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A mão do macaco William Wymark Jacobs Lá fora, a noite era fria e húmida, mas, na pequena sala de estar da Vila Lakesnam, as gelosias estavam cerradas e o fogo brilhava alegremente. Pai e filho estavam jogando xadre, e o primeiro, que possu!a ideias sobre o jogo, envolvendo uma mudan"a radical de táctica, punha o rei em t#o desesperados e desnecessários perigos que provocou comentários at$ da velha senhora de cabelos  brancos, que estava faend o, placidamente, croch$ perto do fog o.  % &scuta esse v ento' % disse o (enhor )hite, que, tendo notad o um erro fatal quando já era tarde demais, desejava evitar , com habilidade, que o filho o notasse tamb$m.  % &stou escutando % disse o outro, observando atentamente o tabuleiro, ao mesmo tempo que estendia a m#o. % *eque'  % &stava achan do muito dif!cil que ele viesse e sta noite % disse o pai, com a m #o erguida sob re o tabuleiro.  % +ate' % prosse guiu o filho.  % sso $ o que tem de pior, viver assim t#o afastado' % vociferou o (enhor )hite, com súbita e inesperada viol-ncia % /e todos os lugares idiotas, lamacentos e fora de m#o para se morar, este $ o  pior . 0 caminho $ um atoleiro e, a estrada, um rio. 1#o sei o que essa gente pensa. 2cho que,  porque somen te duas casas da estrada es t#o alugadas, e ntendem que n# o tem import3ncia.  % 1#o te importes, querido % disse4lhe a esposa, conciliadoramente % talve ganhes a pr5xima  partida. 0 (enhor )hite ergueu bruscamente a vista, mesmo em tempo de interceptar um olhar de compreens#o, trocado entre m#e e filho. 2s palavras morreram4lhe nos lábios, e escondeu um sorriso contrafeito, na barba rala, grisalha.  % 2 ! está ele' % exclamo u 6erbert )hite, ao o uvir o port#o bater com es trondo e pesad os passos, que vinham em direc"#o 7 porta. 0 velho levantou4se com solicitude hospitaleira, e, enquanto abria a porta, puderam ouvi4lo lastimando4se do tempo, com o rec$m4chegado. &ste tamb$m se lastimou, de maneira que a (enhora )hite disse8 9:hut' :hut'9 e tossiu de leve, quando o marido entrou no aposento, seguido  por um homem alto e corpulento, de o lhos salientes e faces rubicundas.  % (argento 4major +orris % disse, ap resentando4o. 0 major trocou apertos de m#o, e, tomando a cadeira oferecida junto ao fogo, observou, com satisfa"#o, que o anfitri#o traia u!sque e copos e punha uma pequena chaleira de cobre no fogo. 2o terceiro copo, seus olhos ficaram mais brilhantes e come"ou a falar, enquanto o pequeno c!rculo da fam!lia olhava, com agudo interesse, aquele visitante de terras long!nquas, que encostava

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A mão do macaco

William Wymark Jacobs

Lá fora, a noite era fria e húmida, mas, na pequena sala de estar da Vila Lakesnam, as gelosias

estavam cerradas e o fogo brilhava alegremente. Pai e filho estavam jogando xadre, e o primeiro,que possu!a ideias sobre o jogo, envolvendo uma mudan"a radical de táctica, punha o rei em t#o

desesperados e desnecessários perigos que provocou comentários at$ da velha senhora de cabelos

 brancos, que estava faendo, placidamente, croch$ perto do fogo.

 % &scuta esse vento' % disse o (enhor )hite, que, tendo notado um erro fatal quando já era tarde

demais, desejava evitar, com habilidade, que o filho o notasse tamb$m.

 % &stou escutando % disse o outro, observando atentamente o tabuleiro, ao mesmo tempo que

estendia a m#o. % *eque' % &stava achando muito dif!cil que ele viesse esta noite % disse o pai, com a m#o erguida sobre o

tabuleiro.

 % +ate' % prosseguiu o filho.

 % sso $ o que tem de pior, viver assim t#o afastado' % vociferou o (enhor )hite, com súbita e

inesperada viol-ncia % /e todos os lugares idiotas, lamacentos e fora de m#o para se morar, este $ o

 pior. 0 caminho $ um atoleiro e, a estrada, um rio. 1#o sei o que essa gente pensa. 2cho que,

 porque somente duas casas da estrada est#o alugadas, entendem que n#o tem import3ncia.

 % 1#o te importes, querido % disse4lhe a esposa, conciliadoramente % talve ganhes a pr5xima

 partida.

0 (enhor )hite ergueu bruscamente a vista, mesmo em tempo de interceptar um olhar de

compreens#o, trocado entre m#e e filho. 2s palavras morreram4lhe nos lábios, e escondeu um

sorriso contrafeito, na barba rala, grisalha.

 % 2! está ele' % exclamou 6erbert )hite, ao ouvir o port#o bater com estrondo e pesados passos,

que vinham em direc"#o 7 porta.

0 velho levantou4se com solicitude hospitaleira, e, enquanto abria a porta, puderam ouvi4lo

lastimando4se do tempo, com o rec$m4chegado. &ste tamb$m se lastimou, de maneira que a

(enhora )hite disse8 9:hut' :hut'9 e tossiu de leve, quando o marido entrou no aposento, seguido

 por um homem alto e corpulento, de olhos salientes e faces rubicundas.

 % (argento4major +orris % disse, apresentando4o.

0 major trocou apertos de m#o, e, tomando a cadeira oferecida junto ao fogo, observou, com

satisfa"#o, que o anfitri#o traia u!sque e copos e punha uma pequena chaleira de cobre no fogo.

2o terceiro copo, seus olhos ficaram mais brilhantes e come"ou a falar, enquanto o pequeno

c!rculo da fam!lia olhava, com agudo interesse, aquele visitante de terras long!nquas, que encostava

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os ombros robustos no espaldar da cadeira, falando de cenas estranhas e feitos denodados, de

guerras e pestes e de povos ex5ticos.

 % Vinte e um anos disto % disse o (enhor )hite, acenando, com a cabe"a, para a esposa e o filho.

 % ;uando partiu, era um belo mo"o, no arma$m. 2gora, olhem para ele.

 % 1#o parece ter4se dado muito mal % observou a (enhora )hite delicadamente. % &u gostaria de ir 7 <ndia, tamb$m, % disse o velho cavalheiro % s5 para ver como aquilo $,

sabem=

 % >oi melhor ficar por aqui mesmo % retrucou o major, abanando a cabe"a. Pousou o copo vaio

e, suspirando de leve, sacudiu4a outra ve.

 % ?ostaria de ver aqueles velhos templos, e faquires, e pelotiqueiros % insistiu o velho. % 0 que

era que ia come"ar a contar4me no outro dia, a respeito de uma m#o de macaco, ou coisa que o

valha, +orris= % 1ada % respondeu o soldado, muito depressa. % @Pelo menos, nada que valha a pena ouvir4se.

 % +#o de macaco= % indagou a (enhora )hite, com curiosidade.

 % Aem, apenas o que se poderia chamar magia, talve % respondeu o major, de maneira vaga.

(eus tr-s ouvintes curvaram4se para a frente, interessados. 0 visitante, alheadamente, levou o

copo vaio aos lábios e depois tornou a pousá4lo. 0 anfitri#o encheu4lho de novo.

 % B simples vista % disse o major, remexendo no bolso % $ apenas uma pequena m#o comum,

seca e mumificada.

Cirou qualquer coisa do bolso e exibiu4a. 2 senhora )hite recuou, com uma careta, mas o filho,

 pegando no objecto, examinou4o com curiosidade.

 % & que $ que há de especial nela= % perguntou o (enhor )hite, tomando4a das m#os do filho e

 pousando4a sobre a mesa, depois de examiná4la.

 % Possui um encantamento, que lhe foi posto por um velho faquir % explicou o major % um

homem muito velho. ;ueria mostrar que o destino segue a vida dos homens e que aqueles que

interferem com ele o faem para seu pr5prio mal. PDs4lhe um encantamento, para que tr-s homens

distintos pudessem satisfaer, cada um, tr-s desejos.

(uas maneiras eram t#o impressionantes que os ouvintes tinham a consci-ncia de que os seus

risos alegres soavam um pouco falsos.

 % Aem, e por que n#o formula tr-s desejos, senhor= % perguntou 6erbert )hite,

inteligentemente.

0 soldado olhou4o da maneira que um homem de meia4idade olha para a mocidade presun"osa.

 % Eá formulei... % disse, devagar, e o seu rosto corado empalideceu.

 % & obteve, realmente, que esses tr-s desejos se realiassem= % perguntou o (enhor )hite.

 % 0btive % respondeu o major, e o copo tilintou de encontro aos seus dentes brancos.

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 % & algu$m mais já desejou=

 % 0 primeiro homem tamb$m satisfe seus tr-s desejos, simF % foi a resposta. % 1#o sei quais

foram os dois primeiros, mas o terceiro foi a morte. >oi assim que obtive a m#o.

0 seu tom era t#o grave que um sil-ncio caiu sobre o grupo.

 % (e já obteve os seus tr-s desejos, n#o lhe serve para mais nada ent#o, +orris, % disse o velho, por fim. % Para que a conserva=

0 soldado abanou a cabe"a.

 % >antasia, suponho % disse, devagar. % Cive uma vaga ideia de vend-4la, mas n#o creio que o

fa"a. Eá causou infortúnios demais. 2l$m disso, ningu$m a compraria. 2lguns acham que $ uma

hist5ria fantástica, e os que acreditam alguma coisa dela, querem experimentar primeiro e pagar4me

depois.

 % (e pudesse formular outros tr-s desejos, % perguntou o velho, fitando4o atentamente % fá4lo4ia= % 1#o sei, % respondeu o outro % n#o sei...

Pegou na m#o, e, balan"ando4a entre o indicador e o polegar, jogou4a de súbito no fogo. )hite,

com um pequeno grito, curvou4se e tirou4a.

 % G melhor que a deixe queimar4se % sentenciou o soldado, solenemente.

 % (e n#o a quer, +orris, % pediu o velho % d-4ma.

 % 1#o farei isso % respondeu o amigo, com rabugice. % 2tirei4a ao fogo. (e a quiser guardar, n#o

me censure pelo que possa acontecer. Eogue4a no fogo de novo, como um homem de ju!o.

0 outro abanou a cabe"a e examinou atentamente sua nova aquisi"#o.

 % :omo se fa= % perguntou.

 % (egura4se levantada, com a m#o direita, e fa4se o pedido em vo alta % disse o major % mas,

 previno4o... contra as consequ-ncias.

 % Parece coisa das 9+il e uma noites9' % exclamou a (enhora )hite, enquanto se levantava e

come"ava a preparar tudo para a ceia. % 1#o achas que poderias desejar quatro m#os para mim=

0 marido tirou o talism# do bolso e, ent#o, os tr-s desataram a rir, enquanto o major, com um ar

de susto no rosto, o segurava pelo bra"o.

 % (e quer formular um pedido, % disse4lhe, severamente % fa"a4o de maneira inteligente.

0 (enhor )hite deixou cair de novo o talism# no bolso, e, chegando as cadeiras, conduiu o

amigo 7 mesa. :om o entretenimento da ceia, o objecto foi em parte esquecido, e, depois, os tr-s

ficaram sentados, escutando, atentos, uma segunda s$rie das aventuras do soldado da <ndia.

H H H

 % (e a hist5ria a respeito da m#o do macaco n#o for mais verdadeira do que as outras que ele nos

esteve contando % disse 6erbert, quando a porta se fechou 7s costas do h5spede, apenas em tempo

 para este apanhar o último comboio % n#o conseguiremos grande coisa com ela.

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 % /este4lhe alguma coisa por ela, meu velho= % @perguntou a (enhora )hite, olhando para o

marido, com aten"#o.

 % Ima bagatela % respondeu ele, corando de leve. % 1#o queria aceitar, mas obriguei4o. &

insistiu de novo comigo para que a jogasse fora.

 % 1#o fa"a isso' % exclamou 6erbert, com pretenso horror. % 0ra essa' Vamos ficar ricos,famosos e felies. /eseje ser inperador, papai, para come"ar depois, n#o poderá ser dominado pela

esposa.

:orreu em volta da mesa, perseguido pela indignada (enhora )hite, armada de uma vassoura.

0 (enhor )hite tirou a m#o de macaco do bolso e olhou para ela, indeciso.

 % 1#o sei o que hei de desejar, esta $ a verdade... % disse, lentamente. % Parece4me que tenho

tudo o que quero.

 % (e liquidasse a hipoteca da casa, seria completamente feli, n#o $ verdade= % sugeriu 6erbert, pousando 4lhe a m#o no ombro. %Pois bem, deseje duentas libras, ent#o $ justamente o que falta.

0 pai, sorrindo, meio envergonhado da pr5pria credu@lidade, ergueu o talism#, enquanto o filho,

com ar solene, que um piscar de olhos 7 m#e desmentia, sentava4se ao piano e faia soar alguns

acordes majestosos.

 % /esejo ter duentas libras % pediu o velho, em vo alta.

Ima bela resson3ncia do piano saudou aquelas palavras, interrompida por um grito assustado do

velho. 0 filho e a esposa correram para ele.

 % +exeu4se'... % exclamou ele, com um olhar de receio para o objecto que jaia no ch#o. %

;uando formulei o desejo, contraiu4se4me na m#o qual uma cobra.

 % Aem, n#o vejo o dinheiro... e aposto que nunca o verei % atalhou o mo"o.

 % /eve ter sido impress#o tua, meu velho % disse a esposa, olhando para ele com ansiedade.

0 marido abanou a cabe"a.

 % 1#o importa, por$m. 1#o aconteceu nada de mau, mas levei um choque, assim mesmo.

(entaram4se novamente, junto ao fogo, enquanto os dois homens acabavam de fumar os seus

cachimbos. Lá fora, o vento estava mais forte do que nunca, e o velho teve um sobressalto nervoso

ao som de uma porta batendo no primeiro andar. Im sil-ncio ins5lito e deprimente pesou sobre os

tr-s, e prolongou4se at$ que o casal de velhos se levantou para recolher4se.

 % &spero que encontre o dinheiro amarrado em um grande ma"o, no meio da cama, % gracejou

6erbert, ao curvar4se para dier4lhes boa noite % e qualquer coisa terr!vel agachada em cima do

guarda4roupa, espiando4o, enquanto o senhor se apossa da fortuna mal ganha.

 1a manh# seguinte, na claridade do sol de nverno iluminando a mesa do caf$, 6erbert riu4se do

susto dos pais. 6avia um ar de saudável banalidade, no aposento, que faltava na noite anterior, e a

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 pequena m#o de macaco, suja e enrugada, estava pousada sobre o aparador. :om um pouco caso

que n#o demonstrava grande f$ nas suas virtudes.

 % (uponho que todos os soldados s#o a mesma coisa % disse a (enhora )hite. % ;ue ideia, a

nossa, de dar ouvidos a tais contra4sensos' :omo poderiam realiar4se simples desejos, hoje em

dia= &, se pudessem, como haviam de faer4te mal duentas libras, meu velho= % Podiam cair4lhe do c$u na cabe"a % chasqueou o fr!volo 6erbert.

 % +orris contou que as coisas aconteciam t#o naturalmente % disse o pai % que se poderia,

querendo, atribu!4las a mera coincid-ncia.

 % Aem, n#o vá gastar o dinheiro todo antes que eu esteja de volta % recomendou 6erbert,

levantando4se da mesa. % Jeceio que se transforme num mesquinho avarento e que tenhamos de

desconhec-4lo.

2 m#e riu4se, e, acompanhando4o at$ a porta. 0bservou4o enquanto seguia pela estrada abaixo, edepois, voltando 7 mesa do caf$, divertiu4se muito 7s custas da credulidade do marido. 0 que n#o a

impediu de precipitar4se para a porta, quando o carteiro bateu, e nem tampouco de resmungar

qualquer coisa sobre majores reformados, de hábitos biliosos, quando verificou que o correio lhe

traia apenas uma conta do alfaiate.

 % 6erbert vai dier mais algumas pilh$rias, espero, quando voltar % disse ela, quando se

sentavam para jantar.

 % magino que sim, % concordou o (enhor )hite, servindo4se de cerveja % mas, seja como for,

aquela coisa mexeu4se na minha m#o isso eu posso jurar.

 % Pensaste que se moveu % observou a velha senhora, meigamente.

 % /igo4te que se mexeu' % replicou o outro. % 1#o resta a menor dúvida. &u tinha... que foi=

2 esposa n#o respondeu. &stava a observar os mis@teriosos movimentos de um homem, lá fora,

que, esprei@tando de maneira indecisa para a casa, parecia estar ten@tando resolver4se a entrar. &m

conex#o mental com as duentas libras, notou que o estranho estava bem vestido e usava uma

cartola de seda, brilhante e nova. Cr-s vees parou ao port#o, mas, depois, afastou4se de novo. /a

quarta ve, parou com a m#o pousada nele, e, com súbita resolu"#o, abriu4o e caminhou em

direc"#o 7 casa. 2 (enhora )hite, no mesmo instante, levou as m#os 7s costas e, desatando

apressadamente os cordKes do avental, colocou aquela útil pe"a de roupa sob a almofada da sua

cadeira.

Crouxe o estranho, que parecia pouco 7 vontade, para dentro do aposento. &le olhava

furtivamente para a (enhora )hite, e escutava, com ar preocupado, enquanto a velha senhora pedia

desculpas pela apar-ncia da sala, e pelo sobretudo do marido, um agasalho que, geralmente, ele

reservava para o jardim. &la esperou, t#o pacientemente quanto o seu sexo o permitia, que o homem

desembuchasse o que tinha para dier, mas, a princ!pio, ele conservou4se num sil-ncio embara"ado.

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 % Pediram4me... para vir aqui % disse, por fim, e curvou4se para tirar um fiapo de algod#o das

cal"as. % Venho de parte de 1a M 1aggins.

2 velha senhora sobressaltou4se.

 % ;ue foi= % perguntou, com a respira"#o alterada. % 2conteceu alguma coisa a 6erbert= ;ue $=

;ue $=0 marido interpDs4se.

 % Vamos, vamos, minha velha % disse, apressadamente. % (enta4te, e n#o tires conclusKes

antecipadas. 1#o $ portador de más not!cias, estou certo, senhor % e observava o outro atentamente.

 % (into muito... % come"ou o visitante.

 % &stá ferido= % perguntou a m#e.

0 visitante curvou4se, confirmando.

 % ?ravemente ferido, mas já n#o sofre coisa alguma. % 0h, gra"as a /eus' % exclamou a velha senhora, juntando as m#os. % ?ra"as a /eus, por isso.

?ra"as ...

nterrompeu4se de súbito, ao perceber o sinistro significado da afirmativa do outro e viu a

terr!vel confirma"#o dos seus receios na cara compungida que ele fe. (uspendeu a respira"#o, e

voltando4se para o marido, menos vivo em compreender do que ela, pousou a m#o tr$mula na dele.

6ouve um longo sil-ncio.

 % >oi colhido por uma máquina % disse o visitante por fim, em vo baixa.

 % :olhido por uma máquina... % repetiu o (enhor )hite, de maneira vaga. % (im ...

>icou sentado, olhando confusamente pela janela e, tomando a m#o da esposa entre as suas,

apertou4a como costumava faer nos velhos tempos em que se namoravam, quase quarenta anos

atrás.

 % &ra o único que nos restava % disse, voltando4se gentilmente para o visitante. % G duro.

0 outro tossiu, e, levantando4se, caminhou lentamente at$ 7 janela.

 % 2 firma encarregou4me de transmitir4lhes a sua sincera simpatia pela grande perda que

sofreram % disse, sem voltar a olhar. % Pe"o4lhes para compreenderem que sou apenas um

empregado e que estou a obedecer a ordens recebidas.

 1#o houve resposta a face da anci# estava branca, os olhos v!treos, a respira"#o mal aud!vel no

rosto do marido, havia uma express#o que devia ser semelhante 7 do seu amigo major ao entrar pela

 primeira ve em ac"#o.

 % /evo dier4lhes que 1a M 1aggins negam qualquer responsabilidade % continuou o outro. %

 1#o admitem qualquer obriga"#o, mas, em considera"#o aos servi"os prestados por seu filho,

desejam oferecer4lhes certa import3ncia em dinheiro, a t!tulo de compensa"#o.

0 (enhor )hite deixou cair a m#o da esposa, e, pondo4se em p$, fitou o visitante com um olhar

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horroriado. (eus lábios secos balbuciaram a palavra8

 % ;uanto=

 % /uentas libras % foi a resposta.

nconsciente do grito da esposa, o anci#o sorriu debilmente, estendeu as m#os feito um homem

cego, e caiu, qual um farrapo, inerte, no assoalho.

 1o vasto cemit$rio novo, a umas duas milhas de dis@t3ncia, os anci#os enterraram o morto

querido e voltaram para a casa, agora imersa em sombras e sil-ncio. 2con@tecera tudo t#o

rapidamente que, a princ!pio, mal podiam compreend-4lo, e tinham ficado num estado de

expectativa, como se alguma coisa mais devesse acontecer % @alguma coisa que aliviasse aquela

carga demasiado pesada para os seus velhos cora"Kes suportarem. +as os dias passaram4se, e a

cruel expectativa cedeu lugar 7 resigna"#o % a resigna"#o irremediável dos velhos, 7s veeserroneamente chamada apatia. Bs vees, mal trocavam uma palavra, porque agora n#o tinham sobre

que falar, e os seus dias eram longos e enfadonhos.

>oi cerca de uma semana depois daquilo que o anci#o, acordando de súbito, uma noite, estendeu

a m#o e verificou que se achava soinho na cama. 0 quarto estava em trevas e vinha da janela um

som de solu"os abafados. (entou4se na cama e escutou.

VemF % disse, ternamente. % Vais apanhar frio.

+ais frio estará sentindo o meu filho % respondeu a anci#, e solu"ou mais alto.

0 som dos solu"os morreu nos ouvidos dele. 2 cama estava quente e os seus olhos pesados de

sono. /ormitou um pouco, agitado, e depois adormeceu, at$ que um súbito grito selvagem da

esposa o acordou em sobressalto.

 % 2 m#o do macaco' % gritava ela, selvagemente. 2 m#o do macaco'

&le despertou, alarmado.

 % 0nde= 0nde está= ;ue foi que aconteceu=

&la veio cambaleando pelo quarto, em direc"#o a ele.

 % ;uero4a % disse, calmamente. % Cu n#o a destru!ste=

 % &stá na sala, na prateleira % respondeu ele, muito admirado. % Porqu-=

&la chorava e ria4se ao mesmo tempo e, curvando4se, beijou4o na face.

 % (5 agora me lembrei disso % disse, histericamente. % Por que n#o me lembrei antes= Por que

n#o te lembraste tu=

 % Lembrar de qu-=

 % /os outros dois desejos % respondeu ela, rapidamente. % (5 formulámos um.

 % & n#o foi bastante= % perguntou ele, com viol-ncia.

 % 1#o' % exclamou ela, triunfalmente. % >ormularemos mais um. Vai lá em baixo, trae4a

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depressa, e manifesta o desejo que teu filho esteja vivo de novo.

o homem sentou4se na cama e afastou as cobertas de sobre os membros tr$mulos.

 % (anto /eus, estás louca'

 % Vai buscá4la, % insistiu ela. % Vai buscá4la e pede. 0h, meu filho, meu filho'

0 marido riscou um f5sforo e acendeu a vela. % Volta para a cama % disse, irresolutamente. % @1#o sabes o que estás a dier.

 % 0btivemos a realia"#o do primeiro desejo, % disse a anci#, com fervor % por que n#o

havemos de obter o segundo=

 % Ima coincid-ncia... % gaguejou o anci#o.

 % Vai buscá4la e pede' % gritou a anci#, arrastando4o para a porta.

&le desceu, no escuro, tacteou o caminho para a sala e depois para o aparador. 0 talism# estava

no seu lugar, e um horr!vel medo de que o desejo n#o formulado trouxesse o filho mutilado 7 sua presen"a, antes que ele pudesse fugir do aposento, apoderou4se do seu esp!rito. (usteve a

respira"#o, quando viu que perdera a direc"#o da porta. :om a testa húmida de suor, encontrou o

caminho em volta da mesa, e foi4se arrastando, ao longo da parede, no estreito corredor, com aquela

coisa nojenta na m#o.

2t$ o rosto da esposa pareceu4lhe mudado, quando entrou no quarto. &stava branco e

expectante, e, para seu receio, parecia ter um ar sobrenatural. Ceve medo dela.

 % Pede' % gritou ela, em vo forte.

 % G uma tolice inútil % esquivou4se ele.

 % Pede' % repetiu a esposa.

& ergueu a m#o.

 % ;uero o meu filho vivo de novo.

0 talism# caiu no assoalho e o velho fitou4o, estremecendo. /epois, deixou cair4se, tremendo,

numa cadeira, enquanto a esposa, com os olhos ardendo, se dirigia 7 janela e levantava a gelosia.

>icou sentado at$ sentir4se enregelado de frio, olhando de ve em quando para a figura da anci#,

espreitando para fora pela janela. 0 coto da vela, que ardera at$ abaixo do anel do casti"al de

 porcelana, lan"ava sombras oscilantes sobre o teto e as paredes, at$ que, com uma palpita"#o mais

forte do que as outras, extinguiu4se. 0 anci#o, com indi!vel sensa"#o de al!vio pelo fracasso do

talism#, voltou 7 cama, e, um minuto ou dois ap5s, a anci# veio, silenciosa e apática, para junto

dele,

 1enhum dos dois falou e ambos ficaram deitados silenciosamente, escutando o tique4taque do

rel5gio, Im degrau da escada estalou e um camundongo assustado correu ruidosamente por dentro

da parede. 2 escurid#o era opressiva depois de ficar algum tempo deitado, reunindo coragem, o

marido pegou na caixa de f5sforos e, riscando um, desceu as escadas para buscar uma vela.

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 1o último degrau, o f5sforo apagou4se, e ele parou para acender outro, mas, naquele momento,

uma batida t#o leve e furtiva que mal era aud!vel, soou na porta da rua.

0s f5sforos ca!ram4lhe das m#os. >icou im5vel, com a respira"#o suspensa, at$ que a batida se

repetiu. &nt#o, voltou4se e correu velomente at$ o quarto, fechando a porta atrás de si. Ima

terceira batida ressoou pela casa. % ;ue foi isto= % exclamou a anci#, sobressaltando4se.

 % Im rato % disse o anci#o, em vo tr$mula. % Im rato. Passou por mim, nas escadas.

2 esposa sentou4se na cama, escutando. Ima batida forte ressoou pela casa.

 % G 6erbert' % gritou ela. % G 6erbert'

:orreu para a porta, mas o marido colocou4se diante dela e, agarrando4a pelo bra"o, segurou4a

com for"a.

 % ;ue vais faer= % sussurrou, asperamente. % G o meu filho, $ 6erbert' % gritou ela, lutando mecanicamente. % Cinha4me esquecido de que

eram duas milhas de caminho. Por que me seguras= (olta4me' Cenho de abrir a porta.

 % Pelo amor de /eus, n#o o deixes entrar' % disse o anci#o, tremendo.

 % Cens medo do teu pr5prio filho' % exclamou ela, debatendo4se. % /eixa4me ir' Eá vou. 6erbert,

 já vou'

6ouve outra batida, e mais outra, 2 anci#, num súbito arranco, libertou4se a saiu a correr do

quarto. 0 marido seguiu4a at$ ao patamar e chamou4a insistentemente, enquanto ela corria escadas

abaixo. 0uvira a corrente de seguran"a ser retirada e a lingueta da chave abrir4se, rangendo. /epois,

a vo da anci#, áspera e palpitante.

 % 0 ferrolho' % gritou, alto. % /esce, n#o consigo chegar4lhe'

+as o marido estava de gatas, arrastando4se feromente pelo ch#o, 7 procura da m#o do macaco.

(e pudesse ao menos encontrá4la, antes que aquela horr!vel coisa lá de fora entrasse' Ima

verdadeira saraivada de batidas repercutiu pela casa, e ele ouviu o arrastar de uma cadeira, que a

esposa estava a colocar junto da porta. 0uviu, ainda, o ru!do do ferrolho ao ser aberto lentamente

no mesmo instante, achou a m#o do macaco, e, freneticamente, bradou seu terceiro e último desejo.

2s batidas pararam de súbito, embora o seu eco inundasse, ainda, a casa. 0uviu a cadeira sendo

arrastada para trás e a porta abrir4se. Im vento frio encanou pelo v#o das escadas, mas o longo e

sonoro lamento de decep"#o e agonia da esposa deu4lhe coragem para descer at$ onde ela estava, e

abriu a porta por trás dela. 0 lampi#o, que piscava em frente, mostrou4lhe a estrada, calma e

deserta.

 Retirado de “Obras primas do Conto Fantástico”, Livraria Martins Fontes

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