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LUIZ ANTONIO ONISHI
PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO
EM USUÁRIAS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Itajaí (SC)
2018
LUIZ ANTONIO ONISHI
PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO
EM USUÁRIAS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Dissertação submetida a Universidade do Vale do Itajaí como parte dos requisitos para a obtenção de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho.
Orientador: Prof. Dr. George Saliba Manske
Itajaí (SC) 2018
Ficha Catalográfica
Bibliotecária Eugenia Berlim Buzzi CRB 14/963
O4p
Onishi, Luiz Antonio, 1964- Poder disciplinar e o cuidado de si nas comunidades terapêuticas [Manuscrito] : a formação de projetos de sujeito em usuárias de substâncias psicoativas / Luiz Antonio Onishi. - Itajaí, SC. 2018. 91 f. Referências: p. 79-84. Cópia de computador (Printout(s)). Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho. “ Orientador: Prof. Dr. George Saliba Manske .” 1. Dependência Química. 2. Saúde Mental 3. Saúde da Família.
I. Universidade do Vale do Itajaí. II. Título. CDU: 616.89
PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES
TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO
EM USUÁRIAS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Luiz Antonio Onishi
Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção do título de Mestre em Saúde e Gestão do trabalho, área de concentração Saúde da Família, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí.
_______________________________________ Prof.ª Dra. Stella Maris Brum Lopes
Coordenadora do Programa Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho
Apresentado perante a banca examinadora composta por:
_____________________________________ Prof. Dr. George Saliba Manske (Univali)
Presidente - orientador
_____________________________________ Prof. Dra. Fabiola Hermes Chesani (Univali)
Membro Interno
_____________________________________ Prof. Dra. Marcia Grisotti (UFSC)
Membro Externo
Itajaí (SC), 11 de dezembro de 2018.
AGRADECIMENTOS
Entre pensamentos e reflexões para escrever esses agradecimentos, lembrei de
infindáveis pessoas que contribuíram para que eu chegasse até esta etapa da minha vida.
Contudo adversidades na vida, ocorrem, há um ano atrás aproximadamente, acabei sofrendo
um contratempo, relacionado a saúde cardíaca, impossibilitando de dar continuidade aos
estudos e outras atividades. Recuperado, ou melhor, ainda recuperando, briguei, reivindiquei e
consegui retomar aos estudos para concluir mais esta etapa. Desta forma não posso deixar de
agradecer a todos que ajudaram e ajudam a superar essas adversidades que tive e estou tendo
atualmente. Assim agradeço:
Ø Primeiramente agradeço a todos que em minha vida ajudaram, muitas vezes não
sabendo, a me tornar a pessoa que sou atualmente.
Ø Aos professores que partilharam seus conhecimentos comigo, durante meu percurso
acadêmico, principalmente os professores do mestrado (George, Carlos, Fabíola, Marcão,
Rita, Luciane, Stella, Tatiana, Léo, Yolanda, Juliana, Marina e Luna) que muito contribuíram
para que essa dissertação fosse produzida.
Ø Aos secretários Juliano e Helenize que com muita paciência procuravam solucionar as
minhas questões administrativas em relação ao mestrado.
Ø AsprofessorasDra.FabiolaHermesChesanieDra.YolandaFloreseSilva,quemuito
contribuíramcomsuasconsideraçõesduranteabancadequalificação.
Ø Ao professor Dr. George Saliba Manske que desde a graduação me acompanha,
orienta,ensina,sepreocupa,umprofessorqueconsideroumamigo,apesardequaseterme
excluídodoWhatsApp,oqualadmiroetenhocomoreferência.(Aomestrecomcarinho).
Ø AgradecernovamenteaprofessoraDra.FabiolaHermesChesaniporteraceitadoser
parteintegrantedabancadedefesadedissertação,eaqualtenhomuitocarinho.
Ø AprofessoraDra.MarciaGrisottidaUniversidadeFederaldeSantaCatarina–UFSC
peladisponibilidadeemparticipardabancadedefesadadissertação.
Ø A todos meus colegas de turma, que de uma forma ou de outra partilharam
conhecimentos,risadasebonsmomentosduranteasaulas.
Ø Em especial a uma amiga professora Ma. Daniela Cristina Rático de Quadros que
duranteminhainternaçãosepreocupouetorceuparaqueeumerecuperasseomaisbreve
possível, além de também ter partilhado entre leituras e discussões seus conhecimentos
durante os grupos de estudo em que participávamos. Ao seu marido Sérgio é claro, um
amigoquemevisitoudiversasvezesenquantoestiveinternado.
Ø A todaminha famíliaqueme incentivoue ajudou, cadaumde seu jeito, aqueeu
concluísseessemestrado.
Ø EmespecialaClauciaquefoimaisqueamãedaminhaesposa,foiumaamiga,quese
preocupou,ajudou,brigouetorceuparaqueessafasedeminhavidapassasseomaisrápido
possível.
Ø Efinalmente,aminhaesposaManu,quefoieé,minhacompanheira,amiga,etudo
debomqueocorreuemminhavida!Teamo!
“O ser humano não é completamente condicionado e definido. Ele define a si próprio seja cedendo às circunstâncias, seja se insurgindo diante delas. Em outras palavras, o ser humano é, essencialmente, dotado de livre-arbítrio. Ele não existe simplesmente, mas sempre decide como será sua existência, o que ele se tornará no momento seguinte”
(Viktor Frankl)
PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO EM USUÁRIAS DE
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Luiz Antonio Onishi
Dezembro/2018
Orientador: George Saliba Manske, Doutor em Educação.
Área de concentração: Saúde da Família.
Número de Paginas: 91
RESUMO: O uso de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas pela população tem sido tratado como um sério problema à sociedade contemporânea mundial. Preocupado com essa problemática o Estado e as instituições privadas vêm desenvolvendo e promovendo programas relacionados ao seu uso. Clínicas de recuperação como as Comunidades Terapêuticas (CT) foram integradas ao Sistema Único de Saúde – SUS, para tratar e recuperar esses indivíduos a sociedade. Assim empreitamos um estudo para analisarmos como ocorre a constituição dos projetos de sujeito em uma Comunidade Terapêutica Religiosa que atua no tratamento e recuperação de usuárias de substâncias psicoativas em um município do Vale do Itajaí, Santa Catarina, Brasil. A pesquisa foi do tipo exploratória com procedimentos de campo e abordagem qualitativa, na qual utilizamos como instrumentos de produção de material empírico entrevistas grupais informais, observação participante e anotações em diários de campo. Participaram desse estudo vinte e sete mulheres em tratamento residentes na instituição. Para a análise e interpretação do material empírico produzido foram utilizados os entendimentos de Foucault sobre sujeito, poder disciplinar e cuidado de si, como função analítica. As análises indicam que a instituição como disciplina com seus mecanismos de objetivação (poder disciplinar) e subjetivação (cuidado de si), seus enunciados e verdades, pode ser considerada uma tecnologia do ‘eu’ que procura produzir determinados modelos de sujeito. Portanto, não é um poder disciplinar ou uma técnica do cuidado de si, mas um conjunto de técnicas, uma tecnologia, que combinado a experiência existencial que o indivíduo possui, é capaz de produzir determinados projetos de sujeitos religiosos, individualizados, produtivos e dóceis. Outra informação obtida é que devido ao desconhecimento de diversos fatores intrínsecos ao uso de substâncias psicoativas, seu tratamento, proteção a recaída e metodologia empregada pela instituição, são fatores que acabam estimulando e induzindo as usuárias a desistirem e abandonarem o tratamento e a Comunidade Terapêutica. Assim afim de auxiliar a otimização para a adesão e permanência ao tratamento desenvolvemos uma Tecnologia Social (TS) denominada PAEAT - Procedimento de Acolhimento e Esclarecimento para Adesão ao Tratamento, que tem a finalidade de auxiliar, através do esclarecimento de diversas questões relacionada ao mundo das substâncias psicoativas, propiciar a adesão e permanência das usuárias de substâncias psicoativas na instituição para o tratamento. PALAVRAS CHAVE: Comunidades Terapêuticas; Dependência Química; Saúde Mental; Sujeito.
DISCIPLINARY POWER AND CARE OF THE SELF IN THERAEUTIC COMMUNITIES: THE FORMATION OF SUBJECT PROJECTS IN USERS OF
PSYCHOACTIVE SUBSTANCES
Luiz Antonio Onishi
December 2018
Advisor: George Saliba Manske, Doctor of Education.
Area of concentration: Family Health.
Number of Pages: 91
ABSTRACT: The use of illegal psychoactive substances by the population has been treated as a serious problem in contemporary society worldwide. Concerned about this problem, the State and private institutions have been developing and promoting programs related to their use. Recovery clinics, such as the Therapeutic Communities (CT), were integrated into the Unified Health System (SUS) with the aim of treating and recovering these individuals in society. This study analyzes how the constitution of subject projects occurs in a Religious Therapeutic Community that acts in the treatment and recovery of users of psychoactive substances in a municipality of the Vale do Itajaí, Santa Catarina, Brazil. The research was exploratory, using field procedures and a qualitative approach, with informal group interviews, participant observation, and notes in field journals as instruments for the production of empirical material. Twenty-seven women residing in the institution participated in this study. For the analysis and interpretation of the empirical material produced, Foucault's understandings on subject, disciplinary power, and care of the self were used as an analytical function. The analysis indicates that the institution as a discipline, with its mechanisms of objectification (disciplinary power) and subjectivation (care of the self), and its statements and truths, can be considered a technology of the 'I' that seeks to produce certain models of subject. Therefore, it is not a disciplinary power or a self-care technique, but a set of techniques, a technology, that combined with the existential experience that the individual possesses, is capable of producing certain projects of religious subjects that are individualized, productive and docile. Another fact discovered is that due to the lack of knowledge of several factors intrinsic to the use of psychoactive substances, their treatment, and protection against relapse, and the methodology use by the institution, are factors that encourage users to give up, and to abandon the treatment and the Therapeutic Community. Thus, to optimize adherence and encourage the women to remain in the treatment, we developed a Social Technology (TS) called PAEAT - Reception and Clarification Procedure for Adherence to Treatment, which aims to clarify several issues related to the world of psychoactive substances, and the adherence to treatment of users of psychoactive substances in the institution. KEYWORDS: Therapeutic Communities; Chemical Dependence; Mental Health; Subject.
LISTA DE ABREVIATURAS
AA – Alcoólicos Anônimos
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CAPs-ad – Centro de Atenção Psicossocial – álcool, crack e outras drogas
CEJAs – Centro de Educação de Jovens e Adultos
CFP – Conselho Federal de Psicologia
CONFENACT – Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas
CT – Comunidade(s) Terapêutica(s)
MNPCT – Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
MS – Ministério da Saúde
P – Participante da pesquisa
PFDC/MPF – Procuradoria Federal dos direitos do Cidadão do Ministério Público Federal
PET RAPS – Programa de Educação pelo Trabalho – Rede de Atenção Psicossocial
PET Saúde – Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde
RAPS – Rede de Atenção Psicossocial
REVIVER – Programa Rede Estadual de Atenção a Dependentes Químicos
SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas
SUS – Sistema Único de Saúde
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TS – Tecnologia Social
UFRGS – Universidade Federal do Rio grande do Sul
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UnB – Universidade de Brasília
UNIAD – Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas
UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Cronograma das atividades nos dias úteis da semana (horários aproximados) .... 46
Tabela 2 Cronograma de atividades nos finais de semana (horários aproximados).............. 46
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................13
1.1 OPORQUEDETUDO:Familiaridadecomotema...........................................................13
1.2 PANORAMADOESTUDO:Acomplexidadenouniversodassubstânciaspsicoativasna
produçãodemodelosdesujeito...............................................................................................14
2 METODOLOGIA.........................................................................................................31
2.1 APRIMEIRAIMPRESSÃOÉACHAVEDETUDO...............................................................31
2.2 ESTRUTURAFÍSICAEFUNCIONALIDADENAPRODUÇÃODOSUJEITO............................41
2.3 CONVERSADESCONTRAÍDA,UMAMUDANÇARADICAL................................................49
2.4 ENGANOPENSARQUETUDOACABOU..........................................................................53
3 ANÁLISEEDISCUSSÃO..............................................................................................54
3.1 FUIOBRIGADAPORMIMMESMAATERUMTRATAMENTO,AVOLTARASERGENTE...54
3.2 PELAPRIMEIRAVEZPORMINHAVONTADE..................................................................65
4 TECNOLOGIASOCIAL.................................................................................................74
5 CONSIDERAÇÕESFINAIS............................................................................................77
6 REFERÊNCIAS............................................................................................................79
ANEXOS............................................................................................................................85
APÊNDICES.......................................................................................................................89
13
1 INTRODUÇÃO
1.1 O PORQUE DE TUDO: Familiaridade com o tema
“Bom dia! Olhem para o quadro e observem quais serão os campos de intervenção
desse semestre! Depois formem duplas e escolham qual o campo que querem trabalhar”.
Formada as duplas, iniciaram-se as escolhas dos campos. Foi então que meu parceiro
perguntou: “Qual campo vamos escolher? ” Respondi calmamente: “Vamos observar primeiro
o que os outros irão escolher”. Curiosamente observamos que todas as duplas procuravam
escolher os campos que trabalhavam com crianças e idosos, contudo havia um campo que
ninguém escolhia pois tratava-se de trabalhar com pessoas em tratamento para recuperação da
dependência química. Após todas as duplas terem se pronunciado em relação a seus campos
de atuação, inclusive alguns campos com duas ou mais duplas, falei ao professor “O campo
que iremos trabalhar será justamente o que ninguém quer, o da dependência química”.
Nesse momento meu parceiro virou-se para o meu lado e comentou “Agora você
endoidou, mas vamos lá, estou contigo e confio em ti”. O professor muito contente com a
nossa decisão comentou que há alguns semestres já gostariam de ter enviado uma dupla para
essa instituição, mas que até aquele momento ninguém estava disposto a trabalhar nesse
campo por se tratar de conviver com pessoas em tratamento para recuperação da dependência
química. Me lembro que nesta hora falei para meu parceiro “Este é um desafio para nós,
vamos fazer os que os outros não fazem, porque é fácil fazer o que todos fazem”. Ele sorriu.
Esta disciplina trabalhava com práticas corporais relacionadas ao lazer, e mesmo sem saber ‘o
que esperar’ e ‘como realizar’ essas intervenções, iniciamos um período de pesquisas para
podermos trabalhar neste campo de estágio que está localizado em um município do Vale do
Itajaí/SC.
Esses episódios não me saem da memória, pois foi a partir deles que se iniciou meu
percurso na Saúde Mental. Decorrida esta experiência, que posso atestar que foi muito
gratificante, tive a oportunidade de mais uma vez retornar a esse campo para trabalhar com
essas pessoas, mas agora em uma disciplina que tinha como foco a saúde e não mais o lazer.
Concomitantemente nesta mesma época foi publicado um edital que estava selecionando
estudantes da graduação para ser bolsista do Ministério da Saúde (MS), em parceria com o
Ministério da Educação, do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde),
mais especificamente do PET/Redes de Atenção Psicossocial (PET-RAPS) em uma
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Universidade do Vale do Itajaí – SC. Após me inscrever e ter passado por entrevistas, acabei
sendo selecionado para fazer parte da equipe multidisciplinar deste programa e alocado para
trabalhar no Centro de Atenção Psicossocial – álcool, crack e outras drogas (CAPS-ad) onde
durante dois anos consegui me aproximar e aprender sobre a Saúde Mental.
Concluído a graduação, e ingressando no mestrado, quis dar continuidade a minha
vivência e compreensão de vários aspectos que envolvem a Saúde Mental, particularmente na
dependência química, pois durante o tempo que trabalhei no Centro de Recuperação observei
que algumas usuárias de substâncias psicoativas eram mais receptivas aos métodos e
estratégias utilizadas no tratamento, e outras nem tanto, pois acabavam desistindo e
retornando a sua vida anterior. Essa inconstância de posturas e resultados me levou a alguns
questionamentos: Porque algumas pessoas exercem relutância a esta introjeção? Mas afinal,
qual o tipo de ator social que querem construir, qual será o seu papel na sociedade? Quem
determina essa escolha? De que forma forjam sua subjetividade e a que interesses ele tem que
atender? Seus objetivos com o tratamento são os mesmos dos seus interlocutores ou acabam
induzidos a atender outros interesses? Essas questões acabaram permeando e despertando um
interesse em elucidar alguns aspectos articulados a esta temática, e assim acabei escolhendo-a
como o tema de minha pesquisa a qual apresento a seguir.
1.2 PANORAMA DO ESTUDO: A complexidade no universo das substâncias
psicoativas na produção de modelos de sujeito
Estudos históricos evidenciam que desde a pré-história os homens procuraram
modificar o humor, as percepções e sensações por meio de substâncias psicoativas que agem
no sistema nervoso central. Tais práticas abrangiam diferentes finalidades consoantes aos
hábitos, costumes, contextos socioculturais, economia, espaços e épocas, construindo assim
diferentes significados e regulamentações conforme cada sociedade. Essa prática dificilmente
era classificada como uma ameaça ao indivíduo ou a sociedade, já que seus efeitos estavam
diretamente relacionados a contextos socioculturais e a controles formais e informais, como
regras e costumes. Em vista disso, sua utilização se amolda as características de cada
contexto, com sistemas de valores e regras que influenciam suas particularidades e intenções
de uso resultando em distintos efeitos subjetivos e sociais (MACRAE, 2014).
O passar dos anos e a busca por novos conhecimentos e tecnologias, proporcionaram a
criação de novas substâncias psicoativas naturais e sintéticas, vinculadas a aspectos legais e
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ilegais, aumentando a oferta e a diversificação dessas substâncias para a população. Tal fato
podemos constatar, de modo cultural, quando o site Super Interessante publica em 22 de maio
de 2017, a matéria intitulada “8 novas drogas estão se espalhando pelo mundo”, em que
Vasconcelos (2017, online) comenta que novas substâncias psicoativas produzidas por
laboratórios clandestinos estão se espalhando pelo mundo, alertando que seus efeitos são
semelhantes aos da maconha, cocaína e da heroína, porém com impactos superiores aos
originais, ocasionando maiores prejuízos a saúde. Simultaneamente a esse desenvolvimento
tecnológico ocorreram mudanças nos processos de trabalho, produção, sistemas econômicos,
leis, hábitos, costumes, valores sociais e poderes do Estado. Tais acontecimentos promoveram
uma alteração no padrão de consumo dessas substâncias (MACRAE, 2014), e consequente
aumento problemático relacionado ao seu uso, pois se outrora o consumo estava relacionado à
movimentos culturais e religiosos, devido a essas alterações passou a ser um problema no
imaginário social. Tal concepção é formada através da mídia, dos profissionais da saúde
pública, educação e outros tantos formadores de opinião pública, solidificando uma maneira
de interpretar o fenômeno do consumo de substâncias psicoativas que se torna hegemônica
(SCHNEIDER; VON FLACH, 2014).
Uma das estratégias para a manutenção dessa concepção hegemônica é a forma que
induzem a sociedade a interpretar que o uso dessas substâncias e seus usuários são problemas
que devem ser tratados de forma austera, fazendo com que seus usuários sofram uma
complexa repressão e discriminação, por acreditarem que o consumo de tais substâncias
acarreta graves problemas para o indivíduo e para a sociedade, associando seu uso a doenças e
a criminalidade (PIMENTEL; OLIVEIRA; PASTOR, 2008; MACRAE, 2014). Podemos
perceber tais elementos através da matéria publicada no site NEXOS em 28 de fevereiro de
2018, intitulada “Usuários de drogas são culpados pela violência do tráfico?”, onde Flores
(2018, online) descreve que, na cerimônia de posse do Ministro Raul Jungmann para a pasta
do Ministério de Segurança Pública, o referido ministro abordou alguns temas relacionado aos
problemas da Segurança Pública. Em um de seus comentários, o ministro afirma que de um
lado “[...] pessoas pobres que, por ausência de oportunidades, tornam-se vulneráveis ao crime
[...] do outro lado, a classe média [...] que contribuem com o crime organizado por meio do
consumo de drogas” (JUNGMANN apud FLORES, 2018, online). Nesta mesma matéria o
referido ministro ainda comentou que a frouxidão dos costumes, referindo-se a classe média,
a ausência de valores e da capacidade de discernir entre o lícito e ilícito, acabam levando as
pessoas a consumir as substâncias psicoativas (FLORES, 2018, online).
A atualidade deste tema tem gerado diversas discussões, indicando que o uso de
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substâncias psicoativas está entrelaçado às questões sociais e de saúde contemporâneas.
Informações veiculadas pela mídia retratam que a dinâmica de vida imposta pelo sistema
sócio-político-econômico está provocando diversos problemas a população, como por
exemplo, o estresse, a ansiedade e a depressão, que para minimizar esses problemas faz uso
de substâncias psicoativas, lícitas ou ilícitas, como meio de fuga ao estado que se encontram.
Tal afirmação é corroborada pela matéria intitulada “As drogas são um problema de Saúde
Coletiva que atinge cada vez mais pessoas, diz psiquiatra”, publicada no site GaúchaZH em
02 de março de 2018 por Nogueira (2018, online) apresentando algumas posições do médico
psiquiatra entrevistado sobre as substâncias psicoativas, tais como “[...] a procura pelas drogas
ocorre justamente porque os jovens não suportam a depressão, para mascarar os sintomas buscam
um tranquilizante. O mais comum deles é a Cannabis [...]” (NOGUEIRA, 2018, online).
A fim de reduzir e conter a disseminação desse tipo de consumo, autoridades
governamentais e instituições privadas vêm desenvolvendo programas que objetivam tratar,
recuperar, mudar hábitos, costumes e reinserir esses indivíduos de forma adequada a
sociedade. Contudo, as medidas adotadas parecem não surtirem o efeito desejado, pois o
consumo dessas substâncias continua crescendo conforme observamos no Relatório Mundial
sobre Drogas, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC)
no dia 26 de junho de 2018, e divulgado no site da UNIAD (2018, online). Este relatório
alerta que “[...] o uso não medicinal de medicamentos sob prescrição médica está se tornando
uma enorme ameaça para a Saúde Pública e o cumprimento da lei no mundo [...]” (UNIAD,
2018, online). Afirma, ainda, que o consumo e a produção ilegal de fentanil e tramadol estão
aumentando consideravelmente, bem como do ópio e da cocaína. Este mesmo relatório
salienta que a heroína e a cocaína estão coexistindo de forma crescente com as novas
substâncias psicoativas e medicamentos sob prescrição. Por fim, alerta sobre o aumento das
preparações farmacêuticas destinadas ao uso não medicinal, e destaca que devido ao aumento
considerável de seus usuários, a cannabis foi a droga mais consumida em 2016.
Podemos compreender a preocupação com a regulação do consumo, construção de
conhecimento e divulgação dos problemas acerca dessas substâncias no Brasil, ao tomarmos
ciência da publicação da Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, por parte do Governo Federal,
informando que foi criado o Sistema de Políticas Públicas sobre Drogas; ou quando promove
campanhas pontuais como a “XX Semana Nacional de Prevenção ao Álcool e outras Drogas”,
divulgada pelo site BRASIL (2018, online). Esta matéria jornalística, datada de 20 de junho
de 2018, intitulada ‘Semana de Políticas sobre Drogas mobiliza Estados e Municípios’ teve
como finalidade divulgar o evento a fim de mobilizar a sociedade brasileira a participar das
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campanhas e encontros que buscam a conscientização da comunidade sobre os problemas
relacionados ao uso de drogas. Outro evento que evidência a preocupação com essa
problemática ocorreu no dia 25 de maio de 2018 com a publicação, pelo site UNIAD (2018,
online), da matéria intitulada “Dia Internacional de Combate as Drogas” onde lembra e
esclarece que:
DIA INTERNACIONAL DE COMBATE AS DROGAS (ou Dia Internacional contra o Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas), é celebrado mundialmente no dia 26/06. Anualmente a ONU, através do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) dá ênfase à Campanha Internacional de Prevenção às Drogas. A data foi definida pela Assembleia Geral da ONU através da Resolução 42/112 de 7 de dezembro de 1987, implementando recomendação da Conferência Internacional sobre o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas, realizada em 26 de junho do mesmo ano, ocasião em que se aprovou o Plano Multidisciplinar Geral sobre Atividades Futuras de Luta contra o Abuso de Drogas (UNIAD, 2018, online).
É importante salientarmos que essa regulação e preocupação não está restrita a órgãos
governamentais, são reforçados também pela mídia, família, profissionais de saúde,
profissionais de educação e instituições privadas (SCHNEIDER; VON FLACH, 2014),
conforme constatamos na publicação do site Brasil Escola, na matéria denominada
”Malefícios causados pelo consumo de drogas”, de autoria de Fogaça (2018, online),
alertando que “Em muitos casos, usuários de drogas se envolvem em crimes tais como
narcotráfico e homicídios, tornam-se vítimas de violência, além de estarem sujeitos a outros
perigos [...]”, ou ainda pela publicação no site Diário da Manhã da matéria “O papel da escola
na prevenção ao uso de drogas – Uma atitude a ser adquirida desde a infância” de Nogueira
(2017, online), que além de informar a importância da família nesse processo descreve que
“[...] a escola é essencial no desenvolvimento do adolescente e do adulto, pois contribui para a
formação global do jovem dentro sociedade. A prevenção ao uso de drogas é uma atitude a
ser adquirida desde a infância e promovida durante toda a vida” (NOGUEIRA, 2017, online).
Percebemos que a discussão em torno deste tema ocupa espaços tanto em meios
acadêmicos e científicos assim como em políticas públicas governamentais, nacionais e
internacionais, além de ser amplamente divulgado em diferentes espaços midiáticos. Tais
recorrências indicam circularidades culturais do tema em questão, apresentando um panorama
contemporâneo em que as substâncias psicoativas se inserem, dos mais variados modos, em
múltiplos terrenos da sociedade e culturas. Além do mais, cabe salientarmos que a discussão
em torno deste objeto de estudo está alicerçada, de maneira incisiva, nas questões dos sujeitos
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envolvidos, especialmente enquanto usuários. É nesse ínterim que as questões de produção de
sujeitos e subjetividades merecem atenção para serem discutidas.
A produção de um modelo de sujeito, objeto dessas regulamentações, permite ao
Estado e determinados grupos dominantes reforçarem e justificarem a manutenção e expansão
do poder punitivo, que restringe a liberdade individual e aumenta a vigilância e o controle da
sociedade. Ao observarmos que esse emaranhado de ações, políticas, notícias sobre o
consumo de substâncias psicoativas, em especial sobre seus usuários, não possuem somente a
intenção de excluir definitivamente esse indivíduo da sociedade ou de minimizar o consumo
destas substâncias, mas, sobretudo, modificar o comportamento de quem as consome; em
suma, são estratégias, no limite, que têm como objetivo a produção de novos sujeitos, ou seja,
fazem uso de técnicas de objetivação e subjetivação que atuam sobre um indivíduo que
trabalha e pensa sobre si para torna-lo um modelo específico de sujeito (FOUCAULT, 1995;
VEIGA-NETO, 2017).
Para compreendermos como ocorre a produção desse modelo de sujeito,
principalmente quando nos referimos aos usuários de substâncias psicoativas, é necessário
primeiramente definirmos quais entendimentos se tem sobre a noção de sujeito. Sabemos que
atualmente o entendimento sobre a produção do sujeito e dos processos de objetivação e
subjetivação são abordados em diversos campos de conhecimento, porém para esse estudo
foram eleitos os entendimentos que Michel Foucault tem sobre o tema.
No caminho dessa compreensão, inicialmente verificamos que alguns questionamentos
pairam sobre o que vem a ser sujeito. Pistas iniciais poderiam levar a questionarmos não um
porque, e nem um para que, mas um como e de que modo se constitui um sujeito (FISCHER,
1999; VEIGA-NETO, 2017). Filósofos como René Descartes, Gottfried Wilhelm Leibniz e
Immanuel Kant tiveram fundamental importância para consolidar a ideia iluminista de que
sujeito é um ser já dado, uma essência da condição humana, portanto, preexistindo
anteriormente ao mundo social, político, cultural e econômico (VEIGA-NETO, 2017). Já
filósofos como Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Ludwig Wittgenstein, Norbert Elias e
Michel Foucault discordam sobre essa noção iluminista, e procuraram demonstrar como são
produzidos esses indivíduos que denominamos sujeito (VEIGA-NETO, 2017).
Apesar de conhecermos Foucault por suas teorias acerca da relação entre o poder e o
conhecimento e como essas ferramentas são utilizadas para o controle social através das
instituições, o autor afirma que ao longo de sua obra não procurou analisar o poder, mas
estudar as diferentes maneiras com os quais os seres humanos se tornam sujeitos e de que
maneira ocorrem essa constituição (FOUCAULT, 1995; VEIGA-NETO, 2017). Em curso
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proferido no Collège de France, denominado ‘Subjetividade e Verdade’, Foucault retrata
como ocorreu a produção de um sujeito, em diversos momentos históricos, culturais e
institucionais, com a finalidade de torná-lo objeto de conhecimento desejável e até
indispensável (FOUCAULT, 1997a).
Desta forma, seus estudos acabaram tomando diferentes formas à medida que utilizava
variadas maneiras para abordar o mesmo problema (FONSECA, 2011), ou seja, a objetivação
de um sujeito no campo dos saberes, a objetivação de um sujeito nas práticas do poder que
nos submetem, controlam, dividem e classificam, e a subjetivação de um indivíduo que
trabalha e pensa sobre si (FOUCAULT, 1995; VEIGA-NETO, 2017).
Elucidando essas três formas de estudo, o autor esclarece que a objetivação no campo
dos saberes foi um modo de investigação que buscou alcançar o estatuto de ciência, tal como
na “ objetivação do sujeito do discurso na gramática geral, na filologia e na linguística. Ou,
ainda, a objetivação do sujeito produtivo, do sujeito que trabalha na análise das riquezas e na
economia” (FOUCAULT, 1995, p.231). Já a objetivação através dos poderes que nos
submetem, controlam, dividem e classificam que o autor denominou de ‘praticas divisoras’,
“o sujeito é dividido no seu interior e em relação aos outros. Este processo o objetiva.
Exemplos: o louco e o são, o doente e o sadio, os criminosos e os ‘bons meninos’”
(FOUCAULT, 1995, p.231). E finalmente a subjetivação do indivíduo que trabalha e pensa
sobre si, ou seja, “o modo pelo qual um ser humano torna-se um sujeito” (FOUCAULT, 1995,
p.232). Desta forma, “[...] nos tornamos sujeitos pelos modos de investigação, pelas práticas
divisórias, e pelos modos de transformação que os outros nos aplicam e que nós aplicamos
sobre nós mesmos” (VEIGA-NETO, 2017. p.111).
Ao percebermos como a sociedade e alguns profissionais produzem determinados
modelos de sujeito no universo das substâncias psicoativas, observando os comentários do
médico Nogueira na matéria publicada no site GaúchaZH, referenciada anteriormente, quando
afirma que as pessoas “Estão contaminadas e com isso tentando contaminar mais seguidores.
Estamos diante do risco de termos walking deads, verdadeiros zumbis inumanos!”, (NOGUEIRA,
2018, online) ou seja, é uma posição que estigmatiza, classifica e legitima ações e programas que
visam controlar, transformar e adequar o sujeito a certos padrões de conduta desejáveis, alertando a
importância e necessidade da construção desse modelo de sujeito específico, socialmente aceito,
em detrimento e eliminação, se não total, parcial daquele anteriormente existente.
É importante esclarecermos que expressões como processos e mecanismos de
objetivação, modos de objetivação, formas de objetivação, processos e mecanismos de
subjetivação, modos de subjetivação, formas de subjetivação, perpassam por toda obra de
20
Foucault nem sempre possuindo o mesmo sentido. Contudo, observamos que apesar de
existirem essas diferenciações, esses termos estão sempre relacionados a constituição do
sujeito. Outra peculiaridade que Foucault demonstra ao longo de sua obra, é que esses
mecanismos de objetivação e subjetivação são complementares, enquanto um estudo
demonstra, através dos mecanismos disciplinares, como foi possível constituir o indivíduo
como um objeto dócil e útil, outra procura compreender como essas práticas de subjetivação
constituem o sujeito preso a uma identidade que reconhece como sua (FONSECA, 2011). A
importância da compreensão desses mecanismos no domínio das substâncias psicoativas é
demonstrada por Gomes (2010) quando relata que o usuário traz consigo uma cultura de seu
contexto existencial dos mais negativos possíveis. Argumentando que para o tratamento e a
mudança de conduta desses indivíduos há a necessidade de pensarmos em uma relação
extremamente dominadora onde “[...] medidas muitas vezes extremadas, subjuga e
desorganiza as vontades, intenções, projetos de curto, médio e longo prazo, se caracterizando,
nos compulsivos, com um aprisionamento da vontade [...]” (GOMES, 2010, p.3). No site
Espiritualidade e Sociedade, a matéria publicada no dia 11 de junho de 2018, intitulada
“Terapia de Fé: como o vínculo entre religião e tratamentos para dependentes químicos
ganhou força no Brasil” (TERRA, 2018, online), destaca que nas Comunidades Terapêuticas
que adotam abordagem religiosa, as regras internas, normalmente são rígidas; corroborando
com o sistema sugerido por Gomes (2010), e em sua grande maioria adotam o tripé
denominado trabalho, convivência grupal (algumas Comunidades Terapêuticas utilizam
disciplina aqui) e espiritualidade (TERRA, 2018, online).
Para compreendermos esse complexo sistema de objetivação e subjetivação que
produz o sujeito, Foucault (1995) argumenta ser necessário estudarmos o poder, contudo
afirma que não há instrumentos estabelecidos disponíveis para esta finalidade além dos modos
de pensar dos modelos legais e institucionais. Portanto, “[...] se faz necessário estender as
dimensões de uma definição do poder se quiséssemos usá-la ao estudar a objetivação do
sujeito” (FOUCAULT, 1995, p.232).
Com o propósito de estudarmos o poder, Foucault (1995) alega ser necessário
verificarmos algumas conceituações considerando as condições históricas que as motivaram,
quais realidades estão imersas. Salienta a importância de sabermos diferenciar os tipos de
poder. Um é o que “[...] exercemos sobre as coisas e que dá a capacidade de modificá-las,
utilizá-las, consumi-las ou destruí-las - um poder que remete a aptidões diretamente inscritas
no corpo ou mediatizadas por dispositivos instrumentais” (FOUCAULT, 1995, p. 240). Outro
tipo de poder é aquele que ocorre nas relações existentes entre indivíduos ou grupos, pois,
21
“[...] se falamos do poder das leis, das instituições ou das ideologias, se falamos de estruturas
ou de mecanismos de poder, e apenas na medida em que supomos que ‘alguns’ exercem um
poder sobre os outros” (FOUCAULT, 1995, p.240). E, por fim, discernirmos “[...] as relações
de poder das relações de comunicação que transmitem uma informação através de uma língua,
de um sistema de signos ou de qualquer outro meio simbólico” (FOUCAULT, 1995, p.240),
pois apesar da comunicação ser um meio de agir sobre o(s) outro(s), não é a única forma de
produzir elementos significantes nesses indivíduos.
Apesar da existência da diferenciação entre essas relações, necessariamente não
significa que são singulares, essas relações se conectam formando um sistema mutuo de
auxilio e apoio.
A aplicação de capacidade objetiva, nas suas formas mais elementares, implica relações de comunicação (seja de informação prévia, ou de trabalho dividido); liga-se também a relações de poder (seja de tarefas obrigatórias, de gestos impostos por uma tradição ou um aprendizado, de subdivisões ou de repartição mais ou menos obrigatória do trabalho). As relações de comunicação implicam atividades finalizadas (mesmo que seja apenas a "correta" operação dos elementos significantes) e induzem efeitos de poder pelo fato de modificarem o campo de informação dos parceiros. Quanto as relações de poder propriamente ditas, elas se exercem por um aspecto extremamente importante através da produção e da troca de signos; e também não são dissociáveis das atividades finalizadas, seja daquelas que permitem exercer este poder (como as técnicas de adestramento, os procedimentos de dominação, as maneiras de obter obediência), seja daquelas que recorrem para se desdobrarem, a relações de poder (assim na divisão do trabalho e na hierarquia das tarefas) (FOUCAULT, 1995, p.241).
Apesar do texto ser longo, não podíamos deixar de citá-lo, pois demonstra de forma
clara como ocorre os inter-relacionamentos entre as relações. Dessa interação observamos a
não uniformidade, que varia conforme o espaço, circunstância, tempo e sociedade. Contudo,
“quando essas relações estão reguladas, ajustadas e concordes, podemos dizer que constituem
um ‘bloco’ de capacidade-comunicação-poder, ou de forma mais abrangente, ‘disciplinas’”
(FOUCAULT, 1995, p.241), ou seja, são técnicas do poder que buscam a individualização a
fim de “vigiar alguém, controlar sua conduta, seu comportamento, suas aptidões, intensificar
seu rendimento, multiplicar suas capacidades, e colocá-lo no ponto em que ele será, mas útil
[...]” (FOUCAULT, 1982, p.36). A matéria intitulada “Dependentes químicos devem ser
internados contra sua vontade?”, publicada no site Super interessante no dia 5 de abril de
2017, afirma que no Brasil desde 2001 existe uma lei que prevê a internação de usuários de
forma compulsória quando esses apresentarem risco à sua vida ou à de terceiros
22
(ZANELATTO, 2018, online). Atentamos que tal procedimento não é consenso, gera
controvérsias entre os profissionais da área sobre a efetividade desse tipo de atitude arbitrária
imposta pelos órgãos governamentais. Apesar da existência dessas divergências, a matéria
retrata como as instituições com seus sistemas de regras, vigilância, controle e discursos,
interagem de forma integrada objetivando e disciplinarizando o indivíduo, cerceando seu
direito de escolha e livre arbítrio.
Foucault ainda observa que para estudar essa estrutura de relação de poder não
devemos considerar a racionalização da sociedade como um todo, mas analisarmos as
racionalidades específicas tais como a loucura, sexualidade, morte, etc. Neste contexto o autor
propõe problematizarmos essa nova estrutura através de suas resistências contra as diversas
formas de poder, pois através dela poderíamos identificar sua localização, ponto de aplicação
e método, ou seja, analisarmos o poder através das diferenças de estratégias existentes entre as
formas de poder e sua resistência (FOUCAULT, 1995).
Desta forma observamos que essas resistências em suas racionalidades e
especificidades são lutas travadas contra o poder que procura desvelar quem somos nós?
“Elas são uma recusa as estas abstrações, do estado de violência econômico e ideológico, que
ignora quem somos individualmente, e também uma recusa de uma investigação cientifica ou
administrativa que determina quem somos” (FOUCAULT, 1995, p.235). São lutas contra a
dominação, exploração e contra o sistema que prende o indivíduo em si mesmo e o submete,
portanto, são lutas contra a sujeição, contra as formas de subjetivação e submissão. Como
exemplos contemporâneos dessas lutas podemos destacar a luta do movimento LGBT
(lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) pelos direitos em torno do gênero e sexualidade, e
em especial, contra a homofobia. Apesar desse movimento sofrer preconceito e conotações
pejorativas por grande parte da sociedade, principalmente pelos mais conservadores e pelas
entidades religiosas, o site Portal Vermelho publica em 02 de junho de 2018, matéria
intitulada “Os 40 anos de luta do movimento LGBT no Brasil”, de autoria de Antunes (2018,
online), lembrando que já se passaram 40 anos de luta pelos direitos LGBT , que conseguiu
diversas conquistas durante esse período, como a aceitação do nome social, aquele que
transexuais e travestis utilizam para se identificarem nas escolas, e inclusão no título de
eleitor sem a necessidade da mudança do registro civil. Outra conquista que ocorreu nesse ano
foi a autorização por parte Supremo Tribunal Federal, para a “alteração do nome no registro
civil sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual” (ANTUNES, 2018, online).
Nos jogos de poder e resistência Foucault chama a atenção para o fato da relação de
poder está interligada a presença de liberdade, pois, se não há liberdade, não há relação de
23
poder, há coerção. Desta forma a existência dos jogos de poder depende da insubmissão da
liberdade, ou melhor, a relação de poder e a liberdade possuem uma simbiose que as fazem
mutuamente existir. É uma forma de poder que não é verticalizada, está em nosso cotidiano,
faz dos seres humanos sujeitos, constroem os indivíduos impondo um controle e dependência
e o acorrenta a sua própria identidade, ou seja, nos tornamos sujeitos constituídos e
constituintes, mas sempre sujeitos a algo (FOUCAULT, 1995). Se entendermos que as
relações de poder estão em todos os lugares, e o individuo é sempre um sujeito subjugado a
“alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou
autoconhecimento”(FOUCAULT, 1995, p.235), não seria pretensão dizermos que este poder
impõe uma disciplinarização da sociedade através de vários mecanismos estatais e não
estatais, e que a relação de poder não atua diretamente sobre os outros, mas no campo de ação
dos outros, é uma ação sobre a ação, é uma relação de poder que consiste em conduzir
condutas, é uma forma de governar e estruturar o campo de ação dos outros (FOUCAULT,
1995), em suma, é um poder que se elabora, se transforma, se organiza, não é estático; são
relações que estão cravadas nos lugares mais profundos da sociedade, são estratégias
(mecanismos utilizados nas relações de poder) que objetivam sua manutenção e controlam os
modos de ação possíveis (FOUCAULT, 1995).
Ao entendermos a dimensão da ligação existente entre a relação de poder, resistência e
liberdade, e considerarmos que a conduta dos indivíduos livres, usuários de substâncias
psicoativas, podem constituir uma forma de resistência contra o sistema que age sobre as
ações das pessoas, ou como dito anteriormente, da ação sobre ação, não é surpresa que
estratégias sejam utilizadas para alterar esse cenário de resistência contra os padrões
considerados normais. Programas governamentais como os veiculados em 25 de abril de 2018
no site Agência Brasil intitulado “Governo anuncia edital para 7 mil leitos em Comunidades
Terapêuticas” (VILELA, 2018, online) é uma demonstração clara de como esses indivíduos
importunam a sociedade e o governo. A notícia informa que o Governo Federal lançou o
edital para contratação de entidades privadas, ou seja, Comunidades Terapêuticas para
acolhimento de indivíduos que sofrem com a dependência de álcool e outras drogas. O edital
previa a contratação de 7 mil vagas para atender durante um ano aproximadamente 20 mil
pessoas em todo o país, esclarecendo, tirar de circulação e produzir novos modelos de sujeito
(VILELA, 2018, online).
Mesmo não havendo consenso da comunidade científica e profissionais da área sobre
a eficácia desse tipo de tratamento, o referido edital prevê ainda que as Comunidades
Terapêuticas possam trabalhar com diversas metodologias de tratamento, inclusive
24
‘laborterapia’ (que é trabalhar na manutenção do local), psicoterapia em grupo ou individual,
programa dos 12 passos (criado inicialmente para tratamento do alcoolismo), atividades
espirituais, ações pedagógicas e grupo operativo (VILELA, 2018, online). Esse fato deixa
pistas para acreditarmos que o mais importante não é a forma nem o como executar o
tratamento, o mais importante e prioritário desses programas é atingir o seu objetivo, ou seja,
a produção de modelos de sujeito desejados e necessários à sociedade, independentemente
dos caminhos trilhados que levam a esse fim.
Conforme Vilela (2018, online), entre as polêmicas sobre a internação compulsória e o
sistema de tratamento empregado pelas Comunidades Terapêuticas, o coordenador-geral de
Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, médico Quirino Júnior,
justifica a implantação deste programa através do excesso de procura para esse tipo de
tratamento, afirmando que quase 100% das vagas disponíveis estão ocupadas, tornando-se
necessária a ampliação do número de leitos. Por outro lado, o Ministro da Saúde Gilberto
Occhi admite que ainda não possui dados que comprovem a eficiência desse tipo de
tratamento (VILELA, 2018, online), ou ainda, conforme o comentário da professora Andrea
Galassi, coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas
da Universidade de Brasília (UnB) no site da Agência Brasil:
Essa política está remando contra o que se prevê como melhor modelo de cuidado para as pessoas dependentes químicas, que é o cuidado fora de instituições fechadas, e não em locais de longa permanência, historicamente reconhecidos por violações de direitos[...] e que o governo deveria focar suas ações a partir da rede publica do Sistema Único de Saúde, principalmente por meio dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPs (GALASSI, 2018 apud VILELA, 2018, online).
Acompanhando o pensamento da professora, a psicóloga Jereuda Guerra, conselheira
do Conselho Federal de Psicologia (CFP), também considera inadequado o tratamento
desenvolvido nas Comunidades Terapêuticas. Contudo o Ministro da Saúde, Gilberto Occhi
justifica a sua necessidade alegando que as Comunidades Terapêuticas são complementares
ao sistema de tratamento e que nenhum outro tipo de atendimento está sendo suprimido dos
habituais praticados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (VILELA, 2018, online).
Em meio a essas incertezas e questionamentos acerca da eficiência destas ações, no
dia 18 de junho de 2018 ocorreu a publicação do Relatório de Inspeção Nacional em
Comunidades Terapêuticas, realizado em outubro de 2017, pelo Conselho Federal de
Psicologia (CFP), Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e a
25
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (PFDC/MPF).
Segundo este relatório, foram vistoriados vinte e oito estabelecimentos de recuperação, alguns
recebendo recursos públicos, em diferentes regiões do país. A vistoria detectou que todos os
estabelecimentos apresentam alguma irregularidade, como a privação de liberdade, trabalhos
forçados, internação irregular de adolescentes, uso de trabalhos forçados e sem remuneração,
supressão de alimentação, privação de sono, violação a liberdade religiosa e à diversidade
sexual, e uso de castigos que podem ser considerados tortura (BRASIL, 2018, online).
Apesar da existência dessas irregularidades, uma ressalva é feita pelas próprias
instituições que realizaram o relatório.
[...] o relatório aqui apresentado não constitui uma amostra estatística e suas conclusões não devem ser generalizadas de maneira probabilística – o que requereria um trabalho de maior vulto e que, aliás, é dificultado dada a ausência de informações oficiais sobre o universo de comunidades terapêuticas no Brasil (BRASIL, 2018, online).
O relatório ainda afirma que a pesquisa realizada em 2009 pelo Centro de Pesquisas
em Álcool e outras Drogas, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, e pelo Laboratório de
Geoprocessamento do Centro de Ecologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), a pedido da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), contabilizou
a existência aproximada de duas mil Comunidades Terapêuticas no Brasil (BRASIL, 2018,
online). O Site Brasil de Fato, em matéria publicada no dia 18 de junho de 2018, intitulada
“Inspeção revela violação de direitos humanos em 28 Comunidades Terapêuticas”, comenta
que em “um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015
identificou ao menos 3 mil instituições, mas afirma que há indícios que o total existente possa
chegar a 10 mil unidades” (SAMPAIO, 2018, online). Segundo o presidente da Confederação
Nacional de Comunidades Terapêuticas (CONFENACT), atualmente existem
aproximadamente 2 mil Comunidades Terapêuticas em todo o país, atendendo mais de 60 mil
pessoas, e que em sua grande maioria são religiosas, prevalecendo primeiramente as
evangélicas, seguido das católicas e, por fim, das espíritas. (VILELA, 2018, online). Assim,
com essa variabilidade numérica relacionada ao número exato de instituições existentes,
podemos afirmar que o universo das Comunidades Terapêuticas ainda é uma incógnita no
Brasil.
Após a repercussão dos resultados do referido relatório, a CONFENACT, no intuito de
realizar alguns esclarecimentos, publicou em seu site um manifesto repudiando vários pontos
relatados, afirmando que as Comunidades Terapêuticas do Brasil “tem uma legislação
26
específica que as regulamentam, e não podem ser confundidas com outros serviços como é a
ênfase dos signatários do relatório de inspeção” (CONFENACT, 2018, online), e finaliza com
os seguintes dizeres:
REPUDIAMOS A POSTURA DE DESCONSTRUÇÃO ADOTADA PELOS SIGNATÁRIOS DO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO, selecionando entidades que prestam desserviços e também de outras, que atendem dentro dos preceitos legais, mas com desrespeito dos signatários deste infeliz documento para com as atividades terapêuticas desenvolvidas por estas, fazendo julgamentos dentro de um viés ideológico que não admite a existência das Comunidades Terapêuticas, em franco desrespeito à legislação. Da mesma forma, repudiamos a forma como algumas visitas de vistoria foram realizadas, acompanhadas de viaturas da polícia federal, adentrando nas entidades de forma agressiva, constrangendo os acolhidos e as equipes das entidades, num franco desrespeito a ambientes de tratamento de pessoas em situação de vulnerabilidade social (CONFENACT, 2018, online).
Apesar das inúmeras controvérsias sobre a efetividade das Comunidades Terapêuticas
no tratamento dos usuários de substâncias psicoativas, conforme descrito anteriormente, a
importância e significância dessas instituições é ressaltada por Damas (2013) quando afirma
que elas desempenham um expressivo papel no tratamento desses indivíduos, pois a maioria
dos brasileiros acometidos pelo uso de substâncias psicoativas estão sendo tratados em
Comunidades Terapêuticas que objetivam a recuperação, mudança nos padrões e estilo de
vida, e a reinserção social e laboral, ou seja, a construção de um novo tipo de sujeito,
socialmente aceito, em detrimento e eliminação, se não total, parcial daquele sujeito
dependente.
Independente da eficácia ou não das Comunidades Terapêuticas, isto é um assunto a
parte, para a produção de modelos de sujeitos, faz-se necessário compreendermos os modelos
e técnicas de tratamento utilizados por essas Comunidades Terapêuticas, ou seja, como as
relações entre capacidade-comunicação-poder, denominada ‘disciplinas’, produzem
determinados modelos de sujeito. É importante salientarmos que apesar de existirem registros
sobre a existência de Comunidades Terapêuticas no Brasil desde 1968 (FRACASSO, 2018),
somente com a publicação do artigo 9o da Portaria nº 3.088 de 26 de dezembro de 2011 que
trata da atenção residencial de caráter provisório, é que as Comunidades Terapêuticas foram
incorporadas à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como um serviço de saúde que procura
oferecer um acompanhamento contínuo de saúde, transitório, por um período de até nove
meses, para público adulto com condições clínicas estáveis pelo uso de substâncias
27
psicoativas (BRASIL, 2011a). Seu funcionamento foi regulamentado pela resolução 029/2011
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (BRASIL, 2011b).
Sobre o tratamento pelo uso de substâncias psicoativas, Ribeiro et al. (2004)
descrevem que os indivíduos que estão em Comunidades Terapêuticas são pessoas que
fracassaram na vida em sociedade e que precisariam forjar um novo padrão de
relacionamento, obscuro à sua vida, mas que um ambiente de convivência grupal, seguro e
terapêutico poderia estimulá-lo, ou seja, novos tipos de sujeito que se adequem aos padrões de
conduta desejado. Assim fazem uso de diversas metodologias para o tratamento, em alguns
modelos prevalecem o religioso-espiritual, em outras a base é a atividade laboral, o modelo
médico, o modelo assistencialista, ou com abordagens psicológicas, havendo ainda outras que
utilizam uma mistura de modelos de abordagens (DAMAS, 2013).
Lembrando os entendimentos de Foucault, tal afirmação clarifica como a objetivação
do sujeito nas ‘praticas divisoras’ é exercida, mediante um enunciado legitimado pela
divergência dos padrões de conduta adotados pela sociedade e assim não desejado. Enunciado
propagado pela mídia e pelos formadores de opinião, como médicos, professores, entre
outros, que exercem um poder que rotula o indivíduo, induzindo a ideia de que é necessária
uma mudança para se adequarem e integrarem a sociedade. Ou ainda, uma relação de poder
que cerceia a liberdade, um mecanismo de confronto que procura ser uma estratégia
vencedora para conduzir condutas, que busca transformar, modificar o indivíduo tornando-o
um sujeito dócil e útil, mas sempre sujeito à (FOUCAULT, 1995).
Damas (2013) esclarece que todas as Comunidades Terapêuticas apresentam uma
característica comum, a inexistência de empregados para execução dos serviços da vida
diária, sendo facultado aos indivíduos a sua execução. O rigor no cumprimento das normas
internas e nas relações interpessoais desenvolvidas acabam sendo a base para a formação do
novo indivíduo. A convivência e os contatos afetivos oportunizam a ressignificação dos
códigos de relacionamento e objetivos de vida, podendo, através da influência grupal,
modificar aspectos relacionados ao caráter e a sua personalidade (DAMAS, 2013), ou seja,
são técnicas de subjetivação que visam a produção de novos modelos de sujeito.
Segundo Ribeiro e Minayo (2015), um dos importantes modelos de Comunidade
Terapêutica e aquele que possui ligação a algum tipo de instituição eclesiástica, denominam-
se ‘Centros de Recuperação’ e objetivam o tratamento e a recuperação de usuários
dependentes de substâncias psicoativas. São financiadas ou co-financiadas pelo Estado, e
utilizam a evangelização e a conversão religiosas como principais formas para a recuperação
e reabilitação dos usuários dependentes de substâncias psicoativas, tendo a oração e a
28
abstinência como um dos principais fatores para seu modelo de tratamento (RIBEIRO;
MINAYO, 2015), podendo também ser considerada uma técnica de subjetivação.
Outra técnica de tratamento que também é utilizada, conforme a necessidade, são os
tratamentos convencionais como os farmacológicos, psicoterápicos e de comorbidades. Os
tratamentos farmacológicos ou com medicamentos visam tratar as intoxicações, a síndrome de
abstinência e a síndrome de dependência das substâncias psicoativas. (PECHANSKY et al.,
2015). Esses medicamentos ou psicofármacos utilizados são produzidos em farmácias,
hospitais ou empresas farmacêuticas respeitando as especificações técnicas e legais da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Contudo, para que os resultados de sua
administração alcancem os objetivos desejados, não podemos colocar os medicamentos como
protagonistas do tratamento, mas como coadjuvantes, pois seu uso também carece de
indicação médica, posologia, frequência e tempo de utilização. (SOUZA, et al., 2015).
Os tratamentos psicoterápicos utilizam técnicas com enfoque cognitivo-
comportamental trabalhando questões como saber lidar com frustações e entrevistas
motivacionais.
Psicoterapia é um tratamento psicológico que tem por objetivo modificar pensamentos, sentimentos e comportamentos-problema, criando um novo entendimento dos pensamentos e sensações responsáveis pela dificuldade ou problema observado. O clima de apoio e respeito pelo paciente permitem ao terapeuta executar, com a participação deste, as mudanças necessárias para um reequilíbrio de sua vida sem a necessidade de utilizar drogas (WOODY, 2003 apud PECHANSKY et al., 2015, p.81)
Pechansky et al. (2015) afirmam que há diversos tratamentos psicoterápicos
desenvolvidos para os usuários em dependência de substâncias psicoativas: 12 passos (AA,
Al-Anon, Alateen, NA); Entrevista motivacional; Intervenção breve e técnicas de moderação;
Prevenção de recaída; Terapia de família; Psicoterapia dinâmica; Terapia cognitivo-
comportamental; entre outros. Neste universo de variedades de terapias, há controvérsias
sobre qual modelo é o mais adequado, com “indicações, contraindicações e formas especificas
de abordagem que podem favorecer o sucesso ou o fracasso de uma psicoterapia para
pacientes usuários de drogas”. (PECHANSKY et al., 2015). Os autores também comentam
que a escolha da (s) técnica (s) mais adequadas influenciam diretamente no resultado do
tratamento, e, portanto, exigem um profundo conhecimento, bem como uma dose maciça de
criatividade para mescla-las e atingir os objetivos almejados.
Todas essas técnicas que podemos considerar como de subjetivação, possuem um
29
objetivo em comum, que é construir novos modos de agir, pensar, se relacionar consigo, com
os outros e com a sociedade (PECHANSKY et al., 2015). Tais processos, considerando os
entendimentos de Foucault, buscam de uma forma mais ampla, construir o sujeito pelas
técnicas de objetivação e subjetivação que lhes são aplicadas, ou seja pela objetivação no
campo dos saberes, a objetivação nas práticas do poder que divide e classifica e a subjetivação
de um indivíduo que trabalha e pensa sobre si (FOUCAULT, 1995; VEIGA-NETO, 2017).
A complexidade desse sistema suscitou refletirmos sobre como as Comunidades
Terapêuticas produzem ou tentam produzir determinados projetos de sujeito, e qual a visão
que esses indivíduos possuem sobre as técnicas que lhes são impostas. Essas incertezas e
conjecturas sobre este processo instigaram a curiosidade e vontade para elucidarmos vários
aspectos intrínsecos a este processo, e servir de base para a otimização nos tratamentos nessas
instituições. Foi a partir dessas relações culturais sobre o tema em questão que empreendemos
esta pesquisa, denominada ‘Poder disciplinar e o cuidado de si nas Comunidades
Terapêuticas: A formação de projetos de sujeito em usuárias de substâncias psicoativas’, na
qual buscamos compreender, enquanto objetivo geral de pesquisa, como as técnicas de
recuperação no tratamento dos usuários de substâncias psicoativas desenvolvidas em uma
Comunidade Terapêutica de um município do Vale do Itajaí/SC constituem determinados
projetos de sujeito, possuindo como objetivos específicos, identificar quais são as técnicas
utilizadas na recuperação dos usuários de substâncias psicoativas; verificar quais as técnicas
de recuperação têm maior inferência no processo de subjetivação dos usuários de substâncias
psicoativas e identificar se existem ligações entre o sujeito, as técnicas de recuperação e os
projetos de sujeito.
Desta maneira, para atender a problemática de pesquisa, estruturamos e organizamos
esta dissertação da seguinte forma: no capitulo 2 – Metodologia, descrevemos os caminhos
percorridos por essa pesquisa, apresentando as características da pesquisa realizada, assim
como, os modos pelos quais se conduziu a produção do material empírico.
No capítulo 3 – Análise e discussão, apresentamos a discussão em torno do tema
central de pesquisa. Procedemos a análise do material empírico produzido, através de dois
vetores principais: ‘disciplina’ e ‘esperança’. No primeiro vetor, ‘disciplina’, analisamos os
entendimentos das residentes sobre o termo, os motivos e a importância da internação e como
as técnicas de objetivação (poder disciplinar) existentes na instituição, em conjunto com a
singularidade de cada história de vida, ou seja, sua vivência, experiência, família, motivo,
objetivo de vida, real vontade, entre outros, que cada residente traz consigo para o
internamento, acabam influenciando em seus processos de constituição de projetos de sujeito.
30
Já no segundo eixo, ‘esperança’, apresentamos alguns fatores que influenciam a permanência,
continuidade do tratamento, e como o cuidado de si através das diversas técnicas incluindo a
religião, auxilia na produção de determinados projetos de sujeito.
Finalmente concluímos a dissertação apresentando nas considerações finais
informações sobre os motivos das internações, bem como a análise e interpretação do material
empírico produzido através do desenvolvimento dos estudos de Michel Foucault sobre o
sujeito, poder disciplinar e cuidado de si, utilizados como função analítica. As análises desse
material sugerem que não é um mecanismo ou técnica em específico, mas um conjunto de
mecanismos de objetivação (poder disciplinar) constituídos por técnicas de divisão do tempo
e do espaço, e mecanismos de subjetivação (cuidado de si), ou melhor, a adoção de uma nova
filosofia de vida, que interagem concomitantemente na constituição de determinados projetos
de sujeito (religiosos, individualizados, produtivos e dóceis) adequados às premissas de
ordem social.
31
2 METODOLOGIA
2.1 A PRIMEIRA IMPRESSÃO É A CHAVE DE TUDO
Para descrevermos os caminhos que percorreram essa pesquisa é importante
enfatizarmos de início que alguns aspectos de sua metodologia como abordagem,
classificação, procedimentos e instrumentos de coleta serão identificados, fundamentados e
discutidos durante o decorrer deste capítulo.
Para posicionarmos a metodologia da pesquisa em relação a seus objetivos, como
tradicionalmente os saberes no âmbito das metodologias de pesquisa o fazem, esta é
classificada como exploratória. Esse modelo de pesquisa procura desenvolver, esclarecer e
modificar conceitos e ideias. É utilizado principalmente quando o tema escolhido é pouco
explorado, impossibilitando formular hipóteses precisas e operacionalizáveis (GIL, 2010;
2014). Busca aproximar o pesquisador ao objeto de estudo, procurando principalmente o
aprimoramento de ideias ou descoberta de intuições. Possui uma grande flexibilidade em seu
planejamento, possibilitando a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato ou
fenômeno estudado (GIL, 2010; 2014).
O procedimento para coleta de informações foi a pesquisa de campo onde é comum a
utilização de diversos instrumentos, como a entrevista e a observação participante,
considerados importantes componentes para esse tipo de pesquisa (CRUZ NETO, 1998; GIL,
2002). Para esclarecermos a interpretação que pode ter a palavra ‘campo’, Flick (2004) afirma
que pode ter diferentes significados, podendo ser uma instituição, uma subcultura, uma
família, um grupo específico, empresas, entre outros. Considerando as informações de
Minayo, Cruz Neto (1998, p.53) escreve: “concebemos campo de pesquisa como o recorte
que o pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade empírica a ser
estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto da investigação”.
Portanto a seleção desse tipo de pesquisa aparentou ser a mais apropriada para nosso estudo.
Dando início a fase prática de campo, na data agendada com a direção da instituição,
realizamos o primeiro contato com as possíveis participantes. Para criarmos um cenário de
pesquisa que conquistasse respeito e confiança, alguns cuidados foram observados, como
lembra Rey (2005), a apresentação é o primeiro momento da pesquisa, onde informações
significantes podem aparecer sobre o objeto de pesquisa (REY, 2005). Apesar de ser uma
parte muito importante para conseguir informações, “é um momento de comunicação que
pode tomar diferentes sentidos para os participantes e que não garante sempre o que deles se
32
espera” (REY, 2005, p.87). A utilização de trajes adequados, uso de termos e falas coerentes
de fácil entendimento e compreensão, além do cuidado com expressões corporais e faciais não
apropriadas para a ocasião foram alguns dos cuidados que tomamos para este encontro. Outra
precaução que pareceu pertinente foi selecionarmos um espaço apropriado, dentro da
instituição, de comum acordo com as participantes e sua direção, que na medida do possível
possuísse dimensões apropriadas para abrigar confortavelmente todos os participantes desse
encontro, e ser protegido de ruídos e interrupções externas. Selecionado o local, a instituição
disponibilizou cadeiras para esta reunião. Para proporcionarmos uma melhor interação com as
possíveis participantes, “dispomos as cadeiras em círculo, formando uma roda, de forma que
todos pudessem se ver mutuamente enquanto as falas” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018).
Sobre esse assunto Cruz Neto (1998) lembra que apesar do pesquisador e o entrevistado terem
diferentes planos, ambos buscam o entendimento mútuo. E alerta que o objetivo principal do
pesquisador não deve ser tornar-se um igual, mas ser aceito para convivência, assim essa
interação não pode se limitar a entrevistas e conversas, mas também a compreensão das falas
dos sujeitos (CRUZ NETO, 1998).
Fazendo um breve parêntesis sobre um termo, ou melhor um instrumento para coleta
de dados que apareceu nesta explanação, esclarecemos que o diário de campo serve para
registrarmos as informações obtidas através da observação participante. Segundo Minayo
(2014) o diário de campo nada mais é que um simples bloco de notas em que o pesquisador
vai anotando o que observou e que não faz parte das falas de nenhuma entrevista. Esclarece
que é importante anotar suas próprias impressões pessoais que possivelmente mudara com o
tempo, conforme a vivência, a aceitação por parte do grupo, as conversas informais, além de
muitos outros aspectos relacionados a convivência do pesquisador no campo. Em relação a
esse instrumento Gil (2014) afirma que o diário de campo é o meio mais usual para se fazer o
registro por escrito de uma observação, e que na medida do possível seja feita no momento
em que ela ocorre. Sobre como anotar, Cruz Neto (1998) alerta que quanto mais completo e
detalhado forem as anotações no diário de campo, maior será a ajuda que fornecerá para a
discussão e análise do objeto de estudo. É um objeto que devemos recorrer a todo momento
da pesquisa e não devemos menosprezar sua importância, pois é nele que diariamente
anotaremos percepções, sentimentos, angústias, questionamentos e informações obtidas, logo
deve ser pessoal e intransferível (CRUZ NETO, 1998).
Dando início à reunião, que teve duração de uma hora e trinta minutos, e considerando
os aspectos teórico-metodológicos acima levantados, “ocorreu nossa apresentação, e logo
após, solicitamos as participantes que em suas apresentações, falassem seu nome, idade, e
33
quanto tempo estavam internadas” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). A fim de
organizarmos e evitarmos preferências ou escolhas, “pedimos a cada participante que
levantasse a mão para ordenarmos e registrarmos a sequência da ordem das falas” (DIÁRIO
DE CAMPO, 05/09/2018). Após anotarmos a sequência em que foram levantadas as mãos, ao
final de cada apresentação, indicávamos a próxima participante que iria se pronunciar. Após o
termino de todas apresentações, solicitamos especial atenção ao que iriamos falar, para que o
entendimento sobre a participação nessa pesquisa não deixasse dúvidas sobre quais os papéis
que seriam destinados a cada um dos envolvidos, pois uma importante característica da
pesquisa qualitativa é buscar ter “acesso a temas que são íntimos e muito sensíveis para as
pessoas pesquisadas, como, por exemplo, o abuso sexual, as drogas, a violência familiar, a
identidade dos doentes crônicos, entre muitos outros” (REY, 2005, p.85), casos que foram
comuns nas histórias de vida das entrevistadas, por exemplo. E ainda, a pesquisa qualitativa
“usa dados que ocorrem naturalmente para encontrar as sequências (“como”) em que os
significados dos participantes (“o que”) são exibidos e, assim, estabelecermos o caráter de
algum fenômeno”(SILVERMANN, 2009, p.51).
Como ao fazer pesquisa qualitativa procuramos “profundidade, plenitude e produção
de conhecimento de forma verticalizada, buscando a essência do assunto” (BONAT, 2009,
p.12), para elucidarmos as relações sociais considerando hábitos, crenças, atitudes e valores
(MINAYO, 1998), tornou-se necessário a formalização para sua execução. Desta forma era
imprescindível a aceitação formal por parte das participantes para participar da pesquisa.
Isso posto, para construirmos um vínculo e adesão à pesquisa, informamos as
participantes que suas participações eram voluntárias e que a recusa em participar da pesquisa
não acarretaria qualquer penalidade, custo ou perda de benefícios. Também esclarecemos que
a aceitação inicial da participação não implicava na obrigação de fazer parte da pesquisa até
seu final, bastando, a qualquer momento comunicar sua intenção de desligamento sem
nenhuma necessidade de explicação ou justificativa. Além da adesão, esse esclarecimento
buscou dar segurança as participantes, propiciando uma aproximação e garantindo que a
pesquisa se realizasse da melhor forma possível, como afirma Cruz Neto (1998), ao ressaltar
que para uma pesquisa transcorrer da melhor forma possível é necessário buscar uma
aproximação com as pessoas envolvidas, além de ser “[...] fundamental consolidarmos uma
relação de respeito efetivo pelas pessoas e pelas suas manifestações no interior da
comunidade pesquisada” (CRUZ NETO, 1998, p.55), e mais, propõe ainda que a aproximação
entre o pesquisador e as participantes seja gradual, “[…] onde cada dia de trabalho seja
refletido e avaliado, com base nos objetivos preestabelecidos” (CRUZ NETO, 1998, p.55). O
34
cuidado com essa aproximação também é realçado por (REY, 2005, p.86) quando afirma “[...]
o grupo não é uma soma de indivíduos, mas um espaço de reflexão coletiva que necessita da
constituição da subjetividade grupal” e está sujeita a diversos e imprevisíveis
desdobramentos, resultante do modelo desenvolvido que é baseado nas variadas informações
empíricas que o pesquisador deu significado (REY, 2005).
Logo após essa fala inicial, apresentamos o projeto de pesquisa, os objetivos propostos
e a metodologia que utilizaríamos para a produção do material empírico que auxiliasse nossa
discussão e compreensão do objeto de pesquisa, bem como quais técnicas e instrumentos
seriam utilizados para registro das informações obtidas através das falas e da observação de
seu cotidiano. Sobre a apresentação da pesquisa ao público investigado, Rey (2005) lembra
sobre a importância de formar um cenário “que faça os participantes refletirem sobre suas
preocupações e necessidades fundamentais” (REY, 2005, p. 84).
A importância da apresentação do universo da pesquisa as participantes são
enfatizadas por Cruz Neto (1998) quando escreve:
[…] é importante a apresentação da proposta de estudo aos grupos envolvidos […] de estabelecermos uma situação de troca […] a busca das informações que pretendemos obter está inserida num jogo cooperativo, onde cada momento é uma conquista baseada no diálogo e que foge a obrigatoriedade […] não são obrigados a uma colaboração sob pressão. Se o procedimento se dá dentro dessa forma, trata-se de um processo de coerção que não permite a realização de uma efetiva interação (CRUZ NETO, 1998, p.55).
Após a explicação do projeto e da necessidade do consentimento para participação,
apresentamos o ‘Termo de Consentimento Livre e Esclarecido’. Explicamos de forma
detalhada todos os tópicos descritos no termo e esclarecemos todas as dúvidas que surgiram,
lembrando que por ser uma pesquisa que evita números e trabalha com as interpretações das
realidades sociais (BAUER; GASKEL, 2003), ou seja, ser uma pesquisa que “[…] analisa o
exame da natureza, do alcance e das interpretações possíveis para o fenômeno estudado [...]
buscando a essência do fenômeno ou teoria” (BONAT, 2009, p.12), as dúvidas surgidas e as
explicações que derivaram foram necessárias para não apenas esclarecermos a pesquisa, mas
criarmos vínculos e adesão dos participantes juntos à pesquisa.
Dando prosseguimento a primeira reunião com as participantes, solicitamos que
respondessem se participariam ou não da pesquisa. A adesão foi total das que estavam
presentes (treze residentes), ficando a explanação e detalhamento da pesquisa para as que não
estavam postergada para uma outra ocasião, a fim de verificarmos sua vontade ou não de
35
adesão1. No total, nesta data, estavam residindo na instituição dezessete pessoas em
tratamento e três em reinserção social pós tratamento2 sendo que duas estavam na cozinha
organizando e preparando as refeições, outras duas estavam fora auxiliando a limpeza de
outra instituição coligada. Esse interesse e solicitude em participar da pesquisa foi um fato
muito importante, demonstrando que o planejamento que realizamos para a apresentação e
inserção ao campo foi adequado para a obtenção das informações necessárias para a produção
do material empírico, ou como descreve Flick (2004, p.70), “[…]as informações que o
pesquisador terá acesso e de quais ele continuará excluído depende essencialmente do sucesso
na adoção de um papel ou de uma postura apropriados”.
Com o consentimento verbal de todas residentes presentes, oficializamos e
regulamentamos sua participação na pesquisa entregando o ‘Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido’ para assinatura. O termo foi feito em duas vias, e após assinado, uma via ficou
com cada participante e a outra com os pesquisadores.
Definido a população da pesquisa, demos por encerrado a reunião e agradecemos o
interesse, contudo antes da despedida, fomos questionados sobre a possibilidade de
ministrarmos a seguir alguma atividade, dinâmica, brincadeira, aula, etc., conforme podemos
observar na fala da participante P6 “ podia começar hoje dando algum tipo de atividade”
(DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018), pois naquele dia da semana as participantes não tinham
nenhuma atividade programada para o período vespertino. Após rapidamente refletirmos e
considerarmos que para a pesquisa de campo “a relação do pesquisador com os sujeitos a
serem estudados é de extrema importância” (CRUZ NETO, 1998, p. 52), “propomos a
realização de uma dinâmica com barbante a fim de nos conhecermos e assim construirmos
uma melhor aproximação” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). Neste momento o sujeito
pesquisador foi deslocado para a posição de sujeito professor, pois naquele momento,
situação, e interesses envolvidos, nossa formação acadêmica acabou superando nossa posição
de sujeito pesquisador. Outro motivo para a aceitação e realização, foi proporcionado pelo
entendimento que em uma pesquisa, os pesquisadores “[…] devem assumir certos papéis e
posições [...] as vezes indiretamente e/ou a contragosto” (FLICK, 2004, p.70), e ainda que ao
“[…] assumir ou ser designado a um papel, deve ser visto como um processo de negociação
1 Devido a ausência no dia da primeira reunião e da rotatividade de residentes, a apresentação da pesquisa, para as que não estavam ou ingressaram depois foi feita individualmente com os mesmos cuidados adotados quando da apresentação inicial. 2 Na reunião inicial havia 20 residentes na instituição, sendo 17 em tratamento e 3 em reinserção social, porém devido a natureza do tratamento ocorre uma alta rotatividade de residentes, com abandonos e término do período de internação. Durante o período da pesquisa ocorreram 9 abandonos, 3 términos de tratamento e entraram mais 10 residentes. No total a pesquisa finalizou com 15 residentes em tratamento e 4 em reinserção social. Nem todas as residentes que terminam o tratamento permanecem em reinserção social, elas podem retornar para suas famílias após o tratamento. Durante a pesquisa tivemos um total 27 participantes.
36
entre pesquisador e participantes, o qual atravessa estágios” (FLICK, 2004, p.70). Outro fator
que despertou nosso interesse em aceitarmos o prolongamento desse primeiro dia de contato
foi compreendermos que a pesquisa de campo, pode ser entendida como um momento
relacional e prático em que as inquietações nos conduzem a desenvolver a pesquisa no
universo do cotidiano (CRUZ NETO, 1998).
A disponibilidade e sugestão da dinâmica se deu por acreditarmos que esta atividade
poderia proporcionar a obtenção de algumas informações necessárias, e que na pesquisa
qualitativa o pesquisador não pode ter neutralidade, pois sua importância, experiência e
comunicação são fatores decisivos para a pesquisa, desta forma deve adotar uma postura
participativa e integrativa em relação as pessoas que serão entrevistadas e observadas
(FLICK, 2004), e ainda, também deve ser capaz de ver “através dos olhos daqueles que estão
sendo pesquisados” (BYRMAN, 1988, p. 61 apud BAUER; GASKELL, 2003, p.32).
Tendo a sugestão acatada por parte de todas as participantes, lembramos que as falas
realizadas durante a dinâmica seriam gravadas para registro das informações que surgissem
durante a atividade, e que algumas observações feitas, seriam anotadas em um ‘bloco de
notas’, ou seja, diário de campo. A importância desse instrumento de anotações é realçada por
Gaskell (2003) quando diz:
[…] a medida que a sessão grupal chega ao final, e o gravador está desligado, acontecem discussões semiprivadas entre os próprios membros do grupo e entre alguns do grupo e o moderador. Ha mais coisas a dizer, explicações para tomadas de posição embaraçosas e, de maneira mais geral, uma reentrada para o mundo real. O moderador gostaria que o gravador ainda estivesse ligado pois temas de alguma significância podem ser levantados. Em tais circunstâncias, e sempre uma boa ideia tomar notas depois que os participantes deixaram a sala (GASKELL, 2003, p.76).
A importância da junção da gravação das falas com as anotações é realçada por Gil
(1989, p.121) quando afirma que “o único modo de reproduzir com precisão as respostas é
registrá-las durante a entrevista, mediante anotações ou com o uso de gravador”. Cabe
ressaltarmos que a utilização desses recursos foi condicionada a aceitação e formalização para
participar da pesquisa por parte das participantes conforme descrito no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para garantirmos o anonimato distribuímos números a cada participante, evitando
assim que seus nomes fossem identificados na gravação. Primeiramente “solicitamos que se
identificassem com os seus números e logo após iniciassem suas falas sobre o tema proposto”
(DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). O documento que contém a informação sobre a
37
correspondência entre números e nomes das participantes está em nosso poder e de uso
exclusivo.
Após adotarmos os mesmos cuidados que foram observados na reunião de
apresentação, realizamos uma breve explicação sobre quais os procedimentos que seriam
utilizados naquela dinâmica. Lembramos mais uma vez para não utilizarem seus nomes, e se
identificarem com seus números, “não falem seus nomes, somente seus números e comentem
sobre algum sonho e qualquer outra coisa que quiserem falar sobre suas vidas” (DIÁRIO DE
CAMPO, 05/09/2018). Tal procedimento foi baseado nas recomendações de Gaskell quando
sugere que ao iniciarmos o processo de pesquisa, o pesquisador deve pedir “a cada
participante que se apresente dizendo o nome, e pode acrescentar um pedido para que
adicionem alguma informação pessoal que não cause polêmica” (GASKELL, 2003, p.79). A
solicitação de um sonho e liberdade para exporem qualquer assunto sobre suas vidas, foi por
entendermos que a pesquisa qualitativa além de possuir mais afinidade com os estudos de
grupos, busca informações sobre as histórias sociais sob a ótica dos atores, das suas relações,
com a intenção de realizar análises de discursos (MINAYO, 2014).
Para selecionarmos a sequência de apresentação utilizamos um carretel de barbante.
Após nossa apresentação, seguramos a ponta do barbante e escolhemos uma das participantes
de maneira aleatória, passando o carretel, sendo que o barbante deveria se manter esticado
entre nós. Após se apresentar, a primeira participante continuou segurando a ponta do
barbante que estava esticado, e passou o carretel para a segunda participante, escolhida por
ela, que também deveria manter o barbante esticado entre ela e a primeira participante,
formando uma segunda linha de barbante, todos esticados. Após a apresentação da segunda, o
carretel foi passado uma terceira participante que também deveria manter o barbante esticado,
que passou para a quarta, para a quinta e assim sucessivamente até a última participante,
formando assim uma rede de barbante. Nesse momento pedimos para uma das participantes
balançar as pontas do barbante que segurava, e perguntamos as demais “vocês estão sentindo
o barbante balançar” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). Todas responderam que sim, então
realizamos alguns comentários sobre esse episódio, fazendo uma breve explicação que “da
mesma forma que a ponta de um barbante interfere na rede, a vida de uma pessoa também
está interligada a vida de outras” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). Observamos neste
momento “muita emoção, risos e choros, porém concordaram que suas vidas são sempre
interligadas a de outras pessoas e que ninguém está isento de não interferir em outra vida, seja
direta ou indiretamente” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018).
38
Grosso modo, a dinâmica aplicada que durou aproximadamente duas horas, pode ser
considerada como a primeira entrevista grupal, em que Patton (1990, p.335-336 apud FLICK,
2004, p.125) define como:
[...] técnica qualitativa de coleta de dados altamente eficiente, [que fornece] alguns controles de qualidade sobre a coleta de dados, visto que os participantes tendem a controlar e a compensar um o outro, eliminando, assim, opiniões falsas ou radicais […], e é razoavelmente fácil avaliar até que ponto existe opinião compartilhada, relativamente consistente […] entre os participantes.
Para esclarecermos alguns aspectos em relação ao traçado metodológico desta
pesquisa, e a fim de justificarmos os procedimentos adotados na entrevista, é importante
destacarmos que elas podem ser realizadas na forma individual e/ou coletiva (grupal) e obter
dados objetivos e subjetivos. Esses dados objetivos também podem ser obtidos através de
outras fontes secundárias, como censos, estatísticas e outras formas de registro. Por outro
lado, o subjetivo pode fornecer dados que se relacionam a valores, atitudes e a opiniões do
sujeito entrevistado (CRUZ NETO, 1998; MINAYO, 2014). Assim a entrevista pode ser
entendida antes de tudo como uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, com a
finalidade de levantar informações pertinentes a um objeto de pesquisa através da abordagem
de temas a ele relacionado (CRUZ NETO, 1998; BONAT, 2009; MINAYO, 2014). Para
Gaskell (2003) toda entrevista é um processo social onde a principal interação ocorre através
das palavras, é uma troca de ideias e significados, de forma que o pesquisador e o entrevistado
acabam, de formas diferentes, inter-relacionados para a criação de conhecimento, “e uma
tarefa comum, uma partilha e uma negociação de realidades” (GASKELL, 2003, p.74); sendo,
“portanto, uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo
assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de
informação” (GIL, 2014, p.109).
Em relação a conformação de como foi formulado os questionamentos, esclarecemos
que “[…] as entrevistas podem ser estruturadas e não estruturadas, correspondendo ao fato de
serem mais ou menos dirigidas” (CRUZ NETO, 1998, p.58). Na entrevista estruturada as
perguntas são elaboradas com antecedência e nas entrevistas não estruturadas o entrevistado
aborda livremente o assunto proposto pelo entrevistador (CRUZ NETO, 1998). Gil (2014)
destaca que quanto ao nível de estruturação podemos classificar as entrevistas como:
informais, focalizadas, por pautas e formalizadas; enquanto Minayo (2014) sugere que elas
podem ser caracterizadas pela sua finalidade, organização e planejamento, ou seja, sondagem
39
de opinião, semiestruturada, aberta ou profundidade, focalizada e projetiva. Apesar de
nomenclaturas diferentes, quando analisamos seus procedimentos de coleta, notamos que
essas classificações não são excludentes, mas sim complementares. Portanto as entrevistas
desta pesquisa podem ser classificadas como grupal com a caracterização dos
questionamentos de forma informal, aberta ou de profundidade conforme denominação dos
autores mencionados.
A importância da entrevista nesse tipo de pesquisa é enfatizada por Cruz Neto (1998,
p.57), quando afirma que é “[…] o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através
dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais”. Gil (1989;
2014) argumenta que, para muitos autores, a entrevista é provavelmente a mais flexível e uma
das mais importantes técnicas das Ciências Sociais, sendo sua importância comparada ao tubo
de ensaio para a química, ou ao microscópio para as áreas que se dedicam ao estudo de
microrganismos.
Cabe salientarmos que esse primeiro encontro se mostrou muito produtivo, pois além
de obtermos relatos muito significativos, “a entrevista transcorreu de forma tranquila, com
muitas lágrimas e gargalhadas, com intensa participação e emoção” (DIÁRIO DE CAMPO,
05/09/2018). Tal relevância é observada quando consideramos que a entrevista não é
simplesmente uma conversa despretensiosa e neutra, pois tem como objetivo a coleta de
informações relatados pelos atores sobre o objeto da pesquisa (CRUZ NETO, 1998; GIL,
1989; 2014). Enfim, a dinâmica empregada para aproximação se mostrou muito eficiente pois
conseguiu, além da obtenção das informações das falas, proporcionar uma maior aproximação
e ganho da confiança junto as residentes conforme podemos ver na fala da participante P2 “o
professor volta semana que vem né, porque você é dez, adorei” (Diário de Campo,
05/09/2018).
A fim de obtermos informações mais detalhadas Minayo (2014) afirma que quando a
entrevista é realizada em grupo pode ter função complementar à observação participante, ou
ao contrário, ser a modalidade específica da abordagem qualitativa. Desta forma, além da fala
também se terá o contexto, e assim “[...] o investigador terá em mãos elementos de relações,
práticas, cumplicidades, omissões e imponderáveis que pontuam o cotidiano” (MINAYO,
2014, p.263). Através desse entendimento, durante esse encontro, além da entrevista também
utilizamos a observação participante, onde conseguimos constatar que:
[...] quando as participantes falavam de seu passado, choravam e/ou mudavam de entonação, falando baixo com voz de choro, pois retratavam
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fatos de sua vida que tinham vergonha ou arrependimento, em contrapartida, mostravam alegria e emoção quando falavam de seus anseios e desejos (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018).
Sobre esse fato podemos dizer que a observação participante é “[...] um processo pelo
qual mantem-se a presença do observador numa situação social [...] ao participar da vida
deles, no seu cenário cultural, colhe dados” Schwartz & Schwartz (1955 apud MINAYO,
2014, p.273-274). Desta forma podemos considerar que a observação participante é uma
técnica que propicia o conhecimento da vida de um grupo através do interior dele mesmo
(GIL, 2014).
Outro fato que observamos foi a solidariedade das demais participantes a cada relato,
“variadas expressões faciais e corporais eram adotadas, como, por exemplo, chorar, abaixar a
cabeça ou se esticar na cadeira olhando para cima, ou ainda rindo e aplaudindo” (DIÁRIO DE
CAMPO, 05/09/2018). Tais ocorrências se alteravam a cada momento da narrativa, de certa
forma “se identificavam com as histórias de vida e os motivos que as trouxeram a
Comunidade Terapêutica, e desejavam sucesso e felicidade quando ouviam seus anseios e
desejos” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). Lembrando Bonat (2009), a observação direta
é uma das formas da pesquisa de campo, onde o pesquisador presencia no próprio local da
pesquisa os fatos, falas, testemunhos e fenômenos sem a intermediação de outras pessoas.
Ratificando esta ideia, Flick (2004, p.171) afirma que a observação participante “[…] tenta
compreender as práticas, as interações e os eventos que ocorrem em um contexto específico –
a partir de dentro, na figura do participante, ou de fora, na de mero observador”.
Para legitimarmos a utilização da técnica de observação participante em conjunto com
a entrevista, consideramos os entendimentos de Gil (1989) quando esclarece que essa técnica
sempre é utilizada quando se pretende obter informações extras, articuladas ou não com
outras técnicas, como, por exemplo, a entrevista, ou ainda, podendo ser utilizada de forma
singular. Seu uso objetiva única e exclusivamente a obtenção de informações, e por isso “a
observação chega mesmo a ser considerada como método de investigação” (GIL, 1989, p.
104). Flick (2004) afirma que a observação participante conjugada às competências da fala e
escuta das entrevistas são instrumentos amplamente utilizados na pesquisa de campo de
abordagem qualitativa. Tal importância podemos observar nas descrições acima quando
mencionamos os aspectos físicos e emotivos das residentes quando ouviam ou realizam as
falas, desta forma podemos ter uma noção geral da reunião, pois além das falas também temos
registrado o contexto de como ocorreu a reunião.
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Terminada a entrevista, todos os participantes tomaram o café da tarde que ocorre todos os dias no mesmo horário na Comunidade Terapêutica. Findado o café, voltamos para o local da entrevista, para realizarmos uma ‘sessão de cinema’, assistindo um filme que possuíamos gravado em um pendrive. Durante o filme, foi servido pipoca, refrigerantes e chocolate que fomos comprar para esse evento. Findado o filme, nos despedimos e demos por encerrado os trabalhos deste dia (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018).
Logo, ao utilizarmos os instrumentos para coleta de informações para a produção de
material empírico nessa pesquisa, procuramos atentar para as considerações apresentadas pela
literatura estudada sobre as metodologias de pesquisa. Em relação as atividades extra
entrevista, estas podem serem interpretadas como o início de uma tentativa de, na medida do
possível, assumir o papel de membro interno ao grupo e ao mesmo tempo colocar-se no status
de estranho (FLICK, 2009).
2.2 ESTRUTURA FÍSICA E FUNCIONALIDADE NA PRODUÇÃO DO SUJEITO
Entendendo que na pesquisa qualitativa o local é a fonte direta de informação, onde se
tem acesso direto ao ambiente e ao objeto de estudo (PRODANOV; FREITAS, 2013; REY
2005), realizamos a segunda visita, com duração de três horas, para de forma informal
interagirmos com as residentes e procurarmos mapear a estrutura física da instituição.
Primeiramente expomos que ela está localizada no município de Itajaí, situado no litoral norte
do Estado de Santa Catarina, região sul do Brasil. Este município foi colonizado por
portugueses no século XVIII e por alemães no século XIX, e tem uma forte ligação com a
navegação abrigando um dos maiores complexos portuários do país. É conhecida também
como capital nacional da pesca por abrigar cerca de 50 empresas beneficiadoras e mais de 500
barcos pesqueiros que produzem aproximadamente 500 mil toneladas de pescado por ano
(ITAJAÍ, 2018, online). É considerada uma cidade universitária com mais de 24 mil alunos da
Universidade do Vale do Itajaí, que é uma das maiores instituições de ensino do Brasil,
possuindo mais de 60 cursos superiores. O município realiza duas tradicionais festas, a saber,
em outubro o seu maior evento popular, a Marejada, Festa Portuguesa e do Pescado, e em
julho a cidade homenageia o homem do campo e ressalta sua importância para a sociedade
com a Festa Nacional do Colono. A cidade também é sede do Festival de Música,
considerado o maior evento do gênero do estado e um dos maiores do país. A cidade por 3
vezes foi sede da Volvo Ocean Race no Brasil, que é a regata oceânica mais antiga e
42
conhecida em torno do mundo, com escalas em vários países, sendo realizada de três em três
anos (ITAJAÍ, 2018, online).
A instituição aqui investigada é considerada uma Comunidade Terapêutica e possui 19
anos desde sua fundação, é uma associação privada e filantrópica. É considerada uma
associação em defesa de direitos sociais que atua no acolhimento e tratamento de mulheres
adultas com transtornos decorrentes do uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas,
que vivem em situação de risco e vulnerabilidade social e familiar. Para tratamento faz uso da
abordagem biopsicossocial e espiritual, e propõe levar as residentes a uma consciência crítica
para uma mudança nos padrões e estilo de vida, podendo assim retornar ao convívio social e
familiar (IGREJA REVIVER, 2018, online). Sobre como está disposta suas instalações,
percebemos que:
Suas instalações estão localizadas em um imóvel alugado cercado com dimensões aproximadas de 3000 m2. Na parte frontal do imóvel possui uma construção em alvenaria onde está localizada as instalações da Comunidade Terapêutica. Na parte dos fundos do imóvel ha mais duas casas de madeira onde moram uma das monitoras com sua família e a família de uma funcionária da igreja a qual a Comunidade Terapêutica tem vínculo (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018).
Neste mesmo dia, anotamos no Diário de Campo (07/09/2018) os seguintes dizeres
sobre a estrutura física da instituição.
Atualmente a instituição é composta pelas seguintes dependências: 6 dormitórios (4 dormitórios com 4 leitos; 1 dormitório com 10 leitos e 1 dormitório com 2 leitos, perfazendo um total de 28 leitos); 1 cozinha; 3 banheiros; 1 escritório; 1 sala de consulta; 1 ambulatório; 1 refeitório; 1 almoxarifado; 1 sala de aula; 1 lavanderia; 1 sala de costura e 1 garagem. Além dessas dependências a instituição possui uma academia ao ar livre3, uma horta, um jardim, e uma área descoberta onde são realizados diversos tipos de atividades. A montagem e manutenção da horta é feita pelo curso de Agronomia da Universidade do Vale do Itajaí. Suas visitas são esporádicas e as residentes, caso queiram, podem auxiliar na manutenção.
Em relação aos equipamentos, móveis, eletrodomésticos e utensílios de cada
dependência, constatamos que:
A sala de aula possui 1 quadro; 12 mesas com cadeiras, 1 armário, 1 televisor e 1 DVD; o refeitório possui uma mesa retangular de aproximadamente 6 metros de comprimento com 4 bancos e, caso necessite,
3 São equipamentos de musculação utilizam o peso corporal para realizar os exercícios.
43
diversas cadeiras plásticas; a cozinha possui móveis, equipamentos e utensílios usuais como: armários, geladeira, fogão, micro-ondas, copos, pratos, etc.; a lavanderia possui 2 máquinas de lavar; 2 freezers e um tanque; o escritório possui 1 escrivaninha com cadeira, 2 cadeiras, 1 computador, 1 impressora e 2 armários; a sala de consulta possui 1 mesa e 3 cadeiras; a sala de costura possui 6 maquinas de costurar, 1 mesa com 2 cadeiras e 2 armários para guardar panos e fio e o almoxarifado possui 2 armários onde são guardados os alimentos, materias de limpeza, etc. (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018).
Após essa verificação sobre como era composta a estrutura da instituição, e diversas
conversas informais, tomamos o café da tarde junto com as residentes e as monitoras, demos
várias risadas com a conversa que tivemos e logo após fomos embora dando por encerrado e
concluída a tarefa de campo neste dia.
A terceira visita, com duração de quatro horas, teve como propósito descobrir como
ocorre a internação das residentes na instituição e qual a metodologia utilizada no tratamento.
Para isso, de forma informal inicialmente conversamos com a direção4, obtendo as seguintes
informações:
[...] o acolhimento para tratamento na Comunidade Terapêutica se realiza através de solicitações realizadas diretamente a direção da instituição. Após análise e aprovação para sua admissão, a usuária de substâncias psicoativas é inscrita em um dos três convênios que são responsáveis pelas despesas de sua estadia durante o período de internação. O primeiro convênio é o municipal que disponibiliza verbas para as despesas de até 15 usuárias, e para ser inscrita neste convênio, a usuária deve ser residente no município; o segundo convênio é com o Programa Rede Estadual de Atenção a Dependentes Químicos (REVIVER), que garante a internação de até 10 usuárias em Comunidades Terapêuticas do Estado de Santa Catarina que estejam conveniadas ao programa; e o terceiro convênio é com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (SENAD) que disponibiliza verbas para a estadia de até 6 usuárias. Cabe ressaltar que os valores repassados para o Centro de Recuperação não são uniformes, diferem conforme o convênio (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018).
A fim de identificarmos qual a modelo de programa de tratamento adotado pela
instituição, questionamos a direção sobre qual os programas de tratamento para recuperação
utilizavam, então fomos informados que “[...] adotam a abordagem biopsicossocial e
espiritual” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018). Apesar dessa informação, que já tínhamos
conhecimento pelo site da instituição, conversamos com algumas residentes para sabermos se
todas sabiam qual o método de tratamento utilizado pela instituição, e percebemos que 4 Nomenclatura que usei para se referir ao coordenador, assistente social, psicólogo e monitores de forma individual ou coletiva.
44
“[...]umas não sabem, outras falaram religião, abstinência e internação” (DIÁRIO DE
CAMPO, 12/09/2018). Contudo também houve menção sobre os cartazes que estão expostos
nas paredes da sala de aula que retratam esse assunto conforme podemos identificar na fala da
participante P4 (12/09/2018)5 quando diz: “professor lá na sala de aula tem uns cartazes que
explicam isso que o senhor quer saber” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018). Esses cartazes
que na verdade são banners, já havíamos observado na visita anterior, onde descrevem que o
programa de tratamento para recuperação utiliza os 12 passos cristãos. Essa proposta de
tratamento procura integrar o programa dos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos (AA) e os
ensinamentos da Bíblia. O site Só em Cristo há vida esclarece que:
Os doze passos são sugestões de conduta ideais para nos libertarmos de problemas emocionais, dependências, compulsões, solidão e uma série de comportamentos indesejáveis que adquirimos como consequência de nossa separação de Deus que nos levam ao sofrimento”. Seu fundamento se baseia nos princípios cristãos, contudo não estão subordinados a nenhuma religião em especial, seu uso aplica-se a espiritualidade através da Bíblia. Este programa é aplicado a qualquer pessoa cristã ou não de qualquer entidade, sem restrição (LOIOLA, 2018, online).
A preocupação em observarmos e identificarmos o maior número de detalhes
possíveis e compreendermos o discernimento que as residentes possuem sobre o programa de
tratamento é justificado ao interpretarmos que na pesquisa qualitativa procuramos elucidar a
dinâmica das relações sociais, elegendo a vivência, a experiência e o cotidiano como variáveis
importantes a serem consideradas durante a análise. Entendemos que a ação humana
objetivada é responsável pela concepção das estruturas e instituições, ou seja, “desse ponto de
vista, a linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis” (MINAYO, 1998, p.24).
Outro fato que observamos nos banners são os objetivos e procedimentos propostos
pelo tratamento. Um dos banners descreve que o programa de tratamento procura levar a
residente a reflexão, compreensão e aceitação dos seguintes pensamentos, como podemos ver
nos excertos a seguir que foram anotados no Diário de Campo (12/09/2018):
ü Estou aqui porque perdi o controle sobre a minha vida;
ü Meus pensamentos, atitudes e comportamentos tornaram minha existência um pesadelo;
ü Minha identidade pessoal e social formou uma pessoa deslocada do mundo, sinto-me só e
perdida, isolada de mim e dos outros;
ü Estou procurando uma saída, preciso saber de onde estou vindo e para onde vou;
5 A sigla “P” significa participante, e a data ao lado refere à realização da entrevista.
45
ü Devo parar de fugir e olhar para mim mesma, tenho que enfrentar essa situação, não
posso mais ter medo de ser reconhecida;
ü Só assim posso conhecer a mim e as outras pessoas, e deixar de ser solitária;
ü Tenho que assumir um compromisso de mudança e de crescimento pessoal, ser
consciente e compreender a minha capacidade de criação;
ü Aqui, junto com minhas irmãs posso entender que sou produtiva e de valor, não estou
sozinha, sou parte de um todo, e dou minha participação para a sociedade;
ü Juntas, entendo que posso me beneficiar em consideração e crescimento, adquirir
confiança em mim e nos outros;
ü Posso transformar minha vida e viver novamente
Em relação à evolução do tratamento e tempo de internação, os banners apresentam a
seguinte informação:
O programa de tratamento da instituição se baseia na evolução a partir do tempo de permanência, e são divididos em 4 estágios: Estágio I (1 mês) – Adaptação, Aceitação, Orientação, Integração; Estagio II (3 meses) – Desenvolvimento pessoal, Responsabilidade, Responsabilização, Senso de utilidade; Estagio III (3 meses) – Multiplicação, Cidadania, Treinamento, Liderança; Estagio IV Reviver (2 meses) – Conclusão, Atitudes, Iniciativas e Resultados, totalizando assim 9 meses de tratamento (Diário de Campo, 12/09/2018).
A cada evolução no tratamento, as residentes são obrigadas a usarem um crachá que as
identificam em que estagio estão, a saber:
“Estágio I – 1 semana vermelho (acolhimento) / depois amarelo; estágio II – verde; Estágio III – azul; Estágio IV – rosa (Diário de Campo, 12/09/2018). Em relação a mudança de cor dos cartões de identificação, ou seja, de um estágio para o outro fui informado pela participante P8 que com exceção ao crachá de acolhimento, ao completar o tempo estipulado para permanência em um determinado estágio, a psicóloga junto com todas as residentes se reúnem para uma análise conjunta decidindo se ela está apta a passar de estágio” (Diário de Campo, 12/09/2018).
Tendo obtido as informações sobre o acolhimento e sobre o programa de tratamento
utilizado pela instituição, após algumas conversas informais com as residentes participamos
novamente do café da tarde. Neste café conseguimos perceber que “nossa presença, já não as
incomoda, interfere ou causa preocupação, a cada dia que passa se sentem mais à vontade e
desinibidas” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018). Logo após nos despedirmos, fomos
embora, concluindo assim mais uma etapa da coleta de informações.
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Em nossa quarta visita, com duração de quatro horas, o planejamento era
conseguirmos informações sobre o cronograma de atividade, bem como quais regras são
adotadas no momento pela instituição. Para tanto, realizamos diversas conversas informais
com as residentes e a direção que possibilitaram a confecção das seguintes tabelas:
Tabela 1: Cronograma das atividades nos dias úteis da semana (horários aproximados)
Horário (h) 2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira
6:45 despertar despertar despertar despertar despertar 7:00 – 8:00 religiosidade religiosidade religiosidade religiosidade religiosidade 8:00 – 8:30 café da manhã café da manhã café da manhã café da manhã café da manhã 8:30 – 9:30 atividade pratica atividade pratica atividade pratica atividade pratica atividade pratica
9:30 – 11:30 culinária livre livre livre livre 11:30 – 12:00 livre livre livre livre livre 12:00 – 12:40 almoço almoço almoço almoço almoço 12:40 – 13:30 descanso descanso descanso descanso descanso 13:30 – 14:00 livre livre livre livre livre 14:00 – 15:00 praticas corporais 15:00 – 16:00 livre 14:00 – 16:00 fundamental fundamental fundamental fundamental livre 16:00 – 16:30 café da tarde café da tarde café da tarde café da tarde café da tarde 16:30 – 18:00 livre livre livre livre livre 18:00 – 18:30 jantar jantar jantar jantar jantar 18:30 – 19:00 livre livre livre livre livre 19:00 – 21:30 médio médio médio médio livre 21:30 – 22:00 livre livre livre livre livre
22:00 recolher recolher recolher recolher recolher Fonte: elaborado pelos autores
Tabela 2: Cronograma de atividades nos finais de semana (horários aproximados)
Horário (h) Sábado Domingo
8:00 despertar despertar 8:15 – 9:15 religiosidade religiosidade 9:15 – 9:45 café da manhã café da manhã
9:45 – 10:45 atividade pratica atividade pratica 10:45 – 12:00 livre livre 12:00 – 12:40 almoço almoço 12:40 – 13:30 descanso descanso 13:30 – 14:00 livre livre 14:00 – 16:00 livre livre 16:00 – 16:30 café da tarde café da tarde 16:30 – 18:00 livre livre 18:00 – 18:30 jantar jantar 18:30 – 19:00 livre livre 19:00 – 21:30 livre livre 21:30 – 22:00 livre livre
22:00 recolher recolher Fonte: elaborado pelos autores
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Para esclarecermos algumas nomenclaturas que aparecem nas tabelas acima,
explicamos que quando citamos religiosidade, estamos falando na leitura da Bíblia, no louvor
(glorificar a Deus através da música) e no devocional (fazer orações, agradecimentos, leituras
e discussões sobre a Bíblia); a atividade pratica está relacionada a limpeza da instituição e
cozinha; quando falamos em fundamental e médio, refere-se as aulas do ensino fundamental
e médio ministradas por professores do Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJAs)6; e
quando nos referimos ao termo livre, é o período que as residentes podem fazer qualquer tipo
atividade desde que não infrinjam os regulamentos internos da instituição.
Além dessas informações sobre o cronograma das atividades, também obtivemos
através das residentes e direção as seguintes informações que foram anotadas no Diário de
Campo (14/09/2018), e sintetizadas para está explanação sobre alguns princípios da
instituição tais como: o ingresso e permanência na instituição é voluntário; ao receber a
terceira notificações socioeducativa a residente é convidada a se retirar da instituição
(Notificação socioeducativa corresponde a uma carta de advertência por algo grave que a
residente fez e que não está em acordo com as regras da instituição); o tempo de internamento
é de 9 a 12 meses; não há privilégios; basicamente o tratamento se baseia no tripé disciplina,
oração e trabalho; o programa de tratamento é baseado nos 12 passos cristãos como já
relatado anteriormente; concluído o tratamento, a residente recebe um certificado de
conclusão por parte da instituição.
Todas essas informações e outras que descreveremos a seguir foram obtidas através
da observação participante, que segundo Gil (2008) é uma técnica que coloca o observador
em uma real participação do conhecimento da vida do grupo, assumindo até certo ponto, o
papel de um de seus membros, ou ainda, como Flick (2009) descreve, a obtenção das
informações deve ser realizada na sua especificidade local e temporal, tendo como ponto de
partida as expressões e as atividades exercidas pelas pessoas em seus contextos usuais.
Voltando as informações obtidas com as residentes e direção, anotadas no Diário de
Campo (14/09/2018), constatamos que a equipe técnica é composta por duas monitoras7, uma
psicóloga e uma assistente social. A psicóloga está presente na instituição na segunda-feira,
6 O Programa de Educação em Espaços de Restrição e Privação de Liberdade é desenvolvido por intermédio dos CEJAs, atende aos jovens e adultos internos de estabelecimentos prisionais, socioeducativos e centros terapêuticos do estado de Santa Catarina e tem como objetivo a oferta de Educação Básica na perspectiva do direito à educação com base na LDB 9.394/1996, no ECA 8.069/1990 e conforme estabelece a Resolução Nº 3 do CNE/2010 e a Resolução nº 110 do CEE/2012. São oferecidos cursos presenciais e avaliação no processo, nos níveis de Ensino Fundamental - Anos Iniciais (1º ao 5º ano), Ensino Fundamental - Anos Finais (6º ao 9º ano) e Ensino Médio, para que os adolescentes, jovens e adultos inseridos no programa, possam iniciar continuar ou concluir o processo de escolaridade básica. Disponível em:< http://www.sed.sc.gov.br/servicos/etapas-e-modalidades-de-ensino/6617-educacao-de-jovens-e-adultos>. Acesso em: 01 de setembro de 2018). 7 Denominação utilizada para se referir as pessoas que cuidam da organização e operacionalidade da instituição.
48
terça-feira e quinta-feira das 09:00 h as 14:00 h; a assistente social está presente na instituição
de segunda-feira a sexta-feira das 14:00 h as 17:00 h; e em relação as monitoras, estão todos
os dias presentes, sendo que uma dorme junto as residentes e a outra com sua família em uma
outra casa localizada na parte dos fundos do terreno onde está localizada a instituição.
Sobre as regras pessoais identificamos que: é obrigatório o cumprimento do horário do
despertar e recolher (exceções feitas em casos excepcionais como ficar doente ou debilitado);
durante a atividade de religiosidade é obrigatória a presença de todas com exceção das
cozinheiras, no local onde se realiza está atividade (a participação ativa não é obrigatória, mas
a presença é indiscutível); é proibido brigar, utilizar qualquer tipo de substância psicoativa
com exceção dos prescritos pelo médico responsável (os remédios prescritos por
recomendação médica ficam guardado e só são disponibilizados pela monitora nos horários
estipulados no receituário); é proibido ter relacionamento sexual; é proibido portar qualquer
tipo de celular, receber cartas e fotos; somente sexta, sábado e domingo nos horários livres é
liberado fazer as unhas, fazer o cabelo e assistir alguns filmes que são disponibilizados pela
equipe técnica da instituição (normalmente religiosos); é obrigatória a vistoria nas malas ao
entrar e sair da instituição; as atividades de higiene pessoal normalmente são realizadas no
tempo livre seguindo uma ordem estabelecida de acordo com o pronunciamento de utilização
anunciado; é expressamente proibido comer ou levar qualquer tipo de alimento para os
quartos, caso os possua deve ficar guardado no almoxarifado, e para ser liberado deve pedir
permissão da monitora que pode ou não negar seu consumo naquele momento; não é
permitido assistir programas de televisão, seja de rede aberta ou fechada.
Em relação às regras de funcionamento durante o primeiro mês de internação, é vetada
a saída e o recebimento de qualquer tipo de comunicação externa; para recebimento do
telefonema da família, só depois de dois meses de internação; o horário para receber ligação
da família é de 2ª a 6ª feiras das 18:00 h as 19:00 h com duração máxima de 10 minutos; para
a residente ter o direito de receber ligação da família no mês, se faz necessário que esta
compareça a reunião familiar organizada pela instituição no segundo sábado de cada mês das
13:30 h as 15:00 h, e após é facultada uma visita as residentes das 15:00 h as 18:00 h caso
tenha mais de um mês de internação; no quarto domingo do mês é permitida a visita da
família as residentes das 14:00 h as 15:00 h, excetuando-se no primeiro mês de internação
quando não se pode receber visitas; para saídas da instituição, somente na companhia de uma
voluntária que já foi interna ou da direção, nunca sozinha (exceção feita as residentes que já
estão nos estágios finais do tratamento, ou seja, reinserção social); após o quinto mês de
internação, é permitido as residentes passarem um final de semana por mês em suas
49
residências, e normalmente é no quarto final de semana do mês; somente aos domingos na
companhia de alguém da direção é facultada a possibilidade de participarem ao culto na igreja
( para as que estão liberadas); esporadicamente algumas residentes são enviadas a igreja ou a
instituições coligadas para auxiliarem na limpeza (participação livre).
Sobre a operacionalidade e funcionamento observamos que há uma escala de atividade
pratica elaborada pela direção que é semanal e organizada da seguinte forma: uma residente
para limpeza dos quartos e demais dependências, uma para os banheiros, uma para o refeitório
e duas para a cozinha (limpar, lavar e secar as louças). Quanto a cozinha, é solicitado para que
de forma voluntária duas residentes se pronunciem para assumir a função de cozinheira
ficando a seu critério a permanência ou não nessa função. É importante salientarmos que
quando exercem a função de cozinheira, ficam isentas, caso queiram, de todas as outras
atividades da instituição. As residentes quando estão na atividade pratica de limpeza do
refeitório e cozinha do almoço, não podem após o termino dessas atividades irem para o
descanso; algumas residentes durante seu tempo livre auxiliam as cozinheiras na preparação
das refeições; é disponibilizado livros para a leitura, todos religiosos ou de autoajuda. A
instituição recebe diversas doações como alimentos, roupas, móveis, etc. para se manter; a
instituição possui convênio com a Universidade do Vale do Itajaí, onde alguns cursos
encaminham acadêmicos para estágio de algumas disciplinas.
Tantas informações obtidas nos fez lembrar que a pesquisa qualitativa exige um árduo
trabalho de campo para obter as informações conforme elas se apresentam, e que não sofram
nenhuma interposição intencional do pesquisador (PRODANOV; FREITAS, 2013; REY
2005).
2.3 CONVERSA DESCONTRAÍDA, UMA MUDANÇA RADICAL
Após o término do período de observação para mapeamento e compreensão da
dinâmica de funcionamento da instituição, realizamos mais duas visitas para efetivarmos as
entrevistas grupais, onde abordamos temas pertinentes a pesquisa, com a finalidade de
obtermos mais informações para a produção de material empírico que auxiliasse a análise do
objeto de estudo. Gaskell (2003) afirma que independente da forma, individual ou em grupo,
a entrevista tem a finalidade de compreender como é a vida dos pesquisados através da
interpretação das narrativas que fornecem dados que podem possibilitar a compreensão de
suas crenças, atitudes, valores e motivações em relação a outras pessoas e ao contexto cultural
50
ao qual se está inserido, e foi a partir desses pressupostos que conduzimos as entrevistas com
as residentes.
Primeiramente queremos esclarecer que o percurso que descreveremos a seguir é
proveniente das anotações das observações participantes realizadas nos diários de campo.
Deixamos propositadamente, como na descrição do primeiro encontro, o conteúdo dos
discursos das residentes para serem utilizados em conjunto com outras observações nas
análises que apresentaremos no próximo capítulo.
Prosseguindo a descrição das entrevistas, antes de apresentarmos o assunto que
conduziu a discussão do dia 19/09/2018, explicamos que deixaríamos a critério das residentes
a ordem para se pronunciarem, ficando aos pesquisadores a função de moderador, para que o
assunto não mudasse do tema proposto. Enquanto ocorriam os pronunciamentos das falas,
observamos que “as residentes com maior tempo de internação são as que tinham maior
disposição para falar, enquanto as mais novatas ainda se sentiam constrangidas para
expressarem sua opinião” (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018; 21/09/2018). Os assuntos
elencados para a essa entrevista grupal foram internação, disciplina e saúde. Com a escolha do
tema internação como abordagem inicial procuramos, primeiramente, identificar quais
motivos as levaram a internação voluntária, as mantém em tratamento e por quais motivos
não conseguem se tratarem sozinhas. Posteriormente no tema disciplina, procuramos saber
qual sua importância para o tratamento e qual o entendimento que possuem sobre esse termo.
Finalizando, procuramos verificar o que entendem como saúde, e através da dicotomia desse
termo compreender como ocorre a subjetivação fora e dentro da instituição.
Apresentando o tema internação, observamos através das falas e nos gestos
apresentados uma confiança, determinação, vontade e segurança quando relatavam os motivos
que as levaram a se internarem (DIÁRIO DE CAMPO, 19/08/2018). Contudo, sobre este
tema somos obrigados a fazer algumas ressalvas, pois apesar de terem demonstrado um estado
de espirito ‘positivo’ em relação às internações durante as entrevistas, nas visitas que se
seguiram, através de conversas informais, verificamos que alguns dos reais motivos eram
divergentes daqueles que apresentaram durante a entrevista grupal (DIÁRIO DE CAMPO,
26/09/2018; 28/09/2018; 03/10/2018; 05/10/2018). Assim, quando questionadas sobre essas
divergências de informações, de uma forma geral, explicaram que era uma forma de se
protegerem (no entender delas) de possíveis comentários que poderiam ocorrer caso falassem
os reais motivos que as levaram a internação (DIÁRIO DE CAMPO, 26/09/2018; 28/09/2018;
03/10/2018; 05/10/2018).
51
O tema disciplina propiciou diversos comentários entre as participantes. Sua
importância no tratamento e na recuperação foi quase uma unanimidade, apresentaram
diversos exemplos pessoais, onde justificavam essa necessidade. No entanto, observamos que,
somente nas narrativas das residentes com mais tempo de internação, esse discurso era firme e
convincente. As mais novas, apesar de concordarem, não apresentavam firmeza na entonação
de voz e nem expressões corporais que identificasse uma certeza dessa real necessidade
(DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). Como exemplo deste fato podemos citar o deslocamento
da cabeça para o lado quando falavam, deixando a entender que concordavam com os
discursos, talvez pelo medo de alguma possível repressão caso discordassem da opinião das
outras residentes. Devemos considerar que neste caso específico, a inibição pelo pouco tempo
de internação e contato com os pesquisadores, também podem ser fatores que influenciaram a
esse tipo de conduta (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018).
Para o tema saúde, podemos afirmar que para a maioria das residentes ter saúde é
simplesmente não ter doença, apesar de também terem relacionado saúde à felicidade. Neste
tema observamos que algumas residentes quando falavam de saúde seus olhos se enchiam de
lagrimas como se estivessem lembrando das adversidades que passaram na vida pelo uso de
substâncias psicoativas (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). A entrevista que realizamos
nesta data mostrou-se muito produtiva, pois através dos relatos conseguimos obter
informações muito importantes para a análise e discussão sobre o objeto de pesquisa
(DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). Com o término da entrevista grupal nos dirigimos ao
refeitório para tomarmos o tradicional café da tarde, logo após nos despedimos e demos por
encerrada as atividades desse dia.
Dando continuidade ao ciclo de entrevistas grupais, no dia 21/09/2018, realizamos a
segunda e última entrevista com as residentes com os assuntos: vida grupal, mudanças e
futuro. Na escolha desses temas tivemos o propósito inicial de identificarmos como a vida
com pessoas de diferentes culturas podem influenciar em suas reflexões e padrões de
condutas. Quando sugerimos mudanças procuramos verificar quais transformações pessoais e
sociais acreditam que tenham ocorrido consigo e através de quais procedimentos isso ocorreu,
sejam eles, institucional ou pessoal. Finalmente com o tema futuro procuramos entender como
os objetivos de vida podem motiva-las em seu tratamento e recuperação. Durante essa
entrevista também procuramos verificar como a religiosidade pode ajudá-las no tratamento,
recuperação e consequente mudança, pois os temas selecionados propiciavam a discussão
sobre esse tema.
52
Dando inicio a entrevista, lembramos que os procedimentos práticos seriam os
mesmos adotados na entrevista anterior (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018). O primeiro tema
abordado foi sobre a vida em grupo. As residentes mais antigas se posicionaram com mais
propriedade, pois as mais novas não tinham opinião formada sobre o assunto. Os discursos
afirmavam que essa vida grupal é muito importante para a conscientização de seus problemas
pessoais, e que essa integração e compartilhamento de experiências as ajudam a superarem as
dificuldades que passam durante a internação (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018). Porém,
em conversas informais, tal informação não é confirmada, pois relatam que as convivências
com certos tipos de residentes prejudicam as que realmente querem se tratar, principalmente
as que chegam, pois ainda não se conscientizaram sobre o funcionamento e obrigações da
instituição prejudicando as que estão há mais tempo e acostumadas com o sistema (DIÁRIO
DE CAMPO, 26/09/2018; 28/09/2018; 03/10/2018; 05/10/2018).
Abordando o tema mudanças, a emoção aflorou entre as residentes com mais tempo de
internação, seus relatos expressavam o desejo e esperança em uma transformação que as
levasse a uma nova vida ou ao resgate de uma vida anterior. No entanto, alguns relatos
demostraram através da entonação vocal, principalmente das novatas, um descaso sobre as
mudanças comportamentais, apesar de falarem que queriam mudar (DIÁRIO DE CAMPO,
21/09/2018.) Propondo o assunto futuro, as residentes, entre risos, choros, ares de esperança,
brincadeiras e descontração relataram os mais diversos motivos que almejam para suas vidas
ao saírem da instituição, ao falarem sobre esse tema também acabaram justificando o porque
da internação e desejo de mudanças (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018). Com o fim da
entrevista grupal, fomos tomar café, e como este seria o último dia de visita, ficamos mais
algum tempo na instituição conversando e obtendo mais informações para a análise do objeto
de pesquisa (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018).
Através das observações nas entrevistas percebemos que diferenciações de objetivos,
posturas e falas estão relacionadas ao tempo de internação e experiência de vida que cada
residente traz consigo. Assim, também podemos entender que os padrões de conduta adotados
pelas residentes em relações a veracidade das informações fornecidas estão interligados a suas
vivencias pessoais (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018; 19/09/2018; 21/09/2018). Outro fato
que observamos é que diferentemente do primeiro encontro, onde algumas desconfianças e
emoções estavam afloradas, agora a descontração, confiança e desinibição estavam presentes.
As falas das residentes com mais tempo de internação não apresentaram mais as mudanças
drásticas de entonação como ocorreu no primeiro encontro, e ainda, percebemos que nossa
presença já não causava mais incomodo ou desconforto. Acreditamos que a vivência,
53
participação, solidariedade, tolerância, motivação e abstenção de opiniões sobre assuntos
polêmicos de ordem individual, institucional, familiar ou grupal são fatores importantes para
essa aproximação com as residentes (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018; 21/09/2018).
2.4 ENGANO PENSAR QUE TUDO ACABOU
Terminado essa fase de visitas para observação e entrevistas, consideramos encerrada
a fase de obtenção de informações para a produção de material empírico para a análise do
objeto de estudo da pesquisa. A quantidade de relatos e observações suplantaram o que era
esperado para esta fase. Porém após iniciar a análise das informações, observamos que alguns
pontos ainda permaneciam obscuros e seria necessário elucida-los para respondermos ao
problema de pesquisa. Desta forma buscamos em Gomes (1998) as justificativas para
solucionar essa problemática.
Quando chegamos à fase de análise de dados, podemos pensar que estamos no final da pesquisa. No entanto, podemos estar enganados porque essa fase depende de outras que a precedem. Às vezes, nossos dados não são suficientes para estabelecermos conclusões e, em decorrência disso, devemos retornar à base de coleta de dados parra suplementarmos as informações que nos faltam (GOMES, 1998, p.67).
Logo, para levantarmos essas informações necessárias a fim de esclarecermos alguns
tópicos ainda vagos que auxiliassem nas análises da pesquisa, realizamos mais quatro visitas
onde utilizamos a técnica da observação participante para clarear essas incertezas. Tal
instrumento de coleta de informações foi utilizado seguindo os entendimentos de Cruz Neto
(1998) quando afirma que a observação participante deve ter um lugar de destaque nas
pesquisas qualitativas de campo, pois ela consegue captar uma série de informações que não
seriam obtidos com perguntas, pois “uma vez que, observados diretamente na própria
realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real” (CRUZ NETO,
1998, p.59-60). Assim, através desse instrumento conseguimos coletar informações
complementares e necessárias à análise do objeto de estudo.
54
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO
Para a análise do material empírico produzido, através das entrevistas, observação
participante e diário de campo durante o período de pesquisa, utilizamos os entendimentos de
Michel Foucault sobre sujeito, poder disciplinar e cuidado de si, como função analítica.
Através da interpretação dos conteúdos das falas das residentes e entendimentos de Foucault
sobre o tema buscamos elucidar como os mecanismos de objetivação através do poder
disciplinar e o mecanismo do cuidado de si interagem sobre o indivíduo na produção de novos
projetos de sujeitos que sejam individualizados, religiosos, produtivos e dóceis. Assim,
através das interpretações do material empírico produzido mediado por esses conceitos
analíticos, nomeamos dois vetores a serem discutidos, quais sejam, ‘disciplina’ e ‘esperança’.
No primeiro vetor analisamos os entendimentos das residentes sobre o termo, os
motivos e a importância da internação e como as técnicas de objetivação (poder disciplinar)
existentes na instituição, em conjunto com a singularidade de cada história de vida, acabam
influenciando em seus processos de constituição de projetos de sujeito. Já no segundo eixo
apresentamos alguns fatores que influenciam a permanência, continuidade do tratamento e
como o cuidado de si através das diversas técnicas, incluindo a religião, auxilia na produção
de determinados projetos de sujeito.
3.1 FUI OBRIGADA POR MIM MESMA A TER UM TRATAMENTO, A VOLTAR
A SER GENTE
A fim de discutirmos os elementos que constituem os modos de sujeição através de
mecanismos disciplinares no espaço investigado, apresentamos, inicialmente, algumas
considerações gerais que norteiam esses aspectos. A discussão sobre os mecanismos
disciplinares desenvolvidos no espaço investigado é a tônica desta discussão. No entanto,
ressaltamos que o termo disciplina possui, neste estudo, diferentes acepções. Uma dessas
acepções se refere quando as residentes aqui investigadas relatam como a instituição pode
contribuir em seu tratamento, argumentando que “para as que querem realmente se tratar da
dependência química, a rigidez é indispensável, principalmente nos três primeiros meses, para
as que realmente querem” (P19, 26/09/2018), “a disciplina é um dos principais fatores que
podem auxilia-las” (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). No escopo dessa primeira forma de
caracterização de disciplina, recorremos ao dicionário, que ao definir este termo o descreve
55
como: “regime de ordem imposta ou livremente consentida; ordem que convém ao
funcionamento regular de uma organização; relações de subordinação do aluno ao mestre;
submissão a um regulamento” (FERREIRA, 2010, p.257).
Ao interpretarmos a definição dada à disciplina pelo dicionário, ressaltada a partir das
falas das residentes, podemos entender que o termo está relacionado à constância de
procedimentos que buscam um determinado objetivo, e mais, está fortemente ligado a
excelência de conduta, ou ainda, é a forma como devemos proceder e agir para atender as
regras existentes na sociedade. Assim, podemos interpretar que a real busca das residentes é a
autodisciplina, uma maneira de manter uma rotina de procedimentos pessoais adequados aos
padrões de conduta a elas impostos. Compreendendo a necessidade de desenvolver a
autodisciplina nas residentes, a instituição procura incorporar e propiciar a vivência de ‘bons’
procedimentos de forma sistemática buscando formar hábitos salutares em seu cotidiano.
Essa forma das residentes interpretarem a necessidade da autodisciplina podemos
compreender a partir de Foucault (1995) quando comenta que esse padrão de conduta
desejado não é algo novo ou contemporâneo, e que essa disciplinarização da sociedade ocorre
a muito tempo na Europa, desde que se buscou tornar os indivíduos cada vez mais obedientes,
evitando que as sociedades se tornassem casernas. Portanto, é um modelo que há muito tempo
vem se estruturando, consolidando, transformando e induzindo formas de pensar e agir nos
indivíduos. Esse modelo de sujeito é baseado em uma ordem e controle moral, que nos
entendimentos de Foucault (2002, p.94) “é exercido pelas classes mais altas, pelos detentores
do poder, pelo próprio poder sobre as camadas mais baixas, mais pobres, as camadas
populares […] um instrumento de poder das classes ricas sobre as classes pobres […]”. Cabe
retomarmos que a maior parte das residentes podem ser consideradas de extratos menos
favorecidos socialmente e, especialmente, economicamente.
Ampliando o significado do termo disciplina, em sua segunda acepção, para além da
definição formal atribuída pelas residentes, pensaremos, então, o termo enquanto mecanismo
na produção de determinados projetos de sujeito. Desta forma entendemos ser necessário
elucidarmos algumas conceituações e particularidades sobre esta significação. Lembra
Foucault (1999a) que não é de hoje que o corpo é objeto de atenção e manipulação. Desde a
Idade Média e até mesmo na Antiguidade se tem conhecimento que ele pode ser manipulado,
modelado e treinado a fim de ser obediente, responsivo e habilidoso para multiplicar suas
forças. Porém, somente a partir do século XVII e XVIII esses mecanismos disciplinares se
tornaram formas contundentes de gestão dos homens, ou ainda, de dominação. Cabe destacar
que este modelo de governo dos corpos se diferencia da escravidão, pois não procura o
56
apoderamento dos corpos, da domesticidade, da vassalidade, do asceticismo e das doutrinas
monásticas. O autor ainda argumenta que a consolidação desse sistema de controle somente
foi possível através do surgimento de um saber sobre o corpo humano que visa, além dos
aumentos das habilidades e aprofundamento da sujeição, a produção simultânea de corpos
úteis e obedientes. Um sistema que “pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não
simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as
técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina” (FOUCAULT, 1999a, p.119). Esse
sistema de controle rigoroso sobre o corpo que busca a sujeição constante de suas ações
impondo uma relação docilidade-utilidade, é o que podemos denominar de ‘disciplina’
(FOUCAULT, 1999a).
Assim, Foucault (1984) define disciplina como um sistema que coloca o indivíduo em
seu espaço de forma individualizada, classificatória e combinatória; exerce o controle durante
a ação; vigia o indivíduo de forma continua durante sua existência; faz o registro e transfere
informações sobre o indivíduo de forma que nenhum detalhe, fato, ou pormenor escape aos
olhos da mais alta posição hierárquica; em suma, um processo técnico singular onde a força
do corpo é maximizada como força útil e reduzida como força política, com o menor encargo
possível (FOUCAULT, 1999a). É um arcabouço de técnicas sujeita a análise pelos sistemas
de poder para maximizar os indivíduos em sua singularidade, um poder analítico que
individualiza, vigia, classifica, distribui espacialmente, localiza, julga, mede, afim de extrair
seu maior potencial (FOUCAULT, 1999a).
É importante salientarmos que o termo disciplina é um tipo de poder que abarca um
conglomerado de instrumentos, técnicas, procedimentos, níveis de aplicação, ou dito melhor,
ela é uma tecnologia (FOUCAULT, 1999a). São “técnicas sempre minuciosas, muitas vezes
íntimas, mas que têm importância: porque definem um certo modo de investimento político e
detalhado do corpo, uma nova ‘microfísica’ do poder [...]” (FOUCAULT, 1999a, p. 120) que
ampliando para o âmbito social, é exercido por meio de redes invisíveis chegando a ser
considerado uma relação com aparência de normalidade. É nesse ínterim que Foucault
(1999a, p.120) define que “a disciplina é uma anatomia política do detalhe”.
Logo, estando imersas num complexo arcabouço de relações de poder, as residentes
aqui investigadas buscam nas Comunidades Terapêuticas a transformação que necessitam
para se enquadrarem a sociedade, conforme podemos observar quando falam “quero voltar a
ser alguém, eu sei que eu sou alguém [...] quero voltar a ter a minha dignidade, voltar para
sociedade boa [...]” (P2, 05/09/2018); ou “[...] fui obrigada por mim mesma a ter um
tratamento, a voltar a ser gente [...]” (P6, 19/09/2018). Analisando o conteúdo dessas falas
57
observamos que a transformação desejada não é simples, é pautada em uma complexa
estrutura de procedimentos sistemáticos e organizados controlados pelo Estado e pela
sociedade. Outra impressão que transmitem é que a integração e aceitação que almejam para
suas vidas não é algo novo ou desconhecido, mas algo que se perdeu durante o caminho e
estão procurando resgatar. Assim, entendem que as mudanças que tanto objetivam podem ser
obtidas através de internações para tratamento, como as utilizadas nas Comunidades
Terapêuticas, buscando em seus rígidos mecanismos, suporte para restabelecerem os padrões
de conduta, a rotina, o cumprimento de regras que não conseguem obter sozinhas, e mais:
veem na internação um meio necessário e indispensável ao tratamento, pois acreditam que
somente através de seus rígidos procedimentos possam reencontrar o seu ‘eu’ e reestruturar
suas vidas. Corroborando a interpretação sobre a necessidade e importância das Comunidades
Terapêuticas no sequestro das usuárias da sociedade, para tratamento e recuperação do uso de
substâncias psicoativas, comentam “[…] faz com que você tenha uma disciplina, uma rotina “
(P3, 19/09/2018), “quando a gente usa drogas lá fora, a gente perde horário, datas
comemorativas, a gente prefere ficar se drogando do que ficar com a família” (P8,
19/09/2018), “aqui a gente se afasta do mundo lá fora porque quem usa droga tem um poder
de manipular e convencer as pessoas para nos dar dinheiro e assim comprar drogas” (P27,
05/10/2018).
Outras assertivas como “[…] lá fora nós temos muita liberdade e autonomia, ficando
difícil controlar, e hoje entregam a droga até em casa, é só ligar” (P6, 19/09/2018); “quando
eu percebi que estava sem nada, acordei e percebi que precisava de ajuda” (P4, 19/09/2018),
retratam que o uso de substâncias psicoativas proporciona uma sensação de liberdade, causa a
perda de compostura, pudor, responsabilidade, em fim, modificam de forma negativa seus
padrões de conduta. Para mudar esse cenário, acreditam ser necessário seguir regras e normas,
conforme relatam “a disciplina ajuda muito, você tendo disciplina você tem objetivos na tua
vida você não tendo disciplina você não tem objetivo nenhum [...]” (P3, 19/09/2018). Essa
interpretação que possuem sobre a disciplina, que podemos considerar obediência, é um claro
sinal que demonstram sobre a importância que ela tem para o presente e o futuro, podendo
mesmo ser considerada um procedimento pessoal para balizar diariamente os padrões de
conduta, de maneira a direcionar os caminhos para seus objetivos futuro.
Cabe ressaltarmos que para as pessoas que não fazem parte deste universo, os
procedimentos adotados pelas instituições, como os que apresentaremos a seguir, suas normas
e diretrizes podem parecer algo muito rígido. No entanto, esses hábitos se apresentam mais
comuns e afeitos ao cotidiano que as residentes pretendem adentrar.
58
Para exemplificar alguns tipos de instituições que existem na sociedade e que se fazem
presentes no cotidiano do espaço investigado, podemos citar a família, considerada como a
primeira instância disciplinar de controle da vida do indivíduo, que introduz pensamentos,
maneiras de se comportar em público, hierarquia familiar, sexualidade, religião, entre outras
coisas. Outra instituição disciplinar é a escola, considerada como uma instituição que adestra
os indivíduos desde a primeira infância, capturando-os em local e tempo pré-determinados,
disciplinarizando seus corpos através de um complexo sistema de punição e recompensa que
objetiva uma normalização para criar determinado modelo de sujeito, ou seja, um indivíduo
sujeitado a ser dócil e útil. Ainda é possível citarmos as formas de instituições religiosas,
organizadas em relações de micropoderes que mantém o indivíduo docilizado adotando uma
série de símbolos e rituais amparados por uma crença de um grupo de pessoas que possuem
afinidade com esta organização; e ainda, a polícia; a mídia, entre outras (FOUCAULT, 1985;
1999a; 2002).
Dentro da instituição onde realizamos a pesquisa é possível destacar que há
sobreposições de diversos mecanismos disciplinares oriundos das instituições acima citadas, a
saber, escola, igrejas e família. No caso da educação, é possível perceber a presença de
mecanismos disciplinares nas aulas de nível fundamental e médio desenvolvidas pelos Centro
de Educação de Jovens e Adultos (CEJAs) para as residentes; no caso da instituição família,
percebemos sua presença nas diversas orientações sobre a formação familiar, como por
exemplo as atividades praticas similares e análogas a uma residência, com distribuição de
tarefas de acordo com a posição que se ocupa na organização familiar; por outro lado, no que
tange a instituição religiosa, refletimos a presença de seus enunciados através da leitura da
Bíblia, orações, prática devocional e louvor que procuram demonstrar ou reforçar o
compromisso espiritual que se deve ter com ‘Deus’ para se obter uma vida digna e estável
junto a sociedade. Ainda é possível destacarmos como práticas organizadoras da vida interna
social daquele espaço, como as aulas de culinária, buscam ensinar e capacitar as residentes na
arte da gastronomia; e as aulas de praticas corporais, que objetivam conscientizar as
residentes sobre hábitos saudáveis em relação ao corpo (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018;
14/09/2018; 19/09/2018; 03/10/2018).
Mas, afinal, o que caracteriza essas instituições? E de modo mais preciso a este
trabalho: como se constitui a instituição onde as residentes procuram auxilio para suas
mudanças ou resgate? Como se estrutura seu sistema de tratamento? Para Foucault (2002)
essas instituições são chamadas de instituições de sequestro. São instituições pedagógicas,
médicas, penais ou industriais que perseguem o controle sobre o tempo do indivíduo, “são,
59
portanto, instituições que, de certa forma, se encarregam de toda a dimensão temporal da vida
dos indivíduos”. (FOUCAULT, 2002, p.115-116). Portanto essas instituições de sequestro são
“instituições capazes de capturar nossos corpos por tempos variáveis e submetê-los a variadas
tecnologias de poder” (VEIGA-NETO, 2017, p.76), ou ainda, essas associações são
instituições sociais que retiram os indivíduos do seu meio social e ‘interna-os’, durante um
período predeterminado, e conseguem assim, moldar condutas e comportamentos
(FOUCAULT, 1999a).
Foucault (2002) argumenta que as instituições de sequestro como fábricas, escolas,
hospitais psiquiátricos, hospitais e prisões, têm por fim a fixação do indivíduo e não a
exclusão. A fábrica procura ligá-lo ao aparelho de produção, a escola mesmo fechando-os,
fixa-os a um aparelho de transferência de saber, o hospital psiquiátrico liga-o a um aparato de
correção e/ou normalização. Tal procedimento também ocorre nas casas de correções e
prisões, e mesmo que a resultante aponte para a exclusão, sua função primeira é a de fixar os
indivíduos a um aparelho de fixação dos homens. Esse fato podemos observar no espaço
investigado quando a monitora comenta durante o café da tarde: “a instituição não desiste de
vocês, vocês é que desistem, nós nunca desistimos, queremos ajudar, queremos que vocês se
tornem pessoas boas e tenham uma vida normal longe das drogas” (DIÁRIO DE CAMPO,
26/08/2018). Assim, podemos afirmar que essas instituições não possuem a finalidade de
exclusão, mas que fazem dela um meio para inclusão e a normalização dos indivíduos
(FOUCAULT, 2002). Essa disciplinarização suprimiria as experiências subjetivas desviantes
das pessoas, encarcerando-as nos limites de uma determinada normalidade. Aos indivíduos
identificados fora de uma ‘curva padrão’ adotada, ou seja, com comportamentos divergentes
dos considerados normais, duas alternativas lhes são impostas: exclusão ou docilização pelo
sistema (FOUCAULT, 1999a).
Esse poder disciplinar que procura formar novos sujeitos é sustentado, segundo
Foucault (1999), basicamente por quarto pilares: espaço, tempo, saber e vigilância. Na
instituição o pilar espaço pode ser considerado como a estruturação e organização
arquitetônica e funcional da instituição; o pilar tempo é visto nos controles temporais como
horários preestabelecidos para cada atividade na casa; o pilar saber se sustenta nos
conhecimentos dos especialistas da equipe técnica da instituição que através de saberes
específicos legitimam algumas atitudes e conclusões sobre todo o processo vivenciado; e o
pilar vigilância é observado nas inspeções e olhares atentos por parte da direção técnica e até
mesmo das residentes para com as residentes e consigo mesmas (DIÁRIO DE CAMPO,
07/09/2018; 12/09/2018; 14/09/2018; 26/09/2018; 05/10/2018). Desta maneira, a instituição
60
faz uso de dispositivos disciplinares peculiares que procuram colocar os indivíduos em seu
lugar na sociedade transformando-os em um modelo de cidadão que será útil para dinamizar o
sistema.
Para esclarecermos como esses sistemas disciplinares atuam baseando-se nesses
quatro pilares básicos, Foucault (1999a) argumenta que nas disciplinas as funções
disciplinares para doutrinação, transformação e reinserção do indivíduo a sociedade,
primeiramente, trabalham com a distribuição dos indivíduos no espaço e, portanto, utiliza
diversas técnicas em relação ao espaço: o cerco (colégios, quartéis, fábricas, hospitais). Tal
técnica é observada quando descrevemos como a instituição é constituída, localizada e
distribuída espacialmente, ou seja, quanto à estrutura espacial da instituição (DIÁRIO DE
CAMPO, 07/09/2018); ou ainda, no que se refere à organização de um espaço de análise e
classificação individualizante (conhecer, dominar, utilizar), tal técnica se materializa quando
se realiza “consultas obrigatórias à psicóloga, assistente social ou médico” (DIÁRIO DE
CAMPO, 12/09/2018).
Podemos afirmar que é um poder-saber que classifica através do conhecimento dos
especialistas, que procuram o domínio de indivíduos através de uma legitimidade imposta
pelas regras da casa, tal como na seguinte assertiva: “é proibido as residentes ficarem ou se
deslocarem a frente da instituição sem consentimento ou supervisão de alguma monitora”
(DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018). Além do mais, a regra da localização funcional e a arte
de dispor em filas, tal como referenciado na sentença “cada individuo em seu lugar; e em cada
lugar, um indivíduo […]” (FOUCAULT, 1999a, p.123), podemos constatar nas atividades
praticas aplicada com suas escalas e distribuições que atribui a cada residente uma
determinada função, trocando e revezando suas responsabilidades laborais semanalmente e
entre si (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018).
Assim, podemos entender à luz de Foucault (1999), que as regras das localizações
funcionais aplicadas nas disciplinas “codificam um espaço […] para vários usos. Lugares
determinados se definem para satisfazer não só à necessidade de vigiar, de romper as
comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil” (FOUCAULT, 1999a, p. 123).
Essas regras de localização são intercambiáveis e definem uma posição de ocupação separada
dos outros, é uma seção e não um “território (unidade de dominação), nem um local (unidade
de residência), mas uma posição na fila: o lugar que alguém ocupa numa classificação [...]”
(FOUCAULT, 1999a, p.125). Esta arte de dispor em fila, individualiza o indivíduo em uma
posição não criada, mas distribuída ocasionando a circulação em uma complexa rede de
relações que transformam os grupos desorientados, dispensáveis e periculosos em
61
multiplicidades organizadas (FOUCAULT, 1999a). Portanto, esse procedimento também é
uma forma de organizar um espaço analítico, que permite de forma simultânea caracterizar o
individuo como individuo e coloca-lo em uma multiplicidade de funções designadas. “Ela é a
condição primeira para o controle e o uso de um conjunto de elementos distintos: a base para
uma microfísica de um poder que poderíamos chamar “celular” (FOUCAULT, 1999a, p.217).
Da mesma forma que a distribuição do espaço é decisória para a formação de uma
sociedade disciplinar, a concepção de tempo em conjunto com sua organização também o é,
ou seja, também utiliza o tempo como um de seus mecanismos de controle. Assim o controle
de todas as horas do dia na instituição, enquanto dispositivo de controle disciplinar, como
acordar, dormir, fazer refeições, realizar limpezas, tomar banho, etc., procura suprimir
qualquer tipo pensamento e comportamento indesejável das residentes durante o tratamento.
A importância do tempo como técnica disciplinar para as residentes observamos nas seguintes
falas: “[…] o horário de levantar é bem cedo[…] a gente já vai se acostumando com a rotina
lá de fora, que lá fora querendo ou não, a gente tem que acordar cedo, a gente tem que ter
responsabilidade […]”(P9, 19/09/2018); “a disciplina do horário quando se está naquela vida,
você não tem essa disciplina, você já não consegue nem controlar o horário que você tem que
acordar ou dormir” (P4, 19/09/2018); “[...] tem o horário de oração, tem o horário de acordar
bem cedo [...] tem o devocional [...] o café da manhã [...] as tarefas da casa como a limpeza e
tem a parte da jardinagem, da horta [...]” (P8, 19/09/2018); ou ainda, quando se constata que
“o horário de se levantar após o almoço para as que foram repousar, é as 13:30 h ” (DIÁRIO
DE CAMPO, 14/09/2018); e por fim, quando P11(19/09/2018) diz “aqui na casa até para
tomar remédio tem hora, as refeições tem horário, tudo é regrado e deve ser respeitado”.
Essa preocupação que se tem no cumprimento de horários tanto por parte da
instituição quanto das residentes interpretamos como uma forma de resgatar a
responsabilidades e o compromisso que devemos ter no cumprimento de horários, uma rotina,
uma regra, uma normalização exigida pela sociedade. Ainda em relação ao tempo, também foi
constatado que a instituição realiza o controle temporal do “banho que está limitado ao tempo
máximo de 5 minutos” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018), e “do horário de receber
telefonemas da família que é das 18:00h as 19:00h de segunda-feira a sexta-feira, com
duração máxima de 10 minutos por residente” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018). Outro
controle que também é exercido pela instituição é em relação aos “dias permitidos para se
assistir televisão, dias permitidos para se fazer as atividades inerentes a um salão de beleza
tais como fazer as unhas e arrumar os cabelos, dias de visitas familiares, tempo mínimo de
internação para poder passar um final de semana em casa (inicio de reinserção social), entre
62
outros” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/08/2018). Esses procedimentos de controle temporal
através da limitação em relação ao tempo também tem o propósito de proporcionar a vivência
das residentes ao cumprimento e aceitação de fatores a ele relacionados quando não estiverem
mais em tratamento e reingressados a uma sociedade disciplinar.
Sobre esse controle cronológico e temporal, Foucault afirma que “durante séculos, as
ordens religiosas foram mestras de disciplinas: eram os especialistas do tempo, grandes
técnicos do ritmo e das atividades regulares” (FOUCAULT, 1999a, p. 128). Já na sociedade
disciplinar, esse controle foi modificado e aprimorado pelas disciplinas. As escolas
começaram a utilizar minutos e segundos em vez de horas. Desta forma suas atividades
ficaram com um controle temporal mais preciso e diversificado. Nas indústrias o operário foi
quadriculado através do tempo, devendo garantir a qualidade do tempo empregado através do
controle constante e fiscalização, evitando distrações, assim sua gratificação é condicionada a
constituição de um tempo útil, ou seja, sua gratificação esta sujeita a otimização produtiva do
tempo (FOUCAULT, 1999a).
Outra técnica que observamos, relativa ao saber, é a que está relacionada à
aprendizagem corporativa, uma dependência individual e total ao mestre, uma formação
sujeita a qualificação, sem cronograma predefinido, uma relação saber-trabalho entre o mestre
e o aprendiz, uma forma de domesticidade que se combina a uma transferência de
conhecimento (FOUCAULT, 1999a). Esta forma de objetivar o indivíduo pode ser pensada a
partir das seguintes narrativas: “aqui a gente aprende porque tem uma psicóloga 24 h, que é a
monitora, uma líder, uma pessoa extraordinária, uma mulher inteligente, uma mulher sábia,
uma mulher que nossa, eu não tenho palavras pra falar ” (P3, 19/09/2018); “há muita conversa
durante o dia com as monitoras aqui da casa, elas nos orientam pra tudo o que acontece [...]
inclusive uma psicóloga e assistente social a nossa disposição” (P8, 19/09/2018). Tais fatos
relacionados a passagem de conhecimento e relatos de experiências pessoais das monitoras às
residentes, também observamos em diversos momentos durante o período da pesquisa, e
anotados nos Diários de Campo (12/09/2018; 21/09/2018; 26/08/2018; 03/10/2018). A
explanação sobre diversos assuntos referente a diversas histórias de vida bem como das
dificuldades, desistências e conquistas das residentes que já passaram pela instituição são
contados diariamente despertando a curiosidade e atenção total das atuais residentes, pois são
fatos que já passaram, passam ou imaginam que passarão até chegar ao fim de seu tratamento.
Em relação aos instrumentos utilizados, Foucault (1999a) argumenta que apesar da
disciplina ser considerada uma técnica do poder que produz indivíduos como objetos dóceis e
úteis, “[…] o sucesso do poder disciplinar se deve sem duvida ao uso de dois instrumentos
63
simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento
que lhe é específico, o exame” (FOUCAULT, 1999a, p.143).
Desta forma entendemos que para a disciplina ter seu exercício, é necessário um
mecanismo que obrigue através dos jogos de olhares a função e exercício da vigilância, com
finalidade de demonstrar e reprimir determinadas atitudes como efeito do poder disciplinar,
devendo ser absorvido através dos meios de coerção explicitamente identificados pelos
indivíduos aos quais são aplicados (FOUCAULT, 1999a). Esse exercício de poder disciplinar
observamos através da distribuição dos lugares nas refeições onde “a monitora se coloca na
cabeceira da mesa, demonstrando controle e determinando os procedimentos para se efetuar
as refeições” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018), ou ainda, quando observamos que a
disposição da mesa do professor do ensino fundamental e médio “está localizada, como na
maioria das outras instituições escolares, em frente às cadeiras dos alunos de forma a impor e
exercer liderança e poder sobre os alunos” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018). Esse olhar
vigilante e hierárquico imposto na produção desse novo indivíduo, não é objeto de desejo
exclusivo da instituição, também é realçado e desejado pelas residentes, uma vez que retratam
a necessidade de coibir a liberdade e autonomia que possuem quando não estão internadas, as
quais proporcionam a isenção de controles, visto que nessa situação consideram estar no mais
alto posto hierárquico, e além do alcance de algum olhar julgador. Tal compreensão apresenta
alguns indícios quando comentam que o uso de substâncias psicoativas são as responsáveis
por algumas liberdades e alterações pessoais em seus padrões de conduta, conforme podemos
observar na seguinte fala: “[…] é difícil controlar a vontade porque lá fora quem manda na
sua vida é você” (P8, 19/09/2018; ou ainda, quando P19 comenta sobre as políticas públicas
referente a internações na dependência química: “eles não entendem a necessidade da gente se
internar para se tratar da dependência química” (DIÁRIO DE CAMPO, 28/09/2018).
Outro dispositivo destacado por Foucault (1999a) são as sanções normalizadoras,
sistemas disciplinares que operam com micromecanismos penais que agem de forma
repressora através de sanções e de punições que assumem o papel de correção para atitudes
desviantes. Um mecanismo da disciplina que “traz consigo uma forma especifica de punir, e
que é apenas um modelo reduzido do tribunal” (FOUCAULT, 1999a, p.149). Uma forma de
castigo disciplinar com função de restringir os desvios devendo assim ser essencialmente
corretivo. Desta forma, a punição na disciplina é um mecanismo que envolve um sistema de
treinamento e de correção, ou seja, um modelo de gratificação-sanção (FOUCAULT, 1999a).
Observamos a ação desse poder corretivo quando a participante P8 comenta que “estamos
com punição socioeducativa e não podemos sair da instituição porque alguém escreveu uma
64
besteira na porta do banheiro” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018); ou ainda quando P4 e
P11 relatam que “após três notificações socioeducativas, a residente é convidada a se retirar
da casa” (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). Entendemos, assim, que essas instituições com
seu arcabouço de sistemas corretivos operam a fim de resguardar e afastar o individuo de
condutas desviantes, fora do padrão normalizado. E caso não ocorra esta normalização,
legitima-se a repreensão na medida do desvio praticado. A sujeição não é, no limite, apenas
um remédio a ser aplicado pós conduta desviante, mas um antídoto imprescindível para evitar
a saída dos padrões de normalização.
Desta maneira, a instituição com suas regras em relação aos horários, execução das
tarefas, participação das atividades propostas, estudo, entre outras, procuram mostrar as
residentes a importância da normalização de suas atitudes em relação àquela exigidas pela
sociedade. Suas sanções normalizadoras com as privações de algumas liberdades como
assistir televisão, fazer as unhas, receber visitas, entre outros, servem como instrumentos
balizadores de suas condutas. Assim, compreendemos que tais procedimentos atuam de forma
a relacionar os atos dentro de um sistema de igualdade formal, dentro de uma homogeneidade
que é a regra, introduzindo um nível de utilidade e uma classificação individual das diferenças
(FOUCAULT, 1999a).
Conforme já comentado anteriormente, a combinação das técnicas de vigilância
hierárquica com as sanções normalizadoras constitui o exame. Esse termo é entendido como
um sistema de controle de normalização e vigilância que permite qualificar, classificar e
punir, e, portanto, permite que o indivíduo seja diferenciado, sancionado ou recompensado. É
uma complexa técnica onde o poder e o saber se superpõem e se entrelaçam profundamente.
Permite conceituar o individuo como um objeto descritível e analisável, bem como, constituir
um sistema que compara e “permite a medida de fenômenos globais, a descrição de grupos, a
caracterização de fatos coletivos, a estimativa dos desvios dos indivíduos entre si, sua
distribuição numa população” (FOUCAULT, 1999a, p. 159). A aplicação desse sistema
identificamos quando a instituição adota a diferenciação de cores de crachás conforme a
evolução temporal do tratamento. Tal classificação, além de motivar as residentes, produz
sensações de conquista quando passam de estágio como se pode ver nos seguintes excertos:
“eu me sinto orgulhosa [...] uma etapa que consegui passar” (P11, 19/09/2018), “orgulho,
satisfação, alegria [...] eh é um degrau que a gente sobe [...]e aqueles pontos que tem escrito
naqueles cartazes [...] pontos negativos e os positivos tudo aquilo ali é real (P3/19/09/2018).
Esse sentimento de satisfação se justifica na passagem de nível e mudança de cor dos crachás,
pois não está condicionado somente ao tempo de permanência na instituição. Um ritual de
65
passagem é preparado pelo corpo técnico para todas as residentes, de modo que “é realizada
uma avaliação conjunta sobre a evolução em relação aos pré-requisitos necessários a
passagem de nível descrito nos banners expostos nas paredes da instituição” (DIÁRIO DE
CAMPO, 03/10/2018). O sistema punitivo sobre a não assimilação da normalização exigida
pode ser percebida na seguinte fala: “quando eu passei para o rosa, eu demorei, fiquei um mês
de castigo para passar para o rosa por causa da minha rebeldia, ainda fiquei um mês” (P3,
19/09/2018). Assim, sobre esse sistema que controla e vigia o individuo buscando uma
adequação, Foucault (1999a, p.154) descreve que “no coração dos processos de disciplina, ele
manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que se
sujeitam”.
Segundo Foucault (1999a) o sistema disciplinar utilizado pelas instituições de
sequestro é baseado no poder disciplinar do panóptico, através da visibilidade, da
regulamentação do tempo e na localização dos corpos no espaço. Tais técnicas permitem o
controle sobre os indivíduos de forma a torná-los dóceis e úteis, e pode ser considerada uma
nova tecnologia do poder. Assim o panoptismo é uma forma de poder que se articula ao
exame, um saber de vigilância que regula a vida dos indivíduos e se constitui a base de um
poder-saber. Destarte podemos afirmar que não há uma técnica específica, mas um
conglomerado de microrelações e micropoderes, ou melhor, um conjunto de técnicas que
agem de forma integrada, se sobrepondo, se imbricando em torno das residentes procurando
produzir novos projetos de sujeito, através de disciplinas.
3.2 PELA PRIMEIRA VEZ POR MINHA VONTADE
O aforismo “A esperança é a última que morre”, grosso modo, retrata como podemos
interpretar os pensamentos e desejos das residentes. Segundo Ferreira (2012) a esperança
pode ser compreendida como o ato de esperar o que se deseja, uma expectativa, a confiança
que algo muito desejado vai acontecer. Essa convicção que algo vai ocorrer é comum quando
as pessoas estão em uma situação complicada e de difícil solução. Nesses casos, ter esperança
auxilia as pessoas a não caírem em depressão, pois confiam que as coisas irão se alterar de
forma positiva rapidamente. Faz com que seus pensamentos não se limitem ao tempo e
espaço, proporcionam uma sensação que momentaneamente as fazem esquecer das dores,
sacrifícios, doenças, dificuldades, podendo trazer sentimentos como felicidade, paz e
tranquilidade. Desta maneira, podemos considerar a esperança como um estímulo que
66
proporciona força as pessoas. No entanto, se os indivíduos não possuírem maturidade para
compreender que adversidades são coisas que fazem parte da vida, e abraçam a esperança
somente como tábua de salvação para seu desespero, tal expectativa pode gerar frustação e até
mesmo revolta caso o que esperam e desejam não aconteça. Narrativas como “quero que essa
seja a primeira e a última das últimas, não quero passar por mais internação nenhuma” (P2,
19/09/2018); “hoje eu estou aqui viva [...] eu teria morrido pelo uso de drogas [...] pela
primeira vez interno por minha vontade [...] tô terminando meu tratamento e meu maior sonho
no momento é arranjar um emprego [...]” (P3, 21/09/2018); “[...] eu perdi muito tempo na
minha vida [...] quero ter minha casa [...] meu próprio negócio [...] uma estabilidade
financeira [...]” (P4, 19/09/2018), demonstram firmemente a expectativa e vontade de uma
nova vida, uma esperança de mudança pautada e motivada por diversos interesses e objetivos
pessoais derivados da experiência existencial que cada uma traz consigo.
Contudo, essa esperança, essa vontade de ter uma nova vida através desse complexo
sistema de transformação que busca produzir novos modelos de sujeito, não podemos creditar
somente aos mecanismos disciplinares já descritos. É claro que tais mecanismos contribuem
com uma grande parcela para essas mudanças, mas não são únicos. Outros mecanismos
também atuam sobre o indivíduo para formar sua individualidade, são mecanismos
intrínsecos, ocultos, subjetivos que acabam de forma conjunta formando quem somos nós,
para nossos olhos e aos olhos de outros.
Desta forma, ao considerarmos que o indivíduo não é um ser pronto, mas sim, que é
produzido, e produz e aceita sua individualidade em seu percurso existencial através de
diversos mecanismos de objetivação e subjetivação, então podemos presumir que o indivíduo
se constitui historicamente enquanto experiência, através da correlação entre três eixos
principais: o saber, o poder e o cuidado de si (FOUCAULT, 1984a). Todavia para a análise
deste subcapítulo, vamos nos ater ao terceiro eixo, cuidado de si, a prática onde a verdade
transforma o modo de ser, o ethos de cada indivíduo.
Inicialmente esclarecemos que sobre as diferentes nuances de estudos realizados por
Foucault acerca da temática do sujeito e suas relações históricas, o autor comenta que “são
estudos de ‘história’ pelos campos tratados e pelas referências que tomam: porém não são
trabalhos de ‘historiador’” (FOUCAULT, 2004a, p.197), são estudos sobre a história do
pensamento que não podem ser consideradas meramente como uma história das ideias ou das
representações, mas “a tentativa de responder a seguinte questão: como um saber pode se
constituir? Como o pensamento, enquanto ele tem relação com a verdade, pode também ser
uma história?” (FOUCAULT, 2004a, p.197), e ainda: são estudos que também buscam
67
estabelecer relações existentes entre acontecimentos discursivos da história passada para
articular com o presente no intuito de saber quem somos nós nessa sociedade, pois, de certa
forma, “não somos nada além do que aquilo que foi dito, há séculos, meses, semanas...”
(FOUCAULT, 2006, p.258).
Desta maneira, tomando como base a sexualidade, Foucault analisou como nas
sociedades ocidentais modernas, através de uma experiência dada, se permitiu que os
indivíduos tivessem condições de se reconhecerem “como sujeitos de uma ‘sexualidade’ que
abre para campos muito diversos do conhecimento e que se articula a um sistema de força de
coerção que é muito variável” (FOUCAULT, 2004a, p.193). Voltando suas análises através
do cristianismo da época moderna para a Antiguidade, verificou que em algumas sociedades
houve uma preocupação moral com a sexualidade. Porém, questionou: de que modo esse
cuidado ético se faz tão importante suplantando os cuidados morais de outros domínios para
sua vida individual e coletiva? Entre dúvidas e questionamentos identificou ser necessário
desvelar como “o ser humano ‘problematiza’ o que ele é, o que faz e o mundo que vive”
(FOUCAULT, 2004a, p. 198).
Analisando a cultura greco-romana verificou que essas problematizações estavam
ligadas a um conjunto de práticas adotadas por nossas sociedades que poderiam se denominar
“arte da existência” (FOUCAULT, 2004a, p.198), que são praticas racionais e voluntárias que
as pessoas adotam para si, regras de condutas, a fim de transformar-se, modificar-se de forma
individual fazendo de sua vida uma obra conduzida por valores estéticos correspondentes a
determinados parâmetro de estilo (FOUCAULT, 2004a). Essa arte da existência, ou melhor,
essa forma de estilização, é “uma atividade no exercício do seu poder e a prática de sua
liberdade” (FOUCAULT, 2004a, p.210).
Aprofundando o estudo, Foucault buscou identificar quais formas e modalidades da
relação de si para consigo existem que permitem ao indivíduo se constituir e se reconhecer
como sujeito (FOUCAULT, 2004a). Logo, entendeu ser importante “estudar os jogos de
verdade na relação consigo mesmo e a constituição de si próprio como sujeito [...]”
(FOUCAULT, 2004a, p. 195). No entanto alerta que esses jogos não devem ser baseados em
áreas específicas do conhecimento, mas nos jogos da verdade, do verdadeiro e falso, isto é, as
relações onde o indivíduo se constitui historicamente enquanto experiência, permitindo ao
indivíduo se reconhecer como louco, doente, trabalhador, criminoso, ou seja, a forma com que
ele pode se pensar, ser pensado ou percebido (FOUCAULT, 2004a). Portanto, não deve
compreender a verdade como um conjunto de fatos verdadeiros a se descobrir ou a aceitar,
mas como um conjunto de normas onde podemos reconhecer o verdadeiro e o falso,
68
atribuindo ao que é verdadeiro a prerrogativa de poder, assim, podemos entender que o
reconhecimento da verdade gira em torno de uma constituição de verdade e da ação que ela
exerce sobre o sistema de uma sociedade (FOUCAULT, 1984b). Então, por verdade a
podemos entender como “um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a
repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados” (FOUCAULT, 1984b, p.14).
Esses mecanismos observamos no campo de pesquisa através das técnicas de recuperação
propostas às mulheres, tal quando as residentes pedem para a monitora falar com as recém-
chegadas sobre os códigos de conduta, que apesar de não estarem explícitos, estão
subentendidos nos regulamentos. Um exemplo é quando cobram a limpeza do banheiro após o
banho, ou quando se deslocam do quarto para o banho carregando de forma a expor suas
peças intimas, que não é permitido (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018; 28/09/2018).
É importante salientarmos que muitas denominações como práticas de si, técnicas de
si, tecnologias do eu, governo de si, cuidado de si, cultura de si, são alguns dos termos
utilizados por Foucault durante o percurso de sua obra para analisar as formas como os
indivíduos são convocados a se identificarem como sujeitos de si, ou ainda, as práticas onde
os indivíduos são induzidos a olharem para si de forma a se compreenderem, reconhecerem e
assumirem-se como sujeitos, concebendo uma relação de si para consigo de tal maneira a
perceber “a verdade de seu ser, seja ele, natural ou decaído” (FOUCAULT, 2004a, p.194).
Compreendendo que os indivíduos devem exercer mecanismos de relação de si para si
para assegurar uma transformação que proporcione uma harmonização de conduta e modos de
agir consoantes às regras impostas que rotulam uma identidade e as mantém, ou transformam,
segundo determinados fins através do domínio e conhecimento de si por si (FOUCAULT,
1997a, p.109), um questionamento surge: O que fazer de si próprio? Como trabalhar sobre si?
Como se autogovernar? Considerando que a ação sobre o objeto da ação, o domínio, os
instrumentos utilizados é o próprio sujeito da ação? (FOUCAULT, 1997b).
Para respondermos a essas indagações, ponderações foram feitas através dos
pressupostos teóricos apresentados, possibilitando condições de problematizar as formas de
relação de si para consigo comentadas nas falas das residentes. Algumas colocações indicam a
possibilidade dessa reflexão, tais como: “tem que mudar tudo [...] isso dói machuca muito [...]
nesse sentido do meu eu de quebrar paradigmas [...] de quebrar a gente no meio mesmo” (P3,
21/09/2018), e ainda, “quero ser alguém, eu sei que sou alguém” (P2, 21/09/2018). Essa
estilização, essa forma de se transformar, desejo, indução comportamental também não é algo
que aparece de forma autônoma e singular em seus pensamentos, tal imperativo é formado
através de códigos morais que Foucault (2004a, p.211) entende ser “um conjunto de valores e
69
de regras de conduta que são propostas aos indivíduos e aos grupos por meio de diversos
aparelhos prescritivos como podem ser a família, as instituições educativas, as igrejas, etc.”.
Um exemplo desse tipo de aparelho é a própria sistemática familiar funcional
implantada na instituição através dos códigos morais impostos, que não é novo ou inédito, já
que é uma estrutura que há tempos foi formada e consolidada em nossa sociedade. Podemos
assim dizer que a estrutura da instituição nada mais é que uma distribuição familiar ‘normal’,
a constituição de uma família, com seus direitos e deveres distribuídos e cobrados de seus
membros. Horários das aulas e a distribuição das cadeiras impõem um respeito, um código
moral hierárquico que deve ser seguido, o respeito ao professor, ao mestre que compartilha
conhecimentos, muitas vezes ignorados pelas residentes. Buscam através de um processo
pedagógico resgatar, transformar, mostrar e controlar pensamentos e ações desviantes dentro
e fora da instituição, de modo a produzir uma ética de conduta que devem levar para toda sua
vida.
As atividades práticas desenvolvidas como cuidado com a limpeza, aulas de culinária,
aulas de práticas corporais, entre outras, também procuram formar hábitos salutares
individuais, uma condição que muitas não tiveram acesso ou conhecimento e, portanto, se não
possuem conhecimento desses códigos morais, não podem ter uma moral compatível aos
padrões de conduta desejáveis, ou seja, não se pode formar o que não se tem conhecimento.
Grosso modo, “só se dá o que se ganha”. As atividades religiosas praticadas procuram
demonstrar que além das drogas, há algo maior, um Deus que pode gerenciar sua vida,
mostrar os caminhos, algo que se pode convocar em um momento de aflição, uma tábua de
salvação, e assim, formam uma ética pautada em doutrinas religiosas que norteiam suas
atitudes consoantes aos ensinamentos da Bíblia. (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018,
12/09/2018, 14/09/2018, 19/09/2018; 28/09).
Os relatos “o jejum pela manhã é muito importante para nós” (P8, 14/09/2018), e “o
jejum pela manhã nos ensina a controlar nossos desejos” (P19, 03/10/2018), apresentam pistas
indicando a assimilação de pensamentos e ações em concordância às regras impostas sem
questionamentos ou dúvidas, uma verdade. Assertivas como “religião para mim é tudo” (P3,
14/09/2018), “a espiritualidade também tem me ajudado a mudar um pouco o meu
temperamento [...] trata da tua alma, porque querendo ou não o dependente químico ele tem a
alma muito machucada” (P9, 26/09/2018), apesar de não explicitar de forma direta o objetivo
que carrega por detrás de algumas regras impostas, que é o cuidado de si, acabam dando
indícios que as praticas religiosas usuais na instituição são mecanismos de verdade que
procuram formar através das relações de si consigo novos projetos de sujeito.
70
Partindo dessa afirmação é plausível afirmarmos que toda atividade religiosa expressa
em si a vontade da verdade que paira através de relações de poder. Portanto quem detém os
mecanismos de conquista da verdade também exerce relações de poder, que segundo Foucault
(2002, p.139) é “uma espécie de análise do discurso como estratégia”. Uma estratégia que
procura minar a resistência dos indivíduos livres, pois se não há liberdade não há relações de
poder, há coerção (FOUCAULT, 1995), através dos códigos morais impostos, das verdades
consolidadas, aceitas e adotadas durante anos. É um mecanismo que visa a mudança em
diversas áreas do pensamento e de ações dos indivíduos, que acabam interagindo com suas
experiências de vida e formando um novo jeito de ser, um novo modelo de sujeito.
Destarte se considerarmos que as instituições religiosas durante muito tempo
detiveram os mecanismos da verdade, podemos dizer que a verdade e o poder estão presentes
nas doutrinas religiosas. Para a manutenção dessa singularidade, sistema de coerção e
hegemonia, as doutrinas religiosas buscam legitimar seus enunciados como verdade através
de uma luta em torno dela, conforme observarmos em diversos momentos no cotidiano da
instituição, como “glorificar Deus, nas refeições, doações, etc., quando permitem a saída das
residentes aos domingos para irem ao culto na igreja, ou ainda, quando recebem a visita do
pastor para conversar” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018; 26/09/2018). Contudo, isso não
significa que os conhecimentos que propagam através de suas atividades religiosas são
absolutos, intocáveis, verdadeiros e eternos, muitos se adaptam, se configuram e são criados
para ser resistência contra uma hegemonia que se impõe na sociedade.
É preciso destacar que Foucault (2004a) alerta que uma coisa é regra de conduta,
outra, conduta comparada à regra, tal como se conduzir, como constituir-se como sujeito
moral com um grau de concordância adequado a esse código. Assertivas das residentes tais
como “gostaria que tivesse mais atividades aqui, para não pensar em besteiras” (P6,
19/09/2018), “e o que eu aprendi na casa foi ter esse autocontrole das coisas que eu não tinha
na rua” (P3, 19/09/2018), “nós não podemos esquecer que não podemos ir para frente da
casa” (P11, 19/09/2018) demonstram que além do cumprimento de regras, também se
preocupam com seus próprios procedimentos, uma autovigilância, um autocontrole de seus
pensamentos e ações, ou seja, assumir em seu interior os limites impostos pelos códigos
morais para si, uma ética. Pensando dessa forma podemos entender que através das regras
impostas e obrigações diárias, permitem descontruir e construir novos sujeitos, um individuo
com novos costumes. A incorporação e vivência de ‘bons’ procedimentos e pensamentos de
forma sistemática e contínua formam indivíduos consoantes aos códigos morais de forma
automática, um hábito, ou seja, “as escolhas que todos fazemos deliberadamente em algum
71
momento, e nas quais paramos de pensar depois, mas continuamos fazendo normalmente todo
dia” (DUHIGG, 2012, p.15).
Essa forma de agir Foucault denomina de ‘determinação da substância ética’, uma
ação onde o indivíduo fielmente respeita as interdições e obrigações de seus atos, com
domínio dos desejos, resistindo as tentações, em sua autovigilância, na luta aos movimentos
contraditórios dos pensamentos, ou seja, uma postura que as mantém ligadas fielmente a
prática do código moral. Outra constatação sobre a construção dessa forma de pensar, agir e
respeitar regras pudemos observar nas seguintes falas: “aprende-se a ter uma rotina, a ter uma
responsabilidade, a deixar os quartos organizados, porque geralmente quem é dependente
químico [...] deixa um pouco de lado, o seu lado higiênico” (P11, 14/09/2018), “no começo
foi difícil acordar nesse horário, mas agora eu acordo até antes de me chamarem” (P6,
03/10/2018).
Assertivas como: “as atividades da casa são realizadas após o café da manhã, e tem
que ser feita com excelência” (P8, 19/09/2018), e quando P25 diz “fazer a limpeza da casa é
muito importante, quando vivemos em grupo [...]” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/10/2018),
também retratam as observações de Foucault sobre o assunto, e assim podemos constatar que
a autovigilância, a preocupação com o compromisso e adoção de hábitos para realizar a tarefa
da melhor forma possível, são características que estão se consolidando para formação de uma
ética pessoal baseada nos códigos morais higiênicos adotados.
Procedimentos de formação de conduta são lembrados a todo instante, como na
obrigatoriedade de presença, independente da escolha religiosa que a residente tem, nos
rituais religiosos matutinos, ou quando se agradece e louva Deus antes de qualquer refeição
pelos proventos que ali estão, ou ainda, quando se abençoa uma pessoa que levou donativos a
instituição e as próprias doações (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018; 14/09/2018;
03/10/2018), como nas observações: “vocês têm que limpar o refeitório melhor do que
limpam suas casas, isso aqui e de todo mundo, e ninguém gosta de sujeira, principalmente
porque podemos receber visita a qualquer momento” (DIÁRIO DE CAMPO, 28/09/2018).
Tais atitudes procuram lembrar as residentes a instituir práticas, pensamentos e ações
salutares constantes, para nunca serem esquecidos ou negligenciados.
É importante destacarmos que esse trabalho ético que se realiza sobre si mesmo não é
algo homogêneo, esse modo de sujeição é difuso, varia conforme o indivíduo se relaciona
com as regras e se interliga a obrigação em cumpri-las. As falas “acho legal irmos a igreja aos
domingos, mas quando sair, vou requentar outra” (P6, 28/09/2018), “não vou a igreja aqui [...]
não quero ser reconhecida como ex-dependente se quiser visitar essa igreja depois [...] mas
72
depois que sair vou frequentar alguma outra igreja [...] (P4, 26/09/2018), demonstram essa
heterogeneidade, apesar de estarem imersas em uma suave coerção religiosa que procura
evidenciar que o caminho de Deus é a única salvação, e aceitarem tal fato como principio de
vida, deixam claro que a escolha de onde frequentar é decisão sua (DIÁRIO DE CAMPO,
28/09/2018).
Essa liberdade de escolha é evidenciada quando a monitora fala em uma das refeições
sobre acreditar em Deus, “eu quero é que vocês não esqueçam e acreditem em Deus, não é
preciso frequentar a nossa igreja, podem ir em outra, mas não abandonem Deus, ele sempre
estará com vocês” (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018), ou ainda “só quebrei uma regra, levei
uma advertência [...] eu sou batizada na igreja [...] ser batizada e ter ainda atração pelo sexo
oposto, é difícil” (P9, 21/09/2018). Portanto podemos entender que apesar do trabalho ético
que se realiza sobre si, não pode ser interpretado simplesmente como um comportamento que
devemos ter em relação ao cumprimento das regras, mas a forma como se busca transformar a
si próprio em “um sujeito moral de sua conduta” (FOUCAULT, 2004a, p.213). Desta forma,
Foucault descreve,
Não há ação moral particular que não se refira à unidade de uma conduta moral; não há conduta moral que não exija a constituição de si mesmo como sujeito moral; não há sujeito moral que não exija a constituição de si mesmo como sujeito moral sem ‘modos de subjetivação’ e sem uma ‘ascética’ ou ‘pratica de si’ que os fundamentem (FOUCAULT, 2004a, p.214).
Assim, entendemos que não há ação moral dissociável das práticas de si e nem moral
que não esteja relacionado a valores, regras e proibições (FOUCAULT, 2004a), ou seja, se a
moral está interligada ao controle das ações, as práticas de si também estão relacionadas aos
modos que devemos nos subjetivar para atender aos códigos morais estabelecidos. Desse
modo, ao analisarmos as falas em relação ao perfil e a história de vida que cada residente traz
consigo, conforme descrito nos Diários de Campo (07/09/2018; 12/09/2018; 14/09/2018;
26/09/2018; 28/09/2018; 03/10/2018; 05/10/2018), podemos identificar que os códigos
morais implícitos em sua historicidade, moldam a forma de ser e de interpretar as
modificações éticas que devem fazer para se integrarem aos padrões de conduta desejáveis, ou
seja, cada caso é um caso, não é um processo generalista, é dinâmico, individual e pessoal.
Voltando na história para elucidarmos o surgimento da questão do cuidado de si -
epimeleïa heatoû, Foucault (1997b) argumenta que ao considerarmos o Alcibíades de Platão
como seu marco inicial, diversos estudos podem ser realizados para formar uma história do
73
cuidado de si compreendida como experiência e, também, como técnica que transforma essa
experiência. Assim, estudando a cultura helênica e romana sobre as ‘técnicas de vida’,
‘técnicas de existência’ em um domínio que os gregos chamavam de aphoridisia
(sexualidade), o autor descobre que a constituição de si transcorre através das técnicas de vida
e não através das proibições ou pelas leis. Portanto, ao considerarmos que essas ‘tecnologias
de si’ proporcionam uma reflexão sobre a forma como se deseja viver, sua existência,
administrar e controlar sua conduta, se autovigiar em relação a objetivos e desejos, podemos
entender que a produção do sujeito, ou subjetividade, também é creditada, além dos
mecanismos do saber-poder, às alterações culturais, sociais, políticas, econômicas e das
relações de si para consigo mesmo, através dos diversos mecanismos técnicos do governo de
si por si na sua relação com o outro (FOUCAULT, 1997b), como por exemplo, nos conselhos
de conduta, nas consultas psicológicas e nas praticas religiosas.
Ampliando a noção sobre as maneiras como os indivíduos se voltam para si, epimeleïa
heatoû (cuidado de si), Foucault (1997b) expõe que ele não é um principio estático, mas uma
prática que deve ser ininterrupta, uma forma de atividade. O termo epimeleïa é amplo e não
está relacionado somente a uma atitude de consciência ou atenção a si mesmo, ele engloba
uma ocupação regulada, um trabalho constante e objetivos sólidos. A narrativa “nessa fase eu
me exaltei [...] eu trabalho, eu faço o que eu quiser [...] pai e mãe não mandam mais em mim
e acabei abandonando os estudos [...]” (P4, 14/09/2018), demonstra a dinâmica da
constituição de si pelo sujeito. A situação financeira legitimou uma condição de liberdade e
autonomia de vida, uma verdade adquirida, um poder. Outra assertiva sobre a mobilidade do
cuidado de si é representada pela fala “quero voltar a ser aquela pessoa que eu era, com brilho
no olhar, com palavras meigas para dizer as pessoas, ser amável, ser chorona, porque eu
sempre fui assim e eu tinha perdido isso por causa das drogas [...]” (P6, P19/09/2018), onde a
residente se reconhece nas diversas situações que se encontra. Em um momento se
reconhecendo como sujeito integrado a sociedade, o qual quer resgatar, e em outro momento
se reconhece, nesse caso específico, fora dos padrões que considera ideal para pessoas
normais, se colocando em uma posição de exclusão, como ‘cartas fora do baralho’,
desprezadas pelos outros e pela sociedade (FOUCAULT, 2004a).
O cuidado de si é mais que prestar atenção em si mesmo, evitar desvios, perigos ou se
proteger. É um universo complexo e regulado sendo considerado sincronicamente “como um
dever e como uma técnica, uma obrigação fundamental e um conjunto de procedimentos
cuidadosamente elaborados (FOUCAULT, 1997b, p.122), um mecanismo que abarca um
conjunto preciso e austero de práticas, horários, atividades práticas, atividades pedagógicas,
74
atividades laborais, distribuição espacial, procedimentos, regras, exigências, controles, regras,
obrigações, enunciados e atividades religiosas (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018,
12/09/2018, 14/09/2018, 19/09/2018; 28/09), conforme visto na instituição. É um conjunto de
técnicas (tecnologias do eu) que se exerce sobre si mesmo no intuito de transformação e
modificação, através de práticas executadas de forma dura e constante, perseverante e
interminável, a partir dos quais o indivíduo vai se constituindo de forma gradativa em sujeito,
adquirindo uma nova forma de viver. Assim, o cuidado de si não é um sistema, mas uma
filosofia de vida (FOUCAULT, 1997b). Uma filosofia de vida que muitas vezes não tiveram
acesso, pois sua forma de vida atual foi constituída em meio a outros códigos morais,
deturpados ou esquecidos, uma ética formada em meio a estruturas desviantes, irresponsáveis
e marginalizadas pela sociedade que querem mudar. Entendemos, assim, que esses
mecanismos de subjetivação acabam proporcionando uma forma de controlar, dominar,
resistir, lutar, de se autovigiar quanto aos seus atos e desejos.
Com a análise dos mecanismos de subjetivação que produzem projetos de sujeito,
podemos afirmar que além do poder disciplinar, também existe nesse contexto uma tecnologia
de si, uma forma de prática de cuidado de si constante que procura auxiliar a constituição do
sujeito. São mecanismos existentes que se agrupam, sobrepõe, auxiliam, e que de forma
conjunta produzem sujeitos como podemos observar nas atividades religiosas que procuram
criar uma adesão eterna a religiosidade. Lembrando que religiosidade pode ser concebida
como múltiplas ações que buscam a reflexão de valores éticos religiosos, procuram mostrar a
existência de um conhecimento além do racional através das verdades adotadas pela fé, e
exercem influência nas ações e valores do indivíduo através da autorreflexão sobre si e sobre
o que considera correto, podemos considerar que a religiosidade dentro da instituição também
é uma técnica de cuidado de si. Assim, a preocupação com a vigilância que exercem sobre si
para si, para atender as regras, condutas, ações e não serem expostas ao poder punitivo, como
horário de acordar, excelência na limpeza, respeito às atividades religiosas, entre outras,
podem ser interpretadas como práticas de cuidado de si. Em suma: o sujeito se auto constitui
com o auxilio das relações de si consigo, e não somente pelas técnicas de dominação (poder)
ou técnicas discursivas (saber) as quais estão imersas.
4 TECNOLOGIA SOCIAL
75
Procurando uma maneira de auxiliar as usuárias no tratamento, detectamos, através
das informações obtidas nos Diários de Campo (14/09/2018; 21/09/2018; 26/09/2018;
03/10/2018), uma lacuna operacional a ser preenchida relacionada a adesão e permanência
das usuárias de substâncias psicoativas na instituição, a saber: A desinformação sobre as
consequências que o uso dessas substâncias causa as usuárias, é evidente. Tal fato podemos
exemplificar com a fala “gostaria que aqui tivesse palestras que nos esclarecesse sobre as
drogas” (P6, 21/09/2018). Outra questão relacionada a desinformação é observada quando
surge o questionamento “porque não podemos fazer algumas coisas, como levar nossa comida
para o quarto, mesmo que seja bala. Questionei a psicóloga, mas ela só das desculpas e não da
um motivo” (DIÁRIO DE CAMPO, 26/09/2018). Analisando conjuntamente outros relatos
relacionado as consequências do uso dessas substâncias, ficou claro que as usuárias sabem
que seu uso faz mal, mas não compreendem a dimensão desse comprometimento para suas
vidas, gostariam de saber, para assim motiva-las a largar as drogas (DIÁRIO DE CAMPO,
21/09/2018). Em relação ao tema do segundo relato, as análises demonstram a existência de
frustração pela desinformação a alguns questionamentos, alegando ainda que se soubessem
alguns porquês, a estadia na instituição ficaria mais fácil (DIÁRIO DE CAMPO, 26/09/2018;
03/10/2018).
Em posse dessas informações, para dinamizar a eficácia no tratamento, resolvemos
desenvolver uma Tecnologia Social (TS) através dos entendimentos de Mehry sobre o tema
que atendesse a essa problemática. Desta forma estudando suas classificações sobre
‘Tecnologias Sociais’, empreendemos um trabalho onde desenvolvemos um sistema de
informações dentro do que ele chama de “valise, das tecnologias leves” (MEHRY, 2000, p.
113). Tal tecnologia denominamos PAEAT - Procedimento de Acolhimento e Esclarecimento
para Adesão ao Tratamento com a finalidade de auxiliar através do esclarecimento de diversas
questões a adesão e permanência das usuárias de substâncias psicoativas na instituição para o
tratamento.
A aplicabilidade desse procedimento é dividida em duas fases: A primeira fase é a de
coleta de informações, através das dúvidas das próprias usuárias. Essa coleta será de forma
anônima, através do depósito em uma urna dos questionamentos que gostariam que fossem
elucidados. Recebido esses questionamentos, é realizada uma palestra na semana seguinte
para esclarecimento, pela equipe técnica, das indagações realizadas. Essas perguntas e
respostas serão transcritas e armazenadas em um banco de dados para utilização futura. A
segunda fase, é condicionada a quantidade de questões recebidas. Após esclarecer uma certa
quantidade de perguntas, número a ser definido pela equipe técnica, será confeccionado um
76
manual elucidativo constando todos os questionamentos e respostas fornecidas pelas usuárias,
para difusão de informações entre as residentes. O manual deve ser entregue no acolhimento
da usuária e devolvido após a conclusão do tratamento. Atentamos que a urna para
recebimento de questionamentos é permanente, devendo ser verificada pela equipe técnica
semanalmente, pois podem surgir questionamentos novos que não se encontram no manual.
Esses questionamentos que porventura possam ocorrer, serão respondidos da mesma forma
que foi realizado na primeira fase, sendo incorporado ao manual em sua atualização que deve
ser trimestral, caso necessário.
77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A caracterização do grupo pesquisado não é homogênea, e apesar das variadas
características de internação o sistema de tratamento é único, sem distinção de idade, classe
social, escolaridade, procedência, gênero, grau de utilização e tipo de substância consumida.
No intuito de tratar e recuperar esses indivíduos, a instituição procura formar um grupo coeso,
participativo, solidário, prestativo e religioso que luta por um objetivo comum, que é
conseguir uma (re) inserção na sociedade com dignidade. Para tal, enfatizamos que nem todas
têm como pilar central para o seu equilíbrio existencial a disciplina ou a religiosidade, outros
motivos também são relevantes para a conclusão do tratamento, recuperação e prevenção à
recaída. Observamos também que um fator que interfere nesses procedimentos de recuperação
e eficácia da instituição está relacionado ao sistema de acolhimento, que é o de internação e
permanência voluntária. Assim, conseguimos identificar cinco características de internação
durante o período da pesquisa. O primeiro são aquelas residentes que realmente querem se
tratar; o segundo são aquelas que por algum motivo de imposição acabam aderindo ao
tratamento para não perderem algo que lhe é de valor como, por exemplo, namorado, família,
emprego, etc.; o terceiro são aquelas que perderam benefícios sociais como a aposentadoria e
acabam vindo se tratar, ou digamos, se internar para resgatar o que perderam; o quarto são
aquelas que estão fugindo de algo e acabam vendo na internação uma saída para se
esconderem por um tempo; e finalmente, o último tipo identificado são aquelas que se
internam por estarem debilitadas, com fome, sem ter onde ficar e acabam se internando na
Comunidade Terapêutica para se abrigar e se recuperar, voltando a vida que tinham
posteriormente.
Essas diferenciações podem parecer simples, mas são fatores determinantes para o
sucesso do tratamento, pois a heterogeneidade, a receptividade e a vontade em participar das
atividades propostas para a transformação, mudança ou recuperação do seu ‘eu’, é notória
entre as residentes. Também foi possível constatarmos que os primeiros meses de internação
são os mais críticos e difíceis para aceitação e permanência no tratamento, as mudanças de
rotina propostas diferem totalmente das que estavam acostumadas. É exigido
responsabilidade, respeito, cumprimento de horários, comprometimento e excelência nas
atividades executadas, fatores que se perderam durante sua incursão no universo das
substâncias psicoativas. Condições internas como a convivência grupal com pessoas
desconhecidas e externas como a lembrança de liberdade e autogoverno que possuíam,
também são motivos que influenciam decididamente em sua permanência. É importante
78
considerarmos que algumas residentes nunca experienciaram esse tipo de conduta, rotina de
tarefas, e dialogam de forma incipiente com essas práticas.
Observamos que o exercício do poder disciplinar existente, através das técnicas
elencadas, procuram produzir indivíduos assujeitados que tenham equilíbrio e ordem, que
garantam o funcionamento das instituições e grupos sociais, ou seja, procuram transformar o
corpo em um objeto passível de ser controlado através de técnicas que de forma imperceptível
e sutil evitam possíveis comportamentos indesejáveis. A privação da liberdade e consequente
retirada de seu grupo social é um fator essencial no processo de tratamento, pois a vigilância e
um sistema punitivo, centrado em aspectos psicológicos e biológicos, são consideradas peças
importantes à normalização do indivíduo. Com isso, é possível interpretarmos que essas
instituições possuem um dispositivo disciplinar intrínseco e essencial, que procura colocar as
pessoas em seu espaço na sociedade, transformando-as em “cidadão modelo” (manso,
produtor e consumidor), que move o sistema. Extrapolando o raciocínio para além das
instituições, podemos afirmar que através das disciplinas a sociedade disciplinar transita
também em sociedade de controle, pois, de um modo geral, essas instituições atuam sobre as
pessoas, regendo e gerindo suas vidas. Os mecanismos de subjetivação, os cuidados de si,
elencados, que procuram formar indivíduos através das relações de si para si, estão presentes
a todo o momento, implícitos nos espaços, tempos, mecanismos, atividades e religiosidade,
transformando, lembrando, ensinando, implantando relações de si para si para formar padrões
éticos compatíveis aos padrões morais, aos modos de ser do sujeito desejável.
Assim a instituição como disciplina que engloba outras disciplinas, com seus
mecanismos de objetivação e subjetivação, seus enunciados e verdades, pode ser considerada
uma tecnologia do ‘eu’ que procura produzir determinados modelos de sujeito. Dessa forma
não é um poder disciplinar ou uma técnica do cuidado de si, mas um conjunto de técnicas,
uma tecnologia, que combinado a experiência existencial que o indivíduo possui, é capaz de
produzir determinados projetos de sujeitos religiosos, individualizados, produtivos e dóceis.
Cabe ressaltar que denominamos projetos de sujeito, e não sujeitos, porque nossa pesquisa se
inicia e termina dentro da instituição, não possibilitando que acompanhássemos as residentes
que concluíram o tratamento no retorno a suas residências. Para podermos atestar que os
mecanismos de objetivação e subjetivação elencados nesta analise sobre a produção de
projetos de sujeito realmente foram efetivos, como as dobras que segundo Deleuze (2005)
regem quem somos nós, deveríamos fazer um acompanhamento mais prolongado pós-
internação das residentes. Mas isso é uma pesquisa para outra oportunidade!
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6 REFERÊNCIAS
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ANEXO 1
UNIVERSIDADE DO VALE DOITAJAÍ-UNIVALI / SANTA
CATARINA
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
Pesquisador:Título da Pesquisa:
Instituição Proponente:
Versão:CAAE:
A Produção do Sujeito no Tratamento da Dependência QuímicaGEORGE SALIBA MANSKE
Universidade do Vale do Itajaí
294766318.9.0000.0120
Área Temática:
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA
Número do Parecer: 2.870.721
DADOS DO PARECER
O projeto tem como tema a dependência química. Propõe reflexões que justificam a realização da pesquisana medida que as Comunidades Terapêuticas acabam exercendo funções de responsabilidade estatal,construindo-se como estratégias alternativas, colocando-se em uma posição de destaque no tratamento erecuperação dos usuários de substâncias psicoativas. Trata-se de uma dissertação de mestrado e destinasea responder ao seguinte problema de pesquisa: Como as técnicas de recuperação no tratamento dosusuários de substâncias psicoativas desenvolvidas em uma Comunidade Terapêutica de um município doVale do Itajaí/SC constituem determinados projetos de sujeito? Pesquisa exploratória e qualitativa com baseem Minayo e delimitou como participantes residentes maiores de 18 anos em tratamento na ComunidadeTerapêutica que aceitarem participar da pesquisa, sem distinção de gênero, tempo de internação ouclassificação quanto ao consumo de substâncias psicoativas. Como instrumentos de coleta serão utilizadosa observação participante e duas entrevistas grupais.
Apresentação do Projeto:
Compreender como as técnicas de recuperação no tratamento dos usuários de substâncias psicoativasdesenvolvidas em uma Comunidade Terapêutica de um município do Vale do Itajaí/SC, constituemdeterminados projetos de sujeito.
Objetivo da Pesquisa:
Os pesquisadores identificaram os riscos associados à pesquisa e diferenciando-os daqueles nosAvaliação dos Riscos e Benefícios:
Financiamento PróprioPatrocinador Principal:
88.302-202
(47)3341-7738 E-mail: [email protected]
Endereço:Bairro: CEP:
Telefone:
URUGUAI 402/99998CENTRO
UF: Município:SC ITAJAIFax: (47)3341-7744
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UNIVERSIDADE DO VALE DOITAJAÍ-UNIVALI / SANTA
CATARINAContinuação do Parecer: 2.870.721
quais os participantes estariam expostos no seu dia a dia ou nos procedimentos assistenciais. Apresentaramas medidas necessárias para minimiza-los riscos, conforme item ii.8, da res. CNS 466/12. Os riscos doProjeto estão numa proporção razoável em relação aos benefícios para os participantes da pesquisa. Ospesquisadores identificaram os prováveis benefícios que podem advir da pesquisa.
Os autores reapresentaram o protocolo em virtude de pendências geradas em 26/8/2018.Todos os métodos e procedimentos foram mantidos, tendo havido alterações somente naqueles tópicosapontamentos pelo relator na versão anterior.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
Todos os termos de apresentação obrigatória foram anexados, com as devidas assinaturas, conforme ocaso, estando todos eles em conformidade com os princípios éticos de observância obrigatória,estabelecidos pela resolução CNS 0466/12 e suas complementares.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
não há.Recomendações:
Os autores atenderam as pendências emitidas em 26/8/2018, portanto, o protocolo está APROVADO, porestar em acordo com as prerrogativas éticas exigidas nas resoluções CNS 466/12 e suas complementares.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Recomenda-se manter o CEP informado, sempre que houver mudanças no protocolo, por meio desubmissão para análise da Emenda de protocolo, bem como solicita-se apresentar Relatórios parciais acada seis meses e o relatório final após a conclusão do trabalho.
Conforme Resolução CNS 466/12 VII. 13 cabe ao CEP: d) acompanhar o desenvolvimento dos projetosatravés de relatórios anuais dos pesquisadores.
Considerações Finais a critério do CEP:
Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação
Informações PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_P 30/08/2018 Aceito
88.302-202
(47)3341-7738 E-mail: [email protected]
Endereço:Bairro: CEP:
Telefone:
URUGUAI 402/99998CENTRO
UF: Município:SC ITAJAIFax: (47)3341-7744
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UNIVERSIDADE DO VALE DOITAJAÍ-UNIVALI / SANTA
CATARINAContinuação do Parecer: 2.870.721
ITAJAI, 03 de Setembro de 2018
Mark Anderson Caldeira(Coordenador)
Assinado por:
Básicas do Projeto ETO_1177559.pdf 16:34:52 AceitoOutros Pendencia.pdf 30/08/2018
16:34:01Luiz Antonio Onishi Aceito
Projeto Detalhado /BrochuraInvestigador
Projeto_Detalhado2.docx 29/08/201821:55:12
Luiz Antonio Onishi Aceito
TCLE / Termos deAssentimento /Justificativa deAusência
TCLE2.docx 29/08/201811:41:49
Luiz Antonio Onishi Aceito
Outros termo_de_anuencia_da_instituicao.pdf 26/07/201812:45:42
Luiz Antonio Onishi Aceito
Declaração dePesquisadores
termo_de_compromisso_da_equipe_de_pesquisa.pdf
26/07/201812:44:49
Luiz Antonio Onishi Aceito
Outros Termo_de_utilizacao_de_dados_para_coleta_de_dados_de_pesquisa_envolvendo_humanos.pdf
26/07/201812:44:03
Luiz Antonio Onishi Aceito
Outros Termo_de_aceite_de_orientacao.pdf 26/07/201812:39:27
Luiz Antonio Onishi Aceito
Folha de Rosto folha_de_rosto.pdf 26/07/201812:32:26
Luiz Antonio Onishi Aceito
Situação do Parecer:AprovadoNecessita Apreciação da CONEP:Não
88.302-202
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APÊNDICE 1
PERFIL DAS PARTICIPANTES DA PESQUISA
IDADE QUANTIDADE 18 - 25 4 26 - 35 10 36 - 45 11 45 - 55 2
> 55 0
ESCOLARIDADE QUANTIDADE SUPERIOR COMPLETO 5
SUPERIOR INCOMPLETO 1 TÉCNICO COMPLETO 2
TÉCNICO INCOMPLETO 0 MEDIO COMPLETO 4
MEDIO INCOMPLETO 12 FUNDAMENTAL COMPLETO 1
FUNDAMENTAL INCOMPLETO 2
PROCEDÊNCIA QUANTIDADE CIDADE DE ITAJAÍ 9
ESTADO DE SC 12 OUTROS ESTADOS 6
SUBSTÂNCIA PSICOATIVA QUANTIDADE ÁLCOOL 3
COCAÍNA 3 CRACK 7
DIVERSAS DROGAS 13 REMÉDIOS PSICOATIVOS 1