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MARCAS E APRENDIZADOS NO URBANO MUNDO CONTEMPORÂNEO TAVARES JR, Paulo Roberto Faber 1 - IFSUL COELHO, Alberto d’Avila 2 - IFSUL Grupo de Trabalho – Educação, Arte e Movimento Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este trabalho integra-se a pesquisas desenvolvidas pelo grupo Experimenta – experimentações com arte e filosofia, que vêm pensando questões da educação contemporânea, processos de formação, experiência estética e processos de subjetivação. Utiliza-se de um método cartográfico para pensar o espaço urbano como espaço de aprendizado, de saberes não- sistematizados. Transcorre por experiências vividas na cidade Pelotas, buscando extrair delas as “marcas” que possibilitam acessar saberes que permitam estados de alteridade, de ser outro, de tornarmos outro. Utiliza como referenciais teóricos alguns filósofos da diferença tais como Gilles Deleuze, Félix Guattari e Michel Foucault. Também trazemos para o nosso campo de estudos pesquisadores da área da educação que escreveram e potencializaram seus trabalhos a partir da perspectiva destes autores. Trabalha o conceito de vontade potência de Friedrich Nietzsche como uma necessidade da vida, relacionado com a dicotomia “bom e mau” do mesmo autor. As inscrições urbanas são entendidas aqui como todo tipo de intervenção visual que ocorre pelo espaço urbano, desde as várias formas do graffiti, pixações, até intervenções artísticas com projeções. A partir da importância constatada destas inscrições nas últimas décadas, são pensadas também as novas formas que estas inscrições assumem, uma vez que novos modos de resistência precisam ser inventados. Da mesma forma que se observa o movimento de uma máquina sistema de rostidade, conceito de Deleuze e Guattari, que capturam muitas destas formas. Este artigo é parte da pesquisa desenvolvida no Mestrado Profissional em Educação e Tecnologia do Instituto Federal Sul-Riograndense Campus Pelotas, intitulada “Cartografias de um passeante urbanos – inscrições urbanas e educação estética informal”. 1 Mestrando em Educação: Mestrado Profissional em Educação e Tecnologia pelo IFSUL. Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas. Membro do grupo interinstitucional de pesquisa Educação e Contemporaneidade: experimentações com arte e filosofia EXPERIMENTA. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Brasil, com período sanduíche em Universidade Politécnica de Valencia, Espanha. Professor Titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, campus Pelotas/ RS. Pesquisador no grupo interinstitucional de pesquisa Educação e Contemporaneidade: experimentações com arte e filosofia EXPERIMENTA. E-mail: [email protected].

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MARCAS E APRENDIZADOS NO URBANO MUNDO

CONTEMPORÂNEO

TAVARES JR, Paulo Roberto Faber1 - IFSUL

COELHO, Alberto d’Avila2 - IFSUL

Grupo de Trabalho – Educação, Arte e Movimento

Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este trabalho integra-se a pesquisas desenvolvidas pelo grupo Experimenta – experimentações com arte e filosofia, que vêm pensando questões da educação contemporânea, processos de formação, experiência estética e processos de subjetivação. Utiliza-se de um método cartográfico para pensar o espaço urbano como espaço de aprendizado, de saberes não-sistematizados. Transcorre por experiências vividas na cidade Pelotas, buscando extrair delas as “marcas” que possibilitam acessar saberes que permitam estados de alteridade, de ser outro, de tornarmos outro. Utiliza como referenciais teóricos alguns filósofos da diferença tais como Gilles Deleuze, Félix Guattari e Michel Foucault. Também trazemos para o nosso campo de estudos pesquisadores da área da educação que escreveram e potencializaram seus trabalhos a partir da perspectiva destes autores. Trabalha o conceito de vontade potência de Friedrich Nietzsche como uma necessidade da vida, relacionado com a dicotomia “bom e mau” do mesmo autor. As inscrições urbanas são entendidas aqui como todo tipo de intervenção visual que ocorre pelo espaço urbano, desde as várias formas do graffiti, pixações, até intervenções artísticas com projeções. A partir da importância constatada destas inscrições nas últimas décadas, são pensadas também as novas formas que estas inscrições assumem, uma vez que novos modos de resistência precisam ser inventados. Da mesma forma que se observa o movimento de uma máquina sistema de rostidade, conceito de Deleuze e Guattari, que capturam muitas destas formas. Este artigo é parte da pesquisa desenvolvida no Mestrado Profissional em Educação e Tecnologia do Instituto Federal Sul-Riograndense Campus Pelotas, intitulada “Cartografias de um passeante urbanos – inscrições urbanas e educação estética informal”.

1 Mestrando em Educação: Mestrado Profissional em Educação e Tecnologia pelo IFSUL. Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas. Membro do grupo interinstitucional de pesquisa Educação e Contemporaneidade: experimentações com arte e filosofia EXPERIMENTA. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Brasil, com período sanduíche em Universidade Politécnica de Valencia, Espanha. Professor Titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, campus Pelotas/ RS. Pesquisador no grupo interinstitucional de pesquisa Educação e Contemporaneidade: experimentações com arte e filosofia EXPERIMENTA. E-mail: [email protected].

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Palavras-chave: Inscrições urbanas, marcas, aprendizado.

Introdução

Neste artigo trataremos o espaço urbano como um espaço de aprendizados tecido junto

as inscrições urbanas, um espaço de saberes não sistematizados que é como “um campo de

forças da vontade de potência maior e da vontade de potência menor” (NIETZSCHE apud

ROLNIK, 2010, p.1)3, aprendizado que nos lança a uma condição de vida que busca resistir,

tensionando os modos de subjetivação com os quais operamos para viver/morrer. Segundo

Nietzsche (1983) vontade de potência é vontade de vida, sua condição fundamental. Aqui

trata-se de um “pôr em movimento” de maneira tal que o encerramento deste movimento seja

também o fim da vida, uma morte enquanto ainda vivo. Viver e morrer como faces de uma

mesma condição de atuação de um sujeito.

Há processos de subjetivação na contemporaneidade que capturam o desejo,

determinando os modos operantes do sujeito, a quem já não cabe escolhas, diminuindo assim

a intensidade de sua vontade de potência, seu movimento de produção de outros “eus”, de

produção de diferença. Dicotomias e regras de conduta que acabam operando sobre este “pôr

em movimento”, conduzindo justamente para seu cessamento e consequente estado de morte

como uma aniquilação do desejo. Como enfrentar estas determinações que operam sobre

nossos desejos? Como não permitir deixar morrer a vida?

As transformações que o corpo dia a dia vai tendo de suportar com esses processos

constroem uma memória que é feita de fatos e de “marcas”, conceito de Suely Rolnik (1993),

relativo a estados inéditos que se produzem em nosso corpo, a partir das composições que

vamos vivendo, quando nossa forma atual é desestabilizada e forçada a produzir um novo

corpo, a nos tornarmos outro. Outra espécie de memória, como algo gerado por forças

invisíveis que se elevam com os fatos, mas que não se reduzem a eles, é produzida pelo

trabalho do pensamento, memória menos empírica e mais intensiva.

Nos vários espaços que ocupamos, determinados processos de subjetivação passam a

agir sobre os corpos, fazendo surgir outros “eus”, que se confrontam e, nestes confrontos,

alguns padecem. Segundo Mansano (2009), em seu artigo sobre sujeito, subjetividade e

modos de subjetivação, trata-se de trocas coletivas. Em cada sujeito que “acolhe os

3 ROLNIK, S. Entrevista: Suely Rolnik. Revista [re]dobra, Salvador, v. 2, n. 8, 2010. Disponível em: <http://www.corpocidade.dan.ufba.br/redobra/r8/trocas-8/entrevista-suely-rolnik/>. Acesso em: 15 out. 2012.

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componentes de subjetivação em circulação, também os emite”. Talvez a tensão em resistir às

diversas subjetividades que nos são impostas seja a causa de tantos fármacos e especulações

psicanalíticas que ingressam conosco no século XXI.

A paisagem das cidades na atualidade responde a geografia de determinadas forças de

produção de uma subjetividade baseada no consumo. Proliferam-se os centros de consumo

como os “shoppings centers”, os aparatos publicitários e uma parafernália que vende, antes de

produtos, estilos de vida. De alguma forma sentimos que as inscrições urbanas também atuam

neste púlpito. Por um lado, como forma de criação, de resistência, no sentido que nos fala

Gilles Deleuze (1999), elas atuam resistindo justamente às subjetividades estabelecidas.

Resistir neste sentido é assumir a postura de quem se opõe à ordem das coisas, rejeitando ao

mesmo tempo o risco de subverter essa ordem. Por outro lado, perguntamos até que ponto as

inscrições urbanas, ou determinadas inscrições urbanas, já não foram capturadas por uma

forma de subjetivação que, segundo Rolnik (2010), surge com a instalação do capitalismo

cultural na segunda metade dos anos 70, tendo a figura do grafiteiro, do pixador, do inscritor

urbano como um sujeito já regulamentado, que opera dentro de um campo sistematizado, e

que já não surpreende.

A cartografia como modo de acompanhar processos

Os processos investigativos que deram vasão a este artigo buscaram ocupar-se de um

método cartográfico, método proposto por Deleuze e Guattari, utilizado em pesquisas de

campo voltadas para o estudo da subjetividade (KASTRUP, 2007; KIRST apud FONSECA;

KIRST, 2003). A cidade foi tomada como um campo de aprendizado nesta cartografia -

muros, casas, edifícios, ruas, praças, pessoas, animais, graffitis, sonoridades, cheiros, tudo

constituindo um território que permite e coloca os corpos em deslocamentos a provocar

muitos encontros. Para a presente escrita damos especial atenção às experiências com as

inscrições urbanas, as quais possuem uma natureza efêmera, o muro pixado logo é repintando,

por ora estão ali, depois já estão acolá. Desta efemeridade buscamos captar para este artigo

marcas produtoras de desejo que são desafiadoras do que então é passageiro.

Dentre as caminhadas pela cidade de Pelotas muitos foram os registros fotográficos,

alguns apresentados nas figuras que seguem (Figura 1 a Figura 3), como se com eles

viéssemos a reatualizar na memória alguns dos encontros. Buscamos escrever com algo que

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nos acompanha e que se faz afecto, entidade que desafia a efemeridade da vida, marca

conservada em nossos corpos.

Figura 1- Trabalho realizado nos tapumes de proteção da reforma do Casarão 8, na Pça. Cel. Pedro Osório, os mesmos já forma removidos em 2011.

Fonte: produzida pelos autores.

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Figura 2- Graffiti nas janelas vedadas do prédio abandonado da antiga Cervejaria Bhrama, autoria do

grafiteiro Asnoum, um dos mais ativos da cidade.

Fonte: produzida pelos autores.

Figura 3- Pseudônimo “Mano” e grupo “IPC”, inscrições encontradas em grande número na cidade.

Fonte: produzida pelos autores.

Arte, corpo e cidade

Ao andar pela cidade percebemos que as inscrições se apresentam de formas distintas

conforme sua distribuição geográfica na malha urbana. Entendemos por “inscrições urbanas”

todo tipo de intervenção visual que ocorre pelo espaço urbano, desde as várias formas do

graffiti até intervenções artísticas com projeções. O modo como algumas “brotam”, muitas

vezes em maior quantidade nas zonas periféricas mais abandonadas e, por consequência,

menos vigiadas, é diferente de como são apresentadas no centro da cidade ou nos bairros mais

nobres. No centro da cidade, como um ruído, elas surgem em rabiscos como marcas que

estampam pequenos objetos públicos, em placas de trânsito, hidrantes ou cabines telefônicas,

conforme Figura 4, na forma de “stickers”, espécie de selos em papel colados aqui ou ali, que

parecem criar um mapa ou deixar um recado àquele que percebe sua presença, que se dispõe a

entrar no jogo.

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Figura 4- “Inutilmente parecemos imunes”, estêncil sob aparato de telefonia, no centro da cidade de Pelotas.

Fonte: produzida pelos autores.

As paredes, pisos e muros das cidades são parte da pele que reveste este corpo

coletivo, são limites físicos, contenção ou proteção de um corpo. Muros que se erguem ao

redor das casas, somadas a cada vez mais frequentes camadas de arame farpado e cercas

elétricas. Sugere Ferreira (2005, p. 20) pensar também que o corpo pode crescer da periferia

para o centro, “partindo da pele, como contrapartida de suas relações com um meio ambiente.

Neste caso, o limite entre corpo e ambiente teria função mais transformadora do que

conservadora?”.

Dentre as experiências ocorridas na cidade de Pelotas, as quais possibilitam espaços de

aprendizados, que alteram uma rotina previsível chacoalhando os processos de subjetivação

da cidade, destaca-se em 2009, a visita à Casa do Joquim, espaço cultural não-institucional

que teve curta duração e foi ponto de erupção de várias iniciativas no campo artístico. Neste

espaço foi exposto o trabalho “Satolep de Olhos Cerrados”, da artista Kelly Wendt, que

integra sua pesquisa “Deolhoscerrados: Visões sem lembranças”, cuja parte do mapa

elaborado é mostrada na Figura 5. Esta proposta artística compõe uma espécie de inventário

das arquiteturas lacradas de Pelotas, na zona do Porto e Centro. A série de fotografias da

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artista pode ser acompanhada através do blog de “olhos cerrados” (WENDT, 2009) que foi

frequentemente alimentado durante os dois anos seguintes com fotos, textos e poesias. A

cidade captada por uma artista “flâneuse” que faz das ruas da cidade seu ateliê, como

observou Paulo Gomes (2009, p.1), mostra fachadas “abandonadas” enquadradas pela artista,

contém inscrições, interferências, intervenções. Perguntamos por um “abandono” que é

reapropriado, fachadas reativadas por um outro modo de ocupação. Esta seleção de imagens

nos colocou em outro lugar, numa outra cidade, ocupada talvez por outras criaturas – outros

seres que correspondem a outros processos de subjetivação que escapam dos predominantes.

A memória de quem ocupou aquelas casas antes de serem lacradas, agora se soma a outra

camada, há um outro conjunto de forças. A “inutilidade” destas casas, mesmo que temporária,

permitem outras formas tomarem conta destes espaços, que não mais estavam sendo vigiados,

colocados na ordem da instituição, pois não eram casas, não eram comércios, não eram

escolas, não eram prisões. Tornavam-se então pequenos buracos no muro do instituído. Uma

casa abandonada desvaloriza do ponto de vista econômico o entorno, pois é espaço do incerto,

espaço em que desassossegos tomam forma, espaços necessários. Às vezes andamos cegos.

Às vezes, somente após pegar emprestados os olhos de um artista é que se começa a perceber

um espaço, dar mais atenção a ele. A obra de Kelly Wendt suscitou uma outra memória

mesmo já havendo uma experiência passada, naquele ou com aquele espaço.

Figura 5- Parte do Mapa com a localização das arquiteturas lacradas de Pelotas, “inventariadas” pela artista Kelly Wendt

Fonte: Site do projeto4

4 Disponível em: <http://deolhoscerrados.blogspot.com>. Acesso em: 22 dez. 2012.

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O projeto Interações Urbanas5 ocorreu no mês de outubro de 2006 e teve como

propósito problematizar o espaço urbano, trazendo a Pelotas Elaine Tedesco, Laura Vinci,

Renata Padovan, Daniel Acosta e grupo Bijari. Esses artistas realizaram intervenções

artísticas que foram distribuídas pela Praça Coronel Pedro Osório e seu entorno. A obra

intitulada “Parasita”, de uma equipe do Bijari, centro de criação em artes visuais e multimídia

sediado em São Paulo, causou polêmica ao utilizar de modo não autorizado a estrutura de um

prédio inacabado de 50 metros que começou a ser construído em 1994 e está com a obra

parada há anos, “atrapalhando” a paisagem urbana, conforme se observa na Figura 6 e na

Figura 7. Um dos integrantes da equipe na época comentou: “não queremos dizer que a

ocupação é legal, mas fazer uma crítica à economia e dificuldade de acesso à moradia. [...]

Queremos questionar de que forma cada pessoa se apropria desse espaço, como é cedido ou

vendido” (DIARIO POPULAR, 2006, p.12).

Figura 6- Obra “Parasita”, intervenção urbana do Grupo

Bijari na cidade de Pelotas, RS.

Fonte: Site do Grupo Bijari.

Figura 7- Obra “Parasita”, com iluminação especial à noite.

Fonte: Site do Grupo Bijari.

5 Promovido numa parceria pelo governo, dentro do programa Monumenta, com a UFPel, que também promoveu um ciclo de palestras com os envolvidos.

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Esta intervenção gerou uma ação judicial que exigiu a desmontagem do trabalho

artístico, antes do tempo programado. O prédio utilizado para a intervenção se parece como

um grande espinho encravado no centro da cidade de Pelotas, bem em frente a principal praça.

Ele assume uma posição geográfica que ganha destaque como uma espécie de “coração

ferido” da cidade. Quando se mexe neste espinho ele “doe”, uma dor sentida por aqueles

envolvidos com a máquina pública, que tiveram de achar uma forma de lidar com a questão,

afinal não era uma invasão comum, não eram sem tetos, não eram pessoas, eram ideias.

Puderam usar então o poder policial, de execução, remover a obra, mas ela já estava

impregnada naqueles que, mesmo de muito longe, avistavam o prédio, com sua inesperada

iluminação. Este prédio estava inacabado, era para ser um shopping, salas comerciais, ao lado

da prefeitura e da biblioteca municipal, certamente a massa falida há uma década era

vergonhosa para alguns. A dor do espinho, exposta pelo Grupo Bijari, incomoda também o

transeunte, pois nada pode fazer quanto aquele trambolho ali parado. Se deixassem os

grafiteiros e pixadores entrarem certamente fariam algum uso, se entregassem para outros

morarem fariam outro uso. A palavra de ordem era então “ocupação”, não só das periferias,

das margens da cidade, mas do centro, do coração do centro urbano.

Deleuze e Guattari, em Mil Platôs (1996), nos falam de um sistema muro branco/

buraco negro, o muro branco seriam a capacidade do sujeito de uma inscrição emitida pelo

outro, eu me torno a partir do outro, enquanto o buraco negro seria a capacidade de também

emitir no outro uma força. A paisagem está aí da mesma forma, fazendo-se buraco negro,

imprimindo nos sujeitos sua força, e o que grupo Bijari fez operar sobre este conjunto de

forças, causando um estranhamento naqueles que são parte daquela paisagem, que naquele

momento não tiveram como ficar indiferente a ela. A instalação foi desmontada, o evento de

quinze dias, intervenções urbanas terminou, mas os processos suscitados ali não cessam,

acompanham cada um de nós, criando outras existências.

Quanto a inscrições urbanas mais anônimas, sem vernissages ou períodos de

exposição, seu caráter mais desestabilizador é o efeito surpresa. Não se sabe muitas vezes em

que canto serão encontrados, pois produzidas muitas vezes na calada da noite. Não sabemos

em que canto irão amanhecer. Discutiremos mais adiante quando estas inscrições entram em

galerias e museus, ou seja, se dobram a um institucionalização: elas ainda resistem?

Conseguem inventar outras estratégias para surpreender e, quisera, desestabilizar processos,

permitir o inesperado?

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Graffiti e outras inserções

Procurou-se ouvir as “marcas” deixadas nos muros e paredes da cidade, inscrições

urbanas capazes, muitas vezes, de transcorrer por espaços marginais, brotar como ervas

daninhas abalando as estruturas de um sistema que as busca cooptar ou abafar, da mesma

forma que as combate, “rostificando-as”. Muitos trabalhos de inscritores urbanos, de artistas

plásticos, sozinhos ou no coletivo, mostram que a cidade se torna um campo de atuação

criadora. Problematizar estes produtos e os processos criadores que os engendram tem

favorecido uma cartografia que faz deles sua fonte de produção, produção de subjetividades

que tenta destacar a “diferença”.

Nos tapumes que delimitam um antigo casarão em processo de restauração o trabalho

é de um conhecido grafiteiro aqui de Pelotas. Conhecido por suas figuras emblemáticas

facilmente percebidas em outros pontos da cidade, um rosto sob uma máscara de madeira e

um nariz de palhaço, que ano a ano parece alterar-se, receber novas estilizações, mas manter-

se visualmente ligado as suas outras cópias. Este rosto algumas vezes é seguido de frases de

protesto, como “em época de eleição, todo mundo é tratado como cidadão”, conforme Figura.

8, ou “educação é fundamental”, conforme Figura 9.

O simples fato de tratar-se de uma cara-de-pau com um nariz de palhaço seguido da

palavra “ovop”, povo invertida, que é também o pseudônimo do artista, já revela uma certa

intencionalidade, porém neste encontro com dos trabalhos o que surpreende é a frase “me

empresta um sorriso”, registrada na Figura 10. Talvez tenha a ver com os momentos de

pressa. O centro da cidade às vezes é tão cheio de pessoas, carros, tarefas, que muitos entram

e saem rapidamente dos lugares. O graffiti pergunta: será que temos tempo para um sorriso?

Será que só um cartão de crédito “mastercard” é que capaz de pagar por um, como dizem as

propagandas? Indaga-se sobre um “emprestar um sorriso” na própria interpretação do objeto

sorriso. Afinal, se emprestará algo. Mas este será devolvido? Por quem? Pelo muro, pelo

outro? O que se passou ali foi um lapso de uma fuga, uma fuga da rotina, uma pedra que

desvia do caminho, ou até mesmo faz o caminho por instantes desaparecer.

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Figura 8 – Graffiti “Educação é Fundamental”. Ovop

Fonte: produzida pelos autores.

Figura 9 – Graffiti “Cidadão”. Ovop

Fonte: produzida pelos autores.

Figura 10 - Graffiti “Me empresta um sorriso”. Ovop

Fonte: produzida pelos autores.

Os graffitis enfrentam ações midiáticas que reforçam um tipo aceitável de

representação, quando embelezam e decoram a cidade, não importando se deixam de carregar

traços de uma potencialização do cotidiano, chegando a denunciar o que o sistema do capital

tenta esconder.

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Deleuze e Guattari (1996) falam-nos de uma “máquina abstrata” que produz

“rostidade”, que nos introduz em um rosto para nos constituir numa unidade e então nos

implicar em relações binárias e dicotômicas. Por outra frente, e no mesmo sentido, proliferam

as leis que proíbem e tentam resolver de modo racional limites que dizem o que pode e o que

não ser dito, feito, manifestado, pintado. Sociedade cada vez mais controlada, monitorada, o

“panóptico” de Michel Foucault (1991) está ainda mais equipado e se soma aos dispositivos

da “sociedade de controle” que prenunciava Gilles Deleuze (1992). Seguindo esta lógica do

controle, nosso cotidiano cada vez mais se mune de câmeras de segurança espalhadas por

mais pontos da cidade. Somos observados de cima, através de satélites que orbitam o globo

terrestre. O sistema de posicionamento global (GPS) fornece a localização exata de tudo que é

identificado. E o que não é identificado? Somos digitalizados desde o nascimento,

memorizados em bancos de dados capazes de identificar nossos rastros, da marca do dedo

polegar já aprimoramos para o reconhecimento de face, da íris do globo ocular. Conforme

Heliana Conde, em entrevista a Carlos Batista (2010a), as leis nos dizem o que é proibido e os

dispositivos disciplinares o que é permitido, assim, um comportamento é esperado, uma

conduta adequada é manifesta, as forças tendem as nos envergar a uma configuração

dominante.

Todas estas transformações, mutações de uma máquina de controle, nos fazem

perguntar como resistir, ou perguntar sobre quais outras formas de resistir estão sendo – ou

precisam ser – inventadas. Segundo Acácio Augusto, “se novas tecnologias [de controle]

estão emergindo, novas experimentações de liberdade que possam produzir resistências, uma

resistência ativa, também são necessárias” (AUGUSTO apud BATISTA, 2010b, online).

Inscrições urbanas já produziram alguma vez, durante os protestos de maio de 68 ou

nos trens e metrôs da cidade de Nova Iorque da década de 70, formas de resistência, na forma

como descreve Jean Baudrillard:

[...] unicamente os grafites e os cartazes de Maio de 68 na França se desenvolveram de uma outra forma atacando o próprio suporte, conduzindo os muros a uma mobilidade selvagem, a uma instantaneidade da inscrição que equivalia a aboli-los. As inscrições e os afrescos de Nanterre exemplificavam muito bem essa reversão do muro como significante da quadrilhagem terrorista e funcional do espaço, através de uma ação antimídia (BAUDRILLARD, 1996, p.103)

Apesar de todo monitoramento tecnológico, os graffitis, e outras inscrições, continuam

a proliferar nas paredes e muros da cidade, seja de modo clandestino, ou, como está se

tornando característico nesta década, incentivadas pelas esferas públicas e privadas, como por

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exemplo, no concurso “Call Parade”6 de uma empresa de telefonia, que convida artistas de

todo país a enviar propostas a serem pintadas em cem orelhões da cidade de São Paulo, para

“transformar nossos orelhões em obras de arte”. Ou o trabalho do grafiteiro Eduardo Cobra,

um painel de 50 metros com um retrato estilizado e colorido do arquiteto Oscar Niemeyer,

encomendado pela prefeitura para comemorar os 459 anos da cidade de São Paulo.

Tatuagens que marcam a pele da cidade, as inscrições urbanas estão gravadas em

paredes/muros e são reveladoras de vitalidades, como nos diz Juliana Ribeiro: “[...] assim

como a pele revela dados vitais sobre o corpo, as superfícies da cidade nos revelam também a

vitalidade desse corpo social. Ações com finalidades estéticas e ideológicas ou, simplesmente,

marcas da relação homem e cidade” (RIBEIRO in MACIEIRA; PONTES 2008, p.15).

Neste artigo o termo graffiti refere-se a um tipo de inscrição urbana, ou seja, um termo

mais amplo do que vem sendo aplicado nas últimas décadas, principalmente no Brasil, sem

concordar em excluir deste termo as pixações e outras formas de inscrição. Segundo Gustavo

de Oliveira, “o Brasil é o único país do mundo em que essa distinção existe” (apud TRINTA;

MOREIRA, 2011, p.1). O termo graffiti vem especificando uma determinada técnica e um

modo de pintar, uma forma que tem sido capaz, inclusive, de empacotá-lo e levá-lo para

dentro de museus e galerias. Também, através de projetos sociais, como “Picasso não

pichava”7, promovido pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal desde 2001,

há promessas de tirar os jovens da pixação, ensinando-lhes um graffiti que embeleza e enfeita

a cidade e que pode ser usado de forma comercial, de modo “útil”.

Segundo Oliveira “Ele [o graffiti] se tornou antídoto contra a pichação” (ibid.). O

graffiti tornou-se produto consumível. Muitos grafiteiros ascenderam de marginais a artistas,

um forte exemplo é Jean-Michel Basquiat, americano, negro e de ascendência porto-riquenha,

que começou seus trabalhos nas ruas e becos de Nova-Iorque na década de setenta,

anonimamente usando o pseudônimo “SAMU”, e depois foi convidado a expor em museus e

galerias. Transformado em ícone pop, suas obras tornaram-se produtos e seus trabalhos ainda

hoje atingem preços altos em leilões de arte, mas não ao artista, que faleceu com apenas vinte

e oito anos de idade. O lucro desta iconificação - produção de um ícone, cristalização de um

signo - não está apenas na venda do produto de seu trabalho, mas na produção de uma

identidade, vendida a ávidos consumidores.

6 Concurso promovida pela empresa Vivo Telefonia, mais informações em: http://callparade.com.br. Acesso em 18 de mar. 2013. 7 http://www.ssp.df.gov.br/servicos/programas-comunitarios/picasso-nao-pichava.html

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Jorge Visintainer proferiu em sua palestra “O estatuto da ética em Deleuze”, algo da

ordem da iconificação, que aconteceu com o hip-hop (movimento com o qual graffiti

originalmente tem forte ligação):

[...] quando a cultura hip-hop é importada para o Brasil, ela se pretendia um movimento alternativo e desviante em relação aos agenciamentos de poder estabelecidos. Para o capital, uma ameaça externa. Cria seus próprios códigos e signos, linguagem e estilo de vida no interior dos guetos do país. Surge como suposta resistência montada contra a máquina de produção do Rosto. Imediatamente, porém, o capital se encarregou de sobrecodificar essa desviança que a cultura havia criado. É como se o capital dissesse: “Isso mesmo! Eu não valho nada! Critiquem-me pois eu sou um monstro”. O que ocorre depois é que essa máquina abstrata confisca a cultura hip-hop e a vende sob a forma de um novo modo de vida. (VIESENTEINER, 2006, p.6)

Em 2008, conforme reportagens do jornal Folha de São Paulo (MENA, 2010; MUNIZ,

2010), um grupo de pixadores invadiu e pixou uma sala vazia da 28º Bienal de São Paulo,

conforme Figura 11, entrando em conflito com a polícia. Devido ao ocorrido uma de suas

integrantes foi mantida presa por 55 dias e, após, foi condenada a cumprir mais quatro anos

em regime semiaberto. Posteriormente, sabe-se que este mesmo grupo recebeu um convite

para integrar a próxima mostra de arte, a 29ª. Bienal. O que se pode considerar desses

episódios, e que interessa para esta investigação? Trata-se de questões sobre cooptação, de um

possível abrandamento da potência destas manifestações que têm sua origem na

clandestinidade movimentada de uma vida urbana. A própria instituição cultural,

governamental, portanto, se encarrega de docilizar, de amansar o que pode vibrar na potência

de uma inscrição urbana.

Figura 4 - Segundo andar é pixado por cerca de quarenta manifestantes.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo

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Para a filósofa Márcia Tiburi o que acontece nas galerias de arte "é mera estética", e a

adesão de pixadores ao mercado traz a possibilidade de "perda da revolta" (MUNIZ, 2010,

p.5), algo como a domesticação que aconteceu com o graffiti nas últimas décadas, conforme

artigo “´Griffiti´ ou a transgressão domesticada”, em que Guy Amado (2005, p.1) escreve:

Uma das facetas deste processo é percebida, por exemplo, quando esta linguagem é associada a produtos tão díspares e improváveis quanto marcas de cervejas [campanhas publicitárias em outdoors e painéis que tomam toda uma face de edifícios, executados em graffiti, supostamente visando assim uma “maior aproximação junto ao público jovem”] e sofisticadas grifes de jeans [nesse caso literalmente aderido ao produto final como diferencial cool]. O underground tem então seu código estético próprio remanejado e re-trabalhado pela indústria publicitária, num peculiar processo de apropriação do subversivo.

Também Marcelo Cidade fala num graffiti já cooptado por um sistema, de grafiteiros

“que hoje decoram a casa de madames” (MENA, 2010, p.5). Rui Amaral, artista e grafiteiro,

também recebeu muitas críticas ao ser contratado para organizar um grupo para grafitar a casa

do programa Big Brother Brasil, conhecido por ser um programa de utilidade duvidosa e

alinhado com uma “sociedade do espetáculo” (DEBORD, 2003). Uma das imagens pintada

por Crânio/Fábio Oliveira – integrante do grupo – é a da Figura 12, que carrega o estilo de

desenho que o artista trabalha há décadas nas ruas para dentro deste outro espaço.

Figura 5 - Grafite do artista paulistano Crânio na área externa da casa do BBB13 (2013).

Fonte: UOL Entretenimento, 2013.

Para surpresa da máquina abstrata capitalista, as inscrições urbanas continuam a

povoar as ruas, como os stickers, lambe-lambes, colagens e performances, assumindo novas

formas, novas técnicas e, quem sabe, novos modos de resistência.

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Considerações finais

A população se quadruplicou no último século, segundo Maurício Bares tudo se

transbordou, as crifras se desbordaram, há corpos por toda a parte, “Nunca nos habíamos

mirado tanto a nosotros mismo” (BARES, 2007, p. 89). Ao mesmo tempo os modos de ser e

existir se veem afunilados por verdades construídas e estigmatizadas. O capitalismo do

homem ocidental busca homogeneizar rostos, capturar o desejo, na ânsia por produzir

consumidores, por controlar a vida. As cidades, local em que aglomeram estes corpos, torna-

se palco da geografia de forças que tensiona. Somos todos agentes a agir ou suscetíveis a estas

forças. A arte invade a cidade, procura modos de esburacar o muro, criar brechas, favorecer a

vida. As estruturas rejeitam uma formatação, os conflitos não cessam, o urbanismo não aceita

um ideal asséptico. No filme Matrix, lançado em 1999 e dirigido por Andy Wachowski, ao

criar um sistema em que os humanos virtualmente viveriam, o arquiteto percebe que a vida é

uma equação sem resposta, um processo que não pode cessar. A matrix trava uma batalha

para docilizar os corpos, e extrair a energia deles, corpos que por sua vez acham formas de

resisitir, de continuarem vivos e em movimento.

Determinados saberes não podem ser sistematizados, institucionalizados, eles

necessitam permanecer em seu estado de inexplicabilidade, ainda que isto não impeça de

aprendermos com eles, de sermos afetados. A cidade deve continuar a ferver, como um

grande caldeirão, gerar calor, indicio de vida. Assim quem sabe conseguirá nos libertar deste

ideal de humanidade, do qual nos encontramos doentes. A cidade não deve ser um lugar

civilizatório, ceder a forças engessantes, mas espaço para construção de outros corpos, espaço

de afetamento. São saberes para serem sentidos, muito antes de pensados, pois como diz o

poeta Fernando Pessoa “Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é

compreender, visto que o universo não tem ideias” (apud SILVA, 2011)8.

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8 SILVA, P. (Org.). Fernando Pessoa - Citações e Pensamentos. 1. ed . São Paulo: Leya Brasil. 2011.

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