hans robert jauss - a estética da recepção. colocações gerais

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I A ESTETICA DA RECEPCAO: COLOCACOES GERAIS Que significa a experiencia estkica, como ela tem se manifestado na his- t6ria da arte, que interesse pode ganhar para a teoria contemporiinea da arte? Por muito tempo, a teoria e sth e a hermeneutica literiiria deram pouca aten- Go a estas questoes. Na reflexiio tebrica sobre a arte, quer a anterior, quer a pos- terior h constitui@o da estitica como ciencia authoma, tais perguntas perma- neciarn ocultadas pelos problemas legados pela ontologia e pela medsica platbnica do belo. A polaridade entre a arte e a natureza, a arrela@o do belo corn a verdade e o bem, a congniencia da forma corn o contetido, da forma com a sigrdca$io, a rela@o entre imi-o e cria@o eram as questCies cadnicas su- - premas da r e f l d o filosbfica da arte. 0 legado platonico, muitas vaes nso ad- - mitido, mostra-se ainda em curso na filosofia contemporhea da arte sempre que se concede h verdade, manifestada pela arte, a primazia sobre a experiencia da arte, na qua1 se exterioriza a atividade estktica como obra dos homens. Por "SO a pergunta pela prixis estktica, de importancia decisiva em toda arte mani- festada como atividade produtora, receptiva e comunicativa, permanece, em - grande Parte, nao exlarecida e precisa ser hoje recolocada. Este estado de coisas ja i testemunhado por seu lugar na tradkzo: filase sobre OS efeitos da arte principalmente na ret6rica, temporariarnente na polt- mica dos doutores da Igreja Contra a arte, ocasionalmente na doutrina dos afe- tos da filosofia moral, depois na psicologia do gosto, mais tarde na sociologia da arte e, em data recente, corn mais freqiitncia, no estudo dos mms media. A po&ca aristotilica constitui, na Antigüidade, a grande exce@o e, na idade mo- derna, a Kktik & Uvreibaft (Cdtica hfacuhh a% jukar) de Kant. Contu-

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Page 1: Hans Robert Jauss - A estética da recepção. Colocações Gerais

I A ESTETICA DA RECEPCAO:

COLOCACOES GERAIS

Que significa a experiencia estkica, como ela tem se manifestado na his- t6ria da arte, que interesse pode ganhar para a teoria contemporiinea da arte? Por muito tempo, a teoria e s t h e a hermeneutica literiiria deram pouca aten- Go a estas questoes. Na reflexiio tebrica sobre a arte, quer a anterior, quer a pos- terior h constitui@o da estitica como ciencia authoma, tais perguntas perma- neciarn ocultadas pelos problemas legados pela ontologia e pela medsica platbnica do belo. A polaridade entre a arte e a natureza, a arrela@o do belo corn a verdade e o bem, a congniencia da forma corn o contetido, da forma com a sigrdca$io, a rela@o entre imi-o e cria@o eram as questCies cadnicas su-

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premas da refldo filosbfica da arte. 0 legado platonico, muitas vaes nso ad- -

mitido, mostra-se ainda em curso na filosofia contemporhea da arte sempre que se concede h verdade, manifestada pela arte, a primazia sobre a experiencia da arte, na qua1 se exterioriza a atividade estktica como obra dos homens. Por "SO a pergunta pela prixis estktica, de importancia decisiva em toda arte mani- festada como atividade produtora, receptiva e comunicativa, permanece, em

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grande Parte, nao exlarecida e precisa ser hoje recolocada. Este estado de coisas ja i testemunhado por seu lugar na tradkzo: filase

sobre OS efeitos da arte principalmente na ret6rica, temporariarnente na polt- mica dos doutores da Igreja Contra a arte, ocasionalmente na doutrina dos afe- tos da filosofia moral, depois na psicologia do gosto, mais tarde na sociologia da arte e, em data recente, corn mais freqiitncia, no estudo dos mms media. A po&ca aristotilica constitui, na Antigüidade, a grande exce@o e, na idade mo- derna, a Kktik & Uvreibaft (Cdtica h facuhh a% jukar) de Kant. Contu-

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do, nem da continuaeo da doutrina aristotdlica da catarse, nem da explica@o transcendental de Kant, surgiu uma teoria abrangente e capaz de formar uma tradigo acerca da experiencia estdtica. 0 que, ao contriirio, prevaleceu foi pro- clamado por Goethe, em seu farnoso veredicto, que recusava a pergunta pelos

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efeitos como, em suma, estranha i arte; assirn tambdm sobre a estdtica de Kant recaiu a censura de subjetivismo e sua tentativa em pro1 de uma teoria da ex- periencia estdtica, que h d a v a o belo no consenso do j h de refleXao, per- deu-se, ao longo do sdculo XIX, nas sombras de uma estdtica mais influente, a hegeliana, que defmia o belo como o aparecimento sensivel da iddia e, desta maneira, abria o caminho para as teorias hist6rico-flos6ficas da arte.

Desde entao, a estdtica se concentrava no papel de apresenteo da arte e a hist6ria da arte se compreendia como hist6ria das obras e de seus autores. Das hqOes vitais (lebemweltlkb) da arte, passou-se a considerar apenas o lad0 pro- dutivo da experiencia estdtica, rararnente o receptivo e quase nunca o comuni- cativo. Do historicismo atd agora, a investiga~8 cientifica da arte tem-nos in- cansavelmente insddo sobre a tra&@~ das obras e de suas interpretaqh, sobre sua genese objetiva e subjetiva, de modo que hoje se pode reconstruir, com mais fäcilidade, o lugar de uma obra de arte em seu tempo, sua originali- dade em contraste com as fontes e OS antecessores, mesmo atd sua h @ o ideo- ldgica, do que a experiencia daqueles que, na atividade produtiva, receptiva e comunicativa, desenvolveram in artu a praxis hist6rica e social, da qua1 as his- t6rias da literatura e da arte sempre nos transmitem o produto ja objetivado.

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0 prograrna do presente volurne contdm as perguntas sobre a praxis es- tdtica, sobre sua manifesta@o hist6rica nas u6s fung6es bkicas de Poiesis, Ais- tbesis e ffitbarsis (como denomino, numa retrospectiva da tradi@o poetol6gi- ca, as atividades produtiva, receptiva e comunicativa), sobre o prazer estkico como a orienta@o fundamentadora, caracteristica das tres h$es, e sobre a relago de vizinhanca da experiencia estktica com as outras ireas de significa- @o da realidade cotidiana. Äpresenta-se aqui a versiio refiindida das tentati- vas primeiro formuladas na minha KZeine Apologie akr &thetischen E'bhnlng (Pequem upologiu du qeriperiencia est&a) (I 972) e que, de forma ampliada, le- vei i discussao no V1 Col6quio de Poetik undtiemenmtik.' A este tomo, de-

Negativitdt und Identifikation - Versuch zur Theorie der ästhetischen E$ahrung (Negutiviakde e identzfr'ca@ - estudo para a teoria dd experihciu estetica) (1972, publicado em 1975).

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veri seguir um outro, que procurard mostrar a tarefa de uma hermeneutica li- terhia, nso tanto em mais urna teoria da compreensZio e da explicacao, quan- to na aplicago, ist0 6, na mediaqZio da experiencia contemporh e passada da arte. Permaneceri neste contexto o problema central de como se pode rea- bar? de forma metodicamente controlivel, o realce e a h i io dos horizontes da experiencia estitica contemporhea e passada. Se& ademais, colocada a re- Iagh entre pergunta e resposm como instrumento hermeneutico, que tam- bkm poderi ser mostrada como relago consecutiva entre problemas e solu- q b nos processos literh-ios.

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Os ensaios aqui apresentados no carnpo da experiencia estktica encon- tram sua limitacao neces-a na competencia do especialista em literatura. Ainda quando estes ensaios incluarn testemunhos da histbria de outras artes e se ap6iem nos resultados da hist6ria da filosofia e da hist6ria dos conceitos (Be- gnfigeschicbte), de modo algum desmentem que o autor adquiriu sua expe-

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riencia, principalmente pelas pesquisas sobre a literatura medieval e sobre as li- teraturas francesa e dem5 dos uItimos tri% &culos, assim como que sua reflexao hermeneutica se formou na prauis da interpretacao literkia. Niio obstante, a jun@o, formulada pelo titulo, entre atpe&~nnß estLticd e h&ka litexa'rZa, tambgm declara minha conviyao de que a experiencia relacionada com a arte nso pode ser privilkgio dos especialistas e que a reflexiio sobre as condi@es des- ta experiencia tarnpouco h5 de ser um tema exclusivo da hermeneutica filosd fica ou teolbgica. Essa declaraeo talvez me possa poupar as desculpas usuais de diletantismo, pela inevitavel ultrapassagem dos limites acadernicos.

A bipartigo do livro ademais se justifica por umfindLammturn in re : a di- ferenciago fenomenolbgica entre compreensiio e discernimento, entre a expe-

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riencia primh-ia e o ato da reflexiio, com que a consciencia se volta Para a signi- f i ceo e paraa constitui@o de sua experiencia, retoma, pela recep@o dos textos e dos objetos estdticos, como diferenciaGo entre o ato de recepgo e o de inter- preta@o. A experiencia est& n5o se inicia pela compreensiio e interpretaGo do siphicado de urna obra; menos ainda, pela reconstru@o da inteneo de seu autor. A experiencia primhia de urna obra de arte realiza-se na sintonia com (Eimtelung a u f ) seu efeito estdtico, ist0 6, na compreen60 fiuidora e na fiui- (ao compreensiva. Uma interpretago que ignome esta experiencia estktica pri- meira seria pr6pria da presuncao do filogo que ailtivasse o engano de supor que o t a o fora kito, n50 para o leitor, mas sirn, apecialmente, Para ser inter- pretado. Disso resulta a dupla tarefi da hermeneutica literhia: diferenpr meto-

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dicamente OS dois modos de recep@o. Ou seja, de um lad0 aclarar o processo atual em que se concretizarn o efeito e o signscado do texto para o leitor con- temporheo e, de outro, reconstruir o processo histbrico pelo qual o texto 6 sempre recebido e interpretado diferentemente, por leitores de tempos diversos. A aplica@o, portanto, deve ter por finalidade comparar o efeito atual de uma obra de arte com o desenvolvimento historico de sua experitncia e formar o jiu- m estktico, com base nas duas insthcias de efeito e recep@o.

Se, desta forma, retornam questCies que desenvolvi em minha li@o inau- -

gural de 1967, em Konstanz, tomando posi@o perante a crise das disciplinas filolbgicas, estou, contudo, consciente de que este comego de minha teoria da recep~iio niio pode ser hoje, sirnplesmente, prolongado e arnpliado. Nos uIti- mos d a anos, mudou sensivelmente tanto a situa@o cientifica e universithia, quanto A hing20 social da arte e, deste modo, a experitncia estetica de nossa atualidade. Esta foi a dkcada da reforma universitiria, em cujo processo se in- cluiram, particularmente, OS professores de Konstanz; reforma, cuja cilada se f a sentir em trts planos: a democratizagiio da institui@o universitiria, a trans- formago da educasiio histbrico-humanista numa formagiio profissional e a re- visiio da auto-imagem da teoria da citncia presente na concepeo tradicional da universidade alemii. 0 impeto da reforma, sua estagna~iio e deca&ncia2 for- mavam o pano de hindo perante o qual este livro foi escrito, numa situa@o

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que niio propiciava a elabora@o de uma teoria completa. Tal reivindicagao tarnpouco 6 reclamada para OS ensaios reunidos neste volume. Vejo as Partes antes redigidas (1 B, C, D, E) conto complementos do projeto que as precede (1 A), em grande parte s6 elaborado em 1976/7 e que representa minha posi- $50 atuaL3

Cf. Gebremste Reform - Em KapiteL deutscher Hochschulgpcbichte. Univenität Konstanz 1766 bis 1776 (A Refoma trau& - um capitulo dd bistbria do ensino sttperior ale- m-o. A Universiddde de Konstanz de 1966 a 1776), (Org.) de H. R. Jauss e H. Nesselhauf, Konstanz, 1977.

"Zur Frage der 'Struktureinheit' äiterer und moderner Lyrik" ("Sobre a quest50 da 'unidade estrutural' da lirica antiga e moderna") (ja publicado em 1960) completa o cap. A 6 (Aisthesis); "Interaktionsmuster der Identiftkation mit dem Helden" ("Os padr6es de interaGo da identificagiio com o her&") (1975) e "Über den Grund des Vergnügens am komischen Hel- den" (Sobre a raziio do prazer diante do her& c6mico") (1976) completarn o cap. A 7 (Kathar- sis); "La Douceur du foyer" ("A Docura do lar") (1975), o cap. A 8 ("Sobre a delimitaGo da funciio estktica doutras func6es do mundo da vida"). (Parte do cap. A, o decisivo para a com- preensiio das iddias do autor, e apresentada no capitulo seguinte, N. T.).

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Os filologos, que haviarn se deslocado para Konstanz, estavarn diretarnen- te interessados na reviGo da auto-irnagem da teoria da ciencia. Fundararn, por isso, o primeiro departat-nento de Cikncia da litemnira, na Alemanha, e se volta- ram Para a estktica da recepGo e do efeito, a j o respectivo inicio foi marcado pe- la minha Literutuygeschichte alr IZrmhtion (A HEStOria da IZ'tioratu~a como pmvo- c i i o ) (1967) e por D i P A p p l r k r der Tate (A eemutum upelativu do tscto) de Wolfgang Iser. Retrospectivamente, cabe dizer que a provoca@o etwa menos no ataque aS conveng6es respeitaveis da aologia, do que na forma inesperada de urna apologia. Diante do txito mundial do estruturalismo linpüistico e do triun- fo mais recente da antropologia estrutural, assinalava-se7 nas velhas ciencias do es- pkito (Ge~teswissmchajeirz), em todos OS campos, o abandono dos paradigmas da compreensao historica. Via entao a oportunidade de urna nova teoria da lite- ratura7 exatamente nao no ultrapasse da historia, mas sim M compteens50 ain- da nao esgorada da historicidade caracteristica da arte e diferenciadora de sua compreensao. Urgia renovar OS estudos literfios e superar OS impasses da hist6- . * . " pos'timsta, OS impasses da interp~etacao, que apenas s e ~ a a si mesma ou a urna medsica da "dcriture", e OS impasses da literam comparada, que tomaw a comparaqiio mmo um firn em si. Td prop6sito nao seria dcan@vel auaMs da

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panacdia das taxinomias perfeitas, dos sistemas semioticos fechados e dos mode- los fomalistas de descrigo, mas tao-SO atravk de uma teoria da hist6ria que des- se conta do processo dirhnim de produ@o e recepqiio e da relago dinamica en- tre autor, obra e ptiblico, utilizando-se para isso da hermeneutica da pergunta e resposta.

Os anos seguintes reservararn h estktica da recepgo, a partir da chamada escola de Konstanz, um exito inesperado. Ela respondeu a um interesse laten- te, que, nos anos 60, foi alimentado pela insuficiencia geral do cinone tradi- -

cional da formago filo16gica4 e que cresceu g r a p A critica Contra o "ideal da ciencia burgued', empreendida pelo movimento de protesto estudantil. A teo- ria da recep@o logo entrou no fogo c m d o do debate entre crinca ideoldgica e hermeneutica; mas despertou sobretudo um novo interesse de pesquisas, se- dirnentado pela abundancia de pesquisas em historias da recep@o e em socio-

Cf. M. Fuhrmann: Alte Sprachen in der Krise? (As Zinguds antigas na crise?), Stutt- gart 1976, que aqui e noutra parte fundarnenta a revisao do chone da forma@o clhsica e que, a partir do ponto de vista de latinista, elaborou proposiciies no sentido da transposicao da teoria da recepgo a novos paradigmas da e d u c e o literdria.

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logia da literatura, bem como em analises empiricas da recepgo. Esta mudan- p de paradipa niio teve exito apenas por isso, pois nao se tratava apenas de um desenvolvimento intern0 demso. Meus ensios de um novo mktodo his- t6rico da literatura e da arte, que partiram da primazia hermeneutica da ~ c e p - $50, form antecipados pelo esvuturalismo de Praga, que desenvolvera o for- malismo russo. Neste entretempo, atravks das edi@es e das apresenta~ks feitas por um grupo de pesquisadores de Konstanz, seus resultados, ainda entiio des- conhecidos, tornaram-se acessiveis ao estudioso ocidental.5 A semiologia da ar- te de Jan Mukaiovsw e a teoria da concretizagio de Felk VodiCka ja haviarn sobrepujado o dogma da incompatibilidade entre sincronia e diacronia, entre sistema e processo, enquanto no Ocidente procurava-se pensar a estrutura co- mo processo e introduzir-se o sujeito no universo lingüistico auto-sufiaente. Na Franp, Paul Ricoeur ja havia chamado a atengo sobre as raizes comuns de uma hermeneutica da desmistifica@o e de uma hermeneutica da recuperago

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do sentido, quando, na Alemanha, se confrontavam, na discussao entre Ha- bermas e Gadamer, critica ideologica e hermeneutica. Nao obstante, estes dois irmaos inimigos conuibuirarn, em conjunto, de forma decisiva Para revaiori- zar, Contra o objetivismo e o empirismo logico da chamada ciencia unitaria, o hdamento verbal (Sprachlichkeit) da experiencia humana do mundo, e, com

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isso, a comunicagao como condi@o da compreensao do sentido. Sobre a historia do debate na Alemanha, entre as duas posi@es da teo-

ria da literatura, a "burguesa" e a "materiaiista", acerca dos fundamentos e da aplicagao da teoria da recepqiio, niio preciso aqui retornar, pois foi vfias ve- zes contada e, mesmo neste livro, 6 bastante apre~entada.~ Considero o de- bate sobre o ponto de vista "idealisti' e "materialista", no carnpo da teoria da literatura, da estktica e da hermeneutica, como encerrado, depois que a dis-

5 Cf. Striedter (1976) e as antologias de textos, junto com as introdu~ks a Tme dw msiscben Formalisten ( Textos dos fomzalistas mrssos), vol. 1 : Texte zur al~meinen Literaturtbeo- rie und zur Theorie der Prosa (Tmos sobre a teoria geral da lz'teramra e sobre a teoria da prosa ), (Org.) J . Striedter ( 1 967), V. 11: T i e zur Theorie des Enes unddwpoetischen Sprache (Tmos so- bre a teoria ab verso e sobre a linguagem poitica), (Org.) W. D. Stempel ( 1 972); ainda F. VodiZ- ka: Die Struktur der literarischen Entwicklung (A fitmtura dz evolu@o literdria), (Org.) J . Stried- ter (1976) e M. Cervenka: Der Bedeutungxaujbau des literarischen Wmkes (A ComtmgJo da sign@cagFao mz obra litedria), (Org.) W. D. Stempel, München 1977.

De K. Mandelkow (1970), E U. Hohendahl(1974), G. Labroisse (1974), M. Nau- mann (1773) e R. Warning (1975); cf. no segundo volurne desta obra, parte G.

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cussiio esclareceu7 as escandalosas acusas6es reciprocas - as implicas6es idealistas da teoria materialista e OS desideratos materialistas da "idealista burguesa" - e depois que OS representantes niio-dogm&ticos de ambas as po- sic6es se virarn diante da mesma tarefa: empregar a teoria da recepsiio para uma nova hist6ria da literatura e das artes.

Das criticas h minha Lit~uturgescbicbte uh hovokution resulta, para a am- plia+o das posi+es ali desenvolvidas, o seguinte programa: para a adise da ex- periencia do leitor ou da "sociedade de leitores" de um tempo histbrico deter- minado, necessita-se diferenpr, colocar e estabelear a comunicaGo entre OS

dois lados da relago texto e leitor. Ou seja, entre o &ito, como o momento con- dicionado pelo texto, e a recep~h, como o momento condicionado pelo desti- natirio, para a concretiza@o do sentido como duplo horizonte - o intern0 ao literikio, irnplicado pela obra, e o mundivivencial (kbmeküch), trazido pelo leitor de urna determinada sociedade. Isso 6 necessirio a fim de se discernir co- mo a expectativa e a experiencia se encadeiam e para se saber se, nisso, se pro- duz um momento de nova significago. No entanto, o estabelecimento do ho- rizonte de expectativa intema ao texto 4 menos problem&tico, pois derivivel do pr6prio texto, do que o horizonte de expectativa social, que n h e ternatizado como contexto de um mundo historico. Por isso, enquanto a psicologia do pro- cesso de recepgo for tiio pouco esclarecida quanto o papel e a produ@o da ex- periencia estetica no sistema das e s t r u m de a@o de um mundo histbrico, 6 poum apropriado esperar-se um esclarechento total sobre o comportarnento dos leitores pelas andises fundadas em dasses e camadas, bern como proauar na literatura da moda, a literatura trivial e de consurno, a mais rigorosa expres- 60 das relag6es econ6rnias e OS interesses disfapdos de poder.

As tentativas de determinar OS modos de intera+o da identSca+o com OS herbis (1 B) e de pesquisar o fiindarnento do prazer diante dos her& dmi- cos (1 C) dedicarn-se ao problema de como se pode compreender o processo emocional da recepgso l i t e a a e da comunica+o, visto sob OS pressupostos da

7 Cf. Schlaffer (1974), com o titulo representativo: Erweitmngder materialisticben Li- watzlrtheorie durch Bestimmung ihrer Grenzen (Ampliagh da teorut materialista da literatura maut+ da determinaqdo de suasfionteiras) e e rkplicas de W. Iser e H. R Jauss a M. Naumann GeselIchaft - Literatur - Lesen. Literatuwezqtion in theoretischer Sicht (Soczedade - Literatu- ra - Leitura. A recepgJo da literatum do ponto de vista tedrtco) (1973), in Warning (Rezeption- jästhetik - Theorie und Praxis), München 1975.

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perspectiva estktica. Com a analise transversal da lirica do ano de 1857 (1 E), espero, por outro lado, haver mostrado como pode se f m r transparente a consuu@o de um mundo historico, por meio de um sistema de comunicago litedria, mim como ter descrito a fun@o esr& in actu. Este ensaio, dem do mais, adveio da procura de uma aplica@o da sociologia do conhecimento e, em suma mais urna v a confirma que a literatura de consumo niio k determi- navel Sem refertncia i h @ o estktica e socid da literatura "elevada".

A prhis estktica ainda niio C de todo determinada quando se iguala a atividade estitica produtiva e receptiva com a dialktica econ6mica da produ- Go e do consumo, deixando-se de lad0 a atividade comunicativa, como o momento mediador da experiencia estktica8

Este momento de modo algum film no modelo da circulago da Einki- tung zur Kntik &politischen Ökonomie (Introdu@o d d c a h economiapoli- tia) de Kar1 Mam, a que poderia recorrer a nova teoria marxista da recep@o, para legi timar seu ultrapasse da teoria do reflexo ( Whpiegelunpo&lI ) . In- tervim ai, entre prodqdo e commo, m terceiro momento, dividido em dis- hibuiqdo e troca, que normalrnente representada a irea da interago, mas que, significativamente, permite compreender a a@o comunicativa apenas na for- ma rudimentar de rela@es economicarnente realizadas e ver a intersubjetivida- de da comunica@o apenas no enfrentarnento abstrato da sociedade com o in- dividuo. Em conseqütncia, Para servir como fündamento de uma nova teoria da praxis estktica, o modelo da circula@o de Marx deveria primeiro ser com- pletado por uma revaloriza$o do processo de interago. Isto, se i teoria de Mam niio couber a critica que Jürgen Habermas aplicou i simplifica@o, cau- sadora das maiores conseqüencias, da teoria social de Marx: que ela iguala pri- xis e tCcnica, e assim "n5o explicita propriamente a conexiio entre interago e trabalho, mas sim, sob o t i d o especifico da pr;luis social, reduz urna i outra,

Assim Naumann (1973), p. 18, ss. Em "Das Dilemma der 'Rezeptionsästhetik"' (Poetica 8, 1976, p. 45 1 ss), incluiu recentemente a esfera da distribuiqao na diaiktica da pro- du@o e recepqiio, reduzida porkm ao momento da circulaq50 e reservada, historicamente, ao processo de s o c i a i i z . ~ da literatura burguesa. Assim, ainda ai se adia a revaiorizaqiio da inte- rage (a "troca" como a@o comunicativa) para uma nova teoria marxista da literatura.

'X pessoa se objetiva na produqiio, o produto se subjetiviza no consumo; na distri- buigao, a sociedade assume a media@o entre produqiio e consumo, sob a forma de determi- nagoes gerais, dominantes; na trova, a media+o intervdm atravks da determinaqao fortuita do individuo" (MEW, V. 13, p. 621).

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ou seja, entende a agso comunicativa como conseqiii?ncia da a@o insuumen- tal". l O Quem concorde com esta critica, nso precisa h d a r a esperanp de uma praxis social nova - que ponha a a@o comunicativa antes da a@o instrumen- tal e que assim deveria criar de novo o eqiulibrio da relaqiio triidica entre tkc-

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nica, comunicagao e visao do mundo - apenas no ideal do discurso Live de poder. Esta esperanga k mais ficil de se legitimar se, antes de tudo, 6 mostrado o rendimento das tres fungi5es da a@o humana na atividade estetica, onde a tkcnica transparece como Poiesis, a comunica@o como Kdthu~is e a visiio de mundo como Aisthesis, ist0 6, na experiencia da arte, que afirma a autonomia da a@o humana, atravks da hist6ria das rela~6es sucessivas de dominio.

Como a experiencia estktica ainda nao tem uma histtona canonizada e, por isso, nao dispi5e do acervo correspondente de fontesl1 imp6e-se, e nso 6 s6 algu- mas vezes necessiria, utna aproxirnaGo maior, como a aqui iniciada, com as dis- ciplinas vizinhas, para que se aceitem ou retifiquem seus diagdsticos e interpre- , tag6es. Tambem nao quero dar a impressao de que eu sozinho, a partir de d a pesquisa e de minhas descobertas, haja decretado a tradi@o que se manifesta por meio de minhas perspectim em historia e na hist6ria dos conceitos. Esforcei-me, por conseguinte, em tornar identiidvel o que anexei, onde, por fdta de compe- -

tencia pr6pria acreditei estar autorizado a me apoiar nas pesquisas de outros. Se, nesse ponto, sempre me referi e citei OS resultados d o u m pesquisadores, sem considerar suficientemente seus objetivos proprios, devo-lhes pedil uma descul- pa geral por terem sido, querend0 ou ngo, deste modo "ocupados".

Parece-me tambkm recomendavel charnar a atenGo sobre estes traba- lhos, realizados em ireas vizinhas, porque, em conjunto, tomaram disponivel um fundarnento te6rico e histbrico, do qual podem derivar pesquisas mais arn- plas, no campo da experiencia estktica. 0 carnpo inteiro da pesquisa se inte- grou, sempre sob o prisma da interdisciplinaridade, aos temas e discussOes do grupo Poetik und Hermeneutik; aos volumes publicados de sua skrie (I-VII: 1964- 1976), devo o corpw mais rico de trabalhos preparatorios. Da Prozess drr

l0 "Arbeit und Interaktion" ("Trabalho e interaciio"), in Technik und msenschaf2 aL Ideologie' (Tkcnica e ci2ncia como 'ideologia'). Habermas, Frankfurt, a.M., 1968, p. 45; estas colocac6es foram retomadas e ampliadas no ensaio Zur Rekonstruktion des Historischen Mate- rialismw (Para a reconstrm@o do materialismo histbrico ), Frankfurt 1 976, espec. p. 1 60 ss.

A mais fecunda ainda 6 a obra de K. Borinski, Die Antike in Poetik und Kumttheo- rie (A Antigüiddde napobtica e na teoria dd arte) (Leipzig, 1914), embora demasiado centrada na "revivesc~ncia" da antigüidade e, por isso, necessitada de uma reinterpretaciio permanente.

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theoretürhen Neugierde (Oprocesso h mr;tos& tedria) (1 973), de Hans Blu- menberg, cornpleta essencialmente a hist6ria da experiencia estktica, na medi- da em que tematiza, o entrelapmento do t e b corn o estdtico, desde a An- tigüidade atk a sua dissociaGo no principio da Idade Moderna. Da Hmp Hofimg (0 Prz'nn'pio-epmnca) (1959) de Ernst Bloch indui a experiencia estktica nas categorias do "aparecer'' (Vo~schein) e, desta forma, amplia a teoria unilateral da formacao do ideal de Freud. Jean Starobinski, em L'Oeil vivant (I: 196 1,II: 1970), trabalhou a idkia de imaginago, a partir da hist6ria da medi- cina e da hist6ria do conceito, e tornou sua signitica@o utilizivel nos paradig- mas da hermeneutica profünda. Qu'pstce p la litthatzlre? (1 948) de Jean-Paul Sartre abriu novos carninhos para a reabiliteo do leitor e mantew sua impor- thcia na teoria da dialktica entre escrwer e ler. Seu estudo fenomenol6gico L'Imginuire (1 940) diferencia a produGo da conscigncia imaginante quanto A

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perceptiva. Hoje, h i de se colocar a seu lad0 a Pbhomenologie de I'qkience esthkque (1967) de Mikel Dufienne, compreendida como uma andise trans- cendental do ato contemplativo alkm de seus "a prioris afetivos" e englobante de diferentes artes. Wolfgang Iser, com Du Akt des Lesm (0 ato de kr ) (1 976), coloca ao lad0 da teoria da recep@o uma teoria do efeito estdtico, que conduz, a partir dos processos de transforma@o, i constitui@o do sentido pelo leitor e que descreve a fic@o como uma estrutura de comunica@o. A estrutzlra dor tsc- tos literdrios (1972) de Jurij Lotman k tambem uma semiotica esteticamente competente, que amplia o conceito de texto em dire@o a "informaqiio a mais" e ao "sistema formador de modelos". As Strukturen dpr. Lebmwelt (fitrutura ab mundo h V&) (1975) de Alfied Schütz e Thomas Luckmann constituem o fundamento indispensivel para o problema da demarcago do estetico quan- to a outros universos de sentido da a@o humana. Odo Marquard, diversas ve- zes (1 973; Poetik und Hmeneubk 111, VII e VIII), definiu o estkico, hist6ri- ca e sistematicamente, a partir de suas fiin@es compensat6rias e sugeriu a reinterpretaGo da arte moderna como contdria h "atrofia dos telos", na Idade Moderna. Die Au+ng des Kumtbegrtfi (A dzisolu@ do concnto de arte) (1 976), de Dieter Wellershoff, a uItima analise das manifata#s e dissolu~6es atuais do h b i t o estktico, ja esta fora do espaso historico de minha exposi@o.

Admito que este elenco de autores indica as linhas mestras de experitn- cia e que faltam alguns nomes. Pareceu-me contudo ocioso estabelecer dis- cussoes poltmicas com representantes doutras posig6es, onde se declare, ex- plicitamente, a decisao prkvia em favor de uma esthica da obra ou em que

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niio se analise a fün@o comunicativa da experiencia estktica. Cabem neste reparo as teorias da chamada semiotica parisiense e do grupo 722 Quel con- tra as quais se levantou a conhecida e att! hoje nao rebatida censura de Sar- tre: absolutizam a obra como Pcritatp, afastam o leitor e, corn isso, esquecem que a literatura d [email protected] E o fato de que, declaradarnente, eu con- ceda a primazia i via historico-hermeneutica na defini60 das funqOes da ex- periencia estdtica, niio me parece implicar urna retomada da velha discussiio corn a lingüistica estrutural, corn a podtica e corn a teoria da comunicago; gostaria de que OS resultados reciprocos decidissem em que OS mktodos con- - -

tribuem para o problema da comunica~iio literiria e onde se podem comple- mentar, para, de fato, integri-los.

Meu agradecimento aos autores que, na seqüencia deste trabalho, cada vez mais aprendi a apreciar, e a reconhecer como meus predecessores, seri, corn certeza, ocultado pela inevitivel redu@o de suas teorias sobre a posi@o a par-

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tir da qud p6de o problema ser mais desenvolvido. John Dewey, corn Art as experience (1934) e Jan Mukaiovslj com Asthetiscbe finktion, Norm und ä(-

thetischer Wot uh soziale Fakten (Af;np% est&ticiz, U n o m e o vuhr como &tos so&) (1936) principiararn, na d6cad.a de 1930, a rejeitar a estktica da obra.

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0 primeiro especificou a experiencia estdtica como "qualidade" inerente de to- da experiencia, realizada, o dtimo como o principio b i o " , ist0 t!, transparen- te da hn@o estdtica, que t! capaz de captar e dinarnizar todas as demais ativi- dades. Os pressuposros subjetivos no enfoque estdtico e a delimitago da experiencia estktica em face dos outros universos de sentido da vida permane- cem em aberto e possibilitararn indaga@es posteriores.

No mesmo tempo, Walter Benjamin, mm seu ensaio Das hnstwerk im Zoitulter seiner technischen &pmdabarke i t (A oobm L utte na eocu a5 sua re- produtibil& temica) (1936) e Herbert Maraise, corn sua critica Über dpn AJI Ifrmativen Charah dp, K u . r ( S o h o car& a$rmatitivo dz cultura) (1937) - abriram a discussiio sobre a aboligo da arte autonoma. Benjamin definiu a ex- periencia estktica a partir do conceito da aura, e, corn a analise das conseqii2ncias de sua desritualiza@o, na t!poca a d , antecipou as teses do M d e imgimire

l2 Em uma discuss%o piiblica corn J. E Faye, J. Ricardou e outros, em 9 de dezembro de 1964, publicada sob o titulo: Que peut kz litthature?, na col. L'hkdit, Paris, 1965, p. 107- 127. Sobre Roland Barthes, que, em Lepkzisir du texte, redescobre o leitor que usufnii isolada e fil~lo~icarnente, voltarei no Cap. 3 (CE aqui ensaio seguinte, N. T.).

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(1951) de Malraux,13 concedendo a arte tecnizada a sighca@o revolucionaria de, no funuo, transformar as massas no pr6prio sujeito de uma pr;Ws estkica p e litizada. Marcuse atacou a d t u r a idealista da dpoca burguesa, considerou a ex- periencia estitica vigente suspeita de corroboradora do siam quo e hdarnentou a esperanp em urna organiza$o melhor na "liberaGo do ideai", atraveS da emancipaGo da experiencia sensivel do belo. Marcuse que, nesta obra, esteve prestes a cair in tot0 na criuca ideolbgica, viu mais tarde na experiencia estdtica a "dirnensiio decisiva da liberdade" e ideriu da "verdade subversiva da arte" a "pro- messa da libera@o possivel".14 Deste modo, entretanto, ainda havia de Se provar, pela historia da experiencia da arte, este seu potencial subversivo, IGO violento, "transcendente a todo conteiido de classe"; ou seja, havia de se esperar, como diz

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em hce da teologia da hist6ria redentora de Benjamin, a redenGo do passado, nao s6 dos "momentos verdadeiros" de uma coincidencia entre critica e profecia, mas tambim da continuidade da pr6tica estetica dos homens, nunca totalrnen- te reprimivel.

A hermeneutica filos6fica de Hans-Georg Gadarner ( Wdhrheit undMedo- L) (K~dado e meitoah) (1 960) e a obra p6stuma de Theodor W~esengrund Ador- no, Asthdche Thnk (ZOG e s t h ) (1970), deram-me o impulso direto Para esta pesquisa. A teoria de Gadarner da experiencia hermeneutica, a explicago hist6rica desta experiencia na hist6ria dos conceitos humanisticos hdamentais, seu principio de reconhecer na hist6ria do efeito (~rkungsgeschichte) o acesso a toda a compreensiio histhica e a solu@o do problema da r&@o control6vel da "fusao de horizonte" siio OS pressupostos metodol6gicos inquestiomiveis, Sem OS quais o meu projeto seria impens6vel. Parece-me contudo discudvel a "dva- $0 do "passado" de Gadamer por sua idiia do clissico, ambuindo-se "aos textos eminentes" urna "superioridade e uma liberdade de origem", diante doutra tra- [email protected] Como, no entanto, conciliar esta superioridade original da obra dissica corn o principio de conaetiza@o progressiva do sentido? Como harmonizar a "identidade de sentido" da pergunta original, "que sempre medeia entre a origem e a aniaidade",16 corn a conduta produtiva da compreensiio, na aplicago her-

'3 In Les voix du silence, Paris, 195 1, nao se encontra nenhuma referencia ao que 6 tomado de Benjamin.

l4 In Kontemolution und Revolte (Contra-revolupZo e revoZta ), p. 82, 104, 1 1 6. '5 Posficio a Wahrheit und Methode, 3" ed., Tübingen 1973, p. 539-540. l6 Ib. e (1960), com referencia ao capitulo "Das hermeneutische Problem der An-

wendung ("0 problema hermeneutico da aplica~~o"), p. 290 ss.

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men~utica? Creio, por isso, que posa invocar Gadamer Contra Gadarner, quan- do sigo seu principio de aplicago e entendo que a hermeneutica litedria tem por tarefa interpretar a relago de tensiio entre texto e atualidade como um processo, no qual o dialogo entre autor, leitor e novo autor refz a distancia temporal no vai-e-vem de pergunta e resposta, entre resposta original, pergunta a d e nova solu@o, concretizando-se o sentido sempre doutro modo e, por isso, sempre mais rico.

Um segundo ponto que me parece discutivel k a critica de Gadamer 5 cc abstra@o da conscitncia estdtiml'." Esta critica atinge, na verdade, as formas de decadencia da cultura estdtica do sdculo XK, mas niio esclarece as fun~iies da experiencia estdtica entre OS p6los historicos da apropriagao cultural ("nso diferencia@o estdtiica') e do museu irnaginhio ("diferenciago estetica"). Na Ästhetische Theorie de Adorno, estas fun~ties, como toda a pr&s estktica da ar- te prd-authnoma, caem numa dialktica formada entre afirmago e negativida- de: em vista de uma praxis funesta, que arneap reduzir toda experiencia estk- tica ao circulo da satisfa@o das necessidades manipuladas, ao comportamento consumista, apenas a obra de arte monAdica ainda tem a forp de, por efeito de sua negatividade e pela reflexiio de seu contemplador solitano - contem-

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plador que renuncia a todo prazer estetico - de romper com a aparhcia do contexto geral de enfeitipmento. Na estdtica da negatividade de Adorno, a ar- te e a literatura vanguardistas dos anos 60 alcanpm sua mais arnpla teorizago e sua mais forte legitimago; dediquei-ihe uma critica detahada (Cap. 2), por- que reconko em Adorno o adverdio que me provocou h busca de assurnir o papel pouco comum de apologeta da experiencia estdtica, posta em descrk- dito. Em vista da situago atual, o "parti pris" de minha inten@o apologdtica deve ser agora sumariamente exposto.

0 discurso pouco critico sobre o "Carater de mercadoG' da arte, mesmo sob as condi@es da sociedade indwxrial, niio mnsidera que, atd mesmo OS produ- tos da "indusfla da cultura?, permanecem como mercadorias nrigmh, cujo ca- &er permanente de arte k tao pouco compreendido pelas categorias de valor de USO e de mais-valia, quanto a sua circulago o d pela relago de oferta e procura.19

l7 Gadarner (1960), p. 84 ss. ls Cf. ibidem, p. 81 ss. '9 A respeito, deve-se charnar a atenciio para a analise minuciosa que Hannelore Schlaf-

fer apresentou em sua "Kritik eines Klisches: 'Das Kunsnverk als Ware"' ("Critica de um cliche: 'a obra de arte como mercadorid "), in Heinz Schlaffer: Erweiterung (CE nota 7).

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E s6 de modo parcial que a necessidade estkica C manipulivel, pois a produGo e a reproduGo da arte, mesmo sob as condicoes da sociedade industrial, niio consegue determinar a recepGo: a recep@o da arte n k d apenas um consumo passivo, mas sirn uma atividade estdtica, pendente da aprova@o e da recusa>2O e, por isso, em grande parte nzo sujeita ao planejamento mercadologico. Han- nelore Schlaffer, a quem agradecemos a cdtica mais penetrante do exitoso cli- ehe, ''a obra de arte como mercadoria", tambdm mostrou a curiosa passagem desta estdtica critico-ideol6gic.a para o campo do pessimismo conservador: Para sair do suposto "contexto de enfeitipmento" total da pr;uris estdtica mntempo- rhea, restaura-se, Sem se dizer, a obra de arte revestida de aura e sua contem- pla@o soliitaia, como medida estetica de uma esencialidade perdida. Assirn a critica materialista retoma i compreen60 idealista da arte, pr6pria daquela "es- tetica burguesa" Contra a qua1 se levantara?l

A teoria de Adorno sobre a maquinaria da indbtria cultural e de seu efeito de conjunto, no sentido de um "antiiluminism0">2~ ainda despertou, noutras escolas, o preconceito de que a arte de uma elite cultural cada vez me- lhor, diante da multidao crescente de consumidores da indhtria cultural, niio tem mais salvaGo. Mas o contraste entre urna arte de vanguarda, apenas vol- tada para a reflexiio, e uma produGo dos mau media, aPinas volGda Para o consumo, de modo algurn faz justip i situa@o atual. Ainda niio se provou que a quebra das fronteiras do estdtico, atravds das possibilidades niio pressen- tidas da atividade podtica e estdtica, leve necessariamente & "dial6tica do ilu- minismo". Tampouco esta provado que a experitncia estkica, tanto da arte contemporhea quanto da arte do passado, que, pelos mas media, ji niio s6 atinge uma carnada culta, mas se abre para um circulo de destinatArios atd ho- je nunca alcanpdo, deva inevitavelmente degenerar numa rela@o consurnis- ta e corroboradora do smm quo. Contra iss0 6, quando nach, de se opor o que Brecht j i formulara a respeito do efeito do cinema: "Todos concordam

20 Sobre o duplo sentido do conceito de " m a n i p u i a ~ ~ ~ ~ e para a defesa da retorica an- te a suspeita de formadora inevitavelmente coercitiva da opinigo, veja-se H-. G. Gadamer, in Apel: Hermeneutik undIdeologiekritik (Hemzenhtica e crz'tz'ca ideologica), Frankfürt a.m. 1970, P. 304 ss.

21 In Schlaffer (1974), p. 282 ss, com referencia a H. H. Holz: Von Kunstwerk zzlm Ware (Da obra de arte d mercadorut). Neuwied, 1972

22 "Resume über Kulturindustrie" ("Resumo sobre a indhtria da cultura"). in Ador- no: Ohne LeitbiH- Parva Aesthetz'ca ( S m ihla - p e q m estktica), Frankfurt, 1967.

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que o filme, mesmo o mais anistico, i uma mercadoria (. . .). Quase Sem exce- -

$20, todos lamentarn este fato. Aparentemente, ninguim consegue imaginar que esta maneira de ser lancado no mercado possa ser vantajosa Para urna

" 23 obra de arte . Em que a teoria estitica - que aparentemente esti em desvantagem

crescente quanto aos mitodos mais divulgados da semiotica, da teoria da in- -

formagiio e da lingüistica do texto (Tktlligaütik) - pode contribuir para a solu@o do problema, a partir de sua propria competencia e tradi~iio, se a mudanga, tantas vezes prognosticada, de toda experiencia estitica comuni- cativa em urna funciio apenas ideologica i o destino inevitavel da arte con- temporinea? A Athetische Theorie de Adorno apresenta quanto a iss0 ape-

<C nas urna resposta puritana: Abstendo-se da praxis, a arte se torna o esquema da prhis ~ocial".~* A ascese, que, desta maneira, se imp6e aos pro- dutores e receptores da arte, deve libertar a consciencia tutelada do indivi- duo da prhis de seu comportamento consumista. Niio se entende, porkm,

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como, mediante receitas da pura negatividade, que tambim representarn o ultimo degrau da sabedoria para uma estdtica materialista do tipo da do grupo Tel Quei realizar-se-A a passagem para um novo esquema de praxis s0cia1.~5A tese segundo a qual e exatamente a obra de arte autbnoma aque-

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la que oferece a contradita implacavel A opressiio social, herda, com o prin- cipio de lhrtpour tart, que volta aqui a ser valorizado, a perda da praxis, por sua vez conseqüencia da autonomia da arte, alcan~ada no siculo XIX, junto com a separasiio da arte em "superior" (desinteressada) e "inferior"

23 Gesammelte Werke (Obras reunidds), V. 18, Frankfun, 1967, p. 60-70. 24 Adorno (1970), p. 339. 25 Na Franca, a teoria panideologica da Louis Althusser exerceu urna influsncia mar-

cante. Segundo esta teoria, toda ac5o socid inevitavelmente cai em poder do aparelho ideol6- gico do Estado e o imagindrio funciona como o instrumento principd da ideologia, para que OS individuos concretos se convertarn, Sem o saber, em "sujeitos" (jogo de palavra com o du- plo sentido da palavra fiancesa) dependentes. Corno a "produc$io do interesse estktico" pode servir apenas h reproducao do codigo ideologico, d conveniente suspender, por enquanto, a ex- periencia estktica, atd que de novo se realizem as condiq6es Para urna arte livre, atravds da a@o da luta de classes. Esta conseqüencia foi inferida, de maneira mais conseqiiente, por Charles Grivel, a partir do ensaio de Althusser, "Iddologie et appareils id4ologiques d'ht'' (in Lz Pen- see, junho 1970, 1-36), em urna monumental ad i se transversal da ddcada de 1870-1 880 (cf. Production de Itnteret romanesque. Un ktat du tme, Hague-Paris, 1973).

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( ~ t i l ) . ~ ~ Para que ao antiiluminismo da indhtria cultural se oponha um no- vo iluminismo, por meio da experiencia estktica, e preciso que a estktica da negatividade niio mais renegue o cariter comunicativo da arte. Ela deve se libertar da alternativa abstrata entre negatividade e afirmagiio, pela procura de refundir as formas violadoras da norma, ressaltadas na arte de vanguar- da, em produgoes formadoras de norma da experitncia estdtica.

A hist6ria da experitncia estktica nos oferece pelo menos trts boas ra- zoes para a tese de que a h @ o normativa da experiencia estdtica, mesmo ho- je, niio h i de, inevitavelmente, resvalar na adapta@o, ide~lo~icamente dirigi-

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da, e que haja de terminar na pura afirma@o do s*ltw quo. Por mais terrivel que-possa parecer aos puritanos da critica ideolbgica a situaGo das artes sob o dominio e a velada manipulagao dos novos muss me&, houve kpocas no passado em que a sujei@o da arte tornava muito mais verossimeis OS prognbs- ticos sobre sua decadencia. A proibigo de imagens, por exemplo, que ressur-

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giu periodicamente durante o dominio da Igreja, por certo niio era um peri- go menor h praxis estktica do que a inunda@o de imagens atravks de nossos mas mediu. E, no entanto, de cada fase de hostilidade h arte, a experiencia es- tktica emergiu numa forma nova e inesperada, seja esquivando-se da proibi- gib, seja reinterpretando OS &nones, seja descobrindo novos meios de expres- sao, sobre o que ainda se falara (Cap. A 4). Esta rebeldia bhica da experiencia

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estktica evidencia-se em segundo lugar, por sua permissiio, muitas vezes rei- vindicada e dificilmente reprimivel, de colocar perguntas indiscretas ou de su- gerir veladamente pela fic@o, onde um sistema de respostas obrigatorias e de indagagoes apenas toleradas consolidava e legitimava o predomhio de uma visiio de mundo. Esta hn@o transgressora de pergunta e resposta encontra- se nos caminhos clandestinos da literatura ficcional, assim como no caminho real dos processos literirios: na recepgo dos mitos, que - veja-se, por exem- plo, a hist6ria de Anfitriiio2' - deixa longe de si toda "superioridade origi- nal" e, enquanto veiculo de emancipa@o, pode plenarnente concorrer com o pensarnento filos6fico.

26 Contra Adorno que, em seu "Resümk über Kulturindustrie" (1967, p. 60), apa- rentemente ignora que a separaqao das esferas da arte em superior e inferior nso vigora ha mi- lenios, pois aquelas esferas se encontravam unidas na funcao pratica, atk a emancipa@o das belas-artes.

27 Cf. minha contribuicao a Poetik und Hermeneutik W11 (a ser republicada no V. I1 desta obra).

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Quanto ?i pergunta como a arte poderii negar o stiztm quo e, niio obstan- te, formar normas; dito doutro modo, como poderi prescrever normas Para a a@o priitica, Sem as impor, de modo que sua normatividade SO Se imponha pe- 10 consenso dos receptores, hi, em terceiro lugar, a fOrmula de um ilurninista do skculo m I , de indiscutivel autoridade. Ela se encontra na explica@o de Kant sobre o juizo de gosto: "0 juizo de gosto n5o postula por si mesmo a ade- S ~ O de cada um (pois SO um j h 1Ogico universal pode fd-10, porque pode apresentar razijes), ele apenas auibui a cada um esta adesiio como um caso da regra, em vista do qua1 espera a confirma$io, n5o a partir dos conceitos, mas pe- 10 acordo dos o ~ t r o s . ~ ~ Por conseguinte, a experiencia estitica n5o se distingue apenas do lad0 de sua produtividade, como cviq-do atravh ah Iiberdade (4 e.f. 43), mas tambim do lad0 de sua receptividade, como "aceita+o em liberdade".

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A medida que o julgamento estktico pode representar tanto o modelo de um julgamento desinteressado, n5o imposto por uma necessidade (4 e.f. 5), quan- to o modelo de um consenso aberto, niio determinado apriori por conceitos e regras (4 e.E 8), a conduta estktica ganha, indiretamente, significaGo Para a pri- xis da ago. E o caso exemplar, disMguido por Kant como o procedimento da sucessh (Nmbfilge) em face do mero mecanismo & imitqh (Na~babmun~) ,~~

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que medeia entre a rafio teOrica e a pritica, entre a universalidade lOgica da kor- ma e do caso e a vigencia aprioristica da lei moral, possibilitando, deste modo, a ponte entre o estetico e o kti~o.~O 0 que, de Iliicio, poderia parecer como de- ficiencia do juizo estdtico - isto 4, que possa ser a p m exmphr e n5o neces- shio pela 1Ogica - mostra-se como seu uaso peculiar: o fato de o juizo estiti- CO depender do consenso de outrem possibilita a participa@o em uma norma em forma@o, e, ao mesmo tempo, constitui a sociabilidade. Kant, portanto, re- conheceu no juizo do gosto, ne~essariamentepIuraIArtico (4 e.f. 29), a c a p a d - a?e de juim sobre tudo q u i h atravks de que sepode hawmitir a qua.@m um atk o seu prdprio sentimento; derivou, ademais, este interesse empirico pelo belo, se

28 Kritik der Urteilskraft (Crz'tica da faculddde de julgar), $ 8. 29 Para o melhor entendimento do leitor brasileiro, transcrevemos a passagem refe-

rida de Kant: 'A justa express50 Para a influencia que as produc6es de um criador exemplar podem ter sobre os outros 6 sucessao (Nachfolge) e nao imitacao (Nacbabtnung) ': Kritik der Urteilskraft. $ 32 (Nota dos Tradutores) .

3O Ib. $32. Sigo aqui a interpretacao de Günther Buck: "Kants Lehre von Exempel" ('X doutrina kantiana do exemplo"), in Archiv f i r Begnj'i'gescbicbte 1 1 (1 967), 148- 183, es- pec. p. 181.

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bem que so de passagem, de uma analogia notavel com o Conhat so& de Rousseau. 0 juizo estitico, que Buge de cada um a busca de uma comunica@o universal, satisfaz um m h o interesse, pois resgata, estetimente, u m a Parte do contrato social originirio: "Tambkm cada um espera e exige que se busque uma comunicaGo universal com OS ouuos, como se fosse por conseqü2ncia de um contrato original, ditado pela pr6pria humanidade7' ((O e.f. 4 1).

Tradugih ak Luiz Costa Lima e Peter Naumann Revisiio tkcnica dp Heidnrn Krieger e Uwe Scbme/ter