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REGULARIZAO DA TERRA E DA MORADIA O QUE E COMO IMPLEMENTAR

FICHA TCNICAGrupo Coordenador Betnia de Moraes AlfonsinAdvogada, assessora jurdica da Secretaria do Planejamento de Porto Alegre, professora da Faculdade de Direito da Universidade Luterana do Brasil, voluntria da ONG ACESSO Cidadania e Direitos Humanos e coordenadora do Instituto Brasileiro de Direito Urbanstico.

Colaboradores Dbora de Carvalho BaptistaProcuradora, Secretria de Assuntos Jurdicos da Prefeitura Municipal de Diadema, Professora da Universidade do Grande ABC.

Jacques AlfonsinProcurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado, Mestre em Direitos Fundamentais, Professor na Faculdade de Direito da UNISINOS, Coordenador da ONG ACESSO cidadania e direitos humanos.

Claudia Brando de SerpaArquiteta Urbanista da Diretoria de Parcerias de Apoio ao Desenvolvimento Urbano da Caixa Econmica Federal.

Edsio FernandesAdvogado, professor da London University Development Planning Unit e coordenador da Rede Brasileira sobre Regularizao

Jos Carlos de Freitas1 Promotor de Justia de Habitao e Urbanismo da Capital/SP, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justia de Habitao e Urbanismo do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo.

Fernanda Carolina Vieira da CostaAdvogada, Diretora da Diretoria Geral de Coordenao e Controle Urbano e Ambiental da Prefeitura Municipal do Recife.

Karina UzzoAdvogada da equipe jurdica do Instituto Plis

Laura Machado de Mello BuenoArquiteta, doutora pela FAUUSP, professora da FAU PUC Campinas, pesquisadora do LABHAB da FAUUSP.

Grazia de GraziaAssistente Social, assessora do Ncleo Cidadania, Polticas Pblicas e Questo Urbana da ONG FASE, coordenadora do Frum Nacional pela Reforma Urbana e do Frum Nacional de Participao Popular.

Letcia Marques OsrioAdvogada, coordenadora do Programa das Amricas da ONG COHRE Centre on Housing Rights and Evictions (Centro pelo Direito Moradia contra Despejos).

Nelson Saule Jr.Advogado, Presidente do Instituto Plis, Prof. da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo e coordenador do Frum Nacional pela Reforma Urbana FNRU.

Maria Lucia Renetti MartinsProfessora do Departamento de Projeto e pesquisadora do Laboratrio de Habitao e Assentamentos Humanos da FAU-USP.

Paulo Silveira Martins Leo Jr.Advogado, Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros

Martim O. SmolkaEconomista, Senior Fellow e Diretor do Programa para a Amrica Latina e o Caribe do Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge, Massachusetts

Raquel RolnikUrbanista, coordenadora no Ncleo de Urbanismo do Instituto Plis, Profa. da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas

Patrcia de Menezes CardosoEstagiria de direito da equipe jurdica do Instituto Plis

Pedro AbramoProfessor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Coordenao Executiva Instituto PlisSecretaria Executiva

Paula SantoroArquiteta e Urbanista, mestranda em estruturas ambientais urbanas (FAUUSP), integrante da equipe tcnica do Instituto Plis Reviso e Edio Tcnica

Renato CymbalistaArquiteto e Urbanista, Mestre e Doutorando em Estruturas Ambienais Urbanas (FAUUSP), coordenador Editorial do Instituto Plis Edio de Texto Vanessa Ferrari Reviso Thyago Nogueira

Notas de produoProjeto grfico e editorao Stolarski | Pontes (Andr Stolarski) Projeto da capa e ilustraes Darshan Filmes e provas Ajato Impresso e acabamento Grca Peres Tiragem 10.000 exemplares Tipografia The Sans e The Serif Perodo de produo ago-out 2002

Esta publicao resultado de um processo de trabalho coletivo, conduzido entre junho e outubro de 2002. Inicialmente, foi constitudo um Grupo Coordenador, composto por prossionais de destaque na rea da regularizao, provenientes de vrias regies do Brasil e com atuao em vrios setores governamentais, no governamentais, acadmicos. Realizaram-se ento trs grandes encontros de discusso da questo entre julho e agosto de 2002: com os demandatrios por regularizao (movimentos populares de luta por moradia), no Rio de Janeiro-RJ; com os operadores do direito nas suas vrias instncias, em Porto Alegre-RS; e com gestores pblicos na rea, em So Paulo-SP. A partir das discusses, consolidou-se o contedo desta publicao, que foi redigida por participantes do Grupo Coordenador, contando com aportes de colaboradores especializados em alguns tpicos.

PARTICIPANTES dos encontros preparatrios desta publicaoAdauto L. Cardoso IPPUR/UFRJ Rio de Janeiro-RJ Alberto M. R. Paranhos UN-HABITAT Rio de Janeiro-RJ Anna Renn dos Mares Guia Estudante UFMG Belo Horizonte-MG Antnio Jos C. de Lima Unio Nacional de Movimentos Populares (UNMP) PI Antnio Jos de Arajo Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) So Paulo-SP Aser Cortines Caixa Econmica Federal Braslia-DF Aurino Teixeira Depto. Reg. Fundiria da Pref. Mun. de Recife Recife-PE Brbara de Andrade CML, RJ Rio de Jneiro-RJ Bartiria Perptua L. da Lote Comfederao Nacional das Associaes de Moradores (CONAM) Nova Iguau-RJ Betnia Alfonsin IBDU/ACESSO Porto Alegre-RS Claudia Brando de Serpa Caixa Econmica Federal Rio de Janeiro-RJ Cludia Maria Ber Ministrio Pblico So Paulo-SP Cora Maria da C. Casa Nova CREA Porto Alegre-RS Cristiane Vanaves Cearah Periferia Fortaleza-CE Dbora de Carvalho Baptista Pref. Mun. Diadema Diadema-SP Edsio Fernandes Development Planning Unit/ London University Londres-UK Edmundo Ferreira Fontes CONAM So Paulo-SP Ednia Aparecida Souza CONAM MG Eduardo Novais de Souza UNMP Pavuna-RJ Elisabete Frana Diagonal Urbana So Paulo-SP llade Imparato Pref. Mun. de Guarulhos Guarulhos-SP Fernanda C. Vieira da Costa Pref. Mun. de Recife Recife-PE Fernando Luiz Eliotrio CONAM MG Flora El. Jaick Maranho ITERJ Rio de Janeiro-RJ Geg Central de Movimentos Populares (CMP) So Paulo-SP Getlio Santos de Souza CONAM Queimados-RJ Gilmar Ferreira Alves CONAM/FEMECAM PA Grazia Di Grazia FASE/Nacional Rio de Janeiro-RJ Guilherme Soares UNMP MG Hlia Nacif Xavier IBAM Rio de Janeiro-RJ Irio Rosa SEDU/PR Braslia-DF Ivo Imparato Cities Alliance So Paulo-SP Jacqueline Severo da Silva Pref. Mun. de Porto Alegre Porto Alegre-RS Joo Pedro Lamana Paiva Reg. Pblicos de Sapucaia do Sul Sapucaia-RS Jos Carlos de Freitas Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, CAOHURB So Paulo-SP Jos Francisco Diniz MNLM So Luis-MA Jos Roberto Bassul Senado Federal Braslia-DF Karina Uzzo Instituto Plis So Paulo-SP Leonardo Pessina CAAP So Paulo-SP Letcia Osorio COHRE Porto Alegre-RS Liana Portilho Advogada especialista em Anlise Urbana, mestranda da UFMG Belo Horizonte-MG Luis Paulo Aliende Ribeiro Juiz So Paulo-SP Luiz Gonzaga UNMP Rio Branco-AC Luiz Phillippe Torelly Caixa Econmica Federal Braslia-DF Madalena de C. Nepomucemo Pref. Mun. Vitria Vitria-ES Manoel Lucimar CMP/Unio de Moradia da Zona Sul So Paulo-SP Marcelo Soares MNLM RS Mrcia Bezerra Sec. Mun. Habitao Rio de Janeiro-RJ Maria Aparecida CML, RJ Rio de Jneiro-RJ Maria Gezica Valadares Pref. Mun. de Belo Horizonte Belo Horizonte-MG Maria Lcia R. Locks Pref. Mun. de Florianpolis Florianpolis-SC Maria Lcia Renetti Martins LABHAB/FAUUSP So Paulo-SP Mariana Moreira CEPAM So Paulo-SP Marinella Machado Faculdade Direito, PUCMG Belo Horizonte-MG Miguel Lobato MNLM PA Miguel Reis Afonso Advogado da Associao Defesa da Moradia So Paulo-SP Milton L. Ferron Filho Pref. Mun. de Belo Horizonte Belo Horizonte-MG Narciso Orlandi Neto Desembargador So Paulo-SP Nelson Saule Jnior Instituto Plis So Paulo-SP Olinda Marques Cearah Periferia Fortaleza-CE Paula Santoro Instituto Plis So Paulo-SP Paulo S. Martins Leo Jr. Procurador do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro-RJ Pedro Abramo IPPUR/UFRJ Rio de Janeiro-RJ Raquel Rolnik Instituto Plis So Paulo-SP Renato Cymbalista Instituto Plis So Paulo-SP Ricardo de Sousa Moretti PUC-CAMP Campinas-SP Ricardo Gouva Fundao Bento Rubio Rio de Jneiro-RJ Rildo Souza de Carvalho CEHAB Rio de Jneiro-RJ Sandro Unio dos Movimentos por Moradia (UMM) AL Saulo Manoel da Silva UNMP MG Silvia Ribeiro Lenzi Pref. Mun. de Florianpolis Florianpolis-SC Slvio Jos Gonalves MNLM Cascavel-PR Snia Rabello Fac. Direito UERJ Rio de Jneiro-RJ Thiago Gonalves da Silva Pref. Mun. de Recife Recife-PE Vera Maria Weigand Advogada e consultora em Direito Urbanstico Salvador-BA Veruska Ticiana F. Carvalho CONAM Campinas-SP Vidal Barbosa da Silva Coop. de Moradia de Goinia Goinia-GO

SUMRIOAPRESENTAO 10

PARTE IA PRODUO SOCIOECONMICA, POLTICA E JURDICA DA INFORMALIDADE URBANA Introduo Os tipos de irregularidade fundiria, a diversidade de situaes e as peculiaridades Os programas de regularizao Tudo deve ser regularizado? A dimenso poltica da irregularidade e da regularizao Lies do debate internacional A natureza curativa dos programas de regularizao A questo da legalizao fundiria Regularizao e combate pobreza O novo contexto brasileiro a partir do Estatuto da Cidade 11 12 14 15 16 19 20 21 22 24 26

PARTE IICOMO REGULARIZAR? 27 28 30 33 33 36 37 38 39 41 42 43 44

a b

Identificando as irregularidades Construindo um Programa de Regularizao Papel e funo dos atores que interferem no processo de regularizao Administrao Municipal Cmara Municipal Companhias Habitacionais Institutos de Terras rgos Federais Justia Estadual e Justia Federal Cartrios Ministrio Pblico Defensoria Pblica

Setor privado Moradores e suas Associaes Organizaes no-governamentais (ONGs)

45 46 48 50 50 56 61 70 82 87 89 89 90 92 96 98 107 112 114 119 120 122 123 125

c

Tipos de irregularidade e procedimentos para enfrent-las Conjuntos habitacionais pblicos Conjuntos habitacionais privados Loteamentos clandestinos e irregulares Ocupaes e favelas Habitaes coletivas de aluguel ou cortios Condomnios rurais

d

Instrumentos de mediao e regularizao Inqurito Civil e Ao Civil Pblica Termo de Ajustamento de Conduta Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) Desapropriao Concesso Especial de Uso para Fins de Moradia Usucapio Urbano Ttulo de Compra e Venda Concesso de Direito Real de Uso (CDRU) Doao Direito de Superfcie Cesso da Posse Lei de Parcelamento do Solo

e

Desafios

PARTE IIIESTRATGIAS E PROCEDIMENTOS PARA AVANAR 133 ANEXOS 155

PARA FACILITAR SUA CONSULTAAs quatro partes deste manual so indicadas por retngulos pretos nas laterais das pginas:

Os cones ao lado do texto indicam:

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? !

Dvidas mais freqentes. Trechos que merecem destaque. Caminhos para aprofundar um assunto. Inovaes mais recentes. Tpicos importantes.

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APRESENTAOAs grandes cidades, ao longo do tempo, tm sido percebidas pelas famlias mais pobres como um lugar capaz de propiciar melhoria de qualidade de vida. Essa perspectiva e o grande percentual de populao em situao de extrema pobreza, sem acesso ao mercado formal de moradias, bem como a existncia de parcelas de terreno urbano desocupadas, tm sido as grandes causas das ocupaes espontneas e marginais de reas das cidades. O Estatuto da Cidade, aprovado em 10 de julho de 2001, oferece aos municpios uma srie de instrumentos que podem intervir no mercado de terras e no processo da excluso social, garantindo o cumprimento integral da funo da cidade e da propriedade urbana. Um avano fundamental propiciado pelo Estatuto a previso de normas para a regularizao fundiria, onde as irregularidades jurdicas so um dos maiores entraves universalizao do direito cidade. Ao mesmo tempo, o Estatuto inclui a regularizao fundiria na agenda obrigatria da poltica urbana e habitacional das cidades. Como principal agente promotor do desenvolvimento urbano no pas, a Caixa Econmica Federal vem implementando um conjunto de medidas que lhe permitiro atuar num contexto de planejamento urbano, pactuado entre Poder Pblico e cidados. Nesse contexto, apresentamos o trabalho intitulado Regularizao da terra e moradia: o que e como implementar, resultante de um debate pluralista e minucioso, do qual participaram grandes conhecedores do tema, representantes e lderes de comunidades e de movimentos sociais. Nossa expectativa de que o presente documento se constitua em um roteiro de orientao aos municpios, que adotam e que venham a adotar a regularizao fundiria como prioridade social, econmica e territorial, e que apiam o aprofundamento do debate sobre o tema, ainda repleto de questionamentos e aspectos a serem explorados. Aser Cortines Peixoto Filho Vice-Presidente, Caixa Econmica Federal Valdery Albuquerque Presidente, Caixa Econmica Federal

PARTE I11

A PRODUO SOCIOECONMICA, POLTICA E JURDICA DA INFORMALIDADE URBANACoordenao e edio geral do captulo: Edsio Fernandes

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IntroduoRedator de texto-base:

Edsio Fernandes

Uma das principais caractersticas do processo de urbanizao no Brasil tem sido a proliferao de processos informais de desenvolvimento urbano. Milhes de brasileiros s tm tido acesso ao solo urbano e moradia atravs de processos e mecanismos informais e ilegais. As conseqncias socioeconmicas, urbansticas e ambientais desse fenmeno tm sido muitas e graves, pois, alm de afetar diretamente os moradores dos assentamentos informais, a irregularidade produz um grande impacto negativo sobre as cidades e sobre a populao urbana como um todo.

!regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Os assentamentos informais e a conseqente falta de segurana da posse, vulnerabilidade poltica e baixa qualidade de vida para os ocupantes resultam do padro excludente dos processos de desenvolvimento, planejamento, legislao e gesto das reas urbanas. Mercados de terras especulativos, sistemas polticos clientelistas e regimes jurdicos elitistas no tm oferecido condies sucientes e adequadas de acesso terra urbana e moradia para os pobres, provocando assim a ocupao irregular e inadequada.Outra das conseqncias da falta de alternativa habitacional para os mais pobres, particularmente nas duas ltimas dcadas, a ocupao irregular e inadequada do meio ambiente. Cada vez mais, os loteamentos irregulares, as ocupaes informais e as favelas tm se assentado justamente nas reas ambientais mais frgeis, nominalmente protegidas por lei atravs de fortes restries de uso, e que, por isso, so desprezadas pelo mercado imobilirio formal. A ordem jurdica, ou seja, o conjunto de leis que dene os padres de legalidade, possui tambm um papel na produo e reproduo da informalidade urbana. Por um lado, a denio doutrinria e a interpretao jurisprudencial dominantes dos direitos de propriedade,

atuando de maneira individualista, sem preocupao com a funo social da propriedade, prevista na Constituio, tm resultado em um padro essencialmente especulativo de crescimento urbano, que combina a segregao social, espacial e ambiental. Por outro lado, a ausncia de leis urbansticas ou sua existncia baseada em critrios tcnicos irreais e sem considerar os impactos socioeconmicos das normas urbansticas e regras de construo tem tido um papel fundamental na consolidao da ilegalidade e da segregao, alimentando as desigualdades provocadas pelo mercado imobilirio. Alm disso, deve-se ressaltar a diculdade de implementao das leis em vigor, devida em parte falta de informao e educao jurdicas e ao difcil acesso ao Poder Judicirio para o reconhecimento dos interesses sociais e ambientais. A combinao desses processos tem feito com que o lugar dos pobres nas cidades sejam as reas perifricas (ou mesmo centrais) no dotadas de infra-estrutura urbanstica, reas, freqentemente, inadequadas ocupao humana ou de preservao ambiental. A despeito de seus efeitos perversos, a irregularidade tem sido tolerada em nossas cidades desde que afastada de determinados pontos mais visveis ou reas mais valorizadas. Ainda que diversas formas nocivas de ilegalidade urbana tambm estejam associadas aos grupos mais privilegiados da sociedade mediante, por exemplo, a prtica cada vez maior dos chamados condomnios fechados, vedando o acesso de todos ao sistema virio e s praias, que so legalmente bens de uso comum de todos , a informalidade entre os mais pobres precisa ser urgentemente enfrentada. Mesmo sendo a nica opo de moradia permitida aos pobres nas cidades, no se trata de uma boa opo, em termos urbansticos, sociais e ambientais, e nem sequer de uma opo barata, j que o crescimento das prticas de informalidade e o adensamento das reas ocupadas tm gerado custos elevados de terrenos e aluguis nessas reas, alm de altos custos e baixa qualidade de gesto das prprias cidades. Em outras palavras, os pobres no Brasil tm pago um preo muito alto em vrios sentidos para viverem em condies precrias, indignas e cada vez mais inaceitveis.

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parte i | a produo socioeconmica, poltica e jurdica da informalidade urbana

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Os tipos de irregularidade fundiria, a diversidade de situaes e as peculiaridadesRedatora de texto-base: Fernanda Carolina Vieira da Costa

So muitas as formas de irregularidade: favelas, ocupaes, loteamentos clandestinos ou irregulares e cortios, que se conguram de maneiras distintas no pas. At mesmo loteamentos e conjuntos promovidos pelo Estado fazem parte desse vasto universo de irregularidade. As especicidades se referem s formas de aquisio da posse ou da propriedade e aos distintos processos de consolidao dos assentamentos, freqentemente espontneos e informais, j que no foram fruto de uma interveno planejada pelo Estado nem foram formalmente propostos por empreendedores privados no interior do marco jurdico e urbanstico vigente. Tais ocupaes podem ocorrer em: reas loteadas e ainda no ocupadas. Muitas vezes se desconhece o traado ocial do loteamento, ocupando-se reas destinadas para ruas, reas verdes e equipamentos comunitrios. Tambm comum as casas serem construdas em desconformidade com a diviso dos lotes. reas alagadas. Muitas cidades no Brasil foram tomadas s guas. comum o aterramento de grandes reas de manguezal ou charco. Geralmente essas reas so terrenos de marinha ou acrescidos de marinha (terrenos da Unio, em faixas litorneas), aforados ou no a particulares. reas de preservao ambiental. As reas mais atingidas so as reas de mananciais e as margens de rios e canais, mas existem inmeras ocupaes em serras, restingas, dunas e mangues. reas de risco. A baixa oferta de lotes e casas para os pobres faz com que ocorram ocupaes em terrenos de altas declividades, sob redes de alta tenso, ou nas faixas de domnio de rodovias, gasodutos e troncos de distribuio de gua ou coleta de esgotos.

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Terrenos destinados a usos coletivos, a equipamentos comunitrios, a programas habitacionais, a praas ou parques.

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Dada a diversidade de situaes urbansticas, jurdicas e polticas que envolvem os assentamentos populares irregulares, impossvel traar critrios e estratgias vlidos para toda e qualquer situao. Um plano de regularizao envolve, portanto, a identicao dos principais tipos e sua recorrncia na cidade para dar suporte elaborao de projetos caso a caso.

Redator de texto-base: Edsio Fernandes

Na falta de uma poltica nacional, desde meados da dcada de 1980, diversos municpios tm enfrentado o problema do desenvolvimento urbano informal, sempre com muita diculdade. Muitos tm sido os argumentos utilizados, de maneira combinada, para justicar a formulao dos programas de regularizao: desde princpios religiosos, ticos e humanitrios at diversas razes poltico-sociais, econmicas e ambientais. Mais recentemente, esse discurso se fortaleceu, deixando de evocar apenas valores e encontrando suporte em um discurso de direitos, j que atravs do Estatuto da Cidade a ordem jurdica nalmente reconheceu o direito social dos ocupantes de assentamentos informais moradia. O termo regularizao tem sido usado com sentidos diferentes, referindo-se em muitos casos to-somente aos programas de urbanizao das reas informais, principalmente atravs da implementao de infra-estrutura urbana e prestao de servios pblicos. Em outros casos, o termo tem sido usado para se referir exclusivamente s polticas de legalizao fundiria das reas e dos lotes ocupados informalmente. As experincias mais compreensivas combinam essas duas dimenses: a jurdica e a urbanstica. So ainda poucos os programas que tm se proposto a promover a regularizao de construes informais.

parte i | a produo socioeconmica, poltica e jurdica da informalidade urbana

Os programas de regularizao

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Entretanto, a falta de compreenso da natureza e da dinmica do processo de informalidade urbana tem levado a todo tipo de problema. Com freqncia, os programas de regularizao acabam por reproduzir a informalidade urbana em vez de promover a integrao socioespacial. Por outro lado, a regularizao fundiria s efetivamente demandada pela populao quando existe ameaa de expulso. Passada a ameaa, a demanda maior por urbanizao e por melhores condies de habitabilidade.

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

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Os programas de regularizao devem objetivar a integrao dos assentamentos informais ao conjunto da cidade, e no apenas o reconhecimento da segurana individual da posse para os ocupantes.

Tudo deve ser regularizado?Redatora de texto-base: Maria Lucia Refinetti Martins

O Direito Urbanstico regulamenta as relaes sociais e tambm as formas de ocupao urbana, operando de modo frgil na interface entre direito e arquitetura, pois nem sempre o encadeamento (proposta, ao e conseqncia) inteiramente previsvel. Como um direito difuso exercido em nosso contexto de uma sociedade desigual e excludente, marcado pelo conito entre assegurar direitos pela manuteno do status quo e assegurar os direitos da sociedade que normalmente no so reconhecidos. A ausncia de alternativa habitacional para a maioria da populao de menor renda nas grandes cidades brasileiras, particularmente nas duas ltimas dcadas, teve como uma de suas conseqncias a ocupao irregular e inadequada ao meio ambiente urbano. Os loteamentos irregulares, as ocupaes informais e as favelas se assentam justamente nas reas ambientalmente mais frgeis, protegidas por lei (atravs de fortes restries ao uso) e conseqentemente desprezadas pelo mercado imobilirio formal.

um modelo de sociedade que no consegue prover condies mnimas de habitao e convive com as solues improvisadas da populao desde que estejam afastadas das reas mais visveis ou valorizadas. J sabemos que mesmo o projeto irrepreensvel do ponto de vista conceitual tem, muitas vezes, levado a desastres sociais, urbansticos e ambientais, considerando nossas limitaes institucionais e os processos acima descritos. O caminho para o enfrentamento dessa questo requer, como j mencionamos, a construo de alternativas de ampliao do mercado formal e, de outro lado, que repensemos as maneiras de formular a legislao, evitando traduzir formas em lei, mas construir prticas/propostas que respondam nossa realidade. Cumpre buscar a melhor ecincia do conjunto, inclusive porque aspectos como a preservao da gua de abastecimento e a funcionalidade da cidade dependem da somatria de aes e no de aes pontuais ainda que exemplares. Nesse sentido a pesquisa, o debate e a formao de quadros tcnicos e de agentes so fundamentais. Regularizar sem interromper a produo das irregularidades acaba implicando, alm do sofrimento da populao, uma demanda de recursos pblicos innitamente maior ao levarmos em conta a exploso da violncia, o aumento dos gastos com sade pblica ou a necessidade de solues tcnicas mais elaboradas. Nas condies brasileiras, de tantas distncias entre a lei e a realidade, em funo da dimenso da excluso, um primeiro desao conceituar o contedo da expresso assentamento irregular. Adequado ou no, s irregular o que a legislao urbanstica estabelece como tal. A se torna evidente o grande fosso entre o desejvel e a realidade urbana. No plano da materialidade dos assentamentos, sua razo de ser , evidentemente, acomodar a populao: moradias com condies fsicas e servios adequados para a famlia e para a comunidade (sem impactos negativos ou riscos para elas e para o conjunto da cidade) e segurana de permanncia. Nesse quadro, o que se poderia chamar de regularidade para ento explicitar a irregularidade a ser corrigida? Pode-se admitir que so trs os aspectos:

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parte i | a produo socioeconmica, poltica e jurdica da informalidade urbana

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Condies reais: o fato observado. Do mesmo modo que existe uma linha da pobreza, caberia o equivalente urbano? Regularidade, nesse caso, equivaleria a atender a um padro mnimo social e economicamente aceitvel? Padro e necessidades variam ao longo do tempo. medida que a tecnologia e produo de bens se amplia, a noo de necessidade bsica tambm se modica. Como a distribuio de renda muito desigual, o parmetro uma referncia ambgua a irregularidade mais signicativa nos assentamentos informais , justamente, estar muito abaixo dos padres estabelecidos pela legislao. Legislao urbanstica e ambiental: tudo aquilo que os legisladores decidem colocar na lei. Existem os objetivos (esprito da lei) e os meios para atingi-los, traduzidos em forma de artigos os termos da lei. Ocorre que nem sempre os meios levam aos objetivos pretendidos. o que se observa, por exemplo, em relao legislao adotada para proteo dos mananciais na Regio Metropolitana de So Paulo: o intenso processo de urbanizao, aliado ao esgotamento, a partir de meados da dcada de 70, da oferta de lotes precrios e de baixo custo (por restries devidas lei federal no 6.766/79) e ausncia de outras alternativas para a habitao popular, acabou empurrando a populao de baixa renda para as reas ambientalmente mais frgeis, desprezadas pelo mercado formal, o que inviabilizou a aplicao da legislao de proteo aos mananciais. Nesse quadro, a remoo pura e simples da populao, para atender ao estabelecido na lei, se mostra socialmente insustentvel ao mesmo tempo que a regularizao das ocupaes no tem como atender aos parmetros legais. Trata-se de um quadro extremamente delicado devido s dimenses da excluso habitacional e incapacidade do Estado de enfrent-la. Nessas condies, o conceito de razoabilidade permite que se coloque a questo: irregular o que se afasta dos termos da lei ou dos objetivos da lei? Posse e registro: Trata-se da segurana da permanncia da populao nas reas ocupadas. Isso ca normalmente associado propriedade, e a propriedade sua escriturao. Refere-se a um tema social, que a segurana da posse, mas, do ponto de vista da regularidade urbanstica, a regularidade registrria s entra na questo porque

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

toda a ordem urbanstica tem incio na comprovao da regularidade da propriedade: para dar incio aos procedimentos de aprovao de qualquer parcelamento ou loteamento necessrio regularizar a

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propriedade.

A dimenso poltica da irregularidade e da regularizaoRedatora de texto-base: Raquel Rolnik

Se os investimentos em urbanizao nos assentamentos tm alto interesse poltico, os processos de titulao podem ter um efeito ainda mais intenso, j que se trata de uma formalizao da segurana de permanncia em contexto extremamente vulnervel.

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A distribuio de ttulos de terra sem uma melhora signicativa nas condies urbansticas e apenas com objetivos poltico-eleitorais pode ter efeitos nefastos para a cidade e para a prpria populao envolvida.

parte i | a produo socioeconmica, poltica e jurdica da informalidade urbana

Os assentamentos precrios so tambm objeto de investimentos pela gesto pblica cotidiana: ela incorpora lentamente essas reas cidade, regularizando, urbanizando, dotando de infra-estrutura, mas nunca eliminando a precariedade e as marcas da diferena em relao s reas que j nascem regularizadas. Essa dinmica tem alta rentabilidade poltica, pois dessa forma o poder pblico estabelece uma base poltica popular, de natureza quase sempre clientelista, uma vez que os investimentos so levados s comunidades como favores do poder pblico. As comunidades so assim convertidas em refns, eternamente devedoras de quem as protegeu ou olhou para elas. Essa tem sido uma das grandes moedas de troca nas contabilidades eleitorais, fonte da sustentao popular de inmeros governos.

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Lies do debate internacionalRedator de texto-base: Edsio Fernandes

Os formuladores de novas polticas e programas de regularizao devem aprender com as lies das experincias passadas. Precisamos todos fazer uma discusso ampla e crtica da questo, pois, anal, no h necessidade de estarmos constantemente reinventando a roda. Ao longo dos ltimos vinte anos, em diversos pases onde ocorre a ocupao informal e onde um volume enorme de recursos nanceiros tem sido investido para solucion-la , uma signicativa corrente de pesquisa acadmica e institucional tem avaliado os principais problemas dos programas de regularizao. Em 1999, o Programa Habitat da ONU lanou a importante Campanha Global pela Segurana da Posse. Dentre as principais lies das experincias internacionais, deve-se ressaltar que a compreenso da natureza e dinmica dos processos sociais, econmicos, polticos e jurdicos que produzem a informalidade a base para a formulao, implementao e avaliao dos programas de regularizao.

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Para tanto, preciso promover uma leitura interdisciplinar da questo, combinando as perspectivas econmica, poltica, social, institucional e tcnica, com nfase especial na sua dimenso jurdica. Os administradores pblicos devem reetir sobre algumas questes principais antes de fazerem suas propostas j que so as respostas a estas perguntas que vo determinar a natureza e o alcance efetivo dos programas de regularizao:

Como so produzidos os assentamentos informais? Por que importante regulariz-los? Quando os programas de regularizao devem ser formulados e implementados? Que reas devem ser regularizadas? O que deve ser feito nas reas onde, por alguma razo, no couber a regularizao?

Como os programas de regularizao devem ser formulados e implementados? Que direitos devem ser reconhecidos aos ocupantes de assentamentos informais? Quem deve pagar pelos programas de regularizao? E como? O que deve acontecer depois da regularizao das reas?

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Por um lado, preciso ampliar o acesso ao mercado formal a uma parcela maior da sociedade, sobretudo os grupos de renda mdia-baixa, ao lado da oferta de subsdios pblicos para as faixas da menor renda. Por outro lado, preciso rever os modelos urbansticos que tm sido utilizados, de forma a adapt-los s realidades socioeconmicas e limitada capacidade de ao institucional das agncias pblicas.

parte i | a produo socioeconmica, poltica e jurdica da informalidade urbana

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A natureza curativa dos programas de regularizaoRedator de texto-base: Edsio Fernandes

Os programas de regularizao tm uma natureza essencialmente curativa e no podem ser dissociados de um conjunto mais amplo de polticas pblicas, diretrizes de planejamento e estratgias de gesto urbana destinadas a reverter o atual padro excludente de crescimento urbano.

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Nesse contexto, as polticas de regularizao fundiria no podem ser formuladas de maneira isolada e necessitam ser combinadas com outras polticas pblicas preventivas, para quebrar o ciclo de excluso que tem gerado a informalidade. Isso requer interveno direta e investimento pblico, sobretudo por parte dos municpios, para produzir novas opes de moradia, democratizar o acesso terra e promover uma reforma urbana ampla.Regularizar sem interromper o ciclo de produo da irregularidade, alm de renovar o sofrimento da populao, provoca a multiplicao permanente da demanda por recursos pblicos. Alm disso, o ciclo que leva da informalidade regularizao tem freqentemente rearmado e ampliado as bases da poltica clientelista tradicional, co-responsvel pela prpria produo da informalidade. Em outros casos, a inadequao ou o fracasso dos programas tem facilitado o surgimento de novos pactos sociais que, sobretudo nas reas controladas pelo trco de drogas e pelo crime organizado, desaam cada vez mais as estruturas poltico-institucionais ociais, assim como as bases e a validade da ordem jurdica.

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

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A questo da legalizao fundiriaRedator de texto-base: Edsio Fernandes

No que toca dimenso da legalizao fundiria, a regularizao deve ter por objetivo no apenas o reconhecimento da segurana individual da posse para os ocupantes, mas principalmente o objetivo da integrao socioespacial dos assentamentos informais.

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No que diz respeito aos instrumentos jurdicos a serem utilizados, deve ser considerado um leque amplo de opes jurdico-polticas, alm dos direitos individuais de propriedade plena. A materializao do direito social de moradia no implica necessariamente o reconhecimento de direitos individuais de propriedade plena, sobretudo nos assentamentos em reas pblicas.No Brasil e em outros pases, os programas de regularizao baseados na legalizao atravs de ttulos de propriedade individual plena no tm sido bem-sucedidos, j que no garantem a permanncia das comunidades nas reas ocupadas, deixando assim de promover a desejada integrao socioespacial. Em muitos casos, mesmo na ausncia da legalizao de reas consolidadas e dos lotes ocupados, os moradores se encontram efetivamente menos expostos s ameaas de despejo e/ou remoo, e os assentamentos informais tm recebido servios pblicos e infra-estrutura urbanstica em alguma medida, sendo que muitos moradores tm tido acesso a diversas formas de crdito informal, e em alguns casos mesmo ao crdito formal. Ainda que a combinao desses fatores gere uma percepo de posse para os ocupantes, a legalizao dessas reas e lotes continua sendo importante.

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Ttulos so importantes sobretudo quando h conitos, sejam eles de propriedade, domsticos, familiares, de direito de vizinhana. E tambm para reconhecer direitos sociopolticos e para garantir que os ocupantes possam permanecer nas reas sem risco de expulso pela ao do mercado imobilirio, por mudanas polticas que quebrem o pacto sociopoltico gerador da percepo de segurana de posse, ou pela presso do crime organizado, como tem acontecido em diversas favelas e loteamentos irregulares brasileiros.

parte i | a produo socioeconmica, poltica e jurdica da informalidade urbana

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>regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

necessrio, portanto, compatibilizar a promoo da segurana individual da posse com outros interesses sociais e ambientais, bem como com o devido reconhecimento do direito social de moradia que no se reduz ao direito individual de propriedade plena.

Regularizao e combate pobrezaRedator de texto-base: Edsio Fernandes

Para produzirem impacto efetivo sobre a pobreza social, os programas de regularizao precisam ser formulados em sintonia com outras estratgias socioeconmicas e poltico-institucionais, sobretudo atravs da criao de oportunidades de emprego e fontes de renda. Devem ser combinados e apoiados por um conjunto de processos e mecanismos de vrias ordens: nanceira, institucional, planejamento urbano, polticas de gnero, administrao e gesto fundiria, sistemas de informao e processos de mobilizao social. Dentre os mecanismos nanceiros, devem ser mencionados a criao de fundos (para os pobres e comunitrios), emprstimos (bancos do povo e instituies de microcrdito popular), programas de hipoteca comunitrios, incentivos ao setor privado, bem como mecanismos de reforma do sistema bancrio e nanceiro, sobretudo para garantir melhores condies de acesso ao crdito formal. J os processos institucionais propostos devem incluir cooperao sistemtica entre agncias pblicas, melhor cooperao intergovernamental, estratgias de descentralizao, criao de parcerias entre o setor pblico e o setor privado, participao comunitria, capacitao administrativa e scal, bem como a ao de consultores comunitrios e de acadmicos. De fundamental importncia promover o reconhecimento dos assentamentos informais pelo sistema geral de planejamento. Alm disso, preciso promover a reviso das regulaes urbansticas e dos parmetros construtivos, bem como, no contexto mais amplo do sistema de planejamento urbano, a explorao dos chamados ganhos do planejamento, como a transferncia e outorga onerosa do direito de construir.

Outra dimenso fundamental a da administrao e gesto fundirias, requerendo sistemas cadastrais acessveis, a remoo dos obstculos cartorrios, a identicao da propriedade e a avaliao fundiria regular. H controvrsias quanto s estratgias que propem a criao de bancos de terras e quanto aquelas baseadas exclusivamente na desapropriao e aquisio de terras. Programas de regularizao devem ser acompanhados por sistemas de informao, seja para produzi-las (identicar regimes de posse, anlise e reviso de polticas etc.), seja para prov-las (planejamento baseado em informao, descentralizao do planejamento e da gesto, criao de centros abertos de recursos etc.). Outras questes e instrumentos jurdicos relacionados com os programas de regularizao incluem a reviso das leis municipais de loteamento, o enfrentamento do falso dilema entre valores sociais e ambientais, e a reviso e ampliao dos sistemas de resoluo de conitos existentes de forma a torn-los mais ecazes e justos. Tais programas tm necessariamente que ter suporte nos princpios da transparncia, prestao de contas e participao popular, e especialmente revelar um enfoque de baixo para cima de forma a materializar a proposta constitucional de democratizao das estratgias de gesto urbana. Tambm importante incorporar uma dimenso de gnero nos programas de regularizao para confrontar o desequilbrio histrico e cultural entre homens e mulheres e, dessa forma, dar mais poder s mulheres e estabilidade s crianas. Em ltima anlise, o sucesso dos programas de regularizao de assentamentos informais requer a renovao dos processos de mobilizao social e o fortalecimento da capacidade das associaes de moradores e das ONGs, que, mais do que nunca, devem colocar nfase na implementao dos programas e no cumprimento dos direitos.

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parte i | a produo socioeconmica, poltica e jurdica da informalidade urbana

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O novo contexto brasileiro a partir do Estatuto da CidadeRedator de texto base:

Edsio Fernandes

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

At a aprovao, em 1988, do captulo constitucional sobre poltica urbana (artigos 182 e 183), alm dos diversos problemas de ordem tcnica, nanceira e poltico-institucional existentes, havia tambm muitos obstculos de ordem jurdica devida implementao dessas polticas e programas de regularizao. Com a aprovao da Constituio, e o reconhecimento constitucional do direito de moradia como um direito social (emenda n 26, de 14 de fevereiro de 2000), e, mais recentemente, com a aprovao do Estatuto da Cidade (acompanhado pela medida provisria n 2.220, de 4 de setembro de 2001), a situao se transformou. A nova ordem jurdica d suporte inequvoco ao dos governos municipais empenhados no enfrentamento das graves questes urbanas, sociais e ambientais que tm diretamente afetado a vida de todos os que habitam as cidades brasileiras. Reconhecendo o papel fundamental dos municpios na formulao de diretrizes de planejamento urbano e na conduo do processo de gesto das cidades, o Estatuto da Cidade no s consolidou o espao da competncia jurdica e da ao poltica municipal aberto pela Constituio de 1988, como tambm o ampliou sobremaneira, especialmente na questo da regularizao fundiria. No captulo nal deste livro, que trata das estratgias e procedimentos para avanarmos neste tema, comentaremos as oportunidades legais trazidas pelo Estatuto.

PARTE II27

COMO REGULARIZAR?Coordenao e edio geral do captulo: Nelson Saule Jr.

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Identificando as irregularidadesRedatora de texto-base: Raquel Rolnik

O primeiro passo para implementar um programa de regularizao identicar, localizar, dimensionar as irregularidades que existem na cidade, para depois aplicar uma estratgia especca para cada caso.

?regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Como identicar as reas irregulares?Alguns assentamentos como favelas recm-construdas so fceis de serem identicados por quem conhece a cidade. Outros, como os loteamentos irregulares, podem ser identicados comparando o que est sendo construdo com o cadastro de aprovao de loteamentos da Prefeitura. Porm, nas cidades onde a exigncia de aprovao de loteamentos na Prefeitura no existe ou recente, a identicao pode ser mais difcil e pode requerer consultas a cartrios de registro de imveis. Nas grandes cidades, como as situaes de irregularidade costumam ser muitas e variadas, possvel identic-las fazendo o cruzamento de cadastros da Prefeitura e das concessionrias de servios pblicos (como gua e eletricidade) com as informaes dos Censos do IBGE. Por exemplo cruzando o cadastro do IPTU com o cadastro de ligaes de gua ou luz eltrica em um determinado bairro: se o nmero de ligaes domiciliares no coincidir, possvel concluir que existem assentamentos irregulares. Outra forma de identicar as irregularidades cruzando o cadastro de aprovao de construes (que registra as unidades residenciais que obtiveram alvars e habite-se) com o nmero de domiclios recenseados pelo IBGE. Dessa forma, possvel identicar regies ou bairros da cidade onde o aumento do nmero de domiclios identicado pelos ltimos Censos foi maior do que o nmero de alvars concedidos. O prprio traado virio de algumas regies indica o assentamento irregular, com ruas em desconformidade com a lei, apresentando becos, vielas e descontinuidades.

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O Programa Nacional de Apoio Gesto Administrativa e Fiscal apia os municpios para atualizar seus cadastros, base para suas Plantas Genricas de Valores, que do origem ao IPTU. Para isso, o municpio pode contar com recursos do BNDES ou da CAIXA (ver pgina 143)

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Como mapear as reas irregulares?Os processos de regularizao sempre requerem plantas cadastrais, e, portanto, o mapeamento das reas para a construo de cadastros municipais uma etapa necessria tanto para montar um programa de regularizao como para conduzir os processos. Isso pode ser feito de diversas maneiras, desde as mais simples, como visitas de campo auxiliadas ou no por um topgrafo (prossional especializado em levantamentos planialtimtricos), at as mais sosticadas, usando tecnologias como a aerofotogrametria e o geoprocessamento. Existem mtodos baratos, rpidos e fceis, porm nenhum deles tem essas trs caractersticas ao mesmo tempo. As opes podem ser totalmente diferentes, dependendo da disponibilidade de recursos, do grau de tecnologia j existente na Prefeitura, da existncia ou das oportunidades de realizao de vos de aerofotogrametria e do grau de mobilizao e participao dos prprios interessados na regularizao. s vezes, imagens produzidas em vos de helicptero podem ser comparadas com um mapa mais antigo e com vistorias em campo, produzindo uma primeira base de trabalho. Qualquer que seja a opo, importante usar um mtodo que comece com desenhos mais simples para depois complementar as informaes.parte ii | como regularizar?

Alm de permitir cadastrar as reas e as famlias, os mapeamentos ajudam a construir critrios para os diferentes programas de regularizao j que podem ser cruzados com outras informaes, como hidrograa e geotecnia, indicando, por exemplo, as reas que oferecem riscos para os moradores. Finalmente, os cadastros e mapas ajudam a denir a extenso de cada situao de irregularidade, a quantidade de famlias envolvidas

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e suas condies socioeconmicas, informaes fundamentais para criar estratgias de regularizao e urbanizao de acordo com os recursos e prazos existentes.

Construindo um Programa de RegularizaoRedatoras de texto-base: Betnia de Moraes Alfonsin e Dbora de Carvalho Baptista

Um programa de regularizao fundiria deve abranger:

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Uma equipe de trabalho dedicada regularizao fundiria; A identicao das reas irregulares (cadastramento e mapeamento); Critrios para denir quais reas devem ser objeto de regularizao; Integrao das aes de urbanizao com as aes de regularizao; Mecanismos de parceria e interlocuo com a comunidade das reas irregulares; Instrumentos de parceria e cooperao tcnica para promoo da regularizao.

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Como deve ser montada uma equipe de trabalho?Para um municpio grande, preciso montar uma equipe com prossionais de vrios campos (arquitetos, advogados, assistentes sociais, engenheiros, topgrafos, desenhistas e pessoal de apoio administrativo e logstico, como auxiliares de escritrio, motoristas etc.) com dedicao exclusiva ao trabalho de regularizao. necessrio que essa equipe tenha coordenao denida e esteja subordinada a um rgo com atribuies compatveis com suas funes.

Para os municpios pequenos, que dispem de um quadro menor de funcionrios, a regularizao pode ser conduzida por um prossional da rea jurdica atuando com um prossional da rea social e de obras. Em todos os casos, necessria a integrao entre os vrios rgos da Prefeitura com o projeto de regularizao fundiria.

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Como denir critrios para as reas que sero regularizadas?Aps identificar as reas irregulares, preciso decidir quais delas devem ser regularizadas, a partir de critrios bem denidos e previamente estabelecidos. Por exemplo, em um municpio com vocao econmica para o turismo, no qual existem ocupaes irregulares em reas de proteo ambiental e outras reas disponveis para o reassentamento da populao, possvel adotar o critrio de no regularizar as ocupaes a m de proteger e preservar a rea. Deve-se levar em conta, por um lado, os recursos disponveis e, por outro, os prejuzos que a cidade ter se no promover a regularizao: danos ao meio ambiente, ameaas qualidade de vida da populao do assentamento, diculdades no controle das enchentes, assoreamento, desabamento de encostas etc. Por outro lado, situaes muito precrias, e com poucas condies de melhora das moradias, mesmo que de forma progressiva, podem tambm exigir realocao.

Sim. Ele no pode resumir-se regularizao jurdica. necessrio uma interveno fsica na rea, ou seja, urbaniz-la, preparando-a para a interveno jurdica. O xito de um processo de regularizao e a permanncia dos seus resultados vo depender da urbanizao, entre outros fatores.

parte ii | como regularizar?

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O programa deve integrar as dimenses jurdica e urbanstica de regularizao?

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Outra preocupao que deve estar presente a regularizao das construes, que no deve ser confundida com a da rea. O projeto para a rea deve levar em conta as caractersticas dos edifcios, o que pode criar a necessidade de modicar a legislao municipal, adequando-a ao padro de urbanizao e construo de baixa renda.

! ?regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Cada municpio deve estabelecer critrios de regularizao segundo suas vocaes, necessidades e interesses locais.

Quais so os passos essenciais para iniciar a regularizao jurdica?O primeiro passo o levantamento da situao fundiria do terreno a ser regularizado. Devem ser apuradas informaes sobre o tempo que a famlia est no lote ou unidade habitacional, se o ocupou de forma originria ou se comprou de morador anterior, se o terreno usado para m habitacional ou misto. Depois disso, preciso fazer um levantamento de todas as famlias que moram no local a ser regularizado. Como freqentemente os assentamentos possuem reas em situao de risco ou apresentam densidades muito altas, impedindo, por exemplo, que sejam abertas ruas e vielas, muitas vezes necessrio reduzir o nmero de moradores, removendo algumas famlias ou construes para reas prximas e adequadas ocupao. A regularizao jurdica deve comear aps a denio sobre quem permanecer na rea. Em seguida, preciso elaborar um cadastro consistente daqueles que permanecero no local, que pode ser desenvolvido por assistentes sociais. O cadastro deve possuir dados sobre os moradores, identicando a pessoa que chea cada famlia. Outras informaes a serem colhidas so: nome, liao, ocupao, situao de emprego, renda familiar, nmero de lhos menores, nmero de lhos em idade

escolar. Esses dados sero importantes para subsidiar a escolha do instrumento de regularizao a ser usado na rea. O cadastramento pode ser feito ao mesmo tempo que o levantamento topogrco planialtimtrico pois isso reduzir os custos. fundamental a necessidade de organizao jurdica da populao atingida, por exemplo, com a criao de associaes de moradores. Isso favorece a interlocuo com os rgos pblicos e o envolvimento dos moradores com o resultado nal.

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b

Papel e funo dos atores que interferem no processo de regularizaoAdministrao MunicipalRedatores de texto-base:

Nelson Saule Jr., Karina Uzzo e Patrcia de Menezes Cardoso.

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Porque o municpio deve promover a regularizao fundiria das reas ocupadas pela populao de baixa renda?

> >

Para assegurar o uso e a ocupao do solo adequados s necessidades de moradia digna dos moradores;parte ii | como regularizar?

Para combater a desigualdade social e melhorar as condies de vida da populao dos assentamentos informais e precrios; Por ser o principal ente federativo responsvel pela promoo da poltica urbana, que engloba a regularizao fundiria e a urbanizao de reas ocupadas por populao de baixa renda, assegurando-se o direito moradia da populao.

>

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?

Em quais situaes o municpio deve atuar?

Prioritariamente nas reas pblicas municipais que oferecem risco de vida ou de sade aos ocupantes, e mediante cooperao com a Unio e o estados nas reas pblicas federais e estaduais; Nas reas pblicas de ocupao consolidada para ns de moradia (favelas e conjuntos habitacionais) que no sejam reas de risco, onde possam ser aplicadas as Concesses Especiais de Uso para ns de Moradia e a Concesso de Direito Real de Uso (CDRU); Nas reas desapropriadas pelo municpio para o desenvolvimento de projetos habitacionais de interesse social (loteamentos ou conjuntos habitacionais), ou desapropriadas para a soluo de situaes de conito; Nas reas particulares ocupadas por favelas, conjuntos habitacionais e loteamentos, onde seja possvel aplicar os instrumentos do Usucapio Urbano e da lei n 6.766/79; Nas habitaes coletivas de aluguel (cortios) sem condies mnimas de moradia, ocupadas pela populao de baixa renda.

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

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O que compete ao municpio?

>

Incluir no Plano Diretor (quando este for obrigatrio) as regras para aplicao dos instrumentos de regularizao fundiria; Promover gratuitamente assessoria jurdica e tcnica para levantar a situao jurdica, fsica e urbanstica das reas a serem regularizadas (levantamento fundirio e topogrco, elaborao de planta, memorial descritivo) e promover as aes judiciais necessrias;

>

> >

Criar um programa de regularizao com a participao da comunidade em todas as etapas; Criar um Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitao para obter recursos de convnios e parcerias com a iniciativa privada, fundos de penso do estado e apoio de agentes nanceiros como a CAIXA e outras entidades governamentais; Estabelecer um conselho de habitao e desenvolvimento urbano; Desenvolver trabalhos sociais com a comunidade, como um diagnstico coletivo dos problemas de habitao; Elaborar e executar planos de urbanizao e de regularizao fundiria; Garantir que, depois de aprovado o plano de urbanizao, no seja permitido o remembramento de lotes, exceto para implementao de equipamentos comunitrios pblicos; Reconhecer o direito e outorgar o ttulo de Concesso do Direito Real de Uso ou Concesso Especial para ns de Moradia nos casos em que estejam preenchidos os requisitos legais estabelecidos no Estatuto da Cidade e na medida provisria n 2.220/2001.

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> > > >

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parte ii | como regularizar?

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Cmara MunicipalRedatores de texto-base:

Nelson Saule Jr., Karina Uzzo e Patrcia de Menezes Cardoso

?regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Quais so as funes da Cmara Municipal de Vereadores?

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Instituir a legislao urbanstica municipal necessria para a aplicao dos instrumentos de regularizao contidos na Constituio Federal e no Estatuto da Cidade; Discutir e aprovar o Plano Diretor, contemplando a regularizao e incorporando suas prioridades nas leis oramentrias; Elaborar e aprovar projetos de lei que possibilitem a aplicao dos instrumentos de regularizao (leis de desafetao de reas de uso comum do povo para outorga da Concesso Especial de Uso para ns de Moradia, leis que regulamentem a aplicao da CDRU, cesso de posse etc.); Instituir programas de urbanizao e regularizao de reas denidas pelo Plano Diretor ou lei municipal especca, como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS); Garantir a participao popular em todas as etapas do processo legislativo da regularizao, assegurando e promovendo a participao e discusso das propostas de leis sobre regularizao com organizaes e movimentos populares, ONGs e entidades de assessoria jurdica e tcnica, associaes de classe, sindicatos, associaes empresariais e rgos do Poder Executivo municipal; Criar Comisses de Poltica Urbana com os diversos atores envolvidos no processo de regularizao.

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Companhias HabitacionaisRedatores de texto-base:

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Nelson Saule Jr., Karina Uzzo e Patrcia de Menezes Cardoso

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O que so as Companhias Habitacionais?So os agentes responsveis pela execuo dos projetos da poltica de habitao das cidades, em geral empresas de economia mista cujo acionista majoritrio pode ser o municpio ou o estado, que atuam de forma integrada com o rgo municipal responsvel por essa poltica (Secretaria ou Departamento Municipal de Habitao) e demais rgos municipais que se relacionam com a poltica urbana e habitacional.

Como devem atuar as Companhias Municipais de Habitao?

>

Criando programas de regularizao em reas de interesse social a partir da interveno nas reas irregulares, promovendo a recuperao e a urbanizao; Aplicando os instrumentos de regularizao fundiria nos terrenos e conjuntos habitacionais da Companhia Habitacional; Implantando a infra-estrutura com os demais rgos pblicos do municpio e do estado nas reas dos conjuntos habitacionais; Desenvolvendo mutires em parceria com associaes comunitrias e entidades de assessoria tcnica e jurdica para a regularizao de empreendimentos que possam ser administrados pelos prprios moradores; Produzindo lotes urbanizados;parte ii | como regularizar?

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Criando programas de oferta de material de construo para melhoria das unidades habitacionais.

?regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Como devem atuar as Companhias Estaduais de Habitao?

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Operando de forma integrada com o sistema estadual de habitao e seus rgos: Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e de Habitao, Conselho Estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitao, Fundo Estadual de Habitao; Colaborando com a implementao de infra-estrutura, mode-obra e com recursos para a regularizao fundiria; Aplicando os instrumentos de regularizao fundiria para legalizar os conjuntos habitacionais do estado; Realizando convnios e parcerias (mutires, por exemplo) com os municpios em terrenos que no so de sua propriedade.

> > >

Institutos de TerrasRedator de texto-base: Paulo Silveira Martins Leo Jr.

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O que so Institutos de Terras?Alguns estados da Federao criaram, por lei, Institutos de Terras (e Cartograa), com personalidade jurdica e patrimnio prprios, autonomia nanceira e administrativa, com atribuies especialmente na rea rural, tais como proposio de aes discriminatrias de terras devolutas; levantamento de terras ociosas e inadequadamente aproveitadas; cadastramento de reas de conito pela posse da terra, e adoo de providncias buscando as solues respectivas; atuao

objetivando a consolidao econmica e social de assentamentos rurais; participao na formulao das polticas pblicas de desenvolvimento econmico e social, de desenvolvimento agrcola e de reforma agrria, de desenvolvimento urbano e regional e de preservao ambiental; atuao como entidade tcnica e executora da poltica fundiria, visando promover, ordenar, regularizar e desenvolver os assentamentos rurais e urbanos em terras pblicas ou privadas, dotando-os de infra-estrutura. Para alcanar essas nalidades de fundamental importncia um preciso conhecimento do territrio de cada estado, da porque a esta instituio se associam, com especial relevo, funes cartogrcas. O Instituto de Terras (e Cartograa) poder ser importante aliado na formulao e execuo das polticas fundirias municipais.

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rgos FederaisRedator de texto-base: Nelson Saule Jr.

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Quais so os rgos federais que devem atuar na regularizao fundiria?

Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDU); Caixa Econmica Federal; Departamento de Patrimnio da Unio e a Defensoria Pblica da Unio, em relao s reas pblicas federais a serem regularizadas.parte ii | como regularizar?

Qual o papel da Unio na poltica de regularizao fundiria?A prioridade da poltica federal de habitao privilegiar a populao que no tem condies de acesso terra, infra-estrutura e habitao. nesse setor da populao brasileira que as necessidades so maiores e para eles que se tem que dirigir todos os esforos.

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A descentralizao scal implementada em 1988 obrigou os municpios a assumirem compromissos que so, muitas vezes, incompatveis com seus recursos tcnicos e nanceiros. O Governo Federal deve atuar no fortalecimento tcnico e institucional dos municpios e na recuperao das reas degradadas das cidades.

?regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Como deve atuar a Unio nos processos de regularizao fundiria?

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Constituindo programas nacionais de apoio aos municpios para capacitao, regularizao fundiria e aplicao dos instrumentos de poltica urbana; Constituindo uma equipe especializada para promover a regularizao fundiria das reas pblicas da Unio que so ocupadas por populao de baixa renda; Prestando servio de assistncia jurdica gratuita por meio da Defensoria Pblica, reconhecendo o direito moradia e outorgando o ttulo de Concesso Especial de Uso para ns de Moradia nas reas pblicas de domnio da Unio nos casos em que estejam preenchidos os requisitos legais; Criando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano para denir diretrizes e linhas de ao para o territrio nacional na promoo da regularizao fundiria; Repassando recursos do Oramento Geral da Unio para os estados e municpios, e criando linhas de nanciamento para a promoo da regularizao fundiria.

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Existem programas federais de apoio aos municpios em seus programas de regularizao (ver pgina 142).

Justia Estadual e Justia FederalRedator de texto-base: Paulo Silveira Martins Leo Jr.

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Qual o papel do Poder Judicirio?Nos processos de regularizao fundiria pode existir a necessidade da atuao do Poder Judicirio, atravs de um de seus rgos, dentre os quais se destacam, na perspectiva da regularizao, os juzes e Tribunais dos Estados e os Juzes Federais e os Tribunais Regionais Federais.

Qual o papel da Justia Federal?Compete Justia Federal processar e julgar as aes em que a Unio Federal, entidade autrquica ou empresa pblica federal forem interessadas, seja na condio de autoras, rs, assistentes ou oponentes. Isso se dar, por exemplo, no caso de ao relativa a loteamento em processo de regularizao que esteja localizado em rea de titularidade da Unio, o que no comum ocorrer.

Qual o papel da Justia Estadual?No estando envolvida a Unio nem entidade autrquica ou empresa pblica federal, a competncia ser da Justia Estadual comum, sendo necessrio consultar a Lei de Organizao e Diviso Judicirias de cada estado para saber a qual vara caber o processamento e o julgamento da causa. A Lei de Organizao e Diviso Judiciria usualmente divide o territrio do estado em unidades denominadas comarcas, que englobam um ou mais municpios, e ainda determina a competncia dos juzes existentes em cada comarca, razo pela qual importante conhecer tal lei.parte ii | como regularizar?

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Nos municpios maiores, comum a existncia de Varas de Fazenda Pblica competentes para julgar as aes de interesse municipal ou estadual, e da Vara de Registros Pblicos competente para julgar as aes relativas a registros pblicos (em particular registro de imveis), como, por exemplo, nos chamados processos de dvida, ou seja, quando o interessado discorda ou no pode cumprir as exigncias feitas pelo Ocial de Registro de Imveis. Pode vir a ser instituda por lei, vara especializada para assuntos de regularizao fundiria em comarcas que tenham um nmero elevado de demandas envolvendo reas irregulares.

CartriosRedator de texto-base: Paulo Silveira Martins Leo Jr.

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

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Quais so os servios prestados pelos Cartrios de Notas e de Registro de Imveis?Servios de lavratura e registro de escrituras pblicas de imveis (compra e venda, cesso etc.). Esses documentos so lavrados em Cartrios de Notas e devem ser levados para registro nos Cartrios de Registro de Imveis.

Quem scaliza os cartrios?O Tribunal de Justia de cada estado, em geral por meio de um rgo denominado Corregedoria Geral da Justia, que tem a competncia de estabelecer provimentos (espcie de regulamentos), inclusive para denir os critrios e procedimentos para a atuao dos cartrios nos processos de regularizao fundiria.

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Para que serve um provimento da Corregedoria Geral da Justia?Um provimento uma espcie de regulamento editado pela Corregedoria Geral da Justia que pode versar sobre os procedimentos e critrios para aplicao de leis que se relacionem a registros pblicos. Um provimento pode, por exemplo, estabelecer normas referentes a registro imobilirio nos processos de regularizao fundiria, facilitando e agilizando o trabalho dos cartrios. Saiba mais sobre um provimento elaborado pela Corregedoria do Rio Grande do Sul que estabeleceu regras simplicadas para a regularizao de loteamentos urbanos em benefcio dos moradores na pgina 131. A Corregedoria do Rio Grande do Sul estabeleceu regras simplicadas para a regularizao de loteamentos urbanos em benefcio dos moradores (ver pgina 161).

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Ministrio PblicoRedator de texto-base: Jos Carlos de Freitas

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Qual o papel do Ministrio Pblico?O Ministrio Pblico uma instituio permanente e essencial Justia. composto por promotores de justia (os advogados do povo), que so bacharis em Direito recrutados pela Unio e estados mediante concurso pblico. A Constituio Federal de 1988 atribuiu ao Ministrio Pblico o dever de agir na defesa da ordem jurdica, do regime democrtico, dos interesses sociais e individuais indisponveis, zelando pelo respeito do poder pblico aos direitos assegurados na Constituio e pela proteo dos interesses coletivos.parte ii | como regularizar?

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Como o Estatuto da Cidade inclui a ordem urbanstica entre os direitos coletivos e difusos, o reconhecimento do direito moradia e a regularizao de parcelamentos e ocupaes do solo urbano esto entre as atribuies do Ministrio. O Ministrio Pblico, por exemplo, nos termos do art. 38 da lei n 6.766/79, pode noticar os loteadores a regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares. Mas seus principais instrumentos de atuao na esfera cvel, para a tutela da populao e da ordem urbanstica, so o inqurito civil e a ao civil pblica.

Defensoria Pblica

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

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Redatores de texto-base: Nelson Saule Jr., Karina Uzzo e Patrcia de Menezes Cardoso

O que a Defensoria Pblica? a instituio que presta servios de assistncia jurdica gratuita para a populao necessitada. A Constituio Federal diz que a Unio e os estados devem ter defensores pblicos que atuem na orientao e defesa dos direitos da populao de baixa renda perante a Administrao Pblica, o Poder Legislativo e o Judicirio.

Como a Defensoria Pblica pode atuar?

> > >

Prestando servios de assistncia jurdica gratuita para a populao de baixa renda nos processos de regularizao fundiria que envolve terras e reas pblicas da Unio; Formando nos estados uma equipe de defensores pblicos voltados a prestar assistncia jurdica gratuita nas aes de regularizao fundiria; Orientando a populao de baixa renda sobre os instrumentos legais e jurdicos disponveis para promover a regularizao fundiria;

>

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Requerendo aes administrativas e judiciais necessrias para a regularizao fundiria de forma individual ou coletiva.

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Como o municpio pode prestar o servio de assistncia jurdica gratuita?

> > >

Realizando um convnio com a Defensoria Pblica do Estado para ter um corpo de defensores pblicos trabalhando no municpio; Criando um servio municipal de assistncia jurdica para a populao de baixa renda que disponha de advogados de carreira selecionados mediante concurso pblico; Realizando convnios com departamentos jurdicos e escritrios-modelo das faculdades de Direito, associaes civis ou organizaes sociais pessoas jurdicas de direito privado sem ns lucrativos (OCIPs) , que tenham como nalidade a prestao dos servios de assistncia jurdica; Realizando convnio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) local para remunerar advogados que atuem no municpio prestando servios de assistncia jurdica; Criando uma equipe multidisciplinar para prestar os servios de assistncia jurdica e tcnica de forma integrada nos processos de regularizao fundiria.

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Setor privadoRedator de texto-base: Nelson Saule Jr.

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Como as empresas e empreendedores imobilirios podem atuar na regularizao fundiria?Os empreendedores imobilirios podem ser parceiros nos programas de regularizao fundiria utilizando instrumentos como a

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outorga onerosa do direito de construir (solo-criado) ou a operao urbana consorciada, que resultam em recursos que possam ser utilizados na regularizao como contrapartida da obteno de benefcios para empreendimentos imobilirios. Podem tambm realizar investimentos em regularizao como contrapartida da licena para realizao de empreendimentos de maior porte que produzam impactos nas vizinhanas. As empresas de construo e projeto podem tambm realizar estudos de viabilidade jurdica e urbanstica nas reas que se pretende regularizar e, ainda, elaborar e executar os planos e projetos de urbanizao e regularizao de forma integrada com a comunidade.

Moradores e suas AssociaesRedatores de texto-base: Nelson Saule Jr., Karina Uzzo e Patrcia de Menezes Cardoso

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

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Qual o papel da comunidade?A participao direta das pessoas envolvidas fundamental para o sucesso da regularizao, tanto para garantir a segurana da posse, como na luta por melhorias na comunidade. A organizao da populao deve se dar logo no incio do processo de regularizao. Se possvel, uma associao deve ser formalmente constituda, com um estatuto claro, que estabelea regras para a participao das pessoas envolvidas. Essa associao ser a interlocutora do processo de regularizao, acompanhando todas as etapas e participando diretamente das decises a serem tomadas.

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Como uma associao de moradores pode usar os instrumentos de regularizao?

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Organizando assemblias e reunies na comunidade e informando a documentao que cada morador deve reunir para solicitar a regularizao fundiria; Acompanhando o processo de regularizao dos assentamentos e exigindo o direito informao e participao nas decises mais importantes da Administrao Pblica; Cuidando do cadastramento socioeconmico dos moradores, para garantir seus nomes nos ttulos, contratos e sentenas; Participando em conjunto com a Prefeitura dos dilogos e/ou negociaes a serem realizadas com os diversos atores envolvidos na regularizao (cartrios, Corregedoria, Ministrio Pblico, rgos estaduais e federais etc.); Reivindicando e estimulando a realizao de campanhas pblicas que visem o esclarecimento dos diretos e o enfrentamento dos donos da terra, para evitar que enganem as pessoas ou as ameacem de morte etc.; Reivindicando a prestao do servio de assistncia tcnica e jurdica gratuita para entrar com possvel ao ou pedido administrativo; Requerendo os benefcios da justia gratuita para as despesas processuais, inclusive para o registro do ttulo no cartrio;parte ii | como regularizar?

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Representando a comunidade nos convnios e parcerias com a Prefeitura, universidades, ONGs, OAB local etc.; Para requerer o Usucapio, a associao de moradores dever ser constituda como pessoa jurdica, que servir como representante legal dos moradores para entrar com a ao judicial;

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Para requerer a Concesso Especial de Uso para ns de Moradia a associao de moradores poder encaminhar pedido administrativo ao chefe do Poder Executivo (Prefeitura, Governo do Estado ou Governo Federal) que for responsvel pela rea pblica ocupada.

Ver na pgina 156 um modelo de estatuto de uma associao de moradores formalmente constituda.

Organizaes no-governamentais (ONGs)Redatores de texto-base: Nelson Saule Jr., Karina Uzzo e Patrcia de Menezes Cardoso

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Como as organizaes no-governamentais podem atuar no processo de regularizao?

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Organizando a comunidade por meio de reunies para discutir os problemas a enfrentar e as possibilidades de ao conjunta, levando em conta as caractersticas especcas de cada lugar; Realizando seminrios, cursos, campanhas, atividades educativas e fornecendo material educativo para informar a populao a respeito de seus direitos e de como reivindic-los; Capacitando agentes comunitrios para se tornarem lderes do movimento de moradia, conselheiros do oramento participativo, agentes multiplicadores de cidadania; Assessorando a Administrao Pblica nos processos de regularizao fundiria por meio de consultoria jurdica, realizao de diagnsticos, levantamento topogrco e altimtrico-cadastral, e elaborando projetos tcnicos;

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Assessorando as associaes de moradores a levantar os documentos necessrios para a requisio do Usucapio e da concesso para realizar o cadastramento dos moradores; Prestando assessoria jurdica nas aes de regularizao fundiria.

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De que forma as ONGs podem prestar assistncia tcnica ou jurdica?As associaes civis sem fins lucrativos e as OCIPs que tenham no estatuto o objetivo de prestar assessoria tcnica e jurdica populao carente podero rmar convnios e parcerias com as prefeituras, universidades privadas e pblicas etc., a m de prestarem assistncia tcnica ou jurdica gratuita para a populao de baixa renda. Alm disso, desde que autorizados, podem se tornar os representantes legais da comunidade. Ver na pgina 174 o modelo de um contrato de parceria adotada pelo Governo do Estado de So Paulo atravs da Procuradoria de Assistncia Judiciria vinculada Procuradoria Geral do Estado , que tem possibilitado a celebrao de convnios com ONGs para prestao de servios com recursos do Fundo Estadual de Assistncia Jurdica.

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Tipos de irregularidade e procedimentos para enfrent-lasConjuntos habitacionais pblicosRedatora de texto-base: Letcia Marques Osrio

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O que so conjuntos habitacionais pblicos?So casas ou prdios de apartamentos instalados em reas de propriedade da Administrao Pblica. Em geral esses conjuntos foram edicados no mbito do Sistema Financeiro de Habitao (SFH), no perodo de 1964 a 1986, por meio das companhias, secretarias, departamentos estaduais ou municipais de habitao (COHABs, SEHABs ou DEMHABs), com recursos emprestados do FGTS, geridos pelo Banco Nacional de Habitao (BNH).

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Quando ocorrem as irregularidades urbansticas nos conjuntos habitacionais pblicos?

Quando o projeto de construo no foi aprovado pelo municpio; Quando a infra-estrutura necessria no foi instalada; Quando no foi feito o registro imobilirio; Quando o conjunto est em desacordo com o padro de uso e ocupao do solo.

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Quando ocorrem as irregularidades jurdicas?Quando o estado ou o municpio no transfere a unidade habitacional atravs de um ttulo com carter de escritura pblica para a pessoa beneciada, que quitou o valor do contrato habitacional rmado. Essa irregularidade pode decorrer das seguintes situaes:

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O estado ou o municpio no tem o direito de posse ou no concluiu os processos judiciais de desapropriao; A ocupao de prdios e casas vazias ou inacabadas ocorreu sem a autorizao do poder pblico normalmente no caso de obras paralisadas; Os moradores mudaram-se para as unidades mediante contratos de gaveta; Houve inadimplncia na quitao dos nanciamentos; Houve ocupao das reas verdes e institucionais do conjunto.

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Como proceder quando os moradores possuem contratos de nanciamento de aquisio da moradia? preciso criar uma soluo para a inadimplncia contratual. O rgo responsvel dever adotar uma poltica que possibilite o pagamento de parcelas atrasadas, diminua a inadimplncia ou aponte para a quitao antecipada dos contratos. Isso necessrio para que o morador salde sua dvida e quite o contrato ao nal da regularizao do empreendimento. Para tanto, preciso haver uma lei federal, estadual ou municipal (dependendo do agente nanceiro responsvel) autorizando a renegociao de dvidas ou a quitao antecipada com condies especiais para os muturios.

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Como proceder quando os moradores no possuem contrato?No havendo contrato entre o rgo habitacional e o morador, ou havendo contrato de gaveta, a soluo para uma nova contratao ou para a regularizao da pendncia dever ocorrer no nal do processo de regularizao do empreendimento pelo poder pblico. Uma lei estadual ou municipal dever prever as condies e a modalidade das novas contrataes, que podero ocorrer mediante contrato de compra e venda ou CDRU. Caso j exista a lei, os critrios e as condies de contratao podero ser denidos no Conselho Estadual ou Municipal de Habitao. Sugere-se que a negociao seja feita diretamente entre os muturios ou ocupantes e as entidades que os representam. Poder ainda recorrer-se Concesso Especial de Uso para ns de Moradia, desde que atendidos os requisitos.

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Quais so as leis que podem ser utilizadas para regularizar a titulao da rea do conjunto habitacional?

Lei no 6.015/73, art. 167, 36, alterado pela lei n 9.785/99, que permite o registro provisrio de posse concedido Unio, estados, Distrito Federal, municpios ou suas entidades quando o propsito for a execuo de parcelamento popular com nalidade urbana; Lei no 6.766/79, art. 18, 4, inserido pela lei n 9.785/99, que dispensa a apresentao de ttulo de propriedade de imvel quando o poder pblico submeter o registro do projeto de loteamento onde est o conjunto habitacional. Isso possvel desde que haja processo de desapropriao judicial em curso e declarao provisria de posse. O que signica que o poder pblico no precisa aguardar o trmino do processo judicial de desapropriao para iniciar o processo de regularizao na condio de proprietrio da rea.

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Como proceder para regularizar o parcelamento da rea do conjunto habitacional?No caso de o empreendimento ter sido realizado pelo estado, sugerese que seja estabelecido um processo de discusso e atuao cooperada com o municpio, porque inmeras etapas so de competncia municipal. As etapas da regularizao so as seguintes:

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Realizar levantamento topogrco-cadastral da rea para o registro do parcelamento do solo; Elaborar um projeto urbanstico baseado nesse levantamento, redenindo os usos e padres de ocupao de solo e adequando-os realidade atual. As reas verdes e institucionais ocupadas devero constar no novo projeto como reas habitacionais. Para adequar os projetos realidade da ocupao pode ser necessria a instituio de uma ZEIS; Se for preciso alterar o uso do solo rural para ns urbanos, dever haver modicao da lei municipal de uso do solo ou do Plano Diretor, mediante audincia do INCRA; Se for constatada a ocupao irregular de reas condominiais dos prdios por outros usos (garagens, comrcio, pequenas habitaes), necessrio um amplo debate e uma negociao com os moradores para denir critrios de regularizao; Com o projeto urbanstico discutido e aprovado pelo municpio e pela comunidade, necessrio elaborar os memoriais descritivos das quadras, lotes e reas verdes ou institucionais para fazer o registro;parte ii | como regularizar?

O poder pblico dever implantar infra-estrutura bsica nos conjuntos habitacionais e nas reas verdes ou institucionais ocupadas, promovendo as obras aprovadas de urbanizao; A regularizao do parcelamento do solo poder ser efetivada no registro de imveis, ou judicialmente, mediante ao de reticao ou regularizao de parcelamento;

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A regularizao exige extensa documentao. Em muitos estados a respectiva Corregedoria do Tribunal de Justia pode expedir provimentos simplicando a documentao e o procedimento judicial.

Em alguns estadosEm alguns estados como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Rio de Janeiro no so exigidas, para viabilizar a regularizao dos loteamentos, a aprovao por parte dos rgos ambientais ou metropolitanos, nem as certides negativas de dbito do INSS ou a carta de habite-se. Decises judiciais proferidas nos processos n 00101912674 (conjunto residencial Rubem Berta) e n 00103591047 (conjunto residencial Costa e Silva) da Vara dos Registros Pblicos de Porto Alegre conrmaram esse entendimento.regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

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Como proceder regularizao das unidades habitacionais?

Deve ser realizado memorial descritivo relativo individualizao dos apartamentos; Em estados onde no existam os provimentos que simplicam a regularizao, deve-se buscar judicialmente uma soluo adequada para o caso; Regularizado o loteamento e as unidades habitacionais, estas devem ser individualizadas em nome do poder pblico, com exceo daquelas j quitadas, cuja propriedade dever ser registrada em nome do comprador. O compromisso de compra e venda, as cesses e as promessas de cesso valero como ttulo para registro da propriedade do imvel adquirido;

O nus hipotecrio sobre o imvel, se houver, deve ser transferido para as matrculas individualizadas, considerando-se o valor do nanciamento para a aquisio das unidades autnomas; Nos casos de ocupaes sem contrato de unidades habitacionais, institucionais para ns de moradia, ou reas verdes o poder pblico poder obter autorizao legislativa para fazer um contrato no futuro. A regularizao poder ser feita tambm por meio da CDRU ou pela Concesso Especial de Uso para ns de Moradia; Para reduzir custos de registro e escritura dos imveis, recomenda-se o dilogo com os Colgios Registrais dos Estados e o Colgio Notarial do Brasil para estabelecer convnios que diminuam os custos de registro e tambm com os municpios, para negociar valores de ITBI.

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O Convnio n 1161855 celebrado entre a COHAB/RS, o Colgio Notarial do Brasil e o Colgio Registral do RS reduziu em at 80% os custas de registro e escriturao. Ver mais informaes na pgina 129.

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Como lidar com as restries da legislao ambiental na regularizao dos conjuntos habitacionais?As restries que ocorrem nesses casos so as mesmas que incidem em outras situaes de irregularidade: exigncia de reas mnimas non aedicandi junto a arroios e crregos, exigncias de licenciamento para implantao da urbanizao e exigncias quanto ao tratamento do esgoto sanitrio. O problema no so as exigncias em si, mas o momento em que so exigidas: ao se iniciar a regularizao e a urbanizao, todos os rgos passam a exigir a implantao/complementao de obras no realizadas quando da edicao dos conjuntos habitacionais. Uma diculdade adequar os prazos das obras de urbanizao com aqueles estabelecidos para a expedio e validade dos licenciamenparte ii | como regularizar?

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tos ambientais. Outro problema que geralmente o licenciamento concedido por rgo estadual, ocasionando o estabelecimento dos mesmos padres e critrios para as diferentes realidades municipais. As prefeituras devem criar procedimentos claros para a regularizao: envolver todos os rgos afetos questo, esclarecer qual a documentao necessria, a que lugar o cidado deve se dirigir para cada etapa, quais so as competncias de cada agente, como demandar os investimentos no oramento participativo ou nos Conselhos etc.

Conjuntos habitacionais privadosRedator de texto-base: Jacques Alfonsin

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

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O que so conjuntos habitacionais privados?Os conjuntos habitacionais populares so considerados privados por serem constitudos de apartamentos ou de casas em reas particulares por empresas, empreendedores e incorporadores imobilirios. Esses empreendimentos foram geralmente promovidos com recursos do Sistema Financeiro da Habitao.

Como proceder quando as posses de moradias foram adquiridas por contrato de compra, com garantia hipotecria e nanciamento de agentes nanceiros?A irregularidade acontece quando muturios dos contratos de nanciamento das unidades habitacionais esto pagando as prestaes dos contratos atravs de aes judiciais de consignao em pagamento, na maioria das vezes por divergncia no clculo do valor das prestaes devidas. O titulo de propriedade das unidades habitacionais somente ser obtido depois da soluo das aes judiciais e a quitao do valor do nanciamento.

Nessa situao o apoio aos muturios e suas associaes, concedido pelas entidades de defesa de direitos, rgos de defesa do consumidor (Procons) e de prestao de servios de assistncia jurdica gratuita (Defensoria Pblica), fundamental para a defesa dos direitos dos muturios perante os agentes nanceiros, visando a regularizao fundiria denitiva de tais conjuntos A representao direta dos muturios em juzo, conforme o caso, ou o auxlio representao que j est sendo feita, deve-se valer do servio de assessoria tcnica, que indispensvel para o clculo do valor exato das prestaes devidas aos credores (sejam eles cooperativas habitacionais ou agentes nanceiros), para aproveitamento de direitos dos possuidores que facilitem a quitao integral das dvidas (por exemplo, uso do FGTS e novas disposies sobre o FCVS previstas na lei n 10.150/2000 relacionadas com contratos de mtuo hipotecrio mais antigos), tudo passvel de transao em Juzo ou de sentena que reconhea tais direitos.

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Como proceder quando os muturios esto impedidos de ter o registro pblico de seus contratos de compra e venda, por irregularidades na titulao da rea do conjunto habitacional?A irregularidade acontece quando a construo j est concluda, mas os muturios esto impedidos de registrar seus contratos nos Cartrios de Registro de Imveis por irregularidades anteriores. Por exemplo, no caso de transcries obrigatrias que deixaram de ser feitas pelas pessoas jurdicas alienantes dos imveis. Se as leis sobre condomnios e incorporaes (n 4.591/64) e sobre loteamentos (n 6.766/79) forem interpretadas de maneira combinada, os compradores de unidades em conjuntos habitacionais tm direito de depositar as prestaes no Cartrio de Registro de Imveis onde eles esto transcritos ou em juzo, em vez de pagarem sua dvida parcelada diretamente aos alienantes, at que a situao sobre a titulao da propriedade seja regularizada.

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A regularizao fundiria ocorre com a promessa de compra e venda devidamente registrada no Cartrio de Registro de Imveis como ttulo do imvel que foi adquirido pelo contrato de nanciamento.

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Como proceder quando as posses de moradias so derivadas de ocupaes de unidades situadas em conjuntos j construdos ou semiconstrudos, sem as cartas de habite-se liberadas?A regularizao fundiria de todas ou de algumas das unidades que se encontram nessa situao depende, na maioria das vezes, de pequenas adaptaes das construes s plantas que serviram para o licenciamento das obras e que deixaram de ser obedecidas pelos construtores ou, mesmo no caso de terem sido obedecidas, quando a scalizao pblica detectou desconformidade entre o material de construo previsto e o executado. A responsabilidade por essas falhas no poder recair sobre os compradores das unidades, cabendo s associaes de moradores socorrerem-se do poder da Administrao Pblica ou do Poder Judicirio, para que as irregularidades sejam resolvidas, valendo-se para isso de todas as sanes que a lei colocar disposio dos prejudicados.

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Como proceder quando as posses de moradias derivam de contratos de gaveta?A orientao que vem ganhando fora nos tribunais do pas a de que, mesmo que o agente nanceiro que possibilitou a construo do conjunto habitacional no tenha cado ciente de que o comprador original j no possui mais a unidade, no todo ou em parte, mas sim outra pessoa por meio do contrato de gaveta (simples cesses de posse, por exemplo), a posse deve ser respeitada, desde que as condies do contrato original estejam sendo cumpridas.

O direito moradia o fundamento para se abrir uma negociao de novas bases contratuais entre os atuais possuidores das unidades habitacionais e os agentes nanceiros, de modo a adequar o valor das prestaes s condies de renda dos cessionrios das posses.

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Como proceder quando as posses de moradias originam-se de ocupaes massivas antigas, no contestadas por quem de direito?Nos conjuntos habitacionais em que os possuidores das unidades autnomas com rea de at 250m2 possam provar que exercem as posses exclusivamente para ns de moradia, por prazo igual ou superior a cinco anos, deve ser utilizado o instrumento do Usucapio Urbano. Esse instrumento cabvel quando no h oposio judicial dos proprietrios do conjunto habitacional (empreendedor ou agente nanceiro). Sem ter recebido aviso, noticao ou citao, de quem tinha direito de oposio s ditas posses, os atuais possuidores podem se habilitar ao Usucapio das suas respectivas unidades, seja individualmente, seja por meio de associao, quando essa forma de regularizao melhor atender aos interesses e direitos que estiverem em causa. Tais possuidores podem se habilitar ao Usucapio dos imveis, seja na forma do ajuizamento das aes judiciais tendentes a ver declarado o seu domnio, seja na forma de defesa contrria a aes judiciais contra eles propostas (ver pgina 107).

No caso de no ser cabvel o Usucapio Urbano existem outros direitos, previstos tanto pelo Estatuto da Cidade como pelo Cdigo Civil: o Direito Real de Uso Resolvel, o Direito de Superfcie e, at mesmo, o Direito de Habitao. A utilizao do Direito de Superfcie previsto no Estatuto da Cidade e no novo cdigo civil pode ocorrer quando o proprietrio da rea

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O que fazer quando no for possvel usar o Usucapio Urbano?

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sobre a qual est construdo um conjunto habitacional concede aos possuidores do mesmo o direito de construir o que j construiram. Este direito pode ser concedido para ns de regularizao naqueles casos em que a ocupao do conjunto habitacional deu-se quando apenas os alicerces, ou pouco mais do que isso, tinham sido edicados pelo agente construtor do conjunto. Com base no Estatuto da Cidade o contrato de concesso do direito de superfcie entre o proprietrio e os possuidores poder ser celebrado de forma onerosa, com o objetivo de compensar todas as despesas que os possuidores tiveram com as acesses e benfeitorias introduzidas no conjunto. Uma alternativa para moradores de conjuntos habitacionais privados que tm posses no tituladas pode ser encontrada no direito real de habitao, regulado pelo novo Cdigo Civil, que entra em vigor em janeiro de 2003 (arts. 1.414 e 1.416). Trata-se de uma outra forma jurdica de garantir o direito moradia previsto no art. 6o da Constituio Federal.

regularizao da terra e da moradia: o que e como implementar

Por meio da constituio desse direito, a pessoa jurdica proprietria do conjunto pode transferir a posse de qualquer das unidades (apartamentos ou casas) aos seus atuais possuidores, por um prazo determinado. Embora a lei preveja que uma tal transferncia tenha de ser obrigatoriamente gratuita, j que os conjuntos habitacionais aqui estudados, de regra, esto sujeitos aos crditos reais de hipoteca, pode parecer uma contradio a cesso de uma posse gratuita. Isso no impede contudo que tal direito, em circunstncias de extrema necessidade e urgncia, sirva de regularizao fundiria para posses provisrias, exercidas, por exemplo, por pessoas que e