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MARIA EMÍLIA RODRIGUES CONTRACULTURA, ROCK AND ROLL E ESTILO HIPPIE: uma análise das bandas Sopa, Liverpoolgas e RoberSou the Valsa CURITIBA 2006

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MARIA EMÍLIA RODRIGUES

CONTRACULTURA, ROCK AND ROLL E ESTILO HIPPIE:uma análise das bandas Sopa, Liverpoolgas e RoberSou the Valsa

CURITIBA

2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁSETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES (SCHLA)

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS (DECISO)

CONTRACULTURA, ROCK AND ROLL E ESTILO HIPPIE:uma análise das bandas Sopa, Liverpoolgas e RoberSou the Valsa

Monografia apresentada pela alunaMaria Emília Rodrigues à disciplinade Orientação Monográfica II, soborientação da Profª. Dra. Ana LuisaFayet Sallas.

CURITIBA2006

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Mauro Rodrigues e Elsita Rodrigues, por tudo que fizeram e ainda

fazem por mim, e principalmente por terem possibilitado a realização de meus estudos. Aos

meus irmãos Ivan, Lucio, e Cíntia, pelo apoio dado em toda nossa convivência, nas horas

pacíficas e nas tumultuadas (hehe). A Péricles e Gisele, que vieram a fazer parte de nossa

família.

À Cinara (outro novo membro da família) pela amizade, risadas e longas conversas.

Sou especialmente grata a Joelso Luis Kresko, a quem devo em muito a realização

deste trabalho. Nunca esquecerei de seu carinho e companheirismo e, acima de tudo, por ter

agüentado meus momentos de insanidade durante este período.

À minha orientadora, pela confiança depositada.

Meus agradecimentos à Profa. Miriam Adelman, pelo seu apoio e credibilidade ao

longo da graduação.

A todos que concederam gentilmente as entrevistas, possibilitando o andamento da

pesquisa.

Aos amigos maravilhosos que fiz durante estes anos de convivência acadêmica, que

proporcionaram grandes momentos de alegria e de festa: Mariana Brero, Sandro, Joslei,

Mabelle, Thiago, Anilda, Julio Gouvêa, Rossana, Thaísa, Laura, Carlos, Lígia, Mariana

Marques e Ing. E aos que no momento estão um pouco distantes, mas que ainda cultivo sua

valorosa amizade: Fraiz, Lucas Maciel e Carol Kaiss.

Àqueles a quem devo grande parte desta monografia, amigos de copo e de

aprendizado: Julio Gonçalves, Duda, João Maurício e Doug. Obrigada pelas conversas, dicas

e piras de mesa de bar. Aprendi muito com vocês.

Não posso deixar de agradecer à Fabi, companheira de orientação, grande amiga e

unanimidade das Sociais.

Aos grandes amigos do CIC-CIC: Fabiane, Helton e Silmara, os quais não vejo há um

bom tempo, mas que nunca esquecerei.

Enfim, a todos que direta ou indiretamente, contribuíram para minha formação.

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RESUMO

Esta monografia pretende realizar um estudo sobre o impacto da música rock da década de 1960 em três bandas:Sopa, RoberSou the Valsa e Liverpoolgas. As três bandas são curitibanas, compostas por jovens que não viverama época, mas que resgatam o estilo de alguns de seus artistas. Já que a contestação esteve presente em grandeparte da produção musical da década, o trabalho busca analisar se a opção por tocar este estilo num contextohistórico e social completamente diverso, está relacionada com este fato. Se há, por parte dos músicos queintegram estas bandas, alguma ligação com os ideais que marcaram a época. Procura verificar se os valores econcepções de mundo destes, indicam um posicionamento de caráter libertário, se a adoção do estilo estárelacionada com questões ideológicas. Para isto, foi realizada a pesquisa das bandas, que consistiu na ida a seusshows e entrevistas com alguns de seus membros. No primeiro capítulo, aborda-se o conceito de indústriacultural e suas limitações. O capítulo seguinte analisa a contracultura e o fenômeno do rock, desde o seusurgimento até sua atuação naquele contexto específico. A parte final do trabalho consiste-se na apresentação ena análise da pesquisa de campo.

PALAVRAS-CHAVE: indústria cultural; contracultura; rock; década de 1960.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 052 A INDÚSTRIA CULTURAL ....................................................................................... 082.1 Apresentação do conceito de Adorno e Horkheimer ................................................... 082.2 O Fetichismo na música ............................................................................................... 112.3 Benjamim e a reprodução da arte ................................................................................. 132.4 Os limites e outras implicações da indústria cultural ................................................... 153 A CONTRACULTURA ................................................................................................ 213.1 Indústria cultural e contracultura .................................................................................. 223.2 O surgimento do rock´n roll ......................................................................................... 283.3 A ascensão: o rock clássico .......................................................................................... 303.4 Protesto político e experimentalismo: o rock na década de 1960 ................................ 323.5 O rock´n roll no Brasil ................................................................................................. 394 PESQUISA DE CAMPO .............................................................................................. 434.1 Apresentação das bandas .............................................................................................. 434.2 Análise das entrevistas ................................................................................................. 494.2.1 Perfil sócio-demográfico ........................................................................................... 494.2.2 Música e indústria cultural ........................................................................................ 504.2.2.1 Formação artística e música ................................................................................... 504.2.2.2 O rock nos anos 1960 e a produção musical atual ..................................................514.2.2.3 Padrões de consumo de bens culturais ................................................................... 534.2.3 Política ..................................................................................................................... 554.2.3.1 Partidos Políticos .................................................................................................... 554.2.3.2 Governo Lula ......................................................................................................... 564.2.3.3 Transformação social ............................................................................................. 564.2.4 Comportamento ......................................................................................................... 584.2.4.1 Drogas .................................................................................................................... 584.2.4.2 União Civil entre homossexuais ............................................................................ 584.2.4.3 Aborto..................................................................................................................... 594.2.4.4 Relacionamento ...................................................................................................... 594.2.4.5 Futuro profissional ................................................................................................. 605 CONCLUSÕES ............................................................................................................. 61REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 64ANEXO ............................................................................................................................. 65

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar um fenômeno que está se tornando cada vez mais

comum na cena curitibana: o surgimento de várias bandas de rock, claramente influenciadas

pelos artistas da década de 1960.

Como o resgate de estilos que marcaram uma determinada época – assim como

realizar um trabalho inspirado em outros artistas – é extremamente comum na música e nas

artes como um todo, o objeto se destaca por seu caráter restrito. São jovens executantes de um

determinado subgênero do rock and roll que emergiu na segunda metade da década, sendo

estritamente ligado à subcultura hippie: o rock psicodélico. No Brasil não há um impulso

neste sentido, de artistas de peso que estejam resgatando este estilo específico. Daí o fato de o

fenômeno chamar a atenção.

Outro elemento que se torna comum nestas bandas é o vestuário. A maioria de seus

músicos, além de executar o mesmo estilo de rock dos hippies, também adota seu vestuário.

Grande parte do público que freqüenta seus shows também é jovem e se caracteriza por esta

maneira de vestir, num claro indício de que há uma inspiração nos hippies da contracultura,

tanto por parte destes artistas, quanto pelo seu público. Visto que estas bandas atuam por fora

da indústria fonográfica – apresentando-se em bares, e eventos em que participam somente

bandas locais – é o estilo destas bandas que atrai este público em especial, que procura por

outras sonoridades, diferentes do que lhes é oferecido no atual mercado da música.

Assim, foram escolhidas três destas bandas curitibanas: Sopa, RoberSou the Valsa e

Liverpoolgas. As bandas Sopa e RoberSou the Valsa tocam composições próprias, mas suas

harmonizações e seu instrumental remetem diretamente ao rock psicodélico. A banda

Liverpoolgas foge um pouco desta linha. Como o próprio nome já diz, trata-se de uma banda

cover de músicas dos Beatles. Mas destaca-se de outras bandas cover beatle pelo fato de que

procuram tocar músicas de todas as fases da banda, desde seu primeiro álbum até o último.

Como os Beatles foram o conjunto que impulsionou o psicodelismo, e as músicas desta fase

são o ponto alto do show dos Liverpoolgas, vale a pena incluir esta banda na pesquisa.

Visto que o rock dos anos de 1960 ligou-se diretamente aos movimentos da

contracultura, sendo um dos principais veículos de difusão de novos valores e de contestação,

a pergunta central da pesquisa é a seguinte: há uma relação de identificação entre este estilo

do rock adotado pelas bandas e seu modo de vestir, com os ideais que marcaram a subcultura

hippie? Se além da música propriamente, as bandas adotaram este estilo por também se

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identificarem com outros elementos da contracultura. Ou seja, se indica que há por parte

destes músicos um posicionamento ideológico de cunho libertário.

Para verificar esta relação, a pesquisa foi realizada em duas fases. Primeiramente, foi

realizada a pesquisa de campo, que consistiu na observação de alguns shows das três bandas.

O método adotado foi o da observação participante, já que consistia em assistir os shows

enquanto platéia, incluindo conversas informais com os músicos e os fãs. O intuito da

pesquisa de campo era o de verificar o repertório das bandas, a performance, seu público, e a

relação do público com as bandas e vice e versa.

Após este primeiro contato, a pesquisa passou para a segunda fase. Procurando

verificar a relação das bandas com a contracultura (além da música) foram realizadas

entrevistas com alguns dos músicos das três bandas. Para isto, o questionário foi elaborado

com questões que procuraram identificar o perfil sócio-econômico dos músicos, sua trajetória

artística, seus gostos, a relação com a música da época, e suas visões de mundo. Devido à

temática do trabalho e para que os entrevistados pudessem responder às questões livremente,

o método mais adequado para tal foi o da entrevista narrativa.

Há quatro hipóteses que surgiram neste trabalho. Uma, é a de que há uma relação de

identificação destes músicos com a contracultura, mas que é apenas uma questão de estilo, e

não de ideais. A segunda, a de que pode se tratar de um modismo, mas a um círculo restrito,

onde há outras pessoas que também o seguem, ao mesmo tempo em que se afirmam como

“diferentes” e “alternativas”, em vista do que a maioria dos jovens segue. A terceira hipótese

é a de que os músicos das bandas identificam-se com a contracultura, principalmente com a

subcultura hippie como um todo, e que por este motivo, começaram a tocar este estilo de

música. A última hipótese é a de que estas bandas emergiram através da consciência de que

atrairiam um público específico, e de que por isto, adotaram o estilo. Esta hipótese é a que

considero mais improvável.

Com o objetivo de estudar qual (ou quais) destas hipóteses será confirmada pela

pesquisa, vale a pena, para maior compreensão do objeto em questão, o seguinte referencial

teórico abordado no primeiro capítulo do trabalho: Adorno e Horkheimer e seu conceito de

indústria cultural, já que trata-se de um conceito importante para a análise do objeto. Sua

pertinência está no fato de que muito do conhecimento que a maioria das pessoas tem sobre a

década de 1960, se dá por discos, filmes, documentários, etc., além de tocar na questão dos

modismos e do consumo massivo, o que não pode ser deixado de lado no estudo da música e

do estilo adotado pelos jovens. Já que a década também foi marcada por uma intensa

produção criativa na música, e de que, de alguma forma utilizou-se da indústria cultural para

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tal, o conceito da forma como foi elaborado torna-se insuficiente para a compreensão do

objeto. Daí a importância de serem inclusas diferentes abordagens sobre a indústria cultural

em outros autores que a analisaram de maneiras divergentes daquela proposta por Adorno e

Horkheimer. Assim como também é interessante discutir a abordagem de Walter Benjamim,

contemporâneo aos dois autores, mas com visões distintas sobre as mesmas questões.

No segundo capítulo apresento algumas considerações sobre o fenômeno da

contracultura, em autores como Edgar Morin e Theodore Roszak. Ambos problematizaram

também a atuação da indústria cultural na mesma, o que orienta a pesquisa, já que a atuação

da indústria pode ter afetado o impacto da contestação, ou pelo contrário, pode ter estimulado

estes músicos pesquisados a seguirem o seu exemplo. Devido à discussão estar centralizada

na música, especificamente no rock, torna-se necessário compreender o fenômeno do rock e

seu impacto social. Para isto, o segundo capítulo apresenta ainda um rápido histórico do rock

and roll, seu surgimento, ascensão e importância na década de 60, analisando também como

foi envolvido na lógica de mercado.

O capítulo final trata-se da pesquisa de campo, do que foi observado nos shows e as

entrevistas. Traz o perfil das bandas e as análises da pesquisa de campo, discutindo os

resultados obtidos durante a pesquisa, orientando-a para sua conclusão.

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2 A INDÚSTRIA CULTURAL

Neste capítulo discuto a indústria cultural, tal como formulada por Adorno e

Horkheimer, bem como o célebre ensaio de Walter Benjamin (1994) “A obra de arte na era

da reprodutibilidade técnica”, por se tratar de uma espécie de “texto-chave” para

compreender a visão do autor no campo das artes e da cultura, distinta daquela proposta por

Adorno e Horkheimer. Já é bem conhecido o fato de que a abordagem destes últimos sofreu

várias críticas ao longo do desenvolvimento dos estudos culturais. Alguns teóricos apontam

para o excesso de determinismo e o elitismo presentes nas análises dos autores, mas é

inegável a validade e contemporaneidade do conceito, se avaliarmos o quanto os ramos do

entretenimento avançaram a partir da segunda metade do século XX no sentido de consolidar-

se como grande indústria capitalista de alta lucratividade com sua produção voltada para o

consumo massivo. Pode-se afirmar que o mercado de bens culturais atua em favor do status

quo, mas este argumento não é suficiente para compreender a multiplicidade de elementos

que envolvem a atuação deste, principalmente na produção musical da década de 1960 (que

analisarei no capítulo seguinte).

Em minha pesquisa procurei não aplicar mecanicamente os preceitos adornianos, mas

os utilizei como importante instrumental teórico, bem como algumas das críticas a eles

dirigidas. Optei por discutir o ensaio de Benjamin por este alertar para um aspecto crucial,

porém não problematizado na obra de Adorno: o da recepção, ou seja, as novas formas de

apreensão das obras de arte que sua reprodução técnica podem engendrar. Assim, também

apresentarei aqui alguns apontamentos importantes sobre a indústria cultural desenvolvidos

pelos autores Edgar Morin, Jesús Martin-Barbero e Gabriel Cohn.

2.1 Apresentação do conceito de Adorno e Horkheimer

O argumento de que o Iluminismo a partir do século XVIII liquidou na cultura

ocidental a crença nos Mitos como modo de explicar os fenômenos do mundo, e que a partir

disto inicia-se uma nova era onde o conhecimento científico o substitui, libertando a

humanidade através da possibilidade de apreensão da realidade pela Razão, é negado por

Adorno e Horkheimer.1 Segundo os autores, a freqüente negação dos Mitos pela ciência,

acabou por transformar ela própria em Mito, no momento em que o conhecimento científico

1 In: A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

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torna-se o portador de uma verdade que não é passível de questionamento. A ascensão do

capitalismo e das novas tecnologias acabou por acentuar a exploração do homem pelo

homem, já que esta dominação é anônima, pouco perceptível, por conta da própria natureza

intrínseca da mercadoria (MARX, 1989). Porém, para Marx, é neste mesmo sistema que há a

possibilidade de transformação, de um possível futuro sem divisão de classes, porque foi o

próprio capitalismo o responsável pelo salto rumo ao desenvolvimento tecnológico que

poderia vir a ser um instrumento de libertação. O aprimoramento dos meios de produção

diminuiria o emprego da mão-de-obra dos trabalhadores, eliminando paulatinamente sua

exploração (este ponto é contraditório em Marx, pois há críticos que afirmam seu

determinismo, mas é perceptível que ele não concebia a revolução como algo dado,

simplesmente através do progresso técnico, há ênfase na importância da ação dos sujeitos).

O que Adorno e Horkheimer proclamam é que o que estava se vendo era uma espécie

de movimento inverso, ou seja, a racionalidade técnico-científica estava terminando por

ampliar ainda mais a exploração. Estes afirmam que a ciência tornou-se Mito, porque o

avanço técnico não veio acompanhado de reflexão, assim a racionalidade tornou-se objeto de

uma crença cega, num conhecimento instrumental que desenvolve ainda mais os mecanismos

de dominação burguesa. Todos (inclusive a própria burguesia) encantam-se com as

descobertas científicas, com o avanço produtivo e criação de novos aparatos tecnológicos,

obedecendo cegamente aos imperativos do capital, apoiados numa concepção ilusória de

progresso.

Os autores concebem esta tese em meio à ascensão do nazi-fascismo, durante as

décadas de 1930/40, ao testemunharem o crescimento dos mass media que, basicamente,

encarregavam-se de difundir a ideologia fascista. Visto que ambos os regimes (nazismo e

fascismo) ganhavam ampla aceitação e simpatia das massas, a preocupação dos autores era a

de compreender os novos mecanismos que se colocavam a serviço de legitimar o poder. Em

seu exílio nos Estados Unidos, puderam constatar que este fenômeno não ocorria apenas nos

países dominados pelo totalitarismo. Neste país de capitalismo avançado, os meios de

comunicação de massa atuavam de forma semelhante a garantir a reprodução do sistema,

porém com a diferença de que enquanto na Alemanha ocupavam-se com a propaganda

nazista2, nos Estados Unidos estes colocavam as massas sob o comando do capital de modo

disfarçado, com o rótulo de “entretenimento”. Em meio a este contexto, os teóricos

presenciaram o estabelecimento de uma verdadeira indústria do entretenimento, a qual

2 O documentário Arquitetura da Destruição de Peter Cohen, Suécia: 1992, 121 min. nos mostra os meios comque o nazismo difundiu sua ideologia, onde o cinema era um de seus principais veículos.

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analisaram em 1947, no famoso ensaio publicado individualmente por Adorno em 1968,

intitulado “A indústria cultural: o Iluminismo como mistificação de massas”.

A idéia central da obra é a de que a racionalidade técnica adentra nas esferas das artes

e do lazer, o capitalismo avança no sentido de abarcar todas as atividades do indivíduo,

alienando-o até mesmo nas horas de não-trabalho, pois “em seu lazer, as pessoas devem se

orientar por essa unidade que caracteriza a produção” (op. cit., 1985, p. 117). Assim, não há

possibilidade de transcender, porque em suas horas de descanso, o trabalhador é

constantemente subordinado à lógica do consumo, através da imposição de bens padronizados

e estandartizados, dos quais usufrui mecanicamente sem reflexão. Refletir e pensar não são

possíveis dentro da indústria cultural, porque este é seu pressuposto e sua finalidade, tudo se

equivale no mercado: por exemplo, um Balzac antes de chegar ao grande público já foi

deturpado num roteiro de cinema, assemelhando-se ao conteúdo das histórias do camundongo

Mickey – às massas não é possível a fruição da obra em sua totalidade. Tudo é uniformizado,

o império da padronização técnica dá a todos os produtos um caráter de semelhança, mesmo

que as empresas concorram entre si. As propagandas que fazem alarde sobre as diferenças e

vantagens de suas marcas só oferecem ao consumidor a ilusão de escolha. A “variedade” que

se coloca à disposição dos consumidores não passa de uma adequação do mercado aos dados

rigidamente classificados em estatísticas sobre perfis diferenciados (de forma simplista e

reducionista, como faixa etária e sexo).

Para além da repetição, as obras passam pelo crivo do mais rigoroso controle,

semelhante à produção de mercadorias nas fábricas, onde o cinema e o rádio são os mais belos

exemplos. No cinema tudo ocorre de modo planificado: atuações, música, histórias que

seguem as mesmas fórmulas, de um modo que fica-se satisfeito quando ocorre justamente o

que era esperado. Porém tudo se segue num ritmo tão rápido, que prende a audiência,

envolvendo-a ao mesmo tempo em que aniquila-se sua capacidade de reflexão. No rádio, o

locutor dita aquilo que se deve ouvir (a música de “sucesso”), seleciona os conteúdos em

conformidade com o cronograma do relógio, e, ainda, cria a ilusão de participação e escolha

das músicas nos ouvintes pelos programas de rádio amador. Ambos os ramos da indústria

cultural não preocupam-se em consolidar-se como arte, seus próprios agentes os proclamam

como indústria, contando felizes as cifras milionárias de seu negócio. Quanto às massas, estas

já estão adestradas, consumindo em larga escala os produtos da indústria cultural,

reproduzindo e garantindo a manutenção do sistema capitalista. Impossibilitadas de apreender

a realidade opressora, pelo poder alienante que a indústria cultural exerce, com seu constante

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bombardeamento de promessas de sonho e liberdade que não se realizam na prática, resta-as

apenas o fascínio pela idéia de “diversão”, que também é ilusória, pois:

(...) a afinidade originária de negócio e divertimento aparece no próprio significado

deste: a apologia da sociedade. Divertir-se significa estar de acordo. O amusement é

possível apenas enquanto se isola e se afasta a totalidade do processo social,

enquanto se renuncia absurdamente desde início à pretensão inelutável de toda

obra, mesmo da mais insignificante: refletir o todo. Divertir-se significa que não

devemos pensar, que devemos esquecer a dor mesmo onde ela se mostra. Na sua

base do divertimento planta-se a impotência. É, de fato, fuga, mas não como

pretende fuga da realidade perversa, mas sim do último grão de resistência que a

realidade ainda pode haver deixado. (p.135)

Para Adorno, a ideologia não somente ilude e camufla a realidade, ela coloca os

indivíduos aos seus serviços. Pode-se considerar sua obra (e a dos teóricos da Escola de

Frankfurt num todo, que viveram a experiência radical do nazismo), como uma proposta de

crítica à ideologia, já que o autor demonstra uma constante preocupação em desmascarar as

determinações econômicas na cultura e sua instrumentalização política (MARTÍN-

BARBERO, 2001, p. 75). O conceito de indústria cultural foi concebido como uma forma de

diferenciação entre cultura popular e cultura de massas, já que para o autor a indústria cultural

apropria-se das manifestações populares, retirando seu caráter genuíno, e frustra a cultura

erudita, deturpando seu conteúdo. Para Adorno cultura é realização material e espiritual,

acompanhada de reflexão e questionamento3. A cultura de massas significa seu oposto, é a

decadência da cultura sob a batuta do capitalismo, que a tudo transforma em mercadoria.

2.2 O Fetichismo na música

Com relação à música propriamente, que é o objeto deste trabalho, Adorno nos

apresenta uma crítica da produção musical no capitalismo no texto “Fetichismo da música e a

regressão da audição” (1999), escrito anteriormente ao da indústria cultural, sendo esta um

desenvolvimento de algumas de suas idéias já apontadas em outros trabalhos. Segundo o autor

3 Em Elias (1990, p.23-50) podemos ver que o conceito alemão de cultura (kultur) está ligado à idéia de valor,ele expressa o orgulho em suas realizações e no próprio ser. Deste modo, a cultura é o espelho dos valoresmorais, estéticos e intelectuais da sociedade. Encontramos concepção semelhante também em Simmel (1998, p.79-107), em sua discussão sobre o conceito de cultura, que para o autor está ligado à idéia de cultivo, que seria odesenvolvimento dos seres humanos em todas as suas potencialidades.

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não é algo recente a crítica à decadência do gosto musical. Desde a República Platão já

mostrava-se crítico às músicas executadas em festas dionisíacas. Para este a música deveria

ser executada como forma de disciplinamento, de elevação do espírito humano, que através

dela poderia controlar seus instintos mais “primitivos”. A música então deveria somente

inspirar-se nos sons próprios dos humanos e da natureza, abolindo os instrumentos de corda

que somente serviam para o divertimento, o prazer e a liberdade, o que torna a música

inferiorizada, banal. Adorno demonstra que na atualidade (o texto é da década de 1930, mas é

notável sua contemporaneidade), até mesmo este sentido de busca do prazer e da liberdade

perderam-se na produção musical, que no capitalismo torna-se mero instrumento de consumo.

O capitalismo que a tudo coisifica reduzindo toda a arte à mercadoria, apropria-se de certos

estilos musicais, fabricando-os e tornando-os produtos de consumo das massas, produzindo

toda uma indústria que banaliza a música tornando-a um mecanismo para gerar lucro. Este

produz “estrelas”, músicas de sucesso, que são executadas até a exaustão com a mesma

rapidez em que são esquecidas e logo substituídas.

Este processo assemelha-se ao fetiche da mercadoria apontado por Marx, pois quando

a música passa pelo mesmo processo de produção e consumo, transforma-se também em

mercadoria. A música produzida pela indústria capitalista é fetichizada assim como a

mercadoria, ou seja, estranha ao consumidor que só recebe o seu produto final, não

reconhecendo o seu valor de uso, mas somente o valor de troca. O ouvinte assim só se satisfaz

na medida em que consome o que lhe é oferecido, não reconhecendo o real valor e a utilidade

daquilo que foi adquirido. O autor discorre sobre a dificuldade que se tem quando

questionamos a alguém o que é de seu gosto, pois as respostas são vagas e geralmente

baseadas no que está na moda ou conforme a situação. Assim, o autor classifica dois tipos de

ouvintes: o que consome as músicas de sucesso sem o menor tipo de reflexão, e o crítico aos

modismos, que procura resgatar formas já ultrapassadas, elencando estilos e sonoridades de

seu gosto. Na prática não há distanciamento real entre ambos, pois os dois estão envolvidos

no mesmo processo de produção e consumo, com a única diferença que um se comporta de

maneira mais seletiva. As “novidades” lançadas pelos músicos e sua criatividade ao tocar

perante à ignorância do público leigo, não passam de meras readaptações da criação de

artistas do passado, da música “clássica”, desconhecidos na totalidade de sua obra pelo grande

público.

A audição deste público termina por regredir, pois foi adestrada a um padrão,

rejeitando qualquer música que fuja dele, já que não tem muitas escolhas em vista do que lhe

é oferecido. O ouvinte torna-se infantil na medida em que exige sempre novidades, como uma

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criança que enjoa dos seus brinquedos após ter brincado com todos que estavam ao seu

alcance. A música está tão padronizada e repetitiva, que mesmo no momento do espetáculo, o

artista deve executá-la do mesmo modo que está na gravação, ficando preso às técnicas já

conhecidas e aceitas pelo ouvinte. O rádio é o instrumento deste adestramento sonoro, pois

impõe aos ouvidos leigos àquilo que a indústria já fabricou para eles.

Esta proposta de Adorno demonstra-se pertinente quanto à questão dos modismos

musicais, que nos deparamos ainda freqüentemente ao ligar o rádio. Durante a pesquisa ficou

claro que os músicos demonstraram uma completa aversão a eles, aproximando-se ao tipo de

ouvinte mais seletivo mencionado pelo autor. Mas, novamente, deve-se lembrar que o

panorama musical da década de 1960, mesmo tornando-se também uma moda, primou (na

grande maioria de seus artistas) por criatividade, originalidade e liberdade de criação, não se

enquadrando totalmente neste fenômeno de banalização da música apontado pelo autor.

2.3 Benjamin e a reprodução da arte

Walter Benjamim (1994), reflete sobre a reprodução da obra de arte e afirma que esta

sempre foi reprodutível, mas agora, ela adentra em um novo processo por conta das

transformações econômicas que modificam a superestrutura, transformando o próprio caráter

da obra de arte. A técnica “invade” agora esta esfera, e não há como retroceder. Para o autor,

a reprodução, por mais perfeita que seja, retira a “aura” da obra, o seu aqui e agora, que seria

nada mais que sua existência única, em que se desdobra a história da obra. A reprodução afeta

a obra de arte em seu elemento que mais se destaca de todos os outros na natureza: sua

autenticidade. Em substituição à sua unicidade, ela agora passa a ter uma existência serial, por

conta das próprias demandas do processo produtivo voltado para o consumo, onde os

indivíduos cada vez mais reclamam pela posse dos objetos. Ao mesmo tempo, surgem outras

implicações em meio a este processo, a reprodução emancipa a arte de seu uso ritual, na

medida em que aumenta as ocasiões para serem expostas. Em conseqüência disto, diminui o

valor do seu uso ritual para aumentar o seu valor de exposição.

Aos que não possuem condições de usufruir a obra em sua totalidade, “a reprodução

técnica pode colocar a cópia do original em situações impossíveis para o próprio original. Ela

pode, principalmente, aproximar do indivíduo a obra, seja sob a forma de fotografia, seja do

disco” (id., p. 168). Pode-se afirmar que Benjamim, mesmo reconhecendo a destruição da

aura da obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, reconhece a possibilidade de uma

“democratização” da arte. Através de sua reprodução, as massas têm agora a oportunidade de

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dela aproximar-se, mesmo que não haja a indubitável vantagem do contato físico real. Outro

aspecto que o autor levanta é que a reprodução técnica transforma a própria relação da massa

com a arte, engendrando também novas formas de recepção.

Neste caminho, Benjamin analisa o cinema, atacando o modo com que o uso da

câmera se impõe sobre o ator. No filme, o ator sofre do mesmo processo de alienação que os

trabalhadores na fábrica, tendo que limitar sua atuação aos simples efeitos que estas sugerem

perante uma câmera, tendo que adaptar-se então as exigências dela, diferentemente do teatro,

onde há uma estreita relação com a platéia. A “vingança” dos atores está no seu sucesso, na

admiração que o público lhe devota, sonhando um dia em também ser filmado. Mesmo

criticando este fato, o autor aponta para a questão de que no filme, as massas podem se ver. E

é este o ponto onde o cinema adquire um potencial transformador, alertando-se para este

aspecto, ele pode vir a representar os reais anseios dos trabalhadores. Além disto,

transformações sociais acarretam mudanças na estrutura da percepção:

A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relação da massa com a arte.

Retrógrada diante de Picasso, ela se torna progressista diante de Chaplin. O

comportamento progressista se caracteriza pela ligação direta e interna entre o

prazer de ver e sentir, por um lado, e a atitude do especialista, por outro. Este

vínculo constitui um valioso indício social (p. 187).

Ao recolhimento, característico do conhecedor da obra de arte, opõe-se à procura das massas

pela distração, e é neste fenômeno que o autor propõe “avaliar, indiretamente, até que ponto

nossa percepção está apta a responder a novas tarefas” (ibid., p. 194).

Nesta breve exposição, fica claro o quanto Benjamim distancia-se de Adorno, pois o

ensaio sobre a indústria cultural foi considerado um ataque a Benjamim (seu texto é anterior

ao de Adorno e Horkheimer, sendo escrito em 1936). Enquanto este examina o caráter de

emancipação que técnica e massas projetam na arte, para Adorno, arte e técnica são coisas

completamente distintas em sua essência, não podendo estar associadas. Quando a reprodução

adentra no domínio da arte, retira justamente aquilo em que ela se destaca das outras coisas da

sociedade, ela não apenas a modifica, a deturpa. Benjamin vê o aspecto limitador da

reprodução, mas para ele, há uma nova possibilidade dada, que é a das massas aproximarem-

se da arte. O mesmo ainda inova ao abordar o aspecto da recepção, que Adorno ignora em

suas teses, para ele, as massas tornaram-se apenas consumidores passivos da indústria do

entretenimento. Se Benjamim encara a distração como uma nova maneira de percepção da

arte, Adorno a vê como um “não pensar”.

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Comparando ambas as abordagens, percebe-se alguns elementos importantes

trabalhados por Benjamim, que apontam no sentido de demonstrar as limitações da

aplicabilidade da teoria de Adorno. Para desenvolver esta questão, julguei importante

discorrer também sobre algumas críticas e outras perspectivas mais contemporâneas sobre a

indústria cultural, que, na verdade, orientaram a pesquisa nos quesitos produção musical,

cultura de massas, mensagem/recepção.

2.4 Os limites e outras implicações da indústria cultural

Edgar Morin (1997) analisa a indústria cultural durante os anos de 1960 a 1975,

oferecendo um panorama interessante sobre o desenvolvimento da cultura de massas durante

esta época. Para o autor, a indústria cultural não somente aliena os indivíduos, ela projeta na

cultura todo um estilo de vida idealizado, que, de modo quase imperceptível passa a ser

adotado pelas massas no momento em que elas adquirem poder de consumo (1997, vol. 1). A

indústria cultural abarca todos os momentos da vida cotidiana fora do trabalho: em casa, no

lazer, nas férias, nas festas. Ela dita não somente os padrões de consumo, mas também de

estilo de vida, onde elege como ideais certos modelos de atitudes e de comportamento, que se

refletem tanto numa produção cinematográfica quanto até num simples comercial de

refrigerantes. O tempo todo há um constante bombardeamento de informações nas revistas, na

televisão e no rádio sobre moda, beleza, vida das “estrelas”, conselhos amorosos, viagens,

passeios, conforto e vida doméstica. Uma vez que na indústria cultural o consumo não é

material, e sim, psíquico, a cultura de massas em seu culto às vedetes, e no seu apelo ao temas

femininos4 acaba por gerar toda uma mitologia em torno do que seria o amor, a felicidade, o

erotismo, o sucesso.

Tudo isso, além de ampliar o consumo, gerando lucros em larga escala ao movimentar

o mercado de bens culturais que se diversifica e aprimora-se cada vez mais, ainda transmite

uma imagem da vida que explora os sonhos e os anseios dos sujeitos, resultando numa busca

incessante para alcançá-la. Esta tese sobre a cultura de massas foi concebida pelo autor

durante os anos entre 1960-65, em meio ao crescimento da economia norte-americana que

possibilitou a melhoria das condições de vida do proletariado e maior poder aquisitivo,

proporcionados pelo Welfare State, e, é claro do avanço dos mass media, que difundiram o

4 Para o autor há uma “feminilização” na imprensa, no filme e nos comerciais, que operam no sentido deuniversalizar os temas mais comuns ligados à construção histórica do gênero feminino tais como: a realização do

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american way of life para o resto do mundo5. Foi nos Estados Unidos que a cultura de massas

nasceu e ascendeu, e a lógica dominante deste (proporcionada pelo seu grande

desenvolvimento produtivo, que lhe permitiu amplo poderio econômico e bélico), garantiu a

assimilação de parte de sua cultura nos demais países ocidentais. Daí explica-se o fato de

Morin produzir uma abordagem que encara a indústria cultural como um lócus em que se

organizam novos processos de produção cultural. Porém o mesmo destaca que nem tudo que é

produzido por ela é banal, semelhante e totalmente padronizado.

A indústria cultural atua tanto na iniciativa privada como no Estado (como exemplo o

autor cita o cinema soviético). Se naquela busca o lucro através do entretenimento, nesta há

interesse político e ideológico em educar e disciplinar. Nas duas instâncias ela opera como

qualquer outra indústria, que necessita de alta concentração técnica e econômica para garantir

seu funcionamento. Assim, exige-se máxima racionalização o que, conseqüentemente, irá

resultar num sistema fechado altamente burocrático e hierarquizado. Porém, mesmo que os

dois sistemas assemelhem-se com a indústria “padrão” eles devem operar de modo

diversificado, pois necessitam atrair o público de um modo diferente desta indústria. O seu

produto requer um consumo que não é “usual” e sim psíquico, e isto gera a necessidade de

uma intelligentsia criadora no seio da indústria cultural. Tanto no sistema privado quanto no

do Estado (que buscam sempre atingir o público mesmo que de maneiras diversas), a criação

dos roteiristas, dos autores do artigo ou da canção, chocam-se com as rígidas estruturas

técnico-burocráticas, que buscam homogeneizar o gosto ao imporem a padronização nos

produtos. Mas, ao mesmo tempo, próprio sistema de produção, visando atingir o maior

número de consumidores possível, gera um mercado amplo e diversificado, tornando o

consumidor cada vez mais exigente por um produto novo e individualizado. Em conseqüência

disto, o sistema deve procurar um equilíbrio entre a padronização e a originalidade,

procurando unir o individual ao universal. A resposta que encontra está na própria estrutura

do imaginário em que padroniza-se os grandes temas romanescos, “fazendo clichês dos

arquétipos em estereótipos” (id. p. 26).

Buscando homogeneizar, a indústria cultural visa atingir diretamente aquilo que seria

o “homem médio”, aquele que consome os modismos e as novidades do mercado sem

questionamento. Mas o público, na verdade, é bastante heterogêneo, pode não variar tanto em

indivíduo atrvés do amor e do casamento, a valorização do lar e da vida doméstica e as informações relativas aocuidado da saúde, da beleza e do bem-estar (p. 139-157).5 Discorrer sobre o contexto econômico e político da época não é a proposta deste trabalho, apesar de serinevitável não mencioná-lo, principalmente no capítulo posterior. Ver: HOBSBAWN, E. J. A era dos extremos:o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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questões de classe (patrão e empregado podem assistir aos mesmos filmes), mas varia no

estilo. Então produz-se uma variedade de filmes, livros de Marx e Kafka em edições de bolso,

ópera gravada em disco. Num determinado momento precisa-se da invenção, e é no conflito

entre padronização/originalidade que está a contradição da cultura de massas, ela precisa

adaptar-se ao público e o público a ela.

É a existência dessa contradição que permite compreender, por um lado, esse

universo imenso estereotipado no filme, na canção, no jornalismo, no rádio, e, por

outro lado, essa invenção perpétua no cinema, na canção, no jornalismo, no rádio,

essa zona de criação e de talento no seio do conformismo padronizado. Pois a

cultura industrializada integra os Bressons e os Brassens, os Faulkners e os Welles,

ora sufocando-os, ora desabrochando-os. (p. 28-29)

Assim, pode-se afirmar que há uma brecha no seio da própria indústria cultural, num dado

momento em que a produção não pode abafar a criação. A organização técnico- burocrática

pode impor sanções e constrangimentos aos autores, mas mesmo em meio a esta pressão,

estes podem imprimir sua personalidade na obra, e dependendo de seus sucessos, podem até

mesmo ditar suas condições.

A perspectiva de Morin apresenta outros aspectos da indústria cultural que não foram

atentados por Adorno, tais como a possibilidade da criação artística escapar ao domínio da

técnica e a certa heterogeneidade dos consumidores e dos produtos. Mesmo seguindo a linha

proposta por Adorno, enfatizando a padronização e o apelo constante ao consumo massivo

alienador, Morin afirma que há uma relativa abertura na cultura de massas gerada pela

dialética de seu próprio sistema. Aliás, dialética é o que falta na abordagem de Adorno

(COHN, 1990), pois a ele escapa o fato apontado por Morin de que a relação da indústria

cultural com o público consumidor acarreta em mudanças não apenas neste público, mas

também em sua própria estrutura de funcionamento. Adorno ignora esta inter-relação, para ele

há a indústria e as massas, uma manipulando, e a outra aceitando, sem a possibilidade da

última nela interferir. Como já mencionei no início deste capítulo, a perspectiva de Adorno é

insuficiente para elucidar uma série de mudanças culturais ocorridas durante os anos de 1960,

daí a pertinência das análises que Morin fez sobre a atuação da indústria cultural frente às

transformações geradas pela contracultura, desenvolvendo algumas destas questões já

colocadas que irei abordar na segunda parte deste trabalho.

Para Jesús Martín-Barbero (2001), o conceito elaborado por Adorno e Horkheimer

tem o grande mérito de descortinar a alienação na cultura como ferramenta de uso político e

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ideológico, colocando em xeque uma problemática que irá gerar muitos debates até nossa

contemporaneidade. Analisando a obra de Adorno em sua totalidade, o autor destaca sua

coerência e linearidade de pensamento, mesmo quando este trabalha com diferentes objetos.

A ressalva de Martín-Barbero é quanto ao fatalismo da concepção de Adorno sobre as

transformações ocorridas nos campos das artes e da cultura no capitalismo. Em Adorno não

há saída, a arte é destruída em seu princípio quando começa a fazer parte da economia

mercantil. Ou ela é reduzida na reprodução, ou sua originalidade vale um alto preço no

mercado, a arte entra na produção serial como qualquer outra mercadoria, o que significa seu

declínio. Crítico ao cinema e ao jazz, que para ele são formas inferiores, a arte requer

comoção e não emoção (id., p. 83).O prazer e as sensações, que é claro, são infinitamente

explorados pelo fascismo, que sempre reclama pelo “realismo”, ou seja, imediatismo na

interpretação das mensagens, são vistos por Adorno como perniciosos, pois a verdadeira arte e

sua apreensão necessitam de recolhimento do indivíduo, que então mergulha em si mesmo.

Martín-Barbero assinala para um certo elitismo disfarçado em Adorno, pois

recolhimento é justamente o sentimento que o burguês experimenta diante da arte. Ele destaca

que há na obra de Adorno uma espécie de nostalgia ao tempo em que a contemplação da arte

erudita restringia-se ao espaço da solidão do burguês enclausurado em sua casa, protegido do

mundo exterior. Ao isolamento do burguês – em sua leitura de romance, ou sobre uma pintura

que decora alguma parede de sua casa – com a reprodução da arte agora temos a dispersão da

coletividade das massas nas salas de cinema, na execução do jazz nos bares.

Frente ao reconhecimento da obra que o burguês usufrui, produz-se o estranhamento

das massas, ao mesmo tempo em que significa também uma exigência destas de aproximar-se

do que lhe era distante. Para Martín-Barbero, enquanto Benjamim percebeu nisto um certo

democratismo, em Adorno, a aproximação das massas da arte e seus novos modos de percebê-

la significam sua degeneração. Ele compara os autores no sentido de demonstrar o quanto

Benjamim inova ao analisar as mediações entre comunicação e cultura, avaliando suas

transformações nos modos de percepção, e da inserção do popular e do marginal na cultura,

aspecto que em Adorno é diluído em seu fatalismo que vê na diversão a morte da cultura.

Gabriel Cohn (1990) afirma que a teoria de Adorno é determinista no sentido de que

não é possível a ocorrência de relações isoladas, onde a consciência é um mero reflexo das

condições sociais vigentes (consciência reificada). Para o autor, não há como conceber a

consciência isolando estas, mas há também uma série de outros fatores que determinam a

consciência, e ao reduzi-la somente a esta instância, Adorno coloca a impossibilidade dos

indivíduos de transcender. Assim, o conceito de adorniano de cultura omite relações isoladas

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e auto-suficientes, suas definições estão presas a um sistema fechado, em que todas as

relações são recíprocas. Cohn destaca que nem todas as atividades se relacionam ou se

reproduzem conforme os padrões determinados. Na indústria cultural, a cultura perde

completamente sua autonomia, pois ocorrem as determinações econômicas que generalizam

produção e distribuição, onde todas as manifestações culturais e artísticas sofrem a

intervenção da economia de mercado. Este ainda afirma que há uma relação dialética entre

indústria e cultura, uma afeta a outra tanto no processo de formação cultural quanto na própria

produção capitalista (id., p. 11). Portanto, não há como relegar a cultura como totalmente

subordinada pela indústria.

Outro fator relevante é o de que a indústria não opera com vistas a um mercado

indiferenciado (como já apontou Morin), e sim estratificado, a própria obra de arte dentro da

indústria cultural apresenta variações de efeito. Pois como afirma Pierre Bourdieu (1994), o

gosto é algo socialmente construído, que depende principalmente da posição de classe em que

os sujeitos ocupam. É o seu habitus de classe adquirido ao longo de sua formação e de suas

experiências que irá determinar seus padrões de consumo e de estilo de vida (id., p. 82). As

classes que possuem capital econômico, e, portanto os instrumentos de apropriação,

conseqüentemente são as detentoras de capital cultural. Em O Poder Simbólico (2003), o

autor discute esta relação, afirmando que a classe dominante também possui o poder de

qualificar o consumo, de eleger o que é bom (o que é considerado de valor e de bom gosto,

não apenas para si, mas para toda a sociedade), assim como é a que detêm uma série de

disposições que permitem não apenas a posse, mas a fruição e o conhecimento da arte. A alta

cultura resiste à massificação, o advento da indústria cultural não retirou seu caráter restrito, e

não afetou decisivamente os padrões de consumo de toda a sociedade, indiscriminadamente.

Neste sentido, a tese de Bourdieu é análoga a de Cohn, ou seja, há uma estratificação do

consumo resultante das variações de gosto. A indústria tem consciência deste fato, ela produz

mercadorias diferenciadas, direcionando-as a certo tipo de consumidor. Este direcionamento

se dá pelas variações de estilo.

Não há como impor uma produção totalmente planificada se há uma estratificação

produzida através de reações diferenciadas por parte do consumidor. Há especificidades no

consumo que Adorno não alude, assim como há também uma parcela que resiste à

padronização da arte e às demandas do consumo de massa. Cohn não descarta que a indústria

cultural procura homogeneizar a sociedade segundo os imperativos da ideologia dominante, e

que os preceitos de Adorno são válidos para produção voltada exclusivamente para o

consumo massivo. Mas este aponta para a existência de “nichos culturais”, que, apesar de

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constituírem uma produção paralela atuando por fora dos grandes mercados, descomprovam

as definições de Adorno, que são pertinentes somente à produção totalmente planificada, onde

as relações são recíprocas e horizontais, sem existirem estas “resistências”. Estas produções

podem relegar a obra a uma pequena audiência, mas isto já é um indício de que há

comportamento valorativo. Embora continue atual a constatação de que há aceitação por parte

da maioria das pessoas das fórmulas padronizadas pela indústria e de como ela desvincula a

obra de sua identidade cultural, é este comportamento valorativo ignorado por Adorno que faz

com se que elimine o papel do receptor.

Da mesma forma que a reprodução da arte e sua divulgação no mercado modificam a

recepção, o papel do produtor (artista) também é modificado. Se o artista trabalha com a

condição de ser remunerado, no capitalismo passa a ser um trabalhador produtivo, pois gera

capital. Se está inserido na indústria e atende aos seus objetivos, está padronizando e

massificando sua arte, mas há aqueles que não se dobram às pressões mercadológicas. Há a

arte que resiste à massificação por conta de um público mais seletivo quanto ao produto que

consome. E é este público que permite que o produtor independente subsista ao poder da

indústria, embora não esteja totalmente desvinculado do modo de produção capitalista. O que

acontece é a simultaneidade da alta cultura e da cultura de massas, que Adorno não previu,

embora de uma maneira que elas não estão juntas, não oferecendo tantas possibilidades de

“livre escolha” ao consumidor, pois cada uma delas é direcionada.

A crítica de Cohn é importante porque atenta para um elemento crucial da produção

musical dos anos de 1960: o da não aceitação de grande parte dos artistas às fórmulas-padrão

da indústria fonográfica, e seu constante apelo à liberdade de criação. Outro fator é o da

relação entre produção e cultura, pois como veremos, a própria indústria se “dobrou” frente às

exigências colocadas pelas transformações sócio-culturais que ocorreram na época. Um outro

dado interessante é o de que as bandas pesquisadas restringem-se ao cenário local

“independente”, e têm um público cativo que busca por outros estilos musicais alternativos ao

que está sendo produzido pelo mercado da música da atualidade, o que comprova a existência

do fenômeno analisado por Cohn. Após ter em mente estas ressalvas quanto à indústria

cultural, podemos partir para a análise sobre a música da época, relacionando-a a processos

sociais mais amplos e discutindo como esta foi envolvida na lógica de mercado.

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3 A CONTRACULTURA

Visto que é comum o revival de sucessos das décadas passadas na mídia, nos bares,

nas casas noturnas, no vestuário, etc., (para citar um exemplo, a televisão ultimamente tem

resgatado artistas rotulados “bregas” da década de 1980), é importante assinalar, como já

discorreu Simmel (apud WAIZBORT, 2000, p. 169-243) em pleno início do século XX, que

isto não se trata de anacronismos, e sim de um fenômeno tipicamente moderno. Segundo o

autor, o progresso científico da era moderna possibilitou o conhecimento histórico de países e

de culturas distantes. A vida na cidade, marcada pelo distanciamento, pelo calculo racional e

isolamento dos sujeitos, torna-se enfadonha, pouco satisfatória para a maioria dos indivíduos.

Assim, estes procuram apegar-se a paisagens e culturas remotas, que lhe parecem mais

atraentes do que a vida cotidiana que levam na metrópole, sem grandes emoções, aventuras e

distante da natureza. Daí explica-se as grandes movimentações turísticas, a literatura de

épicos e mitos antigos, a aquisição de objetos rústicos, orientais e daqueles remetem a outras

eras. Percebe-se então que a metrópole é marcada por uma variada “profusão de estilos”,

sejam arquitetônicos, decorativos, culinários, ou no trajar, em conseqüência do historicismo e

do contato com outras culturas na modernidade.

Continua válido o argumento de Simmel em nossa contemporaneidade. Nota-se, que

principalmente nos jovens, encontramos nas grandes cidades os mais variados estilos que,

muitas vezes remetem ao passado. Convivem lado a lado jovens que adotam o estilo punk, o

mod, o hippie, entre outros. Especificamente no caso dos hippies, é interessante problematizar

a questão dos modismos, fonte de preocupação por parte de alguns analistas, já que implica

em uma situação paradoxal, em se tratando de um movimento que levantou a bandeira do

“anti-consumo” (assim como também o movimento punk). Não há como negar que a indústria

cultural gerou um certo glamour em torno da contracultura, e que isto pode ter contribuído

para uma idealização que há no imaginário coletivo sobre o que representaram os anos de

1960.

O fenômeno da contracultura já foi explorado por vários teóricos, os quais sugeriram

as mais diversas interpretações, nem sempre concordantes. Tendo em mente o fato de a

maioria dos músicos pesquisados adotarem o estilo hippie, as propostas dos teóricos Theodore

Roszak e Edgar Morin tornam-se importantes para a análise do objeto, pois ambos os autores

foram contemporâneos ao movimento e demonstraram uma preocupação com as

conseqüências da intervenção da indústria na contracultura. A partir destas considerações,

podemos então analisar a produção musical da época, para assim avaliar o tipo de impacto

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que esta produz nos jovens músicos em nossos dias, pois estes tanto são executantes de um

estilo musical claramente influenciado por ela, quanto também são seus consumidores.

3.1 Indústria cultural e contracultura

O termo contracultura muitas vezes revela-se insuficiente ao denominar toda a gama

de manifestações que emergiram nos anos de 1960. Primeiramente porque dá demasiada

ênfase no sentido de negação à cultura estabelecida, o que, ocorreu de fato. Mas a questão é

de que se tratava não apenas de recusa, mas sim de um amplo movimento que continha uma

série de propostas transformadoras, afirmando seus valores positivos. Além disto, os valores e

as tendências adotadas existem na sociedade, mas encerrados nas reservas da infância

(espontaneidade, fantasia), na religião (paz, amor ao próximo, desinteresse) ou dispersos em

contratendências (abertura ecológica, neo-arcaísmo). A crítica radical tinha por objetivo

desmascarar o estatuto residual e superficial destes valores, sua incapacidade de assumir a

vida cotidiana e de interessar todo o ser (MORIN, 2005, p.135, vol. 2). Outra questão é a de

que o termo torna-se generalizante para vários movimentos sociais diferentes (ecológico,

pacifista, estudantil, feminista, negro) que possuíam metas determinadas, e nem sempre

convergentes.

Não há como indicar ao certo onde e em que momento explodiu o movimento, até

porque o mesmo não foi localizado, ocorrendo uma simultaneidade de manifestações em

várias partes do mundo. Mas seu local de maior expressão foi, sem dúvida, os Estados

Unidos, pois foi neste país que nasceram as subculturas beatnik e hippie. Londres, Paris, Leste

Europeu, América Latina, todos os movimentos continham suas especificidades locais, mas,

de alguma forma foram influenciados por uma certa cultura juvenil norte-americana. Como

veremos logo adiante, este fato se deu em grande parte pela expansão dos meios de

comunicação de massa, que difundiram o rock’n roll e os ícones pop da juventude.

Os anos de 1950 foram o marco inicial do surgimento desta subcultura, ao emergir

uma produção específica (tanto de bens culturais quanto de materiais, como o vestuário) para

o público consumidor juvenil. O surgimento do rock, a criação de pontos-de-encontro, - que

serviram para reunir os jovens com as mesmas afinidades - o aumento do poder aquisitivo

(seja de dinheiro dado pelos pais ou do seu próprio trabalho) proporcionou a ida a clubes

noturnos, a aquisição de carros, motocicletas (signos de liberdade e movimento) e de discos.

O culto de certos ícones jovens que, mesmo na forma de produto, exalavam um “ar” de

rebeldia como Elvis Presley, James Dean e Marlon Brando, inspirou uma espécie de postura a

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ser adotada. Todos estes elementos para além de proporcionarem uma relação de identificação

entre os jovens, enquanto grupo, afastou-os ainda mais dos valores transmitidos pelos pais,

acirrando o conflito de gerações.

Além de a sociedade ter se tornado mais jovem, (na época em torno de 50% da

população dos EUA e de outros países da Europa tinha menos de vinte e cinco anos de idade),

outro dado importante é o de que na década posterior houve uma grande expansão das

universidades norte-americanas por iniciativa do próprio Estado em conseqüência gigantesco

aumento produtivo, que exigiu a capacitação técnico-científica de um número maior de

pessoas para geri-lo. Este fato serviu para aglutinar a juventude em torno dos campi

universitários, assim como possibilitou a entrada de estudantes vindos da classe média e de

filhos de operários, aproximando-os das camadas intelectuais mais inconformistas. O poeta

Allen Ginsberg6, a sociologia ativista de Wright Mills, a visão crítica da sociedade em Adous

Huxley, a apologia aos alucinógenos de Thimothy Leary, entre outros, colaboraram para que a

revolta, ainda em estado latente, tomasse “corpo”. Se de um lado havia o culto da rebeldia em

forma de consumo, do outro havia a dissidência de uma geração mais velha, que através de

sua literatura radicalizada influenciou a juventude beatnik, e, logo em seguida, os hippies. Se

não há como indicar a universidade como o local de onde partiu a revolta, podemos aponta-la

como um de seus epicentros.

Para Theodore Roszak (1972), a contracultura foi um processo de inconformismo

radical à sociedade tecnocrática. Segundo o autor, a sociedade industrial (a norte-americana,

principalmente) estava no ápice de sua integração organizacional, atuando com o máximo de

racionalização e planejamento. O poder tecnológico, sempre com seu apelo à Razão, chegara

a um nível de eficiência tal que passava a controlar os indivíduos em todos os aspectos da

vida. Na tecnocracia, “a política, a educação, o lazer, o entretenimento, a cultura como um

todo, os impulsos inconscientes (...) – tudo se torna objeto de exame e de manipulação

puramente técnicos”. (id., p. 19). A rebelião da juventude então seria um protesto pela

liberdade e autonomia dos sujeitos contra este poderoso inimigo invisível, aliada à crítica à

geração dos pais, conivente e apática a este sistema. Este protesto foi também possível através

das reivindicações de uma significativa parcela da população que permanecera excluída (o

caso das mulheres e dos negros), que não desfrutava dos privilégios da nova sociedade

“perfeita”.

6 Ginsberg (Hawl, 1956) e Jack Keruac (On the road, 1956) foram os expoentes da geração beat, que criticava omoralismo e a falta de liberdade sexual da época. Os beatniks eram vistos como jovens delinqüentes, pela suabusca de aventuras por romperem com os padrões comportamentais.

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Roszak aponta o conflito de gerações como um dos elementos que desencadearam a

revolta. O autor ressalta que estes jovens teriam sido fruto de uma educação mais liberal do

que a de seus pais. Cercados de atenções, mimados e tendo todos os seus desejos satisfeitos

pelos pais (não é à toa que a maioria deles pertencesse à classe média), eles desejavam uma

espécie de prolongamento da infância - sem tédio e sem compromissos. Esta tese é

interessante, pois é perceptível que grande parte das manifestações contraculturais faziam

referência ao lúdico e ao fantástico7.

Outra questão que o autor coloca é a de a juventude teria tomado para si o papel

histórico da classe trabalhadora. Acomodada pelas novas condições de vida e de trabalho, sua

luta se resumia apenas em garantir melhores salários, não preocupando-se então com a

principal meta revolucionária, que seria a abolição da sociedade de classes. Para Rozsak,

curiosamente, a juventude norte-americana mesmo com a ausência de um background radical

foi a que compreendeu melhor esta situação (ibid., p.18), enquanto que a francesa equivocou-

se ao confiar no apoio dos operários grevistas8, que no fundo não passavam de adultos

acomodados. Cabe aqui uma crítica a esta tese, pois um dos elementos que explica o fracasso

da revolução foi o fato de não ter sido um amplo movimento organizado em conjunção com a

luta dos trabalhadores, e sim vivida como uma espécie de cartilha a ser seguida por uma faixa

etária da população. O surgimento da Nova Esquerda foi o resultado desta percepção, pois

esta adotou uma crítica consciente de que a luta pelo fim do capitalismo deve estar aliada a

outros movimentos sociais específicos, derrubando então todas as formas de opressão (a luta

pelo socialismo libertário).

Roszak percebe que a contracultura tornou-se uma espécie de moda já naquela época,

criticando sua vultuosa propagação na mídia, na imprensa e no comércio. Os jovens teriam se

tornado então o principal alvo da indústria, sendo grandes consumidores da própria sociedade

que criticavam. Para o autor, isto seria uma espécie de tática que terminaria por “banalizar” a

revolução, enfraquecendo-a, como demonstra neste trecho:

Os chamados beatniks e hippies, sejam o que forem, nada têm a ver com aquilo que

os transformaram o Time, Esquire, Cheeta, a televisão, as comédias da Broadway e

Holywood. A imprensa decidiu que rebelião “vende” bem. Mas o máximo que

consegue fazer é isolar as aberrações mais insólitas e, conseqüentemente, atrair para

o movimento muitos poseurs extrovertidos (...). O problema é novo e difícil: uma

7 Algumas músicas do grupo Grateful Dead faziam referência ao livro O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkiennarrativa fantástica que fez grande sucesso entre os hippies.

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espécie de cínica asfixia da rebeldia através de publicidade contínua, e começa a

parecer que para o Sistema esta arma é muito mais eficaz do que a supressão pura e

simples (p. 47).

Ainda alertando para as contradições que surgiram no movimento, o autor aponta que até

mesmo o consumo de drogas não foi utilizado somente com o intuito de “expandir a mente”

por uma parte dos jovens. Muitos a utilizavam somente por diversão, apenas procuravam nela

uma forma de entretenimento. Enquanto isso, tanto estes consumidores, quanto os que

apregoavam seu caráter libertário, favoreciam a manutenção de uma Máfia que lucrava com o

comércio ilegal de entorpecentes.

Apesar de Roszak ter chamado a atenção para o fato de a revolução estar servindo aos

interesses mercadológicos, é Edgar Morin (2005, vol. 2) que analisa esta questão mais

profundamente, atrelando-a a sua teoria sobre a cultura de massa já demonstrada no capítulo

anterior. A tese do autor é a de que desde o princípio a contracultura já participava da

indústria cultural (leis de mercado, técnicas de produção e de difusão maciça, etc.), e que,

portanto, não houve uma simples “cooptação” por parte do sistema, como afirmou Roszak.

Morin analisa o fenômeno a partir da sugestão de quatro hipóteses (id., p. 40) para

serem trabalhadas: a) a de que a juventude e a intelligentsia (literária, artística) constituem

camadas hipersensíveis a estados de inquietação, pelo fato de uma viver o constante conflito

entre ajustar-se ou não (situação que separa as gerações), e a outra pela sua própria posição na

sociedade, que comumente é marginal; b) de que há uma complementaridade entre as revoltas

estudantis e o desenvolvimento e a progressiva radicalização de uma “cultura adolescente”

através de ídolos “rebeldes” (James Dean, Marlon Brando), pelo nascimento do rock’n roll e,

mais tarde, pelo trovadorismo contestador de Bob Dylan e Joan Baez; c) que esta cultura

adolescente, juntamente com os movimentos hippie, beatnik e estudantil, e o Maio Francês

marcam uma etapa na constituição de um “grupo etário” nas civilizações ocidentais; d)

interrogar sobre a internacionalidade do movimento, interpretando então o quadro não apenas

em sua localidade, mas globalmente.

Morin afirma que a cultura de massas é uma tendência, e uma tendência ao se tornar

dominante, gera uma contratendência. Na medida em que a cultura hegemônica não consegue

satisfazer por completo a totalidade dos indivíduos, ela favorece o surgimento da crítica, e o

resultado é uma crise cultural. A contracultura seria então uma contratendência surgida dentro

deste contexto de crise. Primeiramente, o autor alerta que há uma metamorfose na cultura de

8 As paralizações dos operários franceses terminaram após o PC firmar acordo com o general De Gaule.

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massas no sentido em que esta abandona parcialmente sua mitologia euforizante e inicia um

novo ciclo em que problemas comuns relativos ao casamento, às relações interpessoais, às

doenças, à política, etc. começam aos poucos a serem abordados na imprensa e na televisão.

Se antes havia uma mitologia em torno da felicidade, agora há uma problemática da felicidade

(p. 110). Esta transformação inicia-se no momento em que os sujeitos, frustrados pelas

promessas não cumpridas pela indústria cultural, anseiam para que os sonhos (gerados pelo

movimento de vida alternada entre trabalho/lazer, casa/férias) tornem-se concretos, que façam

parte do cotidiano de suas vidas, para além do imediatismo superficial proporcionado pelo

consumo. Outro fator que proporcionou esta metamorfose foi a própria aceleração da

conquista tecnológica, que levou uma vanguarda cultural a utilizar-se dos meios de

comunicação de massa, tais como o cinema. Assim, a cultura de massa cessa de ser um

universo fechado que se opõe radicalmente à cultura artística tradicional. Em meados da

década de 1960, percebe-se que há uma flexibilização maior entre produção e criação, uma

intervenção mais direta da classe artística na cultura, e de que por fim, o universo dos meios

de comunicação de massa deixa de ser monopólio da indústria cultural (nos termos de Adorno

e Horkheimer).

Para o autor, este mesmo movimento, juntamente com a produção de certos bens de

consumo voltada para um público jovem, termina por desenvolver uma subcultura, em parte

integrada à cultura de massa, em parte desintegrada. É subcultura no sentido em que faz parte

de um sistema maior, o da cultura de massa, mas ao mesmo tempo é uma cultura marginal, na

medida em que subsiste neste mesmo sistema uma parcela mais radicalizada, não adaptada e

crítica ao consumo. Esta subcultura adolescente é ambivalente, pois mesmo sendo atrelada ao

mercado, procura diferenciar-se: “uma estrutura ambivalente conduz, por um lado, ao

consumo “estético-lúdico”, e à fruição individualista da civilização burguesa; mas ela contém,

ao mesmo tempo, os fermentos de uma não-adesão a este mundo adulto que traem o tédio

burocrático, a repetição, a mentira, a morte” (ibid., p. 133). A hipótese do autor é a de que na

cultura juvenil reinava o desejo pela liberdade, o prazer, a fantasia, a emancipação,

desprezando o mundo “chato” dos adultos. O jovem não queria transformar-se em adulto, mas

reclamava para si o mesmo estatuto de direito e de autonomia, emergindo então como ator

social. Surgia uma outra moral, e a música (principalmente o rock) era o principal veículo de

difusão destes novos valores. É correto afirmar que o hedonismo já estava em germe no

individualismo da sociedade burguesa, e que, de alguma forma, a geração dos sixties é sua

herdeira. Mas a diferença crucial é a de que esta geração opôs o hedonismo do ter para o

hedonismo do ser.

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Assim, mesmo que desenvolvendo-se no seio da economia capitalista, e participando

dela, há uma tendência à crítica que se espalha pela sociedade e difunde-se pelos mesmos

mecanismos de produção da qual se opõe, o que para o autor não chega a ser uma

contradição. Há uma função paramilitante que se liga neste tipo de participação, onde em

determinados gostos há uma pretensa forma de significar uma recusa à sociedade “de

consumo”. Vestir-se de modo esquisito, assistir a um concerto de rock, ler quadrinhos de

Crumb, ou assistir a um filme underground, significam uma tomada de postura política e

existencial mínima (p. 133-34). Neste aspecto há demasiado otimismo por parte do autor

quanto ao impacto que determinadas produções produzem nos jovens. Não há uma relação

direta entre consumir certos produtos que fujam ao padrão da indústria cultural com visões de

mundo que indiquem um posicionamento mais crítico. Este tipo de consumo também pode

estar ligado a um modismo. Explorei bastante esta relação em minha pesquisa, e a analisarei

na parte final do trabalho. Porém há uma ressalva de Morin que demonstra que indústria não

estava tão aberta assim e estas novas manifestações artísticas, que alerta ao fato de sua

intervenção na criação. Há uma relação dialética entre criação/produção, onde a criação

interfere na estrutura da indústria e esta na própria criação, mas o produto final que chega ao

consumidor embora modificado não está totalmente esvaziado de suas intenções originais.

Nesta zona mista, a dissidência e a revolta são integradas ao sistema, depois de

terem sido mais ou menos filtradas, sem que, entretanto, sejam eliminados todos os

fermentos corrosivos. O sistema utiliza a criatividade dos meios marginais, como

no plano adulto utiliza a criatividade dos artistas, mas traz os padrões de produção,

as censuras e acomodações. Assim, pode-se dizer esquematicamente que esta

cultura é criada pela adolescência, mas que ela é produzida pelo sistema. A criação

modifica a produção e a produção modifica a criação (...) e existe a ala “esquerda”,

em que a destruição supera o consumo. (p. 139-40).

Visto que grande parte dos elementos que caracterizavam a contracultura foi absorvida

pela indústria cultural, isto não é ignorado pelo autor. Este salienta que uma parte da

juventude era integracionista, ligada ao consumo e aos modismos, enquanto havia outra não

integracionista que para além de uma simples adoção do estilo rebelde, adquiria opiniões e

posturas radicalizadas, estando mais próxima aos movimentos de contestação, às drogas, à

marginalização e ao protesto político. Morin utiliza conceito de indústria cultural, mas o

relativiza, aplicando-o dentro das novas implicações que surgiram devido às transformações

culturais ocorridas na época. A análise da produção artística, que reconhece as pressões

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mercadológicas, mas sem perder de vista os elementos que escapam a este controle - surtindo

determinados impactos na audiência – fornece um bom caminho para compreender o

fenômeno do rock.

3.2 O surgimento do rock’n roll

Como base para a discussão das origens do rock, utilizei o trabalho do músico e

historiador Paul Friedlander (2002) que apresenta um interessante histórico do gênero rock,

acompanhando seu início e sua evolução, até o final da década de 1980.

O rock’n roll, em suas origens, era uma música essencialmente negra. Os ritmos

sincronizados, a voz sentimental e as vocalizações de chamado-e-resposta, consistia-se numa

herança da música africana, tornando-se características dos trabalhadores negros norte-

americanos. A fusão dos estilos afro-americanos blues, gospel e jump band jazz, tornar-se-ia

nos anos de 1950 o rhythm and blues (R&B) – a maior fonte do rock’n roll, que somou-se às

outras influências de mais dois estilos tradicionalmente brancos, o country e o folk (id., p. 31-

41).

O blues rural era cantado por negros pobres e desempregados em bares de beira da

estrada e em praças públicas, lamentando os anos difíceis da Depressão (a cantora Bessie

Smith foi seu maior destaque). O estilo era marcado por um vocal denso, que caracteriza o

teor das letras, que comumente falavam sobre adversidades, tendo acompanhamento de um ou

dois violões e percussão. O ritmo foi sendo lentamente abandonado durante a Segunda

Guerra. A migração da população rural para os centros urbanos, trazendo novidades, a

ausência da família e a nostalgia da vida rural, favoreceu o florescimento do novo ritmo: o

blues urbano, tocado em cafés e teatros. O blues urbano mantinha a forte carga emocional em

suas letras e vocalizações sendo então uma derivação do blues rural, mas com relativo

abandono dos temas depressivos. Muddy Waters é o maior representante desta leva, sendo

acompanhado pela instrumentação que formava a seção rítmica básica, composta por guitarra,

baixo, bateria e piano. É esta formação que irá compor, mais tarde, os conjuntos de rock’n

roll.

A música religiosa gospel foi outra raiz negra do rock. O vocal emocionado, as

improvisações, o acompanhamento das palmas, a complexidade rítmica e harmônica,

influenciaria muitos cantores de rhythm and blues e do próprio rock’n roll, que adaptaram o

virtuosismo vocal e os movimentos corporais dos cantores de gospel para suas interpretações.

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Já o jump band jazz era característico pela mesma instrumentação do blues urbano,

incluindo um saxofone. O ritmo era marcado por uma batida rápida e animada, que envolvia o

ouvinte a ponto de “faze-lo dançar” (o swing).

Da fusão destes quatro ritmos, os novos artistas negros do final dos anos 40 a

transformaram no rhythm and blues, que se caracteriza pela “batida” envolvente da bateria, a

formação básica do blues, os vocais virtuosos, a criatividade no palco, e a inclusão de um

solista de sax-tenor do jazz. As letras comumente retratavam histórias de amor e

relacionamentos sexuais, o que repelia o público conservador branco e parte do negro, mas

atraía um novo público de jovens ouvintes negros. Esta música, assim como o blues, era

vendida por pequenas gravadoras regionais, que com escassos recursos técnicos, de pessoal e

financeiros, encarregavam-se de gravar, prensar e distribuir O relativo sucesso de suas vendas

fez com que fosse tocada em pequenas estações de rádio, majoritariamente as dos grandes

centros urbanos, como Nova York e Chicago (ibid., p. 40).

O country e o folk surgiram de uma espécie de adaptação das populações rurais

brancas das tradicionais canções anglo-saxãs (que têm suas origens em elementos da música

celta e do folclore europeu). Estes dois estilos emergiram da população agrária do sul dos

Estados Unidos durante a década de 1920, e, basicamente retratavam a vida rural e incluíam

temas folclóricos (fábulas, mitos antigos) e religiosos. A base rítmica era geralmente

composta por instrumentos de corda, como violão, violino, e harpa, incluindo por vezes uma

rabeca. Mais tarde foram adicionados ao country alguns elementos do blues, como guitarra,

baixo e bateria, que deram a face do moderno country em fins da década e 40 e início da 50,

onde seu maior representante foi Hank Williams. Além destas influências do blues,

acompanhadas do violino, este abandonou os temas clássicos do country, compondo músicas

que relatavam experiências amorosas, brigas e bebedeiras. O artista vendeu milhares de

cópias e chegou ao topo das paradas de sucesso nas rádios. Seu sucesso viria a influenciar

Elvis Presley, que criou a síntese country/blues/R&B, conhecida como rockabilly.

Na verdade, estes fenômenos consistiam em fatos isolados, não chegavam a compor o

mainstream da música. O relativo sucesso da música negra se deu por conta da divulgação de

pequenas gravadoras e estações de rádio regionais, que dirigiam-se a um público local,

majoritariamente negro (assim como o country de Hank Williams era restrito à audiência da

população branca sulista). No começo dos anos de 1950, as músicas que dominavam o

mercado e topo das paradas nas rádios, não possuíam em nada a agressividade e sensualidade

da música negra, era um estilo leve, assexuado e fantasioso (como exemplo, os artistas que

emplacavam eram Frank Sinatra e Nat “King” Cole), e que, portanto, agradava tanto os

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adolescentes quanto os adultos. A maioria dos adolescentes brancos de classe média ainda não

tinha contato com a nova música que estava surgindo, e os movimentos de protesto ainda não

tinham grande alcance, sendo duramente reprimidos pelo macarthismo e pela onda de terror

suscitada pela Guerra Fria. Além disto, a subcultura beat permanecia na marginalidade,

restrita a poucos universitários radicais e aos “delinqüentes”, sem conseguir sensibilizar a

maioria da população jovem.

3.3 A ascensão: o rock clássico

No entanto, estes adolescentes - que devido à mobilidade social conquistada pelos pais

agora tinham a possibilidade de não precisarem trabalhar, tendo tempo livre para divertirem-

se - começavam a dirigir suas atenções para as estações de rádio que tocavam R&B e o novo

ritmo que derivou dele, o rock clássico. O crescimento da audiência fez com que as pequenas

gravadoras negociassem a distribuição dos discos com as maiores (como RCA, Atlantic,

Columbia e Decca), e levou as grandes cadeias de rádio AM a incluírem estes estilos musicais

em sua programação, o que as salvou da ameaça de desapareceram por conta do surgimento

da televisão (CHAPLE; GAROFALO, 1989, p. 53-103). A dura repressão sexual da

sociedade na época, uma rígida hierarquização no trabalho e na família, somadas com a

melhoria das condições de vida de grande parte da população, resultou em pais apáticos e

filhos mimados, porém insatisfeitos. O rock viria responder aos seus anseios, com um ritmo

sensual, apresentações livres e despojadas, e letras, que de modo subliminar, continham forte

apelo sexual (grande parte das músicas tinha o “duplo sentido”). Conseqüentemente, pais,

professores, autoridades governamentais e religiosas, começaram a temer o impacto deste

ritmo nos jovens, condenando esta música como imoral, pecaminosa. Por trás disto, ainda

havia o racismo inerente, pois tratava-se, sobretudo, de música negra ouvida por jovens

brancos.

O rock clássico surgiu destes ritmos negros e brancos, sendo uma variação do R&B,

com solos de guitarra e piano mais demorados e com o ritmo mais acelerado, “dançante”.

Deste estilo, destacam-se duas “gerações” de artistas. A primeira surge entre 1953 e 1955,

formada majoritariamente por negros – Chuck Berry, Fats Domino, Little Richard e Bill

Haley – e a segunda por brancos, surgida a partir de 1955 – Elvis Presley, Jerry Lee Lewis,

Buddy Holly e os Everly Brothers. O ritmo alcançou, principalmente na segunda geração,

estrondoso sucesso comercial, e consolidou o rock’n roll.

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A primeira geração conquistou o público adolescente com suas letras, que falavam

sobre amor, escola, trabalho, música e sexo, enfim, questões relativas a seu cotidiano. Chuck

Berry foi o pioneiro a relatar estes temas, e a introduzir longos solos de guitarra. Little

Richard foi o que mais levou a público as “obscenidades” do legado do R&B

(FRIEDLANDER, 2002, p. 45-63). Seus gritos e gemidos, suas apresentações escandalosas e

seu visual bizarro, compunham uma imagem ameaçadora, totalmente fora dos padrões morais

aceitáveis. Suas canções geralmente tinham duplo sentido, como percebe-se em Tutti-Frutti:

“Tutti frutti, good booty/ If don’t fit, don’t force it/ You can grease it, make it easy”. (Tutti

frutti, que gostosura/ Se não couber, não force/ Você pode lubrificar, facilita). O produtor de

Richard achou a música demasiado sugestiva, e pediu para que outra compositora fizesse uma

nova versão. A música citada revela o teor das letras de Richard, embora um pouco mais

suavizadas.

Estes artistas conquistaram o sucesso devido à execução de suas músicas nas rádios

AM (que agora estavam mais “abertas”) e de sua inclusão em turnês pelo país. Na época,

pagando pouco, um jovem conseguia assistir a várias apresentações em um único dia e local.

Eram vários artistas e conjuntos que apresentavam um logo após o outro, executando em

torno de quatro a cinco músicas. A estrutura das turnês era precária (dificilmente dormiam em

hotéis), as atividades aconteciam em ritmo frenético, e geralmente viajava-se de ônibus (só no

final dos anos 60 é que inicia-se a era dos grandes concertos). Mas já há um interesse maior

por parte da indústria fonográfica – as grandes companhias começam a contratar artistas

próprios, pois as pequenas gravadoras não dão mais conta de atender os vultuosos pedidos – e

cinematográfica (os filmes Rock Around The Clock e Mr. Rock and Roll são exemplos de

como Hollywood aproveitou a novidade).

A segunda geração tirou maior proveito desta situação, obtendo estrondoso êxito

comercial e bons retornos financeiros. Além disto, a primeira geração já tinha preparado o

mercado e consolidado as bases sonoras. A diferença é a de que esta geração incluiu

elementos do country e adotou uma postura menos audaciosa. Elvis era a figura que faltava

para solidificar o estilo: era branco, bonito e carismático, sendo então aclamado rei. Embora

suas músicas falassem quase que exclusivamente do amor romântico, seus movimentos

pélvicos no palco escandalizavam os adultos (assim como o “ataque” ao piano de Jerry Lee

Lewis), mas enlouquecia as adolescentes. Também ajudava, em certa medida, a romper com a

rigidez do machismo – era raro um homem rebolar os quadris para grandes platéias. A

maioria de suas gravações atingiu o topo das paradas e logo ele foi parar no cinema, sendo o

artista que alcançou uma fama nunca antes vista, o que foi possível graças à sagacidade de seu

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empresário (a partir do fenômeno Elvis os empresários cresceram em importância no mundo

do rock).

O rock’n roll, embora preocupando as autoridades, não era levado a sério. Achavam

que era uma “febre juvenil”, que logo iria passar. As próprias gravadoras grandes, como a

RCA e a Decca, temendo seu fim contratavam apenas um artista (FRIEDLANDER, 2002, p.

41). Alguns artistas famosos envolveram-se em escândalos9 que os levaram ao ostracismo, e o

alistamento de Elvis no exército veio a corroborar esta idéia. Mas o sucesso de novos grupos

brancos, mesmo que não fossem impactantes nas letras e nas apresentações, comprovou que o

rock veio para ficar.

Embora a maioria das canções do rock clássico não atacasse diretamente o sistema, o

estilo continha uma mensagem de liberdade e rebeldia, tanto nas letras quanto no ritmo,

espontâneo e sensual. Significou também uma ameaça ao conservadorismo de uma sociedade

hipócrita e racista, ao conquistar grande audiência para uma música que era essencialmente

negra e popular. Ele contribuiu para um sentimento de identidade adolescente e de

comunidade, redefinindo o estilo de vida dos adolescentes ao simbolizar uma espécie de

ruptura dos padrões morais vigentes. Ao mesmo tempo, lançou as bases do rock’n roll,

influenciando vários novos músicos e compositores posteriormente, assim como fortaleceu

um mercado específico que entrou em franca ascensão. A contestação direta no rock e dos

jovens só viria na década posterior, mas esta seria feita por jovens brancos, de classe média.

Se o rock veio dos negros, popularizou-se pelos brancos, e estes também foram os que

“colheram os seus frutos”, conquistando fama e dinheiro através da música negra.

3.4 Protesto político e experimentalismo: o rock na década de 1960

Concomitantemente ao rock clássico, outros grupos musicais obtiveram êxito na

mesma época. Estes grupos eram mais comercialmente viáveis, pois produziam canções mais

“conformistas”, românticas, geralmente retratando visões idealizadas sobre o amor e,

sobretudo, as mulheres (adolescentes doces e ingênuas ou seres etéreos, nesta fase era comum

muitas das composições referirem-se a elas como Baby ou Angel, inclusive em parte do rock

clássico). Os grupos mais notórios deste estilo de “rock comportado” eram os Penguins, os

Platters e os Crows. O estilo era o doo-wop dos grupos negros (formado por quatro ou cinco

9 Chuck Berry foi preso em 1959, sob acusação de aliciamento de uma menor que acompanhava seu grupo emturnês, e Jerry Lee Lewis envolve-se em 1958 num escândalo de bigamia ao casar-se com sua prima de segundo

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cantores, sendo um principal e o restante fazia as harmonizações), que cantavam nas ruas, até

conseguirem a oportunidade de gravarem.

Estes grupos – assim como o rock clássico – praticamente desapareceram no fim da

década de 1950, mas na virada da década seguinte o estilo soft (a Paul Anka) das canções

permaneceu, sendo representado por homens brancos, bonitos e bem arrumados, que,

basicamente, interpretavam músicas de outros compositores (as grandes gravadoras lucraram

com o suposto fim do rock, pois estavam interessadas em produzirem sozinhas os ídolos

adolescentes, enquadrando-os no seu formato). Havia o proeminente resgate do folk por

grupos como Peter Paul and Mary, Kingstone Trio, Joan Baez e do compositor até então

desconhecido Bob Dylan. Fora isso, o surf sound californiano, o soul negro e os grupos vocais

femininos, ambos produzidos pela Motown (gravadora de artistas negros, famosa durante os

anos 60 e 70). Estes grupos femininos também eram compostos somente por intérpretes,

destacam-se as Supremes (com Diana Ross), as Crystals e as Ronnetes. Porém, nenhum destes

artistas conseguiu atingir o patamar de popularidade de Elvis (Bob Dylan só iria alçar o

estrelato alguns anos depois) e nem consolidar seu estilo, com exceção do folk e do soul. Esta

carência de estrelas pop preparou terreno para a British Invasion, que terminou por condenar o

fim destes grupos, ou relegá-los ao segundo plano.

O termo “invasão britânica” surgiu do domínio do mercado norte-americano por parte

de vários grupos de rock ingleses, que retomaram os estilos R&B e do rock clássico, dando-

lhes uma nova “roupagem”, conquistando o sucesso entre os jovens não apenas nos Estados

Unidos, mas em várias partes do mundo. Os Beatles foram os primeiros representantes desta

leva, abrindo caminho para os Rolling Stones, The Who, The Animals entre outros. Em 1963

eles já tinham conquistado o topo das paradas britânicas, vendido milhares de cópias de seu

primeiro álbum e de seus compactos, além de favorecerem o surgimento de outras bandas de

rock, estimuladas pelo seu sucesso. Em 1964 uma negociação de seu empresário, Brian

Epstein com a gravadora Capitol, que distribuía seus discos nos Estados Unidos, possibilitou

uma turnê e a aparição no programa de Ed Sullivan. Além disto, sua chegada nos Estados

Unidos foi preparada anteriormente, com ampla publicidade. Iniciou então a “beatlemania”,

que foi um fenômeno nunca antes visto, movimentando não apenas o mercado fonográfico,

explorando outros ramos, como o de artigos voltados para o público adolescente (até as

fábricas de perucas aumentaram sua produção). Tudo que levava a marca beatles era

sinônimo de vendas.

grau de apenas 13 anos, o que arruinou sua carreira. Além disso, Little Richard abandonou o rock para fazermúsica gospel.

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Os Beatles faziam um estilo que agradava aos pais: usavam ternos, eram simpáticos e

bem comportados e cantavam temas românticos, inocentes (I Wanna Hold Your Hand), mas

que já revelavam uma qualidade harmônica superior ao que vinha sendo produzido até então.

Começaram a preocupar as autoridades por conta da beatlemania, pelo estardalhaço e frisson

que provocavam nas adolescentes e pelo tumulto que geravam em suas aparições (por conta

disso a banda deixou de fazer shows em 1966). Sua postura contrastava com a de seus

conterrâneos Stones, mais agressiva e sexualmente deliberada. Lentamente, as composições

dos Beatles foram abandonando o tema do amor romântico, e começaram a relatar

relacionamentos frustrados, abandono, sofrimento e falar sobre mulheres “reais”. Também

começaram a explorar outras sonoridades, incluindo violinos, instrumentos de sopro e cítaras

indianas em algumas canções. Não apenas nas músicas, mas em sua própria postura, o

conjunto foi se radicalizando, demonstrando apoio aos movimentos contraculturais que

estavam emergindo, consumindo substâncias alucinógenas, conquistando adeptos à filosofia

hindu e fazendo declarações polêmicas (falando abertamente sobre drogas e condenando a

ofensiva americana no Vietnã). Dentre eles, John Lennon era o que mais demonstrava suas

tendências de vanguarda.

O resultado disto que já vinha se desenvolvendo desde 1965 irá aparecer em 1967, no

álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, que não representou somente a guinada da

banda, mas do próprio rock’n roll. Elementos da música erudita misturavam-se às guitarras, as

composições faziam apologia às drogas (pés de maconha decoram a capa), e revolucionou as

técnicas de gravação. Foi o primeiro álbum em que as faixas continuavam uma após a outra,

em que os músicos fazem mudanças diretas nas passagens de som. Ouve-se aplausos de uma

platéia, há a inclusão de ruídos, sons de animais, e uma nota musical que só pode ser ouvida

por cachorros. O álbum comprovou que não há limites para a experimentação no rock, sendo

sucesso de público e de crítica, e acima de tudo, é considerado um marco na história da

música. Influenciou também vários outros músicos, acelerando a moda psicodélica. Os

Beatles deram continuidade a estes elementos nos próximos álbuns, porém sem o mesmo

impacto, devido aos conflitos que surgiam entre os integrantes, que culminaram no fim da

banda em 1970. Mesmo assim, o grupo mantinha suas qualidades artísticas, e algumas de suas

letras continham críticas diretas ao establishment, como Piggies, em que Georg Harrison

compara empresários e burocratas a porcos.

Outra revolução musical se deu durante esta época nos Estados Unidos, mais

propriamente, em São Francisco. A cidade, mesmo em épocas anteriores, já era considerada

mais avançada em termos de liberalização do que as outras capitais, atraindo muitos freaks e

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pessoas que procuravam um pouco de aventura. Foi o berço da subcultura hippie, e antes

desta surgir já era refúgio de muitos beatniks. Nos anos 60, milhares de jovens revoltados

saíam da casa dos pais para nela instalar-se, vivendo em comunidades, de modo mais

precário, porém mais livre. Em duas ruas de seu velho centro (Haihgt-Ashbury) foram

instaladas estas comunidades, e delas surgiram inúmeros grupos de psychedelic rock10, porta-

vozes do novo estilo de vida que os jovens estavam propondo. As bandas que mais

alcançaram reconhecimento, para além do restrito cenário local, foram: Grateful Dead,

Jefferson Airplane, Janis Joplin & Big Brother and The Holding Company, Country Joe and

The Fish e Quicksilver Messenger Service.

O estilo destas bandas ficou marcado pelo psicodelismo e pelo radicalismo de suas

letras. Apologia às drogas (Grateful Dead é o que mais se destaca), celebração do amor e do

estilo de vida comunitário, ataques ao sistema e críticas à guerra do Vietnã, eram os temas

mais comuns em suas músicas. Joe McDonald, do Country Joe and the Fish, era o mais

ativista, satirizando a carnificina da guerra em I Feel Like I’m Fixin’ to Die Rag – que virou

um hino antiguerra – e condenando o machismo11 (Sexist Pig). Normalmente, as letras que

falavam sobre drogas utilizavam-se do recurso do “duplo sentido”, comum no rock clássico.

Mas não era preciso grande capacidade intelectual para compreender a mensagem, como

demonstra a música White Rabbit de Grace Slick, do Jefferson Airplane: “One pill makes you

larger, and one pill makes you small/ And the ones that mother gives to you, don’t do

anything at all” (Uma pílula faz você crescer e uma pílula faz você diminuir/ E aquela que

mamãe dá para você, não faz absolutamente nada). A história de Alice no país das Maravilhas

servia para estimular o uso do LSD, libertando-se do comando das autoridades. Algumas das

bandas de São Francisco, juntamente com o cantor/compositor folk Bob Dylan e Joan Baez,

foram os artistas que mais se caracterizaram pelo seu idealismo e ativismo político.

Estes grupos, em sua maioria, não possuíam uma técnica musical apurada, tocavam

por prazer, eram desleixados e extravagantes. Mas tinham energia, seu ritmo era “visceral”,

improvisavam e faziam todo o tipo de “invencionices” sonoras. Suas apresentações envolviam

a platéia, e reforçavam o sentimento de comunhão. Promoviam concertos em antigos salões

abandonados, para angariar fundos em favor das comunidades, onde atraíam um público que

10 Subgênero do rock, associado a subcultura hippie. Não há como definir ao certo sua especificidade sonora, anão ser que seja um tipo de rock inspirado no uso se substâncias psicotrópicas, mesclando elementos do rockcom o folk, o blues elétrico e o jazz.11 Foi, juntamente com John Lennon um dos poucos artistas de rock a posicionarem-se contra o machismo. Sehavia anteriormente uma idealização da mulher no rock, nos anos 60 em grande parte das canções e na posturados músicos era vista como simples objeto de satisfação sexual. A contracultura mudaria um pouco o panorama,com a inserção de algumas mulheres fazendo música, e não apenas acompanhando os grupos.

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compartilhava dos ideais comunitários. Os shows eram pacíficos, sem tumultos e com grandes

quantidades de LSD passando por entre os artistas e a platéia. A venda de bebidas alcoólicas

era proibida, pois os organizadores acreditavam que elas estimulavam a violência, enquanto

que substâncias como o ácido e a maconha acalmavam e expandiam a mente.

Seu sucesso foi possível graças às rádios universitárias e FM, até então pouco ouvidas

e “independentes”. Segundo Chapple e Garofalo (1989), as FMs possuíam um caráter

underground, pois diferentemente das AMs colocavam em sua programação músicas fora do

maisntream, serviam aos interesses das comunidades em que estavam localizadas e eram

patrocinadas por pequenos comerciantes locais. Ansiosos para ouvirem as novidades, os

jovens aumentaram sua audiência, entrando em contato com os novos grupos. Os autores

discorrem sobre o processo de expansão das FMs, que fez com que tivessem de anunciar

grandes companhias, que agora as patrocinavam, assim como foram demitidos vários disc-

jóqueis por posicionarem-se em alguns comentários frente a questões polêmicas e tocarem

músicas que falassem sobre drogas.

O Monterey Pop Festival, em 1967, serviu para mostrar à indústria os novos artistas

(foi este festival que apresentou Jimi Hendrix para o público norte-americano), que assinaram

contrato com as gravadoras logo após o evento. Empresários, produtores e gerentes das

companhias de discos, sabiam que o som de São Francisco tinha um grande potencial para

entrar no mercado. Alguns, cientes da nova “onda contracultural”, trataram de deixar o cabelo

crescer, usar jeans, e conscientizaram-se de que a indústria fonográfica teria de ampliar o seu

leque de artistas, se quisesse continuar lucrando. O problema é que muitos destes grupos eram

“pouco comerciais”, a solução encontrada então para torná-los vendáveis foi a promoção de

grandes concertos em todo o país (id., p. 112), principalmente na Costa Oeste (sobretudo em

Nova York, onde também havia um amplo mercado juvenil consumidor). Além disto, as

companhias começaram a publicar anúncios sobre shows e bandas em revistas underground.

A revista Rolling Stone que surgiu com o intuito de cobrir as novidades do rock’n roll, foi um

grande veículo de divulgação que, desde seu início, nunca negou que fosse uma publicação

comercial.

Mas as companhias fonográficas não eram tão benevolentes assim com seus rebeldes

novos artistas. Exigia prazos para a gravação de seus álbuns, limitava o número de faixas por

disco, ficava com a maior parte dos lucros, e censurava alguns compositores que se referissem

de forma direta às drogas. Conflitos entre gravadoras e artistas eram constantes, e alguns,

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como o Grateful Dead e o Mothers of Invention, decidiram lançar seu próprio selo, para

obterem maior liberdade de criação e evitarem as arbitrariedades das gravadoras12. A RCA

tirou de seu catálogo artistas notórios pelo seu consumo de drogas, e passou a condenar os

que fizessem o mesmo. Mas o motivo não era político, e sim econômico, pois saíram somente

os que não estavam mais garantindo grandes retornos financeiros (ibid., p.105-7). A indústria

dava liberdade total somente para artistas dos quais tinha certeza de que, fazendo qualquer

coisa, venderiam bem (como os Beatles, que demoraram oito meses trancados no estúdio

gravando o Sgt. Pepper’s).

Não obstante, o cinema também obteve seus ganhos com a contracultura. A poderosa

Warner Bros comprou os direitos de exibição do Festival de Woodstock, em 1969, e vendeu-o

como uma amostra dos ideais da contracultura. Eram quinhentas mil pessoas pacíficas, que

assistiram de graça a três dias de shows de qualidade, dormindo em barracas e caminhando

nus, enquanto celebravam a paz, o amor livre e a música. A falta de banheiros, de comida, as

mortes por overdose ou pisoteamentos, e o fato de os jovens terem derrubado as grades –

tornando então o espetáculo “gratuito” – foram ignorados, ou enquadrados como meros

detalhes. Foram produzidos filmes que também exploravam a temática como Easy Rider

(traduzido no Brasil para Sem Destino), a fábula beatle Yellow Submarine e o musical Jesus

Cristh Superstar. Os próprios Rolling Stones encarregaram-se de produzir sua obra

cinematográfica, o documentário Gimme Shelter que continha cenas da banda no estúdio e o

seu show em Altamont, em 1969. Na verdade, a banda demonstrou uma certa dose de

coragem, ao revelar as brigas e o assassinato de um homem que estava na platéia, pois estes

fatos, até então, tinham sido ignorados pela imprensa (que também cobriu o evento

Woodstock, retratando-o com extrema simpatia).

Em fins da década, as comunidades de São Francisco entraram em franca

decadência13. Com exceção do Grateful Dead, os outros conjuntos musicais foram lentamente

desintegrando-se ou simplesmente desaparecendo. A maioria daqueles que conquistaram a

12 A gravadora do grupo Grateful Dead lançou uma série de gravações nas quais o grupo ainda estavatrabalhando, sem a sua autorização. O Mothers of Invention teve algumas canções eliminadas de um de seusdiscos.

13 Pelo surpreendente aumento do número de pessoas que migraram para as comunidades no final da década,estas acabaram empobrecendo. Sem poderem mais contar com a ajuda vinda dos concertos, passaram asobreviver do tráfico de entorpecentes, como a heroína. A jornalista Myra Friedman (1974) em sua biografia deJanis Joplin, comenta com um surpreendente distanciamento crítico o fenômeno das comunidadessanfranciscanas, sua evolução e decadência. Também descreve o processo de inclusão dos artistas na indústriadurante o Festival de Monterey, e a idealização por parte da imprensa do Festival de Woodstock. In: EnterradaViva: a biografia de Janis Joplin. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.

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fama afastou-se das comunidades e de seus ideais, comprando carros, mudando de moradia e

de estilo de vida, pois viraram “estrelas”. O Jefferson Airplane contrariou suas pregações ao

gravar um comercial para a marca de jeans Levi Strauss, ajudando a acabar com uma greve

dos operários de sua fábrica. Os artistas menos deslumbrados preferiram enclausuram-se,

como Bob Dylan, trabalhando sem sair de suas casas, perdendo o contato com o “mundo

real”. A necessidade cada vez maior de empresários, agentes, promotores, publicidade, e de

negociações contratuais menos amadoras, contribuiu para que estes artistas encarassem a

música como negócio. Alguns dos ícones do rock sucumbiram às drogas (Janis Joplin e Jimi

Hendrix faleceram por overdose de heroína). Estes fatos, assim como o fim dos Beatles,

anunciaram o fim de uma era do rock e, em certa medida, da própria contracultura.

O surpreendente crescimento do mercado juvenil ajudou a fortalecer as grandes

companhias de gravação. Se na década de 1950 as pequenas foram essenciais para a

sobrevivência do rock, na posterior o aumento significativo do consumo de discos de

condenou-as ao fim. As grandes gravadoras primeiramente negociavam a distribuição, depois

passaram a contratar artistas próprios, e as que não conseguiram competir fundiram-se a

outras, formando grandes conglomerados (CHAPLE; GAROFALO, 1989). Paradoxalmente

ou não, a contracultura movimentou uma ampla indústria, que cresceu e lucrou com ela, e

que, acima de tudo, aprendeu a tirar proveito das situações mais improváveis.

No começo dos anos 60 as gravadoras estavam interessadas em “fabricar” artistas, mas

no final da década a imagem e o estilo já não importavam mais, pois o que atraía os

consumidores era a música por ela mesma (o ritmo, a criatividade e principalmente as

composições), o que já bastava para garantir bons retornos financeiros. É por este motivo que

a produção musical da época obteve grande liberdade e pôde difundir-se em grandes escalas,

pois na maioria das vezes ela só era restringida por questões estritamente econômicas. A

indústria adaptou-se ao público e o público a ela, como apontou Morin (2005, vol. 1). Nesta

época, a criação, embora ainda sofrendo algumas intervenções, escapou ao domínio da

técnica. Resta saber se ainda permanecem seus “fermentos corrosivos” (MORIN, 2005, p.139,

vol. 2), que não foram totalmente eliminados neste processo.

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3.5 O rock and roll no Brasil

O rock brasileiro foi importado dos Estados Unidos, e durante um bom período foi

visto pela esquerda como um dos sintomas do imperialismo ianque. As gravadoras brasileiras

eram filiais de multinacionais, e comercializavam aqui as novidades do exterior. O rock

clássico norte-americano foi amplamente difundido no país durante a década de 50, assim

como diversos outros produtos, e sua própria cultura. Surgiram alguns grupos que

simplesmente imitavam as canções mais famosas do rock clássico, como os Playing´s, ou que

faziam versões. As próprias gravadoras estimulavam seus artistas a parecerem “americanos” ,

como foi o caso da cantora Celly Campelo e de seu irmão Tony Campelo, que tiveram de

mudar os nomes por pressão de sua gravadora. Celly Campelo foi a artista que obteve maior

êxito comercial neste estilo (DAPIEVE, 2000)14. Seus hits, que na verdade eram versões de

músicas estrangeiras, Túnel do Amor, Estúpido Cupido e Banho de Lua fizeram grande

sucesso. Ela e seu irmão conquistaram um programa próprio na televisão durante a virada da

década, mas Celly Campelo, em pleno auge, acabou abandonado sua carreira em 1962 para se

casar.

Em outro contexto social, e descaracterizado de suas raízes, o rock não teve o mesmo

impacto no Brasil, era um simples produto da sociedade norte-americana. Não estimulou a

revolta juvenil e nem ao menos preocupou as autoridades. As versões nacionais, como as de

Celly Campelo, eram ingênuas, feitas para agradar um público adolescente estritamente ligado

ao consumo e aos modismos. Poucos perceberam seu potencial libertador, como Raul Seixas,

que começou compor e tocar estimulado por Elvis. No início da década de 1960 a força crítica

da música nacional vinha da MPB, da bossa nova nacionalista, que estava empolgada pelas

reformas de base do governo João Goulart.

A esquerda tinha então como meta principal atingir o “povo”, falando sobre ele e

resgatando sua cultura, e alguns artistas, como João Bosco e Edu Lobo, passaram a adotá-la

em suas músicas (o movimento “nacional-popular”). Os temas mais comuns remetiam ao

regionalismo, ao trabalho braçal, ou retratavam a euforia gerada pela ideologia nacionalista

(NAPOLITANO, 2001, p. 44). O Golpe Militar de 1964 veio a gerar uma crise ideológica não

só na esquerda, mas também nos próprios artistas e intelectuais, surpresos com a falta de

conscientização popular. Se o povo não lutou pelas suas conquistas, o que deveriam fazer?

Alguns, cientes de que deveriam aproximarem-se, levando suas mensagens ao grande público,

14 Embora o foco do jornalista Arthur Dapieve seja o rock nacional na década de 1980, o utilizei porque omesmo faz um levantamento do rock no Brasil desde suas origens, passeando por todas as décadas anteriores.

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encontraram a “saída” em participações nos Festivais de MPB e apresentando-se em

programas musicais de televisão (Geraldo Vandré e Nara Leão eram exemplos disto).

O problema era de que agora, em 1965, teriam que lidar com o fenômeno da Jovem

Guarda, programa comandado pelos cantores Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia. O

programa foi lançado aproveitando-se da subcultura jovem oriunda do rock and roll, e

apresentava jovens artistas, cantores e conjuntos musicais que, em sua maioria, tocavam rock

com clara inspiração nos Beatles. O estilo ficou conhecido como iê-iê-iê, que basicamente,

assim como na década passada, tratava-se de versões de músicas dos Beatles e de outros

grupos e cantores de língua inglesa famosos como os Kink’s, Herman’s Hermits, entre outros.

As letras falavam quase que exclusivamente do amor romântico. Carros, brigas de rapazes, ou

a própria juventude, também eram temas comuns, que remetiam a uma espécie de adoção do

estilo “rebelde”. Os artistas do programa conquistaram grande sucesso comercial entre os

adolescentes e o mesmo inspirou uma moda jovem. O fenômeno irritou os artistas de

esquerda, que apontavam para sua alienação, afirmando que a Jovem Guarda servia aos

interesses da ideologia dominante. É óbvio que esta era voltada ao consumo, e que isto

favorecia a alienação, mas é um exagero afirmar que havia interesses políticos claros dos

militares na manutenção do programa.

Segundo Marcos Napolitano (2001, p. 101), a Jovem Guarda atendia a um público

específico, não chegando a cooptar os ouvintes de MPB (na época, um disco de Roberto

Carlos vendia tanto quanto um de Chico Buarque de Holanda) e nem tirou a audiência de seu

programa “concorrente” O fino da bossa. O programa foi extinto em 1968, e grande parte de

seus artistas não conseguiu manter a mesma fama alcançada, com exceção de Roberto Carlos,

que mudou seu estilo, dirigindo-se para o público adulto. A dupla Roberto e Erasmo revelou-

se de grande talento para compor. Músicas como As curvas da estrada de Santos, Todos estão

Surdos, Negro Gato, entre outras, ajudaram a dupla a ser reconhecida como uma das mais

importantes do rock nacional e da própria música brasileira.

A MPB entrava agora em uma jornada contestadora (os militares até então se

ocupavam em perseguir figuras políticas, e não artistas e intelectuais), fazendo canções “de

protesto” ou então “de festival” (termo que se referia a músicas que se baseavam em

determinadas fórmulas para ganharem os festivais), atacando e regime militar e procurando

resgatar a cultura genuinamente brasileira, na tentativa de conscientizar o povo. Por esta

época a ditadura já começava sua perseguição a artistas e intelectuais. Em 1968, surgiu o

fenômeno musical do Tropicalismo, que já vinha se delineando desde 1967 em algumas

canções de Gil e Caetano (Domingo no Parque e Alegria, Alegria), que estavam insatisfeitos

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com a rigidez ideológica e estética da atual bossa nova, procurando então fazer um “som

universal”. O movimento foi tido na época como a versão brasileira da contracultura, pois eles

adotaram o estilo hippie, eram debochados, e usavam cabelos compridos e roupas

extravagantes.

Artistas da MPB como Gilberto Gil, Nara Leão, Caetano Veloso, Tom Zé e Gal Costa,

participavam do movimento, juntamente com o conjunto de rock Os Mutantes. O movimento

tinha como proposta a crítica radical da classe média brasileira, e da própria MPB.

Satirizavam o mau gosto da classe média, sua apatia e seus padrões de consumo, enquanto

rompiam com os padrões estéticos da música popular brasileira. Mesclavam ritmos

tipicamente regionais com guitarras elétricas, utilizavam-se de referências do antropofagismo

da literatura moderna, dos movimentos internacionais (É Proibido Proibir, o título da música

foi um dos lemas do Maio Francês) e de músicas do cancioneiro popular. Era uma espécie de

“alegoria do Brasil”, com seus contrastes, moderno e retrógrado ao mesmo tempo.

Provocavam os “emepebistas” ao incluírem versos em inglês (satirizando também o

universalismo desta língua), citarem Roberto Carlos e fazerem versões de cantores

reconhecidamente bregas (Coração Materno). Para os tropicalistas, o artista não deveria

agradar o público, mas atacá-lo (NAPOLITANO, 2001, p. 234.) Suas apresentações eram

visualmente impactantes e polêmicas (geralmente eram vaiados, inclusive pelos próprios

estudantes mais radicais) e assim como os movimentos artísticos contraculturais do exterior,

terminavam em happenings. Mesmo com os ataques, o movimento obteve sucesso,

conquistando seu próprio programa de televisão Divinos e Maravilhosos.

Os tropicalistas criticavam a demagogia por parte da MPB de negar o consumo e a

fama, essenciais para sua sobrevivência no mercado, assim como a permanência da indústria

cultural norte-americana no país. Para eles isto era fato, inclusive o Sgt. Peppers dos Beatles

serviu de inspiração para seu álbum Tropicália ou Panis et Circenses, sendo que o grupo Os

Mutantes foi o mais influenciado pelo psicodelismo beatle. O grupo foi formado em 1966,

teve vários nomes e formações até firmar-se em 1967 no programa de Ronnie Von (cantor da

Jovem Guarda), com nome e formação definitivos. O grupo acompanhou Gil e Caetano nos

festivais da TV Record, até participarem do movimento tropicalista. Já tocavam rock – sendo

reconhecidos pelo seu experimentalismo – mas o fim do tropicalismo em dezembro de 68,

com o AI-5 e o exílio de seus principais expoentes (Gilberto Gil e Caetano Veloso), fez o

grupo abraçar definitivamente o rock’n roll.

Os Mutantes eram irreverentes, musicalmente criativos (os irmãos Arnaldo e Sérgio

Baptista fabricavam suas próprias guitarras e a mesa de som) e possuíam o estilo psicodélico

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em suas letras e harmonias. Suas canções demonstravam um amplo domínio instrumental,

com solos de guitarra distorcidos e percussão que misturava uma multiplicidade de ritmos,

contrastando com a vocalização suave de Rita Lee. Suas letras geralmente eram satíricas,

debochadas, ou eram verdadeiras “viagens” fantásticas. Algumas, disfarçadamente, faziam

referência às drogas, como Virgínia em que Rita Lee utiliza um nome de mulher para falar

sobre um pé de maconha. Em 1970 Os Mutantes conquistam o 1O lugar no Festival da

Record, com a música Ando Meio Desligado, o que os levou a tocarem em alguns festivais

internacionais de música. Empolgada com o reconhecimento da banda, a gravadora Polydor

cogitou a hipótese de lançá-la no mercado internacional, mas a censura a algumas citações

consideradas subversivas do disco Mutantes no País dos Baurets, em 1972 e a saída de Rita

Lee (insatisfeita com a guinada dos músicos para o progressive rock14), fizeram com que

desistisse da idéia (DAPIEVE, 2000).

No rock brasileiro da década de 1960, só há destaque para a Jovem Guarda e os

Mutantes, havia outros grupos influenciados pelo sucesso dos ingleses e norte-americanos,

mas que não conseguiram êxito. A Jovem Guarda só foi significativa em termos comerciais,

enquanto que Os Mutantes consolidaram o estilo no Brasil, abrindo as portas para outras

bandas na década posterior (Secos e Molhados, Rita Lee & Tutti Frutti, Casa das Máquinas,

Raul Seixas etc.). Os Mutantes decretaram seu fim ao despedirem Rita Lee, mudarem de

estilo e sofrerem constantes crises devido à instabilidade emocional de Arnaldo Baptista (que

ficou dependente das drogas). Mas sua produção criativa marcou o rock nacional, influenciou

e continua a influenciar músicos e artistas nacionais e internacionais (Kurt Cobain, do

Nirvana, chegou a pedir pelo retorno da banda em 1993 e Sean, filho de John Lennon,

demonstrou ser seu fã). Mas o rock nacional só viria a “estourar” na década de 1980.

Após compreender como se desenvolveu o rock, e sua importância num dado

momento histórico, podemos partir para a análise das bandas locais.

14 Subgênero surgido de alguns grupos ingleses, como o Yes, derivado do rock psicodélico, acrescentado aorquestrações rebuscadas.

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4 PESQUISA DE CAMPO

Os critérios para a escolha das bandas pesquisadas foram compostos por três

elementos: o estilo musical, o visual hippie adotado pela maioria dos músicos, e a idade, pois

trata-se, sobretudo, de jovens que não viveram a época da contracultura. Liverpoolgas trata-se

de uma banda cover, que toca exclusivamente o repertório dos Beatles. A opção por esta

banda se deu por este dado, já que os Beatles foram o conjunto que mais se destacou na

época, além de ser a banda mais conhecida e “copiada” de todos os tempos. Já RoberSou the

Valsa possui composições próprias, mas que são exclusivamente influenciadas pelo soul e

pelo estilo psicodélico, que é o estilo musical que remete diretamente a subcultura hippie.

Assim como o RoberSou, a banda Sopa também possui repertório próprio influenciado pelo

rock psicodélico, além de elementos da tropicália e dos Mutantes.

Assim, a pesquisa teve duas fases. Primeiramente acompanhei algumas apresentações

das bandas, procurando analisar a performance, o tipo de público que freqüenta seus shows e

sua relação com este público. Após este primeiro contato, parti para as entrevistas com alguns

de seus integrantes. Para isto, foi elaborado um questionário composto por perguntas variadas,

com o intuito de estabelecer o perfil sócio-demográfico dos entrevistados, sua relação com a

música, e suas visões de mundo.

4.1 Apresentação das bandas

A banda Liverpoolgas está em atividade acerca de três anos, têm o seu público cativo,

e toca semanalmente no Empório São Francisco, no Largo da Ordem. É um conjunto

estabelecido e bem reconhecido no cenário curitibano, e por algumas vezes chegou a se

apresentar em outras cidades do interior do estado. Seu repertório abarca todas as fases dos

Beatles, desde canções do primeiro álbum do grupo até outras lançadas postumamente, após o

término da banda. Além da formação básica (guitarra, baixo, bateria, teclado) a banda inclui

em algumas apresentações os instrumentos gaita, cítara, trompetes e trombone, quando o

repertório em questão exige. Assim, procura ser fiel às complexas harmonias de álbuns como

Sgt. Peppers e Abbey Road. Há um profissionalismo por parte de seus integrantes, que

buscam fazer um trabalho de pesquisa sobre a obra beatle, dedicando-se ao estudo dos seus

arranjos e vocalizações, além de procurar trazer ao público gravações ainda não lançadas em

disco e também algumas do repertório de seus componentes em suas carreiras solo. São

reconhecidos pelos fãs por esta busca por máxima fidelidade, de manter acessa a chama

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beatle, diferenciando-se de outras bandas covers.

FIGURA 1

Os Liverpoolgas em show no Empório São Francisco em 2006

Fonte: http:// www.emporiosaofrancisco.com.brAcessado em 11/ 05/2006

A banda possui um verdadeiro “séqüito de fãs”, que deixam depoimentos apaixonados

em comunidades do Orkut ou em e-mails15, e lotam seus shows todas as quintas-feiras no

Empório São Francisco. O bar é fechado, pequeno, mas a média de público é de, no mínimo,

duzentas pessoas por noite, segundo informação de um dos administradores do local. A

maioria do público é composta por universitários e por mulheres, as quais demonstram

verdadeira adoração pelos músicos. Também nota-se a presença de muitos amigos, amigas e

de namoradas dos integrantes. Mas o público presente é bastante variado em questões de faixa

etária, encontra-se desde adolescentes, até “cinqüentões”, o que explica-se pelo seu repertório:

bastante conhecido e ainda tocado há quatro décadas. Em todos os shows, nota-se que seu

público é constante, geralmente encontram-se as mesmas pessoas no Empório, que vão

exclusivamente prestigiar a banda, saindo logo depois de sua apresentação (que é a atração

primeira da noite, seguida por outra banda de rock local).

A banda RoberSou the Valsa está em atividade a um pouco mais de dois anos, sendo

que no atual momento interrompeu suas apresentações por conta da saída recente de seu

15 http://osliverpoolgas.vilabol.uol.com.br. Acessado em 17/09/2006.

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vocalista e principal letrista. O repertório da banda é próprio, mas seu ritmo é uma espécie de

“mistura” de elementos que caracterizaram o cenário do rock psicodélico da década de 1960.

À formação básica, acrescentam-se instrumentos como flauta transversal e acordeom,

claramente influenciado pelo estilo de algumas bandas da época, como a inglesa Jethro Tull e

a sanfranciscana Grateful Dead. A harmonização é difusa, mas o resultado final remete

diretamente ao estilo destas bandas (como os próprios músicos declararam, são algumas de

suas principais influências).

FIGURA 2

RoberSou the Valsa no Psicodália, carnaval de 2005

Fonte: http://www.cyberfloripa.com/Acessado em 20/05/2006

Suas apresentações são realizadas em locais variados, principalmente em bares

fechados freqüentados por universitários, como o Hermes Bar e Era só que faltava. Em 2004,

no início da banda, sua apresentação no Psicodália16 rendeu-lhe o reconhecimento, sendo

aclamada então como a revelação do Festival. Sua música, Lepra ganhou status de hit entre a

platéia presente. O público do RoberSou é quase que exclusivamente composto por

universitários, e assim como os Liverpoolgas, há a presença de muitos amigos dos integrantes.

Seu público também é constante, e a média numérica gira em torno de cento e cinqüenta a

duzentas pessoas por show. A diferença entre as duas bandas é a de que a platéia que assiste

16 Festival, intitulado Movimento Psicodália, sendo organizado por jovens músicos de algumas bandas locais,surgindo da idéia de criação de um espaço para a apresentação de artistas independentes. O mesmo assemelha-sea uma espécie de revival hippie, pelo estilo das bandas participantes e do público, além de ser realizado ao arlivre, em localidades distantes da cidade. Ao todo, já houve cinco edições.

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ao RoberSou é estritamente formada por jovens, e há mais equilíbrio entre o número de

mulheres e de homens. Seus fãs a devotam admiração pelo estilo musical, por este ser

verdadeiramente psicodélico.

Já a Banda Sopa está em atividade há pouco tempo, tendo sido formada entre maio e

abril de 2005. Apesar do pouco tempo de estrada, conquistou seu espaço e também seu

público cativo, chegando a tocar recentemente num festival de música em Itajaí, Santa

Catarina. Já gravou seu primeiro CD demo, com quatro faixas. Seu diferencial, em termos de

instrumentação, está na inclusão de um violino, gaita de boca, xilofone e uma flauta

transversal.

FIGURA 3

Os integrantes da banda Sopa

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Victor Daniel, Fabio Laskaviski, Ivan Halfon, Daniele Madrid,Alexandre Osiecki. Fonte: http://sopa.sopa.zip.net/index.html. Por Duke Wellinton.

Acessado em 25/08/2006.

Como o RoberSou, o repertório é próprio, mas estilo musical também é o do rock

psicodélico, sendo claramente influenciado pelos Mutantes. Seus locais de apresentação

também variam, mas até pouco tempo a banda era uma das atrações fixas do Aoca Bar,

tocando sempre aos primeiros domingos do mês. Quanto ao público, seu número é mais

restrito, na média entre cem a cento e cinqüenta pessoas. Semelhantemente ao RoberSou, é

composto por jovens, em sua maioria, universitários. O público também é constante e

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equilibrado, além da presença de muitos amigos dos músicos.

Durante a pesquisa, ficou claro que há vários elementos recorrentes nas três bandas: a)

seu público é composto majoritariamente por jovens universitários; b) grande parte deste

público, assim como os membros da banda, adotam o vestuário no estilo hippie; c)

encontram-se nos shows geralmente as mesmas pessoas, um sinal de que as bandas

conquistaram um público cativo; d) todas se apresentam em locais pequenos, bares fechados,

geralmente localizados no Largo da Ordem (conhecido como o centro da boemia curitibana e

pelo seu circuito “alternativo”, onde se apresentam várias bandas locais, de estilos variados);

e) há a presença de muitos amigos, conhecidos, e namoradas dos membros, que dão uma

espécie de “apoio” a eles; f) todas já participaram ou até mesmo ajudaram na organização de

festivais de música alternativos, onde apresentam-se bandas de rock que compõe o circuito

local “independente”; g) são compostas exclusivamente por homens, com exceção da Sopa,

em que há uma integrante mulher violinista, que também executa outros instrumentos,

participando ainda das vocalizações.

O rock and roll não é, em si, sexista. Mas mulheres são temas constantes de grande

parte de suas canções, e geralmente não são suas executantes. Muitas das composições,

principalmente de grupos das décadas de 60 e 70 – assim como a atitude de uma parcela

significativa dos músicos – revelam uma postura machista, relegando a mulher ao status de

simples objeto de satisfação sexual (Rolling Stones e Led Zeppelin são alguns exemplos). Isto

de dá não apenas pelo fato de o machismo ser presente em nossa cultura, mas também pela

especificidade da relação de parte das mulheres no mundo do rock. As groupies (mulheres

que acompanham os músicos, geralmente em uma posição subalterna) ajudaram a fortalecer

esta noção, ao não se incomodarem com o modo com que muitos artistas se relacionam com

elas. Mas nas últimas décadas, este panorama vem se modificando, com a inserção de um

número significativo de mulheres à frente de grupos, bem como a formação de conjuntos

formados somente por mulheres. Em Curitiba há uma certa tradição neste sentido, mas na

verdade é um fenômeno isolado, pois, numericamente, a atuação das mulheres no rock é ainda

bastante inferior se comparada a dos homens. O fato de haver somente uma mulher entre as

bandas pesquisadas comprova este dado. E as groupies ainda são bastante comuns neste

universo – por exemplo, muitas das mulheres que compõe a platéia do Liverpoolgas ficam

durante todo o tempo do show ocupando-se em atrair a atenção dos músicos para si.

Os festivais são realizados por iniciativa das próprias bandas locais, ou de bandas de

outras cidades da região Sul, e pelos fãs destas bandas. Ocorrem em determinadas épocas do

ano, geralmente em feriados, em locais afastados da cidade, e duram cerca de dois a três dias.

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Neste sentido há uma solidariedade entre os fãs e as bandas entre si, não é raro encontrar as

mesmas pessoas participando dos shows e dos festivais. Há uma espécie de uma “comunidade

musical” e a formação de um grupo (embora não se denomine como tal) que se reúne pelas

mesmas afinidades, no caso o estilo hippie, caracterizando-se pela música, o vestuário e o

consumo de entorpecentes (os mais comuns são a maconha e o LSD, e por vezes, cogumelos).

Neste sentido, há uma aproximação com o que ocorria nos concertos de rock sanfranciscanos.

Mas diferentemente do que ocorria em São Francisco, não há ideais claros por parte

das pessoas que participam destes festivais, tanto nas bandas quanto no público. Não há

contestação, defesa de determinadas ideologias e nem a pregação de um estilo de vida. As

letras destas bandas contêm nenhuma espécie de engajamento político, nem as das bandas

Sopa e RoberSou, que têm o estilo psicodélico (alegre e poético), mas não há contestação. O

tom geral é o mesmo desta letra do Sopa, Quase, Quase por exemplo: São teus meus passos/

Meus pássaros e seus cantos entre outros tantos/ És tão quanto quanto quero/ És tão quanto

quero-quero/ e quero querer-te tanto/ quanto o canto de um quase quase.

Se na década de 60 os festivais eram promovidos com o intuito de fortalecer o

sentimento comunitário, ao mesmo tempo em que ajudavam na sobrevivência das

comunidades, em um contexto espacial e sócio-histórico completamente diverso, este

elemento se perdeu. Estes novos festivais são realizados pela diversão, ao afastarem estas

pessoas da cidade para ouvirem música enquanto acampam e consomem entorpecentes,

enquanto ajudam a promoverem as bandas.

Se este aspecto foi facilmente percebido em observações, a relação dos músicos destas

bandas com o estilo musical da época, não é algo simples de ser deduzido somente pela

observação. Para investigar melhor esta relação foi aplicado o questionário aos integrantes das

três bandas, sendo composto por questões variadas, procurando mapear seus perfis sócio-

demográfico, padrões de consumo, e opiniões sobre música e temas contemporâneos. Se o

intuito é o de descobrir se há uma correspondência entre a adoção do estilo hippie pelos

entrevistados com visões de mundo que indiquem uma postura libertária, num contexto social

e histórico completamente diverso da década de 60, transportar as questões próprias da época

não faria o menor sentido. Por isto foram incluídos temas de nossa contemporaneidade.

Devido à complexidade da temática, questões fechadas com alternativas para

respondê-las, seria insuficiente. O ideal seria que o (a) entrevistado (a) pudesse responder

livremente. Assim, o método adotado foi o da entrevista narrativa. Foram inseridas também

algumas questões diretas, mas quando exigia-se mais objetividade nas respostas, para facilitar

o andamento da entrevista. Ao todo, foram entrevistados dez dos músicos das três bandas,

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pois não foi possível entrevistar a todos. Como a entrevista narrativa exige uma certa

disponibilidade por parte do entrevistado (deve ser realizada a sós e em local silencioso para a

gravação), alguns recusaram-se a cedê-la, alegando falta de tempo, e uma parte dos que se

disponibilizaram (após muita insistência), demoraram para agendá-la, tornando o tempo

escasso.

4.2 Análise das entrevistas

O questionário foi divido da seguinte maneira:

1) Perfil sócio-demográfico: investigar a “renda” dos entrevistados, faixa-etária, e grau de

instrução;

2) Música e indústria cultural: opiniões sobre a música, sua relação com ela. Identificar os

padrões consumo de bens culturais, o “capital cultural”;

3) Política e comportamento: opiniões sobre a política e outras questões sociais. Procurar

estabelecer suas visões de mundo e posicionamento ideológico.

Separei as questões por tópicos, cada um seguido de análises, para facilitar sua

compreensão. Como houve uma similaridade nas respostas, e como o universo é pequeno,

alguns depoimentos serão generalizados. Utilizarei nomes fictícios quando for preciso citar

algum entrevistado em especial.

4.2.1 Perfil sócio-demográfico

Neste tópico houve uma significativa regularidade de perfis: todos possuem idades

entre 20 a 30 anos, têm formação superior (completa ou não), sendo que a maioria em

instituições públicas e se auto-declararam brancos. Apenas um deles é casado e a maioria

ainda mora com os pais. Apenas dois possuem “emprego”, ou seja, outra ocupação

profissional que não seja somente a música. Todos demonstraram serem provenientes da

classe média. Este fato foi confirmado pela localização de sua residência, geralmente em

bairros de classe média e alta (como Batel, Água Verde e Juvevê). Também pelo fato de seus

pais (e mães, na maioria dos casos) possuírem instrução superior, e exercerem profissões tais

como bancários, empresários, advogados e professores universitários. O ingresso deles na

universidade pública também é um dado que indica esta posição (sabe-se o quanto é restrito

seu acesso às populações de baixa renda). A aquisição de determinados bens também

confirmou sua posição social, assim como o fato de a maioria ser sustentada pelos pais – pelo

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fato de alguns possuírem veículo automotivo próprio, mas sem, no entanto, precisarem

exercer outra atividade profissional.

Não houve muitas diferenças entre as áreas acadêmicas cursadas pelos entrevistados:

três em áreas ligadas à música; quatro em humanas; dois em informática; um em artes

cênicas.

Na questão da classe, neste tópico houve somente uma exceção. Apesar de estar

cursando o ensino superior em uma instituição pública e de não trabalhar, Pedro foi o único

morador de bairro periférico. Seus pais possuem um baixo grau de instrução e exercem

profissões não tão bem remuneradas. Foi o único que demonstrou uma preocupação em poder

viver de música, e também declarou que é o único universitário da família e o único músico.

A maioria afirmou não possuir domínio da língua inglesa, só o básico, não traduzem

as letras. Julguei conveniente inserir esta questão pelo fato de as bandas possuírem influência

do psicodelismo, que é um subgênero proveniente de bandas inglesas e norte-americanas. E

também por uma delas tocar cover de uma banda de idioma inglês. Este ponto é interessante,

pois toca na questão da recepção das mensagens, o que analisarei no tópico seguinte.

4.2.2 Música e indústria cultural

4.2.2.1 Formação artística e a música

Foi surpreendente a semelhança dos depoimentos. Todos declararam que começaram a

se interessar pela música em casa, por influência dos pais ou de outros parentes mais velhos.

Foram constantes histórias de pais, tios, primos e irmãos que - já desde a infância - os

presentearam com algum instrumento musical ou que os estimularam a tocarem, seguindo o

seu exemplo (muitos dos entrevistados garantiram ter outros membros músicos na família).

Depois vieram os estudos, a vontade de profissionalizarem-se e de formarem uma banda.

Aqui Pedro também foi única exceção, afirmando que começou a tocar na adolescência, por

influência de amigos. Aprendeu “sozinho”, indo depois fazer curso de aperfeiçoamento.

A maioria indicou que, novamente, foi em casa que conheceram o rock dos anos 60,

ouvindo discos dos pais. Já que é difícil conhecer grande parte do repertório dos artistas de

décadas passadas simplesmente ouvindo o rádio, a influência da família, revelou-se, mais uma

vez, fundamental. Seus pais ouviam rock na juventude e mantiveram os discos, ajudando a

compor o gosto musical de seus filhos. Após este primeiro contato, veio o interesse em

conhecer mais a produção musical da década, o que os levou a pesquisarem sobre o estilo,

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procurando vinis, trocando informações e realizando pesquisas na internet. Somente Pedro

declarou que conheceu o estilo através de amigos, indo também buscar conhecer mais.

É interessante notar que na década presente o conflito de gerações torna-se restringido

a casos isolados, privados, não chega a tomar forma de movimento social, não há a unidade da

juventude enquanto grupo constituído que reclama por reformas sociais, recusando os valores

e idéias transmitidos pela sociedade adulta. Especificamente neste caso, há uma espécie de

consenso, de identificação com a geração dos pais, pelo menos em termos de estilo musical. É

uma geração exercendo influência decisiva sobre a outra.

Todos foram unânimes em declarar que optaram por tocar o estilo por uma questão de

gosto pessoal. Gostavam de música, identificaram-se com o estilo, e resolveram então tocá-lo,

sendo uma base para suas criações. No caso dos Liverpoolgas, além do gosto pessoal, porque

os Beatles são o conjunto de maior sucesso e o mais copiado de todos os tempos, criaram

muita coisa, e influenciaram várias outras bandas que surgiram depois deles. Além disto,

dois entrevistados alegaram que o repertório dos Beatles é bastante conhecido. É difícil

encontrar alguém que não conheça pelo menos uma de suas músicas.

Neste ponto nenhum deles declarou ter um tipo de relação mais profunda com a

música. Não surgiram comentários que revelassem algum impacto trazido por ela, em termos

da música ser um veículo de transmissão de certas mensagens. Tampouco alguém mencionou

sua importância naquele contexto específico. Inseri a questão da escolha por este estilo no

intuito de verificar se haveria algo neste sentido.

A idéia de grupo surgiu aqui novamente. Todos afirmaram que já conheciam pelo

menos um integrante da banda, alguns já eram amigos e já tocavam juntos em outra banda. A

maior parte deles veio a compor a formação através de convite de um amigo, que já sabia que

ele tocava e compartilhava do mesmo gosto musical. Todos os integrantes das três bandas

também são amigos entre si. A universidade também se tornou um elemento importante nisto,

pois é um espaço de reunião de pessoas com interesses e afinidades parecidas. Alguns

declararam que foi lá conheceram alguns dos futuros membros da sua banda e seu estilo

musical, resolvendo então unirem-se. Eles são, antes de tudo, amigos que resolveram formar

uma banda a partir da afinidade de estilo, de gostos em comum.

4.2.2.2 O rock nos anos 1960 e a produção musical atual

Todos ressaltaram o aspecto da criatividade da maior parte dos artistas da década de

60 em seus depoimentos. Também alertaram para a liberdade de criação. Comentaram a

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multiplicidade de estilos em uma única banda, da mistura de diferentes sons, na

instrumentalização e nas harmonias. Falaram que foi uma época que rompeu com uma série

parâmetros artísticos, derrubando as fronteiras musicais, parecendo que não havia limites

para a criação. Afirmaram também que foi uma época inigualável em termos de

inventividade e de experimentação, e que, depois desta década e a de 1970 também, não

houve mais esta criatividade no rock, que tudo que foi produzido a partir dali não foi tão

significativo e nem produziu o mesmo impacto. Por isto, vale a pena retomar o estilo. Os

membros do Liverpoolgas também comentaram a importância dos Beatles, que

revolucionaram o rock and roll, inspirando muitas bandas a época a fazerem o mesmo. Tocar

a sua música, de certa maneira, também é uma forma de homenageá-los.

Somente um dos entrevistados, João, alertou para a questão da mensagem. Falou da

importância da música naquele contexto, no movimento da contracultura, seu sentido

histórico. Foi um período importante no contexto sócio-cultural, de transformações. O

restante avaliou a relevância do estilo musical da época somente em termos estritamente

estéticos. Um deles comentou que os jovens daquela época eram rebeldes, mas não soube

desenvolver o argumento, e revelou ter uma idéia sobre a época bastante recorrente no senso

comum. A grande maioria dos entrevistados não demonstrou dar importância às letras,

apegam-se mais à sonoridade propriamente. Demonstraram também um relativo

desconhecimento sobre a contracultura, se o têm, ela não produz impacto nestes em termos de

mensagens. È mais o estilo das harmonias que os entrevistados admiram.

Não dá para apontar para o fato destes não dominarem o idioma inglês como

determinante (até porque também houve muita contestação na música brasileira da época).

Comprovou-se que pelo seu padrão de vida, eles têm plenas condições de compreenderem as

mensagens. Mesmo não possuindo conhecimento do inglês, é completamente acessível para

os mesmos encontrarem traduções de músicas na internet, por exemplo.

Todos foram extremamente contrários quanto à produção musical atual. Pedi para que

citassem algo de relevante: de sucesso, não há nada, só na MPB. Este foi o comentário geral

das entrevistas. Tanto no cenário nacional quanto internacional, pelo menos no rock, não há

nada de relevante. Os entrevistados criticaram as novas bandas, sua falta de originalidade e

seu estilo, assim como criticaram as músicas de sucesso, e revelaram um certo desprezo pelos

modismos musicais. Todos afirmaram que há muito material de valor somente no cenário

independente. Há muitas bandas de qualidade emergindo, mas para conhecê-las as pessoas

devem ir atrás, devem buscar a música boa. Três deles afirmaram que estas bandas estão fora

da indústria fonográfica porque não são comerciais, portanto não atendem aos seus interesses.

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Não há vontade por parte da indústria em produzirem estas bandas, pois elas não representam

grandes retornos financeiros, não farão muito sucesso.

Pedro ainda alertou para a importância da internet neste sentido, como um meio de

divulgação destes artistas underground. Neste aspecto, todos os entrevistados demonstraram

um comportamento valorativo, que são seletivos quanto ao que consomem. Também

indicaram que são críticos aos produtos-padrão impostos pela indústria cultural.

Somando-se as respostas desta questão com as da interior, nota-se que há uma certa

idealização por parte dos entrevistados quanto à produção musical dos anos 60. Há um

exagero em afirmar que depois dela não houve mais nada de significativo no rock. Também

eles não se referiram ao fato de o rock da época também ter participado da indústria cultural,

assim como também ter se tornado uma moda, sendo um fenômeno de grande sucesso,

semelhantemente ao que eles criticam agora. Mesmo conscientes deste fenômeno, há a

impressão de que para eles isto só ocorra nas duas últimas décadas.

4.2.2.3 Padrões de consumo de bens culturais

Sobre televisão, os programas Jornal Nacional e o Programa do Jô, foram os mais

citados, mas só raramente, todos os entrevistados garantiram que não possuem o hábito de

assistir à televisão, até por questões de falta de tempo disponível para tal. Todos foram

unânimes ao afirmarem que a televisão como um todo tem uma programação pouco

interessante, que a maioria dos programas não presta. Os que citaram o noticiário justificaram

que o assistem muito raramente só para saber o que está acontecendo, assim como o

programa do Jô somente quando o convidado da noite desperta seu interesse. Os mesmos que

citaram o noticiário demonstraram receio quanto ao que é mostrado, alegando que não dá para

confiar no que os noticiários televisivos (e o jornalismo e a tv num todo) apresentam como

verdade. A maioria demonstrou preferência pela tv a cabo, principalmente o canal de música,

a MTV. Dois citaram a TV Educativa. Somente João afirmou que não assiste a nenhum

programa em especial.

O mesmo comportamento valorativo na música também é mantido com relação à

televisão. Os entrevistados que citaram o Jornal Nacional ainda revelaram serem conscientes

quanto ao padrão do jornalismo brasileiro, com seus enquadramentos típicos e

“manipulações”.

Quanto ao cinema, foram citados por três entrevistados filmes de cineastas

consagrados, com destaque para Stanley Kubrick e Quentin Tarantino. Quatro entrevistados

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citaram o musical hippie Jesus Cristh Superstar, demonstrando que levam suas preferências

musicais até o cinema. A mega produção épica O Senhor dos Anéis também foi citada, o que

também denota correspondência no estilo, já que a obra escrita de J.R. R. Tolkien foi

verdadeiro objeto de adoração dos hippies. Um dos entrevistados citou a produção nacional

pouco divulgada Durval Discos, cuja narrativa, como o próprio nome já diz, se desenvolve em

torno de uma loja de discos. A trilha sonora do filme é repleta de sucessos do rock nacional

“setentista”, o que novamente, revela a forte relação dos entrevistados com a música.

Com exceção de O Senhor dos Anéis, todos os entrevistados citaram filmes não muito

conhecidos pelo grande público, assim como filmes de cineastas aclamados pela crítica. Estes

filmes citados indicam um certo refinamento dos gostos.

A maioria declarou que costuma ir mais ao teatro do que ao museu, mas em ocasiões

não tão freqüentes. Destes, alguns comentaram que vão ao teatro especialmente nas

temporadas do festival de inverno de Curitiba. Apenas João declarou que costuma freqüentar

os dois.

Perguntei se tinham o hábito de ler e pedi para que citassem obras e autores. Grande

parte dos entrevistados revelou que não cultiva o hábito da leitura, que lêem mais por uma

questão de obrigatoriedade, por exigência de sua formação acadêmica. Foram citados livros

técnicos sobre música, e livros relativos às áreas de sua formação específica. Quanto à

literatura propriamente, alguns afirmaram que costumam ler de vez em quando, comentando

que ter preferência por poesia e romances. O livro O Processo de Franz Kafka foi citado por

dois dos entrevistados, um deles citou O Senhor dos Anéis novamente. Os autores Carlos

Drummond de Andrade e Dalton Trevisan foram os mais recorrentes entre os entrevistados.

Um deles comentou que lê mais revistas do que livros. Apenas João declarou possuir o hábito

da leitura, e que lê muitas obras de cunho religioso, sobre o hinduísmo, correspondendo neste

aspecto com a contracultura, já também confessou ser adepto desta doutrina.

A importância desta pergunta está na intenção de verificar se os entrevistados teriam

preferências por algumas obras literárias que influenciaram a subcultura hippie – como as de

Allen Ginsberg e Jack Keruac – ou de cunho mais crítico, sócio-políticas. Pedro foi o único a

se aproximar desta primeira hipótese ao citar Adous Huxley, assim como uma minoria se

referiu a Kafka. O livro O Senhor dos Anéis não entra neste tipo de análise porque, mesmo

que demonstre uma aproximação do entrevistado com a subcultura hippie, trata-se de um

gênero da literatura fantástica.

Estes dois primeiros tópicos do questionário indicaram uma série de elementos

importantes para a análise. Primeiramente, porque todos os entrevistados demonstraram

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possuir gostos refinados, comportando-se de modo seletivo, não apenas na música, como em

outros ramos da indústria cultural. Seus comentários a respeito da produção musical atual e da

televisão apontaram para o dado de que são críticos a ela (mesmo que não pensem

necessariamente nestes termos). A negação ao modo de atuação da indústria fonográfica

confirmou esta posição, pois ao mesmo tempo em que eles são membros de bandas que tocam

no circuito alternativo, também formam o público ouvinte do mesmo. È a sobrevivência de

um mercado paralelo por conta de um comportamento valorativo por parte do receptor, como

apontou Gabriel Cohn (1990).

Mas este tipo de consumo de bens culturais revelou-se possível através de

determinadas condições que garantiram o acesso ao mesmo, dentre elas o poder aquisitivo, a

instrução e a formação familial foram as cruciais. Realizar pesquisas na internet, adquirir

discos de vinil raros e ter acesso à obra completa dos Beatles, não é algo simples de se

conseguir para a maioria da população. Todos pertencem à classe média e foram

influenciados pela família, com apenas uma exceção, e estes são fatores que possibilitam a

posse de determinados bens simbólicos, assim como influi na formação do gosto como diria

Bordieu (1994). Preferir tv a cabo à tv aberta, ler Kafka, gostar de musicais, criticar os

noticiários e a música de sucesso, apontam para um certo padrão de gosto típico da classe

média. Claro que nem tudo pode ser determinado pela posição de classe, mas neste caso, não

há como ignorar este fator, pois como foi visto, só houve uma exceção que não coube a este

tipo de análise.

Quanto à música, esta foi majoritariamente descrita em termos estéticos. Não há uma

preocupação com a questão das mensagens, por enquanto isto se mostrou mais uma questão

de estilo do que de ideologia. Se neste aspecto não há um posicionamento ideológico claro,

resta agora verificar se as visões de mundo dos entrevistados estão em acordo com o seu estilo

hippie.

4.2.3 Política

4.2.3.1 Partidos Políticos

Nenhum dos entrevistados declarou ser filiado a algum partido. A maioria também

declarou que não têm preferência por nenhum partido político. Dois afirmaram que não têm

uma bandeira partidária específica, mas que preferem a esquerda. Sendo que um deles

comentou que seus pais militaram no PT durante muitos anos. Declarou ainda que apesar da

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corrupção, continua acreditando no partido, porque: isto partiu de um grupo do partido, mas

acredito que muitas pessoas que estão nele, como eu, continuam com a mesma ideologia. Seu

depoimento em certa medida foi controverso, já que o PT afastou-se da ideologia de esquerda,

seu rumo está mais em direção ao centro. Um dos entrevistados, Luís, declarou não gostar de

política, e nem a entender.

4.2.3.2 Governo Lula

As opiniões foram bastante parecidas. Todos comentaram que votaram em Lula nas

eleições de 2002, mas que se decepcionaram com os escândalos de corrupção. A maioria

destacou suas políticas na área social, e que houve um fortalecimento do Estado. Afirmaram

ainda que apesar dos escândalos, houve mudanças em relação às políticas para a população

menos favorecida, como o aumento de seu poder aquisitivo, mas que fora isso pouca coisa

mudou. Mas que esta é a diferença em relação aos governos anteriores, é o menos pior,

segundo alguns. O único comentário que dois dos entrevistados fizeram, sendo que Luís foi

um deles, foi o de que não mudou nada.

Sete dos entrevistados declararam intenção de votar em Lula novamente nestas últimas

eleições. João votaria nulo, e Pedro, em Cristóvão Buarque, justificando que ele merece uma

chance pelas suas propostas na área da educação. Luís declarou que não sabe em quem vai

votar ainda, mas com certeza, não será em Lula, votei nele na eleição passada, mas nada

mudou e ainda têm os escândalos. Lula é uma pessoa desinformada que não sabe o que está

fazendo. Também comentou que não sabia ainda em quem votar, mas que provavelmente

votaria em quem estivesse em segundo lugar nas pesquisas (também não sabia quem era o

segundo colocado). Este depoimento sobre o governo Lula foi, digamos, o mais “senso

comum”, porque demonstrou que o entrevistado não procura informar-se sobre esta questão,

além de ter revelado preconceito ao colocar que Lula é desinformado, e que por isto não sabe

o que está fazendo.

4.2.3.3 Transformação social

Esta pergunta gerou respostas variadas, até porque a maioria optou por mais de uma

resposta. Mas houve uma opinião recorrente em oito das entrevistas: todos declaram que a

transformação se dá através do indivíduo, em suas práticas cotidianas. A maioria destas

mesmas pessoas opinou que a transformação se dá tanto através do indivíduo quanto pela

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ação coletiva. Apenas dois deles afirmaram que não acreditam na possibilidade de

transformação porque as pessoas são acomodadas, não lutam por mudanças. Pedro, além de

concordar com a maioria, declarando que acredita na mudança pelo indivíduo, ainda opinou

que a democracia representativa também é importante, comentando que as pessoas devem

entender mais sobre a política, para escolherem melhor seus representantes, pois a partir daí

haverá mudança.

Este tópico revelou vários elementos importantes. Um deles é o de que a maioria dos

entrevistados demonstrou um certo desconhecimento com relação à política. Muitos dos que

atacaram o governo, utilizaram somente o argumento da corrupção ou o de que nada mudou,

concordando com os argumentos que a oposição e a própria mídia propagaram durante a

campanha. Assim como os que ressaltaram seus aspectos positivos utilizaram-se dos

argumentos que o próprio governo alardeou. Isto insere uma contradição, já que os mesmos

afirmaram anteriormente não acreditarem no que a televisão mostra. Estas opiniões indicaram

um posicionamento claramente influenciado por ela. Ninguém declarou a intenção em votar

em Heloísa Helena (P-SOL), nem mesmo os que demonstraram simpatia pela esquerda, o que

também é contraditório, já que ela seria a opção da esquerda.

Quanto à transformação, os entrevistados confessaram que vêem esta possibilidade

somente através da sociedade civil, pelo indivíduo e pela ação coletiva. Claro que qualquer

mudança social deve partir primeiramente do indivíduo, mas isso já se mostrou não ser

suficiente. Os próprios jovens da contracultura, principalmente os hippies, defenderam que a

sociedade se modificaria através de um novo estilo de vida. Nisto houve conquistas, mas já

revelou-se não ser possível modificar o mundo apenas transformando o nosso cotidiano.

Nenhum dos entrevistados optou pela tomada de poder (no caso, uma revolução), indicando

um posicionamento que não vê na tomada do poder político um importante instrumento na

transformação. Não acreditam que uma mudança significativa na política e no modo de

conduzi-la pode acarretar em transformações radicais.

A classe social não é “o” fator determinante da consciência política. As revoltas

estudantis e contraculturais dos anos 60 não foram encabeçadas por jovens proletários, mas

sim por àqueles que pertenciam às camadas médias da população. Mesmo entre os

intelectuais, historicamente, a parcela mais crítica e politicamente engajada, é proveniente

também, em sua maioria, destes estratos. É bastante comum verificar entre a classe média

tanto posicionamentos avançados, quanto conservadores. Portanto, não há como analisar a

consciência política dos entrevistados relegando-a única e exclusivamente à sua posição de

classe. Se neste tópico os entrevistados não indicaram um posicionamento ideológico de

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esquerda, vale agora verificar se suas opiniões em outros aspectos sociais possuem um caráter

mais radicalizado.

4.2.4 Comportamento

4.2.4.1 Drogas

As respostas foram unânimes. Todos declararam que o efeito dos alucinógenos

depende mais do usuário, do que deles em si. São prejudiciais dependendo do uso que se faz

deles, assim como podem ser uma forma de entretenimento e também aumentarem o potencial

criativo. Neste aspecto há uma clara aproximação com os músicos da década de 60, que

apregoavam o desenvolvimento das potencialidades criativas através do consumo de certas

substâncias psicoativas. Somente João declarou que além destas três características, as drogas,

independentemente do uso que se faça delas, são prejudiciais, porque não há como negar que

o consumo de drogas seja prejudicial.

Seis dos entrevistados alegaram ser a favor da legalização, como forma de combate ao

crime, no caso, ao tráfico, por representar uma espécie de controle sobre a sua produção, e até

sobre o consumo. Três fizeram uma ressalva, declarando que são a favor apenas da

legalização da maconha, porque as outras drogas, tais como a cocaína e a heroína são

prejudiciais. João declarou que não tem uma opinião formada sobre o assunto.

4.2.4.2 União Civil entre homossexuais

O comentário geral foi do tipo: por mim tudo bem, cada um faz o que quer. Não

demonstraram serem contra, nem a defenderem, apenas foram indiferentes. Um dos

entrevistados alegou que a defende, porque isto toca tanto na questão da liberdade individual,

quanto na da igualdade, pois os homossexuais devem ter os mesmos direitos salvaguardados

pela lei dos heterossexuais, e o mesmo estatuto de igualdade e de direito. Um alegou que é a

favor do casamento entre homossexuais desde que não adotem filhos. Justificou dizendo que

não seria positivo para uma pessoa em formação crescer com estas referências de

sexualidade. Avança em um aspecto, enquanto retrocede em outro. Outro entrevistado

comentou que é plenamente a favor e eles também devem ter o direito de adotarem filhos.

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4.2.4.3 Aborto

Sete dos entrevistados afirmaram que só aceitam o aborto em caso de estupro ou se a

gravidez oferecer risco de vida à mãe. E a justificativa dada pela maioria era a de que não

deve se plenamente legalizado para não se tornar algo banal. Pedro e João afirmaram que

deve ser legalizado. Em ambos a justificativa foi a de para evitar o nascimento de crianças

indesejadas, principalmente se os pais não estiverem preparados para isto. Pedro ainda alegou

que assim também será evitado o nascimento de muitas crianças que provavelmente

passariam por inúmeras privações. Mas nenhum dos dois comentou algo a respeito da

liberdade da mulher, sobre o poder de decisão sobre seu corpo. Luís foi o único a afirmar que

não aceita o aborto em hipótese nenhuma, é crime, pois condena-se à morte uma criança

inocente, pela irresponsabilidade dos pais. E mesmo no caso de estupro, não se pode

justificar um erro com outro.

4.2.4.4 Relacionamento

A maioria, em número de sete novamente, declarou que sim, acredita na monogamia.

Muitos justificaram pela questão do ciúme, pela dificuldade que se tem ao assumir uma

relação aberta. Portanto ficar com uma só pessoa e confiar nela, é o melhor, evitam-se brigas

e desgastes. Um dos entrevistados comentou ainda que é perfeitamente normal sentir atração

por outras pessoas, mesmo já estando envolvido por outra, mas que isto é controlável. João

não acredita, porque as pessoas passam por diferentes experiências ao longo da vida, e que

há necessidade em dividi-las e também de viver coisas diferentes. Num dado momento, há o

desejo de dividir coisas diferentes com pessoas diferentes. Pedro também afirmou não

acreditar, e que a monogamia pode ser sim, a base de um bom relacionamento, mas não para

ele. Comentou que ainda não teve uma experiência marcante neste sentido. Luís declarou que

a monogamia era uma imposição cultural, que estava ligada a crenças e costumes, mas que

não é algo natural.

Todos, sem nenhuma exceção, responderem que querem casar e ter filhos, quando

estivessem em condições e ao lado de uma pessoa legal. Pedro afirmou que não faz planos em

relação ao casamento, mas que gostaria de ter um filho.

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4.2.4.5 Futuro profissional

Nenhum deles revelou almejar o estrelato (aparições na televisão, mega concertos,

publicidade, fama, ganhar muito dinheiro, etc.), preferem continuar como estão, mas

expandindo-se: apresentar-se em outras cidades, gravar a um custo baixo, aumentar seu

público. A maioria também demonstrou que deseja continuar com a banda, enquanto for

agradável e divertido. Os membros do Liverpoolgas também comentaram que desejam gravar

coisas próprias, porque o cover limita. Quanto aos planos individuais todos revelaram o

desejo de aprimorarem-se, de aprender a tocar coisas diferentes, outros instrumentos e

também outros estilos.

Este último tópico foi bastante esclarecedor, ao mesmo tempo em que também foi

confuso. Há uma série de contradições nas respostas dos entrevistados: progressistas em

algumas questões, conservadores em outras. O dado interessante é que isto, na maior parte das

vezes, partiu do mesmo entrevistado, como foi o caso de Luís, por exemplo. Mas ele não foi o

único, apenas foi o que mais chamou a atenção. Este fenômeno revela uma incoerência, um

pensamento não-sistematizado, ou seja, ligado ao senso comum17. Defende-se a legalização da

drogas, mas condena-se o aborto, ao mesmo tempo em que houve uma grande adesão pela

monogamia e a manutenção da família. João e Pedro foram as únicas exceções, não se

mostraram tão controversos. Destes dois últimos tópicos (política e comportamento) pôde-se

deduzir que dos elementos da subcultura hippie que foram resgatados pelos pesquisados em

questão, só há destaque para o estilo musical, o vestuário, e o consumo de alucinógenos. Estas

foram as grandes unanimidades encontradas entre eles.

17 É claro que isto não é um caso singular, já que os entrevistados são músicos, e não cientistas. Mas, aoadotarem um estilo que se afirma alternativo em vista do que a maioria dos jovens da atualidade seguem, nosleva à dedução de que esta diferenciação possa também estar relacionada a uma visão de mundo distinta a da“maioria”. Mas comprovou-se que a diferença se dá mais em termos de padrão de consumo.

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5 CONCLUSÕES

Após terem sido realizadas as pesquisas com as três bandas: Liverpoolgas, RoberSou

the Valsa e Sopa, podemos partir para as conclusões sobre o problema proposto. Tendo sido

feitas as análises sobre a indústria cultural, assim como o impacto da mesma na produção

contracultural, as quais orientaram a pesquisa, já há uma direção para a resolução do trabalho.

Além de ser possível verificar também qual das hipóteses levantadas foi confirmada durante a

realização da pesquisa.

Primeiramente, podemos concluir que nenhuma das bandas se enquadra no padrão da

indústria cultural. Não é possível afirmar que este fenômeno de resgate do rock da década de

1960 no cenário musical curitibano seja uma simples questão de modismo, voltado para o

consumo massivo. As três bandas atuam fora da indústria, têm um público restrito e

costumam a apresentarem-se em casas noturnas pequenas, geralmente bares fechados. As três

já participaram de festivais de música, onde participam também várias outras bandas que

compõe este cenário alternativo. Comprovou-se durante as entrevistas que nenhum de seus

integrantes entrevistados têm pretensões de alçar ao estrelato, tampouco “enriquecer” com sua

música. Não obstante, foi visto que há por parte dos mesmos um estímulo às outras bandas

underground, tanto na participação da organização destes festivais, quanto ao demonstrarem

interesse por elas enquanto ouvintes.

Os elementos classe social, família e grau de escolaridade, demonstraram-se

fundamentais na questão da formação do gosto e do padrão de consumo dos bens culturais.

Seu poder aquisitivo proporcionou a aquisição de determinados bens simbólicos,

possibilitando o contato com um tipo de produção musical que não é tão bem conhecida pelo

grande público brasileiro da mesma faixa-etária dos entrevistados. O acesso à universidade é

um fator importante, já que é um espaço de troca de informações, de aquisição de

conhecimento e de reunião de muitas pessoas com as mesmas afinidades. Alguns deles

afirmaram terem conhecido alguns dos futuros integrantes da banda na universidade,

enquanto colegas de curso. A universidade ainda foi importante na definição do público que

freqüenta os shows destas bandas, pois este é majoritariamente composto por jovens

universitários, que também possuem o estilo hippie – no vestuário e no consumo de algumas

drogas, geralmente a maconha. O que indica a existência de um certo modismo hippie em

alguns círculos acadêmicos.

A família revelou-se importante em termos de influências artísticas, já que muitos

deles começaram a se interessar por música através de parentes, além de obterem a partir

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destes o primeiro contato com a música da época. Se nos anos 1960 havia o conflito de

gerações, neste caso em especial há um bom relacionamento entre elas, estes jovens não

negam o que é transmitido pelos adultos – pelo contrário – adotam o mesmo gosto musical de

seus parentes mais velhos, assim como recebem suas influências. A junção dos três elementos

– classe, família e instrução – levou à conclusão de que os pesquisados possuem um razoável

capital cultural.

A questão de classe não foi só importante em termos de gosto, mas também permitiu

que estes indivíduos estudassem música e formassem uma banda. Para um jovem proveniente

de uma classe social menos favorecida, não há grandes possibilidades de dedicar-se ao estudo

da música, tampouco de comprar um instrumento musical de qualidade e equipamentos

necessários para poder formar um conjunto. Aliás, o único caso que fugiu a esta regra mostrou

ser o de família menos abastada apenas em comparação a dos outros entrevistados, ou seja,

seu padrão de vida é bastante razoável. A maioria dos entrevistados mora com a família, e é

sustentado pelos pais, o que explica sua falta de preocupações em termos financeiros. A

defesa pela manutenção das bandas no circuito independente torna-se uma posição razoável (e

até fácil) quando não se é necessário viver apenas da remuneração proporcionada pela música.

Sua aversão à massificação, tanto na música quanto em outros ramos da indústria

cultural, indicou que este comportamento valorativo é levado a outros produtos culturais, há

um certo refinamento nos gostos. Preferência por tv a cabo (em lugar da aberta), por filmes de

cineastas de renome, e por obras literárias de autores consagrados, remetem a um padrão de

consumo típico de algumas camadas médias da população. Como foi demonstrado, não foram

citadas muitas obras que fossem de grande impacto em termos de contestação. Assim como

não foi detectado um tipo consumo que remeta a um grau maior de erudição – a baixa

freqüência aos museus foi um exemplo.

Quanto à música da época, essa foi colocada estritamente em termos de estilo. Com

apenas uma exceção, o restante não mostrou se importar com a questão das letras. Nem ao

menos declararam a importância da música naquele contexto específico. Também não há

engajamento político em sua criação artística. As composições das bandas Sopa e RoberSou

the Valsa, não são engajadas, não há críticas sociais e nem a difusão de certos ideais. A

influência que rock dos anos 1960 exerce sobre eles restringe-se às sonoridades, harmonias e

instrumentações, não chegando a os estimularem a comporem determinadas mensagens, ou

seja, utilizarem a música como veículo de contestação de nossa realidade atual. Não há uma

espécie de adaptação do estilo neste sentido, a adoção por este estilo do rock não possui um

fundo ideológico, é a música pela música. Foi possível observar ainda que os entrevistados

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idealizam a música da época. Além de praticamente ignorarem o que foi produzido nas duas

últimas décadas, nenhum apontou para o fato de esta também ter se tornado comercialmente

viável, envolvida no mesmo processo de produção e consumo quanto qualquer outra música

de sucesso (embora este estilo musical possua um refinamento, se comparado aos sucessos

atuais).

Na questão sobre seu posicionamento político, e suas opiniões sobre determinados

temas atuais que geram certa polêmica, a grande maioria das respostas foram completamente

contraditórias. Primeiramente demonstrou-se certo descaso com a política: revelado tanto na

falta de interesse pela mesma, quanto em seu relativo desconhecimento, assim como também

não acreditam que ela possa ser um importante instrumento de transformação social. Este

dado indica, novamente, a falta de um determinado posicionamento político-ideológico claro.

Quanto aos outros temas, surgiram respostas progressistas em algumas questões e

conservadoras em outras, na maioria dos casos por parte da mesma pessoa entrevistada. Suas

visões de mundo sugerem que estes estão mais próximos do senso comum do que da

contracultura, propriamente. Houve duas exceções, mas elas não se explicam pela questão do

estilo, porque se fosse o caso, os outros entrevistados também se enquadrariam no mesmo tipo

de perfil delas.

Concluindo, a pesquisa demonstrou que o fato destes músicos adotarem o estilo

hippie, e admirarem a produção musical de sua época, não significa necessariamente que eles

levarão todos os elementos que caracterizavam aquela subcultura para outras esferas de suas

vidas. Não há relação entre este estilo com um determinado posicionamento mais contestador,

com ideais libertários. Os elementos desta subcultura que foram resgatados pela maioria dos

entrevistados restringem-se ao consumo de determinadas drogas, ao estilo musical, e ao

vestuário.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO

Questionário:

Perfil sócio-econômico

1) Nome:

2) Idade:

3) Estado Civil:

4) Filhos:

5) Endereço:

6) Escolaridade:

7) Instituição: Curso:

8) Atividade Profissional:

9) Mora com quem?

10) Renda média:

• Escolaridade dos pais

Pai: Mãe:

• Ocupação

Pai: Mãe:

• Bens de consumo Quantidade

Televisores ( )

Rádios ( )

Automóveis ( )

Maq. de lavar roupas ( )

Geladeira ( )

Dvd ( )

Computador ( )

Banheiros ( )

Freezer ( )

11) Cor:

12) Possui conhecimento da língua inglesa? Traduz as letras?

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Música e indústria cultural:

13) Como se deu sua formação artística?

• Influência da família?

• ------------ de amigos?

• Outros?

14) Como obteve conhecimento do repertório dos artistas da década de 1960?

15) Por que optou por este estilo musical?

16) Como se deu o processo de formação da banda?

17) Na sua opinião, qual a relevância do estilo musical dos anos 1960/70? Por que retomá-lo?

18) O que você acha que está sendo produzido, de relevante, na indústria musical atual

(bandas, artistas)?

• Cenário nacional:

• Cenário internacional:

19) Quais os programas de TV que você assiste?

20) Cinema (citar filmes favoritos):

21) Costuma freqüentar museus e teatros?

22) Tem o hábito de ler? Caso a resposta seja afirmativa, que tipo de leitura?

Política

23) É filiado, ou tem preferência por algum partido político? (Se a resposta for sim) Qual?

24) Opiniões sobre o governo Lula.

25) Pretende votar em qual candidato (a) nas eleições presidenciais deste ano?

26) Acredita que a transformação social pode ocorrer de qual (s) maneira (s)?

a) Pela ação coletiva;

b) Através de cada indivíduo em suas práticas cotidianas;

c) Pela tomada do poder político;

d) Através do Estado, pela via da democracia representativa;

e) Não crê na possibilidade de transformação.

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Comportamento

27) O consumo de alucinógenos é: (pode ter uma ou mais respostas)

a) Prejudicial;

b) Prejudicial dependendo da quantidade e da substância que é consumida;

c) Uma forma de entretenimento;

d) Pode aumentar o potencial criativo.

28) Qual sua opinião acerca da legalização das drogas? É contra ou a favor? Por que?

29) O que acha da união formal entre homossexuais?

30) O aborto:

a) É crime;

b) Só aceita em casos especiais como estupro e se a gravidez oferecer risco de vida à mãe;

c) Deve ser legalizado.

31) Acredita na monogamia como base para um relacionamento estável? Por que?

32) (Caso o entrevistado for solteiro e sem filhos) Pretende formar uma família?

33) Planos futuros para a banda, ou para sua carreira enquanto músico:

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