manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

18
1 MANUTENÇÃO PREDITIVA DE INFRESTRUTURA FERROVIÁRIA EM UM TRECHO DA MALHA DE SP. William Rubbioli Cordeiro, MSc. Instituto Militar de Engenharia (IME) Antonio Carlos Rodrigues Guimarães, DSc. Instituto Militar de Engenharia (IME) Maria Esther Marques, DSc. Instituto Militar de Engenharia (IME) RESUMO O presente trabalho buscou avaliar a influência da infraestrutura ferroviária na manutenção da integridade estrutural de uma via férrea, e a maneira segundo a qual seu estado de conservação impacta a vida útil da superestrutura. A caracterização de aspectos particulares da via permanente pode contribuir na manutenção preditiva da infraestrutura. Um trecho da malha de São Paulo, administrado pela MRS Logística foi estudado, descrevendo a interferência que uma obra de barragem visinha à linha férrea traz sinais de percolação de água e interferindo, por consequência, na capacidade de suporte do pavimento ferroviário. No presente estudo, a análise do segmento da via incluiu a verificação da capacidade de suporte das camadas do subleito através de ensaios de “in situ” realizados com DCP (Dynamic Cone Penetration) para a caracterização mecânica dos materiais empregados no pavimento de um trecho da ferrovia. Por fim, é apresentada uma sugestão de solução ao problema de infiltração da barragem como também de serviços de engenharia de manutenção preditiva do corpo da barragem. ABSTRACT This study aimed to evaluate the influence of railway infrastructure in maintaining the structural integrity of a railway, and the manner in which their conservation status impacts the life of the superstructure. The characterization of particular aspects of the permanent way can contribute to predictive maintenance of the infrastructure. An excerpt from the mesh São Paulo, administered by MRS Logística has been studied, describing the interference that a work of visinha dam to railway brings water percolation signals and interfering therefore the carrying capacity of the railway pavement. In this study, the analysis of the track segment includes verifying the carrying capacity of the subgrade layers through the trials of "in situ" performed with DCP (Dynamic Cone Penetration) for the mechanical characterization of the materials used on the pavement of a stretch of railroad. Finally, a suggestion solution to dam seepage problem as well as predictive maintenance engineering services dam body is shown 1. INTRODUÇÃO A operação de uma ferrovia é dependente da integração de vários sistemas distintos, mas que podem ser agrupados, didaticamente, em via permanente e material rodante. A via permanente é composta por subsistemas de infraestrutura e superestrutura férrea, os quais servem de suporte para ao trânsito dos trens. O estreito relacionamento de todos estes aparelhos contribui para um transporte ferroviário de qualidade e seguro. A figura nr 1 exemplifica a estruturação da via permanente separada em infraestrutura e superestrutura.

Upload: dinhmien

Post on 07-Jan-2017

235 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

1

MANUTENÇÃO PREDITIVA DE INFRESTRUTURA

FERROVIÁRIA EM UM TRECHO DA MALHA DE SP.

William Rubbioli Cordeiro, MSc. Instituto Militar de Engenharia (IME)

Antonio Carlos Rodrigues Guimarães, DSc. Instituto Militar de Engenharia (IME)

Maria Esther Marques, DSc. Instituto Militar de Engenharia (IME)

RESUMO

O presente trabalho buscou avaliar a influência da infraestrutura ferroviária na manutenção da integridade

estrutural de uma via férrea, e a maneira segundo a qual seu estado de conservação impacta a vida útil da

superestrutura. A caracterização de aspectos particulares da via permanente pode contribuir na

manutenção preditiva da infraestrutura. Um trecho da malha de São Paulo, administrado pela MRS

Logística foi estudado, descrevendo a interferência que uma obra de barragem visinha à linha férrea traz

sinais de percolação de água e interferindo, por consequência, na capacidade de suporte do pavimento

ferroviário. No presente estudo, a análise do segmento da via incluiu a verificação da capacidade de

suporte das camadas do subleito através de ensaios de “in situ” realizados com DCP (Dynamic Cone

Penetration) para a caracterização mecânica dos materiais empregados no pavimento de um trecho da

ferrovia. Por fim, é apresentada uma sugestão de solução ao problema de infiltração da barragem como

também de serviços de engenharia de manutenção preditiva do corpo da barragem.

ABSTRACT

This study aimed to evaluate the influence of railway infrastructure in maintaining the structural integrity

of a railway, and the manner in which their conservation status impacts the life of the superstructure. The

characterization of particular aspects of the permanent way can contribute to predictive maintenance of

the infrastructure. An excerpt from the mesh São Paulo, administered by MRS Logística has been studied,

describing the interference that a work of visinha dam to railway brings water percolation signals and

interfering therefore the carrying capacity of the railway pavement. In this study, the analysis of the track

segment includes verifying the carrying capacity of the subgrade layers through the trials of "in situ"

performed with DCP (Dynamic Cone Penetration) for the mechanical characterization of the materials

used on the pavement of a stretch of railroad. Finally, a suggestion solution to dam seepage problem as

well as predictive maintenance engineering services dam body is shown

1. INTRODUÇÃO

A operação de uma ferrovia é dependente da integração de vários sistemas distintos,

mas que podem ser agrupados, didaticamente, em via permanente e material rodante. A

via permanente é composta por subsistemas de infraestrutura e superestrutura férrea, os

quais servem de suporte para ao trânsito dos trens. O estreito relacionamento de todos

estes aparelhos contribui para um transporte ferroviário de qualidade e seguro. A figura

nr 1 exemplifica a estruturação da via permanente separada em infraestrutura e

superestrutura.

Page 2: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

2

Fig. 1 – Via permanente é constituída pela superestrutura, localizada acima do subleito,

e pela infraestrutura ferroviária.

Utiliza-se neste trabalho o termo pavimento ferroviário, ou simplesmente pavimento,

como sinônimos para a superestrutura, uma vez que recebe os impactos das cargas do

tráfego, distribui convenientemente os esforços ao subleito e está sujeito às ações das

intempéries.

A infraestrutura ferroviária é a parte da via permanente constituída da terraplenagem e

todas as demais obras situadas abaixo do greide. É um conjunto de “aparelhos”

destinados a formar a plataforma da ferrovia e suportar a superestrutura da via

permanente. É constituída do corpo estradal abaixo do pavimento, das estruturas de

drenagem, de pontes e viadutos, de túneis que proporcionam o suporte à via férrea.

Alguns autores ainda incluem estruturas de comunicação, de edificações de pátios e

outras obras.

Da pesquisa bibliográfica realizada, pode-se constatar que existe uma grande

preocupação na manutenção da superestrutura (lastro, dormentes, aparelhos de fixação,

trilhos) avaliando diversos parâmetros que interferem na operação ferroviária. No

entanto, no Brasil, poucos são os trabalhos referentes à manutenção preditiva da

infraestrutura ferroviária, em particular aquela manutenção pertinente ao apoio à via

permanente e aos dispositivos de drenagem.

As técnicas de engenharia distinguem alguns tipos de manutenção em razão de suas

naturezas e finalidades específicas, nas macroatividades assim discriminadas na NBR

5462:

Manutenção de Corretiva: É a manutenção efetuada após a ocorrência de uma

falha, destinada a recolocar um item em condições de executar uma função

requerida;

Manutenção Preventiva: Manutenção efetuada em intervalos predeterminados,

ou de acordo com critérios prescritos, destinada a reduzir a probabilidade de

falha ou a degradação do funcionamento de um item;

Manutenção Preditiva: Manutenção que permite garantir uma qualidade de

serviço desejada, com base na aplicação sistemática de técnicas de análise,

utilizando-se de meios de supervisão centralizados ou de amostragem, para

reduzir ao mínimo a manutenção preventiva e diminuir a manutenção corretiva.

Page 3: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

3

A fim de colaborar com o desenvolvimento técnico na área de transportes, o presente

trabalho discorre sobre a manutenção preditiva da infraestrutura ferroviária. Em última

análise, elenca tópicos que possam contribuir para a prevenção de acidentes de trens e a

formulação de um sistema de gerência de via permanente.

Alguns acidentes ferroviários têm por causa raiz as características da via como as

condições da geometria de linha. O levantamento e medição de parâmetros da geometria

da linha por meio de equipamentos específicos (exemplo TrackStar) podem identificar

defeitos como o desnivelamento transversal ou longitudinal, torção ou empeno. Estes

defeitos podem ter origem no próprio pavimento ferroviário ou mesmo ser uma

composição de defeitos na qual a infraestrutura da via interfira no desempenho do

pavimento. Entretanto, uma vez que as camadas que compõem a via interagem

diretamente entre si, demanda-se uma abordagem conjunta para a real determinação da

causa raiz destas ocorrências.

Em aula expositiva, no curso de especialização de transporte ferroviário de cargas do

Instituto Militar de Engenharia (IME), em 16/07/2015; o Sr Walter Vidon apresentou

casos reais de acidentes ferroviários que possuíam como causa raiz defeitos na

infraestrutura a via, em particular, defeitos da plataforma de terraplenagem (subleito).

Também foi apresentada a importância da manutenção de sistemas de drenagem que

possam interferir no desempenho do pavimento ferroviário. As figuras 2A e 2B

exemplificam casos em que a deficiência de drenagem deteriorou o pavimento

ferroviário.

Fig 2A – Problemas de drenagem na via Fig 2B – “Gap” entre o dormente e lastro

Sendo a caracterização da via permanente um passo importante de um sistema de

gerência de via, este trabalho tem por objetivo discutir a necessidade de programar

serviços técnicos de manutenção preditiva da infraestrutura para o trecho ferroviário do

km 227 a 232 da malha de São Paulo administrada pela MRS Logística, próximo à

cidade de Queluz/SP. Assim, descreve, de maneira primordial, as condições locais da

infraestrutura ferroviária que podem influenciar na manutenção da integridade estrutural

do pavimento. Em seguida, propõe, resumidamente, um sistema de gerência da

infraestrutura da via permanente para o caso apresentado.

Page 4: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

4

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 - CONCEITOS

Ao estudar a influência da manutenção preditiva na integridade estrutural da via

permanente, verifica-se que o estado de conservação dos dispositivos de drenagem

impacta significativamente na vida útil da superestrutura férrea. Segundo Suzuki (2013),

o bom desempenho de uma ferrovia depende, dentre outras, das condições de drenagem

da plataforma, uma vez que a água livre acumulada na seção pode causar recalques

progressivos na linha. A água na plataforma ferroviária pode se originar de algumas

fontes, a saber: precipitação pluviométrica, fluxo superficial proveniente de áreas

adjacentes e fluxo de água subterrânea. A figura 3 ilustra as fontes de água no

pavimento.

Fig. 3 – Fontes de água no pavimento

Conforme orientações do Manual de Drenagem do DNIT e da Instrução Técnica de

Serviços de Infraestrutura da CBTU há sempre a necessidade de se manter o nível do

lençol freático a profundidades de 1,50 a 2,00 metros abaixo do subleito das vias. Tal

orientação considera a ascensão capilar a partir dos lençóis d'água. A perda de

resistência de camadas de solo da via permanente produzida pela "franja capilar" deve

ser eliminada, ou reduzida por meio de dispositivos de drenagem profunda.

Os principais problemas da drenagem inadequada referem-se ao acúmulo de água no

subleito. Em condições de umidade elevada, com o lastro contaminado e sem uma

drenagem eficiente, o processo de migração de lama e de finos é contínuo, afetando o

desempenho da via em vista da perda de elasticidade do material granular, ocorrência de

recalques diferenciais, deformações permanentes no subleito e consequentes alterações

na geometria da linha. A Figura 4 mostra a forma progressiva de ruptura por

cisalhamento do subleito pela saturação do material e de formação de bolsões de lama

pelo fenômeno de bombeamento.

Page 5: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

5

Fig. 4 - Forma progressiva de ruptura por cisalhamento do subleito

2.2 - PROPOSTA DE ADEQUAÇÃO DA MANUTENÇÃO PREDITIVA

DA INFRAESTRUTURA PARA O TRECHO FERROVIÁRIO EM ESTUDO

A premissa da manutenção preditiva da infraestrutura é o monitoramento contínuo de

indicadores da condição operativa da via permanente, sendo os dados coletados por

equipamentos específicos, e comparados à parâmetros de desempenho. Passa por uma

filosofia em que o objetivo é tomar uma decisão de intervenção quando o sistema de

monitoramento apresentar um grau de degradação próximo ao limite estabelecido. Este

tipo de acompanhamento possibilita a preparação prévia de serviços de engenharia,

dentre outras decisões, selecionando as alternativas mais viáveis técnico-econômicas

que possam dar continuidade à operação ferroviária. (PINTO; XAVIER, 2001) Nestas

considerações os trabalhos de Silva (2002) e Alves (2012) são exemplos para a

formulação de procedimentos de manutenção preditiva da via permanente.

Mas, além do monitoramento sistemático, uma manutenção preditiva também deve

possuir como finalidade a rotina de registros. A formação de um banco de dados em

uma sequencia evolutiva das características avaliadas contribui para o embasamento

técnico de futuras intervenções de engenharia. Arquivos de caracterização da área,

aspectos genéricos, desempenhos da operação ferroviária, relatos históricos e

principalmente fotográficos, mapas de solos, descrição geomorfológica, cartas

topográficas, clima, registros de nível d’água, e outros são exemplos de informações

importantes a serem elencadas no banco de dados. Mais recentemente inclui-se a

possibilidade da utilização de imagens obtidas por veículos aéreos não tripulados

(VANT) que podem auxiliar em decisões técnicas.

A motivação para a pesquisa teve origem nos anos de 2009 e 2010, quando este autor

teve a oportunidade de visitar a construção das usinas hidrelétricas de Queluz e de

Lavrinhas, no estado de São Paulo. Estas possuem capacidade instalada de 30

megawatts cada uma e altura máxima da barragem principal de 18,5 e 16,5 metros

respectivamente. Naquela oportunidade (2009/ 2010), durante a visita, foi verificado

que a faixa de domínio da linha férrea administrada pela MRS fazia divisa com os dois

empreendimentos. Ficou a questão, na época, se as obras das usinas poderiam interferir

Page 6: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

6

na operação ferroviária. Para elucidar esta questão, discorre-se a seguir as características

técnicas que compõem o estudo em pauta.

2.2.1 – CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL

O projeto da obra previa o aproveitamento hidrelétrico do rio Paraíba do Sul, na região

de Queluz e Lavrinhas /SP, por meio da construção de pequenas centrais hidrelétricas

(PCHs), formando 2 lagos de inundação dentro da calha do próprio rio, a fim de

minimizar os impactos ambientais. O lago de inundação é ladeado pela rodovia

Presidente Dutra, na margem esquerda do rio Paraíba do Sul, como também pela via

férrea da MRS na margem direita, conforme mencionado anteriormente. As figuras

abaixo detalham a localização do empreendimento e aspectos gerais.

Fig. 5.A – Via e Rodovia ladeando barragem Fig. 5.B – Via e Rodovia ladeando barragem

Fig. 5.C – Via e Rodovia ladeando barragem Fig. 5.D – Via e Rodovia ladeando barragem

A cota de inundação da barragem prevista situava-se por volta de 15 metros acima do

leito natural do rio. Para a rodovia, esta era uma cota limite. No entanto, para a ferrovia,

em determinados trechos, esta cota ultrapassava a cota do leito da linha férrea em

valores variáveis de 5 a 7 metros de altura. A solução encontrada foi construção de

barragens secundárias de terra ao longo da linha férrea para compatibilizar esta questão.

Page 7: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

7

O foco deste trabalho não é a barragem transversal à calha do rio, a qual pode ser

elencada como a barragem principal dos empreendimentos. Mas sim barragens (diques)

secundárias, necessárias à elevação da cota de nível d’água e que tem a função de

garantir a segurança de outros “aparelhos” públicos ou particulares pré-existentes. Os

esquemas abaixo e as fotos exemplificam a questão.

Fig. 6.A – Via e Rodovia ladeando – foto 2008 Fig. 6.B – Via e Rodovia ladeando – foto 2015

Fig. 6.C – Detalhes da via férrea e da barragem

de Lavrinhas. Diferença de cotas de 5 metros

em média

Fig. 6.D - Vista do lago de inundação pela

rodovia. Ao fundo o dique que protege a

ferrovia, a qual está em uma cota abaixo do

lago, e, portanto, atrás deste dique.

Page 8: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

8

Fig. 6.E – Esquema da seção mista da via, antes da obra da barragem (ano de 2008)

Fig. 6.F – Esquema da seção mista da via, após da obra da barragem (ano de 2012)

Quando foi construída a via em estudos no meados do século passado, o eixo

geométrico da superestrutura foi balizado pelo vale do rio Paraíba do Sul e as encostas

das elevações circunvizinhas. Assim, o trecho compreendido entre os km 227 a 232

possui, em sua maioria, a plataforma original de terraplenagem em seção mista.

Já nos anos de 2008 a 2010, a construção das barragens de Queluz e Lavrinhas mudou

não somente a topografia da área, mas, principalmente, também as características hidro

geológicas dos lençóis freáticos das encostas e calha do rio. Com o levante do nível

d’água, os fluxos naturais e profundidades dos lençóis freáticos foram alterados.

Nesta pesquisa, os projetos das barragens em pauta, que compõem o empreendimento

do complexo das usinas, não foram disponibilizados para a consulta. Mas, por meio de

conversas com funcionários do empreendimento e/ou o resgate de fotos da fase

construtiva da obra, podem-se inferir algumas características dos diques que ladeiam a

ferrovia.

São barragens de terra, que, segundo informes, possui um núcleo impermeável. Sua

altura pode variar de 10 a 15 metros, dependendo da topografia local. Sua crista fica em

média 6 metros acima da cota do leito da via férrea. Em determinados trechos possui um

dreno de pé. Em outros, também possui drenos horizontais com 1,5 m de comprimentos

Page 9: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

9

para dentro do corpo no talude de jusante. Não foram coletadas informações sobre a

fundação das barragens secundárias, mas observando fotos do arquivo da obra, acredita-

se que esta se assentou em terreno natural. A sequência de imagens detalha as

informações da barragem em pauta.

Fig. 7.A – Esquema da seção da obra da barragem

Fig. 7.B – Fotos da época da construção da barragem secundária

Page 10: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

10

2.2.2. DESCRIÇÃO DAS SOLUÇÕES TÉCNICAS PARA A

COMPATIBILIZAÇÃO DO NÍVEL DÁGUA DA BARRAGEM E A

COTA DA FERROVIA, E SOLUÇÃO DA DRENAGEM.

Importante destacar soluções criativas e particularidades que o projeto em discussão

exigia. A compatibilização do futuro nível d’água com as vias de transportes já

existentes nas proximidades do lago de inundação era um desafio a ser contornado na

construção das duas usinas. Assim, parte técnica interessante do empreendimento das

duas barragens foi a solução encontrada para a drenagem da ferrovia que ladeava a obra.

Conforme mencionado anteriormente, na época da implantação da via férrea, o eixo

geométrico da superestrutura estava limitado pelas elevações topográficas e pela calha

do vale do rio Paraíba do Sul. Assim, o projeto das barragens procurou conduzir as

águas de precipitação que interferiam na ferrovia para um ponto baixo, acumulá-la em

um reservatório, bombeá-la para um reservatório superior, do qual, por canal

comunicante, ligava-se ao reservatório da barragem. A figura 8 exemplifica um

reservatório de acúmulo de água e o reservatório principal da barragem de Lavrinhas,

próximo ao km 232 da via. Por meio de um sistema de tubos, aproveitando a rede de

bueiros antigos da ferrovia (drenagem de transposição de talvegue), os reservatórios se

conectam pela teoria de canais comunicantes, equilibrando as pressões hidráulicas dos

respectivos reservatórios.

Fig. 8 - Montagem de duas imagens ladeadas, fotografadas em sequência. (km 232)

Próximo ao km 228, a figura abaixo apresenta a casa de bombas de outro ponto de

coleta de água da ferrovia e o correspondente recalque para um reservatório superior, do

qual, por canal comunicante, se interliga ao reservatório principal da barragem de

Queluz.

Page 11: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

11

Fig. 9 – Fotos da casa de bombas de recalque da água de drenagem

O esquema abaixo detalhe a coleta das águas da plataforma ferroviária, e o respectivo

recalque para um reservatório elevado. Este fato ocorre, pois o nível d’água da

barragem está acima da plataforma.

Fig. 10 - Sistema de drenagem profunda abaixo do nível do lençol d’água.

(Fonte:Adaptado de Diogo, 2014)

2.2.3. – PARTICULARIDADES DO TRECHO DO KM 227 AO 232

Para o desenvolvimento deste trabalho foi escolhido o trecho ferroviário do km 227 ao

232 da malha do estado de São Paulo, próximo à cidade de Queluz/SP, administrado

pela MRS Logística. A superestrutura da ferrovia neste trecho possui as seguintes

características: trilho do tipo TR – 57, dormentes de madeira ou aço, bitola larga (1,60

m), lastro de pedra britada com espessura variando de 15 a 80 cm. A composição do

transporte ferroviário é caracterizada por ser de 50% de trens de minério, 30% de

produtos metalúrgicos e de 20% de carga geral. Com uma média de 17 trens por dia e de

peso máximo por eixo dos vagões de 30 toneladas.

Este autor fez uma visita técnica no local em pauta no dia 26/03/2015, tendo por

objetivo caracterizar a área, destacando aspectos da infraestrutura férrea que pudessem

Page 12: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

12

interferir na operação de transporte ferroviário. Foi constatado que a plataforma da via

apresentava elevada umidade nas camadas mais próximas ao pavimento. A

profundidade do nível d’água em relação ao lastro era de apenas 70 a 80 cm em média.

Uma valeta havia sido aberta ao lado da superestrutura na qual se verificava o “brotar de

olhos d’água”, mostrando um fluxo ascendente do lençol freático. As figuras abaixo

apresentam a situação.

Fig. 11.A – Fotos do trecho 232 - detalhe da

valeta no pé do talude de jusante da barragem Fig. 11.B – Fotos do trecho 232 – detalhe da

valeta e da saída de um dreno. A profundidade

deste dreno é de 60 cm.

Fig. 11.C – Fotos do trecho 232- detalhe da

valeta escavada e da profundidade da água na

plataforma = 60 cm.

Fig. 11.D – Fotos do trecho 232 - detalhe da

valeta escavada e do “brotar um olho d’água”

na plataforma com profundidade de 60 cm.

Técnicos da residência de via permanente do Vale do Paraíba forneceram alguns dados

do trecho para a formulação deste trabalho. Em particular aqueles relativos ao

desempenho do pavimento ferroviário em período anterior ao enchimento do lago da

barragem próximo ao km 232, e após o seu enchimento. O parâmetro avaliado é o

Track Quality Index (TQI) – Índice de Qualidade da Via, que é definido como sendo

“um número, derivado de fórmula, tido como representativo de dados observados da

Page 13: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

13

via, os quais são estabelecidos como capazes de indicar a capacidade da via permanente

de cumprir sua função”(AMERICAN RAILWAY ENGINEERING ASSOCIATION

(1998)). Este parâmetro pode indicar alterações nos alinhamentos em planta e perfil

devido aos recalques diferenciais na via. Tal aspecto pode tornar aquele trecho em

“crítico”, principalmente quando estes recalques ocorrem em espaços relativamente

curtos, causando balanços e falta de apoio em algumas rodas do trem, e a

correspondente possibilidade de descarrilamento das composições. O gráfico abaixo

apresenta a evolução do TQI médio do trecho em análise, confrontado a outro trecho

em prefeitas condições (km 179 - trecho utilizado como parâmetro de comparação).

Fig. 12 – Gráfico de comparação de TQI entre km 179 e km 232

Do gráfico acima, no ano de 2011 foi realizado um trabalho de manutenção de socaria

do lastro na via, incluindo os dois trechos apresentados (km 179 e km 232). Como nos

dois trechos o tráfego é idêntico, esperava-se uma evolução do TQI de forma similar.

No entanto, após o enchimento do lago de inundação (2011 em diante), o gráfico acima

apresenta que o TQI piora sensivelmente no km 232, aumentando a uma taxa de 0,7 ao

ano, enquanto que no km 179 este parâmetro permanece dentro dos limites esperados.

Outro aspecto a ser considerado era a contaminação do lastro ferroviário. Durante as

obras de construção da barragem, a uma primeira vista dos arquivos fotográficos, foi

acrescentada uma camada de solo lateralmente ao lastro, fato este percebido localmente

durante a vista técnica de 26/03/2015. Sabe-se que, quando o lastro se apresenta

contaminado ou, quando as saídas laterais se encontram obstruídas, o material do lastro

e sublastro se tornam saturados, implicando perda de resistência ao cisalhamento, e a

respectiva diminuição na capacidade de suporte e, o correspondente aparecimento de

recalques diferenciais na via. A figura 13.A, analisada do banco de dados da fase

construtiva da obra da barragem, como a figura 13.B exemplificam a questão, induzindo

uma suposta obstrução das saídas laterais do lastro. Se confirmado, tal fato poderia

contribuir para a explicação da evolução negativa do parâmetro TQI, pois, com o

Page 14: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

14

sublastro saturado, o pavimento perde resistência e pode levar à recalques diferenciais

na via.

Fig. 13.A – Serviços de engenharia

durante a fase construtiva da barragem

Fig. 13.B – Esquema de drenagem pelo

lastro da via

A fim de estimar a capacidade de suporte do subleito, foi utilizado um equipamento de

ensaio “in situ” de simples execução. O DCP (Dynamic Cone Penetration) é um

equipamento portátil, de execução simples e resultados imediatos, que fornece o

parâmetro de resistência à penetração de um cone padronizado sujeito à golpes de

energia padronizada.

O ensaio foi realizado na plataforma ferroviária na jusante da declividade da drenagem

da plataforma nos primeiros 90 cm, compreendendo as camadas de sublastro e subleito.

As figuras 14.A a 14.C mostram os ensaios e os resultados de dois ensaios realizados

em dois trechos de análise.

Fig. 14.A – Ensaio DCP no km 179 Fig. 14.B – Ensaio DCP no km 232

A finalidade da execução deste ensaio era a verificação “in situ” das condições de

resistência das camadas da infraestrutura nos trechos em pauta, a fim de inferir o quanto

a presença excessiva da umidade nas camadas da plataforma poderia interferir. Os

trechos escolhidos possuíam características técnicas e tráfego ferroviários similares, a

fim de possibilitar comparações.

Page 15: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

15

Fig. 14.C – Resultados com o DCP nos km 179 e 232 da via permanente.

Analisando o gráfico, os resultados mostram que, no km 179, após 15 golpes do

equipamento foi atingida a profundidade de 300 mm, enquanto que, com os mesmos 15

golpes, a profundidade alcançada foi de 670 mm.

Este ensaio permite a correlação com o Índice de Suporte Califórnia (CBR) por meio de

formulações empíricas. A relação do DCP com a resistência do solo (CBR) é definida

pela declividade da curva que associa o número de golpes na abscissa pela profundidade

de penetração (em mm/golpe) nas ordenadas, considerando um determinado segmento

linear. Assim, utilizando-se a formulação de Oliveira/Vertamatti, percebe-se que a

resistência das camadas do subleito do km 179 é maior que no km 232, diante da presença

de umidade elevada, fora das especificações nas camadas da infraestrutura do km 232.

Para a classificação do solo das camadas em análise, foram retiradas amostras deformadas

do km 179 e 232, e analisadas no laboratório do IME pelos critérios da classificação

unificada SUCs e da classificação HRB. A TABELA 01 apresenta os resultados das

classificações e o valor de CBR por meio do ensaio do DCP mencionado acima.

Tabela 01 – Resultados dos ensaios dos trechos do km 179 e 232 em estudo

Classificação SUCs

Classificação HRB

CBR calculado a partir dos ensaios do DCP

Solo do km 179 ML A-2-4 13

Solo do km 232 MH A-2-7 6

Da análise de todas as informações descritas, a questão anteriormente exposta, se as

obras de construção das barragens secundárias necessárias à compatibilização do nível

d’água da barragem com a cota do eixo da via férrea poderiam interferir na operação da

ferrovia, apresenta então algum fundamento. Deixa de ser somente uma suposição para

exigir um procedimento de constante monitoramento por meio de critérios técnicos, a

fim de prever medidas de manutenção da via permanente.

Page 16: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

16

No entendimento deste autor, acredita-se que esteja ocorrendo uma percolação pela

fundação da barragem secundária que interfere na plataforma ferroviária. A figura 15

apresenta o esquema que exemplifica esta percolação. Pela análise de fotos da época da

obra, não se percebeu qualquer tratamento nas fundações da barragem de terra em

estudo. Assim sendo, as fissuras naturais existentes desde a implantação da via em

meados do século passado, por causa da construção da plataforma em seção mista, ou

aquelas existentes devido às condições naturais, podem estar permitindo a percolação

pela barragem em pauta. Por exemplo, a figura 11.B exposta acima mostra a percolação

pelo dreno de pé do talude de jusante do corpo da barragem.

Fig. 15 – Esquema de percolação de água pela barragem, atingindo as camadas da

infraestrutura ferroviária.

Nesta oportunidade, como uma sugestão para o fato narrado, descreve-se que a

implantação de drenos verticais, do tipo dreno fibroquímico, e colchão drenante, que

venham desaguar na sarjeta que “corre” no pé do talude da barragem (fig 11.A), pode

colaborar na diminuição do problema. O dreno vertical teria a dupla função de servir de

poço de alívio contribuindo na manutenção da estrutura do maciço da barragem, como

também de dreno para as camadas do pavimento ferroviário. O esquema da figura 16

apresenta a solução proposta.

Fig. 16 – Esquema: sugestão de solução que contempla a instalação de drenos verticais

(DV) e de colchão drenante (CD) ao lado da via permanente.

Page 17: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

17

2.2.4 – PROPOSTA DE ADEQUAÇÃO DA MANUTENÇÃO PREDITIVA DA

INFRAESTRUTURA DO TRECHO FERROVIÁRIO DO KM 227 AO 232.

Como proposta de manutenção preditiva da infraestrutura, entende-se que qualquer

sistema precisa ser adequado às finalidades da região em análise e às condições de

execução. Assim, uma primeira atitude necessária é a abordagem sistêmica da via,

procurando enxergar a interação entre todos os sistemas. A constante atualização do

banco de dados das instalações da infraestrutura contribui nas decisões de manutenção

preditiva.

No caso em estudo deste trabalho, a segurança estrutural das barragens que ladeiam a

ferrovia ressalta-se de importância, a qual deve ser realizada através de inspeções,

monitoramento por auscultação, análise do comportamento das estruturas e manutenção.

O Manual de Segurança e Inspeção de Barragens do Ministério da Integração Nacional

é uma fonte bibliográfica de referência.

Para a manutenção preditiva da infraestrutura do km 227 ao 232 da malha ferroviária do

estado de São Paulo, administrado pela MRS Logística, sugere-se a implementação das

seguintes atividades básicas de segurança de barragens, sendo estas atividades

acrescentadas à rotina normal de manutenção da infraestrutura do trecho em pauta:

a) Inspeções visuais nas superfícies aparentes das estruturas de terra;

b) Inspeções visuais nas estruturas da casa de bombas do km 228;

c)Monitoramento por auscultação dos instrumentos civis instalados nas

barragens de terra;

d) Levantamento topográfico de deslocamento nas barragens de terra;

e) Monitoramento eco batimétricos a montante a jusante das barragens, para o

controle de erosões e assoreamento;

f) Armazenamento informatizado dos bancos de dados de auscultação das

barragens;

g) Avaliação da segurança estrutural das barragens;

h) Manutenção, conservação e atualização dos instrumentos de auscultação;

i) Monitoramento da drenagem ao é da barragem, avaliando o volume drenado e

a quantidade de finos existentes na água drenada, a fim de constatar o

carreamento de material do corpo da barragem.

Os instrumentos de auscultação podem ser assim elencados: piezômetros, medidores de

níveis d’água e inclinômetros.

Por último, mas não menos importante, este autor relaciona algumas observações que

merecem estudos aprofundados a fim de garantir a segurança dos empreendimentos

envolvidos, a ferrovia e a barragem em questão, que devem ser acrescentados à

manutenção preditiva da infraestrutura.

1) A crista da barragem está dimensionada para qual evento climático? Ainda,

qual o sistema de monitoramento disponível que possa contribuir na previsão

de acidentes e esteja disponível para a MRS Logística?

2) O sistema de bombeamento do km 228 é seguro? Qual a sua capacidade e

planos de contingência?

Page 18: manutenção preditiva de infrestrutura ferroviária em um trecho

18

3. CONCLUSÃO

O objetivo do trabalho foi a descrição da necessidade de um plano de manutenção

preditiva para a infraestrutura ferroviária. Em particular a caracterização do trecho do

km 227 ao 232 da malha ferroviária de São Paulo.

Durante os estudos efetuados, percebeu-se que a infraestrutura pode vir a interferir

significativamente no desempenho do pavimento, visto que esta serve de suporte à

superestrutura. Mas também que o método de manutenção preditiva deve ser adequado

à cada trecho, pois deve considerar as peculiaridades locais.

No trecho em pauta, a peculiaridade que ressalta é a existência de uma barragem que

ladeia a via permanente. Esta barragem parece estar interferindo na operação

ferroviária, ao passo que a percolação da água está aumentando a umidade da

plataforma da ferrovia, diminuindo a capacidade de suporte do pavimento.

Ressalta-se o fato, que segundo informes, é plano da MRS aumentar o tráfego na região,

o que poderá acarretar na necessidade de maior manutenção na área. Assim, sugere-se a

implementação de estudos aprofundados na região analisada neste trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Stefânia M.; Proposta de Monitoramento das Encostas MRS Logística S/A.

Monografia de Fim de Curso de Especialização de Transporte Ferroviário de Carga.

Instituto Militar de Engenharia (IME). Rio de Janeiro/RJ. 2012.

DIOGO, F. Drenagem: especialização em transporte ferroviário de cargas no Instituto

Militar de Engenharia, 06 de set. 2014. Notas de Aula.

Ministério da Integração Regional (2002) Manual de Segurança e Inspeção de

Barragens. Brasília: Ministério da Integração Regional.

(2005) Manual de Preenchimento da Ficha de Cadastro de Barragem.

Ministério da Integração Regional. Molle, F. e Cadier, E. (1992) Manual do Pequeno

Açude. Recife: SUDENE.

PINTO, A. K.; XAVIER, J. A. Manutenção Função Estratégica. Rio de Janeiro:

Qualitymark, 2001.

SILVA, Luiz Francisco Muniz, Pavimentos Ferroviários e Esboço de um Sistema de

Gerência Aplicado à manutenção da Via Permanente. Tese de doutorado.

COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. 2002.

SILVEIRA, J. F. A. Instrumentação e Segurança de Barragens de Terra e

Enrroncamento. Oficina de Textos, 2006.

VALLEJO, L. I. et al. Ingeniería Geológica. Madrid: Person Prentice Hall, 2004.