manual de direito processual civil

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Page 1: Manual de Direito Processual Civil

vo!re Manual de Direito 1 Processual Civil

teoria geral e processo de conhecimento

Darlan Barroso

2- edição atualizada

Â.Manole

Page 2: Manual de Direito Processual Civil

M A N U A L D E D I R E I T O P R O C E S S U A L C I V I L

V O L U M E I - T E O R I A G E R A L E P R O C E S S O D E

C O N H E C I M E N T O

2 a E D I Ç Ã O A T U A L I Z A D A

Page 3: Manual de Direito Processual Civil

M A N U A L D E D I R E I T O P R O C E S S U A L C I V I L

V O L U M E l - T E O R I A G E R A L E P R O C E S S O D E

C O N H E C I M E N T O

2 a E D I Ç Ã O A T U A L I Z A D A

DA R L A N BA R R O S O

Advogado em São Paulo, mestrando em Direitos Difusos e Coletivos e especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor de Direito Processual Civil e Prática Jurídicana Universidade Paulista (UNIP), em cursos de pós-graduação e nos Cursos RCD e Proordem, na preparação para o Exame de Ordem

e concursos públicos. Co-autor do livro Prática jurídica civil, publicado pela Editora Manole.

A.Manole

Page 4: Manual de Direito Processual Civil

ASSOÛACÀO KASUttA 0€ 000106 BMÚGKAnCOS

Copyright © 2007 Editora Manole Ltda., por meio de contrato com o autor. Projeto Gráfico

Nelson Mielnik e Sylvia Mielnik

Editoração Eletrônica Acqua Estúdio Gráfico

Capa

Eduardo Bertolini

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro,

SP, Brasil)

Barroso, Darlan Manual de direito processual

civil, volume 1: teoria geral e processo de

conhecimento / Darlan Barroso. - 2. ed. ampl. e

atual. - Barueri, SP : Manole, 2007

Bibliografia

ISBN: 978-85-204-2455-1

1. Processo civil. 2. Processo civil - Brasil

I. Título. II. Série.

CDU-347.9

índice para catálogo sistemático:

1. Direito processual civil 347.9

2. Processo civil: Direito civil 347.9

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a

permissão expressa dos editores.

É proibida a reprodução por xerox.

1J edição - 2003 2J edição - 2007

Direitos adquiridos pela:

Editora Manole Ltda.

Avenida Ceei, 672 - Tamboré 06460-120 - Barueri - SP - Brasil Fone:

( 1 1 ) 4196-6000 - Fax: ( 11 ) 4196-6021 www.manole.com.br [email protected]

Impresso 110 Brasil Printed in Brazil

Page 5: Manual de Direito Processual Civil

À minha mãe Neide e à Sandra, mulheres que ocupam lugar especial na minha vida,

não apenas pelos laços que nos unem, mas também pelo constante exemplo de

fortaleza e determinação.

Page 6: Manual de Direito Processual Civil

S U M Á R I O

Apresentação ............................................................................................ XIX

Nota da 2a edição ................................................................................. XXI

Notada Ia edição ...................................................................................

XXIII

Agradecimentos ...................................................................................... XXV

Abreviaturas ..........................................................................................XXVII

1. DIREITO PROCESSUAL CIVIL

1

1.1 Conceito e natureza jurídica............................................ 1

1.2 Evolução histórica ........................................................... 4

1.2.1 Processo romano ................................................ 5

1.2.2 Processo romano-barbárico................................ 8

1.2.3 O direito processual civil brasileiro.................. 9

1.3 Fontes do direito processual ...........................................

11

1.3.1 A Constituição da República e a

lei processual...................................................... 12

1.3.2 Jurisprudência e súmulas (vinculantes e

não-vinculantes)................................................. 16

1.3.3 Regimentos e atos internos dos tribunais .. 19

1.4 Direito processual e direito material ............................. 22

Page 7: Manual de Direito Processual Civil

SUMÁRIO

1.5 A lei processual no tempo e no espaço ............................................... 24

1.6 Princípios ............................................................................................... 27

1.6.1 Princípios constitucionais........................................................ 27

1.6.2 Princípios internos do processo civil...................................... 39

2. JURISDIÇÃO.................................................................................................... 49

2.1 Conceito ................................................................................................. 49

2.2 Características........................................................................................ 51

2.3 Poderes da jurisdição............................................................................. 55

2.4 Espécies de prestações da tutela jurisdicional..................................... 56

2.4.1 Jurisdição comum ou especializada........................................ 56

2.4.2 Jurisdição voluntária ou contenciosa ..................................... 57

2.4.3 Jurisdição individual ou coletiva ............................................ 58

2.4.4 Jurisdição inferior e superior................................................... 59

2.5 Substitutivos da jurisdição ................................................................... 60

2.6 O Poder Judiciário brasileiro ............................................................... 62

2.6.1 Ingresso na magistratura.......................................................... 62

2.6.2 As garantias do Poder Judiciário e da

magistratura.............................................................................. 65

2.6.3 As vedações impostas aos membros do

Judiciário................................................................................... 68

2.6.4 Órgãos do Poder Judiciário...................................................... 69

2.7 Atividade descentralizada dos tribunais.............................................. 78

2.8 Órgãos com funções administrativas ou fiscalizadoras...................... 79

2.8.1 Conselho Nacional de Justiça.................................................. 79

2.8.2 Conselho da Justiça Federal e Escola Nacional de

Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados....................... 82

3. AÇÃO................................................................................................................. 85

3.1 Conceito ................................................................................................. 85

3.2 Teorias da ação...................................................................................... 87

3.3 Condições da ação ................................................................................ 90

3.3.1 Legitimidade ad causam........................................................... 91

3.3.2 Interesse de agir ....................................................................... 93

3.3.3 Possibilidade jurídica do pedido............................................. 93

3.3.4 Carência de ação....................................................................... 95

Page 8: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

3.4 Elementos da ação .................................................................................. 96

3.4.1 As partes da ação ...................................................................... 96

3.4.2 Causa de pedir .......................................................................... 97

3.4.3 O pedido .................................................................................... 98

3.5 Classificação das ações .......................................................................... 99

3.5.1 Ação de conhecimento ............................................................. 99

3.5.2 Ação de execução...................................................................... 103

3.5.3 Ação cautelar............................................................................. 104

3.5.4 Ação mandamental.................................................................... 105

3.5.5 Outras classificações................................................................. 107

4. PROCESSO .................................................................................................... 109

4.1 Definição e natureza jurídica.................................................................. 109

4.2 Elementos do processo............................................................................ 112

4.3 Espécies de processos ............................................................................ 113

4.4 Pressupostos processuais........................................................................ 114

4.4.1 Pressupostos subjetivos ........................................................... 115

4.4.2 Pressupostos objetivos.............................................................. 116

5. PARTES E PROCURADORES....................................................................... 121

5.1 Partes ....................................................................................................... 121

5.1.1 Capacidade de ser parte ...........................................................

123

5.1.2 Capacidade processual.............................................................. 123

5.1.3 Capacidade postulatória............................................................ 129

5.2 A advocacia ............................................................................................. 132

5.2.1 Dos direitos e deveres básicos do advogado .......................... 132

5.2.2 Do instrumento de mandato .................................................... 137

5.3 Deveres gerais das partes e dos procuradores....................................... 142

5.3.1 Deveres das partes e dos procuradores.................................... 143

5.3.2 Obrigações das partes: despesas processuais.......................... 146

5.4 A advocacia pública................................................................................ 151

5.5 Substituição das partes............................................................................ 152

5.5.1 Substituição por morte ou perda da capacidade

processual da parte .................................................................. 153

5.5.2 Substituição decorrente da alienação do bem

litigioso..................................................................................... 154

Page 9: Manual de Direito Processual Civil

SUMÁRIO

5.5.3 Intervenção de terceiros ........................................................... 154

6. LITISCONSÓRCIO ......................................................................................... 157

6.1 Definição de litisconsórcio.................................................................... 157

6.2 Espécies de litisconsórcio .................................................................... 1596.3 Posição dos litisconsortes...................................................................... 162

7. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS................................................................ 165

7.1 Definição ................................................................................................ 165

7.2 Assistência.............................................................................................. 167

7.2.1 Definição e cabimento.............................................................. 167

7.2.2 Espécies de assistência ............................................................ 168

7.2.3 Poderes do assistente ............................................................... 169

7.2.4 Efeitos da sentença.................................................................... 170

7.2.5 Procedimento da assistência .................................................... 171

7.3 Oposição ................................................................................................ 172

7.3.1 Cabimento.................................................................................. 172

7.3.2 Procedimentos e efeitos da oposição....................................... 173

7.4 Nomeação à autoria ............................................................................... 174

7.4.1 Definição e hipóteses de cabimento ....................................... 174

7.4.2 Procedimento............................................................................. 176

7.5 Denunciação da lide .............................................................................. 178

7.5.1 Definição ................................................................................... 178

7.5.2 Hipóteses de cabimento ........................................................... 180

7.5.3 Obrigatoriedade da denunciação da lide ................................ 182

7.5.4 Procedimentos .......................................................................... 183

7.6 Chamamento ao processo...................................................................... 185

7.6.1 Definição e cabimento.............................................................. 185

7.6.2 Procedimento............................................................................. 186

8. O JUIZ E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA .................................................. 189

8.1 Função do magistrado........................................................................ 189

8.2 Responsabilidades do juiz ................................................................ 191

8.3 Imparcialidade: impedimento e suspeição....................................... 192

8.4 Auxiliares da jurisdição .................................................................... 195

9. O MINISTÉRIO PÜBLICO ............................................................................ 199

9.1 A função do Ministério Público no Estado Democrático

de Direito........................................................................................... 199

Page 10: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

9.2 Características e garantias ................................................................ 199

9.3 Estrutura do Ministério Público........................................................ 200

9.3.1 Ministério Público da União........................................... 201

9.3.2 Ministério Público dos Estados...................................... 201

9.4 Atribuições do Ministério Público ................................................... 201

9.4.1 O Ministério Público como parte................................... 202

9.4.2 O Ministério Público como fiscal da lei ............. 204

9.5 Poderes na atuação do Ministério Público........................................ 208

9.6 Controle externo do Ministério Público........................................... 208

10. COMPETÊNCIA ............................................................................................. 211

10.1 Definição ............................................................................................ 211

10.2 Competência interna e internacional ................................................ 212

10.3 Critérios de distribuição de competência ........................................ 214

10.4 Competência funcional da Justiça Federal e das Justiças

dos Estados........................................................................................ 218

10.5 Competência territorial...................................................................... 222

10.5.1 Regra comum de foro...................................................... 222

10.5.2 Foros especiais ou privilegiados.................................... 225

10.6 Terminologias empregadas................................................................ 228

10.7 Competência em razão do valor da causa......................................... 228

10.8 Competência no Estado de São Paulo e na capital.......................... 229

10.9 Fórmula prática para verificação da competência........................... 235

10.10 Competência absoluta e relativa ....................................................... 237

10.11 Modificação da competência ............................................................ 241

10.11.1 Conexão e continência ................................................... 242

10.11.2 Foro de eleição ............................................................... 244

10.11.3 Modificação da competência na fase executória.......... 246

10.11.4 Modificação da competência nas ações relativas aos

direitos humanos............................................................... 246

10.12 Declaração e conflito de competência.............................................. 247

10.12.1 Procedimento da solução do conflito

de competência ................................................................ 249

10.12.2 Incidente de conflito de competência e exceção

de incompetência.............................................................. 252

10.13 Perpetuatio jurisdictionis..................................................................... 253

Page 11: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

11. ATOS PROCESSUAIS................................................................................... 255

11.1 Definição ............................................................................................ 255

11.2 Classificação e sujeitos dos atos processuais ................................. 256

11.2.1 Atos de pronunciamento do juiz ...................................... 257

11.2.2 Atos dos serventuários da justiça..................................... 261

11.2.3 Atos do Ministério Público .............................................. 262

11.3 Forma dos atos processuais............................................................... 262

11.4 Do tempo e lugar dos atos processuais ............................................ 265

11.4.1 Transmissão de petições por meios eletrônicos.............. 267

11.4.2 Uso de meios eletrônicos nos processos.......................... 269

11.5 Prazos processuais.............................................................................. 269

11.5.1 Espécies ou classificação dos prazos............................... 270

11.5.2 Contagem dos prazos ........................................................ 272

11.5.3 Prerrogativas de prazos .................................................... 275

11.5.4 Preferência nos julgamentos ............................................ 276

11.6 Comunicação dos atos processuais................................................... 279

11.6.1 Cartas.................................................................................. 280

11.6.2 Citações ............................................................................. 284

11.6.3 Intimações.......................................................................... 296

11.7 Nulidade dos atos processuais........................................................... 298

12. ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS..................... 301

12.1 A gratuidade como acesso à jurisdição ........................................... 301

12.2 A gratuidade processual: “assistência judiciária gratuita”............. 303

12.2.1 Cabimento e abrangência da gratuidade

processual ......................................................................... 303

12.2.2 Requerimento e apreciação judicial................................. 305

12.2.3 Impugnação e efeitos......................................................... 308

13. FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO .................. 311

13.1 Formação do processo........................................................................ 311

13.1.1 Distribuição........................................................................ 312

13.2 Suspensão do processo ..................................................................... 313

13.3 Extinção do processo......................................................................... 31713.3.1 Extinção do processo sem resolução do mérito.............. 318

13.3.2 Extinção do processo com resolução do mérito ............. 327

Page 12: Manual de Direito Processual Civil

SUMÁRIO XIII

14................................................................................................................................. PROC

EDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO ...................................... 331

14.1 Definição ............................................................................................ 331

14.2 Procedimento ordinário .................................................................... 333

14.2.1 Fases do procedimento comum........................................ 333

14.3 Procedimento sumário ...................................................................... 335

14.3.1 Definição e características do rito sumário..................... 335

14.3.2 Hipóteses de cabimento ................................................... 336

14.3.3 Peculiaridades do rito sumário ........................................ 341

14.4 Procedimentos especiais.................................................................... 344

15................................................................................................................................. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA ............................................................... 347

15.1 Definição ............................................................................................ 347

15.2 Distinção entre antecipação da tutela, cautelares e

liminares............................................................................................ 348

15.3 Características da antecipação dos efeitos da tutela ....................... 352

15.3.1 Antecipação dos efeitos da tutela..................................... 352

15.3.2 Satisfatividade .................................................................. 353

15.3.3 Utilidade contra abuso do direito de defesa ................... 353

15.3.4 Provisoriedade .................................................................. 353

15.4 Requisitos de cabimento.................................................................... 354

15.4.1 Prova inequívoca da verossimilhança das

alegações............................................................................ 354

15.4.2 Reversibilidade.................................................................. 355

15.4.3 Perigo de dano .................................................................. 355

15.4.4 Abuso do direito de defesa .............................................. 356

15.4.5 Pedido incontroverso......................................................... 357

15.5 Legitimidade para o requerimento.................................................... 357

15.6 Momento para requerimento e concessão ....................................... 358

15.7 Execução da decisão antecipatória................................................... 361

15.8 Questões polêmicas acerca da tutela antecipada ............................ 363

15.8.1 Possibilidade de antecipação contra as Fazendas

Públicas ............................................................................. 363

15.8.2 Fungibilidade entre a tutela antecipada e medida

cautelar ............................................................................. 366

Page 13: Manual de Direito Processual Civil

XIV MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

16................................................................................ PETIÇÃO INICIAL E O PEDIDO

...........................................................................................................................................369

16.1 Definição ............................................................................................ 369

16.2 Estrutura e requisitos.......................................................................... 371

16.2.1 Endereçamento .................................................................. 371

16.2.2 Preâmbulo da petição inicial............................................. 372

16.2.3 Fatos e fundamentos jurídicos........................................... 374

16.2.4 Pedido.................................................................................. 376

16.2.5 Requerimentos.................................................................... 376

16.2.6 Valor da causa ................................................................... 377

16.2.7 Documentos indispensáveis............................................... 381

16.3 O pedido.............................................................................................. 381

16.3.1 Definição ............................................................................ 381

16.3.2 Requisitos do pedido ......................................................... 384

16.3.3 Espécies de pedidos especiais........................................... 385

16.3.4 Vícios e alteração do pedido ............................................ 390

16.4 Juízo de admissibilidade da petição inicial ..................................... 392

17......................................................................................................... DEFESAS DO RÉU

...........................................................................................................................................395

17.1 O contraditório e o ônus da resposta do réu..................................... 395

17.2 Prazo para resposta............................................................................. 396

17.3 Contestação......................................................................................... 397

17.3.1 Revelia (contumácia do réu).............................................. 401

17.4 Exceções.............................................................................................. 404

17.4.1 Exceção de incompetência .................................................. 405

17.4.2 Exceção de impedimento ou suspeição............................... 407

17.5 Reconvenção....................................................................................... 409

17.5.1 Prazo e forma de propositura dareconvenção ................. 410

17.5.2 Procedimento da reconvenção........................................... 411

17.5.3 Reconvenção e pedido contraposto .................................. 412

17.5.4 Distinção entre reconvenção e ação declaratória

incidental........................................................................... 413

17.6 Outras modalidades de respostas do réu .......................................... 416

17.6.1 Impugnação ao valor da causa.......................................... 416

17.6.2 Impugnação à concessão da justiça gratuita ................... 417

Page 14: Manual de Direito Processual Civil

SUMÁRIO XV

18. FASE DO SANEAiMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O

ESTADO DO PROCESSO.............................................................................. 421

18.1 Providências preliminares ................................................................ 422

18.2 Audiência preliminar de conciliação ............................................... 422

18.3 Despacho saneador............................................................................. 426

18.4 Julgamento conforme o estado do processo .................................... 428

18.4.1 Extinção sem julgamento do mérito ............................... 429

18.4.2 Julgamento antecipado do mérito ................................... 430

19................................................................................................................................. INST

RUÇÃO DO PROCESSO.......................................................................................... 433

19.1 Teoria geral da prova ........................................................................ 433

19.1.1 Definição e objeto da prova ............................................. 436

19.1.2 Ônus probatório ................................................................ 438

19.1.3 Requerimento e admissão da prova................................. 441

19.1.4 Produção da prova............................................................. 443

19.1.5 Valoração da prova .......................................................... 447

19.1.6 Espécies de provas............................................................ 44919.2 Confissão ............................................................................................ 449

19.2.1 Espécies de confissão ....................................................... 450

19.2.2 Cabimento e efeitos da confissão..................................... 451

19.3 Depoimento pessoal e interrogatório................................................ 452

19.4 Exibição de documentos ou coisas .................................................. 455

19.4.1 Definição e finalidade da exibição................................... 455

19.4.2 Procedimento do incidente de exibição .......................... 456

19.4.3 Justificativas para a recusa............................................... 458

19.5 Prova documental............................................................................... 461

19.5.1 Definição de documento .................................................. 461

19.5.2 A prova documental no Código Civil de 2002 .............. 462

19.5.3 Espécies de documentos................................................... 464

19.5.4 Produção da prova documental........................................ 465

19.5.5 Argüição de falsidade....................................................... 468

19.5.6 Reproduções dos documentos.......................................... 471

19.6 Prova testemunhal ............................................................................. 472

19.6.1 Definição e cabimento da prova testemunhal................. 472

19.6.2 Quem pode ser testemunha .............................................. 474

19.6.3 Contradita .......................................................................... 478

19.6.4 Produção da prova testemunhal ...................................... 480

Page 15: Manual de Direito Processual Civil

XVI MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

19.7 Prova pericial ..................................................................................... 483

19.7.1 Admissão da prova pericial .............................................. 484

19.7.2 Nomeação do perito e indicação dos assistentes

técnicos.............................................................................. 485

19.7.3 Recusa de submissão à perícia ......................................... 487

19.8 Inspeção judicial ................................................................................ 489

19.9 Audiência de instrução....................................................................... 490

19.9.1 Decisões proferidas em audiência.................................... 493

19.10 Encerramento da instrução................................................................. 493

20. SENTENÇA E A COISA JULGADA............................................................. 495

20.1 Sentença.............................................................................................. 498

20.1.1 Conceituação...................................................................... 498

20.1.2 Espécies de sentenças e tutelas prestadas no

processo de conhecimento .............................................. 499

20.1.3 Requisitos formais das sentenças...................................... 502

20.1.4 Limites da sentença............................................................ 504

20.1.5 Tutelas específicas das obrigações de fazer e

não fazer............................................................................ 505

20.1.6 Modificação das sentenças pelo próprio juiz................... 507

20.2 Coisa julgada....................................................................................... 508

20.2.1 Espécies de coisa julgada ................................................. 50920.2.2 Extensão ou limites da coisa julgada .................. 510

21. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA..................................................................... 515

21.1 Sentenças ilíquidas............................................................................. 516

21.2 Sentença anterior à reformada Lei n. 11.232/2005 ......................... 517

21.3 Espécies de liquidação ...................................................................... 518

21.3.1 Liquidação por cálculos..................................................... 518

21.3.2 Liquidação por arbitramento............................................. 522

21.3.3 Liquidação por artigos....................................................... 522

21.4 Recurso cabível na liquidação........................................................... 524

21.4.1 Liquidação na pendência de recurso................................. 524

21.4.2 Citação do devedor na liquidação .................................... 525

22. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA ............................................................... 527

22.1 Títulos judiciais.................................................................................. 528

Page 16: Manual de Direito Processual Civil

SUMÁRIO XVII

573

22.2 Reforma introduzida pela Lei n. 11.232/2005 ................................. 532

22.3 Modos de cumprimento das sentenças ............................................. 533

22.4 Execução provisória e execução definitiva do julgado.................... 534

22.5 Cumprimento das sentenças de quantia ........................................... 536

22.5.1 Competência jurisdicional para o

cumprimento da sentença................................................. 536

22.5.2 Cumprimento voluntário.................................................... 538

22.5.3 Efeitos do não cumprimento voluntário........................... 540

22.5.4 Impugnação contra o cumprimento da sentença ............ 541

ANEXO 1 ................................................................................................................... 547

ANEXO 2.................................................................................................................... 551

ANEXO 3.................................................................................................................... 557

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 567

ÍNDICE REMISSIVO

A P R E S E N T A Ç Ã O

Fiquei muito feliz e honrada ao receber o convite para prefaciar a obra Manual de Direito Processual Civil, cio professor Darlan Barroso, jovem processualista que vem se destacando como professor de Direito Processual Civil na Universidade Paulista (Unip), respeitado e querido por seus alunos.

Quanto à obra, acompanhei de perto sua elaboração e vi a dedicação do professor Darlan, seu empenho em elaborar um trabalho que, com objetividade e clareza, abordasse o Processo de Conhecimento em todas as suas peculiaridades.

Trata-se de trabalho minucioso ao qual o autor procurou dar cunho prático, sem, contudo, esquecer os aspectos teóricos que foram, também, examinados com profundidade e senso crítico invejável.

É obra que se destaca, igualmente, pela preocupação didática do autor, fruto, com certeza, de sua vitoriosa experiência como docente, de seu empenho em desvendar para seus alunos os meandros do Processo Civil, tão misterioso e árduo para aqueles que se iniciam na carreira jurídica.

O Processo Civil é abordado como meio pelo qual os direitos podem ser plenamente assegurados e não como um fim em si mesmo. E essa é a missão mais nobre do Processo.

Afinal, de que valem os direitos se não tivermos um instrumento eficaz para garanti-los? E de que vale termos instrumentos se não soubermos manuseá-los? O livro do professor Darlan Barroso é um manual hábil sobre a utilização do Processo Civil como instrumento na proteção dos direitos.

Por tudo isso, e por muito mais, é obra importante e que, com certeza, terá grande aceitação por parte de todos os estudiosos do Direito Processual Civil.

Somente me resta agora desejar sucesso ao autor e à obra e dizer: Darlan, sua dedicação valeu a pena e você pode sentir o justo orgulho da missão bem cumprida.

Page 17: Manual de Direito Processual Civil

XVIII MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Leda Pereira da Mota

(in memoriam)

Advogada em Sào Paulo, professora de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de Sào Paulo (PUC-SP), na Universidade Paulista (Unip) e no Curso Robortella.

A segunda edição tardou a ser publicada em decorrência do grande número de reformas introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro.

Primeiro veio a Emenda Constitucional n. 45/2004, que, com o objetivo de fazer a "reforma do Judiciário", alterou sensivelmente a estrutura deste Poder, e criou novos instrumentos na realidade processual, como o princípio constitucional da eficiência, a criação do Conselho Nacional de Justiça, a permissão para o Supremo Tribunal Federal editar súmulas vin- culantes, as modificações de competências, enfim, uma série de novos institutos que passamos a comentar nesta obra.

Posteriormente à "reforma do judiciário", veio a reforma infraconstitucional, com grandes alterações do Código de Processo Civil, em especial pela modificação introduzida no sistema do cumprimento das sentenças (o que anteriormente fazia parte do processo de execução), com a Lei n. 11.232/2005, e nas regras dos recursos, entre outras matérias, pelas Leis ns. 11.187/2005,11.276/2006,11.277/2006 e 11.280/2006.

Assim, com as reformas, uma dura decisão nos foi imposta, qual seja, a de alterar a formatação

original dos volumes do Manual de Direito Processual Civil.A matéria que antes seria objeto de estudo no volume II, ao se analisar o processo de execução,

passou, por imposição legislativa (Lei n. 11.232/2005), a ser um atributo das sentenças e, conseqüentemente, melhor seria para a didática estudar o cumprimento e a liquidação das sentenças quando do estudo de tal matéria, e não separadamente no v. II. Desta forma, inserimos os capítulos 21 e 22 para atender à nova realidade do instituto do cumprimento das sentenças.

Por outro lado, resolvemos passar para o v. II todos os capítulos relativos aos recursos, tratando com mais vagar tais tópicos que demandam grande atenção pelos profissionais e estudantes do Direito, com inclusão da reforma citada.

Procuramos, quando da atualização e ampliação, incluir toda a reforma processual até então vigente, inclusive com a inserção de novas jurisprudências, súmulas e manifestações da doutrina processual.

Como na primeira edição, esperamos que nossos leitores tenham acesso a um material objetivo, didático e atualizado, para que possam desvendar as armadilhas e regras do jogo processual.

Brincamos em nossas aulas de processo que o bom processualista nada mais é do que aquele profissional que conhece as regras do jogo, aquele que sabe a hora exata e o modo de, dentro dos limites legais e éticos, atacar para sair vencedor.

Os passos lentos da reforma não colaboraram para a celeridade na atualização do livro, já que, de 2004 a 2007, nosso sistema processual sofreu grandes alterações, muitas delas capazes de modificar os conceitos mais tradicionais acerca de alguns temas (por exemplo, com a dispensa da citação introduzida no art. 285-A).

Em relação a muitos temas novos, dada a ausência de jurisprudência, restou-nos apenas trazer os comentários da doutrina e tecer nossos simples entendimentos, ficando para o futuro conhecermos o que os tribunais falarão acerca dos tópicos mais polêmicos tratados nesta edição.

Que o tempo nos permita continuar no estudo do processo e a cada dia de magistério e advocacia, na troca de experiências com alunos, colegas professores e advogados, aumentar nossa paixão em desvendar as regras do jogo na aplicação do Direito ao caso concreto.

Darlan BarrosoA idéia de elaborar um Manual de Direito Processual Civil surgiu ao percebermos, nos

cursos universitários cie direito e nos preparatórios para concursos públicos, uma dificuldade muito grande dos estudantes em iniciar seus estudos diretamente pelas obras clássicas do Direito Processual Civil.

Por essa razão, nosso objetivo - também manifestado pela Editora Manole - era o da concepção de um livro objetivo e didático, que tivesse por fim introduzir o aluno no campo do Processo Civil.

Assim, este trabalho não teve a pretensão de equiparar-se às brilhantes obras do Processo Civil, mas a de conferir ao estudante e ao profissional do direito um conhecimento objetivo, fácil e prático dessa matéria tão relevante para o direito brasileiro.

Procuramos aqui, de forma sintética, abordar as principais manifestações doutrinárias sobre os temas do Processo de Conhecimento e da Teoria Geral do Processo, com citações dos processualistas que se tornaram mitos na matéria e outros também muito respeitados na atualidade.

Page 18: Manual de Direito Processual Civil

N O T A D A I a E D I Ç Ã O

19

Tentamos estampar neste trabalho a filosofia que desenvolvemos na docência do Processo Civil nos cursos universitários e preparatórios, segundo a qual nenhum estudo de direito é completo sem a análise conjunta da legislação, da doutrina e da jurisprudência.

Por essa razão, as notas (de rodapé) desenvolvidas neste livro têm grande importância para a completa compreensão do tema, já que tentamos trazer as diversas posições doutrinárias e a manifestação, quase sempre, da jurisprudência predominante.

O projeto original tem como objetivo três manuais: I - Teoria Geral e Processo de Conhecimento, II - Processo de Execução e Processo Cautelar e III - Procedimentos Especiais no CPC e na legislação extravagante. Estes dois últimos esperamos editar em breve.

Desde logo, pedimos desculpas pelos desacertos ou discordâncias com as quais, eventualmente, se deparem nossos leitores. Ficaremos gratos pelas sugestões e críticas que queiram externar, já que temos o compromisso de aprimoramento constante desta obra e de nossos conhecimentos acerca do Processo Civil, que tanto nos seduz.

Certamente, a vida ficará muito sem graça quando acharmos que “sabemos tudo” e que não nos resta mais nada para aprender. Sinto- me feliz de ser considerado jovem e por ter muita coisa ainda para conhecer.

Darlan Barroso

Page 19: Manual de Direito Processual Civil

xxv

A G R A D E C I M E N T O S

Não posso deixar de iniciar este trabalho agradecendo, sobretudo, a Deus, pela presença constante em minha vida e pela força nos momentos difíceis, quando pensei em desistir.

Escrever este livro e ser professor são coisas que devo à Leda Pereira da Mota, de quem tive a honra de me considerar amigo. Apesar de não estar mais entre nós, Leda ainda permanece em nossas lembranças pelos testemunhos que deixou. Mestra de quem, infelizmente, não tive o privilégio de ser aluno nos bancos da universidade, mas serei eternamente seu discípulo nos exemplos de amor e dedicação ao magistério, pelo qual eu também fui seduzido.

Ao amigo Roberto Baptista Dias da Silva, por um dia ter acreditado no potencial do meu trabalho e pela compreensão e incentivo sempre presentes.

À querida Stella Kuhlmann, amiga filosofadom, que embaralha minha cabeça com os porquês da filosofia, mas que me tem ajudado a entender um pouco mais o mundo, as pessoas e a mim mesmo.

Aos meus alunos e ex-alunos, pelo conhecimento que adquiri tentando transmitir-lhes o Processo Civil e por terem sido a motivação deste trabalho.

A B R E V I A T U R A S

§ - parágrafo a.C. - antes de Cristo ac. - acórdão

ADC - ação declaratória de constitucionalidade

ADI - ação declaratória incidental

ADIn - ação direta de inconstitucionalidade

AGU - Advocacia-Geral da União

AI - agravo de instrumento

Page 20: Manual de Direito Processual Civil

xxv

Ag. Reg. - agravo regimental

art. - artigo

BAASP - Boletim da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo

CC - Código Civil cit. - citação, citado

CDC - Código de Defesa do Consumidor CF - Constituição Federal CLT — Consolidação das Leis do

Trabalho CNJ - Conselho Nacional de JustiçaCNMP - Conselho Nacional do Ministério PúblicoCPC - Código de Processo CivilCPI - Comissão Parlamentar de Inquéritod.C. - depois de CristoDes. - desembargador

DJ - Diário da Justiça (União)DOE - Diário Oficial do EstadoEAOAB - Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do BrasilEC - emenda constitucionalEDcl - embargos declaratórios

HC- habeas corpusj. - julgado emm.v. - maioria de votosMC - medida cautelar (ação cautelar)Min. - ministro MP - Ministério Público MS - mandado de segurança n. - númeroOAB - Ordem dos Advogados do Brasil ob. - obra

op. cit. - na obra anteriormente citada p. - página Pet. - petiçãoRBDP - Revista Brasileira de Direito Processual RDA - Revista de Direito Administrativo RE - recurso extraordinário Rei. - relatorRePro - Revista de Processo (RT)REsp - recurso especialRISTF - Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal RISTJ - Regimento Interno do Superior

Tribunal de Justiça RJTJSP - Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São PauloRMS - recurso em mandado de segurança ROC - recurso ordinário constitucional RSTJ - Revista do

Superior Tribunal de Justiça

RT - Revista dos Tribunais

RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência

Page 21: Manual de Direito Processual Civil

xxv

SS - suspensão de segurança

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ — Superior Tribunal de Justiça

STM - Superior Tribunal Militar

T. - Turma

TFR - Tribunal Federal de Recursos

TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

TRF - Tribunal Regional Federal

TRT - Tribunal Regional do Trabalho

TSE - Tribunal Superior Eleitoral

TST - Tribunal Superior do Trabalho

v.u. - votação unânime

Page 22: Manual de Direito Processual Civil

1

t

D I R E I T O

P R O C E S S U A L C I V I L

1.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A vida em sociedade, como bem conhecemos, é repleta de conflitos entre os particulares ou entre estes e o próprio Estado. Assim, ocorrendo disputa sobre os bens da vida, o Estado intervém nesse conflito de interesses para manifestar a vontade da lei ao caso concreto.

A história demonstra que os indivíduos, freqüentemente, entram em conflito entre si pela disputa de bens que importam para a vida humana: a propriedade, a moral, a liber-dade, a segurança, as relações de parentesco etc.

As contendas existentes na sociedade são resolvidas por intermédio do Poder Judiciário com a finalidade de fazer prevalecer o império da ordem jurídica e a paz social sobre a vontade privada ou particular dos litigantes, evitando com isso que os indivíduos exerçam a “justiça privada” ou “justiça pelas próprias mãos”, meios que, quase sempre, conduzem à vingança e à vitória do mais forte sobre o mais fraco, inde-pendentemente de quem tenha razão no conflito.

Page 23: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por sua vez, para a efetivação da atividade jurisdicional - dizer o direito ao caso concreto -, o Estado se vale do processo. O estudo das normas, o modo de procedimento dos atos e os princípios que regem o exercício desse Poder do Estado são abrangidos pelo campo jurídico denominado direito processual.

O direito processual representa o ramo da ciência jurídica destinado ao estudo e ã regulamentação da atividade jurisdicional do Estado e da relação jurídica que se desenvolve, por meio do processo, entre as partes, seus procuradores e os agentes do Poder Judiciário, na busca de aplicar o direito ao caso concreto e pôr fim às lides existentes na sociedade.

Atualmente, o Direito Processual goza de autonomia legislativa e científica, revelando-se verdadeiro ramo do direito público destinado ao estudo e à sistematização das regras que norteiam a atividade do Estado na solução dos conflitos.

A autonomia se verifica pelo fato de o Direito Processual gozar de instrumentos normativos próprios e independentes do direito material. O legislador separou o direito material do direito processual, criando instrumentos próprios para cada ramo. Por exemplo, para a definição do direito material criou os Códigos Civil e Penal; para a viabilização dos processos, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, além das diversas leis processuais extravagantes.

No entanto, nem sempre o direito processual foi autônomo, sendo certo que no princípio era visto apenas como um acessório do direito material (civil ou penal). Mais adiante, desenvolveu-se a idéia de “direito judiciário” ou “praxe forense”, terminologias estas que, equivoca- damente, contemplavam a ciência processual com base apenas na figura do juiz e na atividade do Poder Judiciário.

As denominações referidas receberam inúmeras críticas, pois baseavam a conceituação restritamente sobre um dos sujeitos do processo, qual seja o juiz, esquecendo-se dos demais elementos que o integram, como as partes, seus procuradores e os demais agentes da jurisdição.

Finalmente, por influência da doutrina alemã,1 posteriormente seguida pela italiana, passou-se a denominar a referida ciência como direito processual, respectivamente penal e civil para cada área do direito posto em juízo.

Além disso, não se pode deixar de afirmar que o direito processual é uno,2 mas, considerando-se a natureza do conflito, é classificado ou subdividido em dois grandes ramos, ou seja, tratando-se de lides relacionadas aos crimes e ao direito do Estado de punir o infrator (criminoso), esta atividade jurisdicional será regida pelo Direito Processual Penal. Em sentido diverso, e também por um critério de exclusão, não versando o conflito sobre matéria penal, a atividade jurisdicional será regulada pelo Direito Processual Civil.

Portanto, demandas relacionadas com direito empresarial (do comércio), civil, administrativo, tributário etc., excluindo as lides de natureza criminal, também terão seus processamentos regidos pelo Direito Processual Civil.

A esse respeito, o ilustre professor José Frederico Marques conceitua:3

0 Direito Processual Civil é, grosso modo, o ramo da Ciência Jurídica que tem por objeto a regulamentação do processo pertinente à jurisdição civil. Assim sendo, cabe-lhe sistematizar os princípios e regras sobre o processo da jurisdição ordinária em que se procura a composição de litígios não-penais.É importante ressaltar, também, que o Direito Processual tem natureza de direito público pelo fato

de referir-se, basicamente, a uma das atividades de poder do Estado, sendo responsável pela imposição das normas de atuação do Poder Judiciário no processo.

A verificação da natureza do Direito Processual é relevante em razão dos efeitos que advêm dessa característica pública. Como bem sabemos, o direito público se opõe ao direito privado, ao passo que este é de interesse apenas dos particulares envolvidos no conflito; no direito público o interesse é coletivo ou da sociedade.

O direito público não é passível de ser dispensado sobre qualquer forma, sendo direito da coletividade e não do particular.

De fato, o exercício da jurisdição não interessa apenas aos particulares envolvidos na questão litigiosa, mas influencia a vida de toda a sociedade, que tem interesse na regular atuação do Estado na composição da controvérsia para garantir, com isso, a paz social.

São do interesse coletivo a fiel aplicação da justiça, a regularidade das funções dos magistrados e a honradez no exercício de todas as atividades do Judiciário, que dão aos administrados (toda a sociedade) a segurança jurídica e a confiança no referido Poder Judiciário.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Ao longo da história da humanidade, o direito processual evoluiu partindo de um período primitivo, em que a justiça era realizada pelos próprios litigantes e sem a intervenção do Estado, até o momento contemporâneo, no qual a atividade jurisdicional se tornou monopólio do Estado.

No princípio, segundo relatos contidos no Livro Sagrado,1 a organização social existente na época limitava-se à outorga de direitos às pessoas, como a proteção do direito à vida, o direito sobre os bens (inclusive escravos), restrições morais e religiosas, mas não estabelecia meios de garantia desses direitos, conferindo aos próprios titulares do suposto direito a possibilidade de fazer a sua justiça privada.

1' Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, Teoria geral do processo.

2 Idem. "Como é una a jurisdição, expressão do poder estatal igualmente uno é o Direito Processual, como sistema de princípios e normas para o exercício da jurisdição. 0 Direito Processual como um todo decorre de grandes princípios e garantias constitucionais pertinentes e a grande bifurcação entre processo civil e processo penal corresponde apenas a exigências pragmáticas relacionadas com o tipo de normas jurídico-substanciais a atuar".

3 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 44.

Page 24: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 35

Em período primitivo as organizações sociais limitavam-se à prescrição de direitos, sem o estabelecimento de mecanismos que garantissem a imposição da norma ao caso concreto por pessoa alheia e desinteressada no conflito, a fim de dar cabo à contenda. Pelo contrário, a fraca organização social admitia a forma de justiça privada, o que conhecemos como “olho por olho, dente por dente”. A aplicação da justiça era realizada na forma de verdadeira vingança.

Page 25: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 5

O poder de aplicação da “justiça” também já foi exclusividade do chefe de família, o patriarca -

do latim patriarcha-, a quem estavam submetidos todos os demais membros do núcleo familiar. O pai podia dispor sobre a vida do filho, rejeitar a paternidade no momento do nascimento, vendê-lo como escravo em praça pública e decidir sobre suas relações conjugais, sem a intervenção de terceiro nas questões da família.

■ i 1 . 2 . 1 P R O C E S S O R O M A N O

Com a evolução social e especialmente visando o fortalecimento do Império Romano, esse Estado percebeu que não poderia deixar que a justiça fosse realizada pelos próprios particulares, mas que a aplicação das normas sociais aos conflitos concretos deveria submeter-se ao próprio poder soberano.

Dessa forma, na evolução do Império Romano, vislumbramos as seguintes fases do direito

processual:

a) Período primitivo. Período da fundação de Roma em 754 a.C. até o ano 149 a.C., também

denominado de legis actiones (ações da lei), no qual o Estado previa a manipulação de cinco modalidades de ações legais, com procedimentos orais extremamente solenes, ao passo que um simples erro no uso das palavras poderia acarretar a invalidade de todo o processo.

As ações da lei,4 previstas na Lei das XII Tábuas,5 consistiam em: legis actio per sacramentum, que era o processo comum e geral quando não havia uma ação específica; legis actio per conditionem, que tinha por finalidade a defesa do credor contra o devedor; legis actio per iudicis arbitrive postulationem, para a obtenção de indenizações; legis actio per pignoris, com natureza de ação executiva; e actio per manus iniectionem, quando o devedor confessava a dívida, facultando ao credor dispor sobre a pessoa do devedor como forma de satisfação do crédito.

No período primitivo, os processos se desenvolviam em duas fases: a primeira, denominada de

in iure, era realizada perante o fun-

4 Luiz Fux, Curso de direito processual civil, p. 30.5 450 a.C.

Page 26: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

cionário do Estado (magistrado ou pretor), que conferia a ação ao autor, e a outra fase

chamada de in iudicio, perante um árbitro (um particular), que decidia o conflito. Nesse período as partes compareciam pessoalmente em juízo, não havendo a figura do advogado.

Ressalte-se que a jurisdição romana somente se aplicava aos cidadãos de Roma, já que apenas

eles estavam subordinados à lei (ius civile), os estrangeiros estavam excluídos da garantia de jurisdição.

b) Período formulário. Período do ano 149 a.C. até o século III da era cristã, no qual foram abolidas as ações do período primitivo, ficando facultada aos magistrados (funcionários do Estado Romano - pretores) a concessão de fórmulas para a solução dos conflitos. O pretor possuía o poder de conceder à parte uma fórmula processual para a solução do litígio. O magistrado conferia um modelo abstrato de procedimento,6 desprendendo-se das ações previstas na lei como no período anterior.

Com o crescimento do Império Romano e a necessidade de uma jurisdição que atendesse inclusive

aos estrangeiros, surgiu a figura do pretor peregrino,7 que aplicava o direito ao caso

concreto segundo novas fórmulas, já que os estrangeiros não estavam sujeitos às legis actiones e ao ius civile (ações das leis do período anterior e a lei dos cidadãos de Roma, respectivamente).

Nessa fase do processo romano, o procedimento também se dividia em duas fases distintas: a

primeira, desenvolvida perante o pretor (fase in iure), tinha por finalidade a verificação do direito de ação do autor. Assim, após verificar a pretensão do autor e a defesa do réu, o pretor

concedia uma fórmula8 às partes. Concedida a fórmula, iniciava-se a segunda fase do processo (in iudicio). Os litigantes compareciam diante do magistrado (árbitro), que tinha por atribuição julgar o conflito proferindo uma sentença.

Não se pode deixar de dizer, também, que no período formulário era facultado às partes

comparecer em juízo acompanhadas de juristas e assistidas por procuratores ou cognitores,'0 surgindo aí a figura do advogado.

c) Período cognitio extraordinariaPeríodo que se desenvolveu do ano 294 d.C até 534 d.C, no qual a atividade jurisdicional passou a ser exercida exclusivamente pelo Estado,9 sem a participação de particulares na condição de magistrados ou árbitros, e não mais havia a submissão às fórmulas.

As características predominantes deste período do processo romano são: a) o monopólio do Estado na solução dos conflitos, sendo que os magistrados eram exclusivamente funcionários do Estado e não particulares; b) a abolição das fórmulas, atribuindo ao magistrado o poder de conhecer do litígio, verificar as provas, proferir sentença e executar a medida, sem a divisão do procedimento em duas fases, como ocorria nos sistemas anteriores; c) a pretensão do autor, quando apresentada oralmente, era reduzida à escrita, depois, citava-se o réu para a apresentação de sua defesa;

d) o não-comparecimento do réu permitia a imposição da revelia;

e) a possibilidade de a parte vencida interpor recurso contra a sentença do magistrado (apelação); f) os magistrados eram organizados em graus de hierarquia;10 e g) a execução da sentença, visando a satisfação do direito do autor, se realizava por meios coercitivos do Estado, inclusive com a penhora de bens.

De fato, o sistema processual brasileiro da atualidade guarda grande semelhança com o

processo romano ocorrido no período da cognitio extraordinaria.M 1 . 2 . 2 P R O C E S S O R O M A N O - B A R B Á R I C O

Com a queda do Império Romano do Ocidente, provocada pelas invasões dos povos germânicos, passou-se à utilização dos costumes bárbaros nas soluções dos conflitos, com a aplicação de técnicas jurídicas rudimentares e com grande perda das técnicas processuais até então desenvolvidas pelos romanos.

O processo bárbaro-germânico foi marcado por procedimentos fundados em exagerado fanatismo religioso, duelos judiciais, jogos de azar, bruxarias, exorcismo e a crença na intervenção divina nos julgamentos (“juízo de Deus”).H

A colheita da prova processual poderia basear-se apenas no juramento das partes ou, ainda, em torturas que colocavam o litigante sob prova da intervenção divina, como a prova do fogo, da água fer-vente ou fria, do cadáver, da serpente, entre outros meios cruéis. Quando o indivíduo suportava a

6 Jônatas Luiz Moreira de Paula, História do direito processual brasileiro, p. 49.7 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 40.8 Escrita em tábua de madeira, compreendia um modelo de procedimento, com a indicação da

litiscontestatio (pretensão do autor e defesa do réu).

9 Luiz Fux (op. cit., p. 31), afirma que é no período cognitio extraordinaria que surge o "embrião da jurisdição", fazendo referência ao modelo de jurisdição que conhecemos atualmente, cuja atividade é monopólio do Estado.

10Jônatas Luiz Moreira de Paula, op. cit., p. 29.

Page 27: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 39

tortura ou a prova era absolvido e considerado inocente dos fatos que lhe eram imputados, chegando- se, até mesmo, a submissão das provas ao julgamento por assembléias populares.

A partir do século XI, com a criação da Universidade de Bolonha, deu-se início ao que se denominou de processo comum, consubstanciado em uma mistura do processo germânico, romano e canônico, empregando práticas processuais com exacerbado formalismo, obrigatoriamente escrito, lento e complicado, e com admissão da tortura como meio de obtenção da prova. O processo comum expandiu-se por grande parte da Europa.

Não obstante o processo bárbaro, que perdurou durante grande parte da Idade Média, a Igreja Católica conseguiu conservar antigos institutos do processo romano, inclusive formulando o direito canônico com base nessas técnicas, o que permitiu o resgate e a influência romana no direito de grande parte dos países da Europa e, conseqüentemente, no atual direito processual brasileiro.

H 1 . 2 . 3 O D I R E I T O P R O C E S S U A L C I V I L B R A S I L E I R O

Durante o tempo em que o Brasil foi colônia de Portugal, apli- cavam-se na colônia todas as normas

vigentes na Corte. Inicialmente eram as Ordenações Afonsinas,11 elaboradas com forte influência do

direito romano e canônico, seguidas pelas Ordenações Manuelinas12 (do ano de 1521), que mantinham o

espírito do velho processo comum difundido por toda a Europa (formalista, lento e complicado).

Com a subida ao trono de Portugal do monarca Filipe II, foi elaborado novo Código, então

denominado Ordenações Filipinas13 (conhecidas também como Ordenações do Reino) com grande influência do

processo canônico, pelas quais o processo se desenvolvia de forma escrita, os atos eram realizados em

segredo, o processo se movimentava apenas por provocação das partes e no fim de cada fase processual

havia uma paralisação até que a parte interessada impulsionasse o seu curso novamente.

Quando da independência do Brasil, por decreto imperial, determinou-se a continuidade da aplicação

do direito português ao novo País, sendo certo que na época encontravam-se vigentes as Ordenações

Filipinas, que continuaram a ter aplicabilidade até o advento do Código Comercial, isto em 1850.

Com o advento do Código Comercial, foi editado o Regulamento n.737, a princípio disciplinando o

processo apenas para as causas de natureza comercial, sendo posteriormente editado o Regulamento n. 763,

que estendeu o Regulamento n. 737 também às causas cíveis, dando início ao direito processual

brasileiro, marcado pela simplicidade dos atos, economia e liberdade ao juiz para apreciação das provas

colhidas na demanda.

A Constituição de 1891, por sua vez, foi promulgada com a proclamação da República. Previa em seu

texto a dualidade de justiça e de processos, criando a Justiça Federal e a Estadual e outorgando aos

estados o poder de legislar sobre matéria processual para criação de seus próprios códigos.De fato isso ocorreu, sendo editado um Código de Processo federal para a Justiça Federal e

aplicável em todo o território nacional. Além disso, cada estado criou o seu próprio Código de Processo Civil (grande parte desses códigos eram cópias do Código federal).

Mais uma vez, com a promulgação de uma nova Constituição, em 1934, foi modificado o sistema legislativo processual brasileiro, restabelecendo a Carta Maior o sistema de “código unitário”, ou seja, um único Código de Processo Civil para todo o território nacional e, conseqüentemente, revogando todos os Códigos dos estados. Assim, em 18 de setembro de 1939, foi promulgado um novo Código de Processo Civil, em parte moderno, por influência dos processos italiano e alemão, e em outra parte fiel ao sistema antigo português.

Finalmente, após trabalhos realizados pelos juristas Alfredo Bu- zaid, José Frederico Marques, José Carlos Moreira Alves e Luís Antônio de Andrade, entre outros, em 11 de janeiro de 1973 foi publicado o Código de Processo Civil, até hoje em vigor, seguido de inúmeras “reformas” que em muito modificaram o código original.

Em síntese, o processo civil brasileiro foi regido pelos seguintes instrumentos normativos:

11 Eram divididas em cinco livros, sendo o terceiro dedicado ao processo civil.12,6 Editadas no reinado de D. Manuel, no ano de 1521.13'7 Editadas no reinado de D. Filipe I em 1595, entrou em vigor em 1603, no reinado de D. Filipe

II.

Page 28: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Lei/Ordenamento Período

Ordenações Afonsinas, Manuelinas e

Filipinas

Todo o período em que o Brasil foi colônia

de Portugal, com manutenção após a

independênciaRegulamentos ns.737 e 763 De 1850 (Código Comercial) a 1891

(promulgação da Constituição e divisão em

Códigos estaduais e federal)

Códigos estaduais Código federal Constituição de 1891 até edição do Código

unitário em 1939

Código de Processo Civil (unitário) Publicado em 18 de setembro de 1939, em

vigor até 12 de janeiro de 1973

Código de Processo Civil (atual), Lei

n. 5.869/73

Publicado em 13 de janeiro de 1973,

atualmente em vigor1.3 FONTES DO DIREITO PROCESSUAL

O Direito Processual Civil, enquanto ciência jurídica autônoma, encontra seus fundamentos e regras que norteiam sua aplicabilidade em fontes imediatas e mediatas, estas constituídas pelas leis e aquelas pela jurisprudência e pela doutrina.

Não se pode negar que a lei, na qualidade de instrumento normativo emanado do Poder Legislativo competente, é fonte direta (mediata) e principal do direito processual.

Também não se pode deixar de considerar os usos e costumes (resultantes da prática forense), a jurisprudência e a doutrina como meios de influência na formação do direito processual, inclusive como inspiração para a elaboração da lei.

Em relação à importância da doutrina e da jurisprudência como fontes do Direito Processual Civil, o ilustre mestre Humberto Theodo- ro Júnior ensina:14

A incoerência do legislador, a obscuridade dos textos normativos, a imprecisão terminológica, como falhas naturais de toda criação humana, são freqüentemente superadas pelo trabalho criativo e aperfeiçoador da doutrina e da jurisprudência.

Costumamos dizer no magistério de Direito que nenhum estudo desta ciência - principalmente do direito processual - poderá ser considerado completo e eficaz se não for baseado na legislação, na jurisprudência e na doutrina, uma vez que é da união destes três institutos que se forma a ciência jurídica e a sua aplicabilidade. O estudo da lei em abstrato nem sempre conduzirá o intérprete ao entendimento unificado pelos tribunais ou fixado pela doutrina. A doutrina, por sua vez, nem sempre manifestará posição convergente com a manifestação dos órgãos do Judiciário, razão pela qual a legislação, a doutrina e a jurisprudência não podem ser estudadas separadamente.

Dessa forma, citaremos, a seguir, as fontes do direito processual civil.

■■ 1.3.1 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

E A L E I P R O C E S S U A L

| A Constituição da República

A Constituição Federal é o documento que organiza politicamente o Estado brasileiro, segundo o princípio do Estado Democrático de Direito.1’ É instrumento soberano que rege a atuação e os limites do poder, a estruturação dos órgãos (Judiciário, Executivo e Legislativo), atribui competências e, principalmente, estabelece as garantias fundamentais do indivíduo e os deveres do Estado.

Assim, sendo o processo puro instrumento de atividade da função jurisdicional do Estado, diga-se que, por intermédio do Poder Judiciário, a primeira fonte legal do Direito Processual Civil não poderia deixar de ser a Constituição da República.

A esse respeito, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel

Dinamarco, em brilhante obra, explicam:15

14 Moacyr Amaral Santos, op. c/f., v. 1, p. 18.

15 Op. cit., p. 47.

Page 29: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 41

Em face da clássica dicotomia que divide o direito em público e privado, o direito processual está claramente incluído no primeiro, uma vez que governa a atividade jurisdicional do Estado. Suas raízes principais prendem- se estreitamente ao tronco do direito constitucional, envolvendo-se as suas normas com as de todos os demais campos do direito. 0 direito constitucional deita as bases do direito processual ao instituir o Poder Judiciário, criar os órgãos (jurisdicionais) que o compõem, assegurar as garantias da Magistratura e fixar aqueles princípios de ordem política e ética que consubstanciam o acesso à justiça ("acesso à ordem jurídica justa") e a chamada "garantia do devido processo

legal" {dueprocess of law).O direito processual (ou mesmo o Poder Judiciário) não existiria sem o consentimento da

Constituição da República, estando todas as bases da processualística previstas na Carta Maior, como a estruturação do Poder Judiciário e sua competência funcional (arts. 92 a 126), as garantias da Magistratura, a função do Ministério Público e cios ad- vogados (arts. 127 a 135) e as garantias e os princípios constitucionais relacionados à atividade jurisdicional (art. 5o e incisos).

Além disso, é a Constituição que outorga a competência legislativa para a edição de leis versando sobre matérias processuais e procedimentais, como será visto a seguir.

Código de Processo e Legislação Extravagante

A Lei n. 5.869/73, denominada de Código de Processo Civil,16 formulada antes da promulgação da Constituição de 1988 (mas que foi recepcionada por ela), é o principal instrumento normativo que regula a existência, a constituição e o desenvolvimento do processo no âmbito da jurisdição civil.

O Código de Processo Civil foi dividido nos seguintes livros:

a) Livro I - dispõe acerca da teoria geral do processo e do processo de conhecimento;

b) Livro II - processo de execução;

c) Livro III - processo cautelar;

d) Livro IV - procedimentos especiais;

e) Livro V - disposições finais e transitórias.

Além do Código de Processo Civil, para oferecer tutelas diferenciadas e eficientes a determinadas lides, o legislador editou inúmeras leis que contêm norma de natureza processual, não incluídas no corpo do Código, mas firmadas na finalidade de regular a atividade processual; por exemplo: a Lei de Locações (Lei n. 8.245/91), que disciplina o direito material e processual acerca das relações decorrentes da locação de imóveis; as leis que regulam os procedimentos do mandado de segurança (Leis ns. 1.533/51 e 4.348/64), a ação popular (Lei n. 4.717/65), ação civil pública (Lei n. 7.347/85), ação de alimentos (Lei n. 5.478/68), ação de separação e divórcio (Lei n. 6.515/77), ações de defesa do consumidor (Lei n. 8.078/90), ações diretas de inconstitucionalidade (Lei n. 9.868/99), entre muitas outras.

Ressalte-se, ainda, que a Constituição da República, em seu art. 22, I, determina que compete exclusivamente à União - por meio do Congresso Nacional - legislar sobre o direito processual. Portanto, os demais entes da federação brasileira - estados, Distrito Federal e os municípios - não gozam de competência legislativa para edição de normas versando acerca de direito processual, sob pena de inconstitucionalidade.

Leis estaduais e leis de organização judiciária

Como mencionamos anteriormente, os estados e o Distrito Federal não possuem competência legislativa sobre matérias processuais; no entanto, o art. 24 da Carta Maior confere competência concorrente17 a estes entes da Federação para a edição de normas acerca de:

a) custas dos serviços forenses - no âmbito de sua jurisdição, os estados podem dispor acerca das taxas devidas ao Poder Judiciário pelos serviços forenses;

b) organização dos juizados especiais;

c) procedimentos em matéria processual - a Constituição outorga aos estados o poder de legislarem, concorrentemente com a União, sobre os procedimentos forenses, regulamentando a forma de atividade dos órgãos do Poder Judiciário, como: horários, locais, organização dos departamentos, cartórios etc.;

d) assistência jurídica e defensoria pública - incumbe aos estados a criação e a organização de órgão que ofereça a assistência jurídica integral às pessoas que não disponham de recursos financeiros.

1671 Alterado inúmeras vezes em razão de "reformas" que introduziram e/ou modificaram institutos do direito processual.

17 Na competência concorrente, a União edita normas gerais e os estados, normas específicas sobre

a mesma matéria.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Ao dispor sobre os órgãos do Poder Judiciário, a Constituição determinou que cada estado-membro organizaria a sua “Justiça” - o Poder Judiciário de cada estado -, podendo assim, com observância da Constituição Federal e da Constituição de cada estado-membro, editar normas de criação e regulamentação dessa descentralização do Judiciário conforme o princípio maior do pacto federativo (art. Io da CF).

Assim, com base na Constituição e em leis de organização judiciária, cada estado-membro cria,

organiza e atribui competências aos órgãos do Poder Judiciário local. Por exemplo, no estado de São

Paulo, a Constituição estadual dispõe, em seu art. 54, sobre os órgãos que integram o Poder Judiciário

do estado (Tribunal de Justiça, Tribunais de Alçada18, Juizes de Direito etc.), sendo a lei de

organização judiciária o instrumento para criação de cargos de juizes e servidores, com a definição das

funções de cada um deles, a criação das varas e ofícios judiciais e a divisão da jurisdição no

território estadual (em graus de jurisdição e em comarcas).

Ê importante ressaltar que a competência legislativa dos estados- membros é muito restrita,19 dada

a competência exclusiva da União para legislar acerca de matéria processual (art. 22 da CF), cabendo aos

estados tão-somente a edição de normas sobre procedimentos e organização da justiça local.

| Tratados internacionaisO sistema constitucional brasileiro impõe como condição para eficácia interna dos tratados

internacionais a sua submissão ao Congresso Nacional e a aprovação deste. Dessa maneira, sendo assinado

um tratado pela autoridade competente - presidente da República ou quem tenha delegação para tanto -,

este será votado no Poder Legislativo federal e ratificado, em caso de aprovação, por meio de um decreto

legislativo, para que tenha força de lei.20

Importante tratado internacional para o direito processual brasileiro é o Pacto de São José da

Costa Rica, denominado também Convenção Americana de Direitos Humanos,21 que inseriu no sistema pro-

cessual brasileiro consideráveis garantias aos litigantes como: o direito ao contraditório, a

competência e investidura prévia do órgão jurisdi- cional (princípio do juiz natural), o direito de

prova processual, tempo para defesa, assistência por defensor, gratuidade e acessso à Justiça, direito

de garantia do mínimo grau de Jurisdição (recurso de sentença), conforme arts. 8o e 25 da referida

Convenção.

mm 1 . 3 . 2 J u r i s p r u d ê n c i a e S ú m u l a s

( V I N C U L A N T E S E N Ã O - V I N C U L A N T E S )

18 A EC n. 45/2004 extinguiu os Tribunais de Alçada.

19 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 79.20 A EC n. 45/2004 autoriza o recebimento dos tratados internacionais relativos a direitos humanos

com eficácia de Emenda Constitucional, ou seja, com o poder reformador para alterar a própria Constituição. A esse respeito, o § 3o do art. 5o da Constituição da República passou a determinar: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

21 Decreto legislativo n. 678, de 6 de novembro de 1992 - Anexo 2.

Page 31: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 43

A palavra jurisprudência,22 derivada do latim jus (direito) e pru- dentia (sabedoria),

corresponde ao conjunto de decisões dos tribunais acerca de uma matéria, ou, ainda, pode ser definida

como o entendimento manifestado pelos tribunais, de forma reiterada, sobre determinado assunto.

A princípio, a lei apenas existe no plano abstrato e é interpretada à luz de si mesma. Todavia, no

julgamento dos casos concretos, quando a lei é confrontada com o problema apresentado pelas partes (a

lide), o magistrado tem de dar uma interpretação ao direito com base em situações da vida real, não mais

abstratamente. Assim, nesse trabalho de interpretação da lei, os tribunais firmam seus entendimentos,

suas teses jurídicas acerca de matérias específicas, formando a jurisprudência em relação aos assuntos

reiteradamente julgados.23

Por tais razões, entendemos que a jurisprudência não pode ser excluída do rol das fontes do

direito (inclusive do direito processual), pois a interpretação dada à lei pelos tribunais influencia os

próximos julgamentos de casos semelhantes.29 Além disso, a jurisprudência, muitas vezes, tem a proeza de

suplementar as lacunas e imperfeições deixadas pelo legislador. Como temos visto, o processo legislativo

brasileiro tem lançado no ordenamento jurídico leis defeituosas e com redações ambíguas, cabendo às

decisões dos tribunais a determinação da interpretação correta do ato normativo.

Outro instituto importante para o estudo das fontes do direito processual e que também decorre da

jurisprudência são as denominadas súmulas dos tribunais, que compreendem resumos ou ementas extraídas

quando da uniformização da jurisprudência. Em outras palavras, havendo divergência na jurisprudência

interna de um tribunal, mediante votação qualificada,24 poderá ser proferida uma súmula pacificando ou

confirmando o entendimento do tribunal acerca da matéria controvertida. Normalmente, havendo reiterados

casos versando sobre a mesma matéria e encontrando-se pacífico o entendimento, o tribunal edita uma

súmula acerca da matéria pacificada, isso para servir de orientação para os demais casos semelhantes.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, passamos a ter duas modalidades de súmulas: a

vinculante e a não-vinculante.

Como regra, as súmulas têm por finalidade apenas orientar os julgamentos futuros sobre a mesma

matéria. Os magistrados inferiores ou mesmo do tribunal não estão obrigados a respeitar o seu conteúdo,

ou seja, como regras as súmulas não são vinculantes.

Mesmo sem o poder de obrigar os magistrados à sua observância, as reformas introduzidas no Código

de Processo Civil, especialmente pelas Leis n. 8.950/94, n. 9.756/98 e atualmente pela Lei n.

10.352/2001, atribuíram grande importância às súmulas e à jurisprudência dominante (entendida como

aquela majoritária no tribunal), chegando ao ponto de ser a jurisprudência, dominante ou sumulada, óbice

22mesma tese anteriormente acolhida, salvo no caso de edição de súmula vinculante, confor

23me admite o art. 103-A da Constituição.24As súmulas são obtidas em julgamentos realizados pelo órgão pleno (todos os magistrados do

tribunal) ou por órgão especial (magistrados mais antigos do tribunal).

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

para o conhecimento de recursos, autorização para julgamentos monocráticos nos tribunais25 ou para

desnecessidade do reexame necessário (art. 475, § 3o, do CPC).26

Podemos citar o exemplo do art. 544, que atribui ao magistrado incumbido de relatar um recurso o

poder de deixar de conhecê-lo (não será levado a julgamento) por existir súmula ou jurisprudência

dominante em sentido contrário à sua fundamentação. A existência de súmula ou jurisprudência dominante

pode ser impedimento para o julgamento de um recurso - por questão de economia processual, o legislador

impôs situações em que a existência de uma súmula poderá ser óbice para o conhecimento de um recurso ou

mesmo razão para lhe negar provimento.

No exercício de sua sabedoria, o mestre Barbosa Moreira tinha razão quando afirmava27 que o

legislador estava “comendo pelas bordas”, no intuito de introduzir aos poucos no ordenamento brasileiro

o sistema da súmula vinculante, pelo qual todos os membros do Poder Judiciário estariam obrigados a

respeitar o comando contido na interpretação pacificada do tribunal.

E foi exatamente isso que ocorreu com o advento da Reforma do Poder Judiciário. A EC n. 45/2004

introduziu à Constituição da República o art. 103-A que admitiu a criação de súmulas vinculantes pelo

Supremo Tribunal Federal.

Assim, permanecem nos sistemas as súmulas não-vinculantes, que são aquelas editadas pelos

Tribunais Superiores, Tribunais Estaduais ou Tribunais Regionais Federais, e foi criada a súmula com

efeito vinculante: apenas aquela aprovada pelo Supremo Tribunal Federal após a observância da forma

prevista na Constituição, como se verá a seguir no Capítulo 22, item 22.2, destinado ao estudo da

uniformização da jurisprudência.

Dessa forma, não podemos negar que a jurisprudência e as súmulas são importantes fontes do

direito.

Todavia, grande controvérsia se estabeleceu na doutrina acerca do enquadramento da jurisprudência

no campo das fontes do direito, entendendo alguns que o juiz não é legislador para editar leis3'1 e que a

jurisprudência é apenas uma fonte secundária.

Sem dúvida, a jurisprudência não ocupa, no concurso com as demais fontes do direito, lugar

superior à Constituição e às leis (Códigos e legislações extravagantes). De fato, seria absurdo afirmar

que a jurisprudência poderia contrariar, manifestamente, o texto do ato normativo. Contudo, diante da

importância dada pelo sistema processual às súmulas não-vinculantes e à jurisprudência dominante, em

especial pelas recentes reformas, não há como negar que as manifestações dos tribunais se encontram

25 Nesse sentido, os julgamentos proferidos pelos tribunais são sempre por meio de órgãos colegiados, ou seja, por mais de um magistrado. No entanto, havendo súmula ou jurisprudência dominante, como será tratado no capítulo destinado aos recursos no processo civil, o relator poderá proferir julgamento monocrático.

26 O art. 475 determina que as sentenças proferidas contra pessoas jurídicas de direito público sejam submetidas a reexame pelo tribunal competente, sob pena de não-produção de eficácia.

27Luiz Rodrigues Wambier & Teresa Arruda Alvim Wambier, Breves comentários à 2" fase da reforma do Código de Processo Civil, apud José Carlos Barbosa Moreira, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei n. 9.756/98, p. 329.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL 45

entre as fontes do direito processual, mesmo que seja uma fonte secundária.

Quanto às súmulas vinculantes, conforme a previsão dada pela EC n. 45/2004, podemos enquadrá-las

como verdadeiras fontes primárias do direito, uma vez que todos os magistrados brasileiros e órgãos da

administração pública deverão observá-las em seus atos.

Nesse sentido, Marcus Vinicius Rios Gonçalves, em manifestação anterior ao advento da EC n.

45/2004, ensinava28 que: a eventual adoção do sistema de súmulas vinculantes tornará a jurisprudência

fonte formal do direito.

Portanto, não podemos deixar de reconhecer as súmulas e a jurisprudência como fonte do Direito

Processual Civil.

M 1 .3 .3 R E G I M E N T O S E A T O S I N T E R N O S D O S T R I B U N A I S

A Constituição da República, em seu art. 99, conferiu a todos os tribunais o poder de auto-

organização, outorgando-lhes competência

para a edição de normas denominadas regimentos internos, destinadas tanto à regulamentação do

funcionamento, da competência e das atribuições internas, quanto à divisão dos magistrados em câmaras ou

grupos, dispondo sobre as funções de seu presidente e demais magistrados.

Assim, cada tribunal edita o seu próprio regimento interno como forma de auto-organização.

Nesse ponto, é importante ressaltar que a competência dos tribunais não abrange o poder de editar

normas acerca de matéria processual ou procedimental - que deverão ser obrigatoriamente objeto de lei -,

mas tão-somente de tratar da organização interna do órgão juris- dicional.

Os regimentos internos não são leis em sentido estrito, são normas internas dos tribunais, que não

podem contrariar, em hipótese alguma, a Constituição da República, a lei processual ou as leis estaduais

que versam sobre procedimentos.

Acerca da autonomia dos tribunais, o professor Arruda Alvim comenta:36 os regimentos internos dos

tribunais - além de outras garantias - são necessários à autonomia da magistratura, dado que, sem

autogoverno, não se pode falar em autonomia.

A independência e a autonomia entre os Poderes do Estado - Executivo, Legislativo e Judiciário -,

com previsão no art. 2o da Constituição, representam garantias de existência do próprio Estado Democrá-

tico de Direito, sendo indispensável que cada órgão do Poder goze de autonomia administrativa e

funcional (inclusive orçamentária) para que possa exercer livremente e com independência as funções que

lhes são atribuídas pela Carta Maior.

Imaginem se o Poder Executivo tivesse competência para editar normas de estruturação dos

tribunais. Com toda a certeza, os magistrados não teriam isenção e liberdade para proferir decisões

28 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, p. 13.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

contra o Poder Executivo e mesmo contra o Poder Legislativo do Estado, isto pelo receio de sofrer

represálias dos demais Poderes.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL 53

Dessa forma, os tribunais possuem competência de auto-organi- zação e utilizam-se de seus regimentos internos, provimentos, portarias e outros atos previstos na sua estrutura para exercer esse direito constitucional de independência funcional, nos termos do art. 96 da Constituição da República.

Outra característica relevante acerca da independência do Poder Judiciário é que as leis - ou demais atos normativos - relativas à estrutura e organização do referido Poder são de sua exclusiva iniciativa. Em outras palavras, a edição de lei versando acerca de organização e estrutura do Poder Judiciário apenas desencadeará o regular processo legislativo e, conseqüentemente, terá validade, quando for de iniciativa do próprio Poder Judiciário. Assim, é o tribunal que deve encaminhar ao Poder Legislativo competente o projeto de lei a ser aprovado.29

Para toda criação, modificação ou extinção de tribunais, de cargos, ofícios, varas, bem como organização das carreiras, mesmo que dependam da edição de leis - isso com observância de processo no Poder Legislativo -, a iniciativa sempre competirá privativamente ao tribunal competente no âmbito de atividade jurisdicional, conforme determinam os arts. 96 e 125 da Constituição da República.30

Ressalte-se que a competência é dada ao Poder Judiciário para auto-organização e não para regulamentação ou edição de normas de direito processual ou material.

É muito comum encontrarmos nos regimentos internos (STF, STJ, Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo etc.) a previsão de um recurso denominado “agravo regimental” (porque previsto no regimento).

Nota-se, evidentemente, tratar-se de uma invenção contrária à Constituição da República, já que o

Judiciário não detém competência legislativa para a criação de instituto de natureza processual.

Ressalte- se que apenas a lei federal é que pode tratar de matéria processual (civil

ou penal);31 a competência dos tribunais limita-se à organização interna.

Outras anomalias vêm surgindo nos tribunais por meio dos denominados provimentos ou instruções,

como a criação de requisitos para as petições ou regras que determinam a autenticação de documentos.

Temos a certeza de que todo provimento, regimento ou quaisquer normas internas são inconstitucionais

quando tratam de matéria processual, uma vez que a Constitucição da República outorgou com exclusi-

vidade tal competência à União (por meio do Congresso Nacional).

1.4 DIREITO PROCESSUAL E DIREITO IMATERIAL

No ordenamento jurídico brasileiro existem normas de natureza material e outras de cunho

processual, não havendo identidade entre elas quando se tem por base o objeto de cada uma.

O Direito Material é o conjunto'10 de instrumentos normativos (leis em sentido lato) que

disciplinam os bens da vida e a sua utilização: por exemplo, direito civil, comercial, administrativo,

tributário, trabalhista etc.

Em sentido diverso, o Direito Processual caracteriza-se pelas normas que regulam a atividade

jurisdicional do Estado na aplicação do Direito Material ao caso concreto. O Direito Processual é

instrumento ou meio de aplicação do direito material ao caso concreto. Basicamente, são normas que

regulam o processo de solução dos conflitos.

Por exemplo, prevê o Código Civil o direito do filho de receber alimentos de seu genitor,

29 O art. 93 da Constituição da República determina: "Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura [...]".

30 "Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1o A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça."

31 Em sentido contrário, o ilustre professor Arruda Alvim, em obra citada, admite a possibilidade de criação de recursos pelos regimentos internos, em especial citando o agravo regimental.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

notoriamente, uma norma de natureza exclusivamente material, já que dispõe acerca de um direito

relativo ao bem da vida do indivíduo. Por sua vez, o direito processual disciplinará os meios

necessários para a obtenção de uma tutela jurisdicional que garanta o resultado do direito material, ou

seja, uma ação de alimentos para compelir o genitor (ou genitora) ao cumprimento de sua obrigação.Em brilhante trabalho, ao referir-se ao direito processual, Cândido Rangel Dinamarco esclarece:11

Ele não cuida de ditar normas para adequar a atribuição de bens da vida aos indivíduos, nem de disciplinar o convívio em sociedade, mas de organizar a realização do processo em si mesmo. A técnica da solução de conflitos pelo Estado - ou seja, o processo - está definida nas normas integrantes de um específico ramo jurídico, que é o direito processual civil. Ao estabelecer como o juiz deve exercer a jurisdição, como pode ser exercida a ação por aquele que pretende alguma providência do juiz e como poderá ser a defesa do sujeito trazido ao processo pela citação, o direito processual não estabelece norma alguma destinada a definir o teor dos julgamentos; nem fixa critérios capazes de definir qual dos litigantes tem direito ao bem da vida pretendido (direito à tutela jurisdicional) e qual deles há de suportar a derrota.

O Direito Processual não se destina à proteção dos bens da vida - a propriedade, as obrigações civis e contratuais, as relações de parentesco, as disposições sobre as sucessões (por falecimentos) etc. -, mas tão- somente a disciplinar a atividade do Estado na solução dos conflitos.

Assim, as normas processuais serão as responsáveis pela regulamentação da atividade jurisdicional: as espécies de processos, os atos processuais, os recursos, os deveres e prerrogativas das partes em juízo, a função dos magistrados, os meios de satisfação dos direitos reconhecidos (a execução de sentenças e de títulos extrajudiciais), as medidas acautelatórias etc.

Alguns Códigos ou instrumentos nomativos contêm natureza mista, ou seja, em parte versam sobre o direito material e, em outra, asseguram regras quanto ao processo para defesa daquele direito, como ocorre com o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Locações e a Consolidação das Leis de Trabalho.

É exatamente por isso que afirmamos que o direito processual não encontra fim em si mesmo, caracterizando apenas um instrumento de realização do direito material. A finalidade do processo é a realização do direito material, perdendo sua razão de existir quando não exercido para esse fim.

1.5 A LEI PROCESSUAL

NO TEMPO E NO ESPAÇO

O direito acompanha a evolução da sociedade, mostrando-se uma ciência não estática no tempo e diante das inovações do Estado. Constantemente são introduzidas novas leis ao sistema jurídico com a finalidade de adaptá-lo às realidades contemporâneas e às necessidades dos administrados.

Por essa razão, incumbe ao intérprete da lei processual a função de identificar a sua aplicabilidade no tempo e no espaço.

Em relação ao espaço, é regra do direito brasileiro a aplicação do princípio da territorialidade, pelo qual as normas federais têm aplicabilidade dentro de todo o território nacional, conforme preceitua o art. Io do Código de Processo Civil.32 Portanto, o atual ordenamento processual tem vigência em todo o território nacional.

Contudo, a compreensão da lei processual no tempo parte do seguinte questionamento: quando uma lei é eficaz para a produção de efeitos?

A regra do direito, introduzida pela Constituição da República, é no sentido de que toda lei federal, para ser válida, passa por um processo legislativo perante o Congresso Nacional, é submetida à apreciação do presidente da República para sanção ou veto e, sendo sancionada, é promulgada e publicada

no Diário Oficial da União, conforme dispõem os arts. 59. e segs. da Carta Constitucional.Publicada a lei, será ela submetida ao período de vacatio legis, que vai da data da

publicação até o início de sua efetiva vigência, para possibilitar que todos tenham conhecimento da nova legislação.

3247 "Art. 1o A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juizes, em todoo território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece."

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

43 A reforma do Código de Processo Civil, p. 36.

As regras relativas à vacatio legis estão previstas na Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe o seguinte:

Art . 1 o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada.

Nota-se que, ao dispor acerca da vacatio legis, o legislador imprimiu no artigo anteriormente transcrito as seguintes possibilidades:

a) a lei pode entrar em vigor na data da própria publicação, não sendo obrigatória a vacatio legis, contendo a nova lei a seguinte expressão: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”;

b) a lei pode conter a previsão de vacatio legis, com indicação expressa do período: “Esta lei entrará em vigor após “X” dias da data de sua publicação”;

c) a lei pode ser omissa em relação ao período de vacatio legis, neste caso, será de 45 dias.

Entrando em vigor a lei processual (após o período denominado de vacatio legis), terá ela aplicação imediata, inclusive aos processos ainda em andamento, conforme dispõe o art. 6o da Lei de Introdução do Código Civil.

Nesse ponto, é importante ressaltar que a lei processual nova tem aplicação aos processos em curso, mas sem influir nos atos processuais já praticados ou perfeitos. Ao discorrer acerca das reformas do Código de Processo Civil, Cândido Rangel Dinamarco inicia seu trabalho com as seguintes observações acerca do direito intertemporal:'13

Daí decorre que, em princípio, toda lei tem aplicação imediata, disciplinando fatos e situações jurídicas a partir de quando entra em vigor. Fatos ocorridos e situações já consumadas no passado não se regem pela lei que entra em vigor, nem pelos fatos ou situações que venham a ocorrer depois da revogação da lei.Imaginemos a seguinte situação: quando da propositura da ação a lei processual previa a

possibilidade da interposição do recurso A contra a sentença. No entanto, no curso do processo e antes da prolação da sentença, foi editada lei substituindo o recurso A por outro recurso denominado B. Posteriormente, já no tempo de vigência da lei que instituiu o novo recurso, foi proferida a sentença. Nesse caso, qual recurso deverá interpor a parte prejudicada pela decisão?

Obviamente, a parte deverá interpor o recurso vigente na época da prolação da sentença e não aquele que existia quando da propositura da ação (recurso "B"). O ato processual deve ser praticado com observância da lei processual em vigor, pois essa nova lei terá aplicação imediata aos atos processuais ainda não praticados.33

Como veremos nos próximos capítulos, o processo é composto por uma série de atos processuais, atos estes que são dispostos em uma seqüência lógica, um ato após o outro na relação jurídica. Dessa forma, se no curso de um processo foi editada uma nova lei processual, essa lei terá aplicação apenas em relação aos atos processuais ainda não praticados no processo, ou seja, terá efeito sobre os atos processuais que serão realizados já no tempo da lei nova.

Isso não poderia ser diferente, já que a admissão da retroatividade da lei em matéria processual importaria ofensa ao disposto no art. 5o, inc. XXXVI, da Constituição Federal, que considera institutos intangíveis o ato jurídico (aquele que se encontra completamente praticado), a coisa julgada (decorrente de uma sentença transitada em julgado) e o direito adquirido. Portanto, na eventualidade da edição de uma nova lei processual, esse instrumento nunca terá o poder de atingir os atos já praticados

no processo, mas, tão-somente, será aplicado aos atos pendentes. Da mesma forma, não há que se falar em modificação de uma sentença transitada em julgado quando do advento de um novo instrumento normativo.

O entendimento do direito intertemporal é extremamente relevante, ao passo que o processo civil vem sendo - e sempre será - alvo de inúmeras reformas e modificações legislativas introduzidas no sistema processual por novas leis que passam a ser aplicadas imediatamente aos processos em curso quando entram em vigor.

33 "Processo civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Direito intertemporal. Lei vigente à época da publicação da sentença (Lei n. 6.835/80). Reexame necessário. Matéria de cunho

constitucional. Ausência de pré-questionamento. I - É entendimento pacífico nesta Corte que a lei vigente à data da publicação da sentença é a que rege a interposição dos recursos" (STJ, Ag. Reg. 5J T., no Al 391.043-RJ, rei. Min. Felix Fischer; j. 18.12.2001, v.u.) [grifo do autor]. Em decorrência desse entendimento, podemos afirmar que, ao propor a ação, a parte não terá direito adquirido sobre o processo (atos processuais) existente naquele momento da relação jurídica, mas poderá sofrer a influência de novas leis. No entanto, um mês iniciado o ato processual, a parte tem direito adquirido sobre ele, não podendo a lei nova influir no referido ato pendente (em curso) de realização.

Page 38: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSONo Direito Processual Civil não vigora a regra do Direito Penal

pela qual a lei retroagirá em benefício do réu. Para o processo civil, a lei nova nunca terá efeito retroativo, sob pena de ofender o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

1 .6 PRINCÍPIOS

Como ocorre em todos os ramos do direito, o processo civil tam-bém sofre influência de princípios, alguns positivados (com previsão expressa da lei) e outros decorrentes de uma interpretação sistemática de todo ordenamento jurídico e de tradições, princípios que estão arraigados ao sistema como preceitos basilares do direito.

A doutrina muito diverge acerca da classificação e sistematização dos princípios que norteiam o processo civil. No entanto, por uma ques-tão de lógica e didática, preferimos classificar essas normas elementa-res'34 do direito em princípios constitucionais e princípios internos do processo civil, como será visto a seguir.

M 1 . 6 . 1 P R I N C Í P I O S C O N S T I T U C I O N A I S

A Constituição da República, como vimos anteriormente, é a pri-meira fonte do Direito Processual Civil, sendo a Carta Maior a respon-sável pela organização do Poder Judiciário e pela outorga de garantias fundamentais ao indivíduo quando da atividade jurisdicional.

Toda a atividade do Estado, incluindo o poder de jurisdição, é regi-da pelo princípio maior do Estado Democrático de Direito, e pelas leis editadas pelos representantes do povo. Assim, sob a influência desse princípio supremo, prevê a Constituição os seguintes princípios que norteiam o processo:

Princípio do amplo acessoao Poder Judiciário ou do direito de ação

O princípio do acesso ao Poder Judiciário, também chamado de direito de ação ou da inafastabilidade do controle jurisdicional, compreende o direito fundamental de todo indivíduo, previsto no inc. XXXV do art. 5o da Carta Maior, de que a lei não poderá afastar da

34De Plácido e Silva (op. c/f., p. 447) define princípios desta forma: "No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa".

Page 39: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 57

apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.Por esse princípio, o Estado deve facilitar e permitir o acesso ao

Poder Judiciário para que nenhuma lesão ou ameaça de lesão fique desprotegida de uma tutela do Estado a fim de resolver o conflito.

Nota-se que a jurisdição, o poder de resolver os conflitos, é con-siderada pela Constituição monopólio do Estado. Dessa forma, in- cumbe-lhe oferecer aos jurisdicionados amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, com a prestação de uma tutela jurisdicional eficiente (aquela entendida como rápida, econômica e eficaz para a solução do conflito).

A Constituição garante que a tutela jurisdicional deve ser eficiente para evitar a “ameaça de lesão”. Como veremos mais adiante, a tutela jurisdicional pode ser: preventiva (acautelatória), para evitar a lesão, ou ainda reparadora, para indenizar o indivíduo pela lesão experimentada.

Como é óbvio, mais eficiente será para o jurisdicionado receber uma tutela preventiva - que faça cessar a ameaça ao direito - do que uma tutela reparatória para indenizá-lo da lesão já ocorrida.

Outra conotação que se extrai do dispositivo constitucional mencionado é a proibição ao legislador de editar leis que impliquem restrições de acesso ao Judiciário. O legislador infra-constitucional deve abster-se de editar leis que reduzam o acesso ao Poder Judiciário, sob pena de lançar no ordenamento normas inconstitucionais.

Curiosamente, um argumento muito utilizado antes do advento da

atual Constituição - e ainda empregado por alguns que não assimilaram

o novo sistema constitucional - é de que o ingresso de uma ação contra

o Poder Judiciário dependeria do esgotamento das vias administrativas.

Por exemplo, se alguém tivesse negado um pedido de benefício

previdenciário por parte do INSS, deveria, antes de propor a ação

perante o Poder Judiciário, promover todos os recursos cabíveis dentro

da própria administração pública para ver seu pedido aceito; apenas

depois que o pedido fosse negado totalmente o cidadão poderia

ingressar com a medida judicial.

O referido argumento é absolutamente contrário ao texto consti-

tucional, especialmente em face do disposto no art. 5o, inc. XXXV, não

tendo qualquer cabimento exigir como condição para a propositura de

uma ação o esgotamento das vias administrativas.

Page 40: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOImportante ressaltar que a própria Constituição, em seu art. 217, §

Io, estabeleceu uma exceção à regra, prevendo que, em casos de direito

desportivo, o acesso ao Poder Judiciário fica condicionado ao

esgotamento das vias administrativas perante a justiça desportiva.

Assim, havendo litígio sobre questões disciplinares de esportes, este

conflito deverá ser apreciado previamente pela justiça desportiva para

que depois seja proposta ação perante o Poder Judiciário.

Outra exceção verificamos no disposto no art. 8o da Lei n.

9.507/97, que impõe como condição para a impetração de habeas data a

comprovação de que houve recusa administrativa na concessão das

informações requeridas pelo interessado. Em outras palavras, o habeas

data apenas poderá ser impetrado após a formulação de um pedido

administrativo.' 35

Princípio do devido processo legal - art. 5o, LIV

O devido processo legal, expressão de origem inglesa - due process o f l a w - para o direito processual,'17 importa na previsão de que toda atividade jurisdicional deve ser pautada no processo previsto na lei, nestes termos:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

A previsão do devido processo legal impõe, especialmente para o processo civil, a obrigatoriedade de que a atividade jurisdicional no processo seja desenvolvida com absoluto respeito à lei, preservando o livre acesso à justiça, o juiz competente para o julgamento da causa, a forma de processamento da ação e a seqüência dos atos processuais, tudo na forma prevista no ordenamento jurídico.

O devido processo legal opõe-se ao processo arbitrário, que é aquele realizado com base na vontade humana (particular) e não nas determinações do sistema legal. Por exemplo, é muito comum o fato de alguns juizes modificarem a seqüência da realização dos atos pro-cessuais, ou ainda criarem institutos processuais, caracterizando ver-dadeira afronta ao princípio do devido processo legal. O magistrado

35Entendemos que tal dispositivo é inconstitucional, uma vez que não tem o legislador ordinário o poder de restringir ou condicionar o acesso ao Judiciário ao prévio requerimento administrativo. No entanto, a jurisprudência tem firmado entendimento no sentido contrário, afirmando que a condição é legítima e não ofende o texto constitucional, já que para a impetração do habeas data depende a comprovação da recusa administrativa como forma de implementar o interesse de agir na obtenção da tutela jurisdicional. Nesse sentido: Súmula n. 2 do STJ, RTJ 162/805 e RDA 204/214 do STF.

Page 41: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 59não tem competência para inventar um procedimento, mas deve seguir precisamente o que a lei prevê para a sua atividade.

Pelo princípio do devido processo legal, a imposição de medidas restritivas de direitos, sejam elas sobre as espécies de liberdades ou quaisquer outros bens, apenas pode ocorrer quando observado o pro-cesso previsto na lei para tais restrições; caso contrário, estaríamos diante de processos arbitrários.

Um exemplo muito comum se verifica quando algumas instituições se recusam a entregar documentos dos clientes inadimplentes. Nesse caso, obviamente, está havendo supressão do processo legal emfavor do processo privado e arbitrário, pois deveria o credor propor ação para obter a satisfação de seu crédito, e não reter documentos do devedor como forma de coação ao cumprimento da obrigação.

O devido processo legal é o processo justo, realizado com base nos

princípios e dispositivos da Constituição e da lei processual que regem

o exercício da jurisdição.

Princípio do juiz natural - art. 5o, LIII e XXXVII

A Constituição determina que todos os processos - e as decisões

que deles emanarem - apenas serão válidos quando conduzidos pela

autoridade competente, que é aquela investida de jurisdição e atribui-

ções pelo Estado para dizer a vontade da lei, na forma prevista na pró-

pria Constituição e na lei processual, nestes termos:

Llll - ninguém será processado nem sentenciado senão pela

autoridade competente;

A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco enfatiza:48 “A garantia

do juiz natural consiste em exigir que os atos de exercício da função

estatal da jurisdição sejam realizados por juizes instituídos pela própria

Constituição e competentes segundo a lei”.

Com efeito, a garantia cio juiz natural impõe que os processos,

obrigatoriamente, sejam realizados por: a) autoridades investidas de

jurisdição, conforme previsto no texto constitucional; e b) juizes

competentes na forma da lei, temas que abordaremos nos próximos

capítulos.

Por outro lado, a Constituição veda expressamente a existência de

tribunais ou juízos de exceção, que são órgãos julgadores não comuns

Page 42: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOou ordinários, aqueles que se estabelecem em caráter especial ou de

exceção para conhecer e julgar questões determinadas. Os tribunais e

juízos de exceção se opõem ao princípio do juiz natural.

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;Os tribunais ou juízos de exceção são instituídos para julgamento

de casos específicos, após a ocorrência do fato. Por exemplo, vamos supor que um determinado prefeito pratique irregularidades em sua administração e, em razão de sua conduta, o Poder Legislativo local decida criar um órgão jurisdicional específico para julgamento daquele caso. Obviamente, teríamos um tribunal ou juízo de exceção, o que é vedado pela Constituição.

Assim, o órgão jurisdicional deve preexistir aos fatos e ao litígio, e não ser criado especialmente para aquele fato já ocorrido.

Em síntese, os tribunais de exceção não são instrumentos do Estado Democrático de Direito, pois impedem que os jurisdicionados co-nheçam previamente os órgãos e as autoridades investidos de poder para julgamento, bem como possibilita a formação de juízos imparciais conforme a vontade e os interesses do poder dominante que instituiu o juízo não natural.

Particularmente, entendemos que as Comissões Parlamentares de Inquérito, CPIs, apesar de não constituírem órgãos de julgamento, mas por estarem investidas de poderes próprios dos juizes, 36 guardam se-melhança aos juízos de exceção, pois são criadas após determinados fatos ocorridos especificamente para a sua apuração. No entanto, trata-se de um juízo de exceção instituído e autorizado pela própria Constituição da República, portanto, absolutamente permitido.

Princípio do contraditório e da ampla defesa - art. 5o, LV

O contraditório é a garantia, decorrente do devido processo legal, pela qual deve ser assegurada às partes litigantes oportunidade de se manifestar acerca dos fatos que lhes são imputados pela parte adversa; é direito da parte de dizer a sua versão e se opor contra os fatos afir-mados pela outra parte litigante.

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [grifo do autor]

Não se admite a existência do processo sem a formação do con-traditório, sem que seja dada a oportunidade à parte demandada de se

36 Apesar de não exercerem função de julgadoras, as C Pis possuem poderes próprios das autoridades judiciárias, podendo inquirir pessoas, requisitar documentos etc.

Page 43: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 61opor (de se defender) contra os fatos apresentados pela parte autora. Assim, proposta uma ação, o réu será citado para exercer o contra-ditório, expondo a sua versão acerca dos fatos alegados pelo autor, bem como terá a prerrogativa de manifestar-se sobre todos os atos processuais.

O contraditório é assegurado durante todo o processo, sendo certo que, havendo manifestação de uma parte ou ato do juiz (alegações, juntada de novos documentos no processo, requerimentos gerais, interposição de recursos, decisões etc.), será sempre garantido o direito do contraditório à parte adversária ou para ambas.

Nesse sentido, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco ensinam: 37

0 juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas eqüidistante delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz.Em alguns casos, como forma de harmonização com outros prin-

cípios - como o da tutela eficiente -, o contraditório pode ser poster-gado para momento mais adiante do processo, mas nunca suprimido.

É, por exemplo, o que ocorre com as liminares concedidas inaudita altera pars,5' quando o juiz, sem ouvir a parte contrária, dá um provi-mento de urgência para evitar a lesão de um direito. Nesse caso, o pro-cesso não ficará sem o contraditório: o juiz concede a tutela de urgência e depois ouve a parte contrária, isso para prevenir a lesão ao direito.

Não obstante o direito de contraditório - pelo qual a parte pode

contradizer o alegado pela outra -, é assegurado aos litigantes o direito

amplo de realização e apresentação das provas necessárias à de-

monstração dos fatos que alegaram em seu favor.Deve ser garantido às partes o direito de ampla defesa, com a

produção de todas as provas lícitas admitidas pelo ordenamento jurí-dico, sob pena de ocorrer o cerceamento de defesa e a conseqüente invalidade da decisão judicial que deixou de ser firmada na prova não produzida.

O magistrado deve assegurar a ambas as partes o direito amplo e irrestrito de trazer ao processo todos os elementos necessários para a formação da verdade. Obviamente, a realização da instrução processual deve ser harmonizada com outros princípios do direito, no sentido de que a prova seja produzida no momento oportuno, de modo a ser útil para a solução do conflito e obtida por meios lícitos.

37 Op. cit., p. 55.

Page 44: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSONa mesma intensidade com que a Constituição assegura o direito

de ampla defesa, também repudia a utilização de provas obtidas por meios ilícitos; 38 ou seja, a prova produzida de forma contrária às garantias constitucionais ou à lei não pode ser aceita na formação da convicção do julgador. O meio empregado para a colheita das provas deve ser legítimo, sob pena de a prova ser desprezada no processo.

Oportuno, a esse respeito, salientar que a colheita das provas deve respeitar as proteções contidas no benfazejo art. 5o da Constituição da República, que garante a inviolabilidade da intimidade da pessoa (inc. X), inviolabilidade da casa (inc. XI), do sigilo de correspondência, de comunicações telegráficas, de dados e de comunicações telefônicas (inc. XII), admitindo, apenas para o sigilo telefônico e para a casa, 39 a quebra da inviolabilidade autorizada por ordem judicial.

Na verdade o direito ao contraditório e à ampla defesa decorrem das premissas do devido processo legal, que assegura aos litigantes a garantia de um processo justo e com respeito das bases do Estado Democrático de Direito.

Princípio do duplo grau de jurisdição

Muita controvérsia se estabeleceu na doutrina e na jurisprudência acerca do princípio do duplo grau de jurisdição.

Para esse princípio vige a regra decorrente do devido processo legal e do direito de ampla defesa, para assegurar o direito ao recurso contra os atos judiciais.

A controvérsia existente paira na dúvida de ser o duplo grau de jurisdição um princípio constitucional.

A Constituição de 1824 (Constituição do Império) tratava expres-samente do princípio do duplo grau de jurisdição, assegurando às partes a garantia absoluta ao recurso. 40 No entanto, as demais Constituições

38 Constituição da República, art. 5o, "LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

39 Durante o dia (período que vai da aurora até o crepúsculo), a violação do domicílio poderá ocorrer em razão de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou ordem judicial. No período da noite, apenas em flagrante delito, desastre ou prestação de socorro.

40 Nelson Nery Junior, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 4a ed, p. 164.

I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, ã luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que tal reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, e, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art.

Page 45: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 63não trataram expressamente do princípio.

Assim, parte da doutrina se posicionou pelo entendimento de que o duplo grau de jurisdição estaria implícito na Constituição, já que a Carta Maior teria organizado o Poder Judiciário em graus de hierarquia, ou seja, órgãos de primeira instância, órgão de segunda instância e tribunais superiores, tudo isso para permitir que os órgãos hierar-quicamente superiores pudessem reapreciar os atos dos inferiores.

Além disso, a própria Constituição teria criado recursos (arts. 102 e 105), o que admitiria a existência do princípio no plano constitu-cional.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal - a quem restou a incumbência de guardar a Constituição - proferiu diversos julgados no sentido de a Constituição afirmar que o duplo grau de jurisdição não se trata de uma garantia constitucional. Para o Supremo, existe tão somente o direito mínimo de se recorrer de uma sentença desfavorável, com observância dos requisitos previstos na Lei Processual.

Apesar do julgado do Supremo - que um dia poderá rever sua posição - nos filiamos à doutrina segundo a qual o duplo grau de jurisdição é um princípio que decorre do direito de defesa. Princípio constitucional que assegura às partes o direito mínimo de ter revisto um ato judicial, que lhe prejudique, por outro órgão jurisdicional, hierarquicamente superior.

A existência do duplo grau de jurisdição não significa dizer que tal direito é absoluto, mesmo porque, como salientou o Supremo, alguns atos judiciais são irrecorríveis pela própria Constituição e mais, a definição da amplitude do direito de recorrer é da competência da norma processual.

Como sabemos, o Estado Democrático de Direito não compartilha da possibilidade de atos arbitrários do Poder sem a existência de remédios legais para impugná-los. É inconcebível em um Estado de Direito a existência de atos judiciais decisórios que não possam ser impugnados por recursos, se tal fato ocorresse facilitaria a aplicação errada do direito posto, a corrupção e o autoritarismo dos magistrados, que estariam certos de que suas decisões não seriam revistas.

Ademais, o art. 8o, h, do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil foi signatário e os preceitos foram introduzidos em nosso ordenamento, prevê o direito de recurso contra sentença como uma modalidade de garantia judicial mínima.

Assim, é possível concluir que o duplo grau de jurisdição repre-

8o, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de "toda pessoa acusada de delito", durante o processo, "recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior". 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação.

Page 46: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOsenta o direito de recurso, o direito de defesa contra o ato judicial, que

será regido pela legislação processual (infraconstitucional).

Princípio da fundamentação das decisões judiciais

Como conseqüência do princípio do contraditório e da ampla defesa, a Constituição impõe aos magistrados, sob pena de nulidade, o dever de motivação ou fundamentação de todas as decisões judiciais, de forma a permitir a compreensão das razões que levaram ao conven-cimento quando da interpretação da lei ao caso concreto, nos seguintes termos:

Art. 93. [...]

[...]IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão

públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena

de nulidade,podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; [grifo do autor]

Assim, quando da prolação de qualquer decisão, 41 o magistrado deverá fundamentá-la, expondo de forma clara e precisa as razões de seu convencimento, sob pena de nulidade do referido ato.

O dever de fundamentação das decisões judiciais também surge como meio de assegurar o contraditório recursal, pois é praticamente impossível que a parte prejudicada pela decisão interponha um recurso sem saber quais os motivos que levaram o magistrado àquela solução.

Além disso, temos nesse princípio a preocupação do Estado em coibir atos arbitrários, em desconformidade com a vontade da lei, sendo certo que é incompatível com o Estado Democrático de Direito a exis-tência de atos que não comportem o controle pela sociedade em geral.

Princípio da publicidade dos atos

Pela regra exposta no inc. IX do art. 93 da Constituição, toda ati-vidade jurisdicional é pública, podendo ser controlada por qualquer pessoa.

Com efeito, qualquer pessoa - mesmo que não seja parte no pro-cesso ou procurador da parte - tem o direito de tomar conhecimento dos atos processuais praticados, inclusive lhe sendo facultado assistir aos julgamentos e às audiências.

41 Entendendo-se as decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos, não incluindo os despachos de mero expediente.

Page 47: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 65No entanto, a regra do art. 93 comporta algumas exceções, nas

quais o processo será desenvolvido sobre “segredo de justiça”, hipóte-ses em que a publicidade dos atos será limitada às partes e aos seus procuradores, ou somente a estes (com previsão também no art. 155 do CPC).

O segredo de justiça, como exceção ao princípio da publicidade dos atos processuais, se impõe nos casos em que exista a necessidade de preservação da intimidade da pessoa, como nas causas de alimentos (pedidos de pensão a parentes), investigação de paternidade, fixação de guarda de menores, divórcio e separação. Nesses casos citados, os fatos expostos em juízo importam apenas às partes, não havendo interesse da coletividade ou de pessoa estranha ao conflito. A norma visa a impedir que a parte seja prejudicada pela publicidade dos atos, a evitar discriminações ou divulgação de fatos que apenas interessam à sua vida privada.

Não podemos deixar de afirmar que tal previsão de segredo de jus-tiça, previsto no art. 93 da Carta Maior, vem ao encontro do direito fundamental previsto no art. 5o, inc. X, que garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra do indivíduo.

A Constituição também prevê, no inc. XXXIII do art. 5o, o direito de todos receberem dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral, representando verdadeiro direito líquido e certo de qualquer pessoa à obtenção de certidões. 42

Princípio da celeridade - art. 5o, LXXVIII

A Emenda Constitucional n. 45/2004 introduziu no art. 5o o inc. LXXVIII, que assim determina:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

A princípio, nos parece que tal comando é absolutamente ineficaz, pois traz uma regra meramente principiológica sem aplicação ou re- sultado prático imediato. O princípio da celeridade apenas servirá como norte às futuras reformas da legislação processual.

Além disso, esse princípio representa redundância daquilo que já estava entendido como princípio da efetividade na prestação da tutela jurisdicional, que pode ser obtido pela interpretação do direito de ação (art. 5o, inc. XXXV, da CF), ou ainda, do que chamamos princípio da economia processual (princípio interno do processo civil).

Na verdade, não é a inserção de um inciso no art. 5o da Constitui-ção que tornará o processo mais rápido, mas sim a adoção de medidas

42Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, p. 286.

Page 48: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOde estruturação do Judiciário, aumento do número de magistrados,

fornecimento de equipamentos e melhores condições de trabalho aos servidores, enfim, medidas práticas que garantam uma tutela jurisdi-cional rápida.

E mais, trata-se de um princípio vago, de conceitos indeterminados e subjetivos.

Que significa razoável duração do processo? Qual é esse prazo? De fato, incumbe ao legislador infraconstitucional e às normas de organi-zação judiciária criar os mecanismos previstos no dispositivo mencio-nado (como a simplificação dos atos processuais, a facilitação de atos por meios eletrônicos, redução de prazos privilegiados das pessoas de direito público etc.).

■I 1 .6 .2 PR INC ÍP IOS INTERNOS DO PROCESSO C IV I L

Os princípios internos do processo civil, alguns expressos no Có-digo e outros decorrentes da interpretação sistemática do direito pro-cessual, são institutos relevantes ao intérprete do direito, que, muitas vezes, na falta de clareza da própria lei, ou na dúvida sobre qual tese deve prevalecer, deverá aplicar os seguintes princípios:

Princípio da igualdade e imparcialidade

A igualdade, direito fundamental que decorre do caput do art. 5o da Constituição, representa um princípio geral do direito, aplicado com significado especial ao processo, inclusive sendo previsto no Código de Processo Civil, em seu art. 125, como dever do magistrado de assegurar às partes o seu efetivo respeito:

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:I - assegurar às partes igualdade de tratamento.

É própria da atividade jurisdicional a imparcialidade no conflito posto em discussão, sendo o magistrado pessoa desinteressada no resultado do litígio para que possa garantir às partes do processo tratamento igualitário.

Nota-se que o magistrado deve manter-se eqüidistante das partes, no sentido de guardar a mesma distância da parte autora como mantém da ré, sem comprometimento com qualquer um dos litigantes, assegurando a isonomia de tratamento. O juiz que mantém interesse na causa está impedido de nela atuar, sob pena de gerar nulidade do processo, já que a imparcialidade representa pressuposto para que o processo se constitua validamente.

A inobservância da imparcialidade gera absoluto desvirtuamento do fim a que se destina a jurisdição, que é concebida como substituto

Page 49: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 67das partes para, como órgão alheio ao conflito, aplicar o direito ao caso concreto de forma desapaixonada e com retidão. Um exemplo muito simples é capaz de vislumbrar o efeito drástico que a parcialidade gera ao processo: imaginem as conseqüências de se entregar um estuprador para ser julgado pela família da vítima. Com toda certeza, a aplicação do direito estaria preterida pela imposição da vontade de vingança.

O direito à igualdade e à imparcialidade na condução dos processos (civis e penais) é garantia assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, 43 ratificada pelo Brasil, com a seguinte redação:

Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal.

Em relação ao princípio da igualdade, os professores Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky esclarecem 44 que este princípio consiste em tratar de forma igual os iguais e desigualmente os que se encontram em situações desiguais, na medida de suas desigualdades.

De fato, a intenção do constituinte ao garantir a isonomia foi a de proibir o tratamento desigual em relação às pessoas que se encontram na mesma situação, por isso afirmando, por outro lado, que não haverá igualdade se aplicarmos a mesma medida às pessoas que se encontrem em situações distintas.

À primeira vista, por exemplo, poderíamos dizer que as normas que concedem isenção de custas e despesas processuais às pessoas pobres caracterizariam tratamento não isonômico em relação àquelas que têm condições de arcar com as custas do processo. É óbvio que tratar o pobre igualmente ao rico, impondo a ambos o pagamento idêntico de custas, oferecerá negativa de acesso ao Judiciário para os desa-fortunados, implicando ofensa ao princípio da isonomia, pois dá o mesmo tratamento a pessoas que se encontram em situações fáticas absolutamente distintas. 45

43Assembléia Geral das Nações Unidas, Paris, 1948.44 Op. cit., p. 325.45Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel

Dinamar- co, op. c/f., p. 53, ensinam que "a absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a

Page 50: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOA efetiva isonomia impõe ao magistrado (e ao legislador) dar tra-

tamento igualitário aos litigantes que se encontrem na mesma situação, e tratamento diferenciado àqueles que são diferentes para equilibrar as desigualdades.

A efetividade dos princípios de igualdade e imparcialidade é fun-damental para a manutenção da autoridade da jurisdição, caracterizando garantia do jurisdicionado da fiel aplicação do direito ao caso concreto, sem qualquer interesse pessoal do magistrado no deslinde da causa, e oferecendo segurança e confiabilidade nos atos emanados do Poder Judiciário.

Princípios do dispositivo e do inquisitivo

O princípio do dispositivo decorre da regra pela qual a jurisdição é inerte, sendo indispensável a iniciativa e a provocação das partes para que o Poder Judiciário, no processo civil, possa proclamar a vontade da lei ao conflito. No processo civil, a jurisdição nunca age de ofício, mas sempre depois de provocada pela parte interessada no provimento do Estado.

Nesse sentido, determina o art. 2o do Código de Processo Civil:

Art. 2o Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão

quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma

legais.

Com efeito, a essa inércia do órgão jurisdicional é que se denomina princípio do dispositivo, observando-se que o direito de propor ação e praticar os atos processuais próprios dos litigantes é absolutamente vedado aos órgãos do Poder Judiciário.

Por outro lado, não obstante a dependência gerada pelo princípio do dispositivo, a própria legislação processual, em seus arts. 125, 128,

Page 51: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 69130 e 26246 do Código de Processo Civil, impõe ao magistrado o dever de impulsionar o processo ao seu objetivo, qual seja, a solução da lide, impulso este que denominamos de princípio do inquisitivo.

O processo apenas tem início por iniciativa das partes (princípio do dispositivo - art. 2o do CPC), mas se desenvolve por impulso oficial (princípio do inquisitivo - art. 262 do CPC).

Dessa forma, é dever do juiz, uma vez proposta a ação por iniciativa da parte, tomar as providências administrativas do processo para que este não fique parado, impulsionando a solução da lide.

Inclui-se no princípio do dispositivo o poder conferido ao magis-trado de determinar as provas que entender necessárias para o esclare-cimento dos fatos alegados pelas partes, conforme dispõe o art. 130 do Código de Processo Civil.

| Princípio da verdade formal

A verdade que influencia na convicção do magistrado para a solu-ção do processo é aquela que se encontra nos autos, formalmente do-cumentada no processo.

Pelo princípio da verdade formal, o juiz apenas poderá formar o seu entendimento com os fatos demonstrados no processo, não podendo ser aceita a fundamentação das decisões com base em fatos que não

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOestejam devidamente insertos nos autos. 47

No processo civil, o juiz apenas poderá formar a sua convicção com base na verdade que foi levada aos outros. A sentença apenas será

Page 53: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 71fundamentada com a verdade documentada nos autos: a verdade

Page 54: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOformal.48

Para o processo civil, não se pode admitir a prevalência da verdade real na convicção do julgador, pois, como vimos anteriormente, o juiz é pessoa estranha ao litígio e mantém contato apenas com os fatos trazidos ao processo; o que não está no processo não existe no mundo jurídico, sob pena de se incorrer em quebra da imparcialidade.

No entanto, os princípios da verdade formal e do dispositivo que impede a iniciativa do magistrado foram abrandados pelas normas do Código de Processo Civil (art. 130), que permitem ao julgador a deter-minação de que as partes realizem provas. Assim, o juiz não é mero espectador dos atos das partes, mas também tem o poder inquisitivo para determinar que se tragam aos autos as provas que entender indis-

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

tâneo do réu supriu a falta de citação, sendo certo que, com o seu compa- recimento voluntário, foi atingido o final essencial do ato de citação, qual seja, dar ciência ao réu da existência de uma ação em curso contra ele.

É importante lembrar aos profissionais que manipulam o direito a realidade de que o processo é apenas instrumento para a realização do direito material, não encontrando o processo fim em si mesmo. Não há, assim, justificativa para a exigência exagerada do formalismo em detrimento do direito material envolvido, razão pela qual se deve con-siderar válido o ato processual quando atinge sua finalidade, indepen-dentemente da forma empregada.

| Princípio da fungibilidade

A fungibilidade, para o processo civil, carrega o significado de subs- titutibilidade, no sentido de se aceitar um ato processual no lugar de outro como válido (trocar uma coisa por outra).

Podemos citar, por exemplo, a fungibilidade recursal, pela qual, interpondo a parte recurso inadequado à decisão impugnada, poderá o Tribunal receber o recurso errado como o correto, ou, ainda, a fungibi-lidade entre a tutela antecipada e as medidas cautelares. Como precei-tua o art. 273, § 7o, do Código de Processo Civil, caso a parte requeira a antecipação dos efeitos da tutela, e o magistrado entender tratar-se de provimento cautelar, deverá o juiz conceder a medida cautelar, hipóte-ses estas de que trataremos em capítulos próprios adiante.

A fungibilidade também se verifica entre as ações possessórias, nas quais, por expressa previsão legal (art. 920), 49 a parte não será prejudi-igualdade substancial".

46 "Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial."

47 Nesse sentido, Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 664, citam: "Juiz que julga conforme conhecimento próprio dos fatos. É nula a sentença em que o juiz se vale de conhecimento próprio dos fatos. Se o fato não é notório e se o juiz não aplica máximas de experiência, julga com base em conhecimento próprio e faz as vezes de testemunha extrajudicial, estando impedido de exercer suas funções juris- dicionais, ante a ausência de pressuposto processual de imparcialidade" (RT 630/140).

48 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. c/f., p. 65: "No processo penal sempre predominou o sistema da livre investigação de provas. Mesmo quando, no processo civil, se confiava exclusivamente no interesse das partes para o descobrimento da verdade, tal critério não poderia ser seguido nos casos em que o interesse público limitasse ou excluísse a autonomia privada. Isso porque, enquanto no processo civil em princípio o juiz pode satisfazer-se com a verdade formal (ou seja, aquilo que resulta ser verdadeiro em face das provas carreadas aos autos), no processo penal o juiz deve atender à averiguação e ao descobrimento da verdade real (ou verdade material), como fundamento da sentença".49o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela,

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL 74

cada pela propositura de uma medida no lugar da outra, impondo-se ao magistrado o dever de conhecer da medida supostamente errada no lugar da correta.

O princípio da fungibilidade tem como base os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, vislumbrando a possibilidade de evitar prejuízo à parte litigante pela tomada de medidas - que entendia ela como corretas -, enquanto o órgão jurisdicional, em sentido diverso, deduz ser adequada outra medida similar.

Como ocorre nas ações possessórias, em tese, é muito simples di-ferenciar cada uma das medidas (interdito proibitório, manutenção e reintegração), mas, quando em confronto com a situação prática, muitas vezes não se sabe se é caso de uma ou outra medida. A dúvida em relação à medida correta não se restringe às possessórias, ocorrendo o mesmo nos recursos, uma vez que, em muitos casos, existe dúvida objetiva sobre qual recurso seria o adequado para atacar a decisão desfavorável.

Assim, como meio de garantir às partes o acesso ao Poder Judiciá-rio, dentro de um critério de razoabilidade para afastar a má-fé, haven-do dúvida objetiva sobre adequação de determinado ato, o órgão jul-gador deverá aplicar, de ofício, o princípio da fungibilidade, recebendo o ato da parte - supostamente errado - no lugar daquele que seria o correto.

Princípio da economia processual

A interpretação sistemática do ordenamento processual leva à regra

segundo a qual o processo deve desenvolver-se de forma mais eco-

nômica às partes e ao Estado, ou seja, que o processo se realize no

menor tempo possível e com o mínimo de gasto - justiça rápida e ba-

rata.50

A prestação da tutela jurisdicional, ao contrário do que muitos pensam, não é atividade gratuita do Estado, mas serviço público con-dicionado ao recolhimento de custas aos órgãos do Poder Judiciário para o processamento da causa, arcando as partes com os honorários de peritos, assistentes técnicos, advogados, condução dos oficiais de justiça, custas ao Poder Judiciário etc.

Dessa forma, a prática dos atos processuais deve ser pautada no objetivo de menor gasto às partes, sendo apenas realizados no processo os atos que se revelem úteis à solução do conflito, caracterizando dever

cujos requisitos estejam provados."50 Humberto Theodoro Júnior, op. c/t, p. 28.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

do juiz indeferir os atos processuais inúteis ou protelatórios (art. 130) para que o processo não gere despesas desnecessárias.

Princípios do eventualidade e da preclusão

Todo processo se desenvolve por meio de atos processuais que estão dispostos em uma ordem lógica (um ato após o outro) e com mo-mento certo para serem realizados. Assim, o princípio da eventualidade prevê que cada ato processual deve ser realizado dentro de seu mo-mento oportuno, conforme previsão legal, esgotando-se totalmente o ato, sob pena de não mais se poder praticá-lo.

Um exemplo clássico do princípio da eventualidade verifica-se no art. 300 do Código de Processo Civil, quando há previsão de que o réu deverá alegar na contestação toda matéria de defesa, pois, uma vez protocolizada a petição, não mais poderá fazer qualquer alegação.

Por outro lado, não praticado o ato no momento oportuno, ocorrerá o fenômeno da preclusão, que consiste na perda da capacidade para a prática do ato processual pelo decurso do prazo (preclusão temporal), pela consumação ou esgotamento do ato (preclusão consuma- tiva), ou pela prática de atos incompatíveis entre si (preclusão lógica), como quando a parte requer a concessão de justiça gratuita e simultaneamente recolhe custas elevadas.

Princípios da lealdade processual e da boo-fé

A legislação processual impõe às partes o dever de agirem no pro-cesso com lealdade e boa-fé, o que, nos termos dos arts. 14 e 17 do Có-digo de Processo Civil, compreende proceder com urbanidade em relação aos demais sujeitos do processo (magistrados, servidores etc.), expor os fatos conforme a verdade, sem alterá-los ou usar de falsidades, não empregar meios protelatórios e não proceder de modo temerário ou provocar incidentes indevidos.

A violação dos deveres de lealdade e de boa-fé gera ao infrator a penalidade de multa (art. 18 do CPC).

O processo, muitas vezes, leva as partes e seus procuradores a se apaixonarem pela questão litigiosa, fazendo com que intervenham no processo de forma desleal ou com má-fé, com o emprego de artifícios ou meios ilegais para obtenção de vantagem na ação.

É muito comum a parte desleal utilizar-se de documentos falsos para alteração da verdade dos fatos, ou ainda a destruição ou o furto de documentos indispensáveis à solução da lide - a parte comparece ao cartório, pede para ver o processo, e arranca a folha que lhe interessa, como um cheque. Em certa oportunidade (talvez única na vida), presenciamos a incineração dos autos do processo provocada pela pró-

Page 58: Manual de Direito Processual Civil

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 76

pria parte ré. Em poucos segundos, diante de todos, a parte jogou álcool nos autos e ateou fogo (talvez tenha encontrado ela a forma mais rápida de extinção do processo).

Além disso, é muito comum a falta de respeito e urbanidade entre as partes, ou entre os procuradores e a parte adversa ou órgão jurisdi-cional. Existem registros de advogados que, em petição ou manifesta-ção oral em audiência, lançaram contra a parte adversa e o juiz palavras ofensivas e indecorosas, hipótese em que o juiz deve determinar que se risquem dos autos as ofensas.

Princípio da identidade física do juiz

O art. 132 do Código de Processo Civil prevê que o juiz (qualquer magistrado) que concluir a audiência, ou seja, aquele que procedeu à colheita das provas orais, deverá proferir o julgamento, salvo se estiver convocado, licenciado ou afastado do cargo ou função por outros mo-tivos (aposentadoria, férias, promoção etc.).

O presente princípio se justifica pelo fato de que o magistrado que colheu a prova tem maior condição de proferir o julgamento, por ter maior conhecimento dos fatos postos em juízo. 51

51 Súmula n. 262 do extinto TFR: "Não se vincula ao processo o juiz que não colheu prova em audiência".

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49

2J U R I S D I Ç Ã O

2.1 CONCEITO

Os relatos históricos nos mostram que nem sempre o Estado exerceu o domínio sobre o poder de dizer o direito ao caso concreto; pelo contrário, no período primitivo, a organização social limitava-se a estabelecer os direitos e as obrigações dos indivíduos nos grupos sociais, sem a existência de uma estrutura organizada capaz de garantir a aplicação efetiva da norma abstrata aos problemas reais.

Nesse período, cada indivíduo que se achasse detentor de um direito tinha legitimidade para exercer a justiça contra o seu devedor. Na realidade, a “justiça privada” ou “autotutela” apenas servia como instrumento de vingança, com a qual o mais forte sempre impunha a sua vontade contra o mais fraco e, conseqüentemente, saía vencedor no conflito.

A autotutela mostrou-se absolutamente contrária à organização social, o poder dominante que não poderia deixar a administração da justiça em poder dos particulares, pois a

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

vingança - a imposição da vontade do mais forte - gerava total desar-monia e descontentamento da coletividade.

Na teoria desenvolvida por Aristóteles, posteriormente aperfeiçoada e difundida por Montesquieu, o “poder” do Estado deveria ser exercido por três funções distintas: a legislativa, para elaboração de normas gerais e abstratas; a executiva, que se destina à administração do Esta-do; e a função judiciária, incumbida de fazer o direito material atuar nos litígios da vida real.

Assim, os Estados modernos passaram a chamar para si o poder de “fazer a justiça”, de aplicar a lei ao caso concreto para solver os confli-tos na busca da paz social, revelando-se esse poder verdadeira demons-tração de soberania do Estado.

Moacyr Amaral Santos, ao discorrer acerca da jurisdição, ensina: 52

A jurisdição, portanto, é uma das funções da soberania do Estado. Função de poder, do Poder Judiciário. Consiste no poder de atuar o direito objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma resguardando a ordem jurídica e a autoridade da lei. A função jurisdicional é, assim, como um prolongamento da função legislativa, e a pressupõe. No exercício desta, o Estado formula as leis, que são regras gerais abstratas reguladoras da conduta dos indivíduos, tutelares de seus interesses e que regem a composição dos respectivos conflitos; no daquela, especializa as leis, atuando-as em casos ocorrentes.Dessa forma, podemos conceituar a jurisdição como o poder so-

berano e atividade do Estado de dizer o direito ao caso concreto, mani-festando a vontade da lei ao caso concreto. 53

Com base na etimologia da palavra jurisdição, originada do latim, obtemos o seguinte conceito:

Jurisdição = juris (direito) + dictio (ato de dizer) = dizer o direito ou

aplicar a norma abstrata ao caso concreto.

Assim, a jurisdição caracteriza um poder, uma forma de substitui-ção da ação dos litigantes pela atividade de órgão do Estado alheio ao conflito, pessoa esta que não mantém qualquer interesse no litígio e pode com imparcialidade manifestar a vontade da lei. Aos litigantes pertence o bem da vida disputado.

No Brasil, o exercício da jurisdição é monopólio do Estado, e tal atividade é desempenhada exclusivamente pelo Poder Judiciário, nos

52 Primeiras linhas de direito processual civil, v. I, p. 67.

53 É equivocado o emprego da expressão jurisdição para órgãos estranhos ao

Poder Judiciário - por exemplo, é comum encontrarmos jurisdição associada à

administração de estradas ("trecho sob a jurisdição da empresa [...]"). Apenas o

Poder Judiciário exerce jurisdição.

Page 61: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO

termos fixados na Constituição da República (arts. 92 a 135), sendo absolutamente repudiada a justiça privada para prevalência do juiz na-tural e competente nos termos da lei processual. 54

Ressalte-se que a manutenção de um Estado democrático de direito, cujas obrigações e cujos direitos de todos estão previstos em instru-mentos normativos elaborados por representantes dos próprios cidadãos, pressupõe a existência de um órgão estatal dotado de força para aplicar o direito às situações reais da vida em sociedade, poder imparcial para fazer prevalecer o império da lei.

2.2 CARACTERÍSTICAS

a) Substituição. A jurisdição substitui a atividade das partes na solução do litígio. Não são as partes que decidem o conflito, mas o Estado, que, emitindo um provimento jurisdicional - uma tutela -, determina qual das partes tem razão. A vontade da lei, manifestada pelo Poder Judiciário, substitui a vontade das partes.b) Imparcialidade. A atividade jurisdicional não tem qualquer inte-resse direto no resultado do conflito, sendo indiferente para o Estado qual das partes será beneficiada com a tutela. O interesse do Estado é estranho à pretensão das partes, e enquanto estas disputam o bem da vida, o Estado objetiva o fim do litígio e a pacificação, não guardando qualquer vínculo com o objeto da ação.c) Instrumentalidade. A jurisdição é meio e não fim, tendo por escopo viabilizar a prática do direito, tratando-se de instrumento público para administração de interesses privados.d) Existência de lide. Na conceituação dada por Carnelutti, lide sig-nifica o conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resis-tida. Em outras palavras, é a disputa do mesmo bem jurídico por mais de uma pessoa, caracterizada pela resistência das partes em ceder o bem aos demais. Assim, como regra, a atividade jurisdicio- nal apenas se justifica quando da existência de lides a serem solvi-das (conflitos a serem pacificados). 55

e) Definitividade. Os atos advindos do Poder Judiciário, em espe-cial as sentenças e os acórdãos, uma vez transitado em julgado, são definitivos, não comportando novas discussões.3 Esse fenômeno é que se denomina de coisa julgada, efeito de imutabilidade que recai

54 Constituição da República, art. 5o, inc. Llll: "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente".

55 Excepcionalmente, o Estado atua em casos em que não se verifica a existência de lide; isso ocorre nos casos de jurisdição voluntária, tema tratado a seguir, no item 2.4.2.

Page 62: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

sobre a sentença ou o acórdão capaz de impedir a sua reapreciação, mesmo que sejam atingidos por nova lei. 56 Res- salte-se que nem mesmo uma nova lei poderá modificar o que foi decidido pelo Poder Judiciário em relação ao caso posto em juízo.f) Atividade pública. A jurisdição é típico exercício do Poder do Estado brasileiro, e é atividade realizada pelo Poder Judiciário, não se admitindo, como regra, a atuação de particulares na aplicação do direito.g) Investidura. “Poder que decorre da Constituição da República.” Como salientamos, quando tratamos dos princípios constitucionais que regem o processo civil, constitui requisito indispensável para a existência do órgão jurisdicional a investidura de Poder pelo Estado por meio da Constituição. Pelo princípio do juiz natu

56É garantia fundamental, prevista no inc. XXXVI do art. 5o da Constituição, que a lei não poderá prejudicar a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

Page 63: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO 53

ral, apenas os órgãos investidos de poder jurisdicional é que têm autoridade para dizer o direito ao caso concreto.

É a Constituição da República que cria os órgãos jurisdicionais e lhes atribui poderes e competências funcionais, sendo certo que é garantia fundamental o princípio pelo qual ninguém poderá ser julgado ou processado senão pela autoridade investida de poderes pelo Estado para exercer tal função de soberania.h) Improrrogabilidade e indelegabilidade. Os limites do exercício da jurisdição estão previstos na Carta Maior, não se admitindo modi-ficação dessa competência funcional entre os demais órgãos do Poder (Executivo e Legislativo) ou mesmo dentro do próprio Judi-ciário, seja por lei ou por ato de um dos Poderes. Conseqüente-mente, uma vez que não se admite a modificação das funções pre-vistas na Constituição para cada órgão do Judiciário, também não se admite a delegação de poderes (transferência por manifestação de vontade).i) Inafastabilidade e inevitabilidade. 57 O órgão jurisdicional não pode se recusar a prestar a tutela jurisdicional e o Judiciário nunca poderá se recusar a julgar uma causa, sob pena de negativa do direito fundamental de ação, previsto no inc. XXXV do art. 5o da Constituição. Nem mesmo a existência de lacuna ou falta de lei poderá ser justificativa para que o magistrado deixe de prestar a tutela jurisdicional, afastando a jurisdição das necessidades das partes. Deverá valer-se, então, nos termos do art. 126 do Código de Processo Civil, de normas gerais, analogia, costumes ou princípios gerais do direito, mas nunca se recusar à jurisdição.

Por outro lado, uma vez provocada, a atividade jurisdicional não pode ser afastada pela vontade das partes, sendo certo que elas se obrigam ao cumprimento do provimento jurisdicional, inde-pendentemente de suas vontades.

57 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, Teoria geral do processo, p. 139: "O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos jurisdicionais, sendo uma emanação do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma, independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os resultados do processo".

Page 64: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Em determinado caso, tivemos notícia de um contribuinte que propôs ação em face de um município com a finalidade de modi-ficar a forma de cálculo do tributo devido. Ocorre que o autor foi vencedor na ação, impondo à sentença a modificação do modo de cálculo do referido tributo. Curiosamente, ao realizar os novos cál-culos, o contribuinte percebeu que o débito tributário havia au-mentado - ou seja, ganhou a ação para modificar a forma de cál-culo, mas isso lhe acarretou aumento na carga tributária; assim, muito esperto, o autor pretendeu recusar a utilização da nova ta-bela. Acertadamente, o magistrado determinou, em favor do mu-nicípio, que se executasse a sentença. De fato, uma vez provocada a jurisdição, as partes devem sujeitar-se aos efeitos da tutela emanada dessa atividade, não havendo possibilidade de a vontade das partes evitar a eficácia do julgado, j) Inércia. A jurisdição apenas atua no caso concreto quando provocada. O movimento da máquina judiciária depende da provocação- ou ação - da parte interessada na obtenção de um provimento do Estado acerca de uma lide (art. 2o do CPC).

A jurisdição não é espontânea e nem age de ofício, caracteri-zando função do Estado absolutamente inerte. 58 Tal característica também está presente no julgamento do processo, pois é vedado ao magistrado proferir sentença além dos limites em que a ação foi proposta.1) Aderência ao território. Por se tratar de atividade tipicamente do Poder soberano, em primeiro lugar, a jurisdição brasileira é restrita ao território nacional.

Dentro do País, a jurisdição é dividida em territórios (comarcas, distritos, seções judiciárias etc.), nos termos das leis de orga-nização judiciária, sendo defeso aos magistrados o exercício da judicatura fora dos limites territoriais de sua competência.

2.3 PODERES DA JURISDIÇÃO

Por se tratar de uma atividade do Estado destinada à intervenção

nas relações particulares (ou relação dos particulares com o próprio

Estado), a jurisdição é dotada de poderes que permitem efetividade e

desenvolvimento de suas funções, ou seja:

a) Poder de polícia e de documentação. No exercício da jurisdição,

58Mesmo em relação às lides penais, a jurisdição apenas age quando provocada

- no caso, pelo Ministério Público ou pela vítima interessada (quando o crime

dependa de representação ou queixa).

Page 65: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO

o Estado-juiz tem autoridade institucional para presidir e adminis-

trar todo o processo, inclusive poder para documentar nos autos a

realização dos atos processuais.

b) Poder de decisão. O magistrado competente para o processamen-

to da ação tem poder para formação e imposição de um juízo de

mérito sobre o objeto central da lide, bem como em relação às

questões incidentes.

c) Poder de coerção. É dever institucional da jurisdição zelar pelo

cumprimento de seus atos (decisões, sentenças e acórdãos), tendo

autoridade coercitiva para impor às partes e terceiros o efetivo

cumprimento das ordens judiciais. O poder de coerção é funda-

mental traço distintivo entre o Estado e o particular, sendo certo

que apenas aquele pode impor medidas repressivas ante o des-

cumprimento de uma ordem.

A força coercitiva é fundamental para o respeito e a efetividade das

decisões emanadas do Judiciário. Como sabemos, não interessa para o

jurisdicionado que o Estado apenas lhe confira um papel dizendo que

ele tem direito, sem que exerça sobre a parte adversa pressão suficiente

para impor o respeito à vontade da lei; por essa razão, tem o Judiciário

total obrigação (de ofício) de impor medidas que obriguem a parte

contrária ao cumprimento de uma ordem judicial, por exemplo, multa,

busca e apreensão, requisição de força policial, expropriação de bens

(penhora e venda em hasta pública) etc.

2.4 ESPÉCIES DE PRESTAÇÕES

DA TUTELA JURISDICIONAL

No estudo das espécies de jurisdição, é necessária a prévia ressalva de que a jurisdição, por se tratar de uma das funções do Estado, é una e não comporta divisões. 59 Dentro do Estado brasileiro existe uma única jurisdição, um único Poder Judiciário, estruturado em diversos órgãos, cada um dotado de uma função específica para adequar-se e melhor solucionar as diversas naturezas dos conflitos.

Assim, a classificação a seguir apresentada não se presta para divi-dir o Poder Judiciário ou classificar “jurisdições”, mas tão-somente para analisar as diversas maneiras de atuação do Estado na solução dos conflitos, levando em consideração as especificidades das lides.

59 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 34.

Page 66: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

■ i 2 . 4 . 1 J u r i sd ição Comum ou espec ia l i zada

Em relação à matéria objeto do litígio, o Poder Judiciário, como veremos no próximo capítulo, foi estruturado em órgãos de jurisdição especializada, destinados à solução de lides relacionadas às matérias trabalhista, eleitoral e militar; e outros órgãos destinados à jurisdição comum, aqui por um critério de exclusão, com competência para jul-gamento das causas não especializadas, compreendendo o direito penal e o civil lato sensu (incluindo os demais ramos do direito, como administrativo, comercial, tributário etc.).

A divisão da atividade se dá com o objetivo de melhor prestação da tutela jurisdicional, para que o provimento oferecido pelo Estado- juiz, dentro de cada área, seja diferenciado em relação às naturezas das lides.

Imaginem um único magistrado ter de proferir sentenças sobre todos os ramos do direito. Com toda a certeza, a abrangência de competências geraria provimentos superficiais e inadequados, dada a falta de especialização do julgador nas diversas matérias da ciência jurídica.60

M 2 . 4 . 2 J U R I S D I Ç Ã O V O L U N T Á R I A O U C O N T E N C I O S A

É característica e regra da jurisdição a existência de lides a serem resolvidas pelo Poder Judiciário (conflitos de interesses qualificados por uma pretensão resistida).

No entanto, em hipóteses de grande relevância do bem jurídico ou das condições dos interessados envolvidos, o Estado intervém em relações particulares não litigiosas apenas para administrá-las e zelar pela regularidade do negócio, atividade a qual denominamos jurisdição voluntária.

É o que ocorre, por exemplo, com a dissolução amigável do casa-mento. Não obstante a inexistência de lide - já que ambas as partes concordam com o fim da união marital -, o Estado impõe que a for-malização do divórcio consensual se dê diante do Poder Judiciário, em típico caso de jurisdição voluntária.

O mesmo ocorre em relação à alienação de bens de incapazes, alie-nações judiciais, abertura de testamentos, requerimentos de alvarás, separação consensual, administração de bens de ausentes e de coisas vagas, curatela de pessoas interditadas, organização e fiscalização das fundações etc.

Por outro lado, quando se revela a verdadeira jurisdição, vislum-bramos a jurisdição contenciosa, aquela em que existe lide, ou seja, controvérsia e disputa entre as partes em relação ao mesmo bem da vida.

Podemos traçar as seguintes diferenças:

60 É humanamente impossível alguém conhecer tudo da ciência jurídica.

Page 67: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO

Jurisdição Voluntária Jurisdição Contenciosa

Administração pública de interesses

privados

Solução para conflitos de interesses

Ausência de lide Presença de lide

Requerentes ou interessados Partes (autora e ré)

Sentença meramente homologatória

(o juiz não julga, tão-somente

ratifica a regularidade do ato)

Sentença de mérito (magistrado emite um

juízo de valor decidindo qual das partes

tem razão no litígio)

A sentença homologatória pode ser

desconstituída por ação anulatória

(como se anulam os atos jurídicos

em geral - art. 486 do CPC)

A desconstituição da sentença depende de

acão rescisória - art. 485 do CPC>

M 2 . 4 . 3 J U R I S D I Ç Ã O I N D I V I D U A L O U C O L E T I V A

Algumas lides, ao contrário da grande maioria, ultrapassam o inte-

resse individual ou particular das partes, e têm relevância em relação a

toda a coletividade ou grupo de pessoas indeterminadas, versando sobre

direito material indivisível. Isso é denominado jurisdição coletiva.

Na jurisdição coletiva, o direito material envolvido pertence à co-

letividade e não apenas a pessoas determinadas e individualizadas no

processo. Por exemplo, podem ser tuteladas pela jurisdição coletiva as

causas que tratam de proteção do meio ambiente e do consumidor, as

ações relativas ao patrimônio público ou a direitos pertencentes a cate-

gorias ou classes (como a defesa dos direitos dos metalúrgicos etc.).

A jurisdição coletiva se destina à proteção de direitos transindivi-

duais, quando, em nome próprio, o legitimado propõe a ação para

pleitear direito de pessoas não determinadas no processo, por meio de

instrumentos como a ação civil pública, a ação popular e o mandado de

segurança coletivo.

Como veremos a seguir, a jurisdição coletiva não é aquela em que

figura no pólo da ação mais de uma pessoa, e sim aquela em que o

objeto litigioso não pertence unicamente ao autor da ação, mas a toda a

coletividade (ou grupo de pessoas indeterminadas). Assim, mesmo que

exista mais de uma pessoa na ação, ela será individual desde que esteja

pleiteando direito próprio e não de terceiros indeterminados.

É importante consignar, também, que são absolutamente distintos

Page 68: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

os efeitos gerados pela jurisdição coletiva em relação à individual, no

sentido de que enquanto nesta os efeitos da tutela apenas serão perce-

bidos pelas partes litigantes (efeito inter partes), na coletiva os efeitos

atingirão toda a coletividade (efeito erga omnes), beneficiando-se ou não

da tutela até mesmo as pessoas que não integram a lide.

Em brilhante voto lançado pelo ministro Humberto Gomes de

Barros, o Superior Tribunal de Justiça proferiu julgamento, cujo trecho

transcrevemos:

As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao

princípio da economia processual. 0 abandono do velho

individualismo que domina o direito processual é um imperativo do

mundo moderno. Atra

Page 69: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO 59

vés delas, com apenas uma decisão, o Poder Judiciário resolve

controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças

individuais. Isto faz

o Judiciário mais ágil. De outro lado, a substituição do indivíduo pela

coletividade torna possível o acesso dos marginais econômicos à

função jurisdicional. Em a permitindo, o Poder Judiciário aproxima-se

da democracia. (STJ, 1a Seção, Mandado de Segurança 5.187/DF, DJU

29.06.1998, v.u.)

Por exemplo, havendo veiculação de publicidade enganosa (ou

qualquer outra lesão ao consumidor), poderá o Ministério Público

promover ação em nome próprio, de natureza coletiva, para exigir a

cessação da publicidade e a reparação dos danos causados aos

consumidores. Assim, todas as pessoas atingidas pela propaganda (que

na ação não foram individualizadas) poderão beneficiar-se da sentença

proferida na jurisdição coletiva.

■ i 2 . 4 . 4 J U R I S D I Ç Ã O I N F E R I O R E S U P E R I O R

Ao criar os órgãos do Poder Judiciário, a Constituição da República

estabeleceu hierarquia entre eles, criando órgãos inferiores (deno-

minados de Ia instância) e os superiores (órgãos de 2a instância e Tri-

bunais Superiores).

A distribuição hierárquica da atividade jurisdicional se dá em rela-

ção às funções dos magistrados, uma vez que, dependendo da impor-

tância da matéria ou pessoa que figure no litígio, a Constituição atribui

competência originária para processamento da ação diretamente nos

tribunais. É o que ocorre, por exemplo, com o presidente da República,

que é julgado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, ou, ainda,

os governadores dos estados, que apenas são processados pelo Superior

Tribunal de Justiça.

Além de competências originárias, a hierarquia jurisdicional tem

por finalidade assegurar o duplo grau de jurisdição, organizando o Po-

der Judiciário de forma a propiciar que a decisão de um órgão inferior

possa ser reexaminada por outro órgão que se encontre hierarquica-

Page 70: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO 60

mente acima.

Page 71: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A hierarquia dos órgãos do Judiciário não faz com que as decisões dos magistrados inferiores estejam subordinadas às ordens dos supe-riores. Como ensina José Frederico Marques: 61

Na atuação hic et nunc dentro do processo, o juiz não recebe ordens dos tribunais superiores, visto não existir poder hierárquico de mando entre os órgãos da magistratura. Vínculos hierárquicos não prendem o juiz quando este exerce a função jurisdicional. Os graus de jurisdição, a diferenciar as instâncias, nada mais traduzem, como salienta Adolf Merkl, que "uma competência de derrogação, e nunca uma competência de mando do superior sobre a instância inferior".De fato, os tribunais têm o poder de, em julgamento de recursos,

modificar, anular ou substituir os atos praticados pela instância inferior, mas nunca poderes para determinar ao magistrado a quo como decidir.

2.5 Substitutivos da Jurisdição

Não obstante a jurisdição ser atividade exclusiva do Estado, em casos excepcionais o próprio Estado autoriza que os conflitos sejam resolvidos por particulares. Nos seguintes casos a atividade privada ou particular substitui a jurisdição do Estado:

a) Transação.62 Representa instituto do direito civil (art. 840 do Código Civil),63 pelo qual os interessados, por concessões recíprocas, celebram ato jurídico tendente a prevenir ou afastar eventual ou futuro litígio judicial, tratando-se de espécie de acordo realizado fora do âmbito do Judiciário. A transação é hipótese de composição amigável entre as partes para solução de conflito sem a intervenção do Estado.

A transação pode ser negócio realizado para evitar o litígio, ce-lebrado antes de sua ocorrência, ou firmado com o intuito de pôr fim a processo em curso, hipótese em que a transação é levada ao processo e homologada pelo juiz (extinguindo o processo com jul-gamento do mérito, nos termos do art. 269, III, do Código de Pro-cesso Civil).b) Conciliação. É o acordo realizado no bojo do processo diante da

61Manual de direito processual civil, p. 208.62 Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, p. 733, afirma: "Conceito de

transação. A transação é um negócio jurídico bilateral, pelo qual as partes interessadas, fazendo-se concessões mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas".

63 "Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas."

Page 72: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO

presença do magistrado.Em ambos os casos, transação e conciliação, a vontade das

partes prevalece sobre a vontade da jurisdição, as próprias partes resolvem o conflito. Ocorrendo o acordo, o juiz não proferirá qualquer juízo de valor, limitando-se à análise das condições do ato jurídico (capacidade das partes, objeto lícito e observância da forma legal) para homologar - ratificar - a vontade das partes. 64

c) Juízo arbitrai. Por força da Lei n. 9.307/96, foi regulamentado o juízo arbitrai, pelo qual as partes renunciam à via judiciária para que, no futuro, eventual litígio seja apreciado por um árbitro (um técnico particular). Assim, as partes convencionam que qualquer litígio relacionado ao objeto do negócio deverá ser julgado por um árbitro e não pelo Judiciário.

Ressalte-se que a instituição do compromisso arbitrai apenas é possível em se tratando de direitos patrimoniais, disponíveis e pertencentes a pessoas capazes. Em caso contrário, o litígio deverá ser apreciado pelo Poder Judiciário. 65 Assim, não poderão ser objeto de arbitragem, por exemplo, os direitos de incapazes (menores, tutelados ou curatelados), os direitos não-patrimoniais como a paternidade, relativos aos deveres do casamento e sua dissolução etc.

64H Sendo as partes capazes, lícito o objeto pactuado e observada a forma legal, o juiz não poderá interferir no acordo celebrado entre as partes, manifestando valores de justiça ou injustiça.

65 Lei n. 9.307/96, art. 1°: "As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis".

Page 73: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

2.6 O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

No Estado brasileiro, a jurisdição é exercida com exclusividade pelo Poder Judiciário, que desempenha essa atividade típica de sobera-nia por meio de seus órgãos, compostos de magistrados que integram os tribunais e os juízos de primeira instância, nos termos da Constituição da República.

M 2 .6 .1 INGRESSO NA MAGISTRATURA

A magistratura, por excelência, é a função do servidor do Estado investido de poder de dizer o direito ao caso concreto. Podemos dizer que os juizes constituem a voz e os braços da justiça - vox legis -, sendo por meio deles que a vontade da lei se manifesta para os juris- dicionados.

Em comparação com outros sistemas jurídicos, vislumbramos diversos modos de ingresso dos juizes na função. Nos Estados Unidos da América e na Suíça, por exemplo, os magistrados são escolhidos por meio do instrumento democrático do voto popular, embora, talvez, como recrimina Moacyr Amaral Santos, 66 a eleição não se mostre o instrumento hábil para apuração da competência técnica necessária ao exercício da função de magistrado, do valor cultural e da idoneidade moral do candidato ao cargo; o voto ainda gera o compromisso do eleito com seus eleitores, o que, sem dúvida, compromete a imparcialidade.

Por sua vez, um sistema como o da Inglaterra prevê a nomeação de juizes pelo chefe do Poder Executivo, hipótese esta que pode impor ao Poder Judiciário condição de submisso ao outro Poder, o que não pode existir.

Na França e na Itália, a escolha dos magistrados se faz pelo Con-selho Superior da Magistratura, composto por juizes, professores de direito e advogados, designados pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo.67

66 Op. c/f., p. 96.67 Idem, p. 99.

Page 74: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO

No Brasil, o ingresso na magistratura poderá ocorrer das seguintes formas:a) Aprovação do candidato em concurso de provas e títulos.

A regra para o ingresso no cargo de juiz, é de que o candidato deverá submeter-se a concursos públicos contendo provas (em fases eliminatórias) e análise de títulos (em fase classificatória), concurso este que contará obrigatoriamente com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, nos termos do inc. I do art. 93 da Cons-tituição.

Os juizes, quando do ingresso na carreira por concurso, principiam suas atividades na qualidade de juizes substitutos, passando, ini-cialmente, por um estágio probatório de dois anos, para depois ga-nharem vitaliciedade 68 no cargo de magistrado. Ressalte-se que os magistrados que ingressam diretamente nos tribunais, como trataremos a seguir, não estão subordinados ao estágio probatório, adquirindo a vitaliciedade logo que entram na posse da função pública.

Além do período de estágio probatório, é condição para que o bacharel em direito possa concorrer ao cargo de juiz ter exercido, no mínimo, três anos de atividade jurídica, 69 conforme redação dada pela EC n. 45/2004 ao inc. I do art. 93 da Constituição da República.

As promoções dos magistrados dentro da carreira observarão o critério de antigüidade e merecimento, 70 sendo eles promovidos de en- trância a entrância, 71 e depois para os respectivos tribunais a que estejam vinculados.b) Escolha do candidato entre os membros do Ministério Público e

da advocacia, denominado “quinto constitucional”.O art. 94 da Carta Maior estabelece que um quinto das vagas dos

Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais dos Estados será compos-ta por membros do Ministério Público e da advocacia, constituindo uma forma de ingresso na magistratura diversa do concurso público.

Como requisitos para o ingresso na magistratura pelo “quinto cons-titucional”, o candidato, advogado ou membro do Ministério Público

68 Para obter a vitaliciedade, além do cumprimento do prazo, o magistrado deverá participar dos cursos oficiais de aperfeiçoamento, nos termos do inc. IV, do art. 93 da Constituição da República (EC n. 45/2004).

69A definição do termo "atividade jurídica" será dada pelo Estatuto da Magistratura ou, na sua falta, pelo Conselho Nacional da Magistratura ou pelos órgãos competentes pelos concursos nos Tribunais.

70 A alínea e do inc. II do art. 93 da Constituição da República prevê que não poderá figurar nas listas de promoção por merecimento o magistrado que, injustificadamente, retiver os autos em seu poder além do prazo legal, bem como devolvê-los sem o pronunciamento judicial cabível.

71 As entrâncias são classificações das comarcas, levando-se em consideração as peculiaridades locais, como número de habitantes eleitores e movimento forense. No Estado de São Paulo, por força da Lei de Organização Judiciária, a divisão se dá em: Entrância Especial (Capital), 1" Entrância, 2a Entrância, 3'1 Entrância.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

deve ter notório saber jurídico, reputação ilibada e exercício efetivo na carreira do Ministério Público ou na advocacia por mais de dez anos.

A indicação pelo Ministério Público ou pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, dependendo de qual entidade couber a vez na indicação, será feita em lista sêxtupla - com seis nomes -, sendo reme-tida a referida lista ao tribunal a fim de serem escolhidos três nomes. Finalmente, a lista tríplice é encaminhada ao chefe do Poder Executivo correspondente,72 para que escolha dentre os nomes apresentados aquele que será nomeado para o cargo.

Cumpre ressaltar ainda que os Tribunais Superiores - Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar - também são compostos por ma-gistrados escolhidos entre advogados e membros do Ministério Público, sem a realização de concurso público, em proporções específicas para cada Tribunal (não necessariamente um quinto).

O acesso de advogados e membros do Ministério Público à magis-tratura, sem o crivo dos concursos, foi criado com o objetivo de carrear aos tribunais juristas experientes e com vivência nas carreiras a que pertenciam.

c) Escolha pelo Presidente da República.Os ministros do Supremo Tribunal Federal são nomeados pelo

presidente da República, dentre brasileiros natos, maiores de trinta e cinco anos, com notório saber jurídico e reputação ilibada, sem a prévia elaboração de listas.

72Se a vaga for em Tribunal Estadual, a escolha competirá ao governador do estado; em caso de Tribunal Regional Federal, ao presidente da República.

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JURISDIÇÃO 65

A nomeação dos ministros dos Tribunais Superiores também é prerrogativa concedida ao presidente da República, com observância dos nomes constantes das listas, bem como da proporcionalidade esta-belecida na Constituição entre juizes dos Tribunais Federais, dos Tri-bunais dos Estados, advogados e membros do Ministério Público, como especificaremos no capítulo próprio.

■i 2.6.2 As G A R A N T I A S D O P O D E R J U D I C I Á R I O

E DA MAGISTRATURA

É princípio basilar do Estado Democrático de Direito que os Pode-res sejam independentes e harmônicos entre si, para que possam exercer suas funções com autonomia e sem qualquer subordinação em relação aos demais Poderes, nos termos estabelecidos no art. 2o da Carta Maior.

Por sua vez, o Poder Judiciário goza de total autonomia e indepen-dência em relação aos demais Poderes da Federação, inclusive sendo- lhe assegurado o poder de auto-organização administrativa (art. 99 da CF),23 para ser gestor de seu orçamento financeiro (com o estabeleci-mento dos gastos com servidores e demais despesas do Poder), e, ainda, o poder de auto-regulamentação, sendo garantida ao Judiciário a autonomia na elaboração de suas normas internas - regimentos dos tribunais, art. 96 da CF -, bem como a prerrogativa de iniciativa dos projetos de lei relacionados com a estrutura do Poder Judiciário.

A autonomia do Poder Judiciário é fundamental para a garantia da imparcialidade da jurisdição. Imaginem as conseqüências de subordinar financeiramente o Judiciário ao Poder Executivo ou Legislativo: com toda a certeza as decisões contra o Estado não seriam proferidas de forma livre e independente, mas sim motivadas pelo temor de represálias do outro Poder em caso de decisões desfavoráveis.

A independência do Poder Judiciário, como a de qualquer Poder, não significa dizer que ele não está sujeito a controle ou fiscalização de sua administração pelos demais. Pelo contrário, a própria Constituição

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

da República criou mecanismos pelos quais os Poderes são harmônicos entre si, existindo um sistema de “freios de contrapesos”, pelo qual cada Poder exercerá fiscalização e controle 73 sobre os demais, isso sem prejuízo da independência e da autonomia.

Além da independência atribuída ao Poder Judiciário, a Constitui-ção assegura outras garantias aos magistrados (art. 95) 74 para que possam exercer com independência e imparcialidade a judicatura que lhes é atribuída funcionalmente, sendo elas:

a) Independência do juiz. Na qualidade de intérprete da lei, o juiz não está subordinado a nenhum outro órgão, nem mesmo em relação ao tribunal a que está vinculado. 75 Moacyr Amaral Santos ensina:

No exercício da função jurisdicional o juiz não se subordina a qualquer outro órgão judiciário, do qual não recebe ordens ou instruções e cujas decisões não está obrigado a aceitar como normas de decidir. [...]Por isso se diz que o juiz não se subordina a ninguém e a nada, senão à lei.2/

73Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, p. 1.350, cita a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal: "Poder judiciário: independência, autogoverno e controle. A administração financeira do Judiciário não está imune ao controle, na forma da Constituição, da legalidade dos dispêndios dos recursos públicos; se sujeita, não apenas à fiscalização do Tribunal de Contas [órgão alheio ao Poder Judiciário, mas vinculado ao Legislativo] e do Legislativo, mas também às vias judiciais de prevenção e repressão de abusos, abertas não só aos governantes, mas a qualquer do povo, incluídas as que dão acesso à jurisdição do Supremo Tribunal (CF, art. 102,1, n). O que não admite transigências é a defesa da independência de cada um dos Poderes do Estado na área que lhe seja constitucionalmente reservada, em relação aos demais, sem prejuízo, obviamente, da responsabilidade dos respectivos dirigentes pelas ilegalidades, abusos ou excessos cometidos (RTJ 140/797)".

74 CF:"Art. 95. Os juizes gozam das seguintes garantias:I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após 2 (dois) anos de

exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;

III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4o, 150,II, 153, III, e 153, § 2o, I".

75 A própria Constituição da República, em vez de utilizar-se do termo subordinado, preferiu, em diversas vezes, empregar a terminologia vinculado, pois, de fato, o magistrado é independente, não estando suas decisões subordinadas ao entendimento do Tribunal.

Page 78: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO 67

O juiz tem total liberdade na formação de suas teses jurídicas,

não havendo qualquer vinculação ou subordinação em razão das

decisões proferidas anteriormente pelos tribunais que se encontrem

acima dele. A independência técnica jurídica é fundamental na

interpretação do direito, pois permite que as teses jurídicas sejam

aperfeiçoadas no tempo e com a evolução social.

b) Vitaliciedade. Uma vez investido no cargo de juiz, e superado o

período de estágio probatório, o magistrado é vitaliciado na função.

A perda do cargo de juiz, enquanto perdurarem os dois anos de

estágio probatório,28 poderá ocorrer por deliberação do próprio

tribunal. Todavia, uma vez vitaliciado, a remoção do magistrado de

sua função apenas poderá dar-se por sentença com trânsito em

julgado, ou seja, após regular processo do qual não caibam mais

recursos (art. 95,1, da CF).

c) Inamovibilidade. Garantia pela qual os juizes não podem ser re-

movidos do local onde exerçam a jurisdição, senão pelo seu con-

sentimento ou por interesse público, hipótese que dependerá de

decisão tomada pela maioria absoluta do tribunal ao qual o magis-

trado estiver vinculado ou do Conselho Nacional de Justiça, con-

forme estabelece o inc. VIII do art. 93 da Constituição da Repúbli-

ca, sempre garantido o direito de ampla defesa.

Em muitas localidades do Brasil, se não fosse pela garantia de

inamovibilidade, muitos magistrados seriam “penalizados” com a

remoção todas as vezes que aplicassem a lei contra o poder paralelo

dominante, como os poderes e desmandos dos chamados

“coronéis”, que acabam influenciando nas transferências dos servi-

dores que não se sujeitam as suas ordens. Assim, a inamovibilidade

garante ao magistrado o exercício da jurisdição sem o temor de ser

removido como forma de “punição” pelas decisões que emite.

d) Irredutibilidade de vencimento. Os vencimentos dos magistrados

não podem sofrer reduções. Os juizes devem contar com seguran

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ça econômica, sem o receio de represálias, para que possam exercer

com imparcialidade a sua função.A única regra imposta aos subsídios dos magistrados - aplicável

a todos os servidores públicos - é no sentido de que nenhum magistrado poderá receber subsídios em valor superior àquele estabelecido para os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Em outras palavras, a Constituição impôs um teto máximo para os valores pagos aos magistrados.

h 2 . 6 . 3 As V e d a ç õ e s I m p o s t a s a o s M e m b r o s

D O JUD IC IÁR IO

Além das garantias asseguradas ao Poder Judiciário e aos seus membros, a Constituição também impõe as seguintes vedações aos magistrados (art. 95, parágrafo único):

a) exercer, em conjunto com a magistratura, outro cargo ou função, admitindo-se apenas uma de magistério;b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participações em

relação aos processos em que exerce a jurisdição;

c) dedicar-se à atividade político-partidária;d) receber, a qualquer título, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções contidas em lei;e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. A doutrina tem denominado de quarentena ou período de descompatibilização, o período de três anos de impe-dimento do magistrado exonerado ou aposentado para o exercício da advocacia. A finalidade de tal período é evitar que o ex-juiz se utilize indevidamente de seus conhecimentos na magistratura quan-do do exercício da advocacia.

Por outro lado, o Código de Processo Civil, em seus arts. 134 e 135, prevê hipóteses em que os magistrados se encontram impedidos ou suspeitos de exercer a jurisdição no processo, quando houver interesse que prejudique a imparcialidade, tema que estudaremos adiante.

Page 80: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO 69

H 2 . 6 . 4 Ó R G Ã O S D O P O D E R J U D I C I Á R I O

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, quando do estudo da estrutura do Poder Judiciário, é indispensável a classificação de seus órgãos em:

a) órgãos de função jurisdicional;b) órgãos de função administrativa ou fiscalizadora.

A classificação em função da competência típica ou atípica - res-pectivamente, julgar as lides ou exercer a fiscalização e administração do Poder Judiciário - é necessária em razão da EC n. 45/2004 ter inse-rido ao art. 92 o inc. I-A, que prevê a existência do Conselho Nacional de Justiça.

A EC n. 45/2004 inseriu entre os órgãos que detinham competência jurisdicional, um Conselho que apenas terá a finalidade administrativa ou fiscalizadora dos demais membros do Poder. 76

Õrgãos dotados de competência jurisdicional

Com a finalidade de prestar a tutela jurisdicional com maior efi-ciência, a Constituição instituiu o Poder Judiciário e lhe atribuiu diver-sos órgãos, colocando no ápice dessa estrutura o Supremo Tribunal Federal, e, abaixo, quatro Tribunais Superiores, sendo atribuída a juris-dição a cada um deles em razão da matéria, ou seja, Tribunais Superio-res dedicados a matérias especializadas (militar, trabalhista e eleitoral) e um tribunal para as matérias comuns (que não sejam especializadas).

Além disso, em matéria de competência comum, o Poder Judiciário foi dividido em Justiça Federal, com jurisdição em todo o território nacional, e as Justiças dos Estados, organizadas e com atribuições dentro de cada estado-membro da Federação.

Ao tratar do Poder Judiciário, não se pode deixar de mencionar que existem órgãos colegiados e outros monocráticos. Os órgãos cole- giados de jurisdição, também chamados de tribunais, são aqueles nos quais as decisões são tomadas por mais de um magistrado. Ao contrário, os juízos monocráticos são aqueles singulares, ou seja, nos órgãos de primeira instância as decisões são emitidas pela manifestação de apenas um juiz.

Ressalte-se que nos tribunais, como regra, as decisões são profe-ridas com base na manifestação de mais de um magistrado, denomi-nados de ministros, desembargadores ou mesmo de juizes. 77 Nos jul-

76,9 Antes mesmo da Emenda Constitucional, o Supremo já havia editado a

Súmula n. 649 no sentido de entender como inconstitucional a instituição por Constituição Estadual de órgãos de controle externo do Poder Judiciário.

77 Excepcionalmente os magistrados dos tribunais poderão proferir decisões

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

gamentos pelos órgãos colegiados são colhidos os votos de cada um dos magistrados que integram o julgamento para a formação do acórdão. 78

Os tribunais, por força do disposto no art. 93, inc. XI, da Consti-tuição da República, que contarem com número superior a 25 julga-dores, poderá criar um “órgão especial”, com no mínimo de onze magistrados, para a finalidade de exercer as funções administrativas e jurisdicionais das matérias previstas no regimento do tribunal (com aprovação do tribunal pleno - todos os magistrados).

| Supremo Tribunal Federal - STF

O Supremo Tribunal Federal, investido na qualidade de guardião da Constituição da República, representa o pretório excelso do Poder Judiciário brasileiro, encontrando-se acima de todos os demais órgãos do Judiciário; é a máxima instância de superposição do Judiciário. 79

Criado pelo governo republicano provisório, por meio do Decreto n. 848, de 11.10.1890, o Supremo Tribunal, previsto, primeiro, na Constituição de 1891, foi mantido por todas as demais, sempre como órgão máximo do Poder Judiciário e defensor da Carta Magna. Com a promulgação da Constituição de 1934, o Supremo passou a ser chamado de “Suprema Corte”, retornando à nomenclatura anterior com a Constituição de 1937.

Dessa forma, na qualidade de guardião da Constituição, é o Su-premo Tribunal Federal o responsável em zelar pelo respeito e pela

monocráticas.78 Resultado do "acordo", conclusão da manifestação da maioria, efeito da

concordância na tese vencedora nos julgamentos dos tribunais.79Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel

Dinamar- co, op. c/f., p. 179.

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JURISDIÇÃO

interpretação das normas constitucionais, sendo o órgão do Judiciá-rio competente para manifestar-se nas questões em que esteja envolvida a soberania nacional.

Em voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, 80 do Supremo Tribunal Federal, comenta-se:

A Constituição não pode submeter à vontade dos Poderes constituídos, nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A Supremacia de que ela se reveste - enquanto for respeitada - constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa magna e eminente de velar para que essa realidade não seja desfigurada (RTJ 146/707).Em atividade jurisdicional originária (art. 102,1, da CF), ou seja,

em processos que têm início diretamente no próprio Tribunal, ao Supremo incumbe o julgamento e o processamento das seguintes ações:

a) controle da constitucionalidade; 81

b) em que Figure como réu o presidente da República, o vice, mem-bros do Congresso Nacional, do próprio Tribunal ou procurador- geral da República pela prática de crimes comuns;

c) em que participem os ministros de Estado, os comandantes das Forças Armadas, os ministros dos Tribunais Superiores e os do Tri-bunal de Contas, e os chefes das missões diplomáticas permanentes, nos casos de crimes comuns e de responsabilidade;

d) envolvendo estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, os Estados, o Distrito Federal ou territórios;

e) envolvendo litígios entre a União e os estados ou Distrito Federal, ou uns com os outros;

f) de extradição de estrangeiros;g) conflitos de competências entre os Tribunais Superiores;

h) em que seja interessada toda a carreira da magistratura nacional, ou quando mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos de proferir julgamento ou tenham interesse na causa;i) mandamentais - como habeas corpus, mandado de segurança ou mandado de injunção - contra ato (ou omissão) ou em que esteja envolvido o presidente da República, qualquer uma das Mesas do Congresso Nacional, do Tribunal de Contas, procurador-geral da República, ministros do próprio Supremo (mandado de injunção

80Citado por Alexandre de Moraes, op. c/f., p. 1.359.81 Nas quais se faz a análise de compatibilidade entre as normas

infraconstitucionais e a Constituição, como a ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental - art. 102 da CF e Leis ns. 9.868/99 e 9.882/99.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

quando a omissão for de um dos Tribunais Superiores);j) ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o ConselhoNacional do Ministério Público.

Não obstante a competência originária, o Supremo Tribunal Federal também é detentor de competência recursal para julgamento dos recursos ordinário (contra decisões denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança pelos Tribunais Superiores) e extraordinário (contra decisão que contraria a Constituição da República), que trata-remos especificamente em capítulo próprio.

O pretório excelso é composto por onze ministros, escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros natos, maio-res de trinta e cinco anos de idade, com notório saber jurídico e repu-tação ilibada,82 após aprovação por maioria absoluta dos membros do Senado Federal.83

Como é inerente a toda magistratura, os ministros do Supremo Tri-bunal Federal gozam de vitaliciedade, mas o exercício efetivo da função será até os setenta anos de idade, quando o ministro é aposentado com- pulsoriamente, abrindo vaga para nomeação de outro em seu lugar.

Internamente, o Supremo Tribunal Federal se divide em duas tur-mas (Ia e 2a), cada uma integrada por cinco ministros, já que o presi-dente do Tribunal é detentor de funções próprias e não integra nenhu

82A nomeação como ministro do Supremo Tribunal Federal depende de total integridade moral do candidato, reputação e vida sem nenhuma mácula.

83 Até o momento, não há na história nenhum caso em que o Senado não aprovou a escolha realizada pelo presidente da República.

Page 84: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO 73

ma das turmas. Além disso, o Supremo conta com a existência de órgão denominado “Pleno”, o qual é composto por todos os ministros.

Tribunais Superiores e suas Justiças

O Poder Judiciário brasileiro, como já mencionamos, contém quatro Tribunais Superiores, cada qual com o seu aparelho judiciário, sendo eles:

a) Superior Tribunal de Justiça - STJ, tratado a seguir, sendo o que mais interessa no estudo do Direito Processual Civil, por se tratar do Tribunal competente para matérias comuns.

b) Tribunal Superior do Trabalho - TST, constitui o órgão superior da justiça destinado ao julgamento das causas relacionadas às relações de trabalho,84 havendo abaixo do TST os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e as Varas ou Juízos do Trabalho. 85

c) Tribunal Superior Eleitoral - TSE, como o próprio nome afirma, trata-se do órgão máximo da Justiça Eleitoral, com competência para dirimir os conflitos relacionados às eleições para preenchi-mento dos cargos públicos, e abaixo do qual se encontram os Tri-bunais Regionais Eleitorais, os juizes e as juntas eleitorais (cartó-rios que organizam os pleitos).

Em relação à Justiça Eleitoral, é importante consignar que ela não tem carreira de juizes (art. 119 da CF), mas é formada por magistrados advindos de outros órgãos do Poder Judiciário. O Tribunal Superior Eleitoral é composto por sete ministros, escolhidos mediante eleição por voto secreto: três dentre os ministros do STF; dois entre os ministros do STJ; e os outros dois são nomeados pelo presidente da República dentre seis advogados, de notório saber jurídico e reputação ilibada, indicados pelo Supremo Tribunal Federal.

84 A EC n. 45/2004 alterou o termo "relação de emprego", que era restrito aos casos relacionados na legislação trabalhista, à denominação "relação de trabalho".

85 Antes da reforma introduzida pela Emenda Constitucional n. 24/99, as Varas do Trabalho eram denominadas de Juntas de Conciliação e julgamento, pois, além do juiz togado, existiam dois juizes dassistas: um representante dos empregados e outro dos empregadores. Atualmente, os juizes são singulares, cada Vara do Trabalho contém apenas um magistrado de carreira.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A composição dos Tribunais Regionais Eleitorais também se dá com magistrados de outros órgãos do Judiciário, nestas proporções: dois juizes serão escolhidos entre desembargadores do Tribunal de Justiça local; dois juizes serão escolhidos entre os juizes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça local; um juiz do Tribunal Regional Federal ou, não havendo tribunal no local, por um juiz federal; dois juizes serão nomeados pelo presidente da República dentre seis advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada.

Por sua vez, as funções de juizes eleitorais serão exercidas pelos juizes de direito da localidade (juizes da Justiça dos Estados no local da eleição).

d) Superior Tribunal Militar - STM, composto por quinze ministros, é o órgão máximo da Justiça Militar, estando acima dos tribunais e dos juizes militares, aos quais compete o julgamento dos crimes praticados por militares, nos termos da legislação especial sobre a matéria.86

| Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça é o órgão do Judiciário que encabeça a jurisdição comum, com competência para processar e julgar os litígios penais e cíveis não relacionados à justiça especializada (militar, eleitoral e trabalhista). Enquanto o STF se reveste da qualidade de “guardião da Constituição”, o STJ mostra-se o tribunal defensor da lei federal em matéria comum, sendo dele a última palavra quanto à interpretação e à unificação da lei federal no território nacional.

O Superior Tribunal de Justiça é composto por, no mínimo, 33 mi-nistros, nomeados pelo presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, com notório saber jurídico e reputação ilibada, sendo a esco-lha submetida à aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.110

No preenchimento das vagas do Superior Tribunal de Justiça, ao contrário do que ocorre com a nomeação para ministro do Supremo,

86Lei n. 8.236/91 altera o Código Penal Militar; Lei n. 8.457/92, que dispõe acerca da Justiça Militar da União; Lei n. 9.299/96 dispõe acerca dos crimes submetidos à Justiça Militar (ou de competência da Justiça comum).

40 O quorum de maioria absoluta e a possibilidade de aumento do número de ministros - uma vez que o caput apenas estabelece o mínimo - foram introduzidos pela EC n. 45/2004.

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JURISDIÇÃO 75

o presidente da República não goza de total liberdade, pois, para o Tribunal Superior, os ministros devem ser nomeados com observância da seguinte proporção: a) um terço pelos desembargadores dos Tribunais Regionais Federais, escolhidos em lista tríplice pelo próprio Tribunal;b) um terço pelos desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Esta-dos e do Distrito Federal, também por meio de lista tríplice; c) um terço por membros do Ministério Público e por advogados, estes indicados na forma do art. 94 da Constituição (como citamos anteriormente).

As competências do Superior Tribunal de Justiça, como também previstas para o Superior Tribunal Federal, são de natureza originária ou recursal.

Nos termos do inc. I do art. 105 da Constituição da República, é certo dizer que compete originariamente ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar:

a) os governadores dos estados e do Distrito Federal por crimes comuns;b) os desembargadores dos Tribunais de Justiça, juizes dos Tribunais Regionais Federais, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados, os juizes dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Tribunais Regionais do Trabalho e membros do Ministério Público da União, pela prática de crime comum ou de responsabilidade;c) os mandados de segurança e habeas data impetrados contra ato de ministro do próprio Tribunal (STJ), de ministro de Estado ou de co-mandante das Forças Armadas;d) os habeas corpus quando for coatora qualquer pessoa já tratada anteriormente;e) os conflitos de competência suscitados entre os tribunais, ressalvada a competência do Supremo Tribunal Federal (conflito de competência entre os Tribunais Superiores);f) conflito de competência entre autoridades da União; reclamações para preservar a competência do próprio Superior Tribunal de Justiça ou o respeito às suas decisões; bem como a revisão criminal e as ações rescisórias dos seus julgados;g) mandado de injunção, quando o órgão omisso for autoridade ou ente federal, ressalvados os casos de competência dos tribunais es-pecializados ou do Supremo Tribunal Federal;

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

h) a homologação de sentenças estrangeiras e a expedição de exequa- tur às cartas rogatórias remetidas ao Brasil.

Como será objeto de estudo em capítulo próprio, as sentenças proferidas por autoridades judiciárias estrangeiras, bem como as cartas rogatórias destinadas ao Brasil, antes de serem executadas, passam por uma análise do Poder Judiciário brasileiro para o fim de se verificar se não há ofensa à nossa soberania ou ordem jurídica.

Até o advento da EC n. 45/2004, tal competência era atribuída ao Supremo Tribunal Federal. No entanto, o constituinte reforma-dor, com a finalidade de desafogar a atividade do Superior Tribunal Federal, houve por bem transferir a competência para o Superior Tribunal de Justiça.

Ressalte-se que abaixo do Superior Tribunal de Justiça encontram- se dois aparelhos judiciários, quais sejam, a Justiça Federal e as Justiças dos Estados, conforme organograma da página 84.

| Justiça Federal

A Justiça comum, que se encontra abaixo do Superior Tribunal de Justiça, recebeu da Constituição da República dois aparelhos ou órgãos judiciários: a Justiça Federal e a Justiça dos Estados.

Por sua vez, a Justiça Federal, cuja competência encontra-se expressa no art. 109 da Constituição da República, recebeu a função de julgar as lides cíveis nas quais estejam envolvidas pessoas jurídicas de direito público, como a União, suas autarquias (por exemplo, o INSS), empresas públicas ou fundações, bem como para o processamento de causas cíveis relacionadas ao direito indígena.

No âmbito da Justiça Federal, a Constituição criou os Tribunais Regionais Federais, órgãos de 2 ;l instância, que se encontram acima dos juízos e juizados especiais federais.

A Justiça Federal foi dividida dentro do território nacional em cinco regiões (art. 27, § 6o, do ADCT),87 cada uma composta por um Tribunal Regional Federal e seus juízos e juizados, sendo as Regiões divididas em seções judiciárias (cada estado e o Distrito Federal repre-senta uma seção judiciária): 88

a) Ia Região: com sede em Brasília, tem jurisdição sobre o Distrito Federal e sobre os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.

87 Regulamentado pela Lei n. 7.727/89.88 Lei n. 7.727/89 e Lei n. 9.967/2000 dispõem acerca da composição e da

estruturação dos Tribunais Regionais Federais.

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JURISDIÇÃO

b) 2a Região: com sede no Rio de Janeiro, exerce jurisdição sobre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.c) 3a Região:89 com sede na capital de São Paulo, exerce jurisdição sobre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.d) 4a Região: com sede em Porto Alegre, tem jurisdição sobre os

estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

e) 5a Região: com sede em Recife, tem jurisdição sobre os estados

de Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e

Sergipe.

Na primeira instância, a Justiça Federal é formada por juízos e jui-zados federais, órgãos compostos monocraticamente, ou seja, apenas por um magistrado. 90

Importante lembrar que a magistratura da Justiça Federal organiza-se em carreira, ingressando o juiz na qualidade de substituto, passando pelo estágio probatório de dois anos e, depois de vitaliciado, por critério de antigüidade e merecimento, recebe promoções no cargo, até mesmo podendo chegar a ser desembargador no Tribunal Regional Federal da região correspondente.

Por sua vez, os Tribunais Regionais Federais são compostos por desembargadores91 advindos da primeira instância da Justiça Federal (por promoção), sendo certo que um quinto das vagas desses tribunais é reservada para membros do Ministério Público e advogados, nos termos do art. 94 da Constituição.

! As Justiças dos Estados e do Distrito Federal

Além da Justiça Federal, a Constituição outorgou aos estados-mem- bros e ao Distrito Federal o poder de criar e organizar as Justiças dos Estados (e a Distrital), com competência, por um critério de exclusão, para processar e julgar as ações que não sejam de competência da Justi-ça Federal em matéria comum.

Assim, cada estado da federação, por meio de suas Constituições e Leis de Organização Judiciária, nos termos do art. 125 da Constituição, tem o poder de organizar a Justiça local, para julgamento de matérias

89 Lei n. 8.418/92 e Lei n. 9.968/2000, que dispõem sobre a reestruturação do Tribunal Regional Federal da 3- Região.

90 Lei n. 5.010/66 que dispõe acerca da organização e estrutura da Justiça Federal.91 No âmbito do TRF da 3a Região, por deliberação interna do próprio tribunal, os

juizes que integram o Tribunal passaram a se chamar de desembargadores. No entanto, a Constituição da República os denomina de juizes, e, para não contrariá-los, todos acabamos chamando esses magistrados de desembargadores. No âmbito da primeira instância, são denominados de juizes federais.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

comuns que não estejam incluídas nas atribuições da Justiça especializada (eleitoral, do trabalho ou militar relativa aos militares federais) ou da Justiça Federal.

Como regra, a Justiça dos Estados é composta por um Tribunal de Justiça, por juizes e juizados especiais, bem como pela Justiça Militar do estado, sobre a qual recai a incumbência de julgar os crimes praticados por militares estaduais. Até o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, conforme art. 4o, os estados detinham competência para criar Tribunais de Alçada; no entanto, a referida Emenda houve por bem extinguir todos os Tribunais de Alçada, sendo os magistrados daqueles tribunais incorporados ao Tribunal de Justiça de seu respectivo estado. 92

Em relação à divisão territorial, os estados dividem suas Justiças em Comarcas e Distritos, conforme previsão da legislação local.

A Justiça do Distrito Federal e Territórios é organizada pela Lei Federal n. 8.185/91, uma vez que o art. 22, XVIII da Constituição da República outorgou à União a competência legislativa sobre a matéria.

2.7 Atividade Descentralizada dos Tribunais

A EC n. 45/2004 autorizou aos Tribunais Regionais Federais (§ 3o do art. 107 da CF), Tribunais Regionais do Trabalho (§ 2o do art. 115 da CF)

92 ORGÃOS COM FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS

ou FISCALIZADORAS

■ i 2 . 8 . 1 C O N S E L H O N A C I O N A L D E J U S T I Ç ADurante a tramitação da PEC que gerou a Emenda da “Reforma do Judiciário” muito se defendia a

criação de um organismo de controle externo do Poder Judiciário, um órgão, composto por membros da sociedade civil, capaz de exercer a Fiscalização administrativa dos atos do referido Poder.

Assim nasceu o Conselho Nacional de Justiça, órgão que, por força do art. 92, inc. I-A, da Constituição da República, está imediatamente abaixo do Supremo Tribunal Federal. A EC n. 45/2004, de forma equivocada, incluiu o Conselho Nacional de Justiça como verdadeiro órgão do Judiciário.

Na verdade não se trata de órgão de jurisdição, já que não recebeu nenhuma competência ou atribuição típica do Poder Judiciário. Como já tratamos anteriormente, é função típica ou preponderante do Judiciário a aplicação da lei ao caso concreto. É função do Judiciário resolver as lides com a aplicação da norma abstrata.

Pois bem, tal Conselho não tem nenhuma função jurisdicional, mas, tão-somente, atividade fiscalizadora dos atos do Poder Judiciário. Portanto, errou o constituinte reformador ao incluir o CNJ entre os órgãos do Poder Judiciário.

Ademais, tal órgão não teria sido criado com a função de exercer o “controle externo”? De fato,

essa era a intenção, mas, na verdade, foi

Page 90: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO 79

e os Tribunais de Justiça dos Estados (§ 6o do art. 125 da CF) o funcionamento descentralizado, ou seja, dentro do território de competência do tribunal, poderá ele exercer sua atividade de forma regionalizada.

Note-se que não se trata da criação de novos tribunais, mas, apenas, de exercício descentralizado da atividade de sua competência.

Como se não bastasse a descentralização, a Constituição determi-nou aos Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais dos Estados a instalação da justiça itinerante, ou seja, juízos que se desloquem dentro do território de competência do respectivo Tribunal, como forma de dar maior acesso à Justiça aos indivíduos que se encontram em locais desprovidos de fórum ou tribunal.

Page 91: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

criado um típico órgão de controle interno, já que o CNJ integra a es-trutura do Poder Judiciário.

| Composição do Conselho Nacional de Justiça

O art. 103-B da Constituição da República determina que o Con-

selho Nacional de Justiça será formado pelos seguintes membros:

a) um ministro do Supremo Tribunal Federal, que será indicado pelo

próprio tribunal e exercerá a presidência do Conselho;b) um ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo próprio

tribunal e que exercerá a função de corregedor-geral;c) um ministro do Tribunal Superior do Trabalho, também indicado

pelo próprio tribunal;d) um desembargador de Tribunal de Justiça (tribunais dos estados),

cabendo a indicação ao Supremo Tribunal Federal;e) um juiz estadual, cuja escolha caberá ao Supremo Tribunal Federal;f) um desembargador de Tribunal Regional Federal, de escolha do

Superior Tribunal de Justiça;g) um juiz federal, também de escolha do Superior Tribunal de Justiça;h) um desembargador de Tribunal Regional do Trabalho, de escolha

do Tribunal Superior do Trabalho;i) um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; j) um membro do Ministério Público da União, cuja indicação competirá ao procurador-geral da República (chefe do Ministério Público da União);1) um membro de Ministério Público estadual, escolhido pelo procu-

rador-geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição (de cada estado da Federação); m) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; n) dois cidadãos, de notório saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e o outro pelo Senado Federal.

Determina o § 6o que também oficiarão junto ao Conselho Na-cional de Justiça o procurador-geral da República e o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Page 92: Manual de Direito Processual Civil

JURISDIÇÃO 81

Parece-nos que, se não fosse pela participação dos membros do Ministério Público, advogados e cidadãos, seria um verdadeiro “con-trole interno”, já que, na maioria, o Conselho Nacional de Justiça é for-mado por magistrados.

O ministro do Supremo Tribunal Federal que funcionar no CNJ exercerá a sua presidência e, por determinação do § 1° do art. 103-B, ficará excluído da distribuição de processos em seu Tribunal, ou seja, o Ministro do Supremo deixa de receber processos no referido Tribunal. O mesmo será aplicado ao Ministro do Superior Tribunal de Justiça que, ao ingressar no CNJ e exercer a função de ministro-corregedor, deixará de receber processo no tribunal a que pertence.

Cumpre ressaltar, ainda, que a nomeação dos indicados competirá ao presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Funções do Conselho Nacional de Justiça

De plano, é importante frisar que o Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma função jurisdicional. Não julgará nenhum processo nem decidirá lides, apenas exercerá função fiscalizadora administrativa, financeira e institucional.

O Conselho Nacional de Justiça, além das atribuições que lhe forem dadas pelo Estatuto da Magistratura, terá como incumbência:

a) zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, com competência para expedir atos re-gulamentares ou recomendar providências;b) zelar pelo cumprimento do art. 37 da Constituição (que estabele-ce as regras relativas à administração pública), com poder para analisar todos os atos administrativos proferidos pelos órgãos do Judiciário; poderá determinar a remoção, disponibilidade ou apo-sentadoria dos membros do judiciário, aplicar sanções adminis-trativas, assegurada a ampla defesa;'17

c) conhecer e receber as reclamações apresentadas contra os membros do Judiciário (magistrados e auxiliares da jurisdição);

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

d) representar ao Ministério Público no caso de suspeita de crime no exercício da função pública (crimes contra a administração pública ou abuso de autoridade);e) rever os processos disciplinares de juizes e membros dos tribunais julgados há menos de um ano;f) elaborar, semestralmente, relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas;g) elaborar, anualmente, relatório propondo as providências necessárias ao Poder Judiciário, sendo tais relatórios encaminhados ao Congresso Nacional quando da abertura da sessão legislativa.

Além disso, competirá ao ministro-corregedor:

a) receber as reclamações18 e denúncias relativas aos magistrados e auxiliares da jurisdição;b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral;c) requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, re-quisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos estados, Distrito Federal e Territórios.

■ i 2 . 8 . 2 C O N S E L H O D A J U S T I Ç A F E D E R A L E

E S C O L A N A C I O N A L D E F O R M A Ç Ã O E

A P E R F E I Ç O A M E N T O D E M A G I S T R A D O S

O parágrafo único do art. 105 da Constituição da República deter-mina que funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça o Conselho da Justiça Federal e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cujas atribuições e atividades serão definidas por lei própria.

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados- Enfam terá como incumbência o oferecimento e regulação dos cursos oficiais para ingresso e promoção nas carreiras da magistratura.

Por sua vez, o Conselho da Justiça Federal exerce atribuição de supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeira e segunda instâncias. O Conselho exercerá a centralização do sistema correicional (relativos à verificação de questões disciplinares dos magistrados federais), e suas decisões terão efeito vinculante, ou seja, todos os magistrados da Justiça Federal serão obrigados a respeitar os atos do Conselho.

Page 94: Manual de Direito Processual Civil

y

JURISDIÇÃO

yJurisdição em matéria especializada

Observações: 1) Os Juizados Especiais Federais e dos Estados estão vinculados administrativamente aos Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça (Conselho da Justiça Federal) e Tribunais de Justiça, não havendo vinculação recursal entre os Juizados e os referidos Tribunais.2) A EC n. 45/2004, ao dar a redação do art. 125, § 3°, da Constituição da República, permitiu aos estados a criação da Justiça Militar Estadual, constituída, no primeiro grau, pelos Juizes de Direito (Juízes-auditores) e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça ou por Tribu nal de Justiça Militar, nos estados em que o efetivo militar for superior a vinte mil integrantes.

84 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

STFSupremo Tribunal Federal

TSETribunal Superior

Eleitoral

TF

Tribi

Regie

Eleii

IE

mais

>nais

orais

Juizes e Juntas

Eleitorais

TJM (ou TJ)

Tribunais

de Justiça

Militar

TRF

Tribunal

Regional

Federal

Colégios

Rccursais

EstaduaisColégiosRccursaisFederais

Juiz-auditor (juiz

de direito) e

Conselhos de J

ustiça

Juizados

Especiais

dos

Estados

Juizados

Especiais

Federais

JuizesFederais

STJ

Superior Tribunal de

Justiça

TJ

Tribunais

de

Justiça

Juizes

de

Direito

TI

Tribi

Regioi

Trab

IT

mais

íais do

alho

Juizes

do

Trabalho

TSTTribunal Superior do

Trabalho

I I Jurisdi I I Jurisdi Jurisdição FederalJurisdição Estadual

Page 95: Manual de Direito Processual Civil

85

3

A Ç Ã O

3.1 CONCEITO

A ação constitui o direito de qualquer pessoa de movi-

mentar a máquina judiciária (a jurisdição), para que esta lhe

ofereça um provimento do Estado acerca de um litígio. A

ação representa o poder de exigir do Estado a manifestação

da vontade da lei acerca de uma lide.

O direito de ação, enquanto direito de acesso amplo ao

Poder Judiciário, é elevado à categoria suprema de direito

fundamental do indivíduo, sendo assegurado na Constituição

da República, no inc. XXXV do art. 5o, como premissa

intangível diante de qualquer outro poder do Estado, consti-

tuindo verdadeira cláusula pétrea do Estado Democrático de

Direito (art. 60, § 4o, IV, da CF).

A esse respeito, José Frederico Marques conceitua:

Page 96: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Existente a lide, cabe ao que sofreu a lesão pedir ao Estado

que componha a situação litigiosa, bem como pedir que imponha a

sanctio iuris cabível, a fim de que o ato danoso fique reparado. Em

suma: a Constituição assegura a todo aquele que afirma ter sofrido

lesão ou ameaça em direito individual o direito de invocar a

jurisdição, a instaurar processo e a pedir a tutela jurisdicional,

direito esse a que se dá o nome de ação.'

Como bem sabemos, a jurisdição é inerte, agindo na solução dos conflitos apenas quando provocada. Assim, é a ação o instrumento de que dispõe o indivíduo para provocar o Poder Judiciário e obter dele um provimento que faça cessar a ameaça ou repare a lesão ao direito do interessado.

Portanto, a ação sempre é dirigida contra o Estado, que exerce sua atividade em face da parte contrária.

Em contrapartida ao pedido formulado pelo autor, o réu poderá exercer resistência, pois enquanto o autor deseja que o Estado lhe outorgue a tutela jurisdicional, o réu pretende que o Estado recuse a referida prestação em favor do autor, e a essa ação do réu de resistir ao pedido do autor é que se denomina de defesa ou exceção.

0 direito de ação tem natureza de direito 93 subjetivo, pois é inerente a todas as pessoas, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, entes privados ou públicos, já que o próprio Estado utiliza-se do direito de ação contra o particular ou contra ele mesmo (por exemplo, para cobrar tributos dos contribuintes inadimplentes, para proceder a desapropriações, para exigir o cumprimento de contratos, ação do esta- do-membro contra a União etc.). Além disso, por decorrer estritamente do direito constitucional e do direito processual, o direito de ação recebe a característica de direito público (e não privado). Ade

93Parte da doutrina entende tratar-se de um "poder" e não de um "direito" subjetivo. Tal idéia decorre do fato de que "direito" gera vantagens e desvantagens (direitos e obrigações), assim, se a parte tem o direito de ação, o Estado teria o dever de prestá-la. Por essa corrente, não há nessa relação entre Estado e parte um conflito de interesses (direitos e obrigações) e, portanto, seria um poder da parte. Na verdade, ensinam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, em Teoria geral do processo, que a doutrina dominante é no sentido de considerar a ação como um direito. De fato, existe um direito de ação, já que pela atual norma constitucional o Estado tem o dever de prestá-la com eficiência, sem que essa relação obrigacional entre parte e Estado caracterize um conflito, já que a prestação da tutela jurisdicional, como já tratamos, também é de interesse do Estado.

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ACÃO 87

3 Luiz Fux, Curso de direito processual civil, p. 129.

mais, pública é a natureza da atividade jurisdicional pretendida com o direito de ação.94

Dessa forma, tanto a ação como a exceção (defesa ou resposta) constituem direitos públicos subjetivos, decorrentes da garantia cons-titucional do livre acesso ao Poder Judiciário, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

direito este dirigido contra o Estado; b) e o direito do Estado de reparar a

lesão, direito imposto contra aquele que praticou a lesão.

Desde então, surgiu na doutrina a teoria de que o direito de ação se

trata de um direito autônomo em relação ao direito material lesado ou

94TEORIAS DA AÇÃO

Ao longo da evolução da ciência processual, o conceito do instituto

jurídico da ação passou por inúmeras teorias acerca de sua natureza

jurídica, todos esses estudos baseados na busca da formulação de um

conceito que mais se adequasse à efetividade do instituto.

Assim, de grande importância para a atual conceituação do direi to de

ação foram as seguintes teorias:

a) Teoria clássica, imanentista ou civilista

Na teoria imanentista ou civilista, originária no direito romano, a ação

e o processo eram concebidos como qualidades ou atributos do próprio

direito material. A ação e o direito material não constituíam institutos

jurídicos distintos, mas um era conseqüência do outro.

Pela teoria desenvolvida por Savigny, não havia ação sem a existência

do direito material, bem como a ação seguia a mesma natureza jurídica do

direito posto em juízo.

b) Polêmica entre Windscheid e Muther

Sob a concepção da teoria civilista, Windscheid e Muther travaram na

Alemanha grande discussão na qual se estabelecia uma divisão ou

distinção entre o direito lesado e o direito de ação. Na idéia apresentada

por Muther, posteriormente acolhida por Windscheid, concluiu-se pela

existência de duas relações distintas: a) o direito do ofendido à tutela

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ACÃO 88

3 Luiz Fux, Curso de direito processual civil, p. 129.

ameaçado.

c) A ação como direito autônomo e concretoNão obstante a aceitação da autonomia do direito de ação em relação

ao direito material, nos estudos de Adolf Wach (acompanhado por Bulow, Schmidt e Hellwing) sustentava-se a tese de que o direito de ação deveria corresponder a uma proteção concreta ou efetiva do Estado, segundo a qual apenas existia direito de ação quando houvesse direito a uma sentença favorável (de procedência do pedido do autor).'1

Assim, por essa teoria, o direito material e o direito de ação eram autônomos, mas o direito à ação apenas existia quando o autor tivesse razão em sua pretensão.

No mesmo sentido desse pensamento, Chiovenda formulou a teoria da ação como direito potestativo, 95 pela qual a ação corresponderia ao direito daquele que tem razão contra o indivíduo que não tem, concebendo a ação como o direito concreto a uma tutela jurisdicional.

Tanto no conceito de Wach como no de Chiovenda, apenas na pro- lação da sentença final do processo é que se haveria de constatar a exis -tência ou não do direito de ação, já que este direito deveria corresponder, obrigatoriamente, a uma sentença favorável. 96

Assim, caso a sentença fosse de improcedência, por essa teoria, não existiria direito de ação.

d) A ação como direito autônomo e abstratoPela teoria desenvolvida por Degenkolb (na Alemanha em 1877),

acompanhado de grande parte da doutrina contemporânea, firmou-se

95 Ato cuja prática dependa, simplesmente, da vontade da pessoa, sem a intervenção, ato ou vontade de outrem, segundo De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico.

96 Arruda Alvim, op. c/f., p. 400.

Page 99: Manual de Direito Processual Civil

ACÃO 89

a idéia do direito de ação como um direito autônomo e abstrato, acei -tando-se a invocação do direito de ação independentemente da exis tência concreta do direito material invocado, podendo haver ação mesmo com a ocorrência de uma sentença desfavorável.

De fato, a doutrina contemporânea entende como correta a teoria que contempla o direito de ação como autônomo e abstrato, 97 inclusive sendo esta a contemplada pelo Código de Processo Civil brasileiro.

É certo que o direito de ação existe mesmo quando o autor não tiver direito ao que pede perante o Judiciário, ou seja, mesmo nos casos de improcedência do direito material invocado pela parte autora, tem ela o direito de movimentar a máquina judiciária e obter um provimento jurisdicional, seja positivo ou negativo, em relação à tutela pretendida.

Assim, mesmo que o indivíduo não tenha razão naquilo que pretende, tem ele o direito de movimentar a máquina judiciária para receber uma manifestação do Estado. O direito de ação não está vinculado ao fato de o autor ter ou não razão no que pede.

O direito de ação não se confunde com o mérito da causa: enquanto este configura a pretensão da parte autora - à tutela jurisdicional desejada contra a parte contrária -, o direito de ação constitui o direi to de movimentar a jurisdição.

Ora, é absurdo afirmar que alguém apenas poderia entrar com ação caso tivesse razão no que pede. Como bem sabemos, o processo se presta justamente a isso, para que o Estado se manifeste sobre a existência ou não do direito invocado pela parte autora.

97CONDIÇÕES DA AÇÃO

A existência do direito de ação está condicionada à verificação e ao preenchimento das seguintes condições: a) legitimidade; b) interesse de agir; c) possibilidade jurídica do pedido - na ausência de qualquer um desses elementos, o direito de ação simplesmente não existe.

Em princípio pode nos parecer que as condições da ação, enquanto requisitos para a ação, seriam contrárias à regra prevista no art. 5 o, inc. XXXV, da Constituição, pois, aparentemente, dificultam o acesso à justiça, o que seria inconstitucional. No entanto, não se trata de impor requisitos ou restringir o acesso ao Judiciário, mas sim verificar elementos de existência do direito de ação.

Sem a implementação das condições da ação, não existe o direito de movimentar a máquina judiciária na pretensão de um provimento jurisdicional, e assim não estaríamos diante de um obstáculo ao acesso à Justiça.

São condições da ação:

Page 100: Manual de Direito Processual Civil

ACÃO 90

A prevalência da teoria imanentista ou da ação como direito concreto implicaria afirmar que não seria possível a propositura de ação, por exemplo, objetivando a declaração de inexistência de relação jurídica. Pela teoria imanentista, não existindo o direito material, também não existiria a ação.

Dessa forma, estando presentes as condições da ação, sempre a ação será procedente, independentemente do pedido do autor, que poderá ser acolhido ou rejeitado.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por essa razão, entendemos absoluta má técnica - e mais, consagração da teoria da ação como direito concreto - a terminologia muito empregada pelos advogados e juristas no sentido de requerer ao juiz que “julgue procedente a ação”. Com base na teoria da ação como direito abstrato, o juiz nunca julga a ação, mas, sim, o pedido dessa ação, julgando-o procedente ou improcedente. O correto é requerer a procedência do pedido e não da ação.

Ressalte-se que, ao afirmar que a ação foi julgada improcedente, pela verdadeira concepção da teoria contemporânea da ação, estaríamos afirmando que o autor não preenche as condições para movimentar a máquina judiciária, e não negando o seu direito material (se tem ele razão ou não no que pede contra o réu).

Portanto, podemos afirmar que o direito de ação consiste no poder de movimentar a máquina judiciária, com a finalidade de obter do Estado um provimento jurisdicional acerca da existência (ou inexistência) de um direito material, independendo o direito de ação da efetiva existência do direito pleiteado.

3 .3 .1 L E G I T I M I D A D E ad causam

A legitimidade para a propositura da ação 98 encontra-se no vínculo jurídico existente entre a parte e o direito material invocado; é a regra pela qual o direito de ação apenas pode ser exercido por aquele indivíduo que for o titular do direito material litigioso.

O art. 6o do Código de Processo Civil dispõe que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado pela lei.99 Trata-se da legitimidade ad causam (para a causa) para o exercício do direito de ação.

Seria absurdo admitir-se que alguém tivesse direito de ação para ingressar em juízo e, em nome próprio, pleitear em nome próprio direito alheio. O direito de ação apenas é assegurado àquele que pretender pleitear direito próprio, ressalvados os casos em que a própria lei admite a chamada legitimidade extraordinária (ou substituição processual), hipóteses em que o detentor do direito da ação não é, necessariamente, o titular do direito material, tema que trataremos quando do estudo das partes do processo.

A legitimidade é condição relacionada a ambas as partes do processo; tanto o autor (legitimidade ativa) como o réu (legitimidade passiva) devem estar vinculados ao direito material para poderem figurar nos pólos da ação. Caso contrário, a parte será considerada ilegítima (autor ou réu).

O ordenamento processual vislumbrou duas espécies de legitimidade,

98 Não se confunde com legitimidade processual ou adprocessum, instituto que será tratado no capítulo destinado às partes e ao processo.

99 Em alguns casos, especialmente na jurisdição coletiva, há previsão legal para a substituição processual (também chamada de legitimidade extraordinária), pela qual o titular do direito de ação poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio. Por exemplo, é o caso dos sindicatos, que propõem ações em nome próprio para invocar direitos da categoria que representam. Nota- se que o direito não pertence ao sindicato, mas aos indivíduos que integram a categoria.

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quais sejam:

a) legitimidade ordinária;b) legitimidade extraordinária.

A legitimidade ordinária é aquela segundo a qual a parte apenas será considerada legítima quando estiver vinculada ao direito material posto em juízo. Como se mencionou anteriormente, o art. 6o do Código de Processo Civil apenas outorgou legitimidade à parte para figurar em um dos pólos da ação quando for para requerer ou defender direito próprio. 100

Por outro lado, e em casos excepcionais expressamente previstos na lei, admite-se a atuação em juízo para postular ou defender, em nome próprio, direito alheio, em clássicas hipóteses de substituição processual," pelas quais o indivíduo que vai a juízo não é o titular do direito material litigioso.

Ressalte-se que não existe no Brasil a chamada substituição processual voluntária101, ou seja, aquela substituição advinda da vontade das partes. O sistema processual vigente tão-somente admite a substituição decorrente da vontade da lei.

Portanto, podemos afirmar que alguém apenas poderá pleitear em nome próprio direito alheio, exercendo, portanto, atividade de substituto processual, quando houver expressa previsão legal nesse sentido.

É caso de substituição processual, por exemplo, quando um sindicato, em nome próprio, promove ação para reclamar ou defender direito de sua categoria,102 ou, ainda, quando uma associação ingressa com ação para defesa de direitos que pertençam aos seus associados. Em ambos os casos, o autor da ação (ou réu) que se encontra no processo não é o titular do direito material, mas atua tão-somente na qualidade de substituto processual em razão de expressa autorização legal.

100'“Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Substituição processual.101

u Arruda Alvím, 'Notas atuais sobre a figura da substituição processual'. In: Revista de Processo, n. 106, p. 18.

102 "Constitucional. Processual civil. Mandado de segurança coletivo. Substituição processual. Autorização expressa. Objeto a ser protegido pela segurança coletiva. CF, art. 5o, inc. LXX, b. I - A legitimidade das organizações sindicais, entidades de classes ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual." (STF, Tribunal Pleno, RE n. 193382, rei. Min. Carlos Velloso, DJ 20.09.96, v.u.)

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M 3 .3 .2 INTERESSE DE AG IR

ACÃO 93

O interesse de agir compreende a necessidade e utilidade do pro-vimento jurisdicional pleiteado.

A atividade jurisdicional, com a movimentação de todo o aparelho judiciário, apenas se justifica quando o autor tem efetiva necessidade de um provimento jurisdicional, necessidade esta que se traduz na in- dispensabilidade da intervenção do Estado para a solução de um conflito. É óbvio que, não havendo necessidade de um provimento jurisdicional, não existe o direito de movimentar o Judiciário.

Não obstante a necessidade de um provimento do Estado, esse pro-vimento pleiteado deve ser adequado e útil para a solução do conflito. O provimento desejado pela parte deve ser apto para acabar com o litígio. 103

Seria o caso, por exemplo, de o credor detentor de cheque com força executiva entrar com ação de conhecimento objetivando que o juiz condene o réu ao pagamento do débito previsto no cheque. Nesse caso, verifica-se absoluta falta de interesse, pois o credor, sendo detentor de um cheque, não necessita de um provimento condenatório, uma vez que sendo ele detentor de um título de crédito poderá promover, desde logo, ação de execução, não tendo qualquer utilidade para o credor a ação de conhecimento. 104 Assim, a espécie de provimento pleiteado ao Estado deve ser adequada e útil para a resolução da lide; caso contrário, não existe direito de ação.

M 3 .3 .3 POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Ao propor uma ação, o interessado manifesta ao Estado-juiz o seu pedido, que equivale à tutela pretendida contra o réu, ou, ainda, aquilo que efetivamente o autor espera obter com a sua ação.

Assim, para haver o direito de ação, o pedido formulado pelo autor, em abstrato, deve ser juridicamente possível. Nota-se que não sefaz uma análise em concreto, mas em abstrato, indagando: será que o juiz pode conferir o que é pleiteado pelo autor?

A possibilidade jurídica do pedido não leva em consideração o fato de o autor ter ou não razão naquilo que pede, mas tão-somente se aquela pretensão, em abstrato, pode ser conferida pelo Poder Judiciário. Em outras palavras, podemos dizer que o pedido possível é aquele que encontra respaldo no ordenamento jurídico.

Imaginemos que, em um contrato de prestação de serviços, as partes tenham estabelecido como cláusula penal, em caso de descumpri- mento, o esquartejamento público do devedor. Na hipótese de uma das partes vir a descumprir o contrato, poderá o credor promover ação para exigir a cláusula penal? Certamente que não, pois, apesar de ter razão (já que a

103Para Arruda Alvim, op. c/f., p. 411 apud RT254/330: "Não há interesse de agir quando do sucesso da demanda não puder resultar nenhuma vantagem ou benefício moral ou econômico para o seu autor".

104Na ação de conhecimento, o resultado seria a formação de um título judicial que reconhece o débito. Neste caso, o credor não necessita do reconhecimento do débito (já reconhecido no cheque), mas pretende a satisfação desse crédito, o que deve ser realizado por ação de execução e não de conhecimento.

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M 3 .3 .2 INTERESSE DE AG IR

ACÃO 94

outra parte descumpriu o contrato), o Poder Judiciário não poderá conferir esse tipo de tutela.

Outro caso interessante poderia ocorrer antes do advento da Lei do Divórcio. Como bem sabemos, antes da introdução do divórcio no orde-namento jurídico brasileiro, seria impossível a qualquer magistrado do País conferir a dissolução do casamento, mesmo que a parte interessada apresentasse todas as razões plausíveis para isso. Nesse caso, com o casa-mento tido por indissolúvel, seria impossível a apreciação do pedido de divórcio e, conseqüentemente, não estava presente o direito de ação. Em alguns casos, mesmo que o autor tenha razão no que pede, o Poder Judi -ciário não está autorizado a conhecer do pedido por ser ele impossível, dada a falta de previsão no ordenamento objetivo (direito material).

O saudoso mestre Moacyr Amaral Santos, acerca da possibilidade

jurídica do pedido, esclarece:

O direito de ação pressupõe que o seu exercício visa à obtenção de uma providência jurisdicional sobre a pretensão tutelada pelo direito objetivo. Está visto, pois, que para o exercício do direito de ação a pretensão formulada pelo autor deverá ser de natureza a poder ser reconhecida pelo juízo. Ou mais precisamente, o pedido deverá constituir uma pretensão que, em abstrato, seja tutelada pelo direito objetivo, isto é, admitida a providência jurisdicional solicitada pelo autor.16

H 3 .3 .4 C A R Ê N C I A D E A Ç Ã O

A falta de qualquer uma das condições da ação gera a chamada carência de ação, que significa que o direito de ação não existe para aquele que o invocou.

A constatação efetiva da carência de ação gera conseqüências drásti -cas ao processo, como o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo sem apreciação do mérito. Obviamente, não estando o autor assistido pelo direito de movimentar o Poder Judiciário, o seu pedido não poderá ser apreciado pelo magistrado, gerando a extinção do processo sem que o juízo adentre na pretensão formulada pelo autor. 105

Não estando presentes as condições da ação, a petição inicial do autor não estará apta para gerar o processamento do feito, impondo ao juiz, mesmo de ofício (independentemente da provocação da parte contrária), decretar a extinção do processo, sem o julgamento do mérito da lide apresentada.

Humberto Theodoro Júnior comenta que:105CPC: "Art. 3o Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e

legitimidade"."Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: [...] VI - quando

não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual".

"Art. 295. A petição inicial será indeferida: (...) II - quando a parte for manifestamente ilegítima: III - quando o autor carecer de interesse processual; [...] Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando: [...] III - o pedido for juridicamente impossível".

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M 3 .3 .2 INTERESSE DE AG IR

ACÃO 95

[...] à falta de condição da ação, o processo será extinto, prematuramente, sem que o Estado dê resposta ao pedido de tutela jurídica do autor, isto é, sem julgamento do mérito (art. 267, inc. VI). Haverá ausência do direito de ação, ou na linguagem corrente dos processualistas, ocorrerá carência de ação.106

No sistema do Código de Processo Civil, que com toda a certeza adotou a tese de ação como direito autônomo e abstrato, a existência do direito de ação é verificada antes do julgamento do mérito 107 (do pedido de tutela jurisdicional requerido pelo autor) e, não havendo as

106 Curso de direito processual civil. v. 1, p. 47.107,9 Ressalte-se que, pela teoria desenvolvida por Wach e por Chiovenda, o

direito de ação apenas seria verificado quando do julgamento do mérito: se a sentença fosse de procedência, existiria direito de ação; caso contrário, o autor era carecedor do direito de movimentar o Judiciário. Como se vê, essa não é a concepção do Código de Processo Civil brasileiro.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

condições, a ação é extinta sem atingir o seu objetivo - o pronuncia-mento do Estado em relação ao litígio.

3.4 ELEMENTOS DA AÇÃO

Em toda ação é possível identificar três elementos básicos: as partes, a causa de pedir e o pedido (ou objeto), os quais, segundo a doutrina clássica, compõem a teoria das três identidades, capazes de dissociar uma ação da outra.108

A esse respeito, o art. 301, § 2o, do Código de Processo Civil, utili- zando-se da teoria das três identidades, dispõe:

Art. 301. [...]§ 2o Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

Nota-se que a distinção entre uma ação e outra se faz sob a análise

desses elementos identificativos. É por meio dos elementos da ação que se

conhecem as partes e a pretensão do autor, havendo, nesse momento, a

possibilidade de se constatar a existência de uma ação idêntica ainda em

curso (o que denominamos de litispendência) e a repetição de uma ação já

julgada definitivamente ofendendo a coisa julgada, bem como de se fazer a

análise das condições da ação, devendo constar esses elementos logo na

petição inicial.

H 3 .4 .1 As P A R T E S D A A Ç Ã O

As partes são as pessoas, físicas ou jurídicas, que participam do

conflito de interesse, indivíduos que irão atuar diante do Estado-juiz para a

formação do contraditório.109

108 Em dissertação acerca dos efeitos da tríplice identidade, Araken de Assis, Cumulação de ações, p. 125, assevera: "Mas o efeito principal exsurge do fato de que a alteração de qualquer elemento distinguirá, de uma vez por todas, uma ação da outra; e, destarte, duplicado um desses elementos, dentro do mesmo processo, haverá cúmulo de ações".

109 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. c/f., p. 261.

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ACÃO 97

22 O novo processo civil brasileiro, p. 15.

Como regra, em toda ação haverá uma parte autora, que é aquela que

provocou a jurisdição em busca de uma tutela para solução do litígio, e

outra parte ré, ou seja, aquela contra a qual o Estado-juiz exercerá a

jurisdição, pessoa que exercerá a resistência contra a pretensão do autor.

Assim, partes são as pessoas que figuram nos pólos da ação, no pólo

ativo, na qualidade de autora, ou no pólo passivo, como réu na demanda.

■i 3 .4 .2 C A U S A D E P E D I R

A causa de pedir ou causa petendi representa os motivos, de fato e de direito, que levam o autor a movimentar a máquina judiciária. Em simples palavras, a causa de pedir é a razão de estar em juízo ou os fundamentos para a providência requerida ao Estado.

Por sua vez, a causa de pedir se divide em duas: causa de pedir pró-xima e causa de pedir remota.

A causa de pedir remota é o fato que dá origem ao litígio, e a causa de pedir próxima são as conseqüências jurídicas desse fato ou, ainda, a resposta do direito àquele fato narrado pelo interessado.

Por exemplo, imaginemos a ocorrência de um acidente, no qual o veículo da vítima foi totalmente destruído pelo veículo do ofensor em razão de ele estar dirigindo em alta velocidade. Nesse caso, a causa de pedir remota será o acidente, que equivale ao fato ocorrido na vida real. Por sua vez, os danos e o dever do ofensor de indenizar a vítima, dever este imposto pela Lei Civil (art. 159, CC/16, atual art. 927 CC/2002), formam a causa de pedir próxima.

Em exposição muito didática, José Carlos Barbosa Moreira explica que:

Todo pedido tem uma causa. Identificar a causa petendi é responder à pergunta: por que o autor pede tal providência? Ou, em outras palavras: qual o fundamento de sua pretensão?22

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Resumidamente: a causa de pedir remota é o fato constitutivo da lide (por exemplo, um contrato e a inadimplência de um contratante), e a causa de pedir próxima são as conseqüências jurídicas do fato (o dever do contratante de cumprir com suas obrigações).

M 3 .4 .3 O PEDIDO

O pedido é a tutela jurisdicional pretendida pelo autor da ação. Toda vez que uma ação é proposta, seu autor tem interesse em que o Estado, por meio do juiz, confira-lhe um provimento jurisdicional, que esse ato do Estado lhe outorgue o bem da vida posto em juízo e lhe confira uma tutela contra o réu. Com a procedência do pedido formulado pelo autor, o juiz lhe outorga uma tutela que será imposta contra o réu.

Assim, toda ação, sob pena de não ter o seu processamento deferido, deve conter o pedido, que, em poucas palavras, traduz-se na tutela pretendida pelo autor (pedido imediato) e os seus efeitos práticos (pedido mediato).

Por exemplo, quando o filho propõe uma ação contra o seu genitor objetivando receber alimentos, formula ele um pedido de tutela ao Estado, qual seja, requer expressamente em sua petição que o juiz condene (pedido imediato) o réu ao pagamento de determinado valor a título de pensão alimentícia (pedido mediato). No momento da propositura da ação o autor deverá expor, de forma expressa, clara e precisa, tudo aquilo que ele espera do provimento jurisdicional; a parte autora tem o dever de formular pedido quanto à espécie de tutela pretendida e aos efeitos práticos que emanarão desse ato judicial.

Como se vê, são esses três elementos - partes, causa de pedir e pedido - que permitem a identificação e diferenciação entre as diversas ações, dificultando a repetição de ações em curso ou que já tenham sido julgadas (litispendência e coisa julgada), bem como possibilitam ao magistrado, logo no momento da propositura da ação, averiguar se as partes estão vinculadas ao direito material invocado (se são legítimas), se o interesse no provimento jurisdicional e se o pedido formulado é juridicamente possível.

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ACÃO 99

3.5 CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES

A doutrina tem classificado as ações em função das modalidades ou espécies de tutelas jurisdicionais pretendidas do Estado-juiz. Assim, conforme a pretensão formulada, levando-se em consideração a causa de pedir e o pedido é que se escolherá a ação adequada à solução do caso concreto.

A adequação na escolha da ação é fundamental para se definir o tipo de processo e o procedimento que serão empregados para a solução da demanda, e mais, a via eleita pelo autor deve condizer com o seu interesse de agir, sob pena de se incorrer em carência de ação.

Dessa forma, as ações podem ser classificadas como: a) ação de co-nhecimento ou ação de cognição; b) ação de execução; e c) ação cautelar. 110

■■ 3 .5 .1 AÇÃO DE CONHECIMENTO

A ação de conhecimento ou de cognição é destinada à atividade jurisdicional para que, sendo conhecidas a pretensão do autor e a defesa do réu, o Estado-juiz possa proferir um julgamento de mérito sobre qual das partes tem razão na disputa sobre o bem da vida. Trata-se de ação com a finalidade de se verificar e, se for o caso, reconhecer a existência ou não do direito material alegado pela parte autora.

Assim, na ação de cognição, a parte autora apresenta sua pretensão (causa de pedir e pedido), o réu apresenta a sua defesa, há oportunidade para que as partes produzam as suas provas e, finalmente, após conhecer todo o litígio, o magistrado prolata uma sentença (provimento jurisdicional), conferindo ou não a tutela requerida pelo autor.

A ação de conhecimento tem por objeto um provimento jurisdi- cional acerca da existência ou inexistência de um direito, obrigação ou relação jurídica, com a imposição das medidas necessárias à posterior satisfação do reconhecimento obtido na ação.

Na ação de conhecimento, a sentença funcionará como o ato de reconhecimento ou não do direito argüido pela parte autora. Em caso positivo, de deferimento da tutela desejada pelo autor, terá ele um título executivo judicial que poderá ser oposto contra o réu para cumprimento.

Por sua vez, em relação à espécie de tutela jurisdicional pretendida, as 110 Luiz Fux, Curso de direito processual civil, cit., p. 135, comenta:

"Tecnicamente, a 'di- cotomização processual pura' leva em consideração a natureza da prestação jurisdicional invocada, classificando as ações em: ação de conhecimento, ação de execução e ação cautelar. No grupo das ações de cognição, geradoras de uma sentença de definição de direitos, incluem-se como subespécies do gênero as ações declaratõrias, constitutivas, condenatõrias e mandamentais. As referidas ações, quando acolhidas, produzem sentenças da mesma natureza. Assim, a sentença de procedência de um pedido declaratória tem natureza declaratória e assim por diante. Desta sorte, o significado desta classificação eminentemente processual das ações está intimamente vinculado ao correspondente das sentenças".

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOações de conhecimento são classificadas em:

a) Declaratórias. As ações de conhecimento que tenham por objeto tutelas declaratórias se prestam à mera manifestação do Estado- juiz acerca da existência ou inexistência de um direito, obrigação ou relação jurídica.2'111

É típica tutela declaratória, por exemplo, aquela proferida em ação de investigação de paternidade; neste caso, o juiz não condena o réu a ser pai ou cria a paternidade, mas o Estado-juiz limita- se a constatar e declarar uma realidade já existente. Outra hipótese em que verificamos tutela declaratória ocorre quando alguém, entendendo tratar-se de um tributo ilegal, propõe ação visando à declaração de inexistência da relação jurídica tributária.

Importante ressaltar que as tutelas declaratórias, como regra, têm efeito ex tunc, o que equivale dizer que os efeitos da declaração retroagem ao momento da ocorrência do fato ou do direito, pois o juiz não cria nova relação jurídica, tão-somente declara algo que já existia. No exemplo da paternidade, o réu será considerado pai desde a data em que a criança foi concebida, não apenas a partir da sentença declaratória (os efeitos da declaração retroagem).

É exatamente isso que explica Cândido Rangel Dinamarco:

Como afirmação que é, toda declaração tem por objeto fatos passados ou direitos e obrigações também preexistentes a ela (supra, n. 5 e 88), sendo natural que a eficácia das sentenças declaratórias se reporte à situação existente no momento em que o fato ocorreu ou seu efeito jurídico material se produziu. Elas têm eficácia ex tunc, colhendo as realidades desse passado e assim prevalecendo quanto aos atos e fatos ocorridos depois. Se o contrato é nulo, ele o é desde quando foi realizado (vício de formação).25

Por fim, cumpre esclarecer que também se revestem da natureza declaratória os provimentos negativos, como ocorre quando o juízo nega procedência ao pedido formulado pelo autor; nesse caso, a sentença será declaratória negativa do direito do pleiteado pelo autor da ação.

b) Condenatórias. A tutela condenatória objetiva a imposição de uma obrigação ou dever à parte adversa. A finalidade das ações conde-natórias é a obtenção de um comando imperativo em face da parte

1112i| Araken de Assis, Cumulação de ações, cit., p. 93-94, ensina que nas ações declaratórias o autor aspira a extirpar a incerteza acerca de um direito ou relação jurídica, citando trecho da seguinte decisão do STJ: "0 exercício da ação declaratória pressupõe a incerteza a ser obviada pela sentença" (STJ, 1a T., REsp n. 39374-8, rei. Min. Gomes de Barros). (RJSTJ 654/354)

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ACÃO 101

25 Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 160.

contrária, para que ela cumpra uma determinada obrigação: de pagar quantia em dinheiro, de entregar uma coisa, de fazer uma prestação ou abster-se de um ato.

Evidentemente, toda tutela condenatória prescinde da prévia declaração de existência ou não do direito material, e por essa razão podemos dizer que em toda sentença condenatória encontra-se implícita uma tutela declaratória. Por exemplo, para impor ao réu que pague determinada quantia em dinheiro, implicitamente, o magistrado reconheceu a existência do débito (direito material).

Como regra, as sentenças condenatórias não se prestam à efetiva satisfação do direito do autor, mas tão-somente reconhecem o direito e impõem a obrigação contra o demandado, constituindo um título executivo que será submetido a uma futura execução para que a obrigação seja satisfeita.

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102 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

26Araken de Assis, Cumulação de ações, cit., p. 95.

Em relação aos efeitos, as tutelas condenatórias também re- troagem no tempo, são de eficácia ex tunc porque a condenação irá se reportar ao momento em que o réu se tornou inadimplente e não apenas ao momento da sentença.

Concedida a tutela condenatória, seja obrigação de quantia, entrega de coisa ou de fazer ou não fazer, dentro do próprio processo de conhecimento, como regra, se dará a satisfação do direito do credor.

c) Constitutivas. As ações de conhecimento de tutelas constitutivas se destinam à criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica, direito ou obrigação litigiosa. Não se trata de mera declaração ou condenação, mas de ato judicial que intervém na relação das partes para modificá-la.

As tutelas constitutivas implicam sempre mudança (criação, modificação ou extinção) da relação jurídica existente entre as partes. 26

Por exemplo, quando o juiz decreta um divórcio, não está simplesmente declarando o fim do casamento, mas está pondo fim àquela relação jurídica marital. O mesmo ocorre quando um contrato é rescindido: com esse ato o magistrado termina as relações existentes entre as partes contratantes. Nesses exemplos, o Estado interveio no conflito para alterar a relação jurídica das partes, não apenas declarando um estado preexistente ou impondo uma obrigação ao demandado.

Os provimentos constitutivos são de eficácia ex nunc - como regra, eles não retroagem no tempo. Como no exemplo anterior, uma vez decretado o divórcio, o casamento não mais existe daquele momento em diante, considerando-se válido e eficaz o casamento antes da sentença.

Importante mencionar que as tutelas constitutivas podem ser: constitutivas negativas (ou desconstitutivas), que são aquelas des-tinadas à extinção de relações jurídicas ou de obrigações (podemos citar o caso do divórcio e da rescisão contratual); e as consti tutivas positivas, destinadas à criação de novas relações entre as partes (por exemplo, a sentença de adoção, que cria o estado de parentesco até então não existente).

Após tratarmos de todas as tutelas da ação de conhecimento, não podemos deixar de dizer que o autor poderá cumular pedidos relativos a mais de uma espécie de tutela (declaratória, condenatória e constitutiva).112 Por exemplo, poderá requerer a declaração de inexis-tência de relação jurídica tributária (para que o juiz declare que o tri -

112 Desde que atendidos os requisitos para a cumulação de pedidos, conforme trataremos em capítulo próprio.

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ACÃO 103

buto não é devido) e na mesma ação pleitear a condenação da parte ré à devolução de todos os valores recebidos indevidamente.

H 3 .5 .2 A Ç Ã O D E E X E C U Ç Ã O

Nas ações de execução, a parte autora (denominada exeqüente) é detentora de um título executivo que contém o conhecimento do direito do credor, sendo a ação o instrumento para, por meio da força coercitiva do Estado, obrigar o devedor ao cumprimento dessa obrigação contida no título.

Ressalte-se que a ação de execução, ao contrário da ação de cognição, não se presta ao conhecimento e à manifestação sobre a existência ou não de um direito, mas sim à obtenção da satisfação de um direito que já fora reconhecido, como aquele previsto nos títulos de crédito (cheque, nota promissória, duplicata e letra de câmbio), em documentos públicos ou particulares subscritos pelo devedor (na presença de duas testemunhas), etc.

A Lei Processual conferiu eficácia executiva a certos documentos

extrajudiciais (que não decorrem de atos do Poder Judiciário), como os

títulos de crédito, o documento público assinado pelo devedor, o

documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas,

situações em que é absolutamente desnecessária a prévia ação de

conhecimento,113 pois o direito (crédito e débito) já se encontra reconhecido

no documento, devendo o credor promover, diretamente, ação de execução.É por meio da ação de execução que o Estado exerce sua força coerci-

tiva sobre o devedor - especialmente sobre o seu patrimônio - a fim de compeli-lo ao cumprimento da obrigação não satisfeita espontaneamente.

Com o advento da Lei n. 11.232/2005, o processo de execução ficou restrito aos títulos extrajudiciais e a algumas modalidades de títulos judiciais. Antes da referida lei, a ação de execução era destinada a ambos os títulos (judiciais e extrajudiciais), mas com a reforma e na busca da celeridade, a satisfação das sentenças deverá ser realizada dentro do próprio processo de conhecimento, como se verá no capítulo destinado ao "cumprimento da sentença".

■i 3 .5 .3 A Ç Ã O C A U T E L A R

As ações cautelares, como o próprio nome sugere, são destinadas a dar segurança à eficácia do objeto de uma outra ação, seja ela de conhecimento ou de execução.

113 Entendemos que aquele que é detentor de título executivo não tem interesse de agir para propor ação de conhecimento.

Page 114: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOAssim, as cautelares são propostas de forma preparatória ou incidental

com a finalidade de evitar o perecimento do objeto principal da demanda, isso em razão do decurso do tempo, pois, como sabemos, a demora na prestação da tutela jurisdicional poderá implicar perda do bem disputado.

Importante ressaltar que as ações cautelares não se prestam ao reconhecimento de direitos; não têm elas finalidade de julgar qual das partes tem razão no litígio, mas limitam-se a colocar o bem jurídico em segurança para que, no futuro, esse bem possa ser entregue, intacto, ao vencedor da ação principal (de conhecimento ou de execução).

Vislumbramos o cabimento de ação cautelar, por exemplo, quando a mulher está sendo vítima de maus-tratos pelo marido. Nesse caso, a mulher poderá promover uma ação cautelar para afastar o cônjuge do lar, com o intuito de preservar sua integridade física. No entanto, esse provimento cautelar não resolveu a lide, somente deu segurança à pessoa, sendo certo que a lide (dissolução ou separação dos cônjuges) será decidida em uma outra ação (de conhecimento).

Ainda, imaginemos que aquele que é devedor, antes mesmo do ven-cimento do título, esteja dilapidando todos os seus bens com a intenção de frustrar futura ação de execução (ou mesmo de conhecimento para cobrança). Obviamente, não pode o credor assistir a tal fraude sem qual- quer ação, podendo ele propor uma ação cautelar para preservar o patri -mônio do devedor, resguardando-se, assim, o resultado útil de uma futura ação. Note-se que se o credor não tomar uma medida acautelató- ria, que previna a ocorrência da lesão, no futuro poderá não ter qualquer proveito ou utilidade no resultado da ação principal.

Por tais razões é que afirmamos que as cautelares não são medidas satisfativas, pois apenas colocam o bem jurídico em segurança sem solucionar a lide principal, dependendo para isso de outro processo (de conhecimento ou de execução).

Ao dissertar acerca das tutelas de urgência, das quais faz parte o processo cautelar, o professor Cândido Rangel Dinamarco, citando Car- nelutti, explica:

0 tempo às vezes é inimigo dos direitos e o seu decurso pode lesé-

los de modo irreparável ou mesmo comprometê-los insuportavelmente.114

De fato, muitas vezes, o jurisdicionado não pode aguardar o término

11459 Instituições de direito processual civil, cit., v. 1, p. 160.

Page 115: Manual de Direito Processual Civil

ACÃO 105

de uma ação de conhecimento ou o momento para a propositura de uma ação de execução para obter uma tutela do Estado. Em alguns casos, o indivíduo necessita de um provimento urgente e imediato, sob pena de perecimento do bem jurídico disputado,115 e justamente estes casos de urgência que justificam a propositura de ações cautelares.

H 3 .5 .4 AÇÃO MANDAMENTAL

A Constituição da República, para assegurar respeito aos direitos fundamentais, conferiu ações denominadas mandamentais, já que as tutelas proferidas nesses processos, como regra, importam em uma ordem judicial para abstenção ou prática de algum ato, fazendo cessar a ameaça ou a lesão ao direito. São elas a ação de mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data e o mandado de injunção.

Cada garantia constitucional tem por finalidade a tutela contra lesão ou ameaça a direitos determinados. O habeas corpus é remédio contra ato ofensivo à liberdade de locomoção (direito de ir e vir), o habeas data é instrumento para assegurar direito de informação (obtenção de informações perante órgãos públicos e bancos de dados) e o mandado de injunção, para fazer suprir omissão legislativa (a omissão do órgão competente para editar lei regulamentadora)116; já o mandado de segurança pode ser impetrado contra ato de autoridade que esteja ferindo direito líquido e certo, não amparado pelas demais garantias constitucionais. 117

No entanto, grande controvérsia se estabeleceu na doutrina acerca da classificação e da natureza jurídica das referidas ações manda- mentais. Renomados juristas entendem tratar-se de um quarto gênero de ação,118 estando as ações mandamentais ao lado das ações de conhecimento, da ação cautelar e da ação de execução. Para outros, as ações constitucionais, em especial aquelas que tratam de matéria civil, incluem-se na ação de cognição ou conhecimento.

Para a classificação das ações constitucionais, é importante consignar que os provimentos oriundos dessas demandas, com a imposição de uma ordem para fazer cessar lesão ou ameaça, surgem após o conhecimento jurisdicional da violação ao direito líquido e certo. Em outras palavras, antes de o juiz determinar à autoridade que cesse ameaça ou lesão ao

115 Casos de urgência como: sustação de protestos, obtenção de medicamentos ou tratamento médico, guarda provisória de menores, afastamento de cônjuge do lar, medidas para evitar destruição ou alienação de bens, produção antecipada de provas (quando, por exemplo, a testemunha corre risco de vida, ou prova pericial em caso de urgência), para o recebimento de alimentos, conforme previsão dos arts. 796 a 889 do Código de Processo Civil.

116 Alguns dispositivos constitucionais têm a eficácia condicionada à edição de leis que os regulamentem. A falta ou omissão na edição dessa lei, pelo poder competente, pode ser impugnada via mandado de injunção.

117Leda Pereira Mota & Celso Spitzcovsky, Curso de direito constitucional, p. 369.118 Araken de Assis, Cumulação de ações, cit., p. 99.

Page 116: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOdireito, deve conhecer da pretensão e manifestar- se acerca da existência

ou não do direito sustentado pelo impetrante.Dessa forma, as ações mandamentais emitem típicas tutelas decla-

ratórias e condenatórias, a primeira reconhecendo o direito alegado e a segunda para determinar à autoridade a cessação da lesão ou ameaça. Em muitos casos, a tutela do mandado de segurança acaba, até mesmo, sendo constitutiva (constitutiva positiva ou negativa), pois poderá determinar que certo ato seja desfeito e coloque fim a uma relação jurídica.

Page 117: Manual de Direito Processual Civil

ACÃO 107

A esse respeito, em obra brilhante acerca cio mandado de segurança,

Lúcia Valle Figueiredo afirma:

A sentença proferida no mandado de segurança pode ser constitutiva, condenatória e, até mesmo declaratória, em casos especialíssimos. De qualquer forma, a declaratividade da certeza ou não do direito será pressuposto necessário para sentença constitutiva ou condenatória. Preferimos alinhar-nos àqueles - com a vênia devida ao ilustre Pontes de Miranda - que não vêem necessidade de acrescer o tipo mandamental. Na verdade, o mandamento seria o objeto da própria sentença condenatória (a ordem emanada à autoridade administrativa).119

Não obstante as demais teses - que incluem a ação mandamental como uma quarta espécie de ação -, parece-nos que maior razão encontram os autores que dispensam nova classificação, para incluí-la no rol tradicional como ação de conhecimento com rito próprio. 120

■■ 3 .5 .5 O U T R A S C L A S S I F I C A Ç Õ E S

Além da classificação anteriormente exposta, outras são formuladas pela doutrina, considerando-se não a espécie de tutela pretendida, mas tendo base no direito material e no objeto postos em juízo, com estigma das teorias que concebiam a ação como direito concreto à tutela jurisdicional.

É comum a classificação das ações em: a) ações patrimoniais, aquelas que se revestem de caráter econômico; b) ações não-patri- moniais, contrario sensu, sem caráter econômico direto ou imediato;c) ações reais, aquelas relacionadas ao direito das coisas (por exemplo, a discussão da propriedade de um imóvel); d) ação pessoal, quando o litígio versa sobre direitos pessoais (não sobre coisas); e) ação petitória e possessória, a primeira sendo ação real na qual se discute a propriedade, e a segunda, ação para proteção do direito à posse.

Também é muito comum verificarmos a adoção de nomes para as ações como: ação de cobrança, ação de indenização, ação reivindicató- ria etc. No entanto, são todas ações de conhecimento, nominadas, com imprecisão, em função do objeto litigioso, como traço marcante das teorias antigas, já superadas, que tratavam o direito de ação como vinculado ao direito material - o mesmo nome empregado para o direito era empregado

119Mandado de segurança, p. 188.120 Para Luiz Fux, Curso de direito processual civil, cit., p. 135, as ações

mandamentais incluem-se entre as tutelas da ação de conhecimento, sendo um quarto gênero dentre as tutelas declaratórias, condenatórias e constitutivas.

Page 118: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOpara a ação.

Outra classificação também se faz em relação ao rito (que trataremos em capítulo próprio): ação comum ou ordinária, sumária ou especial - de qualquer forma, são todas ações de conhecimento, com procedimentos distintos uns dos outros, razão pela qual não se justifica tal classificação.

Parece-nos que a classificação mais adequada à realidade processual contemporânea é aquela que separa as ações em: ação de conhecimento, ação de execução e ação cautelar, tópicos estes que estudaremos a seguir.

Page 119: Manual de Direito Processual Civil

4

109

P R O C E S S O

4.1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA

Na conceituação dada pela doutrina tradicional, o processo representa o instrumento pelo qual o Estado exerce a sua atividade jurisdicional para a solução dos conflitos apresentados ao Poder Judiciário. Ou, ainda, o processo pode ser definido como a relação jurídica, autônoma da relação de direito material, que se estabelece entre autor e réu, diante da jurisdição, com a finalidade de ser resolvida a lide. 121

O processo pode ser concebido como: técnica, meio, método ou instrumento da atividade jurisdicional para aplicação do direito ao caso concreto.

Da etimologia da palavra processo, derivada do latim pro- cessus (do verbo procedere), verifica-se o significado de “seguir

121' Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 12, acerca da conceituação de processo, assevera: "É, na verdade, uma operação, pois consiste num complexo de atos combinados para a consecução de um fim. Nos processos se desenvolve um conjunto de atos coordenados, visando à composição da lide".

Page 120: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOadiante”, “marcha à frente”, “seqüência ou ordem das coisas”. No entanto,

muito mais do que uma mera seqüência de atos que conduzem à sentença, o processo corresponde ao modo como o Estado exerce a jurisdição intervindo nos litígios.122

Na realidade, o processo constitui uma relação jurídica que se forma pelo impulso do autor contra o Estado para que este exerça a jurisdição e outorgue um provimento contra o réu. 123 Ele gera um vínculo jurídico entre as partes litigantes e o Estado-juiz, confere poderes, direitos, deveres e ônus aos litigantes e membros do órgão jurisdicional, e dessa relação jurídica processual advém um provimento ao qual todos deverão sujeitar-se.

Não se pode deixar de fazer a distinção entre a relação jurídica pro-cessual e a relação jurídica de direito material, já que, sem dúvida, são absolutamente autônomas e distintas entre si. A relação processual é o vínculo existente diante da jurisdição para a solução do conflito, relação esta formada por normas próprias do direito processual. Por sua vez, a relação de direito material é aquela que dispõe sobre os direitos e obrigações acerca dos bens da vida, e não sobre a disciplina do processo. Não é na relação jurídica processual que se encontram as normas a respeito, por exemplo, de quem é o devedor ou o credor (o que se veri -ficará no direito material), mas nela estão as regras de como o litígio será resolvido, da forma pela qual o credor poderá exigir a satisfação do crédito e o devedor, por sua vez, apresentar a defesa cabível.

Dessa forma, em relação à natureza jurídica do processo, podemos afirmar tratar-se de uma relação jurídica de direito público:’ firma-se em normas de direito e é capaz de produzir efeitos jurídicos (poderes, direitos, deveres e ônus), sendo de direito público por envolver atividade própria de um dos Poderes do Estado, a jurisdição.

A relação jurídica processual, como regra, é subjetivamente triangular: formada por autor, juízo e réu. O autor move a ação contra o

122? Para Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co (Teoria geral do processo, p. 279): "O processo é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder)".

123 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, v. 1, p. 250.

Page 121: Manual de Direito Processual Civil

PROCESSO 11 1

Estado, que, exercendo a jurisdição no processo, poderá proferir um provimento

jurisdicional em face do réu.

Por se tratar de uma relação triangular, a doutrina tem afirmado que o processo apenas se forma validamente após a citação do réu, ato pelo qual o demandado é chamado a integrar o pólo passivo da ação para que possa exercer o contraditório que lhe é assegurado como princípio basilar do direito processual civil.124

A ação é considerada proposta no momento em que a petição inicial é despachada ou distribuída. No entanto, o processo apenas estará completo, capaz de produzir os efeitos mencionados no art. 219 do Código de Processo Civil - tornar a coisa litigiosa, induzir à litispen- dência, constituir o devedor em mora - quando da citação do réu.

Cumpre ressaltar, também, que somente nos processos que se desenvolvem diante da atividade de jurisdição voluntária é que a relação é meramente linear, formada pelo requerente (ou interessado) diante do Estado-juiz, sem haver a figura do réu, por se tratar de processo em que inexiste conflito (lide).

O processo civil é formado por uma seqüência de atos processuais, dispostos no tempo e logicamente segundo procedimentos ou ritos próprios para cada caso. Assim, processo não se confunde com procedimento, pois, enquanto aquele constitui uma relação jurídica que se estabelece entre autor, juiz e réu para a solução da lide, o procedimento (também chamado de rito) nada mais é do que a seqüência ou a ordem da prática dos autos dentro do processo.

Processo também não se confunde com autos. Por se tratar de uma relação jurídica, o processo corresponde a um substantivo abstrato, que

124 Idem: "A relação jurídica processual estabelece-se, inicialmente, entre o autor e o juiz. É apenas bilateral nessa fase. Com a citação do réu, este passa também a integrá-la, tornando-a completa e trilateral. Então, estará o Estado habilitado a levar o processo à sua missão pacificadora dos litígios e terá instrumento hábil para dar solução definitiva (de mérito) à causa".

JUIZ

AUTOR "---------------------" REU

Page 122: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOse corporifica nos autos. Em síntese, todos os atos de um processo

serão reunidos nos autos (pasta contendo as peças do processo). 125 Portanto, o processo é o instrumento de que dispõe o Estado para, quando provocado pela parte interessada, manifestar a vontade da lei ao caso concreto. Assim, os institutos da ação, da jurisdição e do processo, na realidade, formam uma cadeia no direito processual, já que o conflito de interesses (lide) faz com que a parte autora, por meio da ação, movimente a jurisdição para que, utilizando-se do processo, preste o Estado um provimento ou tutela que tenha o poder de pôr fim à lide.

4.2 Elementos DO Processo

Em se tratando de uma relação jurídica, o processo é formado com base em elementos subjetivos, que se referem aos sujeitos ou a pessoas vinculadas à relação, e outros, denominados objetivos, os quais com-preendem o próprio objeto do processo.

Desse modo, podemos classificar os elementos do processo:

Evidentemente, para haver uma relação jurídica é indispensável a existência de sujeitos, e, no caso do processo de conhecimento, esses

su-

125 É linguagem corrente entre todos os profissionais do direito a frase: "Vou retirar o proc e s s o ! . N a realidade se está falando dos autos do processo.

Subjetivos

Elementos

do

processo

JObjetivos

partes

órgão jurisdicional e auxiliares

Ministério Público

mérito (pretensão do autor e defesa do réu)

atos processuais provas etc.

Page 123: Manual de Direito Processual Civil

PROCESSO 113

jeitos são denominados partes: autor (aquele que promove a ação) e réu (contra o qual se pede a tutela), 126 podendo essa nomenclatura ser alterada em função da fase ou do ato processual específicos (por exemplo: recorrente e recorrido, agravante e agravado, reconvinte e reconvindo etc.) ou em razão de outras ações (na ação de execução, por exemplo, as partes são denominadas de exeqüente e executado).

Outra condição essencial para a validade do processo é que ele se desenvolva perante órgão do Poder Judiciário, como preceitua a Constituição da República ao instituir o princípio do juiz natural. Nota-se que, além da figura do juiz, o processo é conduzido também por força de atos praticados pelos auxiliares da justiça, como o escrivão, escrevente, perito, contador, oficial de justiça e depositário.

Em alguns casos, conforme expressa previsão legal, o processo contará com a participação do Ministério Público, podendo este atuar na qualidade de parte ou como fiscal da lei e representante da sociedade.

Objetivamente, o processo é composto pelo mérito apresentado pelas partes, no qual o autor expõe a sua pretensão, e o réu, a resistência. Além disso, como mencionamos anteriormente, o processo se desenvolve por uma série de atos dos sujeitos que o integram, atos estes praticados com a finalidade de se chegar à sentença (provimento final acerca do mérito).

Todos esses temas, por compreenderem institutos complexos do processo civil, serão abordados especificamente nos capítulos seguintes.

4.3 ESPÉCIES DE PROCESSOS

A sistematização empregada pelo Código de Processo Civil foi no sentido de enumerar as espécies de processos em conformidade com a pretensão aduzida pela parte autora, correspondendo as espécies de processos às espécies de ações.127

Como a classificação das ações, o Código de Processo Civil conferiu três tipos de processos: a) processo de conhecimento ou cognição

126No processo, as partes são denominadas de autor e réu, independentemente do nome que recebam no direito material, como credor e devedor, proprietário, locador e locatário etc.

127 Moacyr Amaral Santos, op. c/f., p. 272.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Subjetivos

(arts. Io a 565); b) processo de execução (arts. 566 a 795); e c) processo cautelar (arts. 796 a 889).

4.4 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

A existência e o desenvolvimento válido da relação jurídica processual estão subordinados à observância de pressupostos legais, indispensáveis para que o juízo possa conhecer da lide e proferir uma sentença acerca do mérito do litígio.

Assim, os pressupostos processuais são requisitos que estão relacionados à própria existência do processo e ao seu desenvolvimento válido, podendo ser classificados em:

Em relação às partes

Em relação ao juiz ou juízoa) capacidade de ser parte

b) capacidade processual

c) capacidade postulatória

a) órgão investido de jurisdição

b) competente

c) imparcial (não impedido ou suspeito - arts.

134 e 135)

xtrínsecos à relação

V

ítrínsecos à relação

inexistência de fatos impeditivos

como:

a) litispendência

b) coisa julgada

c) transação

d) compromisso

e) perempção

f) falta de pagamento das custas

previstas no art. 267, § 2o, do

Código de Processo Civil

a) petição inicial apta

b) citação válida

c) procedimento legal (devido

processo legal)

Page 125: Manual de Direito Processual Civil

PROCESSO 115

M 4 .4 .1 P R E S S U P O S T O S S U B J E T I V O S

Em relação aos sujeitos que atuam no processo, a legislação pro-cessual impõe pressupostos para que as partes possam atuar na relação jurídica, como:

a) capacidade de ser parte, que compreende a legitimidade ad causam ou a existência de direito ou obrigação. Toda pessoa que for sujei to de direitos ou obrigações terá capacidade para estar em juízo na defesa de seus interesses;b) capacidade processual, aquela inerente à prática de atos da vida civil. A atuação no processo depende de capacidade civil, uma vez que importa na realização de atos ou negócios jurídicos (capacidade prevista na legislação civil material);c) capacidade postulatória, segundo a qual a parte deverá estar regu-larmente representada em juízo por advogado, salvo nos casos em que houver dispensa legal (capacidade conferida diretamente à parte), aspectos que serão abordados no capítulo seguinte.

Quanto aos magistrados ou órgãos jurisdicionais, por mandamento da Constituição da República, em consagração ao princípio do juiz natural, o processo apenas poderá existir e se desenvolver validamente diante de órgão investido de jurisdição, ou seja, autoridade ou órgão que tenha recebido do próprio Estado poderes para dizer o direito ao caso concreto.

Note-se que não basta a investidura na jurisdição para que o órgão ou a autoridade do Estado possa conduzir o processo; é indispensável, também, que o juízo tenha recebido competência, nos termos fixados na lei, para o processamento e julgamento da causa. Todo juízo é investido de jurisdição, mas a atribuição de competências é restrita a cada órgão do Poder Judiciário.

Não obstante ser o órgão investido de jurisdição e competente nos termos da lei, é pressuposto para a validade do processo - e princípio da jurisdição - que a pessoa do juiz seja imparcial, não guardando qualquer interesse no deslinde da causa.

Todos esses temas - partes, competência e imparcialidade do juiz - serão tratados nos próximos capítulos deste trabalho.M 4 .4 .2 P R E S S U P O S T O S O B J E T I V O S

Os pressupostos processuais objetivos extrínsecos, entendidos como fatos que se encontram fora do processo, impedem a eficácia e a validade da relação jurídica processual - e são, a seguir, explanados:

a) Litispendência (arts. 267, V, e 301, § 3o)128. Ocorrerá a litispendên-

128 "Art. 301. [...]§ 3o Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa

Page 126: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

cia quando for repetida ação idêntica - sob a análise dos elementos da ação: partes, causa de pedir e pedido - à outra que ainda se encontre em curso. Obviamente, estando uma ação em curso, não poderá a parte propor nova ação idêntica, constituindo a litispendência fato que impede a validade e o desenvolvimento do processo que foi repetido.b) Coisa julgada (arts. 267, V, e 301, § 3o). A coisa julgada compreen-de o efeito de imutabilidade que recai sobre as sentenças de méri to das quais não cabe mais nenhum recurso. Em outras palavras, uma vez transitado em julgado o julgamento de mérito da causa, é impossível que tal mérito seja reapreciado em outro processo. Portanto, uma vez existente a coisa julgada, esse fato jurídico impede a propositura de nova ação idêntica àquela que já se encontra extinta.c) Compromisso ou convenção arbitrai (art. 267, VII, do CPC). Como vimos anteriormente ao tratarmos dos substitutos da jurisdição, as partes podem convencionar em submeter o litígio a um árbitro, afastando a atividade jurisdicional do Estado. Nesse caso, em face da existência da cláusula compromissória, aquela que prevê a arbitragem como meio de solução do conflito, não poderão as partes valer-se do processo para a obtenção da solução da lide. A existência do compromisso poderá impedir o desenvolvimento válido do processo (Lei n. 9.307/96).d) Transação. As partes têm a liberdade, em se tratando de direitos patrimoniais e disponíveis, de acordarem acerca do litígio sem a intervenção do Estado. Dessa forma, uma vez que as partes celebraram acordo para composição amigável do conflito, não poderá existir processo para rediscutir o mérito anteriormente composto.e) Perempção (arts. 267, V, e 268, parágrafo único). O ordenamento processual civil, em caso de inércia da parte em promover o anda-mento do processo (abandono do processo), penaliza esse ato com a extinção do processo sem o julgamento do mérito. Assim, aquele que tiver o processo extinto por três vezes, em decorrência de inércia em dar andamento ao processo, não poderá promovê-lo novamente.f) Falta de pagamento das custas (art. 268). Ocorrida a extinção do processo sem julgamento do mérito, a parte apenas poderá promover nova ação se comprovar o recolhimento das custas e despesas processuais da ação idêntica extinta anteriormente.

Como se vê, as causas anteriormente expostas, quando existentes, impedem a eficácia do processo e o seu desenvolvimento válido, bem como que o magistrado emita um julgamento acerca do mérito da causa (extinção sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267).

julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso."

Page 127: Manual de Direito Processual Civil

PROCESSO 117

Por outro lado, verificamos pressupostos processuais intrínsecos - que se encontram dentro do processo -, em especial relacionados à observância do devido processo legal, como:

a) Petição inicial apta.129 A petição inicial é o instrumento pelo qual o autor exerce o seu direito de ação e provoca a atividade jurisdicional, sendo nesse ato que toda a pretensão - partes, pedido e causa de pedir - é colocada diante do Judiciário. Assim, para ensejar o processo, o autor deverá elaborar sua petição inicial nos termos fixados na legislação processual, sob pena de não ser ela apta à formação válida do processo. Por exemplo, a falta de pedido impede que a petição inicial movimente a jurisdição, pois caracteriza elemento indispensável da ação.

b) Citação do réu. Para formação e existência do processo, é impres-cindível a citação válida do réu. O processo é uma relação jurídica triangular e, enquanto o réu não a integrar, o processo encontra- se incompleto e não passível de produzir efeitos.

A reforma introduzida pela Lei n. 11.277, de 07.02.2006, incluiu no Código de Processo Civil o art. 285-A para dispensar a citação do réu em casos excepcionais."

A dispensa da citação, conforme prevê o artigo citado, apenas será possível quando a lide versar exclusivamente sobre questão de direito (não havendo controvérsia sobre os fatos) e havendo no juízo em que tramita o processo sentenças anteriores com o mesmo conteúdo. No entanto, a dispensa da citação apenas poderá ocorrer se for para o juiz proferir sentença de improcedência do pedido do autor, isso com base em sentenças anteriormente prolatadas no mesmo sentido.

Evidentemente, prolatando uma sentença de improcedência, a parte autora poderá recorrer e, se assim o fizer, o réu será citado para responder ao recurso.

Tal dispositivo, vindo no pacote da chamada reforma do Poder Judiciário, acaba por revolucionar o conceito tradicional de processo.

A doutrina clássica define o processo como uma relação trilateral e, portanto, não há como se conceber o processo sem a citação do réu. Com o advento do artigo 285-A do Código de Processo Civil, a citação, naquele caso específico, deixará de ser um pressuposto de existência da relação

129 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 518, afirma: "Caso a petição inicial não apresente os requisitos de sua regularidade, deve ensejar-se ao autor que a conserte (art. 284), sob pena de, não o fazendo, vê-la indeferida (arts. 284, parágrafo único, e 295, VI); mas, se não tiver aptidão, nem houver possibilidade de emenda, deve ser rejeitada de início, sem se ordenar a citação da parte contrária, não se instaurando, assim, a relação jurídica processual completa, pois se terá tido exclusivamente uma relação linear entre autor e juiz (art. 295, I)".

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

jurídica processual.Não sendo citado, o réu não participa da relação processual, e mais, o

processo não existe em relação a ele, não podendo sofrer prejuízos ou benefícios em razão do processo para o qual não foi citado.

c) Procedimento legal. Em cada espécie de processo, a lei processual se incumbe de estabelecer diversas formas de procedimentos ou ritos, o que equivale a dizer que, dependendo da natureza ou do objeto da ação, os atos processuais serão praticados segundo uma determinada ordem lógica prevista na lei (o rito). Por exemplo, no processo de conhecimento, o sistema processual prevê quatro ritos: ordinário, sumário, especial e sumaríssimo (juizados especiais). Dessa forma, o processo deve desenvolver-se segundo o rito ou procedimento previsto na lei, sob pena de afronta ao princípio do devido processo legal, e de conseqüente invalidade dos atos.130

É importante esclarecer que os pressupostos processuais não se confundem com as condições da ação, vez que, enquanto estas representam requisitos para a existência efetiva do direito de movimentar a jurisdição, aqueles são requisitos para a existência e o desenvolvimento válido do processo.

Tanto as condições da ação como os pressupostos processuais cons-tituem sempre elementos preliminares à análise do mérito, já que a falta de qualquer um desses requisitos levará à extinção do processo, sem o julgamento da pretensão formulada pelo autor. A ausência de qualquer um dos pressupostos processuais impede que a jurisdição exerça de forma eficaz a sua atividade.

130n É muito comum o fato de alguns magistrados determinarem a realização

de atos processuais não existentes na lei ou mesmo fora do momento adequado segundo o rito próprio. Já tivemos a oportunidade de analisar um caso em que, antes de apreciar o pedido de liminar, o juiz determinou aos réus que apresentassem defesas prévias (depois seria apresentada a contestação comum). Evidentemente, o magistrado criou um rito não existente na lei, em total desamparo ao princípio do devido processo legal.

Page 129: Manual de Direito Processual Civil

119

' Manual de direito processual civil, p. 89.2 Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 3.

5

P A R T E S

E P R O C U R A D O R E S

5.1 PARTES

Na concepção tradicional exposta por Enrico Tullio Lieb- man, entende-se por partes “os sujeitos do contraditório ins-tituído perante o juiz”.1

De fato, as partes são os indivíduos que integram a relação jurídica processual, diante da jurisdição, a fim de resolverem o conflito existente entre eles; são as pessoas que compõem os pólos da ação.

Como bem sabemos, são elementos subjetivos do processo o juiz e as partes, estas revestidas de interesse direto no provimento que será emanado pelo Estado, e, conseqüentemente, parciais no processo; já o juiz, sujeito que se mantém alheio ao resultado da ação, mostra-se sujeito desinteressado e imparcial no processo.2 Dessa forma, é traço característico

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOdas partes o interesse direto no deslinde da ação, sendo elas absolutamente

parciais.O processo é composto por dois pólos: ativo e passivo. Como regra,

no pólo ativo figurará o autor da ação, aquele que pede a tutela jurisdicional contra a outra parte, inclusive gozando da faculdade de escolher as pessoas que figurarão no lado adverso. Por sua vez, o pólo passivo é ocupado pelo réu, pessoa contra quem se requer a tutela do Estado; trata-se do indivíduo que exercerá, se quiser, o contraditório em face da pretensão formulada pelo autor.

No processo de conhecimento, tecnicamente, as partes são deno-minadas autor e réu. No entanto, dependendo da fase processual, da espécie de processo ou do ato a ser praticado, essa nomenclatura original poderá ser substituída por outras, conforme exemplos a seguir relacionados:

Ato, fase ou processo Nomenclaturas

Processo de conhecimento Autor / réu

Interposto recursoRecorrente / recorrido, Apelante /

apelado, Agravante / agravado

Exceções Excipiente / excepto

Reconvenção Reconvinte / reconvindo

Intervenção de terceirosDenunciante / denunciado, assistente /

assistido, opoente / opostos etc.

Processo de execução (ou fase executiva) Exeqüente / executado

Processo cautelar Requerente / requerido

Embargos de terceiros Embargante / embargado

Ações mandamentais Impetrante / impetrado

No entanto, para que o indivíduo tenha qualidade para ser parte em uma relação jurídica, é fundamental que ele se revista de capacidade para a causa, capacidade processual e capacidade postulatória, sob pena de não lograr êxito na obtenção do julgamento do mérito dacausa ante a ausência de pressupostos processuais (art. 267), temas de que trataremos a seguir.

■I 5 . 1 . 1 CAPACIDADE DE SER PARTE

Nos termos fixados no art. 7o do Código de Processo Civil, toda pessoa

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3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em

juízo.

Dessa forma, toda pessoa física ou jurídica, que se entenda na titu-

laridade de direitos e obrigações na órbita do direito material, tem

capacidade para invocar diante do Estado um provimento jurisdicio- nal em

defesa desses direitos.

Nota-se aqui que mesmo os incapazes - menores, interditos e

curatelados - têm capacidade de ser parte, pois, por serem titulares de

direitos e obrigações no campo do direito material como qualquer outra

pessoa física ou jurídica, são titulares da aptidão para terem em juízo a

defesa de direitos controvertidos.

■i 5 . 1 . 2 CAPACIDADE PROCESSUAL

Por sua vez, a capacidade processual, também denominada de legi-

timatio ad processum, representa a aptidão para a prática de atos processuais

ou capacidade de atuação em juízo, observando-se, nesse caso, as normas

previstas no Código Civil inerentes à capacidade das pessoas para a prática

de atos jurídicos, conforme dispõem os seus arts. 3o a 5o.3

A capacidade de estar em juízo representa pressuposto processual de

validade da relação jurídica processual, uma vez que não podem ser tidos

por existentes e válidos os atos praticados por indivíduos que não guardam

capacidade para o exercício dos atos da vida civil.

Ao comentar o disposto no art. 7o do Código de Processo Civil, Celso

Agrícola Barbi explica:

Assim, têm capacidade de ser parte toda pessoa natural,

não importando a idade, estado mental, sexo,

nacionalidade, estado civil, bemcomo as pessoas jurídicas, além de outras a que a lei atribui essa capacidade, como o nascituro e espólio etc. Mas a capacidade de estar em juízo, também chamada legitimidade, ou legitimação para o processo, ou legitimatio ad processum, só é atribuída aos que estiverem no exercício dos seus direitos, excluídos, assim, os menores, os loucos, os silvícolas etc.'1

Da conceituação exposta, podemos concluir que a capacidade de ser parte não se confunde com a capacidade de estar em juízo; na primeira, a aptidão de figurar em um dos pólos da ação independe da capacidade civil, mas tão-somente de ser o indivíduo sujeito de direitos e obrigações, e ao revés, a existência de capacidade para o processo está condicionada à aptidão para o exercício do direito.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO Podemos afirmar que o menor tem capacidade de ser parte, não tendo,

entretanto, aptidão para, pessoalmente, agir e praticar atos no processo; para tanto, deverá ser representado ou assistido por quem de direito, sob pena de invalidade dos atos praticados.

Em caso de falta de capacidade processual ou defeito de representação, o juiz determinará a suspensão do processo, bem como a intimação da parte interessada para que regularize o vício de capacidade, sob pena de:

a) se o defeito for no pólo ativo, o juiz decretar a nulidade dos atos, com a extinção do processo sem julgamento do mérito, pelo fato de o autor não ter regularizado sua capacidade processual;

b) caso o vício seja no pólo passivo, o réu ser considerado revel. A defesa do réu será desconsiderada, já que o ato foi praticado sem capacidade processual, e, conseqüentemente, serão presumidos verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (haverá revelia mesmo que o réu ainda não tenha apresentado contestação);

c) em caso de terceiro,3 o juiz determinar a sua exclusão do processo.

| Capacidade plena

Em relação às pessoas físicas, a capacidade plena se verifica quando estas se acham no pleno exercício de seus direitos, 131 com poderes totais para a prática de atos jurídicos da vida civil.

Nos termos do disposto nos arts. 3o a 5o do Código Civil, podemos dizer que gozam da capacidade plena os maiores de dezoito anos e aqueles que não estejam em circunstâncias que lhes impeçam a livre manifestação da vontade, como os incapazes por enfermidade ou doença mental, assim impedidos de exercer o discernimento, ou as pessoas que, por qualquer causa transitória, estejam impedidas de manifestar a sua vontade.

Os plenamente capazes, conforme previsto na legislação civil, são aptos para atuarem pessoalmente em processos judiciais, podendo outorgar procurações para propositura da ação, comparecer em audiências, firmar acordos, dispor do direito material para renunciar o direito sobre o qual se funda a ação, ou mesmo, na qualidade de réu, reconhecer a procedência do pedido formulado pelo autor. Enfim, aquele que tem capacidade poderá promover todos os atos inerentes às partes do processo.

| Representação e assistência das pessoas naturaisA representação e a assistência são institutos de direito civil, tendentes

a suprir falta de capacidade do indivíduo para a prática de atos jurídicos (inclusive os processuais).

Em se tratando de incapacidade absoluta, imputada aos menores de

131 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. II, p. 282.

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3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

dezesseis anos,132 loucos, surdos-mudos e ausentes, 133 apenas serão admitidos em juízo quando representados por seus genitores, tutores ou curadores, nos termos do art. 8o do Código de Processo Civil. Por outro lado, sendo caso de incapacidade relativa, no qual se incluem os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, os excepcionais e aqueles que, por deficiência mental, tenham discernimento reduzido, e os pródigos, a prática de atos dependerá da assistência do representante legal, orientação dada pelos arts. 3o e 4o do Código Civil.134

A representação importa a prática de todos os atos pelo representante; quem figura no pólo da ação é o representado, titular do direito material, mas a prática de atos é exclusiva do representante. Na assistência, os atos são praticados pelo incapaz em conjunto com o assistente. 135 Exemplo muito claro da distinção na participação dos incapazes se nota quando da outorga de procuração ao advogado: ein se tratando de representação, a procuração será assinada apenas pelo representante, e em caso de assistência, o instrumento deverá ser subscrito pelo assistido e por seu representante legal.

É importante ressaltar também que, na hipótese de o incapaz não ter representante legal para assistência ou representação, ou ainda quando os interesses do representante forem contrários aos interesses do incapaz representado," o juiz deverá nomear curador especial para defesa dos interesses do incapaz naquele processo em que ocorreu a nomeação.

O mesmo ocorre em se tratando de réu preso ou citado fictamen- te (não pessoal), hipóteses em que o demandado poderá não ter condições de comparecer em juízo (por estar preso) ou não tomar efetiva ciência da ação que corre contra ele, por ter sido citado fictamente. Na hipótese de o réu preso ou citado fictamente comparecer em juízo, por meio de advogado regularmente constituído, não haverá a necessidade de nomeação de curador especial.136

132Nos termos do art. 226, § 5o, da Constituição da República, o pátrio poder é exercido por ambos os pais, sendo essa regra reafirmada no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), nos seguintes termos: "Art. 21.0 pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência".

133 Os ausentes, nos termos da Lei Civil (art. 22 do CC/2002), são as pessoas tidas por desaparecidas, sem que delas haja notícias. Para que exista a ausência civil, necessária se faz a declaração judicial desse estado, sendo nomeado um curador para administração dos bens do ausente. A ausência civil não se confunde com a ausência no processo, visto que esta representa o mero fato de o réu, mesmo citado, deixar de comparecer em juízo.

134 O Código Civil de 2002 determinou no parágrafo único do art. 40 que a capacidade dos índios (até então denominados na lei como silvícolas) será regulada por legislação especial.

135 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. II, p. 283.136

u Caso haja na localidade judiciária curador de incapazes ou ausentes, a curatela especial será exercida por eles; caso contrário, será nomeado pelo juiz. No estado de São Paulo os curadores especiais são requisitados à Procuradoria-Geral do Estado, que indica um procurador do estado ou advogado dativo para atuar na

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO Representação das pessoas jurídicas

Em relação às pessoas jurídicas, públicas ou privadas, é relevante para a existência da capacidade processual a verificação dos seus poderes de representação em juízo. Em outras palavras, a capacidade processual das pessoas jurídicas estará perfeita quando forem elas representadas por pessoas com poderes para isso nos termos da lei ou dos instrumentos internos (como estatutos e contratos sociais).

A esse respeito, o art. 12 do Código de Processo Civil estabelece que a representação em juízo, ativa ou passivamente, das seguintes pessoas jurídicas será realizada:

a) por seus procuradores - no caso da União, 137 dos estados e do Distrito

Federal (inclusive as autarquias);b) por seus prefeitos ou procuradores - no caso dos municípios;c) pelo síndico - quando se tratar de massa falida;d) por seu curador - para a herança jacente ou vacante;e) pelo inventariante - no caso de espólio;f) por quem os estatutos ou contratos designarem, no caso das pessoas jurídicas; se não houver designação, a representação será realizada pelos diretores;g) pela pessoa a quem couber a administração dos bens, no tocante à sociedade sem personalidade jurídica;h) pelo síndico - no caso do condomínio;i) pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal instalada no País - para pessoa jurídica estrangeira.

| Capacidade dos cônjugesPela redação original do Código Civil de 1916, a mulher casada era

tida como relativamente incapaz, necessitando de outorga ou consen-timento do marido para todos os atos da vida civil, inclusive para a propositura de ações.

Com o advento da Lei n. 4.121/62 e pelo disposto no art. 5 o da Constituição da República, homem e mulher são absolutamente capazes para a prática de todos os atos jurídicos, não vigorando mais a incapacidade relativa para a mulher casada, podendo qualquer um dos cônjuges ingressar em juízo, independentemente do consentimento do outro.

No entanto, em algumas hipóteses, com a finalidade de proteger o patrimônio da família, a lei processual determina que ambos os cônjuges devem figurar no pólo da ação, ou haver consentimento mútuo para a

qualidade de curador especial.137 A União é representada judicialmente pela Advocacia-Geral da União, nos

termos da Lei Complementar n. 73/93, que diz em seu art. 1o: "A Advocacia-Geral da União é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente", e no seu parágrafo único: "À Advocacia-Geral da União cabem as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, nos termos desta Lei Complementar".

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3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

propositura da ação.A esse respeito, o art. 10 do Código de Processo Civil determina que

deverão participar da ação, como autores ou réus, ambos os cônjuges nos seguintes casos:

a) ações que versem sobre direitos reais imobiliários;b) ações relativas a fatos que digam respeito a ambos os cônjuges;c) ações fundadas em dívidas contraídas por um cônjuge, mas que possam afetar o patrimônio do outro (dívidas contraídas por um cônjuge em favor da família);d) ações que tenham por objeto a constituição, o reconhecimento ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges;e) nas ações relativas à posse quando se tratar de composse. Apenas será necessária a inclusão de ambos os cônjuges quando se tratar de composse, ou seja, posse exercida por ambos os cônjuges.

Por sua vez, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.647, II, determina que um cônjuge dependerá da autorização do outro para pleitear em juízo, como autor ou réu, defesa dos bens do casal, ressalvando, no entanto, os casos de casamento contraído sob o regime da separação absoluta de bens.

Portanto, parece-nos que a regra contida no art. 10 do Código de

Processo Civil não se aplica às ações cujo bem esteja submetido ao regime

de separação absoluta, nos termos do art. 1.687 do Código Civil.

A lei não exige modo determinado para a formalização do consen-

timento, podendo este, assim, ser realizado por qualquer meio que alcance

a finalidade a que se destina, como por instrumento público, particular,

procuração ou subscrição da petição inicial por ambos os consortes. 1'1

Havendo recusa injustificada ou impossibilidade de qualquer um dos

cônjuges em conceder a autorização para a propositura da ação, o consorte

prejudicado poderá requerer a supressão judicial, procedimento que terá

por finalidade averiguar o motivo da recusa na outorga levando-se em

consideração o interesse da família. 138 Todavia, caso o juízo negue a outorga

recusada pelo outro cônjuge, faltará a capacidade processual e o processo

será invalidado, conforme preceitua o art.

11 do Código de Processo Civil.

Nas hipóteses de litisconsórcio necessário entre os cônjuges, o autor

138Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, p. 275. Esses autores afirmam que o consentimento apenas é exigido em se tratando de pessoas casadas. Em caso de sociedade de fato, não há necessidade de autorização do companheiro(a) para o ajuizamento da ação real imobiliária.

,s Idem, p. 278.

Page 136: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOdeverá, quando da elaboração da petição inicial, ter o cuidado de promover

a ação contra ambos os cônjuges, inclusive requerendo expressamente a

citação deles para figurarem no pólo passivo da ação, sob pena de o

processo não se formar validamente.

■i 5 . 1 . 3 CA P A C I D A D E P O S T U L A T Ó R I A

A capacidade postulatória compreende a aptidão para postular ou agir

diante do Poder Judiciário. É a capacidade inerente à pessoa do advogado,

que é aquele que representa a parte em juízo, agindo e postulando em nome

dela.

No sistema brasileiro, o ius postulandi é exercido exclusivamente por

advogados, pessoalmente; a parte não tem habilidade técnica para dirigir-se

ao Poder Judiciário e reclamar a proteção adequada ao seu direito. A

advocacia é função indispensável ao Estado Democrático de Direito,

elevada pela Constituição da República, nos termos de seu art. 133, à

condição de atribuição essencial à administração da justiça, nos seguintes

termos:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da

justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no

exercício da profissão, nos limites da lei.139

Em razão dessa indispensabilidade do advogado como pressuposto

processual de existência e desenvolvimento válido da ação é que o art. 36

do Código de Processo Civil dispõe que a parte será representada no

processo por advogado legalmente habilitado, dispensando o patrono

quando a parte que tiver habilitação legal postule em causa própria ou na

hipótese de não existir advogado na localidade ou estarem todos impedidos

do exercício da profissão.

A representação da União Federal, como afirmamos anteriormente, é

realizada pela Advocacia-Geral da União, composta por advogados

139 Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, p. 1.593. Ao comentar o art. 133 da Carta Maior, o autor cita a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal: "Advocacia e defesa das liberdades públicas: STF - 'A presença do advogado no processo constitui fato inequívoco de observância e respeito às liberdades públicas e aos direitos constitucionalmente assegurados às pessoas. É ele instrumento poderoso de concretização das garantias instituídas pela ordem jurídica' (STF. 1” T. Petição 1.127-9/SO. Rei. Min. limar Galvão, DJ, 01.04.1986, p. 9.817)".

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3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

admitidos à advocacia pública (art. 131 da CF) 140 por meio de concursos. O

mesmo ocorre com os estados-membros, o Distrito Federal e os municípios,

sendo seus advogados denominados de procuradores do estado, do Distrito

Federal e assim por diante. A capacidade postulatória dos advogados da

União e dos procuradores dos estados e municípios é outorgada por força

de lei quando são investidos nos cargos públicos.

Excepcionalmente, com a escusa de facilitar o acesso à “Justiça”, o

legislador houve por bem conferir capacidade postulatória às próprias

partes, nos processos em trâmite perante os juizados especiais, nos quais é

dispensada a presença do advogado nas causas de até vinte salários

mínimos (art. 9° da Lei n. 9.099/95); nas ações de alimentos, nas quais o

pretendente comparece aos cartórios e formula pretensão diante do

escrevente, sendo o pedido reduzido a termo e iniciada a ação sem a

presença do advogado (art. 2o da Lei n. 5.478/68);ls para a impetração de

habeas cor pus; ou em favor do empregado nos processos da Justiça do

Trabalho, admitindo-se a reclamação trabalhista verbal (art. 791 da CLT).

Com o devido respeito que merecem os entendimentos em sentido

contrário - inclusive a decisão do STF na ADIn 1.127 -, 141 entendemos que

são absolutamente inconstitucionais, por flagrante violação ao preceito

contido no art. 133 da Carta Maior, todos os dispositivos que admitem a

atuação em juízo da parte sem a presença do advogado, salvo a hipótese de

dispensa de advogado para a impetração do habeas corpus, vez que a

exceção encontra-se na própria Constituição. A esse respeito, a

Constituição é incisiva em afirmar que o advogado é indispensável à

administração da justiça, sem conter exceção a essa imprescindibilidade.

Nota-se que é a própria Constituição que determina como pressuposto

processual a presença do advogado em juízo, não estando instrumentos

infraconstitucionais autorizados a desobedecer a este comando supremo

para outorgar capacidade postulatória às próprias partes em casos

determinados.

140,7 "Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessora mento jurídico do Poder Executivo."

141O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade

1.127, deu a última palavra para declarar constitucionais (em conformidade com a

Constituição) os dispositivos que conferem capacidade postulatória às partes para

atuação nos juizados especiais e na Justiça do Trabalho.

Page 138: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO 5.2 A ADVOCACIA

Como mencionamos anteriormente, a advocacia é função essencial à administração da justiça, atividade essa exercida por bacharéis em direito, regularmente aprovados e inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (apenas estão habilitados ao exercício da advocacia os bacharéis inscritos na OAB, nos termos previstos no art. 3o da Lei n. 8.906/94).

Ressalte-se que são funções exclusivas do advogado a postulação perante os órgãos do Poder Judiciário e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica. O advogado atua no processo na qualidade de representante da parte, para total defesa e cuidado dos direitos e deveres de seu cliente, agindo judicialmente com a finalidade de obter um provimento jurisdicional favorável ao seu constituinte, gozando essa função de natureza pública e social nos termos fixados no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/94).

Os atos praticados por pessoas não inscritas na Ordem dos Advogados do Brasil ou por advogado que esteja suspenso ou impedido de exercer a profissão são considerados nulos.

■i 5 .2 .1 Dos Dire i tos e Deveres Bás icos

D O A D V O G A D O

O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, ins-tituído pela Lei n. 8.906/94 - que obriga toda a sociedade e não apenas os inscritos na OAB, por se tratar de uma Lei Federal - regula os direi tos e deveres dos advogados, com a imposição de mecanismos que asseguram a independência e o efetivo exercício da advocacia, bem como zela pela ética profissional e pelos direitos dos constituintes (partes).

São princípios fundamentais previstos no Estatuto da Advocacia: a independência técnica do advogado e a inexistência de hierarquia ou subordinação entre os advogados, magistrados e membros do Ministério Público. Nenhuma dessas funções encontra-se acima das outras, devendo todos - como determina a Lei n. 8.906/94 - tratar-se com urbanidade, respeito e consideração. O dever de consideração e respeito aos advogados estende-se, inclusive, às demais autoridades do Estado (servidores públicos e serventuários da justiça), que devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia.

Antes mesmo do advento do Estatuto, o art. 40 do Código de Processo Civil já assegurava alguns direitos aos advogados, como: o de examinar os autos em cartório (o que não é diferente para qualquer outra pessoa, já que os processos são públicos); obter, na qualidade de procurador nos autos, vistas do processo fora de cartório pelo prazo de cinco dias; retirar os autos de cartório pelo prazo legal sempre que lhe competir falar nos autos. A retirada dos autos de cartório somente poderá ocorrer quando o ato competir apenas a uma das partes; em se tratando de prazo comum, os autos devem permanecer em cartório para que todos os litigantes a eles

Page 139: Manual de Direito Processual Civil

PARTES E PROCURADORES 129

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

tenham acesso, salvo se as partes convencionarem em sentido contrário.Além dos direitos previstos no Código de Processo Civil, o art. 7 o da

referida Lei n. 8.906/94 dispõe sobre as seguintes prerrogativas da advocacia:

a) exercício da profissão com liberdade em todo o território nacional;b) respeito ao sigilo profissional, com a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, arquivos e dados, correspondência e comunicações (telefônica, fac-símile, e-mail etc.). A inviolabilidade do escritório apenas poderá ser excepcionada mediante ordem judicial para busca e apreensão de coisa determinada, devidamente acompanhada de representante da OAB;c) comunicação pessoal e reservada com o seu cliente, mesmo que se encontre preso;d) ingresso livre às salas de audiências, às salas de sessões dos tribu-nais (mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados), secretarias e cartórios onde deve ser praticado ato processual (dentro ou fora de expediente, e independentemente da presença de seus titulares), em assembléia ou reunião de que possa participar e que interesse ao seu cliente;e) permanecer em pé ou sentado e retirar-se de quaisquer locais indi-cados no item anterior mesmo sem pedir licença;f) dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas de audiências ou gabinetes de trabalho, independentemente de horário marcado ou outra condição;g) usar da palavra para invocar “pela ordem” em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção breve, para esclarecimento de equívoco ou dúvida, ou para replicar acusações ou censuras que lhe forem feitas;h) apresentar reclamações, verbais ou por escrito, contra abuso de poder, inobservância de preceito de lei, de regimento ou estatuto;i) examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário, Executivo ou Legislativo, autos findos ou em andamento (de processos, flagrantes ou inquéritos), mesmo sem procuração, quando não estejam sujei tos a sigilo, podendo o advogado tomar notas e requerer cópias; 142

142Sobre direitos e deveres dos advogados, conferir: Marco Antônio Araújo Júnior, Elementos do direito: ética profissional.

"Constitucional. Administrativo. Apelação em mandado de segurança. Cópia de documento de interesse pessoal. Direito do advogado à extração de cópias. Direito líquido e certo. Recusa. Ilegalidade. 1 - Nos termos do art. 5o, XXXIII e XXXIV, da Constituição Federal de 1988, é assegurado a todos a obtenção de cópias de documentos mantidos em repartições públicas necessários à defesa de seus direitos e ao esclarecimento de situações pessoais, sendo ilegal a recusa de seu fornecimento, salvo as hipóteses de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. 2 - São direitos, constitucionalmente assegurados aos advogados, 'ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais', bem como, 'mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias', nos termos do disposto no art. 7o, incs. XIII e XV, da Lei n. 8.906/94. 3 -

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO j) ter vistas dos processos judiciais ou administrativos de qualquer

natureza, e retirá-los, desde que tenha procuração;1) retirar autos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias (nessas duas hipóteses de retiradas dos autos, o direito ficará preju-dicado caso os processos corram sob segredo de justiça, contenham documentos originais de difícil restauração ou quando o advogado tenha deixado de devolver os autos no prazo legal em vez anterior);

m) ser desagravado publicamente quando ofendido no exercício de sua

profissão;

n) usar os símbolos privativos da profissão de advogado; o) recusar-se a

depor como testemunha em processo em que atuou ou deva atuar, ou sobre

Page 141: Manual de Direito Processual Civil

PARTES E PROCURADORES 131

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

fato relacionado com seus clientes; 143 p) retirar-se do recinto onde se

encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do

horário designado, ao qual não tenha comparecido a autoridade que deva

presidi-lo, mediante comunicação protocolizada em juízo; q) imunidade

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOprofissional contra os crimes de injúria e difamação, 144 quando do exercício

da profissão, salvo as sanções disciplinares em caso de excesso;

r) deverão ser instaladas em todos os juizados, fóruns, tribunais, de-

legacias de polícia e presídios salas especiais permanentes para os

advogados (para uso exclusivo da OAB e de seus inscritos).

Não obstante o extenso rol de direitos e prerrogativas da advocacia, os

advogados também estão sujeitos a deveres e obrigações de natureza

processual (art. 14 do CPC, a seguir estudado), ética e disciplinar (arts. 31 a

34 do Estatuto da Advocacia) e até mesmo de natureza civil (art. 668 do

Código Civil de 2002).

O Código de Processo Civil, conforme trataremos no próximo tópico,

impõe aos procuradores os mesmos deveres inerentes às partes no que

concerne à conduta leal e de boa-fé durante toda a condução do processo.

Por sua vez, o Estatuto da Advocacia determina que o advogado deve

proceder sempre de modo “que o torne merecedor de respeito e que

contribua para o prestígio da classe e da advocacia” (art. 31 da Lei n.

8.906/94), mantendo-se com independência e respeito aos demais pro-

fissionais do direito. Além disso, o advogado deve abster-se de: exercer a

profissão quando impedido; manter sociedade ou atividade contrária ao

Estatuto; utilizar agenciador de causas; assinar escritos ou documentos não

produzidos por ele ou com a sua participação; violar o sigilo profissional;

estabelecer entendimento com a parte contrária (ao advogado é vedado

comunicar-se com a parte contrária sem o consentimento do advogado

desta); prejudicar por culpa grave interesse que esteja patrocinando;

abandonar a causa sem motivo justo; recusar-se injustificada- mente a

prestar assistência jurídica; fazer publicar na imprenssa alegações forenses

a causas pendentes; interpretar ou citar lei, doutrina, jurisprudência,

depoimentos e documentos de forma a deturpá-los para causar confusão no

processo; fazer imputação a terceiros de fato tido como crime sem a

autorização do cliente; deixar de cumprir os prazos e determinações

judiciais; receber ou solicitar importância de cliente para fins desonestos;

receber valores da parte contrária ou de terceiros, sem expressa autorização

do cliente; enriquecer à custa do cliente ou da parte adversa; recusar-se a

prestar contas de - e reter ou extraviar - documentos ou autos recebidos

com vistas ou em confiança; deixar de pagar as contribuições, multas e

Page 143: Manual de Direito Processual Civil

PARTES E PROCURADORES 133

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

taxas devidas à Ordem dos Advogados do Brasil, e incidir em erros

reiterados que evidenciem falta de aptidão profissional; manter conduta

incompatível com a advocacia (prática de jogos de azar, incontinência

pública e escandalosa, embriaguez ou toxicomania habituais); fazer prova

falsa para inscrever-se na OAB, tornar-se moralmente inidôneo; praticar o

estagiário atos que excedam aos seus poderes.

A Ordem dos Advogados do Brasil instituiu, por meio de seu Conselho

Federal, o Código de Ética e Disciplina profissional, fixando as condutas

Page 144: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOfundamentais do advogado (e o dever de urbanidade) 145 no exercício da

profissão e nas relações com o cliente, e quanto ao sigilo profissional, à

publicidade e aos honorários profissionais.

Além disso, na qualidade de mandatário, o advogado tem a obrigação

de prestar contas aos seus clientes, com a demonstração da administração e

representação dos bens e direitos alheios, repassando ao constituinte o

resultado e as vantagens advindos da representação (art. 1.301 do

CC/1916) - art. 668 do CC/2002.

M 5.2.2 DO INSTRUMENTO DE MANDATO

O advogado atua no processo na qualidade de representante da par te,

praticando atos em nome desta, em típica atividade de representação ou

mandato.2'1 Nos termos da legislação civil, o mandato representa o ato

jurídico pelo qual alguém recebe poderes de outrem para, em seu nome,

praticar atos e administrar interesses.

Assim, o advogado recebe de seu cliente o mandato para agir em juízo

ou fora dele, mas sempre na condição de representante do constituinte e em

defesa de seus interesses.

O ingresso do advogado na ação, na qualidade de mandatário da parte,

necessita da comprovação efetiva do mandato outorgado, sendo

indispensável a juntada da procuração aos autos do processo para fazer

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PARTES E PROCURADORES 135

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

prova dos poderes recebidos do constituinte, 146 como determina o art. 37 do

Código de Processo Civil.

O referido art. 37, cumulado com o art. 5o, § Io, do Estatuto da

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOAdvocacia,147 autoriza ao advogado praticar no processo atos que reputar

urgentes mesmo sem a exibição do instrumento de mandato, obrigando-se a

apresentá-lo no prazo de quinze dias, prorrogáveis por mais quinze dias

mediante decisão judicial.O protesto pela juntada de instrumento de procuração nos primeiros

quinze dias que sucedem ao ato independe de demonstração da urgência ou decisão judicial. No entanto, caso o advogado não promova a exibição da procuração (ou não requeira a prorrogação), todos os atos praticados serão

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PARTES E PROCURADORES 137

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

tidos como inexistentes.148

Necessariamente, as procurações deverão conter: a qualificação completa do outorgante; os nomes e as qualificações dos outorgados e os poderes transmitidos no instrumento.

O mandato conferido ao advogado pode conter poderes gerais, que o habilitam para a prática dos atos comuns do processo, e poderes especiais, que admitem a realização de atos que, a princípio, seriam de competência da própria parte.

A procuração conferida aos advogados habilita-os para atuação em juízo ou fora deste, denominada de procuração ad judicia (para representação em juízo) ou procuração ad judicia et extra (para mandato em juízo e fora dele). Como regra, a cláusula ad judicia confere aos advogados poderes para o foro em geral, para que possa ingressar com a ação ou apresentar defesa, realizar atos processuais, enfim, praticar todos os atos processuais que competem aos patronos, exceto aqueles em que a lei exige poderes especiais.

Dada a sua relevância, alguns atos processuais, como receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir (fazer acordo), desistir da ação, renunciar ao direito sobre o qual se baseia a ação, firmar compromisso, receber e dar quitação, dependem de poderes especiais para que possam ser praticados pelo advogado no lugar da parte. Os poderes especiais não estão incluídos na cláusula geral ad judicia.

Dessa forma, para a prática dos atos anteriormente mencionados, o advogado necessita de poderes especiais (os poderes gerais e especiais serão previstos na mesma procuração). Os poderes gerais são implíci tos e próprios da procuração ad judicia, no entanto, os poderes especiais devem constar expressamente no instrumento, caso sejam necessários à atuação do profissional.

Ressaltamos que o advogado deve ter cuidado com a inclusão dos poderes especiais nas procurações. Muitos profissionais, fazendo uso de modelos genéricos, recebem os poderes especiais sem necessidade e, no futuro, acabam prejudicando seus clientes por atos desastrosos com tais poderes.

Outra questão relevante acerca da procuração é quanto a sua for-malidade. A lei processual, em seu art. 38, afirma que a procuração pode ser conferida por instrumento público, realizado perante oficial de cartório, ou mesmo por meio de instrumento particular, elaborado e assinado pelos próprios interessados.

Nesse ponto, surgem as seguintes indagações: é necessário o reco-nhecimento da assinatura do outorgante por oficial público (firma reconhecida por oficial de cartório)? Por se tratar de um ato jurídico, deve a procuração ser subscrita por testemunhas?

Certamente a resposta é negativa para as duas indagações. Em primeiro lugar, pelo fato de a procuração ad judicia tratar-se de uma espécie diferenciada de mandato, prevista basicamente no Código de Processo Civil e no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOBrasil - EAOAB, que não prevêem a necessidade de reconhecimento de

firma ou assinatura de testemunhas.

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3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

Outra formalidade exigida pelo Código Civil de 1916, que também não foi contemplada no ordenamento processual, seria a obrigatoriedade de instrumento público quando o mandato for outorgado por menores púberes (aqueles com idade entre dezesseis e vinte e um anos), que dependem de assistência do representante legal; tanto o outorgante relativamente incapaz como o seu representante legal assinam a procuração.

Da mesma forma, entendemos que o Código de Processo Civil, em seu art. 38, ao fixar alternatividade entre o instrumento público ou particular para o mandato inerente à cláusula ad judicia, não exigiu que as procurações dos relativamente incapazes fossem conferidas por meio de

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOinstrumento público,150 não podendo prevalecer o disposto no art. 1.289 do

antigo Código Civil, por se tratar de lei anterior e genérica.Todavia, com o advento do novo Código Civil, em especial pela

redação do art. 692, acreditamos que a controvérsia anterior não mais prevalece, já que prevê expressamente que o mandato judicial fica su-bordinado às normas especiais sobre a matéria (CPC e EAOAB).

Cumpre observar, ainda, que a transferência a outrem dos poderes recebidos pelo advogado pode ser realizada por meio de substabeleci- mentos. Por exemplo, caso novos advogados ou estagiários necessitem ingressar no processo (seja qual for o motivo), o advogado já consti tuído substabelecerá poderes aos novos patronos para que possam representar o outorgante.

Assim, podemos afirmar que o substabelecimento é o instrumento de transferência dos poderes recebidos por mandato.

O substabelecimento pode ser:

a) com reservas de poderes, pelo qual aquele que substabelece mantém os

poderes recebidos do cliente constituinte. Com essa modalidade de

substabelecimento, aquele que substabelece transfere para outrem os

poderes que recebeu, mas permanece no processo com os poderes

originariamente recebidos;

b) sem reservas de poderes, instrumento pelo qual o advogado que

substabelece transfere todos os poderes que recebeu, sem permanecer

constituído - trata-se de uma espécie de renúncia do advogado. O

advogado transfere todos os poderes sem resguardá-los para si e,

portanto, cessam em relação a ele os poderes originariamente

outorgados pelo cliente.

Na verdade, o substabelecimento sem reservas equivale à renúncia do advogado aos poderes que recebeu, fazendo cessar o mandato original. Assim, em caso de substabelecimento sem reservas de poderes, o advogado deverá dar ciência prévia e inequívoca ao seu cliente, conforme determina o art. 24, § Io do Código de Ética e Disciplina.

Além disso, outra questão relevante é a possibilidade de substabe-lecimento conferido aos estagiários. Nesse caso, os advogados apenas poderão conferir aos seus estagiários substabelecimentos com reservas de poderes, para o fim de permitir a atuação desses estudantes com a supervisão e em conjunto com o próprio advogado constituído (§ 2 o do art. 3o do EAOAB).

Por fim, o instrumento de mandato pode ser extinto pela renúncia do

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3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

advogado ou pela destituição ou revogação manifestada pelo cliente. O

advogado pode a qualquer momento e sem justificativa renunciar aos

poderes recebidos, bastando dar ciência inequívoca e expressa ao cliente

constituinte, e permanecendo no processo pelo prazo de dez dias ou até que

seja constituído novo patrono, o que ocorrer primeiro, para o fim de evitar

grave prejuízo ao processo (art. 5o, § 3o, do EAOAB). A revogação ou

destituição provocada pelo cliente também deverá ocorrer por manifestação

expressa dirigida ao advogado.

5.3 DEVERES GERAIS DAS PARTES

E DOS PROCURADORES

A qualidade de parte impõe aos indivíduos que integram o processo faculdades, obrigações, ônus e poderes relativos à própria relação jurídica processual e aos demais sujeitos que a integram. Justamente por se tratar de uma relação jurídica, o processo gera efeitos efeitos (direitos e obrigações) em relação aos seus sujeitos.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO O professor Humberto Theodoro Junior, ao discorrer 151 acerca dos

efeitos da relação processual, distingue direitos, obrigações, deveres e ônus processuais. Em relação aos direitos, cita como principais o direi to de ação e de defesa das partes, decorrendo desses direitos todos aqueles relativos ao devido processo legal.

Por obrigações processuais entende-se o vínculo jurídico que sujeita a parte a arcar com prestações pecuniárias ou de valor econômico, como as despesas processuais (custas e taxas judiciárias).

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3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

Na distinção traçada por Theodoro Junior 152 os deveres processuais compreendem as outras prestações, aquelas desprovidas de natureza econômica ou pecuniária, como o dever das partes de agir no processo com lealdade e boa-fé.

Por sua vez, os ônus processuais são faculdades atribuídas às par tes, não obrigam ao efetivo cumprimento, mas, quando da inércia, podem acarretar prejuízos à parte, como a perda de uma capacidade processual (uma preclusão). É exemplo clássico de um ônus processual a faculdade que o réu tem de se defender. Nota-se que a lei confere ao demandado a oportunidade para apresentar sua contestação, mas caso não queira ele exercitar esse direito, ninguém poderá forçá-lo a isso. No entanto, o descumprimento desse ônus poderá acarretar prejuízo ao réu, o gravame de ser considerado revel (com a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor).

■i 5 .3 .1 D E V E R E S D A S P A R T E S E D O S P R O C U R A D O R E S

O Código de Processo Civil, ao dispor acerca dos deveres processuais - estendendo-se a todos que participam da relação jurídica processual - em seu art. 14, dispõe que os sujeitos do processo devem:

a) expor os fatos em juízo conforme a verdade, abstendo-se de mali-ciosamente alterarem a verdade dos fatos com o intuito de levarem o juízo e a parte adversa a erro;b) proceder com lealdade e boa-fé;c) não formular pretensões ou defesas cientes da falta de fundamento;d) abster-se de praticar atos inúteis ou desnecessários no processo;e) cumprir com exatidão os provimentos mandamentais, não criando

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO embaraços à efetivação de provimentos judiciais de qualquer

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PARTES E PROCURADORES 145

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

natureza.153

O ordenamento processual determina às partes e aos demais sujei tos do processo que procedam com lealdade e boa-fé, utilizando-se das técnicas jurídicas de forma honesta e para obtenção de fins legais, sem se valerem do processo para protelar ou frustrar direito alheio.

Por sua vez, o art. 15 do Código de Processo Civil determina que as partes e seus procuradores

devem tratar-se com urbanidade e respeito, sem a utilização de expressões injuriosas ou que comprometam

a dignidade da pessoa envolvida no litígio. Em alguns casos, normalmente quando as partes ou seus

procuradores se apaixonam pela causa litigiosa, passam eles a fazer ofensas pessoais uns aos outros,

hipóteses em que é dever do magistrado - já que é ele que preside o processo e seus atos - advertir as

partes, determinar que se retirem dos autos (se apaguem ou risquem) as ofensas, ou ainda cassar a

palavra de parte ou patrono que tornar a perder a civilidade.

Além das repressões processuais à falta de urbanidade, o magistrado deverá comunicar o fato à

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

entidade de classe ou à autoridade competente (Ordem dos Advogados do Brasil,154 Ministério Público,

corregedo- rias etc.) para que promovam as sanções disciplinares administrativas cabíveis ao infrator.

A legislação processual também é cautelosa em dispor acerca das condutas das partes ou dos

procuradores que possam importar em deslealdade processual ou litigância de má-fé, nestes termos:

Art. 17. Reputa-se litigância de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou

fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV- opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do

processo;

VI - provocar incidentes manifestalmente infundados;VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Como se vê, a legislação processual relaciona as condutas entendidas como litigância de má-fé para

coibir a errônea e astuta utilização de técnicas e institutos do processo civil para fraudar ou iludir

direito alheio, servindo de exemplo, a protelação do processo com a interposição de recursos infundados,

formulação de pretensões descabidas ou que não se relacionem com o objeto da demanda, requerimentos para

prática de atos inúteis ao fim a que se destina o processo etc.

A prática de ilícitos processuais, como a litigância de má-fé, gera a imposição de multa pela

falta de lealdade processual à parte desleal, em valor não excedente a 1% sobre o valor da causa. Além

da multa, a parte ou o advogado poderão ser condenados ao pagamento de indenização à parte lesada pela

má-fé, sendo essa indenização arbitrada pelo juiz em valor equivalente a até 20% sobre o valor da causa,

bem como ao pagamento dos honorários advocatícios e demais despesas processuais desembolsadas pela parte

lesada em razão da malícia de seu adversário.

Na reforma introduzida pela Lei n. 10.358/2001, foi introduzido o parágrafo único ao art. 14 para

determinar a aplicação de multa, em valor não superior a 20% sobre o valor da causa, às autoridades e

aos demais indivíduos (ressalvados os advogados que estão sujeitos ao EAOAB) que descumprirem

provimentos mandamentais ou que opuserem resistência à efetivação de ordens judiciais, sem prejuízo das

sanções penais, civis e processuais cabíveis.

E mais, por se entender que o descumprimento à ordem judicial configura ato atentatório ao

exercício da jurisdição - como é óbvio, pois o mínimo que se espera em um Estado Democrático de Direito

é que se respeitem as decisões judiciais -, a multa será devida ao final do processo, independentemente

de seu resultado, e revertida em favor da União ou dos estados, dependendo do órgão jurisdicional em que

se encontrar o processo.

Outras hipóteses de litigância de má-fé, que na prática derivam todas dos arts. 14 e 17 do Código

de Processo Civil, estão previstas em outros dispositivos, como é o caso, por exemplo, do art. 538,

parágrafo único, que prevê multa para coibir a oposição de embargos de declaração protelatórios, ou

ainda a imposição de multa (art. 620 do CPC) para coibir no processo de execução a prática de atos

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PARTES E PROCURADORES 147

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

atentatórios à dignidade da justiça (fraude à execução, emprego de meios artificiosos, resistência

etc.).

Não obstante a severidade empregada no Código de Processo Civil, na prática forense é muito comum

assistirmos aos artifícios das partes para frustrar o resultado útil do processo (recusando-se ao cum-

primento de ordens judiciais, interpondo recursos protelatórios, alienando ou ocultando bens litigiosos

etc.)> sem que o Judiciário aplique as penalidades fixadas na lei.

M 5 . 3 . 2 O B R I G A Ç Õ E S D A S P A R T E S :D E S P E S A S P R O C E S S U A I S

Como regra, a atividade jurisdicional não é um serviço pút>lico gratuito do Estado, mas,

necessariamente, apenas se desenvolve após desembolso de custas e taxas judiciárias pelas partes

interessadas em relação aos atos que realizarem no processo.

Dessa forma, quando da realização dos atos processuais, cada parte antecipará o pagamento das

custas e despesas processuais para a efetivação dos atos que lhe incumbem.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

No processo, a título de exemplo,155'1 a parte autora deverá recolher custas iniciais quando da

propositura da ação, taxas pela juntada de procurações aos autos, preparo e porte de remessa e de

retorno35 quando da interposição de recursos, honorários de perito e assistentes técnicos, custas para o

transporte dos oficiais de justiça para que possam cumprir suas diligências etc., dependendo do disposto

nas Leis de Organização Judiciária de cada estado-membro, normas do Conselho Superior da Magistratura ou

nos regimentos dos tribunais.

As despesas serão providas, como regra, pela parte que requereu o ato processual. Cada parte

deverá adiantar as despesas dos atos que pretender praticar. No entanto, se o ato for determinado de

ofício pelo juízo ou por requerimento do Ministério Público, as despesas serão desembolsadas pela parte

autora.

A legislação processual utiliza-se do termo “adiantamento” para fazer referência às despesas

processuais. Isso ocorre pelo fato de que, no final da ação, a parte vencedora tem o direito de ser

reembolsada pela parte vencida por todas as despesas que adiantou no processo (incluindo os gastos nos

incidentes processuais, indenizações de viagens, diárias de testemunhas, remuneração do assistente

técnico, conforme § 2o do art. 20 do CPC), como forma de indenização pelos pre- juízos experimentados em

razão da ação ou resistência indevida. O causador do processo indevido ou da resistência infundada deve

responder pelas despesas da parte inocente.

Além disso, é importante frisar que a concessão dos benefícios da assistência judiciária

gratuita, nos termos da Lei 1.060/50, isenta a parte de adiantar as despesas processuais.

Em relação às Fazendas Públicas e ao Ministério Público, o art. 27 do Código de Processo Civil

prevê que as despesas processuais requeridas por esses sujeitos serão pagas ao final pela parte vencida.

Assim, pela redação do mencionado artigo, o Ministério Público e as Fazendas Públicas não estão

obrigadas ao adiantamento das despesas processuais.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça tem proferido decisões restringindo o alcance do art.

27 do Código de Processo Civil, para limitar a isenção das Fazendas apenas em relação às custas devidas

ao próprio Estado (taxas judiciárias), mas impondo o dever de adiantar as despesas com perícia,

deslocamento de oficiais de justiça, registros etc.36

Por outro lado, além de impor à parte vencida o dever de indenizar a vencedora pelas despesas

processuais adiantadas, a sucum- bência também impõe ao vencido a obrigação de pagamento de honorários

advocatícios ao patrono da parte vencedora, em valor que será fixado pelo juiz, como determina o art. 20

do Código de Processo Civil.

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor

as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa

verba honorária será devida, também, nos casos em que o

advogado funcionar em causa própria.

O art. 20 impõe ao juiz o dever de incluir na sentença a condenação da parte vencida ao pagamento do reembolso das despesas processuais adiantadas pela vencedora, bem como o pagamento de honorários advocatícios ao advogado vencedor da causa. O juiz deve impor a condenação mencionada mesmo que a parte

não tenha pedido, ou seja, ex officio.Os honorários de sucumbência são devidos independentemente dos honorários contratados entre a

parte e seu procurador, tendo a condenação arbitrada pelo juiz valor equivalente entre 10 e 20% sobre o valor da condenação imposta à parte vencida, observando-se o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e o tempo despendido para isso.37

Contudo, em se tratando de causas de pequeno valor (ou valor inestimável), bem como quando não

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3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

houver condenação,156 for vencida a Fazenda Pública ou nos processos de execução, o juiz poderá fixar a condenação de honorários de sucumbência em valor diverso daquele previsto no § 3o do art. 20 do Código Processual Civil, utilizando-se do bom senso e com observância das condições individuais da causa (como

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOa conduta profissional do advogado, o grau de complexidade da ação etc.).157

A esse respeito, o art. 23 do EAOAB determina que os honorários advocatícios incluídos na condenação da parte vencida pertencem exclusivamente ao advogado, podendo este, inclusive, promover ação de execução para recebimento do referido crédito.

Finalmente, surge a seguinte questão: como serão fixados os honorários advocatícios se houver

sucumbência recíproca?

Na ocorrência de sucumbência recíproca, quando cada parte for vencida e vencedora na ação em

proporções equivalentes (por exemplo, quando o autor pede cem e o juízo condena o réu a pagar cinqüenta,

há procedência parcial da pretensão), cada parte arcará proporcionalmente com as despesas que

desembolsou e com o pagamento dos honorários advocatícios. No exemplo citado, cada parte decaiu de

metade de sua pretensão, portanto, as depesas serão divididas na mesma proporção. O art. 21 do Código de

Processo determina que, no caso de sucumbência de ambas as partes, as despesas e os honorários serão

recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre as partes.

Todavia, se a sucumbência da parte for mínima em relação àquilo que a parte demandou em juízo, a

outra parte continuará obrigada ao pagamento integral de custas e honorários advocatícios, nos termos do

parágrafo único do referido artigo.

Por fim, cumpre destacar que o ônus da sucumbência, nos termos do art. 20 do CPC, não se aplica

nas seguintes situações:

a) Em favor do segurado, nas ações acidentárias. Nas ações relativas a acidente do trabalho

(aquela em que se pleiteia benefício previ- denciário), caso a parte autora seja vencida, não

haverá a condenação ao pagamento das custas e honorários advocatícios;40

b) Nas ações de mandado de segurança. A Súmula n. 105 do Superior Tribunal de Justiça e a Súmula

n. 512 do Supremo Tribunal Federal pacificaram o entendimento no sentido de que não cabe a conde-

nação em honorários advocatícios de sucumbência nas ações de mandado de segurança. No entanto, a

jurisprudência tem admitido a condenação do vencido ao reembolso das custas processuais adiantadas

pelo vencedor;41

c) Na ação civil pública. O art. 18 da Lei n. 7.347/85 determina que nas ações civis públicas não

haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas pro-

cessuais, nem a condenação da associação autora ao pagamento de honorários advocatícios de

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PARTES E PROCURADORES 151

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

sucumbência, salvo se houver má-fé.'158 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se

manifestado no sentido de que a isenção prevista no referido artigo é restrita à parte autora da

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ação, não se estendendo ao pólo passivo.159 Note-se que a imposição do ônus da sucumbência

dependerá da comprovação da má-fé da parte autora (para as entidades associativas) na propositura

da ação civil pública. Comprovada a má- fé, o art. 17 da Lei da Ação Civil Pública determina que a

associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação, responderão solidariamente

pelo pagamento de honorários advocatícios de sucumbência e ao décuplo das custas processuais, sem

prejuízo de responsabilização por perdas e danos;

d) Nas ações populares. O autor da ação popular está isento do pagamento das custas processuais e

honorários advocatícios de sucum- bência, salvo se provada a sua má-fé, nos termos do art. 5o,

LXXIII da Constituição da República;

e) Nas execuções contra a Fazenda Pública, quando não embargadas, não incidirão honorários

advocatícios de sucumbência. Proposta uma execução contra a Fazenda Pública, uma vez que ela está

impossibilidade de fazer o pagamento espontaneamente da sentença condenatória, não incidirão

honorários advocatícios se a Executada não opuser embargos do devedor, nos termos do art. Io-D da

Lei n. 9494/97;'1'1

f) Parte beneficiária da Justiça Gratuita. Casa a parte tenha sido favorecida com os benefícios

da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei n. 1060/50, ficará isenta de adiantar as

despesas processuais que lhe forem incumbidas no processo. No entanto, caso saia vencida na ação,

o juiz deverá condenar a parte ao dever de restituir à outra as despesas adiantadas, bem como ao

pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência. Todavia, enquanto durar o estado de pobreza

ficará suspensa a exigibilidade de tal condenação.

5.4 A ADVOCACIA PÚBLICA

A advocacia pública, prevista nos arts. 131 e 132 da Constituição da República, refere-se aos

advogados ou procuradores que exercem a defesa das pessoas jurídicas de direito público.

A Advocacia-Geral da União é a instituição de âmbito federal, portanto com atuação em todo o

território nacional, incumbida da defesa judicial ou extrajudicial da União Federal, inclusive com

atribuições de consultoria jurídica e prestação de assessoramento ao Poder Execu- tivo. A Advocacia-

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PARTES E PROCURADORES 153

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

Geral da União é formada por procuradores admitidos por meio de concursos públicos de provas e

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

títulos.160

Por sua vez, determina a Constituição que a Advocacia-Geral da União seja chefiada pelo advogado-geral da União, jurista esse nomeado livremente pelo presidente da República entre cidadãos maiores de 35 anos, com notório saber jurídico e dotado de reputação ilibada.

A Constituição também conferiu defensores para os estados- membros. Assim, os estados da Federação, nos termos de suas Constituições, terão suas defesas judiciais e consultorias jurídicas realizadas por procuradores do estado (chefiados pelo procurador-geral do estado).

5.5 SUBSTITUIÇÃO DAS PARTES

Quando da elaboração da petição inicial e da propositura da ação, é o autor que determina, com

observância, na legitimidade ad causam, da capacidade de ser parte e da capacidade processual, os indivíduos que ocuparão os pólos da demanda. Dessa forma, uma vez citado o réu, ocorrerá o denominado

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PARTES E PROCURADORES 155

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

“princípio da estabilidade subjetiva da lide (perpetuatio legitimationis)”,161 fixando os elementos subjetivos do processo, os quais, como regra, figurarão até o encerramento da ação (art.41 do CPC).

No entanto, a regra da perpetuatio legitimationis pode sofrer exceções, como ensina José

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOFrederico Marques,162 e a mudança subjetiva na ação pode ser meramente formal ou mesmo material. Havendo

mudança formal, a parte continua sendo a mesma, operando-se apenas mudança em seu estado de capacidade, como quando o menor atinge a maioridade, ou cessam a incapacidade e a representação. O contrário ocorre com a mudança material da parte, que na realidade é sucedida por outra pessoa - é o caso, por exemplo, do cessionário que adquiriu o bem litigioso, que sucederá ao alienante na ação, ocupando o seu lugar.

Assim, podemos afirmar que no processo civil se admitem, excepcionalmente, as seguintes modalidades de alteração subjetiva da lide:

a) morte ou perda da capacidade processual da parte;

b) alienação do bem litigioso;

c) intervenção de terceiros.

M 5 . 5 . 1 SUBSTITUIÇÃO POR MORTE OU P E R D A

DA CAPACIDADE PROCESSUAL DA PARTEÉ preceito contido no ordenamento civil a regra segundo a qual a personalidade civil das pessoas

físicas inicia-se com o nascimento (apesar da proteção legal do nascituro) e extingue-se com a morte. Dessa forma, o falecimento de qualquer uma das partes gera o desaparecimento de um dos elementos indispensáveis para o prosseguimento válido do feito, importando na obrigatoriedade de sua substituição pelos sucessores indicados na Lei Civil.

Ocorrendo a morte de qualquer uma das partes, o juiz determinará a suspensão do processo - já que falta à relação pressuposto de capacidade subjetiva - até que o espólio ou os sucessores (herdeiros) da parte falecida venham integrar a lide, ocupando o lugar da parte morta.

Nesse ponto, é importante consignar que a substituição apenas poderá ocorrer quando o direito litigioso admitir transferência de titularidade, pois, em se tratando de direitos personalíssimos e intransmis- síveis por expressa disposição legal, a ação deverá ser extinta sem o julgamento do mérito (art. 267, IX, do CPC). Por exemplo, seria o caso da ação de divórcio, pois, falecendo qualquer um dos cônjuges, o direito de dissolução do casamento não se transmite aos sucessores, sendo a ação extinta sumariamente.

Por outro lado, verifica-se a substituição em razão da perda da capacidade processual da parte, como citamos anteriormente, hipótese de mera substituição formal, já que a parte é mantida no pólo da ação, operando-se tão-somente a regularização de sua representação processual.

H 5 . 5 . 2 S U B S T I T U I Ç Ã O D E C O R R E N T E D A A L I E N A Ç Ã O

D O B E M L I T I G I O S OImaginemos o seguinte exemplo: A promove ação em face de B para reivindicar determinado veículo,

e ocorre que, após devidamente citado, o réu resolve vender o referido carro para C. Nota-se que B alie-nou o bem a C, assumindo este a qualidade de cessionário do bem litigioso.

Assim, com a alienação do bem litigioso, haverá substituição processual? O cessionário C poderá ocupar a posição na lide anteriormente exercida por B.

Pela regra prevista no art. 42 do Código de Processo Civil, a alienação da coisa litigiosa, por ato entre vivos e a título particular, não altera a legitimidade das partes, permanecendo no pólo da ação a parte que alienou o bem litigioso, confirmando a autonomia do processo em relação ao direito material.

Todavia, a regra do caputdo art. 42 é excepcionada pelo comando que admite a substituição da parte alienante pelo adquirente ou cessionário do bem litigioso, quando a parte contrária consentir (art. 42, § Io, do CPC). Não havendo a autorização da parte contrária para a substituição, o adquirente

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PARTES E PROCURADORES 157

3 Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003.

apenas poderá intervir no processo na qualidade de assistente163 da parte que alienou o bem.Mesmo que não ocorra a substituição da parte pelo adquirente, este será atingido pelos efeitos da

sentença do processo, uma vez que, realizada a citação, o bem jurídico é tido por litigioso e, conseqüentemente, qualquer ato de alienação da coisa será considerado ineficaz em relação ao processo e

às partes originariamente estabelecidas pela per- petuatio legitimationis.

■ i 5 . 5 . 3 I N T E R V E N Ç Ã O D E T E R C E I R O SOutra forma de alteração nos sujeitos que integram a relação jurídica processual ocorre nas

hipóteses de intervenção de terceiros que, em alguns casos, têm o poder de substituir a parte ré por pessoa estranha à lide (como ocorre na nomeação à autoria), ou mesmo para admitir no processo atos de indivíduos que não integravam a lide original (aquela existente quando foi proposta ou no momento da citação do réu), como ocorre com a denunciação da lide, a oposição e o chamamento ao processo, institutos que estudaremos nos capítulos seguintes.

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158

L I T I S C O N S Ó R C I O

Hipótese em que segurado enfrentou a recusa do INSS em fornecer-lhe cópias do processo administrativo, onde pleiteava a concessão de benefício previdenciário a caracterizar ofensa a direito líquido e certo a ser resguardado através do mandado de segurança (TRF, 3a Região, 5a T., RE em MS n. 224195, rei. Des. Suzana Camargo, j. 27.05.2003, v.u)

143 "Art. 7o. (...) XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional. “

144 O crime de desacato foi excluído quando do julgamento da ADIn n. 1.127-8.145 Código de Ética e Disciplina: "Art. 44. Deve o advogado tratar o público, os

colegas, as autoridades e os funcionários do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual tratamento e zelando pelas prerrogativas a que tem direito. Art. 45. Impõe-se ao advogado lhaneza [lisura], emprego de linguagem escorreita e polida, esmero e disciplina na execução dos serviços".

146 A procuração é o meio pelo qual o mandato se concretiza. O ato jurídico é o

mandato, mas a sua efetivação se faz por meio da procuração. A procuração é o

instrumento de mandato (não é correto falar-se em instrumento de procuração).147 "Art. 5o 0 advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do

mandato. § 1o 0 advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período."

148 "Postulação sem mandato. É admissível, nas hipóteses do art. 37 do CPC (idem, Lei n. 4.215/63). Compete, todavia, ao advogado exibir o instrumento de mandato no prazo de quinze dias, 'independentemente de qualquer ato judicial ou manifestação da autoridade judiciária'. Não o tendo exibido, nem requerido a prorrogação por outros quinze dias (aí sim, exige-se a manifestação do juiz), acertado o acórdão que, neste caso, não conheceu dos embargos de declaração." (STJ, 3" I, REsp n. 23.877-1, rei. Min. Nilson Naves, j. 22.09.1992, v.u.)

149 "Processo civil. Procuração judicial. Poderes gerais para o Foro e Especiais. Art. 38, CPC. Reconhecimento de firma. Desnecessidade. Presunção de veracidade. Precedente da150Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça. Recurso desprovido. I - O art. 38, CPC, com a redação dada pela Lei n. 8.952/94, dispensa o reconhecimento de firma nas procurações empregadas nos autos do processo, tanto em relação aos poderes gerais para o foro (cláusula ad judicia), quanto em relação aos poderes especiais (et extra) previstos nesse dispositivo. Em outras palavras, a dispensa do reconhecimento de firma está autorizada por lei quando a procuração ad judicia et extra é utilizada em autos do processo judicial. II - A exigência ao advogado do reconhecimento da firma da parte por ele representada, em documento processual, quando, ao mesmo tempo, se lhe confia a própria assinatura nas suas manifestações sem exigência de autenticação, importa em prestigiar o formalismo

Page 169: Manual de Direito Processual Civil

LITISCONSÓRCIO 159

66.1 DEFINIÇÃO DE LITISCONSÓRCIO

Por litisconsórcio entende-se a pluralidade de partes em um ou em ambos os pólos da relação jurídica processual.164

Na realidade, o litisconsórcio revela-se uma verdadeira espécie de cumulação subjetiva de ações,165 já que são reunidas em um único processo diversas ações que poderiam, em tese, ser propostas separadamente. É o caso de um acidente de veículo provocado por alguém contra diversas pessoas: cada uma das vítimas poderia promover ação independente em face do causador do dano, mas, se quiserem, será possível a proposi- tura, em um único processo, das pretensões de todos os ofendidos, no qual atuarão em litisconsórcio no pólo ativo.

em detrimento da presunção de veracidade que deve nortear a prática dos atos processuais e o comportamento dos que atuam em juízo. III - A dispensa da autenticação cartorária não apenas valoriza a atuação do advogado como também representa a presunção, relativa, de que os sujeitos do processo, notadamente os procuradores, não faltarão com os seus deveres funcionais, expressos no próprio Código de Processo Civil, e pelos quais respondem." (STJ, 4a T., REsp n. 264228/SP, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 05.10.2000, v.u.)

79 "Advogado. Procuração ad judicia em que figuram como outorgantes menores púberes, com assistência da mãe, lavrada por instrumento particular. Pretendida contrariedade ao art. 1.289 do Código Civil, por inobservância da Exigência de instrumento público. Alegação rejeitada ante a existência de normas específicas, não restritivas, quanto ao mandato ad judicia. Recurso especial pela letra a não conhecido." (STJ, 5“ T., REsp n. 25482/SP, rei. Min. Assis Toledo, j. 15.03.1993, v.u.)

151 Curso de direito processual civil, p. 63-4.152jurídico em relação ao interesse em jogo no processo. Já, com referência às obrigações e deveres processuais, a parte não tem disponibilidade, e pode ser compelida coercitivamente à respectiva observância, ou sofre uma sanção equivalente".

153 Trata-se do inc. V do art. 14 do CPC acrescentado pela Lei n. 10.358/2001. Entendemos tratar-se de um comando inerente à própria atividade jurisdicional, pois, como citamos anteriormente, a jurisdição tem poder coercitivo para fazer cumprir as suas decisões, atos estes que devem ser respeitados imediatamente, sem nenhuma oposição ou resistência.

154 O Código de Ética e Disciplina dispõe acerca do procedimento disciplinar: "Art. 51. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante representação dos interessados, que não pode ser anônima".

A Súmula n. 178 do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, nas ações acidentarias (em que se pleiteia benefício em razão de acidente do trabalho), em trâmite na Justiça Estadual, o INSS não goza de isenção das custas e despesas processuais.

Outra exceção foi estabelecida na Súmula n. 190 do Superior Tribunal de Justiça, que admite o dever da Fazenda Pública, nas ações de execução fiscal em trâmite na Justiça Estadual, ao adiantamento das despesas com o transporte dos oficiais de justiça.

Reiterados acórdãos também determinam o dever das Fazendas de adiantar as despesas com perícias, como se vê: "Processual Civil. Despesas. Perícia. Fazenda Pública. Adiantamento. Firmou-se entendimento,na egrégia 1a Seção, de que a Fazenda Pública e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas dos atos processuais, inclusive as referentes a realização de perícia. Recurso Provido." (REsp n. 43.617/SP, rei. Min. Garcia Vieira, j. 09.03.1994)

Súmula n. 232 do Superior Tribunal de Justiça: "A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”.

Quando do julgamento dos incidentes processuais, o juiz condenará o vencido ao pagamento das custas, não havendo condenação em honorários (art. 20, § 1o, do CPC).

155'J O preparo representa as custas pela interposição do recurso, e o porte de remessa e retorno, as despesas com o transporte dos autos ao Tribunal quando este não se encontra na mesma localidade do juízo recorrido (por exemplo, autos remetidos de São Paulo para o STJ em Brasília).

Não é qualquer interesse que autoriza o ingresso do terceiro como assistência, mas simo interesse jurídico. O interesse jurídico surge quando o provimento do processo influenciar na órbita jurídica do assistente.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSONo litisconsórcio haverá multiplicidade de indivíduos em qualquer dos pólos do processo, cada um

defendendo seu próprio direito ou interesse (implementando a legitimidade ad causam).166 Havendo mais de um réu ou autor na ação, todos, na qualidade de parte principal, são tratados entre si como litisconsortes, compartilham os mesmos deveres, ônus e obrigações.'1

O fenômeno processual do litisconsórcio ocorre, como regra, em função da natureza da própria lide que contém mais de um sujeito titular ou vinculado ao direito material objeto da ação. Assim, sendo o bem da vida reclamado pertencente a mais de uma pessoa, poderão figurar no pólo passivo todos os titulares desse direito, ou, sendo mais de uma pessoa obrigada à satisfação da obrigação, teremos a pluralidade de réus.

Outra razão para que o ordenamento processual permita a con- glomeração de pessoas nos pólos da ação é o princípio da economia processual, pois, com um único processo, a jurisdição resolverá diversas lides, e, ainda, justifica-se a cumulação subjetiva como meio de garantir a harmonia entre julgados, evitando-se que causas de pedir idênticas - o mesmo fato ou objeto litigioso - sejam julgadas de forma diferente.167

No exemplo que citamos anteriormente, as vítimas do acidente de veículo poderiam propor diversas ações distintas. Mas, se assim o fizessem, teriam que custear inúmeros processos, bem como correriam o risco de obter duas decisões diferentes e até mesmo conflitantes. Assim, ao permitir a cumulação subjetiva de ações, o litisconsórcio é medida de economia processual e que favorece a uniformidade dos julgados das causas idênticas ou conexas.

A pluralidade de partes, nos termos do art. 46 do Código de Processo Civil, poderá ocorrer no processo quando:

156 Nas ações meramente declaratórias ou constitutivas; nas ação que tenham por objeto obrigações de fazer ou não fazer, pela natureza do provimento não há condenação em valor pecuniário, portanto, impossível a fixação dos honorários com base nesse critério. Dessa forma, o magistrado deverá estabelecer a condenação de sucumbência fora dos limites estabelecidos no § 3o do art. 20 do CPC (10 a 20%); na prática, é muito comum, nesses casos, o arbitramento com base no valor da causa, especialmente quando o pedido do autor é improcedente e este condenado ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte contrária.

157 A Súmula n. 201 do Superior Tribunal de Justiça consolidou a jurisprudência no sentido de não ser possível a fixação de honorários advocatícios em salários-mínimos.

A Súmula n. 110 do Superior Tribunal de Justiça afirma que a isenção apenas se aplica ao segurado e não ao INSS.

"Mandado de Segurança. Reembolso das Custas com a segurança concedida, a sucumbente está sujeita a devolução das custas antecipadas pelo impetrante. Recurso Improvido." (REsp n. 65.749/SP, rei. Min. Garcia Vieira, j. 14.06.1995)

158n "Processo Civil. Ação Civil Pública. Ministério Público. Condenação. Custas. Lei n. 7.347/85

artigos 17 e 18. 1. Em se tratando de ação civil pública, a questão dos ônus da sucumbência recebe disciplina específica, que afasta a aplicação subsidiária do art. 20 do CPC. 2. A teor do art. 18 da Lei n. 7.347/85, a regra e a isenção de honorários de advogado, custas e despesas processuais, ressalvada apenas a hipótese de má-fé processual da associação autora. 3. Recurso Provido." (REsp n. 47.242/RS, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 19.09.1994)

159 "Processual Civil. Recurso Especial. Preparo. Lei n. 7.347/85. 1. Diz o artigo 18 da Lei 7.347/85: 'Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado custas e despesas processuais'. 2. A jurisprudência desta Casa tem oferecido uma interpretação restritiva ao privilégio processual, limitando-o ao autor da ação, tal como ocorre na ação popular. Na verdade, não se mostra razoável estender o benefício àqueles que se encontram no pólo passivo da relação processual. Seria fora de propósito, no caso concreto, dar incentivo àquele que é condenado por improbidade administrativa, causando danos à sociedade. 3. Recurso especial conhecido em parte e improvido." (STJ, REsp n. 193.815/SP, rei. Min. Castro Meira, j. 24.08.2005)

160 A Advocacia-Geral da União foi regulamentada pelos seguintes instrumentos: Lei Complementar n. 73/93 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), Lei n. 9.028/95 e Lei n. 9.469/97.

161 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, op. c/r., p. 319.

162 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil.163 Modalidade de intervenção de terceiros pela qual se admite o ingresso de pessoa estranha à

lide para auxiliar uma das partes, desde que demonstre interesse.164’ Para Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dina- marco.

Teoria geral do processo, o litisconsórcio "é um fenômeno de pluralidade de pessoas, em um só ou em ambos os pólos conflitantes da relação jurídica processual (isto é, ele constitui fenômeno de pluralidade de sujeitos parciais do processo".

165 Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 258.166 O litisconsórcio não se confunde com as ações coletivas. Por mais incrível que possa parecer,

alguns chegam a afirmar que se trata de lide coletiva (entendendo coletivo no sentido de mais de uma pessoa), pelo fato de haver mais de uma pessoa no pólo ativo ou passivo. Na realidade, as ações coletivas não guardam qualquer identidade com o litisconsórcio, pois a ação será de natureza coletiva quando o autor estiver em juízo para defender em nome próprio direito alheio, e o litisconsórcio se verifica quando houver mais de um indivíduo em um dos pólos da ação.

167ESPÉCIES DE LITISCONSÓRCIO

A própria legislação processual é que estabelece as espécies de litisconsórcio, levando-se em consideração, para a classificação, o pólo em que se verifica a pluralidade, os efeitos do provimento jurisdicional em relação às partes, o momento em que ele é formado no processo e a

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LITISCONSÓRCIO 161

a) existir entre os pretensos litisconsortes comunhão de direitos ou de obrigações; o direito ou a obrigação discutidos na lide devem ser comuns aos litisconsortes; ou

b) sejam os direitos e obrigações decorrentes do mesmo fato ou causa de pedir;

c) entre as causas houver conexão pelo objeto ou causa de pedir; como citamos anteriormente, o litisconsórcio não passa de uma espécie de cumulação de ações que poderiam ter sido propostas individualmente. Assim, poderá haver litisconsórcio quando essas ações - que poderiam ser autônomas - forem conexas, isto é, tiverem identidade em relação ao objeto litigioso ou à causa de pedir; ou

d) ocorrer afinidade de questões ligadas por um ponto comum de fato ou de direito.

Em síntese, o litisconsórcio é possível quando se verificar a identidade da causa de pedir entre os diversos indivíduos que integrarão um dos pólos do processo; tratando-se de causas absolutamente distintas, não será admitida a cumulação subjetiva.

autor; litisconsórcio passivo quando a ação é intentada por mais de um réu, ou misto quando a pluralidade de partes ocorrer em ambos os pólos da demanda.

b) Litisconsórcio originário ou ulterior (inicial ou sucessivo, incidental). Essa classificação tem por base o momento em que o litisconsórcio se apresenta no processo, sendo inicial quando se

verificar logo no momento da propositura da ação, constando da petição. Em contrario sensu, o litisconsórcio ulterior é aquele ocorrido após a propositura da ação, como quando o juiz determina ao autor que adite sua inicial para incluir litisconsórcio necessário, ou ainda quando o próprio réu chama à demanda indivíduo não incluído na inicial mas que tem legitimidade para figurar no pólo passivo em litisconsórcio.

c) Litisconsórcio unitário ou comum. O critério de classificação em litisconsórcio unitário ou comum são os efeitos do processo e da decisão que dele emanar em relação aos litisconsortes. No litisconsórcio unitário, a relação jurídica é incindível,168 não comporta divisão entre os litisconsortes, de modo que todos eles sofrerão o mesmo efeito do processo. Em outras palavras, o juiz deverá proferir decisão uniforme em relação a todos os litisconsortes. Em sentido diverso, podendo o juiz decidir de forma diferente para cada parte, estaremos diante de uma espécie de litisconsórcio simples ou comum.

Podemos citar como modalidade de litisconsórcio unitário, por exemplo, o caso de pluralidade em ação que visa a desconsti- tuição169 (constituição negativa de determinado ato jurídico): nota- se que o juiz não poderá desconstituir o ato em relação a uma parte e mantê-lo válido em relação à outra, devendo a decisão ser idêntica para todos os litisconsortes.

d) Litisconsórcio necessário ou facultativo. Em determinadas lides, dependendo da natureza do direito material posto em juízo, a relação jurídica processual apenas se forma validamente quando da

sua obrigatoriedade ou não para a constituição válida da relação jurídica processual.

Assim, podemos classificar o fenômeno do litisconsórcio como:

a) Litisconsórcio ativo, passivo ou misto. Notoriamente, temos litis-consórcio ativo quando a demanda é proposta por mais de um168 Idem, p. 347.169 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comenta-

do, 3. ed., p. 327, comentário n. 6.

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LITISCONSÓRCIO 1 61

citação de todos os litisconsortes necessários. Dessa forma, o litisconsórcio será obrigatório ou necessário quando a lei exigir ou quando, pela natureza da relação de direito material, for necessária a presença em juízo de todos os interessados, sob pena de não formação da relação jurídica processual.

São casos de litisconsórcio necessário, por expressa previsão legal, por exemplo, as ações de usucapião, nas quais devem figurar no pólo passivo o proprietário que consta no registro e todos os confrontantes (vizinhos); a ação popular, para a qual a lei exige a participação como réus da pessoa pública lesada e da autoridade que praticou o ato; os casos dispostos no art. 10 do Código de Processo Civil, pelo qual devem ser citados obrigatoriamente como réus, ambos os cônjuges.

Em se tratando de litisconsórcio necessário, a parte é obrigada a demandar contra todos os interessados, sob pena de faltar pressuposto processual de existência do processo, razão pela qual, na ausência ou irregularidade do litisconsórcio obrigatório, o juiz deverá determinar à parte que promova a citação de todos os interessados, sob pena de extinção do processo sem julgamento do mérito.

O fato de ser necessário o litisconsórcio não faz com que seja também unitário. Não significa que a obrigatoriedade da presença da parte no processo importe em uma única sentença para todos os litisconsortes (ser ou não unitário dependerá da relação jurídica de direito material litigioso). Da redação do art. 47 do Código de Processo Civil aparentemente se obtém a idéia de que todo litisconsórcio unitário é obrigatoriamente necessário, o que não é verdade, já que o litisconsórcio unitário também pode ser facultativo.

Por outro lado, vislumbramos o litisconsórcio facultativo, ou seja, aquele que se forma ou se constitui tão-somente pela vontade e conveniência da parte autora; a parte tem a faculdade de promover a ação contra um, alguns ou todos os vinculados ao direito material, sem que essa escolha afete a integridade subjetiva da relação jurídica processual. É o caso, por exemplo, do acidente de veículo provocado por mais de um condutor: a parte autora não está obrigada a promover a ação contra todos os condutores que causaram o acidente, mas ela poderá, segundo a sua conveniência, formar ou não o litisconsórcio.

Page 173: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOEm caso de litisconsórcio facultativo, o juiz poderá limitar o número de litisconsortes no pólo

da ação,170 isso como medida para evitar prejuízo à defesa ou ao andamento do processo (parágrafo único do art. 46 do CPC). Ocorrendo a limitação, o magistrado poderá determinar o desmembramento das ações, tempo em que ficará suspenso o prazo para a defesa do réu.

Muitas vezes, a pluralidade de partes, ao invés de permitir a economia do processo, faz com que ocorra verdadeiro tumulto processual, tornando o desenvolvimento do processo muito mais moroso e com-plexo. Como é óbvio, a multiplicidade de partes importa em maior número de manifestações e atos processuais em geral, razão pela qual o magistrado poderá limitar o número de pessoas em litisconsórcio facultativo.171

6.3 POSIÇÃO DOS LITISCONSORTES

A regra prevista no art. 48 do Código de Processo Civil dispõe no sentido de que cada litisconsorte será considerado, em relação à parte contrária, como litigante distinto, e entre si, os atos e omissões de cada um não poderão prejudicar os demais litisconsortes.

Nesse sentido, o art. 350 determina que a confissão - ato pelo qual a parte reconhece fatos contrários à sua pretensão ou defesa - manifestada por um litisconsorte não prejudicará os demais. Assim, pela interpretação do referido artigo, se um dos litisconsortes confessar algo contra o direito por ele alegado, esse ato não acarretará prejuízo em relação aos outros litisconsortes.

No entanto, essa “autonomia” prevista no art. 48 do Código citado não prevalece quando se tratar de litisconsórcio unitário, pois, tendo o juiz que proferir sentença uniforme para todos os litisconsortes, nãoterá condições para separar os atos de cada um dos litisconsortes para efeito de prolação da sentença.

Seria uma incoerência admitir a autonomia dos litigantes no litis- consórcio unitário. Imaginemos que um dos réus confesse fatos contrários à sua defesa e o outro réu não. Nesse caso, como procederá o juiz em caso de litisconsorte unitário? Obviamente não terá ele como distinguir os atos de cada uma das parte para tomar sua decisão. A decisão deverá ser uniforme, independentemente de qual das partes ou litisconsorte praticou o ato.

Ao tratar da matéria, Cândido Rangel Dinamarco faz observação no seguinte sentido:10

A dicção do art. 48 é no entanto portadora de um exagero que o próprio sistema processual desmente. São tantas as disposições em contrário e tão fortes as razões pelas quais um dos litisconsortes se beneficia pelas condutas do outro, que a autonomia dos litisconsortes é relativa e está muito longe de ser absoluta.Como não poderia deixar de ser, total razão encontra o respeitado doutrinador ao afirmar que a

denominada “autonomia” entre os litisconsortes é relativa, pelo fato de admitir muitas exceções no próprio ordenamento processual.

O art. 509 do Código de Processo Civil determina que o recurso interposto por um litisconsorte aproveita aos demais, ou, nos termos do art. 320, I, havendo pluralidade de réus, não ocorrerá o efeito da revelia se qualquer um deles contestar, desde que os fatos sejam comuns aos litisconsortes.

Infere-se, portanto, que o art. 48 do Código de Processo Civil prevê a autonomia entre os litisconsortes de forma relativa e mínima, existindo exceções no próprio Código que admitem a influência dos atos de um litigante em relação aos seus litisconsortes.

170 A lei não fixa um número para a limitação, ficando tal ato a critério do magistrado, que restringirá o número de litigantes por um critério de razoabilidade, verificando a natureza da causa e a complexidade dos atos processuais.

171 Obviamente, em se tratando de litisconsórcio necessário, não poderá haver limitação de litigantes, já que a existência e a validade da relação jurídica processual dependem da citação válida de todos os interessados ou vinculados à relação jurídica de direito material.

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163

7

I N T E R V E N Ç Ã O D E

T E R C E I R O S

7.1 DEFINIÇÃO

O conceito de terceiro para o direito processual corresponde ao indivíduo que é estranho à relação jurídica processual na qualidade de parte, mas é pessoa que pode ter interesse no objeto litigioso ou nos reflexos do provimento jurisdicional. De modo muito simplificado, considera-se terceiro todo aquele que não for parte no processo.

O terceiro é pessoa que não se encontra na relação jurídica processual, não participa do contraditório, tampouco é sujeito de direito, deveres, obrigações e ônus no campo do direito processual, por se tratar de pessoa estranha ao processo, mesmo que tenha interesse no seu resultado.

Em razão desse interesse ou vínculo que o terceiro guarda com a relação jurídica (material), pode ele vir a ingressar no processo.

Por mais incrível que possa parecer, o terceiro é considerado “terceiro” até que venha a ser admitido como parte

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ou coadjuvante da parte no processo pendente,172 ao passo que, ingressando na relação, terá ele as mesmas prerrogativas e deveres inerentes às partes.

A intervenção de terceiros é o fenômeno processual pelo qual, mesmo depois de formada a relação jurídica processual pelos elementos subjetivos mínimos (autor-juiz-réu), admite-se o ingresso de terceiros no processo,173 seja para substituir o réu (nomeação à autoria), para auxílio de uma das partes (assistência), para que o estranho possa reclamar o bem litigioso para si (oposição), ou mesmo para possibilitar às partes invocar a responsabilidade do terceiro (como na denun- ciação da lide e no chamamento ao processo).

Intervindo no processo, o terceiro irá se sujeitar aos efeitos diretos do provimento jurisdicional; caso contrário, a sentença não fará coisa julgada contra aquele que não participou da relação processual (art. 472 do CPC).

Assim, o ordenamento processual contempla as seguintes espécies de intervenção de terceiros:

• assistência (arts. 50 a 55);174

• oposição (arts. 56 a 61);

• nomeação à autoria (arts. 62 a 69);

• denunciação da lide (arts. 70 a 76);

• chamamento ao processo (arts. 77 a 80);

• recurso de terceiro prejudicado (art. 499), tratado no capítulo destinado à legitimidade nos recursos.

7.2 ASSISTÊNCIA

■ ■ 7 . 2 . 1 D E F I N I Ç Ã O E C A B I M E N T O

A assistência constitui modalidade de intervenção de terceiros em processo pendente, pela qual o estranho à relação jurídica processual, demonstrando interesse na solução do conflito, requer o seu ingresso na causa para atuar como coadjuvante ou assistente de uma das partes, nos termos do art. 50 do Código de Processo Civil.

O ingresso do terceiro, que sempre será espontâneo, dá-se com o objetivo de auxiliar a parte assistida para que lhe seja favorável o provimento jurisdicional, e os reflexos deste ato também serão percebidos pelo assistente, de forma indireta. O terceiro apenas será admitido no processo se demonstrar interesse jurídico no auxílio da parte litigante.4

Na assistência, o terceiro não ocupa lugar de parte no processo, tampouco defende direito próprio na relação processual;175 ele somente atua na posição de auxiliar de uma das partes para que esse auxílio colabore na obtenção de uma sentença favorável ao assistido.

O assistente atua no intuito de que a parte assistida saia vencedora na demanda e, conseqüentemente, tenha o assistente benefício indireto no resultado da ação. Ressalte-se que, como regra, o assistente não terá em seu favor um título judicial, uma vez que a sentença atingirá diretamente apenas as partes (autor e réu).

A título de exemplo, podemos dizer ser cabível a assistência em ação que o locador pretende o despejo do locatário e, por sua vez, existem sublocações no imóvel objeto da ação. Nesse caso, os sublocatários têm interesse jurídico em auxiliar o locatário na ação de despejo, vez que, caso este seja determinado, por via reflexa, os sublocatários também serão prejudicados; assim, para que o réu vença a demanda, os sublocatários poderão requerer o ingresso como seus assistentes.

A assistência tem cabimento em todas as espécies de processos ou de procedimentos, bem como é admitido o ingresso do terceiro em qualquer fase em que o processo se encontrar (obviamente antes do seu encerramento ou coisa julgada), ressalvando que o assistente receberá o processo no estado em que se encontrar, não podendo requerer a repetição de atos já encerrados.176

■ i 7 . 2 . 2 E S P É C I E S D E A S S I S T Ê N C I A

O Código de Processo Civil aponta duas formas de assistência, sendo elas:

172' Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 45. Para José Frederico Marques (Manual de direito processual civil, v. 1, p. 442): "Intervenção de terceiro é o ingresso de alguém, como parte, em processo pendente entre outras". Luiz Fux, Curso de direito processual civil, p. 246: "Os terceiros mantêm essa qualidade, até que intervenham, quando, então, assumem a condição jurídica de parte, secundária ou principal, conforme o caso".

173 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co,

Teoria geral do processo, p. 296.174 Na sistematização do Código de Processo Civil, o instituto da assistência ficou fora do

capítulo destinado às modalidades ou espécies de intervenção de terceiros. No entanto, a assistência é verdadeira forma de ingresso de pessoa estranha à lide original, na qualidade de coadjuvante de uma das partes.

175 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, p. 124.176Os arts. 7o e 18. da Lei n. 9.868/99 - que regula a Ação Direta de Inconstitucionalida- de

(ADIn) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (Adecon ou ADC) - determinam que na ADIn e na Adecon não será admitida a intervenção de terceiros. No entanto, o § 2o do art.

Page 176: Manual de Direito Processual Civil

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 165

a) assistência simples;

b) assistência litisconsorcial.

É denominada de assistência simples ou adesiva a intervenção do terceiro para auxiliar a parte assistida, atuando o assistente exclusivamente em defesa dos direitos do assistido. Na assistência simples, o terceiro não defende direito próprio, mas apenas interesses diretos do assistido.

Em sentido contrário, na assistência litisconsorcial, o assistente ingressa no processo para defesa de direito próprio, já que se encontra legitimado para atuar na qualidade de parte na relação jurídica processual; nesse caso, o terceiro está diretamente vinculado ao direito material posto em

juízo177 (legitimidade ad causam).O terceiro assistente, em se tratando de assistência litisconsorcial (art. 54 do CPC), mantém

relação jurídica própria com o adversário da parte que pretende assistir (se o assistente pretende auxiliar o réu, isso significa dizer que ele também tem direitos contra o autor, e vice-versa).178

O assistente litisconsorcial poderia, desde o momento da proposi- tura da ação, estar inserido na

relação jurídica processual na qualidade de parte, mas, por qualquer motivo, isso não ocorreu, podendo

ele, posteriormente, ingressar na qualidade própria de parte (litisconsórcio ulterior).

No capítulo anterior, tratamos do litisconsórcio facultativo, aquele em que é conferida à parte

autora a possibilidade de optar pela pluralidade ou não de partes no pólo da ação. Pois bem, é

exatamente nos casos em que não ocorreu o litisconsórcio facultativo que poderá haver assistência

litisconsorcial. Certamente, aquele que não figurou como parte no momento da propositura da ação, seja

como autor ou réu, mas tem legitimidade para isso, poderá ingressar na qualidade de assistente

litisconsorcial mesmo depois de a ação estar em curso. Humberto Theodoro Júnior conceitua:179

O assistente litisconsorcial é aquele que mantém relação

jurídica própria com o adversário da parte assistida e que assim

poderia, desde o início da causa, figurar como litisconsorte

facultativo. Seu ingresso posterior, como assistente, assegura-lhe,

assim, o status processual de litisconsorte.

■I 7 .2 .3 P O D E R E S D O A S S I S T E N T E

O art. 52 do Código de Processo Civil prevê que o assistente atuará no processo para auxiliar a

parte assistida, cabendo-lhe todos os direitos, poderes, deveres, ônus e obrigações atribuídos à parte

a quem assiste.No entanto, na assistência simples, a atuação do assistente sempre estará subordinada à do

assistido, não podendo o coadjuvante praticar atos contrários às manifestações ou ao interesse da parte principal.180 O assistente age no processo para complementar a atividade processual do assistido, e nunca

177o estabelece que, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator poderá admitir nos processos a manifestação de outros órgãos ou entidades além daqueles já

envolvidos nas ações. A tal manifestação de terceiros é denominada de ami- cus curiae. A atividade do amicus curíae não representa modalidade típica de intervenção de terceiros (assistência), conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (Pleno, ADIn n. 748-4, rei. Min. Celso de Mello, j. 01.08.1994, v.u.).

7 Athos Gusmão Carneiro, op. c/f., p. 107.178 Em caso de morte do assistente simples, nâo ocorrerá a sua substituição pelos sucessores, mas

se a perda da capacidade ocorrer com o assistente litisconsorcial, por ser parte no processo, deve ser procedida a sua substituição pelos sucessores legais.

179 Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 125.180 "Processual civil. Assistente simples. Interposição de recurso. Possibilidade. CPC, art. 52. 0

assistente é auxiliar da parte principal, dispondo dos mesmos poderes e sujeitando-se aos mesmos ônus

Page 177: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

em antagonismo com a posição deste."Por outro lado, tratando-se de assistência litisconsorcial, o assistente ocupará o lugar de

parte, aplicando-se a ela tudo o que já afirmamos em relação aos poderes e posição dos litisconsortes no processo (ver o capítulo anterior, item 6.3).

O ingresso do assistente no processo não impede que o assistido (ainda que sem a autorização do coadjuvante), na posição de parte principal, reconheça a procedência do pedido, desista da ação ou mes-mo formalize acordo com a parte contrária, hipóteses em que cessará a intervenção do assistente (art. 53 do CPC).

mm 7 . 2 . 4 E F E I T O S D A S E N T E N Ç A

Admitido o assistente simples no processo, não poderá ele, em outra ação, discutir a “justiça da decisão” proferida no processo em que interveio. O comando previsto no art. 55 do Código de Processo Civil não impõe ao assistente simples o efeito da coisa julgada, mesmo porque ele não é parte no processo, mas veda que sejam rediscutidos os fundamentos e fatos abordados na sentença proferida no processo em que participou como assistente.

Em outras palavras, o assistente simples até poderá promover outra ação, mas não poderá discutir os fatos e fundamentos (justiça da decisão) tratados no processo em que atuou como assistente.

Excepcionalmente, a regra prevista no caput do art. 55 poderá ser violada quando:

a) pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e atos do assistido, o assistente tenha sido impedido de produzir provas passíveis de influenciar a sentença;

b) o assistente desconhecia a existência de alegações ou provas, de que o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu.

Nota-se que as hipóteses que admitem a rediscussão da “justiça da decisão” em processo futuro pelo assistente são de casos em que ele ficou impedido de exercer, com amplitude, o contraditório e o direito de defesa. O ordenamento processual permite o ingresso do assistente no processo em qualquer fase em que se encontre, e, por essa razão, dependendo da fase em que o terceiro for aceito na relação, já se terão esgotados e praticados atos fundamentais para a formação da convicção do magistrado, não sendo justo - nem mesmo respeitando o devido processo legal - impor ao assistente os fatos e fundamentos de uma sentença da qual não pôde participar.

E mais, não seria lógico admitir-se a eficácia da sentença sobre o terceiro quando a parte assistida tenha ocultado informações, provas ou fatos capazes de influenciar no julgamento. Assim, demonstrando a ocorrência das hipóteses mencionadas, o terceiro poderá rediscutir, em outro processo, os fatos e fundamentos já decididos no processo anterior em que interveio.

Em relação ao assistente litisconsorcial, por ser parte no processo (e não terceiro), estará ele sujeito a todos os efeitos da sentença, inclusive o da coisa julgada (que impede a repetição de ação já julgada e extinta).

M 7 . 2 . 5 P R O C E D I M E N T O D A A S S I S T Ê N C I A

O pretenso assistente deverá formular ao juízo o seu pedido de ingresso na ação, demonstrando o interesse jurídico que justifique e autorize a sua intervenção no processo, seja como assistente simples ou como parte na qualidade de assistente litisconsorcial.

Recebido o requerimento, o magistrado intimará ambas as partes para que, no prazo de cinco dias, manifestem-se em termos de aceitação ou impugnação do requerimento do terceiro. Não havendo impugnação e verificada a existência de interesse jurídico, o terceiro será admitido no processo (como assistente simples ou parte).

Em caso de impugnação de qualquer uma das partes, o requerimento será autuado em apartado,181

formando-se um incidente processual (sem a suspensão do processo principal), no qual serão colhidas as

provas acerca da existência ou inexistência do interesse jurídico do candidato a assistente, ao final,

proferindo o juízo decisão admitindo ou não o assistente na relação jurídica processual.182

7.3 OPOSIÇÃO

processuais. Ao assistente simples é permitido interpor recurso, desde que não haja manifestação do assistido em sentido contrário. Recurso provido." (STJ, 5'1 T., REsp n. 146482/PR, rei. Min. Felix

Fischer, DJU 31.05.1999, v.u.)181 Recebe uma nova autuação (capa dos autos) e será apensado ao processo principal, isso para não

suspender ou prejudicar o andamento do referido processo.182 Como será visto nos próximos capítulos deste estudo, trata-se de decisão interlocu- tória

passível de ser impugnada por meio do recurso de agravo de instrumento.

Page 178: Manual de Direito Processual Civil

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 167

M 7 . 3 . 1 C A B I M E N T O

A oposição é uma espécie de intervenção na qual o terceiro, por sua iniciativa e em nome próprio,

postula, no todo ou em parte, o objeto ou bem jurídico litigioso entre autos e réu. O terceiro ingressa

no processo opondo-se a ambas as partes para reclamar o bem para si, nestes termos:

Art. 56. Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o

direito sobre que controvertem autor e réu, poderá, até ser

proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos.

Por exemplo, imaginemos a demanda em que autor e réu disputam a propriedade de um determinado bem

móvel e, por sua vez, um terceiro ingressa na ação afirmando não ser a coisa nem do autor nem do réu. A

esse respeito, o professor Arruda Alvim explica:183

0 instituto da oposição, disciplinado nos arts. 56 ao 61 (Capítulo VI,"Da intervenção de terceiros", do Livro I), regula o ingresso de terceiro, em processo pendente, nos casos em que este terceiro tenha pretensãoexcludente da do autor e da defesa do réu, e objetive excluir o autor e o réu - acerca do direito ou coisa do litígio. Dessa forma, os interesses do terceiro colidem, necessariamente, com os do autor e do réu e não somente com um deles.Na realidade, o opoente, ao ser admitido no processo, encontra-se em condição de parte autora

contra ambas as partes da relação originária; obrigatoriamente, a oposição deve ser dirigida contra autor e réu da ação principal,184 pretendendo o opoente que o juízo lhe outorgue o bem jurídico litigioso entre aquelas partes. Pelo fato de caracterizar verdadeiro direito de ação, a oposição se formaliza por meio de petição inicial, com a observância de todos os requisitos necessários para o exercício do direito de movimentar o Judiciário.

Por essa razão, para ocupar a qualidade de parte no processo (contra o autor e o réu), devem

estar presentes as condições da ação - legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido -, bem como o oponente deve preencher os requisitos processuais subjetivos inerentes às partes do processo e os objetivos quanto a sua propositura por meio de petição inicial apta (elaborada nos termos do art. 282 do CPC).

A oposição apenas será admitida no processo de conhecimento pelo rito ordinário (ou especial quando adotar subsidiariamente o rito ordinário), não sendo cabível no processo de execução, cautelar ou no processo de conhecimento pelo rito sumário (art. 280 do CPC).

É importante consignar, também, que a oposição pode ser proposta até a prolação da sentença; depois desse ato, o terceiro apenas poderá reivindicar a coisa por intermédio de processo autônomo.

H 7 . 3 . 2 P R O C E D I M E N T O S e E F E I T O S da O P O S I Ç Ã O

O Código de Processo, com a finalidade de melhor adequar a oposição ao andamento do processo principal, de forma a não prejudicar ou tumultuar o seu curso, estabelece duas espécies de procedimentos, ou seja:

a) procedimento para oposição apresentada antes da audiência de instrução e julgamento;185

b) procedimento para oposição proposta após o início da audiência de instrução.

Apresentada a oposição antes de iniciada a audiência de instrução, a petição inicial do opoente será autuada em apartado, processada em apenso aos autos principais. Com efeito, por se tratar de uma verdadeira ação, estando apta a petição inicial, o juiz mandará citar os opostos (autor e réu da ação

183Manual de direito processual civil, v. 2, p. 142.184 "Intervenção de terceiro. Oposição. Interesse colidente apenas contra um dos litigantes.

Inadequacidade. A incompatibilidade ou não coerência é que caracteriza a pretensão exclusiva do opoente, pois o seu direito colide com o direito alegado pelo autor e o deduzido pelo réu." (II TACSP, Ap. n. 288.330, rei. Juiz Magno Araújo, j. 28.04.1992, v.u.)

185 Audiência em que são colhidas as provas orais do processo e, após o encerramento da fase destinada à colheita das provas (instrução), é dada oportunidade às partes para que promovam suas alegações finais e, por fim, é proferido o julgamento (sentença).

Page 179: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

principal que serão considerados litisconsortes em relação à oposição), para que possam contestar a pretensão do terceiro no prazo de quinze dias.

As ações, principal e oposição (secundária), correrão simultaneamente e serão julgadas pela mesma sentença, nos termos do art. 59 do Código de Processo Civil.

Todavia, sendo a oposição apresentada após o início da audiência de instrução, será autuada separadamente e prosseguirá pelo rito ordinário, independentemente da ação principal. Nesse caso, o juiz poderá determinar a suspensão do processo, até o prazo máximo de noventa dias, para que as ações sejam julgadas simultaneamente (ação principal e oposição).

7.4 NOMEAÇÃO À AUTORIA

■I 7 .4 .1 DEFINIÇÃO E HIPÓTESES DE CABIMENTOA nomeação à autoria é hipótese de intervenção de terceiros que tem por finalidade regularizar

defeito de legitimidade no pólo passivo da ação, e pela qual o réu indica (ou nomeia) o verdadeiro indivíduo que deveria figurar no pólo passivo.

Em outras palavras, o réu nomeia o verdadeiro legitimado ad causam com o objetivo de ser excluído da ação e substituído pelo terceiro, que ocupará o lugar da parte ré.

Dessa forma, o réu tem o ônus de promover a nomeação à autoria toda vez que (arts. 62 e 63):

a) for demandado em nome próprio, mas detiver a coisa litigiosa em nome alheio: ele deverá nomear o verdadeiro possuidor ou proprietário;

b) for demandado em ação de indenização proposta pelo proprietário ou titular do direito sobre a coisa, toda vez que o ato tiver sido praticado por ordem ou instruções de terceiro.

No primeiro caso, previsto no art. 62 do Código de Processo Civil, o réu se encontra na qualidade de mero detentor da coisa, sendo demandado pelo autor como se fosse dono ou possuidor. Nota-se que o réu não é parte legítima para figurar no pólo passivo, razão pela qual deve nomear o verdadeiro proprietário ou possuidor do bem. Como exemplo, podemos citar o caso do administrador ou caseiro de um imóvel que é demandado na qualidade de proprietário; nesse caso, deverá o caseiro nomear à autoria o dono do imóvel que ele administra.

Em relação à outra hipótese de cabimento, disposta no art. 63 do Código de Processo Civil, Cândido Rangel Dinamarco explica que:17

Cuida da nomeação a ser feita pelo réu de demanda de condenação de indenizar. Admite-se que ele a faça, quando tiver agido em situação de dependência a outrem, de quem haja recebido ordens ou instruções para o ato que realizou. Mas é necessário que se trate de ordens ou instruções, técnicas inclusive, que o réu não pudesse deixar de atender: se ele tivesse poder de decisão e houvesse participado com parcela de sua vontade, não será parte ilegítima ad causam e, por isso, falecer-lhe-ia o poder de nomear o responsável à autoria.A nomeação à autoria é ônus que recai sobre o réu, pois, deixando de indicar o verdadeiro

proprietário ou possuidor, ou ainda, caso nomeie pessoa errada, arcará com perdas e danos em favor das partes e terceiro lesados pela sua omissão, nos termos fixados no art. 69 do Código de Processo Civil.

H 7 . 4 . 2 P R O C E D I M E N T O

Como afirmamos anteriormente, a nomeação à autoria será sempre ato do demandado, devendo ser realizado no prazo assinalado para a sua defesa (quinze dias). Assim, citado o réu, verificando ele estar sendo demandado na qualidade de proprietário ou possuidor quando na realidade é mero detentor da coisa, deverá, no prazo de que dispõe para a contestação, apresentar petição nomeando aquele que deve figurar no pólo passivo em seu lugar.

Apresentada a nomeação, o juiz determinará a suspensão do processo para, primeiro, decidir o incidente processual acerca da nomeação do terceiro, procedendo à intimação da parte autora para se manifestar no prazo de cinco dias sobre o requerimento formulado pelo réu.

Duas alternativas surgem para o autor: aceitar a nomeação, para que o terceiro seja citado para substituir o réu, já que este se encontra na condição de mero detentor da coisa litigiosa, ou recusar a

indicação do terceiro, por entender que o réu tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo por ser o verdadeiro proprietário ou possuidor da coisa.

Costumamos afirmar que o autor apenas deverá recusar a nomeação à autoria quando tiver absoluta certeza do seu descabimento, e total convicção de que o réu é a pessoa certa para figurar no pólo da ação. Nota-se que a injustificada recusa do autor em aceitar a nomeação poderá acarretar-lhe sérias conseqüências no futuro do processo, pois, se de fato o réu for mero detentor da coisa ou cumpridor de

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 169

ordens de terceiro, portanto parte ilegítima, quando da prolação da sentença o juiz poderá reconhecer a falta de condição da ação e extinguir o processo sem julgamento do mérito. Portanto, é prudente ao autor apenas recusar a nomeação à autoria quanto tiver absoluta certeza da qualidade do réu para figurar no pólo passivo.

Em caso de recusa do autor, a ação prosseguirá exclusivamente contra o réu nomeante, ficando sem efeito a indicação do terceiro.

Ao contrário, havendo a aceitação da intervenção, o terceiro será citado para manifestar-se acerca de sua indicação para substituir o réu no pólo passivo da demanda.

Novamente, a intervenção dependerá da aceitação ou recusa, desta vez, do nomeado. Se o nomeado concordar ou não se pronunciar (ou manifestar-se fora do prazo),18 a nomeação será deferida, com a exclusão do nomeante e o ingresso do nomeado como parte passiva no processo. Na hipótese de o nomeado negar a qualidade afirmada pelo nomeante - condição de proprietário ou possuidor da cousa, ou de pessoa que tenha dado a ordem ao réu -, o processo continuará apenas contra o réu nomeante, sem a intervenção do terceiro.

O ingresso do terceiro ao processo depende, inicialmente, da aceitação do autor, e, depois, de concordância do próprio nomeado. O autor poderá insistir que o réu é parte legítima para figurar no pólo passivo, recusando-se à substituição pelo nomeado; já o terceiro, por sua vez, poderá negar a “qualidade pessoal” necessária para a ocorrência da substituição, ou seja, de verdadeiro senhor ou possuidor sobre a coisa, ou de quem tenha determinado que o réu praticasse o ato causador do dano.

Em síntese, podemos resumir o procedimento da nomeação à autoria com o seguinte esquema:

7.5 DENUNCIAÇÃO DA LIDE

■■ 7.5 .1 DEFINIÇÃOA denunciação da lide é modalidade de intervenção de terceiros pela qual se admite a propositura

de ação regressiva incidente e no mesmo processo (in simultaneus processus),186 por qualquer uma das partes, contra o terceiro para exigir eventual indenização ou ressarcimento pelo que vier a sucumbir no processo.

Em outras palavras, podemos dizer que, em um único processo, teremos duas ações: uma do autor contra o réu, e outra de qualquer uma das partes (autor ou réu) contra o terceiro, objetivando a parte ser ressarcida pelos prejuízos que experimentar com o provimento juris- dicional. Por questão de

186 Athos Gusmão Carneiro, op. c/f., p. 67.

18 "Processual civil. Nomeação à autoria. Silêncio do autor no qüinqüídio que tem para se manifestar. Aceitação da nomeação. Citação dos nomeados. Recurso

provido. Ante o silêncio

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

economia processual, a parte poderá chamar ao processo o seu garantidor para, na eventualidade de perder a ação, poder cobrar essa perda do terceiro.

Vejamos o seguinte exemplo:

Repita-se que no mesmo processo teremos duas relações jurídicas distintas, uma do autor contra o réu, e outra da parte contra o terceiro, para exigir do denunciado que arque com o ressarcimento pelas despesas (condenação e despesas processuais) que experimentar em decorrência de ser vencida na primeira relação jurídica.187 O vencedor da ação deverá exigir o cumprimento da obrigação em relação à parte adversa, e esta exigirá o ressarcimento diante do denunciado. A parte vencedora não poderá, em hipótese alguma, exigir a satisfação de seu direito diretamente diante do denunciado, já que não guarda qualquer relação jurídica com ele (a relação de garantia existe entre denunciante e denunciado, sem nenhum vínculo com a outra parte).

A denunciação da lide é medida típica de economia processual, visto que em um único processo são resolvidas duas lides distintas, processadas simultaneamente. Caso a parte não requeira o ingresso do denunciado ao processo, terá ela que promover ação de regresso (em outro processo autônomo). Ao contrário, havendo a admissão do denunciado, o direito de regresso será exercido no próprio processo, ou seja, a parte condenada cumprirá a obrigação em favor da parte vencedora e, no mesmo processo, poderá exigir do seu garantidor o ressarcimento da condenação.188

18770 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 27, ensina que: "Denunciação da lide é o ato pelo qual o autor ou o réu chama a juízo terceira pessoa, que seja garantia do seu direito, a fim de resguardá-lo no caso de ser vencido na demanda em que se encontram".

188 Como regra, compete, primeiro, ao denunciante (quando vencido) cumprir a obrigação em favor da parte vencedora e, depois, exigir a restituição do denunciado. Nesse sentido: "Seguro. Denunciação da lide feita à seguradora. Acolhida. Prévia comprovação de desembolso feito pela denunciada ao autor da ação. Em princípio, para haver a indenização da denunciada, deve o denunciante comprovar o pagamento feito ao primitivo credor, o autor da ação. Possibilidade de que o denunciante venha aparelhar a execução contra a denunciada. Caso não comprovado o desembolso a que está obrigado o denunciante, cabe ao denunciado, na execução, colocar numerário à disposição do Juízo, a fim de que este oportunamente proceda ao ressarcimento a que faz jus a vítima" (STJ, 4* T., REsp n. 115046/RS, rei. Min. Barros Monteiro, j. 25.08.1998, v.u.). Em sentido contrário: "Processo civil. Execução de sentença. Denunciação da lide. A sentença que julga procedente a denunciação da lide vale como título executivo (CPC, art. 76); o aparelhamento deste independe do andamento da execução da sentença proferida na ação principal, podendo o denunciado à lide ser obrigado a cumprir sua obrigação, antes de que o réu o faça" (STJ, 3 d

T., AGA n. 247761/DF, rei. Min. Ari Pargendler, j. 08.02.2000, v.u.).

Código Civil de 1916: "Art. 1.107. Nos contratos onerosos, pelos quais se transfereo domínio, posse ou uso, será obrigado o alienante a resguardar o adquirente dos riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta responsabilidade". O atual Código Civil de 2002, em seu art. 456, prevê: "Para poder exercitar o direito que da evicçãolhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores,

quando e como lhe determinarem as leis do processo".

1a Relação jurídica 2a Relação jurídica(autor e réu) (réu c terceiro denunciado)

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 171

M 7 . 5 . 2 H I P Ó T E S E S D E C A B I M E N T O

O Código de Processo Civil, em seu art. 70, enumera as seguintes hipóteses de cabimento da denunciação da lide:

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:I - ao alienante, na ação em que o terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta;II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Em síntese, todas as hipóteses de denunciação da lide versam sobre direito de regresso do denunciante diante do garantidor legal ou contratual.

O inc. I do art. 70, anteriormente transcrito, prevê o cabimento da denunciação da lide quando da ocorrência da evicção,22 caracterizada pela perda do bem alienado em decorrência de ordem judicial, gerando o dever legal do alienante de ressarcir o adquirente pela perda da coisa. Em outras palavras, ocorrendo a evicção, aquele que alienou a coisa tem o dever de indenizar o adquirente pela perda do bem.

Por exemplo:

Autor Propõe ação em face do

réu para reivindicar a

propriedade de imóvel que se

encontra com o réuRéu

Se o réu perder o imóvel para o

autor (por força da decisão

judicial), lerá direito de ser ressarcido por aquele que lhe

vendeu indevidamente o

bemRéu deverá

denunciar à lide o alienante (aquele que lhe vendeu o

bem indevidamente), para responder pela evicçãoDenunciado

Alienante Caso o autor seja

vencedor da açào, terá de ressarcir o réu pela perda do imóvel (evicção)

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A parte também poderá denunciar à lide o proprietário ou possuidor indireto (como o locador), quando tiver o direito de indenização em razão da perda da posse direta (art. 70, II, do CPC). Por exemplo, quando o locatário for demandado em ação em que o autor deseje ser reintegrado na posse (seja a posse retirada do réu e devolvida ao autor), terá aquele o direito de ser ressarcido pelo locador (que será o denunciado), caso venha a perder para o autor da ação o direito de uso do imóvel locado.

Além disso, cabe a denunciação da lide daquele que estiver obrigado, por força de lei ou contrato, a indenizar a parte conforme o prejuízo que experimentar na demanda. Na prática forense, é muito comum a denunciação da lide das seguradoras que, por força de contrato, tenham a obrigação de ressarcir os prejuízos experimentados pela parte. Por exemplo, o réu está sendo demandado em razão de ter colidido com o veículo do autor: o réu poderá denunciar à lide a sua seguradora para que, caso seja condenado ao pagamento de indenização ao autor (vítima do acidente), seja ressarcido pela seguradora denunciada.

A denunciação da lide é cabível, em síntese, nas vezes em que for possível ação regressiva, como forma da parte vencida poder reaver ou ser ressarcida do cumprimento da obrigação, perante a outra parte leitigante (vencedora), cuja responsabilidade principal ou subsidiária lhe pertencia.23

Importante ressaltar que a denunciação da lide é cabível no processo de conhecimento, como regra pelo rito ordinário, admitindo-se excepcionalmente a intervenção no rito sumário se o direito de regresso for fundado em contrato de seguro, conforme alteração introduzida pela Lei n. 10.444/2002.189

1897A A reforma introduzida pela Lei n. 10.444/2002, que alterou oart. 280 do CPC,trouxe maior

aplicabilidade ao instituto da denunciação da lide, já que permitiu aintervenção deterceiro no rito sumário quando o direito de regresso for decorrente de contrato de seguro. Em ações relacionadas a acidentes de veículos, o que representa a maioria dos casos envolvendo direito de regresso contra seguradoras, não se admitia a denunciação da lide pelo fato de ser processada pelo rito sumário. Portanto, é cabível a denunciação da lide no rito sumário, nos termos do art. 70, III, do Código de Processo Civil, quando se pretende trazer ao processo o garantidor por força de contrato de seguro.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

H 7 .5 .3 O B R I G A T O R I E D A D E D A D E N U N C I A Ç Ã O D A L I D E

O caput do art. 70 do Código de Processo Civil, ao estabelecer as hipóteses de denunciação da lide, emprega a expressão obrigatória em relação à ocorrência da intervenção de terceiros.

O efeito dessa obrigatoriedade estampada no dispositivo legal conduz à idéia de que, não sendo manipulada a intervenção de terceiros, a parte vencida na demanda perderia o direito de regresso contra aquele que deveria ter sido denunciado. Nesse caso, por exemplo, restaria impedido o adquirente de cobrar indenização do alienante em caso de evicção, o locatário não poderia exigir ressarcimento perante o locador em razão da perda da posse do imóvel, ou ainda não se poderia exigir da seguradora que arcasse com os prejuízos experimentados pela parte na ação.

No entanto, a redação do art. 70 do Código de Processo Civil induz a uma interpretação falsa,190 já que a obrigatoriedade não se impõe a todos os casos de denunciação da lide.

Na realidade, a obrigatoriedade de proceder à denunciação da lide, sob pena de perda do direito de regresso, ocorre apenas na hipótese do inc. I do referido dispositivo, já que, por força do art. 456 do atual Código Civil, para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente deverá notificar o alienante (terceiro a ser denunciado), na forma prevista na lei processual, que determina como sabemos, que se faça a denunciação da lide.

Por essa razão, a doutrina majoritária já firmou entendimento no sentido de que apenas na hipótese de evicção é que se revela obrigatória a denunciação da lide, como forma de resguardar o direito de regresso da parte contra o alienante denunciado.191

190 Cândido Rangel Dinamarco, Intervenção de terceiros, p. 138.191 Para Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comen-

tado, p. 348): "Nada obstante a letra da lei, a denunciação somente é obrigatória no caso do CPC, art. 70,1, sendo facultativa nos demais". No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando: "Processo civil. Denunciação da lide. Direito de regresso. Fundamento jurfdico novo. Inadmissibilidade. Obrigatoriedade. Inocorrência. Precedentes - Recurso não conhecido. [...] III - Segundo entendimento doutrinário predominante, somente nos casos de evicção e transmissão de direitos (garantia própria) é que a denunciação da lide se faz obrigatória" (STJ, 3a T„ REsp n. 157147/MG, rei. Min. Waldemar Zveiter, j. 04.03.1999, v.u.).

Page 185: Manual de Direito Processual Civil

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 183M 7 . 5 . 4 P R O C E D I M E N T O S

A denunciação da lide pode ser manifestada pelo autor ou pelo réu, desde que a parte se enquadre

em uma das hipóteses do art. 70 do Código de Processo Civil.

O pedido deve ser formulado no primeiro momento em que competir à parte falar no processo, ou

seja, se a denunciação for formulada pelo autor, deverá ele fazê-la na própria petição inicial, reque-

rendo, nesta peça processual, a citação do denunciado juntamente com a citação do réu da ação. Por

outro lado, caso seja apresentada pelo réu, deverá esta parte deduzir o seu pedido de intervenção no

prazo previsto para a contestação,192 nos termos do art. 71.

Recebido o pedido de denunciação, o magistrado apreciará o seu cabimento (art. 70 e incisos do

CPC) e, em caso positivo, ordenará a citação do denunciado, ficando suspenso o processo até que o

terceiro seja devidamente citado. Deixando a parte denunciante de oferecer os meios necessários à

citação do denunciado no prazo legal (dez dias se residir na mesma comarca; caso contrário, o prazo

será de trinta dias), a ação terá seu curso retomado exclusivamente entre as partes, ficando sem efeito

a denunciação apresentada.

Por fim, tendo sido admitido o denunciado, o juiz deverá, na sentença que julgar a ação

procedente, conforme o caso, indicar a responsabilidade do denunciado em relação ao denunciante, para

que essa sentença sirva como título executivo e o denunciante possa ser ressarcido pelos danos que

experimentar em razão do cumprimento da sentença em favor da parte adversa.

Da citação do denunciado poderão advir as seguintes situações e efeitos (arts. 74 e 75 do CPC):

Denunciação pelo Autor

Comparece o denunciado em juízo Assumirá a posição de litisconsorte do

autor denunciante e poderá aditar a

petição inicial, procedendo-se, em

seguida, à citação do réu (art. 74)Denunciação pelo Réu

Terceiro aceita a denunciação e

apresenta contestação ao pedido do

autor

0 processo continuará entre as partes

originárias, formando-se uma relação

jurídica processual secundária entre o

denunciante e o denunciado, que serão

tidos por litisconsortes (assistente

simples)193

192 "Embargos infringentes. Evicção. Denunciação à lide. Impossibilidade. Adquirente que somente é

chamada a integrar a lide na fase executória de sentença anteriormente proferida. Descabimento da

denunciação em tal fase processual. Direito à indenização decorrente dos princípios gerais de direito.

Embargos rejeitados." (TJSP, El n. 87.239-4/3, rei. Arthur Del Guércio, j. 15.03.2000, m.v.)193 Conforme ensina Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery (op. cit., p. 356), apesar de

a lei utilizar-se do termo litisconsorte, o caso é de assistência simples, isso pelo fato de que o denunciado não pode ser considerado litisconsorte da outra parte por não ter com ela qualquer relação jurídica (a relação é entre o denunciante e o denunciado); além disso, o denunciado atuará no interesse do denunciante, já que quer que ele vença a demanda e não seja o terceiro obrigado a ressarcir o que eventualmente poderia haver de condenação.

Page 186: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Terceiro denunciado é revel (citado

deixa de apresentar resposta em juízo)

ou comparece apenas para negar a

qualidade atribuída como causa da

intervenção

0 denunciante continuará na defesa até

o final

O denunciado confessa os fotos

alegados pela parte autora (isso contra o

interesse do denunciante)

Poderá o denunciante continuar na

defesa de seus interesses

Nota-se aqui uma espécie de responsabilidade subsidiária e não solidária. O denunciante é condenado em face do seu adversário na ação principal e o denunciado é condenado em favor do denunciante sobre as quantias ou obrigações que este tiver que arcar em relação à outra parte. Não pode o magistrado condenar solidariamente denunciante e denunciado, pois não existe relação jurídica entre o denunciado e a parte adversa do denunciante.

Assim, a parte vencedora executará a sentença contra o denunciante e, posteriormente, este cobrará do denunciado aquilo que pagou para a outra parte.

7.6 CHAMAMENTO AO PROCESSO

■ ■ 7 . 6 . 1 D E F I N I Ç Ã O E C A B I M E N T O

O chamamento ao processo, conforme previsão do art. 77 do Código de Processo Civil, é modalidade de intervenção de terceiros pela qual o devedor, sendo demandado a pagar a integralidade do débito, tem o direito de chamar à lide os demais co-devedores, para que seja declarada na mesma sentença a responsabilidade dos demais devedores. Seria a hipótese, por exemplo, do fiador que é demandado para pagamento da dívida do seu afiançado. Nesse caso, poderá o réu (fiador) promover o chamamento ao processo para que o devedor principal seja obrigado a ressarci-lo caso tenha que cumprir qualquer obrigação.

Em síntese, o chamamento ao processo é típica modalidade de intervenção de terceiros para se invocar a responsabilidade de co-deve- dores, quando o réu tiver sido demandado sozinho.

Nos casos de obrigações solidárias, ao credor é facultado promover ação contra qualquer um dos devedores. Cada devedor é responsável pela totalidade do débito e, em caso de pagamento integral, ficará sub-rogado ao recebimento das cotas-partes dos demais devedores. Assim, o chamamento ao processo é medida cabível para a atribuição da responsabilidade dos devedores solidários em razão de suas cotas- partes na obrigação.

Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro assevera:29

Pelo chamamento ao processo, ao réu assiste a faculdade

(não a obrigação) de, acionado pelo credor em ação de

cobrança, fazer citar os coobrigados, a fim de que estes

ingressem na relação jurídica processual como litisconsortes,

ficando destarte abrangidos pela eficácia da coisa julgada

material resultante da sentença.Como se vê, ainda segundo as lições do referido autor, são pressupostos para o cabimento do

chamamento ao processo:

a) a existência de outros devedores da mesma obrigação, sejam solidários ou não, responsáveis parcial ou integralmente pelo débito exigido (o fiador, por exemplo, pode ser solidário e ter de responder pela integralidade do débito, mas, na realidade, toda a obrigação deverá, no futuro, ser suportada pelo devedor afiançado);

b) a existência do direito de reembolso (direito de regresso) do réu em relação aos demais devedores (no caso, co-devedores). Obviamente, caso o réu não tenha direito de regresso em relação aos terceiros, não há que se falar em chamamento ao processo por absoluta falta de interesse na medida.

Page 187: Manual de Direito Processual Civil

29 Op. cit., p. 95.

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 185■ i 7 . 6 . 2 P R O C E D I M E N T O

Como se deduz das hipóteses de cabimento, o chamamento ao processo é uma espécie de intervenção de terceiros cuja legitimidade ativa é exclusiva do sujeito passivo da ação. Apenas o réu, quando de-mandado isoladamente para cumprimento de uma obrigação, poderá chamar ao processo os demais co-devedores.

Por essa razão, a lei processual impõe como oportuna para tal requerimento de intervenção de terceiros a formulação dentro do prazo que o demandado tem para a apresentação de sua defesa (con-testação).

O art. 78 do Código de Processo Civil determina que o réu deverá, no prazo da contestação, requerer a citação dos co-devedores. Portanto, deverá o réu apresentar petição, fundamentando o cabimento da intervenção, e requerendo a citação dos demais co-devedores para que venham a ocupar o pólo passivo da ação na qualidade de verdadeiros litisconsortes.194

194 Esse artigo cria uma situação processual, no mínimo, estranha. A lei dá a entender que o réu teria poder de modificar o pólo passivo da ação proposta pelo autor, modificação esta que se daria para a inclusão de novos réus (litisconsortes passivos). Nesse caso, estaríamos diante de uma situação em que o réu pudesse alterar o direito de ação do autor, direito este que compreende a prerrogativa de escolher contra quem pretende demandar.

Page 188: Manual de Direito Processual Civil

Assim, admitido pelo magistrado o chamamento (uma vez que poderá indeferir liminarmente caso não se encontrem as hipóteses de cabimento do art. 77 do CPC), será realizada a citação dos chamados, que passarão a ocupar o pólo passivo da ação, gozando das mesmas prerrogativas típicas dos sujeitos passivos das ações.

O maior benefício do chamamento ao processo é que, na mesma sentença em que julgar procedente a ação do autor (credor) contra o réu (devedor originariamente demandado), o juiz fixará a responsa-bilidade dos demais co-devedores, revestindo-se essa sentença do caráter de título executivo em favor daquele que satisfizer integralmente a dívida, para que possa ser restituído (integral ou parcialmente, dependendo da relação material) do valor pago no lugar dos demais co-devedores.

Note-se que a sentença não alterará o direito do credor (autor) de exigir o cumprimento integral da obrigação daquele contra o qual a ação foi proposta; a intervenção tão-somente permitirá o oferecimento de uma tutela condenatória em favor do réu contra os demais devedores.

Por fim, é importante esclarecer que o não requerimento do chamamento ao processo pelo réu não lhe gera qualquer prejuízo quanto ao direto material que supostamente possa ter em relação aos co-deve- dores. Obviamente, caso o réu não apresente o chamamento, poderá ele, no futuro, se condenado ao pagamento de valor ao autor da ação (credor), promover ação autônoma para ser ressarcido pelos outros co-devedores.

Page 189: Manual de Direito Processual Civil

1 88 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 187

C O M P A R A Ç Ã O E N T R E A S M O D A L I D A D E S D E I N T E R V E N Ç Ã O D E T E R C E I R O S

Assistência Art. 50 Oposição Art. 56 Nomeação à autoria Art. 62 Denunciação da lide Art. 70 Chamamento ao processo

Finalidade Ingresso do terceiro para auxiliar uma das partes para que a sentença

lhe seja favorável

Instrumento para que o terceiro reivindique para si a coisa litigiosa entre autor e réu. É verdadeira ação do terceiro contra as partes da ação

principal. É admitida no processo de conhecimento pelo rito ordinário (não se admite no rito sumário)

A nomeação à autoria tem por finalidade corrigir erro no pólo

passivo da ação. Tem por objetivo substituir o réu (mero detentor da

coisa ou pessoa que tenha praticado o ato a mando de terceiro), pelo verdadeiro

proprietário, possuidor da coisa ou mandante do ato, sujeito que é

parte passiva legítima.A nomeação é dever do réu, pois, caso não o faça, responderá pelos

danos que a outra parte ou terceiros sofrerão em razão de sua

omissão

Invocar a responsabilidade do garantidor, para que este seja

condenado a ressarcir o denunciante caso sai vencido na ação,

ressarcimento este que poderia ser exercício cm ação regressiva

autônoma.É meio de obter a condenação do

terceiro (denunciado) à restituição do que for prejudicado na ação.

As hipóteses de cabimento estão previstas no art. 70 do CPC (evicção,

garantia da posse e nos casos de obrigação legal ou contratual de

ressarci mento.Tem cabimento no rito sumário

apenas quando versar sobre contrato de seguro

É o instrumento colocado a disposição do devedor (réu) para chamar ao processo os demais co- devedores solidários, quanto aquele tiver sido demandado sozinho.

O devedor, demandado sozinho, exerce o chamamento dos demais co-devedores, para que na mesma ação, sejam todos condenados ao ressarcimento daquilo que ele tiver que pagar em nome dos chamados por força da obrigação solidária (art. 77 cita o chamamento do devedor pelo fiador, de outros fiadores pelo fiador, ou dos do- devedores solidários quando demandado isoladamente. Tem cabimento no processo de conhecimento pelo rito ordinário

Requisitos e cabimento

O assistente (terceiro) deve demonstrar interesse jurídico no resultado favorável em favor da

parte assistida.Tem cabimento em qualquer processo ou procedimento, inclusive no rito sumário

a) pressupostos processuais econdições da ação

b)a oposição seja relativa ao objeto litigioso entre autor e

réu (conexão) c) o mesmo juízo seja competente para a ação e oposição d) que a ação principal esteja em curso

(litispendéneia)

Iniciativa (legitimidade)

A iniciativa é do terceiro Iniciativa do terceiro Apenas do réu Autor ou réu da ação principal Exclusiva do réu (devedor demandado sozinho quando existir outros co-devedores)

Prazo(momentoprocessual)

O terceiro poderá requerer sua admissão como assistente a

qualquer momento do processo (enquanto não ocorrer o trânsito em julgado). O terceiro recebe o

processo no estado em que se encontrar

Pode ser exercida até que seja proferida sentença de mérito na ação principal: a) se for apresentada antes

da audiência de instrução do processo principal, será apensada a oposição e

julgada na mesma sentença; b) oferecida depois de iniciada a

audiência de instrução, a oposição terá seu curso como ação autónoma •

pelo rito ordinário. Neste caso, poderá o juiz determinar a suspensão

do processo principal, até 90 dias, para que as ações sejam julgadas em

conjunto.

A nomeação deverá ser exercida no prazo para a defesa do réu

Pelo autor: o pedido deve ser formulado na petição inicial.

Pelo réu: no prazo da contestação

Prazo para a contestação (art. 78)

Efeitos Havendo impugnação pelas partes, o pedido de intervenção será

autuado em apartado para decisão acerca da existência ou não de

interesse jurídico. Não há suspensão do processo durante a

apreciação do incidente

Deferido o processamento da nomeação, ficará suspenso o

processo.Havendo recusa da nomeação pelo autor ou quando o terceiro negar a qualidade que lhe é imputada, será

deferido novo prazo para o réu contestar (art. 67)

Deferido o processamento da denunciação, com a determinação de

citação do denunciado, ficará suspenso o processo alé que seja

aceito ou não o ingresso do terceiro denunciado

Deferido o processamento do chamamento, o juiz suspenderá o processo c determinará a

citação dos demais co- devedores

Page 190: Manual de Direito Processual Civil

188

O Juiz e o s

A U X I L I A R E S D A J U S T I Ç A

8.1 FUNÇÃO DO MAGISTRADO

A terminologia magistrado deriva do latim magistratus, magister, decorrente da raiz mag, relacionada à idéia de grande. O título de magistrado sempre foi conferido às autoridades do Estado que estivessem investidas de poder jurisdicio- nal, ou seja, do poder para dizer o direito ao caso concreto e solucionar os conflitos de

interesses; o julgador, o administrador da justiça: “Magistratus est lex loquens; lex autem est mutus magistratus ’, ou seja, o “magistrado é a lei, que fala; a lei é o magistrado, quando não fala”.1

Os magistrados são os responsáveis pela condução dos processos, zelando pela administração da Justiça e pela aplicação do direito dentro da função jurisdicional do Estado.

De fato, o Código de Processo Civil, orientado pela Constituição da República, prevê que é conferida aos magistrados, incluídos todos os juizes que integram o Poder Judiciário -

1 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, v. III, p. 126, citando Cícero, orador romano.juizes de primeira instância, juizes de tribunais, desembargadores e ministros - a atribuição de presidência dos processos, com observância dos seguintes princípios (art. 125 do CPC):

a) Igualdade entre as partes. O juiz é pessoa estranha ao litígio, mas sujeito do processo que deve zelar pela garantia de tratamento iso- nômico em relação aos litigantes. O magistrado deve fazer com que as partes tenham as mesmas oportunidade em juízo, para que tenham as mesmas condições para a prática dos atos processuais.

Nesse ponto, é fundamental relembrarmos o conceito de igualdade, já tratado anteriormente. Garantir a isonomia é tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida de suas diferenças. Dar igualdade, como já tratamos, é respeitar as diferenças. O magistrado deve manter-se eqüidistante das partes, uma vez que ele é sujeito desinteressado do processo.

b) Velar pela rápida solução do conflito. Os atos do magistrado devem pautar-se no objetivo de fazer com que o processo chegue à sua solução da forma mais rápida possível. O magistrado tem o dever de impedir a procrastinação ou o retardamento injustificado do processo, e por essa razão se lhe impõe a obrigação de indeferir todos os atos inúteis ao deslinde da causa.

c) Coibir os atos contrários à dignidade da justiça. É dever do magistrado exortar as

Page 191: Manual de Direito Processual Civil

0 JUIZ E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA 189

partes e terceiros para que respeitem a autoridade do Poder Judiciário, reprimindo todo e qualquer ato tendente ao desmerecimento e à desonra do referido Poder do Estado.

O art. 129 determina que o juiz deverá, de ofício, inclusive, reprimir a atividade das partes que, utilizando-se do processo, visam à prática de atos simulados ou para fins de obtenção de objeto contrário à lei.

d) Tentar a conciliação.195 É função do juiz, sempre que possível e a qualquer momento processual, levar as partes à composição amigável do conflito.

e) Inafastabilidade do dever de julgar (art. 126 do CPC). Os magistrados não se eximem de proferir julgamento na ação, mesmo quando houver lacuna ou omissão da lei. Ressalte-se que, estando presentes todas as condições da ação e os pressupostos processuais

- não havendo qualquer causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267 do CPC -, o juiz é obrigado a proferir uma sentença acerca do mérito da causa (pretensão do autor e defesa do réu).

O juiz não poderá se recusar a proferir um julgamento de mérito sob o argumento de inexistência de regras no direito positivo. Não havendo norma escrita acerca da matéria, deverá o juiz se valer da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito para solucionar a lide que lhe fora apresentada.

Na qualidade de espectador do processo - colhendo informações e conhecendo a lide para possibilitar a prolação de um veredicto -, o juiz tem o poder de determinar as provas que entender necessárias para esclarecimento dos fatos e formação do seu convencimento.

É o que denominamos de poder instrutório do juiz, que, dentro dos limites em que a lide foi proposta, poderá determinar, independentemente de provocação das partes, as provas que julgar pertinentes ao deslinde da causa (art. 130 do CPC).sua conduta funcional, não bastando as hipóteses de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), portanto, tratando-se de modalidade de responsabilidade subjetiva.

Não se incluiu nesse dispositivo legal o denominado erro judiciário (erro in judicando ou erro in procedendo),196 quando o juiz age de boa-fé; a responsabilização só ocorrerá se a parte provar que ocorreu a intenção de causar o prejuízo ou que o juiz recebeu vantagens para a prática do ato ilícito, circunstâncias em que as partes prejudicadas poderão ser indenizadas pelos danos experimentados, indenização paga pela pessoa do magistrado.

195RESPONSABILIDADES DO JUIZ

Não obstante todos os poderes e deveres conferidos ao magistrado, o Código de Processo Civil também prevê a sua responsabilização civil por perdas e danos quando (art. 133):

a) proceder com dolo ou fraude no exercício de suas funções;b) recusar, omitir ou retardar, sem motivo justificado, as

providências que lhe competem.

Nota-se que a responsabilização pessoal do magistrado apenas se configurará quando ficar provada a existência de dolo ou fraude em

196 Ocorrendo erro judiciário sem demonstração de dolo ou culpa do magistrado, poderá haver apenas a responsabilização civil do Estado em razão do ato do agente, mas não a responsabilização pessoal do juiz.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

8.3 IMPARCIALIDADE: IMPEDIMENTO

E SUSPEIÇÃO

O juiz é pessoa estranha ao litígio, sujeito do processo que não tem nenhum interesse direto na solução do conflito. Repita-se que o juiz é sujeito do processo e não parte, assim o seu único interesse é fazer atuar a vontade da lei ao caso concreto, sem receber para isso qualquer vantagem com o resultado do conflito.

A imparcialidade é, para a relação jurídica, um pressuposto de validade e desenvolvimento regular. Ensina José Frederico Marques que:'1

É imprescindível à lisura e prestígio das decisões

judiciais a inexistência de menor dúvida sobre motivos de

ordem pessoal que possam influir no ânimo do julgador.

De fato, a certeza da imparcialidade do magistrado é que confere legitimidade e autoridade às decisões do Poder Judiciário, ou seja, é agarantia de que a pessoa do juiz não será influenciada por interesses particulares quando da prolação do julgamento. A parcialidade afastaria a vontade da lei para fazer prevalecer o interesse particular do juiz.

Por essa razão, a fim de afastar a parcialidade, o Código de Processo Civil prevê os casos de impedimento e suspeição da pessoa do juiz

- todo e qualquer magistrado, art. 137 do CPC -, hipóteses em que, a princípio, o magistrado está impossibilitado de exercer a função juris- dicional.

As hipóteses de impedimento referem-se às situações de certeza da parcialidade do juiz (parcialidade absoluta). Ao descrever os casos de impedimento, em circunstâncias objetivas, no

art. 134, o Código dá presunção absoluta, iuris et de jure (que não admite prova em contrário), da parcialidade do magistrado.5

Configura-se, nos termos do art. 134, o impedimento quando:

a) o juiz for parte;

b) interveio o magistrado na qualidade de mandatário (procurador) da parte ou de perito, funcionou como órgão do Ministério Público ou prestou depoimento na qualidade de testemunha;

c) o juiz conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão. Uma vez que o magistrado funcionou no processo quando este tramitava na primeira instância, não poderá ele exercer função quando o mesmo processo se encontrar no tribunal;

d) estiver postulando como advogado da parte o cônjuge ou qualquer parente do juiz, em linha reta ou na colateral até o segundo grau (irmão ou cunhado);

e) o juiz for cônjuge, parente de alguma das partes, em linha reta, ou na colateral, até o terceiro grau;

f) o juiz for (ou tiver sido) diretor ou administrador de pessoa jurídica que seja parte na causa;

g) dois ou mais juizes forem parentes, em linha reta e no segundo grau na linha colateral; o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; o segundo iráse escusar e remeter o processo ao seu substituto legal (art. 136 do CPC). Seria o caso de juizes parentes que atuam no mesmo tribunal. Assim, o primeiro afasta a possibilidade do segundo de atuar na relação jurídica processual.

O impedimento previsto no item d (inc. IV do art. 134) apenas se verifica quando o advogado já estava atuando na causa. Ao contrário, é vedado ao advogado ingressar na causa em que já atue como juiz pessoa que é seu cônjuge, ou parente, em linha reta, ou na colateral até o segundo grau (parágrafo único do art. 134).

Page 193: Manual de Direito Processual Civil

0 JUIZ E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA 191

Imaginemos que, em certo processo em curso, encontra-se atuando determinado juiz - neste caso, o seu cônjuge ou irmão não poderá ingressar na qualidade de advogado de qualquer uma das partes. Se o juiz já funcionava no processo, o advogado que for seu cônjuge ou irmão é que ficará impedido de ingressar no feito.

Por outro lado, vislumbramos as hipóteses de suspeição, circunstâncias em que ocorre a parcialidade relativa do magistrado (circunstâncias subjetivas), que pode ser ilidida por provas

em sentido contrário, por se tratar de uma presunção iures tantum.Conforme dispõe o art. 135, há casos de suspeição quando:

a) o juiz for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer uma das partes;

b) alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, na linha reta ou colateral até o terceiro grau;

c) o juiz for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

d) o juiz receber dádivas (presentes, donativos, ofertas etc.) antes ou depois de iniciado o processo, aconselhar as partes acerca do objeto da causa ou conferir meios para que a parte arque com as despesas do litígio;

e) tiver o juiz interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes; e

f) o juiz alega motivo íntimo.197

Nota-se que o rol do art. 135 é meramente exemplifkativo (ao contrário dos casos de impedimento), pois, em qualquer circunstância em que ficar provado o interesse direto do magistrado no resultado da causa, seja para benefício próprio, de seus parentes ou de qualquer outra pessoa, estará suspeito para prosseguir no julgamento da causa.

O juiz tem o dever de, mesmo de ofício, conhecer e declarar o impedimento e a suspeição. Caso não o faça, a parte interessada poderá fazê-lo por meio de exceção de impedimento ou de suspeição. Note- se que o impedimento, por se tratar de parcialidade absoluta, pode ser alegado em qualquer momento ou fase processual, pois não é passível de preclusão. Ao contrário, a suspeição deve ser argüida pela parte interessada ou pelo Ministério Público no prazo da defesa ou, quando superveniente à defesa, no primeiro momento em que competir à parte falar no processo, sob pena de preclusão.

Reconhecido o impedimento ou a suspeição, os autos serão remetidos ao substituto legal do magistrado que foi afastado em razão da parcialidade.

Por fim, é imperioso esclarecer que as hipóteses de impedimento e suspeição são aplicáveis também aos membros do Ministério Público (promotores e procuradores de justiça, procuradores da República etc.) e aos auxiliares da jurisdição, ao perito e ao intérprete.

8.4 AUXILIARES DA JURISDIÇÃO

Para o exercício da atividade jurisdicional, o magistrado se vale de auxiliares - servidores do Estado ou terceiros, que atuam no processo para a consecução de seu objetivo: o oferecimento da tutela jurisdicional. Cada vara ou juízo será dotado de um ofício de justiça (cartório), com atribuições definidas pelas leis de organização judiciária (art. 140 do CPC) para, em síntese, a coordenação e a realização dos atos processuais determinados pelos juizes, a guarda dos autos dos processos, e os demais atos de auxílio à atividade jurisdicional.

tos magistrados, em razão de convicções pessoais ou religiosas, declaram-se suspeitos, por motivo

íntimo, para atuação nesses casos.

Assim, podemos dizer que são auxiliares da jurisdição:

a) Escrivão. O art. 141 do Código de Processo Civil define como atribuições do escrivão: redigir os ofícios, mandados, cartas e demais atos; executar as ordens judiciais; comparecer à audiência para lavra- tura do termo (ou designar substituto); ter sob sua

197 Comum ocorrência, por exemplo, nos procedimentos que visam autorização para a rea-lização de abortamento nos casos em que a criança não sobreviverá (aborto eugenésico). Mui-

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

guarda e conservação os autos dos processos de competência do juízo; remeter os autos à conclusão (ao juiz); abrir vistas aos advogados e membros do Ministério Público; fornecer certidões; e todos os demais atos previstos na lei de organização judiciária do âmbito em que atua.

b) Oficial de justiça. O oficial de justiça é responsável, principalmente, pelos atos de comunicação do processo, como o de citação e de intimações pessoais. Além disso, é o oficial de justiça o responsável pelo cumprimento dos demais mandados judiciais (penhora, arresto, seqüestro, constatações etc.). O Código de Processo prevê também como função do oficial de justiça, o auxílio ao escrivão nas audiências, em especial para a manutenção da ordem e para apregoar as partes e testemunhas.

c) Perito (do latim expertu). O perito é o auxiliar da justiça com conhecimentos técnicos ou científicos que assiste o juiz na apreciação de fatos que dependerem de habilidade específica, havendo, por exemplo, o contador, o médico, o engenheiro etc. A regra é no sentido de que os peritos são escolhidos entre profissionais com formação universitária, com inscrição no órgão de classe e com especialidade na matéria em que atuarão, admitindo-se, todavia, a indicação livre pelo juiz quando na localidade não existir técnico com as qualificações anteriores.

d) Depositário e administrador judicial. O depositário é o auxiliar incumbido da guarda e da conservação de bens colocados à disposição do juízo (decorrentes da consignação judicial, da penhora, do arresto, da arrecadação etc.). Já o administrador é o auxiliar designado pelo magistrado para dirigir ou fazer gestão de coisa alheia confiada ao juízo. O depositário e o administrador podem ser particulares no exercício de uma função pública (não são necessariamente servidores do Estado), sendo esta atividade remunerada.

e) Intérprete. O intérprete ou o tradutor são necessários para a análise e o entendimento de documentos redigidos em língua estrangeira, para traduzir em português as declarações das partes ou testemunhas que não souberem o idioma oficial e traduzir a língua mímica dos surdos-mudos, quando não possível a manifestação da vontade pelo modo escrito.

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193

9

O M I N I S T É R I O P Ú B L I C O

9.1 A FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

A Constituição da República definiu o Ministério Público como instituição essencial ao Estado Democrático de Direito e à administração da Justiça, representando órgão independente e autônomo em relação aos demais Poderes do Estado, com atribuições constitucionais de defesa do interesse social, da ordem jurídica e dos direitos indisponíveis.

O Ministério Público ocupa a atribuição excelsa de defensor da sociedade e da República brasileira, zelando pela integralidade do Estado Democrático e pela manutenção da ordem jurídica, como verdadeiro fiscal da lei.

9.2 CARACTERÍSTICAS E GARANTIAS

Em razão da própria natureza de sua função, o Ministério Público é instituição que goza das seguintes características:

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) Autonomia e independência. O Ministério Público é instituição absolutamente independente e desvinculada de qualquer um dos Poderes do Estado brasileiro. O promotor exerce sua atividade sem qualquer grau de subordinação em relação aos magistrados, advogados ou quaisquer outras autoridades do Estado.198 Além disso, a instituição tem autonomia administrativa, financeira e de auto-regulamentação, não se sujeitando ao controle direto de outro órgão.

b) Órgão permanente e essencial. A Constituição da República elege o Ministério Público como órgão imprescindível à guarda do ordenamento jurídico, dos interesses da sociedade como um todo e

dos interesses indisponíveis. O parquet é instituição vital para a manutenção da ordem jurídica.

9.3 ESTRUTURA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A unidade e a indivisibilidade são características marcantes do Ministério Público brasileiro, já que, apesar de existir estruturação orgânica e funcional da instituição, todos os seus membros integram um só órgão. Além disso, os membros do Ministério Público não se vinculam aos processos em que atuam, sendo absolutamente possível a substituição, na forma da lei, de um membro por outro.2

No entanto, não obstante a unicidade, o Ministério Público é estruturado da seguinte forma:

a) Ministério Público da União, que abrange: o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O Ministério Público da União é chefiado pelo Procurador-Geral da República.

b) Ministério Público dos estados, com atribuição para funcionar no âmbito da Justiça dos estados, cabendo a chefia ao Procurador-Geral de Justiça de cada estado-membro.A estrutura do Ministério Público gera as seguintes denominações de seus membros:

■ I 9 . 3 . 1 M I N I S T É R I O P Ú B L I C O D A U N I Ã OProcurador-Geral da República - chefe do Ministério Público da União;Procuradores da República - membros do Ministério Público.

■ i 9 . 3 . 2 M I N I S T É R I O P Ú B L I C O D O S E S T A D O S

Procurador-Geral de Justiça - chefe do Ministério Público do estado;Procuradores de justiça199 - membros do Ministério Público que atuam na segunda instância de

jurisdição (nos tribunais);Promotores de justiça - membros do Ministério Público que funcionam nos órgãos jurisdicionais de

primeira instância da Justiça dos estados.

9.4 ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição da República, em seu art. 129, atribui ao Ministério Público as seguintes funções

institucionais:

a) a promoção da ação penal pública;

b) o zelo pelo efetivo respeito aos Poderes e serviços de relevância pública;

c) promoção do inquérito civiP e da ação civil pública, para defesa de todo patrimônio público e coletivo;

d) propositura das ações diretas de inconstitucionalidade e a representação para intervenção da

198 Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, p. 1.517.? Leda Pereira Mota & Celso Spitzcovsky, Curso de direito constitucional, p. 176.199 Não se confundem com os procuradores dos estados, uma vez que, enquanto os procuradores de

justiça são membros do Ministério Público, os procuradores dos estados são advogados do estado-membro, portanto, vinculados ao Poder Executivo daquele ente da federação.

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0 MINISTÉRIO PÚBLICO 195

União nos estados-membros.

Com efeito, ressalvada a atuação do Ministério Público nas ações penais - nas quais sua participação é mais marcante e ampla -, como desdobramento do mandamento constitucional anteriormente referido, no âmbito da jurisdição civil podemos definir a atuação do Ministério Público como:

a) parte autora; e

b) fiscal da lei (custos legis).

mt 9.4.1 o M I N I S T É R I O P Ú B L I C O C O M O P A R T E

Em conformidade com o disposto no art. 129 da Constituição, nos casos expressos em lei e para a defesa de interesses metaindividuais - entendidos como aqueles relevantes para a coletividade -, o Ministério Público tem legitimidade para propor ações em defesa desses direitos que vão além do interesse meramente individual.

Assim, podemos afirmar que os membros do Ministério Público, dentro de suas competências e atribuições internas, têm legitimidade para a propositura das seguintes ações:

a) Ação civil pública. Nos termos da Lei n. 7.347/85, trata-se de ação destinada à responsabilização civil pelos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, e paisagístico, por infração à ordem eco-nômica ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Como se vê, em todas as hipóteses de cabimento da ação civil pública existe a defesa de um interesse social ou coletivo, direitos transindividuais que pertencem a toda a sociedade e não comportam divisão. Como exemplo, podemos citar a agressão ao meio ambiente: nesse caso, o direito lesado pertence à sociedade como um todo, não sendo possível determinar-se a parcela de cada indivíduo no direito lesado (por isso, indivisível).Obviamente, o Ministério Público, como guardião dos interesses da coletividade, tem absoluta legitimidade para a propositura de ação para responsabilização e prevenção de lesão aos bens jurídicos a ela pertencentes.

b) Ações coletivas em defesa do consumidor. O art. 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) confere legitimidade concorrente aos membros do Ministério Público para a propositura de ações coletivas em defesa dos direitos dos consumidores.

c) Ações diretas de controle da constitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), Ação Declaratória de Constitucionalidade (Adecon) e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) - são todas ações que objetivam o controle em abstrato da constitucionalidade, e se destinam à verificação de compatibilidade das normas inferiores em face da Constituição da República.

Nota-se que a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ações de controle da constitucionalidade é típica atividade de defesa da supremacia da Constituição da República, relevante para a defesa do Estado Democrático de Direito e de interesse de toda a coletividade.

Cumpre observar que a legitimidade conferida ao Ministério Público para a propositura de ações para o controle da constitucionalidade - de forma concorrente com outras pessoas200 - deve ser exercida pelo Procurador-Geral da República (chefe do Ministério Público da União), não sendo possível aos demais promotores e procuradores a manipulação das referidas ações.

d) Ação rescisória. A ação rescisória é o instrumento para descons- tituição de uma sentença transitada em julgado; portanto, o Ministério Público tem legitimidade para a propositura dessa ação, nos termos do art. 487, III, do Código de Processo Civil, quando ele não foi ouvido em processo em que deveria intervir obrigatoriamente como fiscal da lei ou quando a sentença foi proferida sob efeito de pacto ou ajuste entre as partes com o objetivo de fraudar a lei.Por fim, é importante esclarecer que os membros do Ministério Público, além de legitimidade para

figurarem como autores das ações anteriormente mencionadas, também são detentores do ius postulandi necessário ã propositura da ação. Portanto, o Ministério Público não necessita de advogado para a

propositura das ações de que é titular; os seus próprios membros exercem o ius postulandi.

mm 9 . 4 . 2 O M i n i s t é r i o p ú b l i c o c o m o F i s c a l d a L e iNão obstante a atuação dos membros do Ministério Público como autores de ações em defesa do

interesse coletivo, nos casos expressamente previstos na lei, a sua intervenção é obrigatória na

qualidade de fiscal da lei ou custos legis, situações em que a Instituição assistirá ao litígio não na qualidade de sujeito parcial, mas de crítico sem comprometimento direto na solução do conflito.

Na qualidade de custos legis, os promotores ou procuradores do Ministério Público funcionam no processo civil como verdadeiros fiscais da correta aplicação do direito ao caso concreto e do regular processamento do feito, sendo justificada a sua intervenção nos casos envolvendo o interesse coletivo ou individual de natureza indisponível postos em juízo.

200 Além do procurador-geral da República, há outros legitimados à propositura das ações de controle da constitucionalidade, nos termos do art. 103 da Constituição da República.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A esse respeito, o art. 82 do Código de Processo Civil dispõe que o Ministério Público intervirá nas seguintes situações:

a) na ação que versar sobre interesses de incapazes; é o caso, por exemplo, das ações em que figuram como parte (autora ou ré) menores de idade ou interditos (por exemplo, ações de alimentos, investigação de paternidade ou da guarda envolvendo menores de idade);

b) nas ações que versarem sobre estado ou capacidade das pessoas, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade (testamentos);

c) nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural;

d) nas causas em que, pela natureza do bem litigioso ou pessoa que figure em um dos pólos, houver interesse público. O interesse público não se confunde com o interesse da Fazenda Pública, por-tanto, nem sempre que a pessoa jurídica de direito público for parte na demanda, o Ministério Público deverá intervir como fiscal da lei. A participação do Ministério Público, no caso em análise, depende da comprovação de lide acerca do interesse público ou coletivo.201

Além disso, há intervenção do Ministério Público:

e) nos incidentes de conflito de competência (art. 116 do CPC);

f) nos incidentes de uniformização de jurisprudência (parágrafo único do art. 478 do CPC);

g) nos incidentes de argüição de inconstitucionalidade7 (art. 480 do CPC);

h) nas ações cautelares (de justificação) quando os interessados não puderem ser citados pessoalmente ou forem desconhecidos (parágrafo único do art. 862 do CPC);

i) na ação de usucapião de terras particulares (art. 944 do CPC);j) nas ações de inventário (art. 999 do CPC);k) nas ações de abertura e cumprimento de testamento (art. 1.126

doCPC);1) quando de arrecadação de herança jacente202 (§ 2o do art. 1.145 do CPC);m) em procedimento de arrecadação de coisas vagas203 (art. 1.172 do CPC);n) nas ações civis públicas (quando o Ministério Público não for parte autora) (art. 5o e § Io da Lei n. 7.347/85);

o) nas ações diretas de controle da constitucionalidade (mesmo que sejam promovidas pelo Procurador-

Geral da República) (art. 8o da Lei n. 9.868/99); p) nas ações populares204 (art. 7o, I, a, da Lei n. 4.717/65); q) nas ações de desapropriação de imóvel rural (art. 6o, § 3o, da Lei Complementar n. 76/93); r) nas ações que versarem sobre improbidade administrativa (art. 17, § 4° da Lei n. 8.429/92); s) nos mandados de segurança, quando houver interesse público (art.

10 da Lei n. 1.533/51); t) no habeas data (art. 12 da Lei n. 9.507/97).

Não obstante a enumeração das hipóteses anteriores, o Ministério Público intervirá sempre que o litígio versar sobre interesse público, como preceitua o art. 82, III, do Código de Processo Civil.

O interesse público é aquele pertencente à coletividade, à sociedade e não ao particular. O interesse público não se confunde com interesse da fazenda pública (da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios).205

201 "Processual civil. Ação de cobrança movida contra ente público. Intervenção do Ministério Público. Desnecessidade. Precedentes. 1. Não se confunde o interesse patrimonial da Fazenda Pública com o interesse público, capaz de legitimar a intervenção do Ministério Público, nos termos do art. 82, inc. III, do CPC, ainda que de elevada importância o valor da condenação. 2. Precedentes desta Corte.

3. Agravo regimental improvido." (STJ, 2à T., Ag. Reg. no REsp n. 278.770, rei. Min. Eliana Calmon, j.

17.10.2002, v.u.)"Nem sempre o interesse da Fazenda Pública se constitui em interesse público convo- cador do

Ministério Público, como custos legis. Agravo denegado" (STJ, 3a Seção, AE REsp n. 236.853, rei. Min. Fontes de Alencar, j. 12.09.2001, v.u.). No mesmo sentido REsp ns. 137.186, 108.232 e 263.447.

202 Quando o falecido não deixa herdeiros ou sucessores, sendo os bens arrecadados pelo Estado.

203 Procedimento de jurisdição voluntária utilizado para a entrega em juízo de coisa achada-art. 1.170 do CPC.

204 Pode ser proposta por qualquer cidadão com a finalidade de anular e obter a reparação por atos lesivos ao patrimônio público como um todo (qualquer bem público).205Lições de Carnelutti, Renato Alessi, Celso António Bandeira de Mello e Min. Eros Roberto Grau. 4. 0 Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adim- plemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao 'interesse público'. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio. 5. Deveras, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponível é o interesse público, e não o interesse da administração. Nessa última

hipótese, não é necessária a atuação do Parquet no mister de custos legis, máxime porque a entidade

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0 MINISTÉRIO PÚBLICO 197

Nas hipóteses em que a lei impõe a intervenção do Ministério Público na qualidade de custos legis, essa participação é pressuposto de desenvolvimento válido do processo, já que a ausência do parquet, quando necessário, gerará nulidade absoluta dos atos processuais praticados, nos termos do art. 84 do Código de Processo Civil.206

No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado no sentido de que a intervenção do Ministério Público na segunda instância, mesmo que não tenha integrado a relação no primeiro grau de jurisdição, poderá suprimir o defeito processual.

A regra é no sentido de que não se decreta a nulidade dos atos processuais se não houver a demonstração de prejuízo às partes ou à regular administração do Poder Judiciário.207

9.5 PODERES NA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIOPÚBLICO

Atuando o Ministério Público como parte autora do processo, ele gozará de todas as prerrogativas, direitos e obrigações inerentes à qualidade de parte; promoverá todos os atos concernentes ao pólo da ação que ocupa: petição inicial, manifestação acerca dos autos da parte ré, requerimento de provas, recurso como parte sucumbente etc.

Por outro lado, agindo como fiscal da lei, os membros do Ministério Público oferecerão seus pareceres acerca do mérito do litígio e do processamento do feito, com prerrogativa de ser intimado e ter vistas dos autos do processo sempre após as manifestações das partes.

Além disso, também na qualidade de fiscal da lei, o Ministério Público poderá requerer e produzir provas no processo (como juntar documentos, arrolar e ouvir testemunhas, requerer perícia etc.), bem como recorrer das decisões proferidas no processo, nos termos do art. 499 do Código de Processo Civil.

Por derradeiro, é importante esclarecer que os pareceres (cotas) apresentados pelo Ministério Público na qualidade de fiscal da lei não obrigam o magistrado; trata-se tão-somente da intervenção de um fiscal que opina sobre os fatos e direitos do processo, sem que tais manifestações tenham efeito vinculante sobre o órgão jurisdicional.

9.6 CONTROLE EXTERNO DO MINISTÉRIO

PÚBLICO

A Emenda Constitucional n. 45/2004, nos mesmos moldes estabelecidos para a Magistratura, acrescentou o art. 130-A à Constituição da República como forma de criar o Conselho Nacional do Ministério Público.

integrarem o pólo ativo da lide, esta Corte firmou o entendimento segundo o qual não há nulidade na

ausência de intervenção do Ministério Público quando inocorrem prejuízos ao menor incapaz, (cf.: AGA n.

423.153/RS, rei Ministro Aldir Passarinho Junior, DJU de 16/09/2002).“ (STJ, Ag. Reg. no Ag. n.

498.192/RJ, rei. Min. Jorge Scartezzini, j. 05.10.2004).Tal Conselho, é composto por quatorze membros nomeados pelo presidente da República, depois de

aprovado o nome pela maioria absoluta do Senado Federal. A escolha deverá observar a seguinte com-posição:

a) procurador-geral da República, que exercerá a presidência do Conselho Nacional do Ministério

pública empreende a sua defesa através de corpo próprio de profissionais da advocacia da União. Precedentes jurisprudenciais que se reforçam, na medida em que a atuação do Ministério Público não é exigível em várias ações movidas contra a administração, como, v.g., só ocorre com a ação de

desapropriação prevista no Decreto-lei n.3.365/41 (Lei de Desapropriação). 6. In genere, as ações que visam ao ressarcimento pecuniário contêm interesses disponíveis das partes, não necessitando, portanto, de um órgão para fiscalizar a boa aplicação das leis em prol da defesa da sociedade. 7. Hipótese em que se revela evidente a ausência de interesse público indisponível, haja vista tratar-se de litígio travado entre o Estado de Rondônia e INSS e o Procurador de Estado Beniamine Gegle de Oliveira Chaves, onde se questiona a reparação por danos morais, tendo em vista ter sido injustamente denunciado pelo crime tipificado no art. 89, da lei 8.666/93. 8. Ademais, a suposta nulidade somente pode ser decretada se comprovado o prejuízo para os fins de justiça do processo, em razão do Princípio de que 'não há nulidade sem prejuízo' ('pas des nullités sans grief'). 9. Recurso especial desprovido." (STJ, REsp n. 303.806/R0, rei. Min. Luiz Fux, j. 22.03.2005)

206 "Ação. Nulidade. Promovida em face de espólio. Existência de herdeiro incapaz. Falta de participação do Ministério Público. Processo anulado de ofício, a partir do despacho sanea- dor. Exames dos recursos prejudicados. Imprescindível a intervenção do Ministério Público em demanda promovida em face de espólio no qual figura incapaz como herdeiro, uma vez que o seu resultado poderá repercutir em seu património." (TJSP, Ap. n 254.794-1, rei. Des. Rui- ter Oliva, 20.08.1996, v.u.)

207 "Com relação à preliminar de nulidade do feito por ausência da intervenção do Ministério Público, considero irretocável a r. decisão agravada, porquanto além dos pais do menor

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Público;

b) quatro membros do Ministério Público da União, com respeito à representação de cada uma das carreiras (Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios);

c) três membros do Ministério Público dos estados;

d) dois juizes, um indicado pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça;

e) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

f) dois cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, indicado um pelo Senado Federal e o outro pela Câmara dos Deputados.

Os membros do Conselho Nacional do Ministério Público exercerão mandato de dois anos, admitida

uma recondução.Por fim, cumpre-nos ressaltar que as funções do Conselho Nacional do Ministério Público são de

mera fiscalização administrativa (disciplinar) e financeira, não havendo nenhuma atribuição típica do Ministério Público, nos termos do § 2o do art. 130-A da Constituição da República.

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IOC O M P E T Ê N C I A

10.1 DEFINIÇÃO

Ao estudarmos a atividade jurisdicional, constatamos que o Estado exerce essa função por meio de diversos órgãos do Poder Judiciário, órgãos estes investidos de poder para dizer o direito ao caso concreto e solucionar os conflitos existentes na sociedade. Dessa forma, podemos definir competência como a divisão ou delimitação da jurisdição entre os diversos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, podendo também ser conceituada como a medida de atribuições jurisdicionais conferidas a cada órgão do Judiciário.208

Ao propor uma ação, diante de todos os órgãos do Poder Judiciário, surge para o patrono da causa a seguinte questão: para qual juízo devo dirigir o processo? A ação deve ser proposta na Justiça Federal ou na Estadual? Ou ainda: a deman-

208' Para José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 330: "Competência é a medida da jurisdição, uma vez que determina a esfera de atribuições dos órgãos que exercem as funções jurisdicionais".

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

da será processada em qual localidade? Em São Paulo (domicílio do réu) ou no Rio de Janeiro (domicílio do autor)?

Todas essas questões são resolvidas pelas regras de competência.A jurisdição confere a todos os seus membros a investidura para manifestação do direito aos casos

concretos, mas nem todos têm competência para julgar qualquer ação. A cada órgão da jurisdição é atri-buída uma função específica sobre determinado território, tendo o juízo competência para atuar dentro desses limites. Por exemplo, um magistrado da Justiça do Trabalho não tem competência para atuar em processo cível comum, bem como um juízo de família não tem competência para o processamento de uma demanda de natureza penal.

10.2 COMPETÊNCIA INTERNA E INTERNACIONAL

O estudo da competência inicia-se com a verificação deste instituto no âmbito internacional, na tentativa de, diante de todos os órgãos jurisdicionais do mundo (Poder Judiciário de cada Estado soberano), apurar se a competência para processamento da causa é do Poder Judiciário brasileiro - competência interna - ou se pode ser exercida por órgão de outro país - competência internacional.

O crescimento das relações internacionais entre os particulares, ou mesmo entre estes e outros Estados, traz a essa matéria grande relevância para o aplicador do direito.

Imaginemos o caso em que uma empresa brasileira contrata outra nos Estados Unidos para a realização de determinado trabalho em Portugal. Nesse caso, surgindo controvérsia ou lide entre as partes contratantes, em qual órgão jurisdicional será promovida a ação? As partes devem utilizar-se da competência interna (do Poder Judiciário brasileiro) ou poderão valer-se do aparelho judicial dos Estados Unidos ou de Portugal?

A solução dessas dúvidas se faz por meio do disposto nos arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil, que assim classifica:

a) Competência interna exclusiva. Hipóteses em que, para garantia

de soberania, é excluída a jurisdição de qualquer outro país. Con-forme dispõe o art. 89 do Código de Processo Civil, a Justiça brasileira é exclusivamente competente para as seguintes ações:

• relativas a imóveis situados no Brasil;

• de inventário de bens (móveis ou imóveis) situados no território brasileiro, mesmo que o autor da herança (o falecido) seja estrangeiro ou tenha residido fora do país.209

b) Competência concorrente. Não sendo caso de competência interna exclusiva, o art. 88 do

209 CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO DE

COMPETÊNCIA

Em se tratando de competência interna (processo que tramitará no Poder Judiciário brasileiro), a divisão da atividade jurisdicional entre os diversos órgãos do Judiciário se dá segundo os seguintes critérios:

a) Funcional. Ao criar um órgão do Judiciário, a Constituição da Re-pública ou a Carta estadual que o criou atribui a esse juízo funções específicas e determinadas segundo: a) a matéria posta em conflito, b) a hierarquia do órgão jurisdicional ou c) a pessoa que figura em um dos pólos da demanda.

A Constituição da República estabeleceu quatro aparelhos ju-diciários, determinando a competência de cada um, de forma pre-ponderante, em razão da matéria a ser julgada, sendo eles: a Justi-

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COMPETÊNCIA 201

ordenamento processual estabelece situações em que a ação poderá ser proposta tanto diante do Poder Judiciário brasileiro quanto da autoridade estrangeira competente segundo as normas de seu país. Admite-se a competência concorrente:

• quando o réu tiver domicílio no Brasil, seja qual for a sua nacionalidade, incluindo-se as pessoas jurídicas estrangeiras que tenham agência ou filial no País;

• quando a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil;

• quando a ação tiver por causa fato ocorrido ou praticado dentro do território nacional.

Cumpre salientar que a propositura de ação perante autoridade estrangeira, nos casos em que o Brasil admite a competência concorrente, não impede a propositura de ação idêntica diante do Poder Judiciário brasileiro, conforme preceitua o art. 90 do Código de Processo Civil, ou, em outras palavras, a propositura de ação idêntica perante tribunal ou órgão judiciário do estrangeiro não induz litispendência.

Por outro lado, proferida sentença por órgão estrangeiro e, sendo ela homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (conforme determina o art. 105, inc. I, alínea i, da CF), caso exista processo em curso no Brasil, deverá este ser extinto, pois, uma vez homologada a sentença estrangeira, fica determinada a coisa julgada e a matéria não poderá ser discutida novamente.

No entanto, devemos lembrar que o Superior Tribunal de Justiça está impedido de homologar sentenças proferidas por órgãos estrangeiros quando a matéria estiver inclusa naquelas em que o Brasil reserva para si a competência interna exclusiva (art. 89 e incs. do CPC). Por exemplo, imaginemos que seja proferida em Portugal sentença acerca da partilha de bens situados no Brasil. Nesse caso, o Superior Tribunal de Justiça não poderá homologar a sentença estrangeira, vez que o inc.

II do art. 89 determina a competência da Justiça brasileira com exclusividade.ça do Trabalho (Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Juízos do Trabalho); a Justiça Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais e Juízos Eleitorais); a Justiça Militar e a comum (Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça dos Estados e os Juízos de primeira instância).

Por sua vez, dentro da própria Justiça comum, os juízos são organizados por áreas de

especialização, levando-se em consideração, nos termos das normas de organização judiciária, as

diversas matérias e ramos do direito, havendo, por exemplo, na Justiça do estado de São Paulo, juízos

cíveis, juízos da família, juízos criminais etc.

Outro fator determinante da competência funcional é a hierarquia do órgão jurisdicional. Como bem

sabemos, os órgãos da jurisdição são organizados em graus de hierarquias (primeira, segunda instância e

tribunais superiores), conferindo a cada um competências originárias (atribuição para conhecer em

primeiro lugar de um processo) e competências recursais (julgamento em fase de recurso com a revisão de

uma decisão proferida em competência originária ou mesmo recursal).

A regra é no sentido de a competência originária para o conhecimento das ações ser da primeira

instância (instância inferior) e dos tribunais para o julgamento em recursos. No entanto, em casos

excepcionais e expressamente previstos na legislação, os tribunais exercem competências originárias, ou

seja, algumas ações são propostas diretamente no tribunal competente, não havendo a participação do

juízo de primeira instância. É o caso, por exemplo, das ações rescisórias, das ações diretas de

controle da constitucio- nalidade (competência do STF), da homologação de sentença estrangeira (STJ),

situações, entre muitas outras, em que a ação é proposta diretamente no tribunal competente nos termos

da lei.

Exemplos de competências originárias dos Tribunais em matéria civil:

i) Supremo Tribunal Federal - Art. 102, inc. I da Constituição Federal:

• ações de controle concentrado da constitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental;

Page 204: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

• mandado de segurança e habeas data, quando a autoridade coatora for o presidente da República, presidentes das Mesas do Congresso Nacional, do Tribunal de Contas da União, procurador-geral da República ou ministro do próprio Supremo;

• litígios entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, estado, Distrito Federal ou território;

• litígios entre a União e os estados, União e o Distrito Federal ou territórios, ou entre uns e outros, inclusive em se tratando de pessoas da administração indireta (como as autarquias);

• extradição solicitada por Estado estrangeiro;

• ações em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados;

• ações em que mais da metade dos membros de tribunal inferior estejam impedidos ou estejam direta ou indiretamente interessados;

• conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e outros tribunais;

• ações contra o Conselho Nacional de Justiça ou o Conselho Nacional do Ministério Público;

ii) Superior Tribunal de Justiça - Art. 105, inc. I, da Constituição

Federal:

• mandados de segurança e habeas data quando a autoridade coatora for ministro de Estado, dos comandantes da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica;

• ações relativas a conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um estado e as administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e as da União;

• a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias destinadas ao Brasil;210

iii) Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Art. 74 da Constituição do Estado:

• ações mandamentais contra atos do governador do estado, da Mesa e da presidência da Assembléia Legislativa do Estado, de desembargador do Tribunal de Justiça, dos presidentes do Tribunal de Contas do Estado e do Município de São Paulo, do procurador-geral de Justiça, do prefeito e do presidente da Câmara Municipal da Capital;

• ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, contestados em face da Constituição Estadual;

• ações ou representações de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Constituição da República;

• pedido de intervenção estadual no município;

• as ações rescisórias dos julgados do próprio Tribunal de Justiça;

• conflitos de atribuições entre as autoridades administrativas e judiciárias do estado.

Além disso, a competência funcional também poderá ser fixada em razão da pessoa que figura em um dos pólos da ação. É a hipótese, por exemplo, do disposto no art. 109 da Constituição da República que determina serem da competência da Justiça Federal as ações em que figurem como parte a União ou qualquer outro ente público federal.

b) Territorial. Além do critério funcional, o exercício da atividade jurisdicional é dividido

entre os juízos dentro do próprio território nacional. Cada órgão jurisdicional exerce suas

funções dentro de determinadas porções de territórios (por exemplo: dentro da comarca, da seção

judiciária etc.), cujos detalhes serão abordados no item 10.5.

210 A EC n. 45/2004 transferiu a competência para a homologação da sentença estrangeira e a

concessão de exequatur do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça.

Page 205: Manual de Direito Processual Civil

COMPETÊNCIA 203

c) Valor da causa. Alguns juízos recebem competência para o processamento de causas segundo o

valor atribuído à causa pelo autor (art. 258 do CPC). É o que acontece com os Juizados Especiais

dos estados ou federais, os quais têm competência para o julgamento de causas que não excedam a

determinado valor, como será visto no item 10.7.

10.4 COMPETÊNCIA FUNCIONAL DA JUSTIÇA

FEDERAL 211 E DAS JUSTIÇAS DOS ESTADOS

Ao tratarmos da organização judiciária brasileira, afirmamos que a jurisdição comum é dividida em

dois aparelhos judiciários: a Justiça Federal e a Justiça dos Estados.

A Justiça Federal tem sua competência estabelecida no art. 109 da Constituição da República, para

em matéria civil, em síntese, processar as seguintes causas:

a) em que figure como parte (autora ou ré) ou interessada (na qualidade de terceiro) a União,

autarquia ou empresa pública federal (não se incluem as empresas federais de economia mista).212

Em situações excepcionais, que trataremos a seguir, mesmo que tenha interesse no conflito ente

público federal, a Constituições exclui a competência da Justiça Federal;

b) entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e município ou pessoa domiciliada no

Brasil (art. 109, II);

c) fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (art. 109, III);

d) mandado de segurança e habeas data impetrados contra ato de autoridade federal (art. 109, VIII);

e) execução de cartas rogatórias213 e de sentenças estrangeiras, após a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 109, X);

f) referentes à nacionalidade e à naturalização (art. 109, X);

g) acerca de direitos de indígenas;

h) relativas a direitos humanos, após o deslocamento de competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal, nos termos do § 5o do art. 109.

A Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição da República tem competência para processar e julgar as causas em que figurar como parte ou interveniente pessoa jurídica federal de direito público ou seus agentes (União, INSS, Caixa, Banco Central etc.). No entanto, a própria Constituição exclui dessa competência as seguintes hipóteses:

a) as ações de falência, mesmo que a União, suas autarquias ou empresas públicas tenham interesse em algum processo de falência, essa ação não será deslocada para a Justiça Federal, mas terá seu trâmite perante a Justiça Estadual;

211 Raquel Fernandes Perrini, Competências da justiça federal comum. s Súmulas ns. 517 do Supremo Tribunal Federal: "As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal quando a União intervém como assistente ou opoente" e 42 do Superior Tribunal de Justiça.

212"Conflito de competência. Justiça Federal e Estadual. Concorrência pública. Sociedade de eco-nomia mista. Light Serviços de Eletricidade S/A. 1. As sociedades de economia mista são pessoas jurí-dicas de direito privado, não dispõem de foro especial. 2. Conflito conhecido para declarar competente o juízo de direito da 13a Vara Cível do Rio de Janeiro, o suscitado [Justiça Estadual]." (STJ, 1a Seção,

Conflito de Competência n. 13620/RJ, rei. Min. Peçanha Martins, DJ 28.08.1995, v.u.)213 Pedidos formulados por autoridades estrangeiras para a prática de atos processuais dentro do

território brasileiro.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

b) as ações de benefícios de acidente do trabalho serão processadas pela Justiça dos Estados. É o caso, por exemplo, do empregado que se feriu em razão de acidente do trabalho, hipótese em que a ação contra o INSS, objetivando a percepção de benefício previdenciá- rio de acidente do trabalho, será proposta na própria Justiça do Estado (art. 109,1, da CF);

c) ações de competência das Justiças do Trabalho. Os empregados federais, ou seja, aqueles que exercem trabalho para entes federais (União, autarquias ou empresas públicas), contratados segundo o regime da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, serão processados na Justiça dos Estados.

Por outro lado, as causas relativas aos servidores estatutários da União ou das autarquias - que são regidos pelo Estatuto do Servidor Público e não pela CLT - continuam a ser processadas e julgadas na Justiça Federal, sendo afastada a competência da Justiça do Trabalho.214

Assim, em relação aos empregados e servidores públicos estatutários, podemos definir as seguintes regras:

i) empregados da União, autarquia ou empresa pública (Regidos pela CLT e não pela Lei n. 8.112/90) = as ações relativas à relação de emprego serão processadas na Justiça do Trabalho;215

ii) servidores públicos federais - regime estatutário da Lei n. 8.112/90 = as ações relativas ao serviço público serão processadas na Justiça Federal comum;

d) demandas relativas a direito eleitoral (art. 109,1, da CF), que serão processadas pela Justiça Eleitoral;

e) as ações propostas pelos segurados contra o instituto de previdência social (INSS) serão

processadas pela Justiça Estadual quando olocal de domicílio do autor não for sede de Juízo Federal. Assim, nas pequenas localidades em que não houver Justiça Federal, os segurados poderão propor ação contra o INSS na própria Justiça Estadual, prerrogativa essa necessária para facilitar o acesso à jurisdição (§ 3o do art. 109 da CF). Nesse caso, exercendo a Justiça Estadual competência própria da Justiça Federal, havendo a interposição de recurso, este será julgado pelo Tribunal Regional Federal competente (§ 4o do art. 109 da CF).

Por outro lado, a Justiça dos estados é detentora de competência residual, ou seja, no âmbito da Justiça comum, o que não for de competência da Justiça Federal (nos termos do art. 109 da Constituição da República) será atribuição da Justiça dos estados, observando-se as regras previstas nas Constituições Estaduais e nas Leis de Organização Judiciária de cada unidade da Federação.

Note-se que não há hierarquia jurisdicional entre as Justiças dos Estados e a Justiça Federal, mas mera divisão de competências funcionais (em razão da pessoa ou da matéria) pela Constituição da República.

Por fim, cumpre-nos destacar que, sendo a pessoa federal excluída da ação, no caso da competência estabelecida com base no inciso I, do art. 109 da Constituição da República, não se justifica a permanência do processo na Justiça Federal. Assim, se o processo for iniciado na Justiça Federal por conter em um dos pólos a pessoa federal (União, Autarquia Federal, etc.) e no curso do processo essa parte for excluída e permanecer o processo com pessoas comuns, o juiz federal deverá remeter os autos à Justiça do Estado, para que o processo lá prossiga entre as partes que restaram.216

214 Com o advento da EC n. 45/2004 grande controvérsia foi firmada em relação à competência da Justiça do Trabalho para o julgamento dos servidores públicos federais. A princípio, a EC n. 45/2004 teria aumentado a competência da Justiça do Trabalho para todas as causas relativas às relações de trabalho, nas quais se incluem os servidores públicos. Na redação anterior do art. 114 da CF, a Justiça do Trabalho apenas detinha competências para as causas oriundas da relação de emprego, portanto, estavam excluídos os servidores estatutários.

Ocorre que a Associação dos Juizes Federais do Brasil - AJUFE ajuizou a ADIn n. 3395, com a finalidade de obter a declaração de inconstitucionalidade por vício formal na EC n. 45/2004 na parte que alterou o art. 114, inc. I, para incluir no âmbito de competência da Justiça do Trabalho os servidores estatutários. Assim, o Presidente do Supremo Tribunal Federal concedeu liminar para

suspender, com efeito ex tunc, a interpretação do referido artigo que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de "causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico- administrativo". Portanto, os servidores da União e Autarquias continuam a ser julgados e processados na Justiça Federal nas causas relativas ao referido vínculo estatutário.

215 "Constitucional. Conflito de competência. Reclamação trabalhista. Servidor. Contratação irregular. Pleito de reconhecimento de vínculo empregatício. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ação postulatória de reconhecimento de relação de emprego derivada de irregular contratação nominada de cargo em comissão, porém as características desta situação funcional. Conflito conhecido. Competência da Justiça do Trabalho." (STJ, 3a Seção, Conflito de Competência n. 34649, rei. Min. Vicente Leal, j. 12.06.2002, v.u.)

216 A Súmula n. 224 do Superior Tribunal de Justiça trata da seguinte situação: imaginemos que um processo tendo como parte a União e outras pessoas comuns (no mesmo pólo) seja proposto na Justiça Estadual. Neste caso o juiz estadual determinará a remessa à Justiça Federal. Já na Justiça Federal, o magistrado, por razões de ilegitimidade, exclui a União (ou o ente federal) do processo, com isso o processo estaria na Justiça Federal, mas sem a presença do ente federal, não justificando mais a competência da Justiça Federal. Neste caso como deve proceder o juiz federal?

O STJ firmou entendimento, na Súmula n. 224, no sentido de que o juiz federal deve devolver os autos ao juiz estadual, não havendo justificativa para suscitar o conflito de competência, nos seguintes termos: "Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da

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COMPETÊNCIA 205

10.5 COMPETÊNCIA TERRITORIAL

Para a verificação da competência, não basta a definição da função de cada órgão jurisdicional, mas é necessária, também, a localização da competência dentro do território brasileiro. Aqui, não se trata da função do juízo, mas do local em que a demanda será proposta.

A Justiça Federal tem competência sobre todo o território nacional, sendo dividida em cinco regiões. Por sua vez, cada região é dividida em seções judiciárias (a Justiça Federal da terceira região, com sede na Capital de São Paulo, é composta pelas seções judiciárias de São Paulo e do Mato Grosso do Sul). Já as seções judiciárias são divididas em subseções judiciárias (na seção judiciária de São Paulo: subseção da Capital, subseções de São Bernardo do Campo, Santos, Campinas, Franca, Ribeirão Preto etc.).

No âmbito dos estados, é comum a divisão do território em comarcas e distritos (distrito é a menor porção territorial e pertence a uma comarca). Nota-se que a divisão territorial da atuação da justiça não se dá por municípios, mas sim por comarcas, território este que pode agrupar mais de uma cidade ou região.

■ i 1 0 . 5 . 1 R E G R A C O M U M D E F O R O

O Código de Processo Civil, em seus arts. 94 e 95, estabelece uma regra geral ou comum para a competência territorial, que, em síntese, pode ser definida como:

Natureza da ação Competência territorial

Fundada em direito pessoal; direito real

sobre coisas móveis

Local de domicílio do réu (art. 94 do

CPC)

Fundada em direito real sobre bens

imóveis

Local de situação da coisa (art. 95 do

CPC)

O art. 94 do Código de Processo Civil estabelece que, nas ações pessoais e nas demandas relativas a direitos reais sobre bens móveis, a demanda deverá ser proposta no local de domicílio do réu.

Por sua vez, a Lei Civil define como domicílio o local em que o indivíduo fixa a sua residência ou exerce de forma duradoura as suas principais atividades.

A regra parece muito simples, mas, em algumas hipóteses, o domicílio do réu pode não ser conhecido, ou ainda não ter ele um domicílio certo ou residência dentro do território nacional capaz de determinar o local de propositura da ação, aplicando-se as seguintes regras:

a) caso o réu tenha mais de um domicílio, será ele demandado em qualquer um deles, cabendo a escolha ao autor da ação (art. 94, § Io, do CPC);

b) na hipótese de ser desconhecido ou incerto o domicílio do réu, a ação será proposta no local em que ele for encontrado ou no domicílio do autor (art. 94, § 2o, do CPC);

c) quando o réu não tiver domicílio no Brasil, a ação será proposta no domicílio do autor (art. 94, § 3o, do CPC);

d) caso autor e réu não tenham domicílio no território nacional, a ação poderá ser proposta em qualquer lugar (art. 94, § 3o, do CPC);

e) na hipótese de haver mais de um réu e com domicílios diferentes, a ação será proposta em qualquer um deles, cabendo a escolha ao autor (art. 94, § 4°, do CPC);

f) na ação em que for réu pessoa incapaz, a competência será do local de domicílio de seu representante legal (art. 98 do CPC);

g) nas ações em que for demandada pessoa ausente (aquela entendida como desaparecida), a ação deverá ser proposta no local de seu último domicílio ou, na falta deste, no local onde foi encontrada pela última vez (art. 97 do CPC);

h) nas ações em que for ré pessoa jurídica (e a ação tenha de ser proposta no seu “domicílio”), a ação será proposta no local de sua sede. Na hipótese de a obrigação ter sido contraída por agência, sucursal ou filial da pessoa jurídica, a ação será proposta no local onde estas se

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

encontrarem.217

Nas ações de inventário, o art. 96 do Código de Processo Civil determina que a competência será a do local do último domicílio no Brasil do autor da herança (do falecido). Caso o falecido não tivesse domicílio certo, a ação será proposta no local em que se encontrarem os bens e, na hipótese de haver bens em mais de uma localidade, o inventário será processado no local do óbito.

Por outro lado, em se tratando de ação fundada em direito real sobre bens imóveis, entendendo-se como aquela em que o objeto do litígio é o direito sobre uma coisa (e não uma mera obrigação de natu-reza pessoal), a ação será proposta, obrigatoriamente, no local em que se encontrar o bem imóvel litigioso. Nota-se que nas ações em que há disputa ou discussão sobre a coisa, em especial de uma coisa imóvel, é indiferente o domicílio do réu ou do autor, vez que o objeto central da demanda é a própria coisa e não uma das partes.

O objetivo da regra que determina a competência forum rei sitae é de aproximar o juízo da realidade da coisa, permitindo o melhor conhecimento da lide." Além disso, é forma de resguardar o direito de terceiros interessados no imóvel, os quais terão a garantia de que todas as demandas relacionadas com aquela coisa determinada estarão sendo processadas em um único local, facilitando o acesso e o conhecimento das ações.

É o que acontece, por exemplo, quando há alienação de imóveis, circunstância que leva as partes ao requerimento de certidões forenses (do cartório distribuidor do foro) para verificação de eventual ação sobre o bem objeto do negócio jurídico, como ações reivindicatórias, de usucapião, possessórias (reintegração, manutenção ou interdito proibitório), de direito de vizinhança etc.

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COMPETÊNCIA 207M 10 .5 .2 FOROS ESPEC IA IS OU PR IV I LEG IADOS

Não obstante a regra geral, a lei processual civil estabelece situações em que há prevalência do foro especial sobre o foro comum, prerrogativas218 estas que visam a facilitar o acesso à justiça ou a melhor compreensão e julgamento da lide.

São casos de foro especial:

Natureza da ação Local de competência

Divórcio, separação ou anulação de

casamento

Domicílio da mulher (art. 100,1, do

CPC)Alimentos (pensão)

Domicílio do alimentado (art. 100, II,

do CPC)219

Anulação de títulos extraviados ou

destruídos

Domicílio do devedor (art. 100, III,

do CPC)Para exigir cumprimento de obrigação

Local onde a obrigação deve ser

satisfeita (art. 100, IV, c/, do CPC)Reparação de danos (geral)

Lugar do ato ou fato (art. 100, V, rt,

do CPC)220

Natureza da ação Local de competência

Reparação de danos ocorridos em

razão de delito (crime) ou acidente de

veículo

Domicílio do autor ou local dos fatos

(art. 100, parágrafo único, do CPC)

Ação em que o réu for administrador

ou gestor de negócios alheios

Local do ato ou do fato (art. 101, V,

b, do CPC)Defesa individual do consumidor

Local de domicílio do consumidor

(art. 100,1, do CDC)'3

Ação civil pública 221

Local onde ocorreu ou deva ocorrer o

dano (art. 2Q da Lei n. 7.347/85)

Ações decorrentes de locação de Local da situação do imóvel ou de competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito“.217 Imaginemos uma empresa que tenha sede na capital do Pais, mas agências em diversas localidades

no território nacional. Como regra, quando a competência territorial indicar o local de situação do réu, deverá ser proposta a demanda no local da sede da pessoa jurídica,

218 As hipóteses tratadas neste capítulo versam sobre prerrogativas de foro (local) e não de juízo. Há grande confusão acerca desse assunto, sendo comum ouvirmos notícias de que determinado governador, por exemplo, tem prerrogativa de foro para ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, afastando-se a competência da justiça comum. Nesse caso, não se trata de prerrogativa de foro (de local de propositura da ação), mas sim de verdadeira prerrogativa de juízo (de órgão jurisdicional). Quando se afirma que o governador é julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, não se discute o local da ação, mas o órgão investido de competência para o processo considerando a pessoa envolvida no litígio (competência funcional em razão da pessoa).

219 "Conflito de competência. Alimentos. Cumulação com investigação de paternidade. Prevalência do foro especial do domicílio do alimentando. Precedente. Em se tratando de cumulação de ações de alimentos e investigação de paternidade, mais razoável e adequado se mostra o entendimento de que a regra especial do foro do domicílio do alimentando (CPC, art. 100, II) deva prevalecer sobre a regra

geral do art. 94, CPC." (STJ, 2ò Seção, Conflito de Competência n. 683/SP, rei. Min. Sálvio de

Figueiredo Teixeira, DJ 04.12.1989, v.u.)220 "Processual civil. Ação de cancelamento de protesto cumulada com indenização por perdas e

danos. Competência. CPC, art. 100, V, a. Lei n. 5.474/68, art. 17.1 - Tratando-se de ação que visa o cancelamento do título protestado cumulada com indenização ao devedor pelos prejuízos decorrentes daquele ato, aplicável à espécie a regra do art. 100, V, a, do Código de Ritos, que, na espécie, leva a coincidir, em termos práticos, com a mesma competência fixada no art. 17 da Lei n. 5.474/68, fosse a demanda exclusivamente cingida à primeira parte do pedido. II - Inaplicabilidade ao caso do art. 100,

IV, a, do CPC." (STJ, 4* T., REsp n. 194040, rei. Min. Aldair Passarinho Junior, DJ 18.09.2000, v.u.)

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Como regra, as hipóteses de foros especiais são prerrogativas concedidas à parte autora, prerrogativas estas que podem ser renunciadas pelo interesse da parte. Seria o caso, por exemplo, do alimentado que, ao invés de propor a ação em seu domicílio, conforme lhe faculta o art. 100, inc. II, do Código de Processo Civil, em razão de sua conveniência, resolve promover a medida no domicílio de seu alimentante.

Por se tratar de uma prerrogativa inerente a uma das partes do processo, a parte detentora do privilégio de foro especial poderá renunciar a este benefício em favor da utilização da regra geral de foro (arts. 94 e 95), sem que contra isso possa se insurgir a parte contrária.223 Seria, por exemplo, o caso da mulher que propõe ação de separação no domicílio do marido, ou quando o marido propõe a ação de dissolução da sociedade conjugal em seu domicílio e a mulher não excepciona tal incompetência, renunciando ao benefício que lhe garante a lei processual.224

Cumpre esclarecer que o disposto nas alíneas a, b e c do inc. IV do art. 100 do Código de Processo Civil não caracteriza espécie de competência de foro privilegiado, mas tão-somente regra de competência comum que estabelece como local de situação das pessoas jurídicas o local de sua sede, filial, sucursal ou, quando desprovidas de personalidade jurídica, o local onde exercem a atividade principal.

O local de sede da pessoa jurídica apenas é considerado quando a ação deve ser proposta em seu “domicílio”, segundo a regra comum de competência prevista nos arts. 94 e 96 do Código de Processo Civil.

Outra questão relevante para o tema ora tratado é a delimitação da competência quando figurar, como parte no processo, pessoa jurídica de direito público.

A esse respeito, a Constituição da República, em seu art. 109, §§ Io e 2o, determina que nas hipóteses em que a União figurar como parte autora, a ação deverá ser proposta na seção judiciária do domicílio da parte contrária (parte ré). Por sua vez, as causas propostas contra o ente público federal deverão ser promovidas, considerando-se a escolha do autor, na seção judiciária do domicílio do autor da ação, na seção judiciária onde ocorreu o fato ou ato que deu causa à demanda, na seção judiciária do local onde se encontrar a coisa litigiosa ou, ainda, no Distrito Federal.

10.6 TERMINOLOGIAS EMPREGADAS

Nesse ponto do estudo da competência, é possível o esclarecimento das diversas terminologias relacionadas com o tema, cabendo as seguintes distinções:

JUÍZO - terminologia que representa o próprio órgão jurisdicional, devendo ser

empregada apenas em relação à competência funcional.

FORO - termo empregado para delimitação de competência territorial. Por

exemplo, foro da comarca da capital de São Paulo.

FÓRUM - expressão que representa o prédio no qual está instalado o juízo. Por -

tanto, este termo não deve ser utilizado em relação à competência.

10.7 COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR DA

CAUSA

O ordenamento processual civil estabeleceu a regra segundo a qual a toda causa, ainda que seja ela sem conteúdo econômico direto, deve o autor atribuir um valor certo, nos termos do art. 258 do Código de Processo Civil.

Dessa forma, o “valor da causa” também figura como critério determinante da competência de atuação da jurisdição civil.

A aplicabilidade do valor da causa como fator de determinação da competência pode ser verificada no âmbito de atuação dos Juizados Especiais Cíveis, nas esferas das jurisdições estadual e federal.

A Lei n. 9.099/95, ao criar o Juizado Especial Cível de atuação na esfera da Justiça dos estados, conferiu competência a este órgão jurisdicional para processar, julgar e executar as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo vigente na data da propositura da ação, entre outros critérios.225

Com o advento da Lei n. 10.259/2001, foram criados os Juizados Especiais para atuação perante a

221 Não obstante referir-se ao local de propositura da ação, trata-se de uma competência funcional, nos termos do art. 2o da Lei n. 7.347/85, caracterizando espécie de competência absoluta que não admite modificação ou prorrogação (tema tratado a seguir).

222 Foro escolhido contratualmente pelas partes.223 No VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, por unanimidade, extrai-se a conclusão n. 7,

no seguinte sentido de que o foro especial é típica competência relativa, "Ao autor é dado renunciar ao foro especial".

224 "Se a mulher não oferece exceção de incompetência do juízo em tempo hábil, a competência

territorial estará prorrogada por vontade das partes" (RSTJ 95/195). Nota-se que, se a mulher não reclama o foro privilegiado, gera a renúncia da prerrogativa prevista no inc. I do art. 100 do Código de Processo Civil.225(ação de conhecimento pelo rito sumário); III - a ação de despejo para uso próprio; IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inc. I deste artigo".

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COMPETÊNCIA 209Justiça Federal, o que não era possível pela Lei n. 9.099/95, fixada a competência para as ações não

excedentes ao valor de sessenta vezes o salário mínimo vigente, excluindo-se dessa competência determinadas matérias.226

Ressalte-se que a utilização da competência dos Juizados Especiais Estaduais é faculdade da parte autora, podendo ela escolher entre propor a ação no juizado ou na jurisdição comum.227 Nos Juizados Espe-ciais Federais a competência, por determinação legal, é de natureza absoluta e, portanto, as partes não terão disponibilidade na escolha.

10.8 COMPETÊNCIA NO ESTADO DE SÃO PAULO E

NA CAPITAL

Ao organizar a sua justiça, por meio da Constituição Estadual e das Leis de Organização Judiciária, o Estado de São Paulo criou peculiaridades de juízos e foros que são relevantes ao estudo e para a definição da competência.

Inicialmente, é importante ressaltar que foram instituídos diversos juízos (também denominados “varas”), criados em razão de matérias específicas a serem solucionadas no Poder judiciário, divisão funcional que busca maior eficiência na prestação da tutela jurisdicional. A primeira divisão funcional se dá em função dos dois ramos básicos do direito: penal e civil.

No âmbito da jurisdição civil, existem os seguintes juízos na capital do Estado de São Paulo:

a) Cível. Com competência para processamento de todas as causas não incluídas nas competências de outros juízos especializados ou de natureza criminal.

b) Família e Sucessões. Juízos especializados em litígios relacionados ao direito de família

(casamento, parentesco etc.) e sucessões (litígios decorrentes de causa mortis, como inventários e partilhas).

c) Infância e Juventude.228 Processamento e julgamento das causas relacionadas à criança ou ao adolescente envolvendo atos infracio- nais, adoção, medidas promovidas pelo Conselho Tutelar, irregularidades em entidades de atendimento, pedidos de guarda e tutela, destituição do pátrio poder, supressão de capacidade ou consentimento para casamento, conhecimento da emancipação nos casos previstos na Lei Civil, nos termos do art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

d) Registros Públicos. Juízo especializado destinado ao conhecimento de causas relativas a registros públicos, como a ação para retificação de registro ou escritura. Na capital de São Paulo, inclui-se na competência das varas de registro público o processamento da ação de usucapião.

e) Fazenda Pública. Varas destinadas ao processamento de ações em que figure como parte ou interessado ente público estadual ou municipal, inclusive entes da administração pública indireta (como as autarquias), não sendo cabíveis quando se tratar de empresa de economia mista ou empresa pública, nos termos do § l°do art. 173 da Constituição da República.229

226Lei n. 10.259/2001: "Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. § 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas: I - referidas no art. 109, incs. II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais; III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal; IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares. § 2o Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas não poderá exceder o valor

referido no art. 3°, caput”.227 "Juizado Especial. Facultatividade. Ainda que a ação tenha valor inferior a quarenta vezes o

salário mínimo, a parte não está obrigada a ingressar perante o Juizado Especial, uma vez que se trata de faculdade da parte. Extinção da ação afastada. Recurso provido para este fim" (I TAC, Ap. n. 850.947-9, rei. Juiz Térsio José Negrato, j. 06.11.2001, v.u.). De fato, a orientação não poderia ser outra, já que toda competência fixada em razão do valor da causa é de natureza relativa; portanto, as partes podem dispor da regra fixada na lei.

228 Lei n. 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 145. Os Estados e o Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de infra-estrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive plantões".

229"Competência. Foro. CET. Empresa paraestatal que se sujeita ao regime jurídico de empresas provadas. Art. 173 da CF. Circunstância que não lhe confere foro privilegiado. Recurso improvido." (ITACSP, Al n. 1002728-2, rei. Juiz Márcio Franklin Nogueira, j. 04.04.2001, v.u.)

Súmula 206 do STJ: "A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo".

"Competência. Foro privilegiado. Hipótese em que a Companhia... não o possui, gozando apenas de juízo privativo nas varas especializadas da capital do Estado, do que resulta a impossibilidade de deslocamento da competência nas causas em trâmite nas comarcas do interior. Inteligência da Súmula n. 206 do Superior Tribunal de Justiça. Exceção de incompetência improcedente. Agravo improvido" (TACSP, Al n. 1010933-8, rei. Juiz Itamar Gaino, j. 24.04.2001, v.u.). A redação da ementa nos leva à conclusão de que a referida pessoa jurídica de direito público, quando demandada em uma das comarcas do interior de São Paulo, pretendia o deslocamento do processo para a capital, alegando ter direito de juízo especiali-zado (Vara das Fazendas Públicas). De fato, não tem esse direito, apenas sendo de competência da Vara da Fazenda Pública caso a ação tivesse sido proposta na capital, onde existe a vara especializada, caso

Page 212: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

f) Execuções Fiscais. Trata-se de desdobramento do juízo da Fazenda Pública, representando a vara especializada para a promoção de ações de execução de tributos devidos pelos contribuintes do estado ou município (quando na localidade existir o juízo especializado).

g) Acidente do Trabalho. As varas de acidente do trabalho possuem competência para as ações relativas a benefícios previdenciários requeridos com fundamento em acidente do trabalho. Como já tratamos anteriormente, a Constituição da República, no art. 109, inc. I, outorga à Justiça Estadual a competência para o processamento das causas relativas à referida matéria, mesmo que figure no pólo pessoa jurídica de direito público federal (como o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS).

h) Falência e Recuperação Judicial.

A criação de juízos especializados dependerá de previsão nas Leis de Organização Judiciária, que fixarão tais juízos considerando a necessidade de cada localidade (comarca) do estado, utilizando-se para essa fixação de índices relacionados ao número de habitantes e de processos existentes.

Portanto, pode ocorrer de em uma pequena localidade (comarca de 3a entrância) haver um único juízo para processamento de todas as causas cíveis e criminais; já em outras maiores, em atenção às necessi-dades regionais, são instalados juízos especializados. Na capital de São Paulo, que acreditamos ter uma das maiores atuações judiciárias do mundo, a Lei de Organização Judiciária prevê a existência de todos os juízos anteriormente relacionados.

É unânime o surgimento da seguinte dúvida: qual a competência de juízo para a propositura de ação em face do estado de São Paulo (na qualidade de pessoa jurídica de direito público) caso não haja na co-marca (foro competente) vara especializada da Fazenda Pública?

Obviamente, a ação deverá ser proposta nos juízos existentes naquela localidade, e, não havendo juízo especializado, a demanda será encaminhada para a vara comum cível. Ressalte-se que todas as varas especializadas são desdobramentos do juízo comum cível (excluindo- se a matéria penal); assim, não havendo órgão especializado, a ação será processada pelo juízo comum cível.25

Por outro lado, além de criar juízos comuns e outros especializados, na capital de São Paulo a atividade jurisdicional funcional foi dividida em um juízo central e outros regionais, nesta ordem:

• Foro Central: comportando Juízos Cíveis, Família e Sucessões, Registros Públicos, Fazenda Pública, Acidente do Trabalho, Execução Fiscal e Falência e Recuperação Judicial.

• Foros Regionais: I - Santana, II - Santo Amaro, III - Jabaqua- ra, IV - Lapa, V - São Miguel Paulista, VI - Penha de França, VII - Itaquera, VIII - Tatuapé, IX - Vila Prudente, X - Ipiranga, XI - Pinheiros, e Varas Distritais de Parelheiros, como regra, funcionando Juízos Cíveis, Família e Sucessões e da Infância e Juventude.230

Curiosamente, a competência interna na Comarca de São Paulo se dá com observância de todos os critérios de competência, ou seja, para a Fixação das atribuições do “Foro Central” e dos “Foros Regionais”, a Lei de Organização Judiciária utilizou-se dos fatores território (dividiu geograficamente a capital de São Paulo); valor da causa, uma vez que os foros regionais têm competência para causas até quinhentos salários mínimos; e critério material, já que determinadas matérias são de competência exclusiva do Foro Central e outras podem ser promovidas nos Foros Regionais, independentemente do valor da causa.

A competência dos Foros Regionais é fixada pela Lei de Organização Judiciária do Estado de São

Paulo (Decreto-lei Complementar n. 3/69), que, em seu art. 25,231 impõe função para os referidos Foros em razão do valor da causa e de determinadas matérias.

Em razão do valor da causa, a competência dos Foros Regionais limitava-se ao teto de cinqüenta salários mínimos (o que quase não era observado na prática); posteriormente, por determinação de provimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, esse limite foi estendido para quinhentos salários mínimos (Resolução n. 148).

Quanto às matérias, independentemente do valor, podemos dizer que são de competência dos Foros Regionais, dentro de seus limites territoriais:

a) as ações de despejo ou relativas à locação de imóvel que esteja em sua jurisdição;232

b) as ações de alimentos;

c) os inventários, seja qual for o rito (inventário comum, arrolamento ou arrolamento sumário), das pessoas falecidas que tinham domicílio em seu território (ou outro critério local determinado pelo CPC), quando não deixaram testamentos;

d) as medidas cautelares ou preparatórias às ações de sua competência;

e) causas relativas a suprimento de idade ou consentimento, nomeação de tutor ou curador de incapazes domiciliados no território; alienação de bens de incapazes, interdição, extinção de usufruto ou fideicomisso.

contrário, o processo tramitará na vara existente na localidade em que a ação deveria ter sido proposta em razão das regras de competência de local, regras previstas no Código de Processo Civil.

230 Existem, ainda, os Foros Regionais XII - Freguesia do Ó e XIII - Ermelino Matarazzo, que se encontram em fase de instalação.

231 Originariamente previa a competência das Varas Distritais. No entanto, por força do art. 4o da Lei Estadual n. 3.947/83, foram atribuídos aos Foros Regionais as mesmas competências definidas no art. 25 para as Varas Distritais, com a inclusão de algumas especificações e novas causas em relação à matéria.

23278 "Competência. Conflito. Ação de despejo. Imóvel situado em jurisdição de Foro Regional, onde também fica o domicílio do réu. Inteligência do art. 58 da Lei Federal n. 8.241/91. Incompetência absoluta do Foro Central que, por isso mesmo, poderia ter sido argüida de ofício. Eleição de juízo. Inadmissibilidade. Conflito julgado procedente e competente o juízo suscitado." (TJSP, Conflito de Competência n. 40.797-0, Câmara Especial, rei. Des. Oetterer Guedes, j. 18.06.1998, v.u.)

Page 213: Manual de Direito Processual Civil

COMPETÊNCIA 211Ressalte-se que, por expressa determinação legal, são excluídas da competência dos Foros

Regionais ações de competência das varas especializadas do Foro Central, como Registros Públicos, Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Falência e Recuperação Judicial. Assim, quando o autor reside na capital e pretende a propositura de uma ação contra o estado de São Paulo, ou mesmo contra a Prefeitura de São Paulo, deverá propô-la obrigatoriamente em uma das Varas da Fazenda Pública localizadas no Foro Central, e nunca nos Foros Regionais.233

Por sua vez, determina a Lei Estadual n. 3.947/83, em seu art. 4o (acrescentando matérias ao rol de competências dos Foros Regionais), que, independentemente do valor, compete aos Foros Regionais, em matéria cível, as ações:

a) reais234 ou possessórias sobre bens imóveis e as de nunciação de obra nova, excluídas as ações de usucapião e de retificação de área, que são de competência das varas de Registros Públicos do Foro Central;

b) de rescisão ou adjudicação, referentes a contratos de compromisso de compra e venda de imóvel;

c) de procedimento sumário, salvo as de acidente do trabalho e as de interesse de entes públicos estaduais ou municipais (que serão de competência, respectivamente, das varas de Acidentes do Trabalho e Fazenda Pública, ambas no Foro Central);

d) as ações fundadas em direito securitário (seguros), quando relacionadas com as matérias ou procedimentos de competência dos Foros Regionais.

10.9 FÓRMULA PRÁTICA PARA VERIFICAÇÃO

DA COMPETÊNCIA 235

Após o estudo de todos os critérios de fixação da competência, aparentemente surge um sistema muito complexo para, em um caso concreto, encontrar-se o órgão jurisdicional e o local competentes para o processamento de uma demanda.

No entanto, tal verificação é muito simples se utilizada a seguinte regra e questionamentos:

a) O primeiro ponto a ser levantado refere-se à competência interna e internacional: a ação é de competência exclusiva interna ou poderá ser proposta perante jurisdição de outro Estado soberano?

b) Caso a resposta da primeira questão seja de utilização da competência interna, o próximo passo será estabelecer a competência em relação aos diversos órgãos jurisdicionais brasileiros, distinguindo-se entre jurisdição comum ou especializada. A ação será proposta na jurisdição comum ou especializada (Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral ou Justiça Militar)?

c) Constatando-se que se trata de competência da justiça comum, deverá ser verificada a competência entre Justiça Estadual ou Federal: a ação deve ser proposta na Justiça Federal ou na Justiça dos Estados?

d) Encontrado o órgão jurisdicional, a verificação será feita em relação à hierarquia: trata-se de ação de competência originária da primeira instância ou do tribunal? Como sabemos, algumas ações são propostas diretamente na segunda instância.

e) Sabendo-se que a ação deve ser proposta na instância inferior, a próxima pergunta é em relação ao foro: qual o local de propositura da ação? Nesse caso, a constatação da competência será feita com base nas normas de competência territorial previstas no Código de Processo Civil.

f) Após a verificação do foro, a apuração da competência será em relação ao juízo: qual o juízo competente? A ação deve ser proposta na vara cível comum ou em juízos especializados existentes na localidade?

Nota-se que primeiro é verificada a competência de foro e depois a de juízo (varas), isto pelo fato de cada localidade ter juízos próprios e especializados. Seguindo a referida regra, a verificação da competência se dá com a exclusão de órgãos jurisdicionais, encontrando-se, após a análise dos critérios funcionais e materiais, aquele competente para o processamento da demanda.

Vejamos os exemplos a seguir:Uma criança, residente na capital de São Paulo, devidamente representada por sua genitora,

pretende promover ação de alimentos em face de seu pai, que reside em Fortaleza. Nesse caso, qual a competência? Em primeiro lugar, sabemos tratar-se de competência interna, não havendo que se falar de

233 "Companhia Metropolitana de Habitação. COHAB/SP. Ação de rescisão de compromisso de compra e venda cumulada com reintegração de posse do imóvel respectivo. Ajuizamento perante Vara Cível central, declinando o Juízo de ofício para Vara de Foro Regional, onde situado o imóvel. Agravo da autora insistindo na competência da Vara Cível Central. Recurso que se julga prejudicado, determinada de ofício a redistribuição do feito a uma das Varas da Fazenda Pública da Comarca da Capital, ante a competência absoluta destas." (TJSP, Al n. 117.932-4, rei. Des. Marco César, j. 20.05.1999, v.u.)

234"Competência. Foro Regional e Central. Imissão de posse. Ação que se enquadra dentre aquelas elencadas no art. 4o, I, a, da Lei n. 3.947/83 como sendo de competência dos foros regionais independentemente do valor da causa. Exceção rejeitada. Recurso improvido." (TJSP, Al n. 164.491-4, rei. Des. De Santi Ribeiro, j. 20.09.2000, v.u.)

2353' Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comen-tado, 7. ed., p. 471.

Page 214: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOcompetência internacional por não haver hipótese do art. 88 do Código de Processo Civil, que admite a

competência concorrente. Por outro lado, trata-se de matéria comum, não se sujeitando às Justiças especializadas (militar, trabalhista ou eleitoral). Na jurisdição comum, a ação será proposta na Justiça estadual, uma vez que não tem a intervenção de ente público federal, nos termos do art. 109 da Constituição Federal.

Resta-nos, agora, saber o foro de propositura da ação, regra esta que será encontrada no Código de Processo Civil. Em especial, por se tratar de ação de alimentos, o ordenamento processual confere foro privilegiado ao alimentado, nos termos do art. 100, inc. I, do Código de Processo Civil. Portanto, a ação será proposta no local de domicílio do alimentado, ou seja, na capital de São Paulo.

Encontrado o foro para a propositura da ação, verifica-se o juízo competente para a causa. Nesse caso, a ação será proposta no juízo (vara) da Família e Sucessões do Foro Central ou Regional, dependendo do domicílio do autor.

10.10 COMPETÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA

Como vimos anteriormente, a competência é estabelecida segundo os critérios funcionais, territoriais e valor da causa, fatores estes determinados em razão do interesse público envolvido, como aqueles concernentes à estrutura e ao funcionamento dos órgãos do Poder Judiciário, e outros que se fundam apenas na conveniência das partes, como as regras que estabelecem o local (foro) da propositura das ações.

Assim, a competência é classificada em absoluta e relativa, advindo dessa conceituação inúmeras conseqüências relevantes para a verificação e a determinação da competência das ações, como se vê a seguir:

Absoluta Relativa

Estabelecida em função do interesse

público (interesse de toda a sociedade)

Estabelecida em razão do interesse das

partes. Apenas importa à conveniência

das partes litigantes, sem interesse para

a coletividade

Fixada pelo critério funcional (em

razão da matéria, da hierarquia ou da

pessoa que figura no pólo da ação).

Nos Juizados Especiais Federais,

apesar de ser fixada a competência em

razão do valor da causa, a Lei afirma

ser espécie de competência absoluta

Estabelecida pelos critérios

territoriais ou de valor da causa

(Juizados Especiais dos Estados - Lei

n. 9.099/95)

Não admite modificação ou

prorrogação

Admite modificação ou prorrogação

Em caso de erro na competência

(incompetência do juízo), gera

nulidade absoluta dos atos processuais

(vício insanável)

Não gera nulidade

Absoluta Relativa

Page 215: Manual de Direito Processual Civil

COMPETÊNCIA 213

A incompetência pode ser alegada em

qualquer momento ou fase processual,

inclusive após o trânsito em julgado

(por ação rescisória), não havendo

preclusão sobre a referida matéria

A incompetência deve ser alegada no

prazo da defesa do réu, sob pena de

modificação da competência (o foro

incompetente passa a ser competente

pelo fato de não haver manifestação

do interessado. Portanto, há

Pode ser conhecida de ofício pelo

magistrado ou alegada pela parte

Não admite conhecimento de ofício;

para que ocorra a apreciação da

incompetência, deve haver

requerimento expresso da parte

interessada na correção do erro de

escolha na competência

Pode ser alegada pelo réu em

preliminar de contestação (na própria

contestação), ou em qualquer outro

momento do processo

Deve ser alegada por meio de exceção

de incompetência (petição diversa da

contestação que gerará um incidente

processual apartado) 236

A respeito da classificação da competência, Cândido Rangel Di- namarco ensina237 que as regras que dispõem acerca da competência absoluta são normas de natureza cogente, em razão do grau de impe- ratividade do comando legal, não admitindo qualquer modificação decorrente da vontade das pessoas sujeitas ao seu império. Outras, por sua vez, de natureza dispositiva, são previstas para a escolha e conseqüentes rejeições por parte dos sujeitos do processo.

De fato, as regras que dispõem acerca de espécies de competências funcionais não admitem modificação ou desrespeito em razão da vontade das partes, estando estas obrigadas a respeitar a competência fixada pelo interesse público, sob pena de total nulidade da demanda processada por órgão não investido de função para isso.

Já as competências fixadas com base no território ou valor da causa apenas importam às conveniências das partes litigantes, não prejudicando em nada o interesse da sociedade. Para o Estado, não importa se a ação será proposta na capital de São Paulo ou no Rio de Janeiro, ou se a parte optou pelo Juizado Especial ou pela atividade jurisdicional comum; por se tratar de interesses exclusivos dela tem o poder de escolher a competência.

No entanto, há que se ressaltar situações específicas em que existem exceções acerca da relatividade da competência territorial e em razão do valor da causa.

A primeira exceção que podemos citar ocorre em relação aos Juizados Especiais Federais, os quais, dentro dos casos de cabimento, têm competência absoluta, conforme comando expresso no § 3o do art. 3o da Lei n. 10.259/2001,238 apesar de se tratar de competência fixada em razão do valor da causa. Portanto, nesse caso, não há faculdade da parte em escolher entre o Juizado Especial Federal e a Justiça comum Federal, sendo obrigatória a propositura da medida no Juizado, na hipótese de a ação enquadrar-se na sua competência.

Também caracteriza competência absoluta aquela que estabelece o foro para propositura de ações em

face da União e demais entes públicos federais, nos termos do art. 109, §§ Io e 2o, por se tratar de

competência funcional prevista na Constituição da República. Além disso, caracteriza competência

funcional, portanto absoluta, aquela que se estabelece em relação à divisão das seções judiciárias

federais em subseções judiciárias, com a instalação de varas federais em diversos juízos da seção

judiciária.239

236 Temas que serão tratados no capítulo destinado à resposta do réu.

237 Instituições de direito processual civil, cit., v. I, p. 566.238 "§ 3o No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial [federal], a sua competência é

absoluta."239 "A competência entre varas instaladas na Capital e as no interior do Estado, na mesma seção

judiciária, dispostas em provimento do Tribunal, tem natureza funcional e, por isso absoluta. Precedentes dos TRFs da 1a e 2a Regiões." (TRF, 3a Região, Conflito de Competência n. 93030801989, rei. Juiz Theotonio Costa, decisão de 03.11.1993, v.m.)

Page 216: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Outra exceção se verifica na competência para a propositura da ação civil pública que, nos termos

do art. 2° da Lei n. 7.347/85,240 deverá ser proposta no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o

dano objeto da ação;

nesse caso, apesar de a fixação da competência ter por base o território, a referida lei determina

tratar-se de uma espécie de competência funcional.

Em relação aos foros regionais, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

firmou entendimento no sentido de se tratar de espécie de competência funcional, em qualquer hipótese,241

aplicando-se as regras da competência absoluta, sob a fundamentação de que essa divisão territorial

interna da comarca está prevista na Lei de Organização Judiciária, representando divisão funcional da

atividade jurisdicional.No entanto, com o devido respeito às decisões do Tribunal de Justiça, não concordamos

inteiramente com essa afirmação.A competência dos Foros Regionais é fixada segundo diversos critérios, utilizando-se da matéria,

do território e do valor da causa como fatos discriminantes da atribuição da jurisdição.A esse respeito, bem esclarece Cândido Rangel Dinamarco, apenas haverá competência absoluta do

Foro Central em relação aos Foros Regionais quando o critério de discriminação estiver fundado na ma-téria ou na pessoa que ocupa um dos pólos da demanda.242 Por exemplo, seria o caso de competência absoluta (por ser funcional) a competência do Foro Central para processamento das ações de falência ou naquelas em que figure como parte a pessoa jurídica de direito público, pois, nesses casos, é excluída a competência dos Foros Regionais em favor, respectivamente, das varas cíveis e da Fazenda Pública do Foro Central.

Entendemos, em sentido contrário da jurisprudência dominante, que é relativa a competência dos Foros Regionais e Central quando a divisão da jurisdição se dá exclusivamente segundo conceitos geográ-ficos. Nesse caso, não havendo discussão acerca da matéria ou da pessoa que ocupa um dos pólos da ação,

240 "Art. 2o As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa."

241 "Competência. Foro regional. Natureza absoluta face às atribuições fixadas pela Lei de Organização Judiciária para os Foros Regionais e Varas Centrais prevalecendo as razões de ordem pública. Inteligência do disposto no art. 411 do Decreto-lei n. 3/69, art. 26, inc. 1, a, da Resolução n. 1/71, Lei n. 3.947/83. Superado o valor da indenização ao limite da competência do foro para julgar as causas cíveis e comerciais, limitadas a cinqüenta vezes o salário mínimo vigente na Capital, justifica a redistribuição da ação a uma das Varas Cíveis do Foro Central. Recurso desprovido." (TJSP, Al n. 163.511-4, rei. Des. Júlio Vidal, j. 16.08.2000, v.u.)

"Competência. Conflito. Foro regional e Foro central. Competência de natureza absoluta ditada pelo interesse público. Possibilidade de declinação de ofício. A cláusula contratual de eleição do foro não há de prevalecer em face da indeclinabilidade da competência absoluta - O ajuizamento da medida cautelar preparatória deve vincular-se à do órgão competente para a futura demanda principal. Art. 800 do Código de Processo Civil. Competência do Juízo suscitante." (TJSP, Conflito de Competência n. 64.604-0, Câmara Especial, rei. Des. Fonseca Tavares, j. 16.12.1999, v.u.)

"Competência. Compromisso de compra e venda de imóvel. Pedidos cumulados, de rescisão e de indenização por perdas e danos. Natureza pessoal. Competência de Foro Regional, local de domicílio da ré. Eleição do Foro Central pelas partes. Inadmissibilidade, por caracterizar escolha de juízo e não de foro. Recurso improvido." (TJSP, Al n. 128.836-4, rei. Des. Carlos Roberto Gonçalves, j. 09.11.1999, v.u.)

"Competência. Conflito entre juízos do Foro Central e de Foro Regional da Comarca da Capital versando sobre execução por quantia certa, contra devedor solvente, fundada em título executivo extrajudicial. Natureza absoluta dos critérios definidores da competência dos Juízos de uma mesma comarca previstos nas normas estaduais de organização judiciária. Competência do juízo do Foro Regional determinada pelo critério do domicílio do executado. Decreto-lei Complementar n. 3/69, art. 41, 1, a; Resolução n. 1/71 do Tribunal de Justiça, art. 26, 1, a; Resolução n. 2/76 do Tribunal de Justiça, art.

54, II, b." (TJSP, Conflito de Competência n. 34.025-0, Câmara Especial, rei. Des. Luís de Macedo, j. 19.12.1996, v.u.)

242M O D I F I C A Ç Ã O D A C O M P E T Ê N C I A

Em se tratando de competência relativa, como tratamos anterior-mente, é possível a modificação ou prorrogação da competência legal, situações geradas em razão da vontade das partes ou imposições legais em que há a alteração da competência prevista na lei, com a prevalência de outra.

Ressalte-se que, como regra, apenas nas modalidades de compe-tência relativa é que se admite a modificação ou prorrogação da com-petência legal.

Page 217: Manual de Direito Processual Civil

COMPETÊNCIA 215bem como sendo a causa de menor complexidade considerando-se o valor fixado na Lei de Organização

Judiciária, o juiz não poderia conhecer de ofício o erro na escolha de competência territorial, devendo ser respeitada a vontade das partes. No entanto, encontra-se pacificada na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como citamos em notas, que se trata de espécie de competência absoluta, dado o interesse público na divisão interna da jurisdição na comarca.

A modificação da competência pode ser:

a) Legal. Em razão de circunstâncias previstas na própria lei, a competência da ação é alterada. É caso de modificação legal da competência quando se verifica o fenômeno processual da conexão ou continência;

b) Convencional. As partes têm o poder de dispor acerca da competência relativa, sendo possível a fixação em contrato da competência territorial escolhida pelas partes, o que se denomina de foro de eleição, ou, ainda, a renúncia ao foro privilegiado, ocorrendo, por exemplo, quando a parte ré deixa de impugnar erro de competência territorial. Como tratamos anteriormente, nas espécies de competência relativa, a não-argüição da incompetência acarreta a preclusão da matéria, tornando competente o foro em que foi proposta a ação. Vamos imaginar, por exemplo, que ao invés de promo-ver a ação no domicílio do réu, tenha o autor distribuído a ação em seu próprio domicílio. Nesse caso, o réu deverá, no momento de sua resposta, apresentar exceção de incompetência, sob pena de prorrogação da competência; não havendo impugnação do réu, presume-se que ele renunciou ao foro que a lei determina em seu favor.

■ i 1 0 . 1 1 . 1 C O N E X Ã O E C O N T I N Ê N C I A

A conexão existe no processo civil quando há identidade de objeto ou causa de pedir entre duas ou mais ações. Por sua vez, verifica-se a continência quando, entre duas ou mais ações, houver identidade de partes e causa de pedir, sendo o objeto de uma das ações mais amplo que os das demais.

Há conexão, por exemplo, entre ação proposta pelo locador para obter o despejo do locatário e a ação deste contra o locador em relação ao pagamento dos aluguéis. Nesse caso, nota-se a existência de duas ações versando sobre o mesmo objeto, qual seja, o contrato de locação e o cumprimento de suas cláusulas.

Para a existência de continência, o que não se exige para a conexão, deve haver identidade de partes e da causa de pedir, sendo o objeto de uma ação mais amplo que o da outra. Seria o caso, por exemplo, de continência entre a ação para a exigência das prestações vencidas e outra ação para cobrança dos juros ou prestações vincendas - nota-se, no exemplo, que o objeto da primeira é mais amplo e compreende o objeto da segunda demanda.

Assim, para evitar decisões conflitantes em relação às demandas conexas, determina o art. 102 do Código de Processo Civil que, de ofício ou a requerimento das partes, essas ações afetadas por conexão ou continência deverão ser reunidas em um único órgão jurisdicional.

Havendo conexão ou continência, os processos que, a princípio, tramitavam segundo a regra de competência legal originária sofrerão modificação da competência, pela qual um órgão jurisdicional deverá remeter o processo a outro.

A modificação da competência ocorrerá sempre em favor do juízo prevento, considerando-se para esse fim:

• processos que tramitam na mesma base territorial (mesma comarca ou seção judiciária): será prevento o juízo que primeiro despachou no processo, nos termos do disposto no art. 106 do Código de Processo Civil;

• processos que tramitam em bases territoriais distintas: será considerado prevento o juízo que primeiro realizar a citação válida, conforme determina o art. 219 do Código de Processo Civil.

Finalmente, é importante esclarecer que a reunião dos processos, com a conseqüente modificação da competência, apenas será possível quando as ações se encontrarem na mesma fase processual, não sendo possível, por exemplo, a reunião de processo que já se encontra sentenciado com outro em fase de instrução (colheita de provas).243

Na verdade, a reunião dos processos por conexão ou continência, com a conseqüente modificação da competência, apenas se justifica como medida de economia processual (com o aproveitamento dos atos processuais) e para evitar decisões conflitantes, mas, se os processos estiverem em fases processuais muito distintas, a reunião terá o efeito inverso ao objetivo do instituto processual.

M 1 0 . 1 1 . 2 F O R O D E E L E I Ç Ã O

O foro de eleição representa a cláusula contratual pela qual as partes convencionam acerca da competência territorial para conhecimento de eventual litígio envolvendo o objeto do pacto. A eleição, como o próprio nome ressalta, apenas se pode dar em relação ao foro, ou seja, em relação ao território, e nunca acerca do juízo ou órgão jurisdicional, já que estes representam espécie de competência absoluta.

A jurisprudência firmou entendimento no sentido de não ser possível a eleição de Foro Regional, por entender tratar-se de competência absoluta de juízo.244

243 A Súmula n. 235 do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de vedar a reunião de processos por conexão se um deles já houver sido julgado, nestes termos: "A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado".

"Art. 112. (...) Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu."

244"Competência. Conflito. Foro Regional e Foro Central. Competência de natureza absoluta ditada pelo interesse público. Possibilidade de declinação de ofício. A cláusula contratual de eleição do foro não há de prevalecer em face da indedinabilidade da competência absoluta. 0 ajuizamento da medida cautelar preparatória deve vincular-se a órgão competente para a futura demanda principal. Art. 800 do

Page 218: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSONão se admite, também, a eleição de foro quando a ação versar sobre direito de propriedade,

vizinhança, servidão, posse, divisão ou demarcação de terras e nunciação de obra nova, hipóteses em que deve prevalecer o foro de situação da coisa imóvel, nos termos do art. 95 do Código de Processo Civil.

Nas relações de consumo, em especial nos contratos de adesão, é muito comum a imposição, pelos fornecedores, de cláusulas contratuais prevendo a eleição de foro que, afastando o disposto no art. 101, I, do Código de Defesa do Consumidor (que prevê como competente o foro do domicílio do autor), atribui outra competência que dificulte a defesa dos direitos do consumidor. A esse respeito, a jurisprudência vem, reiteradamente, declarando a nulidade das cláusulas de foro de eleição que impliquem prejuízo ao consumidor, para ser mantido o foro legal (mencionado art. 101 do CDC).245

Por outro lado, a reforma introduzida pela Lei n. 11.280, de 16.02.2006, inseriu ao art. 112 o parágrafo único,246 para admitir que o juiz, de ofício, possa reconhecer da nulidade da cláusula contratual abusiva que estabeleça como foro de eleição o domicílio do autor. Note-se que tal previsão não se restringe aos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, mas refere-se a toda e qualquer modalidade de contrato de adesão.

Portanto, havendo foro de eleição em contrato de adesão, o juiz poderá declinar da competência, reconhecendo a abusividade da cláusula para determinar a remessa dos autos ao foro de domicílio do réu, aplicando a regra comum de competência em prejuízo à cláusula contratual.

O dispositivo prevê que o juiz poderá reconhecer da nulidade da cláusula de eleição para modificar a competência. Assim, a princípio, a letra do referido parágrafo daria a idéia de tratar-se de uma faculdade do juiz.

Na verdade, esse poder do juiz deverá se pautar nas regras que garantem a defesa da parte contratante considerada como a mais fraca na relação jurídica, nesse caso, a parte aderente. Essa interpretação deve ser realizada pelo magistrado nos termos do art. 424 do Código Civil vigente.247

A inovação trouxe uma nova exceção à regra da competência relativa. Como sabemos, a competência fixada em razão do território (o que é objeto do foro de eleição) é de natureza relativa e, por conse-qüência, não poderia ser conhecida de ofício pelo magistrado. No entanto, mesmo se tratando de

competência relativa, o juiz poderá reconhecer ex officio a nulidade da cláusula de foro de eleição em contratos de adesão.

■ I 1 0 . 1 1 . 3 MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA NA FASE EXECUTÓRIA

A reforma do processo de execução trouxe a possibilidade de modificação da competência na fase executória do processo, permitindo, com isso, que na fase de conhecimento o processo tramite em um foro, e em outro no momento da execução.

O art. 475-P, parágrafo único, estabelece que a parte exeqüente poderá, no momento da execução, requerer ao juiz a remessa dos autos ao foro do novo endereço do executado ou do foro em que se encon-trem os bens que estarão sujeitos à execução.

A modificação da competência na fase executória, provocada pela vontade do exeqüente, visa a dar maior efetividade ao processo de execução, já que, estando o devedor ou os bens da execução em outra comarca, seria necessária a expedição de cartas (precatória ou de ordem) para a satisfação do crédito. Com a modificação da competência, em se tratando da remessa dos autos ao foro do local dos bens ou do domicílio do devedor, estariam dispensados os atos de comunicação entre magistrados (as cartas).

M 1 0 . 1 1 . 4 MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA NAS AÇÕES

RELATIVAS AOS DIREITOS HUMANOSA EC n. 45/2004, em exceção à regra que anteriormente comentamos, criou hipótese de cabimento da

modificação de competência de natureza absoluta. Na verdade, o art. 109, § 5o, da Constituição da República admite o deslocamento de processos ou inquéritos da Justiça Estadual para a Justiça Federal.

A princípio a doutrina tem denominado tal instituto de “federalização dos crimes contra direitos humanos”; no entanto, entendemos possível de ocorrer também na área civil, como exemplo, nas ações coletivas ou públicas de defesa de direitos humanos.

Por força da EC n. 45/2004, o deslocamento da competência ocorrerá mediante requerimento do procurador-geral da República ao Superior Tribunal de Justiça que, verificada a relevância e a grave violação de direitos humanos, com a finalidade de resguardar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais do qual o Brasil seja parte, deferirá o encaminhamento do processo ou inquérito à Justiça Federal.

O reconhecimento da incompetência absoluta não gera a extinção do processo, mas a determinação de sua remessa ao órgão competente (§ 2o do art. 113 do CPC).

Nota-se que o reconhecimento da incompetência absoluta gera a nulidade de todos os atos decisórios produzidos no processo, conside- rando-se válidos apenas os atos processuais que não dependerem da validade da competência do órgão jurisdicional.

É importante consignar que, em relação à incompetência absoluta, não há falar-se em preclusão

(mesmo porque não há preclusão pro iudicato); assim, conforme prevê o art. 113 do Código de

Código de Processo Civil. Competência do juízo suscitante." (TJSP, Conflito de Competência n. 64.604-0, Câmara Especial, rei. Des. Fonseca Tavares, j. 16.12.1999, v.u.)

"Exceção. Incompetência. Rescisão contratual. Alegada a prevenção do Foro Regional do Jabaquara. Admissibilidde. Inaplicabilidade da cláusula contratual de eleição do Foro Central para as ações dele decorrentes. Agravo provido. O foro da Capital é um só, com inúmeras Varas, inclusive distritais. A eleição do Foro João Mendes é destituída de validade, por importar em escolha de Juízo e não de Foro." (TJSP, Al n. 14.064-0, rei. Des. Torres de Carvalho, j. 16.01.1992, v.u.)

245"Conflito de competência. Foro de eleição. Relação de consumo. Se o foro eleito dificulta a defesa do consumidor, o Juiz pode, de ofício, declarar-lhe a nulidade. Conflito conhecido para declarar

competente o MM. Juiz de Direito da 2Ò Vara Cível de São Gonçalo, RJ." (STJ, 2A

Seção, Conflito de Competência n. 26.354/RJ, rei. Min. Ari Pargendler, j. 25.08.1999, v.u.)

246"Art. 112. (...) Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu.”

247 “Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”

Page 219: Manual de Direito Processual Civil

COMPETÊNCIA 217Processo Civil, poderá ela ser alegada, conhecida e declarada a qualquer tempo do processo e grau de

jurisdição.Por outro lado, em se tratando de incompetência relativa - ofensa aos critérios de valor e

território -, a declaração do defeito dependerá de manifestação da parte ré, manifestação esta que será formalizada por meio do incidente de exceção de incompetência relativa. Caso a parte interessada não promova o referido incidente processual, ocorrerá a preclusão da matéria com a conseqüente prorrogação da competência, ou seja, o órgão que era relativamente incompetente passa a ser dotado de atribuição para o processamento do feito (art. 114 do CPC).

Diante da diversidade de órgãos jurisdicionais existentes na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, quando da verificação da competência, poderá ocorrer o denominado conflito de competência, que, nos termos do art. 115 do Código de Processo Civil, se estabelece quando:

a) Dois ou mais órgãos jurisdicionais se declaram competentes. Trata- se de hipótese de conflito

positivo de competência, no qual mais de um órgão jurisdicional reclama para si a atribuição para

o processamento da causa. Seria o caso, por exemplo, de ser proposta ação em duplicidade e ambos

os juízos praticarem atos processuais na ação, reconhecendo, implicitamente, os seus poderes para

isso;248

b) Dois ou mais órgãos jurisdicionais se declaram incompetentes. Nesse caso, verifica-se o

conflito negativo de competência, circunstância em que todos os órgãos aos quais foi submetido o

processo afastam a sua competência. É o que ocorre, por exemplo, quando o juiz estadual se

declara incompetente para determinada ação e a remete para a Justiça Federal, que, por sua vez,

também se declara incompetente, por entender que a competência é da jurisdição do estado;

c) Entre dois ou mais órgãos surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos. Em determinadas situações, como ocorre com a conexão e a continência, há previsão legal da reunião dos processos para que sejam julgados em conjunto. Nesse caso, por óbvio, um órgão jurisdicional deverá remeter os autos ao juízo prevento, em razão da modificação ou prorrogação da competência. No entanto, pode ocorrer de um dos órgãos jurisdicionais se recusar à reunião ou separação dos processos, caso em que caberá a suscitação do conflito de competência.'16

Por outro lado, cumpre destacar que não há conflito de competência quando um órgão estiver vinculado hierarquicamente ao outro, por exemplo, não há que se falar em conflito de competência entre um juiz de direito (de primeiro grau) e o Tribunal de Justiça do Estado, ou ainda, entre um juiz federal e o Tribunal Regional Federal.'17

■i 10 .12 .1 P R O C E D I M E N T O D A S O L U Ç Ã O D O C O N F L I T O

DE COMPETÊNC IAO conflito de competência pode ser suscitado pelas partes, pelo juiz ou pelo iMinistério Público,

conforme legitima o art. 116 do Código deProcesso Civil. Na hipótese de o incidente não ter sido promovido pelo Ministério Público, este deverá intervir, obrigatoriamente, na qualidade de fiscal da lei.

O incidente deve ser apresentado perante o presidente do tribunal que estiver hierarquicamente superior aos órgãos jurisdicionais causadores do conflito de competência,'18 que promoverá o processamento do incidente conforme dispuser a legislação local ou normas internas do tribunal.

Evidentemente, o incidente deverá ser instaurado perante órgão jurisdicional que tenha poder para estabelecer a competência entre os conflitantes.'19 Assim, podemos citar os seguintes exemplos:

Órgãos conflitantes Órgão competente para julgar o conflito

Juiz de direito X juiz de

direito (dos Estados)

Tribunal de Justiça do estado ao qual

estiverem vinculados os juizes de direitoJuiz federal X juiz federal

Tribunal Regional Federal ao qual estiverem

vinculados os juizes federais (art. 108,1, e, da

CF)

248 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. I, p. 170."Havendo dois inventários sobre os mesmos bens, caracteriza-se, em princípio, o conflito positivo

de competência, que, entretanto, deixa de existir se sobrevêm sentença terminativa [sem julgamento do mérito] por um dos juizes, ainda que pendente de recurso." (STJ, 2a Seção, Conflito de Competência n. 18.479, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 12.11.1997, v.u.)

Page 220: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOJuiz federal X juiz de direito

(ou vice e versa)

Superior Tribunal de Justiça, nos termos do

art. 105,1, d, da CF

Tribunal Regional Federal X

Tribunal de Justiça do estado

(ou entre tribunal e órgão de

primeira instância)

Superior Tribunal de Justiça

Juiz federal X juiz de direito,

quando este estiver no

exercício de competência de

juiz federal (art. 109, § 3o, da

Tribunal Regional Federal ao qual estiver

vinculado o juiz federal (Súmula n. 3 do

STJ)M)

Órgãos conflitantes Órgão competente para julgar o conflito

Juiz estadual ou federal

(ou tribunal) X juiz do trabalho

(ou tribunal)

Supremo Tribunal Federal'1

Juiz estadual (no exercício de

atribuição de juiz do trabalho -

art. 112 da CF) X juiz do

trabalho

Tribunal Regional do Trabalho (Súmula n. 180

do STJ)32

Superior Tribunal de Justiça X

outros Tribunais Superiores

Supremo Tribunal Federal

Para o processamento do incidente, será designado (por distribuição ou sorteio) um relator, magistrado este que intimará os juizes envolvidos no conflito para que prestem suas informações. Prestadas ou não as informações, os autos serão remetidos ao Ministério Público para que este possa apresentar seu parecer no prazo de cinco dias, sendo, posteriormente, apresentado o conflito para julgamento pelo órgão competente do tribunal, nos termos de seu regimento interno.

A decisão que julgar o conflito de competência declarará o órgão competente para o processamento da causa em questão, inclusive, manifestando-se o acórdão acerca da validade dos atos processuais prati-cados pelo juízo declarado incompetente.249

Como regra, o julgamento do conflito dar-se-á por órgão colegia- do do tribunal, nos termos de seu regimento interno. Contudo, caso haja jurisprudência dominante do próprio tribunal acerca da matéria a ser decidida, poderá o relator proferir decisão monocrática sobre o mérito do incidente.250

A apresentação do conflito negativo gera, automaticamente, o sobrestamento do processo, ou seja, a sua paralisação até que o incidente seja julgado. Por outro lado, sendo o conflito positivo, a suspensão dos processos dependerá de decisão do relator que, de ofício ou a requerimento das partes, determinar que se aguarde a solução do conflito para que tenham prosseguimento as demandas.

No entanto, prevendo a legislação que em algumas lides poderá haver a necessidade de provimentos de urgência - que não podem aguardar a solução do conflito -, é permitido ao relator do incidente designar um dos magistrados envolvidos no conflito para o conhecimento, em caráter provisório, de medidas de urgência.

■I 10 .12 .2 INC IDENTE DE CONFL ITO DE COMPETÊNC IA E

249 O ato judicial que determina a citação do réu será considerado válido mesmo que ordenado por um juízo incompetente, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil. Portanto, no julgamento do conflito de competência, o Tribunal não poderá invalidar o ato citatório, para garantir a interrupção da prescrição e da constituição do devedor em mora.

250 Em caso de decisão singular (monocrática) pelo relator acerca do mérito do conflito de competência, caberá agravo interno, recurso que será julgado pelo órgão colegiado competente para o julgamento do conflito.

Page 221: Manual de Direito Processual Civil

COMPETÊNCIA 219EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNC IA

O artigo 115 prevê que na hipótese de dois ou mais órgãos juris- dicionais se declararem competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo), qualquer uma das partes, o próprio juiz ou o Ministério Público poderão apresentar o incidente para julgamento pelo tribunal.

Por sua vez, o art. 307 estabelece que o réu, por meio de uma petição denominada de exceção de incompetência, poderá argüir a incompetência relativa, a fim de que os autos sejam remetidos ao local correto.

Assim, o art. 117 determina que a parte (no caso o réu) que houver apresentado a exceção de incompetência, não poderá suscitar o conflito de competência.

Page 222: Manual de Direito Processual Civil

COMPETÊNCIA 220

Na verdade, se a parte se utilizar da exceção de incompetência, o art. 117 prevê uma renúncia ou preclusão à utilização do incidente de conflito de competência, visando, até mesmo, a coibir a suspensão repetida do processo (se a parte ré pudesse se utilizar de ambos os instrumentos, poderia obter a suspensão do processo por duas vezes, procrastinando o processo).

10.13 P E R P E T U A T I O J U R I S D I C T I O N I S

O art. 87 do Código de Processo Civil251 dispõe que a fixação da competência é determinada no momento da propositura da ação, considerando irrelevantes as mudanças supervenientes, relativas a território ou valor, capazes de modificar a competência.

Pela referida regra, por exemplo, caso qualquer uma das partes venha a alterar o seu domicílio ou sede (em especial em relação à parte que tem a prerrogativa do foro), após proposta a ação, a competência já fixada quando da propositura da demanda não sofrerá qualquer modificação.252

Em simples palavras, uma vez proposta a ação, a competência é fixada em caráter permanente.Evidentemente, essa regra apenas se aplica à competência relativa, pois, como excepciona o

próprio art. 87 do Código citado, havendo supressão, criação ou alteração de órgãos jurisdicionais ou qualquer outra alteração em razão da matéria ou hierarquia posteriores à propositura da ação, poderá haver o deslocamento da competência para o novo órgão jurisdicional.

É o que acontece, por exemplo, quando da criação de varas especializadas, hipótese em que os processos serão remetidos da vara comum para o novo órgão jurisdicional criado, não se aplicando a

regra da perpetuatio jurisdictionis.

251 "Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia."

252 "Falência. Foro competente. Mudança da sede social após a distribuição do pedido de falência.

Irrelevância. Aplicação do art. 87 do Código de Processo Civil, que trata da perpetua- tio jurisdictionis. Recurso provido para que os autos retornem para o juízo da distribuição." (TJSP, 4a

Câmara de Direito Privado, Al n. 003.007-4, rei. Des. Cunha Cintra, j. 14.03.1996, v.u.)"Competência. Execução fiscal.Transferência da sede da executada. Remessa dos autos para outro

foro. Inadmissibilidade. Indeferimento. Arts. 87 e 578, parágrafo único, do CPC e Súmula n. 58 do STJ. Proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do executado não desloca a competência já fixada." {TJSP, Al n. 226914-2, rei. Des. Vallim Bellochi, j. 29.11.1993, v.u.)

"Competência. Foro regional. Alteração do valor da causa. Não modificação da competência para uma

das varas centrais. Perpetuatio jurisdictionis. Art. 87 do Código de Processo Civil. Preliminar rejeitada." (TJSP, 4° Câmara de Direito Privado, Al n. 149.938-4, rei. Des. Cunha Cintra, j. 24.02.2000, v.u.)

Page 223: Manual de Direito Processual Civil

11

' Curso de direito processual civil, v. I, p. 192.

221

A T O S P R O C E S S U A I S

1 1 . 1 DEF IN IÇÃO

O processo, na qualidade de relação jurídica que se desenvolve entre autor, juiz e réu, é composto por uma série de atos processuais dispostos em uma forma lógica na relação, sendo ele capaz de conduzir a demanda para a manifestação do Estado e a conseqüente composição da lide.

Conforme ensinamento de Humberto Theodoro Júnior:253

253 1 .2 C L A S S I F I C A Ç Ã O E S U J E I T O S D O S A T O S

PROCESSUAIS

O processo é conduzido pelos atos praticados por todos os seus sujeitos, que, com suas funções, conduzem o processo ao seu objetivo. Assim, podemos classificar os atos processuais em:

a) atos das partes;b) atos do juiz;c) atos dos serventuários da justiça;d) atos do Ministério Público;e) atos de terceiros.

As partes atuam no processo apresentando suas

Page 224: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

0 processo apresenta-se, no mundo do direito, como uma relação jurídica que se estabelece entre as partes e o juiz e se desenvolve, através de sucessivos atos de seus sujeitos, até o provimento final destinado a dar solução ao litígio.O processo apenas se desenvolve se impulsionado pelos atos de seus sujeitos. São as

partes, os magistrados, os auxi-

manifestações de vontade, declarações praticadas por meio de petições ou manifestações orais em audiência (transcritas no respectivo termo), tudo com o objetivo de obtenção de êxito na pretensão posta em juízo.

Page 225: Manual de Direito Processual Civil

2 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. III, p. 467.

223 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOliares da jurisdição e os membros do Ministério Público que praticam atos no processo visando ao oferecimento de uma tutela jurisdicional pelo Estado. O terceiro, enquanto ostenta apenas essa qualidade e não é admitido à relação processual, não pratica qualquer ato processual.2 A esse respeito, poderia surgir a seguinte pergunta: o depoimento da testemunha não caracterizaria ato de terceiro no processo? Na realidade, a testemunha não pratica o ato processual, o ato processual praticado é da parte ou do juízo que requereu a prova, sendo a testemunha mera fonte de prova (ou a própria prova).

Dessa forma, dependendo da natureza da relação posta em juízo, a jurisdição exercerá sua atividade por meio de um procedimento ou rito específico, regra esta que disciplinará toda a lógica para a prática do ato processual, como a seqüência lógica e o momento oportuno para a sua prática, os prazos processuais e os sujeitos aos quais é imposto o dever ou ónus de realizá-los.

Ressalte-se que é vedado às partes e a seus procuradores o lançamento de cotas marginais ou interlineares nos próprios autos, ou seja, as partes não podem lançar anotações ou escritos nos espaços deixados entre os atos processuais (entre as linhas ou nos espaços em branco de outro ato).254

■■ 1 1 .2 .1 A T O S D E P R O N U N C I A M E N T O D O J U I Z

Além das partes, o processo também se desenvolve por meio de atos dos magistrados. Assim, podemos afirmar que são atos de pronunciamento1 do juiz (art. 162 do CPC):

a) Despachos. Os despachos, também conhecidos como despachos de mero expediente ou despachos ordinatórios, são atos de administração do processo, pelos quais o juiz impulsiona a relação jurídica processual adiante, sem que tal ato importe em qualquer juízo de valor acerca das questões litigiosas (questão principal da lide ou incidentais). Os despachos, como regra, são atos processuais que não geram prejuízos às partes (a qualquer uma delas), já que são desprovidos de carga decisória. São despachos, por exemplo, as decisões que designam audiência, determinam a citação do réu,255 abrem vistas para manifestações das partes, remetem os autos ao Ministério Público para manifestações em geral, ou seja, atos meramente de impulso processual.

Por determinação da EC n. 45/2004, que acrescentou o inc. XIV ao art. 93 da Constituição,

com o intuito de dar maior celeridade aos processos, os atos processuais de administração ou de

mero expediente, sem caráter decisório (ou seja, os despachos), poderão ser delegados aos

servidores do cartório judicial. Portanto, os magistrados poderão delegar aos serventuários o

poder de proferir despachos.256

b) Decisões interlocutórias. As decisões interlocutórias são atos do juiz destinados à solução

de questões incidentais do processo. Como bem sabemos, além da questão central da relação

processual - a lide - surgem, no curso do processo, questões periféricas ou incidentais, às quais

é instado o magistrado a decidir antes da apreciação da controvérsia central. As decisões

interlocutórias têm a principal característica de não importar em extinção do processo na

primeira instância de jurisdição, como a apreciação da pertinência das provas requeridas pelas

partes, o pedido de assistência judiciária gratuita, os requerimentos de liminares etc.

As decisões interlocutórias também podem ser proferidas nos tribunais, nas situações em que

podem os magistrados proferir decisões monocráticas. É o caso, por exemplo, da decisão do

relator, que mono- craticamente nega seguimento a um recurso, ou quando é apreciado o pedido de

liminar ou o efeito suspensivo pelo relator do recurso.

254 "Processo civil. Mandado de segurança. Ato judicial. Cotas marginais e interlineares. Segurança denegada. Recurso desprovido. I - Não merece censura o ato judicial de comunicação à OAB, em

decorrência de anomalias inseridas nos autos do inventário pelo procurador da parte." (STJ, 4" T, Recurso Ordinário no MS n. 698/SP, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 26.02.1991, v.u.)

"Advogado. Lançamento nos autos de cotas marginais. Magistrado que aplicou ao advogado as penas do art. 161 do CPC. Hipóteses em que bastaria, na espécie, a recomendação para que não procedesse desta forma." (TJSP, Al n. 220529-2, rei. Des. Mohamed Amaro, j. 22.12.1993, v.u.)255especial conhecido pelo dissídio, mas desprovido" (STJ, 4a T„ REsp n. 141592, rei. Min. César Asfor Rocha, j. 04.10.01, v.u.). No entanto, caso a determinação contenha caráter decisório, por exemplo, com a imposição de multa, determinação de obrigação liminar etc, terá natureza de decisão interlocutória.

256 Na verdade, tal prática já existia na vida forense. No entanto, o ato era assinado pelo juiz. Agora, com a autorização constitucional, o próprio serventuário que receber a delegação poderá subscrever o despacho.

Page 226: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

c) Sentenças. As sentenças são atos típicos dos magistrados de primeira instância de jurisdição,

pronunciamentos pelos quais é encerrada prestação jurisdicional neste grau, com ou sem resolução

do mérito do processo. A sentença é o ato extremo e culminante da relação jurídica, uma vez que,

após sua publicação, o juízo de primeira instância entrega a tutela jurisdicional à parte

investida do direito e encerra a sua função no processo.A prolação da sentença não implica encerramento definitivo do processo, mas tão-somente a

decisão da tutela requerida pela parte autora no processo de conhecimento na primeira instância. Após a prolação da sentença, o processo poderá ter seu curso continuado, isso para o processamento de eventual recurso da parte vencida ou mesmo em razão das medidas necessárias ao cumprimento da sentença (isso na primeira instância).

O processo de execução também é encerrado por uma sentença, no entanto, com caráter meramente formal e de declaração de extinção da obrigação (art. 794 do CPC).

d) Acórdãos. São as decisões tomadas por órgãos colegiados dos tribunais em sede de julgamento de recursos ou de processos de competência originária, nos termos do art. 163 do Código de Processo Civil. Ressalte-se que os acórdãos sempre serão tomados em votações de órgãos colegiados dos tribunais (quando do julgamento de um recurso, por exemplo).

É importante esclarecer que os atos dos magistrados não se limitam àqueles decisórios ou de pronunciamentos, sendo certo que o juiz também é responsável por outros atos que não necessariamente importam em uma decisão,257 como a prática do magistrado de presidir as audiências, ouvir as testemunhas e os depoimentos das partes, realizar inspeções judiciais etc.

No estudo do processo civil, a verificação da espécie ou natureza dos atos do juízo assume fundamental relevância para a determinação do instrumento adequado de impugnação desse ato, bem como para a apuração dos efeitos relativos ao andamento do processo e da situação das partes.

Como se verifica nos parágrafos do art. 162 do Código de Processo Civil, os atos de pronunciamento dos magistrados são classificados em função da finalidade258 e efeitos de sua decisão. A espécie do ato é definida em razão de sua finalidade, objetivo e efeitos advindos ao processo. Portanto, sendo ato de mero impulso processual, sem carga decisória ou sem que importe em prejuízo a qualquer uma das partes, estaremos diante de um despacho. Caso o ato seja de decisão de questões incidentais, sem gerar o fim do processo, o ato caracterizará típica decisão interlocutória. Por fim, havendo extinção do processo no primeiro grau de jurisdição, certamente, o ato é sentença.

A observância da finalidade do ato é fundamental para a definição de sua natureza. Note-se que, para se definir a espécie de ato, pouco importa a nomenclatura dada pela lei ou pela prática forense, pois, muitas vezes, elas atribuem natureza e classificação erradas ao ato judicial.

No processo de execução por quantia certa contra devedor insolvente, por diversas vezes, a lei processual afirma que o juiz proferirá sentença. No entanto, se verificada a finalidade desses atos, a conclusão conduzirá à definição de típica decisão interlocutória. O mesmo ocorre, por exemplo, com o chamado “despacho saneador”, que, como veremos adiante, é o pronunciamento do juízo em relação à regularidade da relação processual, pronunciamento sobre os requerimentos de provas requeridas pelas partes e do julgamento das questões pendentes; obviamente, o “despacho saneador”

257 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., p. 488, deno-mina os demais atos do magistrado de "atos materiais", atos estes diversos dos pronunciamentos: decisões, sentenças e despachos.

258 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 466.

Page 227: Manual de Direito Processual Civil

ATOS PROCESSUAIS 225

é típica decisão interlocutória, uma vez que decide questões incidentais e pode gerar prejuízo às partes (ou pelo menos a uma delas).

Outro exemplo curioso verificamos na lei que trata da assistência judiciária gratuita que denomina de sentença a decisão do juiz que julga a impugnação à concessão do benefício de gratuidade. Nesse caso, também, estamos diante de típica decisão interlocutória e não de sentença. Apesar de a Lei n. 1.060/50 denominar o ato de sentença, a sua finalidade indica que é ato de apreciação de questão incidental, ato este que não põe fim ao processo.H 1 1 . 2 . 2 A T O S D O S S E R V E N T U Á R I O S D A J U S T I Ç A

A atividade da jurisdição é exercida, também, com auxílio dos ser-ventuários da justiça, que, dependendo de suas funções, exercem atos

processuais relevantes ao deslinde da causa.Podemos citar os seguintes atos:

a) Autuação. Ato pelo qual o escrivão (chefe do ofício ou outro ser-vidor designado) põe capa à petição inicial e a documentos que a instruem, consistindo no ato de formação dos autos do processo. Com a autuação, o serventuário descreve na capa dos autos o juízo, a natureza do feito, o número de registro do processo, os nomes das partes e a data de início da demanda.b) Vistas. Representa a viabilização do acesso aos autos pelos advoga-dos e partes a fim de que possam praticar atos processuais ou tomar ciência de atos praticados pelos demais sujeitos da relação processual.c) Conclusão. É o ato de remessa dos autos ao magistrado para que esse possa lançar decisão.d) Certidões (termos ou auto). São declarações firmadas pelos ser-ventuários no processo. Como bem sabemos, os serventuários da justiça são sujeitos do processo cujos atos gozam de presunção de veracidade. Assim, é o serventuário incumbido de lançar nos autos certidões acerca dos atos processuais. Por exemplo, a certidão de decurso do prazo para manifestação da parte, a certidão do oficial de justiça quando da realização de uma diligência, a certidão de abertura de vistas, de juntada ou conclusão etc.e) Juntada. A juntada constitui ato de anexar ao processo petições e documentos em geral. Nota-se que, quando as partes se manifestam no processo, o que fazem por meio de petição, esse documento é encartado aos autos, sendo certificada pelo serventuário a data dessa juntada.f) Desentranhamento. É a retirada de documentos ou petições dos autos. O desentranhamento é ato contrário ao de juntada.g) Distribuição. Havendo mais de um juízo competente dentro do

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mesmo foro, a petição inicial será submetida à distribuição, ato de sorteio que determina a competência interna.

Nos tribunais, pelo fato de haver mais de um magistrado, os processos também ficarão sujeitos à distribuição. Nesse caso, por força da EC n. 45/2004, a distribuição deverá ser imediata,h) Intimação e citação. São atos de comunicação do processo, atos pelos quais é dada ciência às partes, a seus procuradores ou a terceiros acerca de outros atos processuais.

■ i 1 1 . 2 . 3 A T O S D O M I N I S T É R I O P Ú B L I C O

Atuando o Ministério Público como fiscal da lei, terá o seu represen-tante a faculdade de se manifestar no processo sempre depois das mani-festações das partes, podendo requerer a juntada de documentos, realização de provas e outros atos necessários à comprovação dos fatos (art. 83 do CPC). Nas hipóteses previstas no art. 82, o Ministério Público não está autorizado a praticar atos que sejam privativos das partes, como, por exemplo, a apresentação de reconvenção, propositura de ação decla- ratória incidental, requerer a denunciação da lide, oposição, chamamento ao processo, opor exceção de incompetência (incompetência relativa), renunciar, desistir da ação ou reconhecer a procedência do pedido. 259

Todavia, mesmo atuando como custos legis, o Ministério Público poderá interpor recursos (art. 499 do CPC), opor exceções de impedimento ou suspeição e suscitar conflito de competência, já que há autorização legal expressa para isso.

Por outro lado, figurando o Ministério Público como parte no processo, os seus representantes exercerão todas as faculdades e atos processuais típicos e inerentes aos litigantes da relação jurídica.

Por essa razão, ao discorrer acerca da forma dos atos processuais, Moacyr Amaral Santos leciona:10

A doutrina contemporânea (Chiovenda, Carnelutti, Redenti, Gold- schmidt, Jaeger, Liebman, Furno), considerando o ato processual e a finalidade deste, demonstrou que os atos processuais são privados de autonomia. Os atos processuais são meios de que se servem os sujeitos da relação processual para atingir um fim, que é o fim do processo, ou seja, a sua definição

2591.3 FORMA DOS ATOS PROCESSUAIS

O processo representa para o Estado o modo ou o instrumento de manifestação da vontade da lei ao caso concreto, atuação que sempre tem como objetivo supremo conferir uma tutela jurisdicional capaz de outorgar o bem da vida à parte assistida pelo direito material posto em juízo.

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ATOS PROCESSUAIS 227

pela atuação da vontade da lei ao caso concreto.

Com base nessa filosofia - de que o processo é meio e não fim -, o ordenamento processual foi concebido com a prevalência do princípio da instrumentalidade das formas, pelo qual, apesar da existência de uma formalidade legal para a prática do ato, mesmo que não se tenha observado tal forma prevista na lei, o ato será considerado válido quando alcançada a finalidade a que se destina (art. 154 do CPC).

O processo é instrumento de realização do direito, razão pela qual não

se prestigia a forma em detrimento do fim almejado.Exemplo de aplicabilidade do princípio da instrumentalidade das

formas verificamos em relação ao ato de citação do réu. A lei processual prevê um procedimento extremamente formal para que o réu seja integrado à lide, no entanto, admite a supressão da forma quando o réu comparece espontaneamente no processo.

No entanto, o Código de Processo Civil impõe as seguintes regras genéricas de forma dos atos processuais:

a) Uso obrigatório do vernáculo (art. 156 do CPC). Os atos processuais serão escritos obrigatoriamente em língua portuguesa.

b) Numeração e rubrica em todas as folhas dos autos. Ao proceder a juntada aos autos de qualquer escrito, o serventuário competente deverá rubricar e numerar todas as folhas, seguindo a seqüência da autuação.

c) Vedado o uso de abreviaturas pelos serventuários da justiça (parágrafo único do art. 169 do CPC).d) Permitido o uso de taquigrafia, estenotipia ou outros métodos de gravação ou escrita, inclusive o uso de sistemas de áudio para a gravação dos atos processuais, posteriormente havendo a transcrição dos sinais.e) Os documentos ou atos praticados em língua estrangeira deverão ser traduzidos por intérprete ou tradutor juramentado (espécie de serventuário da justiça, cujas traduções gozam de fé pública). 260

f) Os atos processuais devem ser praticados dentro do tempo e dos prazos previstos pela legislação processual.g) Publicidade. Como regra, por força de mandamento constitucional, os atos processuais são públicos e podem ser compulsados por qualquer pessoa, independentemente de ser parte ou procurador constituído nos autos do processo. Contudo, havendo interesse público justificado ou necessidade de preservação da intimidade da parte

260Súmula n. 259 do STF: "Para produzir efeito em juízo não é necessária a inscrição, no Registro Público, de documentos de procedência estrangeira, autenticados por via consular".

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(anulação de casamento, ação de alimentos, divórcio, separação, guarda de menores, investigação de paternidade etc.), o processo correrá sob segredo de justiça, sendo o acesso aos autos restrito às partes e a seus procuradores (art. 155 do CPC).h) Os atos de pronunciamento do magistrado devem ser datados e assinados pela autoridade (art. 164 do CPC). A sentença deverá seguir a estrutura e os requisitos previstos no art. 458 do ordenamento processual civil.i) Protocolos. As partes poderão exigir recibo (ou protocolo) de todas as petições ou documentos que apresentarem em juízo (art. 160 do CPC), isso como forma de prova do cumprimento do ato processual, bem como para eventual restauração dos autos em caso de extravio.j) Autenticação das cópias pelo advogado. O art. 365, inc. IV, do Código de Processo Civil autoriza que o advogado autentique as cópias reprográficas das peças do próprio processo. Evidentemente, tal declaração é feita na responsabilidade do profissional e é presumida verdadeira se não houver impugnação pela parte adversa.

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ATOS PROCESSUAIS 229

1 1 .4 DO TEMPO E LUGAR DOS ATOS PROCESSUAISA regra prevista no art. 172 do Código de Processo Civil é no sentido de

que os atos processuais devem ser praticados nos dias úteis, no horário das seis às vinte horas. Nos casos em que o ato processual deva ser praticado por petição, esta deverá ser apresentada ao serviço de protocolo 261 dentro do horário de expediente do fórum. 262

No entanto, a própria legislação processual prevê hipóteses de pror-rogação ou modificação do tempo ordinário para a prática dos atos processuais, as quais podemos citar:

a) É permitido que o ato seja praticado após as vinte horas quando tiver sido iniciado antes desse horário e o adiamento ou a interrupção possam importar em prejuízo.b) A parte poderá requerer e o juízo deferir que a citação e a penhora (ato de constrição dos bens do devedor) sejam realizadas fora do tempo ordinário, inclusive em domingos e feriados, fora do horário comum. Em ambos os casos - citação e penhora -, muitas vezes há necessidade de que

261 0 Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de não admitir a contagem do prazo de protocolo a partir da apresentação da petição no serviço de correios, mas apenas considera o prazo quando da apresentação da petição no protocolo judicial. Súmula n. 216 do STJ: "A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da secretaria e não pela data da entrega na agência do correio".

262A jurisprudência firmou entendimento no sentido de que é considerado válido o ato de protocolo fora do horário de expediente do fórum, mas dentro do horário do art. 172 do Código de Processo Civil, se o interessado se encontrava dentro do prédio quando este foi fechado. De fato, é muito comum que, após o horário de fechamento do fórum, ainda existam pessoas nas filas dos protocolos, não podendo a parte ser prejudicada em função da espera, quando ela já se encontrava no fórum antes do seu fechamento. Nesse sentido:

"Recurso. Apelação. Interposição no último dia do prazo recursai, e passados dezoito minutos do término do horário de funcionamento do protocolo. Irrelevância. Protocolização que se deu dentro do horário, foi estendido para atender às pessoas que encontravam-se na fila do protocolo. Tempestividade caracterizada. Preliminar rejeitada. Recurso conhecido." (TACSP, 4a Câm., rei. Juiz Oséas Davi Viana, j. 08.08.2001, v.u.)

"Processual civil. Protocolo de petições. Prazo. Expediente forense. Lei Estadual e ato normativo de Tribunal não podem alterar o horário de expediente forense previsto no art. 172, § 3o do CPC e determinar prazo mais curto para o protocolo de petições. Ocorrendo o fechamento do protocolo antes do término do expediente forense, o prazo para interposição de petição fica prorrogado para o dia seguinte." (STJ, 1dT., REsp n. 263222/RJ, rei. Min. Garcia Vieira, j. 16.11.2000, v.u.)

"Processual civil. Prática de ato processual pela parte. Encerramento das atividades forenses antes das dezoito horas. Lei Estadual n. 7.297/80. Código de Processo Civil, arts. 172 e 184, § 1o, II - A prática de ato processual pela parte (ajuizamento de recurso) encerrava-se ao tempo, às 18 horas. Lei Estadual autorizando o fechamento do protocolo e cartório da Comarca às 17 horas. Além de cercear o direito da parte, contraria a Lei Federal e faz incidir a regra do art. 184, § 1o, II, do Código de Processo Civil." (STJ, 1a T., REsp n. 67781/PR, rei. Min. César Asfor Rocha, j. 08.11.1995, v.u.)

Em sentido contrário: "Processual civil. Apelação intempestiva. Entrega da petição apóso horário de expediente forense. Fechamento do protocolo. Art. 172, § 3o, do CPC. Lei Estadual. Os atos processuais devem ser praticados no curso do horário regular, não podendo ser recebida apelação após o fechamento do protocolo geral. As leis de organização judiciária

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a diligência seja efetuada fora do tempo comum, em especial para que seja encontrada a pessoa objeto da diligência ou para não frustrar o próprio ato (como ocorre com a penhora).

Para o tempo da prática dos atos processuais, também é necessário observar os períodos de férias forenses e os feriados, assim considerados os domingos e os dias definidos por lei ou pelas regras de organização judiciária (art. 175 do CPC). Nos períodos de férias forenses ou de feriados, como regra, não são praticados atos processuais.

Todavia, com o objetivo de não impedir o acesso à Justiça nos casos de necessidade de tutelas de urgência, os arts. 173 e 174 admitem a realização de atos processuais e o curso de ações durante as férias ou feriados, nos seguintes casos:263'1

a) Produção antecipada de provas. Trata-se de medida destinada à realização de prova processual em caráter de urgência, isso com a finalidade de evitar o perecimento da prova em razão do decurso do tempo. É o caso, por exemplo, da testemunha que se encontra no “leito de morte”, situação em que não se pode aguardar o momento próprio do processo, tampouco o fim das férias forenses para que a testemunha seja ouvida, sob pena da perda da prova.b) Citação para evitar o perecimento do direito (para evitar a prescrição), ou ainda os atos processuais de arresto, seqüestro, busca e apreensão, depósito, prisão civil (alimentante ou depositário infiel), penhora, arrecadação, separação de corpos, abertura de testamentos, os embargos de terceiros, a nunciação de obra nova, e outros atos de urgência.c) Ações cautelares. São ações, preparatórias ou incidentais, destinadas à proteção imediata de um bem jurídico; como regra, visam a uma tutela de urgência (art. 799 do CPC).d) Ações fundadas em locação (Lei n. 8.245/91 - art. 58,1): ação de des-pejo, de consignação de aluguéis e acessórios, revisional e renovatória.e) Procedimentos de jurisdição voluntária (dispostos nos arts. 1.103 a 1.210 do Código de Processo Civil).

263devem obedecer ao limite previsto no caput do art. 172 do CPC na fixação do horário para a realização dos atos processuais, seja, de seis às vinte horas, não se admitindo, todavia, o recebimento de petição fora do horário de funcionamento do protocolo, ainda que em horário de expediente, sob pena de violação ao preceito contido no § 3o do mesmo dispositivo" (STJ, ô'1 T., REsp n. 299509/RS, rei. Min. Vicente Leal, j. 10.04.2001, v.u.).

54 "Férias. Prazo de recurso. Arbitramento de honorários. Distingue o Código de Processo Civil atos que podem ser praticados nas férias e causas que nelas têm curso. Nos termos do art. 173, II, do CPC, as férias não obstam a prática de atos urgentes. Não se segue daí, entretanto, que nela tenham curso as causas em que efetivadas. O Processo de Arbitramento de Honorários, malgrado preparatório, sequer visa a assegurar direito ameaçado pelopen- culum in mora. Não tem andamento nas férias, razão por que flui o prazo de recurso." (STJ, 3a T„ REsp n. 27854/SP, rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. 30.10.1992, v.u.)

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ATOS PROCESSUAIS 231

f) Ação de alimentos (ação cautelar de alimentos provisionais ou ação especial de alimentos), as causas de fixação ou remoção de tutores ou curadores.g) Ação pelo rito sumário (art. 275 do CPC).h) Outras ações cujo curso a lei federal autorizar o trâmite durante as

férias, como a ação de falência e a de desapropriação.

Por fim, é importante mencionar que os atos processuais, como regra, são praticados na sede do juízo, admitindo-se, excepcionalmente, que sejam efetuados em outros locais, dependendo das peculiaridades do caso concreto e dos interesses da justiça.

■ i 1 1 . 4 . 1 T R A N S M I S S Ã O D E P E T I Ç Õ E S P O R M E I O S

E L E T R Ô N I C O S

A Lei n. 9.800/99 autorizou a transmissão de petições por meio da utilização de sistemas de transmissão de dados e imagens, como, por exemplo, o fac-símile. Evidentemente, a lei foi exemplificativa, pois autoriza aos tribunais a utilização de qualquer sistema de transmissão de dados, sendo certo que, atualmente, encontra-se em funcionamento a recepção de petições por fac-símile ou correspondência eletrônica (e-mail ou remessa pelos sites dos tribunais).

No entanto, apesar de admitir a transmissão da petição por fac-símile ou outro meio eletrônico, a lei não dispensa a apresentação da via original.

O art. 2o da lei determina que, no prazo de cinco dias contados da data da prática do ato,264 os originais deverão ser apresentados no protocolo do juízo ou tribunal (ou integrado), se houver no âmbito do órgão jurisdicional).

E mais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado que o prazo de cinco dias para a apresentação do original no protocolo é

264 O prazo para apresentação do original tem início no dia seguinte àquele em que foi transmitido via fac-símile. Caso a remessa via fac-símile tenha sido antes do último dia, o prazo para protocolo do original será considerado a patir do dia seguinte à transmissão, e não do encerramento do prazo. "Processo Civil. Recurso Especial. Agravo Regimental. Petição via fax. Juntada extemporânea do original. Prazo previsto no Art. 2o da Lei n. 9.800/99. Início da contagem. Primeiro dia útil após o envio, ainda que antes do término do prazo recur- sal. Intempestividade. Não conhecimento. 1 - Segundo entendimento desta Corte, o prazo para encaminhamento dos originais da petição via fac-símile, encaminhada antes do término do prazo recursal, começa a fluir do dia seguinte ao do envio, ainda que antes do término do prazo recursal, em observância ao princípio da consumação. 2 - In casu, tendo a petição recursal sido apresentada, via fax, no dia 17.10.2005 (segunda-feira), o prazo para encaminhamento do original teve início em 18.10.2005 (terça-feira), encerrando-se em 22.10.2005 (sábado), prorrogado para o dia 24.10.2005 (segunda-feira). Havendo este último sido protocolizado somente em 07.11.2005 (segunda-feira), encontra-se o presente Agravo Regimental intempestivo, já que ultrapassado o prazo de cinco dias previsto no art. 2o, da Lei n. 9.800/99. 3 - Precedentes (AgRg Ag ns. 481.341/RS e 434.407/RS). 4 - Agravo regimental não conhecido." (STJ, 4a T., Ag. Reg. no REsp n. 747.672/RS, rei. Min. Jorge Scartezzini, j. 29.11.2005)

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

contínuo e, portanto, não se interrompe ou suspende nos sábados e feriados. 265

Por certo, aquele que transmitiu a petição de forma eletrônica é responsável pelo conteúdo e veracidade, e eventual discordância ou falsidade poderá acarretar a imposição de multa por litigância de má-fé.M 1 1 .4 .2 Uso de Me ios E le t rôn icos nos p rocessos

A reforma advinda com a Lei n. 11.419/2006 alterou o Código de Processo Civil para autorizar a informatização dos processos judiciais e, na busca de maior celeridade, admitir o uso de meios eletrônicos para a prática dos atos processuais (comunicação dos atos e transmissão de petições por meio da internet).

A aplicação imediata da lei dependerá da regulamentação pelos órgãos dos tribunais, já que o uso do meio eletrônico exige a existência de assinatura eletrônica.

A inovação foi introduzida no sentido de admitir a transmissão eletrônica de petições até às 24h do dia final do prazo (art. 3o, parágrafo único), modificando a sistemática anterior pela qual o protocolo apenas poderia se dar dentro do horário de expediente do fórum. A íntegra da lei está no Anexo 3.

1 1.5 PRAZOS PROCESSUAIS

O processo se desenvolve por meio de diversos atos processuais, dispostos em uma seqüência lógica, uns após os outros.

Dessa forma, as normas de processo estabelecem períodos ou espaços de tempo para que os sujeitos do processo realizem, de forma válida, os atos processuais que lhes incumbe a relação. Podemos dizer que todo ato processual tem um momento oportuno e certo de existir no processo, fixando o interregno entre os termos inicial e final para a sua realização eficaz.

O prazo sempre será fixado entre dois termos: o inicial (dies a quo) e o final (dies ad quem),266 ou seja, o momento de início da contagem do prazo e o momento de encerramento da oportunidade da prática do ato processual.

Para tanto, como leciona Moacyr Amaral Santos, 267 o ordenamento pro-cessual estabelece os prazos processuais em função dos seguintes princípios:

265"Processual Civil. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Interposição via "fax". Original. Intempestividade. Lei n. 9.800/99. Art. 2o. Preclusão Consumativa. I. É intempestivo o agravo regimental interposto via fac-símile, se o original é apresentado após o transcurso do prazo estabelecido no art. 2o da Lei n. 9.800/99, contado da protocolização do fax, pelo princípio da preclusão consumativa. II. O prazo previsto nesse dispositivo é contínuo, tratando-se de simples prorrogação para a apresentação do original da petição recursal, razão pela qual não é suspenso aos sábados, domingos ou feriados. Precedentes do STJ e do STF. III. Agravo regimental não conhecido." (4a T., Ag. Reg. no Ag. n. 705.680/GQ, rei. Min. Aldair Passarinho Junior, j. 08.11.2005) [grifo do autor].

266Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, cit., p. 213.267Op. cit., p. 304.

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ATOS PROCESSUAIS 233

a) utilidade, para garantir às partes um período razoável de tempo para a prática do ato;b) inalterabilidade, como regra os prazos são fixados pela lei e não pela vontade das partes;c) peremptoriedade e preclusão, o não cumprimento do prazo poderá gerar a perda da capacidade para a prática do ato processual;d) brevidade, com a finalidade de que o processo se desenvolva com celeridade e não se arraste no tempo.

Os principais prazos do Código de Processo Civil foram elencados no Anexo I deste livro.

M 1 1 . 5 . 1 E s p é c i e s o u C l a s s i f i c a ç ã o d o s p r a z o s

Considerando as características e os efeitos dos prazos em relação ao

processo e às partes, podemos mencionar as seguintes classificações:

a) Prazos legais, judiciais ou convencionais. Os prazos legais são aqueles

fixados na lei processual especificamente para o ato processual. Por

exemplo, é um prazo legal o tempo para a apresentação de contestação

ou para a interposição de recurso.

Por outro lado, em alguns casos, a lei deixa a fixação do prazo ao

arbítrio do magistrado, que o fará sempre observando os princípios

norteadores dos prazos processuais, em especial a complexidade do ato a

ser realizado. É o caso, por exemplo, do prazo para o oferecimento do rol

de testemunhas, que, como regra, é fixado pelo juiz; caso isso não

ocorra, é aplicado o prazo legal (dez dias antes da audiência). Estas

hipóteses são denominadas prazos judiciais.

O art. 177 do Código de Processo Civil determina que os atos

processuais serão praticados dentro do prazo legal ou, quando for omissa

a lei, o juiz fixará o prazo, sempre considerando a natureza da causa e a

complexidade do ato a ser praticado.

Contudo, não havendo prazo legal, tampouco interregno fixado pelo

juiz, o prazo será considerado de cinco dias para a prática do ato, como

prevê o art. 185 do Código de Processo Civil.

Além disso, certos prazos (os dilatórios) admitem que sejam

convencionados pelas partes; como exemplo, podemos citar o prazo de

suspensão do processo por vontade das partes (art. 181 do CPC). Em se

tratando de prazos dilatórios, as partes podem convencionar pela

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

prorrogação (ou mesmo pela diminuição) do referido prazo, requerendo a

alteração ao juiz sempre antes do vencimento do prazo legal ou judicial.

b) Dilatórios e peremptórios. Os prazos dilatórios são aqueles que

admitem modificação por vontade das partes ou decisão judicial. Nota-se

que, mesmo sendo o prazo fixado pela lei, em se tratando de um prazo

dilatório, poderão as partes e o juiz, de ofício e atendendo à natureza do

ato (complexidade), alterar o prazo.Por sua vez, os prazos peremptórios são aqueles que não admitem

modificação pela vontade das partes ou por inteligência do juízo; são prazos considerados fatais, cuja inobservância gera a perda da capacidade para a prática do ato (preclusão).

Como regra, os prazos peremptórios são improrrogáveis, salvo nas comarcas onde for difícil o transporte ou o acesso à sede do juízo, inclusive na ocorrência de calamidade pública. Nesses casos, é facultado ao juiz estender qualquer prazo processual até sessenta dias, podendo ser excedido esse limite em caso de calamidade pública.

Nesse ponto, um cuidado deve ser observado: a prorrogação de prazo não se confunde com a sua restituição. Os prazos para a apresentação da resposta do réu e para a interposição de recursos são espécies de prazos peremptórios que não admitem modificação pela vontade das partes ou judicial. No entanto, provando-se que não houve a citação ou a intimação do recurso, o juiz poderá restituir o prazo à parte que mostrar ter sido prejudicada pela falta da comunicação.

c) Próprios e impróprios. Os prazos próprios são entendidos como aqueles que devem ser praticados pelas partes sob pena de um prejuízo processual, ou seja, a preclusão.

Por outro lado, a lei especifica prazos que, caso sejam descum- pridos, não acarretam nenhum gravame processual, mas somente sanções de ordem disciplinar. Podemos afirmar que são impróprios os prazos estabelecidos ao juiz, aos serventuários da justiça, aos membros do Ministério Público na atuação como fiscais da lei e para o curador especial (art. 198° do CPC).

A título de exemplo, o Código de Processo Civil determina que o juiz deverá proferir sentença quando do encerramento da instrução processual em audiência ou no prazo de dez dias; no entanto, o referido prazo é meramente de orientação para a prática do ato processual, pois, caso o juiz não o faça no tempo legal, não ocorrerá qualquer sanção processual. Seria absurdo falar que ocorreu preclusão temporal para o ato do juiz.

Page 237: Manual de Direito Processual Civil

ATOS PROCESSUAIS 235

d) Comuns, individuais e sucessivos. A presente classificação se faz em

função do modo de concessão e exercício dos prazos pelas partes. Os

prazos comuns são aqueles exercidos em conjunto por todas as partes do

processo, ou seja, é estabelecido prazo único para as partes do processo

realizarem o ato. Ao contrário, os prazos podem ser individuais

(particulares), concedidos unicamente em favor de uma das partes, ou

sucessivos, concedidos em favor de uma parte e, na seqüência, à outra.

Por exemplo, sendo juntado aos autos laudo pericial, o juiz

concederá prazo para que as partes se manifestem, prazo único que será

exercido em conjunto por elas. Também será comum o prazo para que os

litisconsortes pratiquem seus atos no processo.

Agora, é particular, por exemplo, o prazo para o réu (único réu)

apresentar contestação, ou para a parte totalmente vencida no processo

interpor recurso - nesses casos, o prazo corre unicamente em favor de

uma das partes.

■ i 1 1 . 5 . 2 C O N T A G E M D O S P R A Z O S

Como ressaltamos anteriormente, os prazos são considerados em relação

a dois termos: o termo inicial (dies a quo) e o termo final (dies ad quem).O início da contagem dos prazos - dies a quo - tem como causa a ciência

da parte em relação ao ato processual anterior (a intimação pessoal ou pelo diário oficial, a juntada aos autos do mandado de citação etc.), podendo a lei determinar, em casos específicos, o momento de início de contagem do prazo.

A regra é no sentido de que o curso dos prazos processuais se dê de forma contínua, ou seja, uma vez iniciada a sua contagem, não haverá paralisação da fluência do tempo em razão da superveniência de feriados (ou dias não úteis).

No entanto, em sede do estudo dos prazos processuais não se pode deixar de mencionar a existência de hipóteses de interrupção e suspensão do curso da contagem dos prazos, institutos estes que não se confundem. Em ambos os casos, o efeito direto será o de paralisação da contagem dos prazos, mas, havendo a interrupção, quando cessar a causa de paralisação, o prazo é restituído integralmente, sendo desconsiderado o tempo anterior ã paralisação.

Ao contrário, sendo hipótese de suspensão - assim determinada na lei -, uma vez cessada a paralisação, a contagem do prazo recomeçará a correr de onde parou, considerando-se, na referida contagem, o tempo anterior à suspensão. Por exemplo, podemos afirmar que, em um prazo de quinze dias, advindo qualquer uma das causas de suspensão no décimo dia, quando for restabelecida a contagem, a parte gozará apenas dos cinco dias restantes.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O Código de Processo Civil prevê os seguintes casos de suspensão do processo:268

a) obstáculos criados por uma das partes;b) hipóteses previstas no art. 265, incs. I e II (suspensão do processo em

razão da perda da capacidade processual da parte, do representante ou do procurador, ou ainda pela convenção das partes);

c) eventual paralisação do Poder judiciário, como recessos.Por sua vez, são hipóteses de interrupção dos prazos:

a) a oposição do recurso de embargos de declaração, que interrompe o prazo para a interposição de qualquer outro recurso. Por exemplo: caso haja oposição de embargos de declaração no prazo de cinco dias, após a sua intimação, após a intimação do julgamento do referido recurso de embargos, a parte vencida terá ainda o prazo de quinze dias para a interposição de apelação (ou seja, o prazo da apelação foi restituído integralmente quando cessada a causa da interrupção);b) a citação do réu que interrompe o curso do prazo prescricional, recomeçando a fluir integralmente, conforme previsão do art. 219 do Código de Processo Civil;c) a interposição de recurso de embargos infringentes contra parte do acórdão não unânime que também interrompe o prazo para a interposição do recurso especial ou recurso extraordinário contra a parte unânime (tema tratado adiante).269

| Regras de contagem de prazos

De forma simplificada, podemos afirmar que os prazos processuais são contados da seguinte forma:

a) Exclui-se o dia de início (dies a quó) e inclui-se o dia final (dies ad quem) ou de vencimento (art. 184 do CPC). Por exemplo, sendo a parte intimada no dia Io para a prática de um determinado ato processual em dez dias, a contagem deverá ser realizada com exclusão do primeiro dia (dia Io), iniciando-se no dia seguinte (dia 2), considerando-se o último dia para a prática do ato o dia 11 (dia do vencimento).b) O início da contagem do prazo sempre será em dia útil (§ 2 o do art. 184 do CPC). Portanto, caso o dia seguinte ao da intimação (ou do dies a quo) seja feriado, a contagem do prazo terá início no próximo dia útil. É 26810 Até o advento da EC n. 45/2004 as férias forenses eram consideradas como

causa de suspensão dos processos e, conseqüentemente, dos prazos processuais, No entanto, a referida Emenda determinou que a atividade jurisdicional seja ininterrupta, sem a possibilidade de férias coletivas ou forenses.

269 Não obstante a lei referir-se ao termo sobrestamento do prazo, deve-se entender uma forma de interrupção, já que não tem início o curso do prazo para os demais recursos.

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ATOS PROCESSUAIS 237

o caso da intimação que ocorreu na sexta-feira: nesse exemplo, o dies a quo é a própria sexta-feira, mas o primeiro dia de contagem seria o sábado, no entanto, como o sábado e o domingo não são considerados como dias úteis para efeito forense, o início da contagem do prazo se dará na segunda-feira seguinte (se esta não for feriado).c) Iniciada a contagem do prazo (sempre em dia útil), o seu curso será contínuo, independentemente da existência de feriados no seu decorrer. Assim, se a publicação ocorreu na quinta-feira, o início da contagem do prazo será no dia seguinte (sexta-feira), computando-se no cálculo dos dias o sábado e o domingo seguintes.d) Na hipótese de o dia do vencimento cair em dia não útil, em dia em que for determinado o fechamento do fórum, ou no dia em que este tiver o seu expediente encerrado antes do horário habitual, o vencimento é prorrogado automaticamente para o dia útil seguinte (§ I o do art. 184 do CPC).e) Não havendo prazo legal ou fixado pelo magistrado, o prazo será de cinco dias.

■I 1 1 .5 .3 PRERROGATIVAS DE PRAZOS

O legislador conferiu às Fazendas Públicas 270 e ao Ministério Público prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar. Apesar de a lei utilizar a expressão contestar, a jurisprudência tem afirmado que o prazo em quádruplo se estende a todas as espécies de respostas do réu (reconvenção, exceções e contestação).271

Outro caso de aumento do prazo para a prática de atos processuais verificamos na hipótese de haver na demanda litisconsortes com procuradores diferentes. Nesse caso, os litisconsortes terão prazo em dobro para a prática de qualquer (de todo) ato processual. Ressalte-se que é requisito para essa prerrogativa que os litisconsortes sejam representados por advogados distintos.272

À primeira vista, os benefícios previstos no art. 188 do Código de Processo Civil poderiam ser entendidos como privilégios processuais, como vantagens em favor de uma das partes em prejuízo da outra, induzindo até

270 Ente público ou administração pública. São beneficiárias as seguintes pessoas: União, estados, Distrito Federal e os municípios. Por força do Decreto-lei n. 7.659/45, aplica-se a prerrogativa de prazo do art. 188 do Código de Processo Civil às autarquias públicas (administração pública indireta).

271"Processual civil. Exceção de incompetência. Prazo, art. 188, CPC. I. Esta colenda corte, ratificando entendimento do extinto TFR decidiu que a Fazenda Pública tem direito de opor exceção de incompetência no prazo que tem para contestar (art. 188, do CPC)." (STJ, 2-T., REsp n. 24.055/RJ, rei. Min. José de Jesus Filho, j. 14.04.1993, v.u.)

272 O Supremo Tribunal Federal firmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo em dobro não se aplica ao recurso quando apenas um litisconsorte houver sido sucumbente (tenha interesse no recurso). Súmula n. 641 do STF: "Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido".

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mesmo à idéia de violação ao princípio da igualdade ou isonomia, previsto tanto na Constituição da República (caput do art. 5o), como no Código de Processo Civil (art. 125,1).

Na verdade, a intenção do legislador não foi a de conferir um privilégio, mas dar prazo maior a essas pessoas especiais - considerando o interesse público representado pelas Fazendas ou pelo Ministério Público -, a fim de garantir a equiparação entre as partes, já que os advogados do Estado, procuradores e promotores de Justiça não podem dispor ou recusar as demandas que lhes são impostas, certamente, são profissionais que não dispõem de liberdade na escolha dos trabalhos.

Por outro lado, é justificado o prazo em dobro aos litisconsortes representados por procuradores diferentes, isto como medida de assegurar acesso igualitário aos autos, e a possibilidade da prática dos atos processuais.

M 1 1 . 5 . 4 P R E F E R Ê N C I A N O S J U L G A M E N T O S

O disposto no art. 1.211-A do Livro das Disposições Finais e Tran-sitórias do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 10.173 de 9 de janeiro de 2001, garantiu aos maiores de 65 anos de idade a preferência no julgamento dos processos em que figuram como parte ou interessado.

No entanto, com o advento do Estatuto do Idoso - Lei n. 10.741/2003- a idade foi reduzida para sessenta anos, conforme determina o seu art. 71.

Para o exercício de tal direito de preferência, o beneficiário deverá requerer a concessão à autoridade em que tramita o feito e fazer prova

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ATOS PROCESSUAIS 239

do requisito para tanto, ou seja, juntar ao requerimento cópia de docu-mento que comprova a idade igual ou superior a sessenta anos.

Em caso de falecimento ou exclusão do beneficiário do processo, o benefício não se estenderá aos seus sucessores, salvo se algum deles também for maior de 65 anos de idade, conforme determina o art. 1.211 -C do Código de Processo.

Em princípio, esses dispositivos legais poderiam dar a impressão de que estaria havendo privilégio indevido em favor da parte idosa e conseqüentemente, uma aparente afronta ao princípio da igualdade ou de isonomia entre os litigantes.

No entanto, isso não ocorre. Na realidade, ao deferir a preferência no julgamento dos processos para os maiores de sessenta anos, o legis lador nada mais fez do que aplicar o princípio da isonomia, já que tratar os idosos como as pessoas mais jovens seria dar tratamento idêntico às pessoas que se encontram em situações distintas e, assim, gerar quebra da igualdade constitucional. Devemos sempre lembrar que igualdade significa tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida de suas desigualdades, respeitando as diferenças de cada pessoa.

Como bem sabemos, os idosos não têm expectativa de vida capaz de suportar a longa espera no julgamento de um processo. É realidade muito conhecida por nós o tempo necessário à satisfação de um direi to em juízo, tempo esse que não têm grande parte das pessoas idosas.

Curiosamente, em razão de pedido de preferência formulado por pessoa idosa, o magistrado de primeira instância negou tal requerimento por entender tratar-se de prerrogativa inconstitucional, pois, segundo ele, estar-se-ia ofendendo o princípio da igualdade, afirmando que a Lei n. 10.173/2001 “trata desigualmente os iguais”.

Com efeito, em sede do julgamento de recurso interposto contra tal decisão esdrúxula, assim se pronunciou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:2'1

Ao prestar as informações de fls. 136/137, o magistrado argumentou

que: "Assim como as agravantes, pessoas idosas, têm urgência na resolução

dos conflitos a que estão sujeitas, outras pessoas também o têm. Não é razoável que elas tenham tratamento prioritário, pelo fato de terem nascido primeiro do que as partes de outros feitos que tramitam por este Juízo".

E acrescenta: "Dar tratamento prioritário para as agravantes, pessoas idosas, enseja a obrigação moral, ética e jurídica de dar-se o mesmo tratamento prioritário aos doentes, aos incapazes, aos pobres, aos deficientes físicos etc., inclusive até com a criação de varas especializadas e ritos processuais especiais para o atendimento dessas pessoas".

3. Tem-se, no entanto, que não pode prevalecer o entendimento esposado pelo MM. Juiz.

Com efeito, o fato de existirem outras classes ou grupos de

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pessoas que por suas peculiares condições também estariam a fazer jus ao mesmo tratamento prioritário, não tem o condão de torná-las iguais aos idosos que foram contemplados com o benefício legal negado pelo magistrado.

A circunstância de o legislador não ter estendido o benefício a outras pessoas que, ao sentir do magistrado, também estariam a merecer tratamento idêntico, não importa em violação ao princípio da igualdade insculpido no art. 5o da Constituição Federal.

Na verdade, o propósito da Lei n. 10.173/2001 ao tutelar pessoas que, por sua idade avançada, normalmente se encontram em posição de inferioridade em relação aos mais jovens, foi justamente realizar o princípio de igualização, concedendo ao idoso tratamento mais digno e compatível com a sua situação peculiar de fragilidade inerente à própria condição da velhice.

Como destacado nas razões recursais, a Lei n. 10.173/2001 estabelece em favor da pessoa idosa uma prioridade necessária, absolutamente conforme o princípio da isonomia, porque o fator de discrimen é justificável em seu próprio enunciado: os idosos têm menor expectativa de sobre- vida e, portanto, sofrem consideravelmente mais efeitos negativos da delicada equação tempo/processo, podendo-se dizer mesmo que o periculum in mora, para eles, é pressuposição lógica e status permanente. (TJSP, Al 197.733-4/3, rei. Des. Carlos Augusto De Santi Ribeiro, j. 06.06.2001, v.u.)Por fim, resta-nos indagar: no que consiste a preferência no julga-

mento? Qual a diferença em relação aos processos que não gozam de tal prerrogativa?

Na realidade, o legislador limitou-se a prever o benefício, sem indicar, na prática, quais os efeitos decorrentes desse direito de preferência. Entendemos que nos processos em que estejam figurando pessoas maiores de sessenta anos deve ser dada prioridade no julgamento em relação aos demais feitos, não devendo submeter à longa demora para distribuição nos tribunais, ou seja, devem ser distribuídos incontinente a um relator, gozam de preferência nas publicações, realização de todos os atos processuais por parte dos serventuários, designação de audiências etc.

1 1.6 COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS

Como regra, os atos processuais são praticados no bojo dos autos do processo e dentro da sede do juízo. No entanto, em determinados casos, há necessidade de exteriorização desses atos além dos limites dos autos ou do âmbito de jurisdição do magistrado. Por essa razão, o ordenamento processual criou instrumentos de comunicação entre os diversos órgãos do Poder Judiciário, bem como entre o juízo e as partes litigantes ou terceiros.

Freqüentemente, surge no processo a necessidade da prática de atos processuais fora dos limites impostos à jurisdição, como a ouvida de uma testemunha que resida em outra comarca, o que demanda a comunicação entre

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25 Curso de direito processual civil, cit., p. 224.

ATOS PROCESSUAIS 241

os órgãos do Poder Judiciário como forma de possibilitar a realização dos referidos atos.

Além disso, como observa Humberto Theodoro Júnior,25 o processo se desenvolve segundo os princípios do contraditório e da publicidade, princípios que impõem a necessidade da transmissão de ciência às partes e a terceiros de todos os atos ocorridos na relação processual.

Dessa forma, podemos afirmar que o Código de Processo Civil prevê as seguintes modalidades de comunicação dos atos processuais:a) cartas; b) citações; e c) intimações.■i 11 .6 .1 CA R T A S 273

As cartas são instrumentos de comunicação entre órgãos de jurisdição, ou seja, representam meio de comunicação e cooperação entre magistrados, e pelo qual um órgão pleiteia a outro a realização de ato processual em sua base territorial de jurisdição ou no âmbito de sua competência funcional.

Como vimos anteriormente, é obrigatório que o processo se desenvolva perante o órgão jurisdicional competente segundo as funções e a base territorial conferidas pela lei. Assim, são utilizadas as cartas todas as vezes em que houver necessidade da prática de ato processual fora do âmbito de jurisdição em que tramita o processo.

É comum, por exemplo, a necessidade da realização de citações e intimações de pessoas que se encontram em comarcas - bases territoriais de jurisdição - diversas daquela em que tramita o processo, ou ainda para a oitiva de testemunhas que também não residam na mesma localidade. Em ambos os exemplos, o juízo do processo não tem competência para a realização do ato fora de sua base territorial, devendo valer-se das cartas para obter a providência pretendida pelo órgão competente.

Portanto, todas as vezes em que houver a necessidade da prática de atos processuais fora dos limites da jurisdição, o magistrado requererá a realização do ato ao órgão competente, por meio das seguintes car tas (art. 201 do CPC):

a) Carta precatória. As cartas precatórias são aquelas utilizadas entre órgãos do Poder Judiciário brasileiro que se encontram dentro da mesma hierarquia funcional ou grau de jurisdição. Por meio da carta precatória um juízo solicita a outro - do mesmo grau de jurisdição e com a mesma competência em relação à matéria - a realização de determinado ato processual em sua jurisdição.

Por exemplo, um juiz de uma das varas cíveis de São Paulo necessita ouvir uma testemunha que reside na comarca de Fortaleza: assim, será expedida uma carta precatória do juízo de São Paulopara uma das varas cíveis da referida comarca de Fortaleza (carta que será cumprida por órgão de primeira instância) para que o juiz desta

273 Para o processo civil, o termo carta não é sinônimo de correspondência (correio), mas assume significado próprio relativo ao ato de comunicação entre órgãos de jurisdição.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

jurisdição realize o referido de oitiva da testemunha.O órgão remetente da carta precatória é denominado de juízo

deprecante; já ao órgão destinatário atribui-se a nomenclatura de juízo deprecado.b) Carta de ordem. As cartas de ordem são expedidas por órgãos ju- risdicionais hierarquicamente superiores àqueles que cumprirão o ato requerido na carta.

Por exemplo, sendo proposta uma ação diretamente no Superior Tribunal de Justiça, sediado em Brasília, este tribunal expedirá uma carta de ordem para que seja realizada a citação do réu pelo órgão jurisdicional de primeira instância do local de domicílio da parte ré.

Nota-se que a ordem decorre de um órgão superior àquele que realizará o ato processual. Portanto, as cartas de ordem sempre serão oriundas de um tribunal para um órgão inferior, constituindo verdadeiro comando e não um mero pedido (como ocorre com as rogatórias). 27

c) Carta rogatória. As cartas rogatórias têm por finalidade a realização de atos processuais por autoridades judiciárias estrangeiras - são instrumentos para solicitação, perante autoridade de outro país, de realização de atos dentro de seu território.

As referidas cartas são remetidas aos seus destinos por meio de vias diplomáticas e observando os termos de convenções e tratados internacionais de cooperação judiciária (art. 210 do CPC), denominando-se rogante o juízo remetente e rogado o destinatário.

No entanto, quando o Brasil for o destinatário de uma rogatória, haverá necessidade de tal pleito de autoridade estrangeira passar pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça, que, após a verificação da adequação do objeto da carta ao sistema jurídico nacional—se não há ofensa à soberania e à Constituição —, se for o caso, expedirá o exequatur, determinando ao juízo federal competenteque realize o ato requerido pela autoridade judiciária estrangeira — art. 109, X, da Constituição da República.

Em se tratando de carta rogatória, a parte sobre a qual recai a responsabilidade pela prática do ato processual deverá providenciar a tradução do conteúdo da carta para a língua oficial do país destinatário, bem como fornecer os meios e acompanhar o ato no local de cumprimento, promovendo o recolhimento de eventuais despesas e outras informações requeridas pela autoridade rogada.

| Requisitos das cartas

A validade e a eficácia das cartas estão condicionadas à observância dos requisitos previstos nos arts. 202 e 203 do Código de Processo Civil, que estabelecem como conteúdo obrigatório:

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25 Curso de direito processual civil, cit., p. 224.

ATOS PROCESSUAIS 243

indicação dos juízos de origem e de cumprimento; o inteiro teor da petição (ou cópia), da decisão judicial e do instrumento de mandato conferido ao advogado; indicação do ato processual requerido, com suas especificações; encerramento com assinatura do juiz e reconhecimento de sua assinatura por escrivão autorizado; prazo para cumprimento;documento original quando se tratar de perícia sobre documento (ficando

nos autos da ação apenas a fotocópia).

E, facultativamente, as cartas podem ser instruídas com outras peças necessárias para que o juízo destinatário possa realizar com uti lidade o ato requerido, tais como: desenhos, mapas, laudos etc., tudo que for imprescindível para o entendimento dos fatos e a execução do ato processual.

Recusa judicial no cumprimento da carta

A regra é no sentido de que o juízo destinatário da carta não tem competência para proceder à análise da conveniência ou legalidade 274 do ato processual requerido, tampouco tem poder para recusar o seu cumprimento.

No entanto, excepcionalmente, nos termos do art. 209 do Código de Processo Civil, o juízo destinatário da carta poderá opor-se ao cumprimento do pedido formulado pelo órgão remetente quando: a) não estiver revestida dos requisitos legais (requisitos previstos no art. 202 do CPC); b) quando lhe faltar competência em razão da matéria ou hierarquia; 275 c) quando tiver dúvida sobre a autenticidade da carta.

As cartas devem ser remetidas às autoridades judiciárias com com-petência para a prática do ato solicitado, observando-se, para isso, as regras de competência territorial e funcional. Evidentemente, caso o juízo destinatário da carta entenda não gozar de competência para o seu cumprimento, terá absoluta legitimidade para proceder à sua devolução ao órgão remetente sem a realização do ato requerido.

A esse respeito, surge a seguinte pergunta: o juízo deprecado poderá recusar o cumprimento de carta quando carecer de competência territorial? Não obstante a lei prever como hipótese de recusa apenas a incompetência 274a precatória, sob o argumento de que o deprecante é incompetente e de ser inconstitucional o ato requerido. II. Em se julgando originariamente competente para adotar originariamente o ato deprecado, cumpre ao juiz suscitar conflito de competência. III. A argüição de inconsti- tucionalidade do ato deprecado haverá de ser examinada na sede do deprecante, observando o devido processo legal. IV. Não pode o tribunal a que se vincula o juízo deprecado cassar, por afirmada inconstitucionalidade, decisão tomada por juiz vinculado a outro tribunal." (STJ, 1“ T., REsp n. 174.529/PES, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 13.10.1998, v.u.)

275 "Processo civil. Conflito de competência. Cumprimento de carta precatória. Recusa do juízo deprecado. O juízo deprecado apenas pode descumprir a ordem contida na carta precatória caso esta não possua algum requisito legal, quando carecer de competência em razão da matéria ou da hierarquia ou, ainda, por motivo de dúvida sobre a autenticidade da carta. Conflito conhecido a fim de declarar-se a competência do juiz deprecado para o cumprimento da carta precatória." (STJ, 2a T., Conflito de Competência n. 318.86/RJ, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 26.09.2001, v.u.)

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funcional (segundo critérios decorrentes de matéria e hierarquia), entendemos que a incompetência territorial do juízo deprecado também justifica a recusa e a devolução da carta sem o cumprimento. Nota-se que a incompetência territorial do juízo deprecado gera total impossibilidade material de cumprimento da carta precatória ou de ordem. Imaginemos remeter uma carta para a Comarca de Santos, quando na realidade o local da prática do ato encontra-se naComarca do Rio de Janeiro. Obviamente, o juízo deprecado não terá condições de realizar o ato requerido, muito menos, o que seria absurdo, poderá expedir outra carta precatória. 276

Além das hipóteses de recusa, havendo necessidade, poderá o juízo destinatário requisitar ao juízo remetente, às partes ou a terceiros as informações complementares indispensáveis ao cumprimento e à realização do ato requerido, como a remessa de cópias do processo, informações das partes, recolhimento de custas e demais despesas processuais etc.

■ i 1 1 . 6 . 2 C I T A Ç Õ E S

O termo técnico processual citação, conforme previsão do art. 213 do Código de Processo Civil, corresponde ao ato pelo qual se chama a juízo o réu - pessoa que ocupa o pólo passivo da ação - para o fim de que possa apresentar defesa e formar o contraditório da relação jurídica processual.

Como já tratamos anteriormente, o processo é uma relação jurídica trilateral, razão pela qual o ato de citação é indispensável para a própria formação e existência da relação jurídica. Em outras palavras, sem a citação não existe processo válido.

O Estado Democrático de Direito, sob a égide da Constituição da República, estabelece como direito fundamental do indivíduo o direito de contraditório - art. 5o, inc. LV -, pelo qual é assegurado aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o direito de apresentação de suas versões acerca dos fatos que lhes são imputados pela outra parte.

Em todo e qualquer processo, deverá ser promovida a citação da parte ré para que possa apresentar sua resposta (contestação, recon- venção ou exceções) e acompanhar o seu desenvolvimento até a extinção regular.

276 Em sentido contrário, Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, cit., p. 225) afirma que: "Por questão apenas de incompetência

relativa, o ato não poderá ser recusado".

Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. II,

p. 347, em relação à recusa por incompetência relativa (como no caso da territorial),

sustenta: "A incompetência relativa não comporta exame sem provocação da parte

[...] e por isso a eventual incompetência territorial do juízo deprecado deve ser argüida

perante o juízo deprecante, cumprindo a este e não àquele o exame da matéria; mas o

cumprimento será impossível, não obstante relativa a incompetência territorial,

quando se tratar de ato a ser realizado sobre coisas situadas no foro deprecado ou

inquirição de testemunhas ali encontradas etc.".

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25 Curso de direito processual civil, cit., p. 224.

ATOS PROCESSUAIS 245

Nesse sentido, o professor Arruda Alvim ensina: 277

Não podemos dizer que há processo íntegro, como relação trilateral, e no sentido prático real, se não houver citação da parte contrária; afirmação diversa seria baseada em conceito estritamente técnico (desligado do Direito positivo brasileiro), e seria válida apenas considerando o processo como relação bilateral entre autor e juiz. O que se poderia dizer é que há, com a só propositura da ação, apenas um início do processo, pois há relação jurídica entre o juiz e o autor. Concluímos, portanto, que a citação é o terceiro requisito para que se forme integralmente a relação jurídica processual.A citação é ato fundamental do processo, pois é por meio desse ato de

comunicação que se implementa pressuposto objetivo de existência, constituição e desenvolvimento válido do processo. 278 A falta de citação gera a nulidade de todos os atos processuais praticados na relação jurídica.

Legitimação para recebimento da citação e local

Como afirmamos anteriormente, a citação é o ato pelo qual se objetiva dar ciência ao réu da ação que foi proposta contra ele, ato destinado a possibilitar o exercício do amplo direito de defesa do demandado.

Por essa razão - para alcançar a finalidade a que se destina -, o ato de citação deve ser realizado na pessoa do réu. De fato, o art. 215 do Código de Processo Civil dá prioridade à citação pessoal do demandado ou na pessoa de seu procurador, quando este estiver investido, por meio de instrumento de mandato, de poderes279 para o recebimento da citação.

Na hipótese de o réu ser incapaz, a citação deverá ocorrer na pessoa de seu representante legal, e, em se tratando de pessoa jurídica, o ato deve ser recebido por pessoa habilitada no estatuto ou contrato social, detentora de poderes de representação da personalidade jurídica.280 A citação realizada perante pessoa sem poderes para esta representação constitui ato nulo.

Por outro lado, em situações especiais em que a pessoa jurídica detém filiais ou sucursais, deve-se admitir a citação na pessoa do gerente ou de quem represente a empresa naquela localidade. É o que ocorre, por exemplo, com as instituições bancárias, situações em que, sendo a ação decorrente de ato praticado por uma agência, deve ser admitida como válida a citação realizada na pessoa de seu gerente ou diretor. 281

2773' Manual de direito processual civil, v. I, p. 513.278 Moacyr Amaral Santos, op. cit., p. 329.279 Apenas o mandato com a cláusula ad judicia (para agir em juízo em geral) não

habilita o advogado para o recebimento de citação. A citação poderá ser realizada por procurador quando constar do instrumento poderes expressos para o ato. Nesse sentido: "Processual civil. Liquidação de sentença. Execução. Citação pessoal. Art. 611 do CPC. Juntada de procuração pelo réu sem poderes especiais. Comparecimento espontâneo. Inocorrência. Precedente. Recurso desacolhido. I. Nos termos do art. 611 do CPC, 'julgada a liquidação, a parte280promoverá a execução, citando pessoalmente o devedor'. Logo, apenas ao réu pode ser di

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Ao tratar da citação das pessoas jurídicas no âmbito de atuação dos jui -zados Especiais, a Lei n. 9.099/95, art. 18, inc. II houve por bem determinar que a citação pode ser realizada na pessoa do “encarregado da recepção”, dis -pensando com isso que a citação seja realizada na pessoa com poderes de representação da empresa. Ressalte-se que tal permissão apenas se aplica nos processos de competência dos Juizados Especiais (dos Estados ou Federais).

Por fim, é importante ressaltar que a citação será realizada no local onde se encontrar o demandado (art. 216, do CPC).

Juntada de procuração antes da citação

Após definirmos quem tem legitimidade para receber citação, surgem os seguintes questionamentos: a juntada de procuração aos autos pelo advogado faz presumir a citação? E a juntada da procuração antes da citação do réu dá início ao curso do prazo para resposta do demandado?

Entendemos que a juntada de procuração aos autos antes da citação apenas terá o poder de suprir o referido ato citatório quando os advogados outorgados tiverem poderes especiais para receber citação; caso contrário, estaríamos admitindo o recebimento de citação por pessoa estranha à lide, violando a regra segundo a qual o ato de citação deve ser pessoal.282

Assim, a simples juntada de procuração aos autos sem poderes especiais para receber citação não dá início ao prazo para a apresentação de resposta pelo réu.

Não obstante a presente posição e as manifestações dos tribunais, 37 aconselhamos, na prática forense, muito cuidado com a questão, visto que é freqüente o entendimento em sentido contrário de alguns magistrados de primeira instância, sob a alegação de que a juntada de procuração aos autos configuraria comparecimento espontâneo do réu, nos termos do art. 214 do Código de Processo Civil, portanto, ato que teria o efeito de suprir a citação

282 "Direito processual civil. Pedido de vista. Procuração sem poderes especiais. Compa- recimento espontâneo do réu. Inocorrência. Monitoria. Prazo para embargos. Termo a quo. CPC art. 241, II. I. Ajuntada de procuração e requerimento de vista dos autos por advogado sem poderes especiais para receber citação não constitui, em princípio, comparecimento espontâneo do réu, hábil a suprir a ausência do chamamento (CPC, art. 214, § 1o). II. O prazo para oferecimento de embargos à ação monitoria se inicia, em regra, na data da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido. III. Ainda que se considere iniciado o prazo para oferecimento de embargos com a concessão de vista dos autos antes da juntada do mandado de citação, a contagem só pode se dar a partir da real disponibilização dos autos, não do simples requerimento. Recurso a que se dá provimento." (STJ, REsp n. 249.769/AC, rei. Min. Castro Filho, j. 12.03.2002, v.u.)

"Citação. Irregularidade. Insurgência contra decisão que deu por citada a agravante em face da juntada de procuração aos autos. Admissibilidade. Inaplicabilidade do art. 214, § 1o, da Lei de Rito, tendo em vista que no instrumento de mandato não constam poderes expressos para receber citação. Direito garantido ao advogado de examinar o processo em cartório ou fora dele, além de requerer vistas dos autos pelo prazo de cinco dias, como procurador, nos termos do inc. XV, do art. 7°, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto do Advogado) e art. 40, inc. II, do Código de Processo Civil. Decisão reformada. Recurso provido." (I TACSP, Al n. 981806-8, rei. Juiz Roque Mesquita, j. 06.02.2001, v.u.)

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25 Curso de direito processual civil, cit., p. 224.

ATOS PROCESSUAIS 247

pessoal. Tal entendimento pode gerar grave prejuízo à defesa do demandado, já que o prazo teria início quando da juntada da procuração e não da posterior citação pessoal.

Formalidades do ato de citaçãoEm casos excepcionais, descritos no art. 217 do Código de Processo

Civil, o legislador relacionou circunstâncias provisórias impeditivas da realização do ato de citação do réu, sendo elas:

a) enquanto o demandado estiver participando de culto ou celebração religiosa;b) do cônjuge ou qualquer parente do morto, em linha reta ou colateral em segundo grau (irmão), no dia do falecimento e nos sete dias subseqüentes;c) dos noivos, nos três primeiros dias de casamento;d) de doentes, enquanto estiverem em grave estado de saúde.

Ressalte-se que, em casos especiais, para evitar o perecimento de direito, o juiz poderá deferir a citação do réu mesmo na ocorrência das circunstâncias anteriormente mencionadas.

37 "Processo civil. Comparecimento espontâneo. Não se assimila ao comparecimento espontâneo, a que alude o art. 214, § 1o, do Código de Processo Civil, a petição em que o advogado, sem poderes para receber citação, requer, simplesmente, a juntada de procuração aos autos. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, 3âT., REsp n. 193.106-DF, rei. Min. Ari Pargendler, j. 15.10.2001, v.u.)

"Processual civil. Comparecimento espontâneo da ré mediante juntada de procuração de advogado com poderes expressos para receber citação. Citação válida. Contagem do prazo para defesa a partir daquela data. Contestação. Intempestividade. CPC, art. 214, § 1o.I. A juntada de procuração, pela ré, onde consta poder expresso a seu advogado para receber citação, implica comparecimento espontâneo, como previsto no art. 214, § 1o, da Lei Adjetiva Civil, computando-se a partir de então o prazo para o oferecimento da contestação.II.Defesa intempestiva. Desentranhamento. III. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, 4^ T., REsp n. 173.299/SP, rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 29.06.2000, v.u.)

Além disso, é de se observar que a citação se faz por meio de um mandado, ordem esta expedida pelo órgão jurisdicional e que deve conter (art. 225 do CPC): os nomes das partes e endereços; a finalidade da citação, bem como as especificações da petição inicial e advertências; cominação, quando houver (por exemplo, a existência de multa em caso de descumprimento de obrigação); dia e horário de compare- cimento; a cópia do despacho que determinou a citação; advertência do prazo para defesa; a assinatura do escrivão e a declaração de que subscreve o mandado por ordem do juiz.

Page 250: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Não obstante toda a formalidade que recai sobre o ato processual de citação - legitimidade, momento, mandado etc. - prevê o § I o do art. 214 do Código de Processo Civil que o comparecimento espontâneo do demandado supre a falta de citação, inclusive, no caso de o réu comparecer em juízo apenas para alegar falta ou nulidade de citação anterior, considerar-se-á citado o réu na data em que for publicada a decisão acerca da argüição de nulidade.

Por exemplo, seria o caso do réu que vem a juízo para alegar que a citação foi realizada em relação à pessoa que não detinha poderes de representação da pessoa jurídica. Nesse caso, havendo o acolhimento da nulidade da citação, o comparecimento espontâneo do demandado supre o vício da citação, não sendo necessária a repetição do ato além disso; a partir da intimação da decisão que declarou o vício de citação, terá início novo prazo para apresentação de defesa.

| Efeitos da citação válida

A citação válida, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil, gera os seguintes efeitos:

a) Torna prevento o juízo. A prevenção constitui o fenômeno processual de fixação da competência em relação aos demais órgãos jurisdicionais- o órgão prevento exclui a competência de qualquer outro. Estando o réu citado, o juízo fixou sua competência em relação aos demais.

b) Litispendência. Uma vez realizada a citação, considera-se pendente a lide de julgamento, sendo vedada às partes a propositura de outra ação idêntica àquela que se encontra em curso.

c) Torna litigiosa a coisa. Isso significa dizer que o bem jurídico está sendo disputado judicialmente, gerando a ineficácia de sua eventual alienação ou oneração para caracterizar fraude.

d) Interrompe a prescrição. Paralisa o curso do prazo prescricional, como será objeto de estudo no próximo tópico.

e) Constitui o devedor em mora. Não havendo outra causa de constituição

em mora (protesto, ação cautelar preparatória, notificação etc.), a citação

tem efeito de oficializar o inadimplemento do réu.

f) Estabilização objetiva da demanda. A citação também gera o efeito de

estabilizar a demanda (estabilização objetiva), uma vez que, pelo

disposto no artigo 264 do Código de Processo Civil, a citação impede o

autor de modificar o pedido e a causa de pedir, salvo com a anuência do

réu.

Page 251: Manual de Direito Processual Civil

25 Curso de direito processual civil, cit., p. 224.

ATOS PROCESSUAIS 249

Interrupção da prescrição pela citação

O Código Civil de 2002 conceitua a prescrição como a perda do poder de reclamar contra a violação de um bem jurídico. A regra é no sentido de que o detentor de um direito tem um prazo legal para reclamá-lo em juízo, para exercer a pretensão ao gozo do direito, sob pena de seu perecimento.283

A prescrição representa uma sanção pelo descumprimento do ônus de promover a ação. Ninguém está obrigado a demandar, mas, se não o fizer durante o prazo legal, verá perecido o direito de receber a tutela jurisdicional. Ademais, a parte contrária não poderia ficar pela eternidade vinculada à outra.

O instituto da prescrição, portanto, assunto atrelado ao direito material, fixa o prazo pelo qual o indivíduo pode exercer a pretensão a um direito. 284

Assim, o art. 202,1 do Código Civil determina que o despacho do juiz que, mesmo considerado incompetente, determinar a citação do réu, tem o efeito de interromper o curso do prazo prescricional. Mas, para a interrupção ocorrer, o referido artigo condiciona o cumprimento dos prazos e da forma prevista na lei processual. Aqui, portanto, estamos diante do conflito entre dois dispositivos: o § Io do art. 219 do Código de Processo Civil afirma que a interrupção retroage à data da propositura da ação, já o art. 202,1 do Código Civil estabelece que o início da interrupção será do despacho do juiz que ordenar a citação.

A doutrina,285 por uma interpretação sistemática do Código Civil e Código de Processo Civil, tem se manifestado no sentido de que a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação (com a distribuição), pois é nesse momento que a parte autora exerce efetivamente a pretensão e rompe com a inércia geradora da prescrição, prevalecendo a regra do artigo 219, § I o

do CPC.Tal posição se deve ao fato do Código Civil, no próprio art. 202,1,

remeter a interrupção da prescrição ao cumprimento da forma e prazos previstos na legislação processual, no caso, o art. 219 do Código de Processo.

A esse respeito, o professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves ensina que:

Pelo sistema do CPC, pois, a prescrição considera-se interrompida na data da distribuição, mas não é esta que a interrompe, mas sim a citação, cuja eficácia retroage àquela data.Ressalte-se que a interrupção da prescrição se efetiva com a citação

válida, mas a contagem do prazo retroage à data da propositura (dis tribuição).

283 “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.“

284A prescrição em favor das Fazendas Públicas está regulamentada no Decreto n. 20.910/32.

285 Flávio Luiz Yarshell, A interrupção da prescrição pela citação: confronto entre o Novo Código Civil e o Código de Processo Civil.

Carlos Roberto Gonçalves. ‘Prescrição: questões relevantes e polêmicas', Novo Código Civil: questões controvertidas, v. I.

Page 252: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Pedro da Silva Dinamarco comenta que: 286

Note-se que conclusão diversa, no sentido de que a interrupção da prescrição retroagiria à data do despacho do juiz que ordenar a citação, poderia conduzir a grave prejuízo ao autor, na medida em que possibilitaria que a prescrição se consumasse entre a data da propositura da demanda e a data do despacho inicial. Ou seja, possibilitaria que a parte fosse penalizada pela eventual demora do juiz em proferir o "cite-se", ou seja, pela falha do próprio mecanismo judiciário, o que é inaceitável (art.219, § 2o).

Portanto, mesmo que o réu seja citado após a ocorrência da prescrição, sua contagem retroagirá à data da propositura. É necessário, assim, propor a ação antes do prazo prescricional, pois, mesmo que a prescrição venha a ocorrer antes da citação, a interrupção retroagirá ao momento da distribuição do feito.

Para a interrupção em razão de citação, o parágrafo único do art. 202 do Código Civil estabelece que a prescrição interrompida recomeça a correr (pelo mesmo prazo e integralmente) do último ato do processo que a interrompeu. A prescrição permanece interrompida durante todo o curso do processo.'12

Caso a prescrição tenha se consumado antes da propositura da ação - e portanto não há que se falar em sua interrupção - o juiz poderá reconhecer tal matéria de ofício, ou seja, mesmo sem a provocação da parte ré, já que o § 5o do art. 219 do Código de Processo Civil (introduzido pela Lei n. 11.280/2006), passou a autorizar a iniciativa do juiz para conhecer da prescrição.

| Formas de citação - art. 221 do Código de Processo Civil

a) Pelo correio. A citação pelo correio consiste na remessa do mandado ao

réu por meio de correspondência com retorno de comprovante de

recebimento (aviso de recebimento - AR), para fazer prova nos autos da

validade do ato.

Tal forma de citação pode ser realizada para qualquer comarca do

País, salvo nas ações de estado, quando for ré pessoa incapaz, pessoa de

direito público, nos processos de execução, para as localidades não

atendidas pelo serviço de correspondência ou quando o autor requerer

outra forma.

Todavia, há que se consignar que a citação por correio deve ser

pessoal, ou seja, o aviso de recebimento deve retornar assinado pelo

286 Código de Processo Civil interpretado, p. 586.

Page 253: Manual de Direito Processual Civil

25 Curso de direito processual civil, cit., p. 224.

ATOS PROCESSUAIS 251

próprio demandado,287 sob pena de invalidade absoluta da citação.b) Oficial de justiça. Nesta forma de citação, o oficial de justiça do juízo se dirige ao domicílio do réu ou a qualquer lugar em que ele se encontre e realiza o ato de citação, entregando-lhe o mandado e a contrafé (cópia da petição inicial e eventuais aditamentos).

Realizada ou não a citação, o oficial certificará o ocorrido, dando fé

se o réu recebeu ou se recusou a contrafé.

c) Citação por hora certa. O art. 227 do Código de Processo Civil

estabelece que na hipótese de o oficial de justiça comparecer, por três

vezes, sem encontrar o devedor e haver suspeita de ocultação, deverá

intimar qualquer pessoa da família ou vizinho que voltará no dia

seguinte, em horário determinado, para realizar a citação.

Com efeito, no dia seguinte, o oficial retornará ao local para proceder

à citação. Não encontrando o réu, o oficial de justiça procederá à citação,

entregando o mandado e a contrafé a qualquer pessoa da família ou

vizinho.

Essa forma de citação tem por finalidade coibir a má-fé do de-

mandado que, utilizando-se da ocultação, pretenda retardar a citação e

seus efeitos.d) Citação por edital. A citação por edital tem cabimento quando:

• desconhecido ou incerto o réu: hipótese em que é desconhecida a

personalidade certa do réu; nesse caso o autor não sabe quem são os

interessados, é ignorada a própria pessoa do réu"14 (por exemplo, na

287 "Processual civil e civil. Citação. Via Postal. Pessoa Física. Procedimento. Interpretação do art. 223, parágrafo único, CPC. Entrega pessoal ao citando. Necessidade. Ônus do autor de provar, no caso, a validade da citação. Precedente da turma. Legislação anterior. Irrelevância. Condomínio. Convenção aprovada e não registrada. Obrigatoriedade para as partes signatárias. Legitimidade do condomínio. Recurso especial. Prequestíonamento. Ausência. Recurso acolhido. I - Na citação de pessoa física por via postal, é indispensável a entrega diretamente ao citando, devendo o carteiro colher seu ciente. II - Se o aviso de recebimento da carta citatória for assinado por outra pessoa, que não o próprio citando, e não houver contestação, o autor tem o ônus de demonstrar que o réu, ainda que não tenha assinado o aviso, teve conhecimento da demanda que lhe foi ajuizada. III - A convenção de condomínio regis-trada, como anota a boa doutrina, tem validade erga omnes, em face da publicidade alcançada. Não registrada, mas aprovada, faz ela 'lei entre os condôminos, passando a disciplinar as relações internas do condomínio'. IV - Não se conhece do recurso especial quando a matéria, embora invocada pela parte nas instâncias ordinárias, não mereceu apreciação do Tribunal. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, tem-se por prequestionada determinada matéria, a ensejar o acesso à instância especial, quando a mesma é debatida e efetivamente decidida pelas instâncias ordinárias." (STJ, 4a T., REsp n. 164.661/SP, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 03.12.1998, v.u.)

Page 254: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ação de usucapião não se tem conhecimento de todos os réus ou

pessoas interessadas no imóvel);

• ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o réu:

nessa hipótese o réu é conhecido, mas não se sabe onde ele está ou o

lugar é de difícil acesso. Considera-se inacessível, também, o país que

se recusar ao cumprimento de carta rogatória;

• nos casos previstos em lei, em procedimentos especiais, a própria lei,

prevendo a existência de possíveis interessados incertos (pessoas

desconhecidas), determina a realização da citação por edital, como já

citamos o caso da usucapião.

A jurisprudência dominante tem firmado entendimento no sentido de que não basta a simples alegação de desconhecimento do endereço do réu para o deferimento da citação por edital.

Essa forma de citação constitui meio excepcional, vez que o Código de Processo Civil dá preferência à citação pessoal e, como sabemos, na citação por edital há apenas presunção de ciência da ação em trâmite; trata-se de citação ficta, não havendo certeza de que o réu teve efetiva ciência da ação que lhe foi proposta.

Por essa razão, o entendimento jurisprudencial 288 se consolidou no sentido de que o autor deve diligenciar para localizar o endereço do réu, re- querendo ao magistrado a expedição de ofícios a órgãos que mantenham banco de dados com possível endereço do demandado (por exemplo, Tribunal Regional Eleitoral, Receita Federal, Banco Central, Serasa etc.).

Com relação ao meio de realização, a legislação processual civil, em seu art. 232, § 2o, prevê que o edital será realizado no Diário Oficial, na hipótese de a parte autora ser beneficiária da justiça gratuita, e, caso contrário, em jornal de grande circulação local.

Além da publicação em jornal (ao menos duas publicações em órgão de grande circulação local e uma no Diário Oficial, dentro do período de quinze dias - art. 232, inc. III do CPC), o edital deverá ser afixado na sede do juízo (art. 232, inc. II).

288 "Processo civil. Recurso especial. Ação de execução hipotecária. Citação pessoal anterior à citação por edital. Princípio da ampla defesa. O princípio da ampla defesa assegura que, em ação de execução hipotecária proposta contra devedor que não mais reside no imóvel objeto do contrato, a citação por edital somente tenha cabimento quando frustradas todas as tentativas com o objetivo de citá-lo pessoalmente." (STJ, 3J T„ REsp n. 208.338A50, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 19.06.2001, v.u.)

"Deve ser deferida a expedição de ofícios ao TRE, à Secretaria da Receita Federal e a outros órgãos públicos, para que informem o endereço do citando, se o autor não conseguiu localizá-lo" {RJTJESP n. 124/46, AASP n. 1.387/176).

Page 255: Manual de Direito Processual Civil

25 Curso de direito processual civil, cit., p. 224.

ATOS PROCESSUAIS 253

| Dispensa de citação

A Lei n. 11.277/2006, ao acrescentar o art. 285-A no Código de Processo Civil, passou a admitir uma aberração processual: processo sem a citação do réu, ferindo toda teoria clássica de que o processo é uma relação jurídica trilateral e só se forma, integralmente, com a formação do contraditório.

Mas, a referida lei possibilita que o juiz, sem citar o réu, profira sentença de improcedência do pedido do autor, quando:

a) a matéria for apenas de direito;b) no juízo houver um precedente acerca da mesma matéria de direi to, ou seja, quando no juízo em que tramita o processo, o magistrado já tenha proferido sentença de total improcedência em casos idênticos.

Na verdade, o artigo chega ao ponto de afirmar que o juiz poderá reproduzir a sentença anteriormente prolatada, evidentemente, apenas alterando o nome e qualificação das partes.

No entanto, caso o autor (prejudicado pela sentença de improcedência) não se conformar com a referida sentença, poderá interpor recurso de apelação. Interposto o recurso de apelação, o juiz poderá:

a) manter a sentença;b) reconsiderar-se para determinar o prosseguimento do feito.Em ambos os casos, seja para manter a sentença e, conseqüentemente,

remeter os autos ao tribunal para julgamento da apelação, ou ainda, para reconsiderar-se determinar o prosseguimento do feito, daí em diante o juiz deverá determinar obrigatoriamente a citação do réu.

Page 256: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

M 1 1 . 6 . 3 I N T I M A Ç Õ E S

A intimação constitui comunicação de ato ou termo do processo a qualquer pessoa (partes ou terceiros) com a finalidade de dar ciência ou determinar a realização de um ato ou abstenção.

Formas de intimação:

a) por correio;b) por oficial ou escrivão;c) pela imprensa oficial;d) por termo em audiência.

O parágrafo único do art. 238 do Código de Processo Civil estabelece que serão presumidas válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional previsto nas petições do advogado. Assim, é ônus das partes e seus procuradores a atualização dos endereços quando houver modificação, sob pena de ser considerado válido o ato de comunicação remetido para o endereço constante nos autos.

Nas comarcas atendidas pela imprensa oficial, as intimações serão realizadas pelo referido órgão, devendo constar na publicação, sob pena de nulidade, o nome das partes, de seus advogados16 e do teor da ciência.

Não havendo serviço de imprensa oficial, os advogados das partes serão intimados pessoalmente ou por carta registrada com aviso de recebimento, nos termos do art. 237 do Código de Processo Civil.

| Efeitos da intimação

A intimação produz efeito de início do curso do prazo para a prática de

ato processual, observando-se:

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25 Curso de direito processual civil, cit., p. 224.

ATOS PROCESSUAIS 255

a) citação ou intimação pelo correio: prazo inicia-se na data de juntada aos

autos do aviso de recebimento;b) citação ou intimação por oficial de justiça: prazo tem início na data da

juntada aos autos do mandado devidamente cumprido;c) quando houver vários réus: o prazo tem início na data da juntada do

último aviso de recebimento ou mandado cumprido;d) carta de ordem, precatória ou rogatória: o prazo terá início após o retorno

da carta e conseqüente juntada aos autos principais;e) citação por edital: no prazo fixado pelo juiz;f) as decisões proferidas em audiência: o prazo terá início neste ato.

Tratando-se de intimação para cumprimento de ordem judicial, como de uma liminar, o ato tem efeito de obrigar a pessoa intimada ao imediato respeito à ordem judicial (independentemente da juntada aos autos do mandado cumprido).

4G "Intimação. Advogado. Ato que deve ser realizado na pessoa do procurador substabelecido. Requerimento expresso nesse sentido. Irrelevância se a nota do expediente já tenha sido encaminhada à Imprensa Oficial. Ato considerado nulo se feito na pessoa do causídico anterior" (STJ, 3JT„ REsp n. 490.832, rei. Min. Ari Pargendler, j. 01.04.03, v.u.). (A4SP2404)11 . 7 . N U L I D A D E D O S A T O S P R O C E S S U A I S

O sistema de invalidades do Código de Processo Civil, conforme ensinam os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery,' 17

não coincide com o sistema do Código Civil. No ordenamento material, os vícios podem gerar nulidades (vício de ordem absoluta e que não admitem convalidação) e anulabilidades (vícios de ordem relativa e que podem ser convalidados).

Os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual admitem, em certos casos, que sejam sanados os vícios processuais, inclusive aqueles acometidos por nulidades absolutas, razão pela qual é irrelevante a classificação em nulidade ou anulabilidade no âmbito processual civil.

Na maioria dos casos, a norma processual determina uma forma e, imediatamente, determina a solenidade cabível para aquele ato, inclusive impondo a modalidade de sanção para a inobservância da forma.

Todavia, como já ressaltamos, o princípio da instrumentalidade das formas, positivado no art. 244 do Código de Processo Civil, determina que o ato será considerado válido, mesmo quando não observada a solenidade legal, caso tenha alcançado a sua finalidade. Em simples palavras, o Código

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

supracitado prestigiou a finalidade ou o objetivo do ato em detrimento da solenidade.

Além disso, não haverá decretação de nulidade quando não se constatar a existência de prejuízo a alguma das partes ou à prestação da tutela jurisdicional.289

O juiz, ao reconhecer uma nulidade, declarará quais os atos que serão atingidos, determinando as providências para a correção ou exclusão dos atos invalidados. A regra é no sentido de que devem ser aproveitados todos os atos do processo, desde que isso não acarrete prejuízo à parte.

A reforma introduzida pela Lei n. 11.276/2006 autoriza que sejam sanadas nulidades até mesmo quando do julgamento de recursos pelo tribunal, evitando, quando possível, a decretação da nulidade de todo o processo.290

289 "Processual civil. Perícia. Nulidade. 1 - Só se decreta nulidade do ato processual quando a sua prática evidenciar prejuízo evidente para uma das partes. 2 - Perícia realizada sem qualquer vício, haja vista intimação regular das partes para acompanhá-la (...)." {STJ, 1a T., REsp n. 463.388, rei. Min. José Delgado, j. 03.12.2002, v.u.)

290 " Art. 515 (...) § 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação."

Page 259: Manual de Direito Processual Civil

ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS 257

A S S I S T Ê N C I A S J U R Í D I C A E

J U D I C I Á R I A G R A T U I T A S

12 .1 A G R A T U I D A D E C O M O

A C E S S O À J U R I S D I Ç Ã O

O acesso à justiça, como tratamos anteriormente, representa direito fundamental previsto na Constituição da República, elevado à categoria de alicerce do próprio Estado Democrático de Direito.

Assim, com o intuito de evitar que a insuficiência de re-cursos financeiros seja óbice ao acesso à justiça, a própria Constituição prevê a garantia da concessão de Assistência Ju-rídica gratuita àqueles que necessitarem, nestes termos:

Art. 5o (...)LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Por assistência jurídica entende-se todo auxílio necessário à preservação e orientação de direitos do indivíduo. Na

realidade, a assistência prevista no texto constitucional deve ser interpretada da forma mais ampla possível para englobar não só a assistência judiciária - prestada no âmbito da jurisdição -, mas,

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

também, para assegurar a consultoria e o auxílio extrajudicial. 291

No entanto, a Constituição não se limitou a conceder o direito fundamental de gratuidade processual como forma de acesso à justiça. O constituinte houve por bem instituir órgãos de defensoria pública, entidades do Estado destinadas ao oferecimento da assistência jurídica (e judiciária) àqueles que não puderem arcar com as despesas advindas dessa necessidade, nos termos do art. 134 da Carta Maior. 292

A Defensoria Pública da União, destinada à atuação no âmbito das lides e matérias relacionadas à jurisdição federal e pessoas jurídicas de direito público de âmbito federal, foi instituída e regulamentada pela Lei Complementar n. 98/99, atuando em todo o território nacional.

Por sua vez, cada estado da Federação detém competência para instituir e organizar suas defensorias públicas. Na maioria dos estados- membros, o serviço de assistência judiciária vem sendo prestado pelas próprias procuradorias dos estados.

Assim, os defensores públicos (ou procuradores dos estados nos locais onde não houver defensoria) poderão atuar na defesa dos direitos das pessoas acometidas pela pobreza, gozando de todos os meios legítimos da advocacia para o exercício dessa função.293

Não obstante a existência de defensores públicos, a assistência judiciária gratuita também contempla o benefício da gratuidade na prática dos atos processuais, conforme disposto na Lei n. 1.060/50.1

12 .2 A G R A T U I D A D E P R O C E S S U A L :“A S S I S T Ê N C I A J U D I C I Á R I A G R A T U I T A ”

291' Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 29.

292 "Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV."

293 "Se a Constituição outorga ao defensor público poderes para defender necessitados, implicitamente lhe atribui todos os meios legítimos para tornar efetiva a sua atuação, inclusive legitimidade para propor ações, visando à obtenção de documentos com aquele objetivo." (STJ, RSTJ n. 43/149)

Page 261: Manual de Direito Processual Civil

ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS 259

A atuação do Estado na solução dos conflitos, como regra, não é uma atividade gratuita, pois, durante todo o curso do processo, as partes têm a obrigação de arcar com as despesas processuais, dispêndios econômicos necessários à própria propositura da ação, quando do recolhimento das custas iniciais, para a prática de atos processuais - como o pagamento dos honorários do perito, as custas de preparo dos recursos, as custas de transporte dos serventuários da justiça (oficial de justiça) etc.

Além disso, há previsão no sentido de que a parte vencida deverá arcar com o reembolso de todas as despesas experimentadas à parte adversa, bem como com o pagamento de honorários advocatícios ao patrono vencedor.

Como se vê, o desenvolvimento de um processo é atividade muito cara.

Por essa razão, para preservar o direito de acesso ao Judiciário - já que as despesas processuais poderiam gerar o desestímulo ou mesmo a impossibilidade da propositura da ação -, é que foi concebida a assistência judiciária gratuita, conforme critérios e abrangência estabelecidos pela Lei n. 1.060/50.

H 1 2 . 2 . 1 C A B I M E N T O E A B R A N G Ê N C I A

D A G R A T U I D A D E P R O C E S S U A L

A primeira questão que surge nesse momento é: quem tem direito à assistência judiciária gratuita?

A Constituição da República garante a assistência jurídica (que engloba a judiciária) a todas as pessoas com insuficiência de recursos. Por sua vez, a Lei n. 1.060/50 - que foi recepcionada pela Carta de 1988- assegurou a gratuidade processual aos indivíduos entendidos como pobres na acepção jurídica do termo.

Para os fins de concessão da gratuidade processual, conforme a previsão da Lei n. 1.060/50, deve-se aferir se a parte requerente tem condições de arcar com as custas e demais despesas do processo sem que sofra comprometimento de seu sustento próprio ou familiar.

Ressalte-se que a acepção jurídica do termo “pobreza” não

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

coincide, necessariamente, com a terminologia comum de pessoa pobre. Para a concessão da justiça gratuita, deve-se levar em consideração se a pessoa tem ou não condições de arcar com as despesas do processo, independentemente de estar ela empregada ou não, residindo em favelas ou na rua, ter ou não veículo etc.294 A definição de pobreza deverá levar em conta as circunstâncias do processo em que está envolvido o requerente da gratuidade.

Outra polêmica que surge a respeito: a pessoa jurídica pode ser beneficiária da justiça gratuita? A nossa resposta é no sentido positivo, já que nem a Constituição da República, tampouco a Lei n. 1.060/50 excluíram a pessoa jurídica do benefício da gratuidade processual. Na realidade, a regra é a mesma para qualquer pessoa, qual seja o estado de pobreza que impossibilita o pagamento das custas e despesas do processo, entendimento este já aceito pela jurisprudência.295

Por outro lado, resta-nos saber quais as despesas abrangidas pela assistência judiciária gratuita.

Nos termos dos arts. 3o e 9° da Lei n. 1.060/50, a gratuidade processual atinge todos os atos do processo, desde a propositura da ação até o seu trânsito em julgado, em todas as instâncias de

294 "O simples fato de ser o autor proprietário de um apartamento de cobertura no litoral não constitui motivo bastante para a revogação do benefício. Vencimentos líquidos por ele percebidos que permitem o enquadramento na situação prevista no art. 2o, parágrafo único, da Lei n. 1.060/50, de n. 05.02.1950" (STJ, 4a T., REsp n. 168.618/SP, rei. Min. Barros Monteiro, j. 09.11.1998, v.u.). No mesmo sentido: JTA 118/406, RJTJESP 101/276 e RJ 544/103.

295 "Processo civil. Pessoa jurídica. Assistência judiciária. Cabimento. Orientação atual. Recurso desprovido. Nos termos da jurisprudência atual da Segunda Seção, é possível a concessão do benefício da assistência judiciária à pessoa jurídica que demonstre a impossibilidade de arcar com as despesas do processo." (STJ, 4a T., AGRESP n. 325.583/RS, rei. Min. Sál- vio de Figueiredo Teixeira, j. 20.11.2001, v.u.)

"Administrativo. Assistência judiciária gratuita. Sindicato. Pessoa jurídica. Carência de recursos. Comprovação. Súmula 7/STJ. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. 1 - É admissível a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita à pessoa jurídica, desde que demonstrada a impossibilidade de suportar os encargos do processo. Precedentes." (STJ, 6a T., REsp n. 414.049/RS, rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 22.10.2002, v.u.)

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ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS 261

jurisdição, por exemplo, abrangendo todas as custas (iniciais, despesas com locomoção de serventuários etc.), honorários advocatícios de sucumbência, honorários dos peritos, inclusive para a realização de exame de DNA, 296 as publicações de editais em órgão de imprensa oficial etc.

A responsabilidade pelo pagamento das despesas da parte beneficiária da justiça gratuita ficará a cargo da parte vencida, que fará o pagamento ao final, ou do próprio Estado, quando a parte vencida for beneficiária da gratuidade processual.

É importante ressaltar que, mesmo sendo beneficiária da assistência judiciária gratuita, a parte sucumbente será condenada ao reembolso das despesas processuais e honorários advocatícios à parte vencedora, no entanto, a execução dessa condenação ficará suspensa até cessar o estado de pobreza, conforme prevê o art. 12 da Lei n. 1.060/50.297

■ i 1 2 . 2 . 2 R E Q U E R I M E N T O E A P R E C I A Ç Ã O J U D I C I A L

Os benefícios da assistência judiciária gratuita podem ser requeridos e concedidos em qualquer momento ou fase do processo, desde que, quando do pedido, esteja presente o estado de pobreza.

Determina o art. 4o da referida Lei que a assistência judiciária será deferida mediante simples afirmação do requerente de que não tem condições financeiras de arcar com as despesas processuais sem prejuízo alimentar próprio ou de sua família, declaração esta que pode ser realizada, sem muita formalidade, por instrumento particular (declaração da parte) ou por afirmação do advogado na própria petição inicial.

296 A Lei n.10.317/2001 introduziu o inc. VI ao art. 3o da Lei n. 1.060/50, para determinar a gratuidade dos exames de DNA. Na realidade, entendemos que esse novo inciso não acrescentou nada à gratuidade, já que tal benefício sempre existiu. No entanto, teve efeito de compelir os órgãos da administração pública à realização gratuita do referido exame.

297 "Art. 12. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Se, dentro de 5 (cinco) anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita."

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A regra é no sentido de que a mera declaração tem presunção de veracidade do estado de pobreza (art. 4o, § Io da Lei n. 1.060/50). Dessa forma, não é ônus da parte requerente fazer prova do estado de pobreza, basta, tão-somente, a afirmação para fazer presumir a impossibilidade de pagamento das despesas processuais.

Nesse ponto, poderíamos ter a falsa idéia de que a Constituição da República, no inc. LXXIV do art. 5o, teria imposto ao requerente da justiça gratuita o ônus de provar o seu estado de pobreza, contrariando a presunção contida no § I o do art. 4o da Lei n. 1.060/50.

Na realidade, a Lei n. 1.060/50 foi totalmente recepcionada pela atual Constituição da República, não havendo que se falar em dever do requerente de provar o fato de não ter condições de arcar com as despesas do processo.

A afirmação apresentada pelo requerente, seja na petição inicial ou por instrumento próprio, tem o poder de gerar a presunção de veracidade do estado de pobreza, cabendo à parte contrária o ônus de impugnar e provar a inverdade da declaração. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já proferiu entendimento no sentido de que não há nenhuma incompatibilidade entre o art. 5o da Constituição da República e a Lei n. 1.060/50.298

298 "Agravo regimental em agravo de instrumento. Assistência judiciária gratuita. Incompatibilidade entre o texto legal e o preceito constitucional. Simples declaração na petição inicial. A declaração de insuficiência de recursos é documento hábil para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita, mormente quando não impugnada pela parte contrária, a quem cumpre o ônus da prova capaz de desconstituir o direito postulado. Incompatibilidade entre o texto legal e o preceito constitucional. Inexistência. [...]"

Neste ponto é perfeito o parecer da representante do Ministério Público Federal exarado às fls. 72/76, demonstrando que não há qualquer incompatibilidade entre o texto legal e o preceito constitucional, verificando-se que num primeiro momento a forma ade-quada para se requerer o benefício da justiça gratuita é por simples declaração na petição inicial, sendo presumidas verdadeiras as questões apontadas. Caso seja necessário, a forma adequada para se contestar o benefício será através da impugnação ao mesmo, quando ambas as partes terão oportunidade para provar o alegado. Desta forma, verifica-se que não há contrariedade entre a norma legal e o disposto constitucional inserto no art. 5o, LXXIV.

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ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS 263

Por tais razões, entendemos que o magistrado não tem o poder de exigir, como condição para concessão do benefício, que a parte requerente prove que é carecedora de recursos financeiros. Não havendo nos autos indícios de que a parte esteja faltando com a verdade, deve prevalecer a presunção de veracidade da declaração de pobreza. 299

Ademais, a prova do estado de pobreza pelo próprio requerente é ato praticamente impossível. Como a parte poderia provar ser pessoa pobre? Com a juntada de carteira de trabalho sem registro de emprego? Com a apresentação de extratos bancários? Com declarações de órgãos públicos?

Evidentemente, a prova de fato negativo - não ter condições financeiras - pode ser praticamente impossível, pois não gera qualquer certeza dos fatos. Por exemplo, o fato de o requerente não ter registro em carteira não prova que ele não tem renda e que não pode arcar com as despesas do processo, e assim por diante.

Nota-se que a afirmação do requerente tem o poder de gerar a presunção de veracidade, e não a certeza absoluta dos fatos. Assim, caso o contexto dos autos demonstre realidade diversa daquela afirmada pelo requerente, na hipótese de existir indícios em sentido contrário ao estado de pobreza, poderá o magistrado negar o benefício, cabendo à parte provar o seu estado de pobreza.

Aqui não se trata de exigir que a parte comprove previamente o estado de pobreza como condição para a apreciação do requerimento, mas verdadeira hipótese de negativa do benefício por constar do processo elementos que levem o magistrado à certeza de que a parte tem condições de arcar com as custas, elementos estes capazes de infirmar a presunção da declaração (art. 7° da Lei n. 1.060/50).

Finalmente, cumpre esclarecer que os benefícios da assistência judiciária não são concedidos em caráter definitivo -

299"Processual civil. Assistência judiciária gratuita. Comprovação da hipossuficiência. Desnecessidade. Lei n. 1.060/50, arts. 4° e 7o. [...] Esta Corte, interpretando tais dispositivos consolidou o entendimento de que a simples afirmação da necessidade da Justiça Gratuita é suficiente para o deferimento do benefício, visto que o mencionado art. 4o foi recepcionado

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para todo o pro-

pela Constituição Federal" (STJ, 5-* T., REsp n. 200.390/SP, rei. Min. Edson Vidigal, j. 24.10.2000, v.u.); no mesmo sentido: REsp n. 253.528/RJ, REsp n. 121.799/RS.

"Assistência judiciária. Benefício postulado na inicial, que se fez acompanhar por declaração firmada pela autora. Inexigibilidade de outras providências. Não revogação do art. 4o da Lei n. 1.060/50 pelo disposto no inc. LXXIV do art. 5o da Constituição. Precedentes. Recurso conhecido e Provido. I - Em princípio, a simples declaração firmada pela parte que requerer o benefício da assistência judiciária gratuita, dizendo-se pobre nos termos da lei, desprovida de recursos para arcar com as despesas do processo e com o pagamento dos honorários de advogado, é na medida em que dotada de presunção iures tantum de veracidade, suficiente à concessão do benefício legal." (STJ, 4°T„ REsp n. 38124, rei. Min. Sélvio de Figueiredo Teixeira, j. 29.11.1993, v.u.)

"Agravo de instrumento contra decisão que determinou a comprovação documental para a apreciação do benefício da assistência judiciária gratuita à agravante. Declaração de pobreza suficiente. Dá-se provimento ao recurso para concessão da assistência judiciária." (TJSP, Al n. 248012-5/2, rei. Des. Peiretti de Godoy, j. 19.02.2002, v.u.) cesso -, já que o art. 8o da mencionada Lei possibilita a revogação da gratuidade quando ficar demonstrado que a parte não se encontra mais no estado de pobreza.

M 1 2 . 2 . 3 IMPUGNAÇÃO E E F E I T O S

Como tratamos anteriormente, a Lei dá à declaração da parte presunção de veracidade da existência do estado de pobreza, restando à parte adversa o ônus de impugnar o benefício concedido, sob pena de preclusão.

O requerimento de revogação ou impugnação dos benefícios da assistência judiciária gratuita deve ser formalizado em petição autônoma em relação à contestação ou demais espécies de defesas ou manifestações das partes, isso pelo fato de que a impugnação gerará um incidente processual que será autuado em apartado (em apenso ao processo principal).

A parte que apresentar a impugnação terá o ônus de provar que a parte adversa detém condições econômicas para arcar com

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as despesas do processo, levando ao incidente processual elementos probatórios capazes de infirmar a declaração de pobreza.

Instaurado o incidente, o magistrado dará o direito de contraditório e ampla defesa para ambas as partes, inclusive, concedendo oportunidade para ouvida de depoimentos pessoais e de testemunhas, juntada de documentos ou qualquer outro meio de prova pertinente à demonstração da verdade dos fatos.

Encerrada a instrução do incidente de impugnação, o juízo proferirá decisão" mantendo ou revogando os benefícios da assistência judiciária gratuita. Na hipótese de acolhimento da impugnação, com

" 0 art. 17 da Lei n. 1.060/50 afirma que caberá apelação da decisão que julgar o incidente de impugnação à justiça gratuita, levando à presunção de tratar-se de uma sentença. No entanto, pela finalidade do pronunciamento jurisdicional, o ato se equipara à verdadeira decisão interlocutória, e não à sentença. A sentença, nos termos do art. 162 do CPC, é ato pelo qual o magistrado põe fim ao processo e, neste caso, trata-se de decisão que aprecia incidente processual, enquadrando-se, perfeitamente, na definição dada pelo CPC às decisões interlocutórias. A importância dessa classificação: sentença ou decisão interlocutória, dá-se especialmente pela necessidade de escolha do recurso cabível para impugnar o ato. Grande parte da jurisprudência entende ser caso de recurso de ape- a conseqüente revogação do benefício, o magistrado deverá impor sobre a parte o pagamento no décuplo das custas judiciais (§§ 1° e 2° do art. 4o da Lei n. 1.060/50),300 300lação (nesse sentido: REsp n. 256.281 -1/AM, RSTJ 40/563), como determina a Lei. Por outro lado, existe decisão no sentido de que o recurso cabível seria o de agravo, vez que a decisão é típica decisão interlocutória e não sentença (nesse sentido: RSTJ, REsp n. 27.034-4/MG).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de afirmar ser cabível o recurso de apelação.

"Processual Civil. Pedido de assistência judiciária gratuita. Autos apartados. Impugnação. Indeferimento. Apelação. 1. O recurso cabível contra a decisão que indefere impugnação ao pedido de assistência judiciária gratuita, realizada em autos apartados, é a apelação. Precedentes. 2. Recurso especial provido." (STJ, REsp n. 772.860/RN, rei. Min. Castro Meira, j. 14.03.2006, v.u.)

"Processual Civil. Recurso especial. Omissão no julgado recorrido.

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como forma de punição pela deslealdade processual.

Inexistência de impugnação à concessão de assistência judiciária gratuita. Procedência. Agravo de instrumento. Não reconhecimento. Erro grosseiro. Cabimento de apelação (art. 17 da Lei n. 1.060/50). Inaplicabilidade do princípio da fungibilidade recursal. (...) Esta Corte de Uniformização Infraconstitucional firmou entendimento no sentido do cabimento do recurso de apelação contra sentença que acolhe impugnação ao deferimento de assistência judiciária gratuita, processada em autos apartados aos da ação principal, não se aplicando o princípio da fungibilidade recursal na hipótese de interposição de agravo de instrumento. Isso porque inadmissível referido princípio 'quando não houver dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto, quando o dispositivo legal não for ambíguo, quando não hou-ver divergência doutrinária ou jurisprudencial quanto à classificação do ato processual recorrido e a forma de atacá-lo. (Corte Especial, EDcl no AgRg na Rcl n. 1.450/PR, rei. Min. Edson Vidigal, DJ 29.08.2005) (cf. AgRg no MS n. 9.232/DF e AgRg na SS n. 416/BA). Incidência do art. 17 da Lei n. 1.060/50. Precedentes (Ag n. 631.148/MG; REsp ns. 256.281/AM, 453.817/SP e 175.549/SP). 3. Recurso conhecido e provido para, anulando o v. acórdão recorrido, não conhecer do agravo de instrumento restabelecendo a r. sentença de primeira instância." (STJ, REsp n. 780.637/MG, rei. Min. Jorge Scartezzini, j.08.11.2005, por maioria)

12 A interpretação deve ser restrita para que a condenação no pagamento em décuplo seja apenas às custas judiciais, excluindo-se os honorários advocatícios de sucumbência.

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267

13

F O R M A Ç Ã O , S U S P E N S Ã O E E X T I N Ç Ã O

D O P R O C E S S O

13 .1 FORMAÇÃO DO PROCESSO

O processo representa o instrumento pelo qual o Estado viabiliza a prestação da tutela jurisdicional na composição de conflitos de interesses subjetivos. No entanto, como sabemos, a jurisdição apenas atua, por meio do processo, após a provocação do interessado ao exercer o seu direito de ação (art. 5 o, inc. XXXV, da CF e art. 2o do CPC).

O processo civil sempre terá início por provocação da parte autora, que, por intermédio de uma petição inicial, provoca a jurisdição e pleiteia uma resposta do Estado ao conflito posto em juízo. Não obstante o processo ter início por provocação da parte interessada, o seu desenvolvimento se dá por impulso oficial (art. 262 do CPC).

Dessa forma, podemos considerar proposta a ação com o despacho do magistrado na petição inicial ou, nas comarcas em que houver mais de um juízo competente, considerar-se-á pro-posta a demanda com a simples distribuição (art. 263 do CPC).

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No entanto, a mera propositura da ação não equivale ao efeito de formação plena do processo. Como sabemos, o processo é uma relação trilateral, formada por autor, juiz e réu. Portanto, a formação plena da relação jurídica processual apenas se completa com a citação válida do réu, até então, há somente um início de processo, no qual a relação ainda é bilateral.

■ i 1 3 . 1 . 1 D i s t r i b u i ç ã o

A petição inicial (tema que será tratado nos próximos capítulos), nas comarcas em que houver mais de um juízo competente, é apresentada ao cartório distribuidor para realização do sorteio.

A distribuição (com o sorteio) visa a impedir a remessa interessada ao magistrado, evitando que a parte venha a se valer da escolha do juiz que irá processar o feito, com isso garantindo a imparcialidade.

Assim, a regra é no sentido de distribuição livre para qualquer juízo do foro. Evidentemente, podem ser excluídos da distribuição aqueles magistrados que, antecipadamente, tenham declarado impedimento ou suspeição (arts. 134 e 135 do CPC).

Todavia, em alguns casos o Código de Processo Civil determina a distribuição por dependência, ou seja, o processo é encaminhado a juízo determinado pela existência de algum vínculo existente com o processo.

São causas para a distribuição por dependência (art. 253 do CPC):

a) quando houver conexão ou continência. Havendo outra ação ajuizada previamente, o processo que for conexo será encaminhado em favor do juízo prevento, por dependência;b) quando a parte autora tiver desistido de processo idêntico proposto anteriormente. Havendo a desistência do processo (com sua conseqüente extinção sem julgamento do mérito), a parte autora poderá promover a ação novamente, no entanto, caso o faça, a nova ação será encaminhada ao mesmo juízo do processo anteriormente extinto pela desistência. Tal regra visa a impedir que a parte se valha da desistência para ficar escolhendo o magistrado favorito para a ação;c) quando houver ajuizamento de ações idênticas, os processos serão encaminhados ao juízo prevento. Nesse caso, para detectar se uma ação é idêntica a outra, o operador do direito deverá se valer da teoria da tríplice identidade, ou seja, uma ação será idêntica a outra quando houver entre elas coincidência dos elementos da ação (mesmas partes, causa de pedir - próxima e remota - e pedido - mediato e imediato).

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 269

13 .2 S U S P E N S Ã O D O P R O C E S S O

Após a formação e início da relação jurídica processual, como regra, o processo tem sua marcha sempre contínua, com a prática de um ato processual após o outro sem solução de continuidade, prevendo a lei atos subseqüentes até se chegar ao oferecimento de uma tutela jurisdicional.

No entanto, conforme dispõe o art. 265 do Código de Processo Civil, algumas causas podem gerar a suspensão ou paralisação temporária do curso do processo.

Ressalte-se que a suspensão do processo não gera, como regra, qualquer alteração na relação jurídica processual; durante a suspensão nenhum ato processual é praticado, salvo aqueles considerados urgentes e necessários para evitar perecimento de direito (art. 266 do CPC).

Com a suspensão do processo, os prazos também permanecem paralisados e a sua fluência será restabelecida após cessada a causa da suspensão - são computados os dias anteriores à data da suspensão.

São casos de suspensão do processo:

Art. 265. Suspende-se o processo:I - pela morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador;

A primeira hipótese de suspensão do processo verifica-se quando do falecimento da parte autora ou ré. Como sabemos, as partes representam elementos subjetivos indispensáveis para a existência da relação jurídica processual, e a ausência de qualquer uma delas, ocasionada pelo falecimento, deve ser sanada por meio da substituição pelo

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Antes da audiência

Iniciada a audiência

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espólio correspondente, nos termos do art. 43 do Código de Processo Civil, salvo quando se tratar de direito intransmissível, hipótese em que a ação será extinta por falta de legitimidade.

Da mesma forma, haverá a suspensão do processo quando ocorrer a perda de capacidade processual da parte ou de seu representante legal, circunstâncias em que o processo ficará paralisado até que a capacidade processual da parte seja regularizada.

Exemplo comum de perda de capacidade processual ocorre com a interdição de pessoa durante o curso de processo.

O mesmo ocorre com o falecimento do procurador (advogado) da parte, pois, nos termos do art. 36 do Código de Processo Civil, os litigantes serão representados em juízo (capacidade postulatória) por advogado devidamente habilitado, e a falta de advogado impede o curso válido da ação.

Havendo a substituição da parte por seu espólio, ingresso de novo representante legal ou advogado, o substituto recebe o processo na fase e no estado em que se encontrar, não sendo possível a repetição ou nova concessão de prazo acerca dos atos já praticados ou cujo tempo já tenha expirado.

Em síntese, podemos afirmar que:

Morte da parte ou perda da capacidade processual:

O juiz suspenderá o processo assim que tiver notícia do fato

Advogado continua até o final da audiência, e

a suspensão será iniciada

após a publicação da sentença ou acórdão

Morte do advogado:

Mesmo após iniciada a audiência de instruçãoO juiz suspenderá o processo e concederá à parte o prazo de vinte dias para que constitua novo advogado; caso o autor não indique novo advogado, o processo será extinto sem julgamento do mérito, ou, caso venha o réu a não constituir novo patrono, o processo

prosseguirá à sua revelia (art. 265, § 2 o , do CPC)

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 271

II - pela convenção das partes;

As partes podem convencionar acerca da paralisação do processo. Trata-se de acordo entre as partes, submetido à apreciação e homologação judicial, para gerar a suspensão do curso do processo pelo prazo máximo de seis meses (art. 265, § 3o, do CPC).

III - quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz;

As exceções são espécies de defesas contra o juízo, no caso de incompetência relativa, ou contra a própria pessoa do magistrado, na ocorrência das hipóteses de suspeição ou impedimento. Em todos os casos, a manifestação da parte é contra a aptidão do órgão jurisdicio- nal para o processamento do feito.

Nesses casos, o curso do processo é interrompido até que sejam julgados os incidentes de exceção de incompetência, de impedimento ou suspeição, afastando o vício relativo ao fato cie o órgão jurisdicio- nal se encontrar inabilitado, pelo menos enquanto não for julgado o incidente, para prosseguir no processo principal.

Quanto à exceção de incompetência, observa-se que a suspensão ocorre até o julgamento em primeiro grau, não havendo necessidade de se aguardar julgamento de eventual recurso. No entanto, para as demais espécies de exceção, a suspensão durará até que sejam julgadas definitivamente.

IV - quando a sentença de mérito:a)depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;b)não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo;c) tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, re-querido como declaração incidente;

As hipóteses anteriormente previstas são questões prejudiciais, ou seja, questões incidentes de mérito que antecedem ao julgamento da lide principal, uma vez que terão influência sobre o julgamento.

As prejudiciais poderão ser:

• internas: relativas àquelas questões incidentais que serão julgadas pelo próprio juízo da causa, como a ação declaratória incidental e a oposição;

• externas: são aquelas que existem fora do processo e são solu-

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cionadas por outro juízo (o competente). Podemos citar: processo criminal versando sobre os fatos, cujo resultado poderá influenciar no processo civil de indenização pelo ato ilícito.

A suspensão do processo, em razão de questão prejudicial, justifica-se como forma de evitar a existência de decisões conflitantes. Como exemplo, podemos pensar em um processo em que se discute a paternidade e outro em que o filho pede os alimentos: por óbvio, a sentença acerca da paternidade será questão decisiva para a ação de alimentos (questão prejudicial).

Em se tratando de suspensão pela existência de questão prejudicial,o processo poderá ficar suspenso pelo prazo máximo de um ano (art. 265, § 5o, do CPC). Findo esse prazo, independentemente de solucionada a questão prejudicial, o processo terá o seu curso restabelecido.

V - por motivo de força maior;

A suspensão do processo também poderá ocorrer em decorrência de evento inevitável e imprevisível que torne impossível a prática dos atos processuais pelas partes ou pelo órgão jurisdicional, como o incêndio no fórum, alagamento, guerras etc.

VI - nos demais casos, que este Código regula.

No Código de Processo Civil existem outras causas de suspensão do processo, como:

a) Intervenção de terceiros. Nas modalidades de intervenção de ter-ceiros por nomeação à autoria (art. 64), na denunciação da lide (art. 72), chamamento ao processo (art. 79) e na oposição (art. 60), haverá a suspensão do processo quando da instauração da intervenção.b) Incidente de falsidade documental. Após o encerramento da ins-trução processual, a apresentação de incidente gerará a suspensão do processo (art. 394).c) Embargos à execução. A oposição de embargos à execução poderá ter o efeito de gerar a suspensão do processo de execução até o seu julgamento (art. 791,1).d) Falta de bens na execução. Não havendo bens passíveis de serem penhorados para satisfação do crédito executado, o processo de exe-cução será suspenso até que sejam encontrados bens (art. 791, III).e) Embargos de terceiro (art. 1.052).

Além das disposições relativas à suspensão previstas no Código de

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 273

Processo Civil, a paralisação do processo também poderá advir do disposto na Lei n. 11.101/2005 (Lei de Falências), já que o art. 6 o da referida lei determina a suspensão de todas ações e execuções (salvo as execuções fiscais) em trâmite contra o devedor, quando da decretação da falência ou do deferimento da recuperação judicial.

13 .3 E X T I N Ç Ã O D O P R O C E S S O

A relação processual tem seu início com a propositura da ação e o seu término, em primeira instância, com a prolação de uma sentença.

Os arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil dão conta dos fun-damentos para o encerramento do processo, hipóteses em que o magistrado extingue a relação processual com ou sem apreciação do mérito da demanda.

Assim, podemos dizer que o processo pode ser extinto:'

' A redação dos artigos 267 e 269 foi alterada pela Lei n. 11.232/2005.

• com julgamento do mérito: o que equivale dizer que houve apreciação do pedido formulado pelo autor (resolução do mérito ou do conflito). O julgamento do mérito corresponde à manifestação do Estado-juiz sobre qual das partes tem razão no conflito; com o julgamento do mérito, a jurisdição atribui o bem jurídico litigioso a uma das partes, julgando procedente ou improcedente o pedido formulado pelo autor;

• sem julgamento do mérito: nesse caso não há solução da lide. Em determinadas circunstâncias, o Estado-juiz fica impedido de apreciar o mérito da ação, extinguindo o processo sem se manifestar acerca do pedido formulado pela parte autora. Na extinção sem julgamento do mérito, a jurisdição não atinge a sua finalidade de solução do conflito, apenas confere o encerramento formal da relação jurídica processual.

■■ 13 .3 .1 E X T I N Ç Ã O D O P R O C E S S O S E M R E S O L U Ç Ã O

D O M É R I T OO processo é concebido com a finalidade de dar a resposta do Estado sobre a lide apresentada

pelas partes. O objetivo da atuação do Estado nos conflitos é justamente conferir uma tutela capaz de impor a vontade da lei em relação a qual das partes tem direito ao bem jurídico postulado.

Contudo, em determinadas situações, essa finalidade do processo é frustrada e o seu fim se dá sem que o Estado imponha a vontade da lei ao conflito.

As hipóteses de extinção do processo, sem apreciação do mérito pelo juiz, que estão previstas no art. 267 do Código de Processo Civil, são as seguintes:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

I - quando o juiz indeferir a petição inicial;A petição inicial é o instrumento pelo qual o autor exerce o seu direito de ação. É o meio de provocação da jurisdição para a formação do processo, ato da parte autora no qual são denominadas as partes e a pretensão: causa de pedir e o pedido. Por essa razão, a aptidão da petição inicial representa verdadeiro pressuposto processual de existência e desenvolvimento válido do processo. Dada essa importância conferida à petição exordial, o ordenamento processual cuidou de impor inúmeros requisitos em relação a esse ato, requisitos esses relacionados à forma e ao conteúdo.

Assim, a inobservância dos requisitos impostos à petição inicial poderá gerar o seu indeferimento, hipótese em que o processo será extinto sem a apreciação do mérito.

Os casos de indeferimento da petição inicial estão previstos no art. 295 do Código de Processo Civil que, em síntese, prevê as seguintes situações:

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a) Inépcia. A inépcia é caracterizada pelo vício no pedido301 ou na causa de pedir da ação, ou seja, quando o pedido for inexistente, da causa de pedir não decorrer logicamente o pedido, for o pedi-do juridicamente impossível ou houver cumulação indevida de pedidos.

b) Ilegitimidade de parte. A ilegitimidade de parte representa hipótese de carência de ação, na qual a parte não está vinculada ao direito posto em juízo. Como determina o art. 6o do Código de Processo Civil, os indivíduos apenas são admitidos como partes no processo, seja como autor ou réu, para postularem direitos próprios.

c) Autor carecer de interesse processual. A falta de interesse ocorre quando há ausência de necessidade e adequação do provimento jurisdicional requerido.

d) Juiz verificar decadência ou prescrição. A decadência é a perda do direito material em razão do decurso de determinado prazo, já a prescrição é relativa à perda da capacidade para exercício do direito de ação, também em razão do decurso de lapso temporal.

e) Erro na escolha do procedimento. Para que a ação gere uma tutela adequada ao conflito posto em juízo, deverá o autor utilizar-se do procedimento próprio previsto na lei, sob pena de ter a sua petição inicial indeferida pelo erro na eleição do rito.

f) Quando o autor não cumprir determinação de aditamento da petição inicial (arts. 284 e 39, parágrafo único, do CPC). Alguns defeitos da petição inicial são passíveis de correção. Assim, nessas hipóteses, o magistrado deverá conceder à parte oportunidade de aditar a sua petição para corrigir o referido vício. No entanto, caso o autor seja instado ao aditamento e, mesmo assim, não proceda ao saneamento do defeito, a petição inicial será indeferida e o processo será extinto sem o julgamento do mérito.

As hipóteses previstas no art. 295 do Código de Processo Civil, e que tratam dos motivos para o indeferimento da inicial, são meramente exemplificativas, pois, em ações não sujeitas ao processo de conhecimento, a elaboração da petição inicial deverá observar os requisitos específicos para o procedimento especial escolhido, também sob pena de indeferimento.

A esse respeito Marcus Vinicius Rios Gonçalves ensina3 que o indeferimento da petição inicial, com a conseqüente extinção do processo, deve ocorrer antes da citação do réu. Todavia, nada impede que após a citação o juiz reconheça causas de indeferimento da inicial, no entanto, a extinção se dará com fundamento na ausência de pressuposto processual:

II - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por

negligência das partes;

III- quando, por não promover os atos e diligências que lhe com-

petir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

Os incs. II e III do art. 267 tratam das hipóteses de inércia das partes em praticar atos que lhes competem no processo; caracterizam situações de abandono da causa que fazem presumir a falta de interesse na tutela pleiteada.

O processo se inicia pela provocação da parte interessada, mas o seu desenvolvimento não pode

ficar à mercê de sua vontade, uma vezque, iniciada a atividade jurisdicional, o Estado e a parte adversa têm interesse no oferecimento da tutela.

Aqui são necessárias algumas distinções:

a) Caso o abandono seja por parte do autor, ocorrendo antes da citação do réu, de ofício, o juiz deverá decretar a extinção do processo, evidentemente, após intimar pessoalmente a parte para dar andamento ao feito no prazo de 48 horas.

b) Na hipótese de o réu ter sido citado, e o autor abandonar a causa, a extinção do processo dependerá de seu requerimento, conforme prevê a Súmula n. 240’ do STJ.

c) Após a citação do réu, a inércia das partes em praticar atos processuais poderá gerar conseqüências específicas e relevantes ao julgamento do mérito da causa, razão pela qual, se o réu ou autor deixarem de dar andamento ao processo, tais omissões poderão ser consideradas na sentença em favor de uma ou de outra parte.302

301 0 pedido representa a espécie de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e os seus efeitos práticos (pedido imediato e pedido mediato).

302 Por exemplo, a ausência da parte na audiência de instrução e julgamento, após intimada para tanto, poderá acarretar a confissão. Outro exemplo, verificamos no caso do rito sumário, quando o réu deixa de comparecer à audiência de conciliação. Nesse caso, a lei determina a aplicação da revelia.

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 275

Em muitos casos, os atos das partes são considerados como ônus processuais, ou seja, a lei lhe confere uma faculdade na prática do ato, mas, sua inobservância poderá acarretar um prejuízo processual. Assim, não se falará em extinção do processo por inércia, após a citação do réu, toda vez que a omissão contiver uma conseqüência legal para o processo.

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constitui-ção e de desenvolvimento válido e regular do processo;

Os pressupostos processuais são:

a) Subjetivos. Aqueles relativos aos sujeitos do processo.

• Partes. As partes devem ter capacidade processual e estar em juízo regularmente representadas por advogado (capacidade pos- tulatória).

• Órgão jurisdicional. É pressuposto de validade e desenvolvimento da relação processual que o órgão jurisdicional seja competente e imparcial (não impedido ou suspeito).

b) Objetivos. São aqueles relativos à regularidade dos atos processuais em relação ao rito previsto na lei e à ausência de fatos impeditivos do desenvolvimento regular do processo, como a existência de coisa julgada, litispendência e perempção.

Os pressupostos processuais são elementos de ordem pública, que podem ser alegados ou conhecidos pelo juiz de ofício e em qualquer fase do processo, ensejando a sua extinção, sem o julgamento do mérito.

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendên-

cia ou de coisa julgada;

A perempção, litispendência e coisa julgada são institutos do processo civil que não se

confundem. Vejamos.A perempção constitui a perda do direito de ação do autor que dá causa, por três vezes, à

extinção do processo, sem julgamento do mérito, em razão do abandono ou inércia previsto no inc. III do art. 267 do Código de Processo Civil.

Como regra, a extinção do processo, sem julgamento do mérito, não impede que o autor promova outra ação idêntica, mas, caso tenha ele dado causa à extinção do processo por três vezes em razão de sua inércia, ocorrerá a perempção e não poderá propor novamente a ação, nos termos do art. 268 do Código de Processo Civil.303

Quanto à litispendência, o próprio termo reflete o seu significado, qual seja, o de uma lide pendente de julgamento pelo Poder Judiciário. Dessa forma, existindo uma ação em curso, é vedada a qualquer uma das partes a propositura de outra ação idêntica, levando-se em consideração, para a verificação da identidade entre as ações, os elementos que a compõem: partes, causa de pedir e pedido.

É certo que, após proposta uma determinada ação, não poderá ser repetida uma nova (idêntica); se isso ocorrer, a segunda ação deverá ser extinta sem julgamento do mérito por já haver uma lide pendente de julgamento (continuará em curso aquela que tiver citado o réu em primeiro lugar, conforme previsão do art. 219 do CPC).

A coisa julgada (res judicata) é o efeito de imutabilidade que recai sobre as decisões definitivas de mérito transitadas em julgado (que não comportam mais recursos). Tal efeito impede que seja proposta e apreciada nova ação idêntica àquela já julgada. Sobre a lide que se operou a coisa julgada, não se admite nova discussão judicial.

Portanto, sendo proposta ação idêntica àquela acobertada pela autoridade da coisa julgada, a nova ação deverá ser extinta, sem julgamento do mérito, como forma de evitar qualquer lesão à sentença pro-ferida na ação já decidida definitivamente. Uma vez apreciado o mérito de uma ação e havendo o trânsito em julgado, não se pode admitir o processamento de uma nova ação idêntica.

VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

Como tratamos anteriormente, o direito de ação previsto na Constituição da República, no inc. XXXV, do art. 5o, está subordinado à existência de determinados elementos ou condições, que são eles:

303 "Art. 268. [...]Parágrafo único. Se o autor der causa, por três vezes, à extinção do processo

pelo fundamento previsto no inc. III do artigo anterior, não poderá intentar nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito."

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a) Possibilidade jurídica do pedido. A possibilidade jurídica do pedido representa a formulação pelo autor de pedido que, em abstrato, seja possível de ser conferido pelo Poder Judiciário. Tal condição não está, necessariamente, vinculada ao direito do autor, não se cogita se ele tem ou não razão na tutela pretendida, somente é indagado se o pedido poderá ser concedido pelo juízo.

Como vimos, a impossibilidade jurídica do pedido também enseja a extinção do processo por inépcia da petição inicial, nos termos do art. 295 do Código de Processo Civil.

b) Legitimidade das partes. A legitimidade de ser parte é o vínculo existente entre o litigante igualar e o direito material pleiteado. Como regra, as partes apenas podem postular em nome próprio direito que lhes pertença, conforme prevê o art. 6o do Código de Processo Civil.

c) Interesse processual (ou de agir). É a necessidade e utilidade do provimento jurisdicional, ou seja, para estar em juízo a parte deve possuir necessidade do que pede, e mais, o que pleiteia deve ser útil para resolver o conflito de interesse.

Ninguém pode ir ao Poder Judiciário sem que tenha necessidade do que pede, ou para pedir provimento inútil.

Assim, faltando qualquer uma das condições da ação - que devem ser implementadas no momento da sua propositura -, o processo deverá ser extinto, sem julgamento do mérito, uma vez que o autor não preenche os requisitos mínimos para o exercício do direito de movimentar o Poder Judiciário.

É importante mencionar, também, que, em alguns casos, as condições da ação se confundem com o mérito da própria demanda, situações estas em que o magistrado não extinguirá o processo sem julgamento do mérito.

Como exemplo, podemos citar a ação de investigação de paternidade proposta contra pessoa que, após a instrução probatória, obteve confirmação de que não era o pai do autor. Assim, por óbvio, temos um caso de ilegitimidade de parte (já que o réu não é pai e não é parte legítima). No entanto, neste caso, a ilegitimidade se confunde com o próprio mérito da ação, não caracterizando causa de extinção sem julgamento do mérito, mas razão para se conhecer do mérito e negar-se a paternidade.

VII - pela convenção de arbitragem;

Em se tratando de conflitos de natureza patrimonial e privada, as partes podem afastar a atuação do Poder Judiciário em eventual litígio pela atividade de um árbitro.

Assim, se as partes firmaram cláusula compromissória de arbitragem, não poderão elas reclamar diante do Poder Judiciário a prestação de uma tutela jurisdicional para o conflito. A arbitragem impede que o Judiciário aprecie o mérito da lide sujeita ao árbitro, sendo caso de extinção do processo da ação proposta nesta situação.

VIII- quando o autor desistir da ação;

O autor tem a faculdade de abrir mão da ação que propôs, não impedindo essa desistência que ele

proponha outra (idêntica) no futuro.Até a apresentação da contestação pelo réu, o autor poderá desistir da ação sem qualquer

restrição, bastando a formalização desse pedido e a homologação judicial. Todavia, esgotado o prazo da contestação, o autor dependerá da anuência do réu para desistir da ação, isto porque o réu poderá ter interesse na obtenção do provimento jurisdicional negativo contra a pretensão do autor (ou reconvenção e ação decla- ratória incidental).

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

A morte de uma das partes, como vimos, gera o dever de substituí-la por seu espólio. No entanto, tal substituição apenas se revela possível quando o direito material litigioso for considerado transmissível aos seus herdeiros.

A transmissibilidade ou não do direito é regulada pelo direito material, no caso pelo direito civil e não pelas regras de processo, pois há dependência direta da análise da natureza do direito em questão.

Assim, podemos concluir que, em caso de morte do titular do direito intransmissível, não poderão

seus herdeiros assumir o direito do de cujus por ser este personalíssimo (como exemplo, citamos as ações de separação, divórcio e anulação de casamento), razão pela qual a ação será extinta sem o julgamento do mérito.304

X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

304Caso a ação tenha parte do pedido direito intransmissível e outra parte transmissível, a ação continuará em relação à parte transmissível.

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 277

A relação jurídica processual, como regra, pressupõe a existência de autor e réu para haver litígio e contraditório. Assim, quando autor e réu passam a ser a mesma pessoa, notando-se a confusão entre eles, desaparece o interesse no provimento pleiteado.

É o caso, por exemplo, do filho único que propõe ação contra seu pai pedindo determinada condenação. No curso da ação, o réu (pai) vem a falecer, tendo o filho que assumir o pólo passivo da ação. Evidentemente, autor e réu se tornaram a mesma pessoa na relação jurídica processual, o que seria absurdo tolerar.

Efeitos da extinção do processo sem resolução do mérito

O efeito mais relevante da extinção do processo sem o julgamento do mérito é que não induz à coisa julgada material, razão pela qual, como regra, a sentença de extinção do processo não impede que

a parte promova ou repita nova ação idêntica, cujo processamento ficará condicionado à prova de que a parte arcou com as custas e honorários advocatícios da ação anteriormente extinta (art. 268 do CPC).

Tal regra, no entanto, não se aplica aos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito com fundamento no inc. V do art. 267 do Código de Processo Civil, o qual prevê o encerramento do processo em caso de litispendência, coisa julgada ou perempção.

Além disso, a parte que deu causa à extinção do processo sem o julgamento do mérito não terá o direito de ser reembolsada pelas custas que adiantou, bem como será condenada ao pagamento de hono-

rários advocatícios ao patrono da outra parte. Caso o réu ainda não tenha integrado à lide ou apresentado contestação, o autor deverá ser dispensado do pagamento dos honorários.

Iniciativa e momento processual da extinçãoAs matérias previstas nos incisos IV, V e VI do art. 267 do Código citado são de ordem pública,

interessando não só às partes, mas, também, à atividade do Estado, pois são relativas às condições da ação e pressupostos processuais. Portanto, nesses casos, o magistrado poderá, em qualquer grau de jurisdição ou fase processual e mesmo sem provocação da parte interessada, apreciar a causa de extinção do processo (art. 267, § 3o, do CPC).

Além disso, é importante consignar que, por se tratar de questão de ordem pública, as hipóteses anteriormente mencionadas não estão sujeitas a qualquer forma de preclusão.

Nas demais hipóteses do art. 267 do Código de Processo Civil, o conhecimento da causa extintiva da relação apenas será apreciado quando houver provocação da parte interessada. Em relação ao momento, aplica-se o entendimento segundo o qual se admite a alegação em qualquer fase ou momento processual. Todavia, caso o réu não a faça na primeira oportunidade que tiver, responderá ele pelas despesas do retardamento (art. 267, § 3o, do CPC).

■i 13 .3 .2 E X T I N Ç Ã O D O P R O C E S S O C O M R E S O L U Ç Ã O

DO MÉRITOAo propor uma ação, o autor tem por objetivo o julgamento de uma lide ou mérito (um conflito de

interesses); pretende ele que lhe seja atribuído, por meio de uma sentença de procedência, o bem jurí-dico objeto do conflito.

Assim, há extinção do processo, com julgamento do mérito, como regra, quando o juízo profere uma sentença apreciando qual das partes tem direito sobre o bem jurídico em questão.

A esse respeito, o art. 269 do Código de Processo Civil, determina:

Art. 269. Haverá resolução de mérito:

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;

É a forma de extinção do processo pela qual o juiz acolhe ou nega o pedido formulado pelo autor da ação; nessa hipótese, a extinção ocorre com declaração de quem tem razão no conflito de interesse.

II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido;

Nesse caso, ao invés de se opor à pretensão do autor, o réu manifesta-se favorável ao pedido formulado na petição inicial. Concordando o réu com o pedido do autor, não há motivo para o prosseguimento da ação, sendo ela extinta, com julgamento do mérito, acolhendo-se a pretensão inicial.

A presente hipótese não se confunde com o instituto da revelia (falta de contestação) ou da confissão, pois em ambos os institutos a inércia ou a manifestação da parte apenas têm o poder de gerar a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte adversa. Quando o réu deixa de contestar a ação, essa inércia não conduz automaticamente à procedência do pedido do autor, sendo certo que o juiz poderá negar a pretensão da inicial ao aplicar o direito. Por sua vez, o reconhecimento pelo réu da procedência do pedido é a própria adesão do demandado à vontade do autor, fazendo com que o pedido seja procedente.

III- quando as partes transigirem;

A hipótese versa sobre a conciliação, ou seja, o acordo celebrado pelas partes durante o curso do

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processo, constituindo forma de composição amigável do litígio.Dessa forma, havendo acordo entre as partes, o juiz não proferirá uma sentença de procedência ou

de improcedência, mas sim homolo- gatória da vontade externada pelos litigantes, ora conciliados. A homologação é o ato pelo qual o magistrado limita-se a apreciar a existência das condições do ato jurídico (capacidade para a prática do ato, objeto lícito e forma prescrita na lei) para ratificar a vontade das partes.

Repita-se que na homologação de acordos judiciais o magistrado não aprecia a “justiça” da vontade das partes, somente se limita a verificar as condições do ato jurídico civil.

De fato, não há julgamento do mérito da ação pelo magistrado - o juiz apenas homologa a vontade das partes. Mas, em tal caso, compreende-se a inserção da homologação de acordo, nas hipóteses do art. 269 do Código de Processo Civil (com julgamento do mérito), a fim de se fazer recairem sobre a sentença homologatória os efeitos da coisa julgada material, o que evita a propositura de nova demanda para dis-cussão de questão idêntica.

IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou prescrição;

Ao conhecer da prescrição e decadência, temas tratados anteriormente, o juízo extingue o processo com o julgamento do mérito da ação (art. 269, IV, do CPC) a fim de evitar que a parte autora possa propor novamente outra ação idêntica.

O reconhecimento da decadência não depende de provocação das partes, no entanto, a prescrição deve ser invocada pela parte que a beneficia, não podendo o juiz conhecê-la de ofício (art. 193 do Código Civil/2002).

V - quando o autor renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação.

A presente hipótese não se confunde com a desistência da ação (art. 267, inc. VIII, do CPC), já que, com a renúncia, o autor abre mão do direito material de que é titular, ou seja, o autor rejeita o seu direito pondo fim à lide. Na desistência há mera disponibilidade do direito de ação, e não do direito material discutido na lide.

Além disso, ao contrário do que ocorre com a desistência, a renúncia do direito impede a propositura de nova ação, bem como não depende (seja qual for o momento processual) de qualquer anuência da parte adversa.

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279

' Teoria geral do processo, p. 278 e 321.

14

P R O C E D I M E N T O S D O

P R O C E S S O D E C O N H E C I M E N T O

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A noção de procedimento é puramente formal, não passando da coordenação de atos que se sucedem. Conclui-se, portanto, que o procedimento (aspecto formal do processo) é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo.

Mais adiante, continuam os professores:

A soma dos atos do processo, vistos pelo aspecto de sua interligação e combinação e de sua unidade teleológica, é o procedimento. Dentro deste, cada ato tem o seu momento oportuno e os posteriores dependem dos anteriores para a sua validade, tudo porque o objetivo com que todos são preparados é um só: preparar o provimento final.A escolha do procedimento dependerá, principalmente, da natureza da causa posta em juízo,

contribuindo para essa definição a espécie de pretensão perseguida pelo autor, a natureza do direito material e o valor da causa, tudo isso vislumbrando a adequada prestação da tutela jurisdicional.

A existência de diversos ritos apenas se justifica para que o Estado atue de forma eficaz na prestação jurisdicional e possa conferir uma tutela adequada (rápida e célere) para a solução do conflito apresentado.

Dessa forma, o atual ordenamento processual prevê para o processo de conhecimento as seguintes espécies de ritos ou procedimentos:

a) procedimento ordinário;

b) procedimento sumário;

c) procedimentos especiais.

Alguns doutrinadores têm aplicado a terminologia rito sumaríssi- mo à atividade jurisdicional dos juizados especiais, terminologia esta que acreditamos não ser a correta. Não obstante a celeridade e concentração dos atos processuais - que podem presumir um procedimento sumaríssimo -, que os juizados especiais, nos termos das Leis ns. 9.099/95 (juizados no âmbito das justiças dos Estados) e 10.259/2001 (que trata dos Juizados Especiais Federais), realizam processos de conhecimento ou executório, com procedimentos próprios para cada um deles, sem justificativa legal para se denominar procedimento sumaríssimo.

14 .2 P R O C E D I M E N T O O R D I N Á R I O

O procedimento ordinário é o denominado rito comum do processo de conhecimento. Na realidade, o procedimento ordinário pode ser considerado o rito geral pelo fato de ser aplicável a todas as causas, salvo quando se tratar de rito sumário ou especial.

Além disso, o rito ordinário é disciplinado de forma completa e exaustiva pelo Código de Processo Civil, característica que permite afirmar, como preferia o mestre Pontes de Miranda, serem as normas do procedimento ordinário “enchedoras das lacunas da lei no trato de outros processos”, ou seja, surgindo omissões ou lacunas nos demais procedimentos (sumário ou especial) ou mesmo em outras espécies de processo (execução e cautelar), aplicam-se subsidiariamente as regras concernentes ao rito comum ordinário.305

M 14 .2 .1 Fases do P roced imento ComumO procedimento ordinário é marcado pela sua extensão e pela complexidade dos atos processuais, que, em

síntese, se dividem nas seguintes fases:

a) Fase postulatória. A fase postulatória representa o início do processo de conhecimento, cujo ato inaugural é a petição inicial do autor, instrumento pelo qual são manifestados o direito de ação e seus elementos essenciais (partes, pedido e causa de pedir). Por sua vez, a petição inicial é submetida a um juízo de admissibilidade, no qual o magistrado verificará se estão

305 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, 1974, p. 466,

apud Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, p. 292.

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 281

preenchidos os requisitos legais de aptidão dessa petição, bem como as condições da ação e demais pressupostos processuais. Assim, sendo positivo o juízo de admissibilidade da inicial ou corrigido eventual vício, o juiz determinará a citação do réu para integrar a relação processual. Por fim, nessa fase, é dada a oportunidade para o réu apresentar a sua resposta à ação (contestação, reconvenção, exceções e impugnações).

b) Fase saneadora. Encerrada a fase postulatória, com a apresentação da resposta do demandado, o juiz dará oportunidade ao autor para manifestação acerca dessa resposta, bem como verificará a regularidade formal do processo, determinando o saneamento de eventuais vícios ou mesmo decretando a extinção sumária do processo por estar presente qualquer hipótese do art. 267 do Código de Processo Civil.

Apurada a regularidade formal, tratando-se de direito disponível, o magistrado designará audiência para tentativa de conciliação das partes, que, se obtida, será tomada por termo e homologada por sentença, gerando a extinção do processo com julgamento do mérito (art. 269, inc. III, do CPC). Todavia, não sendo caso de audiência de conciliação, ou restando esta infrutífera, o juiz dará prosseguimento ao feito, proferindo o despacho saneador (que na realidade é uma decisão interlocutória).

c) Fase instrutória. Como regra, é a fase destinada à colheita de provas. É o momento processual em que são realizadas a prova técnica (pericial) e as provas orais em audiência de instrução (como a ouvida dos depoimentos pessoais das partes, das testemunhas, dos esclarecimentos dos expertos, acareações etc.). Nota-se que, do saneamento, o juiz poderá passar de imediato para a fase decisória - tal supressão ocorrerá quando não houver a necessidade de dilação probatória ou quando o juiz verificar a existência de causa para a extinção do processo sem o julgamento do mérito (art. 267 do CPC).

d) Fase decisória. Finda a instrução processual (ou não sendo dispensada), o juiz proferirá a sentença.

e) Fase recursal. Dos atos dos magistrados, no exercício de uma garantia constitucional, e quando sucumbentes e inconformadas com a decisão proferida no processo, as partes poderão interpor recur

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Fasepostulatória

Fasesaneadora

Faseinstrutória

Fase(leàscria

Faserecursal

Lide (conflito) (bem da vida)

Petição ('.itação Resposta inicial do réu do réu

Saneamento: manifestação do autor acerca da resposta do réu, julgamento conlorme

estado do processo, audiência de conciliação e despacho

saneador

Colheita de provas: perícia e audiência de instrução e julgamento para reali/ação de provas orais

SentençaTUTELA

Recursos

Exigível o título judicial, o credor dará

início à fase do cumprimento da

sentença

Tutela e satisfação

1 4 . 3 P R O C E D I M E N T O S U M Á R I O

1 4 . 3 . 1 Def in i ção e Ca rac te r í s t i cas do R i to Sumár io

O rito sumário sofreu grande alteração com o advento da Lei n. 9.245/95. Até então chamado de procedimento sumaríssimo, teve o seu

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f) sos próprios para a impugnação de cada ato jurisdicional, cada qual em um momento do processo. Quando a sentença (ou acórdão) não comportar mais recurso, isso pelo esgotamento das espécies recursais ou pelo fim do prazo para a interposição do recurso, ocorrerá o trânsito em julgado.

g) Fase executória (ou de cumprimento da sentença). Havendo uma sentença (ou acórdão) que importe em condenação de alguma das partes, esse provimento será executado, ou seja, o juiz deverá dar seguimento ao processo para o cumprimento da sentença. Pelo sistema anterior aquele introduzido pela Lei n. 11.232/05, a execução representada um verdadeiro processo. O juiz proferia a sentença e, após o trânsito em julgado, a parte credora daria início ao processo de execução. Com a reforma, como regra, a execução dos títulos judiciais perdeu autonomia processual, passando a ser considerada como mera fase do processo de conhecimento.

Em síntese, podemos esquematizar o procedimento ordinário da

seguinte forma:

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 283

âmbito de cabimento reduzido e modificada a sistemática na prática dos atos processuais para permitir maior celeridade na prestação da tutela.

Trata-se de espécie de rito do processo de conhecimento pelo qual, nas causas de seu cabimento, busca-se o oferecimento da tutela jurisdicional de forma mais célere, com a predominância de um pro-cedimento enxuto e com marcante concentração de atos processuais. Nota-se no rito sumário que o legislador preferiu concentrar inúmeros atos processuais em um mesmo momento do processo para assegurar economia processual e rapidez no oferecimento da tutela jurisdicional.306

Além disso, o legislador houve por bem reduzir a possibilidade de incidentes processuais, como a maioria das modalidades de intervenção de terceiros e respostas do réu, que quase sempre contribuem, no rito ordinário, para o alongamento e a demora do processo, bem como limitou a realização da prova pericial em função da complexidade demandada.

M 14 .3 .2 HIPÓTESES DE CABIMENTO

O cabimento do rito sumário foi fixado no art. 275 do Código de Processo Civil por meio dos

seguintes critérios:

a) valor da causa;

b) natureza da ação (independentemente do valor da causa).

Cabimento do rito sumário em razão do valor da causaNo art. 258 do Código de Processo Civil, encontra-se estampada a regra segundo a qual toda causa

deverá conter um valor determinado, mesmo que a ação não tenha natureza econômica direta. Dessa forma, considerando a vantagem econômica pretendida na ação, o autor lançará em sua petição inicial um valor para a causa.

Por sua vez, o art. 275, inc. I, do Código citado determina ser cabível o procedimento do rito sumário às causas não excedentes ao valor de sessenta salários mínimos vigentes no país na data da propositura da demanda.'1

Ressalte-se que o valor do salário mínimo é verificado quando da propositura da ação, e eventuais

alterações não terão o poder de modificar o rito. Todavia, caso haja acolhimento de eventual impugnação

do valor da causa formulada pela parte contrária e, conseqüentemente, a modificação do valor exceder ao

limite estabelecido acima, o rito sumário será convertido pelo juiz para o rito ordinário.307

| Cabimento em razão da matéria

Não obstante o cabimento do rito sumário para as causas não excedentes a sessenta salários

mínimos, o inc. II do art. 275 do Código de Processo Civil prevê determinadas matérias sujeitas ao

referido rito, independentemente do valor dado à causa. Aplica-se, também, o procedimento sumário às

306 Para Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil, v. III, p. 341), quanto ao procedimento sumário: "O que o caracteriza é a cognição limitada que nele tem lugar (conhecimento incompleto no plano horizontal) e que se manifesta mediante a concentração de atos procedimentais, redução das possíveis respostas do réu e alguma restrição à admissibilidade da prova (infra, n. 1.243). 0 objetivo do Código, ao instituir o procedimento então denominado sumaríssimo e agora sumário (Lei n. 8.952, de 13.12.1994), foi imprimir maior celeridade ao procedimento em relação a certas causas".

307 "Indenização. Dano moral. Impugnação ao valor da causa. Procedência. Elevação para valor superior a vinte vezes o maior salário mínimo vigente no País. Necessidade de se determinar a conversão do rito sumário em ordinário. Recurso provido para esse fim." (TJSP, Al n. 155.856-4, rei. Des. Carlos Roberto Gonçalves, j. 13.06.2000, v.u.)

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causas relativas a:

a) arrendamento rural308 ou parceria agrícola;

b) cobrança ao condômino de qualquer valor devido ao condomínio;

c) ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico (rural), abrangendo as ações de

responsabilidade civil pelos danos causados em imóveis rurais ou urbanos;

d) ressarcimento por danos causados em acidente de veículos;

e) cobrança de seguro relacionada com acidente de veículos;

f) cobrança de honorários de profissionais liberais, como de advoga

dos, médicos, dentistas etc.;

g) outros casos previstos na lei. Podemos citar: as ações de acidente

do trabalho, as ações entre o representante comercial e o representado (Lei n. 6.197/74,

art. 10), ações para retificação de registros

públicos (Lei n. 6.015/73, art. 4o), as ações revisionais de aluguéis (Lei n. 8.245/91, art. 68).

Importante consignar que a previsão de cabimento do rito sumário para as ações de cobranças, previstas nas alíneas do inc. II do art. 275 do Código de Processo Civil, não substitui ou exclui a possibilidade da propositura de ação de execução quando o credor for detentor de título executivo, ou seja, o procedimento sumário apenas será utilizado nas hipóteses de cobrança quando não for possível a propositura de execução.

Seria o caso, por exemplo, do advogado que possui contrato escrito com o seu constituinte (cliente), contrato este revestido das formalidades necessárias à caracterização de um título executivo. Nessa hipótese, o credor (advogado) não terá interesse na propositura de uma ação de conhecimento pelo rito sumário, pois já é detentor de um título executivo, e poderá promover de imediato a competente ação exe- cutória.

Além disso, o rito sumário não é aplicável, ainda que nas causas cujo valor não exceda a sessenta salários mínimos, quando a ação versar sobre estado ou capacidade das pessoas (art. 275, parágrafo único, do CPC) - são as ações concernentes ao casamento (anulação, divórcio, separação e de requerimento judicial de supressão da vontade dos pais), filiação (ações de investigação de paternidade ou negativas), pátrio poder (adoção, destituição do pátrio poder).

As hipóteses previstas no artigo citado são absolutamente exaustivas, não admitindo, salvo por expressa determinação legal, a utilização do procedimento sumário nos casos ali não arrolados. Por essa razão, adota-se um sistema de exclusão, pelo qual as causas não sujeitas ao rito sumário ou especial terão seu curso determinado pelo rito ordinário comum.

Em relação à escolha do rito sumário ou ordinário, nesse ponto do estudo, pode surgir a seguinte dúvida: o autor tem a faculdade de optar pelo rito sumário ou ordinário? Há possibilidade de a parte dispor acerca do procedimento?

A esse respeito, Humberto Theodoro Júnior309 expressa manifestação contrária à disponibilidade da escolha do rito ordinário ao invés do rito sumário, por entender que a forma de prestação da tutela jurisdicional

- o procedimento - não é posta em razão do interesse das partes, mas é questão de ordem pública, de relevância para a própria justiça.

No entanto, não compactuamos integralmente com essa afirmação do respeitável mestre.Em primeiro lugar, entendemos que o rito sumário pode ser substituído pelo rito ordinário sempre

quando aquele puder gerar prejuízo ao exercício do direito de ampla defesa de ambas as partes. Como sabemos, o rito sumário é caracterizado pela concentração de atos processuais, fator este responsável pela diminuição da oportunidade de defesa e prova no processo.

A jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que a escolha do rito errado - ordinário em vez de sumário - não induz vício do processo quando não causar prejuízo à defesa do demandado.

No mesmo sentido, existem decisões que afirmam ser possível a manutenção do rito errado - sem a decretação de nulidade dos atos processuais, desde que não exista prejuízo para a parte adversa.310

De fato, parece-nos que a atividade jurisdicional e seus instrumentos - processo e procedimento - são questões de natureza pública, não estando à disposição das partes. Mas devemos compatibilizar este preceito com a idéia maior de que o processo é apenas o meio de realização do direito, devendo haver a possibilidade de escolha do rito para facilitar a defesa de tal direito e permitir a ampla defesa das

308 Decreto n. 59.566/66.309Curso de direito processual civil, cit., p. 301.

310força de título executivo, nos termos do art. 1.102-A, CPC." (STJ, 4a I, REsp n.

208870/SP, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 08.06.1999, v.u.)

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 285

partes. Como sabemos, o processo não se presta para inviabilizar o direito, mas para ser verdadeiro caminho de sua realização.311

Todavia, em havendo absoluto flagrante de erro na escolha do rito

- sumário ao invés do ordinário -, o juiz deverá, mesmo de ofício, determinar a conversão para o rito correto, a fim de determinar o prosseguimento da ação, com a citação do réu já na forma do rito determinado pela lei, evitando-se, com isso, prejuízo à defesa do demandado.

Por outro lado, considerando a característica do rito sumário de prestígio à conciliação entre as partes - já que o primeiro ato é a audiência de conciliação, mesmo antes da apresentação da defesa -, como justificar a observância do rito sumário nos casos de direitos indisponíveis que não são passíveis de conciliação?

Muitos magistrados, na prática, ao receber a petição inicial e vislumbrando a impossibilidade material da composição amigável do conflito, dada a indisponibilidade do bem da vida posto em juízo, determina, de ofício, o prosseguimento da demanda pelo rito ordinário.

De fato, se há impossibilidade material de conciliação, não se justifica a adoção do procedimento, pois os juízos terão de disponibilizar dia e horário na pauta, audiências, para a suposta tentativa de conciliação já tão assoberbada, ato este que será inútil ao processo. Assim, não sendo possível a composição consensual entre as partes, por questão de economia processual, deve-se dar preferência à adoção do rito ordinário.

Por fim, é imperioso asseverar que segundo o Código de Processo Civil, em seu art. 277, § 4o, o juiz deverá, na própria audiência de conciliação (quando frustrada), decidir sobre eventual controvérsia acerca da natureza da demanda ou do valor da causa e, se for o caso, determinar a conversão do rito. Além disso, a conversão também poderá ocorrer quando o deslinde de causa depender de prova técnica de maior complexidade.312

■i 14 .3 .3 Pecu l ia r idades do R i to Sumár ioOs atos processuais, no rito sumário, são praticados de forma concentrada, ou seja, a legislação

determina a reunião de diversos atos processuais no mesmo momento da relação jurídica, bem como pres-tigia a conciliação entre as partes. O réu não é citado para a apresentação de defesa ou resposta, mas para comparecer à audiência de tentativa de conciliação.

Além disso, no rito sumário há diminuição dos incidentes processuais e formas de respostas do réu, inclusive sendo vedada a apresentação de algumas modalidades de intervenção de terceiros, o que faz com que se chegue de maneira mais célere ao provimento final almejado.

Com relação à instrução probatória, verifica-se que o legislador também previu o não-prolongamento dessa fase processual, impondo a possibilidade de realização de prova técnica (pericial) somente quando se tratar de ato não complexo.

A documentação dos atos orais também é simplificada, devendo ser utilizados, desde que possível, métodos mecânicos e eletrônicos de transcrição das manifestações orais em audiência (como os depoimen-tos das testemunhas, das partes etc.), citando a lei os métodos de taquigrafia, estenotipia, ou outro meio existente (parágrafo único do art. 279 do CPC).

Em síntese, podemos definir as seguintes peculiaridades do procedimento sumário:

a) Petição inicial (art. 276 do CPC). Da petição inicial do rito sumário deve constar a especificação e a indicação da pertinência das provas. Nota-se que, no procedimento ordinário, a especificação das provas poderá ocorrer quando do saneamento do processo, constando da petição inicial apenas o conhecido “protesto genérico por todos os meios em direito admitidos”. No rito sumário, é na própria petição inicial que o autor apresenta o rol de testemunhas, requer a perícia, indica o seu assistente técnico e formula os quesitos que pretende que sejam respondidos pelos técnicos, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a preclusão.

b) Audiência de conciliação (art. 277, caput, do CPC). Admitida a petição inicial, o juízo determinará a citação do réu para que compareça à audiência de tentativa de conciliação. A audiência de conciliação antecede à própria apresentação da resposta do réu. A esse respeito, a lei determina que a audiência de conciliação deve ocorrer no prazo de trinta dias da decisão que determinou a citação do réu, sendo certo que a citação do demandado deva ocorrer com uma antecedência mínima de dez dias da audiência," isso para que possa haver tempo hábil para a elaboração da defesa.

O réu deverá comparecer pessoalmente à audiência de conciliação ou se fazer representar por procurador com poderes especiais para transigir (fazer acordo em juízo), sob pena de aplicação dos efeitos da revelia.

c) Resposta do réu. Restando infrutífera a conciliação, o réu apresentará sua contestação na própria audiência, que poderá ser oral ou escrita (se for oral, será reduzida a termo). Em razão da concentração dos atos processuais, a lei determina que o réu deverá especificar suas provas na contestação, indicando as testemunhas que pretende ouvir, o requerimento de perícia, a apresentação do assistente técnico e os quesitos.

No rito sumário não se admite a propositura de reconvenção pelo réu, que, como veremos em capítulo próprio, é a ação do réu contra o autor nos mesmos autos do processo. No entanto, apesar da impossibilidade de reconvenção, prevê o § Io do art. 278 do Código de Processo Civil que o réu poderá formular pedido contra o autor na própria contestação (pedido contraposto).313 No rito

311 Kazuo Watanabe, apud William Santos Ferreira, Tutela antecipada no âmbito recur- sal, p. 26, em brilhante dissertação afirma: "Procura-se atribuir ao processo o seu verdadeiro escopo: ser faticamente o caminho, e não o obstáculo, à obtenção do bem da vida almejado".

312 No procedimento sumário apenas se admite a prova pericial para a realização de perícia simples (que se opõe à complexa), entendida como aquela que pode ser realizada no prazo de quinze dias.

313 Pedido no sentido estrito do termo processual. O réu poderá formular o

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ordinário não é permitida a formulação de pedidos pelo réu contra o autor no bojo da contestação. Caso o réu pretenda algum provimento contra o autor, deverá manejar a competente reconvenção ou então se valer de ação autônoma.

d) Revelia. No procedimento ordinário, a revelia compreende a falta de contestação, representa a inércia ou omissão do demandado em apresentar a sua defesa contra a pretensão do autor, contumácia esta que induz à presunção de veracidade dos fatos apresentados pela parte contrária. No entanto, no rito sumário, a revelia se verifica pela falta de contestação, ou ainda, pela simples ausência do réu na audiência de conciliação (§ 2o do art. 277 do CPC).

e) Incidentes processuais. Os incidentes processuais, como impugnação ao valor da causa, impugnação à justiça gratuita, requerimentos de provas e a divergência acerca da natureza da causa para efeito de conversão do rito, serão apreciados de plano na própria audiência de conciliação quando as partes se mantiverem intransigentes.

f) Intervenção de terceiros (art. 280 do CPC). A regra é no sentido de que não se admite intervenção de terceiros no procedimento sumário, excepcionando a lei para autorizar a intervenção por assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro.314

É muito comum nas ações de acidente de veículo - que, como regra, tramitam pelo rito sumário - a necessidade da apresentação de denunciação da lide para invocar eventual direito de regresso contra a seguradora. No entanto, antes do advento da Lei n. 10.444/2002, não havia tal possibilidade de intervenção.

No rito sumário também não se admite a ação declaratória incidental.

g) Perícia. Admite-se no procedimento sumário apenas a prova técnica simples, concebida como aquela que não demanda muito tempo e que possa ser realizada no prazo de quinze dias. Em caso de necessidade de perícia complexa, o juiz deverá determinar a conversão do rito sumário para ordinário, sob pena de cerceamento do direito de defesa da parte à qual incumbe o ônus da referida prova.

h) Sentença. Ao prolatar a sentença condenatória, o juiz deverá, obrigatoriamente, proferir sentença líquida, isto é, sentença que contenha o valor exato da condenação ou a delimitação precisa do bem jurídico conferido (art. 475-A, § 3o do CPC). Tal previsão evita que, quando da execução, o credor tenha que promover um incidente de liquidação da sentença.

14.4 PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

Além dos procedimentos ordinário e sumário (comuns), o Código de Processo Civil contempla as hipóteses de procedimentos especiais, que são divididos em procedimentos especiais de jurisdição voluntária e procedimentos especiais de jurisdição contenciosa.

Tais ritos possuem peculiaridades próprias e o cabimento predomina sobre os procedimentos ordinário e sumário, já que são concebidos para o oferecimento de uma tutela específica em relação à natureza do bem da vida posto em juízo. São ritos que possuem características próprias em relação à natureza e à seqüência dos atos processuais.

Enquanto os ritos sumário e ordinário são considerados como procedimentos comuns e, portanto, ações de natureza genérica e inominadas, os especiais são cabíveis para a solução de lides específicas e os ritos são nominados pela própria lei processual.

Como exemplo: as ações possessórias, a ação monitoria, o inventário, o divórcio e a separação, o usucapião, a nunciação de obra nova, a ação de depósito, de consignação em pagamento, de prestação de contas etc., temas que serão tratados, no futuro, em outra edição, em razão da complexidade.

chamado pedido contraposto em face do autor da ação, requerendo o juiz uma tutela (condenatória, dedaratória ou constitutiva) contra o autor da ação.

314A possibilidade de intervenção de terceiro no rito sumário, com fundamento em contrato de seguro, foi acrescentada pela Lei n. 10.444/2002.

Page 289: Manual de Direito Processual Civil

287

15

A N T E C I P A Ç Ã O D O S E F E I T O S D A

T U T E L A

1 5 . 1 DEFINIÇÃO

Na busca de maior efetividade na prestação da tutela juris- dicional, por meio da reforma realizada pela Lei n. 8.952/94, foi introduzido no sistema processual civil o instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, disciplinado pelo art. 273 do Código de Processo Civil.

Para o estudo da antecipação dos efeitos da tutela, é imprescindível uma retrospectiva ao sistema anterior ao advento da Lei n. 8.952/94. Antes da reforma introduzida pela referida Lei, as tutelas de urgência ou as denominadas liminares (em sentido lato da palavra), restringiam-se às medidas cautelares ou às liminares previstas nos procedimentos especiais, como no mandado de segurança, nas ações pos- sessórias etc.

Assim, o Código de Processo Civil previa as ações cautelares, destinadas a dar segurança ao objeto de outro processo (de conhecimento ou execução), no qual se concedia uma

Page 290: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

medida de urgência para colocar o bem jurídico em segurança e, em outro processo (futuro ou já em curso), era discutida a lide principal.

Por outro lado, já havia previsão de liminares em procedimentos especiais, medidas estas com requisitos próprios, dependendo da natureza do procedimento envolvido.

No entanto, não havia a possibilidade da concessão de uma medida antecipatória (liminar) dentro do próprio processo de conhecimento de rito ordinário ou sumário, ou seja, ou a parte se utilizava de uma cautelar preparatória ou incidental, como medida de urgência para dar proteção ao bem jurídico colocado em situação de risco, ou então, se fosse o caso, manipularia uma ação especial e beneficiar-se-ia da liminar ali prevista.

Na realidade, o que fez a reforma introduzida pela Lei n. 8.952/94 foi permitir a concessão de uma medida liminar ou antecipatória, de natureza satisfativa, dentro do próprio processo de conhecimento, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil.

A tutela antecipada se presta ao oferecimento imediato dos efeitos almejados no provimento jurisdicional, cujo direito se mostra evidente (tutela da evidência). A tutela antecipada foi concebida segundo o princípio da efetividade esculpido no art. 5o, XXXV, da Constituição da República, pois garantir o acesso à justiça não significa apenas dar o direito de ação aos jurisdicionados, mas conferir uma tutela eficiente (rápida e útil) para a solução do conflito, visando, especialmente, a evitar que a lesão ocorra. A tutela antecipada é medida que coaduna com os ensinamentos recitados por Rui Barbosa: “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”

1 5 . 2 D I S T I N Ç Ã O E N T R E A N T E C I P A Ç Ã O D A T U T E L A ,

C A U T E L A R E S E L I M I N A R E S

As terminologias “antecipação de tutela”, “cautelares” e “liminares” são objeto de grande confusão pelos aplicadores e estudantes do direito. Inicialmente, cumpre definir o significado lato da palavra

liminar.

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 289

No processo, como regra, o autor apenas se beneficia do provimento jurisdicional após o trânsito

em julgado (quando a tutela não comportar mais recurso). Tal regra decorre da filosofia de que alguém

somente poderia ser compelido ao respeito do mandamento judicial quando contra tal ato não fosse

possível nenhuma forma de impugnação, quando a tutela jurisdicional se tornasse definitiva.

No entanto, em determinadas situações, seja pela circunstância de urgência ou mesmo pela natureza

da relação material, o legislador houve por bem prever a possibilidade de concessão de medida judicial

antes do trânsito em julgado da ação de conhecimento. Assim, podemos definir liminar, em sentido

genérico da palavra, como sendo todo o provimento jurisdicional concedido antes do momento oportuno.

De fato, no sentido lato da palavra, liminar é todo provimento judicial que se concede de forma

prévia. Portanto, no sentido mais amplo, tanto a antecipação dos efeitos da tutela, as cautelares, como

as liminares previstas nos procedimentos especiais, são formas de medidas liminares.

Todavia, stricto sensu, cada um desses institutos processuais possui características,

finalidades e requisitos próprios.

A ação cautelar é verdadeira ação autônoma - ao lado da ação de conhecimento e da ação de

execução - cuja finalidade é dar segurança ao objeto de um processo futuro ou em andamento. Nota-se que

as cautelares não são medidas satisfativas,315 pois não resolvem a lide, mas somente colocam o bem

jurídico em estado de segurança, sendo a lide resolvida em outra ação (de conhecimento ou de execução).

Vamos imaginar que alguém receba aviso de protesto de um título de crédito que nunca emitiu.

Nesse caso, dada a urgência da necessidade da medida judicial, o “devedor” poderá promover ação

cautelar para obstar a lavratura do protesto. Nota-se que na cautelar não se discutirá se o débito

existe ou não, se o título é perfeito ou não, apenas se apreciará a plausibilidade do direito

apresentado e se colocará o bem jurídico em segurança - evitando o protesto e a lesão à imagem do in-

divíduo. Posteriormente, em uma ação de conhecimento, a lide concernente ao débito da cártula será

resolvida.

A concessão de medidas cautelares inominadas depende da comprovação do periculum in mora, ou seja, a necessidade de um provimento de urgência sob pena de perecimento do bem jurídico, e, ainda,

o fumus boni juris,316 que corresponde à demonstração da aparência ou plausibilidade do direito apresentado.

Por outro lado, as liminares são medidas antecipatórias concedidas em procedimentos especiais e com a observância de requisitos próprios de cada procedimento. Por exemplo: as liminares em ações pos- sessórias, concedidas quando a ação for proposta contra força nova;317 os alimentos provisórios, concedidos nas ações de alimentos quando houver prova do parentesco e do dever alimentar; a liminar em

315' Piero Calamandrei, tntroduzione alio studio sistemático dei prowedimenti cautelari, p. 21, apud Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar, p. 42: "É verdade proclamada pelo direito positivo (art. 796) e reconhecida pela melhor doutrina que o processo cautelar, embora autônomo por seu objeto, não justifica sua existência por si mesmo, mas pela relação que guarda com outro processo principal, isto é, de cognição ou de execução, ao qual serve como instrumento de eficaz atuação".

316 Traduzido como: fumaça do bom direito, ou seja, a aparência de existência do direito (onde há fumaça, há fogo).

3170 termo força pode ser compreendido como o ato de lesão ou tentativa de lesão à posse: esbulho, turbação ou ameaça.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ação de nunciação de obra nova; nos embargos de terceiro; no mandado de segurança; entre outras.Ressalte-se que as liminares são satisfativas, pois são concedidas no bojo do procedimento

especial e não dependem da propositura ou andamento de outra ação, como ocorre com as cautelares.lá a antecipação dos efeitos da tutela são medidas liminares ou antecipatórias concedidas em

qualquer processo de conhecimento, quando presentes os requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil. É medida de natureza absolutamente satisfativa, já que é deferida dentro do próprio processo de conhecimento e independe da propositura de outra ação para a solução da lide. De fato, a medida é a antecipação da própria satistação que a parte apenas experimentaria no final da ação, ou seja, após o trânsito em julgado.

Observa-se como grande diferença entre a ação cautelar e a antecipação da tutela o fato de que a tutela antecipada tem efeito satisfa- tivo, já que adianta os efeitos do provimento definitivo que coincidecom o bem da vida pretendido.'1 As liminares satisfativas não dependem de um processo futuro para pôr fim ao conflito; ao contrário da cautelar, o provimento liminar apenas tem a função de conferir segu-rança ao objeto do litígio, cujo mérito será discutido em ação própria, e a cautelar não soluciona a lide, mas tão-somente concede uma cautela.

Vejamos os exemplos:

1) “A” propõe ação em face de “B” pretendendo a reparação de determinados danos; para tanto, requer a antecipação dos efeitos da tutela para que, desde logo, o réu forneça o tratamento necessário - nesse caso, foram antecipados os efeitos do próprio julgamento do mérito da ação, satisfazendo as necessidades do demandante sem a necessidade de uma ação futura para discussão do direito.

2) “C” propõe ação cautelar de seqüestro em face de “D”, pois, credor de título não vencido, tem notícia de que o devedor está tentando destruir a coisa que deverá ser entregue a ele no futuro - nesse caso, a ação cautelar de seqüestro tem por finalidade evitar o perecimento da coisa, para que, no futuro, ela possa ser entregue ao credor, por meio de ação própria, sem qualquer dano, ou seja, a cautelar apenas serviu para dar segurança a um processo futuro, não foi satisfativa.

A antecipação da tutela não substitui a ação cautelar. Cada uma delas possui finalidade e requisitos próprios. Quando da análise dos requisitos da antecipação da tutela, veremos que esse instituto exige, para a sua concessão, a prova inequívoca da verossimilhança das alegações, e as

cautelares, como vimos, dependem da presença de fumus boni juris. Notadamente, o requisito para a concessão da antecipação da tutela é muito mais rígido do que para a cautelar: enquanto na primeira é necessária a demonstração inequívoca do direito, na outra basta a aparência ou mera plausibilidade.

1 5 . 3 C A R A C T E R Í S T I C A S D A A N T E C I P A Ç Ã O D O S

E F E I T O S D A T U T E L A

Acerca do instituto da antecipação dos efeitos da tutela, conceitua o art. 273 do Código de

Processo Civil:

Art. 273. 0 Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,

total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido

inicial [...].

■■ 15 .3 .1 A N T E C I P A Ç Ã O D O S E F E I T O S D A T U T E L A

Da leitura do dispositivo legal colacionado, verifica-se que o legislador previu a possibilidade

de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida pelo autor. De fato, o legislador foi

muito feliz ao inserir a expressão “efeitos”.

Nesse ponto temos que perquirir o significado dos termos tutela jurisdicional e efeitos da

tutela. A tutela é a providência jurisdicional pretendida pelo autor contra o réu, e que, na ação de

conhecimento, pode ser condenatória, declaratória ou constitutiva. Já os efeitos podem ser definidos

Page 293: Manual de Direito Processual Civil

4 William Santos Ferreira, Tutela antecipada no âmbito recursal, p. 132.

ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 291

como o resultado prático da tutela jurisdicional, equivalente ao próprio bem da vida pretendido. Por

exemplo, quando o autor pretende a condenação do réu (tutela pretendida), deseja ele a condenação ao

pagamento de determinada quantia, à entrega de uma coisa ou a uma obrigação de fazer ou não fazer.

Nota-se que o legislador determinou que a antecipação é dos efeitos práticos da tutela e não

apenas da tutela condenatória, constitutiva ou declaratória.

Assim, podemos concluir que a antecipação oferecida não é propriamente da sentença (ou da

tutela), mas, sim, dos efeitos práticos advindos do provimento jurisdicional. O que se antecipa em

favor do autor são os efeitos que ele apenas receberia no final da ação, após o trânsito em julgado e

quando da execução da sentença.

Page 294: Manual de Direito Processual Civil

ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 292

H 1 5 .3 .2 SAT ISFAT IV IDADEOutra característica do instituto em estudo é a satisfatividade. Como salientamos anteriormente, a antecipação prevista no art. 273 é medida satisfativa, pois antecipa os efeitos da tutela pretendidos pela parte autora; é provimento liminar que atende às necessidades do requerente de forma antecipada, sem a necessidade de outra ação para discussão da lide.

Na concepção herdada do direito romano, a satisfação do direito apenas poderia ocorrer com a existência de um título executivo definitivo. No entanto, o instituto da antecipação da tutela, divergindo de tal pensamento, adianta, em decisão interlocutória, efeitos que apenas seriam percebidos no final do processo e com a execução.

O instituto do art. 273 antecipa os efeitos para, provisoriamente, resolver a lide total ou parcialmente.

■I 1 5 .3 .3 UTILIDADE CONTRA ABUSO

DO DIREITO DE DEFESAA tutela antecipada também tem por objeto prevenir dano ou coibir o abuso de direito de defesa e

o propósito protelatório do demandado. A antecipação dos efeitos da tutela tem por finalidade evitar a ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, prestando ao jurisdicionado uma tutela eficaz.

Não obstante a natureza de tutela de urgência (para evitar dano), a antecipação da tutela também tem a finalidade de repelir a demora na prestação jurisdicional motivada pela má-fé do demandado, segundo o entendimento de que não é justo que o demandante seja afastado de seu direito pela demora acarretada pelo abuso do direito de defesa ou protelação nos atos da outra parte.

M 1 5 . 3 .4 P R O V I S O R I E D A D E

Não obstante a natureza satisfativa, a antecipação da tutela é medida provisória conferida por meio de uma decisão interlocutória e que pode ser alterada ou revogada a qualquer momento do processo. A definitividade, como sabemos, é característica inerente às sentenças transitadas em julgado, podendo o magistrado, de ofício ou a requeri-

Page 295: Manual de Direito Processual Civil

5 Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 551, nota 29 ao art. 273.

ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 293

Cumulativamente

(Obrigatórios)

mento da parte contrária, cassar ou modificar a liminar concedida, nos termos do § 4o do art. 273 do Código de Processo Civil.

1 5 . 4 R E Q U I S I T O S D E C A B I M E N T O

O art. 273 do Código de Processo Civil determina os seguintes requisitos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela:

a) Prova inequívoca da verossimilhança das alegações (caput do

art. 273 do CPC)

b) Reversibilidade da medida concedida

f c) Perigo de dano irreparável ou de difícil reparaçãoAlternativamente | d) Abuso do direito de defesa ou manifesto interes-

•/

| se protelatório do réu L e)

Pedido incontroverso

Ressalte-se que, para a concessão da tutela antecipada, é necessária a implementação de ambos os requisitos obrigatórios e um dos três alternativos. A prova inequívoca da verossimilhança das alegações e a reversibilidade sempre devem estar presentes; além disso, deve haver, pelo menos, um dos alternativos.

A Lei n. 10.444/2002 acrescentou o § 6o ao art. 273 para admitir, também, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela do pedido incontroverso na demanda, ou seja, é possível a antecipação daquilo que não sofreu impugnação pela parte ré. Havendo cumulação de pedidos pelo autor, deixando o réu de contestar algum deles, o juiz poderá antecipar aqueles incontroversos.

■■ 15 .4 .1 P R O V A I N E Q U Í V O C A D A V E R O S S I M I L H A N Ç A

DAS ALEGAÇÕES

O requisito prova inequívoca da verossimilhança das alegações não se confunde com o fwnus boni iuris, pois, enquanto neste a cognição é apenas de aparência da existência do bom direito (juízo de plausibilida-

Page 296: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOde), na antecipação é necessária prova robusta que dê ao magistrado, em sede de cognição sumária,

a certeza da existência do direito reclamado.A prova inequívoca da verossimilhança das alegações impõe ao requerente a necessidade de

demonstrar, de forma a dar certeza ou não deixar dúvidas, em cognição sumária, que o autor tem direito ao que pleiteia.

Por óbvio, a cognição realizada no momento da apreciação da antecipação da tutela não é a mesma realizada quando da prolação da sentença. Ao analisar o pedido antecipatório, o magistrado apenas detém os elementos trazidos pelo autor até aquele momento (geralmente no início da ação), devendo conceder a antecipação caso se convença das provas e direito apresentados.

A certeza advinda da cognição sumária é superficial e relativa, razão pela qual, no decorrer do processo - quando aprofundar o conhecimento da causa -, o magistrado poderá revogar ou modificar a antecipação da tutela.

■I 15 .4 .2 R E V E R S I B I L I D A D E

A norma processual veda a concessão da antecipação da tutela quando os efeitos do provimento antecipado forem irreversíveis em caso de revogação ou modificação da decisão.

Tal requisito ocorre pelo fato de a decisão ter natureza provisória, e, em caso de modificação, as partes têm o direito de retornar ao estado em que se encontravam antes de sua concessão.

O ilustre Professor Nelson Nery Junior5 ensina que a irreversibili- dade não é óbice intransponível à concessão da liminar, pois, em caso de revogação da decisão, o beneficiário da decisão liminar deve indenizar a parte contrária pelos prejuízos que sofreu com a execução da antecipação da tutela.

■i 15 .4 .3 PERIGO D E D A N O

Justifica-se a concessão da antecipação dos efeitos da tutela quando verificado potencial perigo de

dano irreparável ou de difícil repara-ção ao bem jurídico reclamado pela parte autora. Nesse ponto, a tutela antecipada revela-se medida de urgência, destinada a evitar a lesão do bem jurídico.

Como já citamos, é dever institucional do Poder Judiciário, em razão de expressa previsão constitucional, conceder medidas eficazes e com capacidade para evitar que a lesão ao direito se concretize. O processo de conhecimento, como regra, é uma espécie de demanda morosa, e o tempo necessário para a prestação da tutela jurisdicional pode ser motivo de perecimento de direito

(periculum in mora). Dessa forma, havendo indícios de que o direito corre risco de perecer em razão da demora na atividade jurisdicional, é cabível a concessão de antecipação da tutela.

O atual ordenamento jurídico brasileiro dá preferência à prevenção da lesão, com a concessão de uma tutela eficaz em favor do juris- dicionado, em vez do oferecimento de tutelas compensatórias, medi-das estas que apenas indenizam a lesão já ocorrida.

■I 15 .4 .4 A B U S O D O D I R E I T O D E D E F E S A

Não obstante a previsão da tutela antecipada como medida de urgência para evitar o dano, pode ser ela concedida, também, quando ficar evidenciado nos autos que o réu está abusando do seu direito de defesa ou que vem empregando meios protelatórios na demanda.

Nesse caso não se evidencia um perigo de dano, mas, sim, repúdio à má-fé da parte ré.318

Tal hipótese não é de grande aplicação prática, pois demanda comprovação da explícita má-fé da parte contrária em proceder a atos meramente protelatórios. A doutrina cita exemplos como: nas hipóte-ses do art. 17 (litigante de má-fé), contestação sem consistência, defesa instruída com documentos falsos, recursos protelatórios e sem fundamentação lógica, atos atentatórios à dignidade da justiça etc.

O ordenamento processual impõe à parte demandada o dever de impugnar, de forma específica, todos os fatos e pedidos apresentados pelo autor na petição inicial.

Dessa forma, pode ocorrer de o réu, quando da apresentação da contestação, deixar de impugnar total ou parcialmente o pedido formulado pelo autor. Nesse caso, o pedido não impugnado pelo réu será considerado incontroverso.

Assim nos termos previstos no § 6o do art. 273 do Código de Processo Civil, poderá haver a antecipação dos efeitos da tutela em relação aos pedidos incontroversos da ação.

1 5 . 5 L E G I T I M I D A D E P A R A O R E Q U E R I M E N T O

A antecipação do efeito da tutela apenas poderá ser apreciada mediante requerimento da parte. A

tutela antecipada não poderá ser concedida ex officio.318 0 abuso do direito de defesa não se confunde com litigância de má-fé, nos

termos do art. 17 do Código de Processo Civil (Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, p. 146). De fato, não é necessária a caracterização das hipóteses dos arts. 14 e 17 do Código de Processo Civil para que se conceda a antecipação da tutela pelo abuso do direito de defesa do réu; basta, para tanto, que o réu apresente defesas explicitamente inconsistentes ou sem utilidade para o deslinde do processo.

Page 297: Manual de Direito Processual Civil

5 Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 551, nota 29 ao art. 273.

ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 295

Ordinariamente, a legitimidade para requerer a antecipação dos efeitos da tutela é da parte autora, nos termos expressos no art. 273 do Código de Processo Civil.

De fato, a lógica não permite outra conclusão. O instituto em estudo destina-se à antecipação de efeitos do mérito do pedido da ação, conseqüentemente, apenas a parte que faz pedido na ação é que tem legitimidade para o requerimento da antecipação de seus efeitos.

Como regra, o ordenamento processual outorga ao autor a obrigatoriedade de formular pedido na petição inicial.319

No entanto, o próprio Código prevê situações em que é permitida a formulação de pedido pelo sujeito passivo da lide, como em recon- venção, na contestação do rito sumário (art. 278, § Io, do CPC) e nas ações de força dúplice (ação possessória, etc.). Nesses casos, o réu também poderá requerer a antecipação dos efeitos da tutela do pedido que apresentou em juízo.

Ressalte-se que, nesses casos, o réu pleiteia a antecipação dos efeitos da tutela do pedido que ele formulou contra o autor e não do pedido do autor.

1 5 . 6 M O M E N T O P A R A R E Q U E R I M E N T O E

C O N C E S S Ã O

As disposições do Código de Processo Civil que disciplinam a concessão da tutela antecipada não impõem, de forma expressa, um momento certo e determinado para sua formulação e concessão do referido requerimento antecipatório (liminar).

Dessa forma, observada a sistemática de competência do juízo em razão do grau de jurisdição, entendemos que a antecipação da tutela pode ser requerida e concedida em qualquer momento do processo, inclusive durante a fase recursal, desde que implementados os requisitos contidos no art. 273 do Código de Processo Civil.

Enquanto o processo encontra-se na primeira instância, podemos afirmar que a antecipação pode ocorrer em qualquer momento, inclusive quando da prolação da sentença.

Apesar de não ser a melhor técnica320 - uma decisão interlocutória inserida dentro da sentença -, a legislação processual não veda tal concessão, bem como a jurisprudência321 vem confirmando a possibilidade de o juiz conceder a liminar no bojo da própria sentença.

Para muitos, tal possibilidade caracterizaria ato esdrúxulo, já que supõem ser a antecipação dos efeitos da tutela a concessão liminar da sentença. Na realidade, como já vimos, o que se antecipa não é a sentença em si, mas os seus efeitos práticos.

Por essa razão, prevendo o magistrado que os efeitos da sentença ficarão suspensos pela interposição de recurso de apelação, poderá conceder a antecipação para que a parte autora vencedora possa gozar, de imediato, do bem da vida que lhe foi conferido. A tutela antecipada concedida dentro da sentença equivale ao ato de afastar o efeito suspensivo de eventual recurso de apelação (art. 520 do CPC).

Além disso, não seria lógico consentir apenas a tutela antecipada decorrente de uma cognição sumária (como é a regra, já que é concedida na fase inicial do processo), e negar a possibilidade de concessão em sede de um conhecimento exaurente, como se dá no momento da prolação da sentença.322

319 "Art. 286. 0 pedido corresponde à providência jurisdicional imediata e mediata pretendida pelo autor da ação, ou seja, a condenação, declaração ou constituição, com apontamento dos efeitos práticos dessa tutela, o que difere absolutamente dos demais requerimentos passfveis de serem formulados por qualquer das partes."

320 Para o professor Marcus Vinícius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 300: "Uma cautela, porém, deve orientar o juiz que a queira conceder nesse momento: ao fazê-lo, não deve apreciar o pedido de antecipação no bojo da própria sentença, mas por meio de decisão em separado. A razão é que, se ele o fizer, por força do princípio da unir- recorribilidade das decisões judiciais, trará grande dificuldades para a impugnação da decisão concessiva da medida. Como ela é proferida no bojo da sentença, caberá apenas apelação, e esta não tem o condão de suspender o cumprimento da tutela antecipada. A apelação suspende o cumprimento da sentença, mas não o da antecipação, de forma que daí poderão advir graves prejuízos para o réu. Já, se a medida for concedida por decisão em separado, contra ela caberá o recurso de agravo de instrumento, com a possibilidade de requerimento de efeito suspensivo ao relator do recurso".

321 "Tutela antecipada. Possibilidade de concessão por ocasião da sentença. Momento em que a verossimilhança atinge seu maior grau. Convicção plena do magistrado ba-

Page 298: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSONo entanto, admitir a concessão da tutela antecipada no bojo da própria sentença gera a seguinte

problemática: qual o recurso cabível contra essa decisão? Agravo de instrumento (por se tratar de uma in- terlocutória) ou apelação (por ser uma sentença)?

Nesse caso, a sentença terá uma parte dedicada à solução da questão incidental, qual seja a tutela antecipada, e outra parte para o julgamento do mérito da causa. Assim, estaremos diante de um

pronunciamento judicial objetivamente complexo, devendo prevalecer o recurso relativo à parte mais abrangente da decisão, que no caso seria o recurso de apelação.

Portanto, concedida a antecipação dos efeitos da tutela na sentença, mesmo com a interposição de recurso de apelação, a parte poderá promover a execução da antecipação deferida, sem a aplicabilidade do efeito suspensivo próprio do recurso de apelação (art. 520, V, do CPC).

Podemos citar outra questão relevante: é possível a concessão da tutela antecipada em fase recursal (enquanto o recurso estiver aguardando julgamento pelo tribunal)?

Entendemos que a antecipação pode ser requerida e deferida em qualquer momento do processo de conhecimento, inclusive na fase recursal.

Não obstante as espécies de provimentos de urgência e efeitos próprios dos recursos, como a antecipação dos efeitos da tutela recursal do agravo de instrumento (art. 527 do CPC)323 e efeito suspensivo (arts. 520 e 558 do CPC), a parte poderá requerer ao relator do recurso (na sua falta, ao presidente do tribunal) que antecipe os efeitos da tutela pretendida, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, para permitir a imediata execução da tutela conce-dida, sem prejuízo do prosseguimento do recurso.

Por derradeiro, em sede de estudo da apreciação jurisdicional da tutela antecipada e diante do termo “poderá” estampado no art. 273 citado acima, resta-nos a seguinte dúvida: é faculdade do juiz conceder ou não a tutela antecipada? Existe discricionariedade nessa apreciação jurisdicional?

Entendemos que não. Estando presentes os requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil, o autor tem o direito de receber e o juiz o dever de conceder a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. O magistrado não tem liberdade para conceder ou não a liminar.

Nesse sentido, William Santos Ferreira,324 citando o discurso da professora Teresa Arruda Alvim

Wambier, opondo-se às teses que admitem a discricionariedade do juiz quando da apreciação das

liminares, disserta:

[...] ao se chegar neste ponto se compromete a própria noção

que se tem hoje de Estado de Direito. O magistrado tem liberdade,

mas para chegar à decisão correta, que é única.

Infere-se, assim, que, quando da análise do requerimento de tutela antecipada, é vedado ao magistrado proceder à apreciação da conveniência ou oportunidade da medida (para efeito de discricionariedade), mas tão-somente verificar o preenchimento ou não dos requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil, para proferir sua decisão. Em caso positivo, o juiz estará obrigado à concessão da liminar.

1 5 . 7 E X E C U Ç Ã O D A D E C I S Ã O A N T E C I P A T Ó R I A

Por expressa determinação legal (§ 3o do art. 273 do CPC), a execução da decisão que antecipa os

efeitos da tutela jurisdicional deverá respeitar, no que couber, as regras concernentes à execução

provisória, nos termos ora estabelecidos no art. 475-0 do Código de Processo Civil (reforma da Lei n.

11.232/05), mas, podendo se valer das prerrogativas dos artigos 461 e 461-A.Em primeiro lugar, é importante observar que a execução da tutela antecipada não depende da

prestação de caução.325

323" A reforma trazida pela Lei n. 10.352/2001 alterou o art. 527 do Código de Processo Civil, para permitir ao relator do recurso de agravo de instrumento a concessão da antecipação da tutela recursal (espécie de efeito suspensivo ativo), que trataremos a seguir (capítulo destinado ao agravo de instrumento).324

v Teresa Arruda Alvim Wambier, Da liberdade do juiz, p. 485, apud op. cit., p. 229-

30. Para Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência, p. 339: "Observa-se,

de início, o caráter discricionário da regra, tanto que a lei utiliza-se da dicção

'poderá', no sentido de que o juiz dispõe desse poder avaliatório da situação de

segurança e da situação de evidência".

Page 299: Manual de Direito Processual Civil

5 Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 551, nota 29 ao art. 273.

ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 297

Além disso, por se tratar de uma decisão (ou tutela) de natureza provisória, já que pode ser modificada ou revogada a qualquer momento, a execução ocorre por conta exclusiva do credor exeqüente, bem como o levantamento de quantias depositadas ou a alienação de bens dependem do oferecimento de caução idônea (redação anterior do art. 588, incs. I e II, do CPC). Nos casos de tutelas de natureza alimentar (destinadas à sobrevivência da pessoa) até o limite de sessenta salários mínimos e encontrando-se o credor em situação de pobreza, poderá ser dispensada a caução (§ 2o do art. 475-0).

Nota-se que a execução provisória sempre é realizada por conta e risco do exeqüente (credor da tutela), que, em caso de revogação ou modificação da tutela exeqüenda, ficará obrigado a indenizar a parte contrária pelos prejuízos experimentados em razão da execução da liminar injusta ou cassada,326 indenização esta que será exigida nos mesmos autos da ação em que foi deferida e executada a tutela antecipada.

Por outro lado, não se pode deixar de dizer que a decisão que antecipa os efeitos da tutela

jurisdicional tem natureza “executiva lato sensu”, ou seja, dispensa a propositura de uma ação executiva para a efetivação da decisão, uma vez que basta expedir mandato, nos próprios autos, para cumprimento da tutela antecipada.

Em grande parte dos casos, a antecipação dos efeitos da tutela consiste em uma obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa, aplicando-se o disposto nos arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil, pelo qual o magistrado concederá uma tutela específica à situação concreta, podendo impor multa pelo descumprimento, bem como se utilizar de medidas de apoio como: busca e apreensão, força policial,remoção de pessoas, impedimento de atividade, ou outras que entender necessárias à efetivação da tutela

in natura, como se houvesse o adimplemento voluntário da obrigação.

1 5 . 8 Q U E S T Õ E S P O L Ê M I C A S A C E R C AD A T U T E L A A N T E C I P A D A

■i 15 .8 .1 P O S S I B I L I D A D E D E A N T E C I P A Ç Ã O C O N T R A A S

F A Z E N D A S P Ú B L I C A S

A antecipação dos efeitos da tutela contra as Fazendas Públicas é tema muito controvertido e, principalmente, não compreendido pelos aplicadores do direito. Alguns, de forma totalmente equivocada, chegam a dizer não ser possível a concessão de tutela antecipada contra as pessoas jurídicas de direito público, sob os argumentos de que tal medida seria incompatível com o disposto no art. 475 do Código de Processo Civil, bem como dada a expressa previsão contida na Lei n. 9.494/97.

Inicialmente, é importante esclarecer que a lei processual, ao disciplinar a antecipação dos efeitos da tutela no art. 273 do Código de Processo Civil, não excluiu qualquer pessoa da incidência de tal instituto. Como bem ressalta Luiz Guilherme Marinoni:327 “Se é possível a tutela antecipatória contra o particular, nada deve impedir a tutela antecipatória contra a Fazenda Pública”.

Além disso, entendemos ser inconstitucional (ou não recepcionado), por ofensa ao disposto no inc. XXXV do art. 5o da Carta Maior, todo instrumento normativo que impeça a concessão de liminar ou qualquer espécie de provimento de urgência.

O acesso ao Judiciário revela-se verdadeiro direito fundamental, incluída nesse direito a garantia à obtenção de uma tutela eficaz para evitar a ocorrência da lesão, para concessão de medida inibitória do gravame ao bem da vida pleiteado pela parte. Nossa ordem constitucional prefere a prevenção da lesão à reparação do bem já lesado (compensatória).

A concessão de liminar é típica garantia de tutela jurisdicional eficaz, e a supressão desse direito conduz à absoluta inconstitucionalidade.328

No entanto, são cogitados os seguintes argumentos para a denegação da antecipação dos efeitos da tutela contra as Fazendas, que ora debatemos e impugnamos:

326u Típica espécie de responsabilidade civil objetiva, pela qual a parte fica

obrigada à indenização independentemente de culpa. Uma vez revogada ou

modificada a liminar, as partes retornarão ao status quo, ou seja, ao estado em que

se encontrava antes da decisão.327 Em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal

deferiu medida liminar para suspender a eficácia de previsões contidas na Medida Provisória n. 375/93, que restringia a concessão de liminares, nestes termos: "Constitucional. Medidas cautelares e liminares. Suspensão. Medida Provisória n. 375, de 23.11.1993.1 - Suspensão dos efeitos e da eficácia da Medida Provisória n. 375, que, a pretexto de regular a concessão de medidas cautelares inominadas (CPC, art. 798) e de liminares em mandado de segurança (Lei n. 1.533/51, art. 7o, II) e em ações civis públicas (Lei n. 7.347/85, art. 12), acaba por vedar a concessão de tais medidas, além de obstruir o serviço da Justiça, criando obstáculos à obtenção da prestação jurisdicional e atentando contra a separação dos poderes, porque sujeita o Judiciário ao328Poder Executivo. II - Cautelar, deferida, integralmente, pelo Relator. III - Cautelar deferida, em parte, pelo Plenário" (STF, ADIn n. 975 MC, rei. Min. Carlos Velloso, j. 09.12.1993 pelo Tribunal Pleno).

Page 300: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOa) Da suposta vedação da concessão da antecipação dos efeitos da tutela por incompatibilidade com

o disposto no art. 475 do Código de Processo Civil. Parte da jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que o instituto da antecipação da tutela é incompatível com o disposto no art. 475, inc. II, do Código de Processo Civil, o qual determina o reexame obrigatório das sentenças proferidas contra as Fazendas Públicas como condição de eficácia.

Contudo, entendemos que tal entendimento é absolutamente equivocado, uma vez que a antecipação prevista no art. 273 do Código citado não é propriamente do ato jurisdicional sentença, mas, como determina a própria lei, o que se verifica é a antecipação dos efeitos da tutela.

Ressalte-se que o que se adianta na liminar não é o ato sentença, mas a satisfação do bem da vida, que só ocorreria no momento da execução dessa sentença. Ademais, o art. 475 do Código de Processo Civil prevê a obrigatoriedade do reexame necessário às sentenças e não às decisões interlocutórias, como são as decisões que antecipam os efeitos da tutela.

A esse respeito, o ilustre Desembargador Torres de Carvalho, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferiu voto de acórdão no seguinte sentido:329

O art. 475 do CPC refere-se ao reexame necessário de sentenças, não de despachos (como se caracteriza aquele que antecipa a tutela). Nenhuma ressalva foi feita na lei que introduziu essa novidade processual e a LF n. 9.494/97 disciplinou tal antecipação contra a Fazenda Pública, deixando certo sua possibilidade. Nem toda decisão contra a Fazenda Pública se submete ao reexame necessário; assim são as liminares e as decisões interlocutórias em geral. A alegação da Fazenda, quanto ao des- cabimento da tutela antecipada, fica rejeitada.

Portanto, podemos afirmar com absoluta certeza que o art. 475 do Código de Processo Civil não é óbice para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela contra as Fazendas Públicas. Atualmente, a jurisprudência encontra-se pacificada no sentido de admitir a tutela antecipada contra as Fazendas Públicas.

b) Das vedações contidas na Lei n. 9.494/97.330 O art. Io da Lei n. 9.494/97 faz remissão às hipóteses de vedação à concessão de liminar em mandado de segurança, ou seja, é vedada a concessão de antecipação dos efeitos da tutela, nas mesmas circunstâncias em que são defesas as liminares em mandado de segurança, quais sejam, liminares em favor de servidor público que objetive a concessão de equiparação, aumento ou extensão de vantagens (art. 5o da Lei n. 4.348/64).331

Também é caso de proibição de tutela antecipada contra autoridade pública e, conseqüentemente, contra as pessoas jurídicas de direito público.

Ressalte-se que, fora das situações previstas no art. 5o da Lei n. 1.533/50, não há que se falar em impossibilidade de concessão de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.

Sob a mesma fundamentação já exposta, entendemos que a vedação contida na Lei n. 9.494/97 é inconstitucional, pois afasta o jurisdicionado do direito de receber do Estado uma tutela eficaz. No entanto, o Supremo Trubunal Federal, ao julgar a ADC n. 4, entendeu pela constitucionalidade das vedações referidas.

M 15 .8 .2 F U N G I B I L I D A D E E N T R E A T U T E L A

A N T E C I P A D A E M E D I D A C A U T E L A R

Com o advento da Lei n. 10.444/2002, foi introduzido o § 7o ao art. 273 do Código de Processo Civil, para prever a possibilidade de fungibilidade entre a tutela antecipada e as medidas cautelares.

Assim, determina o referido dispositivo que, caso o autor pleiteie tutela antecipada no lugar de medida de natureza cautelar (observando-se as características anteriormente mencionadas), poderá o juiz deferir a medida cautelar incidental, quando presentes os requisitos para tanto.

Fungibilidade, em sentido processual, significa aceitar um ato em lugar de outro. De fato, o § 7o

permite o deferimento de medida cautelar no lugar da antecipação da tutela, caso entenda o magistrado que a medida correta, dada a natureza do caso, assemelha-se mais à providência cautelar de segurança do que à medida satisfativa antecipatória.

329 Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento 202.669.5/3, 7a

Câm. de Direito Público, rei. Des. Torres de Carvalho, j. 12.02.2001, v.u., no mesmo sentido: "Tutela antecipada. Concessão contra a Fazenda Pública. Admissibilidade. Instituto diverso da sentença que não se submete ao regime do reexame necessário. Caso em que se mostra a possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação. Recurso [da Fazenda] não provido" (TJSP, Al 191197-5, rei. Des. Gonzaga Franceschini, j. 25.10.2000, v.u.).

330 "Art. 1o. Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5o e seu parágrafo único e Io da Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1o e seu § 4o da Lei n. 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1o, 3°e 4o da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992."331dos visando à redassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens."

Page 301: Manual de Direito Processual Civil

5 Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 551, nota 29 ao art. 273.

ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 299

Assim comentam os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:332

Quando o autor fizer pedido de antecipação da tutela, mas a providência tiver natureza cautelar, não se pode indeferir o pedido de tutela antecipada por ser inadequado. Nesse caso, o juiz poderá adaptar o requerimento e transformá-lo de pedido de tutela antecipada em pedido cautelar incidental. [...] Anote-se que os requisitos para a obtenção de tutela antecipada são mais rígidos que os necessários para a obtenção de tutela cautelar. Assim, só poderá ser deferida a medida cautelar, se estiverem presentes os requisitos para tanto (fumus boni iuris e peri- culum in mora).A fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar é previsão que prestigia o

princípio pelo qual deve o Judiciário conferir à parte provimento eficaz para evitar a lesão (art. 5o, inc. XXXV, da CF), bem como o princípio que prestigia a economia processual.

332Op. c/f., adendo à 6. ed., p. 16.

Page 302: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

16

P E T I Ç Ã O I N I C I A L E o

P E D I D O

1 6 . 1 D E F I N I Ç Ã O

A petição inicial é o instrumento pelo qual o autor exerce o seu direito de ação, provocando o Poder Judiciário à prestação da tutela desejada para a solução do conflito.333

Podemos dizer ser o ato processual do autor capaz de dar impulso à atividade jurisdicional do Estado; a petição inicial é o meio de indicação dos sujeitos da relação processual, bem como da apresentação da própria pretensão do autor: causa de pedir e pedido.334

333 Na definição de José Frederico Marques (Manual de direito processual civil, p. 76): "Petição inicial é o ato processual com que se inicia a ação e em que se formaliza o pedido de prestação jurisdicional formulado pelo autor. Nela contêm os elementos discriminados no art. 282 do Código de Processo Civil".

334 J. J. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 184, ressalta que: "Importância da inicial - Por força do princípio dispositivo, que impede ao juiz proceder de ofício no campo da jurisdição contenciosa, cumpre ao interessado provocar o Estado no sentido de que preste sua atividade jurisdicional, vale dizer: cumpre ao interessado exercitar o seu direito público subjetivo de ação. A figura típica construída pelo legislador para esse fim

Page 303: Manual de Direito Processual Civil

301

O saudoso mestre Moacyr Amaral Santos, analisando o processo como um todo, assevera a importância do ato inicial, nestes termos:

Petição inicial e sentença são os atos extremos do processo. Aquela determina o conteúdo desta. Sententia debetesse tibello conformis. Aquela, o ato mais importante da parte, que reclama a tutela jurídica do juiz; esta, o ato mais importante do juiz, a entregar a prestação jurisdicional que lhe é exigida.De fato, é absolutamente feliz a assertiva poética de Amaral Santos. A petição inicial e a

sentença são os atos mais relevantes do processo em primeira instância, e se encontram nos extremos da relação jurídica.

A petição inicial assume fundamental relevância ao processo pelo fato de ser o instrumento que conduz e guia a atividade do magistrado. Ela estabelece os limites da lide, é a responsável por definir a extensão de conhecimento do juiz, os limites da intervenção do Estado no conflito.

Como sabemos, a jurisdição é inerte e apenas age quando provocada. Assim, como corolário do princípio do dispositivo, o ordenamento processual firmou a regra segundo a qual o juiz decidirá a lide nos limites em que ela foi proposta. Pois bem, é a petição inicial o sinalizador da abrangência de conhecimento do juiz.

Na brilhante lição de J. J. Calmon de Passos:335 “a petição inicial é o projeto da sentença que o autor pretende do juiz”, sendo elevada à condição de verdadeiro pressuposto de instauração e desenvolvimento válido da relação jurídica processual, pois, sem ela (e petição inicial apta), não há que se falar em processo e a prestação de um movimento jurisdicional.

335é a petição inicial. Peça básica, ela não só é o instrumento para constituição e desenvolvimento do processo, mas, por igual, a delimitação da extensão em que se efetivará o poder de julgar do magistrado. Porque o juiz não deve decidir nem aquém, nem além, nem fora do que foi posto para sua decisão pelo pedido formulado na petição inicial. A importância de que se reveste reclama cuidado na sua formulação. Não só quanto ao atendimento das exigências enunciadas pelo art. 282, mas também quanto à precisão, clareza e simplicidade da linguagem a ser empregada".

3 Idem, p. 185.

Page 304: Manual de Direito Processual Civil

PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 302

16.2 ESTRUTURA E REQUISITOSDada a importância da petição inicial para o processo, o legislador a concebeu como ato

processual extremamente formal, já que a lei imprime requisitos indispensáveis para que ela possa instaurar validamente a relação jurídica processual.

Na maioria dos procedimentos - como ocorre no processo de conhecimento a petição inicial deve ser apresentada de forma escrita, elaborada por profissional habilitado para isso (dotado de capacidade postulatória). No entanto, existem espécies de procedimentos - por exemplo, perante os Juizados Especiais e na Justiça do Trabalho - em que é facultado à própria parte deduzir oralmente a sua pretensão diante de um serventuário da justiça, agente este que reduzirá as declarações da parte em um termo e com ele dará início ao processo.

Nota-se que a regra impõe que a petição inicial seja escrita. Nos Juizados Especiais admite-se que o autor proponha oralmente a sua pretensão, sendo reduzida a termo pelos serventuários da Justiça. Não obstante os requisitos externos (ou extrínsecos) anteriormente citados, assumem principal relevância os requisitos previstos nos arts. 282 e 283 do Código de Processo Civil. São requisitos internos (intrínsecos ou de conteúdo) da petição inicial:

a) o juiz ou tribunal a que é dirigida;

b) qualificação completa das partes;

c) os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido;

d) o pedido (tratado em tópico adiante em razão da sua relevância);

e) o valor da causa;

f) as provas que pretende produzir;

g) o requerimento de citação do réu;

h) os documentos indispensáveis à propositura da ação.

■i 16 .2 .1 E N D E R E Ç A M E N T OO endereçamento é a primeira parte da petição inicial, com a finalidade de indicar o juiz ou

tribunal ao qual a ação é dirigida.Note-se que o autor da ação é responsável pela verificação e apontamento da competência do órgão

jurisdicional. Assim, o autor deverá

Page 305: Manual de Direito Processual Civil

PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 303

competência competência

de juízo de foro (local)

endereçar a sua petição inicial ao órgão competente do Poder Judiciário para o processamento da

causa, fazendo constar na petição o juízo e o foro escolhidos segundo os critérios legais.O costume forense firmou a seguinte forma de endereçamento (exemplos):336

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR IUIZ DE DIREITO DA ________ a

VARA CÍVEL DO FORO DA

COMARCA DE SANTOS NO

ESTADO DE SÃO PAULO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR IUIZ FEDERAL DA 11 VARA

CÍVEL DA SUBSEÇÃO IUDICIÁRIA DE CAMPINAS

ou

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR IUIZ FEDERAL DA a VARA

CÍVEL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO

M 16 .2 .2 P R E Â M B U L O D A pet i ção I N I C I A L São elementos do preâmbulo da petição

inicial:

a) o nome e a qualificação completa das partes;

b) a espécie de processo e o procedimento cabível e escolhido pelo autor.

Após formulado o endereçamento, a petição inicial indicará os nomes das partes e as suas

respectivas qualificações - nome completo,

336 Havendo mais de uma vara no foro, portanto, ficando o feito sujeito à distribuição, o autor deixará apenas o espaço relativo ao número da vara.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu. Tal requisito tem por finalidade a individualização absoluta das pessoas das partes.337

Note-se que é imprescindível a individualização completa das partes para que se possa determinar no futuro as pessoas que estarão sujeitas à coisa julgada e à execução da sentença.

Não obstante a omissão do art. 282 do Código de Processo Civil, também deve constar do preâmbulo da petição inicial a espécie de processo e de procedimento escolhidos pelo autor da ação. O rito deve ser indicado na petição inicial pelo próprio autor.

Como já tratamos anteriormente, existem três modalidades de processo: de conhecimento, cautelar e de execução. Além disso, cada processo contém ritos próprios, como, no processo de conhecimento, os procedimentos sumário e ordinário.

Nesse ponto é relevante uma advertência técnica: as ações de conhecimento não são nominadas pela

lei processual, sendo permitido ao autor que indique apenas o rito. Por exemplo: ação pelo rito ordinário ou ação pelo rito sumário, assim, o juiz identificará de plano tratar-se de ação de conhecimento comum. Por outro lado, sendo uma ação de conhecimento de rito especial, a própria legislação (Código de Processo Civil ou legislação especial) dará o nome dado ao procedimento, como ação possessória, ação monitoria, ação de alimentos, ação de inventário etc.

Dessa forma, sugerimos o seguinte modelo:338

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA »VARA

DA CÍVEL DO FORO DA COMARCA DA CAPITAL DE SÄO PAULO

FULANO DE TAL, (nacionalidade), (estado civil), (profissão), porta -

dor do documento de identidade (n.) e inscrito no CPF sob o n. (n.), domi -

ciliado na capital de São Paulo, onde reside na rua (endereço completo),

vem, por seu procurador (doc. n.), propor a presente AÇÃO 339 PELO RITO

337 Pode ocorrer de o autor não conhecer a qualificação da parte contrária. Nesse caso, como nas ações possessórias, o direito de ação do autor não ficará prejudicado em razão do desconhecimento da qualificação da parte. Assim, poderá promover a individualização da pessoa do réu com os elementos que possui e, no decorrer do processo, serem apuradas as demais qualificações da parte. Nas ações possessórias é muito comum que o autor desconheça até mesmo o nome dos réus, situação em que colocará um nome fictício e, quando da citação, requererá que o oficial de justiça colha os nomes dos ocupantes da coisa, permitindo, assim, a retificação do pólo passivo.

338 Quando da elaboração de petições em exames, não aconselhamos que o candidato crie dados não constantes do problema, pois, na maioria dos editais (como ocorre na OAB), há previsão de que a prova será anulada em caso de conter dados que possam identificar o aluno. Assim, sugerimos que as informações não constantes do problema sejam informadas pelo aluno entre parênteses, sem a criação de dados, como no exemplo mostrado.

339É absolutamente desnecessária a indicação de um nome não previsto na Lei à ação. Devemos lembrar que para o Código de Processo Civil não existe ação de cobrança, ação de indenização, ação de ressarcimento, ou outras, mas, tão-somente, ação de conhecimento (ritos comuns e ritos especiais nominados), ação de execução e cautelares. Note-se que, em muitos casos, sem qualquer utilidade ou técnica, o autor acaba colocando no preâmbulo da inicial não a ação, mas o pedido da petição, por exemplo, ação de indenização por lucros cessantes, danos morais e estéticos etc. Nesse caso, a ação é de conhecimento (rito sumário ou ordinário) e o pedido é a condenação em indenização. O termo indenização por danos não precisa constar do preâmbulo.

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PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 305

ORDINÁRIO, em face de BELTRANO DE TAL, (nacionalidade), (estado

civil), (profissão), portador do documento de identidade (n.) e inscrito no

CPF sob o n. (n.), domiciliado na capital de São Paulo, onde reside na rua

(endereço completo), pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

■i 16 .2 .3 F A T O S E F U N D A M E N T O S J U R Í D I C O S

O autor deve expor na petição inicial os fatos que motivaram a propositura da ação, bem como os fundamentos jurídicos da sua pretensão. Em outras palavras, deve estar expressa na petição inicial a causa de pedir.

A petição inicial é o instrumento pelo qual o autor apresenta ao Judiciário a sua pretensão, devendo fazer constar nela as razões pelasquais pretende a intervenção do Estado no conflito de interesses, e responde às seguintes indagações:s por que o autor pretende tal provimento? Qual o fundamento jurídico para a sua pretensão?

Na inicial, o autor deve narrar os fatos ao juiz e justificar as razões pelas quais entende ter direito à procedência de seu pedido.

A causa de pedir compreende: a) causa de pedir próxima; b) causa de pedir remota.A causa de pedir remota corresponde ao fato que dá origem à ação. Por sua vez, a causa próxima é

a conseqüência jurídica do fato; equivale, na visão do autor, à resposta que o direito dá ao fato narrado, é o fundamento jurídico da petição inicial. Por exemplo, em uma ação promovida para a obtenção de indenização por danos materiais em razão de acidente de veículo, podemos dizer que a causa de pedir remota é o próprio acidente (o fato), já a causa próxima corresponde ao dever do agente de indenizar os danos experimentados pela vítima (a resposta jurídica ao fato).

É exatamente a causa de pedir - próxima e remota - que o autor deve demonstrar na petição inicial como forma de implementação do requisito previsto no inc. III do art. 282 do Código de Processo Civil.

Cumpre esclarecer que fundamentação jurídica não se equipara a fundamento legal. A fundamentação jurídica do autor corresponde ao raciocínio lógico do direito que leva à conclusão de que ele tem razão no seu pedido, já a fundamentação legal importa na mera menção do texto da lei, do número do artigo etc. Para a petição inicial, não basta a fundamentação legal - diga-se que pode até ser dispensada -, mas é imprescindível a demonstração lógica do direito reclamado.

Além disso, a ausência da narrativa dos fatos e do fundamento jurídico do pedido gera a absoluta impossibilidade do desenvolvimento da ação, pelo fato de prejudicar o direito de contraditório e de am-pla defesa da parte contrária. Como o réu poderá defender-se da ação sem conhecer a íntegra dos fatos? Como poderá argumentar em sentido contrário se não conhece os fundamentos jurídicos que embasam a pretensão do autor?

M 1 6 .2 .4 PEDIDO

O pedido corresponde à providência jurisdicional que o autor pre-tende que o Estado imponha contra o réu. É a tutela jurisdicional pretendida e seus efeitos práticos em relação ao bem da vida litigioso.

Na técnica processual, o pedido assume significado próprio que não se confunde com simples requerimento. O pedido é a providência jurisdicional pretendida pelo autor para solução da lide da ação, enquanto os requerimentos podem ser considerados como quaisquer outras solicitações formuladas no processo (e não diferente da pretensão relativa à tutela da ação).

Por acreditarmos que o pedido é parte fundamental da petição ini-cial, dedicaremos um tópico exclusivo ao seu estudo.

■i 1 6 .2 .5 R E Q U E R I M E N T O S

O primeiro requerimento obrigatório é relativo às provas que o autor pretende produzir para demonstração dos fatos que alega e dentro do ónus que lhe é incumbido. Na própria petição inicial, deverá a parte autora indicar as provas que deseja realizar para a comprovação dos fatos.

No rito ordinário, o requerimento de provas pode ser formulado de forma genérica, e por ele a parte protesta provar o alegado por todos os

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

meios admitidos em direito, já que, em momento posterior à fase postu- latória - quando já se conhece toda a pretensão e defesa terá a opor-tunidade de especificar e individualizar as provas que produzirá.

A ausência de requerimento de provas na petição do rito comum não gera prejuízo à parte, já que terá ela a oportunidade de, no futuro, especificá-las.340 Quando do saneamento do processo, antes do despacho sanea- dor, o juiz concederá às partes momento para especificação das provas.

Acreditamos ser, de fato, o momento mais adequado para tal indi-

cação das provas, já que apenas após o encerramento da fase postula-

tória - inicial e defesa do réu - é que há condições de se definir quais

fatos restaram contraditórios na demanda e que, conseqüentemente,

serão objeto da colheita de provas.

Em se tratando de rito sumário, dadas a concentração dos atos

processuais e a busca da celeridade, como já estudamos, o autor deverá

especificar e demonstrar a pertinência das provas na petição inicial,

indicando, desde logo, o rol de testemunhas, o requerimento de perícia,

a nomeação de seu assistente técnico e os quesitos da prova técnica,

sob pena de, não o fazendo, ocorrer a preclusão.

Outro requerimento incumbido ao autor é o de citação do réu.

Determina o inc. VII do art. 282 do Código de Processo Civil que o

autor deverá formular requerimento de citação para que o demandado

venha integrar o pólo passivo da ação.

A norma imprime uma obrigação que é conseqüência óbvia do

processo. Trata-se de outro comando inútil, já que a ação do autor faz

presumir pretender ele a instauração de uma relação jurídica em face de

alguém (do réu). Cândido Rangel Dinamarco afirma que: 341 Esse

dispositivo é no entanto um daqueles com os quais ou sem os quais o

processo seria tal e qual.

Dependendo da natureza da causa," o autor poderá formular outros

requerimentos para atender a suas necessidades, como a solicitação dos

benefícios da assistência judiciária gratuita, a antecipação dos efeitos

da tutela, a preferência no julgamento em razão da idade da parte, entre

340 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. III, p. 377, assevera: "Trata-se de mero protesto, que não passa do anúncio de uma intenção. O requerimento de provas será feito mais tarde, pelo autor e pelo réu, quando chamados pelo juiz a fazê-341 já na fase ordinatória do procedimento (art. 324). Por isso é que, como sugestivamente disse a doutrina, essa falsa exigência não passa de uma ridícula inutilidade {supra, n. 806)".

Page 309: Manual de Direito Processual Civil

PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 307

outros facultativos.

■i 16 .2 .6 V A L O R D A C A U S A

O art. 258 do Código de Processo Civil determina que a toda causa

deverá o autor atribuir um valor certo, mesmo que a ação não tenha fim

econômico direto.A regra é no sentido de que o valor da causa corresponderá ao

benefício econômico pretendido pelo autor na ação e, não havendo objeto econômico certo, deverá estimar um valor para efeito de valor da causa.

"> Idem, p. 330." O art. 1.050 do CPC determina que, na ação de embargos de terceiros, o autor

deverá indicar as provas (testemunhas, perícia etc.) na própria petição inicial, sob pena de preclusão.

Por sua vez, em rol exemplificativo, o art. 259 do Código de Pro-cesso Civil determina que o valor da causa será:

a) a soma do principal, juros vencidos e multa quando a ação for de cobrança de quantias;b) em caso de cumulação de pedidos, será correspondente à soma

dos valores de todos eles;c) em se tratando de pedidos alternativos, será considerado o maior valor;d) havendo pedido principal e pedido subsidiário, deverá ser o valor do principal;e) quando o litígio versar sobre existência, validade, cumprimento, modificação ou extinção de negócio jurídico, considerar-se-á o valor do contrato;f) nas ações de alimentos, a soma de doze prestações mensais,

pedidas pelo autor;g) na ação de divisão, demarcação e reivindicação de bens imóveis, prevalecerá o valor da estimativa oficial constante do lançamento tributário;h) em caso de prestações vencidas e vincendas (ainda não vencidas), serão consideradas ambas, feita a soma das vencidas com o valor correspondente a uma anuidade em relação às vincendas, isso se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a um ano; todavia, se as prestações vincendas forem por tempo inferior a um ano, será considerada a totalidade dessas prestações (art. 260 do CPC).

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Após a análise da regra contida no art. 259, pode surgir a seguinte dúvida: qual o valor da causa em ações que não têm fins econômicos diretos (investigação de paternidade, retificação de registro público, divórcio e separação sem a discussão do patrimônio)? Nesses casos o autor deverá estimar um valor que corresponda à vantagem esperada na ação.

Note-se que a estimativa deve ter por consideração um critério de razoabilidade com o pedido, não podendo servir como meio astucioso para prejudicar a parte contrária ou burlar o recolhimento das despesas judiciais.342 Nas circunstâncias em que o pedido for genérico (não estiver individualizado o efeito da tutela pretendida) ou a condenação depender de arbitramento judicial, como ocorre quando o autor não formula pedido certo de dano moral, o valor da causa também poderá ser estimado.343

O valor da causa é requisito obrigatório da petição inicial, pois tem relevância processual para:

a) Custas e despesas processuais. A maioria das taxas judiciárias tem como base de incidência o valor atribuído à causa, bem como a condenação ao pagamento de multas processuais.

b) Definição do rito. O valor da causa também se reflete no cabimento do rito, pois, como já tratamos, é base para a escolha entre o rito sumário (até sessenta salários mínimos) e o rito ordinário.

c) Fixação da competência. Por exemplo, os foros regionais da capital de São Paulo têm sua competência fixada também em razão do valor das ações. A competência dos juizados Especiais também tem como um dos critérios o valor da causa.

342"Impugnação ao valor da causa. Ação de indenização por dano moral. Valor da causa fixado em excesso que dificultaria o exercício de eventual recurso, mormente quando a autora goza dos benefícios da assistência judiciária. Recurso parcialmente provido para fixar o valor da causa em 50 salários mínimos, sem prejulgamento da retribuição do dano, se existente." CTJSP, Al n. 117.181-4, rei. Des. Toledo César, j. 22.06.1999, v.u.)"Em ação de indenização por dano moral, o valor da causa não encontra parâmetros

no elenco do art. 259 do CPC, mas, sim, no disposto no art. 258 do mesmo estatuto." (RSTJ 109/227) "Objetivando-se a reparação por danos morais, só fixado o 'quantum' se procedente a ação, ao final, lícita a estimativa feita pelo autor, posto que de caráter provisório, podendo ser modificada quando da prolação da decisão

de mérito." (777 203/241)"Tendo o autor indicado na petição inicial o valor da indenização por danos

morais que pretende, deve esse 'quantum' ser utilizado para fixar-se o valor da causa." (STJ, 43 T., rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, REsp. n. 120151 -RS, j. 24.06.1998, v.u.)

343,3 Nas ações em que não se verifica conteúdo econômico direto, é muito comum a prática de valores estimados (o que é certo) acrescidos da informação: "para efeito de alçada" ou ainda "para efeitos fiscais". Nota-se que o valor da causa não tem apenas relevância para a definição da alçada (competência) ou recolhimento de tributos, mas, sim, como critério determinante de rito, competência, recolhimento das custas e até mesmo para a fixação dos honorários advocatícios.

Page 311: Manual de Direito Processual Civil

PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 309

d) Fixação de honorários para a parte vencedora (art. 20, § 4o, do CPC). Como regra, a verba honorária será fixada com base no valor da condenação. Contudo, como fazer quando não há condenação

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

PEDIDOS

*\

> REQUERIMENTOS

yVALOR DA CAUSA

e) (pedido do autor improcedente ou a tutela não corresponde à quan-tia)? Nesses casos, o magistrado poderá fixar os honorários devidos ao advogado da parte vencedora com base no valor da causa.

Assim, podemos elaborar o pedido e requerimentos da petição ini-cial da seguinte forma: 344

após os fatos e fundamento...

PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Por todo o exposto, requer a Vossa Excelência a procedência do pedido de condenação do rcu ao pagamento do valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a título de indenização pelos danos materiais sofridos pelo Autor, bem como ao pagamento das custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 20 do Código de Processo Civil.

Requer, também, a concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita ao Autor, nos termos da Lei n. 1.060/50, por se tratar de pessoa pobre na acepção jurídica do termo, não podendo arcar com as custas e despesas processuais sem prejuízo alimentar próprio ou de sua família.

Requer, outrossim, a citação do réu para que, querendo, possa apresentar resposta e acompanhar o feito até a sua extinção.

O autor protesta provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, em especial, pela juntada de documentos, ouvida do depoimento pessoal do réu, de testemunhas e perícia, tudo para a comprovação dos fatos alegados.

Dá à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Termos em que pede deferimento.

Local e data.

NOME E ASSINATURA DO ADVOGADO Número de inscrição na OAB

Endereço completo do advogado para intimações

344 Em caso de exames (OAB ou concursos), o candidato não deve colocar nome ou números no final da petição (a menos que assim determine a prova), pois tal ato caracterizaria identificação, e a prova poderá ser anulada.

O art. 14 da Lei n. 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, prevê: "Art. 14. É obrigatória a indicação do nome e do número de inscrição em todos os documentos assinados pelo advogado, no exercício de sua atividade".

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M 16 .2 .7 DOCUMENTOS IND ISPENSÁVE IS

PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 311

A petição inicial deve ser acompanhada dos documentos indispensáveis à sua propositura, nos termos do art. 283 do Código de Processo Civil.

Resta-nos saber o que é documento indispensável.A regra é no sentido de que o autor deve instruir a inicial com

todos os documentos de que dispõe naquele momento, tudo que entender necessário à comprovação dos fatos que alegar.

No entanto, por indispensável podemos entender o documento fundamental à prova de determinado ato jurídico; por exemplo, para a prova da efetiva propriedade, é indispensável a exibição da escritura pública devidamente registrada; para a prova de óbito, nascimento (filiação)345 ou casamento, é imprescindível o respectivo registro civil.

A importância do documento para a petição inicial dependerá de cada ação. Por exemplo, para a propositura de uma ação de alimentos, o autor deverá instruir sua petição inicial com prova do parentesco, prova documental esta que se faz por meio de certidão de registro público.

Além disso, nota-se que o instrumento de mandato conferido ao advogado é documento fundamental para a validade e o início da ação, nos termos do art. 37 do Código de Processo Civil.

16.3 O P E D I D O

■I 16 .3 .1 DEFINIÇÃO

No direito processual, o termo pedido assume um significado pró-prio e estrito. O pedido é a tutela jurisdicional invocada ao Estado con-tra o sujeito passivo da relação processual.

O pedido constitui o provimento jurisdicional desejado pelo autor e os efeitos práticos causados por esse comando do juiz. É no pedido que o autor identifica e limita a espécie de tutela almejada na ação, in-dicando os efeitos advindos dessa tutela. 346

Podemos dizer que o pedido é o núcleo da petição inicial e da demanda, sem ele a petição é considerada inepta e o processo não tem

345Além disso, cumpre observar que é tecnicamente errado o uso da expressão "p.p." (por procuração), quando da assinatura pelo advogado. Ao assinar a petição inicial (ou qualquer outra), o advogado não está agindo por procuração, mas sim em ato que é próprio do advogado no exercício de sua capacidade postulatória.

Nas petição de exames, é prudente ao candidato, no final da peça, fazer a justificativa com relação à competência, valor da causa, ou outros elementos que não teve a oportunidade de dizer no corpo do texto.

,5 A esse respeito, o novo Código Civil dispõe: "Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil".

346,6 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. III, p. 363, define da seguinte forma o pedido: "Pedido é a manifestação da vontade de obter do Estado- juiz um provimento jurisdicional de determinada natureza, sobre determinado bem da vida".

Para J. J. Calmon Passos (op. cit., p. 202) "O pedido constitui o objeto da ação, aquilo que se pretende obter com a prestação da tutela jurisdicional reclamada".

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

pressuposto processual de desenvolvimento válido, sendo a ação extinta sem julgamento do mérito.

Não há como se confundir pedido com requerimento. Enquanto o primeiro é a tutela reclamada pelo autor contra o réu, como regra na petição inicial, o segundo pode ser toda e qualquer solicitação formu-lada no curso do processo por qualquer uma das partes. Sempre que no direito processual for utilizada a terminologia pedido significará a espécie de provimento e efeitos em relação ao bem da vida pleiteados pelo autor da ação na petição inicial.

Nota-se que o pedido do autor sempre se referirá à obtenção de uma tutela jurisdicional e seus efeitos práticos. Assim, podemos dizer que, no processo de conhecimento, o pedido deverá ser composto pelo:

a) Pedido imediato. Correspondente à espécie de tutela jurisdicional

pretendida: condenatória, declaratória ou constitutiva.b) Pedido mediato. Relativo aos efeitos práticos da tutela jurisdicio-nal, é o bem da vida almejado pelo autor.

Não basta ao autor pleitear uma tutela jurisdicional; deverá, tam-

bém, expor os efeitos dessa tutela em função do bem da vida.Com efeito, é correta a formulação do pedido da seguinte forma:

Por todo o exposto, requer a Vossa Excelência a procedência do pedi -

do de declaração de que o autor é filho do réu.

Ou:

Pelo exposto, requer a Vossa Excelência a procedência do pedido de

con denação do réu ao pagamento da quantia de R$ 10.000.00 (dez mil

reais 1 a título de indenização por danos morais. j jPedido mediato Pedido imediato

(efeitos) (tutela)

Nesse ponto, também é importante esclarecer que pedido não se confunde com ação. A procedência pretendida pelo autor é sempre relativa ao pedido, e nunca à ação. Como já tratamos anteriormente, a ação é o direito de movimentar o Judiciário, o direito de provocar a jurisdição para que seja proferido um provimento. Por sua vez, o pedi-do é a tutela deseja pelo autor no provimento jurisdicional.

Na realidade, ao proferir sua sentença (dar o provimento), o magistrado não julga a ação, mas o pedido que nesta foi formulado.

Portanto, a utilização da expressão “procedência da ação” é abso-

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PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 313

lutamente incorreta, demonstrando o desconhecimento total da dife-rença entre os dois institutos do processo: pedido e ação. E pior, ao requerer a procedência da ação, estar-se-ia admitindo a teoria civilista ou imanetista da ação (abordada no capítulo 3), pensamento este que apenas concebia a existência do direito de ação se estivesse presente o direito à sentença procedente (filosofia há muito superada). 347

Felizmente, até mesmo o legislador empregou boa técnica ao im-primir os termos pedido e ação no Código de Processo Civil, afirmando:

Art. 269. Haverá resolução de mérito:I - quando juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor (e não a ação do autor)]

Ou ainda:

Art. 459. O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor. [...]

Sem dúvida, ao apreciar o mérito da causa, o magistrado julga o pedido e não a ação do autor.

Então sempre estaríamos diante do julgamento do pedido e não da ação?

Na realidade, quando o juiz reconhece a carência da ação (decor-rente da falta das suas condições: legitimidade, interesse e pedido pos-sível), estamos diante de uma situação em que o julgamento é da ação ao invés do pedido, tanto que a ação é extinta sem a apreciação do mérito (ou pedido).

H 16 .3 .2 REQUISITOS DO PEDIDO

O art. 286 do Código de Processo Civil determina que o pedido deve ser certo e'8 determinado.

A certeza relaciona-se ao pedido imediato, ou seja, à espécie de tutela jurisdicional pretendida. Certo é o pedido formulado expressa-mente quanto ao tipo de tutela desejada pelo autor, no processo de co-nhecimento: condenação, declaração ou constituição.

Por outro lado, o pedido mediato deve, obrigatoriamente, ser de-terminado em relação aos efeitos práticos que se objetivam da tutela. Não é completo o pedido que apenas prevê de forma certa a espécie de tutela (pedido imediato). O autor também deverá, de forma determi-nada, requerer o bem da vida litigioso, expondo, de forma expressa, os limites e a extensão da sua pretensão.

Não basta, por exemplo, que o autor da ação pleiteie a condenação do réu (pedido imediato), mas deverá também expor a extensão dessa

347A distinção que se faz, em princípio, pode parecer culto ao formalismo exacerbado, não se justificando na prática. Todavia, não se trata de mero formalismo, mas de respeito ao significado científico de cada um dos termos do processo civil.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

condenação: a especificação completa da obrigação que se espera: o quantum, a obrigação de entregar determinada coisa, de fazer certo ato ou abster-se de uma prática.

Além disso, não se pode deixar de dizer que, como regra, o pedido deve ser sempre expresso ou explícito, pois o magistrado apenas apreciará aquilo que foi pedido pelo autor em sua petição inicial, sob pena de estar julgando fora dos limites da lide e causar a nulidade da decisão.348

Outro requisito necessário ao pedido é que ele seja concludente, 349 ou seja, da narrativa dos fatos e dos fundamentos jurídicos deve decor-rer logicamente a pretensão, sob pena de inépcia da petição inicial (art. 295, parágrafo único, inc. III, do CPC).

tm 16 .3 .3 Espéc ie s de Ped idos e spec ia i s

a) Pedido genérico. Não obstante a imposição legal de que o pedido mediato deve ser determinado, a própria lei prevê a possibilidade de o autor formular um pedido genérico (art. 286 do CPC), ou seja, aquele em que os efeitos da tutela não são determinados no momento da propositura da ação (porém, passíveis de determinação no futuro). Ressalte-se que o pedido imediato sempre será certo (quanto ao tipo de tutela almejada), mas poderá ser indeterminado em relação aos seus efeitos.

O pedido genérico revela-se verdadeira exceção ao comando que impõe o requisito de determinação do pedido mediato.

Assim, em rol taxativo, o art. 286 do Código de Processo Civil prevê as situações em que se admite a indeterminação do pedido mediato:

a) nas ações universais, se não for possível ao autor individualizar os bens demandados na inicial;b) quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato jurídico;

c) quando a determinação do valor da condenação depender de atoque deva ser praticado pelo réu.

Tratando-se de ação universal - aquela que tem por objeto uma coletividade de direitos ou bens é dispensada a individualização de cada bem pretendido pelo autor; basta, para a propositura da ação, o pedido formulado a título universal.

É permitida a formulação de pedido genérico quando os efeitos do

348'9 "Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado". Em outras palavras, o juiz apenas poderá julgar aquilo que consta do pedido (pedido mediato + imediato).

349 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 319.

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PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 315

ato se prolongam no tempo e, no momento da propositura da ação, ainda não se tenha conhecimento exato da extensão do que se pretende. Vamos imaginar que alguém se envolva em um acidente de veículos e, em razão do desastre, sofra inúmeras lesões físicas que dependam de tratamento médico. Nesse caso, sendo a ação proposta imediatamente, não teria o autor como precisar o quantum seria despendido no futuro (ou mesmo no curso da ação) com o tratamento necessário para o seu restabelecimento. Assim, a ação é proposta sem que seja definido, de imediato, o valor pretendido a título de indenização; o pedido mediato da petição inicial é indeterminado (mas será determinado em momento processual próprio), sabe-se que pretende a condenação, mas o quantum ainda é desconhecido.

Cabível, também, o pedido genérico quando a definição do pedido mediato (efeitos da tutela) depender de ato que deva ser praticado pela parte contrária (no caso, o réu). Em princípio, parece muito difícil vislumbrar uma situação prática a respeito. Mas podemos citar o seguinte exemplo: imaginemos que seu cliente exerceu representação comercial para uma empresa de produtos alimentícios, cujo âmbito de atuação lhe é assegurado com exclusividade. Em um dado momento o seu cliente descobre que a empresa está distribuindo diretamente o produto, sem que ele receba as comissões devidas em razão do contrato. Assim, o representante o procura e deseja a propositura de ação para cobrar as comissões devidas. Pergunta-se: qual o valor que será colocado no pedido mediato? Quanto o seu cliente pretende receber na ação? Quais os efeitos práticos esperados do provimento jurisdicional?

Nota-se que, naquele momento, o autor desconhece o quantum que lhe é devido e, conseqüentemente, o que teria a receber em uma ação judicial. As informações necessárias à delimitação desse pedido apenas poderão ser obtidas se o réu exibir em juízo os seus registros contábeis ou documentos fiscais (notas). Como se vê, quando da pro- positura da ação, se o autor não tiver condições de formular um pedido mediato determinado, poderá fazê-lo de maneira genérica, pois apenas sabe que deseja a condenação do réu (pedido imediato), mas desconhece o valor que lhe é devido (o pedido mediato).350

Por fim, resta-nos consignar que, além das hipóteses do art. 286 do Código de Processo Civil, os arts. 949 e 950 e parágrafo único do atual Código Civil também acabam por permitir outra modalidade de pedido genérico.

Prevêem os referidos dispositivos que a parte pode promover ação para o recebimento de indenização, motivada em obrigação decorrente de ato ilícito, e requerer ao juiz o arbitramento do valor da condenação, ou seja, permite que o autor formule um pedido mediato determinado

350 Caso como este segue em curso sob o nosso patrocínio, e qualquer identidade com exemplo de outro doutrinador é mera coincidência.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

para que, na sentença, o valor da condenação seja fixado pelo juiz. 351

b) Pedido cominatório. No atual sistema processual, conforme Humberto Theodoro Junior: 352

[...] há dois meios de realizar a sanção jurídica, quando o devedor deixa de cumprir a prestação a que se obriga, que são meios de sub-roga- ção, e os meios de coação.A sub-rogação consiste no ato de o Estado substituir a ação do réu

para ser cumprida a obrigação não adimplida voluntariamente pelo devedor (por exemplo, na execução, pelo fato de o Estado invadir seu patrimônio e satisfazer o credor). Por outro lado, em alguns casos, a sub-rogação não tem o poder de satisfazer o direito do credor, como nas obrigações de fazer. Por essa razão, em vez da substituição, o Estado exerce coação sobre o devedor para que ele cumpra, pessoalmente, a obrigação, na forma como foi convencionada (in natura).

Nesses casos, o art. 287 do Código de Processo admite a formula-ção de pedido cominatório, para que seja imposta uma pena pecuniária ao réu no caso de descumprimento da sentença que tenha por objeto uma obrigação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa. Trata-se de meio de coação sobre o devedor para que respeite a decisão.

Importante consignar que, mesmo não havendo pedido de caráter cominatório expresso, o juiz poderá fixá-lo de ofício, conforme deter-mina o art. 461 do Código de Processo Civil.

c) Pedido alternativo. A alternatividade está relacionada com a própria obrigação assumida pelo réu no campo do direito material (Direito Civil). Nesse caso, o pedido é certo e determinado, mas o autor pretende uma prestação ou outra.

Art. 288. O pedido será alternativo, quando, pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo.

d) Pedidos sucessivos. Por sua vez, o art. 289 do Código de Pro-cesso Civil faculta ao autor formular pedidos em ordem sucessiva, objetivando que o juiz conheça do posterior em caso de não-acolhi- mento do pedido anterior. Em simples palavras, equivaleria dizer: eu quero “x”, mas se não for possível então que me seja concedido “y”.

Por exemplo, a parte promove a ação objetivando a rescisão do contrato, mas, não sendo possível o acolhimento de tal pedido, requer, sucessivamente, que seja realizada a revisão de uma das cláusulas

351 Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, p. 892-3, comenta no seguinte sentido o art. 1.553 CC/16: "Há danos que podem ser avaliados por mera operação aritmética; outros, principalmente os não previstos legalmente, requerem, para tanto, o arbitramento, ante a impossibilidade de avaliar matematicamente o quantitativo pecuniário que tem direito o ofendido. Deveras, há casos, principalmente de dano moral, em que a liquidação se faz mediante arbitramento".

352 Curso de direito processual civil, cit., p. 320.

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PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 317

contratuais.O pedido sucessivo apenas será apreciado em caso de negativa do

pedido principal. Não se trata aqui de pedidos alternativos, mas, sim, de preferência do autor pelo acolhimento do pedido principal; no entan-to, caso este não seja possível, consola-se com o pedido secundário.

e) Pedidos cumulados. Não obstante a possibilidade de o autor formular pedidos sucessivo e alternativo (em que se pretende uma coisa ou outra), há também a possibilidade de cumulação de pedidos. No primeiro caso, o pedido sucessivo apenas será apreciado quando negado o principal, já na cumulação, todos os pedidos deverão ser apreciados pelo magistrado, representando a soma das pretensões do autor.

A cumulação pode ser tanto de pedidos imediatos, quando o autor pleiteia mais de uma espécie de tutela jurisdicional, como de pedidos mediatos. Por exemplo, o pedido de declaração de inexistência do dé-bito tributário (de relação jurídica tributária) cumulado com o pedido de condenação do réu à devolução de todos os valores que recebeu em razão daquela relação declarada inexistente. Ou, ainda, o autor requer a condenação do réu ao pagamento de determinada quantia e à realização de uma obrigação de fazer, de forma simultânea.

Para que seja admitida a cumulação de pedidos, são necessários os seguintes requisitos (art. 292 do CPC):

a) compatibilidade entre os pedidos cumulados;b) que o mesmo juiz seja competente para conhecer de todos os pedi-

dos;c) que o rito seja adequado para o processamento de todos os pedidos,

caso contrário, poderá o autor optar pela utilização do rito ordinário como forma de admitir a cumulação.

f) Pedidos implícitos. A regra é no sentido de que os pedidos devem ser formulados de forma expressa, e a sua interpretação é realizada de forma restritiva - só se considera pedido o que estiver contido na petição -, nos termos do art. 293 do Código de Processo Civil.

Todavia, a própria lei prevê a existência de pedidos implícitos, espécies de pedidos cuja falta de formulação expressa não prejudica a sua apreciação. Mesmo que não sejam realizados expressamente pelo autor, o juiz estará obrigado a apreciar os pedidos implícitos, sem que isso configure julgamento fora dos limites da lide (art. 460 do CPC).

São casos de pedidos implícitos:a) Acréscimo dos juros legais de mora 353 (arts. 219 e 293 do CPC) (devidos desde a constituição em mora: citação, art. 219 do CPC, ou protesto anterior).

353 Súmula n. 254 do STF: "Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação".

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b) Correção monetária sobre o valor da condenação (Lei n. 6.899/81).c) Honorários advocatícios de sucumbência e reembolso das despe-sas processuais adiantadas pela parte vencedora (art. 20 do CPC).d) Prestações periódicas vincendas 354 (art. 290 do CPC). Em se tratando de pedido relacionado a prestações periódicas, consideram-se incluídas as prestações que vencerem durante o curso da ação e até quando perdurar a obrigação, mesmo que o autor não tenha formulado pedido expresso a respeito.e) Pena cominatória e tutela específicas. Mesmo que a parte não formule pedido expresso com relação ao pedido cominatório ou à fixação de medidas de apoio (como multas, busca e apreensão, força policial etc.), deverá o juiz, de ofício, impor nas sentenças que tiverem por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e para entrega de coisa, nos termos dos arts. 461, § 4o, e 461-A.

m 16 .3 .4 Vícios e Al t e ração do ped ido

Dada a importância do pedido para a petição inicial - por que não dizer, para o desenvolvimento da própria ação -, os vícios no pedido podem gerar a inépcia da petição do autor e a conseqüente extinção do processo sem o julgamento do mérito, conforme determina o inc. I do art. 267 do Código de Processo Civil.

O art. 295 parágrafo único do Código de Processo Civil estabelece como causas de inépcia da petição inicial:

a) ausência de pedido ou de causa de pedir;b) falta de conclusão lógica entre a narrativa dos fatos e o pedido formulado, ou seja, da narração da causa de pedir deve decorrer logicamente o pedido da ação;c) pedido juridicamente impossível de apreciação e concessão pelo Poder Judiciário {supra, condições da ação);d) quando o autor cumular pedidos incompatíveis entre si ou con-correr qualquer outra causa que impeça a cumulação de pedidos.

Das hipóteses previstas nos incs. I e II, recebida a petição inicial, o juiz poderá determinar que o autor proceda ao aditamento da petição para correção do vício, sob pena de, não o fazendo, ser decretada a extinção sumária do processo sem o julgamento do mérito. Em relação

354"Tratando-se de prestações periódicas, consideram-se elas incluídas no pedido, sem mais formalidades, enquanto durar a obrigação. O princípio, entretanto, não é absoluto, sendo aplicável quando conhecidos os valores; não quando discutível o valor das prestações, sujeito a constantes alterações." (STJ, 2a Turma, REsp n. 31.164, Rei. Min. Hélio Mosimann, j. 20.11.1995, v.u.)

Essa regra é aplicável, também, ao processo de execução, sendo muito comum a ocorrência em ações de alimentos e acordos que prevêem pagamento em parcelas - a execução de uma parcela inclui as prestações que vencerem no curso da demanda.

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PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 319

às demais modalidades de vícios, resta inviável a determinação do aditamento, pois, em caso de impossibilidade jurídica do pedido (hipótese de carência de ação) ou cumulação indevida, não há como o vício ser sanado, cabendo tão-somente a extinção do processo em razão do pedido impossível ou do pedido que foi indevidamente cumulado (o juiz deverá excluir o pedido que for incompatível com o principal).

Com relação à modificação do pedido, seja pela existência de vício ou conveniência da parte, ela somente poderá ocorrer até a efetivação da citação, conforme dispõe o art. 294 do Código de Processo Civil, já que esse ato gera a estabilização da relação jurídica processual.26 Após o ingresso da parte demandada no processo, a modificação do pedido apenas ocorrerá mediante o seu consentimento (art. 264 do CPC), si-tuação que, certamente, será muito difícil de acontecer.

Mas, ficamos diante da seguinte indagação: até quando poderá ocorrer a modificação do pedido se houver a anuência do réu?

Não obstante a possibilidade de modificação do pedido com a anuência do réu, essa alteração apenas poderá ser realizada até o mo-mento do saneamento do processo, oportunidade em que serão fixados, para fins de instrução processual, o objeto controvertido da ação e as provas que serão colhidas no processo. Depois de realizado o sa-neamento do processo e iniciada a fase de instrução, não há mais que se falar em modificação do pedido, pois ocorreu a estabilização absoluta da demanda.

16.4 Juízo D E A D M I S S I B I L I D A D E D A P E T I Ç Ã O I N I C I A L

Proposta a ação e distribuída ao juízo competente, a petição inicial será submetida ao crivo do magistrado para verificação do preenchi-mento dos requisitos previstos no art. 282 do Código de Processo Civil, bem como para a análise das condições da ação e dos demais pres-supostos processuais.

Com efeito, constatada a ausência de qualquer um dos requisitos impressos no art. 282, o juiz deverá dar oportunidade para o autor emendar ou aditar sua petição inicial, no prazo de dez dias a partir da competente intimação.

Não sendo caso de aditamento, por se tratar de vício insanável (como a falta de condições da ação etc.) ou não cumprindo o autor a determinação de aditamento da inicial, o juiz proferirá, desde logo, sentença de extinção do processo sem o julgamento do mérito, nos ter-mos do art. 267 do Código de Processo Civil.

Estando a petição inicial processualmente completa, o magistrado emitirá um juízo positivo de admissibilidade, determinando, conse-qüentemente, que seja realizada a citação do réu.

É importante ressaltar que os requisitos formais de admissão da

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petição inicial são aqueles estampados no art. 282 do Código de Pro-cesso Civil, não havendo qualquer norma processual que disponha acer-ca de medidas, tipos de letras ou qualquer outra característica de apre-sentação do texto.

Entendemos que a petição inicial, pela função que exerce no pro-cesso, deve ser redigida de forma clara, com precisão, com ampla fun-damentação, de modo a permitir o convencimento do magistrado de que aquela causa de pedir conduz à procedência do pedido. Nota-se que a petição inicial (como qualquer outra petição) é o meio mais comum de comunicação entre a parte (por meio de seu advogado) e o juiz; portanto, deve ser elaborada com o intuito de formar o convencimento em favor dos interesses defendidos.

A petição inicial é o ato mais importante do autor no processo e a sua má formação poderá conduzir ao insucesso do pleito. Por isso, sempre aconselhamos que seja ela elaborada da maneira mais clara, precisa e fundamentada possível, com cuidado especial na formulação do pedido.

Não obstante a má técnica flagrante que alguns advogados exibem na prática forense, entendemos não serem lícitas aos magistrados a criação e a imposição de normas formais concernentes à elaboração da petição inicial.

Temos acompanhado em alguns juízos a existência de portarias internas que dispõem sobre medidas, espaços, tamanhos de letras, es-pécies de papéis, furos etc. da petição inicial, como verdadeira condi-ção de admissão das petições.

Não temos dúvida de que o juiz não está autorizado a impor requi-sitos diversos daqueles contidos nos arts. 282 e 283 do Código de Processo Civil, pois tais atitudes atentariam contra a liberdade e a autonomia conferidas à advocacia, além de criar pressuposto não previsto na lei. 355

355 No âmbito do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), existe provimento determinando que as petições iniciais apenas poderão ser recebidas pelo cartório distribuidor quando acompanhadas de cópias autenticadas dos documentos pessoais das partes (identidade e CPF), bem como todos os documentos acostados à inicial deverão estar autenticados, cuja autenticação poderá ser realizada pelo próprio advogado.

Com toda certeza, trata-se de comando Inconstitucional e ilegal.Inconstitucional, primeiro, pelo fato de que um mero provimento de Tribunal

não tem o condão de criar norma de natureza processual, pois, como já tratamos, a edição de normas processuais, conforme o art. 22, inc. I, da Constituição da República, é competência exclusiva da União, por meio do Congresso Nacional. Evidentemente, tal provimento implica aumento do rol de requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil e é, portanto, inconstitucional por ausência de competência legislativa para tanto. Ademais, as normas internas dos Tribunais não tem força de lei e, assim, servem apenas para auto-regulamentação ou organização interna. Inconstitucional, também, pelo fato de quebrar a isonomia entre as partes: o provimento determina apenas ao autor a apresentação de cópias autenticadas, isentando o réu de tal providência na contestação.

Como se não bastasse, o provimento também é ilegal, ao passo que fere o Código Civil e o ordenamento processual. O Código de Processo Civil, ao tratar da

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321

17

D E F E S A S D O R É U

17.1 O CONTRADITÓRIO E O

Ô N U S D A R E S P O S T A D O R É U

O processo civil contencioso, em especial o de conheci-mento, é relação jurídica que se justifica no contraditório, 356 oriundo da resistência existente entre a pretensão formulada pelo autor em sua petição inicial e a resposta oferecida pelo réu.357

A Constituição da República, em seu art. 5o, garante aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o direito de contraditório e ampla defesa, direito este que consiste na faculdade da parte demandada em juízo de apresentar a sua versão contra aquela exposta pelo autor. E além disso lhe é

prova documental, determina que a cópia simples do documento particular é considerada verdadeira até que a parte contrária apresente impugnação.356' No mesmo sentido, José Frederico Marques, Manualde direitoprocessualcivil, v. I, p.

114.357 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. III, p. 444,

assevera que: "Resposta é a reação a um estímulo externo. Resposta à demanda inicial é a reação do demandado, em processo de conhecimento, ao estímulo feito pela citação, a qual o tornou parte e deu-lhe ciência dos termos da demanda do autor".

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOassegurado o direito de provar da forma mais abrangente possível os

fatos que alega em sua defesa.Com a citação válida, surge para o demandado o ônus 358 de apresen-

tar sua resposta ou defesa, sob pena de, não o fazendo, poder sofrer os efeitos dessa inércia processual, ou seja, a revelia, a preclusão, a prorrogação de competência etc., o que será tratado oportunamente.

A citação gera para o réu o ônus de se defender. Não se trata de uma obrigação ou dever processual, mas, sim, de uma faculdade que, quando dispensada, pode ocasionar um prejuízo processual à parte.

Com efeito, poderá o réu vir a juízo para reconhecer a procedência do pedido, manter-se inerte, ou, ainda, utilizar-se das modalidades de resposta previstas no art. 297 do Código de Processo Civil, quais sejam: a) contestação; b) exceções; c) reconvenção - cada qual com a sua finalidade específica.

17 .2 PRAZO PARA RESPOSTA

A regra do rito ordinário é no sentido de que a resposta do réu (seja contestação, reconvenção ou exceções) deve ser apresentada no prazo de quinze dias, contados na forma do art. 241 do Código de Processo Civil.

Em se tratando de citação por oficial de justiça, o prazo terá início na data da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido. Sendo o ato citatório procedido pelo correio, a defesa deverá ser apresentada no prazo de quinze dias contados da data da juntada aos autos do comprovante de recebimento do ato (aviso de recebimento - AR). Na citação editalícia, o prazo para a resposta será aquele fixado pelo magistrado no edital.

Na hipótese de litisconsórcio passivo, o prazo para a defesa terá início após a citação do último réu, ou seja, da data de juntada aos au-tos do último mandado ou aviso de recebimento cumpridos.

No rito sumário, como já tratamos, a defesa não é apresentada no prazo de quinze dias, contados a partir da citação, mas apresentada em audiência de conciliação, caso esta seja infrutífera (caso não haja acor-do entre as partes). Mas, no rito sumário, o réu deve ser citado com antecedência de pelo menos de 10 dias, isso para que possa ser consti-tuído advogado e elaborada a defesa a tempo de ser levada à audiência preliminar de conciliação.

Oportuno relembrar que o prazo para a defesa das Fazendas Pú-blicas e do Ministério Público é contado em quádruplo, portanto, terão

358 Não caracteriza dever ou obrigação, o demandado não está obrigado a apresentar defesa.

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DEFESAS DO RÉU 323

sessenta dias para o oferecimento de suas respostas. Além disso, tratando-se de litisconsórcio no pólo passivo, cujos réus são defendidos por procuradores diferentes, o prazo será contado em dobro, ou seja, deverá ser considerado o prazo comum de trinta dias.

17 .3 CONTESTAÇÃO

A contestação é o instrumento de oposição do réu à ação proposta pelo autor; podemos dizer que é o direito de ação do réu contra o direito de ação do autor, ou a resistência do demandado contra a pre-tensão do demandante.

A esse respeito, Moacyr Amaral Santos assevera as diferenças

entre a ação e a defesa, nestes termos:'

Distinguem-se, entretanto, a ação e a defesa quanto ao objeto material. Na ação o autor formula uma pretensão, faz um pedido. Diversamente, na defesa não se contém nenhuma pretensão [ou pedido], mas resistência à pretensão e ao pedido do autor. Defendendo-se, o réu não pretende nada de quem aciona, apenas resiste à sujeição processual a que o submete o órgão jurisdicional.De fato, na defesa do rito ordinário, 359 o réu não apresenta qualquer

pedido, mas limita-se a oferecer resistência ou oposição àquilo que é pretendido pelo autor da ação.

É na contestação, pelo princípio da eventualidade, que o réu deverá alegar toda matéria de defesa contra a pretensão do autor, seja ela processual ou de mérito, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a preclu- são (art. 300 do CPC). Por essa razão, afirmamos que a contestação pode ter as seguintes manifestações:

a) defesa processual (preliminares);b) defesa de mérito.

Determina o art. 301 do Código de Processo Civil que, antes de discutir o mérito da ação - por isso denominadas de preliminares -, o réu poderá argüir:

a) Inexistência ou nulidade da citação. Como vimos anteriormente, sem citação não existe processo, sendo certo que o réu poderá com-parecer em juízo apenas para suscitar o vício do ato citatório, situa-

359 No rito sumário, é permitida a formulação de pedido pelo réu contra o autor na própria contestação.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOção em que o seu prazo para a apresentação da defesa de mérito

será devolvido, contando-se a partir da data da intimação da decisão que acolheu e decretou o defeito na citação (art. 214 do CPC).b) Incompetência absoluta. É aquela decorrente de violação aos cri-térios concernentes à função do órgão jurisdicional (matéria, hie-rarquia e pessoa). A incompetência relativa (territorial ou de valor da causa) deverá ser alegada por meio de exceção de incompetência (petição autônoma).c) Inépcia da petição inicial. A inépcia se verifica quando existir vício no pedido da petição inicial, ou seja, quando faltar pedido ou causa de pedir, da narração dos fatos não decorrer logicamente o pedido, quando o pedido for juridicamente impossível ou quando os pedidos cumulados forem incompatíveis entre si (art. 295, parágrafo único, do CPC).d) Perempção. Fenômeno processual que ocorre quando a ação é extinta, sem julgamento do mérito, por mais de três vezes, em razão da inércia da parte autora em dar andamento ao feito (art. 268, parágrafo único, do CPC). Nesse caso, sendo proposta pela quarta vez, o réu poderá alegar que ocorreu a perempção, conseqüentemente, a ação deverá ser extinta sem o julgamento do mérito.

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DEFESAS DO RÉU 325

e) Litispendência. Ocorre quando houver em curso outra ação idên-tica (mesmas partes, causa de pedir e pedido), quando se repete ação que ainda está em trâmite ou pendente de julgamento (art. 301, §3°, do CPC).f) Coisa julgada. Poderá ser alegada quando o autor estiver repetin-do ação idêntica a outra já transitada em julgado, decidida por sentença definitiva (da qual não caibam mais recursos).g) Conexão ou continência. Quando, por identidade de causa de pedir ou objeto do processo, é necessária a reunião do processo com outro já em curso, para que sejam julgados simultaneamente.h) Incapacidade da parte, defeito de representação processual ou

falta de autorização.

i) Convenção de arbitragem. O réu poderá alegar a existência de

compromisso arbitrai que impede a discussão judicial do litígio.j) Carência de ação. Impossibilidade jurídica do pedido, falta de legitimidade e interesse de agir. k) Falta de caução ou outra prestação, que a lei exige como requisito para a propositura da ação - hipótese, por exemplo, da ação rescisória, que determina a prestação de caução pelo autor como pressuposto da ação.

As preliminares de contestação são questões processuais que, quando reconhecidas, impedem o magistrado de conhecer do mérito da ação. São questões de ordem pública que podem ser conhecidas de ofí-cio, salvo a hipótese de compromisso arbitrai (art. 301, § 4o, do CPC), e sobre elas não ocorre a preclusão, permitindo-se a apreciação em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição.

O acolhimento das preliminares poderá gerar ao processo os se-guintes efeitos:

a) Extinção do processo sem o julgamento do mérito (art. 267 do CPC), nos casos de: inépcia da inicial (extinção por indeferimento - art. 267, inc. I, do CPC); perempção; litispendência; coisa jul-gada; incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização (após o juiz determinar que seja sanada a irregulari-dade e a parte manter-se inerte); convenção de arbitragem; carência de ação ou falta de caução ou outra prestação que a lei determine necessária à propositura da ação.b) Deslocamento da competência. Caso seja acolhida a preliminar de incompetência absoluta, o juiz deverá determinar a remessa dos autos ao órgão competente (art. 113, § 2o, do CPC). O acolhimento da incompetência absoluta não é causa de extinção do processo, mas sim de deslocamento da competência. A competência também

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOpoderá ser modificada em favor do órgão prevento no caso em que

se verifique a conexão ou a continência, conforme já tratamos no item 10.11.1 deste trabalho.c) Concessão de novo prazo para resposta do réu ou de realização de novo ato citatório. Na hipótese de ser acolhida a preliminar de inexistência ou nulidade de citação, o magistrado deverá:• determinar que seja realizado novo ato citatório, na hipótese de

o réu não ter comparecido espontaneamente. Tal situação é comum quando, sendo o réu citado fictamente, a contestação for apresentada por curador especial (art. 9o do CPC). Assim, sendo acolhida a preliminar de nulidade de citação, deverá ser tentada novamente a localização do réu;

• conceder novo prazo para contestação, na hipótese de o réu ter comparecido espontaneamente e ter sido reconhecida a inexis-tência ou nulidade da citação, caso em que o juiz devolverá o prazo para a defesa (art. 214 e § 2o do CPC).

Não obstante a apresentação da defesa processual preliminar, em observância ao princípio da eventualidade (art. 300 do CPC), deverá o réu deduzir também sua defesa de mérito, opondo-se de forma espe-cífica às pretensões manifestadas pelo autor na inicial.

É na defesa de mérito que o réu deverá impugnar, de forma espe-cífica, todos os fatos argüidos pelo autor, sob pena de preclusão e presunção de veracidade. Em outras palavras: os fatos não contestados são tidos por incontroversos, gerando a confissão do réu em favor do autor.

A falta de impugnação específica (ou a contestação genérica) gera uma presunção iuris tantum, por isso relativa, de veracidade dos fatosnão contraditados. Assim, podemos afirmar que o conjunto probatório levado aos autos pode ilidir a referida presunção.6

Todavia, não se aplica a regra da impugnação específica nos se-guintes casos (art. 302 e parágrafo único do CPC):

a) Quando não for admissível a confissão. Não há indução à confis-são quando a discussão versar sobre bens indisponíveis, entendidos como aqueles não passíveis de transação (bens não patrimoniais e públicos).b) Caso a petição inicial não estiver instruída com o documento público que a lei obrigar para validade e prova do ato. Por exemplo, não gera a presunção de veracidade da existência ou não do direito à propriedade o autor deixar de apresentar a escritura pública registrada.

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DEFESAS DO RÉU 327

6 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo OViicomenta-do, 8. ed., p. 763, nota ao art. 302.

c) Quando na inteligência do conjunto da defesa for possível com-preender a contradição contra a pretensão do autor, ou seja, a pre-sunção de veracidade é ilidida pelo conjunto lógico da contestação.d) Quando a defesa estiver sendo patrocinada por advogado dativo ou curador especial (nomeados nas hipóteses do art. 9o do CPC), bem como pelo órgão do Ministério Público.

Dá-se na contestação o momento oportuno para que o réu apresente toda a sua defesa, expondo todos os fatos capazes de contradizer a pretensão do autor. Após a apresentação da contestação, o demandado não poderá mais deduzir novas alegações de defesa, salvo quando relativas a direito superveniente (advindo após o oferecimento da con-testação), quando competir ao juiz conhecer a matéria de ofício (ques-tão de ordem pública) ou puderem ser alegadas a qualquer tempo por expressa previsão legal (art. 303 do CPC).

■i 17.3.1 R E V E L I A (C O N T U M Á C I A D O R É U )

Como regra, o sentido técnico-processual do termo revelia corres-ponde à ausência de contestação no processo. Configura-se pela inércia do demandado em apresentar sua resposta à pretensão do autor. A

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328 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

7 José Frederico Marques, op. cit., p. 117.

revelia representa a recusa do réu em comparecer em juízo para apresentar sua defesa.

Registre-se que ocorre a revelia quando, citado pessoalmente, seja por oficial de justiça ou correio, o réu não contesta a ação contra ele proposta, omitindo-se, portanto, no cumprimento do ônus processual de responder.7 Podemos afirmar que não há revelia quando o réu não é citado pessoalmente.

Assim, como regra, citado o réu, a sua contumácia tem o poder de fazer gerar o efeito da revelia, que nada mais é do que a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, conforme dispõe o art. 319 do Código de Processo Civil, a seguir reproduzido:

Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.

Por expressa determinação legal, no rito sumário, a revelia não ocorrerá apenas pela falta de contestação, mas também quando o réu deixar de comparecer à audiência (de conciliação).

A imposição dos efeitos da revelia torna os fatos da ação incontro-versos; conseqüentemente, como regra, as alegações do autor não mais dependerão de provas.

Cumpre-nos, todavia, esclarecer que a incidência dos efeitos da revelia sobre o processo não conduz à automática procedência do pe-dido do autor. Isso significa que, mesmo havendo a decretação dos efeitos da revelia, poderá o magistrado julgar improcedente a pretensão da ação quando, mesmo presumindo verdadeiros os fatos narrados na inicial, àqueles fatos não corresponder nenhum direito material.

A omissão no cumprimento de dever de contestar faz presumir verdadeiros os fatos articulados pelo autor em sua inicial, mas essa pre-sunção refere-se tão-somente aos fatos e não ao direito. Pode ocorrer de o réu não contestar e, mesmo assim, o juiz entender que não há nenhum direito que tutele a pretensão do autor. Mesmo considerando verdadeiro o fato, àquele fato não corresponde um direito no ordenamento jurídico.

Nesse ponto difere a revelia do reconhecimento da procedência do pedido pelo réu. Enquanto esta conduz obrigatoriamente ao acolhi-mento da pretensão do autor, aquela apenas gera a presunção de que os fatos são verdadeiros, não vinculando o magistrado à procedência.

Por outro lado, o art. 320 do Código de Processo Civil determina situações em que, mesmo havendo a revelia - tecnicamente pela falta de contestação -, não serão aplicados os efeitos previstos no art. 319, ou seja:

a) Quando, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar.Em relação a essa previsão legal, surge a seguinte indagação: a contestação de um réu sempre aproveitará aos demais co-réus?

Page 331: Manual de Direito Processual Civil

DEFESAS DO RÉU 329

Entendemos que apenas haverá aproveitamento da contestação de um réu aos demais litisconsortes quando o fato for comum a eles. Caso contrário, deixando um réu de contestar, mesmo havendo contestação de outro litisconsorte, o fato não comum (aquele re-lativo apenas a um dos réus) ficará sem impugnação; conseqüen-temente, é tido por fato incontroverso e presumidamente verda-deiro.b) Quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis, assim enten-didos aqueles de natureza não patrimonial e pública. Apenas os direitos patrimoniais e privados é que admitem disposição pelo seu titular, assim, também, apenas quando a ação versar sobre esses direitos é que se admitirá a incidência dos efeitos da revelia.c) Caso a petição inicial não esteja instruída com o documento pú-blico que a lei considere indispensável para a prova do ato jurídico (por exemplo, a escritura pública registrada, a certidão do registro civil etc.). A contumácia do réu não gera a presunção de veracidade se o autor deixou de apresentar documento público indispensável à prova de seu direito.Vejamos o exemplo: na petição inicial, o autor alega propriedade de imóvel, mas deixa de apresentar o competente registro no Cartório de Registro de Imóveis; nesse caso, mesmo que o réu seja revel, não há que se falar em presunção de veracidade da pro-priedade, pois esse fato deveria ter sido provado por documento público.Nos casos anteriores, é importante ressaltar que o réu é revel, no

entanto não serão aplicados os efeitos da revelia a ele. Nesse ponto, não podemos deixar de mencionar que poderá existir a revelia (pela ausên-cia de contestação), mas sem que sejam aplicados os efeitos da revelia (que equivalem à presunção de veracidade dos fatos articulados pelo autor).

Por outro lado, não há que se falar em revelia (ou mesmo os efeitos da revelia), quando o réu tiver sido citado fictamente ou, ainda, quando se tratar de réu preso; hipóteses em que, nos termos do art. 9o do Código de Processo Civil, deverá o juiz nomear um curador especial para apresentação de defesa em nome dessas pessoas. Evidentemente, sendo nomeado o curador especial e apresentando ele a defesa, não haverá que se falar em revelia ou efeitos da revelia.

Cumpre observar que, ocorrendo a revelia, os atos processuais e prazos correrão contra o revel independentemente da intimação, 360 podendo ele, a qualquer tempo, intervir no processo, o qual é recebido no estado em que se encontrar, sendo vedada a repetição de atos pro-

360 Art. 322 com redação dada pela Lei n. 11.280/2006: "Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente da intimação, a partir da publicação de cada ato decisório".

Page 332: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOcessuais cujo momento oportuno já tenha expirado.

17 .4 E X C E Ç Õ E S

No sentido genérico da palavra, o termo exceção compreende sig-nificado semelhante ao de exclusão, salvo desvio da regra. Contudo, para o processo civil, a referida terminologia exceção equivale ao ter-mo defesa.

No campo das respostas do réu, as exceções assumem caráter de defesa em relação ao órgão jurisdicional ou contra a própria pessoa do magistrado. Ao contrário da contestação, as exceções não se prestam para que o demandado ataque a pretensão formulada pelo autor, mas sim para argüir eventual vício na competência relativa do órgão juris-dicional ou quanto à imparcialidade da pessoa do juiz.

Page 333: Manual de Direito Processual Civil

DEFESAS DO RÉU 331

O art. 304 do Código de Processo Civil admite as seguintes moda-lidades de exceção pelo réu:

a) exceção de incompetência (relativa);b) exceção de impedimento ou suspeição.

A apresentação de qualquer uma das exceções gera a imediata sus-pensão do processo principal, conforme determina o art. 306 do Código de Processo Civil.

De fato, as exceções de incompetência ou de parcialidade do ma-gistrado colocam em discussão a própria validade da atividade jurisdi-cional. Seja em razão da competência relativa ou da parcialidade, não poderão ser praticados atos processuais enquanto o incidente não for decidido e não houver sido afastada a sombra de inaptidão do órgão jurisdicional ou do juiz para prosseguir no feito.

■■ 17.4 .1 EX C E Ç Ã O D E IN C O M P E T Ê N C I A

Para o estudo da exceção de incompetência, é imprescindível o re-torno aos conceitos de competência absoluta e de competência relativa.

Como já tratamos anteriormente, a competência absoluta é questão de interesse público, pois diz respeito à própria função do órgão jurisdicional. Assim, a incompetência absoluta (vício na competência absoluta) poderá ser conhecida de ofício e a qualquer momento do processo, inclusive é matéria que pode ser argüida em preliminar de contestação (art. 301 do CPC).

Por sua vez, a competência relativa, aquela decorrente dos critérios territoriais e de valor da causa, existe no ordenamento processual em função do interesse das partes. Portanto, eventual erro na escolha da competência relativa depende de provocação da parte interessada para que possa ser conhecida e declarada pelo órgão jurisdicional.

É exatamente para isso que se presta a exceção de incompetência. É o instrumento hábil para que o réu alegue eventual vício ou erro na escolha da competência relativa. A legitimidade para a exceção de incompetência, como regra, é exclusiva do sujeito passivo da ação, já que seria o autor o responsável por eventual erro na competência.

O instituto denominado exceção de incompetência constitui ver-dadeiro incidente processual, que é autuado em apartado e apenso aos autos do processo principal, no qual o magistrado decidirá se é ou não competente para o processamento da causa, observando, para tanto, os fatores território (foro) e valor da causa.

Nas hipóteses de violação à competência absoluta, como vimos anteriormente, esta incompetência deverá ser alegada em preliminar de

Page 334: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

contestação, nos termos do art. 301, inc. II, do Código de Processo Civil.

Apesar de o disposto no art. 305 do Código de Processo Civil suge-rir a possibilidade de a exceção de incompetência poder ser alegada em qualquer momento, na realidade isso não ocorre, já que a incompetên-cia relativa deve ser argüida, obrigatoriamente, no prazo para a resposta do réu, sob pena de ocorrer a preclusão e a conseqüente prorrogação da competência (o foro que era incompetente passa a ser o competente).

A reforma trazida pela Lei n. 11.280/2006 acrescentou parágrafo único ao art. 305 do Código de Processo Civil para permitir que a petição de exceção de incompetência seja protocolizada no juízo de domicílio do réu ou naquele em que se encontrar o processo. Caso a ex-ceção seja apresentada no juízo do foro do réu, o excepto requererá a remessa dos autos ao juízo em que se encontra o processo.

Argüida a incompetência por exceção, o processo principal ficará suspenso, devendo o juiz intimar o excepto (parte contrária: autor) para que se manifeste no incidente processual dentro do prazo de dez dias, podendo, inclusive, designar audiência para oitiva de testemunhas quando necessário.

Ressalte-se que, recebida a exceção, o processo ficará suspenso até o seu julgamento, nos termos dos arts. 306 e 265, inc. III, do Código de Processo Civil. Essa suspensão do processo principal perdurará até que o incidente seja julgado em primeira instância.

Encerrada a instrução do incidente, ou não sendo necessária a dilação probatória, o próprio juiz da ação principal proferirá decisão no incidente processual, 361 acolhendo ou não a alegação de incompetência relativa.

Na hipótese de procedência da exceção, o juiz determinará a re-messa dos autos ao juízo (foro) entendido como o competente (outro local); caso contrário, o processo permanecerá no mesmo juízo. O ato judicial proferido no incidente de exceção tem natureza de decisão interlocutória, portanto, desafia recurso de agravo de instrumento.

Hi 17 .4 .2 E X C E Ç Ã O D E I M P E D I M E N T O O U S U S P E I Ç Ã O

O impedimento e a suspeição (arts. 134 e 135 do CPC) constituem hipóteses de parcialidade do juiz, situações que levam ao entendimento de que a pessoa do magistrado é interessada na conclusão do processo.

Assim, quando a parte tiver ciência (e prova) de que o juiz está impedido ou suspeito, poderá manejar a exceção como forma de fazer

361 Trata-se de típica decisão interlocutória, portanto, impugnável por meio de recurso de

agravo.

Page 335: Manual de Direito Processual Civil

DEFESAS DO RÉU 333

'“Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 589, notas 1 e 2 ao art. 312.

deslocar o processo do juiz parcial para o seu substituto legal; magis-trado esse que não tenha interesse no feito.

Essa modalidade de exceção, apesar de ser uma espécie de resposta do réu, pode ser utilizada por qualquer uma das partes. Tanto o autor como o réu têm legitimidade para a exceção de impedimento ou suspeição, afinal, a parcialidade pode revelar-se em favor de qualquer uma das partes.

A exceção de impedimento ou suspeição deve ser alegada no pri-meiro momento que a parte tiver para falar nos autos após o conheci-mento da parcialidade.

Com relação à exceção de suspeição, por se tratar de parcialidade relativa, caso não seja ela apresentada no momento próprio, ocorrerá a preclusão para a parte e a matéria não mais poderá ser alegada no futuro.10

O contrário ocorre com a exceção de impedimento, que pode ser argüida em qualquer momento do processo, até mesmo em sede de ação rescisória após o trânsito em julgado da ação, pelo fato de que o impedimento gera nulidade absoluta de todos os atos praticados, não havendo que se falar de preclusão quando da não alegação pela parte interessada.

No entanto, caso a parte não alegue o impedimento no primeiro momento que for possível, deverá responder pelos prejuízos decorren-tes da demora da argüição da parcialidade.

Procedimento da exceção de impedimento ou suspeição

A exceção de impedimento ou suspeição deverá ser apresentada por meio de petição fundamentada e autônoma das demais modalidades de defesa, sendo endereçada ao próprio juízo da causa.

A primeira pergunta que surge: mesmo sendo o juiz impedido ou suspeito, a exceção é dirigida a ele?

Na realidade, a exceção é dirigida ao próprio juiz suspeito de par-cialidade para que lhe seja dada a oportunidade de reconhecer tal ale-gação espontaneamente. Assim, caso ele aceite a alegação do excepto, declarará ser impedido ou suspeito e determinará a remessa dos autos ao seu substituto legal.

Porém, caso negue a argüição de parcialidade, o magistrado terá o

prazo de dez dias para apresentar suas razões, podendo inclusive indi-

car testemunhas e juntar documentos e, imediatamente, remeterá o

processo ao tribunal para que este julgue a exceção de impedimento ou

suspeição.

Page 336: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Ressalte-se que a competência para julgar a exceção de suspeição

ou impedimento não é do juiz supostamente parcial (como ocorre na

exceção de incompetência), mas concerne ao tribunal proceder ao jul-

gamento da alegação suscitada pela parte.

Caso o tribunal acolha a exceção, o juiz será condenado ao paga-

mento das custas despendidas no incidente e os autos serão remetidos

ao substituto legal; caso contrário, os autos retornarão ao próprio ma-

gistrado suscitado e a exceção será arquivada. 362

362" O acórdão proferido pelo tribunal no julgamento do incidente de exceção

poderá ser impugnado, observados os requisitos próprios dos recursos, por meio

dos recursos especial e extraordinário.

Page 337: Manual de Direito Processual Civil

DEFESAS DO RÉU 335

'2 Na definição de José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 44.

17 .5 R E C O N V E N Ç Ã O

A reconvenção é a ação do réu contra o autor, nos mesmos autos do

processo da ação que este move contra aquele. É o instrumento

colocado à disposição do réu para que ele possa formular pedido contra

o autor da ação principal. Mais do que uma forma de defesa, a re-

convenção se mostra uma forma de ataque contra o autor, de verdadeira

ação para a obtenção de uma tutela jurisdicional.12

Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito procesual civil, v.

III) assim define a reconvenção:

Reconvenção é a demanda de tutela jurisdicional proposta pelo

réu em face do autor, no processo pendente entre ambos e fora dos

limites da demanda inicial. Com ela, o réu introduz no processo uma

nova pretensão, a ser julgada em conjunto com a do autor.

Na realidade, como medida de economia processual e no espírito de evitar decisões conflitantes, a reconvenção nada mais é do que a permissão de cumulação de ações no mesmo processo. Com a propo- situra da reconvenção, o processo proposto pelo autor prosseguirá com duas ações: a ação do autor contra o réu, entendida como a principal, e a ação do réu contra o autor, denominada reconvencional.

Ordinariamente, a defesa do réu não tem o poder de gerar nova ação, já que a contestação somente visa atacar a pretensão do autor. Todavia, caso tenha ele o desejo de obter uma tutela contra o autor, observadas as hipóteses de cabimento, poderá demandar uma tutela jurisdicional contra o autor no próprio processo.

Esse direito de ação incidental apenas se verifica no processo pelo rito ordinário, já que, por expressa determinação legal, não é cabível a reconvenção no rito sumário (neste se permite a formulação de pedido na própria contestação - denominado de pedido contraposto -, o que não existe no rito ordinário).

Vamos imaginar que o autor tenha promovido ação contra o réu para ser ressarcido por danos experimentados em razão do descumpri- mento de determinado contrato. Citado, o réu apresenta contestação, mas, defendendo seu direito, além disso, deseja obter a condenação do autor ao recebimento da multa contratual. Nesse caso, a simples con-testação não terá o condão de obter a condenação do autor; para isso o réu deverá valer-se de uma reconvenção.

Page 338: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOMas, nesse ponto, advém a seguinte indagação: poderá o réu pro-

mover reconvenção sobre qualquer fundamento? Poderá pedir contra o autor qualquer espécie de tutela ou bem da vida?

A abrangência não é tão ampla assim.A esse respeito, o art. 315 do Código de Processo Civil dá os se-

guintes requisitos de cabimento da reconvenção:

a) quando a ação reconvencional for conexa com a ação principal, ou seja, entre elas houver identidade de pedido, causa de pedir ou ob-jeto litigioso;

b) quando houver conexão entre a reconvenção e o objeto da defesa.

M 17 .5 .1 PRAZO E FORMA DA PROPOSITURA DA

RE C O N V E N Ç Ã O

A reconvenção deve ser apresentada no prazo de quinze dias, e si-multaneamente com a contestação. Ressalte-se que nada impede a apre-sentação de reconvenção sem contestação, ou seja, a parte poderá ape-nas reconvir sem contestar. No entanto, se desejar utilizar ambas as respostas, deverá protocolizar as duas, em petições autônomas, mas no mesmo momento processual.

O entendimento majoritário é no sentido de que a contestação e a reconvenção devem ser apresentadas simultaneamente (no mesmo ato processual e no mesmo dia), sob pena de, protocolizada a contestação sem a reconvenção, ocorrer a preclusão consumativa para a re-convenção.

Por outro lado, por se tratar de uma verdadeira ação, a reconvenção deverá seguir todos os requisitos próprios para o eficaz exercício desse direito, inclusive formulando o réu (autor da reconvenção) peti-ção inicial com observância dos pressupostos previstos no art. 282 do Código de Processo Civil, bem como da implementação das condições da ação e demais pressupostos processuais.

Além disso, para ser cabível a reconvenção, o autor deverá observar:

a) a competência do juiz para conhecimento da reconvenção - o juízo da ação principal também deve ser competente para o julgamento da reconvenção;

b) compatibilidade entre os ritos ou procedimentos (ação e recon-venção);

c) simultaneidade na apresentação (contestação e reconvenção);d) a ação principal deve admitir a reconvenção - uma vez que alguns

procedimentos admitem pedidos na própria contestação, não ha-vendo necessidade de reconvenção; por exemplo, rito sumário e

Page 339: Manual de Direito Processual Civil

DEFESAS DO RÉU 337

ações possessórias (ações de força dúplice).

mt 17 .5 .2 P R O C E D I M E N T O D A R E C O N V E N Ç Ã O

Conforme dispõe o art. 299 do Código de Processo Civil, apresen-tada a reconvenção simultaneamente com a contestação, em petições autônomas, será a nova ação distribuída por dependência ao mesmo juízo da ação principal. A reconvenção é juntada aos autos da própria ação, não havendo que se falar em autuação do processo em apartado ou apensado.

Com a propositura da reconvenção, as partes continuarão a ser autor e réu na ação principal, mas denominadas de autor reconvindo (réu na reconvenção e autor da ação principal) e réu reconvinte (sujeito ativo da reconvenção e passivo da ação principal) na ação recon- vencional.363

Recebida a reconvenção, o magistrado procederá ao mesmo juízo de admissibilidade tipicamente destinado às petições iniciais e, em caso positivo, determinará a intimação do autor reconvindo, na pessoa de seu advogado, para que apresente contestação à reconvenção no prazo de quinze dias.

Com efeito, a ação reconvencional seguirá o seu curso em conjunto com a ação principal, aproveitando-se os mesmos atos processuais (audiências, perícias etc.) para ambas ações. Até que, finalmente, após regular instrução das ações, serão julgadas a ação principal e a recon-venção na mesma sentença, conforme determina o art. 318 do Código de Processo Civil.

M 17 .5 .3 RECONVENÇÃO E PEDIDO CONTRAPOSTO

Como tratamos, a reconvenção é a ação do réu em face do autor, nos mesmos autos, ou seja, a reconvenção tem natureza de verdadeira ação.

Todavia, em casos excepcionais, a própria lei autoriza o réu a for-mular pedido dentro da contestação, o que é denominado pedido con-traposto (ações de caráter ou força dúplice). Havendo a possibilidade de ser formulado pedido contraposto, o réu não terá interesse na pro-positura de reconvenção, já que o pedido contraposto é forma mais simples de o réu formular pedido em face do autor. Enquanto a recon-venção demanda uma petição inicial, o pedido contraposto será inserto na própria petição de defesa.

363É muito comum ouvirmos a seguinte expressão: "a reconvenção faz o autor virar réu e o réu virar autor". Na realidade, não há qualquer modificação de posição nos pólos da ação principal. Essa afirmação pode conduzir à falsa idéia de que o autor não ocupa mais o pólo ativo. Na realidade, as partes serão autor e réu, cada qual na ação que propôs; o autor continuará sendo o sujeito ativo da ação principal e o réu será o autor da ação reconvencional (ainda passivo na principal).

Page 340: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOÉ admitido o pedido contraposto, por exemplo, nas seguintes hi-

póteses:

a) Ações de conhecimento pelo rito sumário - art. 278, § Io,364 do Código de Processo Civil.b) Determinadas ações de conhecimento por rito especial com natureza de força dúplice: ação possessória (art. 922 do CPC), prestação de contas, consignação em pagamento, demarcatórias etc.c) Nos procedimentos dos luizados Especiais (Lei n. 9.099/95).

H 17.5.4 DIST INÇÃO ENTRE RECONVENÇÃO E AÇÃO

DECLARATÓRIA INCIDENTAL

Inicialmente, cumpre definir o que vem a ser ação declaratória incidental.

Os arts. 5o e 325 do Código de Processo Civil definem ação decla-ratória incidental da seguinte forma:

Art. 5o Se, no curso do processo, se tornar litigiosa a relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença.Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5o).

Como se vê, há a denominação de ação declaratória incidental pelo simples fato de ser ela proposta em um processo já em curso. E mais, essa ação tem por único objetivo a obtenção de uma declaração, portanto, uma tutela jurisdicional acerca da existência ou inexistência de fato controvertido entre as partes, fato este surgido como questão prejudicial.

A ação declaratória incidental é proposta para o julgamento de questões prejudiciais que surgem no curso do processo em relação ao mérito da causa principal. A questão prejudicial é o fato apresentado no processo com o objetivo de afastar a pretensão principal; no entanto, tal fato, que é fundamento do processo, em princípio, não será decidido no dispositivo da sentença, pois a tutela pretendida é outra.

Assim, para que a questão prejudicial seja declarada na sentença, e sobre essa declaração recaiam os efeitos da coisa julgada, qualquer uma das partes poderá promover ação declaratória incidental.

Como exemplo, podemos citar: o autor promoveu ação para obter a condenação do réu ao pagamento de determinada quantia devida a título de juros e multas contratuais. Na contestação, o réu apresentou a ale-

364"Art. 278, § 1o. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, desde que fundado nos mesmos fatos referidos na inicial."

Page 341: Manual de Direito Processual Civil

DEFESAS DO RÉU 339

gação de que a cláusula contratual relativa aos juros e às multas é abusiva e ilegal. Nota-se que o réu trouxe na contestação uma questão prejudicial ao direito e à pretensão do autor (a nulidade da cláusula contratual), questão esta que, em princípio, não será declarada na sentença (o juiz apenas apreciará a questão na sua fundamentação, para o fim de acolher ou não a pretensão do autor). Assim, caso uma das partes tenha interesse na obtenção de uma tutela declaratória acerca da ilegalidade ou não da cláusula contratual, poderá promover a ação declaratória incidental (dentro da própria ação de cobrança, por isso incidental).

Nesse caso, quando da prolação da sentença, além de julgar a ques-tão principal (o pedido de condenação do réu), o juiz também deverá apreciar o pedido declaratório incidental, para, se for o caso, declarar expressamente na sentença (como tutela jurisdicional) a questão rela-tiva à nulidade da cláusula contratual. Caso não seja proposta a ação declaratória, a sentença limitar-se-á a dar um provimento acerca da procedência ou não da cobrança (mesmo tomando como fundamento a questão prejudicial), mas não declarará a questão prejudicial com força de coisa julgada.365

Evidentemente, tanto autor como réu poderão se valer da ação declaratória incidental. Sendo proposta pelo autor, deverá fazê-la no prazo de dez dias contados da data em que for intimado para manifes-tar-se acerca da contestação.

Por outro lado, pretendendo o réu apresentar ação declaratória incidental, deverá fazer no prazo da resposta (da contestação).

Assim, muitos autores denominam a ação declaratória incidental do

réu como uma verdadeira espécie de reconvenção específica. 366

Dessa forma, por se tratar também de uma cumulação de ações no mesmo processo (ação principal e ação declaratória incidental), há aparente confusão entre a ação declaratória e a reconvenção. No entan-to, sob a análise técnico-processual, existem relevantes distinções entre os institutos, como se vê no quadro a seguir.

Reconvenção Ação declaratória incidental

Dispositivo legal Art. 315 Arts. 5o e 325

Legitimidade Apenas do réu Autor e réu

365 João Batista Lopes, Ação declaratória, p. 117, define: "A finalidade da ação declaratória incidental é estender a autoridade da coisa julgada também às questões prejudiciais que, de outra forma, seriam apreciadas incidenter tantum".

366Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 392.

Page 342: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSORelação com o

contraditório

A reconvenção pode ser

admitida mesmo que o réu

não apresente contestação

A existência de contestação é

requisito para o cabimento da ação

declaratória incidental, já que

apenas com a contestação é que

surge a questão prejudicial

Dependência em

relação à ação

principal

Em caso de extinção da ação

principal, permanece em

curso a reconvenção

A extinção da ação principal gera

a extinção da ação declaratória

incidentalTutela

jurisdicionalTem cabimento para a

obtenção de qualquer

espécie de tutela

jurisdicional: declaratória,

condenatória ou constitutiva

Tem cabimento apenas para a

obtenção de tutela declaratória

Cognição Há aumento na carga de

conhecimento da lide. A

reconvenção traz ao

processo novos elementos

que terão de ser apreciados

pelo magistrado

Não há aumento da carga

cognitiva da lide. Com ou sem a

ação declaratória, a questão

prejudicial seria apreciada (com a

ação, a questão prejudicial é

declarada na sentença)Prazo Quinze dias Dez dias

Contestação Não havendo contestação da

reconvenção, haverá revelia

Não havendo contestação da ação

declaratória, poderá não haver

revelia, uma vez que os fatos já

estão controversos

17 .6 O U T R A S M O D A L I D A D E S D E R E S P O S T A S D O RÉU

Além da contestação, reconvenção e exceções, o sujeito passivo da relação processual poderá apresentar:

a) impugnação ao valor da causa (art. 260 do CPC);b) impugnação à concessão da justiça gratuita (art. 6o da Lei n. 1.060/50).

■I 17.6 .1 IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA

Como já tratamos no capítulo destinado ao estudo da petição ini-cial, incumbe obrigatoriamente ao autor atribuir um valor certo à causa,

Page 343: Manual de Direito Processual Civil

DEFESAS DO RÉU 341

segundo os critérios estabelecidos nos arts. 258 e 259, valor este que terá por função servir como base para o recolhimento das custas, definição de competência, cabimento do rito, fixação dos honorários advocatícios etc.

Por sua vez, o art. 261 incumbe ao réu o ônus de impugnar o valor atribuído pelo autor na petição inicial, caso sua fixação não tenha observado os critérios legais e, em razão disso, possa lhe acarretar - ou já lhe esteja acarretando - prejuízo processual. O réu deverá demonstrar em sua impugnação o interesse jurídico na modificação do valor constante da inicial.

O valor da causa é extremamente relevante na questão atinente às despesas processuais, já que a maioria das custas dos recursos é calculada com base nesse valor, e mais, em caso de inexistência de valor de condenação, os honorários advocatícios poderão ser arbitrados pelo juiz sobre o valor da causa. Assim, como forma de garantir o acesso ao duplo grau de jurisdição e prevenir-se contra eventual condenação ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, grande interesse poderá ter o réu para alterar o valor dado à causa pelo autor.

Dessa forma, dispõe o art. 261 que, no prazo da contestação, (portanto, quinze dias), por meio de petição fundamentada, poderá o réu impugnar o valor atribuído à causa na petição inicial.

No rito ordinário, a impugnação gerará um incidente processual que, autuado em apartado, terá o seu curso regular sem a suspensão do processo principal. Após a manifestação da parte contrária e, se for o caso, a instrução do processo com a realização de prova técnica (por exemplo, contábil), o juiz proferirá sua decisão, 367 acolhendo ou não a impugnação.

Não havendo impugnação ao valor da causa, presume-se que o réu aceitou o valor atribuído pelo autor na petição inicial (parágrafo único do art. 261 do CPC).

wm 17 .6 .2 I M P U G N A Ç Ã O À C O N C E S S Ã O D A J U S T I Ç A

G R A T U I T A

Os benefícios da justiça gratuita são concedidos, quando não houver indícios em sentido contrário, pela simples declaração de pobreza firmada pela parte requerente, autor ou réu, declaração esta capaz de gerar presunção iuris tantum de que a parte não tem condições de arcar com as custas e despesas do processo (ver Capítulo 12,12.2.3).

Assim, como já tratamos, a parte contrária poderá impugnar os be-nefícios concedidos à outra, requerendo a revogação da gratuidade me-diante a demonstração de que a declaração de pobreza não condiz com

367,7 Decisão interlocutória que comporta ser impugnada por meio de recurso de agravo de instrumento.

Page 344: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOa realidade.

A impugnação poderá ser formulada por qualquer uma das partes, em repúdio à concessão deferida à adversa; portanto, não obstante ser uma espécie de defesa do réu, também pode ser exercida pelo autor quando este pretender impugnar os benefícios concedidos àquele.

Essa impugnação não pode ser formulada no corpo da contestação (ou qualquer outra espécie de defesa), pois dará causa a um incidente processual que é autuado em apartado e, sem a suspensão do processo principal, será instruído no sentido de colher provas para a apuração da existência ou não do estado de pobreza da parte beneficiada.

Contestação Reconvenção Exceção de incompetência Exceção de suspeição ou impedimento

Objeto Exercício do contraditório contra a pretensão do autor. A contestação contempla a defesa processual (preliminares previstas no art. 301 e a defesa do mérito) contra o pedido e a causa de pedir da ação

É a ação do réu em face do autor, proposta no mesmo processo que este move contra aquele. É a forma de cumulação de ações: a) a ação principal do autor contra o réu, e b) ação reconvencional de réu (reconvite) contra o autor (reconvido)

Tem por finalidade a argüição de incompetência relativa (decorrente de erro na competência em razão do território ou valor da causa).A incompetência absoluta deve ser alegada em preliminar de contestação

Tem por objetivo a argüição do

impedimento (art. 134) ou suspeição

(art. 135) da pessoa do magistrado

Momentoprocessual

Deve ser apresentada, como regra, no processo de conhecimento, o prazo é de 15 dias, contados da data da juntada aos autos dos comprovantes de citação (mandado ou AR). Para as Fazendas Públicas, o prazo é em quádruplo (60 dias) e em dobro quando os réus tiverem procuradores diferentes (art. 191)

A reconvenção deve ser apresentada simultaneamente à contestação, sob pena de preclusão consuraativa.

A reconvenção deve ser apresentada na forma de petição inicial, por se tratar de verdadeira espécie de ação

Deve ser apresentada no prazo para a

resposta do réu (15 dias)

As exceções devem ser arguidas no prazo de 15 dias, contados do fato que ocasionou a suspeição ou impedimento (art. 305)

Procedi

mento

A contestação é juntada aos autos Admitida a reconvenção, a parte reconvida será intimada, na pessoa de seu procurador, para apresentar contestação. Ambas as ações serão julgadas na mesma sentença

A exceção será autuada em apenso e causará a automática suspensão do processo. A exceção de incompetência é julgada pelo próprio juízo. Acolhida a exceção, os autos serão remetidos ao juízo competente

Recebida a exceção, terá o magistrado a oportunidade de acolhê-la de plano, hipótese em que os autos serão remetidos ao seu substituto legal. Caso não reconheça, terá o juiz prazo de 10 dias para juntar as provas que entende necessárias,

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DEFESAS DO RÉU 343

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOQ U A D R O 1 7 . 1 - S Í N T E S E D E F E S A S D O R É U ( c o n t i n u a ç ã o )

Contestação Reconvenção Exceção de incompetência Exceção de suspeição ou impedimento

remetendo os autos ao Tribunal para o julgamento da exceção (art. 313)

Efeitos pela

omissão da

parte

A falta de contestação gerará a revelia,

que, por sua vez, produzirá o efeito de

presunção de veracidade dos fatos

alegados pelo autor. Não ocorrerão os

efeitos da revelia quando se tratar de

direito indisponível, se algum dos réus

litisconsortes contestar ou se a petição

inicial não estiver acompanhada dos

documentos indispensáveis à propositura

da ação (art. 320)

Nenhum prejuízo, já que o réu poderá

promover ação contra o autor fora do

processo

Preclusão. 0 juízo incompetente

passará a ser competente, uma vez que

a omissão do réu acarreta a

modificação e prorrogação da

competência.

O processo ficará suspenso até o

julgamento da exceção

Em relação ao impedimento não há

preclusão, podendo ser alegado em

qualquer momento por se tratar de

questão de ordem pública. Em relação

à suspeição, a omissão da parte em

argüir o incidente gera preclusão da

matéria, ficando afastada a suspeição

e mantendo-se o juiz da causa.

0 processo ficará suspenso até o

julgamento da exceção

Observações Princípio da eventualidade, pelo qual o

réu deve fazer todas as alegações de fato

e de direito na contestação, sob pena de

preclusão, salvo se ocorrer qualquer das

hipóteses do art. 303 (direito

superveniente ou questões de ordem

pública)

A reconvenção não tem cabimento no

rito sumário (no rito sumário o réu

poderá formular pedido contraposto

dentro da própria contestação)

Deferido o processamento da exceção,

o juiz determinará a oitiva do excepto,

no prazo de 10 dias, podendo,

inclusive, determinar a realização de

audiência de instrução para a ouvida

de testemunhas, se for o caso

Caso o tribunal acolha a exceção de

suspeição ou impedimento, condenará

o juiz ao pagamento das custas,

determinando a remessa dos autos ao

substituto legal.

Caso contrário, determinará o

arquivamento do incidente

Page 347: Manual de Direito Processual Civil

1 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. III, p. 548.

345

18FA S E D O S A N E A M E N T O E o

J U L G A M E N T O C O N F O R M E O

ES T A D O D O P R O C E S S O

Encerrada a fase postulatória, inicia-se o que denomina-mos fase saneadora do processo, momento em que o magis-trado determina as providências preliminares, realiza a au-diência de conciliação (se for o caso), profere o despacho saneador e, até mesmo, pode proferir o julgamento, caso o processo se encontre em situação para tanto.

É o momento em “que se põe ordem no processo”.1 É a fase em que o magistrado torna a verificar a regularidade do processo, o preenchimento das condições da ação, dos pres-supostos processuais, se existem vícios que podem ser sana-dos, ou, ainda, defeitos graves que possam gerar a extinção sumária do feito.

Com o encerramento da fase postulatória e a plena satis-fação do contraditório, tem o juiz a possibilidade de fazer uma cognição mais eficaz quanto à regularidade de toda a relação jurídica, para o fim de se definir quais serão as provi-dências ou atos tomados dali em diante.

Page 348: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Portanto, podemos dizer que, nessa fase processual, revelam-se de grande importância: a) as providências preliminares; b) a audiência preliminar de conciliação; c) o despacho saneador; e d) o julgamento conforme o estado do processo.

18.1 PROVIDÊNC IAS PREL IM INARES

Apresentada ou não a resposta pelo réu, determina o art. 323 que o escrivão remeterá os autos conclusos ao juiz para que proceda às providências preliminares.

Compete ao magistrado, em sede de providências preliminares:

a) dar oportunidade ao autor para se manifestar acerca da contesta-ção apresentada pelo réu (réplica), nos termos previstos nos arts. 323, 326 e 327, cujo prazo, como regra, será de dez dias;b) determinar a citação do réu para contestar ação declaratória inci-dental (réu da ADIn), observando-se o prazo ordinário de resposta do réu;c) determinar a intimação do autor para contestar eventual recon- venção (art. 316 do CPC);d) verificar a ocorrência de revelia e, se for o caso, decretar a imposição de seus efeitos (art. 319 do CPC);e) determinar a especificação das provas pelo autor, caso não se verifiquem os efeitos da revelia;f) designar audiência de conciliação, se for possível o acordo (art. 331 do CPC).

18.2 AUDIÊNCIA PREL IMINAR DE CONCIL IAÇÃO

O ordenamento processual civil, com as modificações que lhe foram introduzidas pela Lei n. 8.952/94, contempla o princípio segundo o qual é dever do magistrado, sempre que possível, levar as partes à composição amigável do conflito posto em juízo.

Por essa razão, é cogente a imposição de que seja designada au-diência preliminar à de instrução e julgamento para a tentativa de composição das partes, nos casos em que é cabível e obrigatória a designação de audiência de conciliação, mesmo que as partes tenham manifestado previamente má vontade na realização do acordo. Para Nelson Nery e Rosa Maria, com os quais concordamos, “não pode o juiz consultar as partes, indagando se têm interesse na realização da

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 347

audiência que a lei impõe que seja realizada”. 368 De fato, o interesse na composição consensual não é apenas das partes, mas também do Estado - segundo o espírito da lei -, na tentativa de realização do acordo; por isso é exatamente no sentido da obrigatoriedade da audiência preliminar que se manifesta a jurisprudência. 369

Ressalte-se que, pelo sistema introduzido pela Lei n. 10.444/2002, que modificou a redação do art. 331 do Código de Processo, a audiência de conciliação, também denominada audiência preliminar, quando for caso de direito disponível e não estiverem presentes as situações que autorizem o julgamento antecipado (hipóteses em que o juiz poderá desde logo proferir sentença), será sempre obrigatória. Não há que se falar em facultatividade na realização da audiência preliminar, já que, cabendo a composição amigável do litígio, o magistrado estará obrigado a sua realização.

Em outras palavras, a audiência preliminar é obrigatória ou não é cabível no processo. Sempre que possível a conciliação, é dever do ma-gistrado designar a audiência preliminar, mesmo que as partes mani-festem prévio desinteresse no referido ato processual.

A conciliação entre as partes é possível a todo o tempo, em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição, mesmo após a prolação da sentença. Todavia, a audiência de conciliação apenas é realizada uma vez no processo, isso quando ele se encontrar no primeiro grau de jurisdição.

Por outro lado, questionamos: sempre é cabível a audiência preli-minar de conciliação?

Considerando a finalidade a que se destina esse ato processual - tentar compor consensualmente a lide -, é certo que apenas terá cabi-mento a audiência preliminar quando o litígio versar sobre direitos disponíveis, ou seja, aqueles passíveis de serem transacionados.

Por direitos disponíveis, como regra, podemos conceber os direitos relativos aos bens de natureza patrimonial, aqueles com repercussão direta no patrimônio da pessoa, e que sejam de natureza privada, já que os bens públicos são inalienáveis e indisponíveis por expressa previsão constitucional.

368Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 608, comentário ao art. 331.

369 "Audiência preliminar. Art. 331 do Código de Processo Civil. Tríplice finalidade. Obrigatoriedade, seja quando se discutam direitos disponíveis, seja mesmo quando verse a demanda direitos indisponíveis. Particularidade acrescida, na espécie, de a ação, de que se cuida, ser de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, com partilha de bens, matéria evidentemente suscetível de transação e, bem por isso, de conciliação. Nulidade configurada em haver sido o feito saneado por escrito, sem a designação de audiência preliminar. Agravo provido" (TJSP, Al n. 224.323-4/2, rei. Des. Quaglia Barbosa, j. 20.11.2001, v.u.). (BAASP 2284)

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Todavia, existem exceções a essa regra. Alguns direitos não patri-moniais são passíveis de disposição e, conseqüentemente, de serem objeto de acordo em audiência ou no curso do processo. É o caso, por exemplo, da dissolução do casamento ou separação dos cônjuges, que, apesar da natureza não patrimonial, é passível de acordo, já que a pró-pria lei do divórcio (Lei n. 6.515/77) admite a forma de composição consensual. O mesmo se diga dos alimentos que, pela natureza, são irrenunciáveis, mas a lei de alimentos autoriza o acordo judicial, inclu-sive determina a realização de audiência própria para a tentativa da composição amigável.

Ainda, impõe-se destacar que a lei instituidora dos Juizados Espe-ciais Federais permite a conciliação em relação a bens públicos, con-fiando aos procuradores competentes autorização para a realização de acordos nos processos que tramitam no âmbito daquele juizado, o que até então não existia em hipótese alguma (Lei n. 10.259/01).

E na ação de investigação de paternidade, podemos falar na possi-bilidade de audiência de conciliação? Como se vê pela natureza pura da ação, desconsiderando-se as questões de herança e alimentos, que são patrimoniais, a ação de investigação de paternidade tem natureza pura-mente não patrimonial, o que em princípio levaria à conclusão de que não seria cabível a conciliação, por se tratar de direito indisponível.

No entanto, a própria Lei Civil, em seu art. 1.609, incs. II a IV, autoriza o reconhecimento da paternidade em juízo ou mesmo extra- judicialmente por meio de escritura pública ou testamento, razão pela qual entendemos ser obrigatória a audiência preliminar nessa espécie de ação, já que o demandado poderá aceitar em juízo, pessoal e expres-samente, a paternidade que lhe é imputada pelo autor da ação.'1

Pela atual redação do art. 331 do Código de Processo Civil 370 (Lei n. 10.444/2002), conclui-se que a audiência preliminar de conciliação deve ocorrer antes do início da fase instrutória do processo, ou seja, antes mesmo da audiência de instrução, isso como medida de economia processual.

Por fim, resta-nos saber o funcionamento e os efeitos da audiência preliminar.

Designada a audiência, 371 comparecerão as partes no dia e no horário

370 "Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir."

371DESPACHO SANEADOR

Não havendo a conciliação, pela intransigência das partes ou por indisponibilidade do bem litigioso, o juiz dará prosseguimento ao pro-

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 349

marcados, pessoalmente ou representadas por procurador com poderes especiais para transigir, na presença de seus advogados. Iniciada a audiência, o magistrado deverá advertir às partes das vantagens da realização do acordo, sem que tal exortação importe em pre- julgamento.

Obtida a conciliação, suas cláusulas serão transcritas nos termos de audiência e, ao final, o magistrado proferirá uma sentença homolo- gatória da vontade manifestada pelas partes, provimento este que terá efeito de julgamento do mérito, nos termos do art. 269, inc. III, do Código de Processo Civil.

Há limite para o acordo entre as partes? O juiz poderá recusar-se à homologação da vontade manifestada pelas partes?

As partes poderão realizar livremente os seus acordos, sem que tal avença seja limitada pelo pedido ou objeto da ação. Tal permissão legal vem prevista no art. 475-N, III do Código de Processo Civil, que estabelece como título executivo judicial a sentença homologatória de conciliação ou transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo.

Da mesma forma, o magistrado não tem o poder ou direito de se envolver no acordo, de retrucar a vontade manifestada pelas partes. Ha-vendo a conciliação, o juiz se limita à homologação, não profere qual-quer juízo de valor sobre a lide.

A conciliação, como já tratamos, é forma de afastar a atividade ju- risdicional. Ao chegarem ao acordo, as partes afastam a vontade do Es-tado, para fazer prevalecer a vontade comum por elas ali manifestada.

As partes podem incluir na conciliação até mesmo matéria não posta em juízo (que não constou da inicial ou contestação), já que o artigo 475-N é expresso nesse sentido.

A homologação judicial representa o ato de confirmação, de rati-ficação, para dar à vontade das partes autoridade de título executivo judicial. Note-se que, quando da homologação de um acordo, o juiz limita-se a verificar a presença dos requisitos para a existência e vali-dade do ato jurídico civil, quais sejam: a capacidade para o ato, se o

cesso, proferindo o julgamento conforme o estado do processo ou o despacho saneador.

Na própria audiência de conciliação, se isso já não tiver ocorrido anteriormente, poderá o magistrado determinar às partes que especi-fiquem as provas que pretendem produzir, indicando, também, a per-tinência de cada uma para a solução do conflito.

"Processual. Despacho saneador. Fundamentação. Preliminar. Mérito. Exame. O despacho saneador não é nulo só por estar sucintamente fundamentado. Se a preliminar se confunde com o mérito, pode o julgador deixar para examiná-la com a questão de fundo. Embargos rejeitados." (STJ, 1a T., rei. Min. Garcia Vieira, j. 22.06.1998, v.u.)

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

objeto é lícito e se está sendo observada a forma prescrita ou não proi-bida pela lei.

Assim sendo, estando presentes os pressupostos do ato jurídico civil e sendo a matéria de sua competência, o magistrado encontra-se obrigado à homologação do acordo.

Chega-se ao momento do saneamento do processo, no qual será proferido o despacho saneador.

A finalidade e o conteúdo dessa decisão serão:7

a) A fixação dos pontos controvertidos. É na decisão saneadora que o magistrado indica quais os pontos controvertidos na ação - resultado do que foi pedido pelo autor e recusado ou infirmado pelo réu. A fixação tem a finalidade de estabelecer, de forma pre-paratória à fase de instrução, os fatos que serão objeto de prova (apenas os fatos controvertidos, pois o que não foi contestado é tido por verdadeiro).b) Apreciar os requerimentos de provas formulados pelas partes. É no despacho saneador que são apreciados os requerimentos de provas apresentados pelas partes, provas que, segundo critério de utilidade e Iicitude do meio de obtenção, serão deferidas ou indeferidas pelo magistrado (tema que será abordado no próximo capítulo).c) Decidir as questões processuais pendentes de julgamento. Por exemplo, o julgamento das impugnações, dos requerimentos diversos formulados pelas partes, etc. É também no despacho saneador que serão apreciadas as preliminares argüidas pelo réu na contestação, pois, em caso de acolhimento, poderão gerar a extinção sumária do processo (art. 267 do CPC).d) A determinação das providências para prosseguimento do feito. Dependendo da situação, o despacho saneador promoverá a reali-zação das provas deferidas, designará audiência de instrução (para colheita de provas orais) ou, estando o feito pronto para julgamento, chamará os autos conclusos para a prolação da sentença (julgamento conforme o estado do processo).

Importante consignar, ainda, que é absolutamente imprópria a terminologia despacho saneador.

Ao discorrermos acerca dos pronunciamentos judiciais, constatamos existir nos arts. 162 e 163 do Código de Processo Civil quatro espécies de atos jurisdicionais: despachos ordinatórios, decisões inter- locutórias, sentenças e acórdão, cada qual denominado em função da finalidade e efeitos que emprestam ao processo.

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 351

Segundo o conceito tradicional de despacho, é ele ato ordinatório do processo, ato de mera administração e impulso processual. Será que o despacho saneador se enquadra nessa definição?

Obviamente que não. O despacho saneador é pronunciamento jurisdicional revestido de alta carga cognitiva e decisória; não se trata de mero ato de impulso processual, mas de verdadeira decisão interlo- cutória que aprecia diversas questões processuais incidentes (como: a delimitação do fato controvertido, a apreciação das provas, o julga-mento dos incidentes etc.). É decisão que, como regra, poderá importar em prejuízo às partes.

Portanto, apesar de ser denominado como despacho saneador pela prática forense, na realidade, estamos diante de uma decisão tipica-mente interlocutória. 372

18 .4 JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO

PROCESSO

O processo é concebido sob um espírito da dialética em que o autor apresenta a sua pretensão, o réu contesta, abre-se oportunidade para a colheita de provas, tudo isso até que se chegue ao conhecimento pleno da lide, a ponto de ser possível a prolação de um julgamento fundado na prévia cognição de toda a controvérsia posta em juízo.

Como regra, o processo apenas é julgado quando o magistrado já procedeu a uma cognição exaurente sobre a lide.

Em alguns casos, esse momento de plenitude do conhecimento da lide é alcançado logo após o encerramento da fase postulatória, não havendo necessidade da dilação probatória; ou pode ocorrer de o processo não ter condições de julgamento do mérito, circunstância em que também pode haver a antecipação do momento do julgamento.

Acerca do julgamento conforme o estado do processo, o mestre Cândido Rangel Dinamarco disserta o seguinte:

Julgar conforme o estado do processo significa dar a este uma solução ou encaminhamento segundo a situação que se apresenta diante do juiz ao cabo das providências preliminares. Esse julgamento varia entre o ótimo, consistente em conceder desde logo a tutela jurisdicional mediante sentença de mérito, e o péssimo, que é a extinção do processo sem julgar a causa.

372 0 esclarecimento é relevante para que se possa determinar o cabimento ou não de recurso contra a decisão. Se afirmássemos tratar-se de despacho, alguns poderiam dizer que contra o ato não caberia nenhum recurso. Já as decisões interlocutórias podem ser impugnadas por meio do recurso de agravo.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Portanto, o julgamento conforme o estado do processo significa dizer que, em momento anterior ao que seria o ordinário, o processo já se encontra perfeito para a prolação de sentença, tendo completa a cog-nição para o provimento de mérito ou descoberto vício insanável, que conduz à extinção sumária. O julgamento conforme o estado do proces-so pode ser definido, grosso modo, como o parto prematuro do provi-mento jurisdicional (da sentença).

O julgamento conforme o estado do processo pode dar-se:

a) pela extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC);b) pelo julgamento antecipado do mérito.

■■ 18.4.1 E X T I N Ç Ã O S E M J U L G A M E N T O D O M É R I T O

Como já tratamos, o processo depende do preenchimento de pres-supostos mínimos para que o órgão julgador possa apreciar o mérito da lide, requisitos estes relacionados às condições da ação e aos próprios pressupostos processuais.

Assim, ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 267, o juiz poderá proferir, a qualquer momento, sentença de extinção do processo sem o julgamento do mérito da ação.mm 18 .4 .2 J U L G A M E N T O A N T E C I P A D O D O M É R I T O

O julgamento conforme o estado do processo não se dá apenas sem julgamento do mérito; pode ocorrer, também, de o processo ser extinto, prematuramente, mas com a apreciação do mérito (art. 269, inc. I, do CPC), ou, pelo menos, por uma sentença que equivale ao julgamento do mérito, como ocorre com as hipóteses dos incs. II a V do art. 269 do Código de Processo, conforme orientação do art. 329.

Inicialmente, cumpre consignar que o processo pode ser extinto, com julgamento do mérito, em razão das causas previstas nos incs. II a V do art. 269, ou seja, quando o réu reconhecer a procedência do pedido, quando as partes transigirem (fizerem acordo), quando o juiz reconhecer a decadência ou a prescrição ou quando o autor renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação.

Por outro lado, poderá haver o julgamento antecipado, hipótese em que, sendo dispensada a dilação probatória, o magistrado conhecerá diretamente do pedido. Nos termos do art. 330 do Código de Processo Civil, ocorrerá o julgamento antecipado:

a) quando a questão de mérito for unicamente de direito;b) quando a questão de mérito for de direito e de fato, mas os fatos

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 353

não dependerem mais de provas;c) quando forem aplicados os efeitos da revelia.

Em todas as hipóteses do art. 330, vislumbra-se que o processo se encontra pronto para o julgamento, isso por não haver a necessidade de dilação probatória. Em se tratando de questão unicamente de direito, torna-se evidente a desnecessidade de dilação probatória, já que o direito, como regra, independe de prova, ou, ainda, sendo a questão de fato, os fatos já estarem totalmente provados.

Por fim, aplicando-se ao réu os efeitos da revelia, os fatos alegados pelo autor serão presumidos como verdadeiros, portanto, estando todos eles incontroversos, o processo encontra-se absolutamente pronto para receber o provimento judicial com a aplicação do direito.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

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355

19

I N S T R U Ç Ã O D O

P R O C E S S O

19.1 TEORIA GERAL DA PROVA

O termo instrução do processo refere-se à produção e colheita de provas, e à preparação do processo para permitir o julgamento do mérito. O processo de conhecimento pressupõe que as partes levem ao Judiciário os seus fatos, demonstrem a veracidade de suas alegações, comprovem suas afirmações, para que sobre esses fatos o magistrado possa aplicar o direito ao caso concreto.

A instrução é típica atividade dos três sujeitos da relação processual, cada qual agindo conforme seus interesses: as partes visam a convencer o magistrado de suas versões, en-quanto esse tenta conhecer do litígio para sobre ele proferir o julgamento.

Na realidade, a instrução do processo não se limita ao momento denominado “fase instrutória” ou “dilação proba-tória” (que se desenvolve após o saneamento), mas podemos constatar atividade probatória durante todo o curso do pro-

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356 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

1 O novo processo civil brasileiro, p. 55.? Manua!de direito processual civil, vol. I, p. 255.

cesso em primeira instância: na petição inicial e na contestação, respectivamente, o autor e o réu trazem ao processo os documentos de que dispõem naquele momento processual; a prova poderá ter sido colhida (por meio de procedimento preparatório, que visa a evitar o seu perecimento) antes mesmo da propositura da ação etc.

Como ensina Barbosa Moreira, os atos probatórios não se concentram, de modo exclusivo, em uma única fase ou momento processual.1 Assim, os atos probatórios podem ser realizados durante todo o curso do processo e não apenas na fase do processo de conhecimento denominada instrutória.

No entanto, não se pode negar que é após o saneamento do processo, quando não há conciliação, ou não sendo caso de julgamento conforme o estado do processo, que se realiza a maior parte dos atos típicos da instrução do feito. É nessa fase de dilação probatória que é dada a oportunidade às partes de levar ao processo elementos que formem a convicção do magistrado, obviamente, cada parte dentro de seu interesse no deslinde da demanda.

A prerrogativa ao exercício da prova no processo representa direito fundamental previsto no art. 5o da Constituição da República, o qual não se limitou a assegurar aos litigantes o direito de contraditório, mas também garantiu a faculdade de ampla defesa dos fatos que alegam em favor da sua pretensão em juízo.

Acerca da fase instrutória, José Frederico Marques ensina:

Os fatos afirmados pelas partes precisam ser demonstrados para que sobre eles forme o juiz sua convicção.[...] Com a prova, há uma recons-trução histórica dos acontecimentos, episódios e fatos concernentes ao litígio.2

Dessa forma, podemos entender as provas como sendo todo e qualquer elemento levado ao processo para demonstração da verdade dos fatos afirmados pelas partes. No processo, como regra, as partes devem comprovar os fatos que alegam, devem levar aos autos todos oselementos que convençam o magistrado de que ocorreram ou são da forma narrada na petição inicial ou na contestação.

Na lição de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco,“a prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou corrência dos fatos controvertidos no processo”.373

O direito à prova no processo é garantia constitucional e encontra fundamento no próprio Estado Democrático de Direito, impedindo-se a utilização no processo das provas obtidas por meios ilícitos.

A colheita das provas deve ser pautada com a observância de todas as garantias constitucionais relativas à inviolabilidade do sigilo de correspondência, de dados de comunicações telegráficas e telefônicas;374 à inviolabilidade da casa;375 e ao respeito da intimidade e da vida privada.376

Nesse ponto, há que se fazer uma distinção entre prova ilegítima e prova obtida por meio ilícito. A prova ilegítima é aquela cujo conteúdo ou cuja forma não correspondem à verdade. Por sua vez, a prova obtida por meio ilícito é aquela em que o método empregado na sua obtenção operou-se ao arrepio da lei ou do ordenamento jurídico como um todo.

Essa diferença é substancial para a definição dos efeitos em relação ao processo.A prova obtida por meio ilícito não pode, sequer, ser admitida no processo, e caso seja

constatada a ilicitude do meio, o elemento probatório deverá ser desentranhado do processo. Da mesma forma, ela não pode servir como fundamentação da sentença do juiz - seja para deferir ou indeferir o pedido, pois é considerada inexistente para o processo.377

Por sua vez, a prova ilegítima é admitida no processo e, inclusive, poderá fazer parte da fundamentação da sentença - como análise dos fatos ou argumento para a concessão ou negativa da tutela às partes.

Vamos imaginar que é juntada ao processo uma gravação de conversa telefônica colhida sem a autorização de um dos interlocutores: nesse caso, apesar de o conteúdo da prova ser verdadeiro (de fato, a conversa é das partes e legítimo o conteúdo), o meio utilizado na sua obtenção é absolutamente contrário à garantia constitucional de inviolabilidade da conversa telefônica, portanto, uma prova que não pode ser admitida no processo por ter sido obtida por meio ilícito.

Em relação às provas obtidas por meios ilícitos, o Supremo Tribunal Federal adotou a teoria dos

373Teoria gerai do processo, p. 348.374 Art. 5o, inc. XII, da Constituição Federal. O referido artigo admite a quebra

do sigilo telefônico apenas para a instrução do processo ou investigação criminal, e mediante ordem judicial. Nos demais casos - sigilo de correspondência, de dados ou telegráficos -, não se admite a violação mesmo com autorização judicial.

375 Art. 5o, inc. XI, da CF.376 Art. 5o, inc. X, da CF.377 Há manifestações doutrinárias no sentido de se dar admissão relativa à

prova obtida por meio ilícito quando se tratar do único meio de prova disponível à segurança do direito da parte, levando-se em consideração, para essa interpretação, a proporcionalidade entre as garantias constitucionais do direito de ação e da proibição da prova ilícita.

Page 359: Manual de Direito Processual Civil

357

frutos da árvore contaminada, pela qual, se o meio usado para a obtenção da prova foi em violação ao ordenamento jurídico, todos os frutos ou resultados advindos dessa prática ilícita estarão contaminados e, portanto, inadmissíveis para o processo.

■i 19 .1 .1 D E F I N I Ç Ã O E O B J E T O D A P R O V A

A prova pode ser definida como todo e qualquer elemento capaz de representar um fato e auxiliar na convicção do juiz quando do julgamento do mérito da causa.

Portanto, podemos dizer que o destinatário da prova sempre será o magistrado, que, dentro de uma percepção lógica, se utilizará desses elementos levados ao processo para outorgar o bem jurídico a uma ou outra parte na demanda.

Assim, considerando a finalidade da prova, perguntamos: qual o objeto da prova?A regra é no sentido de que a prova deve recair sobre os fatos controvertidos, ou seja, os fatos

afirmados por uma parte e impugnados pela outra. Como já tratamos, a omissão do réu em contradizer as alegações do autor gera o efeito de presunção de veracidade dos fatos não impugnados, os quais não serão objeto da prova.

Podemos afirmar categoricamente que apenas os fatos litigiosos serão objeto da instrução processual.

No processo, podemos verificar a controvérsia entre as partes sobre a existência ou não de fatos, ou, ainda, divergências acerca do direito, da interpretação da lei.378 O litígio sempre será consubstanciado na ocorrência de um fato da vida real dos litigantes, por exemplo, um acidente, o descumprimento dos deveres do casamento etc., ou, ainda, na interpretação que cada parte espera que seja dada ao direito, por exemplo, se um tributo é ou não inconstitucional, se o companheiro tem direito à herança etc.

Assim, nesse ponto surge a indagação: o que será objeto de prova? A parte deve provar o direito

ou o fato?Ordinariamente, apenas os fatos serão objeto da prova processual, pois há presunção legal de que

o magistrado conhece o direito, que o juiz tem conhecimento do texto da lei. Portanto, a regra é no sentido de que a parte deva fazer prova dos fatos que alega para que, sobre esses fatos provados, o magistrado possa aplicar o direito.

No entanto, essa regra comporta exceções. Alegando a parte legislação municipal, estadual, estrangeira (internacional: tratados, leis de outros países etc.) ou direito consuetudinário, é facultado ao magistrado determinar, à parte que alegou, a comprovação de existência e vigência do direito invocado.

Como regra, o juiz tem o dever de conhecer a legislação federal, podendo exigir da parte a demonstração do direito municipal, estadual, estrangeiro ou costumeiro.

Como conseqüência lógica da finalidade da prova no processo, o art. 334 expõe os fatos que independem de prova, quais sejam:

a) os fatos notórios, entendidos como aqueles que podem ser considerados como públicos e de conhecimento geral, como, por exemplo, as datas festivas, ou fatos que aconteçam em determinada região (enchentes, trânsito ou violência);379

b) os fatos afirmados por uma parte e confessados ou admitidos pela parte contrária, ou seja, quando o fato for tido por incontroverso, dada a admissão (tácita ou expressa) pelas partes. Como regra, as partes têm o ônus de se contrapor aos fatos apresentados pela parte adversa, pois, se assim não o fizerem, poderão sofrer o prejuízo de admissão dos fatos como verdadeiros (efeitos da revelia ou confissão);

c) aqueles fatos em cujo favor há presunção legal de existência ou veracidade. Seria o caso, por

exemplo, das certidões que gozam de fé pública. As presunções legais podem ser relativas (juris tantum) ou absolutas (jures et de jure),'0 as primeiras admitindo prova em sentido contrário, enquanto as outras não.

Ainda, não obstante a falta de previsão legal, podemos dizer que os fatos considerados irrelevantes para o deslinde da causa também não serão objeto da prova380 (a relevância será apreciada em função da importância do fato para o julgamento e o resultado da causa). Por exemplo, em uma ação de alimentos entre pai e filho, não há razão para que se discuta e se realize prova acerca dos motivos pelos quais os pais se separaram; é comum que as partes (e seus patronos) abarrotem os processos com

378 João Batista Lopes, A prova no direito processual civil, p. 25.379 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civ/i, v. I. p. 421.380" Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel

Dinamar- co, op. cit., p. 349.

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358 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

1 O novo processo civil brasileiro, p. 55.? Manua!de direito processual civil, vol. I, p. 255.

fatos absolutamente estranhos à pretensão. A prova sempre terá como escopo o fato que tenha importância para o julgamento da causa.

Por essa razão, ao requerer e especificar as provas que pretendem produzir, as partes deverão considerar o objeto dessa instrução, qual seja, o fato controvertido no processo, visando a praticar apenas atos úteis e necessários à formação da convicção do magistrado.

M 1 9 . 1 . 2 Ônus P R O B A T Ó R I O

O exercício do direito de prova é prerrogativa da parte, mas os litigantes não estão obrigados à produção da prova dos fatos que alegam. Nesse sentido, bem conceitua o art. 333 do Código de Processo Civil, que atribui às partes o ônus processual de instrução da causa.

Por ônus, contemplamos uma faculdade para a prática de um ato processual, e cuja inobservância poderá acarretar uma conseqüênciaprocessual, como regra, prejudicial à pretensão da parte. Portanto, as partes não podem ser coagidas à produção da prova, mas têm elas o ônus de demonstrar ao magistrado a veracidade daquilo que alegam, e, desincumbindo-se desse encargo processual, com grande probabilidade, não lograrão êxito em seus pedidos ou defesa.

Ao tratar do ônus probatório, discorre Humberto Theodoro Júnior que:

Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o liti-gante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguar-dar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.12

Em princípio, não compete ao órgão jurisdicional advertir os litigantes sobre a qual das partes recai igualar o ônus da prova, pois cada um deve conhecer esse encargo. No entanto, quando ocorrer a inversão do ônus da prova, nada obsta que o magistrado, quando da prola- ção da decisão saneadora, indique a referida inversão.

Como regra geral, quando da exposição dos fundamentos que formaram a sua convicção, na sentença, o magistrado apreciará (e dará valor) às provas produzidas pelas partes e, aí sim, verificará se o ônus foi ou não cumprido.

Os critérios de definição do ônus probatório estão dispostos da seguinte forma no art. 333 do

Código de Processo Civil:

a) Ônus do autor. Ao autor incumbe a prova dos fatos que constituem o seu direito. Por exemplo, quando o autor pretende que o réu lhe pague determinada quantia, deverá provar a existência da obrigação (a obrigação e o conseqüente crédito representam o fato constitutivo do seu direito).

b) Ônus do réu. É encargo do réu a produção de prova relativa à existência de fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito pretendido pelo autor. Ainda dentro do exemplo anterior, seria ônus do réu provar já ter efetuado o pagamento, fato esse que representa alegação extintiva do direito do autor, ou, ainda, que o débito não existe, que foi realizada transação a respeito (fato impeditivo ou modifkativo) etc.

Em síntese, a norma determina que cada parte deverá provar os fatos relativos à sua pretensão no processo.

Por outro lado, devemos perguntar: podem as partes pactuar sobre o ônus da prova? É possível que a vontade comum das partes altere o disposto no art. 333 do Código de Processo Civil?

A resposta é positiva, no sentido de que a lei processual admite como válido o acordo entre as partes (em contrato, por petição etc.) de alteração ou inversão do ônus probatório previsto no art. 333 do Código de Processo Civil. No entanto, será considerada nula a convenção toda vez que gerar a impossibilidade de produção da prova ou torná- la excessivamente difícil de realização.

Além disso, não se admite a convenção sobre o ônus da prova quando a lide versar sobre direitos indisponíveis, hipótese em que, caso exista o acordo que altera a regra comum, deverá prevalecer o dis-posto no art. 333 do Código de Processo Civil.

Outra questão relevante acerca do ônus probatório é a possibilidade de sua inversão, em face da regra contida no art. 6o do Código de Defesa do Consumidor,381 pelo qual, sendo hipossuficiente o consumidor litigante ou verossímeis as suas alegações, poderá o magistrado inverter o ônus da

38115 "Art. 6o [...]VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus

Page 361: Manual de Direito Processual Civil

359

realização da prova no processo.M

Fundamental relevância tem essa previsão para a defesa do consumidor em juízo. Normalmente, considerando a posição do fornecedor,o consumidor será a parte mais fraca da relação jurídica processual, fato esse que diminui (ou até impede) o acesso à justiça. Grande vantagem prática dessa inversão é, também, a transferência da obrigação do pagamento das despesas com a realização da prova, como indenizações às testemunhas, honorários de peritos382 etc.

Poderíamos, à primeira vista, pensar tratar-se de previsão legal que dá privilégio ao consumidor, benefício que estaria ferindo o princípio da igualdade entre as partes. No entanto, tal ofensa não se verifica.

É justamente para garantia da igualdade entre as partes que se admite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, já que ele é, presumidamente pela lei (art. 4o, inc. I, do Código de Defesa do Consumidor), reconhecido como a parte mais fraca do litígio. Portanto, a inversão seria meio de tentar equilibrar essa desigualdade decorrente da própria relação, fazendo, assim, prevalecer a igualdade entre elas. O que o art. 6o do CDC faz é tão-somente fazer incidir sobre a relação processual o princípio constitucional da isonomia.383

mt 1 9 . 1 . 3 Reque r imen to e Admi s são da p rovaO art. 282, inc. VI do Código de Processo Civil determina que o autor deverá, na própria petição

inicial, requerer as provas com que pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. Da mesma forma, é na contestação que o demandado formula o seu requerimento de provas.

Ressalte-se que, no procedimento ordinário, as partes apenas formulam requerimentos genéricos de provas na inicial e na contestação e, quando das providências preliminares, terão a oportunidade para especificá-las e indicar a pertinência de cada meio pretendido.

Assim, no rito ordinário, a proposição da prova passa por dois momentos: um primeiro em que a parte formula um requerimento genérico384 e, em momento posterior, terá a oportunidade de especificar as provas, ou seja, informar precisamente qual meio será utilizado (testemunha, perícia etc.).

Para o rito sumário, não se admite tal requerimento genérico de provas, sendo certo que as partes deverão desde logo, na petição inicial ou contestação, indicar com precisão as provas que almejam produzir no processo: com a apresentação do rol de testemunhas, requisição de perícia, indicação do assistente técnico e os quesitos que esperam ser respondidos na perícia, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a preclusão.

Devemos lembrar que, para garantir a celeridade, no rito sumário é prevista maior concentração de atos processuais.

O protesto geral permitido no rito ordinário decorre do fato de, na fase postulatória do processo (petição inicial e contestação), não existir ainda a fixação dos pontos controvertidos da demanda, não se sabendo, portanto, quais serão o objeto e o ônus da prova. Apenas com o advento da contestação é que as partes e o magistrado terão condições de aferir quais fatos são controvertidos e, conseqüentemente, poderão ser objeto da dilação probatória.

Com o saneamento do feito (art. 331, § 2o, do CPC), o magistrado levantará os pontos controvertidos que serão objeto de instrução, e, conseqüentemente, determinará às partes a especificação das provas.

É importante consignar que, antes da contestação, não há como se especificar - com precisão - as provas que serão realizadas, pois não existe ainda a formação do contraditório e, como sabemos, o objeto da prova (fato controvertido) ainda não está definido.

Especificadas as provas pelas partes, o juízo deverá proceder a uma análise de utilidade e pertinência dos atos requeridos, lembrando que, pelo princípio da utilidade e economia processual, o juiz tem o dever de indeferir os atos desnecessários à lide, nestes termos do Código de Processo Civil:

Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."

382 "Código de Defesa do Consumidor. Leasing. Inversão do ônus da prova. Perícia. Antecipação de despesas. Aplica-se o CDC às operações de leasing. A inversão do ônus da prova significa também transferir ao réu o ônus de antecipar as despesas de perícia tida por imprescindível ao julgamento da causa." (STJ, 4a

T„ REsp n. 383.276/RJ, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 12.08.2002, v.u.)383,6 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil

comentado, p. 1354.384 Requer o autor (ou réu) a produção de todas as provas em direito admitidas.

Page 362: Manual de Direito Processual Civil

18 A prova civil, p. 81, edição traduzida por Lisa Pary Scarpa.

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 360Toda e qualquer prova é submetida à apreciação do magistrado, que, pela utilidade e licitude do

meio, defere ou indefere o requerimento da parte.Com base nos critérios de utilidade da prova para o processo e a licitude do meio de obtenção, o

magistrado apreciará os requerimentos, podendo indeferir as provas que entender desnecessárias ao resultado da lide ou cuja forma de obtenção importar em violação do ordenamento legal. O indeferimento da prova apenas pode ocorrer nos casos mencionados, pois, caso contrário, caracterizará cerceamento do direito constitucional de ampla defesa.

Por outro lado, não obstante a predominância, no processo civil, do princípio do dispositivo pelo qual a jurisdição age quando provocada, a lei concede ao magistrado o poder de determinar as provas que entender necessárias, prerrogativa essa que também se estende ao Ministério Público, quando integra a

relação processual na qualidade de custos legis (art. 83, inc. II, do CPC). Tal previsão legal pode ser considerada como típico indício de aplicação do princípio da verdade real no processo civil.

■I 19 .1 .4 PRODUÇÃO DA PROVAA colheita das provas no processo civil observa o princípio da imediação, pelo qual é o juiz quem

mediará a realização da prova, e todo elemento probatório passa pela pessoa do magistrado. Por exemplo, quando da realização das perguntas às testemunhas, os advogados deverão fazê-las ao magistrado que, entendendo serem elas pertinentes, dirigi-las-á ao depoente.

Obviamente, por ser o magistrado o destinatário da prova, a regra é no sentido de que a sua realização deverá ocorrer diante do julgador, ou levada diretamente a ele, para que possa formar a sua convicção.

Como ensina Francesco Carnelutti,18 em obra-prima do Processo Civil, a prova pode ser direta ou indireta.

Por prova direta entende-se aquela cujo fato é levado diretamente ao magistrado, para que ele, com seus próprios sentidos, conheça da realidade e sobre ela profira um julgamento; por exemplo, podemos dizer ser prova direta a verificação de um documento, a inspeção judicial (pela qual o juiz se dirige ao local), o depoimento pessoal das partes para a obtenção da confissão etc. Na prova direta, o juiz exerce sua percepção diretamente sobre o fato.

Ao contrário, vislumbramos provas indiretas, caracterizadas pelos elementos levados ao processo e que são percebidos, pelo magistrado, por meio de outro sujeito. O juiz não mantém contato direto com o fato, mas o faz por meio de outra pessoa. É o que ocorre, por exemplo, em nosso sistema, com a prova testemunhal ou a prova pericial, pelas quais o juiz aprecia o fato sob o prisma da percepção realizada por outros sujeitos. Na prova indireta da percepção de outrem, o juiz deduz o fato.385

No que se refere ao momento de produção da prova, seja ela direta ou indireta, podemos afirmar não existir uma regra a respeito. Cada espécie de prova tem o momento próprio de ser praticada com eficácia.

O art. 336 do Código de Processo Civil estabelece que, salvo disposição em contrário, as provas são produzidas em audiência. Na verdade, o referido artigo não reflete a regra acerca do momento da produção da prova, mas somente reforça a idéia do princípio da imediação, segundo o qual a prova deve ser produzida diante do magistrado.

Na realidade, apenas serão praticadas em audiência as provas orais, como os depoimentos das partes, a oitiva das testemunhas, a ouvida dos esclarecimentos dos peritos e assistentes técnicos, ficando as demais dispensadas de produção em audiência, mesmo porque há impossibilidade material para tanto (perícias, juntadas de documentos, exibição etc.).

Como se vê, cada espécie de prova é praticada em um momento próprio dentro do processo. Todavia, não se pode deixar de asseverar que a prova também pode ser colhida fora do processo, ou seja, produ-zida antecipadamente à propositura da ação de conhecimento ou, ainda, emprestada de outro feito ou requisitada a outro órgão jurisdicional.

a) Prova emprestada. A prova emprestada é aquela produzida em outro processo e trazida aos autos da ação em que se pretende demonstrar o fato já constatado na outra ação.

Obviamente, a prova colhida em um processo - como depoimento de testemunhas, documentos juntados, laudos periciais - pode, perfeitamente, fazer prova em outro processo que trate do mesmo objeto ou tenha os mesmos fatos a provar.

No entanto, deve-se sempre respeitar o direito de contraditório das partes,386 inclusive admitindo

385 Para Carnelutti (op. cit., p. 96): "O tipo simples da prova direta apresenta o contato imediato entre o juiz e o fato a provar; nele, o meio de conhecimento se limita a uma atividade do juiz, ou seja, a dirigida à percepção do fato a provar. 0 tipo complexo da prova indireta mostra, entretanto, a separação entre o juiz e o fato a provar, uma vez que é estabelecido por um fato intermediário, que forma elo de conjunção entre aqueles dois termos: aquio conhecimento não se obtém unicamente mediante a atividade do juiz, senão também por meio de um fato exterior, a respeito do qual se exercita a atividade perceptiva e dedutiva".

386 "Prova. Emprestada do Juízo Criminal. Aproveitamento. Cabimento. Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Princípio do contraditório observado. Fatos em questão são os mesmos. Arrolamento fora do prazo. Irrelevância. Justificativa satisfatória. Identidade de partes nos processos. Inexigibilidade. Recurso provido." (TJSP, Al n. 136.633-4, rei. Des. Sousa Lima, j. 23.02.2000, v.u.)

"Compromisso de Compra e Venda. Imóvel. Reintegração de posse. Improcedência. Posse não comprovada. Impossibilidade, ademais, de acolhimento

Page 363: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 361a repetição da prova emprestada para dar à parte a oportunidade do contraditório não exercido no momen-

to em que a prova foi produzida no processo de origem.Além disso, quando da valoração da prova (com observância do poder de livre convencimento do

magistrado), o juiz deverá considerar o fato de a prova ter sido produzida em outro processo, isso de forma a não prejudicar a sua percepção direta acerca do fato litigioso.387

b) Produção antecipada de prova. Ordinariamente, a prova é produzida no processo de

conhecimento, no momento oportuno para isso. Determinadas provas podem ser produzidas de imediato com a

propo- situra da ação ou apresentação da contestação, como ocorre com a prova documental, e outras

espécies de provas são produzidas dentro da fase de dilação probatória, como a perícia e a ouvida de

testemunhas.

Todavia, nem sempre a constatação do fato pode aguardar o momento oportuno do processo de

conhecimento. Em determinadas situações, não se pode retardar a colheita da prova, sob pena de pereci-

mento dessa e de inviabilidade de comprovação dos fatos em juízo.

Imaginemos que a possível testemunha esteja em seu leito de morte, ou, ainda, que o fato seja

passível de desaparecer com o tempo; nesses casos, evidentemente, não há como se esperar a audiência de

instrução ou a perícia do processo de conhecimento para a colheita da prova.

Por essa razão, o ordenamento processual concebeu duas modalidades de ações cautelares nominadas

destinadas à colheita antecipada ou preparatória de provas, com a finalidade de evitar que a prova

pereça e não possa ser utilizada em juízo.

Assim, presta-se a cautelar de produção antecipada de provas (art. 846 do CPC) para a colheita do

interrogatório ou depoimento das partes, inquirição de testemunhas ou exame pericial, bem como tem

natureza acautelatória e preparatória a ação cautelar de exibição de documentos (art. 844 do CPC); ação

essa que visa trazer a juízo documentos ou coisas em poder da parte contrária ou de terceiros.

Nota-se que, em ambos os casos, as cautelares apenas se destinam à colheita da prova processual;

prova essa que, futuramente, será utilizada no processo principal (processo de conhecimento). Na ação

cautelar não haverá valoração da prova, mas a sua produção em juízo, como forma de evitar que pereça e

cause prejuízo à pretensão da parte.

A antecipação da prova se distingue da prova emprestada; essa é produzida em juízo alheio àquele

de peças extraídas de inquérito policial como prova emprestada, eis que produzidas sem contraditório. Recurso provido para esse fim. Sempre que o autor não demonstra o fato constitutivo do seu alegado direito, a única solução possível é a improcedência de sua pretensão." (TJSP, Apelação n. 209.106-2, rei. Des. Laerte Nordi, j. 27.05.1993, v.u.)

387 "Ação Civil Pública. Rodeios. Uso do 'sedém' - Pretensão que visava à condenação da municipalidade na proibição desses eventos. Prova emprestada de outro processo que não possibilita a avaliação do caso posto em julgamento. Sentença de procedência. Recurso provido." (TJSP, Apelação n. 164.518-5, rei. Des. Rui Cascaldi, j. 09.05.2001, v.u.)

"Ação Civil Pública. Patrimônio Público. Provas. A ação civil pública pode ser entendida ampla. Tratando-se de prova documental pode ela ser emprestada, cabendo ao réu produzir a contraprova. Não se desincumbindo de tal mister, tem-se por provados os fatos demonstrados pelos documentos." (TJSP, Apelação n. 67.531-5, rei. Des. Lineu Peinado, j. 22.06.1999, v.u.)

Page 364: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

que julgará a ação principal de conhecimento, e pode ser decorrente de qualquer processo, inclusive os

que tramitam fora da jurisdição civil comum (como processo criminal, trabalhista, eleitoral etc.). Já a

produção antecipada de provas em sede de ação cautelar é realizada pelo mesmo magistrado que conhecerá

da ação principal388 - em outras palavras, é competente para a ação principal o mesmo juízo que conheceu

da ação cautelar, fato que garante o princípio da imediação.

c) Instrução por carta. Como já tratamos anteriormente, havendo a necessidade da prática de atos processuais fora da competência do magistrado (local ou função pela hierarquia), deverá ele requerer a realização do ato ao magistrado competente, por meio das denominadas cartas (precatória, rogatória e de ordem).

Assim, quando da produção da prova, o juiz poderá se valer das cartas quando houver de colher ou produzir provas além dos limites de sua competência. Nesse ponto, podemos citar o exemplo da testemunha que reside fora da comarca, o que permitiria a sua ouvida por meio de carta precatória no juízo de seu domicílio; ou ainda, seria o caso do juiz necessitar de uma perícia em coisa que esteja fora de sua competência territorial.

Em se tratando de instrução por carta, o art. 338 do Código de Processo Civil disciplina a regra de suspensão do processo enquanto o ato é praticado. O artigo determina que apenas haverá a suspensão do processo, para que se aguarde o retorno da carta, quando a prova houver sido requerida antes do despacho saneador; em caso contrário, o processo poderá ser julgado mesmo sem o retorno da carta (podendo a carta ser juntada aos autos a qualquer momento, mas correndo o risco de ser atrasada para a solução da lide).

mm 19 .1 .5 Va lo ração da P rova

Admitida e realizada a prova no processo, o juízo terá livre poder para sua apreciação, podendo

formar sua convicção sem observância de uma ordem legal de valoração da prova, como preceitua o

dispositivo do Código de Processo Civil a seguir:

Art. 131.0 juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

Obviamente, em consonância com o princípio da fundamentação dos atos judiciais, previsto no inc. IX do art. 93 da Constituição da República, e mesmo para garantir o direito de contraditório, o juízo deverá expor, na sentença, os motivos e provas que formaram o seu convencimento, apresentando a valoração dada aos elementos trazidos pelas partes ao processo.

Nenhuma prova, por mais contundente que seja, é interpretada isoladamente. É dever do juiz, ao proferir sentença, apreciar a prova em relação a todo o conjunto probatório, em função de todas as pro-vas colhidas no processo, já que um elemento poderá servir como reforço para o outro, ou mesmo para desmenti-lo.

A processualística tem vislumbrado três espécies de valoração da prova. A primeira delas equivale à teoria da prova legal, segundo a lei que atribui um valor específico para cada modalidade de prova. Outro sistema é o da valoração segundo a consciência do magistrado, que deixa ao livre-arbítrio do juiz a avaliação das provas trazidas aos autos. Por fim, contempla-se o princípio do livre convencimento motivado do juiz ou da persuasão racional, método que permite ao magistrado, dentro de uma lógica, formar a sua convicção, mas com o dever de fundamentar ou justificar tal raciocínio lógico.389

Foi positivado no Brasil o sistema da persuasão racional (livre convencimento motivado), conforme o art. 131 do Código de Processo Civil.

Outro aspecto relevante no momento da valoração da prova é o fato de que, uma vez levado ao processo, o elemento probatório pode beneficiar ou prejudicar a pretensão de qualquer uma das partes. Não importa quem carreou a prova aos autos, os efeitos advindos do seu conteúdo serão comuns a ambas.

O magistrado sempre será o destinatário da prova, pois é a ele que interessa a demonstração da verdade dos fatos, para o conhecimento da lide e formação da sua convicção acerca da pretensão.

Finalmente, não se pode deixar de dizer que o magistrado, apesar de ter poder e liberdade para determinar as provas de ofício, apenas poderá formar a sua convicção com base nas provas levadas aos autos; poderá considerar apenas a verdade que estiver documentada no processo.

388 Em se tratando de cautelar preparatória (proposta antes da ação principal), finda a ação, essa permanecerá arquivada em juízo, devendo a futura ação principal ser distribuída por dependência à ação cautelar preparatória para que seja julgada pelo mesmo juízo. Ao contrário, em caso de cautelar incidental (ação principal já em curso), seguirá a produção antecipada em apenso ao processo principal.

38973 Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. cit., p. 351.

Page 365: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 363m 19 .1 .6 E S P É C I E S D E P R O V A S

O ordenamento processual admite de forma ampla o direito de exercício de prova no processo, concebendo que todos os meios legítimos, entendidos como aqueles não contrários à lei, são hábeis para provar a verdade dos fatos apresentados na inicial ou na defesa (art. 332 do CPC).

Não obstante a ampla admissão, o Código prevê as seguintes espécies de provas:

a) Provas documentais. Relacionadas à apresentação de documentos ou coisas como forma de demonstração da verdade dos fatos (arts. 364 a 399 do CPC).

b) Provas técnicas. Constatação do fato por profissional habilitado na área ou matéria (prova pericial); previstas nos arts. 420 a 439 do CPC.

c) Provas orais. Consistentes nos depoimentos das partes, ouvida de testemunhas e acareações (arts. 342 a 354 e 400 a 419 do CPC).

d) Constatação ou inspeção. É a prova por mera inspeção judicial (arts. 440 a 443 do CPC) ou constatações realizadas por auxiliares do juízo, sem a necessidade de conhecimentos técnicos específicos.

1 9 .2 CONF ISSÃO

A confissão é a admissão, pela própria parte, de fatos contrários à sua pretensão, nos termos definidos no art. 348 do Código de Processo Civil, com natureza civil de negócio jurídico unilateral.

Assim, quando de suas manifestações, sejam orais ou por petição, as partes poderão reconhecer fatos contrários àquilo que desejam na ação ou tenham afirmado anteriormente em sua defesa, gerando com isso a confissão.

Nota-se que a confissão é sempre prova que beneficia a parte contrária e nunca aquela que confessou. Diante da sua natureza, Theodo- ro Junior afirma que a confissão é conhecida como sendo a “rainha das provas”, pela força que tem na convicção do magistrado.24

De qualquer forma, como já afirmamos quando do estudo da apreciação das provas, a confissão não é uma espécie de prova absoluta (não gera uma presunção absoluta do fato), mas, como qualquer outra prova, deve ser analisada dentro do conjunto probatório levado aos autos.

Vamos imaginar que o réu compareça em juízo e admita ser o causador do acidente. Mais adiante, é realizada prova pericial e o experto conclui que o acidente ocorreu em razão de defeito no veículo do autor. Nesse caso, deverá o magistrado condenar o réu apenas pelo fato de ele ter confessado? Obviamente que não. A decisão deverá tomar em consideração todas as provas levadas aos autos, podendo o juiz, dentro do sistema de persuasão racional, aplicar o julgamento que entender cabível em razão da análise do conjunto probatório (condenando ou não o réu).

■i 19 .2 .1 ES P É C I E S D E CO N F I S S Ã O

A confissão pode ser classificada como:

a) Judicial ou extrajudicial. A confissão judicial é aquela que ocorre dentro do processo quando das manifestações ou atos das partes. Ao contrário, a confissão extrajudicial é aquela gerada fora do âmbito do Poder Judiciário, mas que pode ser levada aos autos. Temos uma confissão extrajudicial quando a parte firma declarações por instrumentos particulares ou mesmo públicos.

b) Espontânea ou provocada (art. 349 do CPC). Nesse ponto, o critério considerado para a classificação tem como base a iniciativa para a confissão. Partindo a confissão de iniciativa da própria par-te, estaremos diante de caso de modalidade espontânea; no entanto, caso a parte tenha sido incitada ou estimulada por terceira pessoa a confessar (pelo advogado, pela parte contrária, pelo próprio juiz etc.)> temos a forma provocada. Seria caso de confissão provocada, por exemplo, a parte comparecer em juízo para prestar depoimento e, nesse ato, admitir fatos contrários à sua pretensão. A confissão é ato que pode ser realizado por procurador ou mandatário, desde que tenha ele poderes especiais para isso (art. 349, parágrafo único, do CPC).

c) Ficta ou real. A confissão ficta ou presumida é aquela que decorre de uma omissão ou inércia da parte. Como regra, o não-cumpri- mento do ônus processual poderá gerar a presunção de veracidade em relação ao fato pretendido com o ato processual. Por exemplo, se a parte é intimada a comparecer em audiência para prestar depoimento e não comparece, sobre ela recairão os efeitos da confissão presumida. Já a real ou expressa é aquela manifestada de forma inequívoca pelas partes, de forma verbal ou escrita.

■■ 19.2 .2 C A B I M E N T O E E F E I T O S D A C O N F I S S Ã O

A confissão apenas será admitida quando se tratar de direito disponível,390 conforme preceitua o

390 Lembrando que a regra é no sentido de que é disponível o direito privado e

Page 366: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOart. 351 do Código de Processo Civil, bem como o art. 213 do novo Código Civil.391

A regra é no sentido de que a confissão é manifestação irrevogável da vontade, no entanto, poderá ser anulada quando tal manifestação decorreu de um vício do ato jurídico (erro ou coação), nos termos do art. 214 do Código Civil.

Ressalte-se que a revogação da confissão em razão do vício na manifestação da vontade não é procedida nos próprios autos da ação em que foi realizada, mas por meio de ação anulatória (ação de conhecimento comum que visa a declaração de nulidade do ato), se a ação ainda estiver em curso, ou, após o trânsito em julgado, será fundamento para ação rescisória (ação própria para a desconstituição de sentenças, que será tratada em capítulo próprio).

A confissão, como regra, tem o seu conteúdo considerado indivisível, ou seja, não podem os litigantes pretender utilizar-se apenas da parte da confissão que lhes favoreça e desconsiderar as demais que lhes prejudiquem. Todavia, poderá ser dividida ou considerada em parte quando o litigante que confessou (confitente) apresentar outras provas ou elementos capazes de constituir ou infirmar parcialmente a confissão (art. 354 do CPC).

Por fim, resta-nos indagar: a confissão de um litisconsorte prejudica os demais?A regra é no sentido de que a confissão de um dos litisconsortes não prejudica os demais,

conforme prevê o art. 350 do Código de Processo Civil.No entanto, essa regra tem de ser analisada com certa cautela, devendo ser interpretada em face

das normas próprias que regem os efeitos da ação em relação aos litisconsortes.A regra contida no art. 350 do Código do Processo Civil é plenamente aplicável nas hipóteses de

litisconsórcio simples, no qual é possível ao magistrado dar na sentença pronunciamento distinto para cada um dos litisconsortes, ou seja, poderá julgar o pedido procedente em relação a um deles e improcedente em relação ao outro litisconsorte.

Agora, em caso de litisconsórcio unitário, a confissão de um litisconsorte causará efeito indireto sobre os demais, já que, nessa espécie de pluralidade de partes, o juiz está obrigado a dar uma sentença uniforme para todos os litisconsortes. Nesse caso, não poderia condenar um réu em razão da confissão e absolver o outro, já que devem compartilhar os mesmos efeitos da sentença.

19.3 DEPOIMENTO PESSOAL E INTERROGATÓRIO

O depoimento pessoal e o interrogatório representam espécie de prova oral, pela qual as partes são chamadas à presença do magistrado para serem ouvidas acerca dos fatos da causa.

O interrogatório é ato de iniciativa do magistrado em ouvir as partes em audiência a fim de obter

esclarecimento sobre os fatos manifestados anteriormente por elas ou acerca da própria lide. Já o

depoimento pessoal é provocado pela parte contrária, com o objetivo de ouvir o depoimento do litigante

adverso, com a finalidade de extrair dele a confissão em juízo. No entanto, nada impede que, em

interrogatório, a parte venha a confessar.

Ressalte-se que o requerimento de depoimento pessoal sempre se refere à parte contrária, já que o

objetivo dessa prova é a obtenção da confissão. Em simples palavras, podemos afirmar que a parte não

tem legitimidade - nem mesmo interesse - para requerer o seu próprio depoimento.

Sendo a parte intimada a comparecer em juízo para prestar depoimento pessoal, estará ela diante

de um ônus processual, cuja inobservância gerará a confissão ficta, ou seja, o não-comparecimento

implica presunção de veracidade dos fatos imputados contra ela (art. 343, § 2o, do CPC).

O depoimento pessoal e o interrogatório são atos personalíssimos das partes ou de seus

representantes legais (nos casos de menores, interditados, das pessoas jurídicas etc.).

Para que ocorra aplicação da pena de confissão à parte deverá ter sido intimada pessoalmente para

a audiência, sendo requisito, também, que conste dessa intimação a advertência quanto ao prejuízo

advindo em razão da ausência (art. 343, § Io do CPC). A ausência à audiência sem que tenha ocorrido

intimação pessoal da parte não acarretão confissão tácita.

Comparecendo à audiência de instrução, as partes serão ouvidas em depoimento pessoal (ou

patrimonial, ao revés, são indisponíveis os direitos relativos a bens públicos ou não patrimoniais, comportando exceções.

391 "Art. 213. Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados."

Page 367: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 365

interrogatório) antes da ouvida das testemunhas, e a inquirição das partes será feita da mesma forma

que para as testemunhas. É vedado às partes o uso de escritos ou textos anteriormente preparados para o

depoimento, admitindo-se, somente, que consultem notas breves para auxílio e complemento das

informações prestadas (art. 346 do CPC).Como regra, o juiz é o primeiro a formular as perguntas à parte depoente e, em seguida, pelo

sistema de reperguntas - pergunta é feita ao juiz que, se entender útil, irá transmiti-la à parte -, são apresentadas as questões da parte contrária (por seu advogado, é lógico). Observa-se que o advogado da parte depoente não tem a possibilidade de formular perguntas a seu cliente, já que a finalidade dessa prova é a obtenção da confissão.

O que a parte fala em seu favor não tem grande relevância. Interessa para essa modalidade de prova a obtenção da confissão, portanto, contra os interesses do depoente, razão pela qual não se justifica a inquirição pelo próprio advogado da parte que depõe.

Quando do depoimento da parte, como regra, não poderá ela deixar de responder às perguntas que lhe são apresentadas pelo juiz (mesmo as formuladas pelo advogado) nem dar respostas evasivas, sob pena de ser aplicada a confissão ao depoente (art. 345 do CPC).

Excepcionalmente, a parte poderá recusar-se a depor quando (art. 347 do CPC):

a) se tratar de fatos criminosos ou torpes que lhe forem imputados;

b) a parte tiver o dever de guardar sigilo do fato em razão de estado particular ou profissão - por exemplo, o que ocorre em conseqüência do segredo profissional dos médicos, advogados, ou estado assumido pelos padres em confiança de sigilo religioso.

Por fim, surge a seguinte pergunta: poderia a parte requerer o depoimento pessoal do seu próprio litisconsorte? Em depoimento pessoal, poderia um litisconsorte formular pergunta ao outro?

A jurisprudência e a doutrina têm-se pronunciado em ambos os sentidos de forma radical: alguns entendem que sim, e outros, pela não-admissão.27

Para nós a questão demanda maior análise da finalidade da prova denominada depoimento pessoal. Mais do que a posição dos indivíduos no pólo da ação (passivo ou ativo e os litisconsortes), a resposta

11 Existem manifestações doutrinárias e jurisprudenciais no dois sentidos:Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (op. cit., p. 707) sustentam

ser cabível o pedido do litisconsorte para a oitiva do outro colitigante (RTJ107/729, RJTJSP139/198, RT581/235). Em sentido contrário, Theotonio Negrão (Código de Processo Civiie legislação processual em vigor, p. 404) afirma: "Não cabe à parte requerer o próprio depoimento pessoal (RT722/238, RJTJESP118/247)\ nem pode o litisconsorte pedir o depoimento pessoal do seu colitigante (RTJ 107/729 e STf-RT587/235)".aos questionamentos anteriores depende da verificação da pretensão ou defesa das partes e litisconsortes.

Entendemos que, como regra, não se admite o requerimento de um litisconsorte para a oitiva do depoimento pessoal do outro, pois, figurando eles no mesmo pólo da ação, presume-se que tenham os mes-mos interesses em relação ao deslinde da causa, portanto, não haveria interesse de um litisconsorte para obter a confissão do outro. Se estão no mesmo pólo, como regra, defendem os mesmos interesses.

Todavia, pode não haver coincidência entre as pretensões ou defesas dos litisconsortes.Nesse caso, quando os colitigantes defendem fatos contrários entre si, um imputando ao outro

fatos divergentes, entendemos ser perfeitamente cabível o requerimento (e admissão) do depoimento pessoal do litisconsorte como forma de obtenção da confissão. Seria o caso, por exemplo, de ação de indenização proposta contra dois réus, na qual afirma o autor que ambos causaram o fato gerador do prejuízo inde- nizável. Por sua vez, nas contestações, cada réu atribui ao outro a culpa pelo dano - nessa hipótese, verifica-se que os fatos são contrários, e é perfeitamente possível a obtenção da confissão de um dos litisconsortes, confissão essa que poderia favorecer a defesa do outro.

Portanto, em se tratando de pretensões ou defesas divergentes entre os litisconsortes, será perfeitamente cabível a admissão do depoimento pessoal requerido por eles, inclusive a apresentação de perguntas em audiência, como forma de obtenção da confissão, sob pena de, em caso de negativa, haver a privação injusta da parte do seu direito de fazer prova e, conseqüentemente, a incidência em cerceamento de defesa.

19.4 EX IB IÇÃO DE DOCUMENTOS OU CO ISAS

■I 19 .4 .1 DEFINIÇÃO E FINALIDADE DA EXIBIÇÃO

Page 368: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOA exibição é o instrumento processual colocado à disposição da parte ou do juiz, para fazer com

que sejam levados aos autos do processo documentos ou coisas que se encontrem em poder da parte ad-versária, ou mesmo na posse de terceiros estranhos à lide.

Mais do que uma prova, a exibição de documentos é um incidente processual que tem por finalidade a realização da prova documental; incidente que se faz necessário quando a coisa a ser juntada no pro-cesso para fazer prova está na posse de outra pessoa.

A finalidade da medida é propriamente trazer a público o que está oculto, é a coação sobre a parte contrária ou terceiro para que apresente em juízo coisa que se encontra em seu poder e é necessária para a instrução processual.

Obviamente, encontra-se legitimada a requerer a exibição do documento ou coisa a parte que tiver o ônus da prova do fato em questão.

Seria o caso, por exemplo, do sócio que propõe ação contra a sociedade e demais sócios com o objeto de ser excluído da referida sociedade e receber seus haveres. Nesse caso, o autor não é detentor de documentos indispensáveis para a apuração de seu crédito na sociedade, dependendo, para tanto, dos livros comerciais. Assim, poderá requerer ao juiz a exibição desses documentos, hipótese em que a parte contrária será intimada para a apresentação em juízo da coisa requisitada.

A exibição também pode ser manipulada contra terceiros.A exibição ora em estudo diverge em relação à exibição preparatória ou cautelar. O processo

cautelar prevê uma modalidade típica de medida acautelatória destinada à exibição de documentos; ação essa que é proposta, de forma preparatória, antes da ação de conhecimento. A finalidade de ambas é a mesma, obter a exibição de documento ou coisa que se encontre em poder da parte contrária ou de terceiro. Todavia, trata-se a primeira de uma ação autônoma e preparatória para esse fim, enquanto a exibição em estudo refere-se a mero incidente dentro do processo de conhecimento.

M 19 .4 .2 P R O C E D I M E N T O D O IN C I D E N T E D E EX I B I Ç Ã OO interessado na exibição apresentará o seu requerimento em petição contendo os seguintes

requisitos (art. 356 do CPC):

a) indicação da coisa ou documento pretendidos, com a sua individualização;

b) a finalidade da prova, com a apresentação dos motivos pelos quais a parte deseja ter conhecimento do documento, inclusive mencionando quais fatos pretende provar com a exibição;

c) as razões pelas quais o requerente entende que o documento se encontra em poder da parte contrária ou terceiro; é a justificativa que leva o requerente a achar que o documento esteja com o requerido da exibição.

Admitido o incidente, o juiz determinará a intimação da parte requerida ou do terceiro para que apresente a sua resposta ao pedido.

Dessa intimação surgem as seguintes alternativas: a exibição, hipótese em que o incidente alcançou a sua finalidade; a apresentação de recusa à exibição, no prazo de cinco dias (art. 357 do CPC), que será julgada pelo magistrado; ou, ainda, a inércia da parte requerida (não exibe, tampouco apresenta recusa).

Caso a parte requerida apresente resposta afirmando não possuir o documento ou coisa pretendida, o juiz dará oportunidade à parte requerente para que prove em sentido contrário, abrindo-se, a partir desse momento, verdadeira fase de instrução da exibição, com a possibilidade da prática de todos os meios de prova. Curiosamente, abre-se uma pequena instrução processual do incidente, dentro da grande fase instrutória do processo.

Finda a instrução do incidente, ou não sendo essa necessária, o juiz proferirá sua decisão: aceitando a recusa do requerido, ou considerando a recusa ilegítima.

Na hipótese de o magistrado reconhecer o dever do requerido de exibir a coisa (e ele ainda não o tiver feito), ou deixar o requerido de apresentar resposta no incidente, o juiz aplicará a pena de confissão a ele, presumindo como verdadeiro o fato que pretendia provar a parte requerente com a exibição do documento ou coisa.

Vê-se, na exibição de documento contra a parte contrária, uma medida cominatória e não coercitiva, pois há um ônus processual de exibição que, se não for adimplido, gerará à parte a pena de confissão em relação aos fatos articulados pela parte contrária (art. 359 do CPC).

Justifica-se, por essa razão, a determinação para que conste da petição do requerente a indicação dos fatos que se pretende provar com a exibição, pois, sendo considerada ilegítima a recusa ou omissão, os fatos indicados na petição de requerimento da exibição serão tidos por verdadeiros.

Por outro lado, há de se questionar: é possível a imposição da pena de confissão quando a exibição é promovida contra terceiro e esse deixa de exibir?

Obviamente que não, pois, não sendo parte na ação, o terceiro não poderá sofrer os efeitos da confissão, mesmo porque a confissão pretendida seria útil contra a parte contrária, e não em face do terceiro.

Assim, em caso de resistência do terceiro em exibir o documento ou coisa, será imposta contra ele uma medida coercitiva de busca e apreensão.

■I 19 .4 .3 JUSTIFICATIVAS PARA A RECUSA

O requerido na exibição, parte no processo ou terceiro, não estará obrigado à exibição quando

(art. 363 do CPC):

a) o documento ou coisa for concernente a negócios da própria vida da família - nesse caso a

Page 369: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 367intenção é a preservação da intimidade da família, impedindo-se que a exibição cause danos aos

seus demais membros;

b) a apresentação do documento ou coisa puder violar dever de honra;

c) a exibição do documento e a eventual publicidade acarretarem desonra à parte ou a terceiro, bem como aos seus parentes, ou reputarem perigo de ação penal;

d) a exibição do documento acarretar a divulgação de fato que deva ser mantido em segredo em razão de profissão ou estado.

O rol contido no art. 363 do Código de Processo Civil é meramente exemplificativo, já que o seu inc. V permite que o requerido alegue qualquer outro motivo grave e que, segundo o prudente arbítrio do magistrado, essa questão seja apreciada para verificação de admissão ou não da recusa.

Alegada qualquer causa de recusa na exibição, competirá ao requerido provar a existência de tais circunstâncias que escusam a não-exi- bição.

Por fim, o art. 358 do Código de Processo Civil determina as cir cunstâncias em que não se admitirá a recusa do requerido em apresen tar em juízo a coisa ou documentos, ou seja:

E X I B I Ç Ã O D E D O C U M E N T O S O U C O I S A S(Incidente da fase probatória)

Page 370: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

E X I B I Ç Ã O D E D O C U M E N T O S O U C O I S A S( C O N T I N U A Ç Ã O )

CONTRA TERCEIROS

CONTRA A PARTE

Page 371: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 369

Page 372: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 370

19.5 PROVA DOCUMENTAL■■ 19.5 .1 DEFINIÇÃO DE DOCUMENTOPor documento podemos entender toda e qualquer coisa corpórea capaz de representar um fato, e da

qual se possa extrair uma verdade sobre os fatos alegados pelas partes no processo. Assim, podemos considerar como documentos: os escritos (documento em sentido estrito da palavra, como as declarações, cartas, instrumentos etc.), as fotografias, fitas de gravações, ou qualquer outra coisa que possa ser juntada ao processo.392

O instituto da prova pode ser disciplinado tanto pelas normas de direito processual (Código de Processo Civil), como pelas normas destinadas ao direito material (Código Civil), cada qual dentro de sua finalidade para o ordenamento jurídico.393

É certo que é competência do direito material a determinação do valor de cada prova, dos meios de sua formalização, dos requisitos para o ato etc.; por outro lado, é de natureza do processo civil disciplinar a produção da prova dentro do processo, como o momento de apresentação, as regras quanto ao ônus, os meios de argüição de falsidade etc.

Essa definição da natureza jurídica da prova é absolutamente relevante quando da análise da prova documental, pois não deve o processo civil preocupar-se com a essência do documento, mas tão-somente com relação às conseqüências da espécie de prova para o processo. Podemos afirmar, por exemplo, não ser da competência das normas processuais a exigência de documento público ou privado para determinado ato. Não devem as normas de processo definir quais formas de documentos são capazes de provar a existência do ato ou fato jurídico, mas disciplinar a sua apresentação em juízo. Não importa, para o processo, se determinado negócio jurídico se prova com documento particular ou por meio de documento público.

Não obstante essa divisão teórica entre as atribuições do direito material e do direito processual, o legislador vem fazendo grande confusão e misturando ambas as naturezas jurídicas.

Ao tratar da prova documental no Código de Processo Civil, o legislador disciplinou inúmeras situações típicas de regulamentação pelo direito material, como, por exemplo, quando especifica a força probante dos documentos públicos e particulares logo nos primeiros artigos que tratam da prova documental (arts. 364 a 371 do CPC). Em todos os casos, há regulamentação da formalidade do ato jurídico, matéria exclusivamente de direito material.

Por sua vez, o Código Civil (Lei n. 10.406/2002), em seus arts. 215 a 227, tentou disciplinar a prova documental dentro dos aspectos que lhe são pertinentes, em especial, determinando a força probante dos documentos e as suas formalidades.

M 19.5 .2 A P R O V A DO C U M E N T A L N O

CÓ D I G O C I V I L de 2002O Código Civil de 2002, ao disciplinar a prova documental em seus arts. 215 a 227, não trouxe

grandes alterações em relação àquilo que já era previsto no Código de Processo Civil. Na realidade, grande parte dos dispositivos acerca da prova no Código Civil podem ser considerados como cópias ou inspirados no Código de Processo Civil.

Em síntese, o Código Civil dispõe:

a) A escritura pública, lavrada por autoridade competente, é documento que goza de fé pública e faz prova plena do negócio jurídico (art. 215).

b) Terão o mesmo valor probatório que o original as certidões textuais das peças judiciais, dos protocolos ou termos de audiências, ou de qualquer outro livro a cargo de escrivão, sendo as certidões extraídas por essa autoridade ou por quem for competente.

c) Terão o mesmo valor probatório que o original os traslados e as certidões extraídas por tabelião ou oficial de registro em relação às notas de documentos tidos em seu poder ou por eles elaborados.

d) Os traslados e certidões são considerados documentos públicos quando os originais tiverem sido produzidos em juízo como prova de um ato.

e) As declarações lançadas em documentos assinados conduzem à presunção de veracidade das afirmações em relação ao signatário (art. 219).

f) O instrumento particular assinado por quem esteja na livre administração de seus bens prova as obrigações de qualquer valor, mas os seus efeitos, bem como os atos de cessão, apenas se operam perante terceiros se o documento tiver sido registrado no cartório competente (art. 221).

g) O telegrama, quando contestada a autenticidade, faz prova mediante conferência com o original assinado pelo remetente.

h) As cópias dos documentos, quando conferidas por tabelião de notas (autenticação), valerão como prova da declaração da vontade, mas, caso seja impugnada a sua autenticidade, deverá ser exibido o original. A cópia não substitui o original quando a lei condicionar o exercício do direito à apresentação desse documento (como, por exemplo, o que ocorre com os títulos de crédito: a cópia não basta para a propositura de ação de execução).

i) Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para que possam ter efeito no País (art. 224).j) As reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos, como as fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos etc., fazem prova plena desses fatos, podendo a parte contra quem forem exibidas impugnar a exatidão ou autenticidade, k) Os documentos das empresas (ou de empresários) representam prova contra ou a favor da pessoa a que pertençam, fazendo prova a favor apenas quando escriturados sem vícios extrínsecos (de forma) ou intrínsecos (de conteúdo) e puderem ser confirmados por outros elementos de prova (art. 226). Tais documentos não substituem a escritura pública quando a lei a exigir.

392 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 491.393 João Batista Lopes, A prova no direito processual civil, p. 29.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 371

Como se vê das previsões anteriores, as regras para os documentos previstas no novo Código Civil não regulam a atividade processual, mas, sim, regras do próprio negócio jurídico, tema de competência do direito material.

Obviamente, quando da análise do documento, ao proceder à va- loração da prova no processo, o magistrado deverá utilizar-se das re-gras previstas no Código Civil - marcadas pela natureza de direito material e não processual -, já que serão determinantes para o acolhimento ou não da pretensão deduzida pelas partes, mas isso em típica análise do mérito da causa, e não de circunstâncias processuais.

M 19.5.3 E S P É C I E S D E D O C U M E N T O S

A primeira classificação relevante acerca das espécies de documentos é a divisão entre particulares e públicos, divisão formulada com base na autoria do documento.

Os documentos públicos são aqueles produzidos sob a intervenção de autoridade do Estado para a prática do ato. O documento público goza de presunção de veracidade, da validade de sua formação, bem como das declarações firmadas diante da autoridade competente, conforme prevê o art. 364 do Código de Processo Civil.

Além da presunção de veracidade, o documento público é revestido de fé pública, o que equivale a dizer que tem efeito não apenas perante as partes, mas também em relação a terceiros.

A esse respeito, Humberto Theodoro Júnior define os documentos públicos como:30

a) documentos judiciais, ou seja, aqueles produzidos no âmbito do Poder Judiciário, como as certidões dos serventuários da justiça, os atos dos magistrados etc.;

b) administrativos, que são produzidos no âmbito da Administração Pública, como os alvarás de construção concedidos pela municipalidade, o licenciamento ambiental por parte dos Estados, as certidões etc.;

c) documentos notariais, aqueles produzidos por oficiais de cartórios extrajudiciais (cartórios de registro público, de imóveis, de pessoas, de notas, títulos e documentos etc.).

Obviamente, para que o documento público atinja a sua finalidade, seja revestido da natureza de fé pública e presunção de veracidade,é necessário que seja produzido por autoridade competente e sob a observância da forma legal para o ato, sob pena de ter os mesmos efeitos do documento particular, conforme prevê o art. 367 do Código de Processo Civil.

Os documentos particulares, ao contrário, são elaborados pelas partes, por sujeitos particulares e sem a intervenção do Estado. Os documentos particulares, evidentemente, apenas fazem prova em relação aos seus subscritores, bem como não gozam de fé pública.

Em ambas as espécies de documentos, públicos ou particulares, a presunção gerada é relativa

(iuris tantum), ou seja, pode ser desconsti- tuída por prova em contrário.Outra classificação dos documentos é relativa à finalidade e origem: a) instrumentos; b)

declarações; c) documentos simples ou ocasionais.Os instrumentos são documentos produzidos ou constituídos com a intenção de servirem de prova do

ato ou negócio jurídico realizado entre as partes. Por exemplo, quando as partes realizam a compra e venda de um determinado bem, podem elaborar um instrumento de compra e venda para fazer prova desse ato jurídico.

As declarações destinam-se às manifestações da vontade, por exemplo, uma nota promissória, uma confissão de dívida, etc.

Os documentos simples são aqueles que, apesar de não constituídos com a finalidade de fazerem prova judicial ou de um ato jurídico, ocasionalmente, são capazes de representar um fato no processo. Por exemplo, uma fotografia, uma fita de vídeo, uma carta entre amantes, bilhetes etc. - em todos os exemplos, a coisa não foi produzida sob a intenção de fazer prova, mas poderá ser utilizada para tanto.

■i 19 .5 .4 Produção da P rova documenta lO documento é meio de prova que, normalmente, é apresentado pelas partes e juntada ao processo a

que se destina.O ponto mais relevante acerca da produção da prova documental recai sobre o momento em que deve

ser realizada pelas partes.A regra exposta no art. 396 do Código de Processo Civil é no sentido de que a prova documental

deve ser produzida na fase postulató- ria do processo.394 Autor e réu deverão instruir, respectivamente, a petição inicial e a contestação com todos os documentos de que dispõem naquele momento para a corroboração dos fatos que alegam em suas petições.

Na verdade, a intenção dessa previsão legal é justamente permitir às partes o amplo exercício do contraditório e a ampla defesa. Para que o réu tenha pleno conhecimento da pretensão do autor e de suas provas, e assim possa elaborar sua defesa, impõe-se ao autor que todos os documentos acompanhem a petição inicial.

Da mesma forma, para que o autor possa se incumbir corretamente do ônus probatório que sobre ele recai, deverá o réu apresentar todos os documentos juntamente com a contestação.

A esse respeito, é importante destacar que a jurisprudência tem, em muito, abrandado a regra prevista no art. 396 do Código de Processo Civil, de modo a permitir a juntada de documento ao processo em qualquer momento da relação jurídica processual, desde que o documento não seja essencial à propositura da demanda (art. 284 do CPC), o que seria causa para o indeferimento da petição inicial, ou, ainda, quando não verificada a má-fé da parte na ocultação do documento e seja assegurado o contraditório.395

394 João Batista Lopes, op. cit., p. 117.395 "Servidor. Processual Civil. Programa de incentivo à exoneração voluntária.

PDV. Prestação de serviço posterior à opção. Prova documental. Juntada posterior à contestação da ação principal. Possibilidade. Declaração emitida por deputado estadual. Súmula n. 07. Esta Colenda Corte tem permitido a juntada de prova

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSONão obstante a jurisprudência sobre o assunto - que admite a juntada de documentos mesmo depois

da petição inicial e da contestação -, o art. 397 do Código de Processo Civil determina que as partes poderão juntar, em qualquer momento do processo, apenas os docu-mentos novos, assim considerados aqueles que não se encontravam em poder da parte quando da prática do ato na fase postulatória, e destinados à prova de novos fatos articulados pela parte contrária ou surgi-dos no processo em razão da própria atividade probatória.

Por exemplo, seria o caso de, na contestação, o réu alegar fatos novos em relação à pretensão do autor - então, obviamente, o autor poderá juntar novos documentos para se contrapor aos fatos apresen-tados na defesa do réu. Ou, ainda, como exemplo, pode-se dizer cabível o novo documento quando na realização de uma perícia é imputado à parte, pelo experto, determinado fato que pode ser desmentido por meio de um documento ainda não levado aos autos.

Nesse sentido, asseveram os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

Documentos novos. A parte tem o dever de demonstrar que a finalidade da juntada visa a contrapor o documento a outro, ou a fato ou alegação surgida no curso do processo e depois de sua última oportunidade de falar nos autos. Não pode a juntada ser feita com o intuito de surpreender a parte contrária ou o juízo, ardilosa ou maliciosamente, para criar no espírito do julgador a última impressão de encerramento da questão, sem que a outra parte tenha tido igual oportunidade na dialética do processo.Deve estar presente na avaliação do julgador, sempre, o princípio da lealdade processual, de sorte, seja permitida a juntada de documento nos autos apenas quando nenhum gravame houver para a parte contrária.33

De fato, a admissão de documentos após a fase postulatória deve ser pautada na verificação da lealdade processual e na garantia de contraditório à parte adversa, de forma a impedir que qualquer um dos litigantes se utilize da ocultação de documentos para, em momento processual inoportuno, apresentá-los como forma de causar prejuízo à outra parte.

Por derradeiro, nota-se que o art. 398 do Código de Processo Civil, em prevalência ao princípio

do contraditório, determina que sempre que houver a juntada de um documento aos autos, deverá ser aberta

vistas à parte contrária para que possa se manifestar acerca da nova prova, isso no prazo de cinco dias.

■i 19 .5 .5 A R G Ü I Ç Ã O D E F A L S I D A D E

O processo civil contempla duas espécies de falsidade: a) a falsidade material e b) a falsidade ideológica.

A falsidade ideológica consiste no vício intrínseco do documento, defeito relativo à própria manifestação da vontade que, ao contrário do que deveria ser, não corresponde à verdade, em razão de simulação, de dolo, erro ou coação (vícios do ato jurídico). Nesse caso, o autor do documento lança uma declaração cuja manifestação da vontade não é livre: a declaração não decorre de sua vontade verdadeira, mas da influência do desejo de outrem.

A falsidade ideológica deve ser alegada em ação autônoma, que tenha por finalidade a desconstituição da manifestação contida no documento.396

Por sua vez, a falsidade material é aquela relativa à forma do documento, consubstanciada em um vício extrínseco da prova, defeito que se manifesta na elaboração física do documento.

Todo documento goza de presunção de veracidade: os documentos públicos, de eficácia erga omnes, e os particulares, entre as partes subscritoras. Como sabemos, essa presunção de veracidade é relativa, ou seja, iuris tantum, razão pela qual pode ser ilidida por prova em sentido contrário.

O art. 387 do Código de Processo Civil afirma que cessa a presunção de veracidade dos documentos, públicos ou particulares, declarada judicialmente a falsidade, quando:

documental em momento diverso do oferecimento da peça exordial e da contestação, desde que honrado o princípio do contraditório, inexistente a má-fé, e que o documento não seja indispensável à propositura da ação. A prevalência conferida ao documento de lavra de deputado estadual, em detrimento das certidões emitidas pelo Departamento de Pessoal da Assembléia Legislativa, fundou- se no fato de que os recorridos prestavam seus serviços no gabinete daquele parlamentar, assertiva cuja análise importaria no reexame do quadro fático, proibido pela Súmula n. 07 do STJ. Recurso especial não conhecido." (STJ, 6a

T., REsp n. 320.372/AL, rei. Vicente Leal, j. 06.09.2001, v.u.)396M Como regra, não tem cabimento o incidente de falsidade para a argüição

de falsidade ideológica, mas, tão-somente, para a alegação de falsidade material. Nesse sentido afirma João Batista Lopes, op. cit., p. 122.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 373

a) verificar-se a formação de documento não verdadeiro;

b) constatar-se que houve a alteração do documento verdadeiro.Por outro lado, determina o art. 388 do Código de Processo Civil que cessa a fé do documento

particular, quando:

a) for contestada a assinatura e quando essa não for comprovada autêntica;

b) o documento tiver sido assinado em branco e preenchido abusivamente.

Em ambos os dispositivos legais citados, há referência às hipóteses de falsidade material do documento.

Com efeito, prevê o ordenamento processual que a parte poderá alegar a falsidade prevista nos arts. 387 e 388 do Código de Processo Civil, por meio do incidente denominado de argüição de falsidade, instrumento pelo qual poderá a parte prejudicada alegar que o documento não corresponde à verdade e obter, na própria ação principal, a declaração de falsidade, manifestação essa que faz cessar a fé do documento. Podemos afirmar que esse instrumento assemelha-se à ação declaratória incidental.

O incidente de argüição de falsidade tem cabimento em qualquer tempo ou grau de jurisdição, incumbindo à parte apresentá-lo, na contestação ou em petição fundamentada, no prazo de dez dias contados da data em que teve ciência (ou foi intimada) da juntada do documento supostamente falso aos autos.

A parte que formular o incidente deverá fazer prova da falsidade alegada, nos termos do art. 389, inc. I, do Código de Processo Civil.

Em sentido contrário, podemos verificar que, em se tratando de falsidade da assinatura lançada no documento, haverá a inversão do ônus. Nesse caso, dispõe o art. 389, inc. II, do Código de Processo Civil que compete à parte que juntou o documento aos autos a prova de que a assinatura é autêntica.

O procedimento do incidente de argüição dependerá do momento processual em que for apresentado:

a) Se a argüição for apresentada antes de encerrada a instrução do processo, o incidente será processado dentro dos próprios autos da ação, sendo intimada a parte contrária para a apresentação de suaresposta (no prazo de dez dias), e, se for o caso, será realizada perícia397 para a constatação da falsidade do documento colocado em suspeita. Por fim, será proferida decisão (sentença) julgando o referido incidente.

b) Caso o incidente tiver sido argüido após o encerramento da instrução do processo, correrá ele em apenso aos autos principais, ficando suspenso esse processo até o julgamento do incidente por sentença, conforme determinam os arts. 393 e 394 do Código de Processo Civil. Nesse caso, também poderá haver a instrução do incidente processual, objetivando a colheita de provas acerca da suposta falsidade.

Curiosamente, o art. 395 do Código de Processo Civil afirma que o ato judicial que resolve o incidente é denominado sentença. Na verdade, nos termos do art. 162 do Código de Processo Civil, será que podemos dizer tratar-se de sentença?

Argumentos fortes pesam dos dois lados. Alguns entendem tratar- se de sentença pelo fato de a argiiição de falsidade caracterizar verdadeira ação declaratória incidental, portanto, em se tratando de uma ação, a decisão que lhe põe fim é tipicamente uma sentença (art. 162, § Io, do CPC). Por outro lado, a argüição de falsidade também pode ser concebida como um incidente processual, nos termos do art. 162, § 2o do Código de Processo Civil.

A definição da natureza jurídica desse instrumento tem total relevância para a escolha do recurso cabível contra o ato que julgar a argüição.36

Sendo o incidente julgado no mesmo ato que a ação principal, ou seja, na sentença, não há dúvidas de que toda a decisão comportará recurso de apelação. Da mesma forma, sendo a argüição julgada pelo magistrado de primeira instância, posteriormente ao encerramento da

instrução processual e mesmo após a prolação da sentença da ação principal, caberá recurso de apelação.

No entanto, sendo decidida antes da sentença da ação principal, para nós, a melhor solução seria

considerar a argüição como mero incidente processual, desafiando, portanto, a interposição do recurso de

agravo de instrumento.

Se analisarmos a natureza processual da argüição, em razão de não conter uma lide vinculada ao

direito material, mas tão-somente visar a solução de uma controvérsia surgida no curso do processo, qual

seja, a validade ou não de um documento supostamente falso, poderíamos afirmar tratar-se de uma decisão

interlocutória.

No entanto, se considerarmos tratar-se de uma ação declaratória incidental, já que a argüição

contempla uma espécie de questão prejudicial ao mérito, estaremos diante de típica sentença. Como se vê,

397 Apesar de a lei apenas fazer referência à prova pericial, entendemos cabível qualquer espécie de prova para a instrução do incidente de falsidade, isso em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

é matéria que, dificilmente, pode ser definida teoricamente.

■i 19 .5 .6 Reproduções dos documentos

A eficácia das reproduções (cópias) dos documentos recebeu distinção em relação à espécie de

documento, ou seja:

a) Em se tratando de documento público, a reprodução deverá estar acompanhada de autenticação, para

que possa ter o mesmo valor probante que o original. Os documentos públicos também poderão ser

reproduzidos por meio de certidões ou traslados, guardando o mesmo efeito que os originais (art.

365 do CPC).

b) Em caso de documento particular, a cópia simples é admitida no processo, desde que não ocorra a

impugnação ou argüição de falsidade pela parte contrária. A esse respeito, Marcus Vinicius Rios

Gonçalves, ensina:

Em relação ao particular [assinatura no documento], a autenticidade está condicionada ao reconhecimento de firma e à declaração, por tabe-lião, de que foi aposta em sua presença (art. 369 do CPC). A cópia de documento particular terá o mesmo valor probante que o original, desde que autenticada pelo escrivão (CPC, art. 385).

Page 377: Manual de Direito Processual Civil

37 Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 446.

375 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO A autenticação, porém, só é necessária para atribuir força

probante à reprodução se houver impugnação sobre a sua autenticidade. Por isso, tem sido decidido que é irrelevante a falta de autenticação quando o documento não foi impugnado pela parte contrária.398O art. 365, IV, do Código de Processo Civil, autoriza que o advogado declare a autenticidade das

cópias reprográficas extraídas dos autos, isso sob sua responsabilidade, podendo, todavia, ser apresentada impugnação pela parte contrária. Havendo impugnação, a parte que juntou o documento aos autos deverá providenciar a exibição do original, para que possa ser conferido e autenticada a cópia pelo serventuário da justiça, ou apresentar cópia autenticada por cartório extrajudicial.diante do magistrado, o que conhecem ou sabem sobre os fatos litigiosos. Ser testemunha é típico exercício da colaboração de terceiro com a justiça e o processo.

Toda pessoa tem o dever de colaborar com a instrução processual, comparecendo em juízo quando requisitada, prestando informações e cumprindo as determinações judiciais. Com as testemunhas não é di-ferente, pois quando convocadas (intimadas) a prestar depoimento, são obrigadas a comparecer, sob pena de sofrerem condução coercitiva. A testemunha não tem o ônus de depor, mas sim o dever.

Como regra, a prova testemunhal é sempre possível no processo civil, sendo analisada dentro da concepção do princípio do livre convencimento do juiz. Todavia, por uma questão de utilidade, a prova testemunhal poderá ser indeferida (art. 400 do CPC):

a) quando os fatos já estiverem provados por documentos ou confissão;

b) quando o fato apenas puder ser provado por documento (por exemplo quando a lei exigir escritura pública) ou demandar prova pericial.

Portanto, quando da apreciação do pedido de prova testemunhal, poderá o juiz indeferi-lo quando ela se mostrar desnecessária em razão de o fato já estar provado por documentos ou depender de conheci-mento técnico para a apuração da verdade.

Outra característica relevante em relação à prova testemunhal é que a testemunha tem o dever de falar a verdade diante do magistrado, pois, em caso de comprovação de que narrou fatos inverídicos, poderá ser processada e condenada pelo crime de falso testemunho.

Por essa razão é que a testemunha é advertida pelo juiz, no início de seu depoimento, de que tem o dever de falar a verdade, compromisso esse que assume com a ciência de que o não-respeito incide em con-duta criminosa. É importante esclarecer que a testemunha não tem a escolha: aceito ou não aceito o compromisso. Ela está obrigada a colaborar com a justiça e dizer a verdade; caso contrário, deve assumir no início da audiência que tem interesse na ação, e, desse modo, o juiz e a parte contrária poderão

398P R O V A T E S T E M U N H A L

■I 19 .6 .1 DEFINIÇÃO E CABIMENTO DA PROVATE S T E M U N H A L

A prova testemunhal consiste na oitiva de terceiros em juízo para o fim de que possam dar a sua impressão ou percepção acerca de fatos de que tenham conhecimento e que sejam relevantes para a solução do conflito.

Assim, podemos afirmar que a prova testemunhal tem por objeto pessoa:

a) que guarde a condição de terceiro, ou seja, que não seja parte ou tenha interesse na ação;

b) que tenha capacidade para prestar o depoimento, capacidade civil e capacidade material, no sentido de ter conhecimento do fato e condições de expressá-lo de forma consciente e livre.

As testemunhas são pessoas que não têm interesse na solução do litígio, são indivíduos absolutamente imparciais e capazes de narrar,

Page 378: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOdispensar o seu depoimento.

Em se tratando de contratos até dez vezes o salário mínimo vigente, o Código de Processo Civil admite exclusivamente a prova testemunhal para demonstração de existência ou dúvidas sobre o referido pacto (art. 401 do CPC).399 Ou, ainda, qualquer que seja o valor, é admissível a prova testemunhal quando houver começo de prova escrita ou documental, ou quando o credor demonstrar que não poderia ter obtido a prova escrita da obrigação em razão de impossibilidade moral ou material, se estiver a causa relacionada com parentesco, depósito necessário ou hospedagem em hotel (art. 402 do CPC).

■i 19 .6 .2 QU E M P O D E SE R TE S T E M U N H ASão requisitos genéricos para admissão de qualquer pessoa como testemunha a capacidade para o ato

e a imparcialidade em relação à lide, conforme as disposições do art. 405 do Código de Processo Civil e seus parágrafos.

São incapazes de prestar depoimento como testemunhas:

a) as pessoas que tenham sido interditadas por demência, situação em que deve haver decisão judicial impondo a restrição sobre o estado da pessoa supostamente acometida pela loucura;

b) as pessoas que estiveram enfermas ou com debilidade mental na época dos fatos e, portanto, não têm condições de discerni-los e narrar qualquer percepção, ou, quando da época do depoimento, não estiverem em condições de comparecer em juízo ou de transmitir o conhecimento do fato;

c) os menores de dezesseis anos;

d) os cegos e os surdos, quando o conhecimento do fato litigioso depender dos sentidos que lhes faltam.

Por sua vez, são considerados impedidos:

a) o cônjuge, ascendentes, descendentes em qualquer grau (trata-se da linha reta), e o parente colateral, até o terceiro grau, afins ou con- sangüíneos (refere-se aos irmãos, cunhados e tios), salvo se exigir o interesse público ou se se tratar de causa relativa ao estado da pessoa, e o fato não puder ser demonstrado por outra forma. A oitiva dos parentes impedidos apenas ocorrerá quando não existir outro meio de prova possível, pois revela-se circunstância extremamente excepcional. Admitido o parente, será ele ouvido como testemunha e não como informante;

b) a parte; obviamente, a parte nunca poderá ser ouvida como testemunha. Tratando-se de parte, sem dúvida, podemos incluir os litisconsortes, assistentes e os terceiros admitidos no processo, pois, como sabemos, têm interesse direto na solução da causa (senão não estariam ali admitidos);

c) o interveniente ou assistente das partes, como tutor, representante legal; o juiz; os advogados ou qualquer outra pessoa que tenha prestado assistência às partes no processo (assistentes técnicos, por exemplo).

Sendo o juiz arrolado como testemunha, quando não tiver conhecimento dos fatos, deverá mandar riscar o seu nome do rol apresentado. Todavia, tendo conhecimento dos fatos (conhecimento externo), deverá declarar-se impedido para a prestação de depoimento.

São suspeitos:

a) aquele que tiver sido condenado anteriormente por crime de falso testemunho;

b) a pessoa que é conhecida publicamente como mentirosa, e a quem a lei educadamente se refere

como “o que, por seus costumes não for digno de fé”. O referido dispositivo não tem por finalidade dis- criminar pessoas como homossexuais,400 prostitutas, estrangeiros, presidiários (ou ex-presidiários), mas afastar o depoimento da pessoa que, na sociedade, não tem credibilidade por

399 Considerando o princípio que dispõe que o juiz apreciará livremente a prova no processo civil, entendemos de pouca aplicabilidade as normas que restringem o valor da prova testemunhal. Na realidade, os arts. 401 e 402 nada mais fazem do que estipular um sistema legal de apreciação das provas, valorando cada uma delas. Entendemos que é o juiz quem, no ato do julgamento e apreciação da prova, determinará a suficiência ou não da prova exclusivamente testemunhal. Desse entendimento não comunga grande parte da jurisprudência, que, em casos como o de aposentadoria rural, tem proferido inúmeros julgamentos no sentido de que não basta a prova testemunhal exclusiva, havendo a necessidade de um mínimo de prova documental. Nesse sentido: STJ, REsp n. 190.671/SP e REsp n. 65.803/SP.

Page 379: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 377suas manifestações;

c) o inimigo capital ou amigo íntimo da parte;

d) aquele que tiver interesse no litígio.'10

Nos casos de impedimento, há uma certeza absoluta de parcialidade da testemunha. Nota-se que nas hipóteses previstas no § 2o do art. 405 do Código de Processo Civil é possível se ter certeza de que aquelas pessoas têm interesse no feito e o depoimento não será prestado com a isenção necessária à constatação dos fatos.

Já a suspeição se dá em situações de parcialidade relativa, nas quais há uma presunção iures tantum de que a pretensa testemunha tem interesse direto na solução do conflito. Outra distinção substancial entre o impedimento e a suspeição das testemunhas é que, no primeiro caso, o rol é absolutamente taxativo, enquanto na suspeição, por força do inc. IV do § 3o do art. 405 do Código de Processo Civil, poderá ocorrer a impossibilidade do depoimento sempre que ficar comprovada qualquer forma de interesse da testemunha em relação à solução do litígio.

Excepcionalmente, afirma a lei que em caso estritamente necessário, pelo fato de não existirem outras provas, o juiz poderá ouvir as testemunhas suspeitas ou impedidas como informantes na causa, depoimentos esses que serão prestados sem o compromisso de afirmação da verdade (§ 4o do art. 405 do CPC).

Por sua vez, o novo Código Civil, no parágrafo único do art. 228, admite a oitiva do depoimento das testemunhas impedidas de depor, conforme o rol previsto no próprio art. 228 (a seguir estudado), quando apenas essas pessoas tiverem conhecimento do fato litigioso.

Na lide decorrente de direito de família, é muito comum que apenas os familiares tenham conhecimento dos fatos controvertidos; por essa razão, é fundamental que, em hipóteses como essa, seja admitido o depoimento do parente, conforme determina o Código Civil de 2002.

O informante não é testemunha, pois o seu depoimento é prestado sem o compromisso de dizer a verdade, e, quando da prolação da sentença, o magistrado dará ao referido depoimento o valor probatório que entender justo. Obviamente, não pode prevalecer o depoimento de um informante sobre o depoimento prestado pela testemunha, já que aquele é presumidamente pessoa parcial na lide e prestou compromisso."

O Código Civil de 2002, em seu art. 228, introduziu outra previsão de admissão de testemunhas para a prova do negócio jurídico, ou seja, determina que não podem ser testemunhas:

a) os menores de dezesseis anos (regra já contemplada pelo art. 405 do Código de Processo Civil);

b) aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil;

c) os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes

faltam;

d) o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;

e) os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade.

Na realidade, entendemos que o art. 228 do novo ordenamento material civil não revogou as disposições previstas no Código de Processo Civil acerca da capacidade, impedimento ou suspeição das pessoas para o depoimento como testemunhas, nos termos do art. 405 desse ordenamento. O art. 228 do Código Civil apenas complementa o art. 405 do Código de Processo Civil, não havendo falar-se em revoga-ção do dispositivo desse. Além disso, devemos considerar que o disposto no art. 228 do Código Civil tem aplicabilidade em relação às testemunhas dos negócios jurídicos (contratos, instrumentos etc.).

■i 1 9 .6 .3 C O N T R A D I T A

A contradita é o instrumento à disposição das partes para que possam argüir a incapacidade, o impedimento ou a suspeição das testemunhas levadas para prestar depoimento em juízo, conforme autoriza o § Io do art. 414 do Código de Processo Civil.

Assim, a parte que pretender evitar o depoimento da testemunha incapaz, suspeita ou impedida, deverá apresentar a sua contradita, na própria audiência de instrução, logo após a qualificação da pretensa testemunha. A contradita deve ser argüida antes de a testemunha ser compromissada, pois, iniciando o magistrado a advertência de que a testemunha tem o dever de falar a verdade, há a preclusão da contradita.

Daí a importância da determinação de que o rol de testemunhas deve ser apresentado previamente pelas partes, bem como da obrigatoriedade do ato de qualificação oral das testemunhas, já que permitem à parte contrária ter ciência das qualificações pessoais da pessoa apresentada e saber se tem condições de prestar o depoimento com capacidade e isenção.401

Assim, em audiência, deverá o magistrado promover a qualificação da testemunha e, logo,

400 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 733.401

n "Audiência de Instrução e julgamento. Testemunha que é qualificada fora do recinto e que começa a depor. Indagação a respeito da oportunidade de contradita rejeitada. Cerceamento de defesa configurado. Agravo retido provido. [...] ficou assinalado no termo de audiência (fl. 174) que o patrono dos agravantes

Page 380: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOpossibilitar à parte contrária o momento para eventual contradita.

Apresentada a contradita, o juiz inquirirá a pretensa testemunha acerca dos fatos que lhe são imputados. Na hipótese de a testemunha negar a alegação da contradita, a parte que a argúi poderá promover a instrução da própria contradita, juntando aos autos documentos ou, até mesmo, ouvir testemunhas (até o número de três), para a tentativa de fazer prova de incapacidade, suspeição ou impedimento.

Deverá ser indeferida a contradita caso a incapacidade, a suspeição ou o impedimento não sejam admitidos pela própria testemunha ou provados pela parte que argúi.13

Finalmente, havendo confissão ou prova dos fatos argüidos na contradita, o juiz dispensará a testemunha ou, sendo indispensável a sua oitiva, poderá tomar o seu depoimento como informante, sem que ela preste o compromisso (art. 414, § Io do CPC).

dos tipos utilizados no preenchimento do impresso destinado à inquirição e não ser facultada a apresentação da contradita. Isso constitui cerceamento de defesa, que não pode ser admitido. Ressalte-se que nem se sabe se a contradita seria ou não pertinente, se seria ou não acolhida. Mas a Turma Julgadora não pode conjecturar a respeito. Cumpre-lhe, ao contrário, zelar pela boa observância das regras processuais, que não podem ser atropeladas da maneira que foram. A busca da rapidez na realização das audiências não prescinde da observância do devido processo legal. Provido o agravo retido, nova audiência de instrução e julgamento deverá ser marcada, apenas para reinquirição da testemunha ouvida a fl. 177, anu-lada a sentença já proferida, mas preservados os demais atos instrutórios, devendo outra decisão ser proferida, como de direito." (I TACSP, 12J Câm., Agravo retido/Apelação n. 999.852-5, rei. Juiz Campos Mello, j. 16.08.2001, v.u.)

"Prova. Testemunhal. Falta de correta identificação das testemunhas. Ofensa ao art. 407 do Código de Processo Civil. Indeferimento pelo juízo. Medida correta para evitar ofensa ao princípio do devido processo legal e ampla defesa. Agravo desprovido. Agravo retido não provido. A testemunha arrolada há de ser corretamente identificada para propiciar à parte contrária conhecer a pessoa que vai depor para saber de suas condições pessoais e de sua relação com a parte que a arrolou, e assim ter meios para verificar se ocorrem os pressupostos que impedem o depoimento, a serem levantados através de regular contradita. Olvidar essa forma implica desconhecer as garantias constitucionais à ampla defesa de que todos gozam perante a Jurisdição." (TJSP, Apelação n. 71.683-4, São Paulo, rei. Des. Ruiter Olivak, j.09.06.1998, v.u.)

43 "Prova. Testemunhal. Contradita. Ausência de prova concreta da

indagou quando lhe seria facultada a oportunidade de formular contradita, pois a testemunha estava sendo inquerida sem ter sido qualificada e a lei manda que a contradita seja apresentada após a qualificação. Porém, o magistrado entendeu que não era mais possível a abertura do incidente, pois o depoimento da testemunha já estava sendo colhido. Só que isso estava ocorrendo irregularmente, como se infere do simples exame do depoimento, presumivelmente fora do recinto de audiência, pois na qualificação foi utilizada máquina de escrever, ao passo que o depoimento foi colhido por digitação em computador (fl. 177). Se o magistrado quer ganhar tempo, providenciando a qualificação com antecedência, isso não pode acarretar o cerceamento do direito de apresentação de contradita, sob o fundamento de que o momento processual oportuno já passou. Basta ler o que dispõe o art. 414 do CPC. A qualificação deve ser feita na presença do advogado da parte contrária, ou ao menos ser verbalmente reproduzida na sua presença, justamente porque é a partir dela que este poderá saber se ele tem ou não, por exemplo, interesse no objeto do litígio ou parentesco com alguma das partes. O que não é possível é ser feita a qualificação em outro local - que foi o que aconteceu justamente por causa da diferença

Page 381: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 379tendenciosidade. Correto indeferimento. Preliminar rejeitada." (TJSP, Apelação n.

95.292-4, rei. Des. ÊnioZulia- ni, j. 27.06.2000, v.u.)M 19 .6 .4 P R O D U Ç Ã O D A P R O V A T E S T E M U N H A L

A prova testemunhal, como todos os demais meios, decorre do requerimento da parte (ou determinação de ofício pelo magistrado), e há submissão ao crivo do juiz acerca do seu cabimento.

Deferida a produção da prova testemunhal, incumbirá à parte que a requereu, ou sobre a qual recai o ônus processual, apresentar em cartório o rol das testemunhas que pretende ouvir em juízo, devendo nele constar os seus nomes, qualificações e endereços'4 (art. 407 do CPC).

A apresentação prévia do rol de testemunhas tem duas finalidades básicas:

a) dar conhecimento à parte contrária e ao juiz de quem são as testemunhas, para que possa ser apreciada eventual contradita;

b) para permitir a intimação das testemunhas para comparecerem em audiência de instrução.

Em relação ao prazo, é importante registrar que o rol deverá ser depositado em cartório no prazo que o juiz determinar ou, na falta de fixação judicial, no prazo de dez dias antes da audiência de instrução, contado retroativamente, e cuja inobservância causa a preclusão do ato probatório.

Evidentemente, ao fixar o prazo para apresentação do rol, o magistrado deverá observar a finalidade desse ato processual. Lembramos que o rol é apresentado de forma prévia com a finalidade de que a parte contrária possa exercer o contraditório (ir preparada à audiência para eventual contradita), e, ainda, para que o juízo tenha tempo hábil para intimar as testemunhas.

Em caso interessante, a título de exemplo, citamos decisão proferida no mês de fevereiro que, em saneamento, designou audiência de

4,1 O art. 407 determina que deverão constar do rol nome, profissão, residência e local de trabalho da testemunha. No entanto, entendemos que, caso a parte desconheça todas essas informações, não será impedida de praticar o ato. A relevância da qualificação e do endereço das testemunhas é permitir o conhecimento pela parte contrária (para que possa eventualmente contraditar) e possibilitar a intimação da testemunha para comparecer em juízo. Portanto, caso a parte indique os elementos necessários ao cumprimento desses objetivos, entendemos perfeitamente cumprido o disposto no art. 407 do CPC.instrução e julgamento para o mês de maio (portanto, três meses após o saneador), e consignou, ainda, que as partes deveriam protocolizar o rol de testemunhas em cartório no prazo de dez dias contados da referida decisão, bem como deixou fixado que as testemunhas deveriam comparecer independentemente de intimação.

Ocorre que a petição com o rol de testemunhas foi apresentada dois dias após o prazo fixado pelo

magistrado, mas, mesmo assim, com mais de dois meses de antecedência da audiência. O magistrado, por sua

vez, indeferiu o rol de testemunhas por ser intempestivo.

Nesse caso, por se tratar de uma decisão interlocutória, foi interposto recurso de agravo de

instrumento, pleiteando a admissão do rol de testemunhas em homenagem ao princípio da instrumentalidade

das formas, uma vez que a finalidade do ato - apresentação prévia do rol de testemunhas - teria sido

alcançada. O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu acórdão com a seguinte ementa:

Prova. Testemunhal. Prazo para depósito do rol em cartório. Art. 407 do CPC. Prazo fixado em dez dias a partir da publicação da decisão saneadora. Fixação acima do prazo legal sem qualquer motivação. Inadmissibilidade. Rol tempestivo. Recurso provido.'15

Assim, o juiz poderá fixar prazo diverso daquele estabelecido em lei - dez dias antes da audiência

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

-, no entanto, tal decisão deverá ser tomada com o respeito às finalidades do ato processual (garantir

tempo para a intimação das testemunhas e assegurar o contraditório pela parte adversa).

Uma vez protocolizado o rol de testemunhas, a regra é no sentido de que a parte não poderá

substituí-las (art. 408 do CPC), salvo se: a) a testemunha vier a falecer; b) estiver enferma e, por

isso, não tiver condições para depor (caso a testemunha tenha condições de depor, o juiz poderá ouvi-la

no local onde se encontrar: casa, hospital, asilo etc.); c) não tiver sido encontrada no local indicado,

pelo fato de ter se mudado.Quantas testemunhas podem ser arroladas pelas partes e ouvidas em juízo?Cada parte poderá arrolar até o máximo de dez testemunhas. No entanto, quando da audiência de

instrução, poderá o juiz restringir a oitiva para três testemunhas para cada fato litigioso, dispensando as demais (parágrafo único do art. 407 do CPC).

Por se tratar de típica prova oral, as testemunhas são ouvidas em audiência de instrução, sendo intimadas para o comparecimento obrigatório, sob pena de sofrerem a condução coercitiva (debaixo de vara). A testemunha não tem ônus, mas, sim, o dever de colaborar com a justiça, e, em caso de resistência, poderá incorrer no crime de desobediência (em razão da ordem judicial).

Iniciada a audiência de instrução, primeiro serão ouvidos os depoimentos pessoais das partes e, em seguida, os das testemunhas. Em primeiro lugar, as testemunhas arroladas pela parte autora ou do juízo, depois, as testemunhas do réu. As testemunhas sempre serão ouvidas separadamente, zelando o magistrado para que aquela que ainda não depôs não conheça do depoimento das demais, com o fim de não prejudicar a sua isenção.

As primeiras perguntas serão formuladas pelo juiz, seguido das re- perguntas da parte que arrolou a testemunha e depois da outra parte, e por fim pelo Ministério Público, nos casos em que ele integra a relação como fiscal da lei. Os advogados das partes e o membro do Ministério Público sempre formularão suas perguntas às testemunhas pelo sistema de reperguntas, pelo qual a pergunta é dirigida ao magistrado, que, após verificar a sua conveniência, a transmite ao depoente.

Os advogados e membros do Ministério Público nunca poderão formular a pergunta diretamente à testemunha, pois é o juiz, pelo princípio da imediação da prova, o intermediário que fiscaliza o seu cabimento (utilidade para a instrução).

Dessa forma, o magistrado poderá indeferir a pergunta formulada pela parte, situação em que o patrono poderá requerer que a pergunta indeferida conste do termo de audiência para que, no futuro, possa alegar que ocorreu cerceamento de sua defesa.

Por fim, resta-nos a seguinte indagação: é possível o fracionamento da prova oral? É possível a oitiva das testemunhas em momentos diversos?

Em atenção ao disposto anteriormente, no sentido de que a testemunha que ainda não depôs não deva ter conhecimento do depoimento das testemunhas que já o fizeram, entendemos que não deve haver o fracionamento da colheita da prova oral, ou seja, como forma de preservar a isenção entre as testemunhas, deve-se ouvir todas no mesmo momento processual.

O fracionamento da prova oral será necessário, todavia, quando a testemunha tiver prerrogativa de local para prestar depoimento, quando a testemunha tiver de ser ouvida por carta, ou, ainda, quando a testemunha tiver sido ouvida previamente por meio de medida cautelar de produção antecipada de provas.

19.7 PROVA PERIC IAL

A prova pericial consiste na prova técnica para o processo, pela qual a constatação de fatos relevantes para a solução da lide se opera por meio de profissional habilitado na área de conhecimento específico para a percepção dos fatos.

Na busca da solução dos conflitos, muitas vezes os processos demandam conhecimentos técnicos ou científicos para a solução da matéria, pois nem todo fato pode ser observado e ter extraída a sua verdade por simples observação de qualquer pessoa. Como sabemos, alguns fatos dependem da atuação de um profissional especializado - por exemplo: médicos, contadores, engenheiros, psicólogos, assistentes sociais etc.

Humberto Theodoro júnior comenta:

Os fatos litigiosos nem sempre são simples de forma a permitir sua integral revelação ao juiz, ou a sua inteira compreensão por ele, através apenas dos meios usuais de prova que são as testemunhas e documentos.Assim, em havendo necessidade de apuração de fatos que dependam de conhecimentos técnicos ou

científicos, o juiz poderá nomear um perito (auxiliar da justiça de sua confiança) para realizar laudo de vistoria, exame ou avaliação acerca do objeto controvertido.

O perito, sujeito do processo que pode ser ou não servidor do Poder Judiciário, exerce função de auxiliar da jurisdição, em típica atividade de confiança do magistrado. O perito é nomeado e funciona sob a confiança do juiz, mas o pagamento de seus honorários é obrigação das partes, em especial do litigante incumbido do ônus da prova.

Page 383: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 381Ao nomear o perito, o juiz fixará seus honorários, que deverão ser adiantados402 pela parte

requerente da prova ou por aquela que detém o ônus de sua realização. Caso a prova tenha sido determinada pelo magistrado ou pelo Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, o adiantamento será por parte do autor da ação, como determina o § 2o do art. 19 do Código de Processo Civil.

m 19 .7 .1 A D M I S S Ã O D A P R O V A P E R I C I A L

O art. 420, parágrafo único, do Código de Processo Civil determina que a prova pericial será indeferida quando:

a) a verificação do fato não depender de conhecimento especial de técnico. Obviamente, não há falar-se em prova pericial quando a apuração do fato puder ser realizada por pessoas comuns - essa vedação, mesmo que não existisse neste capítulo, já estaria contemplada pela regra geral que determina ao juiz o dever de indeferir as provas inúteis (art. 130 do CPC);

b) for desnecessária em consideração a outras provas produzidas. Tal vedação também se justifica no princípio da economia processual, já que deverá ser dispensada a prova pericial quando o fato já estiver demonstrado por outros meios probatórios (documentos, por exemplo).A esse respeito, o art. 427 do Código de Processo Civil prevê que o juiz poderá dispensar a prova pericial quando as partes, na inicial ou na contestação, tiverem trazido aos autos pareceres técnicos ou outros documentos capazes de esclarecer a questão técnica. Por exemplo, poderiam as partes acostar às petições documentos ela-borados extrajudicialmente por profissionais, como atestados e pareceres médicos, plantas de engenharia, mapas etc.;

c) a verificação do fato for impraticável. Nesse caso, estamos diante da impossibilidade material de realização da perícia. Por exemplo, seria o caso da pretensão de uma perícia de engenharia em um prédio que não mais existe, encontra-se totalmente demolido, restando prejudicada a perícia. Ou, ainda, quando a empresa a ser periciada não se encontra mais em atividade etc.

■■ 19 .7 .2 NOMEAÇÃO DO PERITO E INDICAÇÃO

DOS ASSISTENTES TÉCNICOSO perito sempre será nomeado pelo juiz, e deverá ser profissional desinteressado em relação ao

objeto da lide ou em favorecer qualquer uma das partes, pois ao perito aplicam-se as regras de impedimento e suspeição previstas nos arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil.

Por outro lado, poderão as partes indicar os seus assistentes técnicos.Os assistentes técnicos são profissionais de confiança de cada parte, e terão a tarefa de

acompanhar a perícia, bem como oferecer os pareceres técnicos em função dos interesses da parte que assistem no processo. Portanto, não há falar-se em aplicação das disposições de impedimento ou suspeição para os assistentes técnicos (podem ser parciais).

Assim, ao deferir a perícia, o juiz nomeará o perito (ou peritos, se o fato for complexo e depender de mais de um profissional), e intimará as partes para que, no prazo de cinco dias, indiquem os seus assistentes técnicos e apresentem os quesitos a serem respondidos pela perícia.

Os quesitos representam as perguntas ou indagações que as partes esperam que sejam respondidas pela prova técnica. Ressalte-se que os quesitos serão submetidos à apreciação do magistrado, que, se não considerá-los pertinentes, poderá indeferi-los.

Apresentados os quesitos, não ocorrerá a preclusão quanto a eventual complementação, já que a própria lei autoriza a apresentação de quesitos suplementares durante a diligência dos expertos (art. 425 do CPC). Os quesitos suplementares devem ser apresentados durante a

realização da perícia, findando essa faculdade quando apresentado o

laudo pelo perito.'17

Em síntese, podemos resumir a produção da prova pericial da seguinte forma:

a) no desempenho de suas funções, o perito e os assistentes utilizam- se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos, bem como instruindo o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras peças;

b) o perito deverá entregar o seu laudo no prazo fixado pelo juiz;

c) o juiz poderá conceder prorrogação do prazo para entrega do laudo, sendo apresentado motivo justificado pelo perito;

d) o laudo deverá ser apresentado em cartório, pelo menos, com vinte dias de antecedência da audiência;

e) os assistentes oferecerão seus pareceres no prazo comum de dez dias, após a intimação das partes acerca do laudo do perito. Essa regra foi introduzida pela Lei n. 10.358/2001, sendo certo que, no sistema anterior, os assistentes técnicos deveriam apresentar seus pareceres no prazo de dez dias, contados da data em que o perito apresentasse o laudo, isso independentemente de

402 Referimos adiantamento pelo fato de que as custas e despesas do processo sempre serão adiantadas pelas partes e, no final, a parte vencida reembolsará a vencedora pelas despesas que essa adiantou.

Page 384: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOintimação.

Nesse ponto a reforma introduzida pela Lei n. 10.352/2001 foi de grande valia para o processo civil, já que, antes, por não haver a intimação dando ciência da juntado do laudo, não havia como se saber a data do início do prazo para a apresentação dos pareceres;

f) os peritos e assistentes poderão ser convocados a prestar esclarecimentos orais em audiência, desde que sejam intimados com o mínimo de cinco dias de antecedência, e sejam apresentados pre-viamente os quesitos de esclarecimentos (os esclarecimentos também poderão ser prestados em laudo complementar, sem a necessidade de comparecimento em audiência);

g) as partes e assistentes deverão ser intimados da data e local da realização da perícia (art. 431-A do CPC, introduzido pela Lei n. 10.358/01);

h) poderá ser determinada a realização de segunda perícia (art. 438 do CPC), que terá como objeto os mesmos fatos da primeira prova técnica, sendo certo que a segunda perícia servirá como comple-mento da primeira, sem o poder de substituição.

Em observância ao princípio do livre-convencimento, o juiz não está obrigado a decidir conforme o entendimento do laudo, podendo formar sua convicção com base nos demais elementos dos autos (art. 436 do CPC).

O perito poderá recusar-se ao exercício da função ou ser declarado suspeito ou impedido (arts. 138, inc. III, e 423 do CPC), bem como poderá ser substituído pelo juiz quando lhe faltar conhecimento técnico ou científico, ou, ainda, quando deixar de cumprir a sua função dentro do prazo fixado pelo juiz.

mt 19 .7 .3 RECUSA DE SUBMISSÃO À PERÍCIAQuestão muito interessante surge quando indagamos se a parte é obrigada a submeter-se à perícia,

ou ainda, se o magistrado tem o poder de obrigar a parte à realização do exame ou vistoria técnica.A recusa a realizar a perícia é muito freqüente nos processos de investigação de paternidade, nos

quais, muitas vezes, os supostos pais demandados não comparecem ou se recusam expressamente à realização do exame de DNA ou exame hematológico, sob as alegações de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si próprio, de que o ônus probatório incumbiria à parte autora (por se tratar de fato constitutivo de seu direito - art. 333, inc. I, do CPC) e por não haver lei que obrigue a tal exame.

Desses argumentos, a jurisprudência'18 tem manifestado total discrepância, entendendo que a ausência do réu ou sua recusa à realização de perícia na ação de investigação de paternidade é comportamento processual que implica presunção de paternidade.

Obviamente, estamos diante de uma presunção relativa, uma espécie de confissão tácita, que pode ser infirmada por prova em sentido contrário ou mesmo em análise do conjunto probatório levado aos autos.

Curiosamente, o Código Civil de 2002 tratou de positivar a presunção de veracidade dos fatos, até então admitida pela jurisprudência para as ações de investigação de paternidade, quando houvesse recusa na realização da perícia ordenada pelo magistrado. Assim, nestes termos prevê o Código Civil:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz

poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

Nota-se que, em qualquer espécie de ação, a recusa da parte (autora ou ré) de submeter-se a exame médico gera presunção contrária à sua pretensão, inclusive com o poder de suprir a prova que se preten-dia obter com a perícia não realizada.

Por essa razão, podemos afirmar que a submissão ao exame ou perícia trata-se de um ônus processual, sendo certo que a não-aceita- ção pela parte acarretar-lhe-á um prejuízo, qual seja, a presunção ou confissão ficta. Em se tratando de ônus processual, não pode o magistrado compelir a parte à realização do exame, sendo absolutamente impraticável qualquer meio coercitivo para tanto.403

403 "Investigação de paternidade. Exame de DNA. Condução do réu 'debaixo de vara'. Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer-, provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, 'debaixo de vara', para coleta do material indispensável à feitura do exame de DNA. A recusa resolve-se no plano juridico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos." (STF, HCn. 71.373, rei. Min. Marco Aurélio, j. 10.11.1994, v.u.)

Page 385: Manual de Direito Processual Civil

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 38319.8 INSPEÇÃO JUDIC IAL

Não dependendo a prova de conhecimentos técnicos, mas tão- somente da verificação de fatos que possa ser realizada por pessoas comuns, o próprio magistrado poderá, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção de pessoas ou coisas.

A inspeção consiste no deslocamento do juiz até o local onde se encontre a coisa ou pessoa que

deva ser inspecionada.

Nos termos do art. 442 do Código de Processo Civil, é cabível a inspeção quando:

a) o juiz julgar necessária para melhor compreensão ou interpretação dos fatos;

b) a coisa não puder ser apresentada em juízo sem que sofra prejuízo ou demande grande gasto;

c) para reconstituição dos fatos.

O juiz poderá ser assistido por perito, bem como deslocar-se da sede do juízo até o local onde se encontrar a coisa ou pessoa (arts. 441 e 442 do CPC).

Após a diligência de inspeção, o juiz determinará a lavratura de termo, fazendo contar tudo o que foi observado e constatado no ato, inclusive instruindo o auto com desenho, gráfico e fotografia.

19.9 AUDIÊNCIA d e INSTRUÇÃO

Como já afirmamos anteriormente, a audiência de instrução é o ato destinado à colheita de provas orais, em especial, para a oitiva em juízo dos esclarecimentos dos peritos e assistentes, dos depoimentos pessoais ou interrogatórios das partes, de testemunhas, ou mesmo para a realização de acareações.

Evidentemente, apenas será designada a audiência de instrução quando houver a necessidade da colheita de provas orais.

As audiências, como regra, são atos processuais públicos, conseqüentemente, podem ser assistidos por qualquer pessoa mesmo não sendo parte no processo, salvo nas hipóteses em que o processo tramitar em segredo de justiça.

Apregoadas as partes e iniciada a audiência, antes da instrução deverá o magistrado tentar, novamente, se for o caso de direito disponível, conciliar as partes e obter a composição amigável do conflito, nos termos dos arts. 448 e 449 do Código de Processo Civil.404

Não obtida a conciliação (ou sendo essa impraticável dada a natureza indisponível do conflito), dar-se-á início à colheita da prova oral, na seguinte ordem (art. 452 do CPC):

a) esclarecimentos dos peritos e os assistentes técnicos;

b) depoimentos pessoais das partes, primeiro do autor e depois do réu, sendo certo que a parte que ainda não depôs não poderá ouvir o depoimento da outra;405

c) por fim, serão inquiridas as testemunhas, primeiro aquelas arroladas pelo autor, depois as testemunhas arroladas pelo réu.

Os depoimentos sempre são colhidos sob a intervenção e mediação do magistrado, que fará as perguntas sempre em primeiro lugar e, posteriormente, abrirá oportunidade para as reperguntas. No depoi-mento pessoal, após as perguntas do juiz, formulará suas indagações o patrono da parte contrária àquela que depõe. Na oitiva de testemunhas, antes será dada a palavra para as reperguntas da parte que arrolou o depoente, e, após, à parte contrária; por fim ao Ministério Público, quando esse intervém como fiscal da lei.

404 0 art. 451 prevê que, ao iniciar a audiência de instrução, o juiz deverá fixar os pontos controvertidos e o objeto da prova. No entanto, entendemos que esse dispositivo foi tacitamente revogado pelo art. 331, com a alteração que lhe foi dada pela Lei n. 8.952/94, já que determina a fixação dos pontos controvertidos em sede do despacho saneador quando não obtida a conciliação. Por essa razão, sendo fixada a controvérsia do processo no despacho saneador, não há justificativa para que tal ato seja repetido no início da audiência de instrução.

405 Mesmo nos casos em que ocorrer a inversão do ônus da prova, deverá ser respeitada a ordem prevista no art. 452 do Código de Processo Civil. A inversão é do ônus e não da ordem de produção da prova processual.

Page 386: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por sua vez, prevê o art. 453 do Código de Processo Civil que a audiência poderá ser adiada

quando:

a) houver convenção entre as partes, admitindo-se o adiamento uma única vez;

b) não puderem comparecer, por motivo justificado, os sujeitos que prestarão depoimento ou os patronos das partes. A justificativa para o requerimento de adiamento deverá ser apresentada até o início da audiência,406 em caso contrário, o juiz realizará a instrução.O art. 455 do ordenamento processual determina que a audiência de instrução é una e contínua, o

que equivale a dizer que não se deve fracionar a colheita da prova oral. Iniciada a audiência, como regra, deverá ela ser realizada, de forma ininterrupta, até a sua conclusão.

Tal característica de continuidade deve-se ao temor de prejuízo à prova oral em razão do seu fracionamento, já que o Código de Processo Civil determina que o depoente que ainda não depôs não tenha conhecimento das manifestações dos demais, como forma de evitar o comprometimento dos depoimentos.

Imaginemos que apenas compareceram em audiência as testemunhas do autor, e as testemunhas do réu não foram intimadas (não localizadas, não compareceram espontaneamente etc.): nesse caso, poderia o magistrado ouvir as testemunhas de uma parte e designar outro dia para a ouvida das testemunhas do réu?

Entendemos não ser possível o fracionamento da prova oral, já que as testemunhas ouvidas posteriormente, em segunda audiência, poderão ter conhecimento das manifestações daquelas que depuseram anteriormente, de certa forma, com a possibilidade de manipulação da verdade dos fatos e o conseqüente prejuízo à parte que teve suas testemunhas inquiridas primeiro.407

Por outro lado, em algumas situações não há como se evitar o fracionamento da prova oral. Seria o caso, por exemplo, da oitiva de testemunhas por carta (precatória, de ordem ou rogatória), em que os depoimentos são colhidos fora da sede do juízo onde tramita o processo e por outro magistrado, ou, ainda, quando a prova oral foi colhida antecipadamente (neste capítulo, ver 19.1.4, “b”).

Excepcionalmente, quando não for possível a conclusão da instrução em um único dia, poderá o magistrado prosseguir o ato além do horário ordinário, ou marcar o prosseguimento para o dia próximo (art. 455 do CPC).

406 "Processual civil. Adiamento de audiência. Ausência do advogado. Impossibilidade de seu comparecimento. Indispensabilidade da comprovação do justo motivo alegado. Art. 453 do CPC. O advogado tem que comprovar o motivo que justificaria o seu impedimento para comparecer à audiência previamente designada, sendo insuficientes meras alegações. Recurso especial não conhecido." (STJ, 43 T., REsp n. 62.357/ES, rei. Min. César Asfor Rocha, j. 18.06.1996, v.u.)

407 Em caso de concordância das partes, poderá haver o fracionamento da audiência de instrução, caso contrário, não pode o juiz proceder a tal fracionamento, em observação ao disposto no art. 455 do Código de Processo Civil.

Page 387: Manual de Direito Processual Civil

M 1 9 . 9 . 1 D E C I S Õ E S P R O F E R I D A S E M A U D I Ê N C I A

INSTRUÇÃO DO PROCESSO 385

Durante a audiência de instrução, o magistrado poderá ser levado a proferir diversas decisões interlocutórias, como por exemplo para o julgamento de uma contradita, indeferimento de perguntas formuladas pelos advogados etc.

Assim, dispõe o art. 523, em seu § 3o do Código de Processo Civil, que a parte prejudicada com a decisão poderá, sob pena de preclusão, interpor recurso de agravo retido. Nesse caso, o agravo retido será obrigatoriamente oral e suas razões, apresentadas de forma sucinta pela parte recorrente, constarão do termo de audiência.

A interposição do agravo retido obsta a preclusão da matéria e permite que, quando do julgamento da apelação, a questão seja reapreciada pelo tribunal.

19.10 ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO

Em caso de haver a dilação probatória com a realização de prova pericial, ou prova oral em audiência, declarada encerrada a instrução processual, o juiz concederá o prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez minutos, de forma sucessiva, primeiro para o autor, depois para o réu, e finalmente para o Ministério Público,5'1 para que realizem as suas alegações finais - art. 454 do CPC -, em forma oral, e que serão transcritas no termo de audiência.

Havendo litisconsortes, o prazo para as alegações finais será comum, ou seja, deverão eles dividir-se entre os demais sujeitos que ocupam o mesmo pólo dentro do prazo estabelecido na lei.

Tratando-se de questões complexas, o juiz poderá converter as alegações finais (orais) em memoriais, para que as partes, em vez das alegações orais ao final da audiência, possam apresentar suas manifestações por escrito (em petição), designando o magistrado dia para o seu oferecimento - § 3o do art. 454 do Código de Processo Civil.

É nas alegações finais (oral ou memorial) que os patronos das partes terão oportunidade para a apresentação de uma conclusão do processo; obviamente, formulada com prevalência dos atos ou fatos processuais de importância para o acolhimento da pretensão da parte. Nas alegações finais, as partes expõem, de forma resumida, a pretensão do autor, a defesa apresentada, a prova colhida e os principais argumentos lançados para o acolhimento do pedido ou da defesa, reiterando, ao final da manifestação, o pedido de procedência (para o autor) ou o de improcedência (para o réu).

Na realidade, as alegações finais apenas terão o condão de dar às partes a oportunidade para a conclusão de suas manifestações em primeira instância, sem que importe tal ato em elemento relevante para o deslinde da causa. A inércia da parte na apresentação de alegações finais (ou memoriais, como será visto), não lhe acarreta qualquer prejuízo.

Poderá a parte apresentar novos fatos ou documentos em suas alegações finais ou memoriais?Evidentemente que não se deve admitir a juntada de documentos nos memoriais, já que a instrução

foi declarada encerrada e o feito se encontra pronto para julgamento. No entanto, tal regra deve ser excepcionada na hipótese de documento novo, circunstância em que o juiz deverá aceitar a juntada e dar oportunidade à parte contrária para manifestação acerca do documento acostado ao memorial.408

Finda a colheita das provas e apresentadas as alegações finais, desde logo ou no prazo de dez dias, o magistrado proferirá o julgamento do processo.409

408"Prova. Documento. Juntada após memoriais. Inadmissibilidade. Correta a decisão determinativa do desentranhamento de petição e documentos ofertados após a entrega dos memoriais, se o fato a demonstrar, conquanto superveniente, é irrelevante para a solução da causa." (TACSP, Apelação n. 500.814, rei. Juiz João Saletti, j. 10.02.1998, v.u.)

409 Em casos excepcionais, poderá o juiz converter o julgamento em diligência, isso para determinar às partes ou terceiro a realização de determinado (nova prova, por exemplo) ato necessário para o completo conhecimento do litígio.

Page 388: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO 2

0S E N T E N Ç A E A C O I S A J U L G A D A

O julgamento do processo pode ocorrer em qualquer momento ou fase processuais. Como vimos anteriormente, o juiz poderá sentenciar o feito logo quando recebe a petição inicial, isso para decretar a extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267 do CPC), ou proferir a decisão de extinção, com ou sem julgamento do mérito, logo após ofertada a contestação e em sede de providências preliminares, por entender desnecessária a dilação probatória (julgamento conforme o estado do processo), como também poderá proferir decisão final após encerrada a instrução processual.

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais, oralmente na própria audiência ou por meio de memoriais, o juiz poderá proferir sentença de plano ou no prazo de dez dias.

Assim, podemos afirmar que o julgamento do processo em primeira instância pode ocorrer:

a) quando do indeferimento da petição inicial (arts. 284 e 267, inc. I, do CPC). Em se tratando de

vício sanável, o

Page 389: Manual de Direito Processual Civil

387

juiz deverá conceder prazo de 10 dias para que a parte autora adite a sua inicial; não sendo cumprida a determinação, a inicial será indeferida.

No entanto, em se tratando de vício insanável, por exemplo, como falta de condição da ação, litispendência, coisa julgada, pe- rempção e falta de caução (nos casos previstos na lei), o juiz poderá proferir, de plano, a extinção do processo sem o julgamento do mérito, nos termos do art. 267 do Código de Processo Civil;

b) quando das providências preliminares ou no julgamento conforme o estado do processo (arts. 329 e 330 do CPC), sendo possível a extinção com ou sem o julgamento do mérito, conforme as hipó-teses dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil.

Duas são as hipóteses de julgamento antecipado, conforme já tratamos:sentença de extinção sem julgamento do mérito, quando houver algum vício insanável;sentença de extinção com julgamento do mérito, quando for dispensada a dilação probatória (efeitos da revelia, controvérsia apenas de direito etc.);

c) após o encerramento da instrução processual, o julgamento poderá ocorrer na própria audiência ou no prazo subseqüente de dez dias após o referido encerramento da fase probatória (art. 456 do CPC). Quando não for caso de julgamento antecipado (com ou sem julgamento do mérito), o processo será julgado após o encerramento da instrução.

Page 390: Manual de Direito Processual Civil

DIVERSOS MOMENTOS DO JULGAMENTO

Vícioinsanável

SENTENÇA

Art. 267Vício

insanávelSENTENÇA

Art. 267

Juízo de

admissibilidade

Sem vício: juiz

determina a

citação

Providências

preliminares

e saneamento

Citação e Necessidad

e de dilação

probatória

Instruçãoe

SENTENÇA

Inicialresposta do réu

Vício

sanável: juiz

determina

aditamento

Efeito da

revelia

Dispensa de

dilação

probatória

SENTENÇA

Art. 269

Julgamento

antecipado do

mérito

Aditamentocorreto

Omissão do

autor SENTENÇA EA COISA JULGADA 49

7

Extinção sem

julgamento do

mérito

Page 391: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

20.1 SENTENÇA

M 2 0 . 1 . 1 CONCEITUAÇÃOA sentença é ato processual pelo qual o juiz encerra a atividade juris- dicional do Estado em

primeira instância, manifestando-se ou não acerca do mérito da demanda, e em que outorga o bem litigioso a uma das partes, ou julgando extinto o processo sem apreciação da lide, nos casos em que existem circunstâncias que impedem a apreciação do mérito.

Luiz Fux dá a seguinte conceituação: “A sentença é, assim, o ato pelo qual o juiz cumpre a função jurisdicional, aplicando o direito ao caso concreto, definindo o litígio e carreando a paz social pela impera- tividade que a decisão encerra”.410

A Lei n. 11.232/2001 alterou a redação originária do art. 162, § Io, para conceber a sentença como ato pelo qual o juiz encerra o processo com ou sem julgamento do mérito, ou seja, aplicando alguma das hipóteses dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil.

De fato, a sentença não é o ato que põe termo definitivo ao processo, mas tão-somente encerra a atividade jurisdicional no primeiro grau de jurisdição, podendo ela, mesmo depois dessa decisão, continuar para o processamento do recurso ou de eventual cumprimento da sentença. Na verdade, a redação do § Io do art. 162 do Código de Processo Civil, conjungada com os arts. 267 e 269, está incompleta.

São atos extremos do processo em primeira instância a petição inicial e a sentença - a primeira é o ato da parte que dá origem à relação processual, enquanto a sentença é ato do juiz que implica encerramento da referida relação perante o órgão monocrático de julgamento; a definição legal emprega um significado finalístico411 ou topológico ao ato, afinal é ato extremo de encerramento no primeiro grau de jurisdição.

Em simples palavras, todo processo tem início em razão de uma petição inicial e tem seu término por meio de uma sentença; seja qual for a espécie de processo,412 o seu encerramento, obrigatoriamente, demanda a prolação de uma sentença.

Nota-se que a sentença é um ato de inteligência, no qual, após conhecer de toda a lide - da pretensão do autor, da defesa do réu, das provas levadas aos autos, das alegações finais etc. -, o magistrado manifesta a vontade da lei à realidade apresentada pelas partes; ou, ainda, profere o julgador um juízo de inadmissão do conhecimento do mérito, naquelas hipóteses em que faltam as condições da ação ou pressupostos processuais.

M 2 0 . 1 . 2 E S P É C I E S D E S E N T E N Ç A S E T U T E L A S

PRESTADAS NO PROCESSO DE CONHECIMENTOAs classificações doutrinárias sempre devem ter por escopo dar utilidade às variantes encontradas

no instituto em análise, sob pena de tornarem-se inúteis ao aplicador do direito.Assim, considerando a importância dos efeitos da sentença em função do mérito da ação e os

efeitos advindos desse provimento, podemos classificar as sentenças em:

a) Sentenças de mérito ou definitivas. São aquelas proferidas nos termos do art. 269 do Código de Processo Civil, nas quais o juiz encerra a prestação jurisdicional com apreciação do mérito apresentado pelas partes. São casos de julgamento do mérito, conforme o referido artigo, as seguintes hipóteses:

quando o juiz julga procedente, procedente em parte ou improcedente o pedido do autor;quando o juiz homologa acordo firmado entre as partes em juízo;quando o juiz acolhe a alegação de prescrição ou decadência;413 quando o réu reconhece a procedência do pedido; quando o autor renuncia ao direito sobre o qual se funda a de-manda.414

410' Curso de direito processual civil, p. 676.411 Teresa Arruda Alvim Wambier, Nu/idades do processo e da sentença, p. 26, apud

Mar- cus Vinícius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, v. II, p. 2. 0 autor manifesta posição contrária àquela dada pela professora Teresa Arruda Alvim Wambier, pela qual define a sentença não pela sua finalidade (encerramento do processo), mas pelo seu conteúdo, já que os arts. 267 e 269 expressam as matérias que serão objeto da sentença.

412 Mesmo os processos de execução e os cautelares necessitam de uma sentença para

413sua finalização perante o primeiro grau de jurisdição, evidentemente, sem a mesma finalidade e conteúdo do processo de conhecimento.

41411 Será considerada sentença a decisão de reconhecimento de prescrição e decadência quando importar em encerramento do processo. Caso a prescrição ou a decadência sejam apenas sobre parte da pretensão, determinando-se o prosseguimento do feito, devemos considerar espécie de decisão interlocutória. Nesse sentido, Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 499

b) Sentenças terminativas.415 São aquelas proferidas nos termos do art. 267 do Código de Processo Civil: apenas encerram formalmente a relação jurídica processual, sem apreciação do mérito da causa, isso em razão de circunstâncias que impedem o desenvolvimento regular do processo (como a falta de condições da ação ou pressupostos processuais).

Evidentemente, o processo de conhecimento é concebido para a oferta, ao jurisdicionado que o invoca, da prestação de uma sentença de mérito, uma manifestação do Estado-juiz acerca de qual das partes tem razão no litígio e deve gozar do bem jurídico disputado na ação. É na sentença de mérito que o magistrado acolhe ou rejeita o pedido do autor em face do réu.

É somente nas sentenças de mérito que, quando da procedência do pedido, outorga-se ao autor uma tutela jurisdicional e seus efeitos práticos, como condenação, declaração ou provimento constitutivo (negativo ou positivo).

No entanto, o magistrado apenas poderá conhecer do mérito da ação quando não presentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 267 do Código de Processo Civil, que, em síntese, prevê circunstâncias

Civil comentado, 3. ed., p. 605.s Não se confunde com desistência da ação. A renúncia ao direito importa em

extinção com julgamento do mérito, enquanto a desistência da demanda gera apenas a extinção formal do processo (art. 267 do CPC).

415 Como efeito prático, todas as sentenças são terminativas (inclusive as de mérito), pois toda sentença encerra a relação jurídica processual. A diferença das sentenças apenas terminativas é que elas não apreciam o mérito, ao contrário da outra que, além de encerrar a relação processual, conhece e profere um juízo acerca da controvérsia.

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 500

de ausência de pressupostos processuais ou das condições da ação. Casos em que, não podendo conhecer do mérito, o julgador apenas proferirá uma sentença terminativa, cuja função será encerrar formalmente o processo, sem dizer se o pedido é ou não procedente.

Outra classificação relevante pode ser tomada em consideração à espécie de provimento jurisdicional emitido na sentença. Como estudamos anteriormente, no processo de conhecimento podem ser proferidas as seguintes modalidades de tutelas: a) declaratórias; b) constitutivas positivas ou negativas (desconstitutivas); c) condenatórias; ou d) homologatórias.

As tutelas declaratórias têm por objeto a manifestação do Estado acerca da existência ou inexistência de um direito ou obrigação. Já as sentenças condenatórias, mais do que declarar se o direito ou relação jurídica existe ou não, têm por escopo a emissão de um comando ao réu para que cumpra uma obrigação de pagar quantia, entregar uma coisa, fazer ou deixar de fazer uma obrigação, sob pena de sofrer coerção do Estado para o adimplemento da obrigação imposta no título judicial.

Além disso, temos as sentenças constitutivas, tutelas essas capazes de criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica ou obrigação.

As sentenças condenatórias e as declaratórias produzem efeito ex tunc, pelo fato de que, nas sentenças declaratórias, a manifestação contida no título retroage à data ou época em que o fato ou relação jurídica ocorreu. Por exemplo, em uma ação de investigação de paternidade, é proferida uma típica sentença declaratória, importando no reconhecimento do parentesco desde o momento em que a criança foi concebida e não apenas a partir da publicação da sentença. Não haveria qualquer cabimento afirmar-se que o autor é filho do réu apenas após a sentença, e antes disso, não.

As sentenças condenatórias, por sua vez, têm efeito retroativo, já que a condenação importa na ordem de cumprimento da obrigação no momento em que ela deveria ter sido cumprida espontaneamente pela parte devedora; a sentença retroage, portanto, à data em que o devedor foi constituído em mora.

Por outro lado, as sentenças constitutivas, como regra, produzem efeito ex nunc, ou seja, os efeitos não retroagem ao tempo anterior à sentença. Por exemplo, quando é decretado o divórcio (típica sentença desconstitutiva), as partes apenas sofrerão os efeitos do comando judicial do momento de sua publicação em diante, não havendo que se falar em efeito do divórcio antes da prolação da sentença.416

Não obstante as espécies de tutelas anteriormente citadas, não se pode deixar de mencionar as sentenças homologatórias, ou seja, aquelas proferidas em ratificação da vontade manifestada pelas partes, sentença que atribui efeito de título executivo judicial ao acordo celebrado entre os litigantes, com a finalidade de pôr fim ao processo (art. 269, inc. Ill, do CPC).

Evidentemente, uma única sentença poderá conter mais de uma espécie de tutela jurisdicional, dependendo, para isso, dos pedidos que foram formulados na petição inicial.

■i 20 .1 .3 Requ is i tos fo rma is das Sentenças

Obrigatoriamente e sob pena de nulidade, as sentenças de mérito deverão ser compostas pelas

seguintes partes ou requisitos:

a) relatório;

b) fundamentação;

c) dispositivo.

O relatório é a parte da sentença em que o magistrado individualiza as partes, dá a síntese da pretensão do autor e da resposta do réu, bem como faz referência aos principais incidentes processuais e às provas colhidas em instrução. É a demonstração, pelo magistrado, do conhecimento completo da lide.

Comentando acerca da falta de relatório, o Prof. Arruda Alvim explica que:

Tal é a gravidade do vício de que padece a sentença, a que falta

relatório, que se tem admitido a rescisão de tais decisões. [...]

Trata-se de nuli-dade absoluta, sendo portanto decretável pelo juiz, sem segundo grau de jurisdição, independente de provocação da parte. Toda matéria em que se consubstancia o contraditório deve vir relatada, para que possa ser objeto de exame e que se coloque como premissa do pronunciamento jurisdicio- nal, na forma do que dispõem os incs. I e II do art. 458 do CPC.8

Realizada a narrativa dos fatos processuais, o juiz passará à fundamentação da sentença, momento do ato em que serão firmadas as razões de seu convencimento de modo a permitir a compreensão pelas

416 Excepcionalmente, é possível citar um caso de sentença constitutiva com efeito ex tunc. Na ação de adoção, os efeitos da sentença retroagem, já que o adotado recebe a condição de filho desde o seu nascimento.

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8 Manual de direito processual civil, v. II, p. 650.

SENTENÇA EA COISA JULGADA 501

partes (e por outros interessados) dos argumentos de fato e de direito que ensejaram a decisão.A fundamentação não precisa ser exaustiva, mas deve ser capaz de permitir a compreensão externa

das razões do convencimento do magistrado. A fundamentação das decisões é pressuposto para que a parte prejudicada possa impugnar o ato que lhe causar prejuízo, pois o ato que padece de fundamento, impede que o prejudicado exerça o próprio direito de contraditório da parte. Como alguém poderá recorrer da decisão se não sabe os motivos que levaram o magistrado ao convencimento?

Note-se que o dever de fundamentação das decisões judiciais (de qualquer órgão da jurisdição) encontra-se previsto no próprio Texto Constitucional, que impõe, no art. 93, inc. IX, o dever de motivação dos atos, sob pena de nulidade.

Por fim, a sentença deverá conter o dispositivo (decisum), parte da decisão em que se afirma, com clareza e precisão, o julgamento do pedido - se procedente, procedente em parte ou improcedente -, com a imposição da tutela jurisdicional e seus efeitos práticos (como requerido pelo autor na petição inicial = pedido imediato e pedido mediato).

Em relação aos efeitos primários emanados da sentença, ou seja, a execução e a coisa julgada, o dispositivo é de fundamental relevância, uma vez que é nessa parte da sentença que se encontra a própria tutela jurisdicional (declaração, constituição ou condenação) e os efeitos práticos dessa tutela.

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9 Idem, p. 656.

502 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por outro lado, o art. 459 do Código de Processo Civil prevê que, nos casos de sentenças terminativas - art. 267 -, o juiz poderá decidir de forma concisa, ou seja, as partes da sentença (relatório, motivação e dispositivo) serão apresentadas de forma sumária e sem adentrar na discussão do mérito.

M 2 0 . 1 . 4 L I M I T E S D A S E N T E N Ç A

O juiz proferirá sentença observando os limites em que a lide foi proposta, conseqüentemente, com observância do pedido e da causa de pedir apresentados pelo autor em sua petição inicial e, eventualmente, nos limites da reconvenção ou ação declaratória incidental existente nos autos.

A esse respeito, determina o art. 460 do Código de Processo Civil:

Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Assim, considerando a inobservância dos limites da sentença, podem surgir os seguintes vícios:

a) infra ou citra petita: a sentença citra petita é aquela que deixa de apreciar pedido formulado pelo autor; é a prestação incompleta ou insuficiente do provimento jurisdicional requerido. Sentença que não analisa todos os pedidos, importando em denegação parcial de justiça.9

Não se confunde com julgamento parcial do pedido - por exemplo, autor pede 100 e o juiz confere 50. No exemplo, o juiz apreciou o pedido, mas deferiu apenas em parte; nas sentenças

infra petita, o julgador se omite quanto a pedido ou pedidos, deixa de julgar;b) ultra petita: é aquela em que o juiz confere tutela excedente à pleiteada pelo autor em sua

inicial. Seria o caso, por exemplo, da ação em que se pede indenização em 100 salários mínimos e, na sentença, o magistrado condena o réu ao pagamento de 150 salários mínimos. Nesse caso, a sentença não precisará ser anulada, mas deverá o tribunal reduzi-la (adequá-la) aos limites do pedido contido na inicial;

c) extra petita: quando a providência jurisdicional é diversa da que foi pleiteada, por exemplo: alguém pleiteia a condenação a determinado pagamento e o juiz declara a nulidade do

contrato. Além disso, também constitui sentença extra petita quando for concedida ou negada a tutela sob fundamento diverso do argüido pelas partes. Por exemplo, alguém pleiteia a separação por infidelidade e o magistrado a concede com base em injúria grave (argumento que nem foi articulado pelas partes).

■i 20 .1 .5 TU T E L A S ES P E C Í F I C A S D A S OB R I G A Ç Õ E S

D E FA Z E R E N Ã O FA Z E RNo sistema jurídico, podemos afirmar que existem diversas formas de se tutelar o direito de

alguém.O Estado pode conferir uma tutela acautelatória que tenha por fim evitar que a lesão ocorra, pode

ser prestada uma tutela compensatória, pela qual o réu é condenado a indenizar o autor dos danos que

esse sofreu, ou, ainda, é possível o oferecimento de uma tutela in natura, pela qual se entrega ao detentor do direito o próprio bem da vida por ele pretendido.

Divergem as tutelas compensatórias das tutelas in natura: na primeira, entrega-se ao vencedor da ação coisa que compense o seu prejuízo, já na outra, oferta-se o próprio bem da vida almejado. Vejamos o exemplo: imaginemos que duas pessoas contratam entre si a obrigação de pintura de determinado quadro. Por sua vez, o contratado se nega ao cumprimento da obrigação. Nesse caso, ingressando com ação para exigir o cumprimento da referida obrigação, poderão ser emitidas duas tutelas diferentes: uma obrigando o réu ao cumprimento da obrigação de fazer, ou seja, pintar efetivamente o quadro, e outra condenando-o ao pagamento de uma indenização pelo descumprimento, o que chamamos, no campo do Direito Civil, de perdas e danos.

Evidentemente, no primeiro caso temos uma espécie de tutela in natura, e no outro, uma tutela compensatória.

Grande problemática existia quanto às tutelas proferidas em relação às obrigações de fazer ou não

fazer, nas quais, quando o condenado se recusava ao cumprimento da obrigação in natura, a única alternativa que restava ao credor era a conversão da obrigação em perdas e danos, ou seja, em vez de

receber a obrigação como ela foi assumida (in natura), recebia uma indenização (compensatória).Assim, quando da reforma introduzida pela Lei n. 8.952/94, o legislador houve por bem instituir

no Código de Processo Civil mecanismos capazes de assegurar o cumprimento da obrigação de fazer ou não

fazer in natura. O sistema passou a dar preferência ao cumprimento da obrigação in natura, em lugar do cumprimento na forma compensatória, salvo nas hipóteses em que restar aquela inviável.

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 503Dessa forma, o art. 461 do Código de Processo Civil prevê que, quando da prolação da sentença, o

magistrado deverá, mesmo de ofício, conceder uma tutela específica ao caso concreto, que seja capaz de assegurar o cumprimento ou resultado prático equivalente ao do adim- plemento voluntário, ou seja, a sentença proferida nas hipóteses de obrigação de fazer ou não fazer deverá prever medidas que assegurem

o cumprimento da obrigação na forma in natura.A obrigação de fazer ou não fazer apenas se converterá em perdas e danos, portanto,

compensatória, quando for impossível o cumprimento in natura (da tutela específica) ou quando o autor assim o requerer (§ Io do art. 461 do CPC).

Mas, afinal, no que consistem as tutelas específicas?Como afirmamos, são medidas impostas nas sentenças capazes de obrigar o condenado ao cumprimento

da obrigação in natura. São medidas capazes de desestimular o inadimplemento da obrigação na forma em que ela foi concebida originariamente, como, por exemplo, a imposição de multa diária pelo atraso no cumprimento da obrigação (§ 4o do art. 461 do CPC), remoção de pessoas ou coisas, desfazimen- to de obras, requisição de força policial, busca e apreensão, impedimento de atividade (§ 5o do art. 461 do CPC), ou, ainda, a medida que o magistrado entender adequada ao caso concreto para resguardar o cumprimento da obrigação.417

A multa para o cumprimento da obrigação é fixada pelo juiz, considerando a natureza da causa, e será revertida em favor da parte credora e prejudicada pela demora no adimplemento da obrigação. O valor e a periodicidade da multa podem ser modificados pelo juiz a qualquer tempo (§ 6o do art. 461 do CPC).

Não obstante a previsão de tutelas específicas nas sentenças condenatórias de obrigação de fazer ou não fazer, quando da reforma introduzida pela Lei n. 10.444/2002," foi inserido no Código de Processo Civil o art. 461-A para possibilitar o deferimento dessas tutelas diferenciadas também nas sentenças condenatórias de obrigações de entrega de coisa, aplicando-se as mesmas disposições previstas no art. 461.

Ressalte-se que as tutelas específicas apenas podem ser estabelecidas nas sentenças que tenham por objeto obrigações de entrega de coisa, de fazer ou não fazer, e nunca nas sentenças condenatórias de quantia, já que, nesse caso, a garantia de satisfação existe pela possibilidade de expropriação de bens do devedor (penhora, por exemplo).

■ I 2 0 . 1 . 6 M O D I F I C A Ç Ã O D A S S E N T E N Ç A S P E L O

P R Ó P R I O J U I Z

A publicação da sentença gera o efeito de encerrar a atividade jurisdicional do juízo de primeira instância; ato processual esse que o impede de praticar novos atos decisórios no processo já sentenciado, salvo atos para o recebimento de eventual recurso e a fixação de seus efeitos.

Assim, impõe a lei processual que o juiz não poderá alterar o conteúdo de seu decisório, exceto se for:

4170 rol de medidas do art. 461 é meramente exemplificativo, já que, dependendo do caso concreto, o magistrado aplicará as medidas que entender necessárias para o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer.

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12 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, v. I, p. 452.

504 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOa) para correção de erro material;

b) em razão da oposição de embargos de declaração pelas partes.

A correção de erro material pode ser entendida como aquela que não importa em modificação do sentido do julgamento, mas apenas corrige erros de grafia, de nome das partes, de cálculo etc.

Já os embargos de declaração (art. 535 do CPC), tema que trataremos em capítulo próprio a seguir, é modalidade de recurso das partes, tendente à supressão de omissão, obscuridade ou contradição na sen-tença.

Relevante mencionar que, em ambos os casos, não ocorre modificação do julgamento do magistrado, não há alteração daquilo que entende o juiz como sendo certo, mas tão-somente se corrige o erro

apontado pela parte ou mesmo ex officio.A coisa julgada é instituto preservado até mesmo contra o advento de nova lei, ou seja, por

determinação da Constituição da República, em seu art. 5o, inc. XXXVI. Nem a edição de novas leis pode

abalar a soberania da resjudicata.Acerca da coisa julgada, Luiz Fux comenta:

O fato de para cada litígio corresponder uma só decisão, sem a possibilidade de reapreciação da controvérsia após o que se denomina trânsito em julgado da decisão, caracteriza essa função estatal e a difere das demais. O momento no qual uma decisão torna-se imodificável é o do trânsito em julgado, que se opera quando o conteúdo daquilo que foi decidido fica ao abrigo de qualquer impugnação através de recurso, daí a sua conseqüente imutabilidade. Desta sorte, diz-se que uma decisão transita em julgado e produz coisa julgada quando não pode mais ser modificada pelos meios recursais de impugnação.13

Neste ponto é importante ressaltar que a coisa julgada não se confunde com a preclusão, pois, enquanto essa é a perda da faculdade da prática de um ato processual - em um processo em curso a outra compreende o efeito de imutabilidade e definitividade do julgado - cujo processo já se encontra transitado em julgado.

M 20 .2 .1 E S P É C I E S D E C O I S A J U L G A D A

Como vimos anteriormente, temos duas espécies de sentenças: as de mérito e as meramente terminativas. Conseqüentemente, dessa classificação advém a seguinte:

a) Coisa julgada material: efeito que recai apenas sobre as decisões transitadas em julgado que apreciaram o mérito da lide; o processo foi extinto com solução do conflito, nos termos do art. 269 do Código de Processo Civil. Não fazem coisa julgada material as decisões extintas nos termos do art. 267 do Código de Processo Civil, sobre as quais apenas recairá a eficácia da coisa julgada formal.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOb) Coisa julgada formal: efeito de imutabilidade sobre o processo encerrado - referente apenas ao

processo tal espécie equipara-se mais ao instituto da preclusão418 do que à coisa julgada: encerrado um processo, ele será definitivo, não podendo ser discutida nele qualquer outra controvérsia. Esse efeito recai sobre todos os processos transitados em julgado. Os processos extintos com base no art. 267 do Código de Processo Civil geram apenas a coisa julgada formal (sem coisa julgada material). Por outro lado, sobre as sentenças de mérito recaem ambos os efeitos da coisa julgada: formal e material.

Apenas o efeito da coisa julgada formal não impede nova discussão da mesma lide (art. 268 do CPC); o efeito de imutabilidade somente existe quando, além da coisa julgada formal, existir coisa julgada material (art. 269 do CPC).

H 20 .2 .2 E X T E N S Ã O O U L I M I T E S D A CO I S A JU L G A D A Os limites da

coisa julgada poderão ser partidos em dois aspectos:

a) Limites objetivos, relativos à parte da sentença que será objeto da coisa julgada. A imutabilidade do julgado atinge apenas a parte dispositiva da sentença, sendo que a verdade dos fatos e os fundamentos jurídicos não são acobertados pela coisa julgada, nestes termos do Código de Processo Civil:

Art. 469. Não fazem coisa julgada:I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sen-tença;III - a apreciação da questão prejudicial,'5 decidida incidentemen-te no processo.

Como tratamos anteriormente (Capítulo 17.5), as questões prejudiciais tratadas na fundamentação da sentença poderão fazer parte da coisa julgada quando qualquer uma das partes promover ação declaratória incidental.

b) Limites subjetivos (sujeitos) - art. 468 do Código de Processo Civil. Como regra, a sentença faz lei apenas entre as partes litigantes e o assistente que integrou a lide (art. 50 do CPC).

No entanto, essa regra comporta algumas exceções:

a) nas ações de estado das pessoas, se todos os interessados forem citados (como litisconsortes),

a sentença produzirá efeitos erga omnes (art. 472 do CPC);b) nas ações coletivas (por exemplo, ação civil pública, ação popular, ações diretas relativas à

constitucionalidade etc.), as decisões de mérito terão efeito erga omnes, oponíveis perante qualquer pessoa.

O art. 471 do Código de Processo Civil determina que nenhum juiz poderá decidir novamente questão já decidida, acobertada pela coisa julgada. Todavia, o próprio artigo prevê exceções.

A primeira delas é a denominada relação jurídica continuada. Nesse caso, se sobrevier modificação no estado de fato ou de direito, qualquer uma das partes poderá requerer a sua revisão (por exemplo, o

418 Para Marcus Vinicius Rios Gonçalves, op. cit., "Verifica-se a coisa julgada formal quando tiver havido preclusão, temporal, consumativa ou lógica, para a interposição de qualquer outro recurso contra a sentença (ou acórdão). Como esta é o ato que põe fim ao processo, preclusos todos os recursos, ele estará irremediavelmente extinto. Por isso a coisa julgada for

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18 Op. cit., 3. ed., p. 687.

506 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOque ocorre com as ações de alimentos,419 relações tributárias420 etc.).

Além disso, a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), em seu art. 16, prevê que a sentença de mérito não terá efeito de coisa julgada quando julgar improcedente o pedido por insuficiência de provas, hipótese que permite a qualquer legitimado intentar nova ação idêntica (mas com novas provas).

Outra questão importante da res judicata é a denominada “eficácia preclusiva da coisa julgada” (aparentemente, um bicho-de-sete- cabeças...).

Curiosamente, mesmo com preceito expresso de que os fatos e fundamentos jurídicos da sentença não fazem coisa julgada (art. 469, incs. I e II do CPC), o art. 474 do Código de Processo Civil determina:

Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar- se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.

Comentando esse dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery explicam:

Alegações repelidas. Transitada em julgado a sentença de mérito, as partes ficam impossibilitadas de alegar qualquer outra questão relacionada com a lide sobre a qual pesa a autoridade da coisa julgada. A norma reputa repelidas todas as alegações que as partes poderiam ter feito na petição inicial e contestação a respeito da lide e não o fizeram. Isso significa dizer que não se admite a propositura de nova demanda para redis- cutir a lide, com base em novas alegações. Caso a parte tenha documento novo, a teor do CPC 485, VII, poderá rescindir a sentença, ajuizando ação rescisória, mas não rediscutir a lide, pura e simplesmente, apenas com novas alegações.18

Dessa forma, a coisa julgada faz presumir que as partes alegaram tudo que havia sobre o litígio, pela “eficácia preclusiva da coisa julgada”. A lei presume que todas as alegações foram repelidas, não admi-tindo a propositura de nova demanda, sobre a mesma lide, para discutir fatos e fundamentos que não foram discutidos na lide transitada em julgado.

419,5 A apreciação de questão incidente prejudicial apenas sofrerá efeito da coisa julgada se a parte interessada apresentar Ação Declaratória Incidental, nos termos dos arts. 5o e 325 do Código de Processo Civil.

'6 Lei n. 5.478/68, "Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer momento ser revista em face da modificação da situação financeira dos interessados".

420 Súmula n. 239 do STF: "Decisão que declara indevida a cobrança de imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores".

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507

21

L I Q U I D A Ç Ã O D E

S E N T E N Ç A

As sentenças condenatórias - ou acórdãos que venham substituí-las - são títulos hábeis para permitir que o credor movimente a máquina judiciária com o objetivo de compelir o devedor ao seu cumprimento.

No entanto, o título apenas terá força executiva quando preencher os requisitos de liquidez, certeza e de exigibilidade.

A liquidez é o requisito relacionado com a extensão da obrigação, ou seja, deve constar no título a obrigação exata a ser cumprida pelo devedor. A liquidez corresponde à determinação da obrigação a ser executada pelo devedor (por exemplo, a quantia exata).

Portanto, liquidar corresponde ao ato de encontrar o valor ou a determinação da obrigação (de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa) devida pela parte contrária.

Assim, toda vez que o título judicial não for líquido - não contiver a determinação da obrigação -, antes de serem realizados os atos executórios, o credor deverá promover a liquidação dessa sentença, conforme preceitua o art. 475-A do Código de Processo Civil.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Ressalte-se que no procedimento da liquidação não há discussão sobre a obrigação (an debeatur), afinal isso já foi superado na sentença ou no acórdão. Na liquidação busca-se um provimento judicial - que será integrado ao título judicial - que se pronuncie apenas sobre o

quantum debeatur.

21.1 S E N T E N Ç A S I L Í Q U I D A S

O art. 475-N do Código de Processo Civil arrola os títulos executivos judiciais. São eles: a) a

sentença condenatória do processo civil;

b) a sentença penal condenatória transitada em julgado; c) a sentença homologatória de conciliação ou

transação; d) a sentença arbitrai; e) o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado

judicialmente; f)a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; e g) o formal e a

certidão de partilha.

Dessa forma, o Código de Processo Civil determina que tais documentos têm força para ensejar um

procedimento executivo contra o devedor.

Mas, cumpre destacar que, em algumas situações, essas sentenças podem carecer de liquidez, ou

seja, quando da prolação do título não foi possível ao magistrado fixar o valor do objeto da condenação,

estipulando na parte dispositiva do julgado que a condenação ficaria à mercê de liquidação (por exemplo:

“Julgo procedente o pedido para condenar o réu a pagar indenização ao autor, cujo valor será apurado em

liquidação”).

A falta de liquidez da sentença no processo civil pode se dar na hipótese em que o autor tiver

formulado em sua petição inicial um pedido genérico, nos termos do art. 286 do Código de Processo Civil.

Como sabemos, é requisito do pedido que ele seja certo e determinado, sendo que a determinação está

intimamente ligada à extensão dos efeitos práticos da tutela (a determinação do pedido mediato).

Portanto, caso o autor tenha formulado em sua petição inicial um pedido genérico, ao prolatar a

sentença, o juiz também poderá proferir uma sentença ilíquida.1

' "Art. 459. (...) Parágrafo único. Quando o autor tiver formulado pedido certo [leia-se determinado], é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida." Desse artigo podemos extrair a conclusão inversa: sendo formulado pedido genérico, poderá o juiz proferir sentença ilíquida.

Evidentemente, nem todo pedido genérico conduzirá a uma sentença ilíquida, já que muitas vezes, o valor pode ser apurado no curso da ação de conhecimento. Mas, se isso não for possível, o juiz prolata- rá uma sentença que contenha apenas a tutela (no caso condenatória) sem fixar os seus efeitos práticos,

que ficarão a cargo da liquidação.No rito sumário é vedado ao juiz prolatar sentença ilíquida, portanto com a reforma, também não

haverá que se falar em liquidação para essa espécie de rito.Por outro lado, também poderia ser caso de título judicial ilíquido a sentença condenatória

advinda do penal.A sentença penal poderá ser executada no civil para efeito de garantir à vítima a indenização

pelos danos experimentados em razão do delito (responsabilidade civil ex delito).Todavia, como regra, a sentença penal não contém o valor da indenização ou o objeto a ser

prestado a título de indenização. Portanto, antes da execução da indenização no civil, o credor deverá realizar a liquidação da sentença para apurar o valor ou a obrigação a ser prestada pelo devedor.

Page 402: Manual de Direito Processual Civil

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 509

Como se vê, a liquidação sempre terá cabimento quando o título executivo judicial não contiver a quantia ou a obrigação exata que será imposta ao devedor. Com a liquidação, o credor obtém um provimento

judicial que complemente a sentença com o quantum debeatur.

21.2 S i s t e m a A n t e r i o r à R e f o r m a D A L E I

N . 1 1.232/2005

No sistema anterior à reforma introduzida pela Lei n. 11.232/2005, a liquidação da sentença era tratada com base no art. 603 do Código de Processo Civil, sendo agora trazida pela lei para o art. 475-A, dentro do capítulo “Da Liquidação de Sentença”.

Na verdade, a reforma tirou a autonomia que existia no antigo processo de execução. Para o novo sistema, a execução de títulos judiciais deixou de ser um processo autônomo, para transformar-se em uma mera fase do processo de conhecimento. Assim, todos os artigos relacionados à execução das sentenças, inclusive referentes à liquidação, foram deslocados para o capítulo da sentença.

A liquidação de sentença, no antigo Código de Processo Civil, em especial pelas modalidades de arbitramento e por artigos, era tida como verdadeira ação, ou seja, após o término da ação de conhecimento, o credor deveria dar início a uma nova ação cognitiva, então para determinar a liquidez do título proferido no primeiro processo.

Com a reforma, como regra, a liquidação de sentença deixou de ter natureza de ação,421 para ser tratada pelo processo civil como mero incidente processual preparatório ao “cumprimento da sentença”. Perdendo o processo de execução de sentenças a autonomia processual, não há mais justificativas para que a liquidação também continue sendo tratada como ação.

Portanto, tanto o procedimento preparatório de liquidação, como o cumprimento dos títulos judiciais, com a reforma da Lei n. 11.232/2005, passaram a ter natureza de incidentes ou fases do processo de conhecimento.

21.3 E S P É C I E S D E L I Q U I D A Ç Ã O

O Código de Processo Civil prevê que a liquidação de sentença pode se dar pelos seguintes meios:

a) liquidação por cálculos;

b) liquidação por arbitramento;

c) liquidação por artigos.

M 2 1 . 3 . 1 L iqu idação por Cá lcu los

A liquidação por cálculos, mesmo antes da reforma da Lei n. 11.232/2005, já não era concebida como uma modalidade de ação (como eram as demais espécies), já que, em razão de reformas anteriores (Lei n. 8.894/94), o sistema havia sido muito simplificado.422

O Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 475-B, que, na hipótese de a obtenção do valor depender apenas de meros cálculos aritméticos, o credor elaborará a petição de execução apresentando juntamente uma memória demonstrativa do cálculo por ele realizado.

Trata-se de modalidade muito simples de liquidação, realizada no momento em que o credor requer o cumprimento da sentença.

No entanto, é importante ressaltar que tal modalidade de liquidação apenas é cabível:

a) para as obrigações de quantia;

b) quando a obtenção do valor apenas depender de cálculos aritméticos;

421 Os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em Código de Processo Civii Anotado, 1997, p. 834, definiam: "Natureza da liquidação. A liquidação de sentença é ação de conhecimento, de natureza constitutiva integrativa, pois visa a completar o título executivo (judicial ou extrajudicial) com o atributo da liquidez, isto é, o quantum debeatur."

422Antes da Lei n. 8.894/94, os cálculos eram realizados por contador judicial.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

c) quando a sentença contiver todos os elementos necessários à elaboração dos cálculos (ou seja, base de cálculos e elementos a serem calculados).

Assim, contendo a sentença todos os elementos necessários à elaboração dos cálculos, o credor requererá seu cumprimento e, na própria petição, apresentará uma memória demonstrando como obteve o valor total executado, atualizado até a data do início da execução.

Tal procedimento é muito comum quando a obtenção depender apenas do cálculo de juros, correção monetária ou para a conversão de salários mínimos ou outro valor.

Requisição cie informações ao devedor ou a terceirosO § Io do art. 475-B determina que, quando as informações necessárias à realização dos cálculos

(valores) estiverem em poder do devedor ou de terceiros, o credor poderá requerer ao juiz que intime o possuidor das informações para que apresente tais dados ao processo a fim de permitir os cálculos.

Trata-se de requerimento prévio e preparatório para a elaboração dos cálculos.Nesse caso, o juiz determinará que as informações sejam prestadas em até trinta dias, sob pena

de:

a) ser caracterizada a confissão do devedor, que também não poderá impugnar os cálculos (§ 2o do

art. 475-B), caso seja ele o omisso no cumprimento da ordem;

b) caracterizar crime de desobediência, caso a ordem não seja cumprida pelo terceiro.

O § 2o do art. 475-B determina que, caso o devedor se recuse a prestar as informações, será

aplicada a pena de confissão. No entanto, se a recusa for do terceiro, não há que falar em confissão

(apenas a parte pode confessar), mas em recusa de cumprimento de ordem judicial.

Evidentemente, a confissão não poderia ser aplicada ao terceiro, já que ele não é parte no

processo. No entanto, tem o terceiro o dever de colaborar com a Justiça, e sua omissão poderá

caracterizar recusa no cumprimento de ordem judicial.

| Conferência pelo contador judicial

Como já tratamos nessa modalidade de liquidação, a lei processual atribui ao credor exeqüente o

dever de apresentar na própria petição de execução uma memória discriminando o cálculo do valor

exeqüendo.

Assim, caso o magistrado entenda que o valor constante da memória esteja superior àquele

constante do título, poderá determinar a remessa dos autos ao contador judicial para a realização de uma

conferência.

Nesse caso, se o contador judicial constatar que o valor executado é excessivo, o juiz dará a

oportunidade ao exeqüente de aditar a sua pretensão executória. Mas, se o autor insistir no valor

originariamente apresentado, a execução prosseguirá por esse valor, mas a penhora dos bens do devedor

recairá apenas sobre o valor apresentado pelo contador.

Evidentemente, o cálculo prévio do contador não dá ao juiz o poder de julgar os cálculos

sumariamente, mas apenas de evitar uma penhora excessiva. A fixação do valor correto (com o julgamento

se a execução for excessiva ou não) apenas se dará se o devedor executado apresentar impugnação.

Page 404: Manual de Direito Processual Civil

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 511

Vejamos:

■i 21 .3 .2 L I Q U I D A Ç Ã O P O R AR B I T R A M E N T O

A liquidação por arbitramento tem lugar quando a obtenção do valor da execução depender da

Page 405: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

realização de perícia. São hipóteses em que a definição do valor dependerá da manifestação de um

profissional com habilidades técnicas específicas.

Por exemplo, quanto vale a indenização por dano a um quadro de pintor renomado? Quanto valeria

uma indenização por um veículo de coleção? Evidentemente, para determinar o valor da obrigação seria

necessária a participação de um experto.

O art. 475-C do Código de Processo Civil prevê que caberá a liquidação por arbitramento quando:

a) determina a sentença;

b) convencionarem as partes;

c) exigir a natureza do objeto a ser executado.

Na modalidade de liquidação por arbitramento, pela natureza do incidente, o juiz nomeará um

perito para apontar o valor da obrigação, fixando, desde logo, o prazo para a apresentação do laudo.

Apresentado o laudo, o juiz abrirá oportunidade para as partes se manifestarem e, sendo o caso de

colheita de provas orais (esclarecimentos do perito ou ouvida de testemunhas), ele poderá designar au-

diência de instrução.

Ao final, o magistrado proferirá a decisão para fixar o valor da obrigação.

Na verdade, como sabemos, o juiz não está vinculado ao laudo pericial, mas poderá fixar o valor

em conformidade com a livre convicção motivada, já que a perícia é apenas um meio de prova e não um ato

que obriga o juiz.

■i 21 .3 .3 L I Q U I D A Ç Ã O P O R AR T I G O S

A liquidação por artigos tem cabimento quando, para a apuração do valor, for necessária a

comprovação pelo credor de fatos novos.

Por fatos novos entendemos os fatos que não foram objeto de análise na ação de conhecimento. Não

se trata de fatos posteriores à sentença, mas de fatos que não foram discutidos antes dela.

Imaginemos que em uma ação de indenização proposta por um consumidor lesado por um produto (por

exemplo, um carro que apresentou defeito e gerou um acidente) o autor tenha formulado na petição inicial

um pedido genérico, justificado no fato de que os danos estão se prolongando no tempo (art. 286 do CPC).

A ação corre e não se discute a extensão do dano, mas apenas a obrigação do réu de indenizar. Por

fim, o juiz profere uma sentença fixando a condenação do réu ao pagamento de indenização, cujo valor

será apurado em liquidação.

Nesse caso, será necessária a realização de uma liquidação para a apuração do quantum debeature, conseqüentemente, para extrair o valor, será necessária a comprovação de fatos novos, ou seja, quanto o consumidor gastou com médicos, com remédios, fisioterapia etc.

Assim, denomina-se liquidação por artigos porque o credor em sua petição terá de indicar os fatos

que pretende provar - artigo por artigo. Na petição, o credor deverá então arrolar tais fatos (petição

Page 406: Manual de Direito Processual Civil

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 513

articulada).

Com base no exemplo anterior, poderíamos dizer que o credor faria uma petição e, por itens (ou

artigos), faria o arrolamento dos fatos que pretende provar. Por exemplo:

O Autor pretende demonstrar que:

1) Teve gastos com o pagamento de honorários médicos no valorde (R$).

2) Despendeu o valor de (R$) com fisioterapia.

3) Despendeu o valor de (R$) para realizar o conserto do veículo.

Na verdade, ao elaborar a petição de liquidação por artigos, o credor deverá enumerar (de forma

articulada) os fatos novos que pretende provar a fim de obter o valor da condenação.

Apresentada a petição, o juiz abrirá vistas à parte devedora para que possa impugnar ou se

defender desses fatos. Pode, inclusive, ocorrer a dilação probatória para a apuração dos fatos narrados

pelo credor.

No art. 475-F, há a previsão de que no procedimento da liquidação por artigos o juiz deverá

observar, no que couber, o procedimento comum (regras do rito sumário ou ordinário), ou seja, garantindo

o contraditório e permitindo a colheita vasta de provas (com audiência, perícias, juntada de documentos

etc.).

Ao final, o juiz proferirá a decisão julgando os fatos apresentados pelo credor e fixando o valor

da condenação.

21.4 RECURSO CABÍVEL NA L IQU IDAÇÃO

As modalidades de liquidação por artigos e arbitramento constituem procedimento preparatório ao cumprimento da sentença.

Mas, pelo sistema anterior à reforma da Lei n. 11.232/2005, essas duas liquidações tinham natureza de ação, ou seja, começavam com uma petição inicial (pelo art. 282 do CPC), o devedor era citado, havia a dilação probatória e, ao final, o juiz prolatava uma sentença de liquidação.

Assim, no sistema antigo, sendo o ato judicial uma sentença, a parte prejudicada na liquidação poderia se valer do recurso de apelação (que seria recebido no efeito devolutivo, conforme a revogada redação do inc. III art. 520 do CPC).

Com a reforma, essas espécies de liquidação perderam a natureza de ação e passaram a ser consideradas como meros incidentes processuais.

Dessa forma, pelo sistema vigente, ao final da liquidação - apurado o valor - o juiz proferirá uma decisão interlocutória, cabendo contra tal ato o recurso de agravo de instrumento, conforme previsão expressa no art. 475-H do Código de Processo Civil.

mt 2 1 . 4 . 1 L i q u i d a ç ã o n a P e n d ê n c i a d e R e c u r s oO art. 475-A, em seu § 2o, admite que a liquidação de sentença possa ser realizada durante a

pendência de recurso.Assim, proferida a sentença ou o acórdão ilíquidos, a parte credora, desde logo, poderá requerer

perante o juízo competente para o cumprimento da sentença a realização do procedimento de liquidação.Nesse caso, considerando que a liquidação será processada na instância inferior e os autos serão

encaminhados ao tribunal para julgamento do recurso, o credor requererá a extração das cópias necessárias à formação de novos autos para processamento da liquidação.

M 2 1 . 4 . 2 C I T A Ç Ã O D O D E V E D O R N A L I Q U I D A Ç Ã O

A liquidação, como já tratamos, é o procedimento para a obtenção da extensão da obrigação de títulos judiciais, quais sejam, aqueles descritos no art. 475-N do Código de Processo Civil.

Assim, podem existir títulos que não tenham origem em processo civil, títulos oriundos de processo penal ou de arbitragem.

Nesses dois casos, a liquidação dará início a um novo processo no âmbito civil, situação em que o juiz deverá determinar a citação do devedor para contestar a liquidação.

Page 407: Manual de Direito Processual Civil

514

22

C U M P R I M E N T O D A

S E N T E N Ç A

A sentença do processo de conhecimento é o ato judicial pelo qual o magistrado,

como regra, julga a lide e manifesta a vontade do Estado ao caso concreto, isso para

impor qual das partes tem razão no conflito. A sentença encerra o processo no primeiro

grau de jurisdição, com ou sem julgamento do mérito, nos termos dos arts. 267 e 269 do

Código de Processo Civil.

Ao julgar procedente um pedido, portanto encerramento do processo com julgamento do

mérito (art. 269, I, do CPC), o magistrado profere tutelas condenatóricis, declarató- rias ou constitutivas (positivas ou negativas), que, evidentemente, devem produzir efeitos em relação às partes contra as quais foi prolatada.

O Código de Processo Civil, por sua vez, estabelece modos de cumprimento dessas

sentenças que impõem obrigações a alguma das partes. Como se verá a seguir, algumas es-

pécies de tutela produzem efeito imediatamente, ou seja, as senteças são prolatadas e por

si sós produzem efeitos, independentemente de um procedimento para a sua execução. Outras

apenas produzem efeitos após a realização de atos

Page 408: Manual de Direito Processual Civil

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 515

processuais que levem o devedor ao adimplemento - como uma execução forçada.

Dessa forma, este capítulo é dedicado ao estudo dos instrumentos e do método processual existente

para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação constante do título judicial. Tal tema está intrin-

secamente relacionado à efetivação das sentenças.

22.1 T Í TULOS JUDIC IA IS

O art. 475-N do Código de Processo Civil estabelece como títulos judiciais:

a) a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência

de obrigação de fazer, de não fazer, de entrega de coisa ou de pagamento de quantia;

O inc. I do art. 475-N trata da sentença condenatória do processo civil, aquela que

impõe alguma obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa.

Assim, de início, poderíamos chegar à falsa idéia de que apenas as sentenças condenatórias teriam

a natureza de título executivo judicial, não tendo elas a mesma característica das sentenças

declaratórias nem das constitutivas.

Na verdade, toda sentença é um título judicial, mas apenas as sentenças condenatórias é que

dependem de atos processuais executórios para produzir efeito.

As sentenças declaratórias e as constitutivas, como regra, são auto- executáveis ou, ainda, são

títulos cuja produção de efeitos é imediata, e não necessitam de atos executórios. Toda sentença produz

efeitos, mas apenas as sentenças condenatórias é que dependem de uma execução forçada com método para

compelir o devedor ao seu cumprimento.

Quando um juiz profere uma sentença declaratória em ação de investigação de paternidade, essa

sentença é título de reconhecimento de um direito e produzirá efeitos na vida prática das pessoas, mas

a sua execução independe de atos executórios de uma execução forçada.

b) a sentença penal condenatória transitada em julgado;

Ao transitar em julgado uma sentença penal, o juiz reconhece a ação ou omissão praticada pelo réu

e, portanto, faz coisa julgada em relação ao dever do condenado de arcar com a responsabilização civil

de sua conduta (indenização).

A esse respeito, o art. 63 do Código de Processo Penal determina:

Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão

promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do

dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Evidentemente, condenado o réu na esfera criminal, não haveria justificativa para se dar início a

um novo processo de conhecimento para a apuração da culpa civil, já que tal fato já fora reconhecido no

penal. Na verdade, se isso fosse possível, teríamos até mesmo a ofensa à coisa julgada.

Page 409: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Portanto, a vítima, seu representante legal ou os sucessores poderão ingressar no juízo civil

para executar a sentença penal em relação à indenização devida pelo fato criminoso.

Ressalte-se que a execução apenas poderá ser proposta contra o réu condenado na ação penal, e não

contra eventual responsável civil. Por exemplo, vamos imaginar que um empregado pratica um crime de

dano enquanto exerce sua atividade. Condenado, a vítima poderá executar a sentença contra o próprio

empregado. No entanto, nos termos da legislação civil, o empregador também é responsável civilmente pe-

los danos gerados por seu funcionário.

Nesse exemplo, a sentença apenas poderá ser executada contra o empregado, e caso a vítima deseje

cobrar a obrigação do empregador, deverá se valer de nova ação de conhecimento, a fim de lhe garantir

todo o contraditório.423

Assim, obtida a sentença penal condenatória, o interessado promoverá a sua liquidação no juízo

cível competente (liquidação por arbitramento ou artigos) e, apurado o valor da indenização, será

executada a sentença para compelir o devedor ao pagamento da quantia.424

c) a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda

que inclua matéria não posta em juízo;

O art. 475-N, III e V, confere força executiva à sentença homologatória de conciliação ou de

transação, bem como a qualquer acordo extrajudicial que tenha sido homologado judicialmente.

A conciliação, como sabemos, é modalidade de acordo realizado em juízo, ou seja, as partes, por

concessões recíprocas, firmam os termos da composição amigável do conflito. Já a transação é negócio

jurídico civil (art. 840 do Código Civil)425 que pode ser levado ao processo para ser homologado

423' "Processual civil. Liquidação de sentença penal condenatória. Responsável civil pelos danos. Ilegitimidade de parte. Carência da ação. A sentença penal condenatória não constitui título executivo contra o responsável civil pelos danos decorrentes do ilícito, que não fez parte da relação jurídico-processual, podendo ser ajuizada contra ele ação, pelo processo de conhecimento, tendente à obtenção do título a ser executado. Recurso especial provido." (STJ, REsp n. 343.917/MA, rei. Ministro Castro Filho, Z3/03.11.2003, v.u.)

424 "Processo civil. Recurso especial. Omissão no julgado recorrido. Inexistência. Sentença penal condenatória transitada em julgado. Posterior extinção da punibilidade pela prescrição retroativa. Execução, no juízo cível, do decisum. Possibilidade. Reconhecimento do fato ilícito e da autoria mantidos. Título executivo extrajudicial (art. 584, II, do CPC). 1 - Inexiste afron-425ta ao art. 535 do CPC quando o v. acórdão impugnado não incorreu em omissão, contradição ou obscuridade. 2 - O reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória não afasta a caracterização desta como título executivo no âmbito cível, a ensejar a reparação do dano causado ao ofendido. Dispensável é a propositura de ação de conhecimento. Incidência do art. 63 do CPP e do art. 584, II, do CPC. In casu, a sentença penal condenatória transitou em julgado aos 12.12.1988 (comprovada a existência do fato e sua autoria) e a extinção da punibilidade do acusado, em razão da prescrição retroativa, regulada pela pena in concreto, somente foi declarada em 07.07.1989. Com a liquidação da sentença condenatória, iniciou-se a ação exe-cutiva, a qual merece prosseguimento. A decretação da extinção da punibilidade

Page 410: Manual de Direito Processual Civil

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 517

judicialmente.

Em ambos os casos, uma vez que prevêem a existência de obrigações, o acordo homologado

judicialmente constitui título executivo judicial.

Nesse ponto, é importante ressaltar que o único requisito para a eficácia do título é a

homologação judicial, não impondo a lei que a matéria prevista no negócio tenha sido objeto de

controvérsia judicial.

Para a homologação do acordo (seja conciliação, seja transação), o magistrado apenas se limitará

à constatação dos requisitos do negócio jurídico (art. 104 do Código Civil). O magistrado não faz

análise do mérito ou justiça do acordo. Assim, ele poderá homologar em conciliação matéria diversa

daquela posta em juízo, desde que preencha os requisitos do negócio jurídico.

d) a sentença arbitrai;

A sentença arbitrai decorre da faculdade conferida às partes, nas questões privadas e de direito

patrimonial, de submeter a resolução do litígio a um árbitro, afastando com isso a jurisdição do Estado

(Lei n. 9.307/96).

Com efeito, a sentença proferida pelo árbitro tem força de título executivo em relação às partes

contra as quais foi proferida.

Note-se que o árbitro terá o poder de julgar a lide - suprindo assim o processo de conhecimento

na esfera judicial - mas não poderá determinar a execução do julgado, já que isso é ato exclusivo de

órgãos da jurisdição, que poderão exercer força coercitiva sobre a outra parte para fazer cumprir a

obrigação.

não implica o desaparecimento do fato, que ocorreu, causando prejuízos ao ofendido, sendo devido o ressarcimento. 3 - Precedentes (REsp ns 163.786/SP e 166.107/MG). 4 - Recurso não conhecido." (STJ, REsp n. 722.429/RS, rei. Ministro Jorge Scartezzini, j. 13.09.2005, v.u.)

"Direito civil. Responsabilidade civil. Ac tio civilis ex c/e/icto. Indenização por acidente de trânsito. Extinção do processo cível em razão da sentença criminal absolutória que não negou a autoria e a materialidade do fato. Art. 1525, CC. Arts. 65 a 67, CPP. Recurso provido. I - Sentença criminal que, em face da insuficiência de prova da culpabilidade do réu, o absolve sem negar a autoria e a materialidade do fato, não implica a extinção da ação de indenização por ato ilícito, ajuizada contra a preponente do motorista absolvido. II - A absolvição no crime, por ausência de culpa, não veda a actio civilis ex deiicto. III - O que o art. 1.525 do Código Civil obsta é que se debata no juízo cível, para efeito de responsabilidade civil, a existência do fato e a sua autoria quando tais questões tiverem sido decididas no juízo criminal." (STJ, REsp n. 257.827/SP, rei. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 13.09.2000, v.u.)

3 "Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas."

Page 411: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

e) a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;

A sentença proferida por órgão de Poder Judiciário de outro Estado soberano poderá ser executada

no Brasil, desde que antes seja homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 483 do

Código de Processo Civil (competência dada ao STJ pela EC n. 45/2004).

Nesse caso, havendo a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, por força do disposto no

art. 109, X, da Constituição da República, a sentença homologada será cumprida pelo juiz federal

competente.

f) o formal e a certidão de partilha, em relação aos sucessores do falecido (inventariante,

sucessores a título singular e universal, herdeiros que participaram do processo).

Nos procedimentos de inventário (seja comum, seja pelo rito de arrolamento), ao final da ação,

havendo a partilha dos bens do falecido, o juiz homologará sua divisão e expedirá uma carta (formal ou

certidão) em favor dos sucessores para fazer a prova da titularidade de cada bem após a partilha.

Dessa forma, entre as partes que figuraram no processo, o formal ou a certidão de partilha tem

força de título executivo judicial, podendo constar no documento obrigações de entrega de coisa, de

fazer ou de pagamento de quantia.

22.2 REFORMA INTRODUZIDA

pela Lei N . 11.232/2005

O processo de execução foi em grande parte alterado com o advento da Lei n. 11.232/2005, que

retirou sua autonomia no caso de sentenças, mantendo-a apenas para os títulos extrajudiciais (art. 585

do CPC).

Pela sistemática original do Código de Processo Civil, todos os títulos -judiciais ou

extrajudiciais - eram executados por meio do processo de execução, ou seja, uma modalidade de processo

absolutamente autônoma e independente em relação ao processo cautelar e ao processo de conhecimento.

Assim, quando transitava em julgado uma sentença ou acórdão no processo de conhecimento, o

credor, dentro dos mesmos autos, deveria dar início a um novo processo, o de execução. A autonomia

processual acarretava o ônus de ter de haver nova petição inicial, nova citação e todos os demais atos

de um processo autônomo e independente.

Com a reforma, a execução de sentenças (títulos judiciais) deixou de ser um processo para se

tornar mera fase do próprio processo de conhecimento.

A autonomia da execução já vinha perdendo força com as reformas processuais, uma vez que, quando

da alteração no art. 461 (dada pela Lei n. 8.952/94) e da inserção do art. 461-A (pela Lei n. 10.444/

2002), as execuções de sentenças que continham obrigações de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa

Page 412: Manual de Direito Processual Civil

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 519

já não eram tratadas como espécies de processos de execução, mas simplesmente uma fase executória do

processo de conhecimento.O mesmo existia no âmbito dos Juizados Especiais, nos termos da Lei n. 9.099/95, nos quais a

sentença era executada diretamente após o trânsito em julgado.Assim, pela nova sistemática do Código de Processo Civil, podemos incluir a execução, agora

denominada cumprimento da sentença, como mera fase do processo cognitivo.

Pelo sistema introduzido pela Lei n. 11.232/2005, as execuções dos títulos judiciais, como regra,

serão diretas, sem a necessidade de um processo autônomo de execução para que a obrigação seja

satisfeita.

Ressalte-se que as execuções de quantia contra as Fazendas Públicas (art. 730 do CPC) ou contra o

devedor de alimentos pelo rito que prevê a prisão do devedor (art. 733 do CPC) continuam na forma an-

terior, já que a Lei n. 11.232/2005 não alterou tais procedimentos quanto à sua natureza de ação.

22.3 MODOS DE CUMPRIMENTO DAS SENTENÇAS

O modo de cumprimento da sentença dependerá da espécie de obrigação prevista no título:

a) obrigação de fazer ou de não fazer - cumprimento pelo disposto no art. 461 do Código de Processo

Civil;

b) obrigação de entrega de coisa - cumprimento pelo disposto no art. 461-A do Código de Processo

Civil;

c) obrigação de quantia certa - cumprimento da sentença na forma do disposto no art. 475-N do Código

de Processo Civil. Por sua vez, o art. 475-R afirma que se aplicam ao cumprimento da sentença,

subsidiariamente e no que couber, as regras do processo de execução de títulos extrajudiciais.

Na verdade, desde logo, devemos esclarecer que apenas a execução de quantia certa contra devedor solvente, dos títulos judiciais, é que sofreu alteração pela Lei n. 11.232/2005, sendo certo que a execução contra a Fazenda Pública (prevista no art. 730 do CPC) e a execução de alimentos pelo rito da prisão (conforme art. 733 do CPC), mesmo se tratando de execução de títulos judiciais, continuam a ser praticadas na forma original estabelecida pelo Código de Processo Civil, ou seja, com a autonomia do processo de execução.

Em relação às obrigações de fazer, de não fazer e de entrega de coisa, os arts. 461 e 461-A

estabelecem que, quando o juiz prolatar uma sentença que as contenha, deverá ele, mesmo ex officio, impor ao devedor uma tutela específica capaz de garantir o adimplemento da obrigação in natura (tema

tratado no tópico 20.1.5. - Tutelas específicas das obrigações de fazer e não fazer).

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de

Fase Fase Fase Fase Fase Fase do

postulatória saneadora instrutória decisória recursal cumprimento

da sentença

Page 413: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela

específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará

providências que assegurem o resultado prático equivalente ao

do adimplemento.(...)

§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do

resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a

requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a

imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão,

remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e

impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição

de força policial.

Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa,

o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o

cumprimento da obrigação.

22.4 EXECUÇÃO PROVISÓRIA E EXECUÇÃO

DEFINITIVA DO JULGADO

O cumprimento da sentença poderá ser:

a) definitivo;

b) provisório.

A execução definitiva é aquela fundada em título judicial transitado em julgado (§ Io do art.

475-1 do CPC).

Por outro lado, a execução provisória ocorrerá quando o título judicial estiver pendente de

recurso recebido apenas no efeito devolutivo.

Como sabemos, os recursos podem receber o chamado efeito suspensivo e, nesse caso, ele impedirá

que o título judicial produza desdobramentos até que o recurso seja julgado. No entanto, não havendo o

efeito suspensivo (recurso recebido apenas no efeito devolutivo), o credor poderá, desde logo, iniciar

o cumprimento da sentença ou do acórdão.

A execução provisória - fundada em título não transitado em julgado - é processada por conta e

risco do credor exeqüente, já que, havendo a modificação do título, fica o credor responsável por

indenizar a parte prejudicada pela execução provisória (art. 475-0,1, do CPC).

Além disso, considerando a possibilidade de invalidação do título (pela reforma ou anulação do

recurso que está pendente de julgamento), a alienação de bens ou o levantamento de quantias do devedor

Page 414: Manual de Direito Processual Civil

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 521

executado dependerão da apresentação de caução pelo credor exeqüente. Tal caução servirá como garantia

de indenização ao devedor, caso a execução fique inexistente em razão do julgamento do recurso

pendente.

A caução, no entanto, poderá ser dispensada nas seguintes situações (art. 475-0, § 2o, do CPC):

a) nas hipóteses de crédito de natureza alimentar ou decorrentes de ato ilícito, até o limite de

sessenta vezes o valor do salário mínimo, se o credor exeqüente demonstrar situação de

necessidade;

b) nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento interposto contra a

decisão denegatória de recurso extraordinário (no Supremo Tribunal Federal) ou recurso especial

(no Superior Tribunal de justiça), nos termos do art. 544 do Código de Processo Civil, salvo

quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta

reparação.

Por uma questão prática, considerando que os autos do processo possam estar nos tribunais para

julgamento do recurso e, por outro lado, a execução deva ser processada na primeira instância, a

execução provisória dependerá muitas vezes da extração da carta de sentença.

Como sabemos, para o julgamento do recurso pendente (já que a execução é provisória), os autos

serão encaminhados para o tribunal, mas a execução deverá ocorrer na primeira instância. Assim, para

permitir a execução provisória, o credor necessitará da formação de novos autos (pela carta de

sentença).

A formação da carta requererá a extração de cópias do processo, nos termos do art. 475-0, § 3o, do

Código de Processo Civil. As cópias serão apresentadas pelo próprio advogado do credor, que poderá in-

clusive atestar sua autenticidade.

Evidentemente, quando os autos retornarem à primeira instância, mesmo havendo a pendência de

recurso - como é o caso do agravo do art. 544 do CPC - não existirá a necessidade da extração da carta,

sendo a execução provisória realizada dentro dos próprios autos.

22.5 CUMPRIMENTO DAS SENTENÇAS DE

QUANTIA

2 2 . 5 . 1 C O M P E T Ê N C I A J U R I S D I C I O N A L

P A R A O C U M P R I M E N T O D A S E N T E N Ç A

O cumprimento da sentença, como já tratamos, é uma fase do processo de conhecimento. O

Page 415: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

cumprimento é um atributo que decorre do próprio título dentro do processo em que foi proferido.

Duas questões surgem ao tratar da competência para o cumprimento das sentenças: qual o

juízo e qual o foro.

Em relação ao órgão jurisdicional, a regra geral é que o cumprimento se dê no juízo cível

em que a ação teve início. Ou seja, se a ação de conhecimento teve início na primeira instância, o

cumprimento se dará no mesmo órgão (art. 475-P, II, do CPC); se a ação foi de competência

originária do tribunal, como uma ação rescisória, o cumprimento será realizado no próprio

tribunal (art. 475-P, I, do CPC).

Note-se que, mesmo se tratando de cumprimento de acórdãos (por exemplo, um acórdão

proferido em sede de apelação), se a ação teve início na primeira instância, lá se dará o seu

cumprimento. A execução apenas será realizada nos tribunais quando se tratar de competência

originária da segunda instância ou dos tribunais superiores.Em relação ao foro (local), não haveria grande dificuldade em sua definição, já que o

cumprimento será realizado nos mesmos autos da ação de conhecimento e, portanto, a competência de local já estaria definida.

No entanto, a reforma da Lei n. 11.232/2005 inovou para permitir a modificação da competência (de

local) na fase do cumprimento da sentença. O processo correrá em um local durante o conhecimento

e, quando do cumprimento, poderá ser remetido para outro. Note-se que a modificação é apenas de foro (local). Tal regra se encontra prevista no parágrafo único do mencionado art. 475-P, permitindo que, nos casos de competência executória da primeira instância (inc. II do artigo), o credor exeqüente requeira ao juiz de origem a remessa dos autos ao juízo do local onde se encontrarem os bens sujeitos à execução ou do atual domicílio do devedor.

A modificação da competência aqui visa a permitir a celeridade processual, já que, se o

cumprimento da sentença ocorrer no local em que se encontrem os bens objetos da expropriação ou do novo endereço do devedor, serão evitadas as cartas precatórias necessárias para a realização dos atos fora da comarca.

Por outro lado, a regra geral de competência anteriormente estabelecida não se aplica aos títulos oriundos de outros juízos, como ocorre com a sentença arbitrai, a sentença penal condenatória ou a sentença estrangeira.

Nesses casos, será observada a seguinte regra (art. 475-P, III, do CPC):

a) sentença arbitrai ou sentença penal condenatória: o cumprimento se dará no juízo cível

competente segundo as regras gerais de competência, ou seja, haverá livre distribuição para o

juízo cível do local de cumprimento da obrigação (art. 100, d, do CPC) ou, na falta deste, no local de domicílio do devedor (art. 94 do CPC);

b) sentença estrangeira: após homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, a sentença

estrangeira será executada pelo Juízo Federal (art. 109 da Constituição da República) do local de

cumprimento da obrigação (art. 100, d, do CPC) ou, na falta deste, no local de domicílio do devedor (art. 94 do CPC).

Note-se que, em ambos os casos, não havia anterior processo no juízo cível, razão pela qual haverá a necessidade de definição de nova competência quando do requerimento da execução.

■ i 2 2 . 5 . 2 C U M P R I M E N T O V O L U N T Á R I O

A execução de título judicial, como já tratamos, perdeu a autonomia de ação, recebendo o status de mera fase procedimental do processo de conhecimento.Assim, estando o título pronto para execução - seja com o trânsito em julgado, seja após a extração da carta de sentença na hipótese de execução provisória -, a parte devedora terá o prazo de quinze dias para cumprir

voluntariamente a obrigação constante no título judicial.A Lei n. 11.232/2005, ao modificar o processo executório de títulos judiciais, foi omissa em relação ao termo inicial desse prazo para cumprimento voluntário, dizendo tão-somente que, caso o devedor não cumpra a

obrigação no prazo de quinze dias, o valor será acrescido de multa.Grande controvérsia se estabeleceu na doutrina em relação ao termo inicial desse prazo de 15 dias.Alguns autores, entre eles Humberto Theodoro Júnior,426 afirmam que o prazo corre independentemente de intimação da parte devedora, ou seja, estando o título judicial em condições de exigibilidade (seja pelo

trânsito em julgado ou pela inexistência de efeito suspensivo no recurso, permitindo a execução provisória), compete ao devedor pagar espontaneamente no prazo de 15 dias, sob pena de sofrer a multa legal.Para outra corrente doutrinária, dentre os quais podemos citar Daniel Amorim Assumpção Neves,427 o início da contagem do prazo sem a prévia intimação do devedor é inovação ou interpretação que não condiz com

a realidade processual. A esse respeito, o professor Daniel explica:

426 Curso de direito processual civil, v . I I .427 Reforma do CPC, p . 2 1 1 - 8 .

Page 416: Manual de Direito Processual Civil

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 523

É exatamente nesse momento que se percebe que a celeridade pretendida pelo legislador ou pelo intérprete das lei deve manter os pés no chão, lembrando-se sempre da praxe forense e das dificuldades geradas na aplicação prática das normas processuais.De fato, entendemos correta a interpretação dada pelo professor Daniel, já que, na prática, afirmar que o prazo para o cumprimento da sentença se dará sem a prévia intimação do devedor, conduzirá à situa ção em

que essa parte ficará em extrema desvantagem processual.Devemos lembrar que, muitas vezes, o trânsito em julgado ou o termo inicial de exigibilidade da sentença terá início nos tribunais, locais em que a parte devedora não tem acesso aos autos para fazer o pagamento. E

pior, o pagamento (com o depósito em juízo da quantia) deverá ser realizada na primeira instância.Pergunta-se, então, estando os autos no tribunal (ou em trânsito para as instâncias inferiores), como o devedor cumprirá o prazo de 15 dias?Evidentemente, existirá nesse caso uma impossibilidade prática de cumprimento espontâneo, razão pela qual, estando os autos na instân cia inferior ou extraída a carta de sentença (para a execução provisória), o

devedor deverá ser intimado, mesmo na pessoa de seu advogado ou representante legal, para que se possa dar início ao prazo de 15 dias para cumprimento voluntário do título.Não podemos exigir do devedor que realize a extração de carta de sentença para fazer o pagamento voluntário do título ainda sem o trânsito em julgado. Mesmo porque, a mera extração da carta de sentença, como

sabemos da prática, superaria o prazo de 15 dias.Não seria exigir demais que, estando o título em condições de cumprimento, o magistrado proferisse (na carta de sentença extraída pelo credor ou nos autos do processo transitado em julgado) um despacho de

“cumpra-se”, como já ocorre hoje na prática, afim de que tal ato seja o marco do curso do prazo de 15 dias para o cumprimento voluntário.E mais, a elaboração da memória de cálculo compete ao credor, não podendo ser exigido do devedor o título sem que antes a parte credora apresente a memória com o valor que pretende receber.A interpretação que se dá pela dispensa da intimação leva ao absurdo de permitir que o devedor venha a perder o prazo para o cumprimento voluntário da sentença sem que ele tenha conhecimento do termo inicial

desse prazo, bem como desconheça o valor exato a ser cumprido, o que, sem dúvida e no mínimo, violaria a rozoabilidade e a isonomia entre as partes do processo.Assim, repita-se entendemos que o início do prazo depende da intimação da parte devedora, pelo menos com um despacho de “cumpra- se” publicado no órgão de imprensa (intimação na pessoa do advogado). Sem

a intimação do devedor para dar cumprimento, não temos o termo inicial para o cumprimento voluntário do julgado e posterior aplicação da multa. Mas, ressaltamos que final e última palavra a esse respeito ficará ainda a cargo da jurisprudência e, em especial, das decisões do Superior Tribunal de Justiça, a quem compete a interpretação infraconstitucional em jurisdição comum.

Em relação aos títulos oriundos de outros juízos - sentença arbitrai, sentença penal condenatória e sentença estrangeira -, a intimação para o cumprimento deverá incluir ordem de citação, já que, nesses casos, o credor estará dando início a novo processo.

M 2 2 . 5 . 3 E F E I T O S D O N Ã O C U M P R I M E N T O V O L U N T Á R I O

Caso o devedor executado não realize o pagamento no prazo de quinze dias, sobre o valor da execução será acrescida a multa de 10% (dez por cento).Agora, competirá ao credor elaborar a memória de cálculo - nos termos do art. 475-B do Código de Processo Civil - com o valor atualizado e acrescido de eventuais juros até a data do requerimento de execução,

solicitando a expedição de mandado de penhora dos bens do executado e avaliação pelo próprio oficial de justiça.Assim, o oficial de justiça realizará a penhora dos bens do devedor - observando as regras de impenhorabilidade e ordem dos arts. 649, 650 e 655, todos do Código de Processo Civil - e, imediatamente, rea lizará a

avaliação dos bens, salvo se não tiver conhecimentos específicos para isso.A avaliação consiste no ato de atribuir valor aos bens, ato que poderá ser realizado de plano pelo oficial de justiça. No entanto, caso a valoração do bem dependa de conhecimento específico, o juiz poderá designar

perito para o arbitramento.Realizada a penhora e a avaliação, o devedor será intimado do ato na pessoa de seu advogado ou, na falta deste, será intimado pessoalmente (ou pelo representante legal) por correio ou mandado.Da intimação da penhora (certidão nos autos ou juntada do mandado), o devedor terá o prazo de quinze dias para a apresentação de impugnação contra a execução.

M 22.5.4 I m p u g n a ç ã o c o n t r a o C u m p r i m e n t o

D A S E N T E N Ç A

A reforma da Lei n. 11.232/2005 trouxe grande modificação em relação ao modo de defesa do devedor

no processo de execução. No sistema antigo do Código de Processo Civil, o devedor poderia se defender

contra a execução valendo-se de uma outra ação, a ação de embargos do devedor.

No sistema atual, pelo fato de a execução não ter natureza de ação, também não se justificaria a

manutenção da autonomia para a defesa do devedor (ação de embargos do devedor). Pelo disposto no art.

475-J, § Io, do Código de Processo Civil, o devedor poderá se defender contra o cumprimento da sentença

por meio de impugnação.

Na sistemática anterior, a defesa do executado dependeria do oferecimento de prévia segurança do

juízo (com a penhora ou o depósito do dinheiro) como requisito de admissão dos embargos à execução. No

entanto, o novo regramento é omisso em relação a tal requisito.

O artigo 475-R determina a aplicação subsidiária das regras do processo de execução ao

cumprimento das sentenças.

Com a reforma introduzida pela Lei n. 11.382/2006, alterou-se o art. 736 do CPC para autorizar a

defesa do executado contra o processo de execução mesmo sem a prévia penhora (ou quantia do juízo).

Agora resta a dúvida: a impugnação ao cumprimento da sentença depende da prévia segurança do

juízo com penhora ou depósito?

Na verdade, pela redação do § Io do art. 475-1, podemos chegar a uma primeira idéia de que a

impugnação apenas terá cabimento após a penhora. A redação do referido artigo é clara em afirmar que o

início do prazo de 15 dias se dará da intimação do executado da penhora.

Todavia, ficará a cargo da jurisprudência conciliar o conflito existente entre os artigos

mencionados.

Page 417: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Matérias que podem ser alegadas na impugnação

Por outro lado, também considerando que o devedor já teve ampla oportunidade de defesa durante o

processo de conhecimento, a lei

processual limita a defesa ao cumprimento da sentença aos seguintes

motivos:

a) falta ou nulidade de citação do devedor no processo de conhecimento, quando este correu à

revelia;428

b) inexigibilidade do título;

c) penhora incorreta ou avaliação errônea;

O devedor poderá impugnar para alegar, por exemplo, que a penhora recaiu sobre bem impenhorável,

ou ainda sobre bens de terceiros. Além disso, poderá também alegar erro na avaliação do bem.

d) ilegitimidade das partes;

e) excesso de execução;O excesso de execução está relacionado com o erro na memória de cálculo apresentada pelo credor exeqüente. Assim, entendendo o devedor que a execução está sendo realizada por valor superior ao do débito constante do título, poderá impugnar apresentando o valor que entende correto (§ 2o do art. 475-L do CPC). Caso o devedor impugne e deixe de apresentar as suas contas, o juiz deverá rejeitar a impugnação liminarmente.

f) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.O § Io do art. 475-L afirma que equivale também à causa de inexigibilidade o título que estiver fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou de ato normativo tidos pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

Na verdade, o § Io retira a exigibilidade do título - desconstituin- do até mesmo a coisa julgada

- se ele estiver em desconformidade com a decisão do Supremo Tribunal Federal nas ações de

controle direto da constitucionalidade (ADIN, ADC ou ADPF).

| Efeito da impugnação

No sistema anterior à reforma, os embargos - mesmo quando relativos a títulos judiciais - eram

recebidos pelo magistrado e automaticamente geravam a suspensão da execução em relação à parte

embargada.

Agora, o art. 475-M é expresso em determinar que a apresentação da impugnação, como regra, não

gera a suspensão da execução, ou seja, mesmo que o devedor impugne o cumprimento da sentença, o pro-

cedimento continuará seu curso normal.

No entanto, em casos excepcionais, o magistrado poderá conferir o efeito suspensivo à impugnação.

O referido artigo autoriza a concessão do efeito suspensivo se estiverem presentes, cumulativamente, os

428 Trata-se de questão de ordem pública que, a princípio, admite o conhecimento de ofício ou pode ser apresentada pelas partes a qualquer momento. Por tais razões entendemos que o devedor poderá alegar a falta de citação no processo de conhecimento por meio de objeção de pré-executividade. 0 mesmo se aplica ao disposto no item "c" (ilegitimidade de partes). Tal tema será tratado no capítulo destinado às defesas do executado, no volume II.

Page 418: Manual de Direito Processual Civil

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 525

seguintes requisitos:

a) fundamento relevante;

b) perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao devedor.

Parece-nos que, pela redação do art. 475-M, o juiz exercerá o poder geral de cautela e, sendo plausível a alegação da impugnação e supondo que o prosseguimento do processo gere grave prejuízo ao devedor, poderá suspender a execução até o julgamento da impugnação.

Vamos imaginar que na impugnação o devedor junte um comprovante de pagamento realizado após a sentença. Ora, nesse caso é relevante o argumento lançado na defesa e, por outro lado, o prosseguimento da execução poderá acarretar ao devedor o prejuízo da alienação de seus bens.

Nesses casos, excepcionalmente, o magistrado poderá conceder o efeito suspensivo à impugnação.

Mas o § Io afirma que, ainda que o magistrado tenha atribuído efeito suspensivo à impugnação, o

exeqtiente poderá requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e

idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos.

Processamento e julgamento da impugnação

Havendo o deferimento do efeito suspensivo à execução, o julgamento da impugnação será realizado

nos próprios autos, mas, por outro lado, negado o referido efeito, para não tumultuar o andamento da

execução, o juiz deverá mandar autuar a impugnação em apartado.

Assim, recebida a impugnação pelo magistrado, será aberta vistas à parte contrária para, no mesmo

prazo, poder responder à impugnação e, sendo necessária a instrução (como a realização de perícia con-

tábil etc.), o magistrado determinará a realização das provas necessárias, para que ao final possa

proferir o julgamento.

Agora nos resta saber qual a natureza do ato judicial que julgará a impugnação: se sentença ou

decisão interlocutória.

A resposta, como sempre, será: depende.

Se o pronunciamento judicial na impugnação importar em extinção da execução, estaremos diante de

uma sentença e, portanto, o recurso cabível será o de apelação (art. 513 do CPC).

Por outro lado, caso o ato determine o prosseguimento da execução (cumprimento da sentença),

estaremos diante de uma decisão interlocutória e, conseqüentemente, o recurso cabível será o de agravo

de instrumento (art. 522 do CPC).

Dessa forma, nos termos do art. 475-J do Código de Processo Civil, podemos resumir da seguinte

maneira o procedimento executó- rio de sentenças:

Page 419: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Page 420: Manual de Direito Processual Civil

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 5274 Bíblia Sagrada, Livro do Êxodo, Capítulo 22: "Direitos que implicam indenização", "Violação de

uma virgem", "Leis morais e religiosas" e "Os deveres para com os inimigos".10 Moacyr Amaral Santos, op. c/f., v. 1, p. 43." Denominado cognitio extraordinaria pelo fato de se opor ao período da cognitio ordo

(cognição ordinária), que caracterizava o período formulário.14 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 45 apud Jeremias

Ben- tham. Tratado de las pruebas.19 Leda Pereira Mota & Celso Spitzcovsky, Curso de direito constitucional, p. 15.27 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, v. II, p. 34.2S A jurispudência não é, obrigatoriamente, unânime.

25 A jurisprudência não tem efeito vinculante, ou seja, proferida uma tese jurídica por

qualquer tribunal, não estão obrigados os demais órgãos jurisdicionais à observância da3,1 O ilustre doutor Cândido Rangel Dinamarco (Instituições do direito processual civil, v.

I), após negar a jurisprudência como fonte do direito, afirma: "A influência que os precedentes jurisprudenciais exercem sobre os juizes é somente um fato e não vincula. O máximo a que se poderia chegar é a afirmação da jurisprudência como fonte informativa ou intelectual do direito (Caio Mário)".

40 Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. c/f., p. 40.

47 Como afirma o professor Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 34, o princípio do devido processo legal se aplica a todos os campos do direito, em seu aspecto substancial. De fato, toda e qualquer restrição de direito deve ser baseada no processo legal previsto na lei.

51 Sem a oitiva da parte contrária.6,1 "Art. 920. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que1 Quando da decisão não couber mais nenhum recurso, o processo encontra-se

julgado definitivamente.73 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel

Dinamar- co, op. c/f., p. 163.27 Op. cit., p. 102.78 Ressalte-se que os magistrados que ingressam diretamente no tribunal não

estão sujeitos ao estágio probatório, mas tão-somente aqueles que ingressarem na primeira instância.

46 No estado de São Paulo existiam três Tribunais de Alçada: Primeiro e Segundo Tribunais de Alçada Civil e o Tribunal de Alçada Criminal. Com a promulgação da Emenda n. 45/2004 todos os juizes dos Tribunais de Alçada foram empossados como desembargadores no Tribunal de Justiça de São Paulo.

47 O poder de aplicar sanções administrativas é limitado, uma vez que os magistrados vitaliciados apenas poderão perder o cargo mediante sentença transitada em julgado. Portanto, a aplicação de pena de exoneração apenas se dará mediante processo judicial e não por decisão do Conselho.

48 A Uniâo e as unidades da federação deverão criar ouvidorias de justiça competentes para receber as reclamações e denúncias de qualquer interessado contra os membros do Poder Judiciário. Denúncias estas que serão encaminhas diretamente ao Ministro-Corregedor do Conselho Nacional de Justiça.

1 Manual de direito processual civil, p. 283.4 Adolf Wach, La pretensión de dedaración apud Arruda Alvim, Manual de

direito processual civil, v. 1, p. 5: "Assim definiu Wach a pretensão de proteção do direito (ação): 'direito relativamente independente, que serve à manutenção da ordem concreta dos direitos privados, em relação aos quais é um direito secundário e independente quanto aos seus requisitos'".

7 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, p. 254: "A teoria da ação como direito concreto à tutela jurídica é inaceitável; para refutá-la, basta pensar nas ações julgadas improcedentes, onde, pela teoria concreta, não seria possível explicar satisfatoriamente os atos processuais praticados até a sentença".

11 Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 33, ao discorrer acerca da substituição processual traça clara diferenciação entre este instituto e a representação processual, nestes termos: "0 substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende em nome próprio o direito do substituído. Já o representante defende 'em nome alheio o interesse alheio'. Nos casos de

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOrepresentação, parte em juízo é o representado, não o representante. Assim, o pai

ou o tutor representa em juízo o filho ou o tutelado, mas parte na ação é o representado. Dirá a petição: 'Fulano de Tal, menor impúbere, como autor, representado por seu genitor Beltrano, propõe[.

4 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, p. 60.11 "Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito, em

processo repetitivos e sem qualquer singularidade, e no juízo já houver sentença de total improcedência em caso análogo, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença reproduzindo a anteriormente prolatada."

4 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 115.5 Como será tratado no capítulo destinado á Intervenção de Terceiros, em

algumas hipóteses, é admitido o ingresso de terceiros no processo para defesa de seus interesses ou auxílio a uma das partes.

" "Destituição do pátrio poder. Procedência. Falta de nomeação de curador especial ao

incapaz - necessidade em face de colidência de interesses. Inteligência do art. 9o, I, do Código de Processo Civil. Anulação do feito. Recurso provido." (TJSP, Ap. Civ. 42.283-0, Câmara Especial, rei. Des. Djalma Lofrano, j. 15.10.1998, v.u.)

18 "Art. 2o O credor, pessoalmente ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á

ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas,

o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor..." [grifo do autor].24" Procuração. Advogado. Ausência de exibição do mandato. Fato que torna

inexistentes todos os atos praticados pelo causídico. Inteligência do art. 37 do CPC.

A exibição pelo advogado do instrumento de procuração [de mandato] é

indispensável sob pena de serem considerados inexistentes todos os atos por ele já

praticados." (STF, 1aT., AR em Al n. 419.395-5, rei. Min. limar Galvão, j. 11.03.2003,

v.u.)

"Processo civil. Recurso de apelação subscrito por advogado sem procuração

nos autos. Concessão de prazo para regularização nas instâncias ordinárias.

Possibilidade. 1 - A jurisprudência iterativa do STJ aponta no sentido de que nas

instâncias ordinárias, diante da ausência do instrumento de procuração [de

mandato] do subscritor do recurso de apelação, deve ser concedido prazo razoável

para regularização da representação processual. [...]" (STJ, 4" T., REsp n 594.426,

rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 06.04.2004, v.u.). No mesmo sentido: STJ, 3a T.,

REsp n 555.561, rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.06.2004, v.u.31 Idem, p. 63. "A diferença entre ônus, de um lado, e deveres e obrigações, de

outro lado, está em que a parte é livre de adimplir ou não o primeiro, embora venha a sofrer dano

3,1Considerando-se a Justiça do Estado de São Paulo.4,1A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal (RE n. 420816/PR,

rei. Min. Sepúlveda Pertence) tem excluído dessa regra as execuções de créditos de pequeno valor. Por esses julgados, cabe a condenação de honorários advocatícios nas execuções contra as Fazendas Públicas nos casos de créditos de pequeno valor, mesmo quando não embargadas. Esse tema será tratado no volume II dessa obra, que aborda o processo de execução.

4 Isso não significa que o resultado será idêntico para todos os litisconsortes.5 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. II, p. 333.

do autor sobre o pedido de nomeação à autoria feito pelo réu, presume-se aceita aquela, devendo os

nomeados serem citados para manifestar-se sobre o pedido, podendo, além de impugnar a nomeação

propriamente dita, discutir sobre possível ilegitimidade passiva ad causam." (STJ,4aT., REsp n.

104206/SP, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 12.11.1996, v.u.)2 A conciliação ou a transição apenas são possíveis quando se tratar de direito disponível, que

pode ser definido como aquele de natureza patrimonial e privada. Em se tratando de direito indisponível, o juiz está desobrigado da tentativa de acordo entre as partes.

4 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1974, apud Humberto

Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. I, p. 237.4 Trata-se de procedimento administrativo preparatório à propositura de ação pelo Ministério

Público, sendo realizado com o objetivo de apurar fatos e colher provas para a instrução da ação civil pública.

Page 422: Manual de Direito Processual Civil

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 529" “Processual Civil. Recurso Especial. Intervenção do Ministério Público em Ação Reparatória de

Danos Morais. Desnecessidade. 1. Tratando-se de ação indenizatória por danos morais promovida em face do Estado por abuso de autoridade em face de denúncia promovida pelo Minitério Público, não se impõe a atuação do Parquet como custos legis, consoante jurisprudência da E. Corte. (REsp n. 327.288/DF, 4a T.,

rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 17/11/2003; Ag. Reg. no REsp n. 449.643/SC, rei. Min. Francisco Falcão, DJ de 28.06.2004; AgRg no REsp n. 258.798, rei. Min. Eliana Calmon, DJ de 1 1.11.2002; REsp n. 137.186, rei. Min. José Delgado, DJ de 10/09/2001). 2. O artigo 82, inciso III, do CPC, dispõe que compete ao Ministério Público intervir: 'III - em todas as demais causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.' 3. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre o interesse público primário e o interesse da administração, cognominado 'interesse público secundário'.

2 Nos casos de competência interna exclusiva, não poderá ser homologada a sentença estrangeira ou deferido pedido de execução ou realização de atos processuais oriundos de autoridade judiciária estrangeira. Seria o caso, por exemplo, de ter sido realizado em outro país processo de inventário de bens situados no território brasileiro. Nesse caso, a sentença proferida pela autoridade estrangeira não terá qualquer validade no Brasil, não podendo ser executada essa ordem judicial advinda de autoridade não competente.

É importante consignar que não se confunde a competência exclusiva para inventários de bens situados no Brasil com o disposto constitucional que permite a aplicação da lei pessoal do falecido (no caso a lei do país do falecido) quando esta for mais benéfica aos sucessores (art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil). O comando constitucional é entendido no sentido de permitir a aplicação da lei sucessória do estrangeiro quando esta for mais favorável aos herdeiros, não alterando em nada a competência exclusiva interna, ou seja, sempre a ação de inventário de bens situados no Brasil será feita no Poder Judiciário brasileiro, podendo ser invocada a lei pessoal do falecido (lei estrangeira).ressalvando que a propositura poderá ocorrer no local em que se encontrar a agência, caso a obrigação reclamada tenha sido contraída por ela. A regra que determina como local de competência o da sede da pessoa jurídica ou de sua filial não caracteriza foro privilegiado, apesar de constar no art. 100 do Código de Processo Civil. Trata-se de regra comum de competência de local, segundo a qual o legislador apenas substituiu o termo "domicílio" por "sede da pessoa jurídica". Portanto, na hipótese de foro privilegiado ou mesmo aquele da situação do bem imóvel, não prevalecerá o foro do local da sede da pessoa jurídica, mas a competência especial.

" Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. I.15 "Seguro. Competência. Ação de cobrança de indenização. Código de Defesa do Consumidor. O

descumprimento da obrigação de indenizar é fato ilícito contratual e gera a responsabilidade civil do infrator. Ocorrendo na relação de consumo (serviço de seguros), pode a ação dela derivada ser proposta no domicílio do autor, nos termos do art. 101, I, do Código de Defesa do Consumidor." (STJ, 4á T., REsp

n. 193327/MT, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 10.05.1999, v.u.)20 Além do valor da causa, a competência dos Juizados Especiais também pode ser fixada em relação a

determinadas matérias, conforme preceitua o art. 3o da Lei n. 9.099/95: "Art. 3o

0 Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo; II - as enumeradas no art. 275, inc. II, do Código de Processo Civil

1 0 . 1 2 DECLARAÇÃO E CONFLITO DE

C O M P E T Ê N C I A

A competência representa, para o processo, requisito de regulari-dade e admissão da tutela jurisdicional conferida,44 pois, como já tra-tamos anteriormente, é direito fundamental previsto na Constituição da República que a intervenção do Estado nos conflitos apenas ocorrerá por meio da autoridade competente, autoridade esta dotada de investidura e atribuição legal para processar e julgar a demanda.

Podemos afirmar que a incompetência absoluta - erro na escolha da competência em razão da função do órgão jurisdicional - equipara-se à ausência de pressuposto de existência da relação jurídica processual, com a ineficácia de todos os atos praticados pelo órgão incompetente. Em se tratando de incompetência relativa, a relação processual se forma validamente, padecendo, no entanto, de pressuposto de desenvolvimento válido.

Por essa razão, ao receber a petição inicial, o primeiro ato do ma-gistrado será a verificação da competência e, caso constate ser absolu-tamente incompetente, deverá, independentemente de provocação das

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOpartes, declarar o vício e determinar a imediata remessa dos autos ao

órgão jurisdicional competente.46 "Conflito negativo de competência. Mandado de segurança. Conexão. Matéria de ordem pública.

Exame ex offido. 1- A conexão é causa de modificação de competência, não um critério de fixação de competência. Envolve, pois, matéria de ordem pública, examinável de ofício, nos moldes da autorização legal contida no art. 301, § 4o. 2- Embora não seja cogente a regra do art. 105 do CPC, uma vez oportuna a reunião dos processos conexos e havendo possibilidade de grave incidência de contradição dos julgados, deve o juiz reunir as ações, ligadas pelo objeto ou pela causa de pedir, para julgamento conjunto. 3- Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 18J Vara da Seção Judiciária de São Paulo." (STJ, 1" Seção, Conflito de Competência n. 25735/SP, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 07.04.2000, v.u.)

48 Súmula n. 236 do STJ. "Não compete ao Superior Tribunal de Justiça dirimir conflitos de competência entre juízos trabalhistas vinculados a Tribunais do Trabalho diversos".

Súmula n. 180 do STJ. "Na lide trabalhista, compete ao Tribunal Regional do Trabalho dirimir conflito de competência verificado, na respectiva Região, entre Juiz Estadual e Junta de Conciliação e Julgamento [atualmente varas do trabalho]".

49 José Manuel de Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, v. 1, p. 317.“ Súmula n. 3 do STJ: "Compete ao Tribunal Regional Federal dirimir conflito de competência

verificado, na respectiva região, entre juiz federal e estadual investido de jurisdição federal".51 "Conflito Negativo de Competência. Reclamação Trabalhista. Tribunal Superior do Trabalho em Face

de Juiz Estadual. 1. Nos termos do art. 102, inciso I, alínea o, da Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer do conflito envolvendo Juiz Estadual em face do Tribunal Superior do Trabalho. Precedentes do STJ e do STF. 2. Conflito não conhecido. Remessa dos autos para a Suprema

Corte." (Conflito de Competência n. 52.871/AM, rei. Min. Laurita Vaz, 3a Seção, j. 09.11.2005, DJ 23.11.2005, p. 157)

57 Na lide trabalhista, compete ao Tribunal Regional do Trabalho dirimir conflito de competência verificado, na respectiva região, entre Juiz Estadual e Junta de Conciliação e Julgamento (agora Juízo do trabalho).

4 Decisões em sentido lato da palavra. Além dos pronunciamentos, os magistrados praticam outros atos no processo.

5 Como regra, o ato judicial que determina a citação do réu - "cite-se" - não possui carga decisória, razão pela qual é considerado despacho. Em sentido contrário, caso o magistrado faça juízo negativo de admissão da inicial ou determine o seu aditamento, estaremos diante, respectivamente, de uma sentença e de uma decisão interlocutória. Nesse sentido: "Execução de obrigação de fazer. Citação do devedor. Ausência de carga decisória. Despacho de mero expediente. Irrecorribilidade. Arts. 504 e 522 do Código de Processo Civil. O provimento judicial que simplesmente ordena a citação do devedor em execução de obrigação de fazer não contém carga decisória sendo, portanto, irrecorrível via do agravo de instrumento. Recurso

2i Jurisprudência publicada no AASP n. 2.295/2.489.28 "Processual. Carta precatória. Descumprimento pelo juiz deprecado.

Incompetência do deprecante. Impossibilidade. CPC/art. 209.1. É defeso ao juiz deprecado negar cumprimentorecionada, salvo se outorgados poderes especiais. II. No caso, a procuração anexada aosautos não conferia esses poderes ao advogado para receber citação. Assim, não estando o advogado habilitado a praticar o ato em nome do mandante, a juntada da procuração não teve a pretendida eficácia." (STJ, 4à T., REsp n. 213.063/SP, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 10.08.1999, v.u.)

34 "Processo civil. Citação. Nulidade. A citação não pode ser presumida, porque constitui o ato mais importante do processo. Hipóteses em que, tratando-se de pessoa jurídica, ela se deu em funcionário que não tinha poderes de representação legal ou judicial. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, 3a T., REsp n. 65.372/SP, rei. Min. Ari Pargendler, j. 19.08.1999, v.u.)

"Citação. Pessoa jurídica. Teoria da aparência. 1. Comprovado nos autos, como afirmado pelo Acórdão recorrido, que a pessoa que recebeu a citação não tinha poderes para tanto, não se pode apontar peculiaridade alguma para justificar a aplicação da teoria da aparência. 2. Não se trata de apego ao formalismo porque a citação é de fundamental importância para o processo, que aperfeiçoa a relação processual, instalando o contraditório." (STJ, 3a T.f REsp n. 182.874/SC, rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 06.05.1999, v.m.)

"Recurso especial. Processual civil. Pessoa jurídica. Citação. Teoria da aparência. A citação constitui ato essencial para a formação do processo, e eventual inobservância na sua concretização implica violação ao princípio do contraditório. Daí o Poder Judiciário cercar-se de muita cautela na adoção da teoria da aparência. Invalidade da citação feita em pessoa que, malgrado ostente parentesco com o detentor da representação da pessoa jurídica, não possui poderes para representá-la. As pessoas jurídicas são representadas por quem os estatutos ou contrato social as designam." (STJ, 5a T., REsp n. 156.970/SP, rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 27.10.1998, v.u.)

42 Súmula n. 150 do STF: "Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 531da ação".

44 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, cit., p. 233.47 Código de Processo Civil comentado, 8. ed, p. 688.4 Os benefícios da Lei n. 1.060/50 aplicam-se mesmo que a parte não esteja

assistida por defensor público. A parte patrocinada pelo advogado pode requerer a gratuidade processual.

4 "A extinção do processo, por abandono de causa pelo autor, depende de requerimento do réu.”

14.1 DEFINIÇÃO

Como tratamos anteriormente, o processo é uma relação jurídica que se desenvolve entre autor, juiz e réu, formada por uma série de atos processuais de seus sujeitos, atos estes que são dispostos em uma forma lógica e tendente ao oferecimento de uma tutela específica para a solução do conflito apresentado.

Assim, não há que se confundir a terminologia “processo” com “procedimento”.

Enquanto o processo representa a própria relação jurídica processual, o procedimento (ou rito) é o modo como se determina a prática dos atos processuais, ou seja, é o procedimento responsável pela determinação da seqüência dos atos, o momento oportuno, os sujeitos titulares para a prática, os efeitos etc.

A esse respeito, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelle- grini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco ensinam que:1

4 O art. 275 foi alterado pela Lei n. 10.444/2002, que aumentou o valor de vinte para sessenta salários mínimos.

8 "Recurso especial. Processo civil. Dissídio jurisprudencial. Comprovação. Modo

de processamento. Adoção do ritmo sumário no lugar do ordinário. Tentativa de

conciliação. Ausência. Inocorrência de prejuízo às partes. Nulidade do processo

inexistente (...). II - No moderno direito processual pátrio, a teoria das nulidades

orienta-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, não se decretando a

nulidade sem que tenha havido prejuízo para a parte, pelo que se justifica a

declaração de nulidade do processo em razão da adoção do rito sumário em lugar do

ordinário nas hipóteses em que não se demonstrou a existência de qualquer prejuízo

às partes e em que houve a dilação da instrução probatória de modo a propiciar a

ampla defesa." (STJ, 3a T„ REsp n. 268.696/MT, rei. Min. Nancy Andrighi, j.

03.04.2001, v.u.)

"Processual civil. Cobrança de despesas de condomínio. Art. 275, II, b do CPC.

Procedimento monitório ou sumário. Faculdade do credor. II - A ação monitoria tem a

natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação

jurisdicional, sendo facultada a sua utilização, em nosso sistema, ao credor que

possuir prova escrita do débito, sem" No caso de o réu ser a Fazenda Pública o prazo será dobrado. Caso exista

litisconsór- cio passivo - mais de um réu - o prazo também será dobrado, conforme dispõe o art. 191 do Código de Processo Civil.

A doutrina e a jurisprudência divergem em relação à forma de contagem do referido prazo. Para alguns, o prazo de dez dias é contado retroativamente da data

Page 425: Manual de Direito Processual Civil

MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOda juntada aos autos do mandado de citação ou AR cumpridos, enquanto, para

outros, a contagem tem início na data da efetiva citação independentemente da data de juntada aos autos do mandado. Temos que a melhor resposta é aquela que conta o prazo a partir da data da efetiva citação e não da juntada aos autos do mandado ou AR cumpridos. A finalidade do prazo de dez dias é a de propiciar ao réu o direito de defesa, pois, no rito sumário, a contestação é apresentada em audiência e, assim, a antecedência de dez dias seria hábil para a contratação de um advogado e a elaboração da defesa. Dessa forma, com a efetiva citação, o prazo cumpriu a sua finalidade e, pelo princípio da instrumentalidade das formas, previsto no art. 244 do Código de Processo Civil, será considerado válido o ato processual quando for alcançada a sua finalidade. No entanto, a questão ainda é controvertida na jurisprudência.

19 "Art. 5o. Não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetra-18 Não obstante a letra da lei utilizar-se da conjunção ou, sugerindo certa

alternativida- de, entende-se como sendo e, já que o pedido sempre deve ser certo e determinado, é necessário precisar tanto o objeto imediato como o mediato. Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 11.

4 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, p. 185.4 Código Civil de 2002: "Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do

casamento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmen- te manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém“.

6 Não é conveniente que a audiência de conciliação seja designada para o mesmo dia que a audiência de instrução e julgamento, pois tal concentração atenta contra os possíveis atos subseqüentes à audiência preliminar, como o despacho saneador, as providências que antecedem à audiência de instrução etc.

10 Quando a Lei determina no art. 134 as hipóteses de impedimento, trata de circunstâncias em que a presunção de parcialidade do magistrado é absoluta, e, portanto, comprovada a hipótese legal, não haverá a necessidade de demonstração de que o juiz tem interesse no caso, pois a Lei dá a presunção.

14 "Processo Civil. Agravo no Agravo de Instrumento. Inversão do ônus da prova. Caracterizada a relação de consumo, sendo hipossuficiente o consumidor, poderá o julgador inverter o ônus da prova." (STJ, 3a T„ AGA n. 331.442/RJ, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 29.05.2001, v.u.)

4D "Ação de Indenização. Responsabilidade civil. Testemunha. Suspeição. Empregado da ré. Contradita acolhida. Art. 405, § 3o, inc. IV, do Código de Processo Civil. Agravo não provido." (TJSP, Al n. 131.507-4, rei. Des. Theodoro Guimarães, j. 19.10.1999, v.u.)

41 O informante não sofre qualquer punição quando não fala a verdade; para a falsidade ser caracterizada, a testemunha tem de ser compromissada a falar a verdade.

45 TJSP, Al n. 347.205-4/1, rei. Des. De Santi Ribeiro, j. 10.08.04, v.u.47 "Processual Civil. Perícia. Quesitos suplementares. Momento de

apresentação. É tardia a apresentação de quesitos suplementares depois do laudo ter sido apresentado, a teor do disposto no art. 425 do CPC. Recurso não conhecido." (STJ, 43T., REsp n. 110.784/SP, rei. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 13.10.1997, v.u.)

48 "Civil. Ação de investigação de paternidade. Prova. I - A recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA, marcado pelo juízo por 10 (dez) vezes, ao longo de quatro anos, aliada à comprovação de relacionamento sexual entre o investigado e a mãe do autorimpúbere, gera a presunção de veracidade das alegações postas na exordial. II - Desconsiderando o v. acórdáo recorrido tais circunstâncias, discrepou da jurisprudência remansosa deste Superior Tribunal. III - Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp n. 141.689/AM, rei. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, j. 07.08.2000, v.u.)

"Civil e processual. Ação de investigação de paternidade. Pedido de adiamento

para realização de sustentação oral. CPC, art. 565. Julgamento na data prevista na

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 533pauta. Pre- questionamento. Ausência. Súmula n. 211-stj. Exame de DNA. Recusa

pelo réu. Presunção como prova. Limites. (...) II. Segundo a jurisprudência do STJ, a

recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA constitui prova

desfavorável ao réu, pela presunção que induz que o resultado, se realizado fosse o

teste, seria positivo em relação aos fatos narrados na inicial, já que temido pelo

alegado pai. III. Todavia, tal presunção não é absoluta, de modo que incorreto o

despacho monocrático ao exceder seu alcance, afirmando que a negativa levaria o

juízo de logo a presumir como verdadeiros os fatos, já que não há cega vinculação

ao resultado do exame de DNA ou à sua recusa, que devem ser apreciados em

conjunto com o contexto probatório global dos autos. IV. Recurso especial conhecido

em parte e parcialmente provido, para limitar a extensão dos efeitos da aludida

recusa do investigado." (STJ, 4a T., REsp n. 409.285/PR, rei. Min. Aldair Passarinho

Junior, j. 26.08.2002, v.u.)

"Investigação de paternidade. Procedência. Confirmação. Relacionamento

amoroso. Prova testemunhal. Exame extrajudicial pelo sistema DNA que, embora

não tenha valor absoluto, constitui reforço de prova. Não-colaboração para

realização de novo exame. Recusa que depõe em desfavor da ré. Exceptio p/urium concubentium. Não-comprovação. Recurso não provido." (TJSP, Apelação Cível n.

9.009-4, Catanduva, 7a Câmara de Direito Privado, rei. Sousa Lima, j. 14.04.1999,

v.u.)

"Investigação de paternidade. Recusa do réu em se submeter ao exame de

DNA. Presunção contrária aos seus interesses. Recurso não provido." (TJSP, Apelação

n. 82.795-4, j.

19.11.1998, v.u.)54 Quando o Ministério Público for parte autora, exercerá o direito de alegações

finais em primeiro lugar, por funcionar como fiscal da lei, e fará as alegações finais após as manifestações das partes.

11 "Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. § 1o

Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. § 2o Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se- á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel."

2 0 . 2 C O I S A J U L G A D A

A coisa julgada compreende o efeito de imutabilidade e defmitivi- dade que recai sobre as sentenças de mérito (ou acórdão que venha a substituir a sentença), transitadas em julgado. O art. 467 do Código de Processo Civil contém a seguinte definição:

Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que

torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a

recurso ordinário ou extraordinário.

Do latim res judicata,12 a coisa julgada torna irretratável a decisão

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSOfinal da lide, firmando o direito das partes de forma definitiva a não

permitir qualquer alteração pelos meios recursais. Isso impede, também, que a mesma questão venha a ser novamente posta em juízo, preservando, assim, a soberania do título judicial e a segurança jurídica.mal é denominada preclusão máxima".