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M.A.M.O.N.: disputa, pertencimento e resistência na fronteira México/Estados Unidos 1
M.A.M.O.N.: dispute, forms of belonging and resistance in the border Mexico/USA
Marina Caminha 2
Maurício Bragança3
Resumo: Analisamos o curta-metragem M.A.M.O.N., dirigido por Alejandro Damiani e lançado
em 2016, que trata da construção do muro entre o México e os Estados Unidos. O
filme elaborou uma crítica contrária à principal plataforma de campanha de Donald
Trump, então candidato do Partido Republicano à Presidência da República dos
Estados Unidos. Matizado pelas referências cômicas, discute as disputas territoriais
entre os dois países, utilizando a imagem do muro como espaço de luta. Na primeira
parte, discorremos sobre as questões relacionadas à fronteira, sistematizadas pela
presença do muro – dispositivo emblemático do contexto geopolítico contemporâneo.
Na segunda, evidenciamos as marcas cômicas do filme, enfatizando os traços do
deboche e da caricatura - instâncias importantes de um projeto imagético que se
organiza através da ideia de ocupação e resistência.
Palavras-Chave: Fronteira. Imigração. Humor.
Abstract: We analyze the short film M.A.M.O.N., directed by Alejandro Damiani and launched in
2016, which deals with the construction of the wall between Mexico and the United
States. The film produced a criticism against the main campaign platform of Donald
Trump, then Republican Party candidate for the Presidency of the United States.
Organized by the comic references, M.A.M.O.N. points the territorial disputes
between the two countries, using the image of the wall as a space of struggle. In the
first part, we will discuss issues related to the border, systematized by the presence
of the wall - emblematic device of the contemporary geopolitical context. In the
second, we will highlight the comic marks of the film, emphasizing the presence of
debauch and caricature - important instances of an imaginary project that is
organized through the idea of occupation and resistance.
Keywords: Border. Immigration. Humor.
1. Introdução
A eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, em novembro de 2016,
recrudesceu as ameaças à permanência dos imigrantes no território americano e intensificou de
maneira violenta o controle das fronteiras com o México. Ainda em 2015, na disputa para ser
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho CULTURA DAS MÍDIAS XXVIII Encontro Anual da Compós,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019. 2 PPGCOM/ESPM-SP, Doutora, email: [email protected]
3 UFF, Doutor, e-mail: [email protected]
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o representante do Partido Republicano à campanha presidencial do ano seguinte, o candidato
reforçou seu discurso xenófobo contra a presença dos latinos no território dos Estados Unidos,
fazendo polêmicas declarações que se afastavam de forma radical das políticas de maior
acolhimento às comunidades de imigrantes latinos levadas a cabo no governo anterior de Barak
Obama.
No discurso de lançamento oficial da sua candidatura à Presidência da República,
Trump já anunciou aquela que se converteria na promessa emblemática do seu governo:
construir um enorme muro na fronteira com o México, aumentando a barreira que já existe e
intensificando ainda mais os riscos de atravessá-la. Essa proposta veio acompanhada de toda
sorte de xingamentos contra os mexicanos que, ao longo da campanha foram chamados pelo
candidato de estupradores, criminosos, propagadores de doença, traficantes de droga,
reforçando um discurso que opunha de forma irreconciliável o Eu americano e o Outro
mexicano, como se pode perceber no discurso de lançamento de sua campanha em junho de
2015.
Quando México envia seu povo, eles não estão enviando o seu melhor. Eles não estão
enviando você. Eles não estão enviando você. Eles estão enviando pessoas cheias de
problemas, e eles estão trazendo estes problemas para nós. Eles estão trazendo
drogas. Eles estão trazendo crime. Eles são estupradores4.
A fala, atravessada de teor racista, evidencia o acirramento da disputa espacial que
organiza o imaginário nacional estadunidense desde sua conformação territorial em meados do
século XIX. Os conflitos entre Estados Unidos e México que sustentaram o modelo de nação
que surgia eram, em parte, traduzidos através dos estereótipos raciais que a indústria cultural
americana disseminava ao longo da história, ressaltando as relações entre raça, colonialidade e
território que pautavam os sentimentos de nação. Tais declarações racistas e xenófobas foram
a marca da campanha de Donald Trump e produziram uma enorme indignação junto às
comunidades negras e hispânicas, e em todo o corpo progressista do eleitorado estadunidense5.
4 Discurso de lançamento da campanha pela disputa da candidatura do Partido Republicano à Presidência da
República dos Estados Unidos. O discurso, proferido em 16 de junho de 2015, intitulado “Our country needs a
truly great leader”, pode ser acessado em https://blogs.wsj.com/washwire/2015/06/16/donald-trump-transcript-
our-country-needs-a-truly-great-leader/
As traduções presentes neste texto são de responsabilidade dos autores do artigo: “When Mexico sends its people,
they're not sending their best. They're not sending you. They're not sending you. They're sending people that have
lots of problems, and they're bringing those problems with us. They're bringing drugs. They're bringing crime.
They're rapists”. 5 Os Estados Unidos vêem crescer de forma acelerada o acirramento das relações raciais nos últimos anos e que
ganha novo ímpeto com a eleição do atual presidente, Donald Trump. No dia 12 de agosto de 2017, o movimento
nacionalista branco - que junto com representantes da Klu Klux Klan e membros neonazistas formam uma
ideologia supremacista branca – promoveu uma passeata em Charlottesville, na Virginia, protestando contra a
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E é na mesma chave das acusações raciais que Trump tentava se defender da indignação da
comunidade mexicano-americana:
Eu nunca posso me desculpar pela verdade. Eu não me importo em me desculpar por
coisas, mas não posso me desculpar pela verdade. Eu disse que um tremendo crime
vem acontecendo. Todo mundo sabe que isso é verdade. E está acontecendo o tempo
todo. Então, por que, quando falo, de repente sou racista. Não sou racista. Eu não
tenho sequer um osso racista no meu corpo6.
É desta forma, através do discurso que pauta questões nacionais (implicadas com seus
construtos raciais) e de pertencimento territorial que pretendemos abordar o cenário das
relações geopolíticas contemporâneas, tomando a imagem do muro entre México e Estados
Unidos como detonador de uma disputa que se dá também no âmbito do imaginário, do
simbólico e das políticas de representação midiáticas. Percebemos a configuração de um
cenário geopolítico no qual a construção de muros, barreiras e outras formas de contenção de
fronteiras marca o contexto contemporâneo7. Esses monumentos da interdição estão presentes
em várias narrativas e afetam as políticas de mobilidade que conformam as experiências
espaço-temporais dos fluxos migratórios em escala global, seja numa perspectiva de trânsito
entre nações e continentes diferentes, seja também em dinâmicas mais regionais e locais no
interior de um mesmo país.
Neste artigo, vamos analisar o curta-metragem M.A.M.O.N. (Monitors Against
Mexicans Over Nationwide)8, uma co-produção entre Uruguai e México, dirigido por
Alejandro Damiani e lançado em 2016, antes da eleição de Donald Trump. O filme trata da
retirada de uma estátua, de um parque da cidade, do general Robert E. Lee, herói do movimento escravocrata dos
EUA. A manifestação acabou ocasionando a morte de três ativistas que se opunham à reivindicação racista,
ganhando espaço e repercussão na imprensa internacional. 6 Ye Hee Lee, M. (2015). Donald Trump’s false comments connecting Mexican immigrants and crime. The
Washington Post. https://www.washingtonpost.com/news/fact-checker/wp/2015/07/08/donald-trumps-false-
comments-connecting-mexican-immigrants-and-crime/?utm_term=.8060db33886c. Acesso em 17 de dezembro
de 2017. “I can never apologize for the truth. I don’t mind apologizing for things. But I can’t apologize for the
truth. I said tremendous crime is coming across. Everybody knows that’s true. And it’s happening all the time.
So, why, when I mention, all of a sudden I’m a racist. I’m not a racist. I don’t have a racist bone in my body”. 7 Aqui nos interessa particularmente o muro México/Estados Unidos, mas podemos nos remeter a um panorama
de muros que inclui, dentre outros: o Muro do Saara, Marrocos/Argélia, Botswana/Zimbábwe, Israel/Síria,
Israel/Jordânia, Hungria/Sérvia, Quênia/Somália, Índia/Paquistão, Índia/Bangladesh, Paquistão/Irã,
Paquistão/Afeganistão, China/Coréia do Norte, Coréia do Sul/Coréia do Norte, sem contar os muros internos
nacionais, que também diagnosticam efeitos de exclusão social e acirram discursos de estigmatização e
criminalização da pobreza, como o muro erigido na Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo, como forma de isolar
a comunidade de Vila Esperança, em Cubatão. Podemos mencionar ainda o muro de contenção das margens da
Linha Vermelha, no Rio de Janeiro, que isola visualmente o usuário da rodovia expressa do entorno formado pelo
Complexo da Maré. Por fim, o muro que envolve algumas favelas no Rio de Janeiro, como a da comunidade de
Santa Marta, no morro Dona Marta. Sem dúvida, a presença destas barreiras oferece uma importante dimensão da
organização dos espaços de conflitos numa ordem geopolítica contemporânea. 8 M.A.M.O.N. (Monitores contra mexicanos em toda a nação). A palavra mamón também é uma grosseria no
espanhol mexicano e é o equivalente ao que xingamos em português uma pessoa “escrota”.
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construção do muro entre o México e os Estados Unidos, elaborando uma crítica contrária à
principal plataforma de campanha de Trump, então candidato do Partido Republicano à
Presidência da República dos Estados Unidos9. Matizado pelas referências cômicas, discute as
disputas territoriais entre os dois países, utilizando a imagem do muro como espaço de luta.
Nosso próximo passo será discorrer sobre as questões contidas nas disputas territoriais em
torno do muro, envolvendo a noção de espaço como metáfora importante para
compreendermos os fluxos migratórios contemporâneos.
2. Espaço: disputas territoriais e fluxos migratórios
Seguimos David Harvey (2002), ao propor o espaço como uma palavra-chave para
pensarmos questões fundamentais no âmbito das políticas sociais, econômicas e culturais que
atravessam as sociedades contemporâneas e como um conceito que alimenta as diversas teorias
sociais, seja a partir de acepções mais ligadas à compreensão de geografias concretas sobre o
terreno, seja no emprego do termo vinculado a metáforas espaciais. “Considerar o espaço como
uma palavra-chave consiste, neste sentido, em compreender a maneira pela qual o conceito
pode ser vantajosamente integrado dentro das metateorias sociais, literárias e culturais
existentes, e examinar os efeitos” (HARVEY, 2002, p. 18).
O que está em jogo, na provocação do discurso de Donald Trump, que a partir de 2017
se converteria em política do Estado, é a disputa territorial que essa noção do espaço da
fronteira evoca, na qual a ideia de território se define como um espaço delimitado por relações
de poder (HAESBAERT, 2014, p.1). Tais relações de poder se manifestam em sentido amplo,
vetorial e em diferentes niveis escalares (como macro e microterritórios), bem como a partir
de um viés multidimensional, acolhendo marcos politicos, econômicos e simbólicos, na
construção de processos de hegemonia. Este território é compreendido em seu movimento,
dentro de um processo, numa “dinâmica de construção e reconstrução permanente – o que
impede, portanto, que se visualize o território apenas enquanto uma zona, uma área bem
9 No momento de escrita desse artigo Donald Trump voltou a discutir sobre a necessidade de construção do muro
e a demanda por financiamento da obra. A disputa entre o presidente e a negativa do partido democrata em
concordar com o projeto mantém o governo americano paralisado desde o dia 22 de dezembro. No dia 08/01/2019
Trump afirmou que o governo permanecerá fechado, sustentando a ideia de que a segurança do país está
ameaçada. A contrapartida apareceu na resposta da presidente da Câmara dos deputados, Nancy Pelosi, que
rebateu o presidente dizendo que o mesmo deveria cessar de fabular crises e reabrir o governo. Ataques ao projeto
de Trump voltaram a aparecer midiaticamente por meio de charges, instalações artísticas, memes, por exemplo.
A capa da revista americana The New Yorker do dia 28/01/2019 é um desenho do presidente construindo um
muro em volta de si mesmo. Desenhada pelo artista John Cuneo. Pode ser vista em
https://www.newyorker.com/culture/cover-story/cover-story-2019-01-28, acesso em 28/01/2019.
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delimitada” (idem, p. 6). O muro é um emblema dessa política de reordenamento espacial
sistêmico, uma vez que se pauta pela ideia de fluxos que instauram uma lógica ambigua que
combina contenção e trânsito presente na fronteira.
Segundo o geógrafo Michel Foucher (2013), a fronteira é um objeto geopolítico
clássico, lugar onde se tornam visíveis as múltiplas funções que exerce no território: política,
na ordem da soberania; legal, regida pelo mundo do direito; fiscal, no exercício das atividades
alfandegárias; policial, como mecanismo de controle; militar, nas práticas de defesa da
soberania nacional. Ela evidencia um tempo inscrito no espaço determinado, marcando uma
descontinuidade de longa duração. Nos conturbados processos políticos que mudaram as
cartografias do planeta nas últimas décadas, as fronteiras fazem com que os limites políticos
internacionais se tornem mais visíveis. Foucher (2013, p. 30) apresenta informações
interessantes para pensarmos acerca da reacomodação dos mapas que se sucederam nas últimas
décadas:
Se considerarem-se as duas últimas décadas, uma topografia rápida oferece os
resultados seguintes: 27 mil quilômetros de fronteiras novas desde 1991 foram
instituídos, essencialmente na Europa e Eurásia e na África; mais de 24 mil
quilômetros de fronteiras foram objeto de acordos de delimitação e demarcação;
quase 18 mil quilômetros de programas de muros, fechamentos e barreiras metálicos
e eletrônicos foram anunciados; a territorialização dos espaços marítimos
desembocou em acordos em 39% dos 450 limites potenciais em zonas de
superposição.
Os fluxos migratórios e diaspóricos contribuiram, como vimos na fala de Foucher, para
uma desorganização da distribuição dos espaços e para um desordenamento dos territórios em
escala mundial. Os muros são um projeto que decorre desta desagregação territorial. Toda essa
movimentação acaba por constituir um processo de múltiplas territorialidades surgidas a partir
destes conflitos e geradas em torno das experiências de espaço-temporalidades que atravessam
do local ao global, passando pelo nacional e regional, reconfigurando processos identitários a
partir de desterritorializações e reterritorializações e múltiplas acepções de pertencimentos
territoriais. É nesse sentido que os estudos diaspóricos – experiência decorrente de um processo
de acirramento das desigualdades sociais – devem ser compreendidos no marco dos
deslocamentos e mobilidades contemporâneas que se dão a partir de uma dialética marcada
pelas ideias de contenção e trânsito, lógica presente na construção do muro México/EUA.
Nesse movimento se revelam alguns paradoxos que marcam de forma determinante a
geopolítica contemporânea: os processos de fluidez globalizada das redes e as
multiterritorialidades decorrentes destes movimentos ocorrem simultaneamente aos projetos
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de fechamento de fronteiras e tentativas de impedimentos de trânsito que organizam os fluxos
limítrofes dos Estados-Nação, em nome de soberanias e dos discursos em torno da segurança
nacional. Segundo Rogerio Haesbaert (2016), esta evocação à Nação engendra uma outra
contradição que se torna evidente quanto mais ela se apresenta no jogo pela disputa destas
fronteiras, indicando uma dupla função do muro contemporâneo: explicita de forma violenta a
força de um poder do Estado que se encontra em crise, evidenciada justamente na tentativa de
controle dos fluxos de fronteira10. Além disso, controla o trânsito em fronteiras de um mundo
cada vez mais globalizado, onde essas barreiras físicas vão se tornando ineficientes nas relações
de controle da circulação. Dessa forma, os muros fronteiriços fazem notar a demonstração de
poder de um Estado que precisa tornar evidente sua força, mesmo debilitado e posto em xeque.
Claire Rodier (2013) aponta algumas razões que organizam essa lógica da contenção e
trânsito evocada por Haesbaert. Em primeiro lugar, é difícil pensar um bloqueio de fronteiras
de caráter totalmente hermético para os clandestinos sem colocar em risco os princípios da
própria globalização e do fluxo daqueles que se nutrem destas mobilidades. Um outro aspecto
é a própria questão da economia dos países industrializados que se apropriam de uma mão de
obra flexível e exportável que se adequa perfeitamente aos indocumentados. Em terceiro lugar,
ressalta a autora, “a mobilidade, mesmo que reduzida, continua sendo um mecanismo de
regulação, uma forma de ajuste necessário nas crises que a comunidade internacional não sabe
resolver, como certos conflitos ou catástrofes ambientais11” (RODIER, 2013, p. 12).
Ao evocar “o negócio da xenofobia”, Claire Rodier (2013) demonstra que o controle e
vigilância da fronteira também faz parte de um grande investimento que mobiliza um
verdadeiro “negócio da segurança”, que envolve não apenas os altos investimentos feitos em
pesquisa e desenvolvimento de projetos dedicados à vigilância, mas também aciona toda uma
economia informal construída em torno dos ilegalismos em áreas de fronteiras, que inclui
despachantes, atravessadores e falsificadores de documentos, além dos subornos e propinas
pagas. No caso do México, não podemos deixar de mencionar o trabalho profissional dos
coyotes, responsáveis por possibilitar o trânsito de qualquer indocumentado disposto a pagar
para se arriscar na travessia clandestina. Além disso, essa prática de vigilância ostensiva, de
10 Devemos lembrar que as fronteiras como limites geolocalizáveis foram imprescindíveis para a delimitação das
cartografias nacionais e confecção dos mapas como dispositivos que regulavam o controle dos poderes e das
soberanias dos Estados modernos. 11 “La movilidad, aunque reducida, sigue siendo una válvula de regulación, una forma de ajuste necessária en las
crisis que la comunidade internacional no sabe resolver, como ciertos conflitos o catástrofes medio ambientales”.
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certa forma, legitima o uso de uma violência extremada por parte da polícia da fronteira que é
responsável por uma política de assassinato e encarceramento de populações vulneráveis que,
em grande medida, desnuda o funcionamento de ações de “controle social” postas em prática
pelo Estado. Esta “legitimidade” se dá através da difusão de discursos de xenofobia e
criminalização dos imigrantes, como os que fazem parte da plataforma de governo do atual
presidente dos EUA Donald Trump, como vimos acima.
Em vez de enfrentar a questão das diásporas contemporâneas como consequência de
políticas que acarretam a desordem social - especialmente nas áreas marcadas por processos
crescentes de desterritorialização por conta das desigualdades e precarizações ocorridas no seio
dos processos econômicos implementados em escala mundial – e propor medidas que busquem
um maior equilíbrio da distribuição de recursos no planeta, os governos enfrentam estas
populações como invasores e buscam através dos muros provocar impedimentos.
É nesse contexto que surgem os processos de resistência e denúncia, como podemos
constatar também nas plataformas digitais através de uma série de produções de imagens
relacionadas ao muro. Durante a campanha de Donald Trump, a internet foi ocupada por
centenas de memes que, através do deboche e da ridicularização, potencializavam uma crítica
ao projeto do candidato republicano12. Essa produção veio acompanhada de vários outros
produtos culturais, como os corridos de fronteira13, as paródias a filmes, clipes musicais e
também curtas-metragens. Neles, a mesma estratégia de mobilizar a opinião pública contra os
absurdos proferidos por Donald Trump, além de acionar, frequentemente através do humor,
uma espectatorialidade própria relacionada a este gênero narrativo.
3. M.A.M.O.N.: ocupação midiática, deboche e caricatura
O filme começa com uma câmera subjetiva14 de alguém sendo operado e em estado
grave. Nesse momento um dos médicos presentes no enquadramento pergunta: “onde está Dr.
12 Como uma amostragem dessa produção de memes sobre o muro e a plataforma de Donald Trump, conferir o
seguinte vídeo que compila vários deles: https://www.youtube.com/watch?v=5q3JRiYlxHc 13 Os corridos são um tipo de gênero musical mexicano relacionados, geralmente, aos acontecimentos da fronteira
norte do país. De forte teor documental, os corridos apresentam variações temáticas relacionadas às questões deste
espaço, como os narcocorridos, por exemplo, que narram os acontecimentos do mundo do crime de tráfico de
drogas. Os corridos de fronteira se dedicam a contar histórias relacionadas aos processos de imigração ilegal de
mexicanos aos Estados Unidos, geralmente narrando as dificuldades e perigos do trânsito de indocumentados
entre os dois países. 14 É um modo de enquadrar a imagem cuja proposta é inserir o espectador no filme. Nesse sentido, a câmera é
posicionada como forma de coincidir o olhar da personagem com o olhar do espectador em cena.
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Gonzales?”. Após esse começo a narrativa aponta para uma sequência de imagens, como uma
espécie de mundo paralelo, quando vemos Dr. Gonzales sendo arremessado, através de um
muro, para um espaço desértico, o território mexicano.
O médico, que está segurando o coração do paciente em suas mãos, faz gestos de
limpeza tentando proteger o órgão humano. O filme reivindica um lugar de posição social da
comunidade mexicano-americana que não se restringe aos postos subalternos de trabalho, mas
identificando a participação de mexicanos nos Estados Unidos também pela ocupação de
lugares científicos, como o trabalho de médico. Além disso, a narrativa tem no primeiro
arremesso “para o outro lado” o próprio coração, emblema maior de um discurso que vincula
os sentimentos e tudo o que está relacionado a ele às tradições latinas (intuição, afeto,
melodrama, instinto, etc). O coração seria um elemento simbólico, segundo o filme, não
pertencente ao território e cultura anglo-saxã.
Assim como ele, vários personagens, identificados por características latinas, começam
a ser lançados para o outro lado do muro. É nesse momento que reconhecemos que se trata de
uma história espelhada nos discursos proferidos por Donald Trump em sua campanha
presidencial15. Baseada nos estereótipos encontrados na cultura mexicana, a narrativa propõe
corporificar o discurso de Donald Trump, chamando a atenção para o refreamento das
diferenças na conformação da cultura estadunidense. Através da exclusão de personagens
arquetípicos o filme aponta uma discussão territorial que remarca a significação do outro (o
estrangeiro) em contraponto à visão colonial do discurso oficial do presidenciável.
A discussão balizada entre a ideia de pertencimento daqueles que são considerados
como parte constituinte do Estados Unidos e os que não são é o ponto principal para a
confluência de uma comicidade paródica matizada pelo deboche, pois a narrativa correlaciona
dois planos plenos de significados em oposição. Uma disputa que assistimos tanto como ação
dramática, mexicanos versus Donald Trump, quanto como processo ético/moral.
Antes de prosseguirmos com a análise das marcas cômicas inscritas no filme
gostaríamos de destacar duas imaginações ambivalentes que atribuem sentido à palavra
comicidade e atravessa o senso comum. Esse repertório é importante para entendermos os usos
15 Podemos relacionar a temática de M.A.M.O.N. ao filme dirigido por Sergio Arau em 2004, Um dia sem
mexicanos que, também através da chave do realismo mágico, expõe uma narrativa na qual os mexicanos seriam
fantasticamente retirados da sociedade estadunidense. No filme de Arau não há uma explicação lógica para que
isso aconteça: os mexicanos simplesmente desaparecem do território dos Estados Unidos.
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do riso na ressemantização proposta em M.A.M.O.N. dos discursos de campanha de Donald
Trump.
Desse modo, partimos do pressuposto de que o riso, como arte narrativa, é uma força
desenhada pela afetividade, pois só se constitui plenamente quando ativa no corpo do
espectador um sentimento que ultrapassa a escuta e o olhar. Assim, ao conclamar o corpo do
espectador como resposta, as narrativas atravessadas por marcas cômicas acenam para a
formulação de uma moral preponderante, sempre em disputa por significados. Desse modo,
concordamos com Cleise Furtado Mendes ao pensar o gênero cômico como um gênero afetivo,
ou seja, “certas famílias de obras aparentadas por um mesmo modo de dispor ou mover os
afetos do leitor ou espectador” (MENDES: 2008, p. 212).
A força cômica aparece quando joga com as nossas sensações, estabelecendo visões de
mundo, entrepostas entre a gargalhada e nossa compreensão sobre o porquê de nosso riso. Está
vinculada às nossas experiências culturais e históricas, refletindo posicionamentos e
imaginações. Nesse sentido, há contido no termo a ideia dupla entre o corpo e o intelecto. O
reconhecimento sobre aquilo que estamos rindo é a energia motriz dessa duplicidade.
A segunda imaginação está vinculada a um modo de interpretação da comicidade,
desdobrada na oposição entre um riso ofensivo e um inocente. Essa oposição, historicamente16
construída, expressa um modo de interpretação que corrobora para que as marcas cômicas se
tornem uma potente ferramenta de projeções ideológicas, justamente por friccionar entre o mal-
dizer e o imaculado, como uma espécie de brincadeira “sem a intenção de ferir”. Assim,
conclama o espectador pelo arremate do prazer propondo um jogo, uma “trapaça”, uma dança
entre o sentidos.
Essas duas imaginações amibivalentes: o riso formado entre a sensação e o
reconhecimento e o riso negociado entre a inocência e o maldizer – podem ser pensados como
arquiteturas simbólicas através das quais o gênero cômico torna-se legitimado. Entendemos
16 Do ponto de vista crítico, o autor Sigmund Freud (2006) em seu Livro Os chistes e a relação com o inconsciente,
concebeu o riso em dois tipos: o riso inocente, formulado pela inexistência de um determinado propósito ou alvo;
e o tendencioso, violento e hostil, designado a um alvo específico. Para sermos justos, gostaríamos de lembrar
que a teoria de Freud é mais complexa do que as tipologias descritas, e abrange um complexo estudo entre a piada
e o inconsciente. Não é nossa intenção aprofundarmos essa questão. Citamos a perspectiva do autor apenas para
estabelecermos uma percepção histórica nos entendimentos que a palavra comicidade pode sugerir. Nesse sentido,
podemos pensar o riso em suas dimensões artísticas através da figura do palhaço que encarna múltiplas
significações, desde a inocência ao maldizer, conferindo uma ambiguidade ao seu corpo e que, dependendo do
tipo de dramatização, tende mais para um lado ou para outro. Para aprofundar essas questões, consultar FREUD
(2006); BOLOGNESI (2003).
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que, carregada na palavra comicidade, há uma expectativa antecipada inscrita no espectador ao
disponibilizar seu corpo para a recepção desse tipo de narrativa.
Essa expectativa de comicidade já estava presente nas estratégias de lançamento do
filme, direcionando as sensações do público para gerar uma audiência desejante em consumir
o curta-metragem. No Twitter da produtora Aparato Filmes foi postado um cartaz17 com o
seguinte comentário: “Fique atento para o curta-metragem que vai fazer a América grande de
novo: M.A.M.O.N.”, seguindo pela Hashtag #MakeAmericaGreatAgain. No cartaz, vemos um
mexicano, em frente ao muro, tentando falar com uma máquina que encontramos em
estacionamentos de carro em que uma voz indica como o usuário deve pegar e pagar seu ticket.
Abaixo do nome do filme vemos frases como logomarcas de festivais de cinema, como se o
filme já tivesse sido premiado. São essas: “Pense Grande” (Think Big), “Cinema será ótimo
novamente” (cinema will be great again), “Vai ser enorme” (It´s gonna be huge), “Casa”,
entrecortado por um símbolo chinês, “China”. Abaixo desses comentários, uma frase com um
tamanho de fonte maior, situado no meio do cartaz, pergunta a nós espectadores: “quem vai
pagar?”
É importante pensar na camada paródica presente nesses comentários a partir da relação
que eles estabelecem com o slogan citado da campanha de Donald Trump: “Make America
Great Again” (Faça a América grande de novo), produzindo um duplo sentido para o dito. As
alusões contidas nessas expressões são proposições de um contrato de audiovisualidade,
projetando no espectador uma expectativa de comicidade, antes mesmo da exibição do filme.
Além disso, há a frase-síntese: “quem vai pagar?” em diálogo com a imagem escolhida
para ilustrar o cartaz. Em um primeiro momento, podemos interpretá-la como um convite para
assistir ao filme, mas há um questionamento mais amplo, voltado para a temática do filme.
Lembramos que o curta-metragem foi lançado antes da vitória de Donald Trump. Essa frase,
portanto, interpela os espectadores, uma provocação que se monta entre a sensação e o
reconhecimento, a inocência e o tendencioso, uma vez que o projeto de construção do muro
previa que o empreendimento fosse financiado pelo governo mexicano.
Esse questionamento aciona uma imaginação sobre o outro, construída territorialmente
e que demarca, entre outras coisas, uma proposição de cultura estadunidense alheia às
características latinas. Esses elementos latinos, formadores de uma cultura material e de um
17 O cartaz foi lançando no dia 26 de outubro de 2016, quatro dias antes da exibição do filme.
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imaginário sobre a nação estadunidense, devem ser expurgados de acordo com os ataques de
Trump. O muro que aparece no cartaz e na maioria das cenas é a materialização desse projeto
e sua presença ativa a memória do espectador sobre a ideia de separação/assepsia/segregação.
Desse modo, a narrativa fronteiriça é organizada como um discurso duplo em disputa por
ocupação. O cartaz produz camadas de sentidos que, simultaneamente, conclama pelo prazer e
retira o espectador de um lugar de conforto e comodidade.
Retomando a análise da narrativa fílmica, sugerimos pensar as figuras arquetípicas que
aparecem sendo jogadas para fora dos Estados Unidos. A caricatura é uma instância importante
para a projeção do deboche, e assim é necessário repensarmos o propósito afetivo que norteia
a história. Na cena da chuva de mexicanos, observamos que uma verdadeira cartografia dos
estereótipos mexicanos é construída através dos arremessos: a miss universo, a estatueta do
Oscar18, a própria televisão (que na previsão do homem do tempo que está no ar quando ela é
arremessada, é divulgado o fenômeno de uma chuva de mexicanos na fronteira), o vendedor
de taco, o mariachi, a mãe; sem contar ainda as inúmeras outras referências a uma cultura
mexicana reconhecida internacionalmente que passeiam pela película, como a quinceañera19,
a máscara dos lutadores de luta livre, la calavera, Chapolin Colorado, a Virgem de Guadalupe,
Quetzalcóatl20, o galo de briga, as pirâmides da cultura maya e azteca, um cancioneiro popular
típico da fronteira, dentre outras mais.
No filme, quando o vendedor de taco chega à máquina para tomar satisfações pelo
ocorrido, recebe como resposta do aparato a seguinte declaração: “Obrigado por sua
colaboração e, lembre-se, não volte novamente”. A máquina libera ainda uma fatura onde se
lê: “taxa da fronteira dos Estados Unidos” com um valor a cobrar de US$ 450.000,00. Diante
do fato, o rapaz volta-se para os demais expulsos e diz: “E o gringo ainda quer nos cobrar pelo
muro”, ao que os outros acompanham: “Diga-lhe foda-se, seu maldito gringo racista!” e a
sentença final dirigida à maquininha: “Nós não te pagaremos nada!”. É nesse momento que a
música muda, ouvimos uma melodia que provoca o suspense. O muro se abre e entra em cena
18 Aqui a referência ao Oscar nos remete aos até então premiados diretores mexicanos Alfonso Cuarón, por
Gravidade (em 2014), e Alejandro González Iñarritu, por Birdman em 2015, e O Regresso, em 2016. Em 2018,
outro diretor mexicano levaria o Oscar: Guillermo del Toro, por A forma da água. Como podemos perceber, nos
últimos anos a mais famosa estatueta de premiação de melhor diretor da indústria cinematográfica tem sido quase
uma exclusividade do México. 19 Quinceañera é como se chama a menina debutante que, ao fazer 15 anos, organiza uma cerimônia de
comemoração que inclui um vestido de princesa própria desta festa. 20 Quetzalcóatl é uma das principais divindades astecas, sendo traduzido como “a serpente emplumada”. A
interpretação de sua historia está comumente relacionada à chegada de Hernán Cortez a Teotihuacan.
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um robô gigante, segurando uma bandeira com a imagem de Trump e os seguintes dizeres: “Eu
não quero você”. A figura maquínica é análoga às encontradas no filme Transformers (2007),
meio carro, meio boneco. Sua face é marcada pela expressão raivosa, com características
similares as de Donald Trump, reconhecido por nós espectadores e pelos personagens do filme,
sobretudo pelo detalhe exacerbado de uma de suas características físicas: o topete de seu cabelo
amarelo.
O robô, encarnado na figura do presidenciável, gera dois contrapontos em comparação
aos personagens. Em primeiro, pelo tamanho, pois em todas as cenas ele é enquadrado em
contra-plongée, para dar a ver ao espectador uma ideia de superioridade, que se completa pelos
personagens latinos sempre olhando para cima. Em segundo, pela relação entre máquina e
homem, contemplando imaginários norte-americanos de fabricação de máquinas simbólicas e
materiais para a guerra, a preponderância de grandes indústrias, o domínio das tecnologias,
entre outros21. Em paralelo, a característica latina baseada no excesso do afeto, com referentes
claros de elementos narrativos inscritos na cultura popular, tais como o melodrama e o riso. O
mesmo vendedor de tacos olha para cima e diz: “Sr. Trump, somos pessoas honradas e só
gostaríamos de pedir”, quando é esmagado pelos pés do robô antes de terminar a fala.
Essa relação entre a defesa da fronteira e o uso da tecnologia corrobora, no âmbito da
representação cômica, o argumento de Claire Rodier (2013) acerca da existência de toda uma
rede de investimentos nos controles migratórios, convertendo a questão da xenofobia num
negócio altamente lucrativo, citando, especialmente o desenvolvimento de tecnologias de ponta
associadas aos veículos utilizados no controle dos fluxos migratórios das fronteiras.
Dentro do hit-parade da tecnologia de fronteira, os veículos aéreos não tripulados
representam o futuro. Estes veículos não apenas se multiplicam no campo militar:
entre os usos civis, os mais frequentes são a segurança, o controle de fronteiras para
a prevenção e a repressão da imigração ilegal, da pirataria e do contrabando22
(RODIER, 2013, p. 41).
Esses elementos representativos nessa luta fronteiriça foram construídos
imageticamente como arcos narrativos para deixar claro para o espectador a disputa de forças
entre dominados e dominantes. Incluso nessa discussão, há todo um repertório colonizador,
21 Podemos pensar também que a imagem perfomatizada de um robô “surtado” no filme pode ser entendida
enquanto uma paródia à autoimagem do norte-americano como um povo racional e com objetivos claros,
vinculada a ideia de secularização, progresso e modernidade. 22 As traduções deste artigo são de responsabilidade dos autores. “Dentro del hit-parade de la tecnologia fronteriza,
los vehículos aéreos no tripulados representan el futuro. Estos vehículos no sólo se multiplican en el ámbito
militar: entre los usos civiles, los más frecuentes conciernen a la seguridade, el control de fronteras para la
prevención y la represión de la inmigración ilegal, de la piratería y del contrabando”.
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sistematizada pela projeção de uma imagem limpa, sem rasuras para legitimar uma percepção
de identidade nacional norte-americana sem mestiçagem. O curta-metragem alude a esses
repertórios, tanto do ponto de vista da construção dos personagens, como já apontamos, quanto
dos estatutos imagéticos como um todo. Em todas as sequências, os processos de captação e
pós-produção são utilizados para imprimir uma nitidez completa, sem traços de desfoques ou
efeitos que possam granular a imagem. Dessa forma o filme “ocupa” não apenas um território
simbólico relacionado à instância da narração, mas também faz questão de “ocupar” uma
materialidade da imagem, geralmente relacionada às produções hegemônicas estadunidenses,
conferindo um padrão de imagem que muito nos remete às produções seriadas das plataformas
de streaming, bem como aos filmes de ação da indústria do cinema industrial.
Por tudo isso, partimos do pressuposto que há dois entrecruzamentos sobre essa
trajetória filmada. Primeiro, o uso da caricatura como ferramenta para projetação de uma ideia.
Em segundo, a perspectiva de uma ocupação midiática através dos usos de estéticas visíveis
em filmes e séries televisivas norte-americanas, que projetam uma imagem hiper-real,
supostamente limpa de ruídos e desenhada pela total nitidez inscritas nas câmeras de alta
definição, como estratégia subversiva.
Do ponto de vista da caricatura como comédia, Charles Baudelaire (2008) vai dizer que
a hipérbole na representação pode ser entendida por duas nuances: aquilo que ele chama de
cômico significativo – mais evidente em termos comparativos com a imagem original que
possui como instância central um discurso duplicado entre a ideia e a moral – e o cômico
grotesco ou absoluto23 que “apresenta-se sob uma espécie una, e que quer ser apreendida por
intuição” (BAUDELAIRE, 2008, p. 44). O autor pontua ainda que essas nuances podem se
complementar, e aparecer presentificadas simultaneamente em um mesmo espaço caricatural.
Para ele, a força semântica que diferencia uma da outra é a presença da violência no cômico
23É preciso esclarecer que Baudelaire entende que o riso é constituído por um sentimento duplo e em contradição:
“o riso e a dor exprimem-se pelos órgãos onde residem o comando e a ciência do bem ou do mal: os olhos e a
boca”. Para ele, o riso é formado pela sensação de superioridade do homem não sobre outro homem, mas sobre a
natureza. A palavra natureza em seu ensaio se configura como um contraponto à santidade - espírito das ideias
que seguem o senhor. Desse modo, a natureza pode ser entendida como determinadas representações que
compõem as formações culturais. Seguindo essa perspectiva, o autor trata de se defender sobre os usos da palavra
absoluto. Esta representa a imaginação de uma “humanidade decaída”, a superioridade, portanto, representa um
modo de descortinar determinadas visões de mundo que se colocam como única verdade. Diz ele: “sinal de
superioridade em relação aos animais, e entendendo sob essa denominação numerosos párias da inteligência”
(BAUDELAIRE, 2007, p.34 e 40).
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grotesco, “exagerando e levando aos últimos limites as consequências do cômico significativo”
(BAUDELAIRE, 2008, p. 46).
Guardadas as devidas proporções, acreditamos que as imagens caricaturais formuladas
em M.A.M.O.N. são atravessadas por essas referências estéticas descritas em Baudelaire. São
variantes do cômico significativo e do grotesco na escolha por imagens emblemáticas e
reconhecidas pelos espectadores, que aludem a uma ideia de latinidade, construída pela cultura
mexicana.
Em paralelo, também são catapultados determinados símbolos consolidados na cultura
norte-americana, tais como a estatueta do Oscar. Estes elementos colocam em cena traços de
uma cultura latina presente nas formações culturais estadunidenses, que são expulsos não
apenas pela sua história, mas na relação com o presente. É pelo perigo de miscigenação que
esses elementos “devem” ser renegados, adensando no filme uma perspectiva ambivalente no
que se refere a formação do outro e da fronteira.
As figuras cômicas blasfematórias, excessivas e escatológicas que se assentam na
modernidade24 só podem ser compreendidas quando atravessadas por uma imaginação
normalizadora e asséptica de sua cosmovisão. Partimos do pressuposto que esse novo modelo
de sensibilidade cômica atravessou as diferentes modernizações, conformando um modo de rir
em que o grotesco aparece “suavizado”. É através desse quadro geral de novas sensibilidades
que as marcas da comicidade são inseridas e entendidas como tais nos universos midiáticos25.
Há um pressuposto importante na ordem das sensações e situado na violência que nos
ajuda a identificar o que chamamos de deboche. Baudelaire aprofunda essa sensação no cômico
grotesco direcionando seu sentido para um ataque proposital a determinados padrões. É essa
ofensiva que se institui como ação violenta, tendo em vista que desestabiliza as
experiências/sensibilidades com as quais conferimos em nós uma impressão de mundo. Para
além, a força que modela o reconhecimento desse ataque não se configura no espectador pela
análise racional, mas através de clarões intuitivos que emergem de um riso repentino. Assim,
24 Há dois autores que pensam as transformações do cômico popular na passagem para a modernidade, discorrendo
como fatores políticos e culturais, ancorados na produção de uma visão de mundo racional, foram campos
importantes para uma assepsia das figuras cômicas. Esse movimento de silenciamento se deu por dois caminhos:
na criação de manuais pedagógios que aturam na construção de uma outra moralidade e na perseguição violenta
contra um tipo de riso que não se encaixava nos padrões dessa moralidade emergente. Para um maior
aprofundamento dessa temática conferir Burke (2000) e Bakthin (1996). 25 De certa maneira essas imagens cômicas grotescas não fogem de nossa cultura midiatizada, mas são comumente
associadas a outros gêneros narrativos, tais como a pornografia e o horror.
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o autor propõe a existência de um riso ascendente: “um riso que se sabe, alegre, violento e
irresistivelmente, da liberação das frustrações corporais e dos poderes de uma imaginação e,
ignorando-se a si mesmo, devolve-se numa experiência coletiva” (MENDES, 2008, p.106).
Buscamos como referência essa base teórica para conceituar o que chamamos de
deboche. Acreditamos que essa marca cômica é a principal instância de comoção/afetação
visualizada em M.A.M.O.N. Em primeiro, entendemos o deboche como parte constituinte de
marcas inscritas nas trajetórias estéticas do popular, que é atravessado pela duplicação de
sentidos em contradição e, do ponto de vista figurativo, é forjado dialogicamente entre o
excesso e a limpeza do mesmo. Em segundo, a sua força cômica se manifesta no ataque
direcionado a um alvo, uma ideia, um sujeito. Assim, abre-se uma “ferida” que se torna cômica
nas disposições entre as sensações e o reconhecimento, a “pretensa inocência” e o maldizer. O
prazer contido na expectativa que a comicidade debochada evoca no espectador é a armadilha
necessária de formulação do ataque. Em terceiro, as imagens em contradição ressoadas no
deboche são fraturas sensíveis que variam da inferioridade para a superioridade e vice-e-versa,
tendo em vista que são aglutinações que acariciam um corpo em dor/angústia. Desse modo, a
imagem de decadência, ou de sujeitos em tormenta, torna-se o caminho pelo qual o deboche
trafega, construindo para essa imaginação um abandono do seu próprio corpo moral na luta
pela possibilidade de produzir outra imaginação física/mental de si mesmo.
O deboche, portanto, é arma que os personagens em inferioridade, expurgados de sua
experiência fronteiriça, possuem como processo operacional. Diante da superior Máquina-
Trump que impõe a condição de não poder voltar para o Estados Unidos, eles precisam achar
uma maneira de se sobressair. Quando o El Mariachi morre no filme (através de uma arma que
aparece no lugar do pênis do robô), uma das personagens pergunta para si mesma: “E agora?
Quem poderá nos defender?”, uma alusão direta ao herói televisivo, mexicano, atrapalhado e
cômico Chapolin Colorado. Em sequência, a narrativa nos mostra uma lápide, travestida com
a touca vermelha de Chapolin e sua arma de plástico, indicando para os espectadores e para os
personagens fílmicos que ele também morreu.
Um último suspiro se origina pela esperança contida na padroeira do México, a Virgem
de Guadalupe. É ela que aparece no céu, em formato de uma nave espacial que se parece a uma
pirâmide azteca turbinada, uma também máquina. Na chegada dessa nave, que evoca a proteção
religiosa, depreende-se o projeto de mestiçagem que conformou o popular colonial latino-
americano, onde a santa se hibridiza com as formas da arquitetura pré-colombiana. Esta
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imagem maior da fé popular, em briga direta com a máquina Trump, traz aquele que parece ser
o único possível a derrotar a máquina mortífera da xenofobia e do racismo: um galo de briga
que, inusitadamente, acaba por soltar um ovo que faz tombar a Máquina-Trump, estabelecendo
a vitória dos mais fracos sobre o mais forte. O deboche está nos deslocamentos de sentidos que
se formulam entre inversão e subversão de ideias personificadas em sujeitos. Um galo que
através de um ovo mata a máquina, um pênis-arma, a memória de um herói televisivo
atrapalhado, uma santa católico-azteca que se assemelha ao poder de Donald Trump, ambos
máquinas, e personagens estereotipados sendo catapultados para o outro lado do muro.
São todas essas alusões e representações, arrebanhadas por um realismo fantástico, que
confere a esse riso um matiz caricatural e debochado cujo principal alvo é demover, através do
prazer cômico, uma das principais ações ideológicas da campanha eleitoral de Donald Trump.
Através da vitória experimentada pelos personagens, o curta-metragem ataca também os
espectadores por que abre/toca uma ferida. Não sem dor, conclama o espectador a barganhar
sua inferioridade/superioridade com o mundo e os “homens decaídos” através do riso e, desse
modo, estabelecendo ainda que provisoriamente, uma vitória sensorial em quem assiste ao
filme.
Concordamos com Mendes (2008) quando pensa os dramas cômicos atravessados pelas
sensações, em contraponto à ideia histórica de um fabulação pautada pelo distanciamento -
forjado pela ideia de insensibilidade como analogia ao discernimento crítico, inscrita, por
exemplo, em Henri Bergson (2004). A autora propõe analisar os referentes catárticos contidos
na comédia e, para tal, ressignifica o conceito proposto por Aristóteles:
a catarse dramática é um fenômeno que não se reduz nem à experiência puramente
emocional, nem à aprendizagem lógico-racional. Por não ser uma estrutura nem um
sentido, mas um processo e um acontecimento, a catarse (se e quando procede ou
acontece) conecta a produção e a recepção da obra, mobilizando o repertório afetivo
e intelectual do espectador (MENDES: 2008, p. 12).
Aproximando essa conceituação com o que já dissemos sobre as duas imagens
ambivalentes contidas na comédia, podemos personificar essa articulação à imagem de um
objeto/ideia em suspensão, que circula entre os imaginários opostos. Isso não é o mesmo que
sugerir a inexistência de lados/posições políticas. Ao contrário, é entender que o acontecimento
cômico é modelado no diálogo entre múltiplas negociações, ocupando determinados modos
comportamentais monolíticos para tonar visíveis as fissuras e, através delas, apontar uma saída.
Se entendermos as circularidades e fluxos que dificultam encontrar um ponto de
partida/um centro no riso, podemos acreditar que essa metáfora da suspensão, ainda que
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embalada pela ficção, é passível de conjecturar no espectador sensações fragmentadas, de
reconhecimento das dores, mas também possibilidades de lutas.
4. Considerações finais
Nesse artigo procuramos pensar as ambivalências contidas nas cartografias
geopolíticas, figuradas pelas relações fronteiriças inscritas nas disputas territoriais em torno do
muro que separa o México dos Estados Unidos. Para tanto, dissertamos sobre a metáfora do
espaço como uma chave de leitura para se pensar as relações políticas, sociais e culturais no
cenário contemporâneo. O pensamento espacial é algo que marca um processo de leitura
possível nas dinâmicas sociais e processos culturais na epistemologia contemporânea, como
nos esclareceu David Harvey. Assim, conceber o espaço e as possibilidades de ocupá-lo é uma
forma de situar as tensões que atravessam as sociedades em suas disputas por pertencimento,
representação e existência.
Pensar as políticas espaciais no seio das dinâmicas coloniais que permanecem como
práticas nas relações entre o México e os Estados Unidos consiste em direcionar nosso olhar
para as fissuras materiais e simbólicas que emergem dos fluxos migratórios entre os dois países
e que redesenham as noções identitárias do Eu e do Outro. Recorremos ao curta-metragem
M.A.M.O.N., como forma de redirecionar uma reflexão que aciona um imaginário em torno
das identidades nacionais e culturais racializadas pelas assimetrias coloniais que insistem em
atualizar o estatuto da fronteira que separa as duas nações. Toda essa materialidade do muro
representado no filme confirmam que as políticas de campanha de Donald Trump, assumidas
como políticas de estado quando este é eleito presidente dos Estados Unidos, ganham corpo
num discurso racista e xenófobo.
Tensionando imagens estereotipadas formadoras de um consenso sobre a identidade
nacional mexicana, o filme adota o humor como estratégia de denúncia. Dessa forma o cômico
se organiza em torno do deboche e da caricatura como traços importantes para estabelecer o
próprio audiovisual como um lugar a ser ocupado, conclamando o espectador para uma leitura
político-afetiva da história que está sendo narrada.
Acreditamos que M.A.M.O.N. interpela o espectador, convocando a perseverança
como força “co-movente” (MENDES: 2008) e à medida que a narrativa é colocada em análise,
como propomos aqui, torna-se artefato de posicionamento político, tanto do ponto de vista
catártico, no arrebatamento de espectadores, quando narrativamente, através dos
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compartilhamentos, releituras e ressignificações. Por essa duplicidade final apontada,
acreditamos que os mecanismos cômicos projetados no filme ocupam um lugar de resistência
contra uma imaginação do outro sintetizada pelas falas Donald Trump e de re-existência desse
outro colonizado, em situação de disputa pelos territórios e lados do muro
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