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  • Maria Luiza Levi Pahim

    Organizaes Sociais de Sade do estado de So Paulo: insero privada no SUS e gesto financeira do modelo pela Secretaria de

    Estado da Sade

    Tese apresentada Faculdade de Medicina da

    Universidade de So Paulo para a obteno do

    ttulo de Doutor em Cincias

    rea de concentrao: Medicina Preventiva

    Orientadora: Profa. Dra. Ana Luiza Dvila Viana

    So Paulo 2009

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Preparada pela Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    reproduo autorizada pelo autor

    Pahim, Maria Luiza Levi Organizaes Sociais de Sade do estado de So Paulo : insero privada no SUS e gesto financeira do modelo pela Secretaria de Estado da Sade / Maria Luiza Levi Pahim. -- So Paulo, 2009.

    Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo. Departamento de Medicina Preventiva.

    rea de concentrao: Medicina Preventiva. Orientadora: Ana Luiza D vila Viana. Descritores: 1.Economia da sade 2.Gesto em sade 3.Economia e

    organizaes de sade 4.Proteo social 5.Regulao

    USP/FM/SBD-188/09

  • AAggrraaddeecciimmeennttooss

    Este trabalho contou com a contribuio valiosa de vrias pessoas em diferentes fases de

    sua realizao.

    Em primeiro lugar, agradeo a Ana Luiza Dvila Viana, pela orientao, sugestes,

    leituras das vrias verses do trabalho e pelo grande estmulo para a sua realizao.

    Agradeo tambm aos professores Jos da Silva Guedes, Geraldo Biasoto Jnior e Paulo

    Elias, pelas crticas e sugestes feitas no exame de qualificao, as quais indicaram

    caminhos importantes para a elaborao da pesquisa.

    Agradeo ainda aos professores Maria Dutilh Novaes, pelas dicas, sugesto de

    bibliografia e indicao de contato, a Ana Maria Malik, pelas sugestes, e a Nilson do

    Rosrio Costa, pelas discusses e sugestes a respeito de como conduzir parte da

    pesquisa.

    Fundao do Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp) e aos demais

    rgos financiadores e parceiros do Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS),

    Ministrio da Sade, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    (CNPq) e Secretaria de Estado da Sade de So Paulo, registro agradecimento pelo

    apoio realizao do trabalho.

    Agradeo ainda Coordenadoria de Gesto de Contratos de Servios de Sade

    (CGCSS) da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo, pela autorizao para a coleta

    de dados e realizao de entrevistas.

  • Vrias outras pessoas deram apoios importantes em diversas questes relacionadas ao

    trabalho. Agradeo especialmente a Ilmar Ferreira da Silva, pela ajuda com alguns

    clculos, a Elaine Giannotti e Paulo Rogrio Antonio, pelos preciosos ensinamentos a

    respeito do mundo das AIH, a Karina Calife, pelas conversas sobre o trabalho em sade,

    a Marcelo Ferraz e Nestor Queiroz, pelo auxlio com a extrao de dados relativos ao

    oramento do Estado de So Paulo, a Rosangela Martins Rodrigues, pelo fornecimento

    de vrias informaes ao longo de todo o perodo de coleta de dados.

    Na Secretaria de Estado da Sade, agradeo ainda a Wladimir Taborda, Eliana de Sousa

    Ribeiro, Elosio Assuno, Rosana Tamelini, Olmpio Jos Nogueira Viana Bittar, Silvia

    Regina Oliveira e especialmente Eliana Radesca e Sonia Alves.

    Agradeo principalmente a minha me, Regina, pela ajuda na reviso de vrias partes do

    trabalho e pelo grande apoio que me deu, escutando minhas tentativas de explicao

    sobre o funcionamento do SUS.

    Finalmente, agradeo ao Quinho, meu companheiro, pela leitura do trabalho, pelos vrios

    momentos a que se disps a discutir o tema, pelo apoio e pacincia em conviver comigo

    durante este perodo.

    Dedico este trabalho a meu pai, Franco Levi, em memria.

  • RReessuummoo

    Pahim MLL. Organizaes Sociais de Sade do estado de So Paulo: insero privada no

    SUS e gesto financeira do modelo pela Secretaria de Estado da Sade tese]. So Paulo:

    Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2009.

    O trabalho analisa a experincia de implantao do modelo das Organizaes Sociais de

    Sade (OSS) no Estado de So Paulo, buscando compreender as questes que se

    colocam para a adoo de modelos centrados na administrao privada de unidades de

    sade no mbito do SUS, seja do ponto de vista sistmico, seja com relao aos

    elementos de natureza prtica relacionados a sua gesto financeira por parte do Estado.

    Para tanto, procura-se, inicialmente, identificar as referncias tericas que do suporte ao

    modelo OSS no campo da Cincia Econmica e posicionar a experincia em relao s

    tendncias recentes de reforma dos sistemas de sade. Em seguida, explora-se a

    importncia relativa desse modelo no oramento do Estado e da Pasta Sade e os

    determinantes da formao dos preos dos servios contratados pelo Estado sob essa

    forma especfica de gesto das unidades pblicas de sade.

    Descritores: 1. Economia da sade; 2.Gesto em sade; 3. Economia e organizaes de

    sade; 4. Proteo social; 5. Regulao.

  • AAbbssttrraacctt

    Pahim MLL. So Paulo State Social Health Organizations: private management in the

    Brazilian public health system and financial control by the state department of health

    [thesis]. Faculty of Medicine, University of Sao Paulo, SP (Brazil); 2009.

    This work analyses the experience of Social Health Organizations (Organizaes

    Sociais de Sade - OSS) implemented by the State Government of So Paulo. Its purpose

    is to discuss the systemic and practical issues involved in strategies of private

    management of health units in the Brazilian public health system (SUS) from a financial

    perspective. This inquiry is pursued initially by identifying the theorectical approach

    supporting the experience and its relation with health systems recent reforms. In paralel,

    the OSS model is studied in terms of its importance in the state public budget and in

    respect to the mechanims determining health services prices through it provided.

    Descriptors: 1. Health Economics; 2. Health Management; 3. Health Care Economics and Organizations; 4. Social Protection; 5. Regulation.

  • SSuummrriioo

    001

    1. Perguntas de pesquisa e questes metodolgicas 005

    2.014

    2.1 Configurao dos sistemas de sade e potencial redistributivo 015

    2.2 Movimento de reforma dos sistemas de sade 018

    2.3 Regulao e arranjos de mercado na cincia econmica 023

    034

    3.042

    042

    052

    4. Os condicionantes da gesto financeira do modelo OSS 068

    4.1 Cronologia de implantao do modelo OSS e perfil das entidades envolvidas 069

    4.2 Parmetros e restries que orientam o funcionamento do modelo OSS 079

    4.2.1 Determinantes das receitas financeiras das unidades de sade em regime de OSS 079

    4.2.2 Parmetros e restries utilizao dos recursos financeiros no modelo OSS 090

    091

    096

    Introduo

    3.1 O contexto financeiro mais geral da implantao do modelo OSS: oramento do Estado de So Paulo

    3.2 O oramento da Pasta Sade sob a tica das alternativas de

    O modelo OSS no contexto oramentrio e financeiro do Estado de So

    Configurao e reforma dos sistemas de sade: o movimento recente de transformaes e seu referencial terico

    2.4 Mudanas na configurao dos sistemas de sade e insuficincia referencial terico sustenta as reformas

    e da Secretaria da Sade

    por parte da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo4.3 Mecanismos de controle e monitoramento financeiro das OSS

    4.4 Consideraes sobre os elementos que orientam o funcionamento do modelo OSS sob a tica financeira

  • 5.101

    5.1 Preos dos servios de sade no contrato de gesto 102

    5.2 Composio das modalidades de assistncia dos contratos de uma amostra de 13 hospitais e pertinncia de anlises comparativas de preos 105

    5.3 Anlise comparativa dos preos mdios de duas modalidades de assistncia do contrato de gesto: atendimentos ambulatoriais e atendimentos de urgncia e emergncia 109

    5.4 Perfil das internaes dos hospitais da amostra de acordo 118

    5.5 Consideraes sobre a gesto financeira do modelo OSS luz das questes levantadas nas sees anteriores 136

    Consideraes finais 140

    Referncias bibliogrficas 143

    Bibliografia consultada 151

    Anexos 154

    com o faturamento registrado no SIH-SUS

    Anlise da gesto financeira do modelo OSS conduzida pela Secretaria Estado da Sade de So Paulo

  • LLiissttaa ddee ttaabbeellaass

    Tabela 3.1

    a

    Evoluo da receita do Estado de So Paulo - perodo: 1998 a 2007 44

    Tabela 3.2

    a

    Evoluo da participao do oramento da Sade no oramento total do Estado de So Paulo - perodo: 1998 a 2007 46

    Tabela 3.3

    a

    Aplicao de recursos em aes e servios pblicos de sade como percentual da receita de impostos do Estado de So Paulo de acordo com distintas fontes de informao - perodo: 2000 a 2007

    50

    Tabela 3.4

    a

    Participao relativa das vrias pastas na composio dos gastos computados pelo Governo do Estado de So Paulo para efeito da apurao do cumprimento da EC 29/2000 - perodo: 2002 a 2007 51

    Tabela 3.5

    a

    Tabela 3.5 - Evoluo do oramento da Pasta Sade do Estado de So Paulo por tipo de administrao - perodo: 2002 a 2007 52

    Tabela 3.6

    a

    Evoluo dos gastos da Administrao Direta da Pasta Sade do Estado de So Paulo por grupos de despesas - perodo: 2002 a 2007

    55

    Tabela 3.7

    a

    Evoluo das despesas de gesto direta da Secretaria de Sade do Estado de So Paulo com pessoal - perodo: 2002 a 2007 56

    Tabela 3.8

    a

    Evoluo das despesas de gesto direta da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo com outros custeios - perodo: 2002 a 2007

    57

    Tabela 3.9

    a

    Evoluo das despesas do nvel central e dos hospitais e demais servios de sade da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo com medicamentos e insumos farmacuticos - perodo: 2002 a 2007

    58

    Tabela 3.10

    a

    Evoluo das despesas de gesto direta da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo com investimentos - perodo: 2002 a 2207 60

  • Tabela 3.11

    a

    Evoluo das transferncias a municpios por parte da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo - perodo: 2002 a 2007

    62

    Tabela 3.12

    a

    Evoluo das despesas de gesto terceirizada da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo - perodo: 2002 a 2007 63

    Tabela 3.13

    a

    Evoluo da participao relativa das vrias formas de gesto de despesas nas despesas de capital da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo - perodo: 2002 a 2007 65

    Tabela 5.1

    a

    Atendimentos de urgncia e emergncia dos 13 hospitais em regime de OSS integrantes da amostra: discriminao do tipo de pronto-socorro e evoluo do volume de atendimentos contratados - perodo: 2003-2007

    113

    Tabela 5.2

    a

    Evoluo do valor mdio das AIH de cirurgia dos hospitais da amostra - perodo: 2003 - 2007 129

    Tabela 5.3

    a

    Evoluo do valor mdio das AIH de obstetrcia dos hospitais da amostra - perodo: 2003 - 2007 129

    Tabela 5.4

    a

    Evoluo do valor mdio das AIH de clnica dos hospitais da amostra - perodo: 2003 - 2007 130

    Tabela 5.5

    a

    Evoluo do valor mdio das AIH de pediatria dos hospitais da amostra - perodo: 2003 - 2007 130

    Tabela 5.6

    a

    Evoluo da razo entre o preo mdio da internao contratada e o valor e o valor mdio da AIH - perodo: 2003 - 2007 134

  • LLiissttaa ddee ggrrffiiccooss

    Grfico 2.1

    a

    Origem dos gastos dos sistemas de sade de pases desenvolvidos selecionados: participao relativa dos fundos pblicos no gasto total perodo: 2005 35

    Grfico 3.1

    a

    Evoluo do oramento da Pasta Sade do Estado de So Paulo em R$ milhes 2007 discriminados por fontes perodo: 1998 a 2007 47

    Grfico 3.2

    a

    Despesas do Estado de So Paulo com base em recursos do Tesouro Estadual por pastas: ndice de evoluo real perodo: 1998 a 2007 48

    Grfico 3.3

    a

    Despesas selecionadas da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo: ndice de evoluo real e participao relativa no oramento total de 2007 perodo: 2002 a 2007 66

    Grfico 5.1

    a

    Evoluo dos preos mdios dos servios de atendimento ambulatorial contratados junto aos hospitais da amostra com atendimentos em especialidades mdicas e no-mdicas 111

    Grfico 5.2

    a

    Evoluo dos preos mdios dos servios de atendimento ambulatorial contratados junto aos hospitais da amostra com atendimentos apenas em especialidades mdicas perodo: 2003-2007

    112

    Grfico 5.3

    a

    Preos mdios dos servios de atendimento de urgncia e emergncia contratados junto aos hospitais integrantes da amostra com pronto-socorros de portas fechadas e escala de atendimento reduzida perodo: 2003-2007

    114

    Grfico 5.4

    a

    Preos mdios dos servios de atendimento de urgncia e emergncia contratados junto aos hospitais integrantes da amostra com pronto-socorros de portas fechadas e escala de atendimento "intermediria" perodo: 2003-2007

    114

    Grfico 5.5

    a

    Preos mdios dos servios de atendimento de urgncia e emergncia contratados junto aos hospitais integrantes da amostra com pronto-socorros de portas fechadas e escala de atendimento "elevada" perodo: 2003-2007

    115

  • Grfico 5.6

    a

    Internaes registradas pelos hospitais estaduais pblicos no SIH-SUS por grupo: participao relativa e volume total perodo: 2003-2007 122

    Grfico 5.7

    a

    Internaes registradas pelos hospitais estaduais pblicos no Sistema de Informaes Hospitalares do SUS por grupo: participao relativa e valor faturado total perodo: 2003-2007 123

    Grfico 5.8

    a

    Internaes registradas pelos 13 hospitais da amostra no SIH-SUS: participao relativa de cada especialidade e quantidade total perodo: 2003-2007 124

    Grfico 5.9

    a

    Internaes registradas pelos 13 hospitais da amostra no SIH-SUS: participao relativa de cada especialidade e valor total em milhes de reais perodo: 2003 - 2007 125

    Grfico 5.10

    a

    Evoluo do valor mdio da AIH: hospitais com tendncia a AIH superior amostra perodo: 2003-2007 126

    Grfico 5.11

    a

    Evoluo do valor mdio da AIH: hospitais com tendncia a AIH em torno da amostra perodo: 2003 - 2007 127

    Grfico 5.12

    a

    Evoluo do valor mdio da AIH: hospitais com tendncia a AIH em torno da amostra perodo: 2003 - 2007 127

  • LLiissttaa ddee qquuaaddrrooss

    Quadro 4.1

    a

    Entidades que gerenciam unidades de sade no modelo OSS: caractersticas gerais, unidades gerenciadas e valores repassados anualmente (2008) 73

    Quadro 4.2

    a

    Atuao das entidades que gerenciam unidades de sade no modelo OSS no sistema privado de sade e junto a outras esferas do setor pblico 77

    Quadro 4.3

    a

    Exemplos de centros de custos do sistema de custos das unidades de sade em regime de OSS 94

    Quadro 5.1

    a

    Hospitais integrantes da amostra do estudo de evoluo dos preos dos servios de sade: entidades gerenciadoras, incio das atividades e nmero de leitos 106

    Quadro 5.2

    a

    Elementos diferenciadores do perfil do atendimento ambulatorial dos 13 hospitais da amostra

    110

  • LLiissttaa ddee ffiigguurraass

    Figura 3.1

    a

    Grupos de despesas da Administrao Direta da SES/SP 54

    Figura 4.1

    a

    Cronologia de implantao do Modelo OSS pelo governo do Estado de So Paulo: unidades de sade criadas ou incorporadas ao modelo 70

    Figura 4.2

    a

    Sistemtica de detalhamento das metas assistenciais quantitativas do contrato de gesto 81

    Figura 4.3

    a

    Sistemtica de clculo das partes fixa e varivel do contrato de gesto 85

    Figura 4.4

    a

    Periodicidade dos ajustes financeiros decorrentes da avaliao das metas assistenciais quantitativas e dos indicadores de qualidade do contrato de gesto 86

    Figura 4.5

    a

    Indicadores de qualidade condicionantes do clculo da "parte varivel" do contrato de gesto : exemplos de sistemticas adotadas em contratos firmados em perodos especficos 89

  • 1

    IInnttrroodduuoo

    Em 1998 o governo do Estado de So Paulo deu incio implantao de um novo modelo

    de gesto da assistncia sade atravs da criao da figura das Organizaes Sociais

    de Sade (OSS). Inicialmente voltada assistncia hospitalar, a estratgia foi

    posteriormente estendida a unidades ambulatoriais, de anlises clnicas e a centros de

    atendimento a grupos especficos, respondendo atualmente por uma parcela expressiva

    do volume de servios disponibilizados pelo Sistema nico de Sade (SUS) sob o

    comando da esfera estadual, bem como dos recursos do oramento da Secretaria de

    Estado da Sade.

    O elemento distintivo do que neste trabalho denominado modelo OSS a terceirizao

    da gerncia de unidades de sade do governo estadual junto a entidades privadas, por

    meio de um instrumento jurdico que estabelece um conjunto metas com relao aos

    servios de sade disponibilizados, juntamente com a obrigatoriedade de administrao

    propriamente das unidades.

    O modelo teve os seus traos fundamentais definidos pela Lei Complementar n 846, de 4

    de junho 1998 LC 846/98 (So Paulo, 1998a), que autorizou o governo estadual a

    qualificar como organizaes sociais entidades privadas sem fins lucrativos com atuao

    voltada s reas de sade e cultura. A LC 846/98 integra um conjunto de medidas cujo

    ponto de partida o Plano Diretor da Reforma do Estado, de 1995, as quais so voltadas

    flexibilizao da administrao pblica no Brasil1.

    A qualificao como organizao social depende do cumprimento de alguns requisitos

    estabelecidos na LC 846/98, sendo o principal, no caso de entidades ligadas sade, a

    comprovao de atuao prvia na rea por no mnimo cinco anos. Cumpridos os

    1 Para uma recuperao das caractersticas fundamentais desse conjunto de medidas com nfase

    para a administrao pblica na rea da sade, ver Costa e Ribeiro (1995).

  • 2

    requisitos legais, a deciso quanto qualificao de responsabilidade do Secretrio de

    Estado da rea correspondente e do Secretrio da Administrao e Modernizao do

    Servio Pblico2. Por sua vez, a qualificao constitui pr-condio para o

    estabelecimento de parcerias com o poder pblico para a execuo de atividades na

    rea de atuao correspondente, com dispensa de licitao e sob a regncia de contratos

    de gesto.

    Num momento seguinte ao do incio das atividades das primeiras organizaes sociais, o

    modelo passou a incorporar outras entidades na condio de gerenciadoras de unidades

    de sade nesse formato, na sua maioria hospitais ligados a universidades pblicas, que

    no se enquadravam em alguns dos requisitos estabelecidos pela LC 846/98 para a

    qualificao como OSS. Por intermdio das fundaes de apoio das respectivas

    universidades, essas entidades passaram a administrar unidades de sade nas mesmas

    condies das organizaes sociais a partir de convnios firmados com a Secretaria de

    Estado da Sade de So Paulo (nos quais as fundaes aparecem como

    intervenientes). Tais instrumentos tm rigorosamente o mesmo formato dos contratos de

    gesto, seja em termos das obrigaes que estabelecem, seja com relao s regras que

    determinam sua forma de acompanhamento, seja, ainda, no que diz respeito s sanes

    quanto ao seu no cumprimento. Assim, o que se designa aqui como modelo OSS se

    refere administrao de unidades de sade nos moldes da LC 846/98, incluindo,

    portanto, os formatos regidos por convnios similares aos contratos de gesto.

    Quando da realizao da audincia pblica para a discusso do Projeto de Lei n 3/98

    (So Paulo, s.d.), origem da LC 846/98, houve intensa discusso envolvendo partidos

    polticos, segmentos de usurios e movimento sindical, entre outros, principalmente pela

    introduo da administrao privada de unidades pblicas de sade integrantes do SUS3.

    A legislao foi aprovada com alteraes em alguns dos elementos mais controvertidos

    do projeto original, tendo sido includas, por exemplo, a obrigatoriedade de as

    organizaes sociais da rea da sade oferecerem servios exclusivamente aos usurios

    2 Atualmente Secretrio de Estado da Gesto Pblica. 3 O que, ademais, obrigou mudana da Lei Complementar 791/95, que estabelece o Cdigo de

    Sade do Estado de So Paulo. A alterao, instituda por intermdio da prpria LC 846/98, estabeleceu que, no caso das organizaes sociais no se aplicaria a restrio ali estabelecida de que o governo do Estado, na condio de gestor estadual do SUS, somente poderia recorrer participao do setor privado no Sistema quando a sua capacidade instalada de servios fosse insuficiente para garantir a assistncia sade da populao (So Paulo, 1995)

  • 3

    do SUS e a restrio da adoo do modelo apenas para novas unidades de sade

    (Carneiro Jr., 2002).

    Mais recentemente, o governo do Estado de So Paulo enviou o Projeto de Lei

    Complementar 62/08 Assemblia estabelecendo alteraes do texto da LC 846/98 que

    abrem caminho para uma ampliao ainda maior do raio de abrangncia desse formato

    de gesto. A proposta extinguir as vedaes da LC 846/98 incorporao ao modelo

    OSS de unidades de sade estaduais j em funcionamento e ao pagamento de vantagem

    pecuniria permanente por entidades qualificadas como organizaes sociais aos

    servidores afastados para as unidades por elas administradas (So Paulo, 2008)4. Assim,

    caso aprovada essa modificao, unidades hoje geridas diretamente pelo governo

    estadual podero ter sua gesto repassada a entidades privadas para serem

    administradas sob o modelo OSS.

    O presente trabalho analisa essa experincia especfica de insero privada no sistema

    pblico de sade, enfocando o que ser denominado aqui a gesto financeira do modelo

    OSS exercida pelo governo estadual fundamentalmente atravs da Secretaria de Estado

    da Sade de So Paulo, dada a sua condio de contratante das entidades que

    gerenciam unidades de sade nesse formato e de gestora do SUS na esfera estadual.

    Por gesto financeira do modelo entende-se a gesto de vrios elementos sob o comando

    do governo estadual e da Secretaria que determinam os recursos disponibilizados para o

    seu financiamento. Em particular, busca-se identificar a importncia relativa desse modelo

    no oramento do Estado e da Pasta Sade, o funcionamento dos mecanismos de

    monitoramento do uso dos recursos e os determinantes da formao dos preos dos

    servios contratados nessa forma de gesto das unidades pblicas de sade.

    A preocupao de natureza geral que orientou a elaborao dessa pesquisa foram as

    questes associadas adoo de modelos centrados na administrao privada de

    unidades de sade no mbito do SUS, seja do ponto de vista sistmico, seja com relao

    aos elementos de natureza prtica que se colocam para a sua gesto financeira por parte

    do Estado.

    O trabalho apresentado em cinco captulos. O primeiro apresenta as questes de

    pesquisa tratadas especificamente em cada um dos captulos seguintes e seus aspectos

    4 Alm disso, o PL prope que as fundaes de apoio aos hospitais de ensino possam ser

    qualificadas como organizaes sociais desde que existentes h mais de dez anos (e desde que obedecidos os demais requisitos da LC 846/98) [So Paulo, op.cit.].

  • 4

    metodolgicos. O segundo aborda alguns aspectos tericos relevantes para a anlise do

    tema e recupera algumas tendncias recentes de transformao dos sistemas de sade.

    O terceiro analisa o contexto oramentrio que permeou a implantao do modelo OSS.

    O quarto descreve aspectos institucionais relevantes para a compreenso do

    funcionamento do modelo. Finalmente, o quinto captulo estuda o padro de formao dos

    preos dos servios de sade contratados pela Secretaria de Estado da Sade de So

    Paulo junto s entidades gerenciadoras de unidades em regime de OSS. As

    consideraes finais recuperam as principais questes levantadas ao longo do trabalho.

  • 5

    CCaappttuulloo 11

    PPeerrgguunnttaass ddee ppeessqquuiissaa ee qquueesstteess mmeettooddoollggiiccaass

    Este captulo identifica o conjunto de perguntas que orientam o presente trabalho,

    desenvolvidas nos demais captulos da tese e apresenta os caminhos escolhidos para

    trat-las, bem como as questes de carter metodolgico que suscitaram. Antes de sua

    discusso propriamente, so apresentadas duas questes de natureza mais geral que

    permearam a execuo da pesquisa.

    A primeira se refere ao fato de que constituiu uma preocupao e ao mesmo tempo um

    desafio manter uma postura de pesquisa que guardasse uma distncia mnima em

    relao s anlises e reaes polarizadas que o tema das Organizaes Sociais de

    Sade paulistas comumente suscita. Num contexto em que grande parte da discusso se

    concentra nas crticas e defesas dos princpios do modelo, realar elementos positivos do

    seu funcionamento tende a ser imediatamente identificado com a defesa das reformas do

    Estado promovidas no Brasil e em parte do restante do mundo a partir dos anos 90, sob

    inspirao da chamada agenda neo-liberal, ou ainda com um posicionamento pr

    valores de mercado. J o destaque de pontos negativos, ao contrrio, costuma ser

    vinculado a uma postura mais esquerda, de defesa do Estado, ou, na verso crtica,

    corporativista e anacrnica. verdade que nenhum objeto de pesquisa relativo a

    polticas pblicas existe sem se materializar em uma experincia histrica concreta e,

    portanto, sem ter sua existncia associada a um contexto poltico especfico. Em outras

    palavras, qualquer anlise de uma experincia histrica de poltica pblica ir encontrar,

    de maneira mais ou menos explcita, um debate poltico (por vezes, poltico-partidrio)

    que lhe subjacente, colocando sempre um desafio em relao ao posicionamento

    adequado de uma perspectiva investigativa. O que se quer ressaltar que, ainda que o

    atual debate em torno do modelo OSS, com suas posies polarizadas, tenha

    inevitavelmente permeado a conduo desta pesquisa, sua natureza acadmica suscitou

    uma preocupao de efetivamente perguntar ao objeto, procurando fazer emergir

    questes e caminhos de investigao que pudessem de fato contribuir para elucidar seu

  • 6

    funcionamento, o contexto em que foi implantado e seus impactos. Isso no significa

    referendar uma noo de que o trabalho investigativo pode ou deve se dar margem das

    vivncias, crenas e posicionamentos do prprio pesquisador, mas, sim, afirmar que um

    esforo de compreenso de um fenmeno, de reflexo sobre o seu significado, requer um

    efetivo questionamento de idias, posicionamentos e conceitos no desenvolvimento das

    perguntas de pesquisa e das trajetrias escolhidas para o seu encaminhamento. Assim, o

    debate mais acalorado em torno do modelo OSS no foi ignorado, mas o percurso

    escolhido tentou entender o funcionamento da gesto financeira do modelo OSS de

    dentro, distanciando-se em certa medida das discusses que tendem a se esgotar nos

    seus princpios constitutivos.

    A segunda questo de carter geral com relao ao trabalho diz respeito ao seu recorte.

    O foco de investigao que se perseguiu foi a gesto financeira do modelo OSS, mas ao

    longo do desenvolvimento da pesquisa uma srie de outras discusses se revelaram

    essenciais para uma efetiva compreenso do significado e das implicaes do modelo.

    Ficou claro, entretanto, que era impossvel e inapropriado aprofundar tais discusses nos

    limites deste trabalho, tanto por restries de formao acadmica como por se tratarem

    de temas complexos, que justificam pesquisas especficas. Assim, h um conjunto de

    questes que esta tese no investiga, mas que se mostram fundamentais para

    compreender o modelo OSS, e que sero aqui mencionadas para que fique marcado o

    reconhecimento sobre sua importncia.

    A primeira e mais bvia refere-se qualidade da assistncia sade disponibilizada nas

    unidades que funcionam sob este modelo, tema naturalmente essencial para a

    compreenso dos impactos de sua implantao.

    A segunda diz respeito gesto do trabalho em sade no modelo OSS. Em especial, em

    que extenso essa modalidade de gesto tem permitido (ou dificultado) a integrao dos

    trabalhadores das OSS ao conjunto dos demais trabalhadores da sade do setor pblico

    estadual com relao s diversas polticas? Em outras palavras, de que maneira o gestor

    estadual do SUS (a Secretaria de Estado da Sade de So Paulo SES/SP) coordena a

    atuao desses profissionais, cuja relao contratual com as entidades gerenciadoras

    das unidades operadas sob regime de OSS, para efeito do desenvolvimento da poltica de

    sade? Essa questo relevante sob vrios ngulos, abrangendo desde posturas com

    respeito a procedimentos tcnicos at a construo de entendimentos em relao a

    questes extremamente caras ao Sistema nico de Sade, como a importncia da

  • 7

    ateno bsica na estruturao do sistema e o papel dos hospitais nesse contexto.

    Embora se entenda que a gesto sob o regime de OSS no impea a integrao dos

    trabalhadores dessas entidades ao conjunto de trabalhadores da sade, determinados

    cuidados e movimentos parecem necessrios para que esta efetivamente acontea, e

    uma linha de investigao importante para a compreenso do modelo relaciona-se

    justamente forma como tal questo foi conduzida pelo Estado de So Paulo, pelas

    entidades administradoras de OSS e pelos prprios trabalhadores da sade.

    Outro desdobramento fundamental relativo gesto do trabalho em sade no modelo

    OSS refere-se forma como este lida com diversas questes de natureza tica que

    costumam ser apontadas como pertencentes rotina de trabalho no setor pblico, e cuja

    face mais aparente o absentesmo nas unidades de sade5. habitual a meno

    eficincia dos mecanismos do modelo OSS com relao a fazer cumprir diversas normas

    de funcionamento dos servios de sade, em especial o horrio de trabalho. Em

    contrapartida, corriqueiro se mencionar que no setor pblico tal questo bastante

    problemtica6. Esta discusso no feita neste trabalho, mas este no parece ser um

    problema de importncia negligencivel para a construo do SUS e, em sendo este o

    caso, tampouco so negligenciveis os arranjos que eventualmente logram encaminh-lo

    de forma adequada7.

    Outra questo relevante que tampouco objeto de exame ao longo deste trabalho diz

    respeito extenso em que o Estado de So Paulo deveria, tendo como referncia o

    princpio de descentralizao das aes de sade inscrito na Constituio de 1988 e na

    Lei 8.080/90, encampar um movimento ativo de construo de equipamentos prprios de

    sade como o ocorrido nos ltimos anos. Como ser visto no captulo 3, o perodo de

    implantao das OSS foi marcado no s por um pronunciado crescimento das receitas

    5 Mas que tambm poderiam incluir aspectos da relao mdico-paciente, por exemplo.

    6 Em trabalhos de natureza acadmica, essa questo em geral aparece embutida em linhas de argumentao que comparam as condies de gesto de RH nas OSS e no setor pblico, mas em situaes de carter mais informal, como entrevistas realizadas ao longo desta pesquisa ou mesmo na vivncia da rotina de trabalho, a meno explcita ao no cumprimento sistemtico de horrio como prtica corriqueira em servios de sade na Administrao Direta em geral bastante freqente.

    7 Nas discusses em que essa questo emerge, muito comum o argumento de que os salrios so baixos no setor pblico, o que explicaria tal comportamento. interessante notar, entretanto, que esse tipo de situao no s no parece ser exclusivo dos trabalhadores da sade como tambm parece ser muito mais freqente entre trabalhadores do setor pblico pertencentes a carreiras melhor estruturadas, que contam com maior flexibilidade em sua rotina de trabalho e cujos salrios so mais elevados.

  • 8

    tributrias estaduais como por um aumento da parcela dessas receitas destinada Sade

    pelo governo do Estado de So Paulo, em parte em razo da Emenda 29, mas no

    exclusivamente por sua conta. Por sua vez, no perodo entre 1997 e 2008, alm do

    trmino dos onze hospitais que haviam sido iniciados nas gestes anteriores sob o Plano

    Metropolitano de Sade criado no governo Montoro (Ibaez et. al., 2001) diversas outras

    unidades foram construdas (entre hospitais, ambulatrios e outras) e incorporados ao

    modelo OSS. Em outros termos, a relativa folga oramentria da Pasta Sade nos ltimos

    anos foi em grande medida direcionada para aumentar a quantidade de unidades

    prprias, e constituiu elemento fundamental para viabilizar o aprofundamento do modelo

    OSS, j que todas passaram a ser administradas nestes moldes. A questo que se coloca

    at que ponto este processo adequado do ponto de vista do papel dos estados ou se

    seria um movimento na contramo da lgica de construo do SUS, tendo em vista o

    princpio da descentralizao.

    Um contraponto interessante para pensar esta questo o movimento recente do

    governo estadual de Minas Gerais, que tem ampliado a sua participao no sistema de

    sade estadual empregando tambm a lgica do contrato com metas e compromissos,

    mas num sentido distinto. O mecanismo tem sido utilizado para gerir a relao entre o

    governo do Estado e as prefeituras na operao de unidades de sade que se encontram

    em reas de abrangncia com mais de um municpio, com o objetivo de estruturar as

    redes de ateno no Estado. Ou seja, aparentemente o Estado mineiro tem usado os

    mecanismos de controle do contrato de gesto sob uma lgica que busca arbitrar e

    ampliar a responsabilidade dos municpios na construo de redes de servios

    compartilhadas (GVSade, 2008). Em suma, essa discusso parece importante tanto para

    entender o contexto e os impactos da implantao do modelo OSS como para pensar a

    prpria construo do SUS do ponto de vista da distribuio das receitas entre as vrias

    esferas de governo e o papel de cada uma no sistema.

    Feitas essas consideraes de natureza geral, so elencadas a seguir as questes de

    pesquisa centrais de cada um dos captulos que compem o restante da tese. O captulo

    2, Configurao e reforma dos sistemas de sade: o movimento recente de transformaes e seu referencial terico, se orientou pela busca dos conceitos e teorias que vm dando suporte a reformas que proporcionam o aumento da presena

    privada na prestao de servios de sade. Seu ponto de partida foi uma tentativa de

    investigar de forma mais abstrata os efeitos que um aumento da atuao de agentes

  • 9

    privados e maior presena de elementos tpicos de mercado no funcionamento dos

    sistemas de sade tm sobre o seu potencial de redistribuio de recursos na sociedade.

    O objetivo foi compreender o movimento de reformas dos sistemas de sade que, nas

    ltimas dcadas, se firmaram como referncia em termos de proteo social. Em seguida,

    procurou-se examinar a origem das abordagens tericas que apiam essas

    transformaes, em grande medida sintetizadas na noo de que nas novas

    configuraes cabe ao Estado desempenhar um papel especfico, o de agente

    regulador. A trajetria escolhida foi a de procurar entender a matriz terica da noo de

    regulao econmica, desde a origem da regulao dos monoplios at a verso

    moderna da regulao da concorrncia. Uma questo que acabou se revelando essencial

    ao longo do caminho seguido neste captulo foi o fato de que, para alm do contedo

    propriamente das idias sob anlise, aquilo que a discusso acabava deixando margem

    que acabou se revelando como o elemento distintivo deste arcabouo terico. Como se

    procura argumentar, as teorias que fundamentam o par regulao estatal - presena

    privada na explorao de atividades econmicas so construdas de forma a tomar a

    fronteira entre os setores pblico e privado como um problema microeconmico. Embora

    muitas dessas teorias no recusem a dimenso poltica de processos de privatizao ou

    estatizao, seu movimento restringir a discusso a um espao de investigao

    tcnico que, por este atributo, se apresenta como neutro, protegido de interferncias e

    vieses de natureza poltica. Na realidade, preconiza-se uma espcie de hierarquia em

    que a discusso tcnica figura num plano separado de sua apropriao por processos

    polticos especficos. Como conseqncia, o debate terico acaba ficando restrito

    discusso dos comportamentos das diferentes instituies, do formato ideal das relaes

    contratuais e dos mecanismos de incentivo e punio, deixando de lado as implicaes

    sistmicas associadas a processos de mudana da configurao pblico versus privado

    nos sistemas de sade.

    O captulo 3, O modelo OSS no contexto oramentrio e financeiro do Estado de So Paulo e da Secretaria de Estado da Sade, foi totalmente estruturado a partir do exame dos dados da execuo oramentria do Estado de So Paulo. As informaes foram

    extradas do stio da Secretaria da Fazenda do Estado na internet, exceo de um

    conjunto de dados de maior grau de detalhamento que foram obtidos no Sistema de

    Informaes Gerencias da Execuo Oramentria do Estado de So Paulo (SIGEO), por

    meio de acesso disponvel ao pblico na biblioteca da Assemblia Legislativa.

  • 10

    Cabem algumas consideraes a respeito das peculiaridades relacionadas s

    informaes da execuo oramentria. Como se sabe, o oramento pblico um

    instrumento legal, que autoriza o poder executivo a realizar determinadas despesas, com

    base numa previso de receita e, sob este prisma, sua principal funo publicizar, de

    maneira minimamente detalhada e especfica, a origem e o destino dos recursos sobre os

    quais versa. Por outro lado, o oramento algo que deve se prestar a ser executado,

    operacionalizado. Isso coloca um limite possibilidade de a pea oramentria sinalizar

    custos de aes e servios. Por mais que sejam aperfeioadas as formas de elaborar e

    executar os oramentos pblicos, numa rea complexa como a Sade, em que no s as

    chamadas despesas meio concorrem para as vrias aes e servios, mas tambm

    parte dos gastos com recursos humanos (caso, por exemplo, de mdicos que trabalham

    em dois servios de sade diferentes) e material de consumo, esse limite ainda mais

    estreito. Assim, o interesse ao trabalhar com esse tipo de informao no foi o de

    visualizar informaes que sinalizassem custos, mas, sim, o de identificar tendncias e

    prioridades entre grandes grupos de despesas.

    Uma segunda observao importante se refere qualidade das informaes da execuo

    oramentria. A operacionalizao do oramento se d por meio de um conjunto de

    rotinas de arrecadao e dispndio, executadas em diversas reas do setor pblico,

    geralmente de forma descentralizada, e envolvendo um enorme volume de eventos,

    consolidados num sistema de execuo oramentria. O fato que, dada a operao

    descentralizada dessas rotinas e a complexidade envolvida no sistema de execuo

    oramentria de qualquer ente pblico, comum observar-se uma enorme variabilidade

    na qualidade das suas informaes. Isso ocorre seja por ausncia de orientaes por

    parte do nvel central responsvel pelo sistema de execuo oramentria quanto forma

    correta de registro de determinados eventos, seja porque, em muitas ocasies, coloca-se

    para o tcnico responsvel funcionalmente pelo registro do evento interpretar a forma

    mais adequada de faz-lo, seja, ainda, pela ausncia de viso quanto quilo que

    importante ser informado. Assim, numa anlise detalhada da execuo do oramento,

    freqente, por exemplo, deparar-se com valores muito elevados classificados como

    outros. Isso indica ou que o rol de opes disponveis para a classificao dos eventos

    no reflete a realidade do gasto, ou que h ausncia de cuidado no registro dos eventos.

    Outra situao comum so oscilaes abruptas de valores de determinados tipos de

    despesas que teoricamente deveriam guardar alguma constncia (por exemplo, um

    servio terceirizado essencial para a manuteno de um equipamento pblico). Isso

  • 11

    sugere a ocorrncia de mudanas na forma de classificao, as quais, por sua vez,

    podem inviabilizar a construo de uma srie consistente de dados. O Estado de So

    Paulo avanou muito em relao aos procedimentos, rotinas e orientaes relativas

    execuo oramentria nos ltimos anos, mas, mesmo assim, nos dados examinados

    para a elaborao deste trabalho, esse tipo de situao ocorreu em alguma extenso.

    A despeito dos problemas mencionados, a utilizao de dados de execuo oramentria

    tem vantagens em relao a outras possveis fontes de informao. Primeiro, trata-se de

    dados sobre eventos cuja origem um sistema, e no de relatrios elaborados em carter

    eventual, por ocasio da necessidade de produzir determinada informao, com base

    muitas vezes em arquivos individuais. Em poucas palavras, o dado da execuo

    oramentria impessoal e, por isso, em princpio, prefervel a qualquer outro em

    termos da realizao de uma pesquisa que verse sobre o gasto pblico. Segundo,

    nenhuma despesa feita no setor pblico sem que passe pelo sistema de execuo

    oramentria. Em geral, esse sistema que processa o conjunto de pagamentos que o

    ente pblico realiza. Dessa forma, apenas o olhar sobre o oramento permite

    contextualizar de fato um determinado gasto em relao ao todo, tornando possvel ter

    uma noo a respeito das despesas que foram preteridas e daquelas privilegiadas, o que

    fundamental quando se trata da anlise de uma poltica pblica.

    Finalmente, cabe destacar que o oramento do Estado de So Paulo tem uma

    apresentao relativamente clara, e seu formato vem se mantendo estvel ao longo do

    tempo, o que permite a elaborao de anlises sob distintas vises. A despeito disso,

    surgiram dvidas ao longo da pesquisa, as quais puderam ser esclarecidas por meio de

    contato com tcnico da SES/SP que atua na rea oramentria-financeira da Secretaria.

    O captulo 4, Os condicionantes da gesto financeira do modelo OSS, de natureza essencialmente descritiva e rene o conjunto de elementos que definem o contexto

    institucional sobre o qual funciona o modelo OSS, incluindo legislao, regras em geral e

    prticas de atuao. Sua elaborao se baseou em levantamento de leis, decretos e

    resolues que orientam o modelo, pesquisa bibliogrfica e documental, alm de

    entrevistas semi estruturadas com tcnicos da Coordenadoria de Gesto de Contratos de

    Servios de Sade (CGCSS). As entrevistas foram seguidas de diversos contatos

    posteriores para o esclarecimento de dvidas pendentes e coleta de informaes

    adicionais e os entrevistados esto relacionados no Anexo 1.1.

  • 12

    Finalmente, o captulo 5, Anlise da gesto financeira do modelo OSS conduzida pela Secretaria de Estado da Sade de So Paulo, procurou compreender a forma como a Secretaria de Estado da Sade de So Paulo opera a gesto financeira do modelo, ou

    seja, com que bases define os rumos do seu custo financeiro. Seu objetivo foi ilustrar

    alguns dos desafios colocados ao Estado na gesto de um modelo centrado na

    administrao terceirizada de unidades de sade e avaliar at que ponto, na experincia

    especfica de implantao do modelo OSS paulista, tem sido efetivo o controle e o

    monitoramento empreendidos pela SES/SP sob o enfoque econmico-financeiro. Em

    outras palavras, o interesse foi identificar os principais elementos que permeiam as

    decises da Secretaria na arbitragem do modelo do ponto de vista financeiro no

    desempenho, portanto, daquilo que por vezes denominado papel do agente regulador,

    dado contexto de administrao privada de servios de natureza pblica. Nesse sentido, o

    termo gesto financeira, da forma como empregado aqui, no guarda relao com a

    srie de mecanismos de controle contbil-financeiro, de natureza formal que incidem

    sobre as aes das entidades gerenciadoras, e que so objeto de operacionalizao e

    acompanhamento pela prpria SES/SP, no exerccio do chamado controle interno do

    modelo e, principalmente, pelo Tribunal de Contas do Estado, no desempenho do controle

    externo.

    O caminho escolhido para entender a forma de conduo da gesto financeira do modelo

    OSS pela Secretaria foi uma investigao a respeito dos determinantes do padro de

    formao dos preos dos servios de sade contratados junto s entidades

    gerenciadoras, a partir do entendimento de que tal padro pode constituir um indicador do

    formato e da efetividade da gesto financeira sob determinados aspectos. Nesse

    percurso, mostrou-se importante no apenas explorar as razes desse entendimento,

    mas tambm explicar o que se considera preo dos servios de sade, bem como a

    importncia de seu acompanhamento e o tipo de anlise qual se presta.

    A base da pesquisa foi um estudo dos contratos de gesto de uma amostra de 13

    hospitais. A preocupao central na composio dessa amostra foi a de englobar o maior

    nmero de unidades possvel, tendo em vista que a inteno no foi compreender as

    especificidades de uma ou outra unidade de sade ou entidade gerenciadora, mas sim

    entender a lgica que orienta a gesto financeira do modelo OSS por parte do governo do

    Estado de So Paulo enquanto rgo contratante e gestor do SUS na esfera estadual.

    Dessa forma, adotou-se como critrio que as unidades fossem hospitais, j que esta a

  • 13

    poro mais consolidada do modelo, e que tivessem pelo menos um ano de

    funcionamento no incio da srie de dados coletados. O perodo escolhido compreendeu

    os anos entre 2003 e 2007 para que se pudesse contar com uma srie suficientemente

    longa e que tivesse incio decorrido pelo menos um ano da introduo de um novo

    formato para o contrato de gesto no modelo OSS, a partir do qual o processo de fixao

    dos preos dos servios de sade deixou de ser calculado com base em um mltiplo do

    valor do faturamento registrado nos sistemas de informaes do SUS, passando

    justamente a depender da capacidade de regulao do governo estadual.

    O estudo dos contratos desses 13 hospitais foi complementado com uma anlise a

    respeito dos seus registros no Sistema de Informaes Hospitalares do SUS (SIH-SUS),

    cujo objetivo foi ilustrar o grau de heterogeneidade das suas internaes nas diversas

    especialidades e indicar o que se concluiu serem algumas dificuldades associadas

    gesto financeira do modelo OSS.

    Por fim, importante ressaltar que a anlise feita nesse captulo se baseou

    predominantemente em informaes de acesso pblico. Isso decorreu essencialmente do

    fato de a consulta aos bancos de dados mantidos pela Secretaria com informaes sobre

    as atividades das gerenciadoras de unidades do modelo OSS ter sido restrita. Avalia-se,

    entretanto, que os dados de acesso pblico foram suficientes para a elaborao de uma

    anlise que levanta questes importantes relacionadas gesto financeira do modelo e

    sinaliza alguns de seus traos constitutivos.

  • 14

    CCaappttuulloo 22

    CCoonnffiigguurraaoo ee rreeffoorrmmaa ddooss ssiisstteemmaass ddee ssaaddee:: oo

    mmoovviimmeennttoo rreecceennttee ddee ttrraannssffoorrmmaaeess ee sseeuu rreeffeerreenncciiaall tteerriiccoo

    A implantao do modelo OSS no Estado de So Paulo integra uma tendncia mais geral

    de reforma dos sistemas de sade de vrios pases nos ltimos anos na direo de maior

    participao privada e aumento da presena de elementos tpicos de mercado no seu

    funcionamento. A principal justificativa das mudanas tem sido a possibilidade de reduo

    de custos como forma de enfrentamento de presses financeiras sobre esses sistemas,

    decorrentes de um conjunto de fatores, sendo os mais importantes o envelhecimento

    populacional, a maior prevalncia de doenas crnicas e a utilizao de novas tecnologias

    por meio de equipamentos e insumos incorporadas aos diagnsticos e tratamentos

    (Rechel et. al., 2009).

    No plano terico, as transformaes so apoiadas por um conjunto de idias originrias

    da microeconomia, que tm alimentado uma vasta produo acadmica nos campos da

    Economia, do Direito e da Administrao, voltada anlise das formas de funcionamento

    e organizao de diversos segmentos do sistema econmico. Na sua maior parte, essas

    anlises so elaboradas em torno de interpretaes a respeito de como se comportam os

    agentes em determinados contextos econmicos e institucionais, derivando da no s a

    prpria necessidade de empreender as reformas propostas como tambm a direo que

    devem tomar. Nessas construes, a noo da ao regulatria por parte do Estado, ou,

    simplesmente, regulao dos sistemas de sade, adquire um papel particularmente

    importante no sentido de acenar com a coerncia e a sustentabilidade das mudanas

    recomendadas.

    Esse captulo identifica os traos principais desse cenrio de reformas e seu

    embasamento terico, buscando uma referncia para compreender a implantao do

    modelo OSS sob um prisma mais amplo do ponto de vista histrico e conceitual. Nesse

  • 15

    percurso, destaca-se especialmente a direo tomada pelas transformaes promovidas

    nos sistemas de sade dos pases que, no perodo aps a Segunda Guerra Mundial,

    construram os grandes esquemas de proteo social tornados referncia para a noo

    de Estado de Bem-Estar Social. Essa nfase, que ademais no tem a pretenso de um

    relato abrangente e sistemtico, se justifica, primeiro, porque o Sistema nico de Sade,

    para o qual o modelo OSS se apresenta como possvel alternativa de aprimoramento da

    assistncia sade, tem seus princpios de universalidade e integralidade claramente

    inspirados nas noes que embasam esses modelos. Alm disso, o olhar sobre as

    mudanas nesses sistemas de sade especficos importante porque a partir da

    anlise da sua configurao que o referencial terico que apia as reformas recentes

    revela suas principais lacunas.

    A primeira seo recupera a relao entre determinadas configuraes dos sistemas de

    sade e seu potencial de redistribuio de recursos no interior das sociedades. A segunda

    seo procura compreender as conseqncias das tendncias recentes de transformao

    nos sistemas de sade que constituem referncia em termos de proteo social sobre o

    seu potencial redistributivo. A terceira seo explora a origem das teorias que apiam o

    conjunto de reformas ao qual pertence o modelo OSS no campo da teoria econmica. Por

    fim, a quarta seo aborda alguns aspectos desconsiderados pelo aparato terico da

    regulao dos sistemas de sade e tece algumas consideraes sobre elementos

    associados ao movimento de reforma.

    22..11 CCoonnffiigguurraaoo ddooss ssiisstteemmaass ddee ssaaddee ee ppootteenncciiaall rreeddiissttrriibbuuttiivvoo

    A noo de sistema de proteo social se consolidou a partir das experincias histricas

    de construo, em grande parte dos pases desenvolvidos, do amplo conjunto de polticas

    e aes organizadas pelo Estado para garantir o bem estar pblico, no que ficou

    conhecido por Estado de Bem-Estar Social8. A histria da constituio desses esquemas

    de proteo social, bem como dos outros construdos mais ou menos a sua imagem,

    reflete os processos polticos por meio dos quais as sociedades definiram e definem os

    8 Para efeito desta anlise, a expresso sistema de sade tomada num sentido estrito,

    significando o conjunto de aes e servios de promoo e assistncia sade de uma sociedade. A definio deixa de incluir, portanto, os segmentos que compem a base industrial do setor sade, compreendendo as indstrias farmacutica e de insumos e equipamentos, cuja dinmica seguramente importante para compreender o funcionamento de um sistema de sade num sentido mais amplo, mas se encontra fora do escopo desta pesquisa.

  • 16

    limites da redistribuio de recursos e da promoo da homogeneizao de seus

    cidados9.

    Por sua vez, os sistemas de sade so parte fundamental dos esquemas de proteo e

    bem-estar social, e os princpios em torno dos quais se organizam condicionam seu papel

    face s desigualdades sociais prprias do capitalismo. Um sistema de sade pode atuar

    como fator de reiterao dessas desigualdades, reproduzindo-as no seu interior, ou, ao

    contrrio, como fora que se contrape a elas e que, portanto, contribui para maior justia

    social. Efetivamente, um sistema de sade que promove igualdade entre os membros de

    uma sociedade desigual redistribui as capacidades de satisfao de necessidades dos

    indivduos, operando em alguma extenso mudanas na prpria sociedade10.

    Quando olhamos para um determinado sistema de sade com esta preocupao de

    natureza mais geral relacionada ao seu potencial redistributivo, duas questes iniciais so

    importantes. Primeiro, a extenso em que seu funcionamento condicionado por

    mecanismos de mercado e, segundo, como se apresenta a diviso de atribuies entre

    agentes das esferas pblica e privada em seu interior. A maneira como o sistema de

    sade se constitui em relao a essas questes importante porque informa at que

    ponto a sociedade especfica em que se encontra admite a noo de sade como

    mercadoria, ou seja, como algo passvel de venda, vinculado a desembolso financeiro e

    gerador de lucros apropriveis por particulares.

    Mas a configurao especfica que um sistema de sade apresenta deve ser examinada

    com relao a trs dimenses fundamentais, proviso, acesso e financiamento. A

    dimenso da proviso compreende as condies sob as quais so produzidos os

    servios de sade providos pelo sistema. A dimenso do acesso envolve as condies

    que determinam como esses servios so distribudos entre as pessoas. E, finalmente, a

    dimenso do financiamento do sistema de sade se relaciona origem, pblica ou

    privada, dos recursos necessrios a sua sustentao financeira.

    Assim, a proviso dos servios de sade pode estar a cargo de entidades de origem

    pblica e/ou privada, e tal atividade pode se dar sob mecanismos de mercado, sendo,

    portanto, objeto de venda e passvel de gerao de excedente, ou sob o comando do

    9 Para uma reconstituio desses processos nos pases desenvolvidos e no caso brasileiro, ver

    Vianna (1998). 10 A importncia do resgate dessa noo de promoo de igualdade como ampliao das

    capacidades autnomas de satisfao de necessidades e seu efeito emancipatrio sobre os indivduos ressaltada por Cohn e Elias (2002).

  • 17

    Estado (sendo em geral no vendvel e no passvel de gerao de excedente). Ao

    mesmo tempo, o acesso aos servios de sade pode ser livre, ou seja, universal e

    desmercantilizado, ou depender da capacidade de pagamento dos usurios. E, como

    mencionado acima, o financiamento do sistema pode ser feito com recursos pblicos,

    privados ou uma combinao de ambos. A grande complexidade dos sistemas de sade

    faz com que haja vrias combinaes possveis com relao a essas trs dimenses11.

    A capacidade de um sistema de sade de atuar como reparador de desigualdades

    sociais, ou seja, o seu potencial redistributivo no interior da sociedade, se revela

    particularmente por meio de suas dimenses de acesso e financiamento, as quais indicam

    quem pode fazer uso do sistema e quem paga por ele. Justamente por isso, as tipologias

    que constituem referncia para a anlise de sistemas de sade geralmente so

    construdas a partir de caractersticas relacionadas a essas dimenses. As mais

    comumente utilizadas so a de Esping-Andersen, que identifica trs modelos de

    interveno do Estado associados a diferentes graus de desmercantilizao e

    redistributividade, o Social Democrata, o Conservador e o Liberal (Vianna, 1998), e a dos

    padres Institucional-redistributivo (por vezes referido como modelo Beveridgiano, sendo

    os sistemas de proteo social ingls e o dos pases nrdicos os mais representativos),

    Meritocrtico (ou modelo Bismarckiano, relativo aos sistemas alemo, francs e holands

    de seguro social) e Residual (modelo norte-americano), os quais se diferenciam em

    funo do grau de universalidade do acesso aos servios (Dain e Janowitzer, 2006).

    Assim, sistemas de acesso universal financiados com base em fundos de origem pblica

    (geralmente impostos) indicam uma forte disposio da sociedade em compartilhar (e

    redistribuir) recursos entre seus membros. Ao contrrio, sistemas em que o financiamento

    se d predominantemente por meio de recursos privados condicionam o acesso aos

    servios capacidade de pagamento dos usurios, e revelam uma resistncia da

    sociedade a esquemas redistributivos. Numa posio intermediria figuram os sistemas

    financiados por meio de seguro social (contribuies compulsrias de trabalhadores e

    11 Muitos autores tratam a dimenso do acesso e do financiamento conjuntamente, denominando-

    a dimenso da oferta (de servios) do sistema de sade, enquanto a produo de servios corresponderia dimenso da demanda (ver, por exemplo, Ascoli e Ranci (2002), que utilizam estas categorias para analisar transformaes no mbito dos servios sociais em sistemas de proteo social europeus). Contudo, em sistemas de acesso privado, nem sempre o financiamento se d inteiramente por recursos privados, como o caso dos servios de sade adquiridos via planos de sade no Brasil (em funo de suas isenes fiscais), ou dos servios de acesso restrito a categorias de funcionrios pblicos, entre outros. Dessa forma, parece adequado tratar separadamente as dimenses acesso e financiamento.

  • 18

    empresas institudas e monitoradas pelo Estado), j que, nesse caso, os benefcios (e,

    portanto, o acesso) tendem a guardar vnculos com as contribuies das categorias

    profissionais, apresentando diferenciaes, seja em relao ao rol de servios cobertos,

    seja no que diz respeito aos estabelecimentos que podem ser utilizados12.

    J a forma como se organiza a dimenso da proviso de servios guarda um vnculo

    muito mais sutil e indireto com relao ao papel do sistema de sade em reforar ou no

    desigualdades sociais. Este vnculo difcil de ser estabelecido a priori, pois est

    associado fundamentalmente aos possveis efeitos que o mix de agentes pblicos e

    privados e a presena de elementos tpicos de mercado em seu ambiente de atuao tm

    sobre o funcionamento do conjunto do sistema de sade. A despeito dessa dificuldade de

    definio a priori, a indagao sobre os efeitos que particularmente as mudanas nessa

    esfera podem acarretar do ponto de vista da capacidade redistributiva do sistema de

    sade essencial, porque raramente elas sero neutras nesse aspecto.

    22..22 MMoovviimmeennttoo ddee rreeffoorrmmaa ddooss ssiisstteemmaass ddee ssaaddee

    Conforme apontado na introduo deste captulo, no perodo recente muitos pases vm

    permitindo maior presena do setor privado e de elementos tpicos do funcionamento de

    mercado nas vrias dimenses de seus sistemas nacionais de sade. Contudo, no caso

    dos sistemas considerados referncia em termos de proteo social, essas

    transformaes ainda se mostram sutis nas dimenses do financiamento e do acesso. De

    acordo com Maarse (2006), tomando-se como base o comportamento dos sistemas de

    sade de oito pases europeus possvel observar uma discreta queda do gasto pblico

    como proporo do gasto total em sade nos ltimos anos, associada tanto a movimentos

    de aumento dos gastos privados como a determinadas polticas governamentais que vm

    resultando em reduo ou menor crescimento dos gastos pblicos entre as quais,

    limitaes oramentrias, introduo de esquemas de assuno de parte dos custos

    pelos usurios e restries impostas ao conjunto de servios disponibilizados sob

    financiamento pblico. Contudo, segundo o autor, o que se pode afirmar com relao

    dimenso do financiamento (e conseqentemente do acesso) somente que o

    12 Justamente nesse sentido, deve-se destacar que o caso francs em realidade constitui um

    modelo hbrido, no s porque o sistema financiado em parte por contribuies com base nas rendas do trabalho e em parte com recursos fiscais, mas tambm pelo fato de que o acesso aos servios totalmente universalizado, no apresentando qualquer restrio relacionada ao volume de contribuies dos usurios ou sua categoria profissional (Or, 2002).

  • 19

    movimento de crescimento da parcela do gasto pblico (ou daquele financiado por

    esquemas de contribuio compulsria) no gasto total parece ter chegado ao fim, no se

    configurando, exceo de alguns casos especficos, um processo de expulso

    (crowding-out) do financiamento de origem pblica pelo de origem privada13,14.

    Efetivamente, na dimenso da proviso dos servios de sade que a maior presena de

    agentes privados e de elementos caractersticos do funcionamento do mercado vm

    ocorrendo de forma mais pronunciada quando se examina os pases cujos sistemas de

    sade integram os grandes esquemas de proteo social. Contudo, importante frisar

    que, em vrios casos, a presena em si de agentes privados, em geral de natureza

    filantrpica, j respondia por uma parcela por vezes significativa da proviso de servios

    de sade15.

    De fato, o elemento novo das reformas que vm sendo empreendidas o fortalecimento

    ou a criao de funes de compra de servios pelos sistemas de sade, especialmente

    atravs da introduo de contratos de prestao em que so previstas metas quanto ao

    rol e a quantidade de servios a serem disponibilizados, o que normalmente referido

    como contratualizao. Com freqncia, tais inovaes so acompanhadas pela

    introduo de mecanismos que promovem algum grau de concorrncia na proviso e

    distribuio dos servios de sade. Ocasionalmente esses processos tm sido

    acompanhados por aumento do nmero de agentes privados atuando nos sistemas de

    sade, ou pelo crescimento de suas atividades16. Mais do que isso, conforme Maarse e

    Normand (2009), a origem pblica ou privada dos provedores informa pouco sobre a

    forma como estes se relacionam com o sistema de sade em que esto inseridos,

    13 Os pases examinados foram Blgica, Frana, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Polnia, Sucia

    e Reino Unido, e apenas os casos da Polnia e Blgica sugerem um movimento mais pronunciado de perda de espao das despesas pblicas em favor das de origem privada.

    14 importante lembrar que essa afirmao se aplica ao pequeno rol de pases (em geral de renda elevada) cujos sistemas de sade constituem referncia em termos de padro redistributivo. Estudos compilados em Mackintosh e Koivusalo (2004) com relao a pases de renda mdia e baixa sugerem configuraes em que predominam elevados graus de privatizao do financiamento e comercializao da proviso de servios de sade e reportam ainda intensificao dessa tendncia no perodo recente.

    15 Segundo o autor, isso se aplica especialmente aos pases de sistemas Bismarckianos, mas no exclusivamente. Evidncia semelhante fornecida por Busse et. al. (2002). A Frana citada como um sistema que admite um nmero significativo de provedores de origem privada com fins lucrativos, ao lado de Espanha, Portugal e Itlia, estes ltimos em menor extenso.

    16 Entre os casos estudados, Alemanha, o Reino Unido e Polnia registraram aumento significativo da presena privada. A Frana, pas que conta com um nmero expressivo de prestadores privados com fins lucrativos, vem mantendo estvel essa participao ao longo dos ltimos anos.

  • 20

    havendo uma variedade enorme de modalidades, com tipos mais e menos orientados ao

    mercado. Assim, apesar de a origem dos provedores ser um dado relevante, ele s ganha

    significado quando se compreende as caractersticas que definem o seu ambiente de

    atuao no sistema de sade.

    A justificativa dessas reformas a possibilidade de reduzir custos e aproveitar melhor os

    recursos dos sistemas de sade por meio de configuraes que possam estimular

    prticas mais eficientes por parte dos prestadores de servios, seja atravs da vinculao

    de fluxos financeiros a fatores de desempenho, seja por meio de sua exposio a um

    maior grau de competio. Tambm aparecem com destaque nas propostas de mudana

    medidas que visam ampliar o raio de escolha dos usurios quanto aos estabelecimentos

    prestadores de servios de sade, justificadas no apenas como uma justa ampliao da

    liberdade na utilizao do sistema, mas tambm como uma forma de premiar provedores

    considerados bons (e punir aqueles tidos como ruins). Com grande variao de

    intensidade, alteraes originadas a partir desses objetivos vm sendo reportadas em

    diversos pases cujos sistemas de sade constituem referncia de desmercantilizao do

    acesso sade, e envolvem tanto aqueles baseados em esquemas de seguro social

    como os financiados por impostos.

    No caso desses ltimos, o processo geralmente se inicia por reformas que promovem a

    separao entre as funes de proviso e contratao dos servios, estabelecendo

    alteraes na natureza jurdica e econmica de estabelecimentos de sade originalmente

    pertencentes ao setor pblico na direo de formatos institucionais que permitem maior

    autonomia administrativa (em especial em relao contratao de profissionais e gesto

    de recursos financeiros e materiais), e por vezes envolvendo a sua transformao em

    unidades cujas obrigaes e liberdade de atuao nos planos contbil e financeiro so

    tpicas do setor privado17 (Jakab et. al., 2002). A partir da, as mudanas se voltam para

    introduzir regras de compra ou contratao de servios pelas quais os prestadores ficam

    expostos a determinadas sanes tpicas de mercado e a graus variados de concorrncia.

    Nesse campo, h desde esquemas que procuram vincular as receitas dos

    estabelecimentos a sua performance (medida com base em critrios que procuram

    identificar elementos como a complexidade dos tratamentos, seus custos e sua

    qualidade), de forma a criar um ambiente que estimule melhor desempenho, at regras

    que acabam influenciando ou definindo as condies de entrada ou a fatia de mercado

    17 No original, corporatized (hospitals).

  • 21

    dos prestadores, criando ambientes com diferentes graus de exposio concorrncia

    (Pedersen, 2002; Maarse e Normand, 2009).

    Quanto aos sistemas estruturados com base em esquemas de seguro social, a separao

    entre as esferas da proviso e do financiamento dos servios se coloca j na sua origem.

    De fato, nesses casos a figura do comprador de certa forma sempre existiu, materializada

    nos fundos de poupana compulsria que credenciam provedores de servios de sade

    de origem pblica ou privada e financiam sua utilizao pelos usurios. Mas esses

    sistemas tambm tm introduzido uma srie de reformas mais explicitamente voltadas a

    aumentar a concorrncia entre os provedores e qualificar melhor a posio dos

    compradores de servios de sade18. Da mesma forma que nos pases Beveridgianos, as

    mudanas incluem esquemas de pagamento dos servios de sade vinculados a

    desempenho e privatizao do gerenciamento de unidades de sade de origem pblica

    (especialmente hospitais) ou alterao de seu formato jurdico-administrativo com vistas a

    proporcionar maior autonomia de funcionamento (Busse et. al., 2002).

    Esse conjunto de mudanas vem sendo promovido por meio de aparatos institucionais

    diversos, abrangendo normas legais ou de conduta, criao de rgos institucionais e

    incorporao de determinadas prticas atuao do Estado, entre outros elementos. Tais

    aparatos correspondem quilo que normalmente referido como regulao do sistema de

    sade, cuja conduo cabe ao Estado na condio de responsvel ltimo pelo seu

    adequado funcionamento. Sua funo , primeiro, criar efetivamente as novas

    configuraes dos sistemas de sade e, segundo, estabelecer uma srie de mecanismos

    voltados para garantir seu adequado desempenho no contexto especfico que deriva da

    maior presena privada e da existncia de mecanismos de mercado.

    Por sua vez, a montagem e manuteno desse aparato regulatrio, que implica trazer

    para o mbito da ao estatal um campo de atuao muitas vezes pouco freqente ou

    eventualmente at estranho a sua rotina de funcionamento envolvendo concepo de

    modelos de funcionamento, planejamento de aes, criao de mecanismos de controle e

    monitoramento reconhecido em todas as anlises como um custo no desprezvel

    associado s reformas. Em outras palavras, a ao regulatria teria necessariamente um 18 Robinson et. al. (2005). Os autores utilizam a noo de compra estratgica (strategic

    purchasing), conceito para designar o objetivo principal das reformas dos sistemas de sade em geral. O conceito seria importante tanto para os sistemas baseados em esquemas de seguro social, onde a funo do comprador existira em geral sob uma forma passiva, como para os baseados em financiamento via impostos e proviso organizada pelo Estado, nos quais ela teria que ser efetivamente criada.

  • 22

    custo que deveria ser adequadamente cotejado com o ganho acenado pelas

    transformaes. Dessa forma, a deciso quanto a empreender as referidas mudanas no

    sistema de sade envolveria o confronto entre os benefcios eventualmente decorrentes

    da nova configurao do sistema de sade e os custos, em termos do aparato regulatrio

    necessrio, para mant-la.

    Em suma, presses financeiras decorrentes de aumentos dos custos e da demanda de

    servios de sade tm justificado no perodo recente a adoo de reformas em pases

    cujos sistemas de sade constituem referncia em termos de capacidade redistributiva.

    Mas at agora esse processo vem mantendo mais ou menos intocada a parcela desses

    sistemas em que seu potencial redistributivo se manifesta de maneira inequvoca, a

    dimenso do financiamento. As transformaes se concentram na dimenso da proviso

    dos servios e se apiam na noo de que possvel garantir o funcionamento adequado

    dos sistemas de sade nesse ambiente mais mercantilizado por meio do exerccio da

    regulao por parte do Estado. Mais do que isso, nas verses mais otimistas com relao

    ao alcance das reformas, o carter redistributivo poderia ser inclusive fortalecido pela

    utilizao mais eficiente dos recursos nesse novo cenrio.

    A noo de regulao constitui, portanto, um pilar fundamental das reformas, porque

    refora a idia da preservao dos traos fundamentais dos sistemas em termos de seu

    carter de promoo de justia social. Em funo disso, para entender a justificativa na

    qual se apiam essas reformas necessrio identificar os elementos empregados na

    construo desse conceito e compreender como ele vem sendo empregado para

    interpretar os fenmenos econmicos, tema objeto da seo a seguir19.

    19 Em realidade, a abordagem utilizada para fundamentar as reformas no se restringe noo

    de regulao econmica e seu respectivo arcabouo terico. H uma vasta produo no campo da Administrao (ou da interface entre Administrao e Economia) que muitas vezes empregada para complementar as teorias da regulao a partir de uma crtica aos princpios organizacionais da burocracia pblica e da noo de superioridade das tcnicas gerenciais do setor privado - movimento referido como Gerencialismo. A verso mais recente dessas idias est associada Nova Gesto Pblica, corrente originria da juno dos princpios do Gerencialismo com noes do campo terico da microeconomia, e que prope reformas na lgica de funcionamento do setor pblico mediante a introduo de mecanismos tpicos do funcionamento de mercado. Embora as idias do campo da Administrao no sejam estudadas aqui, a seo a seguir analisa algumas teorias da Nova Economia Institucional, corrente que embasa parte das propostas da Nova Gesto Pblica. Para uma apresentao resumida das idias da Nova Gesto Pblica, ver Yamamoto (2003). Para uma crtica, ver Pollit (1993) e Pollit e Bouckaert (2002).

  • 23

    22..33 RReegguullaaoo ee aarrrraannjjooss ddee mmeerrccaaddoo nnaa cciinncciiaa eeccoonnmmiiccaa

    O uso do termo regulao tem diferentes aplicaes nas cincias sociais. Embora estas

    aplicaes sejam completamente diferentes entre si no que diz respeito base conceitual

    que utilizam, hierarquizao que atribuem aos fenmenos que pretendem explicar e ao

    nvel de abstrao com que se voltam a elas, causa certa confuso o fato de que h

    muitas interfaces entre as dimenses de anlise envolvidas.

    Assim, a regulao de Karl Polanyi (1980), correspondente aos mecanismos que ao longo

    da histria lograram manter a dimenso econmica incrustada (embedded) na vida social,

    completamente diferente daquilo que os tericos da chamada Escola da Regulao

    francesa designam regulao do sistema capitalista, que se refere a sua capacidade de

    se reproduzir em meio a seu movimento naturalmente instvel e gerador de crises (Boyer,

    1990), e do que Alfred Kahn (1995), considerado o pai da regulao econmica, concebe

    como tal. Mas apesar da enorme distncia que separa essas diferentes abordagens, as

    vrias possveis interfaces de anlises que as enxergam como referncia fazem com que,

    no limite, um mesmo elemento ou evento histrico acabe sendo empregado para ilustrar

    um aspecto da regulao nessas trs concepes distintas, o que acaba dando margem

    a uma certa impreciso no uso do termo e eventualmente conferindo anlise um carter

    contraditrio.

    Nesse sentido, um primeiro ponto a esclarecer que a noo de regulao utilizada na

    anlise a seguir se refere ao conceito associado especificamente s polticas que definem

    a configurao econmica e jurdica de determinado setor da economia, se aproximando

    nesse sentido ao campo de estudo denominado Economia da Regulao, o qual tem uma

    longa tradio na produo acadmica norte-americana. Isso porque essencialmente

    desta fonte que se alimenta o referencial terico empregado na anlise do movimento de

    reforma dos sistemas de sade referido anteriormente.

    A origem da noo de regulao entendida nesses termos remete microeconomia, que,

    como se sabe, o ramo da cincia econmica que procura explicar as decises de

    consumidores e produtores em mercados especficos e suas conseqncias sobre a

    determinao dos preos dos bens e servios neles transacionados. Sob a perspectiva

    microeconmica, o funcionamento de determinados mercados de bens e servios levaria

    a resultados sub-timos em decorrncia de determinados aspectos tcnicos relacionados

    a sua produo ou distribuio, o que por sua vez justificaria um certo tipo interveno por

    parte do Estado nesses setores sob a forma de regulao. O conceito tem uma verso

  • 24

    mais tradicional e algo restrita, que prevaleceu at os anos 80, e uma verso

    contempornea, que passou a ser utilizada com grande freqncia a partir dos anos 90.

    AA aabboorrddaaggeemm ttrraaddiicciioonnaall ddaa rreegguullaaoo eeccoonnmmiiccaa

    Conforme sugerido acima, j desde as suas formulaes iniciais a noo de regulao

    econmica est associada noo de falha de mercado, cuja presena conduziria a

    resultados indesejados do ponto de vista econmico e/ou social. Durante muito tempo, a

    maior parte da literatura sobre este tema se originou nos Estados Unidos e esteve

    associada a dois outros conceitos, o de servio de utilidade pblica (public utilities) e o de

    monoplio natural. Este trio foi utilizado para retratar a produo e distribuio de

    determinados servios considerados fundamentais para o desenvolvimento econmico

    que, por suas especificidades tcnicas deveriam, de acordo com a teoria, ser organizados

    sob a forma de monoplio20. Os monoplios seriam naturais porque os investimentos

    necessrios ao funcionamento desses setores seriam to elevados que a situao que

    garantiria maior eficincia econmica seria aquela em que houvesse um nico produtor.

    Isso justificaria a restrio da concorrncia no setor e a conseqente proteo do

    monopolista. Assim, servios de infra-estrutura cuja produo e/ou cujas redes de

    distribuio envolvessem um investimento muito elevado, tecnologias especficas e

    caractersticas fsicas peculiares tais como energia eltrica, gs, telecomunicaes,

    transporte ferrovirio, fornecimento de gua e coleta de esgoto - seriam considerados de

    utilidade pblica, e constituiriam tambm monoplios naturais (Kahn, op. cit;) 21, 22.

    20 Tambm poderia ser acrescentado a este grupo o conceito de externalidade, que se refere aos

    efeitos negativos ou positivos de uma atividade econmica que no se refletem nos preos dos bens e servios por ela produzidos, como por exemplo a poluio gerada pela produo de determinados bens, que implica num custo para a coletividade no refletido em seu preo. O conceito se aplica a vrias situaes do mundo econmico, inclusive a vrias aes de sade pblica, como por exemplo as externalidades positivas decorrentes do controle de uma epidemia por meio de uma poltica de vacinao. O fato de no ser possvel isolar os benefcios gerados por tais polticas faz com que essas aes integrem a categoria de bens pblicos, que constituem um exemplo extremo de externalidade (Stiglitz, 1993). A identificao dessas vrias situaes constitui um ramo importante da chamada Economia da Regulao, mas no apresenta maior interesse para a presente discusso, uma vez que a ao regulatria nesse mbito muito mais eventual do que aquela voltada para o funcionamento de monoplios naturais.

    21 Em The Economics of Regulation: principles and institutions, Alfred Kahn, autor por muitos considerado o pai da regulao, menciona uma srie de decises da Suprema Corte americana admitindo a interveno do Estado em setores da economia a despeito da liberdade de contratao e dos direitos de propriedades garantidos pela 14. Emenda (Kahn, 1995).

  • 25

    Nessas circunstncias, a regulao seria o remdio necessrio ausncia de competio

    derivada da forma de organizao do servio, tendo como objetivo mimetizar condies

    de concorrncia e/ou corrigir os efeitos negativos sobre os consumidores que tenderiam a

    advir da condio monopolista do produtor. A regulao substituiria as duas principais

    decises que caracterizam a atividade de uma empresa em mercado, os preos cobrados

    pelos servios e as quantidades oferecidas, distinguindo-se claramente nesse sentido da

    noo de regulamentao (embora o exerccio da ao regulatria envolva a criao de

    uma srie de regulamentaes).

    O conceito tradicional de regulao, portanto, embute duas noes importantes. Primeiro,

    a idia de que a interveno do Estado se admite em circunstncias dadas pelas

    condies tcnicas, relacionadas a especificidades da produo e/ou da distribuio dos

    bens e servios. Segundo, a idia de que tal interveno se d sob um formato especfico,

    cujo sentido o de mimetizar condies de concorrncia como parmetros para a

    proviso privada daqueles bens e servios. De fato, nos Estados Unidos, historicamente

    os servios de utilidade pblica foram providos sob a forma de monoplios privados, e a

    preocupao da abordagem microeconmica tradicional se concentrou nos elementos

    que justificariam, primeiro, a proibio da entrada de outros concorrentes e, segundo, a

    interveno do Estado em elementos chave do funcionamento do mercado (preos e

    quantidades), ambos elementos estranhos aos princpios legais norte-americanos.

    Assim, pela tica da regulao, as combinaes Estado versus mercado e pblico

    versus privado numa sociedade dependem da anatomia do processo de produo e

    distribuio dos bens e servios em questo, devendo ser produto de decises de

    natureza essencialmente tcnica. Contudo, o prprio Alfred Kahn (op. cit.) reconhece

    que os elementos comumente empregados para definir o conceito de monoplio natural

    esto presentes em vrios outros ramos de atividade econmica que, no entanto, no so

    considerados como tal. Em essncia, para o autor, monoplios naturais so setores de

    infra-estrutura operados em rede que historicamente funcionaram sob a forma de

    monoplios.

    22 A razo da maior eficincia deste tipo de atividade quando organizada sob a forma de

    monoplio est associada ao funcionamento em redes. Por exemplo, no caso dos servios de transporte por meio de estradas de ferro, a existncia de um nmero de competidores superior a um em determinado territrio ensejaria a construo de distintas redes de trfego de trens, o que seria claramente ineficiente. No caso dos servios de telefonia, a construo de distintas redes no apenas seria ineficiente como inviabilizaria o prprio servio, j que seria praticamente impossvel conectar os diversos usurios.

  • 26

    Assim, ao mesmo tempo em que as teorias em torno da regulao, em seu formato

    tradicional, apontam para a noo de que necessrio haver uma situao de monoplio

    natural para justificar a interveno cerceadora do Estado (a qual deve se dar sob o

    formato do agente regulador), a fragilidade do conceito sugere que seu papel

    justamente o de evitar uma explicao alternativa para a ocorrncia de tais arranjos, que

    poderia caminhar, por exemplo, no sentido de imaginar que, sem tal proteo, esses

    setores, historicamente estratgicos para o desenvolvimento do capitalismo, no se

    expandiriam em ritmo e extenso suficientes, dada a necessidade de um volume de

    capital muito alto e o elevado risco do investimento associado a sua operao em

    situao de competio23. Alis, provvel que a questo do carter estratgico de

    determinadas atividades tenha sido o fator principal a determinar que, em diversos pases,

    o Estado tenha assumido diretamente tais tarefas24. Contudo, tentar explicar a

    organizao de um setor sob a proteo do Estado (ou sob sua operao direta) a partir

    das necessidades histricas de expanso e desenvolvimento capitalista de cada pas

    tende a explicitar discusses (e posicionamentos) sobre as escolhas polticas da uma

    nao, caminho estranho ao movimento da teoria econmica convencional, que, atravs

    de seus recortes, apresenta esse tipo de discusso de maneira encoberta no interior da

    descrio das caractersticas tcnicas dos fenmenos econmicos.

    Essa identificao dos recortes da teoria da regulao, em especial em relao aos

    elementos que entram nas explicaes e os que so deixados fora dela, essencial para

    compreender a discusso em torno do movimento de maior mercantilizao e privatizao

    no mbito dos sistemas nacionais de sade. Isso porque a maior parte do debate nesse

    campo se d pela transposio dos conceitos desenvolvidos no mbito da regulao das

    chamadas utilities para a anlise dos sistemas de sade, e, nessas discusses, o

    23 Kahn (op. cit.) tambm sugere essa explicao, embora no exatamente nesses termos.

    Interessante pensar que talvez a averso ao monoplio de natureza pblica nos Estados Unidos tenha sido a principal razo da utilizao ampla do conceito de monoplio natural, j que ele fornece uma justificativa terica para que se privilegie um concorrente em detrimento dos demais, o que parece ser pssimo, porm ainda prefervel ao monoplio estatal - a total eliminao da possibilidade de exerccio da atividade empreendedora.

    24 Segundo Arajo (1997), na Frana, em contraposio idia de servios de utilidade pblica surgiu a noo mais ampla de servios pblicos, aos quais todo cidado teria direito e que deveriam ser fornecidos pelo Estado para garantir o bem comum. Para o autor, a adoo de um e outro conceito est ligada resistncia ao poder central nos Estados Unidos (e, portanto, interveno do governo federal nos estados) e ao apego tradio centralizadora francesa (e, conseqentemente, admisso de um padro intervencionista).

  • 27

    tratamento acerca dos elementos que devem pautar as fronteiras entre o pblico e o

    privado e o Estado e o mercado tende a assumir um carter essencialmente tcnico.

    Contudo, a discusso acerca das tendncias de privatizao e mercantilizao dos

    sistemas de sade j se d sob a linguagem e os conceitos da Nova Economia

    Institucional, corrente que passou a embasar grande parte da teoria microeconmica na

    ltima dcada, e que assumiu uma posio proeminente nas discusses sobre regulao.

    AA NNoovvaa EEccoonnoommiiaa IInnssttiittuucciioonnaall ee aa rreeffoorrmmuullaaoo ddoo ccoonncceeiittoo ddee rreegguullaaoo

    eeccoonnmmiiccaa aa ppaarrttiirr ddooss aannooss 9900

    A Nova Economia Institucional agrega um conjunto de teorias bastante distintas, que

    entretanto utilizam como ponto de partida trs elementos comuns. O primeiro a noo

    de assimetria de informao, que se ope idia de informao perfeita. O segundo a

    noo de racionalidade limitada dos agentes econmicos, em oposio idia de que os

    indivduos fazem escolhas plenamente racionais. E, finalmente, o terceiro elemento a

    noo de que as transaes realizadas nos mercados tm custos que impactam o

    processo de tomada de deciso. Assim, os custos de transao devem constituir um foco

    fundamental de anlise.

    A noo de assimetria de informao reflete uma relao entre dois agentes na qual um

    detm mais informao do que o outro a respeito do bem ou servio a ser adquirido ou

    vendido, e no configura uma novidade para a economia tradicional25. Mas enquanto esta

    ltima tendeu a tratar mercados caracterizados por informao assimtrica como casos

    especiais, em que uma suposio chave do modelo terico mais geral no estava

    presente, a Nova Economia Institucional se notabilizou justamente por privilegiar a busca

    desse aspecto nas situaes econmicas sob anlise. Mais do que isso, situaes de

    assimetria de informao seriam a tnica dominante dos mer