera, que ira durar
alguns meses e dar lugar, em 1901, ao Partido Popular Operário, composto de
militantes da F CT. O s socialistas nesse mom ento corneçarn a se tornar cada
9
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 12/156
vez mais atuantes em Cuba. Desde a formacao do Clube de Propaganda Socia-
lista, considerado o primeiro grupo marxista cubano - que depois mudou de
nome para Agrupacao Socialista Internacional -, fundado por Carlos Baliño
em 1903, e a criaçâo, urn ano depois, do Partido Operário Socialista e de seu
jornal La Voz Obrera dirigido por Rarnón Rivera, os marxistas comecam a agir
de forma a politizar os trabaihadores e influenciar a luta pelo socialismo no
pals. 0 partido vai se radicalizando aos poucos, incluindo em suas novas teses
a conversão da propriedade individual ou corporativa em propriedade coletiva
ou comum e a emancipacão completa do proletariado, a partir da abolicao das
classes sociais.
No Brasil, mesmo corn o setor industrial relativarnente pouco desenvolvi-
do, o nascente movimento operário comeca a aumentar sua capacidade deorganizacão nesse perlodo. Após a aboliçao da escravatura, o influxo de irni-
grantes europeus é grande. Entre 1890 e 1907, mais de 151.800 pessoas traba-
lhavam nas indüstrias - em sun maior parte nos setores téxtil e alirnenticio,
seguidos pelas confecc6es, mecânica e calçadista - localizadas principalmente
no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, os estados
corn os parques industriais mais irnportantes do pals. Para se ter urna idéia, de
1884 a 1893 chegarn ao Brasil em torno de 883.600 irnigrantes europeus; de
1893 a 1903, aproximadamente 862.100 estrangeiros; e entre 1904 e 1914,
quase urn milhão de novos trabaihadores entrarn no pals, vindos de Itália,
Portugal, Espanha, Alemanha e alguns palses da Europa Oriental, trazendo
consigo influências anarquistas e socialistas. Em 1890 é fundado o Centro da
Classe Operária, que, rnesmo sendo urna organizacáo pequena e atuando basi-
camente na capital, ajuda o operariado a participar de várias greves, como a
dos ferroviários, em junho daquele ano. Já em Porto Alegre, irnigrantes ale-
rnães constituem a União do Trabalho, em 1892, enquanto sindicatos e depois
organizaçôes socialistas, em diferentes estados, comecarn a editar seus próprios
jornais. Assirn, surgern, no final do século XIX e comeco do século XX, publi-
cacôes corno 0 Tzx5grafo A Voz do Povo 0 Socialista A Questao Social Liure
Pensador e ProletcIrio entre outras. Em 1889 já havia sido criado o primeiro
CIrculo Socialista Brasileiro, em Santos, dirigido por intelectuais de esquerda
proerninentes, que elaborararn o "Manifesto socialista ao povo brasileiro", de-
fendendo a criação de urn Partido Socialista no pals. Esse grupo será o respon-
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 13/156
save1, em 1895, por fundar o Centro S ocialista, que urn ano m ais tarde editará
o primeiro nñmero de Socialista seu órgão oficial. 0 "Centro" é a primeira
organizacão que promove urna m anifestacao no 19 de maio no pals, assim
como d ivulga obras de M arx e Engels e incentiva debates, leituras e conferén-
cias. Mesmo que m uitos dos militantes das organizacóes "revolucionárias" nao
tivessem uma formacao poiltica sólida e rnisturassem conceitos e tendéncias
diferentes, como o socialismo utópico , o anarquisrno e o marxisrno, emparte
tentavam imp lementar as diretrizes da Segunda Internacional.
Em 1896 é fundado, no Rio de Janeiro, o Partido Socialista Operário,
seguido, alguns anos mais tarde, pela estruturacão do Clube Internacional,
dirigido por Euclides da Cunha, que defende a pro ibicao do trabaiho infantil,
o cuidado corn os inválidos, a luta contra o alcoolismo, a melhoria das condi-cóes de moradia, a igualdade de direitos para as muiheres, o ensino básico
obrigatório, a justica defacto para toda a populacão, a irnplernentacão de bol-
sas de trabalho, os tribunais de arbitragem Para disputas trabaihistas, a jornada
de trabalho de o ito horas, a proibicao dos empréstimos do exterior, a naciona-
lizacao do crédito, a utilizacao das riquezas da Igreja para resolver os proble-
mas e a instituicão de urn exército popular de milIcias. Enquanto isso,
as greves são constantes. Em 1900, ocorrern greves dos estivadores, sapateiros,
pedreiros e cocheiros na capital, onde, em 1903, é fundada a Federação de
Associaçóes de Classe, mais tarde reorganizada como F ederacao Operária da
Capital, que incentivará ainda mais as manifestaçoes dos trabaihadores. Já em
1904 , no Rio de Janeiro e em S ão Paulo, diversas greves pela jornada de oito
horas são responsáveis por combates violentos corn a polIcia. Nesse mom ento,
categorias diferentes, como gráficos, construtores, portuários, tecelóes, man-
nheiros, ferroviários, metalürgicos e funcionários das ernpresas de bondes de-
cidem deixar seus postos e com bater a repressão, inclusive contra tropas do
exército. Em 1906, então, é finalmente convocado o P rirneiro Congresso Ope-
rário, que reñne uma grande quantidade de organizacôes sindicais e defende o
uso de técnicas corno boicote, sabotagem , manifestaçoes, den6ncias p6blicas
a continuidade das atividades grevistas no pals.
nesse ambiente social tenso, tanto dentro de seu pals como em todo o con-
tinente, que M aniátegui passa sua infância. Em 1901, dois anos após ter se
mudad o para Huach o - ao lado de Sayán, cidade de sua famIlia materna -, o
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 14/156
pequeno e frágil José Carlos comeca seus estudos. Entretanto, urn ano m ais
tarde, numa brincadeira na escola, o menino recebe urn violento golpe no
joelho da perna esquerda que o deixará coxo pelo resto de seus dias. Levado a
Lima para tratamento, é internado na cilnica Maison de Sante, dirigida por
freiras francesas da congregacão de São José de Cluny. 0 tratamento dura qua-
tro meses e o obriga a largar provisoriamente os estudos. Nesse difIcil perlodo
de convalescenca, após várias cirurgias, numa solidão precoce, tendo que ficar
horas sozinho ern quartos de hospital, ele adquire o gosto pela leitura e torna-
se urn arguto observador de tudo que se passa a sua volta. Começa a aprender
frances e recebe forte influência religiosa, tanto dos padres com o principal-
men te de sua avó e tios maternos, que ihe contam h istórias repletas de misti-
cismo. Por conta própria, comeca a let tudo que chega a s suas mãos, hábitoque cultivará a vida inteira. Ficará imob ilizado em tratamento, em casa, por
mais dois anos.
A partir de 1909 corneca a trabaihar corno entregador, linotipista e co rre-
tor de provas do jornal La Prensa dirigido por Alberto Uloa Cisneros. E urn
trabalho ingrato: mesmo m ancando, sua funcão, entre outras, é levar enco-
mendas e entregar provas dos textos aos seus autores a pé, pelas ruas da capital.
Mas, no La Prensa fica fascinado corn o am biente jornalIstico e trava amiza-
de corn Felix del Valle, César Falcon, Abraham Valdelornar e corn vários
outros jornalistas locais. Apenas dois anos após ingressar no periOdico, envia
urn a,rtigo anonimamente para o editor, utilizando o pseudOnimo de Juan
Cronique r. Para sua surpresa, o texto é aceito e ele passa, a partir dal, a cola-
borar regularmente Para aquela publicacão. Desse mom ento em diante, in-
gressa na redação, ajudando também a classificar diferentes telegramas enviados
das outras provIncias do pals. Será considerado por seus colegas, contudo,
apenas urn comentarista da vida cotidiana do Peru e autor de artigos leves
e irônicos.
De 1912 a 1916 seu trabalho é essencialmente jornalistico, colaborando
corn diferentes revistas peruanas, com o Mundo Limeño e Lu1r. Juntamente
corn seus amigos Felix del V alle, César Falcon e Ab raham V aldelomar, apOs
longas discussôes no café Palais Concert, funda a revista m odernista Colónida
que sO chega a ter quatro nümeros e na qual publica alguns poemas. Dentre os
editores, quern talvez marque mais o estilo da publicacao é V aldelornar, muito
12
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 15/156
influenciado na época por D'Annunzio e pelo futurismo italiano. 0 poeta
peruano certamente é naquele perlodo urna inspiracáo para Mariátegui.
Em 1916 torna-se redator-chefe e cronista politico do jornal El Tiempo
pub icacao considerada pelos crIticos corno "liberal", "maxirnalista" e
"boichevique", assim corno assum e o cargo de co -diretor da revista El Turf
Nesse mesmo ano tambérn escreve a peca La ma riscala "poema dramático en
seis jornadas y un verso", em parceria corn V aldelomar.
Nessa época, os artigos de Mariátegui, de forma g era , discutem b asica-
rnente aspectos da vida social da capital peruana, desde co rrida de cavalos no
joquei-clube e notIcias policiais ate cornentários sobre arte e textos para o pü-
blico feminino. A peca teatral Las tapadas escrita corn Julio Baudo in, "poema
colonial" em urn ato e quarto quadros, que é representado no Teatro Colon erecebe criticas desfavoráveis da irnprensa, tambérn marca o periodo de desco-
brimento estético e literário do jovem jornalista.
Em 1916 M ariátegui ddica muitas horas semanais rezando e meditando
no Convento dos Descalcos, o que possivelmente pode ter influenciado seus
textos posteriores, já que, ern 1917 ano da revolucao de Outubro, ganha urn
concurso literário promovido pela municipalidade de Lima com sua crônica
"La procesiOn tradicional", sobre o Senh or dos milagres. 0 jovem jornalista
tern rnomentos so itários e melancOlicos, ern algurna rnedida explicitados nurn
livro de po emas, inédito, intitulado Tristeza escrito por ele pouco tempo an-
tes. Em outras situaçóes, contudo, pode set identificado corn o entusiasrno e as
atitudes dos boém ios da época. Corn os seus amigos C ésar Falcon e Carlos
Guzrnán, funda La Noche urna pub icacao humorIstica de curta duracao. Aquele
ano tarnbérn é rnarcado pelo "escândalo" da bailarina suIca Norka Rouskaya,
episódio pitoresco que dernonstra uma certa dose de excen tricidade do periodista
peruano - a dancarina clássica, seminua, ofereceu urn "espetáculo" para urn gru-
po de amigos, no qual se encontrava Mariátegui, no cernitério de Lima, ao
som de Chopin e Saint-Saens. Ato considerado pelos conservadores da capital
corno urn "sacrilegio", levou todos os envolvidos a serern presos pe a policia.
0 periodo de "juventude" de M ariátegui, designado por e e próprio de "a
idade da pedra", termina em 1918 quando renuncia solenemente ao pseudo-
nimo de Juan Croniquer e funda, corn César Falcon - já bastante influenciado
por Tolstói, Jaurés e Kropotkin -, Felix del Valle, Humberto del Aguila,
3
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 16/156
Valdelomar e César Vallejo, a revista N uestra Epoca na qual será anunciada
"oficialmente" por seus editores a rnudanca de estilo e atitude do jovem jorna-
lista e sua nova posicão socialista. 0 editorial da revista afirmava que José
Carlos pedia perdao a D eus e ao piliblico pelos pecados que havia cornetido
corn os seus textos dos anos anteriores, o que pode dernonstrar mais uma vez a
forte influência do elemento religioso na obra do "pai do marxismo peruano".
Essa pub licacao, inspirada na revista España editada por José Ortega y G asset
e depois por Luis Araquistáin, não tern urn programa definido, serve basica-
mente Para divulgar as idéias de seus colaboradores e so chega ao n iimero dois.
De acordo corn o editorial da prirneira edicao, o "programa" da publicacao
seria "dizer a verdade", insistindo q ue náo se faria literatura da politica nem
politica da literatura. Urn artigo antiarmarnentista polérnico de Mariátegui,que sai no prirneiro nümero, provoca a ira de alguns setores dentro do exérci-
to. 0 fato toma proporcoes graves quando ele é agredido fisicamente ao carni-
nhar na rua e, em seguida, quarido urn grupo de soldados invade a redaçao do
jornal El Tiempo - onde tambérn se editava o N uestra Epoca - e violentarnente
espanca o jovern autor. Protestos de vários órgãos de irnprensa se seguern, obri-
gando o ministro da G uerra a renunciar. Por causa desse incidente, o jornalista
autodidata e o IIder dos m ilitares insatisfeitos, o tenente José V ásquez Benavides,
decidem duelar. Os amigos escoihidos Para representar os dois contendores no
embate, seus "padrinhos", porém, conseguem reverter a complicada situacao e,
após algumas discussôes, chegam a urn termo de conciliacao.
M ariátegui também é urn dos elernentos importantes na criacao, logo em
seguida, do Com ité de Propaganda e Organizacao So cialista, que depois se
tornou o primeiro Partido Socialista do Peru. Mas o com ité tern em seus qua-
dros urn grupo heterogéneo de militantes - desde anarcossindicalistas e "agita-
dores" operários ate urn decorador italiano e jornalistas da capital -, e
periodista dele se afasta pouco tempo depois. Em realidade, durante boa parte
de sua juventude M ariátegui está longe de ter urna idéia exata do que realmen-
te quer como jornalista ou militante politico. Influenciado pelo catolicismo
fervoroso de sua farnIlia e por movimentos literários da época, é basicamente
urn esteta, urn jovem mais preocupado corn a fé religiosa, a mistica, a literatura
e a poesia do que necessariamente corn a poiltica, apesar de já sofrer uma nitida
influéncia de Gonzalez Prada e G eorges Sore .
4
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 17/156
M esmo qu e ja viesse ocorrendo lentamente urn processo de politizacao e
amadu recimento teórico, corn urn envolvimento gradual dentro do meio ope-
rário e c orn parte da intelectualidade radical local, e que grande parte de sua
producao jornalIstica fosse sobre politica, podemos dizer que gr ndemudan-
ça na vida de Mariátegui ocorre em 1919, quando recebe uma bolsa do go-verno Para viver na E uropa durante alguns ano s. Esse fato tern repercussóes
impo rtantes no pensame nto do jornalista, já que é no Velho Co ntinente que
aprofunda suas concepcóes e com pleta sua formacao poiltica.
Ainda q ue a m ajor parte de seus textos anteriores fosse sobre temas diver-
sos, a partir da criacâo d e Nuestra Epoca seu nom e come ca a set identificado
com o o de urn agitador. Ma riátegui mo difica aos poucos sua postura polItica
e tenta rnostrar que é sincero em suas novas conviccöes, explicitando sua atitu-de corn a p ublicacao de alguns artigos atacando instituicóes governam entais.
Por mo tivos ideológicos, José Carlos abandona El Tiempo publicacao corn a
qual ainda colaborava, e, em 14 de m aio de 1919, ajuda a fundar o La R azón.
Esse jornal pretendia ser a voz do povo peruano, o primeiro periódico inde-
pendente de esquerda d o pals, editado na gráfica alugada do arcebispado de
Lima dono do jornal católico La Tradición - e corn a participacao de o pe-
rários em sua redaçao.
Nesse m omento quem está no poder é José Pardo, que já fora presidente
entre 1904 e 1908, e que retornara como máx imo m andatário em 1915, sem
gozar de prestlgio entre as classes populates. 0 Peru vive urna grave crise eco-
nôm ica. Essa é uma época em que os investimentos norte-arnericanos aumen-
tam sub stancialrnente, ultrapassando o capital investido pelos ingleses no pals.
Enquanto a econornia peruana se modifica e se rnoderniza , tambérn comeca
a set controlada por diversas empresas dos E stados Unidos qu e se instalarn na
região. De 19 15 a 1 920, a entrada de capital estrangeiro, que era de U S$ 28
milhôes, passa a US 79 milhóes, enquanto a salda de dólares passa de
US $ 29 m ilhóes Para US$ 69 m ilhôes. 0 fato é que de 1913 a 1917 as transa-
cóes corn a Inglaterra diminuem de 32% a 17% , ao rnesmo tempo em que as
relacóes comerciais corn os Estados Unidos aum entam de 31% a 61% . Em
1914, por exemplo, os ingleses haviarn investido no Peru em torno de
US$ 166 m ilhôes. Já as inversôes norte-americanas chegararn a apenas US$ 80
milhóes. Em 1916, contudo, a International Petroleum Co., subsidiária da
5
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 18/156
Standard Oil, compra a London Pacific Petroleum Co., e, em 1917, corn a
declaracao de guerra do governo peruano contra a A lemanha, são confiscadas
propriedades e navios alemães nos portos do Peru, que os arrendou a grandes
empresas do "Colosso do Norte". No setor m ineiro, o governo cria a Cerro de
Pasco C orporation, que constrói urna rede ferroviária independente que com -
pete corn a Peruvian Railway Com pany Limited, inglesa, aurnentando muito a
exploracao de m inérios em grande escala no pals. 0 setor produtivo se torna
mais especializado e voltado para a exportacão. V ários produtos tern sua pro-
duçao incremen tada, como os m etais estratégicos, o petróleo, o algodao e o
açiicar. Contudo, dirninui a producao de artigos como o arroz e o trigo, fato
que resulta em escassez desses itens no mercado interno e em subsequente
aumento de precos. 0 rnovimento operário decide it a s ruas para protestarcontra essa situacao, assim com o Para pressionar o governo a impor a jornada
diana de oito horas de trabalho. E criado o Comité Pró-Barateamento das Sub
sisténcias, que comeca a mobilizar o proletariado contra os abusos do governo
e culmina corn um a greve de oito dias, ern maio de 1919 , o que acarretará a
prornulgação de uma lei marcial, a criacão da Guarda Urbana e a prisão de vários
dirigentes operários.
Augusto Legula, que havia governado o Peru de rnaneira personalista entre
1908 e 1912 , e que retornara da Europa em janeiro daquele ann Para set can-
didato do P artido N acional Democrático Reformista a presidéncia, é apoiado
naquele momento por alguns setores supostamente progressistas do Peru, corno
o P artido Socialism, o jornal El Tiempo e a Fed eracao de Estudantes, assirn
como integrantes da pequena b urguesia e do exército. Legula ganha as eleicôes
de 19 de m aio, mas, temendo que os civilistas - que apoiavam o antigo presi-
dente e cram rnaioria no Parlarnento - impedissem sua posse, dá urn golpe de
Estado preventivo em 4 de julho, corn o apoio de militates amigos, fecha o
Parlarnento, deporta José Pardo e alguns correligionários e corneca a governar
o Peru de forma autoritária. A partir dal, os editores do La Razón como se
pode imaginar, comeca rn a atacar veementemente o novo governo, o que será
urn dos m otivos para que sejam perseguidos pelo presidente, presos ou m an-
dados para o exIlio. 0 fato é que, logo após a posse de Legula, o Comité Pró-
Baratearnento das Subsisténcias decreta uma greve geral em Lima e Callao, que
ocorre ern 8 de julho corn urna grande rnanifestacao no Parque Neptuno e
1 6
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 19/156
conta corn a presenca de Adalberto Fonkén, Carlos Barba e N icolás Gutarra,
os principais Ilderes do movimento operário na época, que haviam acabado de
set libertados da prisão. Por causa do apo io irrestrito do La Razón aos grevis-
tas, ern tomb de trés rnil manifestantes vão para a frente da redaçao do jornal
demonstrar sua gratidao a seus editores.
Logo após a tomada do poder por Legula, tambérn ocorre uma intensa
carnpanha pela reforma da Universidade de San Marcos, corn urna greve que
dura quarto meses. Essa greve é conseqüéncia das lutas pela reforma universi-
tária que vinham ocorrendo em outros paIses da região, inspiradas pelo movi-
mento que havia se originado na A rgentina, em 1918, explicitado no Manifesto de
Córdoba que proclarnava o direito insurreicão e urn programa de emancipa-
ção "espiritual" da juventude de todo o continente. Mesmo sendo antia-
cadérnico, Mariátegui também dá seu apoio ao m ovirnento, já que considera a
Universidade de San M arcos uma instituicao antiquada, que necessita de major
dernocratizaçao do ambiénte acadérnico, da abertura de seu espaco a todos
aqueles interessados em aprender, da renovação ampla das forrnas do ensino,
da participacão estudantil na gestao das faculdades e de autonomia em relacao
ao governo.
Com o se pode perceber, o La Razón apóia os trabaihadores, estudantes etodos aqueles que se opöem ao novo regime, o que certamente desagrada os
rnandatários peruanos. Q uaisquer sinais de oposicão são interpretados pelo
governo comb desrespeito autoridade instituIda. Assim, no d ia 8 de ag osto
de 1919, após o arcebispado de Lima já ter comunicado que nab iria mais
permitir que editores do jornal socialista utilizassem sua gráfica - por incompa-
tibilidade poiltica" -, o governo proIbe oficialmente a publicacao do La Razón
que é ob rigado a encerrar suas atividades. Ate rnesmo periódicos como La
Prensa eEl Comercio considerados "respeitáveis", são fechados. Legula não admite
que ninguém conteste sua legitimidade no poder. Nesse momento, M ariátegui
recebe o convite para it Europa, para "servir" o governo peruano como agen-
te de imprensa, o que seria, na prática, urna forma de ex Ilio disfarcada. Legula,
viiivo de Julia Sw ayne y M ariátegui (prima-irma do pai de M ariátegui), pode-
na ter ordenado a prisão do jovern periodista, mas, influenciado por Enrique
Piedra e Fócion M ariátegui (tio de J osé Carlos), decide mandar o futuro teóri-
co social ista para bern longe, achando que assim estaria resolvendo parte de
7
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 20/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 21/156
Corn eles, cria urn ridcleo socialista seria a primeira célula corn unistape
ruana" - , que nao consegue se estruturar e não dura m uito tempo. N a I tália,
M ariátegui presencia a ascensão do fascism o, e as demo nstracoes dosfasci di
combattimento de Mussolini, assim corno conhece pessoalmente personalidades
importantes, como o próprio Benedetto Croce. Durante sua permanén cia na-
quele pals, escreve artigos e tenta cuidar da famIlia com os parcos recursos que
recebe. Por causa da crise econôm ica peruana, sua "bolsa", proveniente de par-
te do orcam ento do corpo diplomático peruano na Itália, enviado pelo M inis-
tério das Relacoes Exteriores, é cortada abruptarnente. Depois de algumas
tentativas e certa insisténcia, com eca a receber novam ente seu soldo m ensal.
na Itália também que fica sabendo corn m ais detalhes o que está aconte-
cendo no resto do rnundo. A im prensa italiana em geral é mais rica em infor-
m acóes e análises que a peruana n a época, e através de várias publicacoes,
como L Ordine Nuo vo, Avanti, It Soviet, Critica Sociale, Um anità Nuova e La
Rivoluzione Liberate, M ariátegui pode acomp anhar o desenvolvimento da re-
volucao russa, as lutas operárias na A lernanha, a luta pela independência na
Ir landa e o utros eventos im portantes do mo m ento. Na I tália, conversa corn
intelectuais e lé uma série de obras literárias clássicas. questionável que algu-
m a vez tenha ocorrido urn encontro entre Gramsci e M ariátegui, como afir-marn alguns autores. possIvel que tenharn se cruzado no congresso de Livorno,
o que não caracterizaria necessariamente urn "encontro". De qualquer m anei-
ra, nao houve uma influência direta do teórico italiano no jovem jornalista
peruano, ou vice-versa, mesmo que se possa tracar urn paralelo entre a vida e
a obra desses dois autores. José Carlos será bastante influenciad o, de form a
geral , pelas posicôes po lit icas do grupo do L Orctine Nuovo e em particular
pelas idéias de Croce, Giova nni Gen tile, Piero Gobetti, A chille Loria e An -tonio L abriola.
Entre junho e juiho de 1922, M ariátegui, sua esposa e seu filho vão a Paris -
onde o jornalis ta encontra novarnente Barbusse Para um a entrevista - e em
agosto a famIlia chega Aleman ha, indo primeiro a M unique e depois a B erlim.
Corn o dinheiro que havia econom izado, por viver de forma au stera na Itália,
consegu e ficar seis meses no pals. Estuda alernão corn urn p rofessor particular,
encontra amigos e intelectuais peruanos que vâo visitá-lo em seu aparta-
m ento, lé intensamente revistas e jornais, cria qualquer p retexto nas ruas para
19
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 22/156
falar corn as p essoas e praticar a lingua, vai a museus e assiste a pecas de teatro.
M ariátegui acreditava que a A lemanha provav elmente seria o segund o pals
onde ocorreria um a revolucão socialista. Naquela ocasião, tambérn v isita as
cidades de Hambu rgo e Essen.
No m és em que chega Alemanha decide fazer uma viagem d e barco corn
o am igo Falcon pelo rio Dani.iibio, saindo de Passau e percorrendo rapidamen-
te cidades como Viena, Praga e Budapeste. Ainda se encontra de novo corn
FalcOn em Colônia, no comeco de 1 9 2 3 para discutir as possibilidades de se
preparar urna organizacão socialista peruana e, em 1 9 2 3 Mariátegui retorna
ao Peru corn a m ulher e o fliho a bordo do navio N egada, saindo do po rto de
Am beres em fevereiro e chegando a Callao no dia 1 8 de marco daquele mesmo
ano. Nesse m omen to comecaria uma no va etapa na vida do jornalista, que ja se
tornara fam oso em seu pals.
0 fato é que M ariátegui ainda é criticado po r alguns elemen tos oposicio-
nistas dentro do Peru, que insistem em acusá-lo pela viagem e perm anéncia
na E uropa, o que faz corn que ele tempo rariam ente se afaste das at ividades
pOblicas, ainda que recebesse antigos amigos em sua càsa. Chega a organizar
uma exposicão de pintores italianos, sem sucesso. 0 nascimento d e seu S egun-
do fllho, logo apOs seu retorno ao Peru, também será urn fato importante nesseperlodo. Em seguida, recebe urn convite de Victor Haya de la Torre, a quem
conhecera em 1 9 1 8 Para colaborar corn uma jornada de protestos contra a
dedicacao do Peru ao Sagrado Coraçao de Jesus pelo arcebispo de Lima e pelo
presidente Legu la. Somente no final de rnaio - quando as lutas se intensificam
e dois m anifestantes, urn operário e urn estudante, são assassinados pela poll-
cia - é que M ariátegui decide participar. Isso faz corn que Haya o leve para dar
paleStras nas Universidades Populates Gonzalez Prada, aproximando o jorna-l is ta dos estudantes e de seu grupo poli tico. Essa at i tude estava em sintonia
corn o que acontecia na época em outras partes daAm érica Latina. E born lern-
brar que em Cuba havia sido fundada por Julio Antonio M ella, entre outros, a
Universidade Popular José Marti e no Chile, a Universidade Popular Lastarria,
arnbas incentivand o a luta antiimp erialista e a reforrna universitária. Os ele-
rnentos m ais progressistas do continente, os lideres estudantis e, e alguns casos,
os futuros fundadores dos respectivos partidos comunistas estavarn extre-mam ente envolvidos nessa em preitada, que surgia como um a nova alternativa
2 0
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 23/156
de luta poiltica dentro do p ainel classista tradicional desses pa Ises. E corn-
preensIve , portanto, que M ariátegui tam bém pa rticipasse dessa experiéncia.
Em outubro, Haya e preso e, logo em seguida, em janeiro de 1924, numa
reuniâo entre inte ectuais e alunos universitários, M ariátegui também é detido
pelas autoridades. Corn o exIl io de Haya d e la Torre, Mariátegui se torna o
principal intelectual de esquerda peruano , trabalhando em estreita colabora-
ção corn v ários futuros dirigentes da A PRA (Alianza Popular Revolucionaria
Am ericana), corn estudantes e corn Ilderes do m ovimen to operário, partici-
pando de conferéncias e continuand o a escrever Para várias pub icacoes da
capital. E urn co aborador constante de várias revistas, desde a Variec/ades -
que, apesar de set governista, não censura seus textos - ate a Claridad, fundada
por Haya de la Torre (e born lembrar que havia outras revistas corn o m esmo
nome na A rgentina e no Chile nessa época) e que era considerada o "órgão da
juventude ivre do Peru". Mariátegui assum e a função de diretor interino da
lariclad após a partida de Haya de a Torre.
José Carlos continua se dedicando intensam ente a construir o socialism o
em seu pals . Sua preocup acão principal nessa instância é estudar profunda-
m ente a realidade peruana a partir do método m arxista. Os trabalhos, porérn,
são extremamente fatigantes Para o frágil jornalista. Em maio de 1924 ele
desmaia e é levado a s pressas Para o hospital, onde é internado. Sua satide se
deteriora. Chega a ficar corn 42 graus de febre. 0 m edico qu e trata da enferrni-
dade, o doutor Gastañeda, descobre urn tumor na perna direita e insiste que a
ünica ma neira de salvar José Carlos é fazer um a amp utacao. A rude do jorna is-
ta se opóe por motivos religiosos, mas a esposa Anna dá sua permissão. Quan-
do fica sabendo que sua Perna havia sido amputada e que se tornaria urn inválido
definitivarnente, Mariátegui entra em extremo desespero, mas é consolado pelarnulher. Ao sair da clInica, encontra-se numa situação eco nôrnica com plicada,
já que ganhava pouco pe os artigos e tinha de pagar as muitas despesas do
hospital. Os amigos organizam uma campanha na capital para ajudar a arreca-
dar fundos Para o jorna ista, corn sucesso. A guns m eses ma is tarde, ele já es-
crevia novam ente Para a imprensa peruana, enquanto sua casa voltava a set
local de reuniôes de traba hadores e intelectuais progressistas.
Em 1925, Mariátegui, junto corn seu irmão Julio César, funda a editoraM inerva. Nesse mesmo ano, pub ica La escena contempordnea, seu primeiro
21
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 24/156
livro, considerado um a obra "européia" - colecäo d e artigos sobre arte e poilti-
Ca, editados originalmente em Varieclades e Mundial, sobre personalidades e
acontecirnentos em sua maioria do Velho Continente daquele perlodo. Outros
escritores peruanos importantes, como Mariano Iberico Rodriguez, Luis
Valcárcel, José Maria Eguren e Panait Istrati, também terão suas obras publicadas
pela M inerva.
Durante m uito tempo, M ariátegui quis fundar um a revista influente, que
pude sse divulgar as artes e as idéias socialistas. Por sugestâo do pintor peruan o
José Saboga l, que se com prorneteu a preparar a capa da publicacao, nome
escoihido foi Amauta, palavra quéchua que significa sacerdote, sábio, de acor-
do corn antigas tradicoes populates do pals. Assirn, em setem bro de 1926 é
publicado o primeiro n6rnero da Amauta, corn urna tiragem de 3.000 exern-
plares, na qual colaboram os m ais importantes intelectuais de vanguarda d o
Peru da época, assim como opositores deportados do regime Legula. Alguns
anos m ais tarde, o próprio M ariátegui começ ará a set chama do tarnbérn de
"Am auta" pelos intelectuais progressistas e socialistas de todo o continente.
De acordo c orn o editorial, que fazia a apresentacão do prirneiro nümero , a
revista náo representaria urn grupo , mas, sirn, urn rnovim ento, urn espirito,
com posto de autores ideológ ica, estética e psicologicarnente diferentes, mas
corn o objetivo cornum de construir urn Peru novo dentro de urn mundo
nov o. AAm auta, porérn, náo seria urna "tribuna livre". Para seus editores, teria
urn caráter beligerante, polémico, que nao faria concessôes nern rena tolerân-
cia a idéias con trárias; toda retórica seria retirada da revista para que tivesse
apenas con teüdo, "espIrito". Ou seja, a publicacao não teria prograrna, somen-
te urn destino, urn objeto, que seria o de esclarecer e conhecer os prob lernas
peruan os de pon tos de vista doutrinários e cientificos. Portanto, o Peru seria
visto a partir de um a perspectiva rnundial. E então o grande objetivo da revis-
ta, que seria aproxirnar os "hornens nov os" do Peru aos outros povos da Arné-
rica e do resto do planeta.
Em junho de 1927, bastante preocupado corn a repercussao da revista,
o governo L egula utiliza o argurnento de urna conspiracão com unista - prin-
cipalmente basead o em docu rnentos confiscados da APRA , entre des a corres-
pondéncia entre Haya e Mariátegui apreendida pela poilcia - Para prender
seus editores. Nessa ocasiáo, Jose Carlos fica seis dias detido no hospital
22
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 25/156
militar de San Bartolorné, enquanto sua residéncia é invadida pela polIcia,
que rem exe sua biblioteca e leva vários de seus livros.
Apó s a prisao, M ariátegui é mand ado para casa, onde com eça a trabalhar
novam ente, escrevendo Para vários jornais em protesto contra os abusos e arbi-
t rariedades do regime, sendo ainda vigiado pelas autoridades. Durante todo
aquele periodo, m ostra-se urn duro crItico do governo. Assim, em novemb ro
de 1928, lança Labor, "quinzenário de informacao e idéias", que se torna o
mais importante periódico socialista da época, corn urna tiragem de 5.000
exernplares. Menos de urn ano rnais tarde, Labor seria fechado pelo governo.
Em 1928 tarnbém publica seus Siete ensayos de interpretación de la realidad
peruana, urna das obras rnais criativas e originais sobre a form açao étnica e
social do Peru ate en tâo. Cornpilacao de artigos publicados anteriorrnente no
Mundial e na Amauta, o l ivro cria um a eno rrne polémica. M uitos crIt icos,
principairnente apristas, na ocasião, acusarn-no de set apenas urn "jornalista",
ainda corn tracos "europeizantes", sern profundidade nern conhecirnentos aca-
dém icos. M as os anos mostraram que aqu ele era urn trabalho de grande im-
portância e fundamental Para a com preensâo da forrnaçao social peruana. Na
atualidade, esse talvez seja o livro peruano corn m ais edicoes no exterior, corn
traduc6es em diversas lInguas, assim corno provavelmente a obra teórica m ar-xista m ais importante produzida no continente.
No comeco de 1928, urn grupo de apristas no Mexico propóe que a APRA
se tom e urn partido politico naciona lista no Peru, a partir da estrutura que a
organizacão já possuIa. Quand o recebe a notIcia, Mariátegui fica indignado .
Escreve um a carta Para Haya de la Torre e Para a célula mexicana da A PRA que
havia feito a sugestao, afirm ando q ue aquilo era u rna atitude eleitoreira detes-
tável, ao estilo do velho regime, e que isso transformava urn movirnentoantiimperialista numa mentira. Para ele, Haya fazia parte de uma boémia
revolucionária" e havia se tornad o de direita. E born recordar que Haya havia
sido urn dos principais fundadores das U niversidades Populates Gonzalez Prada,
urn centro irnportante de discussáo e difusão de idéias antiimperialistas no
Peru. Quando vai Para o exilio no M exico, ele funda a A PRA, que seria urn
"partido internacional", tendo corno po ntos principais o antiirnperialisrno, a
unidade da A m erica Latina, a estatizaçao das riquezas rninerais e das proprie-dades agrárias, a internacionalizaçao do Can al do Panarná e a solidariedade
23
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 26/156
corn Os povos o prirnidos. 0 lIder estudantil argum entava que a A PRA seria
uma "adaptacao" do marxismo a s condicoes locais, ou seja, que o aprismo seria
a forma d e m arxisrno a set aplicada na A merica Latina. Para ele, esse "marxis-
mo latino-americano náo poderia ficar preso somente a s categorias euro-
péias, deveria set elaborado a partir de uma perspectiva do No vo M undo , ter
liberdade rnetodologica e ter a capacidade de estar constanteme nte se mod ifi-
cando e se renovan do. Por isso, Haya recorre tanto a obra de Marx quanto ao
"relativismo" de Einstein, por exemplo, para desenvo lver sua concepcão - ele
discute a inter-relacão do "espaco histórico" corn o "tempo histórico", que
teriam caracterIsticas próprias e seriam diferentes dependen do de cada regiâo
do planeta. Para o caso peruano, haveria urn "espaco-temp o histórico" indo-
americano próprio, diferente do europeu. Assim, a concepcão marxista da his-
tória não teria validade absoluta. As diretrizes marxistas, portanto, teriam de se
moldar ac, novo ambiente social e histórico da America Latina e set reelaboradas
a partir de novas perspectivas Para Haya, por exem plo, enquanto o imp erialis-
mo poderia set visto como a fase superior do capitalismo na Europa, na A rné-
rica Latina seria apenas a fase inicial. Ele também achava que a divisão dos
perlodos históricos, corno a Idade Med ia ou Contem porânea, seria arbitrária e
construlda a pa rtir de referenciais europeu s. Ou seja, essas con strucóes n ao
seriam un iversais. A A PRA , portanto, seria uma orga nizacão politica e tarn-
bern um a "filosofia", uma tentativa de adaptacao do marxismo a America Lati-
na, assim com o um a suposta "superacão" do m arxisrno, corn a intenção clara de
se contrapor a determinadas idéias defendidas por alguns socialistas na épOca.
Talvez urn dos p rirneiros m ili tantes latino-americanos a contestar Haya
tenha sido Julio Antonio Mella, urn dos fundadores do Partido Comunista
Cuban o, que defendia uma linha mais ortodoxa e em d iversos artigos atacouveementemente o dirigente peruano. De alguma forma, a APRA podia set
vista corno um a ame aca, urna nova alternativa aos jovens PCs da região. Para
M ella, os apristas defendiam o antiimperialismo como uma luta pela indepen-
déncia nacional, quando na realidade a ordem do dia seria a revolucao socialis-
ta. 0 imperialismo Para ele teria uma dinâmica internacional, e, portanto,
independ entem ente de "espaco e tempo históricos", todos os palses estariam
dentro do m esmo p rocesso determinante. Em todos os palses haveria proleta-riado, as formas de exp loracao seriam parecidas e as "leis" do m arxismo seriam
24
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 27/156
universais. Para Mella, a APRA seria uma justificativa de alianca corn os refor-
mistas e corn as burguesias nacionais do continente. Sornente os operários
estariam ap tos a fazer a revolucáo so cialista na Arnérica.Latina. Isso significa
que nem os carnpon eses estariarn incluldos corno agentes principais da luta.
Para ele, náo se poderia discutir a questao de racas nern m ais especificarnente
a questao do indio. Enquanto Haya acreditava na necessidade incontestável da
resolucao do problerna indIgena e considerava tanto a ernancipaçâo quanto a
própria afirmacao da identidade dos Indios com o precondicoes fundam entais
Para a revolucao social, Mella insistia em que den tro do sisterna capitalista já
nao haveria m ais espaco Para a questão étnica nem Para outros protagonistas
revolucionários. 0 im perialismo teria transform ado a discussão sobre a raca
em questao econôm ica. Ou seja, os Indios, a partir dessa interpretacao, deve-
riarn ser vistos apenas corno trabaihadores. E a reso ucâo Para esse problerna
econô rnico seria sornente a revolucao feita pelo proletariado. Já Para Haya,
deveria haver urna alianca interc assista, urna frente ünica, corn classe m edia,
inte e ctuais, estudantes, campo neses, trabalhadores industriais e outros setores
interagindo Para irnpulsionar a luta contra o impe rialismo e Para as rnudancas
estruturais dentro de urn deterrnina do pals. Por isso, Mella insiste ern que a
APR A seria indo-arnericanista, populista e nacionalista.
Nesse contexto, Mariátegui tam bém se rnostra urn crItico da APRA e de
suas concepcó es. 0 "Arnauta" certarnente defende as tradiçoes indo-arnerica-
nas, rnas não considera que estas possam superar o rnarxisrno. Ern outras pala-
vras, o m arxismo seria urn "rnétodo", que deveria ser utilizado de forma criativa
e original pelos teóricos do continente Para adaptá-lo a realidade local. N ão
haveria o intuito de superacao per se da dou trina, rnas, sirn, sua continuaçao,
evo ucão e desenvolvimento. On seja, saber usa-la corn sua "flexibilidade
dialética" em quaisquer circunstâncias. Justamente por isso, ele poderá analisar
as questôes especIficas da regiao, respeitando suas peculiaridades, e, ao m esmo
tempo , tam bém terá a capacidade de observar essas rnesrnas questoes dentro de
urn painel rnais arnplo das relacoes po ilticas e econôrnicas internaciona is e do
próprio processo histórico do capitalisrno. Os intelectuais da APRA tentarn
acusá-lo de "europeizmte", nao s o por sua estada no Veiho Continente corno
tambérn por utilizar prioritariarnente o rnétodo rnarxista - Para eles europeu -ern ccntraposicao ao aprisrno, supostam ente defensor das tradiçoes e form as
25
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 28/156
de pensar indIgenas locals. Mariátegui certamente usa urn instrumental "euro-
peu" para criar urn "nacionalism o peruano" pleno - p ara ele fundam ental - e
levar adiante urna "tarefa am ericana". Ou seja, ele "m ariateguiza" M arx, torna
as idéias marxistas mais flexiveis, adaptando a do utrina a seu pals. De acordocorn o "Arnauta", não haveria salvacao para a Indo-América sem a ciéncia e o
pensam ento europeus. Ao m esmo tem po, porérn, ele usa urn arcabouco teóri-
co ocidental Para elaborar urn socialismo corn caracteristicas próprias de sua
região. A diferenca entre os dois pensad ores parece suti , rnas é profunda . Para
Haya, a descentra izacao do m arxisrno teria sido provocada de "fora", saindo
de urn centro, a Europa, e sendo reinterpretada em ou tro, a A m erica Latina,
enquan to, de acordo corn Mariátegui, a "descentralizaçao" do rnarxismo não
partiria de urn centro ao outro, mas ale clentro clopróprio marxismo, que deveria
ter em si mesmo essa flexibilidade teórica Para se adaptar a s diferentes realida-
des e ter a po ssibilidade d e se expressar de diversas rnaneiras distintas. Ou seja,
a superacâo não é do rnétodo m arxista, que seria correto, mas apenas da pers-
pectiva européia. Urn m arxismo "n acional", portanto, estaria de acordo corn a
doutrina rnarxista, m esm o que adaptado a um a outra realidade.
De qualquer forma, por discordar dos rumos da APRA , que abriam carni-
nho para o populismo, no dia 7 de outubro de 1928 Mariátegui ajuda a
fundar o Partido Socialista do Peru, que, de acordo corn algun s dirigentes da
Terceira Internacional, seria urna mistura de aprismo corn comunismo.
Na ocasião, é eleito secretário-geral da o rganizaçao. E irnportante lem brar que
Mariátegui não funda urn partido cornunista , mas, sirn, explicitarnente,
urn agrupam ento corn a designacao de "socialista". 0 "Arnauta" é grande ad-
rnirador de Lenin e da revo ucão russa, mas nern por isso aceita manter-se
dentro das norm as rIgidas im postas pelo Com intern. A decisão do periodista
peruano, portanto, foi pensada e teve com o objetivo dar major m ob ilidade e
flexibilidade a sua organizacão e trabalhar para a construçao de urn soc ial ismo
corn caracterIsticas próprias e contra, corno ele mesm o dizia, os pedantes pro-
fessores tedescos da mais-valia, assim corno contra a burocracia dos p artidos e
sindicatos repletos de m esurados ideologos e prudentes funcionários impreg-
nados de ideologia burguesa. Em ou tras pa avras, se Mariátegui se define com o
ma rxista e "cornunista", nâo é por aderir aos preceitos do Com intern, mas sim
por sua trajetória intelectual e suas exp eriências polfticas m uito particulates.
26
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 29/156
A fundacao do Partido Socialista tern com o o bjetivo possibilitar a organizacão
de um a "m oral dos produtores", aumentando a base diretiva das classes popu-
lares em outros setores, na grande tarefa de construir urn socialismo indo-
americano co rn caracterIsticas próprias. Sua intencâo é criar urn novo Estado
nacional que tenha a am pla participacão não s o do proletariado como também
do cam pesinato indIgena, o que era uma posicáo rnuito diferente daquela de-
fendida por boa p arte dos m arxistas da época. 0 indigenism o, portanto, seria
revolucionário.
No inlcio de 1929 ele também ajuda a organizar a Confederacao Geral dos
Trabaihadores do Peru, que tern seu cornité provisório escoihido em 17 de
maio daquele ano. 0 Partido Socialista, naquela ocasião, recebe convites e
envia cinco mem bros da nova CGTP Para o Con gresso Sindical Latino-Am e-
ricano, que seria realizado naquele m és em M ontevidéu. A Primeira Conferén-
cia Comunista Latino-Americana, em Buenos Aires, que ocorre em junho,
conta ainda corn a p resenct de dois m ilitantes da central. Mesmo assirn, o Biró
Sul-Americano da Terceira Internacional tern uma opinião desfavorável sobre
o partido que acaba de ser criado por M ariátegui, já que este deveria obrigato-
riarnente estar subm etido ao mando irrestrito do Com intern. E nesse mornen-
to que a sañde do "Am auta" piora novam ente. Em marco de 1930, ele é levado
mais uma vez ac, hospital, onde fica por trés semanas. Uma junta médica,
encabecada pelo Dr. Fortunato Quesada e composta pelos medicos Constantino
Carvallo, Guillermo Gastañeta, Eduardo Goicochea, Hugo Pesce e Carlos R oe,
tenta salvar o teórico socialista. M esrno corn duas operacoes de em ergéncia e
urna breve m elhora, a infeccao estafilocócica volta a se espaihar, fazendo corn
que sua satlide piore. Ainda tern tempo de renunciar oficialmente como secre-
tario-geral do partido, indicando E udocio Rav ines para o cargo, mas náo resis-te a enfermidade. No dia 16 de abril de 1930, Mariátegui rnorre na ClInica
Villarán, na capital do pals. Seu corpo é levado no d ia seguinte pelas ruas de
Lim a, seguido por mem bros da CGTP e por m ilhares de trabalhadores, estu-
dantes, ar tis tas e intelectuais , cantando e e m punhando bandeiras verm elhas
durante todo o p ercurso do cortejo. 0 lIder revolucionário näo chegou a corn-
pletar 36 anos de idade. A doenca, ate hoje, é mo tivo de controvérsias. Alguns
estudiosos afirmam que José Carlos Mariátegui poderia ter sofrido de umaosteomielite crônica, enquanto outros sugerern um a tuberculose inflam atória.
27
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 30/156
Ele deixa dois Iivros quase prontos - que não puderam set publicados naquele
mornento - outros dois em projeto escritos parcialmente e urna série de
tarefas polIticas em andam ento.
A presente ediçao reüne textos significativos da obra de Mariátegui, que
incluern temas fundam entais discutidos por ele na imprensa d e seu pals. Utili-
zando personalidades e acontecimentos de sua época como temas destes breves
artigos, o Am auta aborda assuntos como o fascismo, a democracia , a arte e
a politica em geral. Corn eles podem os conhecer suas irnpressôes sobre Mussolini
e sua m udanca de atitude em relaçao fIgura de D'Annunzio; sua desconfian-
ça em relacão demo cracia norte-americana, explicitada nos textos sobre
W ilson e H oover; sua admiracao - ainda que em mom entos fizesse ressalvas -
por figuras como E ugene Debs, Jean Jaurès, Leon T rotsky, Zinoviev, Obregon,
Ma róf, Gan dhi, Tagore e Jose Ingenieros - que, rnesmo m uito diferentes entre
si, possulam traços que ele adm irava - e seu co ntinuo interesse pela literatura,
corn os artigos sobre Máximo Gó rki, André Gide, Anatole France e O liverio
Girondo Estes artigos mostram o estilo ousado e polmico de Mariátegui e
sua visão original de fatos e personagens do inicio do século XX , o que denuncia
a que distância estava em relacao a alguns rnarxistas ortodoxo s de sua época.
28
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 31/156
Mariategui na iriauguracao da sede da editora Minerva
em 31 de outubro de 1925.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 32/156
A benévola insisténcia de alguns amigos me fez decidir a coligirnurn livro urna parte de m eus artigos dos tltirnos anos
sobre 7iguras e asp ectos da vida mundial .
1...]
Penso que nao épossIvel apreender em um a teoria o panorama com pleto
do m undo conternpoáneo e qu e, sobretudo, náo epossIvelfixar em urna
teoria seu movirnento: temos de explord-lo e conhecé-lo,
episódio por episódio, faceta porfaceta. Nosso juIzo e no ssa irnagina cáo
se sentiräo sempre atrasados em relação a totalidade do fenôrneno.
Por conseguinte, o meihor rnétodo para explicar e traduzir nosso tempo
e, talvez, urn m étodo urn pouco jornalIstico e urn pouco cinernatograjIco.
1...]
Náo sou u rn espectador ind/èrente do dram a hurna no. Sou, pelo contrdrio,
urn hornem corn uma fihiacao e urnafe. Este livro náo tern mais valor
do que o de ser urn reg istro leal do espIrito e da sensibilidade
de minha g era cáo. Eu o dedico, por isso, aos homens novo s,
aos hornens jovens da America indo-ibérica.
Jose Carlos Mariátegui, prefácio de La escena contempordnea, Lima, 1925)
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 33/156
BEN ITO MU SSOLINI'
Fascismo e Mussolini são duas palavras consubstanciais e solidárias.
M ussolini é o anirnador, o lider, o duce m áxirno do fascismo, que p or sua vez é
sua plataforma, tribuna e veIculo. Para explicarm os urna parte desse episódio da
crise européia, recorrarnos rapidarnente a história dosfasci e de seu caudilho.
Mussolini, corno se sabe; é urn politico de origem socialista. Não teve
dentro do socialisrno urna posicão cen trista nern rnoderada, m as sirn extrernis-
ta e incand escente. Teve urn papel cond izente corn seu temp erarnento, já que
e espiritual e organicam ente, urn extrernista: está na ex trerna esqu erda ou na
extrerna direita. De 1910 a 1911, foi urn dos lideres da esquerd a socialista
e, ern 1912, dirigiu a exp ulsão do seio socialista de quarto dep utados p arti-
dários da colaboracao ministerial: Bonomi, Bissolati, Cabrini e Podrecca.
Pa ssou então a d irigir o jornal Avanti. Vierarn ern seguida 1914 e a Gue rra.
o socialisrno italiano exigiu a neutralidade do pais, rnas M ussolini, invaria-
veirnente inquieto e beligerante, se rebelou contra o pacifismo de seus corre-
ligioná rios e defendeu a interven cao da Itália no co nflito. Inicialrnente deu
a seu intervencionisrno urn enfoque revolucion ário, sustentando que estend er
e radicalizar a guerra significaria apressar a revolucao européia. M as, na rea-
l idade, em sua po stura intervencionista havia um a psicologia guerreira que
não co rnbinava corn a ati tude tolstoyana e passiva de neutralidade. Ern no-
vembro de 1914, Mussolini abandonou a direcao do Avanti e fundou ern
Milão II Popolo d Italia Para defender o ataque a Austria. A Itália se uniu
Pub licado originalmente corn o tItulo "M ussolini y el fascisrno", no livro La es cena
contem pora nea, Lima, Minerva, 192 5.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 34/156
a Entente. Mussolini, o propagandista da intervencâo, foi também, conse-
qüentem ente, urn soldado da intervençâo.
Ch egaram a vitória, o arm isticio e a desrnobilizaçao. Tudo isso trouxe tam -
bern urn p erlodo de oc iosidade Para os intervencionistas. D'Ann unzio, nostál-
gico de gestas e epopéias, realizou a aventura de F iume , enquanto M ussolini
criou osfasci di combatt imento: lancas ou feixes de com batentes. Mas na Itália
o m om ento era revolucion ário e socialista. Para aquele pals, a guerra havia sido
urn rnau negóc io. A Entente ihe havia concedido u rna mag ra participacão no
butirn. Esquecida da co ntribuiçao das arrnas italianas para a vitória, Ihe hav ia
regateado teimosarnente a possessão de Fium e. A Itália, ern sum a, havia saldoda guerra corn urna sensacao de descon tentame nto e de desencanto. Realiza-
rarn-se, sob essa influéncia, as eleiçoes, e os socialistas acabararn co nqu istando
155 cadeiras no Parlam ento. Mu ssolini, candidato por M ilão, foi estrondosa-
m ente derrotado pelos vo tos socialistas.
M as esses sentimen tos de decepçao e de dep ressáo nacionais erarn propi-
cios a urna violenta reação nacionalista. E foram a raiz do fascisrno. A classe
m edia ern geral é peculiarmen te suscetivel aos m ais exaltados rnitos patrióti-
cos, e a italiana, particularrnente, sentia-se distante e adv ersária da classe prole-
tária socialista: nao perdo ava su a atitude de ne utralidade, seus altos salários, os
subsIdios do Estado e as leis sociais que durante e de pois da guerra havia con -
seguido pelo m edo da revolucao. A classe rnédia padecia e sofria corn a idéia de
que o proletariado, neutro e ate rnesrno derrotista, acabasse usufruindo de
urna gue rra que hav ia rejeitado e cujos resultados desvalorizava , dirninula e
desdenhava. Esse m au hum or da classe media encontrou urn lar no fascism o.
M ussolini atraiu, assim, a classe m edia a seus fasci di com batt im ento.
Alguns dissidentes do socialism o e do sindicalismo se a listararn nos fasci,
contribuindo , corn sua experiéncia e sua destreza, na organizaçäo e captacao d e
rnassas. 0 fascismo nao era, todavia, uma seita program ática e conscientem ente
reacionária e conservadora: ele se considerava revolucionário. Sua propagandatinha rnatizes subversivos e d em agógicos. Posicionava-se, por exem plo, contra
Os nov os ricos. Seus princlpios - de tendén cias republicanas e an ticlericais -
estavarn im pregnados de um a confusão m ental da classe media que, instin-
t ivarnente descontente e desgostosa corn a burguesia, era vagarnente hostil ao
proletariado. Os socialistas italianos cometerarn o erro de não usar armas
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 35/156
polIticas sagazes para m odificar a atitude espiritual da classe m edia. Mais am -
da, acentuararn a inimizade entre o proletariado e a picco la bor ghesia - assim
cham ada e tratada de forma desdenhosa por alguns solenes teóricos da ortodo-
xia revolucionária.A Itália entrou num periodo de guerra civil. Assustada pelas chances da
revolucao, a bu rguesia, solIcita, arrnou, abasteceu e estim ulou o fascism o; e o
ernpurrou perseguicão truculenta do socialismo, destruicao dos sindicatos
e coop erativas revolucionárias, a queb ra de greves e insurreicóes. 0 fascism o se
converteu, assirn, num a m ilIcia num erosa e aguerrida e acabo u por set m ais
forte que o próprio Estado. Entâo reclamou o poder. As brigadas fascistas
conqu istararn Rom a, e M ussolini, em " cam isa negra", ascendeu ao governo ,
obrigando a m aioria do Parlarnento a Ihe obed ecer e inaugurand o urn regime
e urna era fascista.
Sobre M ussolini se escreveu m uita ficcao e pouca realidade. Pot causa de
sua beligerancia politica, qu.ase não é po ssIvel um a definicao ob jetiva e nitida
de sua personalidade e sua Ligura. Algum as definicoes são ditirârnbicas e cor-
tesãs; outras, rancorosas e p anfletárias. Mu ssolini é conhecido, episodicarnente,
através de aned otas e fotografias. Diz-se, por ex em plo, qie ele é o artifice do
fascism o. Acredita-se que M ussolini "fez" o fascismo. O ra, Mussolini é urn
agitador treinado, urn organizador exp erimentado, urn p ersonagern vertigino-
sam ente ativo. Sua atividade, seu dinamism o e sua tensão influiram eno rrne-
m ente no fenôrneno fascista. Mussolini, durante a cam panha fascista, falava
em trés ou quarto cidades num rnesmo d ia: usava o aviâo para i t de Rom a aPisa, de Pisa a Bolonha, de Bolonha a Milão. Ele é voluntarista, dinâmico,
verborrágico, italianhssirno, singularrnente dotado para agitar as rnassas e exci-
tar rnultidóe s: foi o organizad or, o anima dor, o condottiere do fascismo. M as
nao foi seu criador, nao foi seu artifice. Extraiu de urn estado de ânim o u rn
rnovirnento politico; rnas não rnode ou esse m ovimento a sua irnagern e sem e-
Ihanqa , nern deu urn espIrito oem u rn program a ao fascisrno. Ao con trário, foi
o fascisrno clue deu seu espIrito a Musso lini. Sua con substanciaca o e identifi-
cacao ideológica corn os fascistas o obrigou a exo nerar e a purgar seus d1timo s
residuos socialistas. Mussolini precisou assirnilar o anti-socialismo e o
chauvinismo da classe m edia para enq uadrá-la e organizá-la nas f ileiras dos
fasci di combat t imento , assirn corno teve de definir sua polftica como rea-
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 36/156
cionária, anti-socialista e anti-revo lucionária. 0 caso d e M ussolini se distin-
gue nesse sentido dos casos de Bonorni, de Briand e outros ex-socialistas.
Bon orni c Briand nun ca se virarn forcados a rom per explicitarnente corn sua
origern socialista. AtribuIram-se, isto sim, urn so cialismo rnInimo, hom eo-
pático. Mu ssolini , ao contrário, chegou a d izer que se envergonhav a de seu
passado socialista, com o urn hornem rnaduro se envergonha de suas cartas de
am or de adolescente, e saltou do socialisrno m ais extrem e, ao conservadorisrno
m ais radical . Não atenuou n ern reduziu seu socialismo: abando nou-o total e
integralrnente. Seus rum os econôrnicos, por exernp lo, são adversos a urna po ll-
tica de intervencionismo, de estatisrno, de fiscalismo. N ão aceitarn o tipo transa-
cional de Estado capitalista e ernpresário: tendern a restaurar o tipo clássico de
Estado arrecadad or e policial. Seus pon tos de vista de hoje são diam etralrnente
opostos aos de on tern. M ussolini era convicto de suas idéias ontern com o é
hoje. Qual foi, então, o rnecanismo ou processo de sua conversão de urna
doutrina a outra? Não se trata de urn fenôrneno ce rebral; trata-se de urn fenô-
rneno irracional. 0 m otor dessa rnudanca de atitude ideologica não foi a idéia;foi o sentirnento. M ussolini não se desernbaraco u de seu socialism o, nern inte-
lectual, nern conceitualrnente. 0 socialismo n ão era nele urn co nceito, rnas sirn
urna ernocão, do m esrno rnodo que o fascismo tampouco é nele urn conceito,
rnas sirn tarnbérn um a ernoção. Observernos urn dado p sicológico e fisionôrnico:
M ussolini nunca foi urn intelectual, rnas sim urn sentimental. Na p olItica e na
imprensa não foi urn teórico nem urn £ilósofo, mas sirn urn retórico e urn
condutor. Sua linguagern n ão foi p rograrnática, nem principista, nern cientifI-
ca, ma s sirn passional e sentime ntal. Os discursos rnais fracos de M ussolini
foram aqueles em que tentou definir a fil iacao e a ideologia do fascisrno. 0
prograrna do fascisrno é co nfuso, contraditório, heterogéneo: contérn, rnescla-
dos pêle-méle , conc eitos liberais e sindicalistas. Meiho r dizendo, M ussolini
não deu ao fascismo urn verdadeiro program a; ditou- he urn plano de ação.
M ussolini passou do soc ialisrno ao fascismo e d a revolucão reacão por
um a via sentimen tal e não con ceitual . Todas as ap ostasias históricas foram ,
Todos os nomes destacados em negrito estão no anexo "Tex tos biograficos" a partir
dapagina 141.
2 Confusamente.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 37/156
provav elmen te, urn fenôm eno espiritual. Mussolini, extremista da revolucao
ontern, extrem ista da reacao hoje, nos lem bra Juliano. Com o esse imperador,
personagem de Ibsen e de M erechkov ski, Mussolini é urn ser inqu ieto, teatral,
alucinado, supersticioso e m isterioso q ue se sentiu eleito pelo D estino para
decretar a perseguicâo do novo deus e repor em seu altar os moribundos
deuses an tigos.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 38/156
POster da Mostra della Rivoluzione Fascista, 1932.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 39/156
GABRIELE D ANNUNZIO
D'Annunzio não é fascista. M as o fascism o é d'annunziano. 0 fascism o usa
costumeiram ente urna retórica, um a técnica e um a postura d 'annunzianas. 0
grito fascista de "Eia, eia, alalá" é urn grito da epop éia de D'Annu zio. As on-
gens espirituais do fascismo estão na literatura e na vida d e D'Ann unzio. Ele
pode, portanto, renegar o Tascismo; mas o fascismo nao pode renegá-lo.
D'Ann unzio é urn do s criadores, urn dos artifices do estado de ânim o no qu alse incubou e Se m odelou o fascisrno.
M ais ainda: todos os cap itulos recentes da h istória italiana estão saturados
de d'annunzianismo . Adriano Tilgher, num den so ensaio sobre a Terza Italia,
define o perIodo pré-bélico de 1905 a 1915 como o reino incontestado da
m entalidade d'annunziana, nutr ida de recordacO es da Rom a imperial e das
comunas italianas da Idade Media, forrnada de naturalismo pseudopagao,
de aversâo ao sen timentalismo cristão e hurnan itário, de culto a violéncia, de
desprezo p elo vulgo profano curv ado sobre o trabalho servil, de diletantism o
.quilometrofágico corn urn vago delfrio de grandes palavras e de gestos im po-
nentes". Durante esse perIodo, constata Tilgher, a pequen a e a m edia burgue-
sia italiana se alim entaram da retórica de um a imp rensa dirigida por literatos
fracassados, totalmente irnpregnados de d'annunzianismo e de nostalgias
irnperiais.
E na gu erra contra a Austria - urna gesta d'annun ziana - se gerou o fascis-
m o - também um a gesta d'annunziana. Todos os lIderes e capitães do fascism o
Publicado originalmente corn o tItulo "D'Annunzio yel fascisrno" no livro La escena
con tempordnea , Lima, Minerva, 192 5.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 40/156
provém da faccao que se envolveu corn o governo neutralista de Giolitti e
cond uziu a Itália a guerra. As brigadas do fascism o se cham aram inicialmente
feixes dc combate. 0 fascismo foi urna emanacão da guerra. A aventura de
Fiume e a organizaco dosfasci foram dois fenômenos gém eos e sincrônicos.
Os fascistas de M ussolini e os arditi de D'Annunzio confraternizavam. Uns e
outros se lançavam a suas em presas ao grito de "Eia, eia, alalá" 0 fascism o e o
fiumanismo se am amentavam nas tetas da m esma loba, como Rôm ulo e Remo.
M as, assim com o Rôm ulo e Rem o, o destino queria que urn m atasse o outro.
O fiumanism o sucum biu ern Fium e afogado em sua retórica e em sua poesia.
E o fascismo se desenvolveu, livre da concorréncia de todo mo vimento similar,
a expensas dessa imolaçao e desse sangue.
0 fiurnanismo resistia em desc er do m undo astral e olImp ico de sua utopia
ao m undo co ntingente, precário e prosaico da realidade. Sentia-se por cim a da
luta de classes, por cim a do con flito entre a idéia individualista e a idéia socia-
lista, por cima da eco nom ia e de seus problem as. Isolado da terra, perdido no
éter , o fium anismo estava conden ado a evaporacão emorte. 0 fascismo,
no entanto, tornou po sicäo na luta de classes e, explorando a o jeriza da classe
media contra o proletariado, a enquadrou em suas fileiras e a levou luta
contra a revolucao e co ntra o socialismo. Tod os os elem entos reacionários e
conservadores que estavam m ais ansiosos por urn com ando decidido a comba-
ter a revolucâo do q ue po r urn politico inclinado a pactuar co m ela, se alista-
ram e se con centraram nos quadros do fascismo. Exteriorm ente, o fascism o
conservou seus ares d'annunzianos; mas interiormente seu nov o conteñdo e
estrutura social desalojararn e sufocaram a rarefeita ideologia d'annunziana. 0
fascismo cresceu e venceu, näo com o m ovirnento d'annunziano, mas sim com o
m ovirnento reacionário; náo com o interesse superior luta de classes, m as sim
com o interesse de um a das classes beligerantes. 0 fiuman ismo era m ais um
fenômeno literário do que politico. 0 fascismo é urn fenôrneno eminente-
mente politico. 0 condotiere do fascismo tinha q ue set , por conseguinte, urn
politico, urn cau dilho agitador, plebiscitário, dem agógico. E por isso o fascis-
mo encontrou em Benito Mussolini - e náo em Gabriele D'Annunzio - seu
duce, seu anim ador. 0 fascismo necessitava de urn lider pronto a usar, contra o
proletariado socialista, o revolver, o bastão e o O leo de rIcino. E po esia e óleo
de rIcino são du as coisas incon ciliáveis e d issIrniles.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 41/156
A p ersonalidade de D'Ann unzio é arbitrária, versátil e não cabe de ntro de
urn partido: ele é urn ho mern scm fihiacao ou disciplina ideológica. Aspira a ser
urn grande ator da história. Não ihe preocupa sen ão sua grandeza , seu desta-
que, sua estética. Nâo obstante, D'Ann unzio m ostrou, apesar de seu elitisrno e
seu aristocratisrno, um a frequente e instintiva tendéncia a esquerda e a revolu-
cão. Ern D'Ann unzio nâo ha u m a teoria, uma d outrina, urn conc eito: ha so-
bretudo urn ritrno, urna rnüsica, urna forrna, que tiverarn, entretanto, ern alguns
sonoros episódios da história do grande poeta, urn rnatiz e urn sentido revolu-
cionários. E que D'Annunzio am a o passado; m as arna ainda m ais o presente.
o passado o pro ve e o abastece de elem entos decorativos, de esm altes arcaicos,de cores raras e de hieróglifos misteriosos. Ma s o presente é a vida. E a vida é a
fonte da fantasia e da arte. E, enquanto a reacâo é ü instinto de c onservacão, o
estertor agonizante do passado, a revo ucão é a gestacao dolorosa, o parto san-
grento do presente.
Quand o, ern 190 0, D'Annunzio ingressou na C ârnara italiana, sua caréncia
de filiacao e falta de ideologia o levararn a urn assen to entre os conservad ores.M as, nurn dia de polérnica emoc ionante entre a maioria burguesa e dinástica e
a extrerna esquerda so cialista e revolucionária, D'An nunzio, ausente d a contro-
vérsia teórica, sensIvel sornente ao pulsar e a em ocão da v ida, se sentiu atraldo
m agneticarnente para o cam po de gravitacão da m inoria. E falou assirn a extre-
m a esquerda: "No espetáculo de hoje vi, de urn lado, rnuitos mo rtos que gritarn
e, de outro, poucos v ivos e eloqüentes. Com o hornem de intelecto, carninho
para a vida". D'Annunzio nâo carninhava p ara o socialismo nern para a revolu-
cáo. Nada sab ia nern queria saber de teorias nern de do utrinas. Carninha va sirn-
plesmente para a vida. A revolucão exercia nele a mesrna atracäo natural e orgânica
que o m ar, que o carnp o, que a rnulher, que a juventude e qu e o cornb ate.
E, depois da guerra, D'Annunzio voltou a aproxirnar-se várias vezes da
revolucao. Quando ocupou Fiume, disse clue o fiurnanisrno era a causa de
todos O s pov os oprirnidos e irredentos 2 . E enviou urn telegrama a Lenin. Pare-
Em 1919, D'Annunzio e mais trezentos homens, indo contra as determinaçoes do
Tratado de Versalhes, ocuparam o porto de Fiume - atualmente Rijeka, na Croácia -,
argumentando que este pertencia a Itália. Ele governou Fiume como um ditador ate
dezembro de 1920, quando teve de renunciar.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 42/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 43/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 44/156
H. G. WELLS'
o julgarnento sobre o presente de urn hornem hábil em traduzir o passado
e em imaginar o futuro tern sernpre urn interesse conspIcuo, sobretudo se esse
hom em é M r. H. G. Wells, conhecido no rnundo inteiro com o urn me tódico
explorador da história e da utopia. Wells, em sua posicáo de historiador e
rornancista, se pôs a observar "cem o anda o m undo" e a com unicar ao pi.iblico,
através de art igos, suas impress6es. Urn de seus textos m ais cornentados ate
hoje é o que se propóe a responder a pergunta: 0 que é o fascism o?
Wells decidiu julgar e defmnir o fascisrno quando acreditou já dispor de mate-
rial abundante para esse exam e. Teve m ais pressa e m enos prudéncia, contudo,
para estudar a revolucao bolchevique. A experiéncia soviética e o cenário
rnoscovita provav eirnente o atrafram rnais por suas rniragens rornanescas de
utopia social. Seu livro de im pressôes sobre a R ussia de Lenin, relido a certa
distância, Ihe deve hav er revelado a diferenca que existe entre suas especu lac6es
habituais de historiador e rom ancista e o excepcion al ernpreen dim ento de corn-
preender e julgar urna revolucao, seu espIrito e seus hom ens.
o fascismo ja nao é rnais a m esrna nebulosa dos dias da rnarcha a Rom a,
quando se dobravam perante ele muitos erninentes liberais que certamente
tinham grande estirna pelo autor de The Outline of History. 0 trabalho de
estudar o terna se apresenta, portanto, bastante facilitado. 0 estudioso co ntahoje corn urn farto conjunto d e conceitos que definern os diversos fatores da
forma ção do fascismo: o expe rirnento governarne ntal de Benito Mussolini já
Publicado originalmente corn tItulo "H. G. Wells ye fascismo" em Variedades, Lima,
14 de maio de 1927.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 45/156
chegou a seu quarto aniversário. 0 julgarnento de H. G. W ells se m ove, assim,
sobre urna base am pla e segura.
Talvez p or isso nao contenh a propo sicoes originais a respeito das origens
do movimento fascista. H. G. Wells, nesse estudo, segue mais on menos o
m esm o itinerário que outros crIticos do fascism o: encontra as raizes espirituais
deste no d'annunzianism o e no " futurismo" m arinettiano, já classificados com o
fenômenos analogos.
E, logicam ente, tamp ouco em suas conclusôes Wells oferece qualquer on-
ginalidade. Sua atitude é a caracteristica de urn reformista, de urn dem ocrata,
ainda que atorm entado por urna série de "düvidas sobre a dernocracia" e deinquietudes a respeito da reforma. 0 fascisrno lhe parece algo assim m ais corno
um cataclism o do que com o a conseqüência e o resultado da quebra da dem o-
cracia burgue sa e da derrota da revoluçao p roletánia na Itália. Ev olucionista
convicto, Wells não pôde conceber o fascism o com o urn fenôm eno possIvel
dentro da lógica da história. Tern que entendé-lo corno urn fenômeno de exce-
ção. Para ele, o fascismo é urn m ovim ento m onstruoso, teratológico, passIve1
de ocorrer somente entre urn povo de educacao defeituosa, propenso a todas as
exub erâncias da açâo e da palavra. M ussolini, diz W ells, "é urn produ to rnórbi-
do da Itália". E a povo italiano, urn povo que nâo estudou devidamente a
geografia nern a história universais.
Nessa, como quase em todas as atitudes intelectuais de H. G. Wells, se
identificam facilmen te as qu alidades e OS defeitos do pedagogo, do evolucionista
e do inglés.
Pod e-se perceber o pedago go nao sornente pelo corte didático da exp osi-
ção, mas tam bém pelo próprio fundo de seu julgarnento. We lls pensa que urna
das causas do fascismo é o deficiente desenvolvimen to do ensino secundánio e
superior na nação italiana. As escolas de m a qualidade e as universidades, insufi-
cientes, foram a seu juIzo o prirneiro fator Para criar a sentimen to fascista. M as
esse conceito não tern o sentido geral que necessitaria Para set admitido e sancio-nado . Wells parece localizar a problerna nos ensinos secun dário e universitário
e, m ais especificamente ainda, no ensino de geografia e história universais.
E esse gesto d enuncia a inglés. 0 Im pério bri tânico não seria conc ebIvel
sobre a base de u rn povo p ouco instruldo na geografia universal. Para o inglés,
a geografia é obrigatoriamente a disciplina q ue tern m ajor irnportância. Urn
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 46/156
hom ern culto da Belgica ou da SuIça po de ignorar essa ciência; urn inglés nao.
Sem urn sdlido conhec imen to da geografia, a Inglaterra não conseguiria con-
servar nem o dom Inio dos m ares nem seu império colonial em todos os con ti-
nentes. Explica-se, assim, que urn p rofessor inglés con sidere escassarnente
instruldos em geografia a todos os hom ens de outras nacionalidades. E o rnes-
rno acontece ern relaçao a história. A h istória e a sociologia, no con ceito de urn
inglés, quase nao tern outro propósito senão o de demonstrar corno todo o
progresso hurnano culrnina no Irnpério britânico e com o a evolucao da espécie
hum ana culmina no inglés.
Ha ou tra razão pa ra que o fascismo p areca a urn professor inglés o resulta-do d e urna p articular ignorância da geografia e história universais: o fascismo
é im perialista. Os fascistas se propôem a restaurar o Irnpério roman o. 0 sonho
de M ussolini é a reconstrução da Roma im perial. Con sequentem ente, ele in-
com oda particularmente o sentimen to im perialista de todo cidadão b ritânico,
que não consegue explicar o.ideal fascista senão corno o fruto de um a incipiente
e retardada instruçao em geografla e história.
0 evo lucionista, certamente, não está m enos presente e visfvel em H . G.
Wells e em suas opiniOes, assim com o é co m patIvcl corn o seu lado inglCs e
pedagogo . Toda a pedagogia do anteguerra repousa em urna fé absoluta no
dogma do progresso. E o evolucionismo, em todos seus pianos, se deiineia
cada dia m ais nitidam ente com o urn produto tIpico da men talidade britânica.
Todas as teses evolucionistas tendem a provar fundarnentairnente que o futuro
hurnano será urna co ntinuação da história inglesa, que coroa o esforco de to-
das as raças e cuituras.
Se a Grã-Bretanha e o ev olucionisrno não e stivessern em crise e se muitos
dos sintomas nao assinalassem a sua decadéncia, as opinióes de Mr. H. G.
Wells sobre o fascism o seriarn m uito mais consideráveis e transcendentes. M as
em nossos dias, o fascism o rem pouco a temer da critica reformista e dem ocrá-
tica, ainda qu e cia venha d e urn escritor da estatura de Wells. Corn o sim ples edesgastado arsenal evolucionista e liberal já nâo é rnais possIvel urna séria ofen-
siva teórica contra o fascisrno e seu condottiero. 0 pensarnento e a acao revolu-
cionários, como o p róprio Mr. Wells reconhece corn as suas "düvidas sob re a
dernocracia", tern arrnas m ais rnodernas e rnais contunden tes.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 47/156
DAVID LLOYD GEORGE'
Lenin é o politico da revoluçao; Mussolini é o politico da reacâo; e
Lloyd Geo rge é o politico do com prom isso, da transacao e da reforma. Eclé-
t ico, equilibrado e m ediador, igualmen te distante tanto da esqu erda quanto
da direita, Lloyd George náo é urn construtor nem da nova nem da velha
ordem . Desprovido de qualquer. adesáo ao passado e de toda a imp aciéncia
do futuro, Lloyd Geo rge nâo d eseja set senão urn artesâo, urn construtor do
presente. Ele é urn pe rsonagem sem filiacao dogrnatica, sectária, rigida. Nâo
é individualista nem coletivista; não é internacionalista nern nacionalista:
por isso, arregimenta o liberalismo britânico. Mas esse rótulo de liberal
corresponde mais a uma razão de classificaçao eleitoral do que de diferen-
ciacão program ática. Liberalismo e co nservadorismo são hoje duas escolas
poli ticas superadas e deform adas. Atualm ente não assistimo s a urn co nflito
dialético entre o conceito liberal e o conservad or, mas sim a urn contraste real,
a urn choque histórico entre a tendência a manter a organizacão capitalista
da sociedade e a tendéncia a substituI-la corn uma organização socialista
e p roletária.
Lloyd George não é urn teórico, urn hierofante de qualquer dogm a eco-
nôm ico, nem urn politico; é urn conciliador quase agnóstico. Carece de pon -
tos de vista rigidos. Seus pontos d e vista são provisórios, m utáveis, precáriosrnóveis. Lloyd Geo rge se apresenta em constante retificaçáo, em permanen te
revisão de suas idéias. A apostasia supoe translaçao de um a posicão ex tremista
Pub licado originalmente co rn o titulo "L loyd George" no livro La escena contem
pordnea, Lima, Minerva, 19 25.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 48/156
a outra posicão antagônica, também extrernista. E L loyd George ocupa in-
variavelmente um a posicão centrista, transaciona , interrnediária. Seus mov i-
mentos de translação não são por conseguinte radicais e violentos mas
sirn graduais e minirnos. Lloyd George é estruturalmente urn politico
possibilista. Pensa que a linha reta é, na polItica como na geometria, urna linha
teórica e irnaginária. A superficie da realidade poiltica é acidentada corno
a superficie da Terra. Sobre ela nao se podem tracar linhas retas, senão linhas
geodesicas. Lloyd George, por isso, não busca na poiltica a rota ideal, rnas sim
a rota mais geodesica.
Para esse cauteloso e perspicaz politico o hoje é urna transação entre
o ontern e o arnanhã. Lloyd G eorge não se preocupa corno foi nern corno será,
rnas sim como é.
Nern douto nern erudito, Lloyd George é, antes de tudo, urn tipo refratário
erudicão e ao pedantisrno. Essa condicao e sua falta de fé ern toda doutrina o
preservam da rigidez ideológica e dos principismos sisternáticos. AntIpoda do
catedrático, Lloyd George é urn politico de fina sensibilidade, dotado de ó r-
gaos ágeis P ara a percepcão original, objetiva e cristalina dos fatos. Não é urncomentador, nern urn espectador, mas sirn protagonista, urn ator consciente
da história. Sua retina polItica é sensIvel irnpressão veloz e estereoscópica do
panorama circundante. Sua falta de apreensôes e de escriIpulos dogrnáticos lhe
perrnite usar os rnétodos e os instrumentos mais adaptados a seus objetivos.
Lloyd George assirnila e absorve instantaneamente as sugestôes e as idéias üteis
a sua orientaçáo espiritual. discreto, sagaz e flexivelrnente oportunista. Nãose obstina jamais. Trata de modificar a realidade contingente, de acordo corn
suas previsôes, mas, se encontra nessa realidade excessiva resisténcia, se con-
renta em exercitar sobre ela urna influência minima. N ão se obceca em urna
ofensiva irnatura. Reserva sua insisténcia, sua tenacidade, Para o instante pro-
picio, Para a conjuntura oportuna. E está sernpre pronto transacão, ao corn-
promisso. Sua tá tica de governante consiste ern não reagir bruscarnente contra
as impressôes e as paixôes populates, rnas sirn se adaptar a elas para canalizá-las
e dominá-las rnanhosarnente.
A colaboracao de Lloyd George na Paz de Versalhes, por exemplo, está
saturada de seu oportunismo e seu possibilisrno. Lloyd George compreen-
deu que a Alemanha não podia pagar urna indenizacão excessiva. Mas
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 49/156
ambiente delirante frenetico e histerico da vitoria o obrigou a aderir pro-
visoriamente a tese contraria. 0 contribuinte ingles desejoso de que os
gastos belicos nao pesassem sobre sua renda, mal informado da capacidade
economica da Alemanha, queria que esta pagasse o custo integral da guerra.
Sob a influencia desse estado de animo, se efetuaram as eleicoes, apressada-
mente convocadas por Lloyd George imediatamente depois do armisticio.
Para nao correr o risco de um a derrota, Lloyd George teve de incluir em seu
programa eleitoral essa aspiracao do eleitor ingles. Teve q ue fazer seu o pro-
grama de paz de Lord Northcliffe e do Times adversarios encarnicados de
sua politica.
Lloyd George era igualmente contra que o Tratado mutilasse e desmem -brasse a Alemanha e engrandecesse territorialmente a Franca. Percebia o perigo
de desorganizar e desarticular a economia alema. Combateu, por conseguinte,
a ocupacao militar da faixa esquerda do R eno. Resistiu a todas as conspiracoes
francesas contra a unidade •da Alemanha. M as acabou tolerando que estas se
infiltrassem no Tratado. Quis, antes de tudo, salvar a Entente e a Paz . Pensou
que nao era o m omento de frustrar as intencoes francesas e que, a medida queos espiritos se iluminassem e que o delirio da vitoria se extinguisse, o caminho
para a retificacao paulatina do Tratado se abriria automaticamente, enquanto
suas consequencias, prenhas de ameacas P ara o futuro europeu, induziriam a
todos os vencedores a aplica-lo corn prudencia e tolerancia. Keynes, em suas
Novas consideracoes sobre as consequencias econom icas da paz comenta assim
essa gestao: "Lloyd George assumiu a responsabilidade de um tratado insensa-to inexecutavel em parte que constituia um perigo Para a propria vida da
Europa. Pode-se alegar, uma vez admitidos todos seus defeitos, que as paixoes
ignorantes do publico desempenham no mundo um papel que deve ser levado
em conta por aqueles que conduzem um a democracia. Pode-se dizer que a Paz
de Versalhes constitufa a melhor regulamentacao provis6ria que permitiam as
reclamacoes populaces e o carater dos chefes de E stado. Pode-se afirmar que,
para defender a vida da Europa, consagrou durante dois anos sua habilidade
e sua forca Para evitar e moderar o perigo".
D epois da paz, de 1920 a 1922 , Lloyd George fez sucessivas concessoes
formais, protocolares, ao ponto de vista frances: aceitou o dogma da intan-
gibilidade da infalibilidade do Tratado. Mas trabalhou perseverantemente
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 50/156
para atrair a Franca a uma polItica tacitarnente revisionista. E para conse-
guir o esquecimento das condiçoes mais duras e o abandono das cláusulas
mais imprevidentes.
Perante a revolucao russa, Lloyd George teve uma atitude elástica. Algumas
vezes se ergueu, d rarnaticarnente, contra ela; outras vezes flertou corn cia furti-
vamente. A princIpio, subscreveu a polItica do bloqueio e d a intervencao mi-
litar da Entente. Ern seguida, convencido da consolidacao das instituicoes russas,
preconizou seu reconhecirnento. Posteriorrnente, corn d iscursos inflarnados e
enfáticos, denunciou os boicheviques como inimigos da civilizacao. -
Lloyd G eorge tern, ern relacão ao setor burgués, urna visão rnais européia
que b ritânica - ou britânica e por isso européia - da guerra social, da luta declasses. Sua poiltica se inspira nos interesses gerais do capitalisrno ocidental.
E recomenda a rnelhoria do nIvel da vida dos trabalhadores europeus, a
expensas das popuiacóes coloniais da Asia, Africa etc. A revoluçao social
é urn fenô rneno da civiiizacao capitalista européia. 0 regime capitalista - no
juIzo de L loyd George— deve adormecé-la, distribuindo entre os trabalhadores
da Europa uma parte dos ganhos obtidos dos dernais trabalhadoresdo mund o. D evem-se extrair do trabalhador b racal asiático, africano, austra-
liano ou americano os xeiins necessários para aurnentar o conforto e o bern-
estar do trabaihador europeu e debilitar sua aspiracão de justica social. Deve-se
organizar a exploracao das nacoes coioniais para que abastecam de m atérias-
prirnas as nacöes capitalistas e absorvarn integrarnente sua producao indus-
trial. A L loyd G eorge, adernais, não Ihe repugna nenhurn sacrifIcio da idéia
conservadora, nenhuma relacao corn a idéia revolucionária. Enquanto os rea-
cionários querern reprirnir rnilitarmente a revolucao, os reformistas querern
pactuar e negOciar corn ela. Créern que náo é possivel asfixiá-la, derrotá-la,
mas, sirn, dom esticá-la.
Entre a extrema esquerda e a ex trema direita, entre o fascismo e o b olche-
visrno, existe todavia urna heterogênea zona interrnediária, psicologica e orga-
nicarnente dernocrática e evolucionista, que aspira a urn acordo, a uma transacao
entre a idéia conservadora e a idéia revolucionária. Lloyd G eorge é urn dos
lideres substantivos dessa zona temperada d a polItica. A lguns lhe atribuern urn
Intirno sentimento dernagó gico e o definern como urn politico nostalgico de
uma posicão revolucionária. M as esse juizo foi feito corn base em dados super-
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 51/156
ficiais sobre sua
ser urn caudi h
tismo, d ogrnat
relativista, tern
Ca, urn pouco i
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 52/156
Os quatro grandes ca Conferência de Paris:
Lloyd George, Orlando, Clemenceau e Wilson.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 53/156
JOHN MAYNARD KEYNES
Keynes nâo é lider, nao é politico, nem sequer é deputado. apenas diretordo Manchester Guardian e professor de economia da Universidade de
Cam bridge. M esmo assim, é um a figura de primeiro nivel da politica euro-
péia. Ainda que não tenha descoberto a decad éncia da civilizacao ocidental,
a teoria da relatividade, nem o enxerto da glandu a de macaco, é urn homem
tao ilustre e influente como Spengler, Einstein e Voronoff. Urn livro de éxito
estrondoso, As conseqüências económicas da paz, difundiu em 1919 o nome d eK eynes para o mund o inteiro.
Esse livro é a história Intima, descarnada e enxuta da conferéncia de P az c
de seus bastidores. E é, ao mesmo tempo, uma sensacional denimncia contra o
tratado d e Versaihes e seus protagonistas. Key nes denuncia em sua obra as
deformacoes e erros desse pacto e suas conseqüéncias para a Europa.
0 tratado de Versalhes é ainda um tópico de atualidade. Os politicos
economistas da reconstruçáo européia reclamam peremptoriamente sua revisão,
sua retificacao e talvez ate o seu cancelamento. A aceitacão d esse tratado é
apenas condicional e provisória: os Estados U nidos se recusaram a assiná-lo; e a
Inglaterra nao d issimulou, em algumas ocasióes, seu desejo d e aband oná-lo.
Para K eynes, o tratado seria urna regulamentaçao temporária da rendiçao alemã.
Mas como esse tratado disforme e teratologico foi preparado e ern que
circunstâncias apareceu? Keynes, testemunha inteligente de sua elaboraçao,
nos explica. A Paz de Versalhes foi construlda por trés homens: Wilson,
Clemenceau e L loyd G eorge (Orlando teve ao lado desses trés estadistas urn
Publicado originalmente no livro La escena contempordnea, Lima, Minerva, 1925 .
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 54/156
papel secundário, anódino, intermitente e opaco. Sua intervencao se limitou a
uma defesa sentimental dos d ireitos da Itália). W ilson amb icionava seriamente
urna Paz edificada sobrc seus quatorze pontos e nutrida de sua ideologia de-
rnocrática; Clemenceau lutava para obter urna Paz vantajosa P ara a Franca,
que fosse dura, áspera, inexorável; enquanto Lloyd George era empurrado em
sentido análogo pela opiniáo inglesa: seus compromissos eleitorais o forcavam
a tratar a A lemanha sern clemência. Os povos da Entente estavam demasiada-
mente perturbados pelo prazer e pela amnesia da vitória e atravessavarn urn
periodo de febre e de tensâo nacionalistas. Sua inteligncia estava obscurecida
pelo pathos. E, enquanto Clemenceau e Lloyd G eorge representavam d ois po-
vos possuIdos, morbidamente, pelo desejo d e espoliar e oprimir a A lemanha,
W ilson não simbolizava urna nação realmente convertida a sua doutrina, nem
solidam ente mancomunada corn seu beato e demag ógico prograrna. So inte-
ressava a rnaioria da populacao forte-americana o térrnino da guerra da forma
mais prática e menos onerosa pbssIvel. Por isso, sua tendéncia era a de abando-
nar completamente tudo o que o prograrna wilsoniano tinha de idealista. 0
ambiente aliado, bélico e truculento, carregado de ódio, rancor e gases asfixian-tes, era adverso a uma Paz wilsoniana e altruIsta. 0 próprio presidente dos
Estados U nidos náo pod ia escapar da influéncia e dos cond icionamentos da
"atrnosfera pantanosa de Paris". 0 estado de ânirno aliado era extrernarnente
hostil ao prograrna w ilsoniano de P az sern anexacóes nern indenizacoes. Alérn
disso, W ilson, corno diplornata e politico, era assaz inferior a Clemenceau e a
Lloyd George. A figura politica de Wilson nâo sai rnuito bern no livro deK eynes, que retrata a atitude do lider norte-arnericano na conferéncia de P az
como rnistica, sacerdotal. Ao lado de L loyd G eorge e de Clernenceau, cautelo-
sos, defensivos e sagazes estrategistas da polItica, Wilson se rnostrava urn ingé-
professor universitário, urn utópico e hierático presbiteriano. Wilson,
fInalmente, levou a conferéncia de Paz principios gerais, rnas nâo idéias con-
cretas sobre sua aplicacao. Ele não conhecia as questoes europé iasa s quais
estavam d estinados seus princIpios. Foi fácil aos aliados, por isso, camuflar
corn urna roupagern idealista a solucao que lhes convinha. Clernenceau e Lloyd
George, ágeis e perrneáveis, trabaihavam assistidos por urn exército de técnicos
e especialistas. Já Wilson, rIgido e herrnético, quase nâo tinha contato corn sua
própria delegacao. Nenhurna pessoa de sua entourage exercia influéncia sobre
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 55/156
seu pensamento. As vezes uma redacao astuta e urna m anobra grarnatical fo-
ram suficientes para esconder dentro de urna cláusula de aparncia inócua
uma intencao transcendente. Wilson não pôde defender seu programa do
torpedeamento sigiloso d e seus colegas da conferéncia.
Entre o programa wilsoniano e o tratado de Versaihes existe, por essa e
outras razóes, um a contradicao sensIvel. 0 programa w ilsoniano garantia a
A lemanha o respeito sua integridade territorial, Ihe assegurava urna paz sern
multas nem indenizacôes e proclamava enfaticamente o d ireito dos povos
autodeterminacao. M as o tratado separa da A lemanha a região do Sarre, habi-
tada por seiscentos mil teutônicos genulnos; confere Polônia e Tchecoslovaquia
outras porcôes de território alemao; autoriza a ocupacão durante quinze anos
da faixa esquerda do R eno, onde habitam seis rnilhôes de alemaes; e fornece a
Franca o pretexto para invadir as provIncias do Rhur e se instalar nelas. 0
tratado neg a a Austria, reduzida a urn pequeno Estado, o direito de se associar
ou se incorporar a A lemanha. A A ustria não pode invocar esse direito sern a
permissâo da Sociedad e das Nacoes, que so pode ihe d ar sua permissão por
unanimidade d e votos. 0 tratado obriga a A lemanha - além d a reparacao dosdanos causados a populacôes civis e de reconstruçao de cidades e campos de-
vastados - a reembolsar as pensóes de guerra dos paIses aliados, que estão sa-
queando todos seus bens negociáveis, tanto de suas colônias corno de sua bacia
carbonifera do Sarre, assim como de sua marinha m ercante e ate da proprieda-
de privada d e seus süditos em território aliado. Também Ihe impóe a entrega
anual de uma quantidade d e carvâo, equivalente diferença entre a produçaoatual das minas de carvão francesas e a producao de antes da guerra. E a obriga,
sern nenhum direito reciprocidad e, a conceder uma tarifa aduaneira minima
para as mercadorias aliadas e a permitir a invasão da p roduçao dos palses alia-
dos sem nenhuma com pensaçao. Resumindo, o tratado empobrece, mutila e
desarma a A lemanha, ao mesmo tempo que lhe exige uma enorme indenizacao
de guerra.
K eynes prova que esse pacto é uma violacao das condicoes de paz ofereci-
das pelos aliados a A lemanha, para induzi-la a render-se. A A lemanha capitu-
lou sobre a base dos quatorze pontos de Wilson. As condicoes de paz não
eviam, portanto, ter se afastado nem se diferenciado dessa proposta. A confe-
réncia de Versalhes deveria ter se limitado formalizaçao e aplicaçao d aque-
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 56/156
las condicoes; entretanto, impôs Alemanha urna paz diferente daquela ofere-
cida solenernente por Wilson. Keynes qualifica essa conduta corno urna
desonestidade monstruosa.
A dernais, esse tratado, que arrulna e mutila a Alernanha, nâo é sornente
injusto e insensato, mas também perigoso e fatal para seus autores. A Europa
necessita de solidariedade e cooperacâo internacionais, para reorganizar sua
producao e restaurar sua riqueza. 0 tratado a anarquiza, a fraciona, a conflagra
e a inocula de nacionalismo e jingoismo. A crise européia tern no pacto de
Versaihes urn de seus maiores estImulos doentios. Keynes adverte para a exten-
são e a profundidade dessa crise. E não cré nos planos de reconstrucão "dem a-
siadamente complexos, sentimentais e pessirnistas". 0 doente", diz, "não tern
necessidad e de d rogas, nem d e rernédios. 0 que Ihe faz falta é um a atrnosfera
sã e natural na qual possa dar livre curso a sua recuperacão . Seu plano
de reconstrução européia se resume, por isso, em duas proposicóes lacônicas:
a anulaçao das dIvidas interali'adas e a reducao d a indenizacao alemã a 36 bi-
lh6es de m arcos. Keynes considera que esse é, tambérn, o rnáxirno que a Ale-
manha pode pagar.0 pensarnento economicista de K eynes localiza a solucao da crise européia
na regularnentacão econôm ica da paz. Em seu primeiro livro escrevia, não
obstante, que "a organizacão econômica, que a Europa O cidental vivenciou
durante o ültirno rneio século, é essencialmente ex traordinária, instável, corn-
plexa, incerta e ternporária". A crise, portanto, não se reduz existéncia da ques-
tao das reparacóes e das dIvidas interaliadas. Os problemas econôrnicos da pazexacerbarn e exasperarn a crise; rnas não a causarn integralmente. A raiz da crise
está nessa organizacão econôrnica "instável, cornplexa etc.". M as Keynes é urn
econornista burgués, de ideologia evolucionista e de psicologia britânica,
que precisa injetar confianca e otirnismo no espIrito da sociedad e capitalis-
ta. E deve, por isso rnesrno, assegurar-Ihe que urna solucao sábia, sagaz e pru-
dente dos problernas econômicos da paz rernoverá todos os obstáculos
que obstruem, na atualidade, o carninho do progresso, da felicidade e do
bern-estar humanos.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 57/156
THOMAS WOOD ROW WI LSON
Todos os setores da poiltica e do pensarnento coincidem em reconhecer em
W oodrow W ilson uma inteligéncia elevada, urn temperamento austero e uma
orientacao generosa, m esmo tendo, corno é natural, opinióes divergentes so-
bre a transcendéncia de sua ideologia e sobre sua posicão na história. Os ho-
mens da direita - talvez os mais distahtes da doutrina de W ilson - o classificarn
come, urn grande iludido, como urn grande utópico; os homens da esquerda
o consideram o tilitimo caudilho do liberalisrno e da dernocracia; e os ho-mens d o centro o exaltam com o o apóstolo de uma ideologia clarividente que,
contrariada ate hoje pelos egoismos nacionais e as paixOes bélicas, conquistará
por firn a consciéncia da humanidade.
Essas diferentes opinióes e atitudes apontarn W ilson come, urn ilder cen-
trista e reforrnista. Ele não foi, evidenternente, urn politico do tipo de
Lloyd George, de Nitti, nern de Caillaux. Mais que contextura de politico,
teve contextura de ideologo, mestre e pregador. Seu idealismo rnostrou,
sobretudo, urna base e orientacão éticas. M as essas são rnodalidad es de ca-
rater e educacao. Wilson se diferenciou, por seu ternperarnento religioso e
universitário, dos outros lideres da democracia. Por sua filiaçao, ocupou a
mesm a zona poiltica: foi urn representante genulno da rnentalidad e dem ocrá-
tica, pacifista e evolucionista, tentando conciliar a velha ordern corn a que
nascia, o internacionalismo corn o nacionalismo, o passado corn o futuro.
W ilson foi o verdadeiro generalissimo da vitória aliada. Os rnais profundos
Publicado ori g inalmente corn o tItulo "W ilson" no livro La escena contempordnea,
Lima, Minerva, 1925.
57
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 58/156
analistas da guerra mundial pensarn que a vitória foi uma obra de estratégia
polItica e nao d e estratégia militar. Os fatores psicológicos e politicos tiverarn
na guerra mais influéncia e mais irnportância que os militates. Adriano T ilgher
escreve que a guerra foi ganha "For aqueles governos que souberam conduzi-la
corn urna mentalidad e adequad a, dando-ihe fins capazes de converter-se em
mitos, estados de ânimo, paixóes e sentirnentos populates" e que "ninguém
mais que W ilson, corn sua pregacão quaker-democrática, contribuiu para re-
forçar nos povos da Entente a convicçâo da justeza d e sua causa e o propósito
de continuar a guerra ate a vitória final". Wilson, realrnente, fez da guerra
contra a Alemanha urnagu erra santa.Antes de Wilson, os estadistas da Entente
haviam batizado a causa aliada como a causa da liberdade e do direito. Tardieu,
em seu livro A pa z, cita algum as declaracoes de Lloyd G eorge e Briand que
continharn cis germens do programa w ilsoniano. M as na linguagem d os politi-
cos da Entente havia uma entonacao convencional e diplornática. A lingua-
gem de W ilson teve, ao cont'rário, todo o fogo religioso e o timbre profetico
necessários para emocionar a humanidade. Os Quatorze Pontos ofereceram
aos alemães urna paz justa, eqüitativa, generosa, uma paz sem anexacôes nem
indenizacoes, urna paz que garantiria a todos os povos igual direito a vida e a
felicidade. Em suas declaraçoes e em seus d iscursos, W ilson dizia que os alia-
dos não combatiam contra o povo alemâo, rnas sim contra a casta aristocrática
e militar que o governava.
E essa propaganda demagógica, que ribombava contra as aristocracias, anun-
ciava o governo das multidóes e proclamava que "a vida brota da terra", de urnlado fortaieceu nos paises aliados a adesão das rnassas a guerra e de outro lado
debiiitou na Alernanha e na Austria a vontade de resisténcia e de luta. Os
Quatorze P ontos prepararam a dissolucao d a frente russo-alemá m ais eficaz-
rnente que os tanques, os canhóes e os soldados d e Foch e d e D iaz, de H aig e
de P ershing. A ssim o provam as mem órias de L udendorff e de Erzeberger
outros documentos da derrota aiernâ. 0 programa wilsoniano estimulou oespirito revolucionário que fermentava na A ustria e na A lemanha; d espertou
na Boérnia e na Hungria antigos ideais de independéncia; criou, em suma, o
estado d e ânimo que engend rou a capitulacao.
M as W ilson ganhou a guerra e perdeu a paz. Foi o vencedor da guerra, mas
foi o vencido da paz. Seus Q uatorze P ontos minaram a frente austro-alemã,
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 59/156
deram a vitdria aos aliados; mas não conseguirarn inspirar e d ominar o tr
de paz. A Alernanha se rendeu aos aliados sobre a base do prograrna de W
mas os aliados, depois de desarrná-la, ihe impuserarn uma paz diferen
que, pela boca de W ilson, ihe haviam prometido solenernente. K eynes e
sustentam, por isso, que o tratado de Versaihes é desonesto.
Por que W ilson aceitou e assinou esse tratado q ue viola sua palavr;
livros de Keynes, de Lansing, de Tardieu e de outros historiadores da coni
cia de Versaihes explicam de maneiras diferentes essa atitude. Keynes diz
pensamento e o caráter de W ilson "erarn mais teológicos do que filos
corn toda a forca e debilidade que implica essa ordern de idéias e sentimei
Sustenta que W ilson não pôde lutar contra Lloyd George e C lemenceau,
ágeis, flexIveis e astutos, alegando que carecia de urn piano tanto para a
dade das Naçoes como para a execucão de seus quatorze pontos. "Teria p
pregar urn serrnáo sobre todos seus princIpios ou dirigir urna magnIfic
gacâo ao T odo P oderoso para sua realizaçao. M as não podia adaptar sua
cação concreta ao estado d e coisas europeu. Náo s o não podia fazer quo
proposicáo concreta senão que a muitos respeitos se encontrava malrnado sobre a situacao européia." A gia orgulhosam ente isolado, quas
consuitar os técnicos de seu séquito, sem conceder a nenhum de seus lu
tenentes, nern mesmo ao coronel House, urna influéncia ou urna colabo
reais ern sua obra. A ssim, os trabalhos da conferéncia de V ersalhes ti
corno base urn piano frances ou urn piano inglés, aparentemente ajusta
programa w ilsoniano, mas na prá tica dirigidos prevaiéncia dos interesFranca e d a Inglaterra. W ilson, finalmente, nao se sentia respaidado pc
povo solidarizado corn sua ideologia. Todas essas circunstâncias o condu
a urna série de transacoes. Seu ü nico empenh o consistiu em saivar a id
Socieclade das Naçoes. A creditava que a criacáo da S ociedade d as Nacoes
guraria autornaticarnente a correcáo do tratado e de seus d efeitos.
Os anos que se passararn desde a assinatura da paz foram ad versosa
de W ilson. A Franca não s o fez do tratado d e Versalhes urn uso prudentc
tambérn excessivo. Poincaré e sua maioria pariarnentar não o ernpregaram c
a casta aristocrática e m ilitar alerná, rnas sirn contra o povo d aquele
ainda exasperaram a tal ponto o sofrimento da A lemanha que alirneni
neia urna atmosfera reacionária e jingoIsta, propIcia a urna restau
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 60/156
moná rquica ou a uma ditadura m ilitar. A Sociedade d as Nacoes, impotente
e anêm ica, nOn conseguiu se desenvolver. A d emocracia, assaltada simulta-
neamente pela revolução e pela reacâo, entrou nurn perlodo de crise aguda.
A burguesia renunciou em alguns palses a defesa legal de seu domfnio, renun-
ciou sua fé dem ocrática e enfrentou corn sua ditadura a teoria da d itadura do
proletariado. 0 fascismo adrninistrou, no m ais benigno d os casos, uma d ose
de urn litro de óleo de rIcino a rnuitos defensores da ideologia wilsoniana.
R enasceu ferozrnente na hum anidade o culto do herói e da violéncia. 0 pro-
grama wilsoniano aparece na história desses tempos corno a iiltima mani-
festacao vital do pensam ento democrático. W ilson nâo foi, de form a alguma,
o criador de uma ideologia nova, mas sirn o frustrado renovador de urna
velha ideologia.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 61/156
HERBERT HOOVER'
o Sr. Herbert Hoover, candidato do Partido Republican
dos Estados Unidos, dirige sua campanha eleitoral corn a mes
estratégia corn que dirigia urna campanha econômica desde o
de Comércio, ou, meihor ainda, desde sua escrivaninha de bus,
que tudo indica, o meihor candidato que o Partido Republi
enfrentar Al Smith, o qual, como já vimos, e por sua vez, o rn
que o Partido Democrata poderia escolher entre seus dirigentetro candidato permitiria aos democratas mobilizar seus eleitoi
mas probabilidades de vitória. Contra qualquer ourro oposit
republicano estaria absolutamente seguro de sua e eicao. Os d
tidos confrontam seus meihores homens, como se diz na liii
americana, de rnaneira urn tanto esportiva.
J a tive a oportunidade de comentar2corno, ao eleger Al
cracia forte-americana se manteria mais próxima de sua tra
sequentemente se mostraria, em certo sentido, mais conservad
escoihesse Hoover, já que o prirneiro corresponderia ao m odeic
dor, governante e estadista que a repdblica de Washington Lin
adotou invariavelmente como seu tipo presidencial, ainda que
rigorosa poiltica imperialista e plutocrática.
Publicado originalmente corn o tItulo "Herbert Hoover y la camp
em Variea ades, Lima, 3 de novembro de 1928.
2 M ariátegui está se referindo ao artigo "Al Smith y la batalla demo
em Variedades, Lima, 28 de outubro de 1928.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 62/156
Hoover procede diretarnente do estado major da indilistria e das financas. E
pessoalmente urn capitalista, urn hornem de negócios e tern a formacao es-
piritual rnais completa e caracterIstica de urn lider industrial e fmnanceiro do
irnpério ianque. Não vern de urna faculdade de hurnanidades ou de direito: é
urn engenheiro, rnodelado d esde sua juventude pela d isciplina tecnológica do
industrialisrno. Fez, recérn-forrnado da universidade, seu aprendizado de cob-
nizador nas minas da A ustralia e da C hina. Na maturidade, come, d iretor de
assisténcia, ampliou e cornpletou na Europa sua experiéncia corno defensor
dos interesses irnperiais dos Estados U nidos.
Esse ültirno foi o cargo que impulsionou sua carreira polItica. Porque, sern
ter passado pelo serviço p6blico nern ter se rnostrado cornpetente nele, é evi-
dente que nenhurn bu siness man norte-arnericano - ainda que numa época d e
extrerna afirrnaçao capitalista - estaria ern condicoes de obter o voto de seus
correligionários para a Presidéncia da R ep6blica.
Por professar corn entusiasino e énfase ilimitados o rnais norte-arnericano
individualismo, Hoover pertence sem düvida - muito mais que Smith -
estirpe do pioneer, do colonizador, do capitalista. Seu protestantismo tambérn
faz d e H oover urn homem da rnais cabal fihiacao capitalista. Ele reivindica,
corn intransigéncia, a doutrina do Estado liberal, contra as inclinacóes inter-
vencionistas e humanitárias do dernocrata Smith. M as isso, nos tempos atuais,
náo significa propriamente fidelidade economia liberal clássica: o individua-
lismo de Hoover nâo é o da economia da livre concorréncia, rnas sirn o da
econornia do rnonopólio, da cartelizacão. Contra as empresas, negócios e res-triçóes estatais, Hoover defende as grandes em presas privadas. Por sua boca
nao fala o capitalismo liberal do perIodo da livre concorréncia, rnas sirn o
capitalismo dos trusts e dos rnonopólios.
Hoover é urn dos ilderes da "racionalizacao da producao". Com o urna de
suas rnaiores realizaçoes, lembramos d e sua acão no D epartarnento de Corner-
cio para conseguir a maxima econornia na producão industrial, mediante adirninuicâo dos tipos de manufaturas e produtos. 0 mais cabal éxito de H oover,
como secretário do Cornércio, consiste em ter conseguido reduz ir de 66 para 4
as variedad es de paralelepIpedos; de 88 para 9 as de tipos de asfalto; de 1.35 1
para 496 as de limas e lixas; de 78 para 12 as de cobertores etc. Paradoxal
destino o d o g overnante individualista, nesta idad e d o capitalismo: trabaihar,
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 63/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 64/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 65/156
EUGENE V. DEBS
a Waldo Frank
Eugene V. Debs, o veiho Gene, corno o charnavarn seus carnaradas norte-
arnericanos, teve o elevado destino de trabaihar pelo socialismo no pals onde
o capitalismo é mais vigoroso e próspero e onde, por conseguinte, suas ins-
tituiçoes e suas teses se apresentarn mais sólidas e vitais. Seu norne preenche
urn capitulo inteiro do socialismt) norte-arnericano, que, provavelmente con-
tra a crença de muitos, não tern carecido de figuras heróicas. Daniel DeLeón
rnarxista brilhante e agucado que dirigiu durante vários anos o SocialistLabour Party' e John Reed, militante de grande envergadura, que acornpa-
nhou Lenin nas primeiras jornadas da revolucão russa e da Prirneira Interna-
Publicado originalmente em Variedades, Lima, 30 de outubro de 1926.
2 Em 1876, foi fundado o W orking M en's Party of the United States, que em 1877
mudou de nom e para Socialist Labor Party. Na época de sua criaçao, o partido tinhaem torno de 2.500 m emb ros e era formado basicam ente por imigrantes alemães,
m esmo que sua intençao fosse penetrar no movim ento operário norte-arnericano.
Q uando Daniel DeL eón entrou no Partido Socialista Operário, no começo da déca-
dade 1890, este possuIa apenas 1.500 membros, corn sedes em 26 estados, mas corn
a maioria dos militantes se concentrando em Nov a York. Em 1891, das 100 seçóes
do partido, 88 cram alemas, seguidas pelos judeus e por uma minoria de grupos de
militantes norte-americanos nascidos no pals. N o Com ité E xecutivo Nacional, ape-
nas dois rnembros falavam inglés. Corn a entrada de D eLeón no partido, houve urn
crescimento considerável de m ilitantes e de influéncia no rnovim ento operário do
pals. Em 1893, o partido proibiu a aliança corn os populistas. N o final do século
XIX e com eço do século XX , urn grupo saiu do partido e deu origem ao Partido
Socialista. 0 Partido Socialista Ope rário ainda chegou a participar na fundaçao e
consolidaçao da IW W , rnas perdeu sua influéncia ao longo do tem po.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 66/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 67/156
Q uando a guerra mu ndial produziu nos Estados U nidos uma crise do socia-
lismo - pela adesão de uma parte de seus elementos ao programa de reorgani-
zação mundial em norne do qua Wilson lançou seu povo na contenda -, Debs
foi urn dos que sern vacilacôes ocuparam seu posto de cornbate.
Por sua propaganda antibélica, Deb s, encarcerado e processado com o derro-
tista, foi Linalm ente condenado a dez ano s de prisâo 5 . Ate onde a censura havia
permitido, Debs havia impugnado a guerra e denunciado seus motivos através
da imprensa socialista. Mais tarde, havia continuado sua cam panha em reunióes
e com icios. Seus juIzes encontraram m otivo para ihe aplicar a lei de espionagem .
Desdenhoso e altivo, Debs náo quis defender-se. "Não me importa o que
foi deposto contra mim", declarou ao tribunal. "Não me preocupo em evadir-
me de urn veredito desfavorável, assim como não retiro nenhuma palavra de
tudo que disse em Canton (localidade de Ohio onde pronunciou o discurso
pacificista que precedeu sua prisão), ainda que soubesse que fazendo isso me
salvaria de urna pena de morté. 0 imputado não sou eu E a liberdade da
palavra. Diante do j6ri estão hoje as instituicOes republicanas. 0 veredicto
corresponde ao futuro." 6
O velho agitador escutou, sem comover-se corn a sentenca de seus juIzes.
Despediu-se de seus amigos presentes na audiéncia corn estas palavras: "Di-
Iho. A AF L nao apoiou a candidatura de Eugene D ebs a Presidéncia do pals. A
Central, porém, apoiou a entrada dos E stados Unidos na P rimeira G uerra Mundial.
Em 1920, a AFL tinha em tomb de 3.250.000 filiados. Foi a major central sindicaldo pals na época.
Em 29 de maio de 1918, o procurador federal de Ohio E . S. Wertz conseguiu jndjcjar
Debs por dez violaçoes da Lei de Espionagem. Detido em Cleveland, Debs passou
uma nojte encarcerado, sendo solto em seguida, após pagar uma fiança
de US $ 10.000. 0 julgam ento foi m arcado para 9 de setembro. Debs foi acusado,
na ocasião, por apenas duas v iolaçoes. Durante todo o julgamento, Debs insistiu em
man ter suas posicoes politicas, exaltando os lIderes boicheviques e defendend o
o direito a ljberdade de expressao. Foi cons jderado culpado, e no dja 14 de setembro
recebeu do juiz D. C. Westenhaver a pena de dez anos de prisäo. Debs não teve que
cumprir toda a sentença. Foi libertado da pnisâo federal de Atlanta em dezembro
de 1921.
Referência ao djscurso pronunciado por Eugene D ebs na Con vençao Estadual do
Partido Socialista para m il pessoas em Canton, Oh io, no dia 15 de junho de 1918.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 68/156
gam aos cama radas que entro no cárcere como ardente revolucionário, a Ca-
beca erg uida, o espIrito intacto, a alma inconquistada".
N a prisão, Deb s recebeu honrosas demonstraçOe s de solidariedade de ho-
mens livres e excepcionais e das massas proletárias da Europa. Urna ve z per-
guntado sobre os mo tivos pelos quais se negav a a visitar os Estados U nidos,
Bernard Shaw respondeu que nesse pals o ünico lugar digno dele era o mesmo
em que se encontrava seu amigo e correligionário Eugene D ebs: o cárcere. A
prisao de Deb s foi considerada, por todas as consciências honradas do m undo,
corno a m ajor mancha do governo W ilson.
Nas eleiçoes de 1920, Eug ene Debs foi mais umavez o candidato presiden-
cial dos socialistas norte-americanos. As forcas socialistas se encontravam d ivi-
didas pela crise pás-bélica que hav ia acentuado o con flito entre os partidários
da reforma e os instigadores da revoluçao. Nâo obstante, o nome de Debs
recebeu no pals cerca de urn rnilhâo de votos. Esse rnilhão de eleitores pratica-
rnente nâo votava. A luta pela presidéncia estava limitada a Harding, candida-
to dos republicanos, e Cox, candidato dos dem ocratas. Os que votavam em
Deb s protestavam contra o Estado capitalista. V otavam contra o presente, epelo futuro.
Finalmente anistiado, Deb s encontrou virtualrnente conclulda sua missâo.
O s espiritos e as coisas haviarn sido rnudados p ela guerra. Na E uropa discutia-
se o problema da revoluçao. Nos E stados U nidos se formava urna corrente
com unista sob urn capitalisrno ainda onipotente. Hav ia comecad o urn novo
capitulo da história do mu ndo. Debs não estava em tempo de recomeçar. Eraum sobrevivente da velha guarda. Seu d estino hjstórico havia terminado corn
o heróico episódio de sua prisão.
M as isso nâo dim inui a irnportância de Debs. Seu d estino não era o de urn
triunfador. E ele o sabia m uito bern, desde os distantes e neb ulosos anos em
que, consciente de seu fardo, o aceitou corn alegria. Abracou o so cialismo, a
causa de Espartacus, numa época em que a estrela do capitalismo brilhava
vitoriosa e espléndida. N äo se v islurnbrava o dia da revolucao. M ais do que
isso, sab ia-se que estava rnuito rem oto. Porérn era necessário que houv esse
aqueles que acreditassem nele. F. D ebs quis set urn de seus confessores, urn de
seus enun ciadores.
Para os cortesâos do éxito, uma vida de textura tao heróica talvez não tenha
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 69/156
sentido. Eugene Debs pode nâo ser para eles nada mais que urna figura "pito-
resca", corno ha poucos dias assirn o charnou urn jornalista qualquer. Mas o
veredicto sobre esses hornen s felizrnente não é pronu nciado pelos jornalistas e
rnenos ainda pelos jornalistas norte-americanos. Como já disse Debs,
corresponde ao futuro.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 70/156
JEAN JAURES
Jaurès é a mais elevada, nobre e digna figura da Troisième R épub lique. Ele
provinha de urna fam Ilia burguesa, debu tando na politica e no Parlamento nos
quadros do radicalismo. Mas a atmosfera ideológica e moral dos partidos bur-
gueses nao demorou a desencantá-lo, enquanto o socialismo exercia sobre seu
espIrito forte e com bativo um a atracão irresistIvel. Jaurés se alistou nas f'ileiras
do proletariado, embora sua atitude, nos primeiros tempos, tenha sido cola-
boracionista: acreditava clue os socialistas nao deviam excluir de seu program a
a colaboracao corn urn ministério da esquerda burguesa. Mas, desde que aSegunda Internacional, em seu Congresso de Amsterdam, rechaçou essa tese
sustentada por vários M etes socialistas, Jaurés acatou disciplinadamen te a de-
cisão. Leon Trotsky, em urn sagaz ensaio sobre a personalidade do grande
tribuno, escreve o seg uinte: "Jaures havia entrado no partido já hornem m adu-
to, corn uma filosofia idealista comp letamente forrnada. Isso não o irnpediu de
curvar seu potente pescoco (Jaurès era de uma cornplexão atlética) sob o jugo
da disciplina orgânica, e várias vezes teve a obrigaca o e a ocasião de dernon strar
que não somente sabia rnandar, mas tarnbém subrneter-se".
J aurès dirigiu as rnais brilhantes bataihas parlam entares do socialismo fran-
cês. Contra seu parlarnentarismo e democratismo, insurgiram-se os tedricos
e os agitadores da extrema esquerda proletária. Georges Sorel e os sindica istas,
por exernp o, denunciararn essa praxis corno urna deforrnacao do espirito re-
volucionário do rnarxisrno. Mas o movirnento operário, nos tempos pré-béli-
Publicado origina mente corn o tItu o "Jaurês y la Tercera Rept'ib ica" no livro La
escena c ontempordnea, Lima, Minerva, 1925.
7 1
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 71/156
cos, corno foi dito muitas vezes, não se inspirou em Marx nern em Lassaile.
N ão foi revoiucionário, mas sim reform ista. 0 socialism o se desenvolveu inse-
rido na dernocracia. Não pôde, conseqüenternente, deixar de influenciar-se
pela mentalidade dernocrática. Os ilderes socialistas tinham que propor a s
massas urn prograrna de ação imediato e concreto, como ilnico meio de
enquadrá-ias e educá-las dentro do socialismo. Muitos deles acabararn per-
dendo , nessa tarefa, toda a energia revo lucionária. Aprax is os afastou da teoria.
M as não é possIvel confundir Jaurès com esses revolucionários dom esticados.
Urna personalidade tao forte como a sua näo podia se deixar corromper
nem irritar por aquele ambiente democrático. Jaurès foi reformista corno o
socialismo de seu tempo, mas deu sempre a sua obra reformista uma meta
revolucionária.
Pôs sua inteligéncia profunda, sua rica cultura e sua indomável vontade a
serviço da revolucao social. Sua V ida foi entregue com pietamen te a causa dos
hum ildes. T odas as tribunas do pen sarnento, com o livros, jornais, o P arlam en-
to e o comIcio foram usadas por Jaures em sua longa carreira de agitador:
fundou e dirigiu o diário L'Humanité, pertencente na atualidade ac, Partido
Comunista; escreveu muitos volumes de crItica social e histórica; e produziu,
corn a ajuda de alguns estudiosos do socialisrno e de suas raIzes, urna obra
poderosa: a História socialista do Revoluçáo Francesa.
Nos oito volumes dessa histdria, Jaurès e seus colaboradores enfocam os
episódios e o panorama da Revoluçao Francesa de pontos de vista socialistas.
Estudam a revolucao como fenômeno social e econôrnico scm contudo igno-
rar ou diminuir seu aspecto espiritual. Jaurès nessa obra, como ern toda a sua
Vida, conserva sua atitude e posicão idealista. Ninguém mais infenso, nem
mais adverso a urn rnateriaiisrno frio e dogmático que Jaures. Sua crItica pro-
jeta sobre a Revoluçao de 89 uma nova luz. Assirn, a Revoiucao Francesa ad-
quire em sua obra urn contorno nItido. Foi urna revoiuçao da b urguesia, porque
nâo pôde ser feita pelo proletariado, que ainda não existia, na época, cornoclasse organizada e consciente. Os proletários se confundiarn corn os burgue-
ses no estado prirnitivo, no povo. Careciam de urn ideário e de uma direcao
classistas. Não obstante, durante os dias polérnicos da revolucao, faiou-se de
pobres e de ricos. Os jacobinos e os babouvistas reivindicararn os direitos
da plebe. Dc rnuitos pontos de vista, a revoluçao foi urn movirnento dos
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 72/156
sans culottes: cia se apoiou nos camponeses, que constituIam uma categoria
social bern definida, enquanto o proletariado urbano estava representado pelo
artesão, no qual prevalecia urn espIrito peque no-burguê s. Não hav ia ainda gran-
des fábricas, grandes inddstrias. Faltava, em surna, o instrumento de urna re-
volucão socialista. 0 socialismo, ademais, nao havia encontrado ainda seu
método: era uma nebulosa de utopias confusas e abstratas. Sua germinacâo,
scu amadu recim ento não podiam ocorrer senão dentro de um a época de desen-
volvimento capitalista. Assirn como na entranha da ordem feudal se gestou a
ordern burguesa, na entranha da ordem burguesa deveria se gestar a ordern
proletária. Finalmente, da Revoluçao Francesa emanou a primeira doutrina
comunista: o babouvismo.
O tribuno do socialismo frances, que demarcou assim a participacao mate-
rial e espirituai do proletariado na Revoluçâo Francesa, era urn idealista, mas
não urn utópico. Os motivos de seu idealismo estavam em sua educaçao, em
sen temperamento e em sua psiologia. Não se combinava corn sua mentalida-
de urn socialismo esquemático e secamente materialista. Dal, em parte, seus
contrastes corn os marxistas e sua adesCo honrada e sincera a idéia da dem ocra-
cia. Trotsky dá u m a definicao rnuito exata dejaurès nas seguintes linhas: "Jaurès
entrou na arena politica na época m ais sombria da T erceira Repñblica, que nâo
contava então senão corn um a quinzena de anos de existéncia e que, desprovi-
da de tradicoes sólidas, tiriha que lutar contra inimigos poderosos. Lutar pela
Repdblica, por sua conservação, por sua clepuraçao, essa a idéia fundamental
de Jaurès, a que inspirava toda a sua acCo. Jaurès buscava para a Rep iIblica um abase social mais amp la; queria levá-la ao povo para fazer do E stado republica-
no o instrumento da economia socialista. 0 socialismo era para ele o tInico
m eio seguro de consolidar e cornpletar a Repdb lica. Em sua aspiracão infatigá-
ye1 da sIntese idealista, Jaurès foi, em sua prim eira fase, urn dem ocrata pronto
a adotar o socialismo; e, em sua ditirna fase, urn socialista que se sentia respon-
sável por toda a dem ocracia".O assassinato de Jaurès encerrou urn capItulo da história do socialismo
frances. 0 socialismo democrático e parlamentar perdeu nesse momento seu
grande iIder. A guerra e a crise pós-béiica vieram mais tarde a invalidar e a
desacreditar o método parlarnentar. Toda urna época, toda uma fase do socia-
lismo terminaram corn Jaurès.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 73/156
A guerra encontrou Jaurès em seu posto de com bate. Ate o i 'iltim o instante
ele trabalhou , corn todas as forças, pela causa da Paz. Seu verbo ec oou con tra o
grande crime em Paris e em Bruxelas. Somente a morte pôde afogar sua do-
qüente voz acusadora.Coube a Jaurès ser a primeira vitima da tragedia. A mao de urn obscuro
nacionalista, armada moralmente pela Action Fran ç aise e por toda a imprensa
reacionária, abateu o major homem da Terceira Repdb ica. Mais tarde, a Ter-
ceira Repdb lica iria renegá -lo, absolvendo o assassino.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 74/156
a, Minerva, 1925.
ANATOLE FRANCE'
o crepüsculo de Anatole France foi o ocaso de urna vida clássica. Anatole
France morreu lenta e integramente, sern pressa nern tormentos, corno ele ha-
via se proposto a terminar seus dias. 0 itinerário de sua carreira foi sempre
ilustre: nunca se atrasou nem se antecipou, e chegou pontualmente a todas as
estacOes da imortalidade. Suaapoteose foi perfeita, cabal, exata, como os pe-
rIodos de sua prosa. Nenhum rito, nenhuma cerirnônia deixou de set cumpri-
da. A sua gloria não faltou nada: nern a cadeira da Academia Francesa nern
Prérnio No bel.
Anatole France não era urn agnóstico na guerra de classes, tampouco urn
escritor sem opinides polIticas, religiosas e sociais. No conflito que esgarca a
sociedade e a civilizacao conternporâneas, não se intimidou em tomar partido.
Estava pela revolucao e corn a revolucao. "Do fund o de sua biblioteca", corno
disse urna vez urn jornal frances, "abencoava os atos da grande Virgem". Osjovens arnavam por isso.
M as o apo io a France, nestes tempos d e beligerancia acirrada, vai da extre-
ma direita a extrema esquerda. Tanto reacionários corno revolucionários ade-
rem ao m estre.
Não existiram, contudo, dois Anatole France, urn para uso externo da bur-
guesia e da ordem, outro para deleite da revolucao e de seus realizadores. 0
fato é que a personalidade de France tern diversas facetas e matizes. Assim,
cada segrnento do pO blico se dedica a adm irar seu traco predileto. O s veihos e
edauque e depois
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 75/156
saboreararn, como urn licor aristocrático, Les opinions deJerôme Coignarci Os
jovens, entretanto, gostaram de ver France em companhia de Jaurès on entre
os admiradores de Lenin.
Anatole France nos surge urn pouco mais complexo do que geralrnente a
critica e seus lugares-cornuns no s fazern crer. V iveu sem pre nurn rnesrno clirna,
ainda que tenharn passado por sua o bra diversas influéncias. Escreveu durante
m ais de cinqüe nta anos, ern temp os rnuito versáteis, velozes e cam biantes. Sua
producao, conseqüenternente, corresponde a s distintas estacâes de sua época
heteróclita e cosmopolita. Prirneiro, ela indica urn gUsto parnasiano, ático e
preciosista; em seguida, ob edece a um a intencão dissolvente, niilista, negativa;
e, depois, adquire urna afeiçao a utopia e a crItica social. M as, sob a supe rficie
ondulante dessas rnanifestaç6es, rnantém uma linha persistente e duradoura.
Anatole France pertence a uma época indecisa, fatigada, em que arnadure-
cia a decadéncia burguesa. Sens livros rnostram urn temp eramento classicamente
educado, nutrido de antiguidade, recheado de romantismo, afetado, elegante
e gozador. Ele não chega ao ceticisrno e ao relativismo da atualidade: suas
düvidas e negacóes tern rnatizes benignos e estão m uito distantes da desespe-
ranca incurável e profunda de Andreiev, do pessimismo trágico de 0 inferno de
Barbusse, e da zornbaria amarga e dolorosa de Vestir o clespia'o e outras obras
de Pirandello. Anatole France fugia da dor. Sua alma era grega, enam orada da
serenidade e da graca e sua came, sensual, corno daqueles pretensos abades
liberais, urn pouc o voltairianos, que co nheciarn os g regos e latinos rnais do que
o evang eiho cristão e arnavarn a boa m esa sobre todas as coisas. Era sensIvel ador e a injustica, rnas, por não gostar da idéia que existissern, tratava de ignorá-
las. Punha sobre a tragédia hum ana a frágil espum a de sua ironia. Sua literatu-
ra é delicada, transparente e pura corno o champanhe. E o charnpanhe
rnelancólico, como o capitoso e perfumado vinho da decadência burguesa, e
não o arnargo licor da revolução proletária. T ern contornos elegantes e aromas
aristocráticos. Os tItulos de seus livros são de urn gosto refinado e ate deca-
dente: 0 estojo tie ndcar 0 jardim de Epicuro 0 anel de ametista etc. Que
importa que sob a capa de 0 anel tie ametista se oculte uma desrespeitosa
intencao anticlerical? 0 fino tItulo e o estilo rebuscado são suficientes para
ganhar a simpatia e o consenso da opiniao burguesa. A ernoção social, o pulsar
trágico da vida contemporânea ficarn fora dessa literatura. A pena de France
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 76/156
nâo sabe apreendé-los. Nern sequer o tenta. A alma e as paixoes da multidâo
ihe escapam. "Seus finos olhos de elefante" nao sabem penetrar na entranha
escura do povo; suas mäos polidas jogam felinamente com as coisas e os ho-
m ens da superfIcie. France satiriza a burgue sia, a rói, a morde corn seus de ntes
agudos, brancos e maliciosos; mas a anestesia corn o ópio sutil de seu estilo
erudito e musical, para que não sinta dernasiadamente sua crftica.
Ex agera-se mu ito sobre o niilisrno e o ceticisrno de F rance, que, na verdade,
são assaz leves e suaves. Ele não era tao incrédulo como parecia. Impregnado
de idéias evolucionistas, acreditava no progresso quase ortodoxamente. 0 so-
cialismo para ele era urna etapa, urna estação do Progresso. 0 valor cientIfico
do socialismo o com ovia mais que seu prestIgio revolucionário. Pensav a que arevoluçao viria; m as que viria quase a prazo fixo. Não sentia nenhum desejo de
acelerá-la nem de precipitá-la. A revolucao lhe inspirava urn respeito mIstico,
um a adesão urn pouco religiosa. Essa adesão não foi, certam ente, um episódio
de sua velhice. France duvidou diirante muito tempo; mas no fundo de sua
diivida e de sua negação pulsava urna ânsia irnprecisa de fé. Nenhurn espiriro
que se sente vazio deixa de tender, finalrnente, a urn mito, a uma crença. A
düvida é estéril e nenhum homem se conforma estoicamente corn a esterilida-
de. Anatole France nasceu demasiadamente tarde para crer nos rnitos burgue-
ses; dernasiadamente cedo para renegá-los plenamente. Foi sujeitado a urna
época que não arnava, ao pesado juizo do passado e aos sedimentos de sua
educacao e de sua cu ltura, carregados de nostalgias estéticas. Sua adesão a revo-
lucao foi rnais urn ato intelectual do que espiritual.
As esquerdas sem pre tiverarn satisfacao em reconhecer A natole France cornouma de suas figuras. Somente por causa de seu jubileu, cornemorado quase
unanimemente por toda a Franca, é que os intelectuais da extrerna esquerda
sentiram a nece ssidade de d iferenciar-se clararnente dele. A revista Clarté n e -
gou "ao niilista sorridente, ao cético florido" o direito a homenagem da revolu-
cão. "Nascido sob o signo da dernocracia", dizia Clarté, "Anatole France fica
inseparavelmente unido àT erceira Repüb lica". Agregava que "as pequenas tern-
pestades e as rnedIocres convulsóes desta cornpunham urn dos principais ma-
teriais de sua literatura e q ue seu c eticism o era urn 'pequeno truqu e' ao alcance
de todas as bolsas e de todas as almas: em surna, era o efeito da mediocridade
circundante".
7 7
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 77/156
M as, apesar dessas crIticas e discrepâncias, nada mais falso do qu e a irna-
gem d e urn Anatole France ex cessivamente burgués, patriota e acadérnico, que
nos prepararn e servem as cozinhas da crItica conservadora. Não, Anatole France
não era tao pouca coisa. Nad a ihe teria hurnilhado e afligido m ais ern vida do
que a idéia de merecer da posteridade esse julgamento. A justica dos pobres, a
utopia e a heresia dos rebeldes tiverarn sernpre em France urn defensor.
Dreyfusista corn Zola ha m uitos anos, clartista corn Barbusse ha pouco tempo,
o veiho e rnaravilhoso e scritor se insurgiu sempre contra a antiga ordern social.
Ern todas as cruzadas do bern ocupou seu posto de comb ate. Q uando o povo
frances pediu a anistia de Andrés M arty, o rnarinheiro do mar N egro que não
quis atacar a O dessa cornunista, Anatole France proclarnou o heroIsrno e o
dever da indisciplina e da desobediéncia perante um a ordern crirninosa. Vários
de seus livros, com o Opiniôes sociais, R umo a os novos tempos etc., assinalam a
hurnanidade as vias do socialisrno.
O utra obra sua, Sobre apedra branca que faz co nsideraçoes sobre o futuro
e a utopia, é urn dos rnelhores documentos de sua personalidade: todos os
elernentos de sua arte se con certam e cornbinam nessas páginas adrniráveis.Seu pen samento, alirnentado de recordaçoes da antiguidade clássica, explora o
futuro distante a partir de urn antigo cená rio. As dramatis personae da novela,
pessoas seletas, agradáveis e intelectualizadas, de uma alma ao mesrno tempo
antiga e rnoderna, m overn-se nurn am biente a altura da literatura do rnestre.
Urn dos personagens é autenticarnente real e conternporâneo: é G iacomo B oni,
o arqueologo do Foro Rom ano, a quem encontrei mais de uma vez em algurnaaula ou em algurn claustro de Rom a. 0 enredo do romance é urna discussão
erudita entre Giacomo Boni e seus colegas. 0 colóquio evoca Galión, go-
vernador da Grécia, fflósofo e literato rornano, que, encontrando-se corn
Sâo Pau lo, não soube entender sua estranha linguagem tarnpouco pressentir a
revolucão cristã que chegava. Toda a sua sabedoria e talento eram insignifican-
tes perante sua incapacidade - supe rior a suas forcas - de enxergar São Paulo
corno urna figura além de um judeu fanático, incoerente e sujo. Dois mu ndos
estiverarn nesse encontro frente a frente sem se conhecer nern se cornp reender.
G ali6n d esprezou São Pau lo como p rotagonista da H istdria; rnas a Histária
deu razão ao rnundo de São Paulo e condenou o rnundo de Galión. Não ha
nesse qu adro urna an tecipacão da nova filosofia da H istória? Assirn, os per-
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 78/156
sonagens de Anatole France se entretém numa previsão da futura sociedade
roletária e calculam que a revolucao chegará ate o urn de nosso século.
A previsão foi excessivamente timida e modesta. Giacomo Boni e Anatole
France tiverarn a oportunidade de assistir, no ocaso dourado de sua vida, a
alvorada sangrenta da revolucao.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 79/156
0
I
André Gide, urn dos fundadores da Nouvelle Revue Franca/se.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 80/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 81/156
ridade e pluralidade de credo s e de géneros. N a Nouv elle Revue Fran ç aise s e
juntarn o clandisino dos decad entes e o m isticism o do s revolucionários; cia
aloja o nacionalismo de Montherlant o tradicionalismo de Ghéon o
cosmop olitismo de M ac Orlan e V alery Larbaud, o classicismo de Paul Valery,
o revolucionarismo de Jean-R ichard Bloch, o super-realism o de D elteil e de
Eluard etc. ANRFedita por outro lado, a Revuejuive, dernasiadamente inter-
nacional Para que se ihe dirija urna acusação especifica de gidismo. Sens pri-
m eiros rnimeros nos ap resentararn alguns escritos desconh ecidos de Proust
(revelar algurn inédito de Proust é algo obrigatório para toda nova revista
francesa) e textos inéditos de H enri Franc.
Mas, na consciéncia de seus crIticos e do püblico, nada disso consegue
separar a NRF de A ndré Gide. Ainda que as edicoes de Gallimard sejam urna
conseqü éncia da revista que ihes em presta seu nom e, os crIticos e o püb lico
distinguem as novas edicoes das antigas. A editora é uma coisa, a revista é
outra, por mais qu e a editora ibra suas portas de preferéncia aos escritores da
revista. E na Nouvelle Revue Fran çaise o gidismo, em diferentes doses, imp rime
a revista seu caráter. A NRFreüne em suas páginas muitos escritores diferentes.
M as os que dão sua linha são Gide e seus discipulos. Jacques Rivière - m orto
ha pouco -, sucessor de G ide na direcao da revista, era urn caso genum no de
gidismo. Pode-se dizer que, através de Rivière, Gide continuou dirigindo a
NRF. Na casa da Nouvelle Revue F ran çaise adora-se a Gide e a Proust como aos
deuses pagão s, nos quais se reconhece a crItica dos fenôm enos solidários e
consanglilneos da moderna literatura francesa.Ex iste - ao m enos segu ndo seu s crIticos - urn espIrito NR1 ou seja, urn
espirito An dré G ide. Qu ais são suas caracterIsticas? 0 gordo Hen ri Béraud,
autor de ma rtIrio do obeso, qualifica-o de esnobisrno huguenote. Outro
escritor o designa co rn o terrno mais ou rnen os equivalente de "calvinisrno
intelectual". Mas essas expressóes, se é verdade que sugerern algo, não definern
nada. Mais categóricos, mais precisos são o romancista Roland Dorgelès eo polem ista Henri M assis, ambos católicos. Do rgelès cond ena An dré Gide,
não sornente em nome do espirito católico, "senão em name de sua saüde
moral". "Nós sornos pelo menos tônicos", explica; "ele é a favor do veneno. Ele
cré ilum inar as alm as. Qu e erro. Ele as turva. N ão são as virtudes a que ihe
interessa; são as taras. 0 mal tern mais atração que o bern e por isso tantos
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 82/156
jovens vão a Gide. Mas estou tranqüilo: eles o deixarão. Sua moda passará
come, tantas outras." Massis considera "a desordem da jovem literatura" come,
urna conseqüência do subjetivismo filosófico. O bserva M assis que para os es-
critores da NRFnão parecem existir senão realidades psicológicas. "0 eu: aqui
está o timnico objeto, a ünica realidade cognoscivel. Esses escrivãos sao, antes de
tudo, crIticos e não criadores. Em suas obras nao ha acontecimentos nem per-
sonagen s; nao acontece nada. Podem e ssas obras aspirar a enriquecer nossa
humanidade? Pois é isso o que faz urna obra verdadeiramente clássica. Mas faz
falta uma sociedade; pois bem, desde a revolucao romântica, não existe na
Franca urn espIrito p iblico q ue eq uilibre o individualisrno do artista; este se
afunda cada vez m ais na singularidade: a arte está cada vez men os em contato
corn o m eio social."
N esses terrnos expóem sua posicão perante a NRFos representantes da tra-
dicao. Na polém ica entre a NRF e seus impug nadores pode-se ver o conflito
entre o classicismo e o rom antismo. M aurras define a nova p oesia francesa
come, "a cauda da cauda do simbolismo". Para Os escritores daAction Française,
na polItica e na literatura todos os males vém da revolucão. Basta voltar aescola clássica e a tradiçao m onárquica para que as letras recobrem seu equill-
brio. Essa observacao os em purra ao repidio integral e absoluto de mais de u rn
século de história humana. Ou seja, ao mais radical e bizarro de todos os
rom anticismos. M as, em sua critica do espIrito da literatura de Gide, a s vezes
surgem principios que - ainda que isso pareca absurdo - pod em ser aceitos por
um a crItica revolucioná ria. A literatura mode rna sofre, realm ente, urna crisede individualismo e de subjetivismo. Gide é urn signo dessa crise. A esse res-
peito, cis revolucioná rios não tern dificuldade Para se declarar de acordo corn
cis tradicionalistas. 0 acordo acaba v iolentam ente quando o diagnóstico passa
ao tratamento. Os tradicionalistas crêem q ue Sao T omás e a Igreja podem im -
por sua disciplina a s almas inquietas e turvadas dos artistas. O s revolucionários
sorriem perante esse anti -roman ticismo romântico. Pensam e sentem que so-
m ente de um a nova fé pode nascer um a disciplina nova. Mu ito se escreveu,
nos iiltimo s tempos , em revistas e jornais franceses con tra Gide e a N R E Henri
Béraud contestou o d ireito de G ide se classificar entre cis continuadores da
lingua francesa. Expu rgando a obra de G ide, o terrivel Béraud encontrou algu-
mas deficiéncias gramaticais. M as esses e outros ataques do mesm o género não
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 83/156
tern senão urn valor anedótico. A obra de Gide nâo pode set assassinada a
partir de urna encruzi hada da grarnática e da academia. O s juízos dignos de
set tornados em consideracao são os que pattern de pon tos de vista politicos e
filosóficos.
E absurdo e grosseiro ernpenhar-se em dem onstrar que Gide escreve mal.
O u, pelo menos, que nao escreve bern. A despeito de qualquer negligência
grarnatical de urna on outra de suas páginas, sua obra é técnica e esteticarnente
a de u rn rnestre da literatura francesa conternporânea. Os reparos que pode rn e
devem set feitos são de outra ordern. Urna crItica penetrante tern que classificá-
la, por exemplo, corno uma obra de influência dissolvente. Gide representa na
Franca, espiritual e intelectualmen te, uma forca de d issolucão e de anarquia.
Urn hornern de alm a apaixonada e d e inteligéncia construtiva não encontra em
seus livros nada qu e alirnente sua fé nem estimule sua d isposicao. Gide en erva
e afrouxa os nervos como urn banho rnorno. Não sai nunca de urn livro de
G ide senão urn pouco de laxidãb voluptuosa. 0 autor de L'enfantprodigue e La
pastoral contagia urna espécie de apatia elegante.
N ão é prematuro predizer o próxim o ocaso de sua influéncia. Dorgelès ternrazâo. A mo da de G ide passará corno tantas outras. Ern parte não é m ais que
urn reflexo do éx ito de Proust e do apogeu do rom ance psico ógico. A NRF, s e
quiser sobrev iver ao gidisrno, não terá outro rernédio a não set renov ar-se. A
m orte de Jacques Rivière facilita provavelmente sua evo lucao. Urna grande
editora está obrigada a set urn pouco o portunista. E já tem os visto com o, na
atualidade, a NRF rnais que uma revista é urna editora. A mais importanteeditora francesa.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 84/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 85/156
de dom inar e de conduzir a revolucao - e sern condiçoes, por consegu inte, de
reorganizar e reanimar a frente russa. A em baixada francesa, presidida por
No ulens, estava integralmente com posta de diplomatas de carreira, de hom ens
da alta sociedade. Essa gente, brilhante e decorativa num ambiente de festas e
intrigas elegantes, era absolutamente inadequada nurn am biente revolucioná-
rio. Fazia falta na embaixada urn homem de espirito novo, de inteligência
inquieta, de juIzo pen etrante, urn hom em h abituado a entend er e a pressentir
o estado de ânimo das m ultidóes, que nao tivesse repugnância ao demos nern a
praca, corn capacidade para tratar as idéias e os hornens d e um a revolucão.
o capitâo da reserva Jacques Sadoul, socialista moderado, possula essas condi-
cO es. M ilitava no P artido So cialista, que na época tornava parte no m inistério.
Intelectual e advogado, procedia adem ais da mesm a escola socialista que deu
tantos colaboradores a burguesia. Na guerra, havia cumprido corn seu dever de
soldado. 0 gov erno frances o julgou, por essas razóes, indicado para o c argo
de encarregado politico na ernbaixada.
M as veio a Revolucao de O utubro. Sadoul achou rnelhor agir próxirno de
urn governo de ousados e vigorosos revolucionários corno L enin e T rotsky -urn gov erno detestável para o gosto de urna ernbaixada que, naturalmente,
cultivava nos sa óes a amizade do antigo regime - do que de cornedidos e
harnietianos dernocratas como Kerensky. N oulens e seu séquito, em rigoroso
acordo corn a aristocracia russa, pensararn que o governo dos sovietes nao
poderia durar. Consideraram a Revolucao de Outubro urn episódio turnul-
tuoso que o born sen so russo - solicitamente estimulado pela diplornacia daEn tente - dana urn jeito de acabar em breve. Sadoul se esforcou em vão por
tentar esciarecer a embaixada, mas Noulens não queria nem podia ver nos
bolcheviques os criadores de urn n ovo regime russo. Enquanto Sadoul traba-
ihava para obter urn entendime nto corn os sovietes - que evitasse a paz sepa-
rada da Russia corn a Alemanha -, Noulens alentava as conspirac6es dos m ais
convictos e iludidos contra-revolucionários. A E ntente, a seu juIzo, não devia
negociar corn os boicheviques. Tendo em vista que a d ecornposicao e a derru-
bada de seu governo erarn im inentes, a Entente devia, pelo contrário, ajudar a
quem se propunha apressá-los. Ate a véspera da paz de Brest Litovsk, Sadoul
lutou para induzir seu ernbaixador a oferecer aos sovietes os rneios econôrnicos
e técnicos para continuar a guerra. Um a palavra oportuna ainda poderia deter
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 86/156
a paz separada. Os ch efes bolcheviques capitulavam consternados perante as
brutais condicoes da Alemanha. T eriam preferido com bater por uma paz justa
entre todos os povos beligerantes. Trotsky, sobretudo, mostrava-se favorável ao
acordo defendido por Sadoul. Mas o fátuo embaixador nao com preendia nem
percebia nada disso. Não se dava conta, em absoluto, de que a revolução
boichevique, boa ou ma, era de todo modo urn fato histórico. Temeroso de
que os informes de Sadoul irnpressionassern o governo frances, Noulens evitou
transmiti-los telegraf'icamente.
Os informes de Sadoul chegaram, não obstante, a Franca. Ele escrevia, fre-
qüentemente, ao m inistro Albert Thom as e aos deputados socialistas L onguet,
L afont e Pressemane. Essas cartas, oportunamente, chegaram ao conh ecimento
de Clemenceau mas não conseguiram, ob viamente, atenuar sua feroz hostili-
dade contra os sovietes. Clemenceau era da mesm a opiniao de N oulens. Os
bolcheviques não podiam conservar o poder. Era fatal, imperioso e urgente que
O perdessem.
Clemenceau deu razão a seu embaixador. Sadoul atraiu todas as iras do
poder. A em baixada esteve a ponto de m andi-lo em com issâo para a Siberia,como urn m eio de livrar-se dele e de castigar a independéncia e a honradez de
seus juIzos. Isso teria ocorrido se um a grave circunstância nao o tivesse desa-
conselhado. 0 capitao Sado ul lhe servia de pára-raios em rneio a tempestade
bolchevique. sua sombra, a embaixada mano brava contra o novo regime. Os
servicos de Sadoul - convertido em urn m ediador perante os boicheviques -
mostravam-se necessários. Mas o jogo foi finalmente descoberto. A em baixadateve que sair da R ussia.
A revoluçao, no entanto, havia se apoderado cada vez m ais de Sadoul. Desde
o primeiro instante, ele havia com preendido seu alcance h istórico. Mas, im-
pregnado d e uma ideologia democrá tica, nao havia decidido ainda aceitar seu
rnétodo. A atitude das democracias aliadas perante os sovietes se encarregou de
desvanecer suas ditimas ilusóes democráticas. Sadoul viu a Franca republicanae a Inglaterra liberal, ex-aliadas do despotismo asiático do czar, encarniçarem-
se raivosamen te contra a ditadura revolucionária do proletariado. 0 contato
corn os ilderes da revoluçao ihe permitiu, ao mesmo tempo, dar a eles seu
valor. L enin e T rotsky se revelaram a seus othos e a sua consciéncia, em urn
momento em que a civilizaçao os rechacava, como dois homens de valor
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 87/156
excepcional. Sadoul, possuldo pela emocão qu e estremecia a alma russa, entre-
gou-se gradualmente a revolucão. Em juiho de 19 18 escrevia a seus am igos, a
Longuet, a Thomas, a Barbusse, a Romain Rolland: "Como a major parte de
nossos camaradas franceses, antes da guerra eu era um socialista reformista,
amigo de uma sábia evo ucão, partidário decidido das reformas que, uma a
urna, vém a melhorar a situacão dos trabaihadores, a aumentar seus recursos
rnateriais e intelectuais, a apressar sua organizacão e a multiplicar sua forca.
Como tantos outros, eu vacilava perante a responsabilidade de desencadear,
em plena Paz social (na medida em que é possIvel falar de paz social dentro de
um regime capitalista), uma crise revolucionária, inevitavelmente caótica,
custosa, sangrenta e que, mal conduzida, podia estar destinada ao fracasso.
Inimigos da vio ência acima de tudo, havfarnos nos afastado pouco a pouco
das saudáv eis tradiçaes rnarxistas. N osso evolucionism o impen itente nos havia
levado a confund ir o m eio, isto é, a reforma, com o fim, ou seja, a socializacao
geral dos meios de producao e de troca. Assim havIamos nos separado, ate
perdê-la de vista, da ünica tática socialista admissIvel, a tática revolucionária. E
tempo de reparar os erros cometidos".
Na Franca, Noulens e seus secretários denunciararn Sadoul como urn fun-
cionário desleal. U rgia inuti izá-lo, invalidá-lo como acusado r da incompreensão
francesa. Clemenceau ordenou urn processo. 0 Partido Socialista indicou
Sadoul corno candidato a deputado. 0 povo era convidado, desse modo, a
anistiar o acusado. A e eicao rena sido entusiasta. Clemenceau decidiu entao
inabilitá-lo. Urn C onselho de G uerra se encarregou de julgá-lo in absentia e desentenciá-lo a pena c apital.
Sadoul teve que permanecer na Russia. A anistia de Herriot, regateada e
mutilada pelo Senado, não o beneficiou come, a Cail aux e como a Marty.
Sobre Sadoul continuou pesando uma sentenca capital. Mas ele compreendeu
que já era, apesar de tudo, o rnomento de vo tar a Franca. A opinião popular,
suficienrem ente inform ada sobre seu caso, saberia defendê- o. A policia tratoude prendé- o logo que chegou a Paris. A extrema esquerda protestou, rnas
governo respondeu que Sadoul não estava coberto pela anistia. Ele pediu que
seu processo fosse reaberto e em Janeiro ultimo compareceu perante o Conse-
iho de Guerra. Nessa audiéncia, Sadoul falou mais como urn acusador do que
corno urn acusado. Em vez de uma defesa, fez uma acusacão. Quern havia se
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 88/156
equivocado? Certamente nao fora ele, que havia previsto a duracao e advertido
sobre a solidez do novo reg ime russo; certarnente não fora ele, que havia preco-
nizado urna coo peracão franco-russa, reciprocarnente respeitosa do igual di-
reito de am bos Os pov os de eleger seu próprio governo, adm itida agora, de
certa forma, corn o restabelecimen to das relaçoes dip om áticas. N ão; dcnao
havia se equivocado, rnas sim N oulens. 0 processo Sadoul se transformava,
assim, nu rn processo contra o próprio N oulens. 0 Conselho de G uerra con-
cordon corn a reabertura do processo e co rn a liberdade condicional de Sadoul.
E em seguida pronunciou sua absolvicao. A história já havia se antecipado a
essa sentença.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 89/156
Detaihe do mural de Diego Rivera, l hombre en una encrucijada
(1935, Palacio be Betas Artes, Mexico).
Ao lado de Trotsky aparecem James Cannon, Engels e Marx.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 90/156
LEON TROTSKY'
Trotsky nâo é sornente urn protagonista, mas tarnbérn urn filósofo urnhistoriador e urn crItico da revolucao. Nenhum lIder da revo ucão pode deixar
de ter, naturairnente, uma visao pano rârnica e precisa de suas raIzes e de sua
génese. L enin, por exem plo, distinguiu-se por urna capacidade singular para
perceber e entender a direcao 1a h istória contempo rânea e o sentido de seus
acontecirnentos. M as os penetrantes estudos de L enin abarcararn apenas as
questôes polIticas e econôm icas. T rotsky, porérn, interessou-se tamb ém pelasconseqüéncias da revolucao na filosofia e na arte.
Trotsky polemiza corn os escritores e cis artistas que anunciam a chegada de
uma nova arte, o surgimento de um a arte proletária. Possui já a revoluçao urna
arte prépria? T rotsky move n egativarnente a cabeça. "A cu ltura", escreve, "não
é a prirneira fase do bem-estar: é o seu resultado final."
0 proletariado g asta atualrnente suas energias na luta para derrubar a bur-
guesia e na tarefa de resolver seus problemas econôrnicos. A nova ordem
é dernasiadarnente ernbrionária e incipiente: ainda está ern perlodo de for-
maçâo. Uma arte do proletariado, portanto, ainda não pode surgir. Trotsky
efine o desenvolvimento da arte como o mais elevado testernunho da vi-
talidade e do va lor de urna época. Assim , a arte do proletariado não apresen -
tará os episódios da luta revolucionária: será aquela que descreverá a vida
ernanada da revolucao, de suas criacóes e de seus frutos. Não seria o mo-
m ento, entâo, de se falar de urna nova a rte, que, corno a n ova ordem social,
Publicado originalmente corn o tItulo "Trotsky" no livro La escena contempordnea,
Lima, M inerva, 1925.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 91/156
deve atravessar urn perlodo de ex periéncias e ensaios. "A revolucao encon -
trará na arte sua imagem quando deixar de set para o artista urn fenômeno
estranho a ele." A nova arte será produzida por hom ens de urn nov o tipo. 0
conflito entre a realidade m oribunda e a nascente durará long os anos de lutas
e mat-estar. Somen te depois que transcorrerem esses anos, quando a nova or-
ganizacão humana estiver cimentada e assegurada, é que existirão as condiçoes
necessárias para o desenvolvimen to de uma arte do proletariado. Q uais serão
os tracos essenciais dessa arte do futuro? Trotsky formula algumas previsóes. A
arte do futuro será, a seu juIzo , "inconciliável corn o pessimisrno, corn o ceti-
cismo e corn todas as outras formas de prostracao intelectual; e estará cheia de
fé criadora, de um a fé scm limites no futuro". Essa, certamente, não é um a tese
arbitrária. A desesperanca, o niilismo e a m orbidez, que a literatura contemp o-
rânea contém em grandes doses, são sinais caracterIsticos de um a sociedade
fatigada, esgotada, decad ente. A juventud e é otimista, afirmativa, alegre, en-
quanto a velhice é cética, negativa e rabugenta. A filosofia e a arte se apresenta-
rão, por conseguinte, em formas distintas em um a sociedade jovem e em uma
sociedade senil.0 pensam ento de Trotsky segue por esses caminhos e por outras conjectu-
ras e interpretacoes. O s esforços da cultura e da inteligéncia burgu esas estão
dirigidos principalm ente ao progresso da técnica e do me canismo d a produ-
ção. A ciéncia é aplicada, sobretudo, na criacão de u rn m aquinismo cada dia
m ais perfeito. O s interesses da classe dom inante são adversos a racionaliza-
cão da producao e são contrários, conseqüentemente, a racionalizaçao dos cos-tumes. As preocupaçoes da humanidade são sobretudo utilitárias. 0 ideal
de nossa época é o lucro e a poupan ca, enqu anto a acumu lacão de riquezas
acaba se tornando a m ajor finalidade da vida hum ana. A nov a ordem revolu-
cjonária jrá racionalizar e hum anizar os costume s, resolvendo o s problem as
que a ordem burguesa - por causa de sua estrutura e de sua funcão - não
consegue so lucionar: possibilitará que a m uiher se liberte da servidão dom es-tica; assegurará a educacao social das criancas; eliminará as preocupaçóes eco-
nôm icas do casamen to. 0 socialismo, tao zombad o e acusado de m aterjalista,
mostra-se, em suma, desse ponto de vista, como uma reivindicaçao, urn
renascimento de valores espirituais e morais, oprimidos pela organizacão
e pelos m étodos capitalistas. Se na época capitalista prevaleceram as am biçoes
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 92/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 93/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 94/156
GRIGORI ZINOVIEV
Periodicamente, urn discurso on urna carta de Grigori Zinoviev tira do
sério a burguesia. Quando ele nâo escreve nenhum manifesto, os burgueses
nostálgicos de sua prosa se encarregarn de inventar urn ou dois. Os m anifestos
de Zinoviev percorrem o rnundo, deixando atrás de si urn rastro de terror e de
medo. 0 poder explosivo desses documentos é tao garantido que ate mesmo
foram usados na ditima campanha eleitoral britânica. Os adversários do tra-
baihismo descobriram, a s vésperas das eleicaes, urna horripilante mensagernde Zinoviev e a usaram, sensacionalmente, como urn estimulante da vontade
combativa da burguesia. Que honesto e aprazIvel burgués não iria se horrori-
zar corn a possibilidade de MacDonald continuar no poder? MacDonald pre-
tendia que a Grã-Bretanha emprestasse dinheiro a Zinoviev e aos dernais
comunistas russos. E, entrementes, o que fazia Zinoviev? Incitava o proleta-
riado britânico a fazer a revolucao. Para as pessoas bern inform adas, essa des-
coberta não tinha importância. Ha rnuitos anos, Zinoviev nao se ocupa
de ou tra coisa senão pregar a revolucao. A s vezes se ocupa de algo mais auda-
cioso ainda: trata de organizá-la. 0 seu trabaiho de consiste precisamente
nisso. Como se pode, entdo, querer honradarnente que urn homem não cum-
pra corn suas tarefas?
Urna parte do pdblico não conhece Zinoviev, a não set como urn formi-
davel fabricante de panfletos revolucionários. E provável ate que se compare
a produçao de seus panfletos corn a produçao de automóveis de Ford, por
Publicado originalmente corn o tItulo "Zinoviev y laTercera Internacional" no livro
La escena contempordnea, Lima, M inerva, 1925.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 95/156
exem plo. A T erceira Internacional deve set, para essa parte do püb ico, algo
assirn corno urna filial da Zinoviev Co. Ltda., fabricante de manifestos contra
a burguesia.
Efetivarnente, Zinovicv é urn grande p anfletário. Mas o panfleto não é Se-
nao apenas urn instrurnento politico. A polItica nestes tem pos é, necessaria-
rnente, panfletária. Mussolini, Poincaré e Lloyd George são tambérn panfletários
a seu m odo. Arneacarn e difarnarn os revolucionários, mais ou m enos corno
Zinoviev am eaça e difama os capitalistas. São prirneiros-ministros da b urgue-
sia como Z inoviev poderia s&-lo da revolução: ele cr& q ue urn agitador vale
quase sem pre mais que urn ministro.
Per pensar desse rnodo, preside a Terceira Internacional, em vez de exercer
urn cargo de com issário do povo. Foi levado a presidéncia da T erceira Interna-
cional por suas história e qualidade revolucionárias, bern como por sua condi-
cao de discIpulo e colaborador de Lenin.
Zinoviev é urn polem ista O rgânico. Seu pensam enro e seu esrilo são essen-
cialmente polérnicos. Sua cabeca dantoniana, de tribuno, tern um a perene an-
rude beligerante. Sua d ialética é ágil, agressiva, cá ida, nervosa: tern rnatizes deironia e de humour e trata o adversário de rnaneira desapiedada e acérrima.
M as Zinoviev é, sobretudo, urn depositário da doutrina de Lenin, urn con-
tinuador de sua obra . Sua teoria e sua prática são, invariavelmente, a teoria e a
prática de Lenin. Possui um a história absolutarnente bolchev ique: pertence a
vethaguarda do com unismo russo; trabalhou corn L enin, no estrangeiro, antes
da revolução; e foi urn dos professores da escola marx ism russa dirigida porLenin ern Paris.
Esteve sempre ao lado de L enin. N o corneço da revoluçao houve, não obs-
tante, urn instante em q ue sua opiniao discrepou da de seu rnestre. Q uando
L enin decidiu tom ar o poder de assalto, Zinoviev julgou prematura sua deci-
são. A história deu razão a L enin: os bolcheviques conquistaram e conservaram
O poder e Z inoviev recebeu o encargo de o rganizar a T erceira Internacional.
Explorernos rapidarnenre a hist6 ria dessa Terceira Internacional desde suas
origens.
A Primeira Internacional, fundada per M arx e Eng els em L ondres, não foi
senão apenas urn esb oco, urn gerrne, urn program a. A realidade internacional
ainda não estava definida e o socialismo era apenas um a forca em formaçao.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 96/156
M arx acabava de dar-ihe concrecão histórica. Cum prida sua função de traçar
as orientacôes de um a ação internacional dos trabaihadores, a Primeira Inter-
nacional submergiu na confusa nebulosa da qual havia emergido. Mas a von-
tade de articular internacionalm ente o m ovim ento socialista ficou formulada.
Alguns anos dep ois, a Internacional reapareceu vigorosamente. 0 crescimento
dos partidos e sindicatos socialistas requeria uma coordenacao e uma articula-
c á o internacionais. A funçao da S egunda Internacional fol quase unicarnente
organizadora. O s partidos socialistas dessa época efetuavam urn trabalho de
recrutamento: sentiam que a data da revolucao social se encontrava distante e
propuseram-se, por conseguinte, a conq uista de algum as reformas interinas. 0
m ovim ento operário adquiriu assim u rn espIrito e urna mentalidade reformis-tas. 0 pensamento da socialdernocracia lassalliana dirigiu a Segunda Interna-
cional, fazendo que o socialismo ficasse inserido na demo cracia. A S egund a
Internacional, por isso, nada pôde fazer con tra a guerra: seus ilderes e secóes
haviam se habituado a u m a atituIe reformista e dem ocrática. A resisténcia a
guerra reclam ava um a atitude revolucionária. 0 pacifismo da Segun da Inter-
nacional - que não se encontrava nem espiritual nem m aterialmente prepara-
da para a a cão revolucioná ria - era estático, platônico, abstrato. As m inorias
socialistas e sindicalistas trabaihararn em vão para radicalizar a organizacão. A
guerra acabou por dividi-la e dissolve-la e apenas algurnas m inorias continua-
ram representando sua tradicao e seu ideário, minorias estas que se reuniram
nos congressos de Khiental e Zimmerw ald para esbocar as bases de uma nov a
organizacão internacional. A revoluçao russa impulsionou esse rnovim ento e
em marco de 1919 foi fundada a T erceira Internacional. Sob suas bandeiras Seagruparam o s elementos revolucionários do socialismo e do sindicalismo .
A S egunda Internacional reapareceu corn a mesma m entalidade, os rnes-
m os homens e o m esmo pacifismo platônico dos tempos pré-bélicos. Em seu
estado-maior se concentram os lIderes clássicos do socialismo: V andervelde,
Kautsky Bernstein Turati etc. Apesar da guerra, esses homens nao perderam
sua antiga fé no m étodo reformista. N ascidos da demo cracia, não conseguem
renega-la e nao percebem os efeitos históricos da guerra. Trabalham como
se a guerra não tivesse interrompido nada. Não adm item nem compreendem
a existéncia de um a nova realidade. Os elem entos ligados a Segunda Inter-
nacional são em sua m aioria velhos socialistas, enquanto a T erceira Interna-
97
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 97/156
cional, ao contrário, recruta o grosso de seu s adeptos en tre a juventud e. Esse
dado indica, meihor que nenhum outro, a diferenca histórica de ambas
as agrupacöes.
As raIzes da decadéncia da S egunda Internacional, saturada de preocupacóes
dernocráticas, confundem-se corn as raIzes da decadéncia da dem ocracia. Ela
corresponde a um a época de apogeu do Parlam ento e do sufrágio universal: o
método revolucionário, portanto, lhe é absolutamente estranho. Os novos tem-
pos se véem obrigados, então, a tratá-la de forma desrespeitosa e rude. A juven-
tude revolucionária costuma esqu ecer ate m esm o as realizacóes da Segund a
Internacional como organizadora do m ovirnento socialista. Mas a juventude
nao se pode , razoavelm ente, exigir que se preocup e corn a justica. Ortega y
Gasser diz que a juventude "poucas vezes tern razão no que nega, mas sem pre
tern razão no que afirma". A isso se poderia agregar que a forca impulsionadora
da história são as afirm acdes e as n egacóes. A juventude revolucionária não
nega, ademais, a Segunda Intrnaciona1 seus direitos no presente. Se a Seg unda
Internacional não insistisse em sobreviver, a juventude revolucioná ria teria o
prazer em venerar sua mem ória. Con stataria, honradam ente, que a Segu ndaInternacional foi um a má quina de organ izacão e a T erceira Internacional é
urna máq uina de combate.
Esse con flito entre duas mentalidades, entre duas épocas e entre dois méto-
dos do socialismo tern em Zinoviev uma de suas dramatis personae M ais do
que co rn a burgu esia, Zinoviev po lemiza corn os soc ialistas reformistas. I o
crItico rnais arnargo e contund ente da Segunda Internacional. Sua crftica defi-ne nitidamente a diferenca histórica das internacionais. A guerra, segundo
Zinoviev, antecipou ou , melhor d izendo, precipitou a era socialista. Existern as
prem issas econôrnicas da revolucão proletária, m as ainda falta a orientacão
espiritual da classe trabaihadora, que não pode set dada pela Segunda Interna-
cional, cujos ilderes continuarn acreditando, corno ha vinte anos, na possibili-
dade de urna suave transicao do capitalismo ao socialisrno. Pot isso foi forrnada
a T erceira Internacional. Zinoviev faz notar que a T erceira Internacional não
age sornente sobre os pov os do O cidente. A revo lucão, diz ele, não deve set
européia, e sirn m undial. "A Segu nda Internacional estava lirnitada aos ho--1—ipm nranraaTprcprannennrl rr1p tar nnnnpnccpn oelacom
Ela se interessa pelo despertar das rnassas oprimidas da Asia. "Não é, todavia",
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 98/156
lembra ele, "uma insurreição de massas pro etárias; mas deve s- o. A corrente
que nó s dirigim os Iibertará todo o rnundo."
Zinoviev polemiza tambm corn os com unistas que discordam eventual-
m ente da teoria e da prática leninistas. Seu debate corn T rotsky, no partido
comunista russo, teve ha pouco tempo ressonância mundial. Trotsky,
Preobrajensky e outros atacavam a y e/ha gu arda do partido e incitavam os
estudantes de M oscou contra ela. Zinoviev os acusou de usar procedirnentos
dem agógicos, por falta de argumen tos sérios. E tratou corn urn pouco de iro-
nia aqueles estudantes irnpacientes, que, "apesar de estudarem 0 capital de
M arx ha seis rneses, ainda náo governavarn o pals". 0 debate entre Zinoviev e
T rotsky se decidiu favoravelmente para Zinoviev. Ap oiado pela veiha e p ela
nova guarda leninista, ele ganhou o duelo. Ago ra dialoga corn seus adversários
dos outros carnpos. Toda a vida desse grande agitador é po êrnica.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 99/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 100/156
MAX I MO GORKI '
M áxirno Górki é o rornancista dos vagabundo s, dos párias, dos miseráveis.
E o rom ancista das sarjetas, da m a vida e da forne. A obra de G órki é peculiar,
espontânea, representativa deste século de rnultidôes, do Q uarto Estado e d a
revolucão social. M uitos artistas conternporâneos extraem seus temas e seus
personag ens das carnada s plebéias, inferiores. A alma e as paixôes burg uesas ja
foram dernasiadam ente exploradas e, portanto, são urn tanto antiquadas. Já no
caso d o p roletariado, ao co ntrário, existern n ovos m atizes e linhas insólitas.
A plebe dos rom ances e dram as de G órki não é ocidental: é autenticarnenterussa. M as ele não é som ente urn narrador da R iIssia: é tambérn urn de seus
protagonistas. Foi urn de seus criticos, urn de seu s cronistas e urn de seus ato-
res. Não fez a revolucão russa; mas a v iveu.
Górki nun ca foi boichevique . Em g eral falta aos intelectuais e aos artistas a
fé necessária para env olver-se de forma facciosa, disciplinada e sectária nos
quadros de urn partido. Tendem a urna atitude pessoal, distinta e arbitrária
perante a vida. Górki, ondulante, inquieto e heterodoxo , não seguiu rigida-
m ente nenhurn prograrna nem nenhurna opcão p oilt ica. Nos prirneiros tem-
pos da revo ucão dirigiu urn jornal socialista revolucionário: Novaya Zhizn.
Esse diário acolheu corn desco nfianca e inirnizade o regime sov iético, tachando
os boicheviques de teóricos e utópicos. Górki escreveu q ue os boicheviques
faziam urn experirnento ütil hurnanidade, mas mortal para a RtIssia.
A raiz de sua resisténcia, contudo, era mais recôndita, Intirna e espiritual:
Publicado originalmente corn o titulo "Máximo Górki y Rtissia" no Iivro La escena
contempordnea, Lima, Minerva, 1925.
101
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 101/156
era urn estado de ânirno, de reaçáo con tra-revolucionária, com urn rnaioria
dos intelectuais. A revoluçao os tratava e vigiava com o inirnigos latentes. E eles
se incom odavam que a revoluçao, tao baruihenta, tao caudalosa, tao explosiva,
turvasse de forma indelicada seus sonhos, suas pesquisas e seus discursos.
Alguns persist iram nesse estado de ânimo, enqu anto outros se contagiaram
e se inflamaram de fé revo ucionária. Górki, por exemplo, não tardou em
aproxim ar-se da revoluçao. Os sovietes o encarregaram da organ izacão e dire-
ção da casa dos intelectuais, destinada a salvar a cultura russa da m are revolucio-
nária, hospedando, alirnentando e fornecendo elem entos de estudo e de trabaiho
aos hom ens de ciência e de letras da Riissia. Gó rki, entregue protecão dos
sábios e dos artistas daquele pals, se converteu, assim, em urn dos colaboradores
substantivos do Cornissário de Instrucáo P üblica Lun atcharsky .Vieram os dias de seca e escassez na regiao do V olga. Um a coiheita frus-
trada ernpob receu totairnente, de forma sübita, várias provIncias russas, já de-
bilitadas e extenuadas por m uitos anos de guerra e de bloqueio: milhOes de
homens ficaram sem pâo para o inverno. Górki sentiu que seu dever era com o-
ver a hum anidade corn essa tragedia imen sa e, para isso, solicitou a colabora-
cao de A natole France, Gerhart Hauptmann, Bernard Shaw e de outros grandes
artistas. Saiu da Rñssia, na época m ais distante e m ais estrangeira do que nun-
ca, para falar a Europa de perto. Mas ele não era m ais o vigoroso vagabundo,
o duro nôm ade de outros tem pos. Sua ant iga tuberculose o atacou no cam i-
nho, obrigando-o a ficar na Alemanha e a se internar num sanatório. Urn
grande europeu, o sábio e explorador Nansen, percorreu a Europa pedindo
auxilio para as provIncias farnélicas. Discursou em L ondres, Paris e Rom a,
sob a chan cela de sua palavra insuspeitável e apoiltica, afirmando que aquela
tragedia nâo havia sido culpa do cornunismo : era urn flagelo, urn cataclismo,
urn infortünio. A Rt'issia, bloqueada e isolada, náo podia salvar todos seus
farnintos. Não havia tem po a perder. 0 inverno se aproxirnava. N áo socorrer
irnediatarnente os farnintos seria o mesm o que abando ná-los a rnorte. Muitos
espIritos generosos respon derarn a esse charnado. As m assas operárias derarn
sua contribuicao. Mas o instante não era proplcio para a caridade e a filan-
tropia. 0 Ocidente estava demasiadam ente carregado de rancor e raiva contraa Rássia. A grande imprensa européia deu cam panha de Nansen urn apoio
sern entusiasmo, enquanto os Estados europeus, insensibilizados, envene-
1 0 2
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 102/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 103/156
econom ia med ieval, prirnitiva. A intuicao e a visâo de Górki coincidem co rn
a constatacão do hom em de ciência.
Falei corn Górki desse e de outros assuntos em dezembro de 1 92 2 no Neue
Sanatorium d e Saarow Ost. Seu alojamento estava fechado a todas as visitas
estranhas e insólitas. Mas sua m uiher, M aria Feodorow na, me abriu suas por-
tas. Gó rki não fala senão o russo, rnas a esposa se cornunica em alem ão, fran-
cés, inglés e italiano.
Ne sse tempo, Gó rki escrevia o terceiro tom o de sua autobiografia. E corne-
çava urn livro sobre homen s russos.
- Hornens russos?
- Sim; homen s que vi na Russia; homen s que conheci; não necessariarnente
hornens célebres, m as, sirn, interessantes.P erguntei-lhe sobre suas relaçôes corn o b olchevisrno. Alguns periódicos
insinuavarn que ele andav a afastado de seus lIderes. Górki me d esrnentiu essa
notIcia: suas relaçOes c orn os sbviéticos eram boas, norrnais. Tinha a intencao
de voltar logo Russia.
Ha em Górki algo de veiho vagabundo, de veiho peregrino, corn seus olhos
agudo s, mãos rüsticas, estatura urn pouco en curvada e b igodes tártaros. Ele
nao é fisicamente u rn hornern rnetropolitano; é, rnais propriarnente, urn ho-
m ern rural, urn cam ponés. M as não tern urna alma patriarcal e asiática corno
Tolstói, que defendia urn com unisrno camp onés e cristão. Górki adm ira, am a
e respeita as rnáquinas, a técnica e a ciéncia ociden tais, todas as co isas que
repugna varn o m isticismo de T olstói. Esse eslavo, esse vagabun do e abstrusa
e subconscientemente, urn devoto e urn apaixonado pelo Ocidente e por
sua civilizacao.
E, sob os telhados de Saarow Ost, aonde nao chegavam os rurnores da
revolucão com unista nern tampouco os ruIdos da reacão fascista, seus olhos
doentes e visionários de hom em alucinad o viarn corn angüstia aproximar-se o
ocaso e a rnorte de urna civilizacâo maravilhosa.
104
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 104/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 105/156
poiltica e econôm ica: as £inanças da nação se achavam subm etidas ao controle
das poténcias estrangeiras ao m esmo tempo em que a decrépita dinastia manchu
não po dia opor quase n enhurna resisténcia a colonização do pals nem suscitar
ou presidir urn renascirnento da energia nacional. Imp otente perante a abdica-
ção da soberania nac ional, já nâo era m ais capaz de retroceder: nao possula
nem o apoio nem a confiança da populacão. Exangue e aném ica, estranha ao
povo, vegetava languida e palidam ente, representando som ente urn feudalis-
rno rnoribundo, cujas raIzes tradicionais se m ostravam cada vez m ais enve-
ihecidas e minadas.
As idéias nacionalistas e revo1ucioná ris, difundidas pelos estudantes e in-
telectuais, encontraram, por conseguinte, urna atmosfera favorável. Sun Yat
Sen e o partido Kuo -Ming-Tang promo veram um a poderosa corrente republi-
cana. A C hina, assim, tratou de ad otar a forma e as instituicóes dem o-liberais
da burguesia européia e americana. Não cabia, absolutamente, na China, a
transforrnação da m onarquia aboluta em mo narquia constitucional. As bases
da dinastia rnanchu estavam totalmente m inadas e um a nova d inastia não po-
deria set improv isada. Sun Yat Sen não propu nha, portanto, um a utopia. Ti-
nha que tentar, de fato, a fundaçao de uma repüblica, que não nasceria,
obviam ente, solidame nte cimentada, m as que, através das peripécias de urnlento trabaiho de afirmacao , encontraria ao fim seu equ ilibrio. Os aconteci-
mentos deram razão a essas previs6es.
A dinastia manchu foi derrubada, definitivamente, no primeiro grande
em bate da revolucao. A insurreiçâo estourou em W u Chan g, capital da provIn-
cia de Hu-Pei, em 10 de outubro de 1911. A mo narquia nâo pôde se defender.
Foi proclamada a reptiiblica e S un Yat S en, o chefe da revolucao, assumiu o
poder. Mas ele se deu conta de que seu partido ainda não estava rnaduro parao governo. A dinastia havia sido facilm ente vencida; ma s os tuchuns, os latifun-
diários do norte, ainda con servavam suas posicóes. As idéias liberais haviam
prosperado no sul, onde a po pulacao, muito mais densa, era comp osta princi-
palmente de pequenos burgueses. N o forte , onde o partido Kuo -Ming-Tang
não havia conseguido desenv olver-se, dom inava a grande propriedade.
Sun Yat Sen entregou o governo a Y uan Shi Kay , o qual, deientor de urn
antigo prestlgio corno experirnentado estadista, contava corn o apoio da classe
conservadora e dos chefes militates. 0 governo d e Yuan Shi Kay representava
106
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 106/156
urn compromisso: deveria desenvolver urna poiltica de conciliaçao dos interes-
ses capitalistas e feudais corn as idéias dem ocráticas e republicanas da revolu-
cáo. Mas Yuan S hi Kay era urn estadista do antigo regime, cético em relaçao
aos prováveis resultados do e xperimento republicano. Adem ais, se apoderou
logo dele a arnbicao de ser o futuro im perador. Em dezem bro de 1915 , acredi-
tou que hav ia chegado a h ora de realizar seu projeto. A restauração foi precária
e o novo império durou apenas oitenta e trés dias. Aban donado por seus pro-
prios correligionários, Yuan S hi Kay teve que abdicar, enquanto o sen tim ento
revolucioná rio, em co nstante vigilancia, voltou a se impor.
Urn ano e rneio depois, contudo, outra tentativa de restauracáo m onárquica
pOs em perigo a repOblica. Derrotada naquela ocasião, a reacao nao se desar-
rnou ate agora. 0 mandarinismo e o feudalismo, que a revolucão ainda nao
conseguira liquidar, conspirararn incessantemente contra o regime dem ocráti-
co. A revolução, porém, não desmobilizou suas legióes, tendo em S un Yat Sen,
ate sua m orte, urn de seus a nirndores.
Em 1 9 2 0 , o con flito entre as provIncias do sul, dorninadas p elo partido
Kuo-Ming-Tang, e as provIncias do norte, dorninadas pelo partido An-Fu
e pelo caudilhism o tuchum, produziu um a secessão. Consti tuiu-se em Can-
tao urn bo lsão de agitacao nacionalista e revolucionária. 0 pacto assinado emWashington em 1921 pelas grandes potências, corn o objetivo de fixar limites
de sua açâo na Ch ina, condenou e rechaçou tais atitudes, comb atendo todos
as esforcos da ditatura do forte para subm eter a China a urn regime ex cessiva-
rnente centralista - contrário a s aspiracóes de autonom ia adm inistrativa das
provIncias - e contestando a organização de urn m ovirnento fascista, financia-
do p ela alta burguesia de Cantão, corn a mo bilizaçao arm ada do proletariado.
Educado na escola da dem ocracia, Sun Yat Sen soube, não obstante, em suacarreira polItica, ultrapassar as limites da ideologia liberal. Os m itos d a dem o-
cracia (soberania popular, sufrágio universal etc.) não se apoderaram de sua
inteligéncia clara e d ecidida de idealista prático. A polItica irnperialista d as
grandes poténcias ocidentais ensinou-lhe plenamente as qualidades da justica
dernocrática, enquanto a revoluçao russa rnostrou-lhe o sentido e a alcance da
crise contemporânea. 0 agucado instinto revolucionário de Sun Yat Sen o
orientou ate a ROssia e seus hornens. Ele via a RO ssia como a libertadora dos
povo s do Oriente. Náo pretendeu n unca repetir, rnecanicarnente, na China,
1 0 7
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 107/156
os experimentos europeus: adaptava sua acão revolucionária realidade de seu
pals. Queria que fosse cumprida na China um a revoluçao chinesa, assim com o
se leva a cabo na R Issia, ha sere anos, urna revoluçao russa. Seu conhecim ento
da cultura e do pensam ento ocidentais náo desnacionalizava nern desarraigava
sua alma, ao mesm o tempo profundam ente chinesa e hum ana. Apesar de set
doutor por um a universidade forte-americana, perante o imperialismo ianque
e o o rguiho ocidental preferia sentir-se som ente urn cooli. Serviu austera, abne-
gada e dignarnente ao ideal de seu povo, de sua geracão e de sua época. E a esse
ideal deu toda a sua capacidad e e toda a sua vida.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 108/156
MAHATMA GANDHI
Esse homem doce e piedoso é urn dos maiores personagens da história
contempo rânea. Seu pensam ento náo influi somen te nos trezentos e vinte m i-
hóes de indianos: com ove toda a Asia e repercute também na Europa. Romain
Rolland, que descontente corn o O cidente se volta para o Oriente, ihe consa-
grou urn livro. A im prensa européia explora corn cu riosidade a biografia e o
cenário do apóstolo.
o principal capi tulo da vida de Gandhi com eça em 19 19 . 0 pós-guerra o
colocou a cabeca do mo vimento de em ancipacao de seu povo. Ate então, Gandhi
servia fielmente a Grá-B retanha e, durante a guerra, chegou a colaborar corn os
ingleses. A India deu a causa aliada uma importante contribuiçao, já que a
Inglaterra havia se comp rometido a lhe conceder o s direitos dos dem ais "Do-
mInios". Terminada a contenda, a Inglaterra esqueceu sua palavra e o princIpio
wilsoniano da l ivre determinacao do s povos: reformou superficialm ente a ad-
m inistraçao da India - na qual o povo ind iano concord ou ter uma p articipa-
cáo secundária e inócua - e respondeu a s queixas da popu acão local corn uma
repressão militar cruel. P erante esse tratam ento pérfido, Gan dhi mu dou suaatitude e ab andonou suas i lusôes. A India se insurgia contra a Grã-Bretanha e
reclamava sua autonom ia. A m orte de Tilak havia posto a direcao do m ovi-
m ento nacionalista nas mâos de Gan dhi, que exercia sobre seu povo um a gran-
de influéncia religiosa. Ele aceitou a o brigacao d e liderar seus com patriotas e
os conduziu a náo-cooperação. A insurreiçáo armada o repugnav a: os meios
Publicado originalmente corn o tItulo "Gandhi" no livro La escena contempordnea,
Lima, Minerva, 1925.
1 0 9
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 109/156
deviam set, em sua op iniáo, bons e m orais corno os fins. Hav ia que utilizar a
resisténcia do esp Irito e do am or para se opor a s armas britânicas.
A palavra evang élica de Gandhi inflam ou de m isticism o e de fervor a alma
hjndustana. 0 Mahatma acentuou, gradualmente, seu método: os indianos
foram convidados a abando nar as escolas e universidades, a administracao e os
tribunais; a tecer corn suas m ãos seu traje khaddar; a rechaçar as manufaturas
britânicas. A India g andhiana se voltou, poeticarnente, a "m iisica da roca". Os
tecidos ingleses foram queim ados em Bom baim corno um a coisa m aldita e
satânica. A tática da não-cooperacáo se encarninhava a s suas iiltimas conse-
qüéncias: a desobediéncia civil e a recusa do pag am ento de impo stos. A India
parecia próxirna da rebe lião definitiva. P roduzirarn-se algum as violéncias.
Gandhi, indignado corn isso, suspendeu a ordem de desobediéncia civil e,
m isticamente, se entregou a penitência. Seu pov o nao estava ainda educado
para o uso da satyagraha, a força-amor, a força-alma. Os indianos obedec eram
a seu che fe. Mas essa retirada, ordenada no instante de ma ior tensão e m ajor
calor, debilitou a onda revolucionária. 0 mo vimento se consum ia e se desgas-
tava sem combater. Houve algurnas deserç6es e dissensóes. A prisão e o proces-
so contra Gandhi vieram a tempo. 0 M ahatma d eixou a direcao do m ovimento
antes que este declinasse.
0 Congresso Nacional indiano de dezembro de 19 23 m arcou urn enfraque-
cimento do gandhismo. P revaleceu nessa assembléia a tendéncia revolucionária
da nâo-cooperacão; mas a ela se contrapôs outra tendéncia, direitista ou
revisionista, que, contrariamente a tátjca gandhista, propunha a participacao
nos con selhos de reforma, crjados pela Inglaterra para dom esticar a burguesia
indiana. Ao m esmo tem po apareccu na assernbléia, em ancipada do gandhismo ,
um a nova corrente revolucionária de inspiracâo socialista. 0 programa dessacorrente, dirigido pelos nilicleos de estudantes e emigrados indjano s na Europa,
propunha a separacão com pleta da India do Império B ritânico, a abolicao da
propriedade feudal da terra, a supressâo dos im postos indiretos, a nacionaliza-
cão de m inas, ferrovias, telegrafos e dem ais serviços püblicos, a intervencao do
Estado na gestâo da g rande indiistria, uma m oderna legislaçao do trabalho etc.
Po steriormente, a cisão continuou aprofundand o-se. As duas grandes faccoes
mo stravam urn con tei' ido e um a fisionom ia classistas. A tendência revolucio-
nária era seguida pelo proletariado, que, duramen te explorado e scm o am paro
KII
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 110/156
de leis protetoras, sofria ainda mais a dom inacao inglesa. Os pobres e hum ildes
eram fiéis a Gandhi e revoluçao, enquanto o proletariado industrial se organi-
zava em sindicatos em Bom baim e ou tras cidades indianas. A tendéncia de direi-
ta, ao contrário, abrigava as castas ricas, os parsis, comerciantes, latifundiários.
0 m étodo da n ão-cooperacao - sabotado pela aristocracia e p ela burguesia
indianas e contrariado pela realidade econôm ica - foi perdendo, pouco a pou-
co, sua forca. 0 boycot dos tecidos ingleses e o retorno lIrica roca nao pud e-
ram prosperar: a indüstria manu al era incapaz de con correr corn a indiistria
m ecânica. 0 povo indiano, adernais, náo tinha interesse em resistir ao proleta-
riado inglés, aumentando as causas do desemp rego naquele pals, corn a perda
de um grande mercado. Não se esqueciarn de que a causa da India precisava do
apoio do partido trabalhista da Inglaterra. Em contrapartida, os func ionários
dem issionários voltaram , em grande parte, a seus postos. Relaxaram -se, em
sum a, todas as formas da não-cooperacão.
Quando o gov erno trabaihista de M acDonald o anistiou e l ibertou, Gand hi
encontrou o m ovimento nacionalista indiano reduzido e fragmen tado. Pouco
tempo antes, a maioria do Congresso N acional, reunido extraordinariamente
em D elhi, em setembro de 1 92 3, havia se declarado favorável ao partido Sw araj,
dirigido por C. R. Das, cujo programa se conformava em reclamar para aIndia os direitos dos "D om inios" britânicos e se preocupava em obter para o
capitalismo indiano sólidas e segu ras garantias.
Atualmente Gandhi já nâo lidera nem controla a orientacão politica da
m aior parte do nacionalismo indiano. N em a d ireita, que deseja a colaboraçao
corn os ingleses, nem a ex trema esqu erda, que aconselha a insurreicão, ihe
obedecem . 0 nüm ero de seus correligionarios decresceu. Ma s, Se sua autori-
dade d e ilder politico decaiu, seu p restigio de asceta e d e santo náo parou deaum entar. Urn certo jornalista contou com o afluiam peregrinos de diversas
raças e regiôes asiáticas ao retiro do M ahatma. Gan dhi recebe, sem cerimôn ias
e sem p rotocolo, todo aqu ele que bate sua porta . Ao redor de sua mo rada
vivem centenas de indiano s felizes em sentir-se perto dde.
Essa é a gravitacao natural da vida do M ahatma. Sua o bra é m ais religiosa e
m oral do que polit ica. Em seu diálogo corn Rabindranath Tagore, o M ahatma
declarou sua intencao de introduzir a religiao na politica. A teoria da não-
cooperacão está saturada de preocupacôes éticas. Gandhi não é , verdadeira-
if
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 111/156
m ente, o caudilho da liberdade da India, mas sim o apóstoio de urn movim en-
to religioso. A auton om ia da India não ihe interessa, nâo ihe apaixona , senão
secundariamente. Nâo sente nenhum a pressa em chegar a cia. Quer, antes de
tudo, purificar e elevar a alma indiana. Ainda que sua m entalidade esteja nu-
trida, em p arte, de cultura européia, o M ahatm a repudia a civilizaçao do O ci-
dente. Repugna-the seu m aterialismo, sua imp ureza, sua sensualidade. Com o
Ruskin e como Toistói, os quais leu e os quais ama, detesta a máquina. A
m áquina é para ele o sImbo lo da "satânica" civiiizaçao ocidental. N áo quer,
conseqüen temente, que o maqu inismo e sua influéncia se aclima tem na India.
Acredita que a máquina é o agente e o motor das idéias ocidentais e que a
psicologia hindustana nao é adequada a uma educaçao européia; mas ousa
esperar que a India, fechada em si mesm a, elabore urna m oral boa para o usodos demais povos. Indiano ate a medula, pensa que a India pode ditar ao
mu ndo sua p rópria disciplina. Sens fins e sua atividade - que almejam a con-
fraternizaçao de hinduIstas e ma om etanos on a redençao dos intocdveis, dos
párias - tern um a vasta transcendéncia poiltica e social. Mas sua inspiracâo é
essencialmen te religiosa.
Gandhi se classifica como urn "idealista prático". Henri B arbusse o considera,
ademais, urn verdadeiro revolucionário. Diz, em seguida, que "esse termo desig-na em nosso espirito a quem , tendo concebido, em oposicâo a ordem poiltica e
social estabelecida, uma ordem diferente, se consagra a realizacao desse piano
ideal por meios práticos". E agrega que " o utópico não é um verdadeiro revo-
lucionário, por m ais subversivas que sejam suas sem -razöes". A definicao é
excelente. Mas Barbusse cré também que, "Se Lenin tivesse se encontrado no iugar
de G andhi, teria falado e agido corno ele". Essa hipótese é arbitrária. L enin era
um realizador e urn realista, assim co mo indiscutiveimen te urn idealista práti-
co. Não está provado que a não-cooperacão e a não-violéncia sejam a ünica via
da em ancipacâo indiana. Tilak, o antigo lIder do nacionalism o indiano, não
rena desprezado o método insurrecional. Romain Rolland opina que Tilak,
cujo génio ena ltece, teria podido se entende r corn os revolucionários russos.
Tilak, não obstante, náo era rnenos asiático nem me nos indiano que G andhi.
M ais fundada que a hipótese de Barbusse é a hipótese oposta, a de que L enin
teria tentado aproveitar a guerra e suas conseqüé ncias para libertar a India e em
nenhum a circunstância deteria os indianos no caminho da insurreicâo. Gandhi,
2
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 112/156
dorninado por seu tem perarnento m oralista, não sentiu a s vezes a mesma ne-
cessidade d e l iberdade que sentia seu po vo. Sua forca, entretanto, dependeu -
m ais do que apen as de seu discurso religioso - principalmente das possibilida-
des que esta oferecia para a resoluçao da escravidão e da forne dos indianos.
A teoria da não-cooperacâo continha m uitas ilusôes. Um a delas era a ilusão
m edieval de reviver na India uma econ ornia superada. A roca é impotente para
resolver a questao social de qualquer povo. 0 argurnento de Gand hi de que "a
India já viveu assim antes" é dem asiadam ente ingénuo e anti-histórico. P or
m ais cética e desconflada que seja sua atitude perante o Progresso, urn hom em
m oderno rejeita instintivam ente a idéia de que se possa vo ltar atrás. Um a vez
adquirida a rnáquina, é difIcil que a hurnanidade renuncie a em pregá-la. Nada
pode c onter a inflltracao da civilizacao oc idental na India. Tagore tern plena
razão nesse caso, durante sua polém ica corn Gandh i. "0 problerna de hoje é
rnundial . Nenhum povo pode buscar sua saüde separando-se dos outros. Ou
salvar-se juntos ou desaparecer juhtos."
As crIticas contra o materialism o ocidental são exageradas. 0 h om em d o
Oc idente nao é tao prosaico e torpe com o alguns espIritos conternplativos e
estáticos supôem. 0 socialisrno e o sindicalisrno, apesar de sua concepcão
m aterialista da história, são rnenos rnaterialistas do que p arecem . Apóiarn-sesobre o interesse da rnaioria, rnas tendem a enobrecer e dignificar a vida. Os
ocidentais são rnfsticos e religiosos a seu rnodo. P or acaso a emo ção revolucio-
nária não é uma erno cao religiosa? 0 fato é que no Ocidente a religiosidade Se
transferiu do céu a terra. Seus mo tivos são hurnanos, sociais, e nao divinos.
Pertencem a vida terrena e não a celeste.
A co ndenacao da violência é rnais rom ântica do que a própria violência. A
India não consegu irá forçar a burguesia inglesa a devolver-lhe sua liberdadesomente corn armas rnorais. Os honestos juIzes britânicos reconhecerão, quantas
vezes for necessário, a honradez dos apó stolos da não-cooperacão e do satyagraha;
m as ainda assim seguirão condenando -os a seis anos de prisão. A revoluçao
não se faz, infelizrnente, corn jejuns. Os revolucionários de todos o s cantos
tern de escoiher entre softer a violência e usa-la. Se não se qu er que o espirito e
a inteligencia estejam a s ordens da forca, é necessário colocar a forca a s ordens
da inteligéncia e do espirito.
113
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 113/156
RABINDRANATH TAGORE
Urn dos aspectos essenciais da personalidade do grande poeta indiano
Rabindranath Tago re é seu generoso internacionalism o. Internacionalismo de
poeta, nao de politico. A poesia deT agore ignora e condena o ódio; não conhe-
ce e exalta senão o amor. 0 sentirnento nacional, na obra de Tagore, não é
nunca um a negacão; é sempre um a afirm acao. Tagore pensa que todo o huma-
no e seu. Trabaiha para consub stanciar sua alm a na alma u niversal. Explore-
m os essa regiâo do p ensamento do poeta. Definamos sua po sicão perante o
Oc idente e perante Gandh i e sua doutrina.
A ob ra de Tago re contém v ários exemplos de sua filosofia polItica e moral.
Urn do s ma is interessantes e nitidos é seu roman ce A casa e o m undo. Além de
set urn grande romance humano, A casa e o mundo é urn grande romance
indiano. Os personag ens - o rajá Nikhil, sua esposa B imala e o ag itador na-
cionalista Sandip - se movem no ambiente do movimento nacionalista, do
movirnento swadeshi, com o se chama em lingua indiana e como já é designado
em todo o rnundo. As paixóes, as idéias, os homens, as vozes da polItica
gandhiana da não-cooperacão e da desobediéncia passiva passarn pelas cenasdo adm irável rom ance. 0 po eta bengali, pela boca de urn de seus personagens,
o do ce rajá Nikhil, polemiza corn os instigadores e apoiadores do m ovirnento
swadeshi. Nikhil pergunta a Sandip: "Como vocé pretende adorar a Deus
diando a o utras pátrias que são, exatamen te corno a sua, man ifestaçoes de
Deus?". Sandip respond e que "o ódio é urn cornplemen to do culto". Bim ala, a
mulher de Nikhil, sente-se como Sandip: "Eu gostaria de tratar meu pals
Publicado originalmente no livro La escena contempordnea, Lima, Minerva, 192 5.
115
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 114/156
corno uma pessoa, chamá- o de mae, deusa, Durga; e par essa pessoa eu
averm eiharia a terra corn o sangue dos sacrifIcios. Eu sou hu m ana; nao sou
divina". Sandip exulta: "V eja, N ikhil, coma a verdade se faz cam e e sangue
no coracão de uma muiher A m uiher sabe set cruel: sua violéncia é semeihante
a de urna tempestade cega, terrIvel e bela. A vio ncia do hornem é feia
porque alirnenta em seu seio as vermes roedores da razão e do pensam ento.São nossas m uiheres que salvarão a pátria. Devemo s ser brutais sem vacilacão,
sem raciocInio".
o tom de Sand ip não e certamente, o torn de um verdadeiro gandhiano,
sobretudo quando, invocando a violéncia, recorda esses versos exaltados: "Vem ,
P ecado espléndido. Que teus rubros beijos vertam em n osso sangue a pilirpura
queimante de sua chama Ha de soar a trombeta do ma imperioso. E tecer
sobre vossas faces a grinalda da injustica exultante ".
Não é essa a linguagem de Gandhi; mas pode set a de seus discIpu os.
Rom ain Rolland, depois de ter estudado a doutrina swacleshi nos discIpulos de
Ga ndhi, exciam a: "T em Iveis discIpulos Quan to m ais puros, m ais funestos
Que Deu s preserve a urn grande homem desses am igos que não apreendem
senão uma parte de seu pensarnento Cod ificando-o, destroem sua harmonia".
o i ivro de R em ain Rolland sobre Gan dhi resume o diálogo politico entre
Rabindranath Tagore e a M ahatma. Tagore explica assim seu internacionalismo:
"Todas as glórias da hurnanidade são rninhas. A Infinita Personalidade do
Hom ern (como dizem as Upanishads nao pode set realizada senão num a gran-
diosa harmon ia de todas as racas hum anas. Minha pregacão é p ara que a India
represente a cooperacão de todos as povos do m undo. A U nidade é a Verdade.
A U nidade é aquilo que com preende tudo e, portanto, não pode set alcançada
pela via da negacão. 0 esforco atual para separar nosso espIrito do espIrito doOciden te é uma tentativa de suicIdio espiritual. A época atual esteve poderosa-
m ente possuIda pelo Ocidente. Isso s o foi possivel porque ao Ocidente foi
designada alguma grande m issão para a homem . Nós, os hom ens do Oriente,
temos aqui alga para nos instruir. E urn mai sem dOvida que, ha muito tempo,
não tenharnos estado em co ntato corn nossa própria cultura e que, em conse-
qüência disso, a cultura ocidental não esteja colocada no piano co rreto. M as
dizer que é ruim segu ir se relacionando corn eia significa alentar a pior form ade provincianismo , que não produz senão indigência intelectual. 0 problem a
116
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 115/156
de hoje é m undial. Nenhum povo pode encontrar sua saiide separando-se dos
outros. Ou salvar-se juntos ou desaparecer juntos".
Rab indranath Tagore defend e a colaboracao entre o Oriente e o Ocidente,
reprova o boycot a s m ercadorias ocidentais e não espera urn resultado taum a-
türgico no retorno a roca. "Se as grandes m áquinas são urn perigo para o espi-rito do Ocidente, não seriarn as pequenas máquinas urn perigo major para
nos?" N essas opinióes, Rabindranath Tag ore, não obstante seu p rofundo idea-
l ism o, mo stra-se na verdade m ais real ista que G andhi. A India, de fato, não
pode reconquistar sua liberdade isolando-se misticamente da ciéncia e das
m áquinas ocidentais. A experiéncia politica da não-cooperação foi adversa a s
previsóes de Gandhi. M as Rabindranath Tagore parece extraviar-se na abstra-ção quando critica Gan dhi por sua atividade de chefe po litico. Teria origem
essa critica na convicção de que Gan dhi possui urn temp erarnento de reforrnador
religioso e não de chefe p olitico, ou seria um simp les desdérn ético e estético
pela politica? N o prirneiro caso,Tagore terá razão. Em rneu estudo sobre G andhi
tive a ocasião de sustentar a tese de que a obra do Mahatma, rnais do que
politica, é moral e religiosa, enquanto sua forca não dependeu tanto de suapregacão religiosa quanto do fato de que esta ofereceu aos indianos um a solu-
c an para sua escravidão e para sua fome o u, rnelhor dizendo, apoiou-se em urn
interesse politico e econôm ico.
M as provavelmente Tagore Se inspira somente em consideraç6es de poeta e
de filósofo. Tagore sente meno s ainda que Gan dhi o problema p olitico e social
da India. 0 mesmo Swarajhom e rule) não Ihe preocupa d ernasiadam ente.
Um a revoluçao polItica e social não ihe apaixona. Tagore não é urn realizador:
é urn poe ta e urn ideólogo. Ga ndhi, nessa questão, acusa um a intuicao rnais
profunda da verdade. E a guerra", diz. "Que o poeta deponha sua lira Canta-
rei depois." N essa passagern de sua p olémica corn Tagore, a voz do M ahatma
tern um torn profético: "0 poeta vive para o am anhã e queria que nós fizésse-
m os o mesm o... E preciso tecer Que cada urn teca QueT agore teca com o asdernais Que queime suas roupas estrangeiras E o dever de hoje. Deus se ocu-
pará do arnanhã. Com o diz a Gita: Cum pra a ação justa ". Tagore na verdade
parece urn pouco ausente da alma de seu povo. Não sente seu drama. Não
com partilha sua paixão e sua violéncia. Esse hom ern tern um a grande sensibi-
l idade intelectual e m oral; m as, neto de urn principe, herdou um a nocão urn
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 116/156
pouco palaciana e aristocrática da vida. Conserva dem asiadamente arraigado,
em sua cam e e em sua alma , o sentirnento de hierarquia. P ara sentir e corn-
preender plenarnente a revoluçao indiana e o m ovirnento swadeshi, falta-ihe
estar urn pouco m ais perto do p ovo, urn pouco mais perto da história.
Tagore não olha a civilizaçao ocidental corn a mesma ojeriza, corn a mesma
raiva que o Maha tma. Não a qualifica, corno o Maha tma, de "satânica". M aspressente seu firn e denun cia seus pecados. Pen sa que a Europa está rolda por
seu m aterialismo. Repud ia o home rn da cidade. A hipertrofia urbana ihe pare-
ce urn dos ag entes ou urn dos signos da decadéncia ocidental. As B abilônias
m odernas na o ihe atraern; entristecern-no. Ele as julga espiritualrnente estéreis.
Ama a vida do carnpo que mantém o homern ern contato corn "a natureza
fonte da vida". Nota-se aqui que, no fundo, Tagore é urn hornern de go stos
patriarcais rurais. Sua impressáo da crise capitalista, irnpregnada de sua ética e
de sua metafIsica, e não ob stante, penetrante e concreta. A riqueza oc idental,
segundo Tago re, é urna riquezavoraz. Os ricos do O cidente desviarn a riqueza
de seus fins sociais. Sua cobica e seu luxo violam os limites rnorais do uso dos
bens que adrninistrarn. 0 esp etáculo dos prazeres dos ricos engend ra o ódio de
classes. 0 am or ao dinheiro faz que o Ocidente se perca. Tagore tern, em sum a,
urn c onceito patriarcal e aristocrático da riqueza.
Em R abindranath Tagore, o poeta certam ente supera o pensador. Tagore é,
antes de tudo e sobretudo, urn grande poeta, urn artista genial. Em nenhu m
livro conternporâneo ha tanto perfume poético e tanta profundidade ifrica
como em Gitangali. A poesia de Gitangali é suave, simples, campo nesa. E,
com o diz André Gide, tern o m érito de nâo ter sido engravidada por nenhum a
rnitologia. Em A lua nova e em 0jardineiro se encontram a mesm a pureza, a
mesrna simplicidade, a mesrna graça divina. Poesia profundamente lIrica. Sern-pre voz do homem. Nunca voz da rnultidáo. E, não obstante, perenernente
grávida, eternam ente cheia de emoção cósm ica.
118
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 117/156
ALVARO OBREGON
0 general Ob regón, assassinado dezessete dias dep ois de set elei to p resi-
dente do Mexico, liderou a Revolucao Mexicana num de seus perlodos de
m ajor atividade realizadora. Tjnha porte, tempera e dons de chefe, caracteris-
t icas que ihe permitirarn presidir urn governo que, corn urn am plo consenso
da op iniâo pC iblica, liquidou u rna etpa de turbuléncias e contradicoes, quan-
do o processo revo ucionário mexicano conc retizou seu sentido e coordenou
suas energias. 0 g overno de O bregón representou urn movirnento de concen-
tracão das rnelhores forcas revolucioná rias do Mex ico. Ele iniciou urn periodode realizacao £irrne e sagaz dos principios revolucionários, apoiado no partido
agrarista, nos sindicatos operários e nos intelectuais renovadores. Sob seu go -
verno, entrararn em vigor as novas no rrnas constitucionais contidas na Carta
de 19 17. A reform a agrária - identificada por Obregon co rno o principal ob-
jetivo do m ovirnento popular - com ecou a traduzir-se em atos. A c lasse traba-
ihadora consolidou suas posicoes e acrescentou revolucao seu poder politico
e social , enquanto a ação educacional, dirigida e anirnada por u rn dos m ais
erninentes homens da Am erica, José Vasconcelos deu urna aplicacao p rática,
fecunda e criativa aos esforcos do s intelectuais e artistas.
A p olitica governarnental de Ob regón consegu iu esses resultados por ace r-
tar em associar a seus objetivos a rnaior som a de elemen tos para a reconstru-
çâo. Seu éxito se deveu virtude taurnathrgica do cau dilho: ele fortaleceu o
Estado surgido da revo luçao, definindo e assegurand o sua solidariedade corn
Pu blicado originalmente corn o tItulo "Obregón y la Revolucion M exicana" em
Variedades, L ima, 21 de julho de 1928 .
119
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 118/156
as ma is extensas e ativas carnadas sociais. 0 Estado se proclamou e se conside-
rou órgão do povo, de modo que seu destino e sua gestao deixavam de depen -
der do prestIgio pessoal de urn caudilho P ara vincular-se estreitamen te aos
interesses e sentim entos das m assas. A estabilidade de seu g overno se assentou
num a am pla base popular. Obregon não governava em norne de urn partido,m as sirn de urna con centracão revolucionária, cujas diversas reivindicaçoes
constitularn urn program a. Era essa aptidão para un ificar e disciplinar as for-
ças revolucionárias que indicava, precisamente, suas qualidades de lIder e
de condu tor.
A força pessoal de Obregón tinha origern em sua história de general da
revolucao, em g rande parte por sua atuação militar, admirada pela populacãoprincipalme nte pela contribuiçao que havia significado a sua causa. A foiha de
serviços do general O bregón tinha valor para o povo por ser a de urn g eneral
revolucionário que, ao se orgulhar de seus 80 0 quilôrnetros de camp anha, evo-
cava o penoso processo de um a epclpéia m ultitudinária.
Obregdn era, ate pouco temp o atrás, o hom em qu e mais m erecia a confian-
ça das m assas. Para os po vos corno os d a A m erica, que nao progredirarn poli-ticarnente o bastante Para que seu s interesses se traduzissem clararnente em
partidos e program as, esse fator pessoal ainda jOga urn papel decisivo. A R evo-
lucão M exicana, adem ais, atacada de fora por seus inim igos histdricos, sabo-
tada de den tro por suas próprias excrescências, acredita ainda n ecessitar a sua
cabeca d e urn chefe m ilitar, com autoridade suficiente P ara m anter nos lirnites
as tentativas arm adas dos reacionários. Ela presenciou m uitas deserçoes, causa-das pela intriga dos reacionários, que astutamen te influenciavam as arnbicóes
pessOais e egoIstas de hom ens inseguros, situados acidentalmente no cam po
revolucionário por urn capricho do acaso. Houve o caso de Adolfo de la
H uerta - dando a m ao aos reacionários, depois de haver participado do rnovi-
rnento contra Carranza e ter ocupa do prov isoriarnente o pod er -, seguido de
perto pelos generais Serrano e Górnez.Por isso, ao aproximar-se o término do m andato de Calles, a maioria dos ele-
m entos revolucionários designou o general Obregón para a sucessâo a Presidén-
cia. Isso podia dar a mu itos a imp ressão de que se estabelecia um a guinada
antipática no p oder. As cand idaturas Serrano e Górnez - tragicam ente liquidadas
ha alguns m eses - se aproveitaram P ara resistir a essa possibilidade. Mas a f6rm u-
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 119/156
la Obregon - para quern exam inasse objetivam ente os fatores atuais da poiltica
m exicana - aparecia ditada por m otivos concretos, em defesa da revolucao.
Obregón nao era, certarnente, urn ideologo, mas seu forte braco de soldado
da R evoluçao po dia apoiar-se no trabaiho de definiçao e experirnentação de
um a nova ideologia. A reação o ternia e o odiava, adulando-o e m uitas vezesacreditando que fosse m ais m oderado que Calles. O bregón era sem düvida
m oderado e prudente, mas não p recisarnente no sentido qu e a reação suspeita-
va. Sua moderacao e prudéncia, ate o ponto em que foram usadas, haviam
servido a afirmaçao das reivindicaçóes revolucionárias e a estabilizacao do p0
der pop ular.
A m orte engrandece sua figura na história da R evolucao Mexicana. Quemsabe se seu segundo governo não tivesse conseguido set tao bem-sucedido com o
O primeiro... 0 poder a s vezes envaidece os hornens e emb ota seus instintos e
sensibilidade poilticas.
Esse efei to é com urn entre os hom ens de um a revoluçao que carecem de
um a forte disciplina ideológica. A figura de Obregón se salvou desse perigo.
Assassinado por urn fanático, de cujas cinco balas foi descarregado o ódio detodos os reacionários do M exico, Obregón con clui suavida, heróica e revolucio-
nariam ente, e fica definitivarnen te incorporado a epopéia de seu povo, corn os
m esmos timbres de M adero, Zapata e Carrillo. Sua acâo e vida pertencerarn a
um a época de violencia. Não ihe foi dada, por isso, a oportunidade de terrni-
nar seus dias serenam ente. M orreu corno m orreram m uitos de seus tenentes e
quase todos os seus soldados. Pertencia a veiha guarda de uma geracão educadano rigor da guerra civil, que havia aprendido m ais a morrer do que a viver e
havia feito instintivam ente sua um a idéia que se apodera corn facilidade dos
espIritos nesta época revolucionária: "viva perigosamen te".
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 120/156
COLI:CCION CI..JLIDM
C::AI L
-
Cape da primeira edicao de La tragedia del Altiplano
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 121/156
TRISTAN MAROF
Urn D om Quixote da poiltica e da literatura americanas, Tristan M arof, ouGustavo N avarro, como preferirem, depois de repousar de sua ültima aventura
em A requipa, esteve em L ima por algumas horas, de passagern Para Havana.
Aonde teria eu visto antes seu perfil sernita e sua ba rba escura? Em nenhu m
lugar, porque a barba escura de Tristan Ma rof é urn improviso recente. Tristan
M arofnáo usava barba antes. Essa barba varoni , que parece tao antiga em sua
cara mIstica e irônica, é completarnente nova: ajudou-o a escapar de seu
confinamento e a asilar-se no P eru; forrnou parte de seu disfarce; e, agora,parece pedir que a d eixem ficar onde está. urna barba espontânea, que náo
obedece a nenhurna razão sentimental nern estética, que tern sua origem nurna
necessidade e utilidade e que, por isso mesm o, ostenta uma trernenda vontade
de viver, resultando num aspecto tao arquitetônico e decorativo.
A literatura de Tristan Marof - El ingenuo continente americano, Suetonio
Pimienta, La justicia del inca etc. - é come, sua barba. Não é urna literatura
premeditada, do literato que b usca fama e dinheiro corn seus livros. possIvelque Tristan M arofocupe m ais tarde urn lugar eminente na história da literatu-
ra da Indo-A mérica, rnas isso ocorrerá sern que ele o b usque. Faz literatura
pelos mesm os rnotivos que faz p oiltica; e é o rnenos literate, possIvel. Tern ihe
sobrado talento para escrever volumes esmerados; mas tern dernasiada arnbi-
cáo P ara contentar-se corn urna gloria pequena e anacrOnica. Hom ern de uma
época vitalista, ativista, romântica e revolucionária - corn sensibilidade de cau-
Publicado originalmente corn o tItulo "La aventura de Tristan Marof" em Var i eda-d e s , Lima, 3 de marco de 1928 .
1 2 3
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 122/156
dilho e de profeta -, Tristan nâo podia con siderar digno dele o destino de uma
literatura h istórica. Cada livro seu é urn doc urnento de sua vida, de seu tempo.
Doc umento vivo; e, rnais do que urn docum ento, urn ato. N ão é urna literatu-
ra bonita, nem cu idada, rnas sim vital, econôrnica, pragmática. Com o a barbade Tristan Marof, essa literatura se identifica corn sua vida e corn sua história.
Suetonio Pimienta é urna sátira contra o tipo de diplomata rastaquera e
improvisado que tao liberalmente produz a America do Sul e Central, diplo-
mata de origem eleitoral ou "revolucionário" na a cepcáo sul-americana do vo-
cábulo. La justicia del inca é urn livro de propaganda soc ialista P ara o povo
boliviano. Tristan Marof sentiu o dram a de seu povo e o fez seu. Pod ia t6-lo
ignorado, na sensual e burocrática comodidade de urn posto diplornático ouconsular. Mas T ristan M arofé da estirpe romântica e donquixotesca que, corn
alegria e paixão, se ye predestinada a c riar urn mundo nov o.
Como Waldo Frank - corno tantos outros americanos entre os quais me
incluo -, na Europa descobriu a America. E renunciou ao salário de diplornata
P ara trabalhar durarnente na obra ilurninada e profética de a nunciar e realizar
o destino do continente. A polIcia de sua pátria - capitaneada por urn intendente
fugido prematurarnente de urn possIvel romanc e de Tristan M arof— o conde-nou ao confinamento num rincão Perdido das montanhas bolivianas. Mas
assim co rno nâo se confina jarnais urna idéia, nâo se confina tarnpouco u rn
espIrito expansivo e incoercIvel corno o de Tristan Marof. A po lIcia pacenha
poderia ter encerrado a Tristan M arof nurn baü corn chav e dupla. Com o urn
faquir, Tristan M arof teria desaparecido do bad , sem violentá-lo nern quebrá-
lo, Para reaparecer na fronteira, corn uma barba rnuito negra na face pálida. Na
fuga, Tristan Marof teria sempre deixado crescer sua barba.P ode set que interesse a alguns o literato; a mirn interessa mais o ho mern.
Ele tern a figura de prócer, aquilina e séria, dos hornens que nascern rnais P ara
fazer a história do que P ara escrevé-la. Eu nunca o h avia visto antes; mas ja o
havia encontrado muitas vezes, em M ilão, P aris, Berlirn, Viena, Praga ou em
qualquer das cidades ond e, nurn café ou nurn cornIcio, tropecei corn hom ens
em cujos olhos se podia ver a mais ampla e arnbiciosa esperanca. Lenines,
Trotskys, Mussolinis de arnanhã. Com o todos eles, Ma rof a s vezes tern urn atjovial e grave. E urn Dorn Quixote de agudo perfil profético. E urn desses
homens perante os quais não cabe a ninguérn a di'tvida de que dará o q ue falar
124
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 123/156
na posteridade. Olha a vida corn uma alegre confiança, corn urna robusta
seguranca de conquistador. A seu lado ihe acompanha sua forte e bela mu lher,
urna Dulcinéia, muito hurnana e moderna, corn olhos de boneca inglesa
e porte de valquIria.Falta a este artigo urna citacao de urn livro de M arof. Tirá-la-ei de Lajusticia
del inca. Escolherei estas linhas, que fazern justica surnária a Alcides Arguedas:
"Escritor pessimista, tao órfão de observacao econôm ica como obcecado ern
sua arnarga crItica ao povo boliviano, Arguedas tern todas as enfermidades que
cataloga ern seu livro: sern brilho, sern emocão exterior, tImido ate a prudên-
cia, rnudo no P arlamento, grande elogiador do genera M ontes... Seus livros
tern a tristeza do altiplano. Sua ma nia é a decéncia. A sornbra que não ihe deixadormir: a plebe. Quando escreve que o povo boliviano e s t á d oe n te , eu não vejo
a doenca. De que está enfermo? Viri , heróico, de grande passado, a iinica
doença que o carcome é a pob reza".
Esse é T ristan Ma rof. E essas são m inhas boas-vindas e rneu adeus a esse
cavaleiro andante da Arnérica do Su .
25
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 124/156
JOSE INGENIEftOS 1
Nossa Am erica perdeu urn de seus rnaiores mestres. José Ingenieros era noContinente urn dos principais representantes da Inteligéncia e do Espirito.
Nele os jovens encontravarn, ao mesrno tempo, urn exemplo intelectual e mo-
ral. Ingenieros soube set, além de urn hom ern de ciéncia, urn homem de-.eu
tempo. N ão se contentou em set urn ilustre catedrático; quis set urn mestre.
Isso é o que torna sua L igura ainda rnais respeitável e admirável.
A ciéncia e as letras ainda estão, no mundo inteiro, dernasiadarnente domes-
ticadas pelo poder. 0 sábio e o p rofessor mostrarn, gerairnente, e sobretudo naveihice, urna alma burocrática. As ho nras, os tItulos e as m edaihas os conver-
tern ern hurnildes funcionários da ordern estabelecida. Ou tros secretamente
repudiarn e desdenharn suas instituicôes; mas, em p üblico, aceitam sern pro-
testar a servidão qu e se ihes imp öe. A ciência, corno semp re, tern urn valor
revolucionário; rnas os homens de cincia não. Como hornens, como mdi-
vIduos, se conforrnam em a dquirir urn valor acadérnico. Parece que em seu
trabaiho cientIfico esgotarn sua energia. Não Ihes sob ra ja aptidão para con-ceber ou sentir a necessidade de outras renovaçôes, estranhas a seu estudo
e a sua disciplina. 0 desejo de cornodidade, em todo caso, atua de urn m odo
demasiadarnente enérgico sobre sua consciéncia. E assirn se dá no caso de urn
sábio do nIvel de Ramón y C ajal, que fala ern norne dos cortesãos de urna
rnonarquia decrépita. Ou no de M iguel Turró, que se incorporou ao séquito
do general libertino, que ha dois anos desempenha na Espanha o papel
de d itador.
Publicado originalmente em Varied ad es , Lima, 7 de novembro de 1925 .
1 2 7
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 125/156
José Ingenieros pertencia a mais pura categoria de intelectuais livres. Era urn
intelectual consciente da função revolucionária do pensamento e, sobretudo, urn
hornem sensIvel a ernoção de sua época . Pa ra Ingenieros, a ciéncia não era
tudo. A ciéncia, Para ele, tinha a rnissâo e o dever de servir ao progresso social.Ingenieros não se entregava a polItica. Continuava sendo urn hornern de es-
tudos, de cátedra. Mas não via a po lItica corno conflito de idéias e de interesses
sociais, nern tinha p or ela o desdérn absurdo que sentern ou simulam outros
intelectuais, demasiadarnente tImidos P ara assumir a responsabilidade de uma
fé e rnesrno de urna opinião. Ern sua Revista cle Filosoji'a - que ocupa o primeiro
lugar entre as revistas de sua classe na Ibero-Arnérica - reservou urn luga r espe-
cial ao estudo dos fatos e da s idéias da crise poiltica co nternporânea e, par-ticularrnente, explicacao do fenôm eno revolucionário.
A rnaior prova da sensibilidade e da penetracão históricas de Ingenieros me
parece set sua atitude perante o pós-guerra. Ingenieros percebeu que a guerra
abria uma c rise que não se podia resolver corn veihas receitas. Cornpreendeu
que a reconstrucão social não podia set obra da b urguesia, rnas sirn do p roleta-
riado. Nurn instante em que egrégios e robustos hom ens de ciéncia nao conse-
guiam senâo balbuciar seu medo e sua incerteza, José Ingenieros acertou ao vere falar claro. Seu livro Los nuevos tiempos é urn documen to que honra a inteli-
géncia ibero-americana.
N a Revoluça o Russa, o olhar sag az de Ingenieros viu, desde o prirneiro
mom ento, o princIpio de uma transforrnaçao mundial. Po ucas revistas de cul-
tura revelararn urn interesse tao inteligente pelo processo da Revolucao Russa
corno a revista de José Ingenieros e Anibal Ponce. 0 estudo de Ingenieros
sobre a obra de Lunatcharsky no Com issariado de Educaçao P üblica dos sovietesflea come, urn dos prirneiros e rnais elevados estudo s da ciéncia oc idental a
respeito do valor e do sentido dessa obra.
Essa a titude mental de Ingenieros correspondia ao estado de ânirno da nova
geracão. Ele se apresenta, portanto, corno urn rnestre corn capacidade e ardor
para sentir corn a juventude, que, corno diz Ortega y G asset, se raras vezes tern
razão no que neg a, semp re tern razão no que a flrrna. Ingenieros transformou
em raciocInio o que na juventude era urn sentirnento. Seu juIzo aclarou a cons-ciéncia dos jovens, oferecendo urna sólida base P ara sua v ontade e para seu
desejo de renovacão.
128
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 126/156
A form acao intelectual e espiritual de Ingenieros correspondia a uma épo ca
que os novos tempos vinham, precisamente, a contradizer e retificar seus
conceitos mais fundamentais. Ingenieros, no fundo, permanecia demasiada-
men te Liel ao racionalismo e ao criticismo dessa ép oca de plenitude da orderndemo-liberal. Esse racionalismo e criticismo conduzem geralmente ao ceticis-
são adversos ao pathos da revo ucão.
M as Ingenieros com preendeu, scm düvida, seu ocaso. Deu-se conta, segu-
ramente, de que nele enveihecia uma cultura. Mesmo assim, não desalentou
nunca o impulso nem a fé dos jovens - chamados a criar uma nova cultura -
com reflexóes céticas. Pelo contrário, os estimulou e fortaleceu sempre corn
palavras enérgicas. Como verdadeiro mestre, como altIssimo guia, pode ser
apresentado e def'inido por estes conceitos: Entusiasta e ousada ha de set a
juventude: sem entusiasmo de nada servem ideais bonitos, scm ousadia nao se
realizam atos honrosos. Urn jovem sem entusiasmo é um cadaver que anda;
está morto em vida, para si mésm o e para a sociedade. P or isso urn entusiasta,
exposto a equivoc ar-se, é preferIvel a urn indeciso que nao se equivoca n unca.
o primeiro pode acertar; o segundo não pode faz6-lo jamais. A juventude
termina quando se apaga o entusiasmo... A inércia perante a vida é covardia.
Não basta na vida pensar num ideal; é necessário aplicar todo esforco em sua
realizacao... 0 pensamento vale pela acão social que permite desenvolver .
Em tomb de José Ingenieros e de seu ideário se constituiu na Repüblica
A rgentina o grupo Renov ación, que pub lica o "boletin de ideas, libros y revis-
tas com esse nome, dirigido por Gabriel S. Moreau, e que serve de órgão
atualmente a União Latino-americana. Dc forma geral, o pensamento de
Ingenieros teve uma poderosa e extensa irradiacao em toda a nova geração
hispano-americana. A União L atino-americana, presidida por A lfredo P alacios,
surgiu, em grande medida, como uma concepcão de Ingenieros.
Não recordemos melancolicamente a bibliografla do escritor que morreu,
para lhe tecer uma coroa com os tItulos de seus livros. Deixemos isso para as
notas necrológicas feitas por aqueles que acham que o valor de Ingenieros se
encontra apenas em seus volumes. M ais do que os livros, importa o significado
e o espIrito do mestre.
129
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 127/156
OL1VERI() (;IJox1.x.)l9l)
S 9146 Vd. *1&G quo sic
teDgo: an bi0gr1B couSpacta y
precipitada. 3a quo no -Yca-
paz 4* •acrib1r sesis dea 1ad0
deshijvauada 7 lOutS. Atrlb 1y Q
Vd. S do nd blolbuele As?esL-
lea 0 1 del cOtl.idO quo 10 a
tb; invent* is vtda *ia ch ts
7 *ü IZIAtU 7 ad)ud1quSm* Eu
reuordUsileUtoI... cualqstter cc-
.menos rorzanne a rscOuoce
quo *07 0.11 Zi*tnbt* ISIS hat*
Tf* *
=ubtsa: Velnte poCmu pars er ieldoe on ol ir*iil& (1924)
Cakecnenlu (12).
Caricatura apresentada na ExposiciOn de la Actual Poesla Argentina 1922-1927).
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 128/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 129/156
sobre P roust: "A s frases e idéias de P roust se desenvolvem e se enroscam com o
enguias que nadam em aquariUs; a s vezes deformadas por urn efeito de refra-
cáo, outras unidas em acoplam entos viscosos, sempre envoltas nesta atmosfera
que tão-somente se encontra nos aquários e em suas obras".0 ofIcio das escolas de vanguarda - dessas escolas que nascem como cog u-
melos - é nega tivo e dissolvente. Elas tern a funcao de dissociar e destruir todas
as idéias e sentirnentos da arte burguesa. Em vez de busc ar a Deus, buscam o
átorno. Não nos conduzern a unidade; desviam -nos por m il rotas diferentes,
desesperada mente individualistas, nurn dédalo finito e zombeteiro. Seus áci-
dos corroem os m itos amigos. 0 frenesi corn que zombam de todas as solenes
alegorias retóricas é o que a s escolas ultram odernas tern de revolucionário:nada do mundo burguês ihes parece respeitável. Difarnam e desagregam a eter-
nidade burguesa corn ironias sutis, limpando a superfIcie do Novecentos de
todas as fezes, clássicas ou românticas, dos séculos mortos. Quando se livrarern
de Judas, corn todos us remendos , e de todas as rnetáforas da literatura burgue-
sa, a arte e o mund o recuperarao sua inocéncia.
Já comecaram a recuperá-la na Rdssia. 0 poeta da revolucao, Vladimir
Maiakovski, fliho do futurismo, fala aos hornens numa linguagem trágica.Guillermo de la Torre se dá c onta, em sua apologia das literaturas européias de
vanguarda, de que "vozes de urn sotaque puro, nobre e dramático se sobressaem
entre o coro dos demais poetas da Europa com o algo irônico e hum orIstico".
A v oz de O liverio Girondo pertence a esse coro? Náo sei por que insisto em
minha convicção de q ue Girondo é de outra estirpe. P enso que a sátira náo é
senão uma estacao de seu itinerário, urn episódio de seu romance. P or agora, o
melhor é nao levar a sério essas coisas.Seus V eintep oemas para se r le lcios en e l tran v ia e suas Calcomanias podem set
desprezado s pela crItica asm ática e pedante. A pesar disso, Girondo é urn dos
valores mais interessantes da poesia da Am erica hispânica. Entre urna aria sen-
timental do velho parnasiano e um a "gritaria" acérrima e estridente, O liverio
Girondo p elo menos nos oferece urna visao verdadeira da realidade. Vejamos
aqui uma cena da procissão de Sevilha: "Os cavalos - corn a boca ensaboada,
como se fossem se barbear - tém as ancas lustrosas, que as mu lheres aprovei-tam P ara ajeitar a mantilha e averiguar, sem virar-se, quem lanca urn olhar a
seus quadris".
32
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 130/156
P ara alguns essa poesia tern o grave defeito de não set poesia. Mas essa é
apenas um a questão de gosto. A poesia, matéria preciosa, nâo está presente no
quartzo poético senão em mInimas proporcôes. 0 que m udou nao foi a poesia,
mas sirn sua cristalizacao. 0 elernento poético se mescia, na obra dos p oetascontemp orâneos, a ingredientes novos, entre os quais, por exemplo, o hum or.
Os que estão habituados a degustar a poesia somente nos moihos teóricos
clássicos não podem digerir os poemas de G irondo. E ficam indignados qua n-
do a crItica moderna o classifica como urn poeta profundo e auténtico. Se nos
remetermos aos hesitantes "noturnos" de G irondo, encontraremos emoçó es
poéticas como as seguintes: "Hora em que os m óveis veihos aproveitam P ara
livrar-se das mentiras e em qu e os encana mentos dão g ritos estrangulados,como se asfixiassem dentro das P aredes".
A s vezes se p ensa, ao ligar a chave da eletricidade, no espanto que sentirão
as sombras e na v ontade que ternos de avisá- as, para que tenham tempo de
encoiher-se nos cantos. E a s vezes as cruzes dos postes te1efnicos, sobre os
terraços, tern algo d e sinistro e temo s vontade d e nos esgu eirar junto a s p a r e -
des, como urn gato ou com o urn Jadrão."
De m inha parte, troco de born grado esse resumo, esses comprimidos - que,em rneus mo men tos de excursáo pelos novos caminhos da literatura, conten-
to-me em corner como se fossem bom bons -, por todo o épico barroco tropi-
cal e pela m ediocre e liquefeita Utica que a inda prosperarn em nossa A merica.
33
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 131/156
José Carlos MariátegUi em Lima, 1918.
0
0
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 132/156
Nota autobiografica
A inda que eu seja urn escritor rnuito pouco autob iográfico, ihe darei algu-mas informacoes breves. Nasci em 9 5 1 Aos 1 4 anos cornecei come, ajudante
nurn jornal. Ate 1 9 1 9 trabalhei no jornalismo, primeiro no La Prensa, depois
no El Tiemp o e, L inalmente, no La R azón. Neste ijitimo jornal patrocinarnos a
reforma un iversitária. A p artir de 1 9 1 8 , nauseado corn a poiltica criolla, voltei-
me resolutamente ao socialismo, rornpendo corn rninhas primeiras experién-
cias de literato contaminado de decadentismo e bizantinisrno finisseculares,
em pleno apogeu. Do final de 1 9 1 9 a rneados de 1 9 2 3 , viajei pela Europa.
Residi mais de dois anos na Itália, onde me casei corn uma muiher e algumas
idéias. Andei por Franca, Alemanha, Austria e outros palses. Minha rnulher e
rneu fliho me impediram de chegar a Rdssia. Da Europa, pus-me de acordo
corn alguns peruanos para a ação socialista. Meus artigos dessa época mostrarn
essas etapas de minha orientacao socialista. Depois de meu retorno ao Peru,
em 1 9 2 3 , em reportagens, conferéncias na Federacao dos Estudantes, na Uni-
versidade P opular, em artigos e etc., expliquei a situacao européia e iniciei rneutrabalho de investigacao da realidade nacional, de acordo corn o método m ar-
xista. Em 1 9 2 4 estive, como já ihe contei, a ponto de perder a vida. Perdi um a
perna e fiquei m uito fragilizado. Já teria, segurame nte, me curado de tudo isso,
se levasse uma vida tranquila. Mas nem minha pobreza nem minha inquieta-
cáo espiritual o permitem. Náo publiquei mais livros além daquele que vocé
conhece. Tenho prontos dois e outros dois em projeto. Esta é a minha vida em
I Apesa r de Mariátegui acreditar ter nascido em 1 89 5, já está mais do que comprova-do que dc, em realidade, nasceu em 18 94 .
1 3 5
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 133/156
poucas palavras. Não creio que vaiha a pena torná-la püblica; mas não p0550
the recusar os dados clue vocé m e pede. la me esquecendo: sou autodidata.
Matriculei-me uma vez em letras, em Lima, mas corn o ünico interesse de
seguir o curso de latim de urn erudito ag ostiniano 2 . E na Europa frequenteialguns cursos livremen te, sem nunca, contudo, perder meu c aráter extra-uni-
versitário e talvez ate mesm o antiuniversitário. Em 1 92 5 a Federaçao de Estu-
dantes propôs meu norne Universidade como catedrático na matéria de minha
competéncia; mas a ma vontade do reitor e, seguramente, meu estado de saüde
frustraram essa iniciativa. 3
2 Tratava-se do espanhol Pedro Martinez Vélez.
Carta corn data de 10 de janeiro de 1927, enviada por José Carlos Mariátegui aoescritor Enrique Espinoza (Samuel Glusberg), diretor da revista La Vida Li terd r ia,
editada em Buenos Aires. A carta foi publicada no nñmero de maio de 1930, em
homenagem a Mariategui, que havia morrido recentemente.
136
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 134/156
Cronologia resumida de José Carlos Mariátegui
1 8 9 4 o dia 14 de junho, em M oquegua, nasce José C arlos Mariátegui, f liho deMaria Am alia L a C hita Ballejos ( 1 8 6 0 - 1 9 4 6 ) e Javier Francisco M ariátegui yRequejo (1849-1907). 0 pal, em seguida, Ira abandonar a farnIlia.
1 8 9 9 ariátegui, a mae e os irrnãos Guilhermina e Julio César vão viver em Huacho.
1 9 0 1 ariátegui ingressa na escola.
1 9 0 2 ecebe urn golpe nojoelho da perna esquerda. E levado para L ima e inter-nado na M aison de Same. Terá que se tratar por quatro meses e será obrigadoa largar os estudos. Flea coxo da perna esq uerda.
1 9 0 7 erde o pai.
1 9 0 9 omeça a trabaihar com o entregador, ajudante e linotipista do jorna La Prensa,
de Lima.
1 9 1 1 ublica o p rirneiro artigo no jornal La Prensa. Com eça a utilizar o pseudôni-mo de Juan C roniquer.
1 9 1 4 ublica artigos na revista Mundo Limeño.
1 9 1 5 ontinua publicando artigos nas revistas El Turf e Lulü. Escreve, juntarnentecorn Julio Baudoin, a peca teatral Las tapadas.
1 9 1 6 ublica artigos na revista Coldnida. Torna-se redator-chefe e cronista politicodo jornal El Tiempo. E nomea do co-diretor da revista El Turf. Escreve a pecaLa mariscala, urn "poerna drarnático en seis jornadas y un verso", corn A brahamValdelomar.
1 9 1 7 anha urn concurso literário promovido pela rnunicipalidade de Lim a corna crônica " L a procesión tradicional". Pa rticipou, junto corn outros jornalis-tas, do "escândalo" da bailarina N orka Rouskaya. P ublica o jornal La Noche.Começa a estudar latim na Universidade Católica, mesmo tendo sido sempre
autodidata e não ter nenhum a formaçao ac adémica. Eleito vice-presidente doCIrculo de Jornalistas.
1 9 1 8 enuncia ao pseudonimo de Juan C roniquer. Funda, corn César Falcon ( 1 89 1 -
137
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 135/156
19 70) e Felix del Val le (18 93 -195 0), a revista N u e s t ra E p o c a , sobre temaspoliticos. Ajuda a criar o Comité de Propaganda e Organizacao Socialista, doqual ma is tarde se afasta. P rirneiro encontro corn Haya de la To rre.
1919 ublica a jamal La Ra zón. Em 8 de outubro, vai viver na Europa. Fica qua-
renta dias em P aris. Ch ega em dezem bro em G énova, Itália.
19 20 A partir de janeiro, começa a viver em Roma . Viaja naquele mesmo ano P araFlorenca, Génova e Veneza. Conhece Anna Chiappe, de 17 anos. Começa aenviar artigos novamente Para El Tiempo.
1921 asa-se corn Anna Ch iappe. Passa a lua-de-mel em Frascati. Nasce em 5 dedezemb ro a fllho Sandro. Assiste corno jornalista ao XV II Congresso N acio-nal do Partido Socialista Italiano em Livorno. Viaja a Milão, Turim e Pisa.
19 22 Retorna a Génova para participar corno jornalista da C onferéncia EconômicaInternacional. Juntarnente corn Césa r Falcon, Carlos Roe e P almiro Mach iavello,funda a prirneira célula "com unista" peruana. Vai corn a esposa e a filho a M uni-que, Alema nha. Entre junho e julho segue para P aris. Viaja de barco pelo rioDanObio e passa por Viena e Budapeste. Tambérn vai a Praga, Tchecoslovaquia.
1923 m fevereiro, retorna ao Peru no navio alemão Neg ada, corn a esposa Anna eo filho. Começa a dar palestras nas Universidades P opulates G onzalez P rada.Também começa a colaborar com as revistas V a r ie da de s e Clariclad (desta 61-
tirna será diretor).1924 m janeiro é preso durante uma reunião dos editores da revista Claridadcorn
alunos e professores univ ersitários. Sua satide piora. Tern a Perna direita arnpu-tada. Continua escrevendo para a imprensa peruana.
1 9 2 5 unda, com a irmão Julio César, a Editorial Librerla-Imprenta Minerva. Co-
meça a escrever Para a revista Munclial. P ublica a livro La escena contempordnea.
1926 omeça a publicar a revista Amauta.
1 92 7 N o começo daquele ano, envolve-se nurna polémica corn L uis Alberta Sanchez
sobre a indigenismo.
1928 omeça sua polbm ica com H aya de la Torre. P ublica a livro Sete en sa i os de
interp reta cáo cIa realidadeperuana.Funda a jamal Labor. Corneça a se relacio-nar com a Secretaria Sindical daTerceira Internacional e envia dois delegadospara o Congresso da Internacianal, em Moscou, e para a Congresso dos
P aises Orientais, em BakO . Funda a P artido Socialista do P eru. Mariáteguié escoihido secretario-geral da organização.
1929 Ajuda a fundar a CGTP (Confederacao Geral dos Trabalhadores do Peru).
1930 Sua sa6de piara novamente e em marco é internado as pressas na ClInica
Villarán. Mariategui rnorre no dia 16 de abril. No rnesrno ano seu partido
rnuda de name para P artido Com unista do P eru.
138
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 136/156
Obras do autor
TItulos organizados por José Carlos Mariátegui:La esce na contem p oránea . L ima, Editorial M inerva, 1 92 5.Siete ensayos ale interpretacion de la realidadperuana. L ima, Editorial Minerva, 19 28 .
TItulos publicados postumam ente na coleçao Ob ras Comp letas Populates, da Empre-
sa Editora Amauta (Lima):
Tom o I.Tom o II.
Tom o III.Tomo IV.
Tomo V.
Tomo V I.
Tomo VII.
Tom o VIII.
Tomo IX.
TomoX.Tomo X I.
Tomo X II.
Tomo XIII.
Tomo XIV.
TomoXV.
Tomo XV I.
Tomo XVII.
Tomo X VIIITomo XIX.
Tom XX.
Tomo XX I.
La es c ena c o ntem po rd nea, 1959.
Sie te ensay os d e in ter pr e tacion ale la real idad pe r uana, 1943.
El alma m at inaly otras e s taciones d e l hombr e de hoy , 1950.L a n o v e l a d e l a v id a , 1955.
De fensa de l ma rxi smo, 1959.
El ar t is tay la época, 1959.
Signosy obras , 1959.
Histor ia d e la cr is i s mund ial, 1959.
P o e m a s a M a r id t e g u i (este livro nao foi escrito por M ariátegui,mas está incluldo na colecao), 19 59 .
José Car los Mar idtegui (escrito per Maria Wiesse), 1945.P e r u a n i ce m o s a l P e r ü , 1970.
Tema s d e nues t ra A mérica , 1960.
IdeologlaypolItica, 1969.
Temas d e e ducación , 1970.
Cartas d e I ta ' l ia , 1969.
F i g ur a s y a s p e c to s d e l a v id a m u n d i a l (volume 1), 19 70.F i g ur a s y a s p e c to s d e la v i d a m u n d i a l (volume 2) , 1970.
F i g ur a s y a s p e c to s a l e l a v i d a m u n d i a l (volume 3), 197 0.Amautay su influencia (escrito por Alberto Tauro), 19 60.M a r i d t e g u i y s u t ie m p o (escrito per Armando Bazán), 1969.Escri tos juveni les , 1987.
139
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 137/156
Textos biograficos
Ana tole France (1 84 4-1 92 4) - escritor e critico frances, filho de urn vendedor delivros, estudou no College Stanislas, em P aris, e mais tarde na École des Ch artes. Na
década de 1 86 0, foi assistente do pai, catalogador e editor-assistente em B acheline-
Deflorenne e L emerre. Tam bém foi professor. Serviu o exército durante a guerra fran-
co-prussiana e assistiu aos eventos da Cornuna de P aris. Em 18 75 , fol convidado aescrever diversos artigos pa ra o Les Temps, importante jornal da época, que foram mais
tarde publicados entre 188 9 e 18 92 em quarto volumes intilulados La vie l i t téraire.
Entre 18 76 e 1 89 0, foi bibliotecário-assistente no Senado. Sua primeira coletânea de
poernas, Lespoè r nes d ar es , foi publicada em 1 87 9. Em 18 88 , foi nomeado crItico lite-rário do Les Temps. F oi eleito Para a A cadémie Française em 18 96 e ganhou o P rémio
Nobel de L iteratura em 1 92 1. France, conhecido por seu anticlericalismo, apoiou o
P artido C omunista de seu pals. Escreveu L e c r im e d e S y lv e s t r e B o nn a r d ( 1881) , La
r o ti s s e r i e t ie l a R e i n e P e d a u q u e (1893), L e s o p i n i on s d e M . J e r o m e C o i g n a rd (1893) e
La vie enfleur (1922), ernie outros.
Andreiev, Leonid Nikolaievitch (1871-1919) - ingressou na Universidade de
São P etersburgo aos 20 anos. Depois de algum as tentativas de suicldio, transferiu-se
para a Universidade de Moscou, tornando-se reporter de assuntos policiais. Nessa
época p ublicou suas primeiras histórias em revistas e jornais. Entre seus livros maisfamosos estão 0 governador (1905), e Os se te e n for cados (19 08). Também escreveu
pecas de teatro com o A v i d a d e u r n h o m e r n (1907 ) , e Etc, q ue leva b ofe tad as (1916) .Apoiou o governo na Prirneira Guerra Mundial e fugiu da R6ssia depois da revolucao.
Era antibolchevique. Foi extremarnente popular em sua época.
Arguedas, Alcides (1879-1946) - nascido em La Paz (Bolivia), foi urn famoso
rornancista, jornalista, sociologo, historiador e diplomata. Estudou sociologia em P aris
e serviu como diplomata na Inglaterra, na Franca, na Venezuela e na C olombia. Foi oprincipal dirigente do P artido L iberal Boliviano. Escreveu Pueblo enfermo (1909) , R a z a
d e b r on ce ( 1919) e Historia gener al d e Boliv ia (1 92 2), entre outras obras.
1 4 1
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 138/156
Barbusse, Henri (18 73 -193 5) - começou sua carreira literária como neo-simbo-
lista, corn seu Pleureuses (1 89 5) , c seguiu urn estilo neonaturalista em L'enfer (1908).
L utou na infantaria na P rimeira Guerra M undial e ern 19 17 foi liberado do exército
por causa d e seus ferimen tos em cornb ates. Seu livro Lefeu, journal dune escouaa e
(1 91 6) ganho u o P rémio Gon court. Depois da guerra, tornou-se pacifista e militante
comunista.
Bernstein, Eduard (18 50-1 93 2) - ingressou no P artido Socialdemocrata Alemáo
em 1871 e editou Der Sozialdemokr at , o órgão do partido. Viveu em Zurique, em
L ondres e na Alemanha. Foi amigo de Engels e participou da Sociedade Fabiana. Seus
artigos no D i e N e u e Z e i t tinham o intuito de " revisar" os elementos do marxismo que
dc considerava datados, dogmáticos ou ambIguos. Die Voraussetzungen des sozial i smus,
é sua obra m ais importante. Durante a P rimeira Guerra M undial defendeu urn acordode P az e em 1 91 5 v otou contra os créditos de guerra. Em 1 91 7, uniu-se ac USPD.
Mais tarde, retornou ao P artido Socialdemocrata e ajudou a escrever seu programa.
Bloch, Jean-Richard (1 88 4-1 94 7) - romancista, ensaista e drarnaturgo socialista
frances. Em 1 91 0, começou a editar a revista L'Effort Libre e colaborou corn a revista
Clarté. Defendia que a arte deveria associar a tradiçao dem ocrática corn a cultura do
proletariado. Durante a Segunda G uerra Mundial, passou a m aior parte do tempo na
União Soviética. Autor de L e d e r n ie r e m p e r e u r (1 92 6), entre outras obras.
Briand, Aristide (18 62-1 93 2) - estadista Frances e urn dos fundadores do jornal
L'Humanite ' , foi ministro da Instrução P üblica e C ultos e candidato a Presidéncia da
Franca em 1 93 1. Ganhou o Prérnio Nobel da Paz em 19 26.
Calles, Elias P lutarco (18 77 -19 02) - presidente do Mexico entre 192 4 e 19 28 .
Cam panella, Tomm aso (1 568 -1639 ) - filósofo italiano e m onge dorninicano, de-
fendia a divisâo das tetras feudais. Foi preso por set urn dos lIderes da revolta cam po-
nesa na Calábria. Em 162 3, escreveu A cidade do so , que descreve urna soc iedade ideal.
Claudel, Paul (1 868 -19 55 ) - poeta, dramaturgo e ensaIsta frances, foi autor de
P a r ta g e d e m i d i (19 06) e Le soul ier de sa t in (1 92 9) , eritre outras obras.
Clemenceau, Georges (1841-1929) - politico frances. Apelidado "0 Tigre", foi
deputado, senador e rninistro do Interior. Em 1906 torna-se prirneiro-ministro, cargo
que ocuparia ate 1 90 9 e ao q ual seria reconduzido, pelo então presidente RaymondP oincaré, em 19 17 , exercendo também a funçao de ministro da Guerra. Teve papel
relevante na Conferéncia de P az de P aris, ao exigir severas reparacoes da Alem anha.
D'Annunzio, Gabriele (186 3-1 93 8) - nascido em P escara (Itália), foi poeta, ro-
ma ncista, contista, jornalista e lider politico. Pub licou seu primeiro poema , "P rimo
vere", em 1 87 9. Entre seus livros, destacam-se L'innocente (1892) , Le vergine delle rocce
1 4 2
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 139/156
(1896) e Ilpiacere (18 98 ). Escreveu tambérn pecas de teatro importantes, corno LaGiocond a ( 1899) , Ilfuoco (1900) e Lajiglia di brio (1 90 4). Cornbateu na PrimeiraGuerra M undial e em 1 91 9, juntarnente corn trezentos hom ens, ocupou o porto deFiume, o qual acreditava pertencer a Itália. Governou-o com o ditador ate dezemb ro de
1 92 0, quando foi forçado a renunciar a seu mandato. A partir dal, tornou-se defensordo fascismo, m as não exerceu nenhum a grande influéncia na politica de seu p als.
Debs, Eugene Victor (18 55 -192 6) - lIder socialista. Nascido em Indiana (EUA ),
trabalhou nas ferrovias desde jovem, tornando-se o p rimeiro presidente do Sindicato
dos Ferroviários Americanos, em 1893. Liderou a Greve de Pullman de 1894, foi
preso por seis meses, mas ganhou notoriedade em todo o pals. Ajudou a fundar o
P artido Socialista em 1 901 e a IW W (Industrial Workers of the World) em 1 905 . Foi
várias vezes candidato a presidente dos Estados U nidos. Foi condenado a dez anos de
prisao em 1 91 7, falsamente acusado de espionagem, mas foi libertado em 19 18 . Foitalvez o mais imp ortante dirigente socialista dos Estados U nidos em sua época.
DeL e6n, Daniel (185 2-19 14 ) - nascido em C uraçao, estudou na Alemanha e de-
pois na Holanda. Ficou na Europa entre 1866 e 1872, e em seguida foi para os Estados
Unidos, onde colab orou corn exilados cubano s e corneçou a se envolver na politica
forte-americana. Forrnou-se em direito corn distinçao na C olumbia L aw School em
18 76. Foi mem bro dos K nights of Labor. Casou-se corn Sara Lobo em 1 88 2, corn
quern teve quarto filhos. Urn ano mais tarde, foi convidado para set palestrante nauniversidade onde havia se formado. Corn a perda da esp osa e de trés £ilhos, começou
a se radicalizar e a se envolver mais no movimento operário. Ingressou no Partido
Socialista Operário em 1890 e em pouco tempo se tornou sua principal lideranca,
assim com o editor do jornal The People e criador da Socialist Trade and L abor Alliance.
Foi urn dos fundadores da IWW Traduziu para o inglés obras de Marx, Engels, Bebel,
K autsky, assim como dezenove volumes de romances históricos de Eugene Sue e F r a n zvon Sickingen, de Ferdinand L assalle. Em 1 89 2, casou-se novarnente, dessa vez corn
Bertha C anary, corn quem teve mais cinco filhos. Escreveu Tw o P a ges from R oma nHistory (1902) , The P rea m b le of t he IW'W(1905) eAs to Polit ics (1907), entre outrasobras. E considerado o p rimeiro marxista original do continente.
Delteil, Joseph (1 89 4-1 97 8) - escritor frances, é autor d e J o a n a d ' A r c, entre outrosromances.
Dorgeles, Roland (1885-1973) - romancista frances, membro da Academia
Goncourt. 0 livro Les croix d e bois é considerado sua obra m ais importante.
D'Ors, Eugenio (18 81 -19 54 ) - £ilósofo e crItico espanhol, autor de Glosario, Labienplantada, Elsecreto de lajIlosofia, entre outras obras.
Duhamel, Georges (1884-1966) - em 1906 uniu-se a outros escritores Para fundar
143
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 140/156
a comunidade de A bbaye, em Créteil-sur-M arne, e tornou-se doutor em m edicina em1909. Serviu corno cirurgião na frente de batalha durante a Primeira Guerra Mundial.
Tornou-se membro da Academic Française em 1 93 5. A utor de Vi e d e s mar ty rs (1917)
e de um a autobiografia em cinco volumes, Lumières s ur ma v ie , entre outras obras.
Eluard, P aul (18 95 -19 52 ) - pseudonimo de Eugene G rindel. P aul Eluard foi urn
dos fundadores do m ovirnento surrealista. Em 1 91 9, conh eceu André B reton, P hilippeSoupault e Louis Aragon, com os quais se associou ate 193 8, escrevendo poesia. Depois
da Guerra C ivil espanhola, abandonou o surrealisrno e sua obra com eçou a refletir sua
militância polItica. Ingressou no P artido Cornunista Frances em 1 94 2. Escreveu Cap itale
d e la d o u le u r (1926) , Lesy euxf er t i le s (193 6) e Tout dire (1 95 1) , entre outras obras.
Erzeberger, M atthias (1 87 5-1 92 1) - politico católico alem ão, antimilitarista, fez
denüncias contra o alto cornando alernão por decisOes que considerava equivocadas,durante a P rimeira Guerra M undial.
Foch, Ferdinand (1851-1929) - marechal frances, lIder das forças francesas na
P r i m e i r a G u e r r a M u n d i a l , a u t o r d e O s p r i n ct Ao s d a g u e r r a , E lo g i a a N a p o le a o M e m o -
riaspara servira his t O ria da Gra nrle Gue rra ,entre outras obras.
Frank, Waldo D avid (1 88 9-1 967 ) - romancista e critico norte-americano, estu-
dou em Y ale. Defendia reformas sociais em seus romances. Seus temas jam desde o
racismo ate a Revolucao Cub ana. Escreveu muitos livros, corno City Block (1922),Holiday (1923) , C h a l k F a c e (1924) , In the Ame r ican Jungle (1937) , Birth o f a W orld
( 1951) e The P rophe t ic I s land: a P ortrai t of Cuba (1967).
Gallimard, Gaston (1881-1975) - editor frances, estudou direito e literatura na
Universidade de P aris e depois voltou-se para o jornalismo. Em 1 90 8, fundou, junta-
mente com André Gide e Jean Schlumberger, a revista literária L a N o u v e l le R e v u e
Française . Em 1911, criou a editora La Nouvelle Revue Francaise-Librairie Gallimard,
que manteve esse nome ate 1 91 9, quando m udou P ara L ibrairie Gallirnard. Publicou
os mais importantes escritores franceses de sua épOca.
Gandhi, Mohandas Karamchand (1 869 -19 48 ) - lider pacifista e independentista
da fndia, favorável a s técnicas da "n ão-violéncia", influenciou movimentos de direitos
civis em todo o mundo. Ma hatma G andhi, corno era charnado, nasceu em P orbandar,
atualmente no estado de Gujarat. Forrnado em direito pela University College, de
Londres. Na Inglaterra conheceu socialistas ingleses e fabianos, assirn corno personali-
dades como George B ernard Shaw . Recebeu influéncia das idéias de H enry David
Thoreau e do escritor russo Tolstói. Em 1 89 1, G andhi retortion a India, onde tentou,scm sucesso, trabaihar como adv ogado em Bornbaim. Dois anos rnais tarde, foi man-
dado por sua firma P ara a Africa do Sul, onde iria trabalhar no escritório de advocacia
em Durban. Residiu nesse pals por vinte anos, lutando pelos direitos civis e sendo
1 4 4
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 141/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 142/156
Comoedia. Em 1 91 5 estréia no teatro Apolo, de Buenos Aires, sua peca L a m a d r a s t a ,
escrita em colaboraçao corn Zapata Quesada. Viaja por Africa e Europa em 1 91 8 e em
1 91 9 funda, corn o escritor Ricardo Guiraldes e Eva M éndez, o Editorial Proa. P ublica
seus V ei ntepo e m as para s er l e ld o s e n c i tray v i a em 1 92 2, na Franca, e seu segundo livro,
Calcomanlas, na Espanh a, urn ano rnais tarde. Tarnbérn é autor de E s p a n t a p a a r o s (1932) ,Interlunio ( 1937 ) e E n ía m a s m é d u la (1 95 3) , entre outras obras.
Gom pers, Samuel (1 85 0-19 24 ) - nascido na Inglaterra, foi para os Estados Unidos
em 1 86 3, tornando-se aprendiz de fabricante de charutos. Entrou para o sindicato dos
fabricantes de charutos em 1 864 e em 1 87 7 já havia se tornado seu presidente. Em18 86, tornou-se presidente daAFL , sendo reeleito diversas vezes, corn exceção de 18 95 ,
ate o final de sua vida. Gornpers aproxirnou a A FL do P artido Democrata e fundou
o Cornité de Guerra sobre o Trabalho, durante a Primeira Guerra Mundial. Ficouconhecido tam bérn por suas posicóes co ntra os socialistas.
G órki, Máximo (18 68-19 36) - pseudônirno de Alexey M aksimovich P eshkov,
contista e roma ncista russo. Nasc ido em N izhny N ovgorod, teve urna infância sofri-
da e pobre, sendo espancado constanternente por seus patroes e muitas vezes ch egando
a passar a fome. P or causa de sua vida dura, criou o pseudonimo Gorki, ou "amargo".
Tentou o suicIdio na juventude. Aos 21 anos de idade, tornou-se urn vagabundo,
viajou por várias cidades da Russia e realizou diversos trabaihos diferentes. Corneçou a
fazer sucesso após a publicacao de C h ei kash (1 89 5) . Seu prirneiro romance foi F o m a
gordeyev (18 99 ). Tarnbérn escreveu várias pecas de teatro. Entre 18 99 e 19 06, viveu em
São P etersburgo, onde se tornou rnarxista. Foi preso em 19 01 , por causa de seu poema
"P esnya o B urevestnike". Ao ser libertado, foi para a C rirnéia, onde contraiu tubercu-
lose. Deixou a Russia em 1 90 6 e passou sete anos no exllio, principalmen te na ilha
de Capri. Retornou a R6ssia em 1 91 3 e se opôs a participacão do p als na P rimeira
Guerra M undial. Tam bérn fez critica aos boichev iques, quando estes tornararn o poder
em 1 91 7, assim corno criticou Os métodos de Lenin no periódico Novay a Zhizn , sendo
obrigado a deixar suas c rlticas de lado p or ordens do próprio lIder da revolução russa.
A p artir de 19 1 9, com eçou a cooperar corn o governo revolucionário. Morou na Itália
entre 1921 e 1928 e depois novamente retornou a seu pals. Tornou-se o prirneiro
presidente do Sindicato dos Escritores Sov iéticos. Seus trabaihos m ais conhecidos
no perlodo soviético foram Lev Tolstoy (1919) e 0 P isate lyakh (1928) .
Haig, Douglas (1 86 1 -19 28 ) - general e estrategista militar inglés, urn dos respon-
sáveis pela vitéria de seu pals nos cam pos de batalha na P rirneira G uerra Mundial.
Harding, Warreb Garnaliel (1865 -192 3) - rnernbro do P artido Republicano e 29
presidente dos Estado s Unidos, foi editor do jornal Star, em Marion, Ohio, senador
estadual entre 189 9 e 19 03, governador de Ohio entre 19 03 e 19 05 e senador federal
46
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 143/156
entre 1915 e 1921. Nas eleiçoes de 1920, Harding teve uma das maiores votaçoes
populates da história dos Estados Unidos ate entäo, conseguindo 1 6.152 .200 v otos.
James M. Cox (18 70-1 95 7), na ocasião, conseguiu 9.147 .353 votos, ou 35% do total.
Harding foi presidente entre 19 21 e 1 92 3. Seu g overno foi marcado por diversos casos
de corrupcão.
Hauptmann, Gerhart Johann Robert (1 862 -19 46) - talvez o mais proeminente
dramaturgo alemâo do início do século X X e ganhador no P rêmio Nobel de L iteratura
de 1912. Foi urn dos principais autores naturalistas de seu pals, mas abandonou o
estilo mais tarde, utilizando em suas pecas teatrais elementos mIsticos, religiosos, mito-
lógicos e simbolistas. Também escreveu contos e romances. Foi autor de A n te s d o a m a -
nhec er (1889) , A ch e g a d a d a p a z (189 0) e Vidas sol i tdrias (1891), entre outras obras.
Hilferding, Rudolf (18 77 -19 41 ) - econornista marxista austriaco, foi professor naescola de quadros do P artido Socialdemocrata Alem ão e editor do jornal Vorwarts,
entre 1907 e 19 15 . Em 1 92 3, e depois entre 192 8 e 19 29 , foi ministro das Finanças
da Repüblica de Weimar. Exilou-se em 1933 e foi assassinado em 1941. Foi urna
destacada Ligura do austromarxismo e importante personalidade da Segunda Interna-
cional. Era considerado urn reformista. Escreveu 0 capital Jmnanceiro, em 19 10, seu
livro mais conhecido.
Hoover, Herbert Clark (1874-1964) - foi o 31 2 presidente dos Estados U nidos,entre 1 92 9 e 19 33 . Forrnado pela Universidade de Stanford. Trabalhou numa mina de
ouro quando jovem e depois se tornou engenheiro de minas na A ustralia e na C hina.
Ficou rico nas m inas da B irmânia. Durante sua carreira poiltica, apoiou a criação da
L iga das Naçoes. Foi secretário de Comércio entre 19 21 e 19 28 . Criou a Reconstruction
Finance C orporation. Deixou o governo corn pouca p opularidade.
Ibsen, Henrik Johan (1828-1906) - dramaturgo noruegués, autor de peças tea-
trais corno Catilina (1850) , Brand (1866), P e e r G y n t (1867) , O s p i la r e s d a s o ci e d a d e
(1877) , U ma ca sa de b oneca s ( 1879) e Ur n inimigo dopov o (1 88 2), entre várias outras.
Ingenieros, José (18 77 -19 25 ) - nascido em P alermo, Itália, foi urn dos mais im-
portantes intelectuais da Argentina no inlcio do século XX . Estudou medicina, espe-
cializando-se em psiquiatria e crirninologia. Sua tese La simulación de la locura foi
premiada pela Academia de Medicina de P aris e ganhou a Medaiha de O uro da Acade-
mia N acional de Medicina de Buenos A ires. Em 1 904 , assumiu a suplbncia da C átedra
de P sicologia Experimental da Faculdade de Filosofia e L etras e, em 19 08 , fundou a
Sociedade de Psicologia. Seus Princuipios deps icologla representariam o primeiro siste-made ensino cornpleto dessa m atéria naA rgentina. P ublicou obras importantes, como
La sociologla argentina e La ev olución de las ide as argentinas. Editou a coleçao La cultura
argentina, assim como foi o fundador da Revista de Filosofla. Foi psiquiatra,
147
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 144/156
crirninologista, sociólogo e filósofo, e suas idéias tiveram enorme repercussáo e
influência em todo o c ontinente.
Jaurès, Jean (1859-1914) - proveniente de urna familia francesa de classe media,
foi professor universitário, escritor e politico. Como historiador, escreveu urn longotrabaiho sobre a Revolucáo Francesa. Em bora tenha preparado urn estudo sobre refor-mas no exército, era fam oso por suas idéias pacifistas. Foi assassinado por urn fanático
nacionalista frances antes da guerra.
Jefferson, Thomas (17 43 -18 26) - nascido no estado da Virginia (EUA), corneçou
sua carreira de advogado na década de 1 86 0, sendo eleito para a Câm ara dos Cidadaos
da V irginia em 17 68. Foi o autor de Resumo dos d ir e i tos daAmér ica br i tâ nica (1774),
D e c l a ra ç ão s o b r e o s m o t iv o s e a n e c e s s i d a d e d e p e g a r e m a r m a s ( 1 7 7 5 ) , D e c l a ra ç a o d e
indep endéncia dos E s t a dos U nidos ( 1776) e R esoluçao de Ke ntucky (179 8) . Entre 1776 e1 77 9, foi deputado na Assernbléia da Virginia; ern 1 7 7 9 , foi nomeado governador da
Virginia; entre 17 85 e 1 78 9, foi embaixador na Franca; em 1 79 0, foi nomeado secre-
tdrio de Estado; em 1 79 6, foi eleito vice-presidente dos Estados Unidos. Em 1 80 1 ,tornou-se o presidente do pals e em 1 80 4 foi reeleito para o c argo. Deixou a politica de
vez em 1 80 9. Foi urn dos principais fundadores da U niversidade da V irginia, da qual
foi seu prirneiro e ma is importante reitor.
K autsky, Karl (18 54 -19 38 ) - estudou história, econornia e filosofia na Universi-
dade de Viena. Em 1875, entrou para o Partido Socialdernocrata Austriaco. Entre
18 85 e 18 90, viveu em L ondres. M ais tarde, foi para a Alema nha, onde se tornou o
principal teórico do P artido Socialdernocrata, ajudando a escrever o programa de Erfurt,
de 1891. Ficou no partido ate 1917, quando ingressou no Partido Socialdemocrata
Independente, retornando ao am igo partido em 19 22 , sem contudo ter a rnesma in-
fluência de antes. Foi para P raga em 1 93 4 e mais tarde paraAmsterda, onde morou ate
o firn da vida. Foi urn dos principais teóricos marxistas da Segunda Internacional.
Editou o jornal Die Neue Zeit e colaborou corn Engels. Ajudou a popularizar o
marxismo. Autor de A questao agrdria (1899 ) e 0 caminho do poder (19 09), entreoutras obras.
Keynes, John Maynard (1883-1946) - economista inglés e pioneiro da ma-
croeconom ia, estudou na Un iversidade de C amb ridge, onde mais tarde lecionou. Em
1911, foi redator do Economic Journal, tornando-se, alguns ano s depois, secretário
e redator da Sociedade Real de Econom ia. Em 1 91 9, foi o representante financeirodo Tesouro britânico na C onferéncia de P az em P aris. Em 1 94 4, foi o representante
inglés na Conferhncia de Bretton W oods, que deu origem ao Fundo Monetário Inter-nacional. Em 1 94 6, foi escolhido presidente daquela instituição. Autor de Treatise on
M o n e y (193 0) e T h e G e n e r a l T h e o r y o f Em p l o y m e n t , In te r e s t a n d M o n e y (1936), seu
livro mais importante.
148
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 145/156
Kropotkin, PiotrMekseievitch 1842-1921) - aristocrata anarquista russo.
L arbaud, Valery (1881-1957) - rornancista e critico frances, autor de F e r m i n aMarquez (19 11 ) , Enfantines (191 8) e Amants, he ureux amants (19 23 ), entre outras obras.
Lassalle, Ferdinand 1825-1864) - importante figura do movirnento operário ale-mao na segunda m etade do século XIX , foi urn "jovem hegeliano" e autor de textos
populates entre os trabaihad ores de seu pals. Em 1 8 6 3 , ajudou a orga nizar o prirneiropartido socialista alemão e m anteve durante muito tempo contato corn Marx e Eng els,
que nao concordavam corn suas idéias e táticas. Os dois teóricos consideravam L assalle
urna figura vaidosa, corn urn estilo de vida desregrado e urn discurso dernag ogico.
L assalle retirou seu apoio aos liberais, negoc iou corn Bismarck , tentando conse guir
P ara a classe op erária o sufragio universal, urn Estado mais dem ocrático e transformar
o Estado em urna entidade que prornovesse de fato as rnudancas sociais, fornecendocrédito a s cooperativas de trabaihadores, que aos poucos construiriarn a base do socia-lisrno. Perdeu a vida nu rn duelo.
Lincoln, Abraham 1809-1865) - urn dos principais lIderes politicos dos estados
do Norte na G uerra Civil none-americana, foi presidente dos Estados U nidos de 1861a 1865.
L loyd George, David (1863-1945) - politico e advogad o britânico, rnernbro do
P artido L iberal. Eleito Para o P arlarnento em 1890, ficou conhecido por seu radicalis-rno e antiirnperialisrno. Em 1 9 0 5 , foi nomeado presidente da junta de Com ércio e, em1 9 0 8 , tornou-se rninistro das Finanças, durante o governo de Herbert A squith. Em1 9 1 5 , foi nomeado rninistro das M uniçoes e, em 1 9 1 6 , oc up ou o posto de rninistro daGuerra. Em dezembro desse ano, tornou-se prirneiro-rninistro, liderando a Inglaterra
ate o final da P rimeira Guerra Mu ndial. Depois do conflito, foi o principal delegado
britânico na Conferéncia de Pa ris que elaborou o Tratado de V ersalhes. Renuncioucorno primeiro-ministro em 1 9 2 2 . Publicou War Memoirs, entre 1 9 3 3 e 1 9 3 6 , e The
Truth about the Peace Treaties, em 1 9 3 8 , entre outras obras. Foi convidado por Churchillpara fazer pane do G abinete de G uerra em 1 9 4 0 , ma s recusou. Recebeu o titulo deconde L loyd George of Dwyfor no final da vida.
L udendorff, Erich (1865-1937) - irnportante general alemão durante a P rimeiraGuerra M undial.
Mac Orlan, Pierre ( 1 8 8 2 - 1 9 7 0 ) - escritor frances, eleito mernbro da A cadem iaGoncourt em 1 9 5 0 . Autor de romances de aventuras corno A b a n d e i r a , V e r d un e
Montmartre , entre outros.
Maiakovski, Vladimir Vladimirovitch ( 1 89 3 - 1 9 3 0 ) - nascido em B agdadi, Georgia,foi urn dos ma is importantes poetas do inicio da revolucao russa. Foi preso diversas
149
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 146/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 147/156
mais tarde, editor do jornal La Lot ta d i Classe , influenciado pelas idéias rnarxistas,
assim como por pensadores corno Nietzsche, Auguste Blanqui e Georges Sore . Em
1 9 1 0 , ocupou o cargo de secretário local do Partido Socialista em Forli. Inicialmente
defensor de idéias pacifistas, foi preso por fazer p ropaganda q uando a Itália declarou
guerra a Turquia. Foi contra a participacáo da Itália na P rimeira G uerra Mundial. Emnovembro de 1 9 1 4 , fundou urn novo jornal, IlPopolo d'Jtalia, e o grupo Fasci d'Azione
Rivoluzionaria, e, em m arco de 1 9 1 9 , os Fasci de Combattimento. Subiu ao poder em
1 9 2 2 , reorganizou o pals através de propag anda, novas leis, centralizaçao do poder,
absorçao de sindicatos pelo governo, vigilancia e perseguicao aos opositores do regime,
controle da indüstria e de gastos em obras ptlblicas e agressóes m ilitates. Aliou-se a
Alem anha nazista durante a Segunda G uerra Mundial. Foi executado em ab ril de 1 9 4 5 .
Nansen, Fridtjof ( 1 8 6 1 - 1 9 3 0 ) - explorador, oceanografo e estadista noruegués.Seus relates de muitas expediçaes no A rtico e no Atlântico Norte são consideradosclássicos da literatura norueguesa. Em 1888, organizou uma expedicão de seis hornens
para cruzar a G roenlândia, onde estudou a cultura esquimó. Em 1 8 9 3 , realizou estu-
dos sobre a corrente polar perto da Siberia, através do oceano Artico, ate chegar
a mais longlnqua latitude já atingida ate então pelo hornem. Durante a P rimeira Guer-
ra Mundial, concentrou-se em atividades hum anitárias e diplomá ticas. Foi o ganh ador
do P rérnio Nobel da P az em 1 9 2 2 . Autor de V i d a d e e sq uim o ( 1 8 9 1 ) , M a i s a o for te
( 1 89 7 ) e B r um a s d o fo r te ( 1 9 1 1 ) , uma análise crItica das exp loracoes a s regióes donorte do planeta ao longo dos séculos.
N itti, Francesco (1868-1953) - politico liberal italiano, foi urn dos respon sáveis
por tirar a Itália de um a grave crise econôrnica depois da P rirneira Guerra M undial.
Obregón, Alvaro (1880-1928) - politico e lIder militar rnexicano. Na sceu perto
de Los Alamos, estado de Sonora. Quando jovern trabalhou corno barbeiro, pintor,
professor, vendedor e produtor de garbanzo. Entrou na politica em 1 9 1 0 , no inicio da
revoluçao. Em 1 9 1 1 , foi eleito prefeito de Huatabarnpo. A poiou o presidente Francis-co Madero e enfrentou urn levante armado dirigido por P ascual Orozco. A pds o assas-
sinato de Madero, f 'icou do lado de V enustiano Carranza na luta contra Adolfo de la
Huerta. Num combate contra Pancho Villa, em 1 9 1 5 , perdeu o braco direito. Foi
nomeado ministro da Guerra em 1 9 1 6 , cargo que ma nteve ate 1 9 1 7 . L utou contraCa rranza, que foi assassinado alguns anos mais tarde. Tornou-se presidente em 1 9 2 0 e
iniciou diversas reformas trabalhistas, agrárias e educa cionais. Incentivou investirnen-
tos estrangeiros e empresas privadas nacionais. Distribuiu quase dez vezes m ais tetras
aos carnponeses que C arranza. Nom eou o escritor e fildsofo José Vasconcelos com oministro da Educação e revolucionou o sistema de p ublicacoes, a pintura muralista e as
artes em geral no pals. Obregon teve de com bater uma revolta liderada por Adolfo de
la Huerta durante seu g overno e saiu vitorioso principalmente pelo ap oio que recebeu
1 5 1
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 148/156
dos trabalhadores urbanos e camponeses. Durante o governo de P lutarco Elias Ca lles
não atuou ativame nte na polItica. Em 1 9 2 8 foi eleito novamente presidente, mas foi
assassinado p or urn fanático religioso antes de tomar pos se no cargo.
Ortega y G asset, José (1883-1955) - nascido em Madri, estudou na Universidadede M adri e na Alema nha, onde foi influenciado pela escola filosófIca neokantista.
A cabou s e afastando dessa influncia posteriormente. Eritre 1 9 3 6 e 1 9 4 5 , viveu em
outros paises da Europa e na A rgentina, voltando a Espanha depois da Segunda Guer-
ra Mundial. Em 1 9 4 8 , fundou o Instituto de Humanidades em Madri. Sens livros
mais conhecidos são Addn en elparaIso (1910), Meditaciones de Quijote (1914), El
te m a d e n u e s tr o ti e m p o ( 1 9 2 3 ) , Es p a i i a in v e r te b r a d a ( 1 9 2 2 ) e L a r e b e li ón d e 1 a 5 m a s a s
1929), entre outros.
Palacios, Alfredo (1880-1965) - politico e escritor argentino, autor de Lafatigay
sus proyecciones s ociales , El nuevo d erecho e Estadistas y poetas, entre outras obras.
P ershing, John Joseph (1860-1948) - general norte-americano que lutou contra
os indios apaches, participando também da guerra hispano-americana. Foi a responsá-
ye1 pelas tropas que perseguirarn Pancho Villa no Mexico, scm sucesso. Foi o lider das
tropas dos Estados Unidos na P rimeira Guerra Mundial.
P hilippe, C harles-L ouis (1874-1909) - romancista frances que se preocupava em
retratar Os sofrimentos dos pobres. Autor de B u b u d e M o n tp a r n a s s e ( 1 9 0 1 ) e Le P è r e
Perdrix 1902), entre outros.
P irandello, Luigi ( 1 8 6 7 - 1 9 3 6 ) - dramaturgo, contista, poeta e roman cista italiano,
e s c r e v e u M a l g io c on d o ( 1 8 8 9 ) , Am o r i s e n z a a m o r e ( 1 8 9 4 ) , L ' e s c lu s a ( 1 9 0 1 ) e II turno
1902). Com ecou a fazer sucesso corn seu livro Ilfu Mattia Pascal (1904), seguido de
outras obras, com a U no, nes suno e cent omila e L'umorismo. Em 1 8 9 8 havia estreado
como dram aturgo corn L'epilogo, e voltou a escrever pecas a partir de 1 9 1 0 , corn La
morsa. Sua peca rnais farnosa é Seipersonaggi in cerca d 'autore (1921) . Escreveu tambérnT h t to p e r b e n e ( 1 9 2 0 ), V e s t ir e g li i gn u d i ( 1 9 2 3 ) e Que sta sera s i recita a soggetto (19 30).
P latão - nasceu em A renas, cerca de 4 2 8 a. C., e viveu ate cerca de 347 a. C. Filho
de urna proerninente familia ateniense, após a execução d e Socrates refugiou-se em
Meg ara. Passou alguns anos viajando por G récia, Egito e peninsula itálica. Em torno
de 387 a. C., fundou a Aca demia de Arenas, corn o intuito de construir urn instituto
que pudes se desenvolver urn trabaiho sisternático de estudos fllosóficos e cientIflcos.
M ais tarde, foi tutor de DionIsio II, voltando em seguida para a A cadem ia. Escreveu
textas clássicos, como Euthy nphr o, Apologia , Cr i to , Phae d o, Cr aty lus , T he ae the tus , So-
f ista, Simp ósio, A rep iiblica, entre outras obras.
P once, Anibal (1890-1938) - escritor rnarxista argentina, foi urn dos editores da
152
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 149/156
R e v i s t a d e F i lo s o fl a e fundador da revista Dialéctica. Publicou Eclucación y lucha de
clases , Ambi ción y angustia de los adolescentes , De Erasmo a Romain Rollande Sarmiento,
entre outras obras.
P reobrajensky, Evgeny Alexeyevich (18 86-1 93 7) - entrou P ara o Partido SocialDem ocrata Russo aos dezessete anos, sendo eleito em 1 92 0 com o mem bro perma-
nente do Cornité Central. De 1 92 3 a 1 92 7, foi urn dos principais teóricos econômicos
do particle, defendendo maior énfase na industrializacao e associando vs proble-
mas econôrnicos do pals a burocratizaçao do partido na época de Stalin. Mais tarde,
tentou uma reconc iliacao corn o ditador. Foi expulso e readm itido no p artido, expulso
novamente em 1931, readmitido em 1932 e depois preso em 1935 e executado
em 1937 .
P révost, Marcel (1 862 -19 41 ) - romancista frances, foi engenheiro civil, cargo aque renunciou após faz er sucesso corn seus dois primeiros livros, Le s corpion ( 1887) e
C honchet t e (1 88 8) . Foi eleito para aAcadémie Française em 19 09 e teve muitas de suas
histórias adaptadas para o teatro. Foi autor de mais de cinqüenta livros.
P roust, Marcel (187 1-1 92 2) - romancista frances, estudou no Lycée C ondorcet e
na École de Sciences Poliriques. Escreveu Lesplais irs et les fours e A la r ech er ch e d u t emps
p e r d u , sua obra m ais importante.
Ram ónyC ajal, Santiago (18 52 -19 34 )— escritor e medico espanhol, ganhador doPrérnio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1906. Autor de E lem ent os d e hi s t ologia
normaly de técnica micrografica, entre outras obras.
Reed, John (188 7-19 20) - nascido em P ortland, Oregon, formou-se em jornalis-
mo na U niversidade de Harvard e em 19 11 foi viver em Nova Y ork, onde escreveu
Para diversas publicacoes. Esteve como jornalista no Mexico, na Europa ocidental, na
Europa oriental e na Rdssia durante a Primeira Guerra Mundial. Presenciou os even-
tos da revolucao russa e se tornou amigo de revolucionários corno Lenin e Trotsky. Foiurn dos fundadores do P artido Com unista Operário e mem bro do Com ité Executivo
da Terceira Internacional. Autor de vários livros importantes, com o Mex ico reb elde
( 1914) e Os de z clias q ue abalar am o inundo (1919), entre outros.
Rivière, Jacques (1886-1925) - escritor, crItico e editor frances. Urn dos fundado-
res da N o u v e lle R e v u e F r a n ç a is e e seu editor de 19 19 a 19 25 . Autor de Etudes (1912) e
Aimée (1 92 2) , entre outras obras.
Ruskin, John (1 81 9-1 90 0) - escritor e crItico inglés, defensor do renascimento domov imento gótico na arquitetura e nas artes decorativas na Inglaterra. Estudou em
Christ Church, Oxford, onde se formou em 18 42 . Ganhador do Prémio New digatede poesia em 18 39 . 0 primeiro volume do livro The s tones of Venice foi publicado em
153
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 150/156
1 8 5 1 . Den aulas na U niversidade de Oxford, a partir de 1 8 6 9 , ate se dernitir em 1 8 7 9 .
E autor da autobiografia Praeteri ta, entre outras obras.
Shaw, George Bernard ( 1 8 5 6 - 1 9 5 0 ) - dramaturgo, critico literário e propagan-
dista socialista irlandks. Ganhou o P rkrnio Nobel de L iteratura em 1 9 2 5 . Durante adécada de 1880, Shaw tentou, sem sucesso, seguir uma carreira literária em L ondres,
mas suas obras nao tinham kxito. Nesse perIodo, tornou-se urn orador püblico polemista
e aderiu ao socialismo. Foi tamb ém influente dentro da Sociedade Fabiana. Corneçou
a fazer sucesso principalmente a partir do final dos anos 1 8 9 0 , quando colaborou no
The Saturday Re view come, crItico teatral. Escreveu m uitas pecas, corno A rms a n d th e
M an (189 8) , Candid a (1898) , The M an ofDe st iny(1898) , You N ev er Can Tell (189 8) ,
Three Plays for Puritans (19 01), The De vil 's Disciple (19 01), Caesar and Cleopatra (19 01),
Captain Brassbound's Conve rs ion (19 01) , Man and Superman (19 03) , John Bull 's O therIs land (19 07) , Major Barbara (1907 ) , The Doctor 's Di lemma (19 11 ) , Pygmalion (19 14 ) ,
Androcles and the Lion (19 16) , Heartbreak House (19 19 ) , Back to M ethuse lah (192 1) e
Saint Joan (19 24 ) , entre outras.
Sorel, Georges ( 1 8 4 7 - 1 9 2 2 ) - nascido em Cherbou rg (Franca), estudou na École
Polytechnique em Paris e ate os 4 5 anos de idade trabalhou com o engenheiro. Come-
çou a escrever em 1 8 8 6 e sk começ ou a se dedicar ao marxismo a partir de 1 89 3 . F o i o
responsável por um a reformulaçao e reinterpretacáo original do marxismo, colocandoknfase em a spectos morais da doutrina. Pa ra ele, os temas funda mentais do rnarxisrno
deveriam set vistos com o "m itos", imagens que inspirassem a classe trabalhadora a
agir. 0 mito mais imp ortante seria a greve g eral. Seria pela ação e pela v iolkncia que os
trabaihadores simultaneamente desenvolveriam um a ética de grandeza, destruiriam a
burguesia e construiriam as fundaçOes morais do socialismo. Era a favor do sindicalismo.
Autor de R eflexoes s obre a viollncia (19 06), entre outras obras.
Spengler, Oswald (1880-1936) - filósofo alemâo, autor de A de cadéncia do Oci-
dente , seu livro mais conhecido.
Sun Yat Sen (1866-1925) - lider revolucionário chinks, de origem camponesa,
nasceu na vila de C uiheng, atualmente localizada na cidade de N anlang, na provIncia
de Guangdong, no sul do pals. Quando criança, estudou em sua cidade natal e no
inlcio da adolesckncia foi viver corn o irmão m ais veiho em H onolulu, no Haval, onde
estudou na lolani Sch ool, entre 1 8 7 9 e 1882, e no Diocesan Boys' School, em 1883.
De 1 8 8 4 a 1886 cursou o Queen's College em Hong K ong. Obteve urna licença P ara
trabalhar como m edico pela H ong K ong C ollege of M edicine em 1 8 9 2 . F o i influen-ciado pelos missionários cristãos norte-americanos no H aval, assim com o pelas idéias
de Alexander Hamilton, Abraham L incoln, Karl M arx e Henry G eorge. Em outubro
de 1 8 9 4 , fundou a Sociedade Xing Zhong e, urn ano mais tarde, após urna fracassada
154
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 151/156
tentativa de golpe em seu p als, exilou-se na Europa, Estados Unidos, Ca nada e Japao
pelos dezesseis anos seguintes, levantando dinheiro para a luta revolucionária. Retortion
a China em 1 9 1 1 e, em 1 9 1 2 , foi ecolhido como o primeiro presidente provisório do
pals. Foi urn dos fundadores do Ku omintang. Foi para o Japao em 1 9 1 3 e voltou a
China em 1 9 1 7 . Em 1 9 2 1 foi eleito presidente do autoproclamado governo nacionalem Guangzhou, sul do pals. Criou a Academia Militar de Whampoa. A partir de
1 9 2 4 , trabalhou em estreita colaboracao corn os cornunistas chineses e aceitou o apoio
da Uniáo Soviética para reorganizar o Kuomintang, seu partido politico. Foi autor de
o problem a vital cia China, 0 clese nvolvirnento internacional cia China, M ernó rias c/c urn
revoluciondrio chin/s e F undam entos d a reconstruçáo nacional , entre outros textos.
Tagore, Rabindranath (1861-1941) - poeta e mlstico indiano, ganhad or do P ré-
mio N obel de L iteratura de 1 9 1 3 , era fliho de urn maharishi (lider espiritual) e autorde diversos livros imp ortantes, corno Manasi (1890), Sonar tan (0 barco dourado)(1893), Citra (1896), Kalpana (Sonhos) (1900) e K s an ika (19 0 0 ) , entre outros. A
partir de 1 9 0 1 , foi administrar as propriedades de seu pai em Shilaidah e Saiyadpur,
onde viveu em contato corn o pov o hurnilde do campo. Era considerado urn grande
poeta. Tamb ém era comp ositor e sua canção, "Our G olden Benghal" , se tornou poste-
riormente o Hino N acional de Bangladesh. Muitos achavam que ele era urn dos maio-
res pintores indianos de seu tempo.
Tardieu, André 1876-1945) - escritor, jornalista e politico frances, presidente doConselho de M inistros da Franca, foi um grande partidário de Clemenceau. A utor de
A paz e A hora cia decisáo, entre outras obras.
Tchitcherin, Georgi Vassilievitch ( 1 8 7 2 - 1 9 3 6 ) - diplornata sov iético, foi cornis-
sário do povo dos Negoc ios Estrangeiros entre 1 9 1 8 e 1 9 3 0 e chefe da delegacao so-
viética nas conferéncias internacionais de Gén ova e de L ausanne. Urna das p rincipaisfiguras do gov erno soviético.
Tilgher, Adriano (1887-1941) - filósofo e critico italiano, defensor de P irandelloe autor de Relativismo conternporáneo, entre outras obras.
Tolstói, Leo ( 1 8 2 8 - 1 9 1 0 ) - estudou na Universidade de K azan, abandonando ainstituiçao para it viver em sua casa em Y asnaya P olyana. Entrou no exército em 1 8 5 2e em 1 8 5 7 viajou para Franca, Sulça e Alemanha. Q uando voltou de suas viagens,fundou uma escola para crianças em Yasnaya. C asou-se em 1862. Ap esar de ter umaorigem nob re e set dono de tetras, tinha urna vida sim ples e ascética. Era pacifista.Ficou ma is conhecido com o escritor e publicou contos e romance s importantes. Foi
autor de clássicos da literatura universal, como O s cossacos (1863) , Guerra e paz (1865-186 9 ) , A n n a K aren in a (1875 - 1877) e conftssao (1884), entre outras obras.
Torre, Guillermo de la (1900-1971) - critico Iiterário e ensaista esp anho l, autor
1 5 5
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 152/156
de M anifes to u ltrais ta ve r t ical , Li teraturas e urope as d e v anguard ia , Valoración l it erar ia
de l existencial ismo e Pr oblemd t ica d e Ia l it er atura , entre outras obras.
Trotsky, Leon (18 79 -19 40) - pseudlrnimo de Lyov Davidovich Bronstein, nascido
na Ucrânia, membro do Partido Operário Socialdemocrata Russo, inicialmente urnmenchevique e mais tarde boichevique, importante lider da Revoluçao de O utubro,
Cornissário do Povo p ara RelacOes Internacionais em 19 18 , Comissário do P ovo para
Assuntos Militates e Navais entre 1918 e 1925, fundador do Exército Verrnelho e
teórico marxista. Enquanto Stalin defendia a idéia do "socialismo em urn so pals",
Trotsky era favorável a teoria da " revoluçao perma nente". Fez duras criticas a burocra-
cia soviética e a forma com o aTerceira Internacional estava se desenv olvendo. Durante
a disputa pelo poder, foi expulso da RO ssia cm 1 92 9 por Stalin. Fundador da QuartaInternacional. Foi assassinado no exllio, no M exico, por urn agente stalinista. E autor
de vários trabaihos, como, a História do revoluçao russa , A rev oluçáo tra Ida e rev oluçdo
p e r m a n e n t e , entre outros.
Turati, Filippo (1857-1932) - socialista reformista, fundador e colaborador da
Critica Sociale e urn dos fundadq res do P artido Socialista Italiano. Durante o regime
fascista, foi para a Franca, onde se exilou.
Valery; P aul (18 71 -19 45 ) - poeta, ensaIsta e crItico frances, estudou direito emMo ntpellier. Foi eleito para aAc adémie Française em 1 92 5; foi diretor adrninistrativo
do Centre Universitaire Méditerranéen em Nice, em 1933; foi professor de poesia,cadeira criada especialrnente para ele no College de France, em 1 93 7. Escreveu La
jeuneparque (1 91 7), entre outras obras.
Vandervelde, Emile (1 866 -) 19 38 ) - socialista belga, membro do Comitê Executi-
vo da Internaciona l Socialista, foi rninistro de Estado e representante da B élgica na
Conferéncia de P az de 19 25 . Foi autor de A q ues tao agr d r ia na Belgica , entre outras
obras.
Vasconcelos, José (1882-1959) —politico, ensaIsta e fllósofo rnexicano, formou-se em direito em 1907. Norneado rninistro da Educaçao, exerceu a funçao entre
19 20 e 1 92 4, quando realizou enorrnes reformas no sisterna de ensino do pals. Em
19 29 , foi candidato a P residéncia do M exico, sem sucesso. Foi autor de La ra za cósmi-
ca (1925), IndologIa (1929) , Bolivarism oy monroIsmo (193 4) e ThdologIa (19 52 ), entre
outras obras.
W ashington, George (173 2-17 99 ) - nascido na Virginia (EUA), foi o comandan-
te-em-chefe das forças c ontinentais e um dos principais llderes da Guerra de Indepen-
dência, obrigando o general Cornawallis a se render em Yorktown, em 1 78 1. Foi tarnbém
urn rico dono de tetras e empreendedor. Em 1 78 9, tornou-se o prirneiro presidente
dos Estados Unidos.
156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 153/156
W ells, Herbert George ou 'Wells, H. G. (1866-1946) - romancista, jornalista,sociólogo e historiador inglés. Formado pela N ormal Sch ool of Science, de L ondres,suas principais obras são: The Time M a c h in e ( 1 8 9 5 ) , T h e I n v i s ib le M a n ( 1 8 9 7 ) e The
War of the Worlds (1898). Era membro da Sociedade Fabiana. Escreveu também
Anticipations (19 01) , The N ew M achiave l li (19 11 ) , Mr. Brit ling See s i t Through (19 16)e M ind at the End of i ts Tether (19 45 ) , entre outras obras.
Wilson, Thomas W oodrow 1856-1924) - foi o 2 8 presidente dos Estados U ni-dos, entre 1 9 1 3 e 1 9 2 1 . Criado no estado da G eorgia, estudou no Da vidson College,
no Tennessee, completando seus estudos em P rinceton. Trabalhou como advog ado e
conseguiu seu PhD em Ciência PolItica pela Johns Hopkins. Lecionou nas universida-des Bryn Maw r, Johns Hopkins e P rinceton. Em 1 9 0 2 , tornou-se reitor de Princeton.
Em 1 9 1 0 ganhou as eleiçoes para governador de N ova Jersey. Foi eleito presidente em1 9 1 2 e ficou no poder de 1 9 1 3 a 1 9 2 1 . Criou a C omissão de R elacoes Industriais, o
Federal Reserve System e a Comissáo Federal de Comércio. Também apoiou a inter-
venção de tropas de seu pals no M exico, durante o perlodo revolucionário. Ficou fa-
moso inicialmente por sua posicão isolacionista na P rimeira Guerra M undial e, depois,
por seus Quatorze Pontos, elaborados para criar as condicoes de uma "P az justa" de-
pois da guerra. Teve de desistir de vários "pontos" ap ós a C onferéncia de P aris, da qualparticipou.
Zinoviev, Gr igori Ieseievitch 1883-1936) - entrou Para o movimento da
socialdemocracia russa em 1 9 0 1 e depois do II Congresso do POSDR Se tornou
boichevique. Importante lIder da Revoluçao de O utubro. Em 1 9 2 5 , ajudou a organi-zar a "nova oposicão". Em 1 9 3 4 foi expulso do partido e, em 1 9 3 6 , foi assassinado porordens de Stalin, assim com o muitos outros lIderes da revolução.
Zola, Emile-Edouard Charles-Antoine (1840-1902) - romancista e crItico fran-cs, um dos fundadores do m ovime nto naturalista na literatura. C om o não consegu iupassar em seu exame no
baccalauréat, passou dois anos procurando em prego, ate co-meçar a trabalhar num cargo burocrático numa em presa de transporte marltimo. Em1 8 6 2 , conseguiu emprego no departamento de vendas da editora de L ouis Ch ristopheFrançois Hach ette. Seu primeiro livro foi Contes a Ninon, de 1 8 6 4 , que foi seguido porLa confession de Claude , de 1865. Foi autor de livros famosos, com o Thérèse R aquin
(1867) , La fortune des Rougon (1871) , L'assommoir (1877), Nana (1880), Germinal
(1885) , L 'ouvre (1886) e La bête humaine (1890) . Teve um a participacão ativa no casoDreyfus, escrevendoJ'accuse, uma carta denunciando o aparato militar frances. Nunca
foi eleito P ara a A cademic Française, mesmo tendo sido indicado diversas vezes pa ra setornar um de seus mem bros.
1 5 7
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 154/156
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 155/156
Es I A 011105 FOl COMIOSTA EM
AGARAMONO, CORI O I I
IITULOS FM T10AJAN C IMPRESSA
NA CRAFICA BARTIRA EM PAPEL
I OLEN SOFT 80 G/M I ARA
A BOIIEMIO EDITORIAL EM
MARcO DE 2005, COO TIIFAGEM
DC 2.000 EXEMI LARFS.
8/13/2019 MARIÁTEGUI, José C. - Dos sonhos às coisas
http://slidepdf.com/reader/full/mariategui-jose-c-dos-sonhos-as-coisas 156/156