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113 José Carlos Mariátegui e o México LUIZ BERNARDO PERICÁS Tanto a Revolução Mexicana como a Russa exerceram considerável influência sobre José Carlos Mariátegui, ainda que a segunda certa- mente tenha causado maior impacto no jovem jornalista peruano e em toda a sua geração. Basta ver a quantidade de artigos que ele escreveu acerca de cada uma delas. Sobre a Rússia, Mariátegui produziu mais de cinquenta textos, seja exclusivamente sobre fatos ou personalida- des ligados diretamente à Revolução de Outubro, seja sobre aquele país, ainda que de maneira marginal. Já sobre a nação ao sul do Rio Grande, publicou em torno de uma quinzena. Não custa recordar que, em 1917, Mariátegui tinha 23 anos e já era periodista conhecido em Lima. Embora não estivesse maduro politicamente, aproximava-se pouco a pouco do movimento ope- rário, conhecia bem os meandros dos debates parlamentares locais e reunia-se ocasionalmente com amigos para estudar, mesmo que ainda de forma incipiente, autores anarquistas e socialistas. A organi- zação dos trabalhadores em sovietes e a mudança radical de classes no poder foram todos enormes atrativos para Mariátegui, que viria a aprofundar e depurar seus conhecimentos teóricos mais tarde, na Europa, onde conheceria melhor a realidade da URSS por meio de publicações italianas. Além disso, em 1910, ano do início da Revolução Mexicana, Ma- riátegui tinha apenas 16 anos e ainda não tinha nem sequer come- çado a escrever na imprensa limenha. Era praticamente um garoto. Naquele ano, o futuro autor de La escena contemporánea era apenas J O S É C A R L O S M A R I Á T E G U I E O M É X I C O L U I Z B E R N A R D O P E R I C Á S Margem 15 Final.indd 113 Margem 15 Final.indd 113 18/11/2010 19:08:45 18/11/2010 19:08:45

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José Carlos Mariátegui e o México

LUIZ BERNARDO PERICÁS

Tanto a Revolução Mexicana como a Russa exerceram considerável infl uência sobre José Carlos Mariátegui, ainda que a segunda certa-mente tenha causado maior impacto no jovem jornalista peruano e em toda a sua geração. Basta ver a quantidade de artigos que ele escreveu acerca de cada uma delas. Sobre a Rússia, Mariátegui produziu mais de cinquenta textos, seja exclusivamente sobre fatos ou personalida-des ligados diretamente à Revolução de Outubro, seja sobre aquele país, ainda que de maneira marginal. Já sobre a nação ao sul do Rio Grande, publicou em torno de uma quinzena.

Não custa recordar que, em 1917, Mariátegui tinha 23 anos e já era periodista conhecido em Lima. Embora não estivesse maduro politicamente, aproximava-se pouco a pouco do movimento ope-rário, conhecia bem os meandros dos debates parlamentares locais e reunia-se ocasionalmente com amigos para estudar, mesmo que ainda de forma incipiente, autores anarquistas e socialistas. A organi-zação dos trabalhadores em sovietes e a mudança radical de classes no poder foram todos enormes atrativos para Mariátegui, que viria a aprofundar e depurar seus conhecimentos teóricos mais tarde, na Europa, onde conheceria melhor a realidade da URSS por meio de publicações italianas.

Além disso, em 1910, ano do início da Revolução Mexicana, Ma-riátegui tinha apenas 16 anos e ainda não tinha nem sequer come-çado a escrever na imprensa limenha. Era praticamente um garoto. Naquele ano, o futuro autor de La escena contemporánea era apenas

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auxiliar de linotipista e corretor de provas do diário La Prensa. Nos anos seguintes trabalharia na redação do mesmo jornal como classi-fi cador de telegramas noticiosos e ajudante de redação. Só em 1914 começaria a escrever de maneira regular sob pseudônimos (Juan Croniquer, o mais conhecido, seria defi nitivamente abandonado em 1918) sobre temas tão variados como colunismo social, corridas de cavalos e crônicas policiais.

Contudo, ainda nessa fase, chegou a comentar rapidamente Vic-toriano Huerta e Pancho Villa em textos que, certamente, não eram dos mais sofi sticados1. Ainda não possuía nessa época o instrumental necessário para analisar de maneira mais profunda as raízes e os des-dobramentos dos acontecimentos revolucionários em terras astecas. É interessante notar aqui que Mariátegui mostraria um forte precon-ceito contra Villa, chegando a chamá-lo de “caudilho tosco, inculto, grosseiro e brutal”, “jaguar zambo” e “mulato vulgar e impávido”2. E ainda completaria:

Um dia desses, [Pancho Villa] terminará vulgarmente. Os ianques o caça-rão como a um búfalo selvagem. Os rotativos publicarão sua biografi a, em que se contarão todas as suas bizarrices, desonestidades, audácias e felonias; e um retrato seu, em que esteja galvanizado seu sorriso felino. E se pensará que Villa foi somente um africano transplantado em terras astecas, que, se não tivesse nascido nelas, provavelmente estaria coman-dando no Rife [Marrocos] uma expedição militar irregular de rebeldes berberes, bandoleira e cruel.3

Mesmo que tenha chegado a dar uma palestra sobre as origens da Revolução Mexicana e sua fase armada na Universidade Popular González Prada, em 1923, a produzir um artiguete em moldes similares com o título “México y la revolución”, publicado em Variedades, em janeiro de 1924, e a escrever um resumo pontual sobre o tema em 1929 com o título “Veinte cinco años de sucesos extranjeros”, a maioria de

1 Ver Genaro Carnero Checa, La acción escrita, José Carlos Mariátegui periodista (Lima, s. ed., 1964), p. 71. Ver também José Carlos Mariátegui, “La nostalgia de Huerta”, La Prensa, 20 abr. 1915, e em Sandro Mariátegui (org.), Mariátegui total (Lima, Empresa Editora Amauta, 1994), p. 2377-8; e José Carlos Mariátegui, “Glosario de las cosas cotidianas”, La Prensa, 17 mar. 1916, e em Sandro Mariátegui (org.), Mariátegui total, cit., p. 2431-3.2 Ver José Carlos Mariátegui, “Glosario de las cosas cotidianas”, em Sandro Mariátegui (org.), Mariátegui total, cit., p. 2433.3 Idem.

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seus opúsculos tratará dos anos posteriores, de Obregón, de Calles, de Portes Gil e da Crom (Confederación Regional Obrera Mexicana), assim como de artistas e livros daquele país4. Em boa medida, seus textos sobre o tema são esquemáticos, apresentando o assunto em termos gerais e deixando de lado muitas informações e detalhes im-portantes, apesar de em certos momentos ter discutido, por certo com mais sofi sticação, o caráter político da revolução.

Mariátegui nunca esteve pessoalmente no México (apesar de alu-sões de que talvez tivesse ido até lá para participar de um ciclo de conferências, o que não ocorreu)5 e por isso tinha de contar com as narrativas e descrições da situação política da terra de Emiliano Zapa-ta e Pancho Villa feitas por amigos que viviam no país, assim como consultar a bibliografi a básica sobre o tema. Não há indícios, contu-do, de que tenha lido o clássico de John Reed, México insurgente 6, obra de fácil acesso, certamente7. Ao que tudo indica, Os dez dias que abalaram o mundo 8 era o único livro que conhecia do autor9. De qualquer forma, porém, leria os relatos de Luis Araquistain e de Esteban Pavletich, e um estudo de Froylán Manjarrez, publicado na revista Crisol. Importantes também para que pudesse conhecer melhor a questão mexicana foram os artigos de diversos autores publicados na Amauta, como os de Martín Luis Guzmán, Angela Ramos e Martí Casanovas, entre outros.

O primeiro ponto a se notar nos escritos de Mariátegui sobre o assunto são os “silêncios”, as “ausências”. Em etapa madura, pratica-mente deixará de lado, sem lhes dar a devida atenção ou protagonis-mo, personagens centrais como Zapata e Villa, por exemplo, embora haja quem diga que “indiscutivelmente na história do México, seja

4 Ver idem, “La revolución mexicana: conferencia de José Carlos Mariátegui”, em Historia de la crisis mundial (Lima, Empresa Editora Amauta, 1986), p. 166-7; e “Mexico y la revolución”, em Temas de nuestra América (Lima, Empresa Editora Amauta, 1985), p. 39-43.5 Ver Jorge del Prado, En los años cumbres de Mariátegui (Lima, Unidad, 1983), p. 71-2. 6 John Reed, Insurgent Mexico (Nova York, D. Appleton, 1914). [Ed. bras.: México insurgente, São Paulo, Boitempo, 2010.]7 Informação de Harry Vanden e de Antonio Melis, correspondência com Luiz Bernardo Pericás, dez. 2009.8 John Reed, Ten days that shook the world (Nova York, Boni and Liveright, 1919). [Ed. bras.: Os dez dias que abalaram o mundo, 2. ed., Porto Alegre, L&PM, 2005.]9 Mariátegui chegou a mencionar Reed e seu livro Os dez dias que abalaram o mundo em um de seus artigos, e Ricardo Martinez de la Torre fez uma resenha dele: “Cómo tomaron el poder los bolcheviques”, Labor, n. 1, 10 nov. 1928, p. 6.

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na etapa anterior à Conquista, durante a Colônia ou, mais tarde, da Independência aos nossos dias, não houve nome de mexicano mais conhecido internacionalmente que o de Pancho Villa”10. O “Centauro do Norte”, o “Átila do Sul” e outros “heróis” populares serão citados de forma esporádica, seus nomes praticamente salpicados, quando muito, nos breves artigos que produziu sobre aqueles episódios. Isso é ainda mais surpreendente quando se sabe que o autor dos Sete ensaios se interessava muito por personalidades históricas de relevo. Uma grande quantidade de seus escritos foca especifi camente a vida e a obra de indivíduos que, para ele, teriam dado alguma contribuição signifi cativa a seus países ou áreas de atuação. Serão dezenas de artigos desse gênero, em que o caráter biográfi co é claramente acentuado. Contudo, ao falar da nação ao sul do Rio Grande, os personagens que escolherá não serão os revolucionários mais emblemáticos ou os rebeldes camponeses, mas homens como Obregón, Portes Gil e Calles – algo a se notar.

Mesmo o Partido Comunista Mexicano (PCM), um dos mais an-tigos e importantes do continente, será praticamente negligenciado em seus textos, aparecendo apenas esporadicamente11. Não houve

10 Talvez seja exagero, mas, sem dúvida, um personagem como o “Napoleão Bandido” (como foi chamado por William Randolph Hearst), não podia ser ignorado. Mesmo na Rússia soviética foi representada uma peça teatral intitulada A revolução de Pancho Villa. O poeta Evtushenko dedicou um poema a ele, “O realizador da Revolução Mexicana e redentor dos desvalidos”. E Alperovitch e Rudenko produziram um romance chamado O Robin Hood mexicano. Ver Eugenio Toussant Aragon, Quién y como fue Pancho Villa (México, Universo, 1983), p. 12. Para mais informações sobre Pancho Villa, ver Luis Garfi as M., Verdad y leyenda de Pancho Villa (México, Panorama Editorial, 1983); Enrique Krauze, Francisco Villa, entre el ángel y el fi erro (México, Fondo de Cultura Económica, 1987); e Paco Ignacio Taibo II, Pancho Villa, una biografía narrativa (México, Planeta, 2006).11 Para mais informações sobre a formação do Partido Comunista Mexicano, ver Barry Carr, Marxism and Communism in twentieth-century Mexico, (Lincoln/ Londres, University of Nebraska Press, 1984). Desde sua fundação, em 1919, o partido passou por momentos importantes, como a publicação de distintos órgãos, como El comunista latinoamericano (1919), Vida Nueva (1920) e El Machete (1924); a criação da Federação Comunista do Proletariado do México e a Confe-rência Sindical Vermelha, da qual surgiu a Confederação Geral dos Trabalhadores; a expulsão do México do norte-americano Linn Gale; o Primeiro Congresso Ordinário do PCM; a expulsão de Bertram Wolfe do país (1925); o Congresso Constituinte da Liga Nacional Camponesa (1926); o fechamento, por ordens do presidente Portes Gil, dos escritórios do Comitê Central do PCM e da redação do El Machete (1929). Vale recordar que, em 25 de agosto de 1919, houve a inauguração do Congresso Nacional Socialista no México, que compreendia três tendências: a anarcossindicalista, representada por Vicente Ferrer Aldama, a reformista, com Francisco Cervantes López e Samuel O. Yúdico, e a comunista, com J. Allen, Eduardo Camacho e M. N. Roy. Em 4 de setembro foi fundado o Partido Nacional Socialista, que declarou, em seu primeiro congresso,

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nenhum trabalho exclusivo seu sobre o PCM nem sobre seus princi-pais dirigentes. Estava a par do movimento operário e dos partidos comunistas de outros países (como o italiano, o alemão e o russo, por exemplo), era admirador incondicional da Revolução de Outubro e acompanhava o desenvolvimento do Komintern, seria compreensível que quisesse elaborar algum escrito de fôlego sobre o PCM e quem sabe se comunicar com alguns de seus militantes. A falta de inter-câmbio epistolar com membros do alto escalão do partido demonstra a ausência de um contato direto entre ele e os líderes comunistas mexicanos. Paradoxalmente, porém, escreverá sobre a Crom em dois artigos conhecidos12.

Embora fosse grande defensor e admirador da União Soviética e de seus dirigentes, confessasse ser marxista “convicto e confesso” e tivesse fundado o Partido Socialista do Peru (que mais tarde se tornou o Partido Comunista do Peru), Mariátegui sempre foi mais ligado a indivíduos vinculados à cultura do que necessariamente com políticos; manteve boas relações com intelectuais e revistas (em grande medida, heterodoxas) sem ligação com Moscou e por vezes críticas ao stali-nismo. Foi assim com Samuel Glusberg, Waldo Frank, Tristán Maróf e

que “o socialismo signifi ca a possessão e a direção comunista de todos os meios de produção, distribuição e troca [...] [dos quais] se excluem todos os elementos burgueses e capitalistas da sociedade, e tende à abolição das classes, fi cando constituída a sociedade somente para os que trabalham [...]. A luta de classes tem de continuar e continuará até que o controle e o poder administrativos da sociedade estejam nas mãos dos trabalhadores”. No programa de ação, o partido defenderia “propagar a ideia da derrota do capitalismo por meio da conquista industrial do poder político, até chegar ao estabelecimento transitório da ditadura do proletariado [...]. O Partido Nacional Socialista nomeará três delegados e três suplentes à Terceira Internacional em Moscou [...]. A organização dos sindicatos deve ser a base da indústria, em vez de por ofícios”. Em 24 de novembro do mesmo ano, o partido muda de nome para Partido Comunista do México e ingressa na Terceira Internacional. Já no dia 29 de novembro de 1929, num informe ao Comitê Executivo da Internacional Comunista, endereçado à camarada A. Balabanova, secretária-geral do Komintern, J. Allen, secretário-geral do PCM, comunica que o órgão do PCM El Soviet torna-se o órgão ofi cial do bureau latino-americano e muda de nome para El comunista latinoamericano; em 15 de janeiro de 1920, começa a ser publicado Vida Nueva, órgão do Comitê Central do PCM; em 15 de março de 1924, David Alfaro Siqueiros, Xavier Guerrero e Diego Rivera fundam El Machete, futuro órgão do PCM; de 15 a 20 de novembro de 1926, ocorre o Congresso Constituinte da Liga Nacional Camponesa, na qual os comunistas desempenham um papel de destaque. Entre os membros do Comitê Executivo, fi guravam Luis Monzón, Ursulo Galván e Diego Rivera. Ver Gerardo Peláez, Partido Comunista Mexicano, 60 años de historia (Culiacán, Universidad Autônoma de Sinaloa, 1980), p. 14-35.12 José Carlos Mariátegui, “La lucha eleccionaria en Mexico” e “Portes Gil contra la Crom”, em Temas de nuestra América, cit., p. 52-59.

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tantos outros. Houve quem dissesse, talvez com algum exagero, que Mariátegui estaria se aproximando do trotskismo ou, pelo menos, era grande admirador do fundador do Exército Vermelho.

Interessante também é o destaque que dará ao pintor muralista Diego Rivera. Seu artigo sobre este, publicado em Variedades em fe-vereiro de 1928, é extremamente laudatório. Para Mariátegui, Diego, um “pintor genial”13, seria “talvez o espírito mais representativo da Revolução Mexicana”14, pois sua obra era “nutrida do sangue de uma grande revolução”15. Mas não escreve nenhum artigo sobre David Al-faro Siqueiros, pelo qual também tinha grande respeito. Este detalhe pode ser signifi cativo. Rivera, mais heterodoxo politicamente, se vincu-laria a André Breton16 (a quem Mariátegui admirava), se aproximaria do trotskismo e seria expulso do PCM pouco tempo depois17. Já Siqueiros (que mais tarde também seria defenestrado do partido, ainda que por motivo de “indisciplina”) era identifi cado com a ortodoxia stalinista18.

13 Idem, “La revolución mexicana, por Luis Araquistain”, Variedades, 11 set. 1929, e em Temas de nuestra América, cit., p. 94.14 Idem, “Itinerario de Diego Rivera”, em El artista y la época (Lima, Empresa Editora Amauta, 1987), p. 96. 15 Idem.16 Anos mais tarde, em 1938, Rivera e Breton divulgariam, juntos, na revista Clave, o manifesto “Por una arte revolucionaria independiente”, dois meses após a chegada do surrealista ao México.17 De acordo com Margaret Hooks, “embora o governo de Portes Gil, cada vez mais encurralado com a proximidade das eleições gerais, ameaçasse deportar todos os comunistas estrangeiros, o partido enfrentou problemas ainda mais graves em agosto. A conferência plenária, realizada em julho, fora tomada de ‘direitistas’ supostamente íntimos demais do governo ‘burguês’ e de trotskistas. Ione Robinson observou que Joseph Freeman e seus amigos comunistas estrangeiros se tornaram ‘terrivelmente críticos em relação a Diego’. Havia sinais também de que Tina [Modotti] se irritava cada vez mais com o radicalismo irônico de seu amigo de longa data. Mesmo assim, quando ele e Frida se casaram em fi ns de agosto, Tina emprestou-lhes sua cobertura para a festa. Num estilo tipicamente extravagante, Diego teria puxado sua pistola durante a festa, querendo atirar no fonógrafo, só desistindo depois que Tina lhe disse que o aparelho fora emprestado por outro amigo”. E completa: “Menos de um mês depois, Diego foi expulso do Partido. Parece que Joseph Freeman se vangloriava de ter presidido a expulsão. Vittorio Vidali também colaborou. Mais tarde, alardeou ter sido ‘um dos que, junto com todo o CC do PC, fi zeram tudo o que era necessário para expurgar o partido desses agents provocateurs’. As simpatias trotskistas de Diego já eram famosas. Ele tinha retratos do líder revolucionário nas paredes de sua casa e, poucas semanas após sua expulsão, anunciou publicamente seu apoio a ele” (Margaret Hooks, Tina Modotti, fotógrafa e revolucionária, Rio de Janeiro, José Olympio, 1997, p. 205).18 Na realidade, Siqueiros foi expulso do partido supostamente por sua relação amorosa com Blanca Luz Brum. O Comitê Central do PCM teria dito a Siqueiros que “a amizade de Blanca Luz Brum com os sandinistas, em estreita amizade atual com o governo do México que nos persegue,

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Também merece atenção o fato de Siqueiros nunca ter colaborado com a Amauta, embora, de um lado, tivesse forte militância sindical e escrevesse constantemente sobre arte e política e, de outro, vivesse com a uruguaia Blanca Luz Brum, amiga íntima de Mariátegui e assídua colaboradora da revista editada pelo peruano. Em carta, Luz Brum, que se correspondia com frequência com Mariátegui, chegou a lhe dizer que ela e Siqueiros sempre se lembravam dele19.

Apesar da importância de Mariátegui na América Latina, e de ter incluído em seus murais muitas fi guras marxistas, como Marx, Engels, Lenin, Trotski e Daniel De León, Rivera nunca pintaria sua efígie. Quem pintaria seu retrato em duas oportunidades seria justamente Siqueiros. O primeiro foi uma xilogravura feita em 1932 para Grito, no México; se pensarmos que naquela época a imagem e o legado de Mariátegui estavam sendo atacados pelos representantes ofi ciais do Komintern, a realização dessa gravura é simbólica e signifi cativa (por sua relação com Blanca Luz Brum, amicíssima de Mariátegui, e também por sua admiração por ele, Siqueiros homenageou o peruano, mesmo sendo visto com desconfi ança por alguns PCs da região). O segundo, um retrato de perfi l de Mariátegui, foi baseado em sua foto mais emble-mática (fotografi a que, por sinal, foi tirada pelo pintor José Malanca). Esse retrato foi realizado em 1959, numa época em que o teórico marxista peruano já havia sido reabilitado, depois de alguns anos de desprezo e vilipêndio a sua memória por parte de seu próprio partido. Portanto, quando Siqueiros retrata Mariátegui pela segunda vez, este já era visto com respeito pelos partidos comunistas de diversos países, inclusive do Brasil e do México.

Abrimos aqui um parêntese a respeito de Rivera, que, além de artista, foi membro importante do PCM, diretor do El Machete, do jornal La Plebe e de El Libertador, órgão da Liga Anti-imperialista das Américas. É bom lembrar que, apesar de tudo isso, as principais publicações comunistas do continente ligadas a Moscou, no fi m dos anos 1920 e ao longo da década de 1930, criticavam o muralista com

vai facilitar o descobrimento do lugar onde fazemos as reuniões secretas [...]. Um verdadeiro comunista afoga seus sentimentos amorosos em favor de seus deveres de militantes político e você, em consequência, deve cumprir com esse postulado e, a partir desse momento, terá de romper relações com a uruguaia” (Hugo Achugar, Falsas memorias, Blanca Luz Brum, Montevidéu, Trilce, 2000, p. 51).19 Carta de Blanca Luz Brum a José Carlos Mariátegui, novembro de 1929, em Antonio Melis (org.), José Carlos Mariátegui: correspondencia (Lima, Empresa Editora Amauta, 1984), t. II, p. 688.

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veemência. Foi assim com o próprio El Machete, que depois da expul-são de Rivera do PCM, em 1929, publicou uma série de artigos contra o pintor20 e o descreveu como “a maior imundice do trotskismo”21. As revistas norte-americanas New Masses22 e Daily Worker também o atacaram. Na New Masses, por exemplo, Siqueiros tachou o colega de oportunista, demagogo, sabotador, “mão corrupta da contrarrevolução” e colaborador da burguesia23. E, paradoxalmente, até mesmo o John Reed Club de Nova York fez uma autocrítica e afi rmou que o artista não deveria ter dado uma palestra lá24.

É certo que, até quase o fi m da década de 1920, Rivera tinha o reconhecimento de Moscou e a aprovação do partido de parte de seu trabalho, e ele próprio era membro do Comitê Central do PCM. Mas depois que esteve na URSS, em 1928, sua posição política começou a ser vista como “suspeita”, não só por sua participação no grupo Ou-tubro e pela petição de fundação da Confederação Sindical Unitária

20 Como os artigos “Se retira un héroe”, El Machete, n. 183, jul. 1929; “Un viejo amor”, El Machete, n. 219, fev.-mar. 1932; “El trotzkista Diego Rivera ayuda a engañar a los repatriados”,El Machete, n. 296, jul. 1934; e “Los trotzkistas riveristas babean contra la III Internacional y contra el camarada Stalin”, em El Machete, n. 302, set. 1934.21 El Machete, 30 maio 1934.22 O artigo de Joseph Freeman, “A pintura e a política: o caso de Diego Rivera”, publicado na New Masses em janeiro de 1932, tratava da expulsão de Rivera do PCM, sua relação com o governo mexicano, sua designação como diretor da Escola Nacional de Belas Artes etc.. Siqueiros também publicou um artigo nessa mesma revista (“O caminho contrarrevolucionário de Rivera”, em 29 de maio de 1934). Para mais informações sobre The Masses, a revista que deu origem a New Masses, ver Leslie Fishbein, Rebels in Bohemia: the radicals of The Masses, 1911-1917 (Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 1982).23 Ver Raquel Tibol, Diversidades en el arte del siglo XX, para recordar lo recordad (México, Uni-versidad Autónoma de Sinaloa, 2001), p. 19.24 Ver Maricela González Cruz Manjarrez, La polémica Siqueiros-Rivera, planteamientos estético-políticos (1934-1935) (México, Museo Dolores Olmedo Patiño, 1996), p. 21-2. No John Reed Club, Rivera era considerado traidor, pequeno-burguês e colaboracionista. Em 1931, quando esteve em Nova York para inaugurar sua exposição no Museu de Arte Moderna da cidade, deu uma palestra no John Reed Club, onde foi bastante hostilizado pelo público. O escritor Bill Dunne chamou-o de traidor, propagandista de um governo assassino e pintor do quarto da sra. Morrow (esposa do embaixador dos Estados Unidos no México); o pintor Hugo Gellert acusou-se de degeneração de sua arte por não querer pintar em São Francisco os trabalhadores Tom Mooney e Billings, que haviam sido condenados à prisão perpétua por organizar uma greve; e o militante Harrison George acusou-se de servir ao imperialismo ianque com sua obra. Rivera quis oferecer 100 dólares ao clube e outros 25 para serem entregues ao Centro Operário, mas a oferta não foi aceitara. Ver Raquel Tibol, Diversidades en el arte del siglo XX, cit., p. 18.

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do México, mas também por seu apoio a Trotski25. Foi justamente em 1929 que ele seria expulso do partido. Será que Mariátegui não tinha ciência desses debates, mesmo que somente no fi m de sua vida? Não conheceria os detalhes das polêmicas entre Rivera, Siqueiros e os comu-nistas soviéticos? É difícil dizer. O fato é que ele se correspondia com frequência com seus amigos no México e estava bastante inteirado de muito do que se passava por lá. Além disso, conhecia os dois mura-listas (não pessoalmente, por certo), a quem mandava saudações por intermédio de alguns colegas, e o próprio Siqueiros, por sua mulher, Blanca Luz Brum, mandaria abraços a Mariátegui “com todo o nosso calor de irmãos”26.

De qualquer forma, Mariátegui daria certo destaque a Rivera na revista Amauta e em seus textos. Nesse sentido, já em 1927, demons-traria interesse na colaboração de escritores e artistas de vanguarda mexicanos, pedindo a seu amigo Esteban Pavletich que solicitasse “algo de Rivera, de Orozco e de algum outro artista revolucionário”27. Ele havia recebido do colega fotos dos afrescos de Rivera, que causaram “grande efeito no ambiente artístico juvenil”28, quando foram publica-das. Mais tarde, Tristán Maróf também diria, em carta, que procuraria Rivera para colaborar com a revista29. Na Amauta seria publicada, de Rivera, uma “autobiografi a sumária”30, assim como um artigo de Es-teban Pavletich (“Diego Rivera: el artista de una clase”) em que seriam enfatizados o papel da arte na sociedade capitalista, a possibilidade e o caráter da arte proletária, as tendências pictóricas, o papel do artista na

25 De acordo com o próprio Rivera, sua posição política “se tornou desagradável ao aparato stalinista na sessão consultiva de todos os delegados das diferentes seções do Komintern então presentes em Moscou. Votou somente com outros quatro delegados a favor de Trotski e sua linha política” (Diego Rivera, “Raíces políticas y motivos personales de la controversia Siqueiros--Rivera: stalinismo vs. bolchevismo leninista”, folheto de dezembro de 1935, reproduzido em Raquel Tibol, “Diego Rivera, un pintor que militó en política”, em Diversidades en el arte del siglo XX, cit., p. 16 e 17.26 Carta de Blanca Luz Brum a José Carlos Mariátegui, novembro de 1929, em Antonio Melis (org.), José Carlos Mariátegui, cit., t. II, p. 688.27 Carta de José Carlos Mariátegui a Esteban Pavletich, 8 de março de 1927, em ibidem, t. I, p. 243.28 Idem.29 Carta de Tristán Maróf a José Carlos Mariátegui, 6 de agosto de 1928, em ibidem, t. II, p. 409.30 Ver Diego Rivera, “Autobiografi a sumaria”, Amauta, n. 4, dez. 1926, p. 5.

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sociedade, a arte mexicana e sua infl uência no continente31. Também seria reproduzido, tanto na Amauta como no Labor, o retrato que o muralista havia feito do professor e dirigente agrarista de Durango, José Guadalupe Rodríguez, assassinado pouco tempo antes.

Apesar disso, Rivera não estava entre os pintores favoritos de Mariá-tegui32 e nunca houve troca de correspondência entre eles, tampouco com Siqueiros, ainda que fi zesse menção a ambos, com alguma fre-quência, em suas trocas de cartas com companheiros que viviam no México. Mesmo assim, havia vozes dissonantes entre os colegas de Mariátegui em relação a Diego e Siqueiros, como o pintor argentino José Malanca, muito crítico a ambos33.

31 Esteban Pavletich, “Diego Rivera: el artista de una clase”, em Amauta, n. 5, jan. 1927, p. 5-9.32 Seus pintores favoritos eram Leonardo da Vinci, Sandro Boticelli, Piero della Francesca, Degas, Cézanne, Matisse e Franz Marc. Ver José Carlos Mariátegui, “Instantâneas”, em La novela y la vida, Siegfried y el profesor Canella (Lima, Empresa Editora Amauta, 1987), p. 140-1.33 Em carta enviada do México, e datada de 23 de abril de 1929, o pintor argentino José Malanca escreveria: “Vai fazer um mês que me encontro neste país e desde já com muitos desencantos no que se refere à revolução. Não quero me aventurar a dizer coisas monstruosas a esse respeito, pois poderia estar equivocado e oxalá assim o seja, para continuar esperando algo”. E ainda: “No mesmo dia que conheci Diego, tive uma discussão sobre o comunismo da América do Sul. Há um desconhecimento absoluto do que somos: isso também sabe Maróf, com quem sempre me encontro [...]. Diego diz que somos apenas intelectuais: esse homem conhece nosso comunismo por escritos. Defendi e defendo que na Argentina os verdadeiros comunistas não escrevem [...] e sei disso por ter atuado dentro do meio operário, em que tinham ódio a qualquer ‘escrevedor’, e [aqueles] eram operários bem preparados [...] e foram as únicas pessoas em que vi consciência da revolução”. E mais: “Diego acredita que aqui ser ‘valentão’ e ‘brigão’ signifi ca revolução; me alarma a criminologia que existe no México: cada dia as crônicas [jornalísticas] trazem tragédias que horrorizam [...] e tudo por alguns pesos”. As críticas seguiam: “Falei com trabalhadores; todos são anarquistas – me faz lembrar a situação da Itália em 1921. E [ele] diz que a nós [sul-americanos] sobram dirigentes, enquanto, em contrapartida, a eles [os mexicanos] sobram lutadores [...] mas aqui vai a verdadeira frase: lutadores, nada mais, que lutam por qualquer general que lhes dê algo para comer e um fuzil. O proletariado, em grande quantidade, é indígena; com um problema parecido com o que existe por lá [na América do Sul]; [só que] mais matador, é claro. E essa conversa de agrarismo e tantas belezas é pura lei [...] pois Calles, Obregón (e qualquer outro que se nomeie) são os maiores latifundiários do México revolucionário”. Mesmo assim: “Eu sigo com minha ‘pudicícia’, que faz Diego, Carrero e muitos [outros] rirem. Não concebo comu-nistas depravados e corruptos. Não creio nos pregadores bêbados. Não creio no apóstolo que deixa sua ideologia para seguir um par de ‘belas’ pernas. Enfi m, se o comunismo é isso, eu serei anticomunista, pois entendi em Marx, em Lenin e em mim mesmo o porvir de uma sociedade nova [...] sem as taras burguesas. Creio na pureza do homem e espero que nossa luta há de ser com honradez, e não como pensa Maróf, que [acha que se pode] chegar ao que se propõe pelo mesmo meio pelo qual, até agora, usaram os politiqueiros [...] Aqui a pintura artisticamente é grandiosa; mas, revolucionariamente, é discutível. A arte revolucionária é proletária; é acessível, humana. Diego pinta metafi sicamente. Orozco faz pintura intelectual: sua revolução me faz crer

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O fato é que a arte mexicana receberia destaque na Amauta, e a busca por uma estética e atitude artística revolucionárias estaria bastan-te presente na revista. Mariátegui, que editava a publicação, certamente conhecia o que se passava nesse campo no México e teve suas ideias infl uenciadas por esses textos. Sobre esse assunto em particular, foram publicados diversos artigos na Amauta34.

O mesmo pode ser dito dos eventos políticos da revolução, com textos de Luis Araquistain, Luis F. Bustamante, Esteban Pavletich e do mexicano Jesús Silva Herzog, por exemplo35.

que está feita de carolismo e beataria; e eu opino que quando for lutar por uma ideologia feita de carne, adornarei a baioneta com cravos e irei cantando ‘Adelita’ ou qualquer outro canto de fé revolucionária” (carta de José Malanca a Mariátegui, 23 de abril de 1929, em Antonio Melis (org.), José Carlos Mariátegui, cit., t. II, p. 548-9. Mas não era só de Rivera que Malanca não gos-tava. Blanca Luz Brum, em carta a Mariátegui, queixava-se dos ataques do argentino a Siqueiros, de quem era companheira. Afi rmava que “Malanca detesta David”. De acordo com a poetisa uruguaia, “David é um revolucionário sacrifi cado e valente, que deixou a pintura de publicidade e espetáculo pela revolução – e trocou os soldos do governo pela miséria; é tão forte e humano que a seu lado todos esses ‘artistas’ resultam desportivos e vergonhosamente inúteis a nossa época”. E então completava, dizendo que “não quero lhe fazer o elogio de David, mas me indigna a incompreensão e a maldade dos que o julgam” (em ibidem, p. 688).34 Ver Luis Cardoza Aragón, “Ensayo sobre el arte del trópico”, em Amauta, n. 14, abr. 1928, p. 12, 31-6; Martí Casanovas, “Jacoba Rojas”, em Amauta, n. 14, abr. 1928, p. 10-1; “Cuadro de la pintura mexicana”, Amauta, n. 19, nov.-dez. 1928, p. 37-50; “Cuadro de la pintura mexicana”, Labor, n. 2, 24 nov. 1928, p. 5-7; “Cuadro de la pintura mexicana”, Labor, n. 3, 8 dez. 1928, p. 5; “La plástica revolucionária mexicana y las escuelas de pintura al aire libre”, Amauta, n. 23, maio 1929, p. 47-50; “Pintores mexicanos”, Amauta, n. 24, jun. 1929, p. 76-78; Nicanor A. de la Fuente, “Una exposición de arte mexicano”, Labor, n. 8, 1o maio 1929, p. 7; Grupo de pintores “30-30!”, “Segundo manifi esto treintatreintista contra: I, los académicos; II, los covachuelistas; III, los salteadores de puestos públicos; y IV, en general contra toda clase de sabandijas y zánganos intelectualoides, Amauta, n. 21, fev.-mar. 1929, p. 82-4; Tristán Maróf, “En el atelier del pintor revolucionario Fernando Leal”, Amauta, n. 28, jan. 1930, p. 86-7; e Doctor Atl, “Cinemática mexicana”, Amauta, n. 3, nov. 1926, p. 27.35 No começo de 1929, Luis Araquistain publicaria “El aspecto agrario de la revolución mexicana” (Amauta, n. 20, jan. 1929, p. 79-82), em que mostraria quais seriam, em sua visão, as principais conquistas da revolução, ou seja, a expropriação dos grandes latifúndios, a luta contra a resistência dos latifundiários expropriados e a elevação do nível econômico e “espiritual” dos indígenas. Para ele, a excessiva concentração de terras justifi cava o processo revolucionário. Quatro meses depois, numa resenha crítica e polêmica, Luis F. Bustamante comentaria o livro do autor e negaria à revolu-ção mexicana um suposto caráter socialista (“La revolución mexicana, por Luis Araquistain”, Amauta, n. 23, maio 1929, p. 102-4; ver também “La revolución mexicana, por Luis Araquistain”, Labor, n. 8, 1o maio 1929, p. 2.) Na mesma linha, Esteban Pavletich, em seu “La revolución mexicana, revolución socialista?”, depois de expor o processo de formação do que chamava de “feu-dalismo” mexicano durante a dominação espanhola, seu prolongamento na primeira fase da independência, a luta do Estado contra a Igreja e a situação do país até 1910, tentará defi nir a

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Outros textos importantes, alguns deles sobre a situação conjuntural do México, a relação do Estado com a Igreja e a atuação de Obregón, Vasconcelos e De la Huerta, também seriam publicados em vários números da revista36.

orientação política da revolução a partir da Constituição de 1917, da organização de classes e das tendências econômicas do governo de então, concluindo enfi m que o que havia no México não era socialismo, já que, segundo ele, “sua realidade econômica e social [era] fundamentalmente feudal” (Amauta, n. 26, set.-out. 1929, p. 57-67, e n. 28, jan. 1930, p. 30-6). A questão agrária seria discutida especifi camente pelo historiador mexicano Jesús Silva Herzog, em “El problema agrario de Mexico y la revolución”, em que mostra o painel no campo mexicano desde a época colonial até o processo de concentração de terras durante o porfi riato, discutindo em seguida o papel de Madero, Zapata e Carranza na revolução (Amauta, n. 20, jan. 1929, p. 32-6, e Labor, n. 6, 2 fev. 1929, p. 6). Ele afi rmaria que “a revolução mexicana foi um movimento social interno sem ideologia prévia, produto de causas biológicas, de um instinto coletivo de conservação. Sua ideologia foi se formando pouco a pouco, de forma imprecisa, durante o período mais acalora-do da luta. Ainda hoje não temos uma orientação totalmente clara e defi nida” (Amauta, n. 20, p. 34-5). Assim, para Jesús Silva Herzog, a revolução foi uma “luta de classes... do proletariado das cidades e dos campos contra a burguesia e contra o clero”, mas a suposta “originalidade originalíssima” da Revolução Mexicana seria “uma patraña”. Ver Arnaldo Córdova, “México, revolución burguesa y política de masas”, em Adolfo Gilly et al., Interpretaciones de la revolución mexicana (México, Unam/ Nueva Imagen, 1979), p. 79-88.36 Ver Ricardo Martinez de la Torre, “La revolución mexicana y el clero”, Amauta, n. 12, fev. 1928, p. 26-8; Martí Casanovas, “México después de la muerte de Obregón”, Labor, n. 1, 10 nov. 1928, p. 1-2; J. Oscar Cosco Montaldo, “México y Vasconcelos”, Amauta, n. 18, out. 1928, p. 87-92, e Labor, n. 1, 10 nov. 1928, p. 2-3; Jacobo Hurwitz, “Panorama de la política mexicana: el movimiento reaccionario Gómez-Serrano-de la Huerta”, Amauta, n. 10, dez. 1927, p. 23-4; Liga contra o Imperialismo, “Manifi esto contra el terror, la reacción y la traición en México”, Amauta, n. 29, fev.-mar. 1930, p. 91-3; Liga contra o Imperialismo, “La prisión de Esteban Pavletich en México”, Amauta, n. 30, abr.-maio 1930, p. 97 (texto publicado em homenagem póstuma a Mariátegui); Liga contra o Imperialismo, “Manifi esto a todas las organizaciones revolucionarias antiimperialistas”, Amauta, n. 30, abr.-maio 1930, p. 100-1; Tina Modotti, “La contrarrevolución mexicana”, Amauta, n. 29, fev.-mar. 1930, p. 94-5; Ramiro Perez Reinoso, “La Iglesia contra el Estado mexicano”, Amauta, n. 1, set. 1926, p. 29; Eudocio Ravines, “El termidor mexicano”, Amauta, n. 23, maio 1929, p. 77-81; Rafael Ramos Pedrueza, “La revolución mexicana frente a Yanquilandia”, Amauta, n. 12, fev. 1928, p. 34-6; Socorro Vermelho Internacional, “Circular”, Amauta, n. 30, abr.-maio 1930, p. 98; e Nicolas Terreros, “Panorama de la política mexicana: el movimiento reaccionario Gómez-Serrano de la Huerta”, Amauta, n. 10, dez. 1927, p. 23-4. Tanto o artigo de Pavletich como o de Ravines se oporiam às divagações apristas sobre um suposto caráter socialista sui generis da Revolução Mexicana (ver Narciso Barssols Batalla, Marx y Mariátegui, México, El Caballito, 1985, p. 266). Para Ravines, “esse grande movimento cole-tivo, ainda que possa ser classifi cado como uma revolução social, não é nem tem os caracteres específi cos de uma revolução socialista” (“El termidor mexicano”, em Amauta, n. 23, mai. 1929, p. 79 e 81). Nesse caso, a revolução teria fracassado porque se devia ao pacto realizado com outras classes sociais, inimigas do proletariado (ver Diego Meseguer Illán, José Carlos Mariátegui y su pensamiento revolucionario, Lima, Instituto de Estudios Peruanos, 1974, p. 201).

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Dentre os personagens mexicanos da época, um dos que mais interessariam a Mariátegui seria José Vasconcelos, que teria um artigo publicado na Amauta37 e duas resenhas de seus livros Indología e La raza cósmica, redigidas por Carlos Arbulú Miranda38 e por Luciano Castillo39, futuro dirigente do Partido Socialista do Peru após a cisão em 1930 do Partido Comunista Peruano, além de um texto de Cosco Montaldo. O próprio Mariátegui falaria, em alguns de seus artigos, sobre o intelectual mexicano, a quem chegou a descrever como “um dos homens de maior destaque histórico da América contemporânea”40. Entre outros motivos, sua importância residiria no fato de que:

[usou] os mais originais métodos para diminuir o analfabetismo; franqueou as universidades às classes pobres; difundiu como um evangelho da época, em todas as escolas e em todas as bibliotecas, os livros de Tolstói e Romain Rolland; incorporou à Lei da Educação a obrigação do Estado de sustentar e educar os fi lhos dos incapacitados e os órfãos; semeou de escolas, livros e ideias a imensa e fecunda terra mexicana.41

O interesse pela questão da educação42, em especial dos mais pobres e dos indígenas no Peru, e a procura por respostas para resolver os problemas históricos que afl igiam seu país nesse campo, fariam com que ele se aproximasse e admirasse, em alguns momen-tos, as ideias de Vasconcelos, o “ministro a cavalo”43, no México, e de Lunatcharsky44, na União Soviética. Mais tarde, a opinião de Mariátegui sobre o reitor da Universidade Nacional mudaria de forma signifi cativa.

37 José Vasconcelos, “El nacionalismo en la América Latina”, Amauta, n. 4, dez. 1926, p. 13-6, e n. 5, jan. 1927, p. 22-4.38 Carlos Urbulú Miranda, “Indología, por José Vasconcelos”, Amauta, n. 9, maio 1927, p. 42-3.39 Luciano Castillo, “La raza cósmica, por José Vasconcelos”, Amauta, n. 2, out. 1926, p. 41.40 José Carlos Mariátegui, “Mexico y la revolución”, Variedades, 5 jan. 1924, e em Temas de Nuestra América, cit., p. 42.41 Ibidem, p. 42-3.42 Após seu retorno da Europa, Mariátegui escreveu diversos artigos sobre a questão da educação. Para mais informações, ver Luiz Bernardo Pericás, “Mariátegui e a questão da educação no Peru”, em Mariátegui: sobre educação (São Paulo, Xamã, 2007), p. 8-38.43 Para mais informações sobre o projeto cultural e educacional de José Vasconcelos, ver Joaquin Cárdenas Noriega, José Vasconcelos: educador, político y profeta (México, Oceano, 1982).44 Ver José Carlos Mariátegui, “Lunatcharsky”, em La escena contemporánea (Lima, Empresa Editora Amauta, 1987), p. 96-102.

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Em 1916, Vasconcelos fez uma rápida visita ao Peru, onde fez conferências na Universidade de San Marcos, em Lima. Mariátegui não assistiu às palestras, mas deve ter sabido delas, já que tiveram boa repercussão no meio estudantil45. Em 1923, os alunos da Univer-sidade de Trujillo, que viam o mexicano como um homem de ação, hostil aos nacionalismos estreitos, ao “falso patriotismo”, e defensor de um “ibero-americanismo” concreto, pediram-lhe que aceitasse o título de “Maestro de la Juventud”. Nesse mesmo ano, Mariátegui daria uma palestra na Universidade Popular González Prada sobre a Revolução Mexicana, dedicada em boa parte a exaltar Vasconcelos, sua obra educacional, sua ideologia revolucionária e seu “mais alto e puro idealismo”46. Por iniciativa do estudante Luis F. Bustamante, Mariátegui e o público presente concordaram em convidar o “prole-tariado organizado” a assinar uma mensagem de saudação ao intelec-tual mexicano, que deveria ser entregue a ele por Haya de la Torre, residente no México na época47. Em fevereiro de 1924, Vasconcelos enviaria uma mensagem de agradecimento aos jovens peruanos que seria publicada na Costa Rica, em Cuba, na Argentina e no México, já que havia sido proibida no Peru48. Quando perguntado por periodistas sobre os protestos da Embaixada do Peru contra sua declaração, ele diria que “o Peru é minha pátria, e por isso não posso nem ofendê-la nem deixar de me interessar por seus assuntos”49. Por tudo isso, Mariátegui certamente devia conhecer havia muito tempo o autor de Ulises criollo, doze anos mais velho que ele. Em carta, José Vascon-celos chamava o jornalista de “meu querido e admirado Mariátegui” e avisava que enviaria seu livro Indología e um artigo que “poderia ser digno do senhor”, para possível publicação50. Mais tarde, o autor

45 Ver Claude Fell, “Vasconcelos-Mariátegui: convergencias y divergencias”, em Roland Forgues, Mariátegui, uma verdad actual siempre renovada (Lima, Empresa Editora Amauta, 1994), p. 56.46 José Carlos Mariátegui, “La revolución mexicana: conferencia de José Carlos Mariátegui”, cit., p. 167.47 Idem.48 Ver Claude Fell, “Vasconcelos-Mariátegui”, cit., p. 56-57. A íntegra da mensagem de Vascon-celos pode ser encontrada em José Vasconcelos, “Mensaje a los estudiantes peruanos”, em Fedro Guillén, Vasconcelos, apresurado de Dios (México, Comunidad Latinoamericana de Escritores, 1990), p. 183-95.49 Claude Fell, “Vasconcelos-Mariátegui”, cit., p. 59.50 Carta de José Vasconcelos a Mariátegui, escrita em Paris em 3 de fevereiro de 1927, em Antonio Melis (org.), José Carlos Mariátegui, cit., t. I, p. 233.

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dos Sete ensaios faria uma resenha da obra51 e La Antorcha, revista editada pelo “ministro a cavalo”, reproduziria dois artigos seus52.

Ainda que a tônica fosse respeitosa, não faltariam críticas ao autor de La raza cósmica. É certo que Mariátegui achava que ninguém ha-via imaginado o destino da América com tanta ambição e veemente esperança do que Vasconcelos, que acreditava numa “profecia”, na construção de um Mundo Novo como expressão da cultura universal. Tratava-se de uma obra mais “musical” do que “arquitetônica”, pelo estilo, pelo lirismo e pela poesia, e possuía um caráter marcadamente autobiográfi co. Apesar de sua importância, porém, Mariátegui insis-tiria em que os espíritos da nova geração (inclusive ele) tinham de constatar, “com um pouco de tristeza e desencanto”, que faltava à obra do mexicano um sentido mais agudo e prático do presente53. Ou seja, ele apenas condenava seu momento histórico, mas não se dispunha a entendê-lo, promovendo em seguida, como a própria época exigia, por um idealismo prático e uma atitude beligerante, sua transformação. “Nosso destino é a luta, mais do que a contemplação. Esta pode ser uma limitação de nossa época, mas não temos tempo para discuti-la, apenas para aceitá-la. Vasconcelos coloca sua utopia demasiadamente longe de nós”, diria o jornalista peruano54. E era categórico ao afi rmar claramente sua posição política. A revolução “social” estava na ordem do dia. E, para realizar o ideal de maneira concreta, o melhor instrumento seria o marxismo, porque este não seria um programa rígido, mas um método dialético. Apesar das crí-ticas, contudo, insistiria em que essas observações não atenuavam o valor da obra de Vasconcelos, ainda que, por outro lado, o mexica-no colocasse na mestiçagem sua esperança de constituição da “raça cósmica”, coisa de que Mariátegui discordava55.

Quando Vasconcelos decidiu se candidatar à Presidência do México, Mariátegui deu seu veredicto. Haveria um claro afastamento político e ideológico entre os dois, já que o jornalista peruano apoiava a política de Plutarco Elias Calles (1924-1928) e seus seguidores56. No momento

51 Ver José Carlos Mariátegui, “Indología, por José Vasconcelos”, em Temas de nuestra América, cit., p. 78-84.52 Ver Claude Fell, “Vasconcelos-Mariátegui”, cit., p. 59.53 José Carlos Mariátegui, “Indología, por José Vasconcelos”, cit., p. 81.54 Idem.55 Ibidem, p. 81, 82 e 84.56 Ver Claude Fell, “Vasconcelos-Mariátegui”, cit., p. 68.

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que o “ministro a cavalo” anunciou sua candidatura, Mariátegui fi cou, ainda que de forma crítica, do lado da reformista Crom e de seu lí-der, Luis Morones57, demonstrando em grande medida uma falta de conhecimento mais profundo sobre a situação mexicana58. Em artigo de 27 de setembro de 1929, ele comentaria:

o programa de Vasconcelos carece de todo signifi cado revolucionário. O ideal político nacional do autor de La raza cósmica parece ser de um administrador moderado. Ideal de pacifi cador que aspira à estabilização e à ordem. Os interesses capitalistas e conservadores sedimentados e sólidos estão prontos a subscrever, em todos os países, esse programa. Econômica, social, politicamente, é um programa capitalista. Mas desde que a pequena burguesia e a nova burguesia tendem ao fascismo e re-primem violentamente o movimento proletário, as massas revolucionárias não têm por que preferir sua permanência no poder. Na verdade – sem ter nenhuma ilusão a respeito de um câmbio do qual elas mesmas não sejam autoras – têm de contribuir para a liquidação de um regime que abandonou seus princípios e faltou a seus compromissos.59

Já Calles seria um verdadeiro estadista e continuador da revolução, além de “homem culto e idealista, de grande sensibilidade histórica e ampla perspectiva humana”60. Calles recrutaria o grosso de seus adeptos entre operários e camponeses e aceitaria seus pontos de vista até granjear para si uma extensa reputação bolchevique61. Mariátegui chegaria a escrever uma resenha sobre uma coletânea de discursos de Calles (em boa medida, repletos de proselitismo e clichês), organizada

57 Ver José Carlos Mariátegui, “Portes Gil contra la Crom”, cit., p. 58.58 Ver Claude Fell, “Vasconcelos-Mariátegui”, cit.59 José Carlos Mariátegui, “La lucha eleccionaria en México”, Mundial, 27 set. 1929, e em Temas de nuestra América, cit., p. 65.60 Idem, “Un libro de discursos y mensajes de Calles”, Variedades, 9 jul. 1927, e em Temas de nuestra América, cit., p. 98.61 Idem, “La guerra civil en México”, Variedades, 15 out. 1927, e em Temas de nuestra América, cit., p. 47. O mesmo Calles, porém, diria: “Sou moderado não só por minhas inclinações pessoais, mas também por estar seguro de que qualquer movimento radical no México, que ameace o domínio do capital, está fadado a fracassar pela simples razão de que uma mudança tão radical se oporia ao modo de pensar dos mexicanos. No México, observa-se uma clara tendência ao individualismo, que só se pode conseguir dentro do chamado sistema capitalista. Por essa razão, o governo fará todo o possível para defender os interesses dos capitalistas estrangeiros, que investem seu capital na economia do México” (Anatoli Shulgovski, Mexico en la encrucijada de su historia, México, Cultura Popular, 1977, p. 65-6).

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por Esperanza Velásquez Bringas e publicada pela Editorial Cervantes de Barcelona; ali, ele não mediria palavras para elogiar o presidente que “se destaca [...] no cenário da América”62. Mesmo que por vezes o mandatário fosse impreciso do ponto de vista doutrinário, isso não poderia diminuir o sentido revolucionário de sua política, já que seu governo, antes de tudo, queria se apoiar no proletariado63. Além do mais, Calles “não ambiciona mais que cumprir, íntegra e honrada-mente, sua missão histórica, sem se preocupar demais com seu grau de grandeza”64. Suas principais restrições ao governante mexicano se referiam à questão agrária, no sentido de que sua política no campo se dirigia para a criação de pequenos proprietários individualistas, o que, para Mariátegui, era um traço “liberal”, fora de sintonia com os anseios da nova geração de assentar a economia do continente sobre bases socialistas. Em outras palavras, a política de Calles não visava a educação das massas rurais para a exploração da terra por meio de cooperativas, e isso seria um sinal de sua limitação. Ainda assim, para o jornalista peruano, podiam-se descobrir nas palavras do presidente pontos de contato ou afi nidades entre o problema agrário do México e o do Peru. E diria então que Calles era, antes de tudo, um homem de ação, que muito havia colaborado para o desenvolvimento da revolução65.

62 Ver José Carlos Mariátegui, “Un libro de discursos y mensajes de Calles”, cit., p. 95.63 Ibidem, p. 95-6.64 Ibidem, p. 96.65 Ibidem, p. 97-8. Já os comunistas mexicanos tinham uma posição bem distinta. Anatoli Shul-govski afi rma que “paulatinamente se formava uma situação tal que surgiam uma união e uma trama singulares dos interesses dos novos-ricos, dos latifundiários e dos capitalistas, com as ‘velhas’ camadas privilegiadas da população. Esse processo se destacou com especial clareza nos anos da presidência de Calles. Caracterizando a essência do callismo, El Machete assinalava que o caudilhismo tinha profundas raízes econômicas e sociais, representava a união de interesses dos latifundiários e da grande burguesia reacionária, que acumularam milhões nos anos do chamado regime callista. Esses círculos uniram sua sorte, em certo grau, com a velha reação porfi rista, em especial na esfera da propriedade agrícola; ademais, estavam unidos, por relação de negócios, com o capital imperialista norte-americano [...]. Não obstante, a aproximação de posições sobre a base econômica não eliminou, na esfera política, as contradições entre o grupo governante e as forças conservadoras tradicionais. O paradoxal da situação no México residia em que, à me-dida que se realizava a aproximação, as contradições políticas se agudizavam. E mais, o próprio sentido da existência do regime político do caudilhismo exigia que as consignas ‘esquerdistas’, ‘revolucionárias’, cobrissem até as ações mais conservadoras, ‘protetoras’, da elite governante” (Anatoli Shulgovski, Mexico en la encrucijada de su historia, cit., p. 46-7).

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Por outro lado, Mariátegui criticaria Portes Gil por sua ofensiva contra a Crom, que, para ele, era um claro movimento para aniqui-lar a força política das massas trabalhadoras66. Em outras palavras, um “objetivo inequivocamente contrarrevolucionário, que nenhuma retórica pode ocultar nem disfarçar”67. Já o “famoso” líder sindical Luis Morones, com sua “força pessoal de caudilho”, conseguia trazer a completa adesão do feixe de forças populares representativas do sentido classista e doutrinário da revolução68.

As perseguições à Crom e a Morones seriam notadas por Mariátegui. Nesse sentido, o jornalista diria:

Morones não se intimidou. Depois de um período de prudente reserva, reapareceu em seu posto de combate, à frente da Crom, em cuja IX Convenção Nacional, recentemente reunida, replicou com agressividade ao ataque de seus adversários [...]. Os inimigos da Crom têm em suas mãos o poder e empregam-no enquanto podem contra essa organiza-ção operária.69

De acordo com o jornalista peruano, por mais moderada que fosse sua política como organização classista, a Crom tinha de enfatizar dia a dia seu “programa” de socialização da riqueza, num período em que a classe capitalista, mais madura politicamente, solidifi cava-se cada vez mais dentro do regime criado pela revolução, com o apoio gradual dos elementos pequeno-burgueses e dos caudilhos militares, que cediam a sua infl uência. Afi nal, a Crom teria entrado “em combate” em condições e num momento desfavorável. Morones e seu grupo (que Mariátegui, apesar de tudo, caracterizava como “reformistas”), aparentemente por questões conjunturais e pelo próprio caráter que havia adquirido a Revolução Mexicana, não poderiam passar de uma prática pacífi ca, legal e evolucionista à luta contra o poder constituído. Mariátegui, nesse caso específi co, diria:

tem, por isso, muita transcendência e signifi cado o esforço que desen-volvem várias organizações operárias revolucionárias, independentes da Crom, para estabelecer uma frente única proletária, que compreenda to-

66 José Carlos Mariátegui, “Portes Gil contra la Crom”, cit., p. 56.67 Idem.68 Idem, “La lucha eleccionaria en México”, Variedades, 5 jan. 1929, e em Temas de nuestra América, cit., p. 52.69 Ibidem, p. 53.

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dos os setores ativos, através de uma assembleia nacional camponesa [...] Todas as forças operárias são chamadas em auxílio à Crom, em sua luta contra a ofensiva reacionária. Condena-se toda a inclinação intransigente a dar vida a uma nova central. Compreende-se que a Crom constitui um ponto de partida, que o proletariado não deve perder.70

Isso porque “a revolução enfrenta sua mais dura prova. E o México é hoje, mais do que nunca, o campo de uma experiência revolucionária. A política de classes entra nesse país em sua etapa mais interessante”71.

Na época, os comunistas, rivais da Crom, deram a ela um apoio circunstancial, como forma de protestar simbolicamente contra o antigo governo Calles72. Por indicação do Komintern, o grupo majoritário do PCM, que tinha células infi ltradas na Crom, defendia, naquele mo-

70 Idem, “Portes Gil contra la Crom”, cit. p. 58-9.71 Ibidem, p. 59. Uma crítica incisiva às posições da Crom pode ser encontrada em Anatoli Shul-govski, Mexico en la encrucijada de su historia, cit., p. 47-62. Criada em 1918, a Crom começaria a manter relações pouco tempo depois com a AFL dos Estados Unidos, que tinha como objetivo afastar quaisquer tendências anarquistas ou marxistas da organização mexicana. Em 1919, seu principal dirigente, Luís Napoleón Morones realizaria um pacto secreto para apoiar a candidatura de Obregón, o que garantiu a ele e a seu grupo, depois das eleições, “cotas” de poder e apoio fi nanceiro de parte do governo. No governo Calles, sua infl uência seria ainda maior: Morones seria nomeado ministro da Indústria e Trabalho. Assim, com o apoio da Crom (que estendia sua supremacia a grande parte dos sindicatos, absorvendo ou destruindo os contrários a sua política ou os independentes) e do PLM (Partido Laborista Mexicano), seu braço político, o ministério de Morones propagaria a conciliação de classes e uma suposta melhoria material para todos os setores sociais. A Crom tornou-se uma agremiação poderosa, burocratizada e corrupta. Na greve ferroviária de 1926-1927, dirigida pelos comunistas, a Confederação colaboraria com Calles para sua brutal repressão. A direção da Crom e do PLM manifestou-se contra a reeleição de Obregón, decerto temendo perder infl uência dentro do governo e vantagens fi nanceiras. Mas o PCM e o PNA (Partido Agrarista Nacional), apoiaram o caudilho por questões circunstanciais.72 O Partido Comunista do México em geral criticava e opunha-se ao governo Calles, ainda que, em alguns momentos, tivesse sido pressionado pelo Komintern a apoiá-lo. Em março de 1927, o Comitê Executivo da Internacional Comunista enviou uma carta ao PCM na qual discutia o governo mexicano. Ainda que este fosse designado como “pequeno-burguês” e com crescente tendência à direita, tinha traços favoráveis, como o fato de ter lutado contra a Igreja Católica e o imperialismo. Ou seja, havia elementos objetivamente “revolucionários” nesse caso, e o próprio Calles havia colaborado fi nanceiramente para o Congresso Mundial Anti-imperialista em Bruxelas. O Komintern, assim, indicava que o partido deveria construir um bloco de camponeses e operários com a inclusão de elementos pequeno-burgueses, e o governo Calles deveria ser apoiado em seus esforços contra o imperialismo. O PCM, a partir daí, deveria trabalhar para transformar-se numa organização de massas e acabar com o sectarismo em suas fi leiras. E também seria importante manter o trabalho dentro da Crom e de seus sindicatos. Essa política, imposta por Moscou, foi levada a cabo provisoriamente, ainda que com a discordância de dirigentes importantes do PCM, como Julio Antonio Mella, que queria constituir uma nova central sindical independente.

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mento, que esta continuasse existindo e atuando, porque acreditava que poderia trocar suas lideranças e, eventualmente, dar à Confede-ração um novo direcionamento político. Como Obregón, depois de eleito, não cedeu às chantagens de Morones para manter o poder e a infl uên cia da Crom na esfera estatal, muitos sindicatos se afastaram dela. Morones seria suspeito de estar envolvido no assassinato do general. O presidente interino, Portes Gil, que também não gostava do líder sindical nem da Confederação, não demonstrou nenhum apoio a ambos, tirando ainda mais a força da organização. A Crom seria dissolvida logo em seguida73. É difícil imaginar que Mariátegui não soubesse das opiniões do PCM naquele momento...

Outro personagem polêmico retratado de forma relativamente favorável por Mariátegui é o já citado Álvaro Obregón74, por dar a im-

73 Nunca é demais recordar que alguns anos antes, em 1923, na V Convenção da Crom, a or-ganização divulgou sua resolução anticomunista, a qual afi rmava que “o movimento operário do México, representado pela própria confederação, é de caráter nacionalista [...]. Que é incompatível com o sentimento nacionalista dos trabalhadores a propaganda que elementos interessados vêm desenvolvendo a favor do chamado ‘Partido Comunista’, subordinado ao governo russo; portanto, as agrupações operárias deverão proceder à expulsão de seu seio de todos os elementos de fi liação comunista” (Gerardo Peláez, Partido Comunista Mexicano, 60 años de historia, cit., p. 23). Em 1926, Ricardo Treviño, secretário-geral da Crom, divulgaria uma circular que afi rmava que “há bastante tempo tratara-se de introduzir entre as organizações de trabalhadores indivíduos que manifestavam ideias radicais, comunistas, anarquistas etc. e dedicaram-se à agitação dentro dos grupos de trabalhadores [...] com o único objetivo de fazer parecer que o movimento operário do México está se tornando cada vez mais dissolvente e extremista [...] por causa disso, consideramos oportuno prevenir-lhes contra essa campanha, para que não permitam que se introduzam no seio das organizações os indivíduos ou as propagandas que denunciamos, e que avisem a esse comitê, caso tenham conhecimento, para [podermos] fazer as investigações pertinentes” (ibidem, p. 26). Já o PCM diria, um ano depois, que “Morones, em troca da direção dos fabris, fez da Crom um instrumento do governo de Obregón, e em troca de uma secretaria de Estado entregará inerme os trabalhadores da Crom à vontade onipotente do próximo governo burguês do general Calles, para que este possa, sem difi culdade e distúrbios, cumprir os compromissos que contraiu na passada revolta com o imperialismo ianque” (ibidem, p. 24). Finalmente, em 30 de outubro de 1929, a Confederação Sindical Latino-Americana divulgaria um manifesto em que afi rmaria que “o exemplo da triste história da Crom prova que toda organização de verdadeiras massas proletárias que caia no seio da Copa degenerará fatalmente e se converterá em outro elemento de corrupção e de desvio da classe operária, em outro suporte da penetração imperialista, e no mais perigoso instrumento de sufocação contrarrevolucionária do espírito anti-imperialista das massas, como é atualmente o caso da Crom dirigida pelos Morones e outros aventureiros, discípulos dos Green e companhia” (manifesto “Contra los traidores de la Copa y su vil congreso y por la defensa del movimiento sindical revolucionario latinoamericano!”, El Trabajador Latinoamericano, n. 26 e 27, 15 dez. 1929 e 30 dez. 1929, e em Gerardo Pelaéz, Partido Comunista Mexicano: 60 años de historia [Culiacán, Universidad Autónoma de Sinaloa, 1980], p. 35).74 Diego Meseguer Illán, José Carlos Mariátegui, cit., p. 122.

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pressão de ter se afastado dos reacionários e responder às aspirações dos operários e camponeses75. Afi nal de contas, o general “deu um passo para a satisfação de um dos anseios da Revolução: deu terra aos camponeses pobres. A sua sombra, fl oresceu no estado de Yucatán um regime coletivista”76.

Já os dirigentes do Komintern tinham uma opinião bastante distin-ta. Stirner (o suíço Edgar Woog), em artigo para La Correspondance Internationale, em 1924, por exemplo, escreveria:

O governo “socialista” de Obregón é tão pouco socialista como todos os outros governos “socialistas” existentes atualmente na sociedade burguesa. Desempenha momentaneamente um papel revolucionário, na medida em que fomenta a atividade dos camponeses contra o clero e os grandes pro-prietários. Sua política, além do mais, é aquela de todos os poderes pequeno-burgueses. Arma e desarma os camponeses, encarcera e liberta os militares, simpatiza com os comunistas e pensa fuzilar os verdadeiros comunistas.77

Depois do assassinato do caudilho, em 1928, Mariátegui escreveria um artigo em que diria que “a fórmula Obregón, para quem exami-

75 Idem.76 José Carlos Mariátegui, Temas de nuestra América, cit., p. 42. Em relação ao general, Mariátegui diria: “Tinha porte, têmpera e dons de chefe, características que lhe permitiram presidir um governo que, com um amplo consenso da opinião pública, liquidou uma etapa de turbulências e contradições, quando o processo revolucionário mexicano concretizou seu sentido e coordenou suas energias. O governo de Obregón representou um movimento de concentração das melhores forças revolu-cionárias do México. Iniciou um período de realização fi rme e sagaz dos princípios revolucionários, apoiado no partido agrarista, nos sindicatos operários e nos intelectuais renovadores. Sob seu governo entraram em vigor as novas normas constitucionais contidas na Carta de 1917. A reforma agrária – identifi cada por Obregón como o principal objetivo do movimento popular –, começou a traduzir-se em atos. A classe trabalhadora consolidou suas posições e acrescentou à revolução seu poder político e social [...]. A política governamental de Obregón conseguiu esses resultados por acertar em associar a seus objetivos a maior soma de elementos para a reconstrução. Seu êxito se deveu à virtude taumatúrgica do caudilho: ele fortaleceu o Estado surgido da revolução, defi nindo e assegurando sua solidariedade com as mais extensas e ativas camadas sociais. O Estado proclamou-se e considerou-se órgão do povo, de modo que seu destino e sua gestão deixavam de depender do prestígio pessoal de um caudilho para vincular-se estreitamente aos interesses e sentimentos das massas. A estabilidade de seu governo assentou-se numa ampla base popular. Obregón não governava em nome de um partido, mas sim de uma concentração revolucionária, cujas diversas reivindicações constituíam um programa. Era essa aptidão para unifi car e disciplinar as forças revolucionárias que indicava, precisamente, suas qualidades de líder e de condutor” (José Carlos Mariátegui, “Álvaro Obregón”, em Luiz Bernardo Pericás (org.), José Carlos Mariátegui: do sonho às coisas, retratos subversivos, São Paulo, Boitempo, 2005, p. 119-20).77 Alfred Stirner, “Au Méxique”, La Correspondence Internationale, n. 21, 9 abr. 1924.

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nasse objetivamente os fatores atuais da política mexicana, aparecia ditada, por razões concretas, em defesa da revolução”78.

Por outro lado, o Komintern afi rmaria, por intermédio da Corres-pondance Internationale:

a vida de Obregón é uma cadeia ininterrupta de traições à causa mexi-cana e, em sua nova situação, ele vai continuar o caminho do governo Calles, o caminho dos compromissos com o capital norte-americano, os proprietários latifundiários e os sacerdotes mexicanos.79

É verdade que, tanto no governo Obregón quanto no de Calles, o México manteve relações diplomáticas com a URSS (reconhecida ofi cialmente em 1924); personalidades ligadas ao socialismo ou ao comunismo que expressavam simpatias pela União Soviética tinham acesso aos círculos do governo; e o PCM (por intermédio de indivíduos como os artistas muralistas) possuía bom trânsito nos setores da nova elite no poder80, mas a postura ofi cial do partido era outra. Até o fi m de 1928, portanto, o jornalista peruano manteve análises e posições bastante distintas e mesmo opostas às da Internacional Comunista.

Por fi m, Julio Antonio Mella, comunista cubano que na época era dirigente do PCM e por quem Mariátegui tinha profunda simpatia, tanto por sua conduta quanto por sua personalidade81. De certo modo, o jornalista peruano difundiria seu pensamento por meio de suas publicações, fi caria a seu lado na polêmica com a Alianza Po-pular Revolucionaria Americana (Apra) e apoiaria suas propostas no Congresso de Bruxelas, ainda que, como em outros casos, não tenha produzido um artigo exclusivo sobre ele. Ele conhecia Mella por sua atuação no movimento estudantil cubano, como dirigente do PCC e do PCM, assim como por sua relação com Tina Modotti, que teve casos com outros membros do partido (os pintores Xavier Guerrero e Diego Rivera) e publicou um artigo em 1930 na revista Amauta. Modotti, membro do PCM na época, notabilizou-se por suas fotogra-fi as, que foram publicadas em diversas revistas, entre elas El Mache-te, para a qual o marxista cubano escrevia regularmente. O próprio Mella tinha conhecimento de Mariátegui, a quem chamara certa vez,

78 José Carlos Mariátegui, Temas de nuestra América, cit., p. 51.79 La Correspondence Internationale, n. 65, jul. 1928.80 Ver Christine Hatzky, Julio Antonio Mella, una biografía (Santiago de Cuba, Oriente, 2008), p. 203.81 Ver Jorge del Prado, En los años cumbres de Mariátegui, cit., p. 118.

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em carta, de “companheiro” e “valioso intelectual peruano”82. Assim, quando Mella foi assassinado, Mariátegui em pessoa iniciou uma campanha de protestos pela Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP) e pelo Grupo Rojo Vanguardia, ligado ao movimento estudantil83. Diria:

Mella era um dos verdadeiros revolucionários, saídos das fi leiras da Reforma Universitária, dessa variada e extensa gama de renovadores de toda espécie que não souberam em sua maior parte superar um confuso estado de ânimo pré-revolucionário; ele havia tomado posição franca e transparente. Por isso reagiu contra os que não se decidiam a seguir sem reservas a mesma via. Na polêmica reconhecia-se seu tom tropical, seu temperamento fogoso; mas sua sinceridade e sua convicção revolucionárias primavam sobretudo em suas campanhas. Amauta saúda com emoção a memória do valente camarada e associa-se ao protesto contra o crime.84

Outro ponto que deve ser salientado aqui é a importância da cor-respondência entre Mariátegui e seus colegas no México. As informa-ções que estes lhe passavam das terras astecas certamente ajudariam a moldar suas ideias sobre a situação política do país85. O México recebeu muitos artistas e intelectuais dissidentes e exilados ao longo do século XX, personalidades que iam de Leon Trotski e Julio Antonio Mella a Che Guevara e Fidel Castro. Isso para não falar de um grande número de espanhóis republicanos que lutaram na Guerra Civil contra as hostes fascistas de Franco86. Mariátegui chegou a se comunicar por carta com mexicanos, assim como com alguns amigos que moravam ou estavam de passagem por lá, como Oliverio Girondo, Graziella Garbalosa, José Vasconcelos, Rafael Heliodoro Valle, Esperanza Ve-lázquez Bringas, Carlos Gaytán, J. López Méndez, Victor Haya de la Torre, Tristán Maróf, Alfredo E. Uruchurtu, José Malanca, Carlos Manuel Cox, Blanca Luz Brum e Esteban Pavletich. De um lado, queria criar

82 Julio Antonio Mella, “Carta al representante del Perú”, Juventud, ano I, t. I, n. 7-8, maio 1924, p. 46.83 Jorge del Prado, En los años cumbres de Mariátegui, cit., p. 119.84 Ibidem, p. 120.85 Para informações sobre as cartas de Mariátegui com amigos no México, ver Ricardo Luna Vegas, Historia y trascendencia de las cartas de Mariátegui (Lima, s. ed., s. d.), p. 69-71.86 Ver, por exemplo, El exílio español en Mexico (México, Fondo de Cultura Económica, 1983).

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vínculos com artistas e distribuir a Amauta em livrarias da capital, já que “poucas revistas na América Hispânica acompanharam com tanta atenção o movimento revolucionário mexicano”87 e, portanto, “é necessário que isso se saiba lá”88. Por outro, buscava informações sobre os desdobramentos da revolução. E, por outro ainda, discutia os rumos da Apra após a decisão da célula local transformar a frente anti-imperialista em partido nacionalista.

Mas o quadro apresentado por seus amigos no México era por vezes carregado de tintas fortes e mostrava uma situação bastante distorcida da realidade89. A poetisa uruguaia Blanca Luz Brum, por exemplo, faria um retrato contundente do país. Diria ela que o México era uma “terra porca, de homens torpes, luxuriosos e egoístas”, um “blefe”, tudo “caca, pura caca”, onde nunca nasceria um Mariátegui ou uma

87 Carta de José Carlos Mariátegui a José Malanca, 2 de julho de 1929, em Jorge del Prado, En los años cumbres de Mariátegui, cit., p. 69.88 Idem.89 Em uma carta conhecida, o boliviano Tristán Maróf dizia: “Não é possível escrever uma linha sequer sobre o México sem viver aqui, sem se relacionar com os meios mais diversos e sem ter um espírito de observação agudo. Os que escrevem sobre o México, à distância, poderão acer-tar talvez em alguns aspectos, mas não em todos. Frequentemente me divirto ao ler polêmicas sustentadas sobre o México e não faço outra coisa além de sorrir. O México não se consertará nem mudará pelos bons ou maus desejos desses senhores. Estando aqui, sentindo a vibração e a força deste país, dá-se conta de que o México tem enorme dinamismo, [e] que o emprega quando convém, no momento que é preciso. Os que analisam a ‘revolução mexicana’ como uma coisa defi nitiva, seguramente não se dão conta de que ela não realizou senão seu papel histórico diante do poder feudal, enfraquecendo-o consideravelmente. Mas, por esse mesmo motivo, este país marcha a passos rápidos para a ‘revolução social’, proletarizando todas as suas massas camponesas e operárias. Por esse mesmo motivo, o México encontra-se à frente de nossos países, onde o privilégio, o latifúndio como entidade política e o clero dominam de forma abarcadora. Temos de realizar uma revolução muito parecida com a do México em 1910; talvez nossa revolução tenha maiores conteúdos sociais, maior visão de conjunto, mas mesmo isso não será senão o resultado de experiências obtidas pelo México [...]. A polêmica de Urquieta, pequeno-burguês intelectual, e Meneses, com sua dose de sentimentalismo, não me demonstra senão uma coisa: o erro de não viver no México, de não estar inteirado da evolução econômica – único fator que precipita as revoltas. Calles e Obregón – este último assassinado num momento lamentável – não signifi cam outra coisa senão a representação da pequena burguesia nacional que derrotou o regime latifundiário e porfi riano que dominou o México por um período de mais de trinta anos. Mas não é possível desconhecer a obra da Revolução Mexicana, a interrogante que [esta] abriu em todos os campos, e, por último, seus esforços para se impor e lutar diante de um inimigo tão poderoso quanto o capitalismo de Wall Street”. E concluía: “Por outro lado, nosso dever revolucionário é defender todas as conquistas que foram obtidas com a revolução e seguir adiante” (carta de Tristán Maróf a José Carlos Mariátegui, 6 de agosto de 1928, em Antonio Melis (org.), José Carlos Mariátegui, cit., t. II, p. 408-9).

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Blanca Luz, apenas gente como Pancho Villa e outros bandidos90. Uma opinião certamente tendenciosa.

Por essas e outras, Mariátegui recorreria a várias fontes distintas para compor o painel mais amplo da revolução. Afi nal de contas, o “tropicalismo fraseológico” local poderia levar os analistas desavisados a confusões. O fato é que Mariátegui procuraria no México um para-digma para tentar entender os caminhos políticos do continente91, os motivos da desvinculação entre os movimentos do México e do Peru, e o modo de superar essa situação. Afi rmaria que “os revolucionários da América Hispânica sempre nos interessamos mil vezes mais pela Revolução Mexicana do que esta por nós. Os que agora verdadeira-mente representam a Revolução Mexicana têm o dever de retifi car essas limitações do nacionalismo do México”92. De qualquer forma, chegaria à conclusão de que, mesmo sendo um dos grandes centros latino-americanos, o México ainda estava muito distante da América do Sul e não tinha condições de sentir um nacionalismo continental93.

As opiniões de Mariátegui sobre o processo revolucionário mu-dariam bastante ao longo dos anos. De seu primeiro artigo político, de 5 de janeiro de 1924, até o último, publicado em 19 de março de 1930, suas análises ganhariam mais densidade e sofi sticação. Seria interessante discutirmos aqui sua interpretação sobre o caráter da Revolução Mexicana.

Foram muitas as tentativas de caracterizá-la. Vários revolucionários daquele país chegaram a dizer que se tratava de uma revolução socia-lista94; outros, que era apenas uma revolução popular; e os marxistas

90 Carta de Blanca Luz Brum a José Carlos Mariátegui, 18 de outubro de 1929, em ibidem, p. 651.91 Ver Tatiana Goncharova, La creación heroica de José Carlos Mariátegui (Lima, Empresa Editora Amauta, 1995), p. 90.92 Carta de José Carlos Mariátegui a José Malanca, 2 de julho de 1929, citada em Jorge del Prado, En los años cumbres de Mariátegui, cit., p. 68-9.93 Carta de José Carlos Mariátegui a Samuel Glusberg, 10 de junho de 1929, em Antonio Melis (org.), José Carlos Mariátegui, cit., t. II, p. 576.94 Arnaldo Córdova tenta mostrar qual era a concepção de socialismo dos revolucionários mexicanos. Em 1919, Salvador Alvarado dizia que “há uma fórmula que hoje, passada a agitação passional, tem de nos encaminhar pelo verdadeiro caminho do bem-estar coletivo [...] essa fór-mula é [...] a da socialização do Estado como emanação direta da vontade social”. Assim que o Estado se “socializar”, “o capitalista poderá se dedicar tranquilamente a seus negócios, sem os soçobros que hoje estorvam suas horas [...]. O Estado tem em suas mãos a solução: chama-se socialismo de Estado, fundamenta-se na cooperação universal e cumpre sua obrigação” (Citado

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mais ortodoxos a defi niram como “burguesa”, “democrático-burguesa” ou “democrático-pequeno-burguesa”. Seu caráter seria muito discutido dentro do Komintern, por exemplo95. Trotski a chamaria de revolução “bonapartista”96, enquanto outros, de “caudilhismo revolucionário” de origem pequeno-burguesa e bonapartista97. Certo autor afi rmaria que se tratava, na realidade, de uma “grande rebelião”98 e o cineas-ta argentino Raymundo Gleyzer a designaria como uma “revolução

em Arnaldo Córdova, “México, revolución burguesa y política de masas”, cit., p. 79). Já Álvaro Obregón diria que “o socialismo é um ideal que todos nós, homens que subordinamos nossos interesses pessoais aos interesses das coletividades, devemos alentar. O socialismo tem como objetivo principal estender a mão aos de baixo para buscar um maior equilíbrio entre o capital e o trabalho, para buscar uma distribuição mais equitativa entre os bens com que a natureza dota a humanidade” (idem).95 Na I Conferência Comunista Latino-Americana de Buenos Aires, em 1929, a Revolução Mexicana seria caracterizada como “democrático-burguesa”. O principal dirigente da Internacional Comunista no continente, Vittorio Codovilla, e os representantes da delegação mexicana diriam que havia no México um regime “pequeno-burguês”, que havia conseguido realizar a “revolução agrária” com reivindicações de uma “revolução democrático-burguesa”. Já o camarada Luis, o suíço Jules Humbert Droz, discordava veementemente, pois, segundo com ele, a pequena burguesia não seria uma “classe revolucionária”. Para ele, “o movimento revolucionário nasceu da ação das massas camponesas pela posse da terra. Teve, portanto, desde o princípio, o caráter de um movimento de massas, e a pressão armada dos camponeses obrigou o governo que emergiu desses aconteci-mentos a realizações, e não somente a gestos demagógicos ou frases revolucionárias. Os governos de Obregón e Calles representavam a coalizão de quatro classes: a burguesia agrária e a classe de latifundiários nascidos da revolução ou somados a esta, a pequena burguesia, os camponeses e uma grande parte da classe operária representada pelo Partido Trabalhista e a Crom [...]. A política de Obregón e Calles foi a de desenvolver e fortalecer a burguesia agrária e chegar a um compromisso com o imperialismo. Os camponeses foram desarmados e os tribunais de apelação devolveram a terra aos antigos latifundiários. As relações com o imperialismo melhoraram, graças à política capitulacionista do governo mexicano. O governo rompeu as greves realizadas pela categoria mais ativa da classe trabalhadora” (Arnaldo Córdova, “México, revolución burguesa y política de masas”, cit., p. 80-1). De acordo com Arnaldo Córdova, “o curioso foi que, apesar de o delegado ‘Luis’ caracterizar a revolução mexicana como um ‘movimento revolucionário democrático-burguês anti-imperialista’, reconhecera que a revolução ‘democrático-burguesa’ estava ainda por ser feita. Sem dúvida, uma coisa é tomar o poder e outra levar a cabo, a partir do próprio poder, as trans-formações que postula uma revolução (essa foi outra herança da Revolução de Outubro); mas ninguém se perguntou na época, e nas décadas seguintes, sobre o problema da transformação socialista da revolução. Desde aqueles dias, os comunistas mexicanos qualifi caram, sem atalhos, a revolução mexicana como ‘democrático-burguesa’ e o regime político que dela emanou como burguês” (ibidem, p. 81).96 Para mais informações sobre as opiniões de Trotski relativas à Revolução Mexicana, ver Leon Trotsky, Escritos latinoamericanos (Buenos Aires, Ceip “León Trótsky” Ediciones, 2000).97 Anatoli Shulgovski, Mexico en la encrucijada de su historia, cit., p. 41.98 Ramón Eduardo Ruiz, México: la gran rebelión (1905/1924) (México, Era, 1984).

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congelada”. Já o trotskista argentino, naturalizado mexicano, Adolfo Gilly, denominou-a “revolução interrompida”99.

O próprio Mariátegui, em 1926, chegaria a dizer que “as formas políticas e sociais vigentes no México não representam uma etapa do liberalismo, mas sim do socialismo. Quando o processo da revolução estiver cumprido plenamente, o Estado mexicano não se chamará neu-tro e laico, mas sim socialista”100. E ao comentar a luta “antirreligiosa” do presidente Calles contra a “agitação católica e reacionária” (que para ele era de fundo essencialmente político e conservador), diria:

E então não será possível considerá-lo antirreligioso. Pois o socialismo é também uma religião, uma mística. E essa grande palavra religião, que seguirá gravitando na história humana com a mesma força de sempre, não deve ser confundida com a palavra Igreja.101

Aqui se pode perceber claramente, de um lado, o apoio a Calles e, de outro, sua crença tanto no futuro socialista da Revolução Mexicana quanto na importância do fator religioso. Crítico do Estado laico per se, e fortemente infl uenciado pela religiosidade de sua família materna, Ma-riátegui criticaria o clero ofi cial como elemento aliado dos latifundiários, já que o objetivo deste era deter os avanços revolucionários. Contudo não atacaria a “religião” em si e apoiaria a ideia do “mito revolucionário” como importante fator na luta do proletariado pelo socialismo.

Em janeiro de 1929, seria mais explícito em relação ao caráter da revolução. Já não falaria mais de uma fase transitória, uma etapa rumo ao socialismo, mas que “o Estado mexicano não era, nem na teoria nem na prática, um Estado socialista. A Revolução havia respeitado os

99 “Com a irrupção das massas camponesas e da pequena burguesia pobre, desenvolveu-se de início como revolução agrária e anti-imperialista e adquiriu, em seu próprio curso, um cará-ter empiricamente anticapitalista, levada pela iniciativa de baixo, apesar da direção burguesa e pequeno-burguesa dominante. Na ausência de uma direção proletária e de um programa operário, teve de ser interrompida duas vezes: primeiro em 1919-1920 e depois em 1940, sem poder avançar até suas conclusões socialistas, mas, ainda assim, sem que o capitalismo conseguisse derrotar as massas, arrebatando-lhes suas conquistas revolucionárias fundamentais. É, portanto, uma revolução permanente na consciência e na experiência das massas, mas interrompida em duas etapas históricas no progresso objetivo de suas conquistas. Entrou em sua terceira ascensão – que parte [...] de onde se interrompeu anteriormente – como revolução nacionalista, proletária e socialista”. Adolfo Gilly, La revolución interrumpida, México, 1910-1920: una guerra campesina por la tierra y el poder (México, El Caballito, 1971), p. 388.100 José Carlos Mariátegui, “La reacción en México”, Variedades, 7 ago. 1926, e em Temas de nuestra América, cit., p. 45-6.101 Ibidem, p. 46.

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princípios e as formas do capitalismo. O que o Estado tinha de socialista consistia em sua base política operária”102. No entanto, é estranho que o representante desse proletariado supostamente socialista não era o PCM, mas sim a reformista Crom de Morones e seu grupo103.

Os dois artigos em que Mariátegui descreve de maneira mais ex-plícita o caráter da revolução são “La revolución mexicana, por Luis Araquistain”, de 11 de setembro de 1929, e “Al margen del nuevo curso de la política mexicana”, de 19 de março de 1930, nos quais utilizou menos os fatos cotidianos e jornalísticos do momento e dedicou-se mais a analisar de forma teórica o conteúdo político do processo. Para Mariátegui, a Revolução Mexicana poderia ser classifi cada “historica-mente” como democrático-burguesa, já que, de um lado, atacava o latifúndio por sua imobilidade “feudal” diante das leis do crescimento capitalista e da necessidade política de se apoiar nas massas populares e, de outro, mantinha o princípio da propriedade privada. Diria ele:

uma revolução continua a tradição de um povo, no sentido de que é uma energia criadora de coisas e ideias que se incorpora defi nitivamente nessa tradição, enriquecendo-a e acrescentando-a. Mas a revolução traz sempre uma nova ordem, que teria sido impossível ontem. A revolução se faz com materiais históricos; mas, como desenho e como função, corresponde a necessidades e propósitos novos.104

Utilizando as opiniões de Araquistain, que naquela época já não tinha ilusões a respeito do desenvolvimento da revolução rumo ao socialismo, Mariátegui diria que a política agrária dos governos sur-gidos do movimento que formulou os princípios na Constituição de 1917 foi, na prática, moderada e transacional. Assim, o processo revo-lucionário estaria claramente dentro do quadro capitalista e burguês. O movimento político, confuso ideologicamente, seria dirigido pela pequena burguesia. Mariátegui afi rmaria:

o México fez conceber a apologistas apressados e excessivos a esperança tácita de que sua revolução proporcionaria à América Latina o padrão e o método de uma revolução socialista, regida por fatores essencialmente

102 Ver José Carlos Mariátegui, “Portes Gil contra la Crom”, cit., p. 57-8.103 Para mais informações sobre o movimento operário no México, ver Ramón Eduardo Ruiz, La revolución mexicana y el movimiento obrero (1911-1923) (México, Era, 1981).104 José Carlos Mariátegui, “La revolución mexicana, por Luis Araquistain”, Variedades, 11 set. 1929, e em Temas de nuestra América, cit., p. 93.

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latino-americanos, economizando ao máximo a teorização europeizante. Os fatos se encarregaram de acabar com essa esperança tropical e mes-siânica. E nenhum crítico circunspecto se arriscaria hoje a subscrever a hipótese de que os caudilhos e planos da Revolução Mexicana conduzem o povo asteca ao socialismo.105

Este é, sem dúvida, um claro ataque à Apra e a todos aqueles que o haviam acusado de ser excessivamente infl uenciado por ideias europeias.

Mariátegui criticaria também Froylán C. Manjarrez, que, em artigo publicado na revista Crisol, havia defendido a ideia de que, na etapa gradual de transição do capitalismo para o socialismo, haveria um Es-tado intermediário, regulador da economia nacional, que defenderia o conceito “cristão” de propriedade e a este atribuiria funções sociais (para Mariátegui, isso já ocorria na Itália, por exemplo, e chamava-se fascismo). Em outras palavras, a ideia de retirar de cena o Estado de classes e colocar em seu lugar um outro, supostamente “superior” aos interesses classistas, “conciliador e árbitro” (surgido muitas vezes de processos genuinamente revolucionários), seria, na realidade, uma ideia contrarrevolucionária e pequeno-burguesa. Representaria, portanto, uma regressão, já que esse Estado não só não poderia assegurar à organização política e econômica do proletariado as garantias de legalidade democrático-burguesa, como, na prática, assumiria a função de atacá-la e destruí-la, caso se sentisse ameaçado por suas manifestações. Ou seja, esse Estado “regulador”, de mentalidade patriarcal, proclamaria a si mesmo depositário absoluto e infalível dos ideais revolucionários, afi rmando falar em nome dos traba-lhadores, mas, ao mesmo tempo, atacando-os quando fosse conveniente ou necessário. Por isso, Mariátegui diria:

o caráter e os objetivos dessa revolução, pelos homens que a acaudilha-ram, pelos fatores econômicos a que obedeceu e pela natureza de seu processo, são os de uma revolução democrático-burguesa. O socialismo não pode ser levado a cabo senão por um partido de classe; não pode ser senão o resultado de uma teoria e de uma prática socialistas.106

Isso quer dizer que, para ele, a Revolução Mexicana teria sido de início uma revolução agrária, popular e “antifeudal”, liderada, de

105 Idem, “Al margen del nuevo curso de la política mexicana”, Variedades, 19 mar. 1930, e em Temas de nuestra América, cit., p. 66-7.106 Ibidem, p. 69.

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um lado, por setores burgueses e, de outro, por uma forte vertente camponesa, e que resultou, após sua estabilização, numa revolução democrático-burguesa, com traços reacionários, tendendo, ao que tudo indicava, para a construção de um Estado regulador, semelhante ao fascista, e que, portanto, não poderia servir de modelo para as lutas políticas dos trabalhadores da América Latina. Só o socialismo seria a verdadeira alternativa revolucionária para os países do continente.

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