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6 a edição • Revista, ampliada e atualizada Gustavo Scatolino João Trindade Manual Didático de DIREITO ADMINISTRATIVO 2018

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6a edição • Revista, ampliada e atualizada

Gustavo ScatolinoJoão Trindade

Manual Didático de

DIREITOADMINISTRATIVO

2018

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CAPÍTULO I

NOÇÕES PRELIMINARES

Sumário -

-

1. RELEVÂNCIA DO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O estudo do direito administrativo é pressuposto para o de outras matérias ou, ao menos, para sua devida compreensão. No estudo, por exemplo, de finanças públicas, a Constituição por diversas vezes faz referência aos institutos do direito administrativo, mencionando Administração Direta, Indireta e demais órgãos e entidades públicas.

É matéria que tem estreita relação com o direito constitucional, pois na Carta de 1988 foi destinado capítulo específico à “Administração Pública”; com o direito processual civil, pois com o advento da Lei nº 9.784/99 foram emprestados diversos institutos ao processo administrativo; com o direito penal, pois existem tipos penais previstos, por exemplo, “Crimes contra a Administração Pública”; o direito tributário tem sua base no direito administrativo e por vezes o completa, por exemplo, o conceito de poder de polícia, presente no art. 78 do CTN.

É também a partir do direito administrativo que mais bem se compreendem diversos temas discutidos pelos veículos de comunicação: privatização, fiscalização, poder de polícia, abuso de poder, irregularidades em obras públicas, moralidade administrativa, responsabilidade do Estado em razão dos danos causados etc.

Trata-se de matéria que não possui codificação. Ao contrário de muitos ramos do direito, a exemplo do direito penal e direito civil, o direito administrativo não contém legislação reuni-da em um único documento. O que há são várias leis esparsas tratando de matérias específicas. Contudo, com o advento da Lei nº 9.784/99, houve a reunião, em um mesmo diploma legal, de regras básicas a serem observadas pela Administração Pública, tratando de princípios administra-tivos, competência, atos administrativos, recursos administrativos. Porém, não é correto afirmar estarmos diante de um “Código de Direito Administrativo”.

Estamos diante de uma matéria que, a princípio, não desperta muito o interesse dos estudan-tes, sobretudo daqueles que percorrem os primeiros passos no universo jurídico. Contudo, não é matéria que possa passar despercebida pelo estudioso, pois se assim proceder, inevitavelmente, terá de retroceder nos seus estudos para compreender esse ramo, que é caminho para os demais ramos do Direito.

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Os operadores do Direito de diversas áreas convivem diariamente com os institutos do direito administrativo, inclusive de todos os Poderes do Estado, pois o exercício da função administrativa é ínsito a todos eles, desde o órgão mais subalterno da Administração Pública que, por exemplo, realiza uma licitação, até os órgãos mais elevados. Cite-se o tema da privatização dos aeroportos, que envolve todos os conceitos apreendidos: contratos administrativos, licitação, princípios, bens públicos, serviços públicos, entre outros.

Advirta-se, então, aqueles que almejam galgar cargos públicos. Seja no Poder Executivo, Legislativo ou Poder Judiciário: não há concurso público que deixe de fora os principais assuntos do direito administrativo.

Na advocacia, seja pública ou privada, o Direito Administrativo é um campo inesgotá-vel de assuntos que fazem parte do cotidiano do advogado como, por exemplo, matérias sobre concurso público, licitação etc.

2. RAMO DO DIREITO PÚBLICO (TAXINOMIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO)

O direito privado se constitui, principalmente, das normas que regulam as relações entre os particulares. Trata-se do conjunto de normas (regras e princípios) que regulam as relações entre particulares que se encontram em uma situação de equilíbrio de condições. Não se pode esquecer que a Administração Pública, por vezes, poderá praticar atos regidos pelo direito privado. Nesse caso, não atuará com relação de supremacia diante do cidadão. Em determinadas situações, o regime privado poderá sofrer influências de normas de direito público.

O direito público é ramo jurídico que possui o escopo de atender aos interesses públicos. Convém ressaltar que o interesse público a ser concretizado deve ser o interesse público primário; vale dizer: o interesse da coletividade.

O Estado, ao utilizar a máquina administrativa, não deve buscar seus próprios interesses (interesse público secundário), mas sim os interesses da coletividade, que é o interesse público propriamente dito. Entretanto, no Brasil, a história é pródiga em demonstrar que esse objetivo por vezes permanece adormecido, uma vez que o Estado, em muitos casos, almeja apenas saciar o próprio interesse, esquecendo-se de que seu fim último deve ser a satisfação da sociedade, pois é ela que lhe dá condição de existência.

3. CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

O conceito e o conteúdo do direito administrativo variam conforme o critério adotado pelo doutrinador. Dos estudos doutrinários e dos sistemas legais decorreu o surgimento de várias teorias, entre elas: do Poder Executivo; a do Serviço Público (Escola do Serviço Público); a Teleológica; negativista; e da Administração Pública. Para alguns, o direito administrativo pode ser conceituado como sendo tão somente um conjunto de leis administrativas; a reunião de atos do Poder Executivo (Poder Exe-cutivo); os princípios que envolvem a Administração Pública (critério da Administração Pública); a disciplina, organização e regência da prestação de serviços públicos (serviço público); o sistema de princípios que norteiam o atendimento dos fins do Estado (teleológico ou finalístico); ou, por fim, o ramo do direito que regula toda a atividade que não seja legislativa ou jurisdicional (negativista).

Vejamos, então, com mais detalhes, as teorias que surgiram para definir o direito administrativo:

a) Escola do serviço público. Formou-se na França. Inspirou-se na jurisprudência do conselho de Estado francês, a partir do caso Blanco, em 1873 (Pietro 2002). Para essa corrente, o direito administrativo é o ramo do direito que estuda a gestão dos serviços públicos. Teve

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como defensores Duguit, Jèze e Bonnard. Segundo essa teoria, qualquer atividade prestada pelo Estado é serviço público. No entanto, tal teoria perde força, em virtude de que nem todas as atividades estatais se resumem em serviço público, como, por exemplo, o poder de polícia. Ademais, é possível, com a ampliação das atividades estatais, o exercício de atividade econômica, que, para muitos, não se confunde com serviço público.

b) Critério do Poder Executivo. Para essa teoria, o direito administrativo se esgota nos atos praticados pelo Poder Executivo. Contudo, exclui os atos do Poder Legislativo e do Judiciário no exercício de atividade administrativa, restringindo, sobremaneira, o direito administrativo ao âmbito do Poder Executivo. Essa teoria não considera a função política exercida pelo Poder Executivo, que não se confunde com a função administrativa.

c) Critério teleológico (ou finalístico). Conjunto de normas e princípios que norteiam o atendimento dos fins do Estado.

d) Critério negativista ou residual. Por exclusão, encontra-se o objeto do direito administra-tivo: aquilo que não for pertinente às funções legislativa e jurisdicional será objeto do direito administrativo.

e) Critério da Administração Pública: Conjunto de normas e princípios que regem Admi-nistração Pública.

f ) Critério das atividades jurídicas e sociais do Estado: Direito Administrativo é o con-junto dos princípios que regulam a atividade jurídica não contenciosa do Estado e a constituição dos órgãos e meios de sua atuação em geral.

g) Escola da puissance publique ou potestade pública (distinção entre atividades de auto-ridade e atividades de gestão): Por essa escola há a distinção entre atividades de autori-dade e atividades de gestão. No primeiro caso, o Estado atua com autoridade sobre os particulares, com poder de império, por um direito exorbitante do comum; por outro lado, nas atividades de gestão, o Estado atua em posição de igualdade com os cidadãos, regendo-se pelo direito privado.

Leon Dugui, adepto da escola do serviço público, era um ‘opositor’ da teoria da potes-tade pública, pois para a escola do serviço público não havia a distinção entre atos de império e atos de gestão.

A fim de explicar melhor a teoria da potestade publica, trazemos trechos de artigo escrito por Cretella Júnior sobre Prerrogativas Públicas:

“Tratando da puissance publique, que é a nossa potestade pública, escreve RIVE-RO: "A S relações entre particulares são baseadas na igualdade jurídica. Nenhuma vontade privada é, por natureza, superior a outra, a tal ponto que se imponha a esta contra sua vontade, o que ocorre porque o ato que caracteriza as relações privadas é o contrato, ou seja, o acordo de vontades. A Administração, entretanto, que deve satisfazer ao interesse geral, não poderia atingir tal objetivo se estivesse no mesmo pé de igualdade com os particulares. ”

Segundo Cretella Junior, em fins do século passado e início deste, o direito administrativo tem sido considerado como disciplina alicerçada na ideia matriz de potestade pública, empenhando-se a doutrina em construir a teoria dos atos de império e dos atos de gestão, que tanta polêmica despertou entre os publicistas. A atividade de potestade pública era paralela à de ato de impé-rio — de "imperium" —, típica das operações do direito administrativo, quando intervinha o Estado,

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condicionado por um regime especial, derrogatório do direito comum, bastante diferente da atividade de direito privado, caracterizada por atos de gestão, regulados por u m regime de direito privado.

"A atividade de potestade pública", argumentava-se, "é aquela em que os órgãos do Estado procedem por meio de ordens, interdições, regulamentações unilaterais, manifestando, em suma, uma vontade imperante. Os órgãos do Estado executam, assim, atos de potestade pública" (LAUBADÈRE André, Traité de droit adminis-tratif, 3ª ed., 1963, vol. I,)

Objeções de toda sorte, feitas por Duguit, no Tratado (DUGUIT Léon, Traité de droit cons-titutionnel, vol. II, pág. 263), e pelo Comissário Teissier, na clássica e metafísica distinção entre os atos jus imperii e os atos jus gestionis, não conseguiram abalar a noção de puissance publique, nem invalidar a série de prerrogativas que dela decorrem.

Empregada com acepção quase impossível de apreender-se, a expressão potestade pública ("puissance publique") é, na realidade, noção concreta e precisa, porque designa a situação toda especial que cerca a Administração, dotando-a de atributos necessários e suficientes para confe-rir-lhe uma série de prerrogativas — e também de restrições ou de sujeições —, exorbitantes do direito comum, inexistentes nas pessoas jurídicas de direito privado

Da potestade pública ou potestas imperii advém a situação privilegiada da Administração, desnivelando-a diante do particular e tornando-a idônea para impor, em condição bastante van-tajosa, sua vontade, em nome do interesse público.

A Administração ficaria inerte, paralisada, se cada vez que pretendesse movimentar-se, efeti-vando os atos administrativos editados, precisasse consultar os interesses privados atingidos. Por isso, o Estado dotou os órgãos administrativos de um poder ou potestade para vencer a injusti-ficada resistência do particular recalcitrante. As decisões administrativas, tomadas com vistas ao interesse público, impõem-se sem prévia consulta ao administrado e, muitas vezes, sem o título hábil expedido pelo Judiciário, como ocorre no âmbito do processo civil comum.

A potestade pública, o poder de império, revela-se no mundo jurídico de modo eficaz, visto cercar-se de prerrogativas públicas, benefícios evidentes que reforçam sua atuação coativa no choque com o particular.

A potestade pública é o regime jurídico que se distingue, ao mesmo tempo, por prerroga-tivas e por sujeições, por máximos e mínimos, exorbitantes e derrogatórios do direito comum, reconhecidos e impostos a todos os que operam em nome e no exercício da soberania nacional (VEDEL Georges, Droit administratif, 4a ed., 1968, pág.)”

Em resumo, a teoria da potestade pública ou puissance publice diz respeito ao conjunto de prerrogativas que tem a Administração Pública quando atua em face do particular na prática de atos de império. (palavras chave: atos de império – prerrogativas da Administração Pública).

Em provas de concurso encontramos ocorrência da citada teoria:

TRF 1 – 2017 – Analista Judiciário – Área Judiciária

Segundo a escola da puissance publique, as prerrogativas e os privilégios que o Estado possui frente ao particular constituem critério definidor do Direito Administrativo.

Certa.

TRF 1 – 2017 – Analista Judiciário – Área Judiciária

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A escola da puissance publique distingue-se da escola do serviço público por conceituar o direito administrativo pela coerção e pelas prerrogativas inerentes aos atos de império, diferen-ciando-os dos atos de gestão.

CertaAno: 2014 Banca: FCC Órgão: Prefeitura de Cuiabá – MT Prova: Procurador Municipal

Desenvolvida em fins do século XIX e início do século XX, essa corrente doutrinária, ins-pirada na jurisprudência do Conselho de Estado francês, era capitaneada pelos doutrinadores franceses Léon Duguit e Gaston Jèze, os quais buscavam, no dizer de Odete Medauar, “deslocar o poder de foco de atenção dos publicistas, partindo da ideia de necessidade e explicando a gestão pública como resposta às necessidades da vida coletiva" (O Direito Administrativo em Evolução, 2003:37). Estamos nos referindo à Escola.

a) da Administração Social. b) da Administração Gerencial.c) do Serviço Público. d) da Potestade Pública.e) Pandectista.Letra CAno: 2006 Banca: FAPEC Órgão: PC-MS Prova: Delegado de Polícia

Acerca do ato administrativo, assinale V para o VERDADEIRO e F para o FALSO. ( ) ato jurídico, editado pelo Estado, em matéria administrativa, é denominado ato institucional; ( ) ato que o Estado edita como senhor e como detentor de potestade pública, é denominado

ato de império e gestão; ( ) a motivação do ato administrativo, no estado de Direito, em regra é obrigatória; ( ) todo ato administrativo é espécie do gênero ato jurídico; ( ) autoexecutoriedade do ato administrativo é o traço peculiar ao ato, pelo qual a Admi-

nistração concretiza imediatamente as decisões tomadas, sem recorrer, para isso, ao Judiciário. Assinale a alternativa que apresenta a seqüência correta:a) V – V – V – V – F;

b) V – F – V – V – V.

c) F – V – V – V – V;

d) F – F – V – V – V;

e) F – F – F – V – V;

Letra D

4. FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

A) Lei

A lei é a fonte primária e principal do direito administrativo. Vai desde a Constituição Fe-deral (arts. 37 a 41) até os atos administrativos normativos inferiores. Assim, a lei como fonte do

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direito administrativo é a lei em sentido amplo, ou seja, a lei feita pelo Parlamento e também atos normativos expedidos pela Administração, por exemplo, decretos e resoluções.

Sendo a lei a fonte primária (formal, primordial) do direito administrativo, prevalece sobre as demais (doutrina, jurisprudência e costumes). Essa será a regra geral. As demais que veremos a seguir são consideradas fontes secundárias, acessórias ou informais.

B) Doutrina

São teses de doutrinadores que influenciam nas decisões administrativas, como no próprio direito administrativo. Visa a indicar a melhor interpretação possível da norma administrativa ou indicar as possíveis soluções para casos concretos.

COMO ESSE ASSUNTO TEM SIDO ABORDADO NAS PROVAS

(MCT/FINEP/CESPE/2009)-

C) Jurisprudência

É a reiteração de julgamentos no mesmo sentido. São decisões de um Tribunal que vão na mesma direção. Por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência de que candi-dato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital tem direito a nomeação.1 Ou seja, são diversas decisões desse Tribunal com o mesmo entendimento final.

A jurisprudência não é de seguimento obrigatório. Trata-se apenas de uma orientação aos demais órgãos do Poder Judiciário e para a Administração. Porém, com as alterações promovidas desde a CF/88, esse caráter orientador da jurisprudência vem deixando de ser a regra. Citem-se, por exemplo, os efeitos vinculantes das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na ação direta de inconstitucionalidade (ADI), na ação declaratória constitucionalidade (ADC) e na arguição de descumprimento de preceito fundamental, e, em especial, com as súmulas vinculantes, a partir da Emenda Constitucional nº 45/04. Nessas hipóteses, as decisões do STF vinculam e obrigam a Administração Pública direta e indireta dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, conforme prevê o art. 103-A da CF.

A súmula vinculante não é uma lei. A lei tem por finalidade criar regras de comportamento de maneira geral e abstrata. Já a confecção de súmula vinculante é exercício de atividade juris-dicional, pois conforme o art. 103-A, da CF, a súmula vinculante terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Assim, quando o STF edita súmula vinculante está interpretando a Constituição e dando o exato sentido das normas Constitucionais.

A súmula é uma síntese daquela jurisprudência que está pacificada, e, naquele momento, não há mais discussão sobre o assunto. Por exemplo:

DJe

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Súmula nº 373, STJ – “É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissi-bilidade de recurso administrativo.”

Súmula nº 473, STF – “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

A jurisprudência tem caráter vinculante para a Administração Pública?

A jurisprudência não vincula a Administração; serve apenas de orientação. Mas cabe destacar que a Lei nº 9.784/99 exige a motivação quando a jurisprudência deixar de ser aplicada.

A súmula também não vincula a Administração, servindo apenas de orientação. Entretanto, se o Supremo Tribunal Federal editar súmula vinculante, esta, por determinação da Constituição, art. 103-A, será obrigatória para toda a Administração Pública, Direta e Indireta, de todos os níveis da Federação (União, estados, Distrito Federal e municípios) e para todo o Poder Judiciário. Por exemplo, a Súmula Vinculante nº 21: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.”

D) Costumes

São práticas reiteradas observadas pelos agentes públicos diante de determinada situação. No direito administrativo o costume pode exercer influência em razão da carência da legislação, completando o sistema normativo (costume praeter legem) ou nos casos em que seria impossível legislar sobre todas as situações. Por exemplo, no procedimento do leilão, modalidade de licitação, em que a lei não o disciplinou detalhadamente assim como fez com a modalidade concorrência. Ou, por exemplo, quando no município não há imprensa oficial, a divulgação dos atos oficiais deve ocorrer nos meios de costume que, geralmente, o meio utilizado é a fixação do ato no mural da prefeitura ou praça.

Lucas Rocha Furtado ressalta que2 “O costume deve ser igualmente visto como fonte secundária de direito administrativo. Se por costume os administradores adotam determinada interpretação das normas jurídicas, a fonte primária será aquela de onde surgiu a norma – a lei, o decreto, a jurisprudência etc. O costume contrário à lei é fonte tão somente de ilegalidade e não pode ser arguido como pretexto para favorecer servidores públicos ou particulares ou para manter práticas infelizmente ainda frequentes em nosso Direito”.

Os costumes não podem se opor à lei (contra legem), pois ela é a fonte primordial do direito administrativo, apenas devem auxiliar a exata compreensão e incidência do sistema normativo.

O costume pode gerar direitos para os administrados, em razão dos princípios da lealdade, boa-fé, moralidade administrativa, entre outros, uma vez que determinado comportamento rei-terado da Administração Pública gera uma expectativa em geral de que essa prática seja seguida nas demais situações semelhantes.

Há certa divergência doutrinária acerca da aceitação dos costumes como fonte do direito administrativo. Porém, para concursos encontramos mais ocorrências no sentido de que o cos-tume é fonte do direito administrativo. Contudo, é uma fonte secundária (acessória, indireta

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ou mediata), pois a fonte primária (imediata) é a lei. Foi considerado incorreto o seguinte item em concurso feito pelo Cespe: “O costume não pode ser considerado fonte do direito admi-nistrativo, haja vista o princípio da legalidade ser um dos princípios da administração pública” (Cespe – Capes – 2012).

Veja no final deste capítulo em Tópicos Avançados a diferença entre praxe administrativa e costumes.

5. SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

É o regime adotado pelo Estado para a correção dos atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados pelo Poder Público.

A) Sistema do contencioso administrativo / Sistema francês

Veda ao Poder Judiciário conhecer dos atos da Administração, que se sujeitam unicamente à jurisdição especial do contencioso administrativo. Não é adotado no Brasil.

Nesse sistema todos os tribunais administrativos sujeitam-se diretamente ou indiretamente ao controle do Conselho de Estado, que funciona como juízo de apelação e, excepcionalmente, como juízo originário.

Entre outros inconvenientes, sobressai o do estabelecimento de dois critérios de justiça: um da jurisdição administrativa, outro da jurisdição comum. Além disso, é uma jurisdição constituída por funcionários da própria Administração, sem as garantias de independência que há na magistratura.

B) Sistema judiciário / Sistema inglês / Sistema de controle judicial / Jurisdição única

É aquele em que todos os litígios são resolvidos judicialmente pela Justiça comum, ou seja, pelos juízes e Tribunais do Poder Judiciário. É o sistema adotado no Brasil.

Nesse sistema, há a possibilidade de as decisões administrativas poderem ser revistas pelo Judiciário.

Seu fundamento é o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição ou inevitabilidade do controle jurisdicional, uma vez que a lei “não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Esse princípio, entretanto, comporta algumas exceções.

• Como exceção constitucional, temos a Justiça desportiva, pois estabelece a Constituição que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após se esgotarem as instâncias da Justiça desportiva, regulada em lei. Entretanto, também determina que a Justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. Art. 217, CF.

Cabe destacar que a Justiça desportiva é uma via administrativa, pois o artigo 92 da Cons-tituição não inclui a Justiça desportiva como órgão do Poder Judiciário.

• Outra exceção foi criada a partir da jurisprudência do STJ, resultando na edição da Súmula nº 2 desse Tribunal. Nesse caso, determina o STJ que não cabe habeas data (CF, art. 5º, LXXII, letra a) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa. Assim, exige-se que primeiro tenha de ter ocorrido uma negativa da via administrativa para

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que, posteriormente, obtenha-se o acesso ao Poder Judiciário, pois nessa hipótese faltaria o interesse de agir.3

• Com o advento da criação das súmulas vinculantes, ficou estabelecido que o instituto da reclamação seria o meio adequado para assegurar a autoridade das decisões do STF caso haja o descumprimento de uma súmula vinculante. Entretanto, a Lei nº 11.417/06, que regulamenta o art. 103-A da CF, estabeleceu que contra omissão ou ato da administração pública o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.

• Destaque-se, também, o mandado de segurança, pois a Lei nº 12.016/09 previu que tal remédio constitucional não é cabível quando “caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução” (art. 5º, I).

• Recentemente o STF entendeu que a exigibilidade de prévio requerimento administrativo como condição para o regular exercício do direito de ação, para que se postule judicialmen-te a concessão de benefício previdenciário, não ofende o art. 5º, XXXV, da CF. Vale dizer que o STF legitimou a exigência de prévio requerimento administrativo para caracterizar a presença de interesse em agir como condição de ingresso com ação judicial a fim de requerer a concessão de benefício previdenciário. Porém, ressalvou o Tribunal que nas hipóteses de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente conce-dido o pedido poderia ser formulado diretamente em juízo, porque nesses casos a conduta do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS já configuraria o não acolhimento da pretensão. Informativo nº 757 STF, 2014.

O segurado, contudo, não precisa esgotar todos os recursos disponíveis na via administrativa para poder ingressar em juízo. Negada a concessão do benefício, já é possível ajuizar ação judicial.

COMO ESSE ASSUNTO TEM SIDO ABORDADO NAS PROVAS

(CEF/CESPE/2010) -

Resposta: Errado.

5.1. Coisa julgada administrativa

A coisa julgada administrativa é a impossibilidade de revisão da decisão em âmbito admi-nistrativo. Muito se discute sobre a existência ou não da coisa julgada administrativa. A nosso ver, não negamos sua existência, tratando-se apenas do fato de não caber mais reapreciação da matéria na esfera administrativa.

habeas data

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A coisa julgada propriamente dita, no sentido de não mais poder ser revista, tornando-se imutável a decisão, só é formada em âmbito judicial.

É certo, porém, que não pode ser afastada a revisão judicial do ato administrativo, tendo em vista o art. 5º, XXXV, da CF, que consagra a inafastabilidade do controle judicial. Ressalta-se que a apreciação do Poder Judiciário será sempre quanto à legalidade, e não quanto à conveniência e oportunidade da decisão.

6. LEGISLAÇÃO SOBRE DIREITO ADMINISTRATIVO

A competência para legislar sobre direito administrativo é concorrente entre a União, estados e DF. Apesar de os municípios não estarem abrangidos na competência concorrente, art. 24, CF, podem legislar sobre direito administrativo no que se refere à matéria de interesse local (art. 30, I, da CF). Isso decorre da autonomia administrativa do modelo federativo de Estado. É o que vemos, por exemplo, acerca dos servidores públicos. Nesse caso, cada Ente da Federação possui autonomia para editar normas próprias para seus servidores. Em nível federal, a Lei nº 8.112/90 dispõe sobre direitos e obrigações para os servidores públicos federais, de modo que cada Ente deve ter suas normas específicas.

Algumas matérias devem, contudo, ser tratadas pela União por motivo de determinação constitucional, por exemplo, normas gerais de licitação e contratação. Trata-se de competência privativa da União. Porém, os demais entes podem ter legislação específica, desde que não viole a lei de normas gerais editada pela União.

Importante ressaltar que sobre matéria de desapropriação a competência para legislar é privativa da União (art. 22, II, CF). Entretanto, para promover (executar/realizar) desapropriação a competência é comum de todos os Entes.

A iniciativa de leis que disponham sobre direito administrativo é comum, vale dizer, podem ser propostas pelo Poder Executivo ou Poder Legislativo. Porém, o art. 61, § 1º, da CF estabelece caso de iniciativa exclusiva do Presidente da República.

§ 1º – São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;II – disponham sobre:a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e au-tárquica ou aumento de sua remuneração;b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos territórios;c) servidores públicos da União e territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos estados, do Distrito Federal e dos territórios;e) criação e extinção de ministérios e órgãos da Administração Pública, observado o disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)f ) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promo-ções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

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Lei de iniciativa parlamentar não pode criar atribuição para órgãos da Administração Pública do Poder Executivo, em especial Secretarias de Estado e Ministérios, tendo em vista a indepen-dência dos Poderes. Por esse fundamento, o STF declarou inconstitucional lei alagoana que criou o programa de leitura de jornais e periódicos em sala de aula, a ser cumprido pelas escolas da rede oficial e particular do estado de Alagoas (ADI 2329, julgado em 14.04.2010).

Importante lembrar a inovação trazida com a EC nº 32/2001, que permitiu ao Presidente da República, mediante decreto, dispor sobre (art. 84, VI, CF):

a) organização e funcionamento da Administração Federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

É possível que medida provisória disponha sobre matéria de direito administrativo, pois esse ramo do direito é tratado, em regra, por leis ordinárias. A ressalva fica por conta dos assun-tos a serem disciplinados por lei complementar, por exemplo, áreas de atuação das fundações (art. 37, XIX, CF) e avaliação periódica de desempenho do servidor, como hipótese de perda do cargo (art. 41, CF), pois matérias reservadas a lei complementar não podem ser objeto de medida provisória.

Importante destacar que o STF declarou a inconstitucionalidade de lei estadual que vedava a cobrança de tarifas e taxas de consumo mínimas ou de assinatura básica, impostas por concessio-nárias prestadoras de serviços de água, luz, gás, TV a cabo e telefonia, sob o fundamento de que é competência exclusiva da União legislar sobre a matéria, nos termos dos artigos 21, XI; 22, IV; e 175, parágrafo único, III, todos da CF. Ademais, destacou que as regras deveriam ser ditadas pelo poder concedente do respectivo serviço, ou seja, incumbiria à União estabelecer quais seriam os preços compatíveis com a manutenção de serviços e com o equilíbrio econômico-financeiro do contrato previamente firmado. Informativo nº 648, STF.

7. ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Estado, Governo e Administração Pública são três institutos que não se confundem, mas tem muita relação entre si. Vejamos.

De acordo com o Código Civil, arts. 40 e 41, o Estado é pessoa jurídica de direito público.

É sujeito de direitos que se relaciona juridicamente com os que nele convivem e também com outros Estados (“países”). Trata-se de uma estrutura política e organizacional, formada pelos seguintes elementos ou partes: povo, território e governo soberano. Esses três elementos são indispensáveis para que determinado espaço físico seja considerado Estado. O povo é o elemento humano; o território é o elemento físico; e o governo soberano, o elemento condutor do Estado.

O Estado é dotado de poder extroverso, impondo suas vontades aos administrados, inde-pendentemente da concordância destes. A vontade emanada do Estado obrigará os particulares a seguir as determinações dele, criando deveres na esfera jurídica dos particulares.

O Estado, portanto, é pessoa jurídica de direito público personalizada, que mantém relação com outros países, sendo também capaz de ser sujeito ativo e passivo de direitos e obrigações no âmbito interno. Por ser pessoa jurídica de direito público, pratica seus atos, em regra, com relação de supremacia sobre os particulares, impondo sua vontade sobre o destinatário da determinação.

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7.1. Formas de Estado

O Estado pode se organizar pela forma de Estado unitário ou federado. Teremos o Estado unitário quando houver no território apenas um poder político central, irradiando suas deter-minações sobre todo o povo presente em sua base territorial. O Estado será federado quando, dentro do mesmo território, o poder político for atribuído também a outros entes que compõem a base territorial.

A Constituição Federal de 1988 optou, nos arts. 1º e 18, pela forma federativa. Dessa ma-neira, temos vários centros de poder político. São eles: a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.

A forma federativa pode ocorrer através do modo centrípeto ou centrífugo. No Brasil, ocor-reu pelo modo centrífugo (segregação ou desagregação), pois houve uma distribuição do poder político, que antes estava concentrado em um único ente, e, posteriormente, foi conferido a outros. No Brasil, desde a CF de 1891, foi adotada a forma federativa. A Federação que decorre do modo centrípeto manifesta-se quando vários estados dotados de soberania renunciam a ela e se constituem em um único centro de poder, em um único Estado, como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos.

No Estado federativo, cada Ente detém capacidade política, ou seja, a capacidade de editar suas próprias leis, que serão aplicadas dentro da base territorial. A Carta Constitucional de 88 cuidou de dividir as competências legislativas de cada Ente e, em algumas situações, atribuiu competência privativa à União para editar as normas gerais, a fim de haver certa uniformidade sobre a matéria. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a matéria licitações e contratos, no momento em que o artigo 22, inciso XXVII, conferiu competência à União para editar as normas gerais, possibilitan-do que os demais entes editem leis específicas, desde que não contrariem a lei de normas gerais.

Ao lado da capacidade política, o modelo federativo também atribui a cada Ente da Fede-ração uma autonomia (capacidade) financeira. Assim, cada Ente tem a possibilidade de gerar e administrar a própria receita. A Constituição estabeleceu quais são os impostos que competem à União, aos Estados, ao DF e aos municípios, de modo que cada um pudesse gerar seus recursos sem depender totalmente de receitas repassadas por outro Ente. Cuidou também a Constituição de, em alguns impostos da competência da União, estabelecer um percentual que seria repassado aos outros Entes.

Esse sistema de autonomia financeira é um método para garantir a manutenção da Federação. Imagine se não houvesse, na Constituição, uma exata divisão de competências tributárias. Tería-mos uma “guerra”, em que todos os Entes da Federação teriam interesse em tributar, sem limites, as mais diversas atividades. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que quando há conflito para saber qual ente é o titular daquela competência tributária a questão deve ser decidida pelo próprio STF, pois o assunto se refere ao sistema federativo.4

Existe também na Constituição, art. 145, imunidade tributária recíproca para a União, os Estados, o DF, os municípios e suas autarquias e fundações. De modo que não podem ser instituídos

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impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros; mecanismo também criado para garantir a manutenção da Federação.

No sistema federativo há, ainda, uma autonomia administrativa, e essa é a que mais nos interessa, uma vez que as autonomias política e financeira são objeto de estudo de outros ramos do Direito. Houve, também, na Constituição, uma divisão de atividades administrativas para cada pessoa que compõe a Federação. O artigo 21 da CF estabeleceu quais são as atividades ad-ministrativas que competem à União exercer. Entre essas atividades, estão serviços públicos como:

X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

c) a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária;

d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de estado ou território;

e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;

f ) os portos marítimos, fluviais e lacustres.

Como, no Brasil, a Federação foi instituída por meio do sistema centrífugo (desagregação ou segregação), em que houve uma distribuição do poder central para outras entidades, temos sob o domínio da União a maior parte das competências administrativas. Assim, para saber qual a competência dos estados, DF e municípios em matéria administrativa, é necessário verificar primeiro quais são de atribuição da União, para depois examinar as atividades que cabem aos demais entes.

Cabe ressaltar que a União detém a maior competência não só administrativa, mas também política e financeira. Isso, como dito anteriormente, decorre da forma federativa implementada no Brasil (sistema centrífugo).

No modelo federativo, a regra será a não intervenção. Somente em situações excepcionais, nos casos dos artigos 34 e 35 da CF, é que um Ente pode realizar a intervenção em outra pessoa da Federação.

7.2. Poderes do Estado

O art. 2º da Constituição estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmôni-cos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, vedando, expressamente, no art. 60, § 4º, proposta de emenda constitucional tendente a abolir a separação dos poderes. Dessa forma, o princípio da separação de poderes tem natureza de cláusula pétrea.

Cada um dos Poderes exerce uma função típica e outras que lhe são atípicas, ou seja, cada Poder tem uma função que lhe é própria, mas também exerce outras que seriam de outros. Assim, os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo desempenham funções típicas e atípicas.

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A função típica do Poder Judiciário é o exercício da Jurisdição, bem como assegurar a supre-macia da Constituição. A Jurisdição é o poder do Estado de estabelecer o direito diante de cada caso concreto. Entretanto, o Poder Judiciário detém atipicamente função legislativa, por exemplo, a elaboração de regimentos internos pelos tribunais. A função administrativa também é exercida por esse Poder de forma não predominante. Podem ser citados como exemplos o ato de realizar concurso público, nomear servidor, conceder licenças etc.

O Poder Legislativo tem por função típica a confecção de leis,5 inovando no mundo jurídico, de maneira geral e abstrata, na criação de direitos e obrigações, mas também exerce a função admi-nistrativa de maneira atípica quando, por exemplo, faz nomeação de servidor, realiza contratos etc.

Ao Poder Executivo é que coube, tipicamente, o exercício da função administrativa, mas como nossa Constituição não adota um modelo rígido de separação das funções de cada Poder, o Executivo também exerce a função de julgar; por exemplo, nos processos perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, que tem competência para julgar as infrações con-tra a ordem econômica, nos termos da Lei nº 12.529/11. E ainda, citando a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, “nos processos de questionamento tributário submetidos aos cha-mados Conselhos de Contribuintes” (em nível federal, por exemplo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF).6 O Poder Executivo realiza, também de forma atípica, atividade legislativa quando o chefe do Executivo, em casos de urgência, edita Medidas Provisórias com força de lei, nos termos do art. 62 da Constituição.

Dessa forma, os três Poderes têm suas funções típicas e atípicas, e o exercício da atividade administrativa é por eles desempenhado; entretanto, de forma predominante, pelo Poder Executivo.

7.3. Governo

O governo é exercido por pessoas que desempenham o poder, estabelecendo diretrizes, objetivos e metas do Estado; bem como a criação e elaboração de políticas públicas. É o núcleo decisório do Estado. Os atos políticos são aqueles que cuidam da gestão superior da vida estatal.

O sistema de governo trata da relação do Poder Legislativo e do Poder Executivo, no exercício das funções governamentais.

Existem dois sistemas: o presidencialista e o parlamentarista.

No sistema presidencialista, o Presidente da República exerce a chefia do Poder Executivo. São atribuídas a ele as funções de chefe de Estado e chefe de Governo, com mandato fixo, para desempenho de suas atribuições.

No sistema parlamentarista, o Poder Executivo é divido. Existem as funções de chefe de Estado e chefe de Governo. A função de chefe de Estado é designada ao Presidente da República ou ao Monarca; a função de chefe de Governo é exercida pelo Primeiro-Ministro ou Conselho de Ministros (República Parlamentarista ou Monarquia Parlamentarista). No sistema parlamentarista, a função de chefe de Governo depende de designação do Parlamento.

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No Brasil, a opção da Constituição foi pelo sistema presidencialista. O Presidente da República é o chefe do Poder Executivo Federal, exercendo o comando e a organização da Administração Pública Federal.

7.4. Formas de governo

As formas de governo (ou sistemas políticos) dizem respeito ao conjunto das instituições pelas quais o Estado exerce seu poder sobre a sociedade e, principalmente, o modo como o chefe de Estado é escolhido. Existem três formas:

a) República: o exercício do poder é sempre temporário, escolhido pelo voto (direto ou indireto), para um mandato predeterminado: a escolha dos governantes se dá por meio de eleição.

b) Monarquia: o governante é escolhido geralmente pelo critério hereditário; sua permanência no cargo é vitalícia – o afastamento só pode ocorrer por morte ou abdicação. A monarquia pode ser absoluta, em que a chefia de governo também está nas mãos do monarca; ou par-lamentarista, em que a chefia de governo está nas mãos do primeiro-ministro.

c) Anarquia: ausência total de governo.

O Brasil adota a forma republicana de governo, em que o acesso aos cargos de chefes do Executivo decorre de eleição e os escolhidos exercem mandato fixo.

A forma republicana se contrapõe à monarquia; esta é marcada pela hereditariedade e vita-liciedade.

7.5. Administração Pública

Administração Pública é o aparelhamento estatal que concretiza a vontade política do governo. Trata-se do conjunto de órgãos e entidades que integram a estrutura administrativa do Estado, tendo como função realizar a vontade política governamental, sempre elaborada para a satisfação do interesse público.

8. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO SENTIDO SUBJETIVO / ORGÂNICO / FORMAL

Expressão que indica o universo de órgãos e pessoas que desempenham a função administrativa.7

Para definir esse conceito, é necessário indagar “QUEM?”, ou seja, quem desempenha a função administrativa. Quais são os órgãos, as pessoas jurídicas e os agentes públicos incumbidos de desempenhar as atividades do Estado.

A palavra Administração Pública, vista nessa perspectiva, considera todas as unidades adminis-trativas que desempenham atividades-fins do Estado, incluindo os órgãos relacionados às funções legislativa e judicial (Administração Pública em sentido subjetivo; no seu conceito mais amplo).

De fato, esses órgãos integram a Administração Pública. Assim, os órgãos do Poder Judiciário, como Tribunais e os órgãos pertencentes ao Poder Legislativo, como a Câmara dos Deputados,

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Senado Federal, Assembleias Legislativas, fazem parte da Administração Direta de suas respectivas esferas de governo.

9. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO SENTIDO MATERIAL / OBJETIVO / FUNCIONAL

Exprime ideia de atividade, tarefa, função. Trata-se da própria função administrativa, cons-tituindo-se o alvo que o governo quer alcançar. São as atividades exercidas pelo Estado.

Para definir esse conceito é necessário indagar “QUAIS? OU O QUÊ?”, ou seja, quais são as funções, as tarefas, as atividades que o Estado tem por dever prestar, visando a atender as ne-cessidades coletivas. Nesse complexo, estão as atividades de fomento, polícia administrativa, ou poder de polícia, serviços públicos e a intervenção.

O fomento consiste em incentivar pessoas de direito privado, sem fins lucrativos, à presta-ção de atividade de interesse social. O Estado tem por função incentivar, por meio de isenções fiscais, repasse de bens ou servidores públicos ou por outras formas a pessoas de direito privado que não possuem intuito lucrativo, como associações, organizações e fundações, promovendo a manutenção da atividade prestada, por ser de interesse social. Quando o Poder Público qualifica uma fundação privada que tem interesse social como Organização Social – OS, está praticando uma forma de fomento.

O poder de polícia representa limitações ou condições ao exercício do direito à liberdade ou à propriedade. Quando a Constituição confere aos cidadãos um conjunto de direitos, estes devem ser exercidos de modo adequado, a fim de não prejudicar a coletividade. Ao expressar o poder de polícia, o Estado visa a proteger o interesse público. Quando se exige licença para dirigir veículos, autorização para porte de armas, o poder público faz uso do poder de polícia.

A prestação de serviços públicos é dever do Estado. A Constituição impõe ao Poder Público a obrigação de prestar serviços à sociedade, de modo direto, ou mediante concessão ou permissão, sempre através de licitação. O Texto Constitucional apresenta inúmeros dispositi-vos que determinam essa obrigação ao Estado. Podemos citar o art. 21, que traz os serviços de competência da União, por exemplo, a manutenção do serviço postal, os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; serviços nucleares, entre outros.

A intervenção como atividade administrativa consiste em atos de regulação e fiscalização de atividade privada de natureza econômica, bem como na criação de empresas estatais (empresa pública e sociedade de economia mista) para intervir no domínio econômico. A intervenção, feita por meio de atos de fiscalização e regulação, é a forma indireta, nos termos do art. 174 da CF.8 Entretanto, quando o Poder Público cria empresas estatais para desempenhar atividade econô-mica, em regime de concorrência com as demais empresas privadas daquele segmento, temos a intervenção direta, que deve ser realizada sob as exigências do art. 173 da CF. No último caso, a intervenção do Estado ocorre segundo as normas de direito privado, pois a Constituição estabe-lece que as empresas criadas pelo Poder Público devem se sujeitar ao mesmo regime jurídico das demais empresas privadas quanto às obrigações de direito civil, comercial, trabalhista e tributário.

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Assim, esquematicamente, temos:

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Quem?• Órgãos Públicos

• Agentes

• Fomento

• Serviços Públicos• Intervenção

O quê?

Não podemos deixar de destacar, conforme veremos mais adiante, no capítulo de Organização Administrativa, que as empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica não seguem apenas as regras de direito privado; seu regime é misto (híbrido), ou seja, sobre essas entidades incidem regras de direito privado e de direito público, como o dever de fazer licitações, prestar contas ao tribunal de contas competente e realizar concursos públicos. Assim, a elas não se aplica apenas o regime jurídico administrativo. Vale destacar que nem todos os autores, porém, apresentam essa forma de intervenção (direta) como atividade do Estado.

É válido frisar que o Estado só pode exercer intervenção direta na atividade econômica em situação excepcional. Apenas em caso de relevante interesse coletivo ou segurança nacional é que o Estado está autorizado pela Constituição, art. 173, a criar empresa pública ou de economia mista para atuar em regime de concorrência com os particulares. Atualmente, o Estado realiza, com mais frequência, a intervenção indireta (atos de fiscalização e regulação). Em razão do processo de modernização que o Estado vem percorrendo, no intuito de ter uma Administração mais eficiente, a intervenção indireta passa a ser prioridade.

Foi implementado no Brasil um processo de modernização. O Estado, que ficou “grande”, extenso, em virtude de criação de várias empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como de órgãos para a prestação de atividades à sociedade, não se mostrou tão eficiente, apesar de todo o aparelhamento criado. Devido a isso, o Poder Público pretendeu diminuí-lo, a fim de apresentar a eficiência esperada, sendo menos burocrático e, ainda, com o objetivo de gastar menos e diminuir sua estrutura. O processo de modernização consagrou esse objetivo visado. Por meio da privatização, o Estado transfere a particulares entidades estatais, que passam a ficar no domínio de pessoas da sociedade; por meio da extinção de órgãos e entidades, o Estado transfere a particulares, mediante contratos de concessão e permissão, atividades de que antes o Estado era o prestador. Voltam a ganhar relevância, nesse momento, as empresas concessionárias e per-missionárias, que passam a prestar serviços com muito mais eficiência em algumas atividades de que antes o prestador era o Estado, sendo essa atividade regida pela Lei nº 8.987/95.

Dessa forma, o Estado consegue diminuir sua estrutura, gerar menos despesas e, ao mesmo tempo, ser mais eficiente, e sobretudo agir com mais qualidade, prestando um melhor serviço público à sociedade.

Nesse período, o Texto Constitucional exige a criação de “órgãos reguladores” para fiscalizar e editar atos normativos, com o escopo de controlar essas atividades, que antes executadas direta-mente pelo Estado, e a partir desse momento seriam prestadas por particulares. Por consequência,

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as agências reguladoras ganham maior destaque, uma vez que serão destinatárias do papel de agente normativo e regulador.

Assim, em decorrência desse processo de modernização que o Estado atravessou, e que ain-da vem atravessando, ele deixa de ser o “ator”, para, em razão dessa evolução, apenas fiscalizar e controlar a atividade, a ser exercida por particulares.

Veja no final deste capítulo em Tópicos Avançados corrente doutrinária que entende que intervenção não é atividade administrativa.

10. FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E FUNÇÃO POLÍTICA

Maria Sylvia Zanella Di Pietro faz importante observação, a partir da ideia de que administrar compreende planejar e executar:

a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordina-dos, dependentes (Administração Pública em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração Pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa;

b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais, e no segundo, a função política.

Para facilitar a compreensão, poderíamos representar da seguinte forma:

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

• Órgãos governamentais supremos

AMPLO

ESTRITO

No sistema presidencial de governo, o chefe do Poder Executivo concentra as funções po-líticas (de governo) e de administração. Nesse passo, as funções de governo e as administrativas são desempenhadas, no âmbito do executivo, pela mesma pessoa: o chefe do Poder Executivo.