manifesto aceleracionista - alex williams e nick srnicek

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5/19/2018 ManifestoAceleracionista-AlexWilliamseNickSrnicek-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/manifesto-aceleracionista-alex-williams-e-nick-srnicek !"#$%&'( ('*#*+('&",&-%( !"#$ &'""'()* +',- ./0',#- 123 ! #$%&%'#$()*(+,) (,-.&+()*# '.,) ., /.0.') 1.% 2 ,#(+ ,)3%'*)4 .,# ,)3%'*(3#3% #&0%'*#0(5# 1.% ) *%)&(6%'#&(+,) 2 (*$#-#7 3% 8%'#' (*0'(*+%$#,%*0%9 45 406/789:;7< *7=/# ( ,70>9069/( !" $% &%'()% *+ ,(-./*+ *0&+*+ *% ,0&.1% 2234 + &565157+)8% -1%9+1 (/: ;<(/=+ .'+ /%6+ (,>0&5( *( &+=+&15,'%" ?, +>%&+15>,(, + &+'5/@% =%</+' <5*A&.1+, /%<'+, ( (,=<.=.<+, %<-+/57+&5%/+5, *+ >%1A=5&+ ;%<B+*+, &%' % /+,&5'(/=% *% (,=+: *%:/+)8%4 + +,&(/,8% *% &+>5=+15,'% ( .' ,0&.1% 22 *( -.(<<+, ,(' ><(&(*(/=(," C%' % =('>%4 ,( +'(+)+ + &%/=5/.+)8% *+ (D5,=E/&5+ *+ >%>.1+)8% @.'+/+ (' =%*% % -1%9%" F5/*+ G.( (,,+ ,(B+ + '+5, &<A=5&+ *+, +'(+)+, G.( + @.'+/5*+*( (/;<(/=+4 &%(D5,=( ( ,( (/=<(&<.7+ .'+ ,0<5( *( ><%91('+, '(/%<(,4 '+, >%=(/: &5+1'(/=( =8% *(,(,=+95157+*%<(," ? (,-%=+'(/=% =(<'5/+1 *( <(&.<,%,4 (,>(&5+1: '(/=( *+, <(,(<6+, *( H-.+ ( (/(<-5+4 %;(<(&( .'+ >(<,>(&=56+ *( ;%'( (' '+,,+4 &%1+>,% *%, >+<+*5-'+, (&%/I'5&%, ( /%6+, -.(<<+, ;<5+, ( G.(/=(," F 5/&(,,+/=( : =(<5*+*(4 ><56+=57+)8% *( ,(<65)%, *% (,=+*% *( 9(':(,=+< ,%&5+14 *(,('><(-% (' '+,,+ ( (,=+-/+)8% ,+1+<5+1" F +.=%'+)8% &<(,&(/=( /%, ><%&(,,%, ><%*.=56%,4 5/&1.,56( /% =<+9+1@% 5/=(1(&=.+14 (65*(/&5+ + &<5,( ,(&.1+< *% &+>5=+15,'%4 (' 65+, *( ,( =%</+< 5/&+>+7 *( '+/=(< %, +=.+5, >+*<J(, *( 65*+ '(,'% >+<+ +, +/=5-+, &1+,,(, '0*5+, *% /%<=( -1%9+1" K" L' &%/=<+,=( &%' (,,+, &+=H,=<%;(, (' &%/=A/.+ +&(1(<+)8%4 + >%1A=5&+ +=.+1 (,=H +,,%1+*+ >(1+ 5/+9515*+*( *( -(<+< /%6+, 5*(5+, ( '%*%, *( %<-+/57+)8%4 /(&(,,H<5%, >+<+ =<+/,;%<'+< +, /%,,+, ,%&5(*+*(,4 *( '%*% + (/;<(/=+< ( ,%1.&5%: /+< +, +/5G.51+)J(, ;.=.<+," L/G.+/=% + &<5,( -+/@+ ;%<)+ ( 6(1%&5*+*(4 + >%1A=5&+ +9<+/*+ ( <(&.+" $(,,+ >+<+15,5+ *% 5'+-5/H<5% >%1A=5&%4 % ;.=.<% ;%5 &+/&(1+*%" !MN O(D=% =<+*.75*% >%< P<./% Q=(@15/-"

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    0DQLIHVWR$FHOHUDUSRUXPDpoltica aceleracionista

    Alex WilliamsNick Srnicek 184

    O aceleracionismo impulsiona rumo um futuro que mais moderno, uma modernidade alternativa que o neoliberalismo incapaz de gerar intrinsecamente.

    I. Introduo: sobre a conjuntura

    1. No comeo da segunda dcada do sculo XXI, a civilizao global en-frenta uma nova espcie de cataclismo. Os apocalipses a caminho tornam ridculas normas e estruturas organizacionais da poltica forjadas com o nascimento do esta-do-nao, a ascenso do capitalismo e um sculo XX de guerras sem precedentes.

    $LQGDPDLVVLJQLFDQWHpRFRODSVRGRVLVWHPDFOLPiWLFRGRSODQHWDCom o tempo, se ameaa a continuao da existncia da populao humana em todo o globo. Ainda que essa seja a mais crtica das ameaas que a humanidade enfrenta, coexiste e se entrecruza uma srie de problemas menores, mas poten-cialmente to desestabilizadores. O esgotamento terminal de recursos, especial-mente das reservas de gua e energia, oferece uma perspectiva de fome em massa, colapso dos paradigmas econmicos e novas guerras frias e quentes. A incessante FULVHQDQFHLUDOHYRXJRYHUQRVDDEUDoDUHVSLUDLVPRUWtIHUDVGHSROtWLFDVGHDXV-teridade, privatizao de servios do estado de bem-estar social, desemprego em massa e estagnao salarial. A automao crescente nos processos produtivos, inclusive no trabalho intelectual, evidencia a crise secular do capitalismo, em vias de se tornar incapaz de manter os atuais padres de vida mesmo para as antigas classes mdias do norte global.

    3. Em contraste com essas catstrofes em contnua acelerao, a poltica atual est assolada pela inabilidade de gerar novas ideias e modos de organizao, necessrios para transformar as nossas sociedades, de modo a enfrentar e solucio-nar as aniquilaes futuras. Enquanto a crise ganha fora e velocidade, a poltica abranda e recua. Nessa paralisia do imaginrio poltico, o futuro foi cancelado.

    184 Texto traduzido por Bruno Stehling.

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    4. Desde 1979, a ideologia poltica globalmente hegemnica o neolibe-ralismo, encontrado com algumas variantes entre os principais poderes econmi-FRV$SHVDUGRVGHVDRVSURIXQGDPHQWHHVWUXWXUDLVTXHRVQRYRVSUREOHPDVJOR-EDLVOKHDSUHVHQWDPPDLVLPHGLDWDPHQWHDVFULVHVQDQFHLUDVVFDLVHGHFUpGLWRem curso desde 2007-2008, os programas neoliberais s evoluram no sentido de aprofund-los. A continuao do projeto neoliberal, ou neoliberalismo 2.0, come-ou a aplicar outra rodada de ajustes estruturais, em especial, encorajando novas e agressivas incurses do setor privado sobre o que resta das instituies e servios socialdemocratas. Isso tudo apesar dos efeitos econmicos e sociais imediatamen-te negativos, e das barreiras de longo prazo impostas pelas novas crises globais.

    5. Que as foras do poder governamental, no-governamental e corpora-tivo, de direita, tenham sido capazes de fazer presso com a neoliberalizao , ao PHQRVHPSDUWHXPUHVXOWDGRGDSDUDOLVLDFRQWtQXDHGDQDWXUH]DLQHFD]GHPXL-to do que resta da esquerda. Trinta anos de neoliberalismo tornaram a maioria dos partidos polticos de esquerda desprovida de pensamento radical, esvaziada e sem um mandato popular. Na melhor das hipteses, eles responderam a nossa presente crise com chamados a um retorno economia keynesiana, apesar da evidncia de que as condies que possibilitaram a socialdemocracia do ps-guerra no exis-tem mais. No podemos absolutamente retornar por decreto ao trabalho indus-trial-fordista de massa. Mesmo os regimes neossocialistas da Revoluo Boliva-riana da Amrica do Sul, ainda que animadores em sua habilidade de resistir aos dogmas do capitalismo contemporneo, se mantm lamentavelmente incapazes de apresentar uma alternativa para alm do socialismo de meados do sculo XX. O trabalho organizado, sistematicamente enfraquecido pelas mudanas introduzi-das no projeto neoliberal, est esclerosado em um nvel institucional e quando muito capaz apenas de mitigar ligeiramente os novos ajustes estruturais. Mas sem uma abordagem sistemtica para construir uma nova economia, ou uma so-lidariedade estrutural para promover mudanas, por hora o trabalho permanece relativamente impotente. Os novos movimentos sociais que emergiram a partir do PGDJXHUUDIULDH[SHULPHQWDQGRXPUHVVXUJLPHQWRQRVDQRVDSyVIRUDPigualmente incapazes de conceber uma nova viso ideolgico-poltica. Ao invs disso, eles consomem uma considervel energia em processos direto-democrti-FRVLQWHUQRVHQXPDDXWRYDORUL]DomRDIHWLYDGLVVRFLDGDGDHFiFLDHVWUDWpJLFDHfrequentemente propem alguma variante de um localismo neoprimitivista, como VHSDUDID]HURSRVLomRjYLROrQFLDDEVWUDWDGRFDSLWDOJOREDOL]DGRIRVVHVXFLHQWHa frgil e efmera autenticidade do imediatismo comunal.

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    6. Na ausncia de uma viso social, poltica, organizacional e econmica radicalmente nova, os poderes hegemnicos da direita continuaro capazes de impor o seu imaginrio obtuso, a despeito de toda e qualquer evidncia. Quando muito, a esquerda ser capaz momentaneamente de resistir parcialmente a algu-mas das piores incurses. Mas isso ser irrisrio contra uma mar inexorvel em ltima instncia. Gerar uma nova hegemonia global de esquerda implica na re-cuperao de futuros possveis que foram perdidos, e, de fato, na recuperao do futuro como tal.

    II. Interregno: sobre aceleracionismos

    1. Se h algum sistema associado a ideias de acelerao, o capitalismo. O metabolismo essencial do capitalismo demanda crescimento econmico, com competio entre entidades capitalistas individuais, mobilizando desenvolvimen-tos tecnolgicos crescentes, na tentativa de alcanar vantagem competitiva, tudo acompanhado por uma crescente mobilidade social. Em sua forma neoliberal, essa autoapresentao ideolgica uma das foras de liberao das foras de destrui-o criativa, liberando inovaes tecnolgicas e sociais em contnua acelerao.

    2OyVRIR1LFN/DQGFDSWRX LVVRGH IRUPDPDLVFHUWHLUDFRPXPDcrena mope, porm hipntica, de que a velocidade capitalista por si s poderia gerar uma transio global em direo a uma singularidade tecnolgica sem para-lelos. Nessa viso do capital, o humano pode eventualmente ser descartado como mero obstculo a uma abstrata inteligncia planetria, que se constri rapidamen-te a partir da bricolagem de fragmentos das civilizaes passadas. Contudo, o neoliberalismo de Land confunde velocidade com acelerao. Podemos estar nos PRYHQGRUDSLGDPHQWHVRPHQWHGHQWURGHXPHQTXDGUDPHQWRHVWULWDPHQWHGHQL-do de parmetros capitalistas que jamais oscilam. Experimentamos apenas a cres-cente velocidade de um horizonte local, uma simples arremetida descerebrada; ao invs de uma acelerao que tambm seja navegvel, um processo experimental de descoberta dentro de um espao universal de possibilidades. este ltimo modo de acelerao que tomamos por essencial.

    3. Ainda pior, como Deleuze e Guattari reconheciam, desde o comeo, o que a velocidade capitalista desterritorializa com uma mo, ela reterritorializa com a outra. O progresso se torna restrito a um enquadramento de mais-valor, H[pUFLWRSUROHWiULRGHUHVHUYDHFDSLWDOGHOLYUHXWXDomR$PRGHUQLGDGHpUH-GX]LGDDPHGLGDVHVWDWtVWLFDVGHFUHVFLPHQWRHFRQ{PLFRHDLQRYDomRVRFLDOFDincrustrada com as sobras kitsch de nosso passado comunal. A desregulao de

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    Tatcher-Reagan senta-se confortavelmente ao lado da famlia vitoriana back-to--basics e valores religiosos.

    4. Uma tenso mais profunda dentro do neoliberalismo ocorre em termos da sua autoimagem como o veculo de modernidade, como sinnimo para mo-dernizao, enquanto promove um futuro cuja constituio interna incapaz de promover. De fato, conforme o neoliberalismo progrediu, ao invs de possibilitar a criatividade individual, tendeu a eliminar a inventividade cognitiva, em favor de uma linha de produo afetiva de interaes roteirizadas, junto a cadeias globais de suprimentos e uma zona oriental de produo neofordista. Um minsculo cog-nitariado de trabalhadores da elite intelectual encolhe com o passar dos anos e de maneira crescente na medida em que a automao algortmica adentra as esfe-ras de trabalho afetivo e intelectual. O neoliberalismo, ainda que se, postulando como um desenvolvimento histrico necessrio, foi de fato um meio meramente contingente para afastar a crise do valor que emergiu nos anos 1970. Era inevita-YHOPHQWHXPDVXEOLPDomRGDFULVHDRLQYpVGHVXDVXSHUDomRQDO

    5. Marx, junto com Land, que continua a ser o pensador aceleracionista paradigmtico. Ao contrrio da crtica bastante familiar, e mesmo ao compor-tamento de alguns marxianos contemporneos, devemos lembrar que o prprio Marx usou as mais avanadas ferramentas tericas e dados empricos disponveis, na tentativa de entender e transformar completamente seu mundo. Ele no foi um pensador que resistiu modernidade, mas antes um que procurou analisar e inter-vir dentro dela, compreendendo que apesar de toda sua explorao e corrupo, o capitalismo permanecia como o mais avanado sistema econmico em sua poca. Suas conquistas no deveriam ser revertidas, mas aceleradas para alm das restri-es da forma valor capitalista.

    6. De fato, como Lnin escreveu no texto de 1918, intitulado Esquerdis-mo: doena infantil do comunismo:

    O socialismo inconcebvel sem a engenharia capitalista de larga es-cala baseada nas ltimas descobertas da cincia moderna. inconcebvel sem DRUJDQL]DomRHVWDWDOSODQLFDGDTXHPDQWpPGH]HQDVGHPLOK}HVGHSHVVRDVQDREVHUYkQFLDPDLVHVWULWDGHXPSDGUmRXQLFDGRGHSURGXomRHGLVWULEXLomR1yVmarxistas, sempre falamos disso, e no vale a pena perder dois segundos que seja falando com pessoas que no entendem nem mesmo isso (anarquistas e uma boa parte dos revolucionrios da esquerda socialista).

    &RPR0DU[ VDELD R FDSLWDOLVPRQmR SRGH VHU LGHQWLFDGR FRPRRagente da verdadeira acelerao. Da mesma forma, a avaliao de polticas de esquerda como antitticas acelerao tecnossocial tambm , pelo menos em

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    parte, uma deturpao grave. De fato, se a esquerda poltica tiver um futuro, ele deve ser um que abraa ao mximo essa tendncia aceleracionista suprimida.

    III: Manifesto: sobre o futuro.

    1. Acreditamos que a ciso mais importante na esquerda de hoje est entre aqueles que sustentam uma poltica popular de localismo, ao direta e in-cansvel horizontalismo, e aqueles que esboam o que deve passar a ser chamado livremente de uma poltica aceleracionista com uma modernidade de abstrao, complexidade, globalidade e tecnologia. Os primeiros se mantm satisfeitos em estabelecer espaos pequenos e temporrios de relaes sociais no-capitalistas, esquivando-se dos problemas reais envolvidos no enfrentamento de adversrios intrinsecamente no-locais, abstratos e profundamente enraizados em nossa infra-estrutura diria. O fracasso de tais polticas est embutido desde o comeo. Em contraste, uma poltica aceleracionista procura preservar as conquistas do capita-lismo tardio enquanto vai alm do que seu sistema de valor, estruturas de gover-nana, e patologias de massa permitem.

    2. Todos queremos trabalhar menos. uma questo intrigante por que o principal economista do mundo da era ps-guerra acreditava que um capitalismo iluminado inevitavelmente progrediria em direo a uma reduo radical da jor-nada de trabalho. Em Perspectivas Econmicas para Nossos Netos (escrito em 1930), Keynes previu um futuro capitalista onde indivduos teriam seu trabalho reduzido a trs horas por dia. O que ocorreu, entretanto, foi a progressiva elimina-o da distino entre trabalho e vida, com o trabalho acabando por permear cada aspecto da fbrica social emergente.

    3. O capitalismo comeou a restringir as foras produtivas da tecnologia, RXDRPHQRVGLUHFLRQiODVDQVGHVQHFHVVDULDPHQWHHVWUHLWRV*XHUUDVGHSDWHQ-tes e monopolizao de ideias so fenmenos contemporneos que apontam tanto para a necessidade do capital de mover-se alm da competio, quanto para sua abordagem crescentemente retrgrada da tecnologia. As conquistas apropriada-mente aceleracionistas do neoliberalismo no levaram a menos trabalho ou menos estresse. E ao invs de um mundo de viagens espaciais, choque futurista e poten-cial tecnolgico revolucionrio, existimos em um tempo onde a nica coisa que se desenvolve uma parafernlia marginalmente melhor para consumidores. In-contveis iteraes dos mesmos produtos bsicos sustentam a demanda marginal de consumidores s custas da acelerao humana.

    4. No queremos retornar ao modelo fordista. Nenhum retorno ao fordis-mo possvel. A era de ouro capitalista tinha como premissa o paradigma de

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    produo no ambiente ordenado da fbrica, onde trabalhadores (homens) rece-biam segurana e um padro de vida bsico em troca de uma vida inteira de tdio embrutecedor e represso social. Tal sistema se sustentava sobre uma hierarquia internacional de colnias, imprios e uma periferia subdesenvolvida, sobre uma hierarquia nacional de racismo e sexismo, e sobre uma rgida hierarquia familiar de subjugao feminina. Apesar de toda a nostalgia que muitos podem sentir, esse regime to indesejvel quanto impossvel de retornar na prtica.

    5. Aceleracionistas querem libertar as foras produtivas latentes. Nesse projeto, a plataforma material do neoliberalismo no precisa ser destruda. Precisa VHUUHDSURYHLWDGDSDUDQVFRPXQV$LQIUDHVWUXWXUDH[LVWHQWHQmRpXPHVWiJLRcapitalista a ser esmagado, mas um trampolim para lanar o ps-capitalismo.

    6. Dada a escravido da tecnocincia aos objetivos capitalistas (especial-PHQWHGHVGHRPGRVDQRVFHUWDPHQWHDLQGDQmRVDEHPRVRTXHXPFRU-po tecnossocial moderno pode fazer. Quem entre ns reconhece completamente quais potenciais inexplorados aguardam na tecnologia que j foi desenvolvida? A nossa aposta que os potenciais verdadeiramente transformadores de grande SDUWHGHQRVVDSHVTXLVDWHFQROyJLFDHFLHQWtFDSHUPDQHFHPLQH[SORUDGRVUHSOH-tos de caractersticas (ou pr-adaptaes) atualmente redundantes que, aps uma mudana alm do mope socius capitalista, pode se tornar decisiva.

    7. Queremos acelerar o processo de evoluo tecnolgica. Mas o que estamos defendendo no tecnutopismo. Nunca acredite que a tecnologia ser su-FLHQWHSDUDQRVVDOYDU1HFHVViULDVLPPDVQXQFDVXFLHQWHVHPDomRVRFLRSR-ltica. A tecnologia e o social esto intimamente ligados um ao outro, e mudanas em qualquer um deles potencializam e reforam mudanas no outro. Enquanto os tecnutpicos defendem que a acelerao, por si s, seja capaz de automaticamente VXSHUDURFRQLWRVRFLDOQXPDQRYDHUDXWySLFDTXDQGRHOHQmRPDLVWLYHUVHQWL-do); a nossa posio consiste em que a tecnologia deva ser acelerada exatamente SRUTXHQHFHVViULDSDUDWHQVLRQDUHYHQFHUHVVHVFRQLWRV

    8. Acreditamos que qualquer ps-capitalismo exigir planejamento ps--capitalista. A f depositada na ideia de que, aps uma revoluo, as pessoas iro espontaneamente constituir um novo sistema socioeconmico que no seja sim-plesmente um retorno ao capitalismo ingnuo na melhor das hipteses, e igno-rante na pior delas. Para aprofundar isso, precisamos desenvolver tanto um mapa cognitivo do sistema existente quanto uma imagem especulativa do futuro sistema econmico.

    9. Para faz-lo, a esquerda deve aproveitar cada avano tecnolgico e FLHQWtFRSRVVLELOLWDGRSHODVRFLHGDGHFDSLWDOLVWD'HFODUDPRVTXHDTXDQWLFDomR

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    no um mal a ser eliminado, mas uma ferramenta a ser usada da maneira mais HFD]SRVVtYHO$PRGHODJHPHFRQ{PLFDpFRORFDQGRGHIRUPDVLPSOHVXPDQHFHVVLGDGH SDUD WRUQDU LQWHOLJtYHO XPPXQGR FRPSOH[R$ FULVHQDQFHLUD GH2008 revelou os riscos de se aceitarem cegamente modelos matemticos, ainda que isso seja um problema de autoridade ilegtima e no de matemtica propria-mente. As ferramentas a ser encontradas na anlise de redes sociais, em mode-lagem baseada em agentes [agente-based modelling], em anlise de big data e de modelos econmicos de no-equilbrio so mediadores cognitivos necessrios para entender sistemas complexos como a economia moderna. A esquerda acele-racionista deve se alfabetizar em cada uma dessas reas tcnicas.

    10. Qualquer transformao da sociedade deve envolver experimentao econmica e social. O projeto de gesto participativa da economia Cybersyn, do governo chileno de Salvador Allende (1971-1973), emblemtico dessa atitu-de experimental fazendo a fuso de tecnologias cibernticas com modelagem HFRQ{PLFDVRVWLFDGDHXPDSODWDIRUPDGHPRFUiWLFDLQVWDQFLDGDQDSUySULDLQ-fraestrutura tecnolgica. Experimentos similares foram conduzidos na economia sovitica dos anos 1950 e 1960, empregando ciberntica e programao linear, numa tentativa de superar os novos problemas enfrentados pela primeira econo-mia comunista. Que ambos tenham fracassado pode-se atribuir, em ltima an-lise, s restries polticas e tecnolgicas sob as quais operavam esses pioneiros cibernticos.

    11. A esquerda deve desenvolver a hegemonia sociotcnica: tanto na es-fera das ideias, quanto na esfera das plataformas materiais. Plataformas so a infraestrutura da sociedade global. Elas estabelecem os parmetros bsicos do que possvel, tanto em termos de comportamento quanto em termos ideolgicos. Neste sentido, elas incorporam o transcendental material da sociedade: elas so o que tornam possveis conjuntos particulares de aes, relaes e poderes. Ainda que boa parte da plataforma global existente esteja direcionada para as relaes sociais capitalistas, essa no uma necessidade inevitvel. Essas plataformas ma-WHULDLVGHSURGXomRQDQoDVORJtVWLFDHFRQVXPRSRGHPHVHUmRUHSURJUDPDGDVHUHIRUPDWDGDVSDUDQVSyVFDSLWDOLVWDV

    1mRDFUHGLWDPRVTXHDomRGLUHWDVHMDVXFLHQWHSDUDDOFDQoDUQDGDdisso. As tticas habituais de marchar, erguer cartazes, e estabelecer zonas au-tnomas temporrias correm o risco de se tornarem substitutos confortveis ao r[LWRHIHWLYR$RPHQRV]HPRVDOJXPDFRLVDpRJULWRGHJXHUUDGDTXHOHVTXHprivilegiam a autoestima ao invs da ao efetiva. O nico critrio de uma boa WiWLFDpVHHODSHUPLWHr[LWRVLJQLFDWLYRRXQmR'HYHPRVDFDEDUFRPDIHWLFKL]D-

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    o de modos particulares de ao. A poltica deve ser tratada como um conjunto GHVLVWHPDVGLQkPLFRVGLODFHUDGRVSRUFRQLWRDGDSWDo}HVHFRQWUDDGDSWDo}HVHFRUULGDVDUPDPHQWLVWDVHVWUDWpJLFDV,VVRVLJQLFDTXHFDGDWLSRLQGLYLGXDOGHDomRSROtWLFDVHWRUQDHPERWDGRHLQHFD]FRPRWHPSRjPHGLGDTXHRRXWURODGRse adapta. Nenhum modo de ao poltica historicamente inviolvel. De fato, com o tempo, h uma crescente necessidade de se descartarem tticas familiares, em funo das foras e entidades contra o que se pretenda aprender a lutar de IRUPDHFD](PSDUWHpDLQDELOLGDGHGDHVTXHUGDFRQWHPSRUkQHDHPID]HULVVRque est prximo ao cerne do mal-estar contemporneo.

    13. O avassalador privilegiamento da democracia-enquanto-processo precisa ser deixado para trs. A fetichizao da abertura, horizontalidade, e in-FOXVmRGHERDSDUWHGDDWXDOHVTXHUGDUDGLFDOID]DFDPDGDLQHFiFLD6LJLORverticalidade e excluso tm todos o seu lugar tambm na ao poltica efetiva (embora, obviamente, no um lugar exclusivo).

    $GHPRFUDFLD QmRSRGH VHU GHQLGD VLPSOHVPHQWH SRU VHXVPHLRV seja via votao, discusso ou assembleias gerais. A democracia real deve ser GHQLGDSRUVHXREMHWLYRDXWRGHWHUPLQDomRFROHWLYD(VWHpXPSURMHWRTXHGHYHalinhar a poltica com o legado do iluminismo, na medida em que apenas atravs da mobilizao de nossa habilidade de entender melhor a ns mesmos e a nosso mundo (social, tcnico, econmico, psicolgico) que podemos governar a ns mesmos. Precisamos postular uma legtima autoridade vertical, controlada coleti-vamente, alm das formas de socialidade distribudas horizontalmente, para evitar nos tornarmos escravos tanto de um centralismo totalitrio tirnico, quanto de uma caprichosa ordem emergente que esteja alm de nosso controle. O comando do Plano deve ser casado com a ordem improvisada da Rede.

    15. No apresentamos nenhuma organizao particular como os meios ideais para incorporar esses vetores. O que preciso o que sempre foi preciso uma ecologia de organizaes, um pluralismo de foras, ressoando e retroalimen-tando suas foras comparativas. Sectarismo a sentena de morte da esquerda tanto quanto a centralizao, e nesse sentido, continuamos a acolher experimen-taes com diferentes tticas, (mesmo aquelas das quais discordamos).

    16. Temos trs objetivos concretos de mdio prazo. Primeiro, precisamos construir uma infraestrutura intelectual. Imitando a Sociedade Mont Pelerin, de-fensora das benesses da revoluo do neoliberalismo, a essa infraestrutura deve ser demandada a tarefa de criar uma nova ideologia, um novo modelo econmico e social, e uma viso do bem a substituir e superar os magros ideais que regem nosso mundo hoje. Essa uma infraestrutura no sentido de requerer a construo

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    no apenas de ideias, mas de instituies e caminhos materiais para incuti-las, encarn-las e espalh-las.

    17. Precisamos construir uma reforma da mdia em larga escala. Ape-sar da aparente democratizao oferecida pela internet e pelas mdias sociais, os meios de comunicao tradicionais continuam cruciais na seleo e enquadra-mento de narrativas, alm de possuir os recursos para processar o jornalismo in-vestigativo. Trazer esses corpos to prximo quanto possvel do controle popular crucial para desfazer o atual estado de coisas.

    18. Finalmente, precisamos reconstituir vrias formas de poder de classe. Tal reconstituio deve ir alm da noo de que um proletariado global gerado organicamente j exista. Ao invs disso, deve-se procurar tecer junto um conjunto heterogneo de identidades proletrias parciais, muitas vezes incorporadas em formas ps-fordistas de trabalho precrio.

    19. Grupos e indivduos j esto trabalhando em cada um desses objeti-YRVPDVSRUVLVyFDGDXPGHOHVpLQVXFLHQWHeQHFHVViULRTXHWRGRVRVWUrVUHWURDOLPHQWHPXQVDRVRXWURVFDGDXPPRGLFDQGRDDUWLFXODomRFRQWHPSRUkQHDGHIRUPDTXHRVGHPDLVVHWRUQHPPDLVHPDLVHFD]HV8PDUHWURDOLPHQWDomRFLU-cular de transformao ideolgica, social, econmica e de infraestrutura, gerando uma nova hegemonia complexa, uma nova plataforma tecnossocial ps-capitalista. A histria demonstra que sempre um amplo agenciamento de tticas e organiza-es que acarreta mudanas sistemticas; essas lies devem ser aprendidas.

    20. Para alcanar cada um desses objetivos, no nvel mais prtico, susten-WDPRVTXHDHVTXHUGDDFHOHUDFLRQLVWDGHYDSHQVDUPDLVVHULDPHQWHVREUHRVX[RVde recursos e dinheiro necessrios para construir uma nova infraestrutura poltica HFD]3DUDDOpPGRSRGHUSRSXODUGHFRUSRVQDUXDSUHFLVDPRVGHQDQFLD-mento, seja de governos, instituies, think tanks, sindicatos ou patronos indi-YLGXDLV&RQVLGHUDPRVDGHPDUFDomRHFRQGXomRGHWDLVX[RVGHQDQFLDPHQWRVessenciais para comear a reconstruir uma ecologia de efetivas organizaes de esquerda aceleracionista.

    21. Declaramos que somente uma poltica prometeica de domnio m-ximo sobre a sociedade e seu ambiente capaz de lidar com problemas globais ou obter vitria sobre o capital. Esse domnio deve ser distinto daquele amado por pensadores do Iluminismo original. O universo mecnico de Laplace, to fa-FLOPHQWHFRQWURODGRDRUHFHEHULQIRUPDomRVXFLHQWHKiPXLWRGHVDSDUHFHXGDDJHQGDGDFRPSUHHQVmRFLHQWtFDVpULD0DVQmRpSDUDQRVDOLQKDUPRVFRPRcansado resduo da ps-modernidade, condenando todo domnio como protofas-cista ou toda autoridade como intrinsecamente ilegtima. Ao invs disso, propo-

  • 0$1,)(672$&(/(5$532580$32/7,&$$&(/(5$&,21,67$

    PRVTXHRVSUREOHPDVTXHDLJHPQRVVRSODQHWDHQRVVDHVSpFLHQRVREULJDPa renovar o domnio em uma nova e complexa roupagem; ainda que no possa-mos prever o resultado de nossas aes, podemos determinar probabilisticamente escalas mdias de resultados. O que deve ser acoplado a tal anlise complexa de sistemas uma nova forma de ao: improvisadora e capaz de executar um de-senho atravs de uma prtica que trabalhe com a contingncia que ela descobre apenas no curso de sua ao, em uma poltica de arte geo-social e astuta raciona-lidade. Uma forma de experimentao abdutiva que procura os melhores meios para agir em um mundo complexo.

    22. Precisamos reviver o argumento que foi tradicionalmente feito para o ps-capitalismo: no apenas o capitalismo um sistema injusto e pervertido, mas tambm um sistema que impede o progresso. Nosso desenvolvimento tec-nolgico est sendo suprimido pelo capitalismo, na mesma medida em que foi desencadeado por ele. O aceleracionismo a crena bsica de que essas capa-cidades podem e devem ser liberadas ao moverem-se para alm das limitaes impostas pela sociedade capitalista. O movimento em direo a uma superao de nossas restries atuais deve incluir mais do que simplesmente uma luta por uma sociedade global mais racional. Acreditamos que ele deva incluir a recuperao dos sonhos que fascinaram a muitos, de meados do sculo XIX at o alovorecer da era neoliberal, sonhando na misso do Homo sapiens em direo a uma expan-so alm dos limites da Terra e nossas formas corpreas imediatas. Essas vises so encaradas hoje como relquias de um momento mais inocente. Ainda assim, elas tanto diagnosticam a impressionante falta de imaginao em nosso prprio tempo, quanto oferecem a promessa de um futuro que afetivamente revigorante, EHPFRPRLQWHOHFWXDOPHQWHHQHUJL]DQWH$QDOGHFRQWDVDSHQDVXPDVRFLHGDGHps-capitalista, possibilitada por uma poltica aceleracionista, que ser capaz de executar a nota promissria dos programas espaciais de meados do sculo XX, para ir alm de um mundo de atualizaes tcnicas mnimas, em direo a uma mudana abrangente. Rumo a um tempo de autodomnio coletivo, e ao futuro propriamente aliengena que isso envolve e possibilita. Rumo a uma concluso do projeto iluminista da autocrtica e autodomnio, ao invs de sua eliminao.

    23. A escolha que enfrentamos sria: um ps-capitalismo globalizado ou uma lenta fragmentao rumo ao primitivismo, crise perptua e ao colapso ecolgico planetrio.

    24. O futuro precisa ser construdo. Ele foi demolido pelo capitalismo QHROLEHUDOHUHGX]LGRDXPDSURPHVVDEDUDWDGHJUDQGHLQLTXLGDGHFRQLWRHFDRVEsse colapso na ideia de futuro sintomtico do status histrico retrgrado de

  • Alex Williams e Nick Srnicek

    nossa poca, mais do que, como os cnicos do espectro poltico nos querem fazer crer, um sinal de maturidade ctica. O que o aceleracionismo estimula um futuro que mais moderno uma modernidade alternativa que o neoliberalismo ine-rentemente incapaz de gerar. O futuro deve ser aberto mais uma vez, ampliando nossos horizontes para as possibilidades universais do Lado de Fora.

    Alex Willians doutorando na Universidade de East London. Atualmente trabalha HPXPDWHVHLQWLWXODGD+HJHPRQLDHFRPSOH[LGDGH(OHWDPEpPpRDXWRUFRP1LFN6UQtHNdo livro ainda a ser lanado, Folk Poltics.

    1LFN6UQtHN professor bolsista em Geopoltica e Globalizao na UCL, e de dou-torando em Relaes Internacionais pela LSE. Foi coeditor de The Speculative Turn (Re.press, 2011), e atualmente escreve Folk Poltics (Zero, 2014), com Alex Williams.

    Tradutor Bruno Stehling doutorando na Escola de Comunicao (ECO) da Universidade

    Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e participa da rede Universidade Nmade.