m identidade - repositório aberto...m identidade em medicina legal dissertaÇÃo inaugural...
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M IDENTIDADE EM MEDICINA LEGAL
DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA Á
ESCHOLA MEDICO-CIRIJRGICA DO PORTO P A R A S E R DEFENDIDA
POR
cfllvaro ^íugusto Pinto Soares SOB A PRESIDÊNCIA
DO ILL.n"> E EXC.mo SNE.
Augusto Henrique d'Almeida Brandão •
PORTO TYPOGRAPHU DE ANTONIO JOSÉ DA SILVA
Rua do Calvário n.° 36
1876
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Zr~^*^K Eschola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas preposições.
(Regulamento da Eschola de 23 d'abri! de 1840, art. 155.°)
[SCIA nO-CIBIËA DO DIRECTOR
0 ILLM.» E EXM.° SMR. CONSELHEIRO, MAN'ÎEL MARIA BA COSIA LEITE
SECRETARIO
O ILL.rao E E K m 0 SR. MAHOEL DE JESUS AHTIJMES LEMOS
CORPO OATHEDRATIOO LENTES PROPRIETÁRIOS
i.a Cadeira — Anatomia os iLL.mos E Exc.mo" SNBS. descriptiva e geral. João Pereira Dias Lebre.
2.* Cadeira — Physiolo-gia Dr. José Carlos Lopes Junior.
3." Cadeira—Historia natural dos medicamentos. Materia medica. . . . . . João Xavier de Oliveira Barros.
4." Cadeira — Pathologia externa e therapeu-tica externa . . . Antonio Joaquim de Moraes Caldas.
5.* Cadeira — Medicina operatória . . . Pedro Augusto Dias.
6.a Cadeira—Partos moléstias das mulheres de parto e dos recém- nascidos. . . Dr. Agostinho Antonio do Souto.
7." Cadeira — Pathologia interna—Therapeu-tica interna e historia medica . . . José d'Andrade Gramaxo.
8.' Cadeira—Clinica medica. . . . . . Antonio d'Oliveira Monteiro.
9." Cadeira — Clinica cirúrgica. . . . . Eduardo Pereira Pimenta.
I0.a Cadeira — Anatomia pathologica . . . Manoel de Jesus Antunes Lemos.
li." Cadeira — Medicina legal,hygiene privada e publica e toxicologia geral. . . Dr. José F. Ayres de Gouveia Osório.
Curso de pathologia geral Illidio Ayres Pereira do Valle. Pharmacia Felix da Fonseca Moura.
LENTES JUBILADOS
Í Dr. José Pereira Reis. Secção medica. . . Dr. Francisco Velloso da Cruz.
( Visconde de Macedo Pinto í Antonio Bernardino d'Almeida.
Secção cirúrgica . . ! Luiz Pereira da Fonseca. ( Conselheiro Manoel M. da Costa Leite.
LENTES SUBSTITUTOS
Secção medica. . . J M a " o e l % r i ^ è j ** § i l v a P i n t o-v ' Antonio d Asevedo Maia Secção cirúrgica . . Vago
I Augusto Henrique d'Almeida Brandão.
LENTE DEMONSTRADOR
Secção cirúrgica . . Vago
Á MINHA FAMÍLIA
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Estão finalmente coroados os sacrifícios que generosamente fizestes, para me dar uma posição na sociedade.
Bastar-vos-ha como recompensa a consciência de ter praticado o bem, e da minha parte a eterna gratidão que sempre terei para comvosco.
OFFERECE
0 VOSSO HUMILDE FILHO E DEDICADO IRMÃO,
•aio.
AO MEU PRESIDENTE
O I L L . m o E E X C . m o SNE.
(gm Áfowa de mat/o íedáeté) e
áa e coíagao <mneioáo.
OFF.
O auctor.
INTRODÏÏCÇÂO
Por identidade, em medicina legal, entende-se a qualidade de ser o mesmo que se allega, que se sup-põe ou suspeita.
Tardieu tratando das questões de identidade, em medicina legal, diz que, debaixo d'esté titulo, se deve comprehender a indagação e demonstração dos signaes physicos, com auxilio dos quaes é possível estabelecer, quer durante a vida, quer depois da morte a individualidade das pessoas desconhecidas ou ainda a participação de tal ou tal individuo em certos actos criminosos.
Desde já se pôde ver a importância d'esta materia, e como ella é de molde para bem se exercer a sagacidade do medico legista. Muitas questões judiciarias tem de ser resolvidas segundo as apreciações de este ramo de medicina, pois que só a ella compete, em muitos casos averiguar dos vestígios do crime e levar ao conhecimento da verdade.
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E não é muito estreito o circulo das suas averiguações. A indagação da identidade pôde ter por objecto um cadaver inteiro ou mutilado, victima real ou supposta d'um crime recente ; restos ou ossadas mais ou menos antigas ; uma pessoa viva cujo sexo é duvidoso, uma individualidade incerta, contestada ou dissimulada, e ainda segundo a definição dada por Tar-dieu, a maior ou menor parte que alguém tome n'um crime determinado.
Da enunciação d'estes elementos que constituem o objecto da questão de que falíamos, e da consideração de quanto as pesquizas têm de ser variadas, segundo as circumstancias, facilmente se deprehende a gravidade e a delicadesa do assumpto. Foi a importância e não a sua facilidade que nos levou a coordenar sobre elle estas paginas para satisfazer a uma exigência official ; e seguindo os passos de tão grandes mestres como Tardieu, Casper, Pedro Mata e outros, ordenaremos como podermos as nossas ideias sobre tão util e valioso assumpto, que bastante esquecido tem chegado até nós. Felizmente, no presente século as questões de identidade, em medicina legal, vão occupando o lugar que por direito lhes compete na sciencia respectiva. Já alguns trabalhos importantes podemos encontrar sobre as matérias de identidade, e oxalá que para tal assumpto sejam voltadas as attenções de quem pela sua competência possa derramar luz em tão melindrosas questões, pois com isso aproveitará principalmente a justiça. Quando por exemplo se trata de indagar sobre as causas da morte d'um individuo cuja identidade é ignorada, a justiça não pôde com rasão basear-se senão na apreciação do me-
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dico. Se em tão delicadas questões ainda não bastam por vezes, os recursos da medicina, como é que taes questões seriam decididas por pessoas a quem não assistem estes recursos ? E é certo que na practica se dão casos em que muito importa conhecer a identidade da pessoa.
Na nossa historia ha um facto bem característico, que claramente mostra a importância que podem ter as questões de identidade e quanto a medicina descurou ou esqueceu taes questões nos séculos passados.
Todos sabem que na desastrosa batalha de Al-cacer-Kibir, na Africa, D. Sebastião foi destroçado pelos mouros. Ainda que Faria e Sousa assevera, que aquelle principe foi morto e até descreveu o modo como ; a opinião mais seguida é que nada se sabe de positivo a tal respeito. O certo é que houve depois mais ou menos, justificadas esperanças de que o infeliz principe voltaria á pátria, e a crendice do povo tem-se alimentado n'este sentido até aos nossos dias. Não faltaram também aventureiros que se inculcassem —como o real D. Sebastião.
Um houve que foi entregue em Venesa e atormentado em Nápoles, o qual deixou duvidas nos ânimos mais seguros. E' eguaJtneate sabido que um cadaver encontrado no campo da batalha supposto o de D. Sebastião foi trazido para Portugal com muitas cau-tellas, grande pompa e não poucas despezas, e tido como cousa venerável.
O chronista que miudamente conta estes factos José Pereira Bayão, diz que o alludido cadaver estava morto ha dous dias, cheio de feridas, coberto de
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pó, e quasi nu. Mas quem foram os peritos que averiguaram da identidade d'este cadaver, e que decidiram uma questão tão grave que trouxe o reino n'uma completa agitação ? foram uns poucos de fidalgos que talvez nem 1er saberiam. E não seria bem fácil á medicina averiguar o que haveria de verdade no supposto cadaver d'uma pessoa cujas qualidades physicas deviam ser bem conhecidas, servindo-se dos recursos que se vão possuindo em questões de identidade '? certamente.
Casos tem havido muito mais complicados e em que todavia se chegou ao conhecimento da verdade. Sabemos de testemunho fidedigno e auctorisado que na Italia, ha annos um medico sagaz, pela inspecção e analyse de quatro esqueletos, reconheceu o sexo, eda-de, género de morte e o tempo em que tinham sido mortos os indivíduos a que pertenciam ! e tão verdadeira foi a descripção, que ouvida pelo auctor docrime, n'um tribunal, este não pode deixar de o confessar; pois capacitou-se de que tinha sido visto a perpetral-o attento o modo rigorosamente verdadeiro, como o alludido medico o contava.
Também em 1861 houve em Hespanha um curioso processo que foi decidido em face da averiguação da não identidade pelos recursos d'este ramo da medicina : Um individuo apresentou-se como filho do banqueiro, e pouco depois marquez da casa Fontanel-las, afim de lhe herdar a fortuna ; e depois de grandes debates e apostas em Inglaterra, chegou-se á evidente demonstração de que tal individuo não era mais que um aventureiro.
Outros muitos casos podíamos apresentar ten-
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dentes a mostrar, quanto pode ser grande e efficaz o préstimo da medicina legal em questões de identidade.
Esta questão da identidade é complexa ; pois que os signaes com ajuda de que pôde ser constituída a individualidade são tirados da idade, do sexo da constituição, da estatura da pliysionomia, dos cabellos, dos dentes, da conformação particular ou viciosa de tal ou tal parte e da simulação, das cicatrises e outros signaes da pelle e das profissões.
Trataremos em separado de cada um d'estes signaes de identidade, tanto quanto o comportam os nossos poucos recursos e a naturesa d'um trabalho d'esta ordem.
D* ifajk
O ploblema da determinação da idade pôde offe-recer todos os grãos de solução possível desde a certeza até á duvida completa, consoante os dados que a observação possa fornecer. Casos ha em que a idade do individuo pôde ser determinada com poucos dias ou horas de differença, porém quando o individuo já está em idade avançada, póde-se errar em muitos an-nos, e quando emflm o exame se dirige sobre um cadaver já quasi incinerado, é em muitos casos impossível assignalar sua idade. Ora se muitas vezes é difficil, senão impossível, avaliar da idade d'um vivo, quão embaraçoso não será avaliar da idade d'um cadaver ? As rugas, os cabellos brancos não são signaes necessários da velhice, visto que outras causas podem d'algum modo produzir estes phenomenos.
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Se acontecesse que os indivíduos d'uma mesma espécie animal se desenvolvessem progressivamente debaixo da forma d'um corpo geometricamente semelhante a si mesmo, e se a lei d'esté desenvolvimento relativo ao tempo fosse matematicamente idêntica em todos, bastaria aclial-a n'iim d'elles e conhecer o seu estado actual para poder apreciar-se a idade. Porém não acontece assim. E' bem sabido que ha causas intrínsecas e extrínsecas do nosso desenvolvimento, que dão resultados os mais variados nas organisações dos indivíduos. Estas variações dão-se no homem assim como em todos os animaos. A cada passo vemos indivíduos que tendo disposições rachiticas e enfesadas, parecendo destinadas a ficarem d'uma estatura ape-quenada, se desenvolvem d'um modo admirável pela idade dos vinte annos, assim como outros attingem o maior desenvolvimento antes mesmo de chegar á mencionada idade.
As causas climatéricas que influem sobre o desenvolvimento dos indivíduos são de todos bem conhecidas. Haja em vista a differença, em seu desenvolvimento, dos habitantes do equador e dos que habitam as regiões polares! dos que trabalham nas minas ao nivel dos mares e das que respiram os ares puros das montanhas ! Os nossos órgãos são providencial-mente construídos para se prestarem a taes variações. As vísceras parenchymatosas, o pulmão, o fígado, os rins, mudam de volume a cada passo. Ao estômago, aos intestinos, glândulas, e canaes da economia, succède o mesmo.
Em face de tantas oscillações diversas naturalmente se recorreu a imaginar o homem medio.
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Mr. Quetelet definiu o homem medio da maneira seguinte:
«O homem que eu aqui considero, diz elle, é na sociedade o mesmo que o centro de gravidade nos corpos: é o meio em torno do qual oscillam os elementos sociaes; será se assim o querem um ser relativo, pelo qual todas as cousas se passam confor-mente aos resultados obtidos pela sociedade.»
Por esta definição se vé, que o homem medio é o único que não se acha em a natureza, porque deveria ter uma estatura media, um peso medio, órgãos médios etc. Pergunta-se; será possível que as indagações estatísticas, taes como elias costumam ser feitas nos conduzam a edificar a synthèse de tal homem medio?
E' mister distinguir: ha um homem medio para a humanidade inteira, ha um outro para cada raça, para cada povo. O homem medio da Patagonia, em sua pequeníssima estatura, não é por exemplo o homem medio de Portugal.
Diga-se o que se disser — o homem medio existe pelo menos idealmente, e d'alguma cousa pôde servir na scicncia como lypo ideal.
Apezar de ser dilficil e até impossível em muitos casos determinar a idade do individuo, ainda assim d'alguns recursos dispõe a medicina legal n'este particular, e como a forma exterior do corpo é um dos attributos característicos da animalidade, não admira que ella dè signaes ainda mais exactos que os fornecidos pelas vísceras; além de que estes signaes podem ser fornecidos pelo individuo vivo.
Quanto aos cabellos só d'elles se podem tirar in-
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ducções vagas relativamente á idade, porém os olhos offerecem um caracter bem saliente para a ultima idade.
As vísceras offerecem variações enormes; poucos órgãos offerecem tão grandes variações como o fígado, já os rins não estão sujeitos a tão fortes desvios; em compensação porém não ha nenhum órgão que esteja sujeito a maiores oscillações que o baço sob as relações de peso e volume. As vísceras não servem pois de muito na determinação da identidade da idade, e além d'isso ao fim de pouco tempo apresentam-se em putrefação e depressa se tornam inteiramente desconhecidas. O que persiste mais na organisação do individuo é o systema ósseo, e é elle que nos pôde indicar a idade com mais exactidão.
E' de notar que alguns órgãos em vez de crescerem seguem pelo contrario uma marcha retrograda: é assim que a thymus e as capsulas supra-renaes que exerceram um papel importante na constituição do feto poderão fornecer algumas indicações.
Feitas estas rápidas considerações geraes quanto á idade, poderemos ainda considerar as différentes idades em particular.
Idade intra-utérin» — A idade intra-uterina comprehende o desenvolvimento do homem desde a concepção até ao nascimento e divide-se ainda em idade embryonaria que comprehende os quatro primeiros mezes do desenvolvimento do producto de concepção; e a fetal, que abrange os cinco mezes últimos do seu crescimento dentro do utero materno.
Esta questão só tem importância nos casos em que se fazem abortos a titulo passivo.
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O embrião de doze dias é ainda pouco perceptível, e é apenas desenhado por um pequeno circulo, e forma uma ampola no meio d'outra, quatro vezes maior.
Ainda não existe placenta e o chorion é tomen-toso, e coberto mui levemente d'uma espécie de pen-nugem.
O embryão de três semanas a um mez representa uma cobra enrolada, e tem de comprimento um a 2 centímetros. A bocca está indicada por uma fenda e os olhos por dois pontos negros. Começam a appa-recer os membros sob a forma mamillar.
Quando o embryão tem d'um mez até dous ou très, a pelle apresenta-se completamente transparente d'um vermelho purpúreo, sem nenhum signal de pelles. Apparecem princípios ósseos, dos membros, da clavícula, e dos maxillares inferiores e também apparecem papillas dentarias no sulco do maxilar inferior.
Do quarto para o quinto mez da existência já o feto se apresenta com rudimentos de unhas, com alguns pellos na fronte e sobrancelhas, e dá-se a ossi-ficação do calcaneo e o sexo é perfeitamente caracte-risado.
Quando chega ao sétimo ou oitavo mez, a pelle perde a sua transparência, a epiderme torna-se distin-cta e a côr d'um branco rosado.
Chegado ao seu termo o feto apresenta-se com as ultimas vertebras do sacrum ossificadas, as unhas que até ahi não chegavam á extremidade dos dedos começam a excedel-os ; e a pelle cobre-se d'um euduto se-baceo.
O diâmetro e o pezo que possa ter n'estes respe-
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ctivos mezes também tem toda a importância para a determinação da idade. Em quanto ao diâmetro diremos que depois do 5.° mez é fácil determinar appro-ximadamente a idade do feto, dividindo o seu diâmetro por cinco: assim por exemplo o feto no fim do nono mez tem approximadamente 45 centímetros de comprimento ; dividindo este numero p'or 5 teremos 9 que é a idade do feto.
Primeira infância — Corresponde desde o nascimento até aos 7 annos.
A quadra da infância a que se pôde chamar um recem-nascido, é uma d'aquellas em que se dão mais questões medico-legaes. Na verdade muitas questões que se estabelecem n'outras idades a esta se referem. As questões de exposição, de substituição, de suppres-são, tudo quanto diz respeito a infantecidio por omissão ou comissão, prendem com esta idade.
Os mais seguros signaes de identidade do recem-nascido são fornecidos pela presença constante na espessura da cartilagem epiphysaria da extremidade inferior do femur d'uma saliência óssea que apparece já quasi no termo da vida intra-uterina, nos últimos quinze dias da gestação, tendo 2 a S millimetros, e pelos quatro alvéolos do maxillar inferior.
O pulmão augmenta de pezo logo a partir do nascimento. Quando nasce vem coberto de cerumen e a bocca frequentemente cheia de mucusidades.
O cordão umbilical que se tem considerado como meio efficaz de estabelecer a identidade do recem-nas-cido, separa-se por um trabalho inflaminatorio em geral do quarto ao oitavo dia.
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Outras muitas circumstancias que acompanham os tempos do recem-nascido não cabe aqui enuncial-as.
Na primeira quadra da infância é que facilmente se transmitters as doenças contagiosas, principalmente da ama á creança. Apagam-se os últimos vestígios da vida intra-uterina, e é muito considerável o primeiro augmento da estatura e do peso. O pulso segundo Le-tourneau, tem uma media de 125 pulsações n'esta epo-cha da vida.
Em ambos os sexos, duas ou três semanas depois do nascimento, as glândulas mamarias, são frequentemente a sede d'uma secreção leitosa, o que constitue um dos caracteres d'esta epocha. Quando a creança já tem seis semanas, começam-se a observar o rir e as lagrimas. Até esta idade o craneo é maleável e a cabeça pôde soffrer deformações artificiaes. A face caracterisa-se pelas pequenas dimensões verticaes e o predomínio da parte superior sobre a inferior. O thorax tem suas dimensões antro-posteriores maiores que as transversaes. A bacia é muito pequena porque as fossas iliacas são planas e direitas.
No primeiro anno desenvolvem-se saliências ósseas no cuboide. Aos onze mezes a creança começa a andar. Quando tem um anno vê-se que a intelligencia se manifesta bastante segundo as circumstancias ex-trinsicas que se dão para seu desenvolvimento e a creança quer exprimir verbalmente o que possa ter de ideias.
Os dentes temporários apparecem por grupos. O primeiro grupo que consta dos dois incisivos centraes inferiores começa a sua evolução quasi sempre aos sete mezes e dura de um a dez dias. O segundo gru-
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po consta dos incisivos superiores, primeiro os cen-traes, depois os lateraes, e a sua evolução tem logar dois mezes depois da primeira e dura quatro a seis semanas. O terceiro grupo consta dos incisivos lateraes inferiores e dos quatro primeiros mullares, e a sua evolução cameça dois mezes depois. Quatro ou cinco mezes depois apparecem os quatro caninos que formam o quarto grupo. Finalmente o quinto grupo que comprehende os quatro últimos molares, apparece quatro mezes depois do quarto e dura dois ou trez mezes.
D'esté modo a dentição acha-se completa aos vinte oito ou trinta mezes.
Quando a creança chega aos trez ou quatro an-nos começa a attender à a discernir e algumas n'esta idade são já prodígios de memoria e pronunciam bem as palavras e as phrases.
Cahidos os dentes temporários, dá-se a irrupa-ção dos dentes da segunda dentição quasi sempre pela volta dos seis para os sete annos e termina a primeira infância.
Segunda infância — Depois dos sete annos vem a perigosa quadra dos attentados contra os costumes, chamada a segunda infância ; e por uma curiosa estatística, Tardieu (Estudo medico-legal dos attentados contra os costumes) averiguou que de 616 casos, 339 pertenciam a indivíduos d'esta quadra menores de onze annos. São incalculáveis os estragos que os sentimentos e estímulos maliciosos podem fazer n'esta idade da vida e ainda na puberdade.
Puberdade — A puberdade começa aos doze ou treze annos e termina aos dezoito. Na mulher logo
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que apparece a primeira menstruação que no nosso paiz é termo medio aos quatorze annos, começam a desenvolver-se-lhe os peitos e mais accessorios da func-ção de reproducção ; no homem também termo medio aos quinze annos, os testículos segregam sperma, des-envolvendo-se por esta occasião os órgãos de geração. A voz tanto n'um como noutro sexo engrossa, para tomar em pouco o timbre próprio do sexo e de cada individuo e é principalmente n'esta edade que toda a organisação toma grande desenvolvimento.
Adolescência — Dos dezoito ou vinte aos vinte e cinco annos estende-se a quadra da vida chamada adolescência; idade em que a barba, a robustez e a voz sonora no homem vem distanciar mais os dous sexos que até á puberdade se approximavam pelo mesmo modo de pensar, pela physionomia igual, pela estatura e emfim pelos brinquedos próprios da primeira idade da vida. N'um e n'outro sexo se completa o seu desenvolvimento physico, e è esta a idade das doces illusões, da força da imaginação e em que a intelligen-cia muito se rebustece.
Juventude — E' talvez n'este período e no seguinte em que mais difficil é determinar ao certo a idade do individuo.
Os órgãos como que chegam ao estado staciona-rio e poucas são as suas variações a não ser na doença. As funcções da intelligencia, os hábitos, o modo de pensar, não costumam variar entre os vinte e cinco e trinta e cinco annos. As funcções musculares e ge-nitaes também n'este período não soffrem grandes variações.
O estado de ossificação será talvez o melhor meio para se averiguar da edade do individuo.
virilidade — N'este período a estatura deixa de elevar-se, porém o peso não raro augmenta consideravelmente pela accumulação da gordura.
Uma camada maior ou menor depõe-se sobre o coração e augmenta o seu volume.
Quando o individuo chega aos 35 annos a capacidade pulmonar attinge o seu máximo.
Passados os 45 annos sente-se no ; el diminuição nas funcções de geração, prioeipal »e:ite no sexo feminino. O cérebro começa a diminuir de peso.
A accumulação de gordura augmenta o peso do coração.
Os pulmões com cor denegrida; o pigmento no tecido cellular intersticial principalmsnte no vértice dos pulmões; depósitos calcários nos tunicas arteriaes, começo de apparição do arco senil; eis os principaes característicos da edade da decadência dos 50 aos 60 annos.
Velhice — Depois que passam os 60 annos e a morte se vai avisinbando consideravelmente, o peso do corpo começa a diminuir, e também a estatura diminue em consequência da deterioração das cartilagens vertebraes, e das curbaturas rachidianas. Tendem a extinguir.se em sua parte externa as suturas craneanas; principalmente a sutura sagittal, depois a frontal, depois a lamboide.
Os ossos tornam-se de cada vez mais frágeis. As cartilagens costaes ossificam-se. O thorax tende de algum modo a não formar senão uma peça que já diffi-
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cilmente permitte que suas diversas partes se movam umas sobre as outras.
Os cabellos encanecem ou caem; os dentes quebram ou saem dos seus lugares a espinha dorsal en-curba-se de cada vez mais; o intellecto offusca-se; per-de-se a actividade, a circunspecção e o individuo como que volta ao estado de creança quando se approxima do termo da vida.
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Quando os órgãos genitaes são regularmente conformados, não pôde em presença d'elles haver duvida acerca do sexo do individuo; porém pôde haver e realmente tem havido melindrosas questões de identidade em medicina legal, ou por que taes órgãos estão affectados de vicio de conformação, como são os casos complicados de hermaphrodisme ou então quando depois da morte esses órgãos tem desapparecido pela decomposição ou mutilação.
Diremos alguma cousa, quanto permitiam os nossos pequenos recursos e a natureza do nosso trabalho, sobre este ultimo caso e depois fallaremos do da ambiguidade no individuo vivo.
E' certo, que os órgãos sexuaes depressa se decompõem e desapparecem, e em taes circumstancias é indispensável recorrer a differences secundarias a fim de se poder chegar a tal ou tal certeza. Em nada se acharão signaes mais poderosos e infalliveis do que no systema ósseo e mormente na bacia. No homem é menor o desenvolvimento das fossas ilíacas, e o espaço comprehendido entre as espinhas iliacas superiores e inferiores mais curto o promontório menos pronunciado; o estreito superior mais restricto trans-
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versalmente e relativamente mais comprido no seu diâmetro antero-posterior, a escavação mais estreita e mais profunda; a symphyse do pubis mais desenvolvida no sentido vertical; a arcada púbica menos aberta e o seu vértice menos obtuso.
Ainda ha outras differenças no tronco: o steruo é mais curto na mulher; a clavícula mais longa, mais delgada e d'um peso menor.
Emfim a cabeça offerece também bons ensinamentos. Entre o craneo da mulher e o do homem ha differenças de tal modo sensíveis que de per si bem bastam muitas vezes, para se poder determinar o sexo pela simples inspecção do craneo. Geralmente a cabeça da mulher é mais pequena. A differença é real e muito digna de ser attendida como um dos caracteres orgânicos do sexo.
A questão de ambiguidade dos sexos proveniente da conformação irregular dos órgãos sexuaes, se não é mais importante, è, sem embargo, mais curiosa.
O vicio de conformação dos órgãos externos da geração, se não podem levar a erro, ao menos podem muitas vezes fazer suspender o juizo definitivo.
Ha muitos casos-xme- confirmam esta asserção. Basta 1er a Bibliothèque du imâiqwe pratique tomo 15 pag. 357 para encontrar a menção de taes casos. Houve um individuo que foi baptisado e educado como menina até á epocha da nubilidade em que desposou uma mulher que d'elle concebeu. Maria Magda-lena Lefort parecia pertencer ao sexo masculino, e chegado o tempo da menstruação nenhuma duvida houve de que era femenina. Margarida Malaura, tendo sido declarada hermaphrodita em Tolosa e forçada
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a andar vestida como homem, foi a final reintegrada em seu verdadeiro sexo por Laviar o qual reconheceu e provou á evidencia que pertencia ao sexo feminino.
Estes equívocos provém principalmente de que ás vezes um penis imperfurado pôde confundir-se com um cliloris muito desenvolvido podendo por certas pelliculas apresentar a configuração externa dos órgãos sexuaes da mulher. E' porém de notar que estas illusões só podem ser mantidas nos primeiros tempos da vida e na opoclia da puherdade o sexo real na tu ralmente se manifesta e as funcçõtis genésicas põem fora de toda a duvida a natureza do mesmo sexo.
O hermaphrodismo completo é que nunca no homem se pôde dar, pois que tal modo de ser somente nos animaes da ultima escala se verifica.
Depois de se haver feito attento exame dos factos costuma-se fazer debaixo de ponto de vista medico-legal a seguinte classificação dos sexos: —masculino,feminino, masculino com apparencias de feminino, fe-menino com apparencia de masculino; reunião dos órgãos dos dois sexos n'um só individuo.
Os tratados de medicina-legal estão cheios de casos, que deram que fazer á sciencia, para averiguar da identidade do sexo e que por brevidade deixaremos de mencionar aqni.
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m
Não pôde haver duvida de que a constitnição d'um individuo pôde contribuir para o seu reconhecimento.
A constituição como dizia Royer Gollard, é o fundo da natureza individual; cada pessoa a tem propria, e sendo a resultante de todas as differences orgânicas individuaes — temperamento — idiosyncrasia, predisposições hereditárias, habito, et caetera, muito pode concorrer para a verificação da identidede. Assim a indicação d'uma constituição boa, fraca ou regular, será um auxiliar dos mais poderosos em questões d'esta ordem.
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to tfteta
Somente debaixo do ponto de vista da estatística é que a medida da estatura do ser vivo tem alguma importância em medicina legal. O que sim importa muito conhecer são as relações que entre si têem as partes que formam o corpo, e as relações que ellas tem com a estatura. Tem-se formado tabeliãs de modo que por ellas se chega mais ou menos approximada-mente ao conhecimento d'um termo medio n'essas relações. O celebre Orfila nenhuma media tirou de suas medidas, porque entendia que com razão poderia ser accusado por querer d'algum modo precisar mathema-ticamente a estatnra em presença d'um ou muitos ossos. Realmente pôde dizer-se que tudo são variações, e portanto nada mais difficil do que formar as medias e muito justo é que se não formulem. O que exactamente é preciso conhecer são as variações, pois que são ellas que formam as individualidades, e a media referindo-se a um ser abstracto não fazia mais que eliminar essas variações.
E' de notar que o rachitismo em algumas partes do corpo pôde ser occasião para que se caia em erro. Supponhamos que um individuo é deforme somente nas pernas, como conhecera relação que os ossos respectivos teriam com o resto do corpo ? Effectivamente ha sempre tal ou qual risco de errar, mesmo porque as
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configurações dos corpos são por via de regra variáveis de individuo para individuo, e muitas circumstan-cias podem influir sobre o desenvolvimento particular de qualquer osso. O homem do povo cujos pés andam sempre descalços e em plena liberdade, tem os em geral muito mais desenvolvidos do que aquelle que desde creança os traz comprimidos dentro do calçado.
Em erro cairíamos também se desconhecendo a columna vertebral, quizessemos avaliar da estatura somente pelos membros.
Por conseguinte não se deve fazer juizo seguro em medicina legal, quando não existirem sufficientes signaes. Pôde dar-se aqui o mesmo que em patholo-gia, quando se observa um symptoma que pode ser commum a muitas doenças. E' pois esta uma das partes mais melindrosas em questões de identidade e' onde igualmente se requer muito tino e prudência no medico.
Alguns dão talvez demasiada importância ás opiniões e theorias d'alguns naturalistas que por meio de poucos ossos que pertenceram a algum animal de raça extincta, julgam recompor esse animal e chegar ao conhecimento de suas propriedades; pois que, segundo o que fica observado, estas inducções do naturalista podem levar muito facilmente a erro.
Se fossem invariáveis as relaçães dos ossos nada mais fácil do que chegar mathematicamente ao conhecimento da estatura, ainda somente com um osso dos mais insignificantes, pois que para isso bastaria vér a proporção d'essa parte para com o todo. Infelizmente a medicina não possue essa pedia philoso-
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phal, e por isso precisa de mais dados para chegar ao menos á probabilidade, por meio d'uma média.
Supponhamos que temos d'um cadaver um femur tão somente, que tenha de comprido, 0,m46; segundo as tabeliãs que se costumam ordenar para se conseguir uma media, a estatura do individuo devia ser de l,m70 a l,m85 o que dá uma media de l,m77.
Porém do conhecimento d'esta parcella não podemos induzir a extensão da somma total. Só teremos uma pequena probabilidade e esta probabilidade augmenta em seus graus até chegar á certeza consoante o numero dos dados, e o tino e sagacidade dos indivíduos para avaliar e recompor.
Alguns medicos legistas tem chamado a attenção dos estudantes de medicina para que observem bem e indaguem da edade dos indivíduos que são dessecados, visto que poderão colher bastante da observação, comparando as circumstancias com a edade. Ef-fectivamente, saber tal edade é bem fácil, porque isso deve constar dos esclarecimentos feitos ao entrar no hospital e os indivíduos que lidam nas salas de dissecção poderão talvez conseguir bastante na sua ins-trucção pessoal, e prestar bons serviços á instrucção geral e fornecer valiosos dados ás estatísticas.
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São de maxima importância quando se trata de esclarecer as questões de identidade as feições do rosto, os gestos, o modo de andar e todos os movimentos do individuo. E' de notar que estes caracteres tendem como a denunciar a individualidade de qualquer pessoa e até ás voes d'uma família.
Esses ares, como se diz vulgarmente, de família não devem de modo algum ser despresados, quando se trata de averiguar da identidade da pessoa..
Quanto ás feições do rosto que o individuo pôde apresentar nas différentes phases da sua existência, notaremos que em alguns muda a physionomia, por exemplo, na puberdade, mas que todavia bem examinada a pessoa de que se trata, sempre se hão de descobrir alguns indícios do que foi, e que podem auxiliar a sagacidade de quem trata de reconhecer.
Poderá dissimular as feições e movimentos aquel-le a quem importa tal dissimulação ? Certo que alguns tem conseguido os desejados pontos da dissimulação, porém se fosse inspeccionado methodica e sagazmente não deixaria a sua individualidade de ser reconhecida, pois que é impossível a contrafação e simulação absoluta.
A physionomia é pois um signal valiosíssimo nas questões de identidade, mas que no morto ou no vivo mutilado, algumas vezes pôde falhar.
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0$ tûûlm
Nas indagações da identidade o cabello é um dos signaes mais importantes, por isso que é muito fixo e no morto persiste ainda além da putrefacção do cadaver. E: mister, no entanto ter muita conta em uma circumstancia que é a facilidade com que elle pôde mudar de côr por meio de qualquer pintura.
E' sabido que boje em dia, desde que passou a moda de trazer os cabellos empoados, é uso muito commum mudar os cabellos brancos em pretos ou louros. As senhoras principalmente teem horror a tudo que são signaes de velhice e por isso recorrem a vários cosméticos ou perfumarias para mudar a côr do cabello. A galanteria tem sobremodo explorado estes recursos. Os que mais ha a receiar e que podem fornecer grandes questões de identidade, são aquelles indivíduos que se disfarçam por taes modos para conseguir algum fim criminoso, ou esquivarem-se á acção da justiça que os persiga.
Pintar os cabellos de côr différente da natural, deixal-os crescer muito ou rapar a cabeça, são processos que muitos criminosos tem empregado.
Os différentes meios ou systemas de conseguir mudar a côr dos cabellos não as podemos nós enume-
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rar n'este esboço. Alguns dos processos são impraticáveis em pessoas vivas, por isso que a operação leva muito tempo a fazer e o individuo não poderia soffrer os incommodos d'ella, principalmente pelos cheiros que teria de supportât*. Outros d'esses processos são praticáveis em pouco tempo e sem incommodos.
A fraude não é difficil de se conhecer. Para conhecer que uma pessoa tinge os cabellos,
nem peritos são precisos. Como o cabello cresce constantemente é preciso
andar sempre a tingil-o, e este martyrio dá á cabeça e ao rosto da pessoa que o tinge um aspecto ridículo.
Quando se suspeita que alguém tinge o cabello. não ha mais que vigial-a e ver se lhe podem obstar a que faça a operação. Logo se verá que o cabello junto á base apresenta a sua cor natural.
Porém quando o tribunal tem de averiguar e decidir acto continuo, e não tem meio de fazer a observação de que falíamos, forçoso é então recorrer a outros meios. Em taes casos são indispensáveis os peritos.
Corta-se á pessoa da suspeita um pouco de cabello e por meio de reactivos convenientes, chega-se a determinar a côr natural.
O chumbo que forma a base de muitos d'estes preparados manifesta-se então pelos ácidos que o dissolvem e lhe tiram a côr. Os pós e líquidos vegetaes que produzem as cores claras, cederão pela maior parte lavando-os com agua alcool ou ether.
Seria aqui o caso de se dizer que ninguém pôde occultar o que dá a natureza. Guod natura dot nemo negare petest.
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M?
Os dentes também em alguns casos podem ter summa importartancia. E' sabido que este signal não é dos mais permanentes, principalmente nas ultimas quadras da existência. Os dentes começam de cair geralmente dos quarenta para os cincoenta annos, e depois não raro se recorre a dentes artificiaes ou postiços.
Algumas vezes esses dentes estão implantados d'um modo particular nos alvéolos, inclinados, sobrepostos etc., e estas circumstancias são bem attendi-veis na indagação da identidade. Examinar também se os dentes são naturaes ou postiços é também cir-cumstancia que não deve ser desattendida n'esta parte da medicina.
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êimtxîm, mmûm, $Mmm, et lu
As cicatrizes são ás vezes signaes infalliveis da identidade. Ha casos em que a existência d'uma determinada cicatriz resolve a questão.
Algumas cicatrizes são indeléveis, não desappa-recendo em toda a vida do individuo que as tem; outras de pot ca monta podem chegar a desapparecer mormente quando são feitas em edade tenra.
A forma das cicatrizes, a sua origem e numero devem cuidadosamente ser indagadas.
Também são de grande importância no reconhecimento da identidade as pinturas que os fraucezes chamam tatouage, e que certas pessoas de baixa condição, fazem em algumas partes do corpo, picando-o com agulhas ou alfinetes, molhados em tinta de qualquer côr.
Estas pinturas de diversas formas e cores occu-pam différentes regiões, principalmente no antebraço; e são quasi sempre indeléveis, a não ser que tenham sido feitas muito superficialmente e em partes em que os tegumentos offereçam pouca espessura, e principalmente quando as tinturas empregadas são de pouca.,.cpnsistencia, como é o vermelhão, e os liquidos vegetaes azues ou vermelhos.
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Podem-se desvanecer artificialmente com appli-cações escaroticas, porém é de notar que sempre permanecem vestígios a que attender bem, quando os processos para fazer as pinturas de que falíamos são os mais aperfeiçoados.
As manchas e côr da pelle, os lobinhos, cravos e callos são também de grande vantagem nos questões de identidade.
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E' facil de ver quanto a conformação viciosa de tal ou tal parte constitue um precioso indicio em consequência do seu caracter inteiramente pessoal e da sua precisão. Convém pois descrever toda a superficie do corpo do individuo que se examina, principalmente as partes cuja conformação offerecem alguma cousa de particular.
As questões de identidade que geralmente se suscitam em medicina legal são occasionadas por certos indivíduos que simulam defeitos que realmente não teem.
Das enfermidades que se costumam simular imi-tando-se mais ou menos os symptomas, podemos enumerar os seguintes: Aphonia, alterações mentaes, asma, claudicação, convulsões, dores nervosas, estrabismo, escrobuto, icterícia, miopia, nostalgia, sarna, extasis, tartamudez, tremores, vómitos, gota e outras.
Todos sabem como alguns impostores sabem fin- * gir alguns dos symptomas que apresentam estas doenças e como illudem as pessoas que por falia de tino ou de princípios adquados não logram distinguir o que ha de artificial.
Não ha muitos annos que um d'estes impostores com muita habilidade movia a commisseração dos cir-
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cumstantes, fingindo muitos dos symptomas da gota, para conseguir que lhe dessem alguma cousa; todos os dias estão apparecendo casos de simulação desta doença para fins diversos.
Nas romarias que se fazem por essas províncias, nunca faltam alguns impostores que vão postar-se ás entradas dos arraiaes fingindo feridas e outros soffri-mentos que realmente não teem.
Em Inglaterra, segundo su affirma, ha escolas especiaes onde se ensina a simular soffrimentos e se fornecem meios artificiosos para melhor os fingir.
Ainda não são estas identidades as mais perigosas.
Muitos roubos tem sido efectuados por indivíduos que fingem ser o que não são e que empregam o mesmo fingimento para escaparem á acção da justiça.
Fatiaremos do modo de conhecer aígumas das il-lusões que mais frequentemente se costumam exercer.
Aphonia — Esta affecção rara no homem, é muito frequente na mulher.
E' bem fácil de imitar, pois basta ao individuo deixar-se estar calado, e\p'rimir-se por gesto, fingindo que não pode dispor da laryngé para a voz, para que por algum tempo e perante algumas pessoas passe por mudo.
Não é porém muito difficil descobrir a fraude por meio do terror ou da dor. Uma surpreza feita habilmente fará com que o impostor solte instantivamente a voz quando menos o pense e o queira.
Alterações mentaes— Também muitas pes-
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soas e das que tem muito juizo teem querido incul-car-se falta d'elle. E' esta a historia de muitos homens grandes como o foi Brute, o qual, de ser Brute foi bruto.
Outras vezes os que se fingem loucos são indivíduos de baixa condição, despidos de intelligencia e com verdadeira astúcia, criminosos que para escaparem á imputação ou responsabilidade simulam alienações men-taes e praticam furiosamente mil desacatos, rasgan-do-se, atropellando tudo, grilando, gesticulando e fazendo mil desenvolturas.
E' verdade que este mesmo desconcerto denuncia que é fingido e não verdadeiro desarranjo mental.
Quando o supposto alienado é bastante astuto na simulação, mostrando-se quasi mudo e alheio a tudo, então é que se demanda muito tino e sagacidade para o conhecer, a fim de que uma astúcia vença outra.
Alguns medicos tem applicado em taes casos a couterisação superficial para que opretendido alienado em presença do terror e oo soffrimento confesse a verdade.
Este processo, ainda que algumas vezes tem dado bom resultado deve ser condemnado e banido da medicina por bárbaro, pois faz lembrar os tempos da inquisição em que alguns chegaram a declarar-se au-ctores de crimes que não tinham commettido, a fim de se furtarem ás torturas empregadas na averiguação.
O que se deve antes aconselhar é a vigilância contínua e methodica sobre o individuo, pois é natural que elle agora ou logo em qualquer de seus actos revele o que é.
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Como quer que seja estas questões de alienação são das que mais tem dado que pensar aos peritos.
Extasio — Também a cada passo apparecem fanáticos ou hypocritas que arrogam-se qualidades so-bre-naturaes e tratam de explorar a credulidade d'al-guns maníacos ou néscios.
O verdadeiro extasis segundo as melhores au-thondades, é uma profunda contemplação durante a qual o enfermo não muda de lugar; consei va-se com inacção nos sentidos sem apparencias de somno, indicando as suas palavras ou gestos, certas visões divinas, uma communicação intima com os anjos ou demónios.
Como o extasis é de sua natureza intimo, é dif-ficil conhecer quando tal doença é real ou tingida.
Como os extáticos tingidos exercem o seu com-mercio quasi sempre no meio de pessoas ignorantes que os protegem e d'algum modo os acreditam raras vezes o medico é chamado para averiguações.
Muitos medicos tem applicado em taes casos a instigação a estes indivíduos que bem a merecem; porém a medicina deve sempre fugir de meios bárbaros e que contrariam as leis da humanidade.
A sagacidade de per si só basta quasi sempre para entrar no conhecimento do que ha de impostura em casos d'esta ordem.
Miopia — Este defeito orgânico pôde com o habito chegar a simular-se mais ou menos perfeitamente.
Alguns jovens, com o fim de se isentarem do serviço militar, conseguem com o uso de lentes cada
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vez mais fortes chegar ao numero três exigido para a isenção de tal serviço. Este facto é bem possível; pois que a miopia consiste no grande poder refran-gente de crystallino em relação á distancia da retina em que se acha o foco dos raios luminosos.
Pois é sabido que estes e outros quesitos para que haja uma miopia, por assim dizer artificial, se consegue por aquelles meios. Em taes casos, o medico-legista deverá ter o pretendido miope em observação algum tempo. O facto de ter os olhos convexos e muito salientes, o pestanejar, e outras particularidades meramente accidentaes, que se consideram como proprias da miopia, são bons indícios quando existem; mas quando não existem, nem por isso se deve crer que o individuo não o seja,pois que effectivamente a miopia não consiste só na forma da cornea. Estando esta bem pouco convexa póde-se ser miope e muito miope. Pôde topar-se a causa no ciystalino, que pôde ser demasiado convexo ou no humor vitrio cuja densidade, pôde variar e por isso refranger mais ou menos a luz.
Estes últimos casos não se podem conhecer á simples vista e portanto é mister examinar completamente o miope para que possa emittir-se juizo seguro.
Em todos estes casos não é menos preciso a sagacidade do medico-legista do que a sua proficiência.
Os casos em que pQde dar-se a simulação de defeitos orgânicos são quasi tantos como as doenças de que se pôde soffrer. Tratar de todos n'este resumido trabalho fora impossível. Falíamos apenas d'estes-eresumidamente, por terem alguma importância practica e apparecerem maior numero de vezes e com fins em geral criminosos.
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Todas as profissões occasionam certas modificações nos órgãos que mais se empregam respectivamente, assim como uma attitude particular do corpo.
Sem enumerar aqui os signaes característicos a cada uma das profissões; diremos simplesmente que muito variáveis, comtudo todas as modificações se podem reduzir aos quartro typos principaes: 1.° — engrossamento da epiderme; 2.° — alteração da estru-ctura da pelle; 3.° — modificação da côr normal; 4.° — deformidade d'algumas partes. Em quanto á sede das modificações são nas mãos, pés, braços, pernas, tronco, cabeça e órgãos internos que mais particular- f mente se dão.
A quem conhecer a posição e espécie de trabalho que se demanda em qualquer das variadas profissões, nada mais fácil do que calcular os signaes que cada uma deixa estampados nas différentes partes dos indivíduos.
Aqui rematamos este deficiente trabalho, o primeiro e talvez o único que devemos escrever. Apesar de escassa pobreza de recursos, se dispozessemos de tempo, mais e melhor poderíamos fallar acerca das importantes questões de identidade, servindo-nos de arumo e guia tão eruditos mestres, como Tardieu, Casper, Pedro Matte e outros.
PROPOSIÇÕES
tun lot» in — A dissecção é o melhor meio de estudar anatomia.
Physioiogia — Os ovários tem analogia de funcção com os testículos.
Materia medica — Os preparados ferruginosos insolúveis não elevem ser administrados em jejum.
Pathologia externa— O cancro molle pôde dar origem á infecção syphilitica.
medicina operatória — Em geral preferimos » o bistori a qualquer outro meio de dierese.
Pathologia interna — No tratamento do es-crofulismo pôde mais a hygiene que a pharmacologie.
Partos — 0 meio mais seguro para provocar o abortamento, consiste na perfuração do ovo.
Anatomia pathologica — A anatomia patho-logica é um poderoso auxiliar em muitos diagnósticos.
Hygiene — A monogamia é o meio mais favorável á reproducção da espécie.
Approvada Pôde imprimir-se Brandão. o CONSELHEIRO DIRECTOR
» Costa Leite.
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E M - M A T A - f S
P A G . LlN. ERROS EMENDAS
2 2 preposições proposições 15 6 do sexo do sexo, > 7 da estatura da estatura 21 16 pelles pel los » 30 euduto enducto » 31 pezo peso 24 5 mullares molares 25 8 sexo e sexo 26 26 extinguisse extinguir-se 28 23 mais curto o mais curto, o 32 U conhecera conhecer 43 3 Brute, o qual, de Bruto, o qual antes de » ' 19 couterisação cautérisa cão