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1 MAPEANDO AS DENÚNCIAS CONTRA ESCOLAS DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DO PARANÁ 1 Autor Maria Rosi Nichele 2 Resumo: Neste artigo exponho a metodologia utilizada no levantamento de dados empíricos da pesquisa que estou realizando a partir dos arquivos das Ouvidorias dos Núcleos Regionais de Educação de Curitiba, Área Metropolitana Norte e Área Metropolitana Sul. Descrevo o processo de coleta dos dados, de organização, mapeamento e identificação das situações encontradas nas cinqüenta e sete denúncias registradas, entre 08 de janeiro de 2007 e 31 de julho de 2007, a fim de possibilitar análises posteriores, que se basearão, sobretudo no referencial foucaultiano. Palavras-chave: conflitos escolares, denúncias, ouvidoria. O encontro com as denúncias No cotidiano escolar, professores e demais profissionais do campo educacional se deparam com situações de conflito que constantemente se produzem no âmbito das práticas escolares e sociais. Desta forma é necessário que se assuma uma posição de análise de assuntos desta natureza para realizar encaminhamentos adequados no campo da gestão escolar, seja em termos de unidade ou de sistema. Nessa direção, minha pesquisa pretende identificar, a partir das narrativas existentes nas Ouvidorias, fatores e dinâmicas desencadeantes de denúncias contra escolas públicas estaduais, bem como a partir de que tipo de lógica elas acontecem, especialmente tendo em vista o referencial analítico foucaultiano. Os registros das denúncias com os quais trabalho foram coletados nas Ouvidorias existentes nos três Núcleos Regionais de Educação (NRES): de Curitiba, Área Metropolitana Norte e Área Metropolitana Sul. Totalizam cinqüenta e sete denúncias coletadas, no período 1 Este artigo foi produzido no contexto da pesquisa que venho desenvolvendo a partir do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) desde maio de 2007, sob a orientação da Professora Doutora Ana Lúcia Ratto, vinculada ao Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 2 Professora da rede estadual, licenciada em Matemática, diretora do Colégio Estadual Padre Claudio Morelli.

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MAPEANDO AS DENÚNCIAS CONTRA ESCOLAS DA REDE ESTADUAL DE

ENSINO DO PARANÁ1

Autor Maria Rosi Nichele2

Resumo: Neste artigo exponho a metodologia utilizada no levantamento de dados empíricos

da pesquisa que estou realizando a partir dos arquivos das Ouvidorias dos Núcleos Regionais

de Educação de Curitiba, Área Metropolitana Norte e Área Metropolitana Sul. Descrevo o

processo de coleta dos dados, de organização, mapeamento e identificação das situações

encontradas nas cinqüenta e sete denúncias registradas, entre 08 de janeiro de 2007 e 31 de

julho de 2007, a fim de possibilitar análises posteriores, que se basearão, sobretudo no

referencial foucaultiano.

Palavras-chave: conflitos escolares, denúncias, ouvidoria.

O encontro com as denúncias

No cotidiano escolar, professores e demais profissionais do campo educacional se

deparam com situações de conflito que constantemente se produzem no âmbito das práticas

escolares e sociais. Desta forma é necessário que se assuma uma posição de análise de

assuntos desta natureza para realizar encaminhamentos adequados no campo da gestão

escolar, seja em termos de unidade ou de sistema. Nessa direção, minha pesquisa pretende

identificar, a partir das narrativas existentes nas Ouvidorias, fatores e dinâmicas

desencadeantes de denúncias contra escolas públicas estaduais, bem como a partir de que tipo

de lógica elas acontecem, especialmente tendo em vista o referencial analítico foucaultiano.

Os registros das denúncias com os quais trabalho foram coletados nas Ouvidorias

existentes nos três Núcleos Regionais de Educação (NRES): de Curitiba, Área Metropolitana

Norte e Área Metropolitana Sul. Totalizam cinqüenta e sete denúncias coletadas, no período

1 Este artigo foi produzido no contexto da pesquisa que venho desenvolvendo a partir do Programa de

Desenvolvimento da Educação (PDE) desde maio de 2007, sob a orientação da Professora Doutora Ana Lúcia

Ratto, vinculada ao Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 2 Professora da rede estadual, licenciada em Matemática, diretora do Colégio Estadual Padre Claudio Morelli.

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compreendido entre janeiro e julho de 2007, com os respectivos encaminhamentos.3 O

objetivo deste artigo é apresentar a metodologia utilizada para trabalhar estes dados até o

momento.

Tive acesso ao arquivo de denúncias denominadas, Pronto Atendimento (PA), que é

o nome do procedimento utilizado para notificação deste tipo de reclamação. Após a apuração

da veracidade das denúncias e tomadas as providências consideradas necessárias o PA é

arquivado.

Por outro lado, não tive acesso às denúncias que estavam em andamento, pois,

muitas vezes, permanecem com o representante do Núcleo junto à escola que foi objeto da

denúncia. Este representante tem a incumbência de orientar e/ou averiguar a situação e

conduzir os encaminhamentos decorrentes. Algumas denúncias sequer chegam às Ouvidorias

dos Núcleos Regionais de Educação, pois são solucionadas pelos seus respectivos

representantes que acompanham regularmente um determinado número de escolas pelas quais

são responsáveis, mediando ações de qualquer natureza, relativas às determinações e

orientações, provenientes dos Núcleos e Secretaria de Estado da Educação e também são

responsáveis pelas denúncias que estão sendo averiguadas. Muitas vezes os representantes

dão o retorno ao reclamante ou a Ouvidoria se encarrega desta função.

As situações mais graves são encaminhadas ao setor jurídico e exigem a criação de

uma comissão de verificação especialmente designada pela Chefia dos Núcleos Regionais de

Educação para aquela situação. Então, a comissão emite um parecer (que pode ser conclusivo

quando o caso for solucionado) ou se faz a instauração de uma comissão de sindicância. A

constatação de irregularidades transforma o procedimento de PA em Processo quando passa a

ter acompanhamento e tratamento jurídico. O Processo recebe um número de protocolo e o

interessado pode acompanhar sua tramitação pessoalmente, por telefone ou pela internet.

O acompanhamento de um PA se faz diretamente com o órgão receptor ou o

interessado pode aguardar o contato do Representante do Núcleo Regional de Educação

designado para a verificação da denúncia.

O conjunto dessas cinqüenta e sete denúncias compõe o material empírico desta

pesquisa. Todas as denúncias foram copiadas, por escrito, por mim, nas três Ouvidorias antes

citadas conforme orientação do Ouvidor da Secretaria de Estado da Educação, pois não

consegui autorização para fotocopiar o material. O tipo de denúncias que escolhi para a

pesquisa se relacionam com o funcionamento do cotidiano escolar (relacionamento das

3 As denúncias foram formalizadas entre 8 de janeiro de 2007 a 31 de julho de 2007. Não há denúncias anteriores

a 8 de janeiro pois tratava-se de período de recesso dos órgãos públicos

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autoridades escolares com alunos e comunidade, (in)disciplina, problemas de aprendizagem,

falta de materiais, organização e estrutura escolar, etc.). Como se vê, o leque de situações que

delimitei é amplo. Não fazem parte do meu universo empírico, situações que fogem à

competência da escola, como por exemplo, solicitações de professores e funcionários relativas

a questões trabalhistas, de vagas, processos de revisão de resultado final de nota. Estes casos

aparecem em número bastante elevado, principalmente, porque o período delimitado nesta

pesquisa coincide com o início do ano letivo.

Eis um exemplo das denúncias com as quais trabalho que trata de aspectos

relacionados à avaliação (nota baixa):

Denúncia 42. [Mãe reclamando da nota baixa] Sou mãe de Constancia Germaine Gipates, ([idade]) anos, cursando a série “x” [turma], no Bimestre “Y” a nota em “x” [nome da disciplina] foi 6,0 com dúvidas que surgiram em relação a nota assim que a Constancia trouxe o boletim fui até o colégio conversar com o professor Antino conversamos e o mesmo me passou que a nota da Constancia é baixa pelo motivo de ser tímida, eu sendo mãe não aceito que seja feita tal avaliação, tanto aleguei o que poderia ser feito e ele me passou que isso é um problema que só quando a Constancia crescer é que pode ser mudado, não satisfeita com o retorno que tive, voltei ao colégio conversar com a pedagoga Sra. Nisa, ela ficou de me dar um retorno depois, pois neste momento o prof Antino entrou na sala que estávamos conversando e houve até uma discussão pois o professor ameaçou até a não dar mais aula para a truma de minha filha... Várias vezes fui até o colégio e as respostas que ouvia da Sra Nisa é que ela ainda não havia conseguido falar com o prof Antino, por fim a Sra Nisa me passou que o prof Antino não daria mais aula para a turma, isto seria punição para ele, mas o que faço aqui é dizer que essa é a punição que ele teve, e a minha filha teve uma avaliação que não concordo, pois em casa sempre conversamos e ela não apresenta ser tímida, até a Sra Nisa me passou que Constancia não é tímida, a preocupação e que futuramente ele venha a dar aula para a Constancia e queira utilizar o mesmo critério de avaliação. Agradeço a oportunidade de estar aqui, e qualquer maior esclarecimento estou a disposição. [Ao final, consta a assinatura da mãe.]4

Esses registros com as denúncias foram digitados e numerados em ordem crescente

conforme tive acesso. Depois organizei os dados em forma de quadros. Apresento a seguir

exemplo de como os quadros foram organizados:

4 As narrativas das denúncias que apresento neste texto são sempre a transcrição literal, incluindo abreviações,

letras maiúsculas e minúsculas, vírgulas, erros gramaticais de ortografia e quaisquer outras marcas do registro

original. A intenção é mantê-lo o mais intacto possível. As denúncias citadas são numeradas; a numeração está

grifada em negrito, para facilitar sua localização já que ao longo do texto será necessário remeter a denúncias já

mencionadas. Utilizei a fonte garamond para destacar e diferenciar do texto principal. Quando julguei pertinente,

fiz entre colchetes observações, para facilitar a leitura, prestar esclarecimentos ou indicar trecho suprimido,

tendo em vista objetivo da citação. Para garantir o anonimato, utilizei nomes fictícios para as pessoas envolvidas,

procurando seguir a estrutura da narrativa; quando são mencionados nome e sobrenome, inventei nome e

sobrenome; se é mencionado apenas o nome, apenas este foi substituído. Quando aparecem nos trechos citados a

data da denúncia ou qualquer outro dado avaliado como desimportante ou sigiloso, substituo-os pelas letras

finais do alfabeto (RATTO, 2007, 19 - 20).

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Registro Nº 38

ÓRGÃO/ACESSO

NRE/Por telefone

DATA

xx/07

ALVO

Direção

DENUNCIANTE Mãe (nome quando identificado)

Denúncia Encaminhamento

Tipo de situação: mista Providência pura (sem conseqüência)

Escola: Fenix Cidade: Oryon Diretora: Ernestina

A diretora está batendo nos alunos, puxa a orelha,

chacoalha. Vai de casa em casa para saber quem está

denunciando.

Denúncia sem identificação para retorno por isso foi

arquivada. [O número do telefone fornecido pela

denunciante não existia.]

QUADRO 1 – MODELO DE QUADRO PARA MAPEAMENTO DAS DENÚNCIAS COM SEUS

RESPECTIVOS ENCAMINHAMENTOS

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

De acordo com a seqüência mostrada no cabeçalho do Quadro 1 apresento a seguir, o

mapeamento quantitativo referente aos aspectos observados em cada um daqueles itens, ou

seja, o órgão público procurado que recebeu a denúncia; o meio utilizado para a formalização

da queixa; a data em que ocorreram as denúncias; o alvo a quem se dirige a reclamação; quem

é o denunciante e seu grau de parentesco com o aluno, quando for o caso, e por último, os

tipos de situações identificadas nestas narrativas e nos encaminhamentos decorrentes tomados

pelas autoridades. Porém, é necessário frisar que o mapeamento quantitativo/qualitativo ainda

está em andamento. Nesse texto apresento o detalhamento dos dados referentes às denúncias,

mas posteriormente o mesmo tipo de metodologia será usado para trabalhar com os

encaminhamentos decorrentes das denúncias.

O trabalho de mapeamento foi exaustivo e demorado a fim de se conseguir organizar

e mapear as cinqüenta e sete denúncias sobre as quais trabalho. Como não era possível saber

antecipadamente quais aspectos seriam importantes para as análises posteriores, identifiquei

um grande número de particularidades. Trata-se de um trabalho necessário e preliminar a fim

de viabilizar análises posteriores. Portanto, a seguir, vou detalhar esse processo metodológico,

sendo que minha abordagem não tem propósito analítico nesse momento, mas sim descritivo.

Mapeando das denúncias

As cinqüenta e sete denúncias que estou pesquisando foram recepcionadas por quatro

tipos de órgãos de acesso, representados na Tabela 1. As mais procuradas são as Ouvidorias

dos Núcleos Regionais de Educação, com 90% dos casos, que são as Ouvidorias com as quais

trabalhei.

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TABELA 1 - TIPOS DE ÓRGÃOS DE ACESSO UTILIZADOS PELOS DENUNCIANTES - JANEIRO A

JULHO DE 2007

Órgão de acesso Quantidade de denúncias

Números absolutos %

Ouvidorias dos Núcleos Regionais de Educação 51 92 90

Ouvidoria da SEED 3 5

Ouvidoria Geral do Estado 2 3

Fale com o Governador 1 2

Total 57 100

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

Essas Ouvidorias atuam mais próximo da comunidade escolar e, portanto, têm maior

preferência entre a população em geral. Os 10% restantes se referem às denúncias recebidas

por outros órgãos públicos, mas são encaminhadas aos respectivos Núcleos para as devidas

providências, por isso foi possível mapeá-los nessa pesquisa.

A dificuldade ou a desconfiança com os procedimentos informatizados tendo em

vista o universo referente ao perfil da população que faz estas denúncias e a estrutura

descentralizada de atendimento que facilita o acesso às Ouvidorias, justificam os dados

apresentados na TABELA 2. Em 53% dos casos o denunciante procurou a Ouvidoria

pessoalmente.

TABELA 2 - MEIOS UTILIZADOS PELOS DENUNCIANTES PARA ACESSO AS OUVIDORIAS

JANEIRO A JULHO DE 2007

Meio de acesso Quantidade de acessos

Números absolutos %

Pessoalmente 30 53

Internet 12 21

Por telefone 10 17

Ofício 4 7

Carta/fax 1 2

Total 57 100

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

Os usuários que solicitam serviços através do telefone são orientados para

formalizarem as denúncias por escrito, fazendo uso da internet, carta, fax, ou pessoalmente.

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Mesmo assim, nesse caso, a solicitação é levada em consideração, ou seja, é verificada e

sempre que possível é dado o retorno. Em algumas situações o número do telefone fornecido

não existe ou ninguém atende o chamado.

A distribuição das denúncias recebidas no período considerado mostra um maior

número de denúncias nos meses de maio e junho. Elas atingem 54%, como mostra a

TABELA 3. Compreendo que nesta época já é possível conhecer a rotina da escola dando

condições ao denunciante de expressar sua insatisfação com mais convicção. Em virtude do

período de férias escolares, o mês de janeiro não apresenta ocorrências envolvendo alunos e

autoridades escolares, objeto desta pesquisa.

TABELA 3 – NÚMERO DE DENÚNCIAS EFETUADAS MENSALMENTE – JANEIRO A JULHO DE 2007

Meses Quantidade de denúncias

Números absolutos %

Janeiro - -

Fevereiro 2 4

Março 5 9

Abril 10 17

Maio 19 33

Junho 12 21

Julho 9 16

TOTAL 57 100

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

Os dois registros de denúncias do mês de fevereiro se referem à falta de um mínimo

de estrutura e organização para o funcionamento da escola, enquanto as denúncias nos meses

restantes dizem respeito às questões pedagógicas mais amplas e diversificadas e de

relacionamento entre alunos e profissionais que atuam na escola.

A TABELA 4 foi construída para destacar os alvos das denúncias. A

responsabilidade da direção da escola, em relação à gestão, pode ser verificada neste quadro,

que mostra as reclamações contra os diferentes segmentos da escola. O percentual de 38%

relativo somente à direção revela sua importância na concepção da comunidade. Por exemplo,

fazem parte do rol de reclamações contra a direção, insatisfação com o barulho causado pela

escola, o tumulto provocado pelos alunos nas ruas vizinhas, nos horários de entrada e saída,

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entre outros. Considerando ainda, os itens “direção e pedagogo” e “direção e professor”, o

alvo direção atinge o patamar de 65% das queixas. O professor com 21%, quando aparece só

ele nas denúncias, é outra categoria bastante visada neste processo, uma vez que ele trabalha

diretamente com o aluno e está também muito exposto a desentendimentos tal qual a direção.

Situações exclusivas ou associadas com pedagogos apresentam 21% das denúncias em estudo.

Há ainda, por exemplo, uma denúncia contra aluno e outra motivada pela negligência da

mantenedora.

TABELA 4 - ALVO DAS DENÚNCIAS DAS OUVIDORIAS - JANEIRO A JULHO DE 2007

Alvo das denúncias Quantidade de denúncias

Números absolutos %

Direção 22 38

Professor 12 21

Direção e pedagogo 9 15

Direção e professor 7 12

Funcionário 2 4

Pedagogo 2 4

Aluno 1 2

Mantenedora 1 2

Pedagogo e professor 1 2

Total 57 100

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

Por força da legislação e de outros fatores que exigem o acompanhamento dos pais

ou responsáveis junto à escola, as categorias mãe e pai mostram um valor significativo, já que

os dois juntos somam um valor que ultrapassa a metade, 65% de acordo com a TABELA 5.

No entanto, se for acrescentado o percentual de 7% relativo a categoria Pais/Conselho

Tutelar/Ministério Público, o valor sobe para 72%. Neste item agrupei pais que procuraram

estes órgãos para que tomassem as providências necessárias e em seguida a Ouvidoria foi

notificada através de ofício. Um único caso em que não se trata de pai ou mãe foi observado,

no qual a tia fez uma reclamação. Acrescentei na categoria “pai” um avô que pelos registros é

o responsável legal pelo adolescente. Os alunos, como denunciante, aparecem com 5% e a

categoria comunidade escolar compreende, ainda, pessoas vizinhas da escola. Agrupei direção

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e conselho escolar pela situação identificada nas denúncias e também pelas medidas que

ambos podem e devem tomar legalmente na escola.

TABELA 5 - CATEGORIAS DE DENUNCIANTES QUE REALIZARAM ACESSOS NAS OUVIDORIAS

JANEIRO A JULHO DE 2007

Categorias de denunciantes

Quantidade

Números absolutos %

Mãe 31 55

Direção/Conselho Escolar 7 12

Pai 6 10

Pais/Conselho Tutelar/ Ministério Público 4 7

Professor 3 5

Aluno 3 5

Comunidade 2 4

Tia 1 2

Total 57 100

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

Mapeamento das situações narradas nas denúncias

De um modo geral, estas denúncias ocorrem depois que acontece um fato na escola e

as autoridades escolares tomam certas providências, procedimentos considerados corretos

para cada situação. No entanto, em certos casos as providências tomadas não são aceitas e a

contestação desses procedimentos é manifestada em forma de denúncia. São estas narrativas

das denúncias e seus respectivos encaminhamentos que me proponho a estudar.

As denúncias se relacionam a vários tipos de situação na rotina do contexto escolar,

como os que se referem a brigas, ameaças, discriminação, rivalidades com a administração,

etc. Esses tipos de conflitos foram identificados em cada uma das cinqüenta e sete narrativas

levantadas. Em muitas delas foi possível identificar mais de um tipo de situação narrada, por

isso optei por agrupá-las como “situação mista”. Quando a narrativa apresenta apenas um tipo

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de situação, classifiquei-a como “situação pura”, conforme consta na TABELA 6. A tipologia

foi surgindo na medida em que se fazia, por diversas vezes, a leitura desses registros.

TABELA 6 - TIPOLOGIA DAS SITUAÇÕES NARRADAS NAS DENÚNCIAS - JANEIRO A JULHO DE

2007

Tipos de situação

Situações identificadas

Números

absolutos %

Mistas 53 93

Puras 4 7

Total 57 100

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

O número de denúncias em que se identifica apenas um tipo de situação é pouco

expressivo, pois corresponde a 7% do total pesquisado. A seguir apresento os tipos e

quantidades de situação pura que encontrei nas denúncias:

TABELA 7 - TIPOS DE “SITUAÇÃO PURA” OBSERVADAS E NÚMERO DE VEZES EM QUE

APARECEM NAS NARRATIVAS DAS OUVIDORIAS - JANEIRO A JULHO DE 2007

Situação

Situações identificadas

Números

absolutos %

Discriminação 2 50

Incompetência administrativa 1 25

Extravio de documento oficial 1 25

Total 4 100

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

O tipo que identifiquei como “discriminação”, dois casos, se refere a alunos que não

foram matriculados nas escolas pretendidas. Como exemplo apresento a narrativa da situação

existente na denúncia 27, feita pessoalmente, pela mãe, na Ouvidoria do NRE:

Denúncia 27. [Mãe solicitando matrícula para o filho em escola que oferece atendimento

diferenciado] O meu filho Amadeus Antonio Pangue de [idade] anos é uma criança inteligente, e

nunca reprovou de ano, desde que entrou no Colégio Urânia passou a ter notas baixas e muita

reclamação dele, levei-o no neurologista ele não tem causa orgânica afetada, ele foi encaminhado

para fazer tratamento com psicopedagoga. O Colégio Urânia diz não ter este atendimento,

procurei transferi-lo para o ColégioPerseu, o qual tem este atendimento, a diretora me disse por

telefone que teria que ver antes o rendimento escolar dele eu fui até a escola a diretora vio as

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notas baixas dele e não quis matriculá-lo no Colégio Perseu. Meu filho está cursando a série “x”

[Ensino Fundamental]. Eu pedi para a diretora me dar por escrito o motivo que ela não quiz

matricular. Ela não quiz me dar. [Constam data e a assinatura da mãe.]5

Para classificar esta situação como “discriminação” tomei como referência o relato

da mãe que aponta o momento no qual a diretora tomou conhecimento do rendimento escolar

do aluno e decidiu que não iria matriculá-lo.

O caso identificado como situação pura de discriminação trata da dificuldade de uma

mãe em encontrar vaga para seu filho porque está fora da faixa etária adequada para a série e

é muito alto em relação aos colegas. Por isso, de acordo com a mãe, é rejeitado pelas escolas.

Esta solicitação não ocorreu no início do ano, mas em meados do 1º semestre e até então o

adolescente estava fora da escola.

A situação que caracterizei como pura, de “incompetência administrativa”, denuncia

a escola pelas precariedades em sua estrutura física:

Denúncia 50. [Denúncia feita por uma aluna pela internet] Lisetéia C. Musspells solicita

providências em virtude da precariedade da estrutura física da escola decorrente da falta de

conservação, falta de carteiras, falta de livros na biblioteca e cortinas. [Consta o endereço

eletrônico]

Atribuí a denominação “extravio de documento oficial”, à situação dos Registros de

Classe que foram retirados do estabelecimento de ensino pela professora enquanto titular das

aulas que, em seguida, abandonou o trabalho e desapareceu sem devolver essa documentação

ou apresentar qualquer justificativa à direção.

A seguir apresento a TABELA 8 referente às situações mistas identificadas em 93%

das narrativas, que envolvem dois ou mais tipos de situações narradas no mesmo relato. Por

este motivo a quantidade de tipos identificados (271) é bem maior que o número de denúncias

levantadas (57). A tipologia de situações identificadas nestas narrativas foram também

agrupadas, para a construção da tabela, pelas suas aproximações ou semelhanças, como por

exemplo, agressão física e briga; ameaça e intimidação, agressão verbal, calúnia e difamação;

atraso e gazeteamento; transferência compulsória e expulsão, etc.

5 Não se trata aqui de matriculas regulamentadas pelo sistema de Georeferenciamento adotado pela Secretaria de

Estado da Educação em regiões com grande concentração populacional a fim de garantir o direito de acesso à

escola de todas as crianças e adolescentes que não é objeto desta pesquisa.

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TABELA 8 - “SITUAÇÕES MISTAS” E NÚMERO DE VEZES EM QUE CADA TIPO DE SITUAÇÃO

APARECE NAS NARRATIVAS DAS DENÚNCIAS – JANEIRO A JULHO DE 2007

Situações mistas

Tipos identificados6

Números

absolutos %

Constrangimento – sofrido por alunos 34 12,6

Abuso de autoridade 26 9,6

Discriminação – sofrida por alunos 23 8,5

Agressão verbal/calúnia / difamação 22 8,1

Intimidação/ameaça 18 6,6

Agressão física/briga 18 6,6

Vexação - sofrida pelos alunos 15 5,5

Incompetência pedagógica do professor 14 5,2

Negligência direção/pedagogo/professor 14 5,2

Incivilidade 13 4,8

Incompetência administrativa da direção 10 3,7

Improbidade 7 2,6

Rigor na aplicação das normas 7 2,6

Utilização de cigarro e drogas 7 2,6

Suspensão 6 2,2

Transferência compulsória 5 1,9

Gazeteamento/atraso 4 1,5

Outros 3 1,1

Descontrole emocional de professor 2 0,7

Falsificação de documento 2 0,7

Formação de gangue na escola 2 0,7

Nota baixa 2 0,7

Tolerância com faltas de professores 2 0,7

Tráfico 2 0,7

Vandalismo no interior de escola 2 0,7

Violência na vizinhança da escola 2 0,7

Furto/ Roubo e extorsão 2 0,7

Insubordinação de professor 1 0,4

Falta de ética de professor 1 0,4

Covardia da direção 1 0,4

Falta de autoridade da direção 1 0,4

Negligência da mantenedora 1 0,4

Porte de armas 1 0,4

Questionamento do currículo 1 0,4

TOTAL 271 100

FONTE: ARQUIVOS DAS OUVIDORIAS DOS NRES CURITIBA, ÁREA METROPOLITANA NORTE E

ÁREA METROPOLITANA SUL

6 Apresento os tipos de situação apontados nas narrativas por ordem decrescente pelo número de vezes em que

aparecem. As porcentagens correspondentes e estes valores aparecem com uma casa decimal tendo em vista que

os números absolutos apresentam pouca diferença entre si.

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Como se pode perceber, pelo menos a quantidade de situações existentes, foi

extremamente difícil chegar a uma “acomodação” satisfatória sobre o mapeamento dos tipos

de situação narradas nas denúncias e saliento que ainda deve haver mudanças na direção de

tornar o mapeamento mais preciso. Optei por detalhar ao máximo os vários tipos situação

denunciadas, tendo em vista que eu não poderia saber de antemão o que considerarei

posteriormente relevante para construir minhas análises. Tal detalhamento foi feito ora a partir

de temos que constam efetivamente das narrativas, ora em forma de interpretações que fiz a

partir dos relatos.

Como ilustração apresento, a seguir, exemplos de narrativas de denúncias e os

respectivos processos de identificação de tipologias de situações mistas. Além de observar o

fato que deu origem à denúncia considerei as demais situações que se vinculam a este motivo

principal.

No exemplo a seguir aparecem os tipos “agressão física” (6,6% do total de

ocorrências registradas); “negligência da professora e da direção” (5,2%); “constrangimento”,

o tipo mais freqüente (12,6%); “discriminação sofrida por aluno” (8,5%), e

„intimidação/ameaça‟ (6,6%). Conforme a narrativa a “agressão física/briga” ocorreu em sala

diante da professora, que permaneceu indiferente ao fato gerando uma situação embaraçosa

para a aluna, caracterizando assim a situação que interpretei como constrangimento. Esta

situação é narrada da seguinte maneira:

Denúncia 43. [Relato feito por funcionário da Ouvidoria após recebimento da denúncia pela internet enviada pela mãe.] A cidadã relata que, sua filha foi agredida enquanto ainda estava no Colégio Estadual Ciclope, a agressão ocorreu no dia “x”[data, mês e ano], enquanto assistia aula, três meninas da mesma classe a agrediram dentro da sala, sendo completamente negligente a professora Eusilene, da disciplina “x” [nome da disciplina], que estava no local e nada fez. Desta forma, pede providências, pois já não é o primeiro erro da professora Eusilene, sendo outras vezes denunciada. Nova informação prestada em “x” [data, mês e ano] - doze dias após a data anterior. A professora continua perseguindo a aluna, e também sua mãe, em virtude da denúncia feita pela mãe da aluna. “o diretor não tomou nenhuma providência! desta forma pede providências. [...] [“ Agressão física/briga”, “negligência da professora e da direção”, “constrangimento” e “intimidação/ameaça”.]

Na direção de explicar meus critérios de classificação dos tipos de situação narradas

como “mistas” na afirmação “a professora continua perseguindo a aluna e também sua mãe”,

entendi que a aluna recebe um tratamento diferenciado durante as aulas, ou seja, é

discriminada; e, além disso, suporta perseguições, entendidas como intimidação, dirigidas a

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mãe e filha. E conforme a narrativa, para tornar o episódio ainda mais sério, a direção “não

tomou nenhuma providência”, o que interpretei como negligência.

Ressalto que, neste exemplo e nos demais registros, este procedimento de

interpretação do relato não é utilizado com a intenção de promover julgamentos, mas sim de

especificar todas as situações explícitas e implícitas no discurso do denunciante com o

objetivo de identificar os tipos de situações a fim de possibilitar análises futuras. Eis um novo

exemplo de denúncia que caracterizei como “mista”:

Denúncia 11. [Denúncia feita por carta/fax pela mãe do aluno e transcrita na íntegra.] [Cidade, [data, mês e ano]. Prezada Ouvidoria. Venho por meio desta relatar um fato ocorrido na Escola Poseidon, na qual meu filho Temístocles Guzzmano Algol, matriculado na serie “x”, se encontra envolvido e o mesmo vem sofrendo penalidades por parte da professora da disciplina de “x” [nome da disciplina] que de acordo com a turma na qual está inserido é de forma injusta. O fato ocorreu na “x”[dia da semana] dia “x” [dia, mês e ano] quando Temístocles estava e mais dois colegas no intervalo de uma aula para outra estavam a espreito, procurando avistar quando a referida professora se aproximaria. Ao avistarem-na todos correram p/ seus lugares sendo que neste momento uma cadeira que escorava a porta veio a cair. Então a professora presumiu que o móvel foi derrubado pelo Temístocles e mandou que a juntasse, ao que ele se recusou afirmando que não havia sido ele o causador da queda do mesmo, ao que o restante da turma confirmou ser verdade o que ele disse. Então, diante do ocorrido, a profª mandou-me um bilhete pedindo minha presença na Escola para comentar o ocorrido. Mas como eu não dispunha de tempo suficiente para comparecer à escola e ao mesmo tempo honrar meus outros compromissos de trabalho previamente agendados, telefonei e conversei com a Pedagoga, justificando o meu não comparecimento. Porem a partir disto meu filho ficou impedido, de modo arbitrário, a participar das aulas e a Professora vem lhe aplicando faltas.As questões p/ as quais exijo respostas e soluções imediatas são: -Até que ponto a professora pode retirar meu filho da sala de aula, constrangendo-o perante a turma sem que nada lhe aconteça -Que direito tem ela de negar-lhe oportunidade de participação nas atividades desenvolvidas em sua disciplina? -E ainda, como se não fosse suficiente, desconsiderar o fato dele estar presente na Escola, lançando-lhe faltas? Exijo por meio deste setor que providencias sejam tomadas a respeito, pois eu já estou tomando as minhas. Respeitosamente Nísia Camayo Algol [Constam a data e assinatura da mãe.] [“Agressão verbal”, “discriminação”, “constrangimento” e “negligência da pedagoga”.]

Outro tipo, observado na Denúncia 11 acima transcrita, que caracterizei como

difamação e foi agrupado com “agressão verbal” (8,1% das ocorrências registradas),

observado no trecho: “então a professora presumiu que o móvel foi derrubado pelo

Temístocles e mandou que a juntasse”. Considerei calúnia e difamação num mesmo tipo de

situação enquanto fatos atribuídos falsamente a alguém. A rigor, no entanto, são situações

diferentes já que calúnia é uma situação definida como crime e difamação é quando se fala

mal ou se ofende a reputação de alguém. Abstraindo tais pormenores, segundo a mãe, a

professora atribuiu falsamente o fato ocorrido ao seu filho. Em seguida, ela não considerou

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quando o aluno explicou que não havia sido ele o causador do tumulto, chamou a mãe e como

esta não compareceu, não permitiu que assistisse a suas aulas, lançando-lhe faltas, o que

interpretei como “discriminação” (8,5%) e “constrangimento” (12,6%). E interpretei como

uma situação de negligência (nesse caso da pedagoga) o trecho da narrativa em que a mãe

afirma ter telefonado para a pedagoga a fim de justificar seu não comparecimento na escola,

uma informação que parece não ter sido repassada a professora já que ela, em conseqüência,

passa a impedir o comparecimento do aluno às aulas.

“Constrangimento” foi o tipo de situação que observei com mais freqüência, já citado

nos exemplos anteriores, causado pela direção, por professores, pedagogos ou funcionários.

Interpretei como “constrangimento” situações que desencadearam descontentamento, coação

ou liberdade tolhida no sentido de se forçar a fazer alguma coisa contra a vontade, sempre

levando em conta o ponto de vista do aluno ou dos responsáveis por ele. São situações assim

narradas:

Denúncia 3. [Denúncia formalizada, pessoalmente, pelo pai em companhia da filha contra a direção e pedagoga.] [...] No dia “x” [dia, mês e ano], um menino me empurrou e eu briguei com ele, tive que esperar algum tempo até ser atendida, a diretora me atendeu brigou comigo, mandou o menino voltar para sua sala, me mandou calar a boca (gritando diversas vezes, falou que eu tinha problemas psicológicos, deu a entender que iria me expulsar da escola. [...] [“Abuso de autoridade”, “constrangimento”, “vexação” e “discriminação”.]

Denúncia 5 [Aluno reclamando, pela internet, da falta de tolerância da escola com relação aos atrasos.] [...] nos alunos do colégio estadual Titã que fica localizado na rua Adonis Rustam Torremor, nº “x”, bairro Cronos, estamos desapontados com a atitude da direção, estamos fazendo um baixo assinado para madar para a secretaria, sua atitude de mandar os alunos embora depois q chega 6 mim atrazado no período”x” [turno]. [...] [“Abuso de autoridade”, “rigor na aplicação das normas”, “constrangimento” e “vexação”.]

Nas Denúncias 3 e 5 aparecem também situações assinaladas como “abuso de

autoridade” (9,6% das ocorrências registradas) considerando que as narrativas apontam

situações em que o comportamento da autoridade excede ou desvirtua de suas atribuições. A

narrativa a seguir é exemplo do que considerei situação mista contendo: “abuso de

autoridade”, “intimidação”, “constrangimento”, “vexação” (5,5% das ocorrências registradas)

e “rigor na aplicação das normas‟ (2,6%). Vexação se refere às situações nas quais o aluno se

sentiu afrontado, humilhado ou envergonhado. Em nome do cumprimento das regras

estabelecidas, da severidade extrema (2,6% das situações narradas) se desencadeiam outras

situações.

Denúncia 4. [Denúncia feita pela internet pelo pai da aluna reclamando do rigor na cobrança

das normas.] Quinze minutos após o recreio, precisou ir ao banheiro para fazer xixi e com o

terrível medo da professora Maricilia e com tanto medo de pedir para ir ao banheiro terminou

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fazendo suas necessidades na sala de aula, causando-lhe grande embaraço perante seus colegas.

Estive na escolha e constatei que a professora é tida como terrível... durona... alias...

incompreensivelmente nos primeiros dias de aula já avisa que não deixa ir ao banheiro. Obtive

mais informações a esse respeito... não um caso e sim um de muitos... [...] [“ Abuso de

Autoridade”, “rigor na aplicação das normas”, “constrangimento” e “vexação”.]

Alguns desses tipos de situação identificados se repetem nas demais denúncias

formando combinações diversas, conforme as especificidades de cada relato. No trecho a

seguir, da Denúncia 2, pode-se observar novamente a tipologia: “abuso de autoridade”,

“constrangimento”, “vexação”, “ameaça ou intimidação”, e acrescentando, “improbidade”

(2,6% do total de situações narradas), este pela cobrança dos testes e “questionamento do

currículo” (0,4%). Considerei improbidade quando se identificam situações, nas narrativas,

em que se coloca em dúvida a honestidade do denunciado.

Denúncia 2. [Denúncia feita por duas vezes, pela internet, pelo pai do aluno.] Meu filho estuda na serie “x” [Ensino Fundamental] do Colegio Estadual Atlas. Já passei mensagens antes mas não obtive retorno. Tenho algumas duvidas e reclamações. Os professores cobram pelos testes em sala de aula, se não pagar o aluno devera copiar a prova e com isto perde tempo em responder as questões, na mai das vezes o tempo é insuficiente;

Não tem aula de [nome da disciplina], por que? Eu acho uma matéria importante. As aulas de Ensino Religioso são obrigatórias?

Professores e o diretor da escola ameaçam os alunos dizendo que irão tirar o recreio de todos por causa de alguns que fazem bagunça. [...] [“Abuso de autoridade”, “constrangimento”, “vexação”, “ameaça” e “questionamento de currículo”.]

A partir da reclamação dos pais nos órgãos públicos de proteção à criança e ao

adolescente, Conselho Tutelar e Ministério Público, a Ouvidoria foi acionada no sentido de

apurar as irregularidades. Em cada relato identifiquei várias situações além do motivo que

ocasionou a denúncia, por exemplo, “utilização de cigarro e drogas” (2,6% das situações),

“gazeteamento” (1,5%), “abuso de autoridade”, nesse caso da pedagoga e “suspensão” (2,2%)

que, neste caso, foi a causa principal da denúncia:

Denúncia 23. [Denúncia feita pelo pai ao Conselho Tutelar, pessoalmente, por não concordar coma suspensão do filho.] [...] Em seguida, o Conselho Tutelar ligou para a Escola e conversou com a pedagoga Floribela, a qual informou que de fato o menino foi encontrado fumando na hora da aula e o mesmo foi suspenso por “x” dias. Porém a mesma funcionária disse que o adolescente é um ótimo aluno e mesmo assim achou-se necessário dar a suspensão. [...] [“Abuso de autoridade”, “gazeteamento”, “uso de cigarro na escola” e “suspensão”.]

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No próximo exemplo, Denúncia 54, o motivo central da denúncia foi a “transferência

compulsória” (1,9 %). As demais situações estão vinculadas ao fator principal que são: briga

computada com “agressão física”, “abuso de autoridade” pela direção, “incivilidade”,

“discriminação” e calúnia, esta agrupada como “agressão verbal”. De acordo com o

comentário feito na Denúncia 11, neste caso, identifiquei a acusação de que a criança pratica

tráfico de drogas como calúnia por se tratar de crime.

Denúncia 54. [O responsável pelo aluno procurou o Ministério Público que comunicou o caso deste aluno que estava fora da escola e encaminhou o pedido de providência por escrito acompanhado do documento chamado de Termo de Declarações, o reclamante declara os motivos que o levaram a procurar esta instituição.] Termo de Declarações [...] Aos “x” [dia, mês e ano], compareceu nesta Promotoria de Justiça o Senhor MELQUIADES CORRADO ELPENOR, RG “x” [número do registro geral], residente e domiciliado na Rua Perímedes Argeifontes, nº “x”, Bairro Éfira, cidade de Neméia, que seu filho, Agelau Corrado Elpenor, nascido em “x” [dia, mês e ano], encontrava-se matriculado na série “x” do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Artemis; que em razão de um incidente de indisciplina, e, tendo em vista acusação de que a criança pratica tráfico de drogas no interior da escola, proferida pela Diretora da unidade de ensino, foi realizada a transferência compulsória do aluno; que foi disponibilizada uma vaga em outra escola, mas a família não dispõe de condições materiais para arcar com as despesas de locomoção deste. Nada mais havendo, encerra-se este termo. [...] [Consta a assinatura do Promotor de Justiça.] [“transferência compulsória”, “abuso de autoridade”, “agressão física”, “incivilidade”, “discriminação” e “agressão verbal” – acusação de tráfico.]

Os exemplos apresentados a seguir mostram situações que envolvem diretamente a

direção da escola. Identifiquei na Denúncia 7 “incompetência administrativa” (3,7% das

situações), pela falta de materiais básicos de conservação e limpeza e “improbidade” (2,6%),

pela suspeita de desonestidade em relação a prestação de contas. Também destaquei na

Denúncia 13, “incompetência administrativa” pela dificuldade em gerir questões relativas à

falta de livros e ao horário, ainda “violência nas proximidades da escola” (0,7%), “falta de

autoridade da direção” (0,4 %), “tolerância com a falta de professores” (0,7%) e “covardia da

direção” (0,4%).

Denúncia 7. [Denúncia feita por uma professora, pessoalmente, a respeito da falta de materiais e da forma pouco clara da prestação de contas da direção [...] e agora não temos material de limpeza, não temos exponja p/ limpar louças. Não temos pano de limpar chão, as Sras da limpeza é quem trazem de casa, as vezes falta até papel hiegênico p/ os professores. Gostaria também que ela [direção] apresentasse o balanço [sublinhado no original] de tudo que gastou na reforma da cozinha, em cartolina na sala dos professores, pois fez em [data do ano anterior] e gostaríamos de estar mais a “par” de tudo. [Consta apenas a assinatura]. [“Incompetência administrativa” e “improbidade”] Denúncia 13. [Reclamação feita, pessoalmente, por uma mãe sobre a „timidez‟ da direção.] Falta de pulso do Diretor Líssio, pois pede-se providencias em relação à segurança, brigas de alunos

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com gangues em frente da escola, e ele responde que não dá a cara para bater, pois podem fazer algo com ele, com o carro, com os professores. Falta de livros, não tem com estudar em casa. As lições e matérias são páginas e páginas por dia, ficando cansativo para o aluno. Tem matérias que não se consegue entender, muito conteúdo e pouca clareza. Professor de “x” [nome da disciplina] não comparece com freqüência, falta de professores. Demora em acertar o horário, os alunos levam todo o material. Muita alteração no horário. [Consta a assinatura da mãe.] [“Incompetência administrativa”, “tolerância com a falta de professores”, “violência nas proximidades da escola”, “falta de autoridade” e “covardia da direção”.]

“Incompetência pedagógica” (5,2%), “agressão verbal” que também abrange insultos

e xingamentos (8,1%), “agressão física” (6,6%) “constrangimento” (12,6%), “vexação”

(5,5%), tentativa de “intimidação” (6,6%), “descontrole emocional” (0,7%) e geração de

“incivilidades” (4,8%) é o que exprime, pelo meu critério de identificação, este fragmento da

Denúncia 46:

Denúncia 46. [Reclamação feita pela direção a respeito da postura do professor.] [...] o professor tem mostrado as mesmas atitudes do ano anterior. É agressivo, usa palavras inadequadas para chamar atenção dos alunos, xinga-os (usando termos como “retardado” e “débil mental”) inclusive já atingiu fisicamente os alunos com objeto (livros) e pessoalmente (chutou uma carteira e acidentalmente atingiu a perna de um aluno; empurrou a cabeça de um aluno em direção aos cadernos). [...] [“Incompetência pedagógica”, “agressão verbal”, “agressão física”, “constrangimento”, “intimidação”, “vexação”, “descontrole emocional” e “incivilidade”.]

“Incompetência pedagógica” (5,2% do total das ocorrências) se reporta a toda

dificuldade e falta de qualificação encontrada pelo professor no trabalho em sala de aula.

Apesar de interpretar, especificamente, neste relato as situações: tentativa de intimidação e

geração de incivilidades, elas foram agrupadas na TABELA 8 como “intimidação” e

“incivilidade”, respectivamente. Optei por especificar geração de incivilidades em função do

tipo “descontrole emocional” (0,7%), pois me parece o fator desencadeante das demais

tipologias. “Incivilidade” (4,8% das ocorrências registradas) compreende casos de bagunça,

desrespeito a colegas e às autoridades escolares, falta de limites, tumulto, conversas paralelas,

enfim pequenas transgressões praticadas por alunos que ocorrem no cotidiano escolar.

Na Denúncia 52, também identifiquei o tipo “furto/roubo e extorsão” (0,7%) quando

o lanche dos alunos é roubado a fim de que eles tenham que comprar outro na lanchonete da

mãe de um dos componentes da “gangue”. Estas situações propiciam o aparecimento de

outros tipos aqui denominados de “gazeteamento/atraso” (1,5 % das situações), “utilização de

cigarro e drogas” (2,6 %), “intimidação/ameaça” (6,6 %), “tráfico” (0,7%) no interior da

escola, “porte de arma” (0,4 %), “violência na vizinhança da escola” (0,7 %), etc. No item

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“vandalismo” (0,7 %) agrupei a situação de bomba na escola associada com uma reclamação

de falta de segurança. Como ilustração, apresento os exemplos:

Denúncia 52. [Denúncia realizada, pessoalmente, por um professor] [...] o caso desse menino é complicado! Ele é usuário de droga e além disso repassa para os colegas e também agride-os, rouba seus lanches para obrigá-los a comprar na lanchonete de sua mãe [...] a pedagoga estava no corredor; tirava eles de lá e eles voltavam e o Bonifacio me encarava e disse: “Você vai ver o que vai te acontecer e a pedagoga ouviu também. Além disso este aluno ficou fumando no corredor. Ministrei a última aula para série “y” e ao sair um deles, o Geremy me questionou, porque eu chamava atenção da Bertina? E ele disse: “Ah a menina ai!”Apontando para cima na escada. Virei as costas e continuei descendo e em seguida o Geremy disse uma frase de baixo calão: “seu pau no ...” Que não me atrevo a repetir na integra! [...] [“Intimidação/ameaça”, “furto/roubo e extorsão”, “gazeteamento”, “formação de gangue”, “uso de cigarro e drogas” e “incivilidade”.] Denúncia 33. [Direção procura a Ouvidoria para solicitar auxílio no sentido de resolver problemas na escola.] [...] A direção falou sobre o acompanhamento do caso que ocorreu no mês anterior: um tiroteio nas proximidades da Escola, e também a explosão de uma bomba no interior da Escola. [...] [“Formação de gangue” e “vandalismo no interior da escola”.]

Denúncia 22. [Denúncia feita por um grupo de pais ao Conselho Tutelar que encaminhou a reclamação a Ouvidoria.] Para: Ouvidoria do Núcleo Regional de Educação Através deste ofício, conforme informações prestadas por mães de alunos, presentes neste Conselho Tutelar no dia [data, mês e ano], apresentamos algumas situações a respeito do Colégio Estadual Vega, bairro de Dardanelus: [...] - Furtos dentro da sala de aula; - Ausência do diretor – quando procurado pelos pais, conforme relato não é encontrado e raramente aparece na escola; - Casos constantes de agressão nos corredores e demais dependências da Escola, sem que ninguém tome providências [...] [“Furto/roubo”, e “negligência da direção e equipe pedagógica”.]

Uma das ocorrências de queixa de “nota baixa” (0,7 %) é conseqüência de outra

situação, a “falta de ética de professores” (0,4 %) tendo em vista que, de acordo com o relato,

namoravam e também promoviam cenas de ciúmes e desentendimentos diante dos alunos nos

horários de aula relegando a um segundo plano o aspecto pedagógico:

Denúncia 49. [Reclamação feita por alunos à direção que por sua vez a encaminhou à Ouvidoria.] [...] alunos da série “x” do Ensino Médio, reivindicando seus direitos legais, referente ao fato ocorrido que trouxe prejuízo na nota, média da aluna Dyleide Frigg Learco. A média da aluna era 6,4 (seis vírgula quatro) e foi para 5,2 (cinco vírgula dois) na disciplina da Prof.ª Pauline Crissia Tazol. No relato as alunas disseram que a professora está perseguindo devido aos ciúmes que ela professora tem das alunas com relação ao seu relacionamento com o professor Eneu José Mangle , isso vem trazendo transtorno em relação professor(a) e aluno(as). Também relata que a mesma sempre está indisposta, agressiva para explicar a matéria. Presenciaram o conflito dos dois no corredor [...] [“Nota baixa” e “falta de ética de professores”.]

No relato da denúncia 37 identifiquei o tipo “falsificação de documento” (0,7% das

ocorrências registradas). Trata-se de um aluno que entre várias situações de mau

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comportamento registradas em ata, também consta falsificação de autorização para saída

antecipada da escola, conforme o registro da denúncia:

Denúncia 37. [...] onde o Diretor da Escola, professor Wictor expôs várias queixas quanto ao comportamento inadequado do aluno por conta de agressões a colegas de classe e desrespeito com os professores alegando seus direitos enquanto cidadão, falsificando autorização para saida mais cedo das aulas, foi solicitado ao Diretor cópia das atas de ocorrência quanto ao comportamento do aluno para averiguação. [...] [“Falsificação de documentos”, “agressão verbal” e “incivilidade”.]

Classifiquei como “insubordinação” (0,4 %), na Denúncia 36, além de “abuso de

autoridade”, também a situação relativa à reunião realizada por uma professora com o

Conselho Escolar sem a presença de todos os seus componentes e sem a convocação oficial

conforme prevê o estatuto desta entidade:

Denúncia 36. [Trecho do registro referente à reunião solicitada pela Ouvidoria para verificar possíveis excessos cometidos por uma professora.] [...] reuniram-se na sala da Ouvidoria do Núcleo Regional de Educação, a Senhora Alssina Maria Cheúque, professora da disciplina “x” [nome da disciplina], o Senhor Anacleto Indra Torrijos, diretor, a Senhora Zinnia Parmentier Timbetá, diretora auxiliar do Colégio Estadual Campos Elíseos, a Ouvidoria e a Senhora Selline Pollux, representante do Núcleo. A Ouvidoria expõe a finalidade da reunião para esclarecer o contido no Ofício “x”[número e data], do Colégio Estadual Campos Elíseos, sobre uma reunião que aconteceu no dia “x” [dia, mês e ano por extenso, dois meses antes] dirigida pela professora Enalda Clito Tuemeft registrada no livro ata do Conselho Escolar. A Ouvidoria coloca que esta reunião fere as normas gerais do Estatuto portanto não tem legitimidade. [...] [“Insubordinação” e “abuso de autoridade”.]

Por último, no item “outros” (1,1 %) agrupam as situações de “barulho causado pela

escola” e “tumulto nas proximidades da escola” causado pelo movimento de entrada e saída

das aulas, além de um caso de desrespeito às normas de higiene (cachorro dentro da escola)

observadas por uma aluna:

Denúncia 26. [Denúncia feita, pessoalmente, por pessoa vizinha a escola.] O barulho constante que vem da escola não se limita aos alunos que estão dentro da mesma, nos horários de entrada e saída eles ficam nas ruas fazendo barulho, gritando, etc. sem falar nas ruas que ficam interditadas com os ônibus, vans, carros em fila dupla. [...] A escola não faz manutenção das calçadas que freqüentemente estão cheias de mato e lixo, assim como buracos. Os problemas tem piorado nos últimos dois anos. Quero citar também os muros da escola que estão sujos, caindo e pixados. [A pedido do denunciante o nome foi mantido em sigilo.]

Denúncia 44. [...] [Reclamação feita à direção] Eu não acho serto cachorro na escola eu já vi eles dando comida para os cachorros, um cachorro morreu aqui na nossa escola [...] [Constam o primeiro nome e a série.]

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Considerações finais

O mesmo tipo de trabalho preliminar de mapeamento das narrativas das denúncias

com intenção descritiva e ilustrativa será repetido com os encaminhamentos que não estão

aqui incluídos por falta de espaço. Ressalto que o procedimento aqui utilizado não tem a

intenção de promover julgamentos ou análises, mas tornar mais compreensível o conteúdo das

narrativas. Trata-se de um processo extremamente trabalhoso e exaustivo, foi preciso ler e

reler várias vezes as narrativas para identificar o maior número de particularidades possíveis,

pois não se sabe antecipadamente os aspectos relevantes para o exercício analítico posterior.

Por isso os dados coletados foram (e são) contados, recontados e reavaliados, assim a

tipologia foi se construindo e se modificando tendo em vista a observação de RATTO a

respeito da “extraordinária riqueza do conteúdo das narrativas e a impossibilidade de abarcá-

las no conjunto de seus aspectos” (RATTO, 2007:44). Desta forma é inevitável que este

trabalho descritivo e preliminar não seja modificado.

Ao dar a conhecer o conteúdo de algumas denúncias pretende-se que tenham um

caráter educativo a respeito das diversas e complexas questões que atravessam o cotidiano das

escolas, com suas implicações importantes no campo da gestão escolar bem como no âmbito

de cada escola e da gestão do sistema como um todo. Também ao se possibilitar e ampliar

este tipo de acesso, a partir de um levantamento rigoroso e minucioso possibilitar um

necessário distanciamento das situações conflitivas que no dia a dia são carregadas de

urgências e imediatismos; também possibilitar reflexões mais bem fundamentadas a partir de

um referencial analítico de cunho foucaultiano a respeito das situações e encaminhamentos

narradas, do papel ou responsabilidades de cada segmento implicado no tipo de relação de

poder, dinâmicas e tensões ai presentes.

O próximo desafio é a construção de sentidos a fim de interpretar e analisar o

material empírico coletado tendo por base o referencial analítico foucaultiano.

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Referências bibliográficas

RATTO, Ana Lúcia S. Livros de Ocorrência-(In)Disciplina, Normalização e

Subjetivação. São Paulo: Cortez, 2007.