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MARIA DOROTHEA BARONE FRANCO LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE: CONSTRUÇÃO DO CONCEITO “CATIVAR” EM ATIVIDADES DE LEITURA Porto Alegre 2009

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MARIA DOROTHEA BARONE FRANCO

LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE: CONSTRUÇÃO DO CONCEITO “CATIVAR” EM ATIVIDADES DE L EITURA

Porto Alegre 2009

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MARIA DOROTHEA BARONE FRANCO

LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE: CONSTRUÇÃO DO CONCEITO “CATIVAR” EM ATIVIDADES DE L EITURA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro Universitário Ritter dos Reis como requisito para a obtenção do grau de mestre em Letras. Orientação: Profª. Drª. Rejane Pivetta de Oliveira.

Porto Alegre 2009

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MARIA DOROTHEA BARONE FRANCO

LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE: CONSTRUÇÃO DO CONCEITO “CATIVAR” EM ATIVIDADES DE L EITURA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Letras do Centro Universitário Ritter dos Reis, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras.

Aprovada em: _____________________________________________

Banca Examinadora:

_______________________________________________________________ Professora Drª. Rejane Pivetta de Oliveira – UniRitter

_______________________________________________________________ Professora Drª. Noeli Reck Maggi – UniRitter – Examinadora

_______________________________________________________________ Professora Drª. Juracy Assmann Saraiva – Feevale – Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Para Franco e Martinha, meus pais, a gratidão por todo o amor e

oportunidades de estudos;

À irmã São José e às irmãs do Convento Nossa Senhora do Carmo,

presenças de Deus em mim;

À Professora Rejane Pivetta, minha orientadora, por conduzir-me à escolha

de leituras necessárias para a elaboração da dissertação e por sua competente

orientação para a elaboração do texto escrito;

Às professoras Juracy Saraiva e Noeli Maggi, examinadoras da Banca de

Qualificação, pela leitura crítica do meu trabalho e por todas as sugestões para o

seu aperfeiçoamento;

À Maria do Carmo Alves de Campos, amiga e professora, por todos os

comentários e sugestões em suas aulas de Literatura, imensamente úteis para a

elaboração do meu estudo;

Ao amigo Dr. André Gross, por sua paciência ao ouvir-me em momentos de

elaboração dos capítulos e por acreditar (e possibilitar que acredite) que posso

melhorar cada vez mais;

Aos amigos Paulo Kunh, Cristina Kunh e sua adorável filha Valentina;

Aos colegas e amigos Eduardo Machado e Patrícia Perelló, pela alegre

companhia durante o curso;

À Denise, amiga e colega da Escola Estadual de Ensino Fundamental Piauí,

por permitir a aplicação das atividades de leitura com sua turma pré-escolar;

À Direção, aos colegas e aos funcionários da Escola Estadual de Ensino

Fundamental Piauí;

Às crianças que participaram das atividades de leitura;

À professora Regina da Costa da Silveira, por sua orientação inicial para a

constituição do estudo que apresento;

À professora Lúcia Leiria, por seu auxílio na realização do Curso de Mestrado;

À professora Margarita Labarthe, pela amizade sincera;

Aos professores Anelise Burmeister e Vicente Saldanha, por valorizarem e

divulgarem, na sala de aula, minha proposta de trabalho e pela indicação de estudos

teóricos para a produção do texto escrito;

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Ao professor José Castelano, pela incansável colaboração;

À professora Lene Belon, por revisar a dissertação;

À Emília Morselli, pela formatação do trabalho;

Ao Centro Universitário Ritter dos Reis, que me apresentou sábios

educadores no decorrer dos oitos anos em que fui aluna da Instituição.

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RESUMO

Esta dissertação estuda a recepção da obra O Pequeno Príncipe por crianças pré-escolares, na faixa de 5 e 6 anos, alunas de uma escola pública estadual, tendo em vista compreender o processo de construção do conceito “cativar”, a partir de atividades de leitura elaboradas com base em pressupostos da estética da recepção. O trabalho pretende verificar a forma como se dá a comunicação da obra com a criança e quais significados são construídos e compreendidos, considerando a hipótese de que a interação do leitor com a obra literária contribui para a compreensão de conceitos científicos. A análise do problema é sustentada teoricamente pelos estudos de Jean Piaget e Lev Vygotsky sobre o desenvolvimento cognitivo e a linguagem. Palavras-chave: Linguagem. Pensamento. Literatura. Crianças pré-escolares. Práticas de leitura.

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ABSTRACT

This dissertation approaches the reception of the work The Little Prince by pre-school children, aged 5-6 years old, attending a state public school. It aims at understanding the process of construction of concept “captivate” from reading activities based on assumptions of the reception aesthetics. The study attempts to investigate how communication between the book and children takes place, and which meanings are constructed and understood, considering the hypothesis that the interaction between the reader and the literary work contributes towards the understanding of scientific concepts. The analysis of the problem has been theoretically grounded on studies of cognitive development and language carried out by Jean Piaget and Lev Vygotsky. Key Words : Language. Thought. Literature. Pre-school children. Reading practices.

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO A – O jogo dos conceitos ............................................................................ 85

ANEXO B – Tela de Chardin: Le Phlilosophe lisant ................................................. 86

ANEXO C – Apresentação na Escola Crescer ......................................................... 87

ANEXO D – Atividades sobre O Sistema Solar ........................................................ 88

ANEXO E – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Potter) .............................. 90

ANEXO F – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Peter) ............................... 91

ANEXO G – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Tom) ................................ 92

ANEXO H – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Pedrinho) ......................... 93

ANEXO I – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Marcelo) ............................ 94

ANEXO J – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Gulliver) ............................ 95

ANEXO K – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Lili) ................................... 96

ANEXO L – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Emília) .............................. 97

ANEXO M – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Alice) ............................... 98

ANEXO N – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Arthur) .............................. 99

ANEXO O – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno João).............................. 100

ANEXO P – Ilustrações do encontro entre o príncipe e a raposa ........................... 101

ANEXO Q – Confecção das rosas e das folhas ..................................................... 109

ANEXO R – Figuras selecionadas ......................................................................... 112

ANEXO S – Fantoches ........................................................................................... 114

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LISTA DE APÊNDICES

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista ..................................................................... 117

APÊNDICE B – Roteiro de atividades de leitura para a obra O Pequeno

Príncipe .................................................................................................................. 118

APÊNDICE C – Modelo de autorização ................................................................. 122

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Frequência dos alunos nas atividades .................................................... 55

Quadro 2: Pseudônimos das crianças e desenhos correspondentes ....................... 63

Quadro 3: Nomes dados às serpentes confeccionadas pelos alunos ...................... 64

Quadro 4: Nomes dos desenhos feitos pelos alunos e conceitos

correspondentes ....................................................................................................... 67

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS .................................... ............................................................. 3

RESUMO.................................................................................................................... 5

ABSTRACT .......................................... ...................................................................... 6

LISTA DE ANEXOS ................................... ................................................................ 7

LISTA DE APÊNDICES ................................ ............................................................. 8

LISTA DE QUADROS .................................. .............................................................. 9

SUMÁRIO ................................................................................................................ 10

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

1 AS RELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM E O PENSAMENTO INF ANTIL ......... 14 1.1 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO

INFANTIL: A TEORIA COGNITIVA DE JEAN PIAGET ................................. 14 1.2 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO

INFANTIL: A FORMAÇÃO DE CONCEITOS NA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR NOS ESTUDOS DE LEV SEMENOVITCH VYGOTSKY .... 27

2 LITERATURA E CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS NA INFÂN CIA................ 35 2.1 LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO

PRÍNCIPE ...................................................................................................... 35 2.2 O PROCESSO DE RECEPÇÃO NA OBRA INFANTIL ..................................... 43

3 ATIVIDADES DE MEDIAÇÃO DE LEITURA .............. ......................................... 48 3.1 ANTECEDENTES ............................................................................................. 48 3.2 CARACTERIZAÇÃO DO PÚBLICO PARTICIPANTE ........................................ 50 3.3 PROCEDIMENTOS DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES.................................. 53

4 A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS: ANÁLISE DOS RESULTADO S ................ 58

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ....................................................... 78

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 81

OBRAS CONSULTADAS ................................. ....................................................... 83

ANEXOS .................................................................................................................. 84

APÊNDICES .......................................................................................................... 116

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INTRODUÇÃO

A criança adquire conhecimento experimentando objetos, sons e demais

elementos que constituem o meio social em que vive. Através da coordenação entre

o ato perceptual – observar as propriedades constitutivas dos objetos e seres – e a

ação motora – visualizar essas propriedades, diferenciá-las, assimilá-las e acomodá-

las aos seus esquemas mentais já adquiridos e, posteriormente, reconstituí-las pela

imagem mental –, a criança estará habilitada a iniciar sua primeira tentativa de

formação de conceitos espontâneos.

O seu ingresso na escola, em um período pré-escolar, indica o início de um

novo processo de aquisição de conhecimento: o dos conceitos científicos. Para o

início da formação de conceitos, sejam eles espontâneos ou científicos, a criança

deve generalizar suas experiências perceptuais das coisas. A palavra é o produto

final dessa atividade. Um nome é a representação sonora do objeto, da ação, da

pessoa que é nomeada. Possibilita a permanência dos objetos e seres e a

comunicação das experiências da criança com o outro.

As histórias infantis narradas para as crianças recuperam, pela ação das

personagens, suas experiências de vida. Há a identificação entre os protagonistas e

antagonistas das narrativas e a criança que as ouve. As ações dos vilões e

mocinhos, as características dos animais e objetos presentes nos segmentos

narrativos serão assimiladas pela criança e acomodadas aos seus esquemas

mentais, tornando-se representáveis, não só pela ilustração, como também pelas

palavras. Todas essas vivências contidas na narrativa são passíveis de serem

experimentadas pela criança no ato de contar histórias, o que facilita a

generalização de suas experiências – etapa inicial para uma tentativa de formação

de conceitos científicos.

Os conceitos espontâneos e científicos diferenciam-se quanto à sua forma de

aquisição. Os primeiros são formulados a partir da comunicação das próprias

experiências infantis. A criança interage com tudo o que há em seu meio social,

ação que produz experiências e conhecimento. Toda aquisição de conhecimento

ocorre pelo processo de interação e necessita generalização e representação em

palavras. As palavras são comunicadas ao outro, e inicia-se a formação de

conceitos espontâneos. Já os conceitos científicos são mediados pelo outro – neste

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estudo, pela professora, que é responsável pela oferta de experiências escolares e

lúdicas às crianças.

No caso deste estudo, a história infantil é o meio utilizado para desencadear

o processo inicial de formação dos conceitos científicos. Para a realização da

proposta de trabalho, foi escolhida a obra literária O Pequeno Príncipe, de Antoine

de Saint-Exupéry, a ser apresentada a uma turma pré-escolar composta por catorze

crianças entre cinco e seis anos, alunas de uma escola estadual que se localiza na

Grande Vila Cruzeiro do Sul, na Zona Sul da capital.

Para a criança, a compreensão de significados como os contidos na palavra

“cativar” – ideia chave da obra em questão – exige por demais dos esquemas

mentais. As palavras abstratas não possuem uma imagem representativa

correspondente, ao contrário de palavras que designam objetos concretos, como

“carneiro”, por exemplo. A criança é capaz de observar um carneiro, isolar seus

atributos físicos imediatos (número de patas, textura, sons que produz, etc.) e

assimilá-los em seus esquemas mentais, os quais produzirão uma imagem

representativa para a palavra “carneiro”. O mesmo não ocorre com os nomes

atribuídos às sensações e ações abstratas: não há uma imagem representativa

única para a palavra cativar. É necessária a intervenção do adulto para que os

conceitos abstratos façam sentido para a criança.

A presente proposta de trabalho, para tornar possível a análise e a

demonstração da forma como a obra literária é capaz de contribuir para a

construção de conceitos científicos por crianças de pré-escola, fundamenta-se nas

teorias de Jean Piaget (1993 e apud WADSWORTH, 1995) e Lev Vygotsky (1998)

sobre as relações entre a aquisição da linguagem e o processo de desenvolvimento

do pensamento infantil, conforme é exposto no primeiro capítulo.

Na segunda parte, analisa-se o modo como a narrativa de Saint-Exupéry

representa, por meio da linguagem, o pensamento infantil, e ainda são feitas

considerações sobre a recepção do texto literário, conforme pressupostos da

Estética da Recepção de Hans Robert Jauss, com o objetivo de embasar a prática

de leitura da obra O Pequeno Príncipe (2006), cujas atividades e procedimentos de

aplicação são descritos no terceiro capítulo.

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Por fim, é feita a análise dos resultados, com base no referencial teórico que

delimita este trabalho1.

Os resultados obtidos a partir da interação da criança com a obra literária,

com os colegas e com as atividades lúdicas evidenciam as primeiras tentativas de

elaboração e reelaboração do conceito “cativar”, possibilitando, dessa forma, a

verificação da manifestação da linguagem e do pensamento infantil da criança pré-

escolar, utilizando como mote a obra literária O Pequeno Príncipe (2006).

____________ 1 A dissertação obedeceu às regras da nova ortografia. Os modelos de autorização e entrevista

(elaborados em 2008) seguiram a antiga ortografia.

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1 AS RELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM E O PENSAMENTO INF ANTIL

1.1 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO INFANTIL: A TEORIA COGNITIVA DE JEAN PIAGET

Do mesmo modo que nós nos adaptamos biologicamente ao mundo que nos cerca, o desenvolvimento da mente – desenvolvimento intelectual – é também um processo de adaptação. (WADSWORTH, 1995, p. 9)

Jean Piaget, professor da Universidade de Genebra entre 1929 e 1954,

dedicou-se às pesquisas sobre o desenvolvimento da criança e, como resultado dos

seus estudos, elaborou uma concepção sobre o desenvolvimento cognitivo infantil.

Segundo o autor (apud WADSWORTH, 1995), o desenvolvimento cognitivo ocorre

mediante a interação da criança com o meio social no qual está inserida. Em seu

processo de interação com o outro, com os objetos e com as situações presentes no

meio, a criança organiza sua experiência vital própria. Ela é um organismo vivo, e a

adaptação desse organismo ao meio é o que possibilita a organização de suas

experiências de vida.

O agir da criança sobre a realidade segue uma dada forma de

comportamento, uma organização, ou seja, a criança é um organismo vivo que

comporta uma estrutura mental interna capaz de receber as experiências de mundo

que procedem do ambiente externo. Essa forma comportamental organizada chama-

se esquema. Os esquemas mentais infantis possibilitam a adaptação da criança e

sua organização no meio social em que vive. Os estímulos provenientes do meio

permitem à criança a vivência de novas experiências. As novas experiências

coincidem com as experiências já assimiladas nos esquemas mentais infantis ou

provocam estranhamento (desequilíbrio). Quando ocorre o estranhamento entre as

experiências, a criança busca aproximar o estímulo da experiência recente e os

esquemas mentais já desenvolvidos. Um esquema é elaborado através dos atos

perceptuais, o que possibilita, na integração com a realidade externa, o comunicar-

se com os objetos, indivíduos e ações presentes no meio, etc. (WADSWORTH,

1995).

A interação da criança com o ambiente externo, origem do conhecimento,

requer dos seus esquemas mentais quatro ações primordiais: assimilar, acomodar,

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equilibrar e adaptar. Um objeto, uma ação, uma ideia nova contida na relação entre

criança e meio são estímulos. Estes novos estímulos podem ser assimilados pelos

esquemas mentais já estruturados. Ocorre a deformação do objeto em função dos

esquemas mentais já presentes na criança2. Quando não é possível a assimilação, a

criança modifica um esquema ou elabora um novo para que a tentativa de assimilá-

lo possa ser realizada uma vez mais:

Nós podemos dizer, então, que uma criança, ao experienciar um novo estímulo (ou um velho, outra vez), tenta assimilar o estímulo a um esquema já existente. Se ela for bem sucedida, o equilíbrio, em relação àquela situação estimuladora particular, é alcançado no momento. Se a criança não consegue assimilar o estímulo, ela tenta, então, fazer uma acomodação, modificando um esquema ou criando um esquema novo. Quando isto é feito, ocorre a assimilação do estímulo e, nesse momento, o equilíbrio é alcançado. (WADSWORTH, 1995, p. 8)

Para Jean Piaget (apud WADSWORTH, 1995), as ações de assimilar e

acomodar promovem o desenvolvimento cognitivo, e o conhecimento adquirido ao

longo desse desenvolvimento resulta da ação da criança em relação às experiências

que o mundo lhe apresenta. O autor apresenta formas diversificadas de

conhecimento: o físico, o lógico-matemático e o social. O conhecimento físico é

obtido através da capacidade sensorial da criança. O sentir e o perceber as coisas

que constituem o meio permitem conhecê-las e estabelecer seus fins. O

conhecimento lógico-matemático é construído a partir da ação de pensar sobre os

objetos, indivíduos e situações presentes no ambiente. O conhecimento social é

oriundo da troca de experiências com o outro. Todas essas formas de conhecimento

____________ 2 Uma ilustração do processo de assimilação pôde ser encontrada em uma situação real de sala de

aula com uma turma de Educação Infantil. As crianças, na escola na qual trabalho, assistiram ao filme Deu a Louca na Chapeuzinho, produzido pelos irmãos Cory e Toddy Edwards. A caracterização da personagem principal do filme – Chapeuzinho Vermelho – distanciava-se da representação da personagem dos contos de fadas: no roteiro do filme, a menina de capuz vermelho era exímia praticante de artes marciais. A nova apresentação da personagem não foi aceita de imediato pelos alunos entre cinco e seis anos de idade. Um menino mencionou “não gostar nem um pouco da história”. Outra Chapeuzinho aparecera no filme, e não aquela cujas características perceptuais ele havia incorporado aos seus esquemas mentais a partir das narrações das histórias infantis. Houve o estímulo: a apresentação para as crianças da Chapeuzinho Vermelho (não a mesma personagem dos contos de Grimm). Ocorreu a desconstrução do objeto – a personagem – no instante em que as características da protagonista, percebidas pelas crianças, divergem das características já reconhecidas. A criança está apta (ou não), de forma imediata, a assimilar em seus esquemas mentais um estímulo novo: a Chapeuzinho Vermelho personagem do filme. A criança poderá criar um novo esquema para o novo estímulo ou modificar um esquema já existente para que ocorra a adaptação do novo estímulo.

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constituem o que o autor denominou de desenvolvimento cognitivo (apud

WADSWORTH, 1995).

O desenvolvimento cognitivo ocorre na forma de um processo contínuo no

qual a criança experimenta estímulos do meio social em que está inserida, os

assimila ou os acomoda (para uma nova tentativa de assimilá-los) em seus

esquemas mentais existentes. Esse processo, segundo Piaget (apud

WADSWORTH, 1995), é subdividido em quatro estágios de desenvolvimento. As

idades limites para os estágios não são fixas e podem sofrer alterações a partir da

experiência particular da criança ou por questões hereditárias – maturação – que

constituem o organismo de cada indivíduo. Para cada ensejo do desenvolvimento

cognitivo, uma estrutura mental é acionada e possibilita à criança agir sobre os

objetos, seres e situações presentes em seu meio social em um momento

específico.

O primeiro estágio do desenvolvimento infantil é o estágio sensório-motor,

que tem início quando a criança nasce e segue, aproximadamente, até os dezoito

meses de vida. O desenvolvimento e o conhecimento da criança são dependentes

da sua ação sobre o meio social em que está inserida. A criança, a partir do

momento em que nasce, age sobre o meio externo através dos sentidos. A boca é o

órgão que permite o seu primeiro agir sobre o que lhe é externo. A criança

experimentará o mundo, levando à boca objetos de borracha, o pé, a mão, e

desenvolvendo, por consequência, a inteligência prática. É o manusear as partes do

seu corpo e os objetos que lhe permite reconhecer propriedades físicas imediatas,

adquirir controle motor sobre seu corpo e diferenciar-se do outro.

Para a criança, nos primeiros meses de vida, é necessária a presença

constante do objeto para que haja a existência deste. O que a criança não pode

tocar ou ver passa a não existir. Os pais, avós e demais cuidadores da criança, ao

realizarem brincadeiras como cobrir o rosto com um lençol ou esconder um objeto

da criança, irão perceber que a atenção dela, automaticamente, partirá para outro

objeto presente em seu campo de visão. É através do tato e demais órgãos do

sentido que a criança constrói relações, vínculos com o meio social.

A criança, no instante do seu nascimento, age, primeiramente, por reflexos

motivados por sensações externas que afetam o comportamento: ao ouvir o choro

de outro bebê, a sensação de desconforto dominará a criança, motivando também o

seu choro. O ato de imitar o choro do outro é, nesse momento, um ato do reflexo.

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Com alguns meses de vida, a criança é capaz de imitar pequenos gestos produzidos

por adultos e outras crianças porque tais movimentos já foram assimilados pelo seu

próprio corpo. Os movimentos exibidos pelo outro motivam a criança a reproduzi-los.

Há a coordenação entre a percepção visual do movimento do outro – bater os pés,

por exemplo – e a capacidade motora de imitá-lo: reprodução da ação de bater os

pés. Só é reproduzido pela criança, nessa etapa do desenvolvimento cognitivo, o

gesto visível em seu próprio corpo (WADSWORTH, 1995).

Nesse período, que contempla os primeiros meses de vida, a criança já

demonstra a habilidade de diferenciar, no ambiente externo, sons de suas

experiências de vida e pode, ao observá-los no outro, distingui-los e reproduzi-los. A

partir dos oito meses de vida, a criança imita gestos e sons não visualizados em seu

corpo. A imitação de uma ação não é perceptível em si própria e torna-se um

problema a ser solucionado pela criança. Há o afastamento entre o eu da criança e

os outros eus. A criança não possui, como acreditava possuir, as características dos

objetos e indivíduos presentes em seu meio social. As propriedades de cada objeto

são estímulos que serão assimilados por esquemas cognitivos. Essas características

devem ser assimiladas pelos esquemas mentais já existentes para que possam,

futuramente, ser reproduzidas. Uma nova estrutura cognitiva pode ser criada ou

modificada também para os recebimentos. Para que isso ocorra, a criança deve

experimentar, vivenciar novos estímulos.

Aos poucos, a permanência constante dos gestos e dos sons no campo visual

infantil já não se faz tão necessária. A imagem sensorial do objeto e do som é

ativada pela memória sensorial da criança, possibilitando, assim, que esta os

reproduza. Os objetos passam a existir quando são observáveis e quando não o são

pela criança. O início da permanência do objeto permite à criança individualizar-se,

promovendo a distinção entre o eu e o outro. O período anterior à distinção entre o

eu e o tu permitia que a criança demonstrasse, unicamente, sensações de prazer,

desconforto, etc. A criança, ao final dos dezoito meses de idade, é capaz de criar

novos esquemas para assimilar estímulos novos que são oriundos das experiências

do meio.

O segundo estágio, o estágio pré-operacional, tem início aproximadamente

aos dois anos de idade. A criança demonstra a habilidade de construir a imagem dos

objetos mentalmente e a associa a um nome. Através dos sentidos, a criança

assimila a realidade e inicia sua representação através de símbolos diversos:

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gestos, jogos, desenhos, palavras, etc. O processo de representação começa ao

final do estágio sensório-motor, quando a criança, através da imitação, é capaz de

reproduzir gestos e ações sem a presença constante da ação, pessoa ou objeto.

São características da representação: a imitação diferida, o jogo simbólico, o

desenho, a imagem mental e a linguagem.

A imitação diferida tem início no estágio anterior, mas prolonga-se no estágio

atual. A criança não imita, unicamente, o objeto ou a situação no ato de sua

percepção, sendo também capaz de representá-lo posteriormente. A imitação

permite que a criança represente o que lhe causa prazer e possibilita-lhe a

diferenciação entre ela e o outro (objeto ou pessoa). A ação de imitar sons, gestos e

ações externas possibilitará, em um nível posterior do desenvolvimento cognitivo

infantil, a formação dos primeiros conceitos da criança, ato que consiste em

observar dado objeto, apreender suas características e decompô-las. Essas

características isoladas possibilitam à criança construir, mentalmente, a imagem

simbólica do objeto e a sua recuperação, bem como todas as suas propriedades,

através do som. É a materialização fônica do objeto que o torna permanente e

comunicável aos demais indivíduos.

A imagem é a “ilustração” do conceito e permite evocá-lo sem que este esteja

presente no campo visual infantil. A imagem sonora – os sons da palavra “coelho”,

por exemplo, juntamente com a ação de formar orelhas com os braços e mãos e dar

pequenos saltos – permite a recuperação do objeto e é o primeiro passo para a

formação de conceitos propriamente ditos. A criança é capaz de representar o

coelho porque já assimilou tais movimentos e os acomodou em seu próprio corpo.

Para Jean Piaget (apud WADSWORTH, 1995), os conceitos são

apresentados em duas formas distintas: os que dispõem de referentes físicos e os

que não. Os primeiros são construídos pela percepção infantil. O que é observável e

passível de experimentação – o conceito “flor”, por exemplo – é conceituado de

maneira espontânea pela criança. No caso do conceito “flor”, há inúmeras situações

nas quais as crianças têm acesso à terra, a brincadeiras no jardim. O contato com

flores pertence ao mundo experimentado pelas crianças. A segunda forma de

conceitos não é possível de observação direta porque não há um referente concreto

que possa ser observado pela criança de maneira imediata. O segundo grupo de

conceitos é formulado na interação da criança com o outro e com o meio:

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Os conceitos ou esquemas que as pessoas desenvolvem podem ser assim classificados: (1) aqueles que, sensorialmente, têm referentes físicos acessíveis (eles podem ser vistos, ouvidos e assim por diante) e (2) aqueles que não têm tais referentes. O conceito de árvore tem referentes físicos; o conceito honestidade não tem. Uma criança pode desenvolver um conceito socialmente aceitável de árvore (conhecimento físico), relativamente independente dos outros, porque os referentes (árvores) são freqüentemente acessíveis. Mas a mesma criança não pode desenvolver um conceito aceitável de honestidade (conhecimento social) independente dos outros. Na medida em que os conceitos são “arbitrários” ou socialmente definidos, a criança depende da interação social para a construção e validação dos conceitos. (WADSWORTH, 1995, p. 20- 21)

O jogo simbólico é rico em significação para o desenvolvimento infantil, pois

ele proporciona a satisfação em reproduzir ações, a recuperação de situações

passadas (o que permite a recuperação e permanência das coisas) e a interação

com outras crianças, auxiliando também na busca pelas soluções de conflitos.

A interação da criança com as narrativas infantis é uma forma de jogo: o jogo

do “faz-de-conta”. A criança inicia o seu jogo no instante em que escolhe identificar-

se com uma ou mais personagens da história e compartilha suas vivências. O “faz-

de-conta” distancia-se do “fazer” na vida real. As narrativas infantis mostram

possibilidades de experiências de vida. O jogo da representação contido na

apreciação de uma história consiste em criar o que seria possível no mundo

cotidiano infantil. A literatura, em verso ou prosa, produz jurisdições sobre o mundo

real. Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, em Pecado Original, diz,:

“Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? Será essa, se alguém a

escrever, a verdadeira história da humanidade” (PESSOA, 2001, p. 440). O jogo do

“faz-de-conta” é inerente ao texto de Fernando Pessoa e assemelha-se ao jogo

infantil. Talvez o genuíno poeta necessite recuperar a criança que um dia foi e

permitir-se criar outros eus que possam experimentar as realidades possíveis que o

texto literário permite. A criança, no jogo proporcionado pela literatura, vive as

experiências ali descritas pelo autor. O jogo do “faz-de-conta” permite o escape da

realidade:

Chegamos, assim, à primeira das características fundamentais do jôgo: o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. Uma segunda característica, intimamente ligada à primeira, é que o jôgo não é vida “corrente” nem vida “real”. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria. Tôda criança sabe perfeitamente quando está “só fazendo de conta” ou quando está “só brincando”. (HUIZINGA, 1971, p. 11)

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Segundo Johan Huizinga (1971), “no jôgo existe alguma coisa 'em jôgo' que

transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo o

jôgo significa alguma coisa” (HUIZINGA, 1971, p. 4). Ao viver as possibilidades de

experiências que são apresentadas no jogo infantil, a criança vivencia uma

desestabilização de sua vida cotidiana. Essa atitude é positiva porque é ela que

permite à criança criar futuras soluções para os conflitos do meio social em que vive.

O desenho infantil representa a linha tênue entre o jogo simbólico e a imagem

mental que a criança elabora dos objetos, seres e situações presentes na realidade

do mundo em que vive em uma fase posterior do seu desenvolvimento cognitivo. Os

primeiros desenhos compreendem as percepções que a criança assimilou da

realidade a partir de sua atividade sensorial. Em um primeiro momento, no

compasso em que a criança vai atribuindo formas ao seu desenho, a imagem

representada vai adquirindo significado. Um desenho infantil pode parecer, ao olhar

adulto, um conjunto de imagens, uma justaposição de traços, riscos, formas.

A percepção da criança sobre o objeto a ser representado nesse processo de

produção do desenho mistura características diversas, como cores, formatos,

tamanhos. Há a sobreposição de características que compõem a representação do

objeto real. Aos cinco e seis anos de idade – idade aproximada –, a criança já está

apta a desenhar as características conceptuais dos objetos representados.

A imagem mental é uma ou mais possibilidades de representação do objeto,

sem o eventual uso de um ou mais recursos materiais (brinquedos, blocos de

madeira, fantoches, canetinhas, etc.). Uma ação, um evento, uma história, um gesto,

uma música ou uma palavra podem evocar, na mente infantil, uma imagem. Para

haver a permanência do objeto, é necessária sua representação. Representar

requer da criança a capacidade de isolar e relacionar as propriedades pertencentes

a esse objeto: cor, tamanho, etc. Cada propriedade corresponde a uma imagem

sensorial. A partir do instante em que a criança constrói, em sua mente, a imagem

representativa do objeto, ela o torna permanente. Também as demonstrações de

afetos e sentimentos iniciam seu processo de representação pela criança.

A linguagem, como forma de representação, é merecedora de um capítulo à

parte. Durante os primeiros meses de vida, a comunicação da criança comporta

gritos de diversificados timbres, bocejos, o som da respiração e os gestos. Antes da

primeira palavra, há a utilização de gestos para comunicar-se com o meio. O

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balbucio e os gestos são tentativas iniciais, construídas pela criança, para iniciar a

comunicação no meio social em que vive.

Somente com o desenvolvimento do seu aparelho fonador e respiratório e a

eventual necessidade do uso de outras palavras para ser compreendida é que a

criança produzirá frases e sentenças em sua língua materna. A comunicação, antes

emocional, passa a ser intelectual. O pensamento da criança inicia seu processo de

verbalização através do uso das palavras.

Jean Piaget (1993), na obra A Linguagem e o Pensamento da Criança,

caracteriza o desenvolvimento linguístico da criança em fala egocêntrica e fala

socializada. As falas infantis – socializada e egocêntrica – diferem quanto às suas

funções. A fala egocêntrica não pretende comunicar qualquer informação ao

interlocutor. É uma conversa da criança com ela própria. A fala socializada faculta a

comunicação com o outro: criança ou adulto. Em oposição à fala socializada, a

criança, ao produzir a fala egocêntrica, não demonstra qualquer interesse por um

interlocutor para escutá-la e compreendê-la:

Podemos dividir todas as frases dos nossos dois modelos em dois grandes grupos, que podem ser chamados egocêntrico e socializado. Ao pronunciar as frases do primeiro grupo, a criança não se preocupa em saber a quem fala nem se é escutada. Ela fala seja a si mesma, seja pelo prazer de associar qualquer um à sua ação imediata. Esta linguagem é egocêntrica em primeiro lugar porque a criança não fala a não ser de si mesma e, em segundo lugar, porque não procura colocar-se no ponto de vista do interlocutor. (PIAGET, 1993, p. 7)

O egocentrismo infantil pertence ao comportamento espontâneo da criança e

é responsável por exteriorizar a atividade psíquica: o pensamento. No momento em

que a criança une duas peças de Lego, por exemplo, e diz, simultaneamente, ao

praticar a ação, “Estou montando o meu castelo”, ela não está comunicando ao

outro que o objeto que constrói é um castelo. Está, através da palavra, emitindo uma

consciência primária de imaginar um castelo, escolher peças de plástico, construí-lo

e dar suporte à ação pela fala. Segundo Piaget (1993), o período que compreende a

fala egocêntrica subdivide-se em três estágios evolutivos: a repetição, o monólogo e

o monólogo coletivo.

A repetição é originária do prazer de produzir sons, sílabas e palavras ditas

por adultos e crianças. A criança não reconhece, nessas combinações de sons, seus

significados. O divertimento com a repetição de um determinado som faz com que o

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reproduza. Nesse momento, acredita ser a criadora dos sons que repete. É

responsável por tudo o que ocorre no meio externo.

O monólogo da criança é responsável por deflagrar a ação que realiza. Não é

uma fala dirigida, portanto, não possui um interlocutor. Todos os atos ou intenções

materializam-se através do som. O monólogo coletivo é motivado pelo outro. A

criança vê ou ouve o adulto (ou outra criança) praticar uma ação ou evocar palavras

e, prontamente, reproduz a ação na qual ela é a criadora e a centralizadora do agir.

Uma criança brinca com um carrinho, demonstrando a velocidade do objeto. Outra

criança, prontamente, faz uso de um brinquedo semelhante e produz sentenças

como: “O meu carro é rápido”, “Eu corro rápido”, etc. O uso do eu é uma tentativa

para iniciar a separação do outro.

Segundo Piaget (1993), entre os três e os seis anos de idade, a fala

egocêntrica não desaparece das conversas das crianças, mas não é intensamente

usada. Inicia, nessa faixa etária, aproximadamente, o uso da fala socializada. A

primordial diferença entre as falas egocêntrica e socializada é a função que

desempenham: a primeira exterioriza as sensações, reações e ações da criança, a

partir de um ponto de vista único: o dela própria; a segunda é intencional e promove

a troca linguística com adultos e crianças. A fala socializada possui, também, uma

subdivisão em cinco processos evolutivos, assinalados por Piaget (1993): a

informação adaptada, a crítica, as ordens (súplicas e ameaças), as perguntas e as

respostas.

A informação adaptada3 consiste na troca de informações, entre a criança e

seus interlocutores, tendo, em seu conteúdo, assuntos, tópicos de interesse mútuo,

podendo ou não influenciar o comportamento do outro. A criança busca, em sua

troca linguística, a resolução de um problema ou realização de um objetivo.

O uso da crítica pela criança valoriza suas ações e desvaloriza as do outro. A

criança necessita, ainda, a diferenciação do eu e o faz, também, através da crítica. A

crítica normalmente é dirigida a crianças menores e, com pouca frequência, aos

____________ 3 Certa vez, por exemplo, uma menina com três anos de idade percorria, com seu pai, as

movimentadas ruas do centro da cidade. Durante o percurso, a menina viu, na vitrine de uma loja de brinquedos, a boneca Barbie. Pediu que seu pai lhe desse uma. O pai negou o insistente pedido, explicando não possuir dinheiro. Na esquina, um banco erguia-se diante dos olhos da menina, que comunicou ao pai: “Olha pai, o banco”. Há, no exemplo apresentado, a troca de informações entre a criança e o pai, em que a primeira procura informar um conteúdo que pode influenciar no comportamento do interlocutor – existe um banco bem próximo – na busca por um objetivo: ganhar a boneca Barbie. Exemplo retirado da experiência pessoal da pesquisadora.

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adultos e crianças mais velhas. Como exemplo de críticas, há as seguintes frases,

comuns nas conversas entre irmãos: “Eu sou mais forte que você”, “Eu consigo abrir

a geladeira”, “Você é pequeno”, “Não consegue abrir a geladeira”.

As ordens, súplicas e ameaças são pequenos artifícios linguísticos usados

pelas crianças para conseguir atingir seus objetivos. Através da fala, a criança

reproduz ações ou desejos que não realizará ou que é impedida de realizar por

conta das regras de conduta do ambiente social em que vive. Frases como “Eu

quero o lápis vermelho”, “Eu vou riscar todo o teu desenho”, “Me dá o lápis

vermelho” são exemplos de uso linguístico retirados de experiências docentes

cotidianas em que a criança mostra ser superior a outro eu, buscando realizar sua

vontade imediata: conseguir o lápis vermelho. A palavra visa ao reforço do agir da

criança (PIAGET, 1993).

As perguntas buscam conhecer, por exemplo, os motivos do desaparecimento

de um brinquedo, a ausência de um colega da escolinha e o motivo das

combinações que não ocorrem conforme previstas. Surgem, entre as crianças, as

discussões verdadeiras, ou seja, aquelas que relacionam um acontecimento a uma

conclusão: “O Pedro não veio”, “Ele está doente”. Outra criança diz: “O Pedro não

está doente”, “O Pedro foi visitar a vovó dele”. Cabe destacar a expressão “não”, que

passa a ser usada como intenção na fala da criança. O uso do “não”, na fala

egocêntrica, não é intencional. É uma das muitas formas de separar o eu - criança

do eu do outro (PIAGET, 1993).

As respostas não pertencem ao uso linguístico espontâneo da criança. O uso

da linguagem, entre as crianças, é mediado pelo brincar. Através das brincadeiras

de roda, com peças de Lego, com bonecas, bola, carrinhos e demais brinquedos, a

criança interage com outras crianças. Não há, até os seis anos de idade, a

preocupação em trocar ideias, mas em comunicar informações. As perguntas

pertencem ao diálogo estabelecido entre adulto e criança. O primeiro pergunta, a

segunda responde.

A interação linguística é maior nas conversas entre crianças do que nos seus

diálogos com adultos. Há a superioridade da fala do adulto sobre a fala da criança, o

que não ocorre na comunicação entre indivíduos da mesma idade. O adulto é

responsável por fazer perguntas, questionamentos para a criança. Já as crianças, na

conversa entre elas, instigam o uso das palavras através das ações (em especial,

com jogos e brinquedos).

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A inteligência, no estágio pré-operacional, não é apenas empírica: a

inteligência passa a ser simbólica4. A perspectiva da criança é responsável, ainda,

por todas as ações e reações presentes no mundo externo. A criança é capaz de

diferenciar objetos e outras pessoas do seu próprio eu, mas supõe que esses

objetos e seres atuem e sintam conforme sua própria vontade. O que ela não sente

o outro não pode sentir. A criança pode cobrir-se com um cobertor por ter medo do

escuro em seu quarto. Ela não pode mais ver o que lhe causa temor: o escuro. Ela

não vê o que há no escuro, portanto, as coisas que estão no escuro também não

podem vê-la. O raciocínio transdutivo5 – em outras palavras, a explicação de uma

situação a partir de uma explicação dada a uma situação semelhante – também

caracteriza esse estágio do desenvolvimento cognitivo infantil.

Durante o estágio pré-operacional, a realidade mágica6 mistura-se às

experiências reais. A criança brinca, joga, ouve histórias, e, em determinados

momentos, a linha tênue entre a experiência real e a fantasia desaparece. Um

menino em idade pré-escolar pode vestir a capa do seu herói preferido – o Batman,

por exemplo – e acreditar possuir um corpo à prova de qualquer ferimento. Para a

criança, a capa impede o herói de ferir-se no desenho animado e também auxilia a

criança a proteger-se no mundo real (pensamento mágico). Esse estágio é

caracterizado, ainda, pelo animismo: dar vida aos objetos. Uma vassoura pode ser o

cavalo, usado para salvar a princesa presa na torre do castelo. Um galho de árvore

pode ser uma espada para enfrentar o gigante. Um casaco de lã é o monstro do

armário que deseja levá-la enquanto dorme, etc.

Em Convite à Filosofia, de Marilena Chauí (1995), há um capítulo destinado à

imaginação que pode ser relacionado ao pensamento mágico infantil na teoria de

Jean Piaget. A autora busca, nos estudos sobre a fenomenologia, definições para

imagem e imaginação. Segundo a autora, a imagem é responsável pela recuperação

____________ 4 O Sistema Solar foi tema de pesquisa para as crianças pré-escolares no segundo semestre de

2008. Materiais diversos foram utilizados para a confecção de planetas, asteroides, estrelas, etc. A inteligência constitui-se prática e simbólica no instante em que cada criança transpõe para a bola de isopor todo o seu conhecimento experimentado sobre cada astro que compõe o Sistema Solar.

5 Um aluno de seis anos, ao ser questionado sobre o que seria um planeta, respondeu: “Uma cidade lá em cima”. A criança explicou o que seria um elemento – um planeta – a partir do conhecimento já adquirido de outro – uma cidade.

6 Um aluno de seis anos usava, diariamente, a fantasia de Batman que sua mãe fez. Certa vez, em uma de suas brincadeiras, escalou a parte mais alta de um dos brinquedos da pracinha para saltar. Foi impedido, em tempo, pela professora e advertido a respeito das consequências do seu ato. O menino, após escutar a explicação da professora, disse que não poderia cair. Ele tinha a capa do Batman.

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dos objetos, indivíduos e ações existentes em nosso mundo de experiências. A

imaginação é a habilidade de produzir as imagens do que não está presente em

nosso campo de visão e também a capacidade que o indivíduo tem de criar objetos,

seres e situações a partir da percepção que tem das coisas que permeiam a

realidade. A autora faz a distinção entre cinco possíveis formas para a imaginação: a

reprodutora a evocadora, a irrealizadora, a fabuladora e a criadora, todas com

intensa relação com o desenvolvimento cognitivo infantil.

A imaginação reprodutora permite a recuperação de um objeto, ser ou

situação presente no campo perceptivo do indivíduo. A imitação infantil é um

exemplo dessa forma de imaginação. A imaginação evocadora7 é capaz de

recuperar o ausente, o não-perceptível ao olhar. A permanência do objeto e,

posteriormente, a construção da imagem mental feita pela criança exemplificam a

imaginação evocadora. A imaginação irrealizadora é responsável pela criação de um

universo mágico em que os objetos reais podem ocupar a função de objetos criados

pela própria criança. A ação de brincar constitui essa forma de imaginação: um

galho de árvore pode recuperar a imagem que a criança possui do objeto “espada”.

Para a criança que brinca, o galho não representa a espada, ele é a própria espada.

A imaginação fabuladora origina-se da criação coletiva. Os contos de fadas são

exemplos da imaginação fabuladora, que permite, através da palavra falada, a

recuperação de cenas e seres imaginários.

Há uma quinta forma de manifestação da imaginação humana que

corresponde a um estágio posterior do desenvolvimento cognitivo infantil – o estágio

das operações formais –, que será apresentado: a imaginação criadora. A

imaginação criadora habilita hipóteses para situações reais e, possivelmente, para

alterações no futuro.

O terceiro estágio do desenvolvimento é o estágio das operações concretas e

inicia, aproximadamente, aos sete anos de idade. As ações da criança são

reconstruídas e representadas mentalmente. O conhecimento resulta não apenas da

inteligência prática, de experimentar o real para conhecê-lo, mas da reflexão: a

atividade de pensar sobre uma atividade específica ou sobre um objeto também

____________ 7 Essa forma de imaginar pode ser demonstrada através de um exemplo ocorrido em sala de aula

durante a festa de Páscoa de 2007. As crianças, a partir do estímulo da canção Coelhinho da Páscoa, erguiam seus braços sobre a cabeça e os moviam, alternadamente, de trás para frente, evocando os movimentos das orelhas de um coelho real.

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oportuniza o conhecimento. A criança já é hábil em classificar, seriar, comparar

objetos.

O estágio das operações formais começa na adolescência. O adolescente é

capaz de formular hipóteses, fugindo de ações e situações concretas para sanar

problemas (pensamento hipotético-dedutivo). As hipóteses formuladas pelo

adolescente estão presentes no plano da representação, mas são utilizadas para a

resolução de situações reais de conflito.

A partir da observação detalhada do processo do desenvolvimento cognitivo

da criança, toma-se como reflexão a seguinte premissa: a criança é a responsável

principal na construção de conhecimentos. O seu agir sobre o meio possibilita a

aprendizagem. Ao adulto cabe o incentivo à criança nesse processo, possibilitando-

lhe atividades lúdicas e experiências que envolvam interação, desafios, exploração,

etc. Há um papel a ser desempenhado pelo professor no processo de aprendizagem

infantil: as ações de selecionar e propiciar atividades escolares que sirvam como

estímulo a ser assimilado pela criança.

A experiência com o meio externo é a responsável pelo desenvolvimento

cognitivo infantil, mas as atividades que tornam realizáveis as experiências também

devem ser apresentadas em sala de aula pelo professor. As experiências são

originárias dos desafios: a situação problema e a busca para resolvê-la é o que

conduz a criança a experimentar o mundo.

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1.2 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO INFANTIL: A FORMAÇÃO DE CONCEITOS NA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR NOS ESTUDOS DE LEV SEMENOVITCH VYGOTSKY

As formas mais elevadas da comunicação humana somente são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada. É por isso que certos pensamentos não podem ser comunicados às crianças, mesmo que elas estejam familiarizadas com as palavras necessárias. Pode ainda estar faltando o conceito adequadamente generalizado que, por si só, assegura o pleno entendimento. (VYGOTSKY, 1998, p. 7-8)

Para Lev Vygotsky (1998), o conhecimento é adquirido pela interação do

sujeito com o meio externo, de forma semelhante ao que propõe a teoria de Jean

Piaget. Há, para o autor, o desenvolvimento real da criança, adquirido através de

suas experiências com o meio, e também o desenvolvimento de inúmeras

habilidades, através da intervenção do adulto nas atividades infantis diárias (Zona de

Desenvolvimento Potencial).

Lev Semenovitch Vygotsky foi um dos autores nas áreas de Linguística e

Psicologia a desenvolver estudos sobre o desenvolvimento da criança em idade

não-escolar, pré-escolar e escolar e formulou hipóteses a respeito do

desenvolvimento cognitivo e sociocognitivo da criança. Em sua obra Pensamento e

Linguagem, Vygotsky (1998) preocupou-se em buscar as relações entre o

pensamento e a linguagem. Segundo o autor, há uma etapa no desenvolvimento

sociocognitivo da criança em que o pensamento adquire características verbais, e a

fala, propriedades intelectuais.

A função inicial da fala é a comunicação com o outro. A fala da criança é,

inicialmente, emocional – exteriorizam-se, através do choro e de pequenos

movimentos, as sensações experimentadas. Em seguida, há uma breve

intencionalidade na forma de comunicação da criança quando tenta satisfazer suas

vontades e necessidades primárias através do choro, dos gestos, etc.

A fala da criança, para Vygotsky (1998), é inicialmente comunicativa. O autor

escolhe a expressão “comunicativa” para nomeá-la, e não a expressão “socializada”,

como Jean Piaget (1993). A expressão “socializada” poderia sugerir a seguinte

conclusão errônea: antes de socializada, a fala poderia ter exercido outra função que

não a social (VYGOTSKY,1998).

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A fala egocêntrica não possui um interlocutor externo, mas um interlocutor

interno: a própria criança. A fala egocêntrica faz sucessão à comunicativa e,

posteriormente, irá transformar-se em fala interior (a fala interior desempenha

funções semelhantes às da fala socializada, mas não é exteriorizada). É utilizada

pela criança na resolução de percalços encontrados no desenvolvimento de suas

ações e atividades. Uma interrupção em uma atividade de pintura, por exemplo,

suscita a consciência sobre a própria ação de pintar:

Nossas descobertas indicam que a fala egocêntrica não permanece por muito tempo como um mero acompanhamento da atividade da criança. Além de ser um meio de expressão e de liberação da tensão, torna-se logo um instrumento do pensamento, no sentido próprio do termo – a busca e o planejamento da solução de um problema. (VYGOTSKY, 1998, p. 20)

Para Vygotsky (1998), sem dúvida alguma, a função primeira da fala é a

comunicação, seja ela emocional ou intencional. Quando intencional, é necessário

que não seja apenas a mera produção de sons combinados, mas sons significativos.

O significado é o elo entre o pensamento e a palavra, o que constitui o que Vygotsky

(1998) chama de pensamento verbal. Os fonemas, pequenas unidades fonéticas

que formam sílabas, quando escolhidos para compor uma palavra, já são eivados de

significados. Os traços distintivos são um exemplo: as palavras “faca” e “vaca”

possuem sons semelhantes. Mas, ao trocarmos o fonema /f/ pelo fonema /v/, há a

alteração do significado da palavra.

O mundo experimentado pela criança deve passar pelo processo de

generalização para que sua transposição para o universo simbólico – a palavra –

ocorra. As experiências da criança estão contidas em suas atividades psíquicas.

Não há como comunicá-las a não ser por um meio material: as combinações

sonoras significativas que conhecemos como palavras.

Cada palavra, ao ser produzida pela criança, contém uma experiência

generalizada por ela. O ato de tornar comunicáveis suas experiências é conduzido

por forças afetivas, emocionais e intencionais da criança, a partir de sua percepção

sensorial de determinado objeto da realidade que experimentou, generalizou e

materializou através da palavra.

Lev Vygotsky (1998) apresentou, no decorrer de Pensamento e Linguagem,

oportunos estudos a respeito da fala e do pensamento do homem. Um deles foi o de

William Stern (apud VYGOTSKY, 1998), responsável por atribuir à fala três funções:

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a expressiva, a social e a intencional. A primeira exterioriza as sensações do

homem. A segunda permite a interação com os demais indivíduos da sua espécie. A

terceira volta-se para a realização de um objetivo ou para a transmissão de

informações.

A palavra, primeiramente, era acompanhada pelo ato de apontar para a coisa

a ser nomeada. Seu significado era atribuído pela união entre ação e palavra8. Foi o

gesto que antecedeu a intenção na comunicação humana.

Outra investigação de grande valor mencionada por Vygotsky (1998) foi a de

Koehler e Yerkes, que forneceram inúmeras informações a respeito do

desenvolvimento da fala e do pensamento nos homens e nos animais irracionais.

Um estudo comportamental realizado com chimpanzés possibilitou evidências a

respeito de um intelecto primário nessa espécie. Os animais utilizavam-se de

utensílios – varas – para a resolução de uma situação problema: buscar o alimento.

Através de tentativa e erro e da constante presença do alimento e das varas em seu

campo visual, os animais uniam as ferramentas, permitindo que dispusessem dos

alimentos fora de alcance até o momento.

Os chimpanzés demonstraram também o uso rudimentar da fala. Seus

grunhidos eram emocionais e não intencionais. A espécie foi capaz de reproduzir

gestos humanos, mas não manifestações vocais articuladas, semelhantes às

humanas. A não-indicação da presença de sons articulados não demonstra que

esses animais não possuam uma linguagem criativa. A voz humana não é o meio

único utilizado para produzir linguagem – há os gestos, usados por crianças mudas,

por exemplo, para exteriorizar o pensamento.

O ponto principal que diferencia os chimpanzés do ser humano, no que diz

respeito à produção de linguagem, é a ausência da ideação9. Para os chimpanzés, o

____________ 8 Dá-se uma associação dessa função do gesto de apontar como substituto do nome, segundo

William Stern, à tese de Crátilo, que Platão expõe no diálogo que leva o nome desse filósofo grego do século V a. C. Crátilo não dava nome às coisas, contentava-se em apontá-las. Para o filósofo grego, as coisas recebiam seus nomes a partir de sua natureza. Como as coisas estão sempre em constante transformação, não caberia atribuir-lhes nomes porque estes nunca seriam adequados (PLATÃO, 2001).

9 A palavra “ideação” origina-se da “Teoria das Idéias” ou “das Formas” do filósofo ateniense Platão (1979). Toda a percepção humana das coisas externas que formam o mundo em que vivemos é a cópia do mundo das ideias. Um objeto concreto compartilha com outros objetos propriedades, ideias a respeito do próprio objeto. Uma bola de tênis é circular, leve, etc. Uma bola de futebol americano é oval e pesada. Ambas possuem atributos físicos diferentes. O que permite chamá-las de bola é a ideia que o homem constrói do objeto “bola”: instrumento utilizado em atividades esportivas, etc. A ideia sobre o objeto “bola” está contida na memória do homem. Ele não precisa vizualizá-la cada vez que necessitar fazer uso da palavra “bola”.

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uso das varas, que facilitava a obtenção de comida, só era realizado mediante a

visualização permanente da comida e da vara. Os gestos dos chimpanzés são

estimulados mediante o apelo visual dos objetos, ao contrário do que ocorre com o

homem.

Semelhanças também foram encontradas no comportamento dos animais em

relação ao comportamento das crianças: o uso do gesto, antecessor da

comunicação intencional. As crianças que ainda não produziram a fala já

desenvolveram o pensamento pré-linguístico, utilizando-se do ato de apontar ou de

algum instrumento para alcançar determinado objetivo.

Segundo Lev Vygotsky (1998), a descoberta das palavras pela criança é

acompanhada por gestos. O significado da palavra é construído a partir da união

entre palavra e gestos. À expressão vocal cá, une-se o ato de apontar para a

mamadeira, por exemplo:

No entanto, quando observarmos a criança em ação, fica bastante claro que não é somente a palavra mamã que significa, digamos, “Mamãe, me põe na cadeira”, mas o comportamento todo da criança naquele momento (seus movimentos em direção à cadeira, tentando agarrar-se a ela, etc.). Aqui, a orientação “afetivo-conativa” em direção a um objeto (nas palavras de Meumann) é ainda inseparável da “tendência intencional” da fala: ambas constituem ainda um todo homogêneo, e a única tradução correta de mamã, ou de qualquer uma das primeiras palavras, é o gesto de apontar. (VYGOTSKY, 1998, p. 37)

No princípio, a palavra é uma propriedade, qualidade do objeto que nomeia. A

criança não a percebe como um símbolo, uma representação em fonemas do objeto

ou ser em questão. Esse comportamento exigiria um grau maior de abstração, não

pertencente ao seu estágio de desenvolvimento atual. Por essa razão, o objeto

necessita ser visualizado, estar diante do seu olhar. A palavra, por si só, não o

recupera. Sua forma de elaboração mental necessita do concreto10. A partir do

momento em que a criança reconhece que para cada coisa há um nome, a atividade

psíquica e a fala encontram-se e constituem o pensamento verbal, ou seja, através

da palavra o pensamento infantil materializa-se e torna-se comunicável.

____________ 10 Usualmente, temos como exemplo crianças que levam para a escola um paninho velho ou uma

peça de roupa que representa seus cuidadores. A criança conhece as palavras “pai” e “mãe” e as relaciona com a figura concreta de um pai e uma mãe. Mas a não-permanência perto dos pais necessita sua recuperação, não pelas palavras “pai” e “mãe”, mas por um objeto que os represente.

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O mundo infantil é repleto de experiências. O ato de comunicá-las a um

interlocutor é uma situação problema. A criança necessita particularizá-las e transpô-

las, em combinações sonoras, para que se tornem comunicáveis pelas palavras.

Dessa forma, um conceito não pode ser transmitido à criança. O ato de contar

histórias apresenta-nos, de forma visível, um processo rico em construção de

significados11.

Experimento criativo foi elaborado por outro autor, L. S. Sakharov (apud

VYGOTSKY, 1998), para estimular a elaboração de conceitos12 em crianças pré-

escolares. Sakharov forneceu às crianças blocos de madeira: cinco cores, seis

formas, dois tipos de largura e duas possibilidades de altura. Na parte posterior dos

blocos, eram escritas, fundamentadas em suas características físicas, as seguintes

palavras, não pertencentes ao vocabulário nacional ou estrangeiro, até o momento

sem significado: lag, bik, mur, cev. Os blocos altos e largos continham o nome lag.

Os baixos e largos, a palavra bik. O vocábulo mur aparecia nos altos e estreitos. E,

____________ 11 Toma-se como exemplo o conto de fadas Joãozinho e Mariazinha (1989), que relata a história de

dois irmãos – Joãozinho e Mariazinha – abandonados pelo pai e pela madrasta na floresta em um ato de desespero por não possuírem mais alimentos para proverem o sustento dos filhos. As crianças encontram, pelo caminho, uma deliciosa casinha feita com os mais variados doces e habitada por uma bruxa. A velhinha, com um enorme nariz, grandes óculos e roupas velhas não aparenta, em um primeiro momento, ser uma exímia feiticeira. Através das guloseimas, atrai os irmãos para casa e aprisiona-os. A astúcia de Joãozinho e Mariazinha permite que vençam a maldade da bruxa e reencontrem o caminho de casa e seus pais. Após ouvirem essa história, se outros contos e lendas forem apresentados às crianças, contendo a imagem da bruxa e as características que a acompanham (velha, má, possuidora de poderes mágicos, etc.), elas estarão aptas para uma tentativa inicial de elaborar um conceito para a bruxa. Há, nesse processo, o ativamento de imagens na memória da criança, por associação e permanência de determinada experiência que será repetida cada vez que ouvir uma história sobre bruxas. A criança mostrará ser capaz de identificar o problema – o que seria uma bruxa – e criar uma imagem ou ver a imagem apresentada por esse problema. Ao formar o conceito para bruxa, estará simbolizando, porque a palavra, assim como a imagem, é, para a criança, o simbolizar da realidade.

12 Nas turmas pré-escolares do ano de 2008, foi apresentado um jogo (Anexo A) cujo objetivo era a formação de conceitos através da experiência infantil. O jogo era constituído por diversas imagens que compunham cinco grupos distintos: animais, alimentos, vegetação, pessoas e brinquedos. As crianças, para a realização da atividade, foram separadas em duplas. Os cartões com as imagens foram dispostos nas mesas, e a regra foi apresentada: a escolha de um cartão (por equipe) e o agrupamento dos demais cartões nos quais as imagens fossem parecidas com a do cartão inicial. Após a escolha dos cartões, um integrante de cada grupo relatou aos demais todas as ilustrações de sua equipe e, para o conjunto de cartões, um nome foi dado. As crianças, após a apresentação dos seus conjuntos, desenharam mais um cartão para completar o grupo. As que coletaram os cartões com itens usados para brincar deram o nome os brinquedos para seu conjunto. Quando questionadas sobre a escolha do nome, disseram que tudo o que havia desenhado ali “dava para brincar”. Foi desenhado, no novo cartão, um skate para completar o conjunto dos brinquedos . Como definição para skate, os dois participantes da equipe – um menino e uma menina – apresentaram informações complementares: o menino definiu skate como “uma coisa que a gente anda”. Para o objeto, a menina atribuiu o seguinte significado: “o que a gente usa para praticar esportes”. Nota-se que os conceitos foram correspondentes a um elemento, e não ao conjunto como um todo, e que o significado para o skate parte da sua função: prática de esportes.

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finalmente, cev constava nos objetos baixos e estreitos. O pesquisador solicitou às

crianças que agrupassem os blocos livremente. Aos poucos, combinações entre

blocos largos e baixos, e altos e largos eram feitas.

As crianças experimentavam os blocos, trocando suas combinações a todo o

momento. Houve, na atividade lúdica, a separação dos blocos largos e baixos dos

altos e largos. As crianças perceberam que a palavra contida na parte inferior dos

baixos – bik – não era a mesma escrita nos objetos de madeira altos e largos – lag.

As palavras bik e lag, antes sons vazios, passaram a ter significado a partir da

experiência das crianças ao manusearem os blocos de madeira. Ambas tornaram-se

conceitos.

A relação entre a palavra e o significado não é direta, ou seja, um significado

pode estar contido em mais de uma palavra ou uma palavra pode apresentar

significados diversos: “banco”, para a criança, é o local em que pode sentar-se e a

instituição onde o pai retira o dinheiro. Adultos e crianças partilham os referentes e,

nem sempre, o significado das palavras. A palavra “bolo”, para a criança, significa o

doce que é saboreado em festas de aniversário. “Bolo”, para os adultos, poderá

significar o alimento, uma quantia relativamente significativa de dinheiro ou, na gíria

popular, o não-comparecimento a algum compromisso, etc.

A imagem é a unidade fundamental para a formação dos conceitos

espontâneos. É através das propriedades visuais, como nos foi possibilitado

reconhecer nas atividades com blocos de madeira de Sakharov (1998), que a

criança aprende por meio dos órgãos sensoriais, possibilitando, dessa forma, a

formação do pseudoconceito. O exemplo que segue parece-nos elucidativo:

borboleta é um animal que voa. O papagaio também possui asas e pode voar. Logo,

a criança poderá ver um papagaio e chamá-lo de borboleta (VYGOTSKY, 1998).

Todos esses estágios correspondem a uma tentativa inicial de formação de

conceitos. A criança, através da interação com a realidade em que se insere,

constrói o seu mundo de experiências, que são comunicadas para os adultos e para

outras crianças. O número de experiências é infinito e precisa ser generalizado. A

generalização será apresentada em palavras e desenvolverá, na criança, a

capacidade de comunicação com o outro.

Na idade escolar, a capacidade inata de comunicação criativa, em língua

materna, irá encontrar a escrita: um símbolo para representar a fala da criança.

Surge, a meu ver, o ponto de maior impacto na aprendizagem da linguagem: a

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escrita jamais será a cópia fiel da fala. Exige um grau de abstração e consciência na

ação de formar palavras. A criança, entre os cinco e seis anos de idade, não

desenvolveu a capacidade consciente sobre suas ações. Para iniciar o processo de

escrita, precisa estar consciente dos sons que compõem cada palavra, apropriar-se,

através da observação e da memorização, dos símbolos alfabéticos, relacioná-los

aos fonemas que compõem as palavras e reproduzi-las, não oralmente, mas através

da escrita:

Saber ler e escrever é, na verdade, mais do que dominar um instrumento,

pois o usuário integra-se na prática social: o sujeito traz para a escola o seu

cotidiano, e o conhecimento adquirido volta para o cotidiano. Isso requer uma

metodologia que se concentre na linguagem escrita como forma de inserção na vida

do sujeito e deste na realidade letrada:

O ato de escrever consiste na representação gráfica do sistema fonológico da língua, pois “a escrita, produto histórico-cultural, tecnologia posta a serviço do homem, representa a linguagem sem ser dela transcrição” (ABAURRE, 1998, p. 6). A alfabetização constrói-se, assim, através de atividades de uso, contextualizadas e significativas da linguagem oral e escrita, bem como de atividades de análise e reflexão em condições de interlocução, sem a evidência de preconceitos lingüísticos. (VARELLA, 2001, p. 31)

No período escolar, a criança entra em contato com os conceitos científicos

apresentados pelos professores. Esses conceitos não são adquiridos através da

generalização das experiências da própria criança. Seus conteúdos são, por

diversas vezes, externos às experiências de mundo das crianças. A criança acaba

por não construir o conceito científico através da generalização das suas

experiências individuais e sociais, o que não deveria ocorrer. Os conceitos

científicos, usualmente, são transmitidos na escola. Cabe à criança atuar sobre eles

para poder compreendê-los. Um conceito científico poderá ser compreendido se

mediado pela experiência da criança:

Em primeiro lugar, com base na simples observação, sabemos que os conceitos se formam e se desenvolvem sob condições internas e externas totalmente diferentes, dependendo do fato de se originarem do aprendizado em sala de aula ou da experiência pessoal da criança. Mesmo os motivos que induzem a criança a formar os dois tipos de conceitos não são os mesmos. A mente se defronta com problemas diferentes quando assimila os conceitos na escola e quando é entregue aos seus próprios recursos. Quando transmitimos à criança um conhecimento sistemático, ensinamos-lhes muitas coisas que ela não pode ver ou vivenciar diretamente. (VYGOTSKY, 1998, p. 108)

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A criança dará início à elaboração de um conceito a partir do instante em que

desenvolver a consciência das operações mentais envolvidas na elaboração deste.

As tentativas para o seu desenvolvimento são experimentadas na infância. A

consciência requer uma transposição do nível concreto para o abstrato – em outras

palavras, construir na mente, através da imaginação, a ação e representá-la por

meio da palavra. O contar histórias é uma excelente atividade para o

desenvolvimento da imaginação:

Na idade em que estas estórias são mais significativas para a criança, seu problema principal é colocar alguma ordem no caos interno de sua mente de modo a poder-se entender melhor – uma preliminar necessária para adquirir alguma congruência entre suas percepções e o mundo externo. (BETTELHEIM, 2006, p. 69)

A Hora do Conto é imprescindível para o desenvolvimento de habilidades

iniciais de leitura e escrita, úteis para o decorrer dos anos de escolarização. Por

meio dos contos de fadas, por exemplo, a criança vai abstraindo uma significação

para os objetos, os seres e as sensações do mundo real. O medo, a morte, a

tristeza, a alegria e outras sensações são abstratas e necessitam das histórias

infantis para serem materializadas pela criança:

A estrutura dos contos de fadas e dos contos maravilhosos é extremamente simples, o que talvez contribua para seu sucesso junto às crianças. A narrativa inicia com uma situação de equilíbrio, que é alterada pela manifestação de carência ou conflito por parte do herói. A seguir, são apresentadas as peripécias vividas pela personagem, que, com a ajuda dos seres ou objetos mágicos, vence os obstáculos e emerge vitoriosa no final. Então, a situação de harmonia inicial é novamente instaurada. (VALE, 2001, p. 47)

Surge, assim, a hipótese de que o contato com histórias seria facilitador no

processo de construção de significados, o que será verificado nas práticas de leitura

com crianças pré-escolares.

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2 LITERATURA E CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS NA INFÂN CIA

2.1 LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE

O protagonista da narrativa apresentada na obra O Pequeno Príncipe é um

jovem príncipe, tão pequeno quanto os alunos da comunidade. Ele vive só, no

pequeno asteroide B 612. Certo dia, um vento forte traz ao seu lar um botão de flor.

A arrogante rosa, nascida desse botão, repele a atenção do menino. Decepcionado

por não encontrar na rosa qualquer demonstração de afeto, o jovem príncipe parte,

sozinho, para outros planetas, buscando a amizade.

As atitudes comportamentais do principezinho assemelham-se ao

comportamento de uma criança em uma situação real de convívio com o outro:

atitudes afetivas e intuitivas. O jovem príncipe busca, em sua primeira comunicação

com o aviador, a resolução de uma situação problema: em seu asteroide, não há

carneiros para comer os baobás, uma vegetação de crescimento rápido, capaz de

destruir, com suas raízes, o pequeno lugar em que vive. O carneiro seria útil porque

poderia comê-los. O príncipe pede insistentemente ao aviador que lhe desenhe um

carneiro. O aviador, perplexo ao ver o jovem com vestimentas nobres em meio ao

calor e ao vazio do Saara, procura descobrir, por meio de perguntas, seu nome, o

lugar de onde veio, etc. As perguntas feitas pelo adulto não são respondidas pela

criança, cujo objetivo é conseguir a posse do carneiro.

Esse comportamento relaciona-se ao da criança pré-escolar: entre os cinco e

os seis anos de idade, a criança utiliza-se da fala não com o intuito de comunicar

uma informação a um interlocutor, mas na tentativa de solucionar um conflito: no

caso da personagem da história, adquirir um carneiro e levá-lo ao seu asteroide.

Há, contida na fala do principezinho, a manifestação do pensamento mágico:

o pequeno príncipe não vê na folha de desenho a imagem de uma caixa que contém

o carneiro, mas a própria caixa que o abriga. Uma caixa que guarda o carneiro real,

e não a representação, através da imagem, de um carneiro:

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– Por favor... desenha-me um carneiro! – O quê? – Desenha-me um carneiro [...] – Mas... que fazes aqui? E ele repetiu, lentamente, como se estivesse dizendo algo muito sério: – Por favor... desenha-me um carneiro [...] Então, perdendo a paciência, e como tinha pressa em desmontar o motor, rabisquei o desenho ao lado. E arrisquei: – Esta é a caixa. O carneiro que queres está aí dentro. E fiquei surpreso ao ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz: – Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse carneiro? – Por quê? – Porque é muito pequeno onde eu moro... – Qualquer coisa chega. Eu te dei somente um carneirinho! Inclinou a cabeça sobre o desenho: – Não é tão pequeno assim. Olha, ele adormeceu... E foi assim que conheci, um dia, o pequeno príncipe. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 11-15)

A expressão linguística observada na comunicação entre o aviador e o

pequeno príncipe aproxima-se do pensamento do adulto, que atua, constantemente,

com conceitos abstratos. O diálogo final entre as personagens, indicando o retorno

do principezinho para o asteroide B 612, apresenta o conceito abstrato “morte”,

através da voz da criança. O príncipe conduz o aviador ao pensamento reflexivo

sobre sua partida, propondo a diferenciação entre a matéria e a essência. O

Pequeno Príncipe é picado por uma serpente do deserto. O aviador o encontra

quase sem vida sobre a areia.

O jovem justifica sua atitude através de suas palavras, atribuindo à picada

não uma agressão, mas a possibilidade de voltar para casa. O veneno permite o

abandono do seu corpo, cujo peso o impossibilitaria de regressar para casa. O que

fica é um objeto sem vida: o corpo do príncipe. O que permanece imortalizado na

imagem das estrelas é a essência do menino:

Naquela noite, não o vi partir. Saiu sem fazer barulho. Quando consegui alcançá-lo, ele caminhava decidido, num passo rápido. Disse-me apenas: – Ah! Aí estás... E segurou a minha mão. Mas preocupou-se de novo: – Fizeste mal. Tu sofrerás. Eu parecerei estar morto e isso não será verdade... Eu me calara. – Tu compreendes. É muito longe. Eu não posso carregar este corpo. É muito pesado. Continuava calado. – Mas será como uma velha concha abandonada. Não tem nada triste numa concha velha... (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 88).

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A palavra “cativar”, encontrada na narrativa de Exupéry, não pertence à

comunicação espontânea das crianças, foi apresentada em situação escolar de

convívio através de uma história infantil. Para a compreensão do significado

constitutivo de “cativar”, as crianças necessitam experimentá-lo em ações. É através

da comunicação da experiência de vida que as crianças iniciam a formação de

conceitos espontâneos. A experiência, no caso em estudo, é mediada pela

professora. Ela é responsável pela escolha de situações que oportunizem às

crianças a compreensão da nova palavra que lhes é apresentada – no caso,

“cativar”, um conceito científico, e não espontâneo.

É oportuna uma investigação a respeito da duplicidade de significados para a

expressão “cativar” e sua ausência na narrativa americana, francesa e espanhola.

Tem-se conhecimento de que o autor Antoine de Saint-Exupéry escreveu a obra O

Pequeno Príncipe (2006) em sua estada na cidade de Nova Iorque no início dos

anos 40. A primeira publicação foi em língua inglesa, a partir dos manuscritos

franceses. Na narrativa em língua inglesa, usa-se o vocábulo “tame”; em francês, a

expressão “apprivoiser”; e, em espanhol, a palavra “domesticar” – todas

correspondem à palavra “cativar” na tradução para a língua portuguesa. Nas línguas

inglesa, francesa e espanhola, há vocábulos correspondentes ao verbo “cativar”:

“captivate”, “captiver” e “cautivar”. O que provoca curiosidade é o uso de “cativar” na

tradução em português e a escolha de domesticar para as traduções estrangeiras. O

interessante, na busca por significados, é a origem das duas expressões, “cativar” e

“domesticar”: do latim “captivo” e “domesticos”. Para “captivo”, temos o significado

de “reter como priosioneiro”. A palavra “domesticos” significa toda e qualquer

experiência pessoal, particular ou pátria ou, ainda, indica os componentes da família

ou servos. “Cativar”, hoje, contempla um significado figurado para “capturar”:

prender o outro não pela força física, mas pela sedução e simpatia.

Nota-se que a escolha de um vocábulo e não de outro segue a interpretação

do autor e do próprio tradutor a respeito da história narrada. O diálogo em que as

expressões aparecem ocorre entre um ser humano – O Pequeno Príncipe – e um

animal selvagem – uma raposa. Em algumas interpretações, portanto, a raposa

recebe traços humanizados, o mesmo que ocorre nas fábulas e, em outras, assume

a posição de animal. A expressão “domesticar” – “apprivoiser”, “tame” e “domesticar”

– é utilizada, em maior proporção, em referência a animais irracionais, e não a seres

humanos. Quando utilizada para referir-se ao homem, conduz a uma interpretação

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pejorativa do ato que está por vir: o homem retorna a sua condição de selvagem, o

que faz necessário o ato de “domesticá-lo” para que possa conviver em sociedade.

A raposa, um animal selvagem, se domesticada, pode manter um convívio com o

príncipe. A personagem não apresenta características apenas instintivas. Ela fala,

pensa, escolhe suas palavras e conduz o principezinho à compreensão delas. A

raposa demonstra atitudes humanas, o que torna mais apropriada a tradução para

língua portuguesa, “cativar”, e não suas correspondentes em línguas estrangeiras

para a palavra “domesticar”.

A escola, no presente contexto social, apresenta-se como alternativa para

oportunizar às crianças experiências de interação e de trocas afetivas, valendo-se,

sobretudo, do trabalho com a literatura infantil. Na obra O Pequeno Príncipe13, há

uma personagem infantil para a completa identificação da criança e uma temática

que contempla valores como amizade, solidariedade e respeito, pouco presentes na

comunidade em estudo – razão pela qual se justifica sua escolha.

Como já se observou, a presença do protagonista infantil – o pequeno

príncipe – permite a verificação de uma linguagem e de uma forma de pensamento

que se aproximam das do desenvolvimento cognitivo infantil e que, outras vezes, se

distanciam dessas formas de desenvolvimento. As ações do jovem príncipe

condizem com as atitudes comportamentais das crianças pré-escolares; as

expressões linguísticas constitutivas dos seus diálogos aproximam-se, em

determinados capítulos, do discurso do adulto. Contudo, a obra escolhida é rica para

o trabalho literário em sala de aula porque possibilita a identificação com as ações

da personagem principal, permitindo também romper com os horizontes de

expectativas, sobretudo no que se refere às limitações de vocabulário, um desafio

para a compreensão da história e, certamente, uma possibilidade para construção

de novos significados, a partir de atividades lúdicas possibilitadoras de experiências

com as novas palavras.

____________ 13 A adaptação americana da obra O Pequeno Príncipe (2006) para o cinema, O Pequeno Príncipe,

de Stanley Donen de Lerner (1974), recupera a representação da personagem como animal e homem. A peça de teatro dirigida e adaptada por João Falcão e interpretada por Luana Piovani utiliza uma atriz para representar a raposa, ao invés de um fantoche ou qualquer outro boneco que indicasse um animal selvagem, e não um animal humanizado.

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O ponto de partida para o estudo da obra é a construção da narrativa feita por

Exupéry: ela é não-linear. As crianças do grupo em estudo estão expostas às

narrativas cujo início, meio e fim seguem uma trajetória temporal definida e imutável:

os contos de fadas. A expressão “era uma vez” indica um fato já ocorrido, o que

permite à criança distanciar-se dos acontecimentos apresentados pelo autor. O

sentimento de segurança está garantido porque o que passou não pode exercer

qualquer ação sobre a criança no agora. A narrativa apresentada por Exupéry une

dois tempos passados que dificultam a localização espacial da criança no ambiente

da história: o tempo em que o aviador encontrou o menino – visão do tempo sob a

perspectiva do narrador – e o tempo no qual o jovem príncipe partiu do seu asteroide

B 612, percorreu planetas, entre eles, a Terra, até o momento em que encontrou o

aviador. O autor apresenta memórias não coletivas (o que não ocorre nos contos de

fadas), mas individuais de um, dois ou mais personagens.

A exclusão da expressão “era uma vez” pode dar uma oportunidade de

mostrar às crianças que existem formas distintas de contar uma história, o que

possibilita a ampliação dos seus horizontes de expectativas. Ressalta, também, a

real importância de uma lembrança, uma tristeza e uma alegria, que lhe são

peculiares e poderão ser o mote para a narração de uma história.

O fragmento textual que inicia a narrativa de Exupéry apresenta um narrador

não satisfeito com a incapacidade do adulto de compreender os desenhos feitos

pela criança. Aos seis anos de idade, o aviador-criança, a partir da ilustração de uma

jiboia digerindo sua presa, resolve reproduzi-la e mostrá-la às “pessoas grandes”

presentes em seu convívio. A óptica adulta vê, no desenho do menino, um chapéu, e

não um réptil.

O desenho infantil é uma etapa anterior e necessária à construção mental que

a criança irá elaborar dos objetos e seres presentes em seu mundo de experiências.

Os primeiros desenhos apresentam as percepções provenientes dos estímulos

ocasionados pela ilustração da jiboia no livro: a criança desenha não o que ela vê,

mas como ela vê. Os desenhos, em uma fase posterior do desenvolvimento

cognitivo infantil, compreendem as características comuns dos objetos e seres

observados, compartilhadas entre os demais indivíduos (WADSWORTH, 1995).

Há, nessa breve análise literária, uma resposta possível para a

incompreensão do adulto para com o desenho do aviador-menino. Quando criança,

o aviador demonstrou interesse por uma ilustração de uma jiboia devorando uma

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presa. Fez o desenho da jiboia, a partir da percepção do réptil alimentando-se. Para

os adultos que observaram os traços do aviador, o desenho assemelhava-se a um

chapéu, e não a uma jiboia. Já adulto, o aviador apresenta a mesma imagem ao

pequeno príncipe – uma criança –, que a reconhece como uma jiboia:

Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois únicos desenhos que sabia: o da jibóia fechada. E fiquei surpreso de ouvir o garoto replicar: – Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia. A jibóia é perigosa e o elefante toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é de um carneiro. Desenha-me um carneiro. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 14)

O aviador disponibiliza inúmeras ilustrações de um carneiro para o

principezinho. Em uma de suas tentativas, o desenho que mostra ao menino

assemelha-se à representação de um bode, e não do animal solicitado: “Bem vês

que isto não é um carneiro. É um bode... Olha os chifres...” (EXUPÉRY, 2006, p. 14).

Para estabelecer a distinção entre um bode e um carneiro, foi necessária a

ideação (VYGOTSKY, 1998) a respeito dos dois animais, ou seja, o principezinho

reconhece as características observáveis de um bode e de um carneiro. Transpondo

essa experiência para um comportamento infantil observável, há uma criança que

conviveu com carneiros e bodes em suas experiências de mundo. Sua percepção

permitiu a observação de características semelhantes e distintas dos dois animais.

Houve o momento em que essas propriedades foram observadas, generalizadas, o

que possibilitou a formulação de uma imagem mental dos animais. O estímulo – o

desenho apresentado pelo aviador – não condizia com o esquema mental infantil

que continha a ideia de um carneiro, mas foi assimilado no esquema em que

estavam armazenadas as informações a respeito dos bodes.

A realidade mágica e as experiências reais nos esquemas mentais de uma

criança entre os cinco e seis anos de idade coexistem. A realização paralela entre

essas duas possibilidades de experiências são facilmente encontradas na narrativa

de Antoine de Saint-Exupéry. O Pequeno Príncipe acredita na existência de um

carneiro no interior de uma caixa desenhada pelo aviador, é capaz de conversar

com uma rosa, criar laços de amizade com uma raposa e ouvir o canto da roldana

de um poço. Objetos são animados, e animais são humanizados, o que oportuniza,

na narrativa, a representação do que Piaget (1993) chamou de pensamento mágico:

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– Esta é a caixa. O carneiro que queres está aí dentro. E fiquei surpreso ao ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz. – Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse carneiro? (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 14-15)

O desenvolvimento cognitivo infantil inicia com o processo de interação entre

a criança e o mundo. A interação, segundo Piaget (apud WADSWORTH, 1995),

ocorre de acordo com a experimentação do que é externo (objetos, animais e

pessoas) através da percepção sensorial. As generalizações provenientes das

experiências de mundo da criança, segundo Vygotsky (1998), são plausíveis de

comunicação para o outro em palavras. Há um momento na história escrita por

Exupéry em que o Pequeno Príncipe questiona o aviador sobre o que seriam “coisas

sérias” com que se preocupar. O menino relata enfaticamente ao adulto a história de

um indivíduo vermelho, enfadonho, que se preocupava unicamente com contas e

números. O homem vermelho apresentado pelo principezinho orgulhava-se de

conversar somente sobre coisas sérias. O seu orgulho em demasia permitiu que

inflasse e ficasse semelhante a um cogumelo. O pequeno príncipe, no diálogo do

autor, não mais denomina o sujeito de homem, mas de cogumelo.

O fragmento literário que contém a história do “homem-cogumelo” evidencia a

capacidade da criança de comunicar as coisas ao outro através de sua

experimentação do mundo. Uma criança real poderia ter experimentado o objeto, a

imagem e os sons da palavra “cogumelo” em um jardim, em uma gravura de revista

ou em uma receita lida pela mãe. Experimentou, percebeu e apreendeu as

propriedades do cogumelo. O homem que o principezinho conheceu possuía essas

características, logo, não era mais um homem, mas um cogumelo:

– Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão contas. E o dia todo repete como tu: “Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!” E isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo! (EXUPÉRY, 2006, p. 29)

O animismo – atribuir vida aos seres inanimados – também é característica do

comportamento infantil. Em sua visita ao planeta Terra, o jovem príncipe encontra

um jardim repleto de flores e com elas conversa:

– Bom dia! – disse ele. Era um jardim cheio de rosas. – Bom dia! – disseram as rosas. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 64)

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A personagem pequeno príncipe é a ilustração de uma criança do mundo

real, pronta para conhecer e experimentar o que há no planeta Terra, antes

desconhecido. As perguntas feitas pelo jovem príncipe exemplificam uma das

formas de comunicação descritas por Piaget (1993), característica da fala

socializada. O principezinho usa suas perguntas como forma de experimentar o

mundo e apreender seus significados. A pergunta “ que coisa é aquela?”, referente

ao avião, recebe como resposta não o que o avião é, mas para que ele é usado. Os

conceitos iniciais14 construídos pelas crianças são as funções que os objetos e seres

desempenham:

Assim, quando viu pela primeira vez meu avião (não vou desenhá-lo aqui, pois acho muito complicado), perguntou-me: – Que coisa é aquela? – Não é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu avião. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 15)

Há um diálogo da narrativa no qual o aviador e o príncipe contemplam o

perigo dos baobás, vegetação de crescimento rápido. No asteroide B 612, o

principezinho, todos os dias, ao acordar, arranca as primeiras raízes de baobás para

que não invadam o pequeno espaço em que vive. O príncipe anima-se com a ideia

de que os carneiros possam comer arbustos e, possivelmente, baobás. Quando

pergunta sobre essa possibilidade, o aviador lhe responde que “uma manada de

elefantes” não poderia arrancar um baobá. O jovem sorri ao imaginar-se carregando

consigo tantos elefantes. Não haveria espaço suficiente para acomodá-los em seu

planeta. Segundo o filósofo Paul Ricoeur (2000), no capítulo Metáfora e Símbolo, as

obras literárias mostram ao seu público leitor um “excesso de sentido”. Os sentidos,

em uma obra literária, podem ser figurados e literais:

A primeira razão concerne ao funcionamento da significação das obras da literatura enquanto opostas às obras científicas, cujas significações se devem tomar literalmente. A questão aqui é se o excesso de sentido, característico das obras literárias, é uma parte da significação ou se deve entender-se como um factor externo, que não é cognitivo e simplesmente emocional. (RICOEUR, 2000, p. 57)

____________ 14 Um exemplo de sala de aula é correlato ao apresentado no diálogo de Exupéry. Uma menina (seis

anos), ao ser indagada sobre o que seria um gato, respondeu: "o que mia”. Não definiu o gato como um animal, mamífero, coberto de pelos, mas o apresentou a partir de uma característica percebida por ela.

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O Pequeno Príncipe compreendeu literalmente a informação dada pelo

aviador. A criança não é capaz de identificar, com seus cinco e seis anos de idade, a

duplicidade de sentidos contida na expressão “manada de elefantes”: sentidos literal

e figurado. A informação literal seria: os baobás crescem muito rapidamente e

adquirem enormes proporções, logo, nenhum animal seria capaz de devorá-los,

quanto mais um pequeno carneiro. Em sentido figurado, o substantivo “carneiro” é

substituído pela expressão “manada de elefantes”, o que permite observar uma

semelhança entre o tamanho dos baobás em comparação ao tamanho dos

elefantes.

Inúmeros são os episódios narrativos que se aproximam da linguagem e do

pensamento infantis e aqueles que se assemelham mais à linguagem e ao

comportamento adultos. Em cada nova leitura da mesma obra, novas observações

tornam-se possíveis. Assim, após demonstrado o modo como a linguagem associa-

se ao pensamento infantil na narrativa O Pequeno Príncipe (2006), ao mesmo tempo

em que configura um universo de sentidos dificilmente acessível a um público infantil

sem um trabalho de mediação que possibilite sua apreensão, cabe, no próximo

capítulo, descrever o processo de recepção da obra em foco, tendo em vista o

objetivo de verificar o modo como se dá a apreensão de conceitos abstratos a partir

da experiência de leitura.

2.2 O PROCESSO DE RECEPÇÃO NA OBRA INFANTIL

Le Philosophe lisant, de Chardin, foi determinado a 4 de dezembro de 1734. Pensa-se que seja um retrato do pintor Aved, amigo de Chardin. O tema e a pose, um homem ou uma mulher a ler um livro aberto sobre uma mesa são frequentes. Constituem quase um subgénero de interiores domésticos. A composição de Chardin tem antecedentes nas iluminuras medievais em que a figura de S. Jerónimo ou de qualquer outro leitor é em si mesma ilustrativa do texto que ilumina. O tema continua a ser popular até bem entrado do século XIX (veja-se o famoso estudo de Courbet, de Baudelaire lendo, ou os vários leitores pintados por Daumier). Mas o motivo de le lecteur ou la lectrice parece ter desfrutado de particular preponderância durante os séculos XVII e XVIII e constitui um elo, de que toda a produção de Chardin foi representativa, entre o grande período dos interiores holandeses e o tratamento dos temas domésticos no estilo clássico francês. (STEINER, 2003, p. 15)

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O artista Jean-Baptiste Chardin retratou, em sua tela Le Philosophe lisant15 –

O Filósofo lendo –, o sujeito leitor do século XVIII e o caráter solene que foi

atribuído ao ato de ler na Europa da época. Conforme é representado na tela, ao

leitor era destinado um tempo específico para a leitura, ao prazer proporcionado por

ela. Um local determinado e apropriado para o ato de ler era previamente escolhido.

O sujeito leitor dispunha de um ambiente rico em silêncio e o auxílio de alguns

objetos necessários para dar seguimento à leitura: a pena, a ampulheta, etc. A pena

permitia ao leitor destacar, na própria obra, sua apreciação única a respeito da

leitura. A ampulheta indicava o tempo despendido no ato de ler, ou seja, algumas

horas eram reservadas para a leitura, o que a caracterizava como um hábito.

O tempo não foi um aliado da leitura. Hoje, é incomum a existência de uma

hora própria para desfrutar desse prazer. As crianças, por exemplo, muitas vezes

leem por obrigatoriedade imposta pelas escolas. A preocupação na escolha de

narrativas que encontrem os horizontes de mundo do pequeno leitor é quase nula. A

sociedade segue um processo de regressão cultural: se, no século XVIII, o ato de ler

recebia um caráter solene, como na percepção artística de Chardin, hoje, o tempo

que sobra nas salas de aula é o apropriado para a leitura e a narração de histórias.

Recuperar e oportunizar às crianças a Literatura Infantil em sala de aula, a

partir das turmas pré-escolares é permitir que desenvolvam a imaginação e

habilidades comunicativas, orais e escritas, no decorrer da vida escolar. Para tanto,

faz-se necessária uma metodologia que considere o papel do leitor no processo de

recepção da obra: a estética da recepção. Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de

Aguiar (1993), em sua obra Literatura: formação do leitor: alternativas

metodológicas, transpõem os princípios fundamentais da estética da recepção,

teoria oriunda da Escola de Constança, para as práticas de leitura em sala de aula.

O valor maior a ser alcançado através da utilização do método é o estudo da obra

literária em conjunto com os seus diversos contextos: histórico, social e cultural.

Para os teóricos dessa escola alemã, todo texto literário é transpassado por

lacunas a serem preenchidas pelos leitores em dado momento histórico. O

preencher lacunas é dependente da percepção sensorial que o sujeito leitor tem da

obra literária. A obra literária é escrita em dada época com suas características

____________ 15 Disponível em: <http://robertokles.lacoctelera.net/post/2008/03/07/malinconia>. Acesso em: 13 abr.

2009 (Anexo B).

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estruturais específicas. Seu público leitor não será sempre o mesmo;

consequentemente, a organização social, histórica e cultural à qual pertence será

outra.

O método recepcional tem como agente o leitor e como objetivo analisar a

forma como o leitor receberá um texto específico em dado momento histórico. No

entanto, pouco valor se tem dado ao leitor nas salas de aula. A análise da obra

continua dirigida ainda pelas velhas fichas de leitura, que propõem uma

interpretação superficial. As perguntas de interpretação promovem uma busca por

dados óbvios: “qual o autor da história?”, “qual o nome da história?”, “qual a

personagem principal da história?”, entre outras.

A interação é responsável pela concretização da obra, ou seja, é através da

prática de leitura que o texto literário ganha vida. Para que ocorra a interação, é

necessária a aproximação dos contextos históricos, sociais e culturais do leitor e do

texto. Hans Robert Jauss (apud AGUIAR; BORDINI, 1993), teórico da estética da

recepção, nomeou tais contextos de “horizontes de expectativas”.

O professor, na Educação Infantil, responsável pela apresentação do universo

das histórias infantis à criança (muitas vezes único responsável, uma vez que a

família das classes menos favorecidas, algumas vezes, não é participante das

atividades da criança), deve identificar os horizontes de expectativas próprios para

dada turma escolar. A definição ocorre a partir da observação minuciosa das ações

e reações dos alunos frente às diferentes práticas de leitura ocorridas no ambiente

escolar. Através da observação das atividades de desenho livre, das primeiras

interpretações teatrais, da escolha dos livros infantis na estante da sala de aula ou

na biblioteca da escola e das brincadeiras, entre outras, o professor estará apto a

identificar quais histórias, temas e personagens têm preferência entre as crianças.

O professor deverá possibilitar à criança o atendimento dessas expectativas

através da leitura, das dramatizações, das brincadeiras dirigidas e demais atividades

lúdicas relacionadas às histórias. Aos poucos, o professor selecionará histórias que

deverão divergir das apresentadas anteriormente. Essa ação torna praticável a

ruptura do horizonte de expectativas das crianças, possibilitando a apreciação de

uma história, sua comparação e diferenciação entre os temas apresentados, a

caracterização de algumas personagens, etc. A inserção de atividades lúdicas nas

práticas escolares da criança é gratificante e fundamental para a presença desta no

universo letrado.

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A determinação dos horizontes de expectativas do grupo de leitores pré-

escolares tem seu início com a investigação sobre o conhecimento de mundo que

trazem para a sala de aula. As experiências individuais e partilhadas de um grupo

social específico irão encontrar-se com as experiências de mundo do autor que

escreve dada obra. O passo inicial para a produção de um trabalho literário é a

consideração de um público leitor e o horizonte de expectativas desse público.

Neste estudo, os participantes das atividades de leitura pertenciam a uma

turma pré-escolar da rede estadual de ensino de Porto Alegre16. Às crianças é

vetado o direito de brincar no espaço em que moram por duas razões principais: o

temor dos pais de que seus filhos, ao brincarem de bolita, corda, sapata ou bicicleta

nas ruas, sejam alvos de armas de fogo ou de possível aliciamento pelos perigos

das ruas. Os jogos de video games – apesar da condição precária das famílias – são

uma das opções preferidas das crianças, situação que se reflete na formação do

leitor, conforme aponta Juracy Saraiva:

A leitura e a troca de experiências de leitura e de vida já não fazem parte dos encontros familiares. O encantamento oriundo de fábulas e de lendas, de narrativas fantásticas ou realistas, das histórias de vida, marcadas por fracassos e sofrimentos ou por sucessos e alegrias, bem como o ludismo dos jogos poéticos não mais agregam a família em torno de um círculo solidário e cedem lugar a programas televisivos ou aos jogos eletrônicos, comprovando a afirmação de procedimentos que estimulam o individualismo e empobrecem o sujeito em sua capacidade de diálogo. (SARAIVA, 2001, p. 24)

Definido esse público leitor, é importante levar em consideração, na escolha

da obra a ser lida, a relação que esta estabelece com a realidade em que vivem os

leitores e as condições próprias de suas experiências. Trata-se de uma obra literária

– O Pequeno Príncipe (2006) – cuja temática central – a importância de cativar o

outro – se faz necessária nas experiências de vida das crianças. A carência afetiva

do público leitor justifica a escolha da obra.

____________ 16 A pesquisadora atua como professora da Educação Infantil na Escola Estadual de Ensino

Fundamental Piauí há três anos. O contato diário com a comunidade escolar possibilitou a observação, a análise e a descrição das condições econômicas e sociais dos familiares e cuidadores das crianças participantes do estudo.

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As crianças participantes deste estudo pertencem a famílias cujo contato com

a literatura é mínimo. O desemprego e a escolarização incompleta dos pais ou dos

responsáveis – muitos não concluíram as séries finais do Ensino Fundamental – os

distanciam da leitura. As dificuldades encontradas em compreender o código da

escrita não são estímulos positivos para a experiência com a literatura.

Observada a ausência, não total, mas significativa, do contato com os livros

de histórias em entrevistas17 realizadas com os pais ou responsáveis pelas crianças

no início do ano letivo, fez-se necessária a inclusão diária da Hora do Conto em sala

de aula. Entre as histórias apresentadas às crianças, encontra-se a de Antoine de

Saint-Exupéry – O Pequeno Príncipe (2006) –, objeto de estudo desta dissertação.

____________ 17 No início de cada ano letivo, a comunicação e a interação entre os professores e a comunidade

escolar é prioridade da escola. São realizadas reuniões coletivas e individuais com os responsáveis pelas crianças. Nas reuniões coletivas, a Direção e o Corpo Docente da Instituição apresentam o ambiente escolar aos membros da comunidade. As reuniões individuais acontecem nas respectivas salas de aula. Os pais ou cuidadores das crianças são entrevistados pela professora, o que permite a coleta de dados econômicos, sociais e afetivos das famílias.

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3 ATIVIDADES DE MEDIAÇÃO DE LEITURA

3.1 ANTECEDENTES

Se uma criança aceita como verdade o que seus pais lhe dizem – que a terra é um planeta mantido firmemente em seu caminho pela gravidade – então a criança só pode imaginar que a gravidade é uma corda. Assim, a explanação não conduziu a uma melhor compreensão ou a um sentimento de segurança. [...] Tais crianças repetem como papagaios explanações que de acordo com sua própria experiência de mundo são mentiras, mas que devem acreditar que são verdadeiras porque algum adulto assim o disse. A conseqüência é que as crianças passam a desconfiar da sua própria experiência, e por conseguinte delas mesmas e do que suas mentes podem fazer por elas. (BETTELHEIM, 1980, p. 62)

A interação entre as crianças pré-escolares e o texto literário infantil esteve

presente no planejamento escolar desde o início do ano letivo de 2006. No ano

mencionado, a pesquisadora assumiu a docência de uma turma de Educação Infantil

de uma escola pública. O projeto inicial de trabalho foi a elaboração, ao final do ano

letivo, de um livro de histórias com ilustrações e textos das crianças. O projeto,

denominado Pequenos Autores, possibilitou às crianças o contato com os livros de

narrativas infantis no ambiente escolar. Diariamente, uma hora de aula era destinada

à narração de histórias pela professora e pelas crianças do grupo escolar. O grupo

não dispunha de muitos livros de histórias em sala de aula. Para solucionar a

questão, as crianças foram associadas à biblioteca escolar. Uma vez por semana,

além do tempo aproveitado em sala de aula para a narração das histórias, os alunos

tinham acesso a uma variedade de contos de fadas, fábulas, lendas, poesias, etc.

Em julho do ano de 2006, as crianças apresentaram para a Direção, a

Supervisão e demais turmas de Educação Infantil o conto de fadas Branca de Neve

(GRIMM, 1989) através da representação teatral. As roupas, os cenários e os

diálogos para a apresentação da peça foram produzidos pelas crianças com o

auxílio da professora. No mês de agosto de 2006, dentro da unidade temática

Germinação, as crianças representaram para a segunda turma pré-escolar do turno

da tarde a história João e o Pé de Feijão (BELLINGHAUSEN, 2006). Cada criança,

ao final do ano, escolheu contar uma história e desenhá-la. A professora coletou, por

escrito, falas e ilustrações. As produções infantis foram encadernadas e integraram

o livro da turma.

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No ano de 2007, a ênfase no processo de apresentar às crianças o universo

das histórias infantis teve continuidade. Foi no projeto temático Família e Valores

que a história de Antoine de Saint-Exupéry O Pequeno Príncipe (2006) foi narrada,

pela primeira vez, em uma atividade da Hora do Conto. A partir da apresentação da

narrativa às crianças, uma adaptação para o teatro foi produzida. Roupas, fantoches

e demais objetos referentes à história foram idealizados em sala de aula.

A pesquisadora participou, no mesmo período, de um grupo acadêmico de

narração de histórias: O Grupo Paralendas. Os alunos participantes da atividade

eram oriundos dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Letras do Centro

Universitário Ritter dos Reis18. A obra O Pequeno Príncipe (2006) estava entre os

textos literários escolhidos para a elaboração de atividades para crianças. Alguns

episódios da narrativa de Exupéry (2006) foram adaptados e encenados para alunos

pré-escolares e para crianças de outras instituições de ensino – particulares e

públicas – na Feira do Livro de Porto Alegre do ano de 2007. Para a apresentação, a

pesquisadora caracterizou-se com roupas semelhantes aos trajes do principezinho19.

A ênfase na aproximação entre as crianças e os livros de histórias infantis

principiou no ano de 2006 e persistiu nas turmas pré-escolares de 2008. Partiu-se do

pressuposto de que o processo de interação entre as crianças e o meio ambiente

onde estão inseridas é o que permite o conhecimento. Nada lhes é ensinado quando

não mediado por suas próprias vivências infantis. Ao adulto, cabe a promoção de

atividades possibilitadoras para o desenvolvimento integral.

As teorias de Jean Piaget (1993 e 1995) e Lev Vygotsky (1998) são

inspiradoras para a análise das atividades de leitura elaboradas, as quais se

organizam segundo os pressupostos teóricos da estética da recepção, de Hans

Robert Jauss, conforme apresentados por Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de

Aguiar (1993). Tanto Piaget quanto Vygotsky partem da ideia de que nada é

ensinado sem a mediação da experiência. Seus escritos foram produzidos a partir

da observação e da interação dos autores com o público em questão: as crianças. A

experimentação de hipóteses a respeito do desenvolvimento infantil conduziu ao

____________ 18 As atividades de apresentação de histórias, contos e lendas foram coordenadas pela Professora

Drª Regina da Costa da Silveira. 19 A representação da história O Pequeno Príncipe (2006) também foi levada a uma turma de quarta-

série do Ensino Fundamental da Escola Crescer, instituição de ensino privada (Anexo C).

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conhecimento e, sucessivamente, à comunicação das experiências através do texto

escrito.

3.2 CARACTERIZAÇÃO DO PÚBLICO PARTICIPANTE

As crianças participantes das atividades de leitura são alunas de uma escola

estadual da rede pública de ensino (localizada na Grande Vila Cruzeiro) e estudam

no turno da manhã (catorze crianças entre cinco e seis anos de idade). A escola,

para muitas famílias do Beco do Sorriso, nome dado pelos moradores à localidade, é

um local seguro para deixar seus filhos enquanto trabalham. Os pais ou

responsáveis desempenham funções empregatícias diversas, como as funções de

papeleiro, gari, diarista, mecânico. No turno correspondente ao do trabalho de seus

cuidadores, as crianças são matriculadas na escola.

Algumas crianças são mais assíduas na participação das atividades

propostas pela escola. A ausência de um número significativo de alunos na

Educação Infantil dá-se por razões diversas: a não-obrigatoriedade da Educação

Infantil, o difícil acesso à escola em dias de chuva e nos meses frios, etc. O

ambiente escolar impede que as crianças se aproximem de armas de fogo, afasta-as

de violências domésticas, etc. É a escola o local onde muitas recebem suas

primeiras refeições diárias completas e encontram a possibilidade de usufruir da

infância ao ouvir histórias, manusear jogos, brincar com bolas e cordas no ginásio,

etc. Em casos específicos, alguns alunos, no turno em que não estão na escola,

auxiliam seus cuidadores no trabalho diário. Duas crianças frequentam, no turno

oposto ao do estudo, a Creche Municipal Santa Anita (localizada nas imediações da

escola), por opção dos pais.

A realidade familiar das crianças é distinta. Há crianças cujos pais estão

detidos na Penitenciária Estadual e são educadas pelos avós; há filhos de

adolescentes; crianças com necessidades físicas e alimentares, etc. As experiências

diversas de vida não inibem a participação das crianças nas atividades de leitura de

histórias infantis.

A partir dos primeiros dias de aula, há a proposta de uma rotina, cuja função é

permitir que as atividades escolares fluam da melhor forma possível durante as vinte

horas semanais em que as crianças permanecem no ambiente escolar. O trabalho

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escolar inclui atividades com materiais didáticos (fotocópias e uma apostila, montada

pelas professoras e elaborada em concordância com o Plano de Ensino para o ano

letivo escolar), atividades lúdicas (músicas, sessões de vídeo, apresentações de

teatro, competições esportivas, festas temáticas, Hora do Conto, etc.) e atividades

que ocorrem fora do ambiente escolar (visita à Feira do Livro, participação em

teatros infantis, ida ao zoológico, passeio ao cinema, etc.).

Os alunos, em sala de aula, acomodam-se em pequenos grupos (com cinco

lugares cada) cujos participantes são alternados semanalmente. A disposição física

do ambiente facilita a interação entre as crianças, o que permite também que um

colega auxilie o outro nas atividades propostas e que uma criança participe das

atividades com colegas de grupos diferentes.

As crianças, no início do ano letivo, são convidadas a trazer para a biblioteca

da sala livros de histórias, usados ou novos e, desde o primeiro dia de aula, estão

em contato com as atividades literárias da Hora do Conto, apresentadas pela

professora e pelos alunos. Além dos livros escolhidos pelas crianças, a seleção de

obras infantis engloba autores como Ana Maria Machado, Cecília Meirelles, Charlles

Perrault, os irmãos Grimm, José Saramago, Mário Quintana, etc. As obras

escolhidas possuem temáticas necessárias para o desenvolvimento cognitivo

infantil. Os contos de fadas, por exemplo, permitem à criança o encontro com

angústias internas, não visíveis em situações reais de convívio: o crescimento, o

nascimento do irmão menor, a perda dos pais, o abandono da família, as situações

de maus tratos, etc.

Diariamente, são apresentadas histórias infantis na Hora do Conto. As

professoras, nas primeiras semanas de aula, oportunizam um tempo destinado à

narração de histórias pelas próprias crianças, que são responsáveis pela escolha do

livro que desejam compartilhar com os demais colegas. São utilizados, para a

atividade lúdica, recursos visuais e sonoros diversos que cativam a criança para o

mundo imaginário dos contos de fadas, das fábulas, da poesia, etc. Entre os

recursos usados, estão os fantoches, os livros sonoros, as histórias cantadas, o

teatro de dedoches, as adaptações dos clássicos infantis para o cinema, teatro, etc.

Por mais que as crianças escolham o mesmo livro com certa frequência, a história

nunca parece ser a mesma. Uma narrativa própria é acrescentada às narrativas de

Perrault, Grimm, Ana Maria Machado, entre outros, o que as torna únicas cada vez

que são apreciadas.

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O planejamento das aulas é formulado em conjunto pelas professoras a partir

de sua área de atuação. As atividades são apresentadas às crianças em forma de

projetos temáticos (semanais, quinzenais e mensais). O tema para cada programa

compreende datas comemorativas universais (Páscoa, Dia das Mães, etc.), eventos

especiais (Olimpíadas, Copa do Mundo, etc.), comemorações e feriados regionais

(Semana Farroupilha, Aniversário e História da Cidade de Porto Alegre, etc.) e

tópicos de interesse das crianças (O Espaço, o Folclore20, etc.).

Há duas professoras titulares para as três turmas pré-escolares que

compõem a Educação Infantil da respectiva escola: uma turma no turno da manhã e

duas no turno da tarde. As atividades de leitura foram realizadas com a turma pré-

escolar do turno da manhã, da qual a autora do estudo não é a professora titular.

Quanto à coleta de dados, esteve fundamentada na observação participante da

pesquisadora, ou seja, a pesquisadora conviveu com os participantes da pesquisa,

tornando-se também sujeito desta. O estudo propôs a investigação natural dos fatos

a serem observados: a investigadora participou da comunidade onde as atividades

foram desenvolvidas. A pesquisa é qualitativa, o que exigiu da pesquisadora

sensibilidade, boa percepção de fatos, capacidade de estabelecer confiança com os

sujeitos participantes do projeto, capacidade de ouvir e formular perguntas

adequadas, familiaridade com as questões investigadas, adaptação para situações

inesperadas e paciência ao atribuir significado aos resultados obtidos. A proposta de

apreciação e compreensão da narrativa O Pequeno Príncipe (2006) pelas crianças

esteve inserida em uma unidade temática maior: o Sistema Solar. As crianças

manusearam e interagiram com obras literárias, filmes e atividades lúdicas

referentes aos astros e planetas que constituem o nosso Universo e que também

estão presentes na narrativa de Exupéry (2006).

____________

20 A coleta de dados dispôs das anotações manuais da pesquisadora. Foram utilizados também, para a obtenção dos dados de pesquisa, um gravador e uma câmera digital de capturação de imagens. A gravação das falas e imagens das crianças foi de uso pessoal, e não público. A identidade das crianças participantes foi preservada, e seus nomes foram substituídos por pseudônimos (pseudônimos coletados das histórias infantis). Os pais ou responsáveis foram informados a respeito da realização das atividades e permitiram a participação das crianças. Foram feitas e entregues cópias dos Termos de Consentimento para a Direção da Escola e para os responsáveis pelas crianças.

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3.3 PROCEDIMENTOS DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES

As atividades apresentadas no decorrer deste capítulo propõem verificar, na

prática de leitura da obra O Pequeno Príncipe (2006), o processo de elaboração de

significados por crianças em idade pré-escolar por meio da linguagem verbal oral,

tendo por base os fundamentos teóricos de Jean Piaget (1993 e 1995) e Lev

Vygotsky (1998). Dois questionamentos iniciais provocaram o interesse para a

produção do trabalho:

– A representação da linguagem na obra O Pequeno Príncipe está

associada à manifestação do pensamento infantil?

– Como a obra se comunica com a criança em idade pré-escolar e de que

forma ocorre o processo de construção de significados?

Na obra de Exupéry (2006), há fragmentos literários em que o protagonista

atua e se comunica de forma semelhante à de uma criança com cinco e seis anos

de idade; em outros, seu pensamento, apresentado em palavras, assemelha-se às

reflexões adultas. A escolha de uma obra literária que é destinada ao jovem leitor e

que se mostra, na narrativa, guardiã das características comportamentais desse

mesmo público possibilitou a investigação da primeira questão de pesquisa

constitutiva do estudo.

A interação da criança com o texto literário permite a análise da segunda

questão de pesquisa, que busca conhecer o processo de comunicação da criança e

o produto desse ato: a construção de significados. A hipótese de que a literatura

infantil – em outras palavras, o contato entre a criança e o texto literário – possibilita

a construção de significados e, posteriormente, uma tentativa inicial de formação de

conceitos científicos no ato de comunicar para o outro o que foi significativo é

passível de verificação nas atividades de leitura oportunizadas às crianças pré-

escolares participantes do estudo.

Para a apresentação das atividades às crianças pré-escolares, um roteiro

com atividades práticas de leitura foi produzido pela pesquisadora. As perguntas

apresentadas no roteiro de atividades possibilitaram o direcionamento para aspectos

considerados significativos na narrativa. Na aplicação das atividades, o rumo dos

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questionários alterou-se a partir da participação das crianças, ou seja, algumas

questões foram acrescentadas às propostas iniciais de atividades de leitura.

As atividades de leitura desenvolveram-se em cinco dias letivos. O objetivo do

estudo não foi a apresentação do texto literário integral, pois a obra completa é por

demais extensa, o que poderia distanciar o interesse da criança pela história. Houve

a seleção dos seguintes episódios narrativos da obra: o encontro do príncipe com o

aviador; o diálogo estabelecido entre a rosa e o pequeno príncipe; o contato do

principezinho com a raposa em sua visita ao planeta Terra; a aproximação do

menino com a serpente do deserto. A seleção dos segmentos narrativos não foi

aleatória. Um tema comum entrelaça os quatro episódios e determina a escolha: a

necessidade de interação com o outro. Há, nos capítulos escolhidos, o diálogo

permanente entre o príncipe e as outras personagens integrantes da narrativa. A

cooperação, a solidariedade, a amizade e o afeto são percebidos pelas crianças ao

se manter uma comunicação com a história escolhida.

A oralidade fez-se presente na realização das atividades de leitura. Os quatro

episódios foram narrados para as crianças pré-escolares em processo inicial de

alfabetização. Os episódios foram lidos respeitando-se a sequência temporal da

narrativa de Exupéry. Entretanto, devido à extensão do texto literário, suas

apresentações foram feitas em dias alternados.

Foram acrescentadas à narrativa perguntas sobre objetos, personagens e

ações pertencentes à história, como, por exemplo: “O que é um deserto?”; “Em qual

local vivem os carneiros?”; “Quais os alimentos necessários para uma rosa?”, etc.

Os questionamentos intercalados com a narrativa foram pertinentes porque

possibilitaram às crianças maior compreensão da história. Para a narração dos

episódios, a professora dispôs da obra literária unicamente. Já na elaboração das

atividades de leitura, as crianças obtiveram acesso a materiais diversos, como

fantoches, sucatas, gravuras, etc.

A presença não constante das catorze crianças em todos os dias nos quais

foram realizadas as atividades ocasionou a necessidade de uma retomada do

episódio apresentado anteriormente, além da introdução do novo episódio narrativo.

A pesquisadora não leu, novamente, os episódios anteriores ao dia da ausência de

um ou mais alunos, mas os retomou, oralmente, solicitando o auxílio dos alunos que

estavam presentes nos dias das narrações para que ajudassem professora a contar

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a história. O quadro que segue indica a frequência das crianças na participação das

atividades:

Pseudônimo e registro das crianças participantes

1º dia

2º dia

3º dia

4º dia

5º dia

Potter x x x x

Peter x

Tom x

Pedrinho x x x x

Marcelo x

Gulliver x x x x x

Lili x x x x x

Emília x x x x x

Alice x x x x

Arthur x

João x x x x

Ali x x x

Aladin x

Sebastian x x

Quadro 1: Frequência dos alunos nas atividades Fonte: dados da pesquisa

A atividade introdutória de aplicação do roteiro – primeira atividade – consistiu

na apresentação de uma imagem da narrativa de Antoine de Saint-Exupéry – o

encontro do príncipe com a raposa (aquarela ampliada para melhor visualização).

Após a apresentação da ilustração, perguntas feitas pela professora, referentes à

percepção visual dos elementos constitutivos da imagem, serviram como orientação

para a prática. Antes da apresentação do texto literário às crianças, a imagem que

ilustra a capa do livro foi deixada ao alcance do campo visual infantil, e perguntas

foram determinadas para uma leitura significativa da imagem.

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A apresentação do episódio narrativo do encontro do aviador com o príncipe

foi a segunda atividade de leitura. O término da narrativa correspondeu ao instante

em que o príncipe recebeu o desenho tão solicitado: uma caixa que guardava um

carneiro. Para as crianças, foi solicitada a ilustração de presentes que gostariam de

oferecer ao pequeno príncipe. A atividade esteve inclusa em um contexto mágico, no

qual todos os desenhos, armazenados em um envelope e entregues ao príncipe,

dispunham da possibilidade de ganhar vida no instante em que ultrapassassem o

planeta Terra em direção ao asteroide B 612.

O segundo dia foi preenchido com a aplicação da terceira atividade de leitura.

A prática contemplou a apresentação do episódio narrativo sobre a descrição do

asteroide B 612 e a chegada do botão de rosa em seu solo. As crianças

representaram as personagens da história: os meninos foram os príncipes, e as

meninas, as rosas. Coube aos meninos o ato de decorar folhas para as rosas com

papéis verdes e cola com glitter. O objetivo da atividade correspondeu à atribuição

de características para a rosa da narrativa. Para cada folha anexada à rosa

desenhada, uma característica da rosa era apresentada, oralmente, pelas crianças.

Para o terceiro dia de aula, duas atividades foram preparadas. A quarta

atividade iniciou com a apresentação da ilustração do encontro do príncipe com a

raposa (imagem já apresentada na atividade introdutória), seguida da narração do

mesmo episódio. As crianças, a partir do relato ouvido, elaboraram suas próprias

ilustrações em folhas de desenho.

A quinta atividade integrou a reapresentação do encontro do principezinho

com a raposa. Perguntas a respeito da palavra “cativar” foram feitas para as

crianças; logo após, as crianças obtiveram acesso à seleção de gravuras de

revistas, com a finalidade de atribuir adjetivos aos elementos presentes nas

imagens. As crianças observaram gravuras em que os indivíduos retratados

representavam situações alegres ou tristes. As crianças puderam escolher

livremente suas gravuras.

Duas caixas foram posicionadas, no fundo da sala, sobre classes vazias. Para

o grupo escolar, foi dito que cada caixa receberia um tipo de figura. A gravura

selecionada para uma caixa não poderia ser adicionada na outra. Cada criança foi

convidada a apresentar sua gravura para os colegas do grupo e adicioná-la a uma

das caixas. Cada criança descreveu detalhadamente sua figura. Posteriormente à

separação das figuras nas caixas, um nome, escolhido em grande grupo, foi

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atribuído para cada uma das caixas. A imagem introdutória do roteiro de práticas de

leitura foi apresentada uma vez mais para as crianças. Coube-lhes a função de

decidir em qual caixa a imagem seria depositada.

Foi durante o quarto dia de atividades que as crianças ouviram o episódio em

que se encontram o príncipe e a serpente do deserto (sexta atividade). As crianças

demonstraram seus conhecimentos sobre os répteis e, com bolas de jornal

amassado e pés de meias de nylon, confeccionaram suas serpentes.

No quinto e último dia para a realização de práticas de leitura, uma

representação diferente para uma mesma história foi destinada ao público infantil: o

filme de Stanley Donen O Pequeno Príncipe (1974). Já em sala de aula, um

levantamento a respeito de alguns aspectos significativos dos diálogos da adaptação

da história para o cinema foi realizado oralmente com as crianças (sétima atividade).

O encerramento (oitava atividade) consistiu na apresentação da história pelas

crianças participantes. As crianças produziram fantoches do principezinho com

materiais disponíveis em sala de aula. Os fantoches por elas produzidos foram

facilitadores da recuperação da história apreciada.

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4 A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS: ANÁLISE DOS RESULTAD OS

Alguns educadores concluíram que, em virtude das crianças desenvolverem seus conhecimentos a partir de suas experiências no meio ambiente, não há lugar para o professor na teoria piagetiana. Isto é absolutamente falso. A verdade é que o professor que está tentando ensinar de modo consistente com a teoria de Jean Piaget gasta consideravelmente menos tempo em dar aulas expositivas às crianças e menos tempo em fazê-las adquirir um conhecimento através de ditados e de cópias. Mas o papel do professor continua central na sala de aula piagetiana. É ele que basicamente decide as experiências que irão compor o ambiente escolar. Além do mais, o professor é aquele que se encontra em melhores condições de decidir as experiências que os alunos estão prontos para adquirir. (WADSWORTH, 1995, p. 180-181)

O pesquisador e professor Barry Wadsworth, autor da obra Inteligência e

afetividade da criança na Teoria de Jean Piaget (2005), encontrou, na leitura

desatenta dos estudos piagetianos por alguns educadores, a impressão de ausência

da atuação do professor no processo do desenvolvimento cognitivo infantil.

Adiciona-se a essa leitura outra falsa premissa: há quem considere o professor um

agente na transmissão de conteúdos escolares. Para Jean Piaget (apud

WADSWORTH, 1995, p. 11), o “conteúdo é o que a criança conhece. Refere-se aos

comportamentos observáveis – sensório-motor e intelectual – que refletem a

atividade intelectual”. O professor, no processo do desenvolvimento cognitivo infantil,

desempenha a ação de escolher e apresentar práticas escolares significativas às

crianças.

Uma turma composta por catorze crianças entre cinco e seis anos de idade

interagiu com oito atividades práticas de leitura, as quais foram intercaladas, pela

professora, por quatro episódios narrativos: o encontro entre o aviador e o príncipe

no deserto africano, a chegada da rosa ao asteroide B 612, o convívio social entre o

principezinho e a raposa e os diálogos com a serpente do deserto.

O estudo esteve inserido em uma unidade temática maior: o projeto Sistema

Solar. A prévia apresentação de elementos constitutivos do nosso Sistema Solar

pareceu necessária para a futura compreensão da história O Pequeno Príncipe

(2006). A narrativa de Antoine de Saint-Exupéry faz menção a elementos

pertencentes ao universo espacial: planetas, asteroides, etc. Um conhecimento

inicial a respeito desses elementos facilitou a compreensão e apreciação da história

pelas crianças. Há o pressuposto de que um texto com informações inteiramente

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conhecidas não move a curiosidade infantil e se torna cansativo para os pequenos

leitores. Um texto com excesso de informações novas distancia a criança da leitura

por não ser compreendido por ela. A elaboração do projeto Sistema Solar propiciou

o equilíbrio entre o conhecimento dado e o novo, bem como o prazer pela realização

das atividades de leitura.

O início do projeto ocorreu com a leitura da obra infantil O Ônibus Mágico –

Perdidos no Sistema Solar (1999), de Joanna Cole e Bruce Degen. Na narrativa, há

uma turma escolar que faz uma viagem espacial com sua professora a bordo de um

ônibus escolar mágico. No decorrer do passeio, as personagens da história têm a

oportunidade de conhecer planetas, estrelas e demais elementos constitutivos do

Sistema Solar. Após a apresentação da narrativa para as crianças pré-escolares, foi

confeccionado, com sucata, o Sistema Solar.

A segunda atividade pertencente ao projeto consistiu na apreciação do filme21

Zathura, uma Aventura no Espaço, dirigido por Jon Favreau (2005). O roteiro do

filme apresenta três irmãos que descobrem um jogo de tabuleiro sobre uma aventura

em outras galáxias. Em cada arremesso dos dados, os deveres de cada jogador não

mais pertencem ao plano do tabuleiro: eles ganham vida, e as crianças inserem-se

em uma aventura espacial.

Após assistirem ao filme, os alunos, já em sala de aula, fizeram uma

exploração oral sobre as coisas que podem ser encontradas no espaço. As crianças

apresentaram os nomes de elementos pertencentes à história narrada na aula

anterior e palavras relacionadas ao filme que assistiram: Sol, planetas, Lua, buracos,

pedras, água, extraterrestres, foguetes, astronauta, nave espacial, estrelas, etc.

Cada criança fez a escolha de um item para a representação através do desenho.

Às produções artísticas, foram acrescentados os objetos elaborados na aula

anterior, e um painel foi montado com o título O que tem no Espaço? (Anexo D).

As atividades sobre o Sistema Solar foram realizadas nas três turmas pré-

escolares, com a participação da professora titular correspondente. A professora da

turma da manhã fez os relatos e observações a respeito desta prática inicial – bem

como o registro das imagens dos trabalhos das crianças, através de câmera

____________ 21 A escola mantém uma sala temática na qual as crianças quinzenalmente assistem a filmes

previamente escolhidos pelas professoras. O material usado para a decoração da sala (cartazes de filmes infantis e infanto-juvenis) foi doado por uma professora da Instituição, proprietária de uma locadora de vídeos.

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fotográfica – e disponibilizou as informações coletadas à professora e autora da

dissertação.

As mentes das crianças dispõem de estruturas cognitivas que proporcionam

sua adaptação ao mundo e a organização de suas experiências vitais

(WADSWORTH, 1995). O ato de experimentar contempla a percepção dos objetos e

seres presentes no meio social através dos sentidos: visão, audição, tato, olfato e

paladar. Os elementos observáveis são estímulos recebidos – assimilados por

estruturas cognitivas (esquemas mentais). Esse processo corresponde ao

desenvolvimento cognitivo. O desenvolvimento infantil é passível de observação e

análise nos dados coletados nas práticas de leitura.

A atividade introdutória à primeira recepção da obra O Pequeno Príncipe

(2006) consistiu na apresentação de uma ilustração do autor referente a um episódio

narrativo da história escolhida: o encontro entre o príncipe e a raposa. Estavam

representados na imagem o principezinho, a raposa e um local contendo árvores,

pedras, montanhas e rochedos. Uma das perguntas feitas às crianças referia-se aos

objetos, animais e pessoas presentes na ilustração. Eis o diálogo entre a professora

e as crianças:

Professora: Quais objetos, animais e pessoas aparecem na imagem? João: Árvore. Lili: Anjo. João: Que anjo, quê! Lili: É anjo. João: Um bichinho. Peter: Uma flor. Professora: Que bichinho vocês acham que é: um gato, um elefante, um rato? João: Um camundongo. Peter: Um cachorro. João: Cachorro não tem rabo assim. Não é!

O animal perceptível na imagem – uma raposa – compartilha características

físicas semelhantes às do esquema que João elaborou para camundongo. É

possível inferir que João armazena em sua mente uma estrutura que contém as

características possíveis de percepção para o animal roedor: quatro patas, focinho

alongado, corpo coberto por pelos, etc. Características físicas semelhantes são

encontradas ao perceber a raposa através da visão. O estímulo – o animal presente

na imagem – é assimilado por João, ou seja, é adicionado ao esquema

camundongo.

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Para a pergunta sobre o animal representado na figura, Peter atribuiu outra

resposta: um cachorro. Pode-se concluir que, na mente de Peter, há uma estrutura

cognitiva para cachorro que armazena as características perceptuais do animal

observado na ilustração. A afirmação de Peter é questionada por João, que nega

que o animal representado seja um cachorro. Há uma característica física observada

– o rabo – que não corresponde ao esquema mental que João elaborou para

cachorro.

É interessante observar a resposta de Lili para o questionamento feito sobre o

que havia na imagem apresentada. A menina identificou um anjinho. Percorrer o

caminho interpretativo que levou Lili a dizer que havia um anjo na ilustração é

possível a partir da observação das características físicas do principezinho: tez

branca e cabelos cor de ouro encaracolados determinam um estereótipo para anjo.

Lili armazenou em seus esquemas mentais para a expressão “anjinho” essas

características perceptuais. A imagem mental elaborada pela menina corresponde à

ilustração do pequeno príncipe visível no desenho de Exupéry (2006). Em atividade

posterior (quarta atividade prática de leitura), a ilustração é mostrada novamente às

crianças e acompanhada do diálogo a seguir:

Professora: Olhem para a figura. Lembram dela? João: Ahã. Professora: E quem aparece nessa imagem? Gulliver: O anjinho. Lili: O príncipe e um bichinho. Professora: O pequeno príncipe conheceu esse bichinho. Esse bichinho é uma raposa. A raposa é um animalzinho que vive no deserto.

Não só João, como também as demais crianças demonstraram o

reconhecimento da imagem apresentada. A palavra “raposa” foi apresentada nesse

momento. Ela é um estímulo novo para as crianças. Um novo estímulo poderá ser

assimilado pelos esquemas mentais já existentes na criança. É possível que isso

não ocorra, porque nenhuma das crianças disse o nome “raposa” ao serem

questionadas sobre o “bichinho” representado na ilustração. Duas possibilidades são

apresentadas, a partir dos dados coletados: uma nova estrutura cognitiva será

elaborada para acomodar o estímulo novo – raposa –, ou estruturas já existentes

serão alteradas para recebê-lo (acomodação). Após o processo de acomodação, a

assimilação do estímulo será buscada novamente pelas crianças.

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Em pesquisas feitas por Piaget (apud WADSWORTH, 1995) com crianças, foi

possível identificar a presença da inteligência simbólica no comportamento infantil. A

inteligência, antes empírica, permite agora a recuperação dos objetos, indivíduos e

seres pelo uso da representação. Para a criança, já não se faz tão necessária a

presença constante desses elementos para que sejam lembrados. A presença da

inteligência simbólica fez-se presente na participação das crianças nas atividades

práticas de leitura. Na segunda atividade de leitura – a apresentação do encontro

entre o aviador e o principezinho –, os participantes elaboraram desenhos para

presentear o Pequeno Príncipe.

A realização da atividade foi antecipada por um diálogo entre professora e

crianças cujo tópico eram os presentes que gostariam de ganhar. A intervenção da

professora pareceu oportuna no momento da prática porque possibilitou a

investigação do interesse das próprias crianças. A comunicação entre pesquisadora

e participantes da pesquisa oportunizou uma tentativa inicial de perceber o outro no

convívio em grupo: eu gostaria de ganhar isto, e o príncipe gostaria de ganhar

aquilo. Para descobrir que presente deixaria o príncipe feliz, as crianças

necessitaram assumir a posição da personagem para identificar seus gostos.

As crianças, nessa etapa do desenvolvimento, centram as atitudes, as

brincadeiras, as conversas em si (pensamento egocêntrico). É somente com a

interação com outras crianças e adultos que o papel do outro – em um estágio

posterior do desenvolvimento – se fará presente. Eis um fragmento da conversa que

antecedeu a produção dos desenhos:

Professora : O que vocês gostariam de ganhar? Gulliver: Um carrinho de rolimã. Professora: E o Peter, o que gostaria de ganhar? Peter: Um boneco do Homem-Aranha. Professora: E o Marcelo? Marcelo: Hot Wheels. Professora: E a Lili? Lili: Um apontador (...)

Os desenhos feitos para presentear o principezinho refletiram, com maior

frequência, os desejos das próprias crianças. Houve dois casos nos quais foram

desenhados castelos para o príncipe. As crianças pré-escolares apreciam os contos

de fadas em que príncipes, princesas, reis e rainhas vivem em nobres castelos. O

menino da história narrada é um pequeno príncipe, e príncipes moram em castelos.

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Os alunos Peter e Alice presentearam o principezinho com castelos. As duas

crianças assumiram-se, naqueles instantes, como príncipe e princesa. Duas análises

são possíveis com fundamentos nas produções artísticas de Peter e Alice: a

descentralização do eu e a possibilidade de enxergar o outro ou a construção de um

eu do “faz-de-conta”; em outras palavras, nesses instantes, “eu sou um príncipe/uma

princesa e gostaria de ganhar um castelo”. Abaixo, o quadro com o pseudônimo da

criança e o desenho correspondente:

Criança Desenho Anexo Potter Travesseiro Anexo E Peter um castelo e o príncipe Anexo F Tom Carrinho Anexo G Pedrinho Ben 10 Anexo H Marcelo Casa Anexo I Gulliver Bola Anexo J Lili Sol Anexo K Emilia Bicicleta Anexo L Alice um castelo e uma florzinha Anexo M Arthur um monte de boneco Anexo N João um desenho Anexo O Quadro 2: Pseudônimos das crianças e desenhos correspondentes Fonte: dados da pesquisa

As crianças desenharam brinquedos, personagens animados dos seriados da

televisão, objetos constitutivos das histórias infantis, etc. Todos os desenhos eram a

representação de elementos cujos referentes físicos não estavam presentes.

Os primeiros desenhos infantis correspondem à imaginação das crianças

sobre o que ilustram: o Sol de Lili apresenta olhos, boca e nariz. Desenhos

posteriores representam reais características dos elementos representados. Nas

ilustrações recolhidas após o término da quarta atividade prática – a do encontro

entre a raposa e o pequeno príncipe –, foram identificadas características

semelhantes às da imagem física do príncipe e da raposa, no livro, em alguns

desenhos das crianças: a vestimenta do principezinho (calça, manta, etc.), a

presença da raposa, etc. (Anexo P). A interpretação dos desenhos das crianças

participantes do estudo restringiu-se à análise das relações entre os desenhos e o

processo de formação inicial de conceitos pelas crianças, relacionados aos

estímulos oferecidos pela leitura da obra em foco.

Na sexta atividade – a apresentação do encontro com a serpente do deserto e

o regresso para o asteroide B 612 –, as crianças ouviram a história e

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confeccionaram, com jornal, um par de meias de nylon e têmpera, as suas

serpentes. Aos répteis foram dados os nomes a seguir:

Criança Nome da serpente Criança Nome da Serpente Gulliver Cassiano Ali Jibóia e Jack Chan Potter Harley Sebastian Bola Pedrinho Pintinho João Disse não saber nenhum nome Emilia Iasmin Lili Rakeli Quadro 3: Nomes dados às serpentes confeccionadas pelos alunos Fonte: dados da pesquisa

No horário de saída da escola, João e Ali permaneceram em sala de aula com

a professora, à espera dos seus cuidadores para buscá-los. Os dois brincavam com

as serpentes. Um diálogo foi principiado pela professora:

Professora: O que vocês fariam se encontrassem com a serpente da história? Ali: Saía correndo. João: Eu ia falar com ela, perguntar se ela ia ser minha amiga. Ali: Não dá pra falar com ela. João: Dá. Ali: Ela não fala. João: Fala. Ali: Na história.

Na história de Exupéry (2006), o principezinho encontra uma serpente falante

que não confia nos homens. Ao contrário dos seres humanos que conhece, o

menino não teme ao aproximar-se dela. As crianças pré-escolares, ao produzirem

suas serpentes, iniciaram o jogo do faz-de-conta, no qual a meia repleta de jornal

representava a serpente (imagem mental). As fantasias elaboradas nesse jogo

permitem a realização de experiências não possíveis ou não vivenciadas no mundo

real. No diálogo mantido entre a professora e os dois meninos – Ali e João –, há a

presença do jogo. João “faz de conta” que pode conversar com a serpente e lhe

pedir que seja sua amiga. As crianças são capazes de ingressar e partir do mundo

de possibilidades do “faz-de-conta”. Essa constatação é comprovada no diálogo de

Ali ao dizer que só é possível uma serpente falar na história.

João encontra maior facilidade do que Ali para ingressar no universo do “faz-

de-conta”. Talvez seja oportuno salientar as realidades sociais às quais pertencem

os dois meninos, fator que influencia na participação das crianças nas atividades de

leitura. João é morador do Beco do Sorriso, juntamente com seu pai, sua mãe e

seus irmãos: Wendy, com oito anos, e Jack, com cinco anos. O menino Ali vive na

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mesma comunidade de João. É filho único e cuidado por uma tia (na maior parte do

tempo) e por sua mãe. Os pais do menino são separados.

Em sala de aula, Ali e João apresentam atitudes comportamentais diversas:

João é uma criança alegre e interage de forma harmoniosa com os colegas da

turma. Ali não brinca com os colegas da sala e, eventualmente, os machuca. Talvez

para João uma realidade mais pacífica e com amor familiar permita-lhe acreditar em

“contos de fadas”. Para Ali, a ausência constante de afeto permite-lhe estabelecer

uma linha limite muito acentuada entre o que pode ocorrer em uma história infantil e

o que realmente acontece na realidade em que vive.

A linguagem também indica representação: representação dos objetos, ações

e sentimentos pela palavra. O uso das palavras é um caminho mais eficaz no

atendimento dos desejos e necessidades básicas infantis. Antes de adquirir a

linguagem, a criança comunica-se através dos gestos. Posteriormente, estes serão

acompanhados das primeiras palavras: a palavra deflagra a ação e, em seu

processo final, representa a ação.

A aquisição da linguagem também faz parte do desenvolvimento cognitivo

infantil. Para o aprendizado, o mesmo processo de aquisição de conhecimentos faz-

se necessário. É através da experiência da criança sobre o meio que a linguagem

oral é adquirida. Uma palavra é um estímulo novo a ser assimilado pelos esquemas

mentais infantis.

Com a linguagem, a criança inicia seu processo de formulação de conceitos.

Uma palavra representa um objeto. Este objeto possui características perceptuais.

Estas características são estímulos. A criança percebe estes estímulos por seus

órgãos sensoriais e os assimila em suas estruturas cognitivas existentes

(esquemas). No estágio pré-operacional, a inteligência infantil passa por um

processo de transição: a atividade psíquica infantil – produto das experiências

infantis – é resultado, também, da representação. Os conceitos estão intimamente

relacionados a um referente. Uma criança solicitada a responder “O que é um

gato?”, por exemplo, apresenta como definição uma propriedade perceptual do gato:

“O que mia”.

Apesar de divergir da teoria piagetiana quanto à evolução do desenvolvimento

da linguagem infantil, Vygotsky (1998) também vê na linguagem uma atividade

simbólica de comunicação das experiências infantis. As experiências infantis

armazenam-se em estruturas psíquicas. Muitas são as práticas das crianças, o que

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impossibilita os seus intercâmbios, senão por representação, através das palavras.

Essa primeira comunicação das suas experiências inicia o processo de formação

dos conceitos espontâneos. Na apresentação do episódio narrativo – o encontro do

aviador com o principezinho –, as crianças ouviram o episódio, produziram

ilustrações que representavam presentes para o príncipe e, no momento em que

estas foram apresentadas para o grande grupo, a professora sugeriu que

elaborassem, oralmente, definições para os desenhos:

Professora: O que você desenhou para o pequeno príncipe, Potter? Potter: Travesseiro. Professora: O que é um travesseiro? Vamos ver quem é que sabe me dizer o que é um travesseiro? [Pergunta feita ao grupo] Marcelo: É de deitar. Peter: É de deitar. Potter: De cama. Professora: Peter, o que desenhou? Mostra o desenho. Peter: Um castelo e um príncipe. Professora: Que lindo! Um castelo e um príncipe. O que é um castelo? Tom: Castelo é onde vive a rainha. Professora: Fala de novo o que é um castelo. Tom: O castelo é onde vive o príncipe. Professora: E o Tom, o que “tu desenhou” para o príncipe? Tom: Um carrinho. Professora: O que é um carrinho? [Pergunta para o grupo] Tom: É de brincar. Professora: E o Pedrinho, o que “tu desenhou” para o pequeno príncipe? Fala bem alto. Pedrinho: Ben 10. [O menino sussurra] Professora: Repete bem alto, Pedrinho. Tom: O Ben 10. [Tom responde] Professora: O que é o Ben 10? [Pergunta para o grupo] Pedrinho: Quatro braços. Tom: Um herói. Peter: É de desenho (...).

Com o objetivo de não inibir o grupo escolar na apresentação das respostas,

as perguntas, inicialmente, foram feitas para o grande grupo. Há, no entanto, a

participação constante de dois a quatro alunos com maior frequência. Para que o

silêncio dos demais não permanecesse como resposta às perguntas – uma busca

pela participação integral do grupo –, as perguntas eram repetidas e direcionadas,

algumas vezes, para os alunos não tão falantes. No quadro abaixo, encontram-se os

nomes dos desenhos e conceitos correspondentes:

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Criança que elaborou o desenho

Desenho

Definição dos desenhos e o pseudônimo da

criança que os definiu Potter Um travesseiro É de deitar/ Marcelo

De cama / Potter Peter Um castelo e um príncipe Onde vive a rainha / Tom

Onde vive o príncipe / Tom Tom Um carrinho É de brincar Pedrinho Ben 10 Quatro braços/ Pedrinho

Um herói / Tom É de desenho/ Peter

Marcelo Uma casa É de morar / Peter Gulliver Uma bola É de jogar bola / Peter

É de jogar futebol / Peter É de fazer balãozinho / João

Lili Um sol É uma terra de fogo / Emília Emília Uma bicicleta É de andar / Emília Alice Um castelo e uma florzinha O que a gente planta no chão / Alice João Um desenho É uma casa e um carro, pode ser / Peter Arthur

Um monte de boneco Uma família/ fala de Potter

De namorado / Marcelo

Quadro 4: Nomes dos desenhos feitos pelos alunos e conceitos correspondentes Fonte: dados da pesquisa

Nota-se a aproximação entre o conceito e as características perceptuais,

sejam elas propriedades físicas como cor, tamanho, forma, etc., ou o uso que a

criança faz do elemento conceituado. Todos os conceitos possuem um referente: o

desenho da criança. Os desenhos feitos pertencem à experiência infantil, ou seja,

em sua interação com o meio, as crianças brincaram com carrinhos, andaram de

bicicleta, usaram um travesseiro para dormir. Todos esses objetos foram estímulos

provenientes do meio, os quais foram assimilados pelos esquemas mentais infantis,

possibilitando sua representação através do desenho e, posteriormente, da palavra.

Um interesse maior destina-se à análise dos desenhos de Peter e Alice. Um

castelo e um príncipe não pertencem ao mundo real em que a criança convive, mas

a um universo apresentado por intermédio do adulto: o universo das histórias. As

crianças, em seu faz-de-conta, projetam-se do mundo real para um mundo mágico,

eivado de sapos que se transformam em príncipes, temidas feiticeiras, exímios

piratas navegadores dos oceanos, etc. É o proferir das palavras “era uma vez” que

cria esse mundo e outros. As crianças são capazes de interagir também nesse meio

e constroem, igualmente, experiências.

Para possibilitar a visualização e análise do desenvolvimento das crianças,

parte-se da ideia de que um castelo é um estímulo novo apresentado às crianças. A

professora regente já contou muitas histórias nas quais a palavra e a imagem do

castelo esteve presente. Aceita-se que as crianças já elaboraram um esquema para

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casa em sua experiência cotidiana. Casa “é de morar”, nas palavras de Peter. Nos

contos de fadas, reis, rainhas, príncipes e princesas moram em castelos. As

crianças podem assimilar o estímulo “castelo” no esquema casa, já elaborado.

Castelo compartilha muitas características de casa, perceptíveis por crianças: janela,

portas, quartos, etc. Um olhar observador para o desenho das duas crianças que

ilustraram castelos – Peter e Alice – reconhece traços comuns nas duas

representações: uma torre e uma janela (WADSWORTH, 1995).

O castelo poderá ser chamado “casa” por apresentar características

semelhantes a este esquema: as propriedades comuns são percebidas, e as

diferentes não. Ao perceber os atributos não semelhantes entre os dois elementos, a

criança poderá mobilizar modificações no esquema mental “casa” para que este

inclua o estímulo “castelo” ou construir uma estrutura mental nova para o objeto. O

desenho e a palavra são representações do objeto (WADSWORTH, 1995).

Na alteração de enfoque para a análise dos desenhos e conteúdos infantis,

Lev Vygotsky (1998) apresenta duas possibilidades de conceitos, os espontâneos e

os científicos, conforme referido anteriormente. Os primeiros são constituídos na

ação da criança sobre seu meio. Os segundos são apresentados às crianças, mas

devem ser mediados pela própria experiência infantil. Por exemplo, a palavra

“castelo” foi apresentada às crianças através de muitos contos de fadas. A criança,

ao acompanhar as personagens de uma narrativa em suas peripécias, também as

vive. Elas acompanharam o príncipe em sua jornada para o resgate da donzela,

presa na torre da velha feiticeira em Rapunzel (GRIMM, 1989). Elas desceram

correndo as escadas do castelo onde a Gata Borralheira (GRIMM, 1989) perdeu o

sapatinho. A representação dessas vivências foi possível em palavras, cujo

resultado pode ser observado na fala de Tom ao apresentar, para seus colegas, sua

ideia para castelo: “onde vive a rainha, onde vive o príncipe”.

Mas não são todas as palavras usadas por adultos e crianças em sua

comunicação que possuem um referente perceptível. Sentimentos, adjetivos e ações

não estão intimamente ligados a um objeto correspondente. A história infantil pode

auxiliar na percepção das palavras, apresentadas pela professora e ausentes na

experiência das crianças pré-escolares. Um sentimento, um adjetivo, uma ação ou

uma emoção podem ser representados nas ações das personagens infantis,

também sendo passíveis de vivência pela criança que ouve a história. No momento

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em que a criança é capaz de experimentar um sentimento e uma ação, estes se

tornam significativos para ela.

A realização das atividades de leitura da obra O Pequeno Príncipe (2006) foi

uma oportuna ocasião para apresentar às crianças um adjetivo – “egoísta” – e uma

ação – “cativar”. A palavra “egoísta” encontra-se presente nos diálogos do filme O

Pequeno Príncipe (1974), de Stanley Donen. A rosa considera o jovem príncipe

egoísta por decidir conhecer outros planetas e deixá-la só no asteroide B 612.

A palavra “egoísta” pertence à comunicação das crianças pré-escolares.

Eventualmente, nas atividades com jogos e com brinquedos, as crianças

caracterizam um ou outro colega dessa forma. Os portadores dos adjetivos são

aquelas crianças que não permitem a participação do outro em seus jogos ou que

recolhem todos os brinquedos para si. Aquele colega que não empresta brinquedos

e jogos é egoísta.

Para o trabalho com a palavra “egoísta”, presente nos diálogos do filme, uma

atividade que possibilitou a caracterização da rosa no texto literário foi feita. A

terceira atividade – a apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças, o

asteroide B 612 e a chegada da rosa – iniciou com a leitura do episódio no qual um

botão de flor chega à pequena morada do príncipe. A nova visitante, com os

cuidados do principezinho, transforma-se em uma bela rosa. Ela é por demais

exigente e não muito grata à dedicação do menino.

Após a apresentação da história, as crianças produziram rosas (as meninas)

e folhas (os meninos) com papéis coloridos, folhas de desenho e cola com glitter. Os

desenhos das meninas representaram a rosa que foi acolhida pelo pequeno príncipe

(Anexo Q); os meninos escolheram uma menina (cada um) e lhes anexaram as

folhas. A cada folha anexada, uma característica para a rosa foi dita:

Professora: Ali, como era a rosa, a flor? Ali: Vermelha. Professora: E o que ela fazia? Ali: A flor maltratava muito ele? Professora: O que ela fazia para maltratar ele? Ali: Ela pedia, todo dia, água, comida. Dizia “não quero mais água”, “não quero mais comida”. Professora: Gulliver, quem você escolhe para colar a folha? Gulliver: A Alice. Professora: Como era a rosa da história? [Gulliver põe o dedo na boca e sorri, o que indica certo receio em participar da atividade] Professora: A flor era boa, Gulliver? Gulliver: Era. [Responde com o dedo na boca]

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Professora: O que faz alguém que é bom, uma pessoa amiga? Ela era amiga do príncipe? [Gulliver movimenta a cabeça, indicando que sim] Professora: Qual é a primeira coisa que a gente faz para ser amigo de alguém? Gulliver: Brincar. Professora: Agora vem o Pedrinho. Pedrinho, quem que “tu escolheu” para prender a folha? [Pedrinho aponta a aluna Lili] Professora: Como era a flor? [Pedrinho sorri] Professora: Todo mundo junto, ajudando o Pedrinho. Lili: Era legal. Ali: Era boa, pedia as coisas, dizia que não queria nada. Professora: Ela falava muito? Ali: Falava. Era triste. Professora: Por que ela era triste? Ali: Porque o príncipe foi. Professora: E como ela ficou quando ele foi embora? Ali: Sozinha. No planeta, sozinha.

Os dados presentes no diálogo mostram que o primeiro adjetivo para a rosa é

uma propriedade física desta – a cor –, passível de percepção visual: a rosa era

vermelha. Algumas características encontradas na coleta de dados são incluídas por

mediação da professora. Outras particularidades sobre a rosa fizeram-se presentes

nas respostas para as perguntas feitas pela professora. Na comunicação informal

entre professora e crianças, Ali atribui à flor o adjetivo “triste”. A palavra “triste”, em

um mundo real, não possui um referente físico que possa ser observado pela

criança. A história infantil possibilitou a elaboração de ações, feitas pela rosa, que

serviram como um elemento material para o conceito “triste”. A flor, com a partida do

príncipe para outros planetas, demonstra a intenção de chorar. A ação de chorar é

feita por pessoas que estão tristes:

– Adeus – disse ele à flor. Mas a flor não respondeu. – Adeus – repetiu ele. A flor tossiu. Mas era por causa do resfriado. – Eu fui uma tola – disse finalmente. – Peço-te perdão. Procura ser feliz. A ausência de censuras o surpreendeu. Ficou parado, completamente sem jeito, com a redoma nas mãos. Não podia compreender essa delicadeza. – É claro que eu te amo – disse-lhe a flor. – Foi minha culpa não perceberes isto. Mas não tem importância. Foste tão tolo quanto eu. Tenta ser feliz... Larga esta redoma, não preciso mais dela. – Mas o vento... – Não estou tão resfriada assim. O ar fresco da noite me fará bem. Eu sou uma flor. – Mas os bichos...

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– É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas. Dizem que são tão belas. Do contrário, quem virá visitar-me? Tu estarás longe... Quanto aos bichos grandes, não tenho medo deles. Eu tenho as minhas garras. E ela mostrava ingenuamente seus quatro espinhos. Em seguida acrescentou: – Não demores assim, que é exasperante. Tu decidiste partir. Então vai! Pois ela não queria que ele a visse chorar. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 34-36)

A comunicação entre a obra e a criança possibilitou um conhecimento sobre a

rosa. A retomada do diálogo entre o principezinho e a flor foi proporcionada na

sétima atividade de leitura: a apresentação do filme O Pequeno Príncipe (2006) às

crianças. A palavra “egoísta” desponta na conversa entre ambas as personagens. A

rosa, apesar de todos os cuidados prestados pelo menino, considera-o egoísta. Ele

é egoísta por não poder lhe satisfazer todas as vontades da forma como ela queria.

Já em sala de aula, após assistirem ao filme, as crianças apresentaram suas

apreciações a respeito da história – sétima atividade. Entre as falas das crianças,

foram intercaladas perguntas da professora, na busca pela compreensão da palavra

“egoísta”.

As crianças não fizeram uso espontâneo da palavra “egoísta” ao atribuir

características para a rosa. O conceito para a palavra em questão está solidificado

na ação de não emprestar algum brinquedo para o colega. Brinquedos não são

utilizados na interação entre o príncipe e a flor. Contudo, uma relação entre os

cuidados dispensados à flor e o ato de emprestar ou não brinquedos poderia ser

feita para tornar mais significativa a construção do conceito da palavra “egoísta”. Por

exemplo, os brinquedos, nessa situação específica, seriam substituídos pela água e

pela proteção contra as correntes de ar. O pequeno príncipe reparte seus objetos

com a rosa. O sujeito que empresta suas coisas não é um indivíduo egoísta.

A posterior apresentação do diálogo entre a rosa e o príncipe modifica a

caracterização do protagonista: a rosa o chama de egoísta. As crianças não negam

a afirmação da rosa e a justificam, atribuindo ao príncipe atributos que o

caracterizam como um indivíduo que se encaixa, perfeitamente, na imagem mental

constituída pela criança (conceito):

Professora: Vocês lembram que, no filme, o pequeno príncipe conhece a rosa, a flor, e ela diz que ele é egoísta. Quem sabe o que é egoísta? Potter: Eu! Professora: O que é egoísta, Potter? [Potter sorri, cobre o rosto com os braços e não responde]

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Professora: Quem sabe fala bem alto: o que é egoísta? Gulliver: Triste. Sebastian: Triste. [Repete o que Gulliver falou] Lili: Feliz. Professora: O que é uma pessoa egoísta? Egoísta? Alladin: É não dar alguma coisa pra ele. [Alladin fala com o dedo na boca] Professora: Alladin, fala de novo. Alladin: É não dar alguma coisa pra ele. Professora: Por que será, Alladin, que ela dizia que o principezinho era egoísta? Alladin: Porque ele não dava nada.

As intervenções de Alladin puderam demonstrar que o menino reconhece o

significado daquela palavra, ou seja, ela pertence ao seu mundo de experiências. Na

história de Exupéry (2006), o principezinho não demonstra ser egoísta, pois faz todo

o possível para atender às solicitações da rosa.

Aos alunos foi dito que a rosa chamou o jovem príncipe de egoísta e a eles

caberia a situação problema, o desafio de descobrir por quê. É o primeiro dia da

presença de Alladin nas atividades de leitura (o menino falta muito à escola). Há, na

fala de Alladin, a manifestação do pensamento transdutivo; em outras palavras, a

transferência da explicação para a palavra “egoísta” – já pertencente ao seu

universo de experiências – para a definição de egoísta que está presente na história.

Primeiro, Alladin diz que “é não dar alguma coisa pra ele”, ou seja, o pronome “ele”

refere-se a príncipe e é ele quem não recebe alguma coisa de alguém. Entretanto,

Alladin é questionado novamente, pela professora, sobre o motivo pelo qual a rosa

chamou o principezinho de egoísta. O menino faz uso do pensamento transdutivo ao

dizer que “ele não dava nada” e, por essa razão, era uma pessoa egoísta. Ser

egoísta é, na interpretação infantil, não dar algo a alguém.

A professora foi responsável por uma seleção de atividades que possibilitou

às crianças uma tentativa inicial de contato com outro conceito: o conceito de

“cativar”. A palavra “cativar” – de forma semelhante à palavra “egoísta” – pertence

ao grupo de conceitos que, para Piaget (apud WADSWORTH, 1995), não possuem

um referente externo cujas propriedades físicas possam ser percebidas pelas

crianças. O conceito “cativar” ocorreu mediante a interação social – “a troca de

ideias” – entre as crianças e o adulto: a professora. A professora apresentou

possibilidades de vivências nas quais as crianças experimentaram a palavra e seus

atributos.

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Segundo a concepção de Vygotsky (1998) a respeito da aquisição de

conceitos, estes só serão formulados na generalização e comunicação das

experiências da criança para os outros indivíduos. O professor, em sala de aula,

apresenta à criança outros conceitos, os quais “ela não pode ver ou vivenciar

diretamente” (VYGOTSKY, 1998, p. 108). Com o intuito de transformá-lo em

significativo para as crianças pré-escolares, o conceito para a palavra “cativar”

esteve incluso na história infantil escolhida. Os eventos protagonizados pelo príncipe

e pela raposa possibilitaram a “visão” e a “experimentação” de tal conceito pelas

crianças. O caminho percorrido dispôs da integração entre a história e as

experiências reais das crianças.

A quinta atividade permitiu às crianças o contato com a palavra “cativar”. Foi

reapresentada a passagem em que a raposa e o príncipe se conhecem. Um dos

questionamentos destacados foi: “o que é cativar?”. O diálogo entre professora e

crianças pré-escolares mostrou a retomada de alguns pontos importantes da

narrativa:

Professora: O que será cativar? Por que será que a raposa disse para o príncipe que ele não podia ser amigo dela porque ele não a tinha cativado? [As crianças não respondem à pergunta] Professora: O que é cativar? Para ser amigo, ele tinha que cativar. Quem sabe? [As crianças olham umas para as outras sem apresentar qualquer resposta] Professora: O Ali chega e fala comigo: “Vamos brincar?”. Eu digo: “Não. Tu não me ‘cativou’ ainda. Eu não posso brincar contigo. Só vou brincar contigo se tu me cativar”. O que é cativar? Lili: É quando uma pessoa fica triste. Professora: Para brincar ele tinha que cativar. Cativar é uma coisa boa ou uma coisa ruim? Potter: Boa. Lili: Boa. [A menina manifesta-se após a fala dos meninos] Professora: Cativar é uma coisa boa, como disseram os meninos e a Lili. Para o Potter brincar com o irmão, ele tem que cativar o irmão. Para o Ali brincar com a Emília, ele tem que cativar a Emília. Para a Emília brincar com a Lili, ela tem que cativar a Lili. O que será cativar? Gulliver: É enterrar. Professora: A Emília quer ser amiga do Ali. A Emília não conhece o Ali. Os dois estão no primeiro dia de aula. Eles nunca se viram. O Ali convida a Emília para brincar. A Emília diz: “Não, tu não me ‘cativou’. Eu não vou brincar contigo”. O que é cativar? Lili: Não ficar triste. Potter: Ficar brincando. Professora: Eu posso ser amiga do Potter se ele me cativar. Cativar é fazer o quê? Ali: Um é amigo do outro? Os dois estão alegres? [Referindo-se à ilustração do príncipe e da raposa, anexada no quadro]

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Professora: Eles acabaram de se conhecer. Só que ele não brinca com ela. Estão vendo? Ela está longe dele. Ele convida a raposa para brincar: “Oi, raposinha, quer brincar comigo?”. A raposa responde: “Eu até quero, mas tu não me ‘cativou’ ainda, não ‘criou’ laços comigo. Tu ‘precisa’ criar laços comigo para eu ser tua amiga e brincar contigo. Eu só vou ser tua amiga se tu me ‘cativar’”. O que será cativar? Gulliver: Ele não gostava da raposa. Professora: Será que ele não gostava da raposa? A raposa conhecia o príncipe ou conheceu quando ele chegou no planeta Terra? Potter: Conhecia. João: Conheceu agora. Ali: É quando a gente conhece uma pessoa na hora. A gente tem que conhecer mais. Professora: Tem que conhecer mais, como disse o Ali. Tem que conhecer mais, porque a gente não pode ficar amigo de uma pessoa estranha.

A primeira explicação para “cativar” foi a apresentada por Lili: “ficar triste”. Ela

atribui para a palavra o resultado de uma ação: o ato de não brincar provoca o

sentimento de tristeza. A professora, nesse instante, fez uma nova intervenção:

“Para brincar, ele tinha que cativar. Cativar é uma coisa boa ou uma coisa ruim?”.

Após a pergunta da professora, Lili apresenta sua posição ao indicar que cativar é

“Não ficar triste.” (o início da reversibilidade do pensamento). O ato de brincar

resulta de outro, que é cativar. Brincar é algo bom e, por conseguinte, cativar

também.

A intervenção da professora, a respeito da palavra “cativar”, provocou o

desequilíbrio no grupo escolar: o estímulo apresentado – “cativar” – não se

encaixava nos esquemas já existentes nas mentes infantis. Muitas foram as

tentativas de sua integração às estruturas cognitivas já elaboradas, como: ficar triste,

enterrar, brincar, etc. Os questionamentos da professora foram responsáveis por

aproximar a palavra “cativar” das experiências de vida das crianças.

Em dado momento do diálogo, o aluno Ali retoma o foco da história infantil ao

perguntar se a raposa e o príncipe eram amigos e estavam alegres. As demais

crianças também direcionaram sua atenção, novamente, para a narrativa. Buscava-

se a resolução para uma situação de desequilíbrio – o que seria a palavra “cativar” –

nas experiências das personagens presentes na história. A ação das crianças –

convidar alguém para brincar – correspondia à ação do príncipe ao pedir para a

raposa que brincasse com ele. A fala de Ali parece conter a tentativa de formação de

um conceito para “cativar”: ir se conhecendo. Segundo Piaget (apud WADSWORTH,

2005), quando há o conflito entre o estímulo novo e as experiências infantis já

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presentes em seus esquemas mentais, a criança apresenta motivação para a nova

experimentação.

A atividade seguinte completou a anterior. Nessa prática, as crianças

observaram imagens coletadas de jornais e revistas onde poderiam ser encontrados

indivíduos em situações alegres e tristes (Anexo R). Cada criança selecionou a

gravura de sua preferência, que deveria ser armazenada em uma das caixas

dispostas na sala. A escolha da caixa para a figura foi mediada pela interação entre

a professora e as crianças pelo diálogo:

Professora: Olhem para cá. Existem duas caixas. Olhem para as figuras que vocês escolheram. Agora, vocês vão separar essas figuras. Numa caixa, vocês vão pôr um tipo de figura e, na outra, o outro tipo de figura. Ali, vem mostrar a figura para os colegas. [A figura continha três rapazes] Professora: Quantas pessoas existem na figura? Ali:Três. Professora: Eles estão alegres ou tristes? Ali: Alegres. Professora: Como tu “sabe”? Ali: Estão sorrindo. Professora: Qual caixa tu “escolhe” para a figura? Ali: Aquela [Apontou para caixa que estava à direita da professora] Professora: Vem o Potter. Mostra a figura. Quem são eles? Potter: Jogador de futebol. Professora: Estão alegres? Potter: Estão rindo. Professora: Qual a caixa em que tu “vai” colocar a figura? Ali: Dá pra mim colocar? Potter: Não sei. Professora: Vamos ajudar o Potter? [Todos respondem “sim”] Professora: Quem acha que ele tem que colocar na caixa da figura com pessoas alegres levanta a mão. [Todos ergueram as mãos, e a criança se dirigiu para a caixa com a gravura] Professora: Agora o João. [Ele traz a figura e a mostra para os colegas] Professora: Esse gurizinho parece estar alegre? João: Não. Professora: Por que ele não está alegre? João: Porque ele não tem uma vida. Potter: Ele está triste. Professora: E por que ele não tem uma vida? Ali: A casa dele não é como ele queria. Professora: Ele vai ficar em que caixa? [As crianças apontam para a caixa da esquerda, e Ali levanta-se do lugar para encostar na caixa escolhida. João insere a figura na caixa escolhida]

O objetivo dessa atividade complementar foi o de associar e intensificar ao

ato de “cativar”, apresentado na situação de convívio entre o príncipe e a raposa –

uma conotação positiva, e não negativa. As figuras cujas imagens eram alegres

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continham mais de um indivíduo, e as imagens classificadas como tristes

apresentaram pessoas sós, com feições brutas e ações não agradáveis. A imagem

representativa da história O Pequeno Príncipe (2006) foi disposta na caixa que

continha as imagens dos indivíduos alegres. Para as crianças, foi questionado quais

eram os participantes da ilustração e o que estavam fazendo. As crianças

reconheceram o príncipe e a raposa e consideraram que os dois estavam brincando.

A imagem foi armazenada, a pedido das crianças, na caixa com imagens

representativas da alegria.

A imagem mediou uma tentativa de formação de conceitos para “alegre” e

“triste”. O menino Ali observa a ilustração escolhida por João. João selecionou uma

figura que continha um menino com roupas rasgadas e sujas, só e alimentando-se

com uma porção insignificante de comida. A criança que convive com a ausência de

roupas e alimentação adequada é uma pessoa triste22.

A prática final, presente na oitava atividade, foi a recapitulação da história,

pelas crianças, através da Hora do Conto. Duas crianças pediram para contar a

história: Peter e Lili. A professora responsável pelas atividades de contação de

história para essa turma, no decorrer do ano letivo, é a professora titular, e não a

pesquisadora. É dada maior ênfase à narração de histórias pela professora, seguida

de atividades dirigidas para a compreensão da obra. As crianças que terminam suas

atividades têm acesso aos livros de seu agrado e, em pequenos grupos, contam

para seus colegas, a partir da ilustração dos livros, a história ocorrida.

Peter e Lili demonstraram livre interesse na reapresentação da narrativa O

Pequeno Príncipe (2006) para os colegas. As crianças utilizaram como recurso

visual os fantoches construídos por elas e um flanelógrafo no qual as cenas dos

episódios narrados estavam presentes (Anexo S). Peter e Lili buscaram o auxílio dos

colegas na apresentação da história. As demais crianças auxiliaram na

movimentação das cenas, na recordação de nomes de objetos, locais e

personagens esquecidos pelas crianças que estavam contando a história. A

interação entre crianças é uma das formas de aquisição de conhecimento. É na

____________ 22 Parece oportuno o acréscimo de uma atividade de sistematização, que vá além dos diálogos

apresentados, para observar a construção e a reelaboração dos conceitos “cativar” e “egoísta”, respectivamente. Como sugestão, o teatro. As crianças teriam a possibilidade de representar, usando a mímica, situações em que o egoísmo e o ato de cativar pudessem ser encontrados. Posteriormente, as criança ilustrariam as situações interpretadas e as apresentariam, oralmente, para os colegas.

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interferência positiva do colega que a criança, aos poucos, descentraliza suas ações

e ideias.

O desenvolvimento cognitivo infantil é um processo evolutivo e cumulativo de

experiências significativas – estágios do desenvolvimento cognitivo – que conduzem

ao conhecimento. O conhecimento não é ensinado, mas pode ser oportunizado –

neste caso, no ambiente escolar – na escolha, por parte da professora, de atividades

que possibilitem a interação das crianças com o meio. A cadência do

desenvolvimento cognitivo infantil não é mesma para cada criança que compõe o

grupo escolar participante do estudo. O desenvolvimento cognitivo ocorre em ritmos

diferentes para cada indivíduo. Fatores hereditários, como a maturação e a

acumulação das experiências que cada criança constrói, são decisivos para o

desenvolvimento.

A interação das crianças com o texto literário é uma possibilidade de

experiência. O leitor identifica-se com as histórias das personagens, vivencia e

formula, nas práticas de leitura, significados para o que lhe é apresentado. A

narração da obra O Pequeno Príncipe (2006) para crianças entre cinco e seis anos

de idade foi uma experiência na qual os participantes do estudo tiveram a

oportunidade de entrar em contato com conceitos científicos. Segundo Bruno

Bettelheim (1980, p. 63), “nos primeiros anos, até a idade de oito ou dez, a criança

só pode desenvolver conceitos altamente personalizados sobre aquilo que

experimenta”. As crianças puderam experimentar conceitos na interação com a

história de Exupéry, os quais puderam transitar na vivência das crianças. Assim,

com a intervenção da professora, houve a proximidade do texto literário com a vida

cotidiana infantil e sua procura por amigos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chovia naquela noite, uma chuva fininha e murmurante. Ainda depois de muitos anos, bastava Meggie fechar os olhos e ela podia ouvi-la novamente, como se minúsculos dedinhos estivessem batendo em sua janela. Um cão latia em algum lugar na escuridão e, por mais que se virasse de um lado para o outro, Meggie não conseguia dormir. O livro que ela começara a ler estava debaixo do travesseiro. Cutucava o ouvido dela com a ponta da capa, como se quisesse chamá-la de volta para as suas páginas. “Oh, deve ser mesmo muito confortável dormir com uma coisa dura e pontuda debaixo da cabeça”, dissera seu pai na primeira vez que encontrara um volume sob o travesseiro dela. “Confesse, à noite ele sussurra histórias no seu ouvido”. “Às vezes, sim!”, respondera Meggie. “Mas só funciona com crianças”. Em troca, Mo lhe dera um beliscão no nariz. Mo. Meggie nunca chamara o pai de outra maneira. (FUNKE, 2006, p. 11)

Cornélia Funke, autora germânica de obras infantis e infanto-juvenis, publicou

no ano de 2003 a primeira edição da obra Tintenherz (Coração de Tinta), na qual

duas realidades coexistem: a real e a ficcional. Em Coração de Tinta (2006), a

menina Meggie herda de seu pai um poder mágico que a torna capaz de tornar vivos

os personagens das histórias infantis ao contar, em voz alta, uma história.

A narrativa de Cornélia Funke é muito apropriada para o estudo apresentado

nesta dissertação. Na voz de um professor, uma história infantil também ganha vida.

Uma criança, ao ouvir uma história de fadas ou aventuras, permite-se vivenciar as

experiências em conjunto com as personagens. Na história Coração de Tinta (2006),

Mo, pai de Maggie, é chamado pelos personagens de “Língua Encantada” por sua

habilidade em tornar reais as peripécias contidas nos episódios de cada livro.

Para o professor, caberia também falar de língua encantada, porque ela

possibilita a comunicação da criança com o texto literário. O livro, pela voz do

professor, fala com as crianças, sugere-lhes desafios, confia-lhes segredos e

convida-as a ingressar em um universo no qual há como criar e participar de infinitas

possibilidades de experiências.

As atividades práticas de leitura da obra O Pequeno Príncipe (2006)

oportunizaram às crianças sua comunicação com o texto literário e sua ação sobre

ele. De forma semelhante à personagem de Cornélia Funke – Meggie –, a

professora, ao ler a história de um principezinho que percorre o deserto africano,

trouxe-o para bem perto das crianças, e elas puderam, ao lado da personagem,

compartilhar de suas experiências: desenharam presentes mágicos, temeram a

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serpente do deserto, aborreceram-se com os muitos pedidos da flor e buscaram um

significado para “cativar”, ato muitas vezes ausente nas relações de convívio na

comunidade em que moram. Houve comunicação entre crianças e texto literário,

porque aquelas foram agentes na construção de significados, e não meras

expectadoras da fala da professora.

O professor, em sala de aula, é aquele que tem o compromisso maior de

conduzir as experiências de aprendizagem durante o ano letivo. Elas devem atender

às necessidades e destacar as habilidades de cada indivíduo do grupo escolar. No

entanto, atender às necessidades infantis não pressupõe apresentar, unicamente,

práticas já conhecidas do grupo. Para que ocorra o processo de aprendizagem – a

aquisição de conhecimento pela experiência infantil –, as crianças necessitam estar

motivadas a aprender.

Para que a aprendizagem seja efetiva, as crianças devem confrontar seus

conhecimentos prévios, já adquiridos, com os conhecimentos novos presentes no

universo escolar. As atividades práticas de leitura, elaboradas para a compreensão

dos episódios narrativos da obra escolhida, propiciaram essa desestabilização entre

um conhecimento dado e um novo.

Toma-se como exemplo a discussão construtiva durante a atividade

introdutória para a leitura da obra entre as crianças, cujo objetivo era descobrir qual

animalzinho fora representado na aquarela de Exupéry (2006). A palavra “raposa”,

ausente do contexto comunicativo das crianças pré-escolares participantes do

estudo, não foi utilizada. Entretanto, a falta do vocábulo para nomear a imagem não

as impediu de procurarem, em seus conhecimentos já adquiridos, um nome

correspondente às características perceptuais observadas por elas.

As experiências infantis são aquelas que possibilitam o desenvolvimento

integral da criança. O livro infantil está incluso nessa ação. Caso o contato com o

texto literário infantil não inicie em casa, com a criança vendo seus cuidadores lendo

ou contando histórias, que seja o professor o responsável por essa aproximação. O

que a criança não pôde realizar em seu meio ambiente terá oportunidade de fazê-lo

com as histórias.

O êxito na interação entre leitores e obra justifica-se na escolha de um texto

literário significativo para as crianças. A obra O Pequeno Príncipe correspondeu aos

horizontes de expectativas das crianças. A narrativa de Exupéry (2006) demonstra

que as crianças são capazes de conhecer, enfrentar perigos, fazer amigos, conviver

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com a ausência de alguém querido, rir, chorar, estabelecer o que realmente

consideram importante. A criança, em O Pequeno Príncipe (2006), é aquela que

constrói sua própria história.

A obra oportunizou a ruptura dos horizontes de expectativas dos jovens ao

apresentar palavras e elementos novos, não participantes das experiências de

mundo das crianças. Um dos desafios propostos às crianças na apresentação da

história e de suas atividades de leitura foi a busca por formular conceitos a partir de

palavras que não possuíam um referente físico, perceptível pela criança em seu

mundo real de convívio. A história infantil foi mediadora nesse processo. As ações

das personagens da obra O Pequeno Príncipe (2006), também vividas pelas

crianças na produção das atividades, foram ilustrações para esses conceitos.

A palavra “cativar”, por exemplo, não representa nem perpetua um objeto,

como “bola”. Ao ouvir a palavra “bola”, a criança aciona todas as propriedades

perceptuais de “bola” armazenadas em suas estruturas mentais. O texto literário,

nesse contexto, permitiu a visualização de “cativar” nas ações do príncipe: para

brincar com a raposa, ele deveria cativá-la.

As crianças trouxeram o brincar, presente na história, para suas experiências,

para a ação. Foi nessa movimentação, entre a história do livro e a história de vida

das crianças, que a palavra “cativar” foi passível de percepção na ação de brincar, e

uma tentativa de elaboração de um significado para a palavra iniciou. “Cativar” é

“uma coisa boa”, “é não ficar triste”, é “conhecer mais” uma pessoa – todas

características pertencentes ao ato de brincar.

A comunicação das crianças com a obra O Pequeno Príncipe (2006),

oportunizada na realização das atividades de leitura, possibilitou a construção de

significados para novos estímulos, experimentados pelas crianças na interação com

a narrativa. As crianças foram agentes nesse processo contínuo de elaboração de

significados porque foram capazes de completar, com suas experiências de vida, as

lacunas interpretativas da obra infantil.

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REFERÊNCIAS

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BELLINGHAUSEN, Ingrid Biesemeyer. João e o pé de feijão. São Paulo: DCL Difusão Cultural, 2006.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

COLE, Joanna; DEGEN, Bruce. O ônibus mágico – Perdidos no Sistema Solar. Rio de Janeiro, Rocco, 1999.

GRIMM, Jakob. Os contos de Grimm. São Paulo: Paulus, 1989.

FUNKE, Cornélia. Coração de tinta. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jôgo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1971.

KLEIN, Noely Varella. Fundamentos sociopsicolingüísticos e psicogenéticos da alfabetização. In: SARAIVA, Juracy Assmann, orgs. Literatura e Alfabetização: Do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 29-33.

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________; MÜGGE, Ernani [et al.]. Literatura na escola: Propostas para o ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006.

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STEINER, George. Paixão intacta. Lisboa: Relógio D' Água, 2003.

VALE, Luiza Vilma Pires. Narrativas infantis. In: SARAIVA, Juracy Assmann, orgs. Literatura e Alfabetização: Do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 43-49.

VIRCONDELET, Alain. A verdadeira história do Pequeno Príncipe. São Paulo: Novo Século, 2008.

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006.

________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WADSWORTH, J. Barry. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. São Paulo: Pioneira, 1995.

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OBRAS CONSULTADAS

AVOILO, Jelsa Ciardi. Michaelis: dicionário escolar francês: francês-português, português-francês. São Paulo: Melhoramentos, 2002.

BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972.

CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 2007.

HOUAISS, Antônio Villar; SALLES, Mauro de. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

KOEHLER, Henrique. Dicionário escolar latino-português. São Paulo: Globo, 1953.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2007.

LIMA, Luiz Costa [et. al.]. A Literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

PEREIRA, Helena Bonito Couto. Michaelis: dicionário escolar espanhol: espanhol-português, português-espanhol. São Paulo: Melhoramentos, 2002.

PERRAULT, Charles. Contos de Perrault. Belo Horizonte: Villa Rica, 1999.

________. Diálogos: O banquete; Fédon; Sofista. São Paulo. Abril Cultural, 1979.

SAINT- EXUPÉRY, Antoine de. El Principito. Argentina: Emecé, 2006.

________. Le Petit Prince. France: Gallimard, 1999.

________. The Little Prince. Hertfordshire: Wordsworth, 1995.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1998.

_________________. Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo:

Ática, 1989.

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ANEXOS

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ANEXO A – O jogo dos conceitos

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ANEXO B – Tela de Chardin: Le Phlilosophe lisant

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ANEXO C – Apresentação na Escola Crescer

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ANEXO D – Atividades sobre O Sistema Solar

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ANEXO E – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Potter)

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ANEXO F – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Peter)

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ANEXO G – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Tom)

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ANEXO H – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Pedrinho)

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ANEXO I – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Marcelo)

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ANEXO J – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Gulliver)

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ANEXO K – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Lili)

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ANEXO L – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Emília)

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ANEXO M – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Alice)

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ANEXO N – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Arthur)

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ANEXO O – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno João)

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ANEXO P – Ilustrações do encontro entre o príncipe e a raposa

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ANEXO Q – Confecção das rosas e das folhas

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ANEXO R – Figuras selecionadas

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ANEXO S – Fantoches

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Roteiro de entrevista

ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PIAUÍ

Rua Gregório da Fonseca, 91- Bairro Nonoai -CEP 90830-260

Fone/Fax (51) 3266.2033- Porto Alegre- RS

Educação Infantil- Jardim nível B

Entrevista

1 Nome da criança: 2 Data de nascimento: 3 Telefone: 4 Endereço: 5 Nome do pai: Profissão: Escolaridade: 6 Nome da mãe: Profissão: Escolaridade: 7 Qual é a renda familiar mensal? 8 Os pais da criança moram juntos ou separados? Há quanto tempo? 9 A família possui algum vício que reflita na conduta da criança? Qual? Quais soluções foram

tomadas? 10 A criança é filha legítima? 11 A criança foi desejada? Como foi a gravidez? E o parto? 12 Nº de irmãos: Idades: 13 Quais as pessoas que convivem com a criança? 14 Na ausência da (do) mãe (pai), qual o resposável por cuidar da criança? 15 Quais os brinquedos, as histórias e os desenhos preferidos da criança? 16 A criança toma mamadeira ou chupa bico? 17 Apresenta dificuldades na linguagem? 18 A criança dorme sozinha? 19 Presenciou alguma emoção forte? Qual? 20 Qual a reação quando contrariada? Qual a reação da família? 21 Tem animais em casa? 22 É alérgica a algum alimento ou medicamento? Qual? 23 Demonstra o controle do xixi? 24 Possui manias? Quais? 25 Tem medos? Quais? 26 Já esteve hospitalizada? 27 Toma remédios habitualmente? Doenças? Quais? 28 Já freqüentou a escola ou a creche? Como reagiu? 29 Em caso de acidente devemos: ( ) buscar por socorro

( ) telefonar para os pais

30 Qual o responsável por buscar a criança na escola?

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APÊNDICE B – Roteiro de atividades de leitura para a obra O Pequeno Príncipe

1. Atividade Introdutória à primeira recepção da o bra O Pequeno Príncipe

A professora fará uso da seguinte ilustração que se encontra na obra selecionada:

A imagem será ampliada e posta em uma parede da sala, visível para as crianças.

A partir da percepção da imagem, serão apresentadas, oralmente, as perguntas que

seguem:

. Quais objetos, animais e pessoas aparecem na imagem?

. Como são esses objetos, animais e pessoas (atributos como cor, tamanho,

vestimenta, etc)?

. Em qual local eles estão?

. Como é esse local?

. O que eles estão fazendo?

. Eles são conhecidos um do outro?

As respostas das crianças serão anotadas no quadro negro que estará localizado

sob a imagem em destaque.

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2. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o encontro do

aviador com o principezinho.

Serão apresentados às crianças episódios da narrativa O Pequeno Príncipe

(2006). O primeiro será o encontro do príncipe com o aviador. A seguinte pergunta será feita

às crianças, o que possibilitará a relação da imagem apresentada na atividade anterior e a

história a ser contada:

Olhem para a capa desse livro. Vocês já observaram essa imagem em algum

lugar? O que vocês conhecem sobre ela? Hoje eu vou contar um pouco mais

sobre esse menino que aparece na capa do livro.

A partir do questionamento inicial, a narrativa será apresentada até o fragmento em

que o principezinho fica maravilhado com o desenho que o aviador lhe dá. Neste momento,

as crianças serão solicitadas a desenhar presentes que gostariam de dar ao pequeno

príncipe. Esses presentes encontram-se em um contexto mágico: no nosso planeta são só

desenhos, mas quando o principezinho levá-los ao seu asteroide eles terão vida.

As crianças farão, para os colegas, a descrição do que desenharam. A professora

ficará responsável pela anotação das definições das crianças sobre os desenhos. Os

desenhos e suas definições serão postos em um envelope. O envelope será destinado ao

pequeno príncipe.

3. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o asteroide B

612 e a chegada da rosa.

O episódio narrativo sobre a descrição do asteroide no qual mora o protagonista e

seu encontro com a rosa será narrado para as crianças. Após a apresentação do episódio,

as crianças representarão as personagens da história. As meninas serão rosas e as

ilustrarão em folhas de desenho. Os meninos representarão os príncipes. Eles deverão

confeccionar folhas, usando cola com glitter e papel colorido. Cada menino deverá escolher

uma rosa- sua colega de aula- e anexar a folha. Características correspondentes à flor da

história deverão ser ditas por cada menino.

4. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o encontro

entre a raposa e o pequeno príncipe.

A ilustração da atividade introdutória será, novamente, apresentada para as

crianças, o que possibilitará a recuperação da primeira impressão que apresentaram a

respeito da imagem e a percepção que têm agora. Em sequência, o episódio no qual o

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príncipe encontra a raposa do deserto será narrado às crianças. Ao final da leitura, as

crianças receberão folhas de desenho para produzirem suas próprias ilustrações da história.

5. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o encontro

entre a raposa e o pequeno príncipe.

O episódio narrativo no qual o pequeno príncipe e a raposa se encontram será

retomado. Após a apresentação da narrativa, o seguinte questionamento será apresentado:

A raposa pede para o príncipe a cativar? O que que r dizer cativar?

Gravuras de revistas serão mostradas às crianças que, através da observação do

conteúdo das imagens (imagens de pessoas), poderão inferir se os sujeitos presentes nas

gravuras estão em situações alegres ou tristes. Cada criança escolherá a gravura do seu

agrado. Duas caixas, posicionadas sobre uma mesa vazia no fundo da sala, serão os locais

para o recebimento das gravuras. A gravura posta em uma das caixas não poderá ser

guardada na outra. As crianças serão chamadas, individualmente, para apresentar a figura

escolhida para os colegas. A apresentação das imagens seguirá estas indagações:

. De que maneira estão as pessoas na imagem: alegres ou tristes?

. Como se pode saber que estão alegres ou tristes?

. As pessoas, na gravura, estão sozinhas ou acompanhadas?

. O que elas estão fazendo?

Após a seleção de gravura, um nome será dado para cada uma das caixas. Neste

momento, a ilustração da obra O Pequeno Príncipe (2006), utilizada na atividade introdutória

da estudo, será retirada do quadro negro, local no qual estava exposta, e apresentada aos

alunos, seguida pelos questionamentos:

. A imagem da história do Pequeno Príncipe (2006) deve ser posta em qual caixa?

. O que há na caixa em que a imagem será colocada?

A professora fará a colagem da imagem da obra literária na caixa selecionada. As

caixas permanecerão expostas, em sala de aula, durante a realização de todas as

atividades de leitura.

6. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o encontro com

a serpente do deserto e o regresso para o asteroide B 612

O episódio será contado para as crianças. Após a narrativa, serão feitos os

seguintes questionamentos:

. Vocês conhecem uma serpente?

. Como ela é?

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. O que ela faz?

. Em qual local ela mora?

As crianças utilizarão meia, jornal e canetinha para a produção de uma serpente de

pano.

7. Apresentação do filme O Pequeno Príncipe

As crianças assistirão ao filme O Pequeno Príncipe. Após a apreciação do filme,

com o material disponível em sala de aula, confeccionarão fantoches do protagonista da

história: o pequeno príncipe.

Após o término da elaboração dos fantoches, uma breve apreciação oral sobre

elementos significativos dos diálogos do filme será feita:

. Vocês gostaram do filme? Que parte mais gostaram?

. O filme é semelhante a uma história que vocês conhecem? Qual história?

. Vocês recordam as cenas nas quais o príncipe encontra a rosa?

. Como era o tratamento da rosa com o principezinho?

. A rosa disse que o príncipe era egoísta. O que é ser egoísta?

. O que o príncipe fazia para ser egoísta?

8. As crianças contam a história

A atividade de encerramento para o roteiro de práticas de leitura será a

apresentação da história pelas crianças. Elas utilizarão seus fantoches como auxílio na

realização da atividade.

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APÊNDICE C – Modelo de autorização

ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PIAUÍ Rua Gregório da Fonseca, 91-Bairro Nonoai-CEP 90830-260

Fone/Fax (51) 3266.2033- Porto Alegre- RS Educação Infantil- Jardim nível B

AUTORIZAÇÃO

Termo de consentimento livre e esclarecido

Autorizo meu filho (a)______________________________, aluno (a) da Escola

Estadual de Ensino Fundamental Piauí, a participar das atividades de leitura para a obra O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, pertencentes à dissertação do Mestrado em Letras (PPGL – Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro Universitário Ritter dos Reis). As atividades estão sob a responsabilidade da mestranda e professora da pré-escola Maria Dorothea Barone Franco e contam com a orientação da Profª. Drª. Rejane Pivetta de Oliveira.

O projeto A Linguagem e o Pensamento infantil na obra O Pequeno Príncipe pretende verificar a relação entre linguagem e pensamento infantil na obra literária O Pequeno Príncipe (a partir de experiências de leitura), a forma como se dá a comunicação da obra com a criança e quais significados são construídos e compreendidos nessa interação entre a criança e o texto literário.

O estudo prevê a narração da história para as crianças e algumas atividades de leitura (práticas e lúdicas): a confecção de fantoches, a encenação dos diálogos das personagens, a ilustração de ações e elementos significativos da narrativa, etc.

A participação nas atividades é totalmente voluntária. A desistência poderá ocorrer no decorrer da aplicação do estudo. Todas as informações de identificação pessoal coletadas (a imagem, a voz e o nome da criança) serão mantidas de forma confidencial. Sinta-se à vontade para esclarecer quaisquer dúvidas antes de decidir sobre a participação nas atividades.

Para outras informações, você poderá entrar em contato com a professora Maria

Dorothea Barone Franco (pessoalmente ou pelo número: 32662033), com a direção da escola (pessoalmente ou pelo número: 32662033) ou com a secretaria do Mestrado do UniRitter (pessoalmente ou pelo número: 32203323). O endereço do Centro Universitário Ritter dos Reis estará disponível na secretaria da escola. Uma cópia do presente documento será entregue pela professora para cada responsável pela criança. É importante ressaltar que o Comitê de Ética do UniRitter foi consultado e aprovou o projeto.

Declaro ter lido e discutido, de forma livre e esclarecida, o conteúdo do presente

Termo de consentimento para poder permitir a participação do meu (a) filho (a) na realização das atividades de leitura ministradas pela pesquisadora e professora Maria Dorothea Barone Franco.

________________________________ Assinatura do responsável

________________________________________

Assinatura da professora

Porto Alegre,___de novembro de 2008.

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