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LUPA 1 LUPA 1 Colagem digital de Rico Lins reproduzida do livro Direitos Humanos no Cotidiano, publicado pelo Ministério da Justiça. DIREITOS HUMANOS NO COTIDIANO O jornal que amplia a visão da sua comunidade Uma produção do projeto OBSERVATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS maio de 2001

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LUPA

1LUPA

1

Colagem digital de Rico Linsreproduzida do livro DireitosHumanos no Cotidiano, publicado pelo Ministério da Justiça.

DIREITOS HUMANOS

NO COTIDIANO

OO jjoorrnnaall qquuee aammpplliiaa aa vviissããoo ddaa ssuuaa ccoommuunniiddaaddee

Uma produção

do projeto

OBSERVATÓRIO

DE DIREITOS

HUMANOS

ma

io

de

20

01

NÚCLEO DE ESTUDOSDA VIOLÊNCIA

Universidade de São Paulo

Criado em 1987, o Núcleo de Estudos daViolência da Universidade de São Paulo(NEV/USP) é uma entidade acadêmicaindependente, cujo principal objetivo éestudar os obstáculos para a efetiva imple-mentação do estado de direito e as causasda persistência das violações dos DireitosHumanos em um governo democrático.Os seus projetos de pesquisa estão voltadospara o estudo e documentação da com-plexa questão da violência, envolvendo aidentificação dos vários atores, autores e víti-mas potenciais, e a elaboração de estraté-gias para a realização dos Direitos Humanose formulação de políticas públicas.O Núcleo de Estudos da Violência, em con-junto com a Comissão Teotônio Vilela deDireitos Humanos, também intervém emfavor das vítimas de graves violações deDireitos Humanos, especialmente membrosde grupos vulneráveis e minorias.O NEV/USP mantém estreito contato com arede de organizações brasileiras e interna-cionais de defesa e promoção de DireitosHumanos.

INSTITUTO SOU DA PAZ

O Instituto Sou da Paz, criado em1999, é uma Organização Não Gover-namental sem fins lucrativos, fruto daCampanha Sou da Paz pelo Desar-mamento e contra a Violência. A mis-são do Instituto é mobilizar asociedade brasileira para ações cole-tivas que levem à redução da vio-lência e efetivação dos DireitosHumanos.Para atingir seus objetivos, oInstituto atua em três frentes: pro-movendo a mobilização da so-ciedade, por meio de palestras, atose campanhas públicas, implemen-tando projetos de prevenção docrime, e desenvolvendo formas deação comunitária que reatam laçosde solidariedade e atendem aosvalores da justiça, da democracia edos Direitos Humanos.As iniciativas do Instituto Sou da Pazdão especial atenção ao papel dosjovens no processo de criação deuma sociedade mais justa e pacífica.

Artigo Primeiro (Declaração Universal dos DiretosHumanos), Ilustração de Claudio Tozzi,

reproduzida do livro Direitos Humanos no Cotidiano, publicado pelo Ministério da Justiça.

O Jornal LUPA é um dos resultados do trabalho dos grupos

de jovens participantes do projeto denominado Obser-

vatórios de Direitos Humanos/Radares do Desenvolvimento

Humano em Rede.

O principal objetivo da experiência dos Observatórios desen-

volvida em São Paulo é acompanhar a situação dos Direitos

Humanos dos jovens no âmbito local, gerando e disseminando

informações sobre as violações a esses direitos e propondo

medidas capazes de contribuir para a realização dos direitos

fundamentais nas comunidades em que atuam.

O Projeto dos Observatórios prevê a integração em rede de

organizações da sociedade civil (OSCs), em estreita colaboração

com instituições acadêmicas, associações profissionais e orga-

nismos governamentais diversos.

O projeto tem o apoio do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), da Secretaria de Estado dos Direitos

Humanos, do Conselho da Comunidade Solidária e do Centro de

Pesquisa sobre o Brasil Contemporâneo - CRBC. A coordenação

geral do projeto está sob a responsabilidade do Núcleo de

Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. A realização

da experiência dos Observatórios em São Paulo é desenvolvida

através de uma parceria do NEV/USP com o Instituto Sou da Paz.

OBSERVATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS

LUPA

2

Coordenadores:Paulo Sergio PinheiroSergio AdornoNancy Cardia

Coordenadores:Denis Mizne

José Marcelo ZacchiLuciana Guimarães

Editorial

tenção, moradores de Jardim Comercial, Heliópolis, Jardim Ângela e

Jardim Jacira! Lupa está chegando às suas mãos, como uma lente de

aumento da cidadania. Lupa é resultado do Projeto Observatório de

Direitos Humanos, que rastreou durante seis meses a real situação

de seus bairros, discutindo problemas, criticando, ouvindo diferentes

opiniões, chegando bem perto de você e da sua comunidade. Lupa é um

convite para você refletir sobre o que vê. Venha conhecer o lugar onde

você mora, trocar experiências, questionar atitudes e gritar por direitos

fundamentais como Educação, Combate à violência, Emprego, Cultura e

Lazer. Vá, veja, vença. Não enfie a cabeça na areia como um avestruz.

Descubra quem você é.

FIQUE LIGADO NOS DIREITOS HUMANOS

ireitos Humanos são direitos fundamentais de todas as

pessoas, não importa se é branco, negro, amarelo, índio,

homossexual, homem, mulher, portador de deficiência,

presidiário, criança, adolescente ou policial. Não conhecer

seus direitos e deveres também é uma forma de violência. Ao

folhear este jornal, você vai conhecer os artigos da

Declaração Universal dos Direitos Humanos mais trabalha-

dos durante o Observatório de Jovens. Fique ligado!

OO jjoorrnnaall qquuee aammpplliiaa aavviissããoo ddaa ssuuaa ccoommuunniiddaaddee

LUPA

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ExpedienteLupa é uma produção do Projeto Observatório de DireitosHumanos/Radares doDesenvolvimento Humano em Rede.

Comitê diretivo:Paulo Sergio PinheiroMalak PoppovicIgnacy Sachs

Coordenação do projeto: Núcleo de Estudos da Violência daUSP — NEV e parceria:Instituto Sou da Paz

Grupo Executivo: Andrei Koener, Fernando Salla (coordenador), Jose Marcelo Zacchi e Luciana Guimarães

Redação: Cléia Barbosa, Daniela Sabino,Luciana Silva, Marcileide Silva, Marli Silva, Priscila Inácio, Roberto Camargo, Rogério Campos,Rui Machado, Valteir Pereira eViviane Nascimento.

Monitores: André Zanetic, Camilla de VilhenaBemergui, Marcelo Daher e Sílvia Nigri.

Edição: Gabriela Goulart

Coordenação de oficina deprodução de textos:Antenor Vaz

Projeto gráfico e edição de arte:Rogério Fernando Ferreira

Fotos:Arquivo e Claudio Queiroz

contato:(11) 3812-1333

[email protected] LUPA

1

Colagem digital de Rico Linsreproduzida do livro DireitosHumanos no Cotidiano,publicado pelo Ministérioda Justiça.

DIREITOS HUMANOS

NO COTIDIANO

OO jjoorrnnaall qquuee aammpplliiaa aa vviissããoo ddaa ssuuaa ccoommuunniiddaaddee

ab

ri

ld

e2

00

1

Foram estudadas três regiões do Jardim Ângela: a Chácara Bandeirantes, o Jardim Horizonte

Azul e o Jardim Vera Cruz.

A Chácara Bandeirantes abriga cerca de 300 famílias. Mesmo sem energia elétrica, água encana-

da nem coleta de lixo, os moradores gostam de lá porque vivem em contato com a natureza,

em uma área de manancial, em que ainda é possível acordar com o canto dos pássaros.

O Jardim Horizonte Azul tem aproximadamente 15 mil habitantes e é considerado muito

perigoso. A quantidade de homicídios é preocupante. Os moradores não querem mais sair à

noite para não correrem riscos.

O Jardim Vera Cruz é um bairro grande com mais ou menos dez mil famílias. O comércio é

bem desenvolvido, com mercados, padarias e farmácias. A violência é assustadora. Toda sema-

na, aparecem jovens baleados, esfaqueados ou espancados.

J a r d i m  n g e l a

A s s o c i a ç ã o A r c o

VViioollêênncciiaa

OONNHHEEÇÇAA OO LLOOCCAALL::CC

LUPA

4

Marcileide

Tenho 24 anos e gosto de ler,

ouvir música e ir ao teatro. O

que mais me marcou neste

trabalho foi como a violência

aparece nos bairros. Os jovens

nãotêmoapoiodequeneces-

sitam. São poucos os que pen-

sam em estudar e trabalhar.

Muitosdizemqueaescolanão

presta e emprego não tem.

Viviane

Tenho 18 anos e gosto de

dançar, fazer teatro e jogar ca-

poeira. Adoro cinema e ler

livros. Sabe, ter 18 anos e tra-

balhar com jovens mais ve-

lhos ou da mesma idade deixa

você boquiaberto. Os Direitos

Humanos têm que ser exerci-

dos e não somente pronun-

ciados, você não acha?

MUUIITTOOPPRRAAZZEERR!!M

Marli

Tenho 21 anos e moro

com meus pais e irmãs.

Adoro fazer amizades,

passear, dançar, escrever,

comer macarrão, frango e

batatinha. Também gosto

de dar aula de catecismo

para as crianças e apren-

der coisas novas.

Polícia para quem precisa / Polícia para quem precisa de polícia

Trecho da música Polícia, dos Titãs

“Não quero ter que achar normal ver um mano meu coberto por jornal.”

(Trecho da música Rapaz Comum, dos Racionais MC’s)

“Não posso falar, pois estou sendo vigiado”

Depoimento de um jovem do Jardim Ângela

Os policiais entrevistados durante a pesquisa parecem

ter esquecido que o jovem é uma pessoa normal, que

trabalha, estuda, tem sentimentos, idéias e sonhos. Muitos

adolescentes levaram pancada da polícia por usarem brin-

co, lencinho na cabeça, boné ou jaquetão. O que para os

jovens é apenas artigo da moda virou motivo de desconfi-

ança de que o cara é marginal ou passador de droga.

É preciso com urgência mudar o modo de formação dos

policiais. A Declaração dos Direitos Humanos garante que

todo ser humano tem direito à segurança pessoal. Estão

trocando a segurança pelo medo.

Drogas, bebidas e brigas

são as causas mais fre-

qüentesdehomicídiosentreos

jovens de 15 a 25 anos. Para as

famíliasdasvítimas,nãoénada

fácil conviver com o trauma e

com a humilhação, vendo cor-

pos jogados, expostos à chuva

e sol até 48 horas. É muito raro

que os casos cheguem a ser

apurados pela polícia.

AS FORMAS DE VIOLÊNCIA MAIS OBSERVADAS NA PESQUISA FORAM: VIOLÊNCIA POLICIAL, HOMICÍDIOS E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.

VIOLÊNCIA POLICIAL

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

HOMICÍDIO

Conversamos com mu-

lheres que apanham

por ciúmes de namorados,

padrastos e madrastas, ou

que apanham dos maridos

porque não querem ter

relação sexual ou até mes-

mo pelas roupas que usam.

Muitas mulheres casadas

têm medo de denunciar o

que acontece e ter que

criar os filhos sozinhas. As

mulheres solteiras também

têm receio de falar sobre o

que sofreram e passar por

constrangimento, como já

aconteceu dentro das pró-

prias delegacias.

LUPA

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UUEEMM FFEEZZ AA

PPEESSQQUUIISSAA::Marcileide Maria da Silva, Marli

Maria da Silva e Viviane Costa

do Nascimento já atuaram em

um projeto de conscientização

ambiental. Elas fazem parte da

Associação Arco, da Chácara

Bandeirantes, que atende cri-

anças em uma creche e promove

reuniões do centro de juventude.

Monitores: André Zanetic e

Marcelo Daher

QQ

Por não conhecerem os

Direitos Humanos, mui-

tos jovens acham que

esses direitos simples-

mente não existem.

As formas de violência

mais observadas na pes-

quisa foram: violência po-

licial, homicídios e violên-

cia contra a mulher.

QUEMNÃOCONHECENÃOSEPROTEGE

Se você foi agredido ou presenciou casos

de agressão policial, você pode denunciar

por telefone, carta, pessoalmente ou por e-

mail à Ouvidoria da Polícia do Estado de São

Paulo. A Ouvidoria é um órgão do governo

do Estado, que conta com advogados para

entrar com processos, acompanhar os casos

e proteger as vítimas de violência policial e

apurar denúncias de corrupção dentro da

polícia. Telefone: 0800-17-7070 de 9h às

17h. Atendimento na Av. Higienópolis, 758,

de 9h às 12h.

ACasa Sofia, que funciona na Paróquia

Santos Mártires no Jardim Raniere, ofe-

rece apoio a mulheres vítimas de violência.

Você pode ligar para 5831-3053 e ser atendi-

do de 9h às 12h. Depois desse horário, você

pode deixar recado na secretária eletrônica.

Há três creches públicas no Jardim

Horizonte: na Associação Comunitária

Monte Azul, que fica na Rua Minas Gerais, 25

(onde também funciona o centro de juven-

tude), uma na Igreja Católica, também na

Rua Minas Gerais, 30, e outra na Associação

dos moradores do bairro, que fica na Rua

Um, 11. As demais são creches particulares.

No Jardim Vera Cruz há apenas uma, que fun-

ciona em parceria com Cedro de Líbano e fica

na Rua Benjamim Postim. No Jardim Aracati

só existem creches particulares. E na Chácara

Bandeirantes a Associação Arco mantém uma

creche em convênio com a prefeitura.

CONHEÇA AS INSTITUIÇÕES DE APOIOE OS CURSOS QUE O SEU BAIRRO TEMPARA OFERECER:

OInstituto Cardeal Rossi,

no Jardim Vera Cruz,

oferece cursos profissiona-

lizantes a adolescentes em

liberdade assistida. São cur-

sos de marcenaria, jardi-

nagem, cabelereiros, dese-

nho, informática, que podem

dar uma oportunidade a mais

para que os jovens tenham

uma vida legal. O Instituto

também está aberto para a

comunidade, oferecendo cur-

sos de alfabetização e supleti-

vo para as pessoas do bairro.

BUUSSCCAA DDEE SSOOLLUUÇÇÃÃOOB

LUPA

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“Pensando bemque desperdício /aqui na área acontece muitodisso /inteligência epersonalidade mofando atrásdas grades.”

(Trecho da música Tôouvindo alguém me

chamar, dos RacionaisMc’s).

Dicasdo

Dicasdo

Artigo 7º: Todos são iguaisperante a lei etêm direito, sem qualquerdistinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito aigual proteçãocontra qualquerdiscriminaçãoque viole apresenteDeclaração econtra qualquerincitamento a taldiscriminação.

Declaração Universal dosDireitos Humanos

UM CASO DE RACISMO Marli Maria da Silva

Na volta do colégio para casa, já passava da

meia noite, quando uns policiais pararam o

ônibus. Estava com meu amigo Ratinho, que

sempre me faz companhia para não voltar so-

zinha no escuro, quando, de repente, um poli-

cial com a arma apontada para a janela em

nossa direção disse: “Ei, você aí, desce do

ônibus com as mãos para cima. Eu, meu amigo

e um rapaz ao nosso lado

ficamos na dúvida sobre qual dos três ele esta-

va chamando. Com raiva, o policial indicou o

rapaz e insistiu: “Desce sem fazer gracinhas”.

Começou o comentário dentro do ônibus,

dizendo que só chamaram o rapaz porque ele

era negro. Me lembrei então que estava com

meubotomdoSoudaPazdentro

da bolsa. Coloquei na lateral

da minha blusa e fiquei

matutando.

Que absurdo! O

policial teria que

revistar todos os homens

do ônibus! Por estar trabalhan-

do no observatório, com a questão

dos Direitos Humanos, não

poderia ver aquilo e ficar quieta.

Quando estava me preparando

para descer e ver para onde o policial

havia levado o rapaz, um passageiro perguntou

se eu era louca. Expliquei o meu trabalho e um

outropolicialquehaviapermanecidonoônibus

olhou bem para meu rosto, para meu botom,

desceu e cochichou com o outro policial sobre

os comentários que ouviu. Acredita que o poli-

cial mandou que o rapaz subisse de volta ao

ônibus e pediu desculpas a todos os pas-

sageiros? Ele explicou que tinha escolhido o

rapaz por ele ter características parecidas com

as do tal elemento procurado, não por discrimi-

nação. E ainda olhou para mim e perguntou:

“Tudo bem a-

gora, mocinha?”

Disse que agora sim

estava em paz novamente.

O ônibus saiu e o rapaz respirou

fundo e me agradeceu por tê-lo tirado

daquela enrascada. Para mim foi

uma satisfação ter ajudado. Ele

disse que os policiais apenas o

revistaram e disseram que talvez ti-

vessem que levá-lo porque ele era muito pare-

cido com alguém que havia matado um

motorista e pego uma moça em um motel

perto dali. Só achei errado porque se o tal crime

tinha acontecido há pouco tempo, por que

pararam justamente aquele ônibus, em que

todos estavam vindo da escola ou do serviço?

Já era quase uma e meia da manhã quando

cheguei em casa. Minha mãe já estava deses-

perada com a minha demora, mas quando

contei o que tinha feito ela achou “super” a

minha atitude.

LUPA

7

LUPA

8

Heliópolis é a maior favela de São Paulo,

com uma população de aproximada-

mente 95.000 habitantes, sendo que 49% são

jovens de até 21 anos. Localizada nas proximi-

dades do bairro Ipiranga, conta com a UNAS

(União de Núcleos, Associações e Sociedades

de Heliópolis e São João Clímaco), fundada no

início da década de 80, que até hoje oferece

atividades sócio educativas para jovens da

região, tais como Centros de Juventude,

Parceiros da Criança, a Rádio Comunitária e a

Companhia de teatro de Heliópolis.

Daniela:

Tenho 16 anos e gosto de

Rap e Samba. Neste projeto

aprendi o que são e para que

servem os Direitos Humanos.

Uma vez fui a um posto de

saúde com uma amiga que

conhecia os seus direitos, e

ela foi bem melhor atendida

do que as pessoas que não

sabiam de nada. Ela estava

grávida e fez todo o pré-natal,

exames e consultas de graça.

Isso me motivou a entender

quais são os meus direitos.

Priscila:

Tenho 17 anos, gosto muito

de teatro e do trabalho vo-

luntário. Já praticava os

Direitos Humanos

fazendo palestras so-

bre sexualidade, mas

não da forma como

trabalhei neste pro-

jeto. Isso foi uma

coisa concreta, pes-

quisando e entrevistando.

Sempre achei que os Direitos

Humanos têm que ser passa-

dos para as pessoas desde

crianças, para que já cresçam

sabendo de sua importância

para o mundo.

Valteir:

Tenho 16 anos e gosto de

Raul Seixas e músicas revolu-

cionárias. Não gosto de ver

nossas crianças no meio da

rua, esperando que cumpram

promessas. Uma das coisas

que percebi durante o traba-

lho é como a própria comu-

nidade não dá espaço para

pessoas que se sentem

excluídas da sociedade. Fi-

quei impressionado quando

alguns pais tiraram seus fi-

lhos de uma creche porque

um garoto que já tinha passa-

do pela Febem começou a

trabalhar lá.

“ Pela janela daclasse olhava láfora, a rua meatraía mais doque a escola”

Trecho da música Tô ouvin-do alguém me chamar, dos

Racionais Mc’s.

Valteir dos Santos Pereira,

Priscila Inácio e Daniela Sabino

realizaram debates e entrevistas

com jovens, líderes comunitários

e professores sobre o direito à

Educação na comunidade de

Heliópolis. Eles participam das

atividades educativas da Unas –

UniãodosNúcleos,Associações

e Sociedades de Heliópolis e

São João Climaco, que desde

1990 mantém vivo um movimen-

to comunitário para reivindicar

melhores condições de vida,

estabelecendo parcerias com a

iniciativa privada, organizações

não-governamentais, com o go-

verno e universidades locais.

Monitora: Sílvia Nigri

UUEEMM FFEEZZ AA

PPEESSQQUUIISSAA::QQ

MM

OONNHHEEÇÇAA OO LLOOCCAALL::CC

UUIITTOO PPRRAAZZEERR!!

Daniela, Priscila e Valteir

H e l i ó p o l i s

U n a s

EEdduuccaaççããoo

Artigo 26: Toda pessoa tem direito àeducação. Aeducação serágratuita, pelomenos nos grauselementares efundamentais. A instruçãoelementar seráobrigatória. Ainstrução técnico-profissional serágeneralizada; o acesso aosestudossuperiores seráigual para todos,em função dosméritosrespectivos.

Declaração Universal dosDireitos Humanos

“A GRANDE EXPECTATIVA DE UMA CRIANÇA AOS QUATRO ANOS DE IDADE É IR ÀESCOLA. JÁ COM SETE ANOS, ELA COMEÇA A PERCEBER COMO ESTÁ A EDUCAÇÃOE PERDE A VONTADE E O TESÃO DE IR À ESCOLA. A ESCOLA NÃO ESTÁ FAZENDONO SEU PLANEJAMENTO A VONTADE DO ADOLESCENTE.”

Genésia Ferreira da Silva Miranda, coordenadora do Centro de Juventude da Mina.Centro de Juventude (CJ da Mina): Rua da Mina, 38, tel. 2729968.

EDUCAÇÃO É MUITO MAIS DO QUE SALA DE AULA

Aescola pode ser um lugar muito legal

para alunos, professores, para a direção

e até para a comunidade. Mas isso

depende tanto do governo, como da pos-

tura dos diretores, dos professores, dos

estudantes e do grêmio estudantil.

Em uma escola estadual em que a direto-

ra tinha uma postura autoritária, o colégio

ia de mal a pior. Em compensação, em

uma outra escola da prefeitura, depois que

o diretor começou a estreitar os vínculos

com a comunidade, criando comissões de

pais e professores, foi possível ensinar com

mais prazer.

PRAZER DE APRENDER

“Omaior desafio da escola e do profes-

sor é implantar uma escola que tenha

qualidade e que o aluno sinta prazer de vir”,

diz o diretor da Escola Municipal Presidente

Campos Salles. Ele explica que a escola deve

atuar com todas as outras instituições: desde

a família até o Estado. E diz que a escola é

apenas uma das instituições de educação, e

todas estão fazendo muito mal a sua tarefa.

“A mídia deveria estar ajudando a educar as

pessoas, as religiões deveriam ajudar as pes-

soas a abrir a sua mente”.

Existem outras formas de

aprender a entender e

melhorar a sua realidade. O

Centro de Juventude da Mina

não é uma escola, mas man-

tém vivo um projeto de edu-

cação para crianças e jovens

de Heliópolis. Para a coorde-

nadora do centro, Genésia

Ferreira da Silva Miranda, não

dá para trabalhar só a

questão do reforço escolar,

sem trabalhar a questão da

cidadania porque os estu-

dantes têm que saber porque

vivem nestas condições.

Quanto você tiraria numa

prova bimestral, se caíssem

perguntas do tipo “Por que a

estrutura financeira da minha

família é péssima?” ou “Por

que conheço tantas pessoas

analfabetas?” Poucos estu-

dantes entendem de onde

vem essa situação. Por isso o

Centro de Juventude traba-

lha a noção de cidadania.

Que expectativa tem uma

criança pobre? Ela tem que

entender que tem direito de

fazer cursos de todos os

níveis. Ela tem que saber que

mesmo sendo pobre ela é

importante para este país e

vai poder lutar pelos seus

direitos.

BUUSSCCAA DDEE SSOOLLUUÇÇÃÃOOB

LUPA

9

Se não aprendemos o que são Direitos

Humanos e cidadania fica mais difícil trans-

formar a revolta em atitude de mudança.

Quando participamos de movimentos popu-

lares e comunitários, podemos desenvolver a

consciência crítica e nosso poder de reivindi-

cação. Isso deveria ser trabalhado na escola

desdea infância.Ementrevistacomintegrantes

do grupo Faz Tudo (projeto financiado pelo

Comunidade Solidária que promove cursos de

construção civil para os jovens moradores de

Heliópolis, que estejam estudando), eles dis-

seram que a direção coloca obstáculos para a

criação e manutenção do grêmio. Segundo os

estudantes, na escola ninguém quer se unir e

ninguém pensa junto.

Ogrêmio da Escola Muni-

cipal Campos Sales

organiza eventos esportivos

e de lazer para alunos desta

e de outras escolas. Quando

os alunos da escola partici-

pam do grêmio, isto já é um

direito conquistado.

RAIVA VERSUS CONSCIÊNCIA

UNS MAISIGUAIS QUEOS OUTROS

Aoportunidade não apa-

rece para todo mundo.

Quem tem o privilégio de

estudar em uma escola par-

ticular está bem melhor

qualificado para o mercado

de trabalho.

Reprodução de ilustração deNizan Guanaes e Sergio

Gordilho, publicada no livroDireitos Humanos no

Cotidiano, lançado peloMinistério da Justiça.

LUPA

10

Aprenda, homemno asilo! /Aprenda, homemna prisão! /Aprenda, mulherna cozinha! /Aprenda, ancião!/ Você tem queassumir ocomando! /Freqüente aescola, você quenão tem casa! /Adquiraconhecimento,você que sentefrio!Você que temfome, agarre olivro: é umaarma. / Você temque assumir ocomando.

Trecho de Elogio do Aprendizado,

de Bertold Brecht

J a r d i m C o m e r c i a l

C h i c o M e n d e s

CCuullttuurraa ee LLaazzeerr

OJardim Comercial é uma região do distri-

to do Capão Redondo. Em alguns pontos

já existe rede de esgoto e água encanada, luz

e telefone, justamente onde se localiza o

Conjunto Habitacional Chico Mendes. Nessa

região, apesar de haver 5 escolas públicas,

sempre faltam vagas para alguns alunos. Mas

a situação da cultura e do lazer não é das mel-

hores: não há quadras de esporte (a não ser a

da Associação e das escolas, sendo que as últi-

mas não são abertas à comunidade) muito

menos opções de biblioteca, teatro etc.

Rui

Tenho 19 anos e gosto de

jogar futebol e vôlei. Uma

coisa que me marcou foi o dia

que fomos a uma escola ao

lado de um ponto de drogas.

Isso me deixava amedronta-

do, mas meus amigos me aju-

daram a entrar e conversamos

sobre drogas, educação, cul-

tura, lazer e violência com os

estudantes. Um dos jovens

disse que se pudesse já tinha

saído dessa vida louca.

Roberto

Tenho21anos,gostomuitode

escultura, artes plásticas, arte-

sanato e de praticar esportes

como capoeira e ginástica

olímpica. Em um dos debates

que tivemos com jovens da

comunidade, pude ver que

ainda existe uma visão para o

futuro. Discutimos sobre

coisas que poderiam melho-

rar a situação cultural e o lazer

da região, como a construção

de quadras poliesportivas,

áreas verdes, bibliotecas ou

até mesmo um cinema.

Rogério

Tenho 18 anos, nasci em

Vitória da Conquista-BA e vim

para São Paulo com meus

pais quando tinha apenas

quatro meses. Meu objetivo

pessoal é conseguir me sus-

tentar trabalhando com o que

gosto – teatro e dança.

Também quero morar em

uma sociedade mais justa e

conscientizada.

OONNHHEEÇÇAA OO LLOOCCAALL::CC

LUPA

11

MUUIITTOOPPRRAAZZEERR!!M

Roberto Camargo, Rui Costa

Machado e Rogério Nascimento

Campos fazem parte da

Associação de Moradores do

Conjunto Habitacional Chico

Mendes, que desde 1989 ajuda

os moradores da região no diá-

logo com a CDHU. Além disso,

organiza atividades de cultura,

lazer, educação na busca pela

melhoria das condições habita-

cionais do conjunto, em Capão

Redondo.

Monitora: Camilla de Vilhena

Bemergui

UUEEMM FFEEZZ AA

PPEESSQQUUIISSAA::QQ

Artigo 27: Toda pessoa temo direito departiciparlivremente davida cultural dacomunidade, defruir as artes e departicipar doprocessocientífico e deseus benefícios.

Declaração Universal dosDireitos Humanos

Rui, Roberto e Rogério

Em uma cidadezinha inglesa, havia uma

pedra em que estava escrito: “vire-me e

encontrará meu tesouro”. Vieram vários se-

nhores ricos da Europa e nenhum deles nunca

encontrava o tal tesouro. Um jovem e pobre

camponês resolveu ir até lá e...

Quer saber o final? Visite a biblioteca da

Associação Chico Mendes e saiba não só o

final desta história mas de muitas outras. Você

encontra livros de Literatura, Matemática,

História, Geografia e outros. O acervo de livros

aumenta de acordo com as doações. A

Associação também oferece aulas de infor-

mática, cursos de inglês e espanhol, aulas de

capoeira, dança e contato livre. O endereço é

Rua Pacuã, 101. Telefone: 5822-0121.

“Os poetas, músicos, artistas, enfim, procuram palavras no céu,no ar, nas estrelas para fazer o seu poema. O pobre,desempregado, sofrido e lastimoso usa somente palavras de dorno seu refrão. A cidadania é uma das palavras mais bonitas dalíngua portuguesa.”

A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA, A GENTE QUER BEBIDA, DIVERSÃO E ARTE. (Titãs)

Jogar bola, pular, brincar correr, dançar,

curtir um filme ou um show é mais do

que um prazer, é conquistar um direito.

Entrar no universo da arte é uma ma-

neira de aprender, crescer, buscar conhe-

cimento, exercer a sua cidadania. Muitas

leis estão sendo violadas. Para conseguir

um livro na biblioteca pública, é preciso

pegar mais de um ônibus e enfrentar

ruas esburacadas.

BUUSSCCAA DDEE SSOOLLUUÇÇÃÃOOB

LUPA

12

PALAVRASA FAVOR DACIDADANIAO texto acima é um trecho da

redação da estudante Maria

Odeclaudia Cruz, que ficou em

primeiro lugar no concurso de

redação sobre cidadania, pro-

movido pelo grupo de pesquisa

nas escolas Beatriz de Quadros

Leme e Maud Sá Miranda, de

Jardim Comercial. Os três

primeiros lugares ganharam uma

camiseta do Instituto Sou da Paz.

Dicasdo

Dicasdo

Estenãoéapenasumbairro

violento, mas sim um bair-

roativo.Temosproblemassim,

mas também temos solução.

A Associação de Moradores

de Jardim Comercial pro-

move atividades de esporte,

lazer e educação. O endereço

é Rua Falquemberg, 175,

Jardim Comercial.

O Espaço Agente Jovem, que

funciona na Igreja Imaculada

Conceição, promove ativi-

dades sociais e recreativas. O

espaço fica na Rua Árvore da

Vida, 10, Conjunto Habitacio-

nal Chico Mendes.

A Associação Evangélica

Beneficente oferece curso

profissionalizante de cons-

trução civil, confecção de

instrumentos musicais, aulas

de música e Telecurso 2000. O

endereço é Rua Luiz de

Oliveira, 140.

Na Associação Povo em Ação

tem curso de informática e

futebol. Fica na Rua Gin-

gandinho, bloco 3, nº 12, Valo

Velho.

“O DIFÍCIL CAMINHO ATÉ A BIBLIOTECA”de Roberto Camargo

LUPA

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J a r d i m J a c i r a

B a r r a c õ e s C u l t u r a i s

DDeesseemmpprreeggoo

OJardim Jacira é um bairro pequeno, mas

sua população cresce rapidamente. A

região não oferece muitas opções de lazer e

esporte para os jovens. Outro problema é que

as linhas de ônibus possuem poucos carros e

as lotações clandestinas não oferecem segu-

rança aos usuários. Todos poderiam cuidar

melhor do bairro. Mesmo com muitas críticas,

os moradores gostam daqui pois ninguém

quer ir embora.

Luciana

Tenho 18 anos, faço dança

moderna há quatro anos e

estou cursando o 3º colegial. A

gentetevequelermuitasvezes

a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, discutindo

artigo por artigo, para real-

menteentenderquesetratava

deumacoisaquetemavercom

todo mundo. Muitas vezes,

quandoagentefaladeDireitos

Humanos, parece que é outra

língua! O que eu mais queria

era gritar para as pessoas que

elas têm direitos e deveres e

que existe uma declaração,

que apesar de ser um pouco

complicadapodeajudar.

Cléia

Tenho 17 anos e estou no 2º

ano do 2º grau. Adoro dançar

e pretendo seguir carreira. O

que mais me marcou no tra-

balho foi a falta de disposição

das pessoas da comunidade

para buscar melhorias para o

seu bairro. Fico pensando o

que leva essas pessoas a esse

desânimo, mesmo quando

estávamos falando de um

assunto que afeta a todos

eles: o desemprego. Acho que

eles vão ficar o resto da vida se

arrependendo daquilo que

poderiam fazer e não fizeram.

UUEEMM FFEEZZ AA

PPEESSQQUUIISSAA::QQ OONNHHEEÇÇAA OO LLOOCCAALL::C

MUUIITTOO PPRRAAZZEERR!!M

CLuciana Silva e Cléia Barbosa

Varges moram no bairro do

Jardim Jacira, em Itapecerica da

Serra, onde fazem aulas de dança

e participam das atividades do

projeto Barracões Culturais, da

prefeitura. Reunindo-se no posto

de saúde do Jardim Jacira, elas

buscaram mostrar a situação do

seu bairro a partir dos problema

do desemprego, fazendo entre-

vistas com os mordores e visitan-

do os serviços de atendimento ao

trabalhador existentes no bairro.

Monitor: André Zanetic e

Marcelo Daher

LUPA

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Ograu de escolaridade, a

falta de experiência e a

pouca idade nos atrapalham

muito quando chega o mo-

mento do primeiro emprego.

Quando se tem 18 anos, você

não consegue porque é muito

novo. Se você tem mais de 40

te consideram velho demais.

Além da idade e da falta de

experiência, existe outro pro-

blema: a educação. Nem

todos têm oportunidade de

freqüentar a escola porque

faltam vagas ou porque não

dá para conciliar o emprego

com os estudos. E hoje a

concorrência exige habili-

dades específicas para ven-

cer a guerra no mercado de

trabalho.

Por tudo isso é tão impor-

tante insistirmos para me-

lhorar o ensino nas escolas,

para que existam cursos de

habilidades específicas como

computação e línguas.

Por que não empregar o di-

nheiro gasto nos ultrapas-

sados cursos de datilografia

em computadores e pesso-

as especializadas em infor-

mática?

FALTA OPORTUNIDADE“Ninguém sabe qual é a nossa capacidade. Ninguém tenta nosentender. Nosso futuro não tem segurança.” Ana Paula

Dicasdo

Dicasdo

Encontramos projetos oferecidos pela

prefeitura e outras instituições. Com a

mudança de governo, vale conferir se os pro-

gramas da prefeitura ainda existem.

O Núcleo Profissionalizante oferece cursos de

pintura em tecidos, corte e costura, artesana-

to, culinária, tricô, crochê e datilografia. Os

cursos são gratuitos com duração de quatro

meses. Atendimento: de segunda a sexta, de

8h às 17h. Rodovia José Simões Louro Jr.,

5555, Jardim do Carmo.

O Atendimento de Promoção Social do Jardim

Jacira tem projetos de complementação da

renda familiar e empregos de curta duração. O

Conselho Tutelar organiza cursos de cabe-

leireira e manicure para jovens mães solteiras.

Atendimento de segunda a sexta, de 8he30 às

17h. Rua Jorge Amado, 85, Jardim Jacira.

A Delegacia de Ensino de Itapecerica da Serra

mantém projetos de estágios remunerados

para estudantes de ensino médio de 16 a 21

anos de algumas escolas.

O Posto de Atendimento ao Trabalhador

procura vagas junto às empresas e realiza um

cadastro dos desempregados, para encami-

nhá-los às entrevistas. O serviço é gratuito e

atende em média 300 pessoas por mês. Mas

somente 60 saem empregadas.

Artigo 23:Toda pessoa temdireito aotrabalho, à livreescolha deemprego, acondições justase favoráveis detrabalho e àproteção contra odesemprego.

Declaração Universal dosDireitos Humanos

O QUE FAZER?EM UMA SALA DE AULA COM 30 ALUNOS QUE TERMINAM O ENSINO MÉDIO, SÓ DEZ CONSEGUEM UM EMPREGO. JÁIMAGINOU OS OUTROS 20 ALUNOS O QUE VÃO FAZER?

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MINHA PRIMEIRA VEZUma história escrita em conjunto por todos osObservadores de Direitos Humanos

Por que será que a Bruna vivia me procurando para conversar? Meus amigos ficavam

zoando, querendo saber o que a gente tanto falava. Ela era um ano mais nova do que

eu. Tinha medo que ela percebesse que eu era inexperiente e não botava fé naquele

papo. O que eu queria é emoção!!!

Até que um dia tomei coragem e disse tudo: esse seu papo só complica a cabeça da

gente. Fiquei de cara com a resposta que ela deu:

“Você já comeu quiabo? Emoção a gente encontra em tudo o que a gente faz com von-

tade. Você só vai saber se experimentar.” Me deu um endereço e foi embora.

Fui pensativo pra casa. Que história maluca é essa?! Ela estava me desafiando... Topei!

Cheguei lá e vi que a Bruna não estava sozinha. Tinha mais seis amigos em uma roda

animada. Fui chegando aos poucos, com vergonha, e ela me disse pra ficar à vontade.

Senti que ela gostou da minha presença ali.

O clima estava diferente, não sei bem o que era. Mas todo mundo ali parecia interes-

sado no que o outro dizia. Era um papo sobre a falta de espaço para começar uma

oficina de música na comunidade. Mas volta e meia eles falavam de uma tal de decla-

ração de direitos. Liam e reliam trechos de um livro, empolgados. Sem entender muito

bem o que tinha se passado, me chamaram para voltar na semana seguinte.

Contei pros meus amigos e a gozação foi geral. Passei a semana toda com esse negó-

cio na minha cabeça. No dia combinado, a Bruna me ligou perguntando se eu ia

novamente. Fiquei sem saber o que dizer. Ia rolar uma balada com meus amigos no

mesmo dia!! Ela insistiu. E agora, o que digo???

Inventei uma desculpa daquelas bem esfarrapadas, do tipo “tenho que ajudar meu

irmão mais novo a fazer a lição” e prometi ligar depois.

Fiquei nervoso e desliguei o telefone na cara dela.

Fui para a reunião e criei coragem para perguntar o que é que Direitos Humanos

têm a ver com a oficina de música.