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2020 Manual de Preparação Discursiva para Advocacia Pública Federal, Estadual e Municipal em Peças, Pareceres e Questões: Teoria e Aplicação Caio Felipe Caminha de Albuquerque Jessica Zanco Ladeira João Marcelo Neves Leandro Peixoto Medeiros Leonardo Ventura Maciel Mateus Camilo Ribeiro da Silveira Maria Tereza Targino Hora Marília França Murilo Galeote Rafael Modesto Rigato Rafael Rapold Mello Raquel de Melo Freire Gouveia Coordenadores Felipe Fernandes Gustavo Andrade Henrique Melo Rodrigo Medeiros Roberta Callijão Boareto Silvano José Gomes Flumignan Sofia Ramos Sampaio Taís de Albuquerque Rocha Holanda Victor Hugo Machado Santos

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Page 1: Manual de Preparação Discursiva para Advocacia Pública · judicial e mesmo assim seja necessária a petição inicial. É o caso, por exem-plo, da ação rescisória. A petição

2020

Manual de Preparação Discursiva para Advocacia Pública Federal, Estadual e Municipal em Peças, Pareceres e Questões: Teoria e Aplicação

Caio Felipe Caminha de AlbuquerqueJessica Zanco LadeiraJoão Marcelo NevesLeandro Peixoto MedeirosLeonardo Ventura MacielMateus Camilo Ribeiro da Silveira

Maria Tereza Targino HoraMarília França Murilo GaleoteRafael Modesto RigatoRafael Rapold MelloRaquel de Melo Freire Gouveia

CoordenadoresFelipe FernandesGustavo AndradeHenrique MeloRodrigo Medeiros

Roberta Callijão BoaretoSilvano José Gomes FlumignanSofia Ramos SampaioTaís de Albuquerque Rocha HolandaVictor Hugo Machado Santos

Fernandes et al-Manual de Prep Disc para Advocacia Publica-1ed.indb 3 19/09/2019 18:13:32

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1 – PETIÇÃO INICIALCaio Albuquerque

1.1. NOÇÕES GERAIS

A petição inicial é a peça processual que dá início ao processo, defi-nindo os contornos objetivos e subjetivos da lide. Com essa peça, a parte autora veicula uma pretensão perante o Poder Judiciário para que seja so-lucionado um conflito jurídico de interesses. Nesse contexto, em uma prova discursiva de um concurso da advocacia pública, o enunciado indicará al-guma pretensão da Fazenda Pública que depende de manifestação do Poder Judiciário. Normalmente, não haverá indicação de que há algum processo em curso. No entanto, é possível que já exista ou tenha existido uma ação judicial e mesmo assim seja necessária a petição inicial. É o caso, por exem-plo, da ação rescisória.

A petição inicial deve apresentar os seguintes requisitos básicos, de acordo com o art. 319 do Código de Processo Civil: I – o juízo a que é di-rigida; II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união es-tável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV – o pedido com as suas especificações; V – o valor da causa; VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos ale-gados; VII – a opção do autor pela realização ou não de audência de conci-liação ou de mediação.

Em um processo real, a ausência de algum dos requisitos elencados pode ser solucionada por meio da determinação judicial da emenda da peti-ção inicial, conforme prevê o art. 321 do Código de Processo Civil. Entretanto, em uma prova de concurso público, isso não será possível, o que torna ne-cessária a atenção ao preenchimento de todos elementos que formam a es-trutura da peça processual em questão. Portanto, todos esses requisitos se-rão estudados adiante.

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1.1.1. Ação Ordinária

O endereçamento, com a indicação do juízo a que é dirigida, é o pri-meiro requisito de uma petição inicial. É necessário que seja feito para o ju-ízo competente, de modo que as regras de competência devem ser analisa-das antes da elaboração da petição.

O ponto de partida para a análise da competência é a Constituição Federal. Inicialmente, deve ser avaliada a possibilidade de tratar-se de ação de competência originária dos Tribunais Superiores A título de exemplo, caso presente alguma das hipóteses previstas nos arts. 102, inciso I, ou 105, inciso I, da Constituição Federal, a competência será do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente. Já no caso do Tribunal Superior do Trabalho, devem ser analisados os dispositivos da Lei nº 7.701/1988.

Em seguida, é necessário estabelecer se a causa será proposta perante a Justiça Comum ou perante alguma Justiça Especializada. Assim, cabe analisar a competência da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar. Não sendo competente alguma Justiça Especial, caberá à Justiça Comum jul-gar a demanda. Na hipótese de competência da Justiça Comum, caberá à Justiça Federal ou à Justiça Estadual processar e julgar a causa. Nesse ponto, é importante lembrar que a competência estadual é residual e, por esse mo-tivo, é necessário analisar se a ação está enquadrada em alguma das hipóte-ses previstas no art. 109 da Constituição Federal.

Também é importante saber se a competência é originária de um Tribunal ou de um juízo de primeiro grau. A competência dos Tribunais Regionais Federais está prevista no art. 108 da Constituição Federal, enquanto a competência dos Tribunais de Justiça deve ser definida pelas Constituições dos respectivos Estados, de acordo com o art. 125, § 1º, da Constituição Federal.

Quanto à forma do endereçamento, não existe um padrão obrigatório. O Código de Processo Civil refere-se apenas ao juízo a que a peça é dirigi-da. Por esse motivo, há quem entenda que apenas a indicação do juízo basta. Contudo, o mais recomendado e mais aceito pelas bancas de concursos pú-blicos é iniciar o endereçamento fazendo referência ao magistrado da causa e indicar a vara competente e a comarca ou seção judiciária em que a ação está sendo proposta. Se o enunciado não informar expressamente a vara, ela deverá ser indicada de forma genérica.

O segundo requisito da petição inicial é a qualificação das partes (art. 319, II, do Código de Processo Civil). Essa qualificação é feita em um pará-grafo logo após o endereçamento, pulando-se uma linha. Começa-se com a

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Capítulo 1 – PETIÇÃO INICIAL 23

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qualificação da parte autora da ação, que, nos concursos da advocacia públi-ca, será algum dos entes federativos. Como não devem ser utilizadas infor-mações que não estejam presentes no enunciado, basta a indicação do ente federativo, com a afirmação de que se trata de uma pessoa jurídica de direi-to público interno e uma menção genérica ao resto da qualificação.

Após a qualificação da parte autora, é importante afirmar que o ente público está sendo representado por seu Procurador, que subscreverá a peti-ção. Também é nesse parágrafo de qualificação que será indicada a ação pro-posta. O propósito desse parágrafo é afirmar que a parte autora veio a juízo para propor determinada ação em face de determinada pessoa. Em provas, é importante que fique bem claro qual foi a peça utilizada, razão pela qual é recomendado escrevê-la em letra de forma, para dar um destaque maior. Feita essa indicação da ação ajuizada, deve ser feita a qualificação da parte ré, sempre levando em conta as informações dadas pelo enunciado. Caso não sejam apresentados dados sobre o réu, basta demonstrar o conhecimento de quais são os elementos de qualificação previstos no art. 319, II, do Código de Processo Civil.

O terceiro requisito da petição inicial consiste na apresentação dos fatos e dos fundamentos jurídicos do pedido (art. 319, III, do Código de Processo Civil). Esses requisitos podem ser considerados os mais importantes, espe-cialmente em provas de concursos públicos. É nesse momento que a parte autora indica toda a controvérsia posta em juízo e explica as razões para a concessão do provimento judicial pretendido.

Os fatos são apresentados em um tópico específico, logo após o pará-grafo de introdução. Não é necessário que seja feita uma narrativa minus-ciosa em provas subjetivas. O importante é demonstrar o cumprimento des-se requisito da petição inicial. Portanto, recomenda-se que o tópico dos fatos tenha cerca de 5 linhas e apresente um resumo da situação apresentada no enunciado, com outras palavras.

Logo após os fatos deve ser incluído o tópico relativo ao Direito. A maior parte da pontuação de uma peça em um concurso público decorrerá dos fundamenos jurídicos do pedido. É por meio desses fundamentos que o candidato demonstra conhecimento dos temas cobrados. Por esse motivo, é necessário organizar os argumentos de uma forma lógica e de fácil com-preensão. Quanto mais claros e lógicos estiverem os pontos centrais dos ar-gumentos, melhor. É interessante subdividir o tópico para separar diferentes argumentos, se for o caso.

Vale ressaltar que, na prática, entende-se que não é necessária a indica-ção do dispositivo legal invocado, mas sim dos fundamentos jurídicos. Porém, em provas de concursos, as bancas examinadoras costumam tirar pontos caso

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o candidato não indique os dispositivos legais que dão base à petição inicial. Quanto à jurisprudência, é importante citar os entendimentos dos Tribunais Superiores e saber qual Tribunal está sendo citado. Também é interessante identificar se o posicionamento decorre de uma súmula, de recursos repeti-tivos, do controle concentrado ou de outra fonte.

Feita a exposição dos fundamentos jurídicos do mérito, devem ser apre-sentados os fundamentos jurídicos da tutela provisória, quando cabível. Dessa maneira, deve-se avaliar a possibilidade de requerimento da concessão da tu-tela de urgência, cautelar ou antecipada, ou da tutela da evidência, de acor-do com os requisitos previstos nos arts. 294 a 311 do Código de Processo Civil. Caso haja um procedimento específico, como no caso do mandado de segurança, a fundamentação deverá seguir os requisitos previstos no diplo-ma normativo correspondente.

No caso de requerimento da concessão da tutela de urgência, cautelar ou antecipada, é necessário demonstrar a presença dos dois requisitos pre-vistos no art. 300 do Código de Processo Civil: I – a probabilidade do direi-to; e II – o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Por sua vez, sendo cabível a concessão da tutela da evidência, o candidato não pre-cisará demonstrar o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, mas deverá demonstrar a ocorrência de algum dos casos expressos nos inci-sos do art. 311 do Código de Processo Civil.

Nesse contexto, percebe-se que os fatos e os fundamentos jurídicos ser-vem para expor toda a situação que levou a parte a acionar o Poder Judiciário. A conclusão lógica dessa exposição deve estar contida nos pedidos.

Os pedidos são muito importantes, uma vez que, considerando o princí-pio da inércia da jurisdição, o magistrado somente poderá decidir dentro dos limites cognitivos que o próprio autor da ação impuser. Por esse motivo, deve haver uma correlação lógica entre os fatos, os fundamentos jurídicos e os pedi-dos correspondentes, sob pena de a petição inicial ser considerada inepta, nos termos do art. 330, 1º, do Código de Processo Civil. Em outras palavras, de-vem ser indicados com nitidez e objetividade tanto o pedido mediato (bem da vida buscado) como o imediato (provimento judicial). Logo, ao elaborar uma inicial, o pedido deve ser específico, indicando se o buscado é uma condena-ção, uma constituição ou desconstituição de um direito ou uma declaração.

O pedido deve ter duas características: ser certo e determinado. Certo é o pedido expresso, que compreende tudo que a parte pretende obter com o provimento judicial. É cediço que os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios, consideram--se incluídos no pedido principal, mesmo que não haja menção expressa, de acordo com o art. 322, § 1º, do Código de Processo Civil. Entretanto, em

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Capítulo 1 – PETIÇÃO INICIAL 25

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provas de concursos públicos, é necessário que tudo esteja expresso, pois o candidato deve demonstrar o máximo de conhecimento possível. As bancas examinadoras costumam penalizar a ausência de algum dos pedidos perti-nentes. Por sua vez, pedido determinado é o oposto do pedido genérico, ou seja, é o pedido que individualiza com clareza o bem jurídico pretendido pela parte autora.

Havendo requerimento de tutela provisória, esse pedido deve ser feito expressamente, com a indicação de qual provimento é pretendido. Em segui-da, deve ser pedida a citação do réu para contestar. Em qualquer caso, o pe-dido de procedência da demanda deve ser feito. Nele, o candidato deve fa-zer um resumo simples das razões para o julgamento de procedência. Além disso, deve-se pedir a condenação do réu ao pagamento das custas e dos ho-norários advocatícios, como decorrência da procedência da demanda. Outro pedido que deve ser feito é o protesto pela produção de provas. Esse requisi-to está previsto no art. 319, VI, do Código de Processo Civil. Nesse contex-to, o candidato deve afirmar que pretende produzir todas as provas em di-reito admitidas. Caso seja cabível algum tipo de prova específico, é possível requerer a produção de todas as provas em direito admitidas e indicar algu-ma em especial.

No que tange à audiência de conciliação ou de mediação, o art. 319, VII, do Código de Processo Civil prevê que cabe ao autor indicar na petição inicial se pretende realizá-la. Como é cediço, a Fazenda Pública pode cele-brar negócios processuais que resultem em uma autocomposição, mas isso depende de aprovação expressa superior. O advogado público não pode, por conta própria, dispor do interesse público. Dessa maneira, em provas de con-cursos públicos, salvo expressa menção em sentido contrário no enunciado, o candidato deve, nos pedidos, afirmar que não pretende realizar a audiên-cia de conciliação ou de mediação, tendo em vista a indisponibilidade do in-teresse público e o princípio da legalidade.

O valor da causa é outro requisito da petição inicial, conforme pre-vê o art. 319, V, do Código de Processo Civil. Em provas de concursos pú-blicos, é preciso ter cuidado para não errar em relação a esse requisito, que é bastante simples. O art. 292 do Código de Processo Civil prevê qual será o valor da causa constante da petição inicial, de acordo com o tipo de de-manda. Assim, é importante sempre consultar esse dispositivo. Não haven-do indicação direta de valores no enunciado da questão, caberá ao candida-to indicá-lo de forma genérica e demonstrar que tem conhecimento de qual seria o valor da causa real.

Por fim, a petição inicial deve ser encerrada com o pedido de deferi-mento, o local, a data e assinatura do advogado público. Em primeiro lugar,

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o pedido de deferimento é uma praxe forense e pode ser feita em uma ou duas linhas, da seguinte forma: “Nesses termos, pede deferimento”. Já o lo-cal e a data devem ser indicados apenas de forma genérica, salvo se o enun-ciado indicar expressamente algum deles. No caso da assinatura, como não é válida a identificação do candidato na folha de respostas de uma prova de concurso público, basta assinar com o nome do cargo pretendido.

1.1.2. Mandado de Segurança

O mandado de segurança é uma ação constitucional de natureza man-damental que tem um procedimento específico. Esse procedimento está pre-visto na Lei nº 12.016/2009 e é necessário por conta da especificidade da tu-tela judicial concedida por meio da impetração do mandado de segurança. Nesse contexto, a petição inicial dessa demanda segue as regras gerais do Código de Processo Civil, mas tem requisitos próprios.

O endereçamento da petição do mandado de segurança dependerá do juízo competente para julgar a demanda. Esse juízo é fixado de acordo com a categoria funcional ou da função da autoridade apontada como coatora. Há casos em que a competência será originária de algum Tribunal, como nos casos dos arts. 102, I, “d”, 105, I, “b”, e 108, I, “c”, da Constituição Federal.

A competência da Justiça Federal abrange os atos cometidos por autori-dades federais, ressalvados os casos de competência dos Tribunais, de acordo com o art. 109, VIII, da Constituição Federal. Caso a situação envolva maté-ria trabalhista, a petição será endereçada à Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, IV, da Constituição Federal. Ademais, a competência da Justiça Estadual será residual, cabendo à Constituição Estadual estabelecer os casos em que a competência para julgar o mandado de segurança será do Tribunal de Justiça, conforme dispõe o art. 125, § 1º, da Constituição Federal.

Por sua vez, no parágrafo de qualificação das partes, é importante afir-mar que o mandado de segurança está sendo impetrado com fulcro no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e no art. 1º da Lei nº 12.016/2009. Além disso, a autoridade coatora deve ser identificada, assim como a espé-cie do ato praticado. No tópico dos fatos, não há qualquer particularidade.

Como é cediço, a impetração do mandado de segurança está sujeita a um prazo decadencial. Esse prazo está previsto no art. 23 da Lei nº 12.016/2009 e é de 120 dias, a contar da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Portanto, um requisito essencial da petição inicial do mandado de seguran-ça é o tópico relativo à observância do prazo decadencial. Caso o enunciado não informe datas, basta que o candidato cite o dispositivo aplicável e infor-me que o prazo foi observado.

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Capítulo 1 – PETIÇÃO INICIAL 45

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CASO PRÁTICO 02 – Ação Civil Pública

ENUNCIADO:

Em razão do recebimento de uma denúncia, a Secretaria de Educação de São Paulo instaurou procedimento administrativo disciplinar (PAD) con-tra o servidor João da Silva para apurar a possível frustração da licitude de um processo licitatório realizado em junho de 2015, destinado à contratação de empresa para fornecimento de merendas escolares.

No curso do PAD, restou comprovado, através do monitoramento do e-mail funcional, que João da Silva havia combinado frustrar a licitu-de do processo licitatório para favorecer a empresa X, vencedora do cer-tame, por meio da manipulação dos preços de mercado. O servidor agiu motivado por um favor devido ao dono da empresa X, José Ferreiro, com quem os e-mails foram trocados. Ademais, essa contratação comprova-damente gerou danos ao erário, uma vez que os preços foram superio-res aos do mercado.

Em junho de 2018, a comissão processante enviou os autos do PAD à Procuradoria do Estado para a adoção das medidas cabíveis para punir o servidor e o dono da empresa pelo ato de improbidade e para assegurar o ressarcimento ao erário. Foi informado, contudo, que o servidor processado e o dono da empresa não demonstraram indícios de estarem dilapidando os patrimônios e não adquiriram bens após a prática do ato.

Diante do exposto, na condição de Procurador do Estado, apresente a petição inicial da ação de improbidade com os pedidos necessários para res-guardar ressarcimento ao erário.

MODELO DE RESPOSTA:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA … VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO

O Estado de São Paulo, pessoa jurídica de direito público interno, quali-ficação..., por meio de seu Procurador do Estado que abaixo assina, cujo man-dato decorre da lei e dispensa a apresentação de procuração, vem à presen-ça de Vossa Excelência ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA com pedido de medida cautelar de indisponibilidade de bens em face de João da Silva, qualificação..., e de José Ferreiro, qualifica-ção..., pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir expostos.

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I – FATOS

Em junho de 2015 foi realizado um processo licitatório pela Secretaria de Educação de Paulo, para a contratação de empresa para o fornecimento de merendas escolares. A licitude desse processo foi frustrada pelo servidor João da Silva, em conluio com o particular José Ferreiro, dono da empre-sa vencedora do certame. Conforme comprovado na tramitação do processo administrativo disciplinar, João da Silva, utilizando-se do e-mail funcional, combinou com José Ferreiro a manipulação das tabelas de preços de merca-do para permitir a contratação da empresa X com preços superiores aos de mercado em razão de um favor devido, gerando danos ao erário.

II – DIREITO

a) Legitimidade Ativa e Passiva

A ação de improbidade administrativa é uma espécie de ação civil pú-blica, cuja legitimidade ativa é considerada concorrente e disjuntiva. Isso porque há diversos legitimados para agir e cada um pode ajuizar a ação de forma independente. Nesse sentido, conforme o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a Fazenda Pública interessada tem legitimidade para o ajui-zamento da presente ação. Assim, o Estado de São Paulo é parte legítima para figurar no polo ativo.

No que tange ao polo passivo, a ação de improbidade deve ser movida contra o servidor que praticou o ato. Dessa forma, João da Silva deve ser con-siderado legitimado passivo. Ademais, a Lei de Improbidade Administrativa permite a concomitante responsabilização do terceiro que se beneficiou ou que concorreu para a prática do ato de improbidade, ainda que se trate de um particular. Por conseguinte, José Ferreiro também está legitimado para figurar no polo passivo da presente demanda.

b) Prazo prescricional

Segundo a Lei de Improbidade Administrativa, a ação destinada à punição por ato de improbidade prescreve no mesmo prazo previsto em lei específica para as faltas disciplinares punidas com demissão, nos casos de exercício de cargo efetivo. Cumpre asseverar que, segundo o Superior Tribunal de Justiça, o termo inicial da prescrição contra o particular que age em conluio com servidor públi-co é o mesmo aplicável a este (STJ – AgRg REsp: 1510589 SE 2015/0009772-6, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 26/05/2015, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/06/2015). Portanto, a presente ação foi proposta dentro do prazo prescricional.

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Capítulo 1 – PETIÇÃO INICIAL 53

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Ademais, de acordo com o Decreto nº 11, o Estado de São Paulo ofere-ce o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) como indenização prévia, justa e em dinheiro, nos termos do art. 5º, XXIV, da Constituição Federal.

Nos termos do art. 13 do Decreto-Lei nº 3.365/41, a presente petição está sendo instruída com cópia do diário oficial em que o Decreto nº 11 foi publicado, bem como com a planta do imóvel e suas confrontações.

II – IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE

O art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/41 permite a imissão provisória na posse do bem desapropriado caso haja urgência e seja depositado o preço oferecido, caso ele seja superior da 20 vezes o valor locativo do imóvel.

A urgência no caso está presente no fato de que a Empresa Y está na iminência de iniciar obras no imóvel para a construção de um empreendi-mento. Considerando que as benfeitorias úteis posteriores ao decreto decla-ratório da utilidade pública não serão atendidas sem autorização do expro-priante, de acordo com o art. 26, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41, permitir que a empresa inicie as obras apenas gerará prejuízos que não serão ressar-cidos pelo Estado de São Paulo.

Além disso, o Estado de São Paulo fará, após autorização do juízo, o depósito de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), que supera 20 vezes o va-lor locativo do imóvel.

Dessa forma, estão presentes os requisitos para a concessão da imis-são provisória na posse.

III – PEDIDOS

Pelo exposto, requer:a) a concessão da imissão provisória na posse do imóvel objeto da pre-

sente ação de desapropriação, sem citação do réu, após a autorização do de-pósito do preço ofertado, tendo em vista a configuração da urgência;

b) a citação do réu para contestar o preço ofertado ou concordar com este;

c) que seja dada ciência da presente demanda aos potenciais interessados;d) a nomeação de perito para a realização da avaliação judicial do bem

expropriado;e) o julgamento de total procedência da demanda para a fixação do

preço do imóvel expropriado.Dá-se à causa o valor de: R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

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Nesses termos, pede deferimento.Local, data.Procurador do Estado

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7 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃORafael Rapold

7.1. NOÇÕES GERAIS

7.1.1. Cabimento:

Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

Hipóteses de cabimento:

I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III – corrigir erro material.

Portanto, são cabíveis embargos de declaração nos casos de erro ma-terial, obscuridade, contradição ou omissão.

O que o novo CPC entende por omissão?

Considera-se omissa a decisão que:

I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;

II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º .

CPC – Art. 489, § 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem expli-car sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

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Considera-se omissa a decisão que:

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajus-ta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Atenção: A lei 9.099/95 (lei dos juizados especiais) trazia como uma das hipóteses de cabimento dos embargos de declaração a “dúvida”. Ocorre que, com a publicação do novo CPC essa possibilidade não mais subsite no ordenamento processual.

7.1.2. Prazo para oposição dos embargos de declaração:

O prazo para a oposição dos embargos de declaração é de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz que proferiu a decisão recorrida.

A oposição dos embargos de declaração interrompem o prazo para a inter-posição de recurso. Essa regra se aplica inclusive nos juizados especiais atualmente.

Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas ma-nifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requeri-mento, nos termos do art. 229 do CPC.

A lei 9.099/95 (lei dos juizados especiais), após modificação trazida pela lei 13.728/2018, estabeleceu que a prática de qualquer ato processual, inclu-sive para a interposição de recursos, computar-se-ão somente os dias úteis.

7.1.3. Preparo:

Não há preparo.

7.1.4. Prazo de defesa para o embargado:

O juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no pra-zo de 5 (cinco) dias, sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhi-mento implique a modificação da decisão embargada (efeitos infringentes).

Portanto, as contrarrazões, em regra, só são cabíveis em casos de em-bargos de declaração com efeitos infringentes.

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Capítulo 7 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO 149

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7.1.5. Fungibilidade com o agravo interno:

O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previa-mente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, comple-mentar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º (“Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamen-te os fundamentos da decisão agravada.”)

7.1.6. Embargos de declaração para efeitos de pré-questionamento:

Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargan-te suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de de-claração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Súmula 98-STJ: Embargos de declaração manifestados com notório pro-pósito de prequestionamento não tem caráter protelatório.

O próprio STJ trouxe uma exceção a esse entendimento, em sede de recurso repetitivo (Resp. 1.410.839/SC):

Tema 668: “Caracterizam-se como protelatórios os embargos de decla-ração que visam rediscutir matéria já apreciada e decidida pela Corte de ori-gem em conformidade com súmula do STJ ou STF ou, ainda, precedente jul-gado pelo rito dos artigos 543-C e 543-B, do CPC.”.

7.1.7. Efeitos:

Efeitos dos Embargos de declaração:

Devolutivo Prevalece na doutrina que há esse efeito.

InterruptivoA oposição dos embargos de declaração interrompem o pra-zo para a interposição de recurso.

Infringente ou modificativo

Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada, o embargado que já ti-ver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exa-tos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, con-tado da intimação da decisão dos embargos de declaração.

Page 15: Manual de Preparação Discursiva para Advocacia Pública · judicial e mesmo assim seja necessária a petição inicial. É o caso, por exem-plo, da ação rescisória. A petição

MANUAL DE PREPARAÇÃO DISCURSIVA PARA ADVOCACIA PÚBLICA150

Efeitos dos Embargos de declaração:

Infringente ou modificativo

Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não al-terarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso in-terposto pela outra parte antes da publicação do julgamen-to dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.

Súmula 579-STJ: Não é necessário ratificar o recurso es-pecial interposto na pendência do julgamento dos embar-gos de declaração quando inalterado o julgamento anterior.

Suspensivo

Em regra, os embargos de declaração não possuem efei-to suspensivo.

Ocorre que, o próprio Art. 1.026, § 1º do CPC trouxe uma exceção:

A eficácia da decisão monocrática ou colegiada poderá ser suspensa pelo respectivo juiz ou relator se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso ou, sendo relevan-te a fundamentação, se houver risco de dano grave ou de difícil reparação.

7.1.8. Embargos de declaração meramente protelatórios:

Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pa-gar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atu-alizado da causa.

E no caso de reiteração de embargos manifestamete protelatórios?

Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratui-dade da justiça, que a recolherão ao final.

Embargos meramente protelatóriosMulta não excedente a 2% sobre o valor

atualizado da causa.

Reiteração de Embargos meramente protelatórios

a multa será elevada a até 10% sobre o valor atualizado da causa.