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LUIZ ANTONIO ONISHI PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO EM USUÁRIAS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Itajaí (SC) 2018

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LUIZ ANTONIO ONISHI

PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO

EM USUÁRIAS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Itajaí (SC)

2018

LUIZ ANTONIO ONISHI

PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO

EM USUÁRIAS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Dissertação submetida a Universidade do Vale do Itajaí como parte dos requisitos para a obtenção de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho.

Orientador: Prof. Dr. George Saliba Manske

Itajaí (SC) 2018

Ficha Catalográfica

Bibliotecária Eugenia Berlim Buzzi CRB 14/963

O4p

Onishi, Luiz Antonio, 1964- Poder disciplinar e o cuidado de si nas comunidades terapêuticas [Manuscrito] : a formação de projetos de sujeito em usuárias de substâncias psicoativas / Luiz Antonio Onishi. - Itajaí, SC. 2018. 91 f. Referências: p. 79-84. Cópia de computador (Printout(s)). Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho. “ Orientador: Prof. Dr. George Saliba Manske .” 1. Dependência Química. 2. Saúde Mental 3. Saúde da Família.

I. Universidade do Vale do Itajaí. II. Título. CDU: 616.89

PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES

TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO

EM USUÁRIAS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Luiz Antonio Onishi

Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção do título de Mestre em Saúde e Gestão do trabalho, área de concentração Saúde da Família, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí.

_______________________________________ Prof.ª Dra. Stella Maris Brum Lopes

Coordenadora do Programa Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho

Apresentado perante a banca examinadora composta por:

_____________________________________ Prof. Dr. George Saliba Manske (Univali)

Presidente - orientador

_____________________________________ Prof. Dra. Fabiola Hermes Chesani (Univali)

Membro Interno

_____________________________________ Prof. Dra. Marcia Grisotti (UFSC)

Membro Externo

Itajaí (SC), 11 de dezembro de 2018.

À Manu, com todo meu amor.

AGRADECIMENTOS

Entre pensamentos e reflexões para escrever esses agradecimentos, lembrei de

infindáveis pessoas que contribuíram para que eu chegasse até esta etapa da minha vida.

Contudo adversidades na vida, ocorrem, há um ano atrás aproximadamente, acabei sofrendo

um contratempo, relacionado a saúde cardíaca, impossibilitando de dar continuidade aos

estudos e outras atividades. Recuperado, ou melhor, ainda recuperando, briguei, reivindiquei e

consegui retomar aos estudos para concluir mais esta etapa. Desta forma não posso deixar de

agradecer a todos que ajudaram e ajudam a superar essas adversidades que tive e estou tendo

atualmente. Assim agradeço:

Ø Primeiramente agradeço a todos que em minha vida ajudaram, muitas vezes não

sabendo, a me tornar a pessoa que sou atualmente.

Ø Aos professores que partilharam seus conhecimentos comigo, durante meu percurso

acadêmico, principalmente os professores do mestrado (George, Carlos, Fabíola, Marcão,

Rita, Luciane, Stella, Tatiana, Léo, Yolanda, Juliana, Marina e Luna) que muito contribuíram

para que essa dissertação fosse produzida.

Ø Aos secretários Juliano e Helenize que com muita paciência procuravam solucionar as

minhas questões administrativas em relação ao mestrado.

Ø AsprofessorasDra.FabiolaHermesChesanieDra.YolandaFloreseSilva,quemuito

contribuíramcomsuasconsideraçõesduranteabancadequalificação.

Ø Ao professor Dr. George Saliba Manske que desde a graduação me acompanha,

orienta,ensina,sepreocupa,umprofessorqueconsideroumamigo,apesardequaseterme

excluídodoWhatsApp,oqualadmiroetenhocomoreferência.(Aomestrecomcarinho).

Ø AgradecernovamenteaprofessoraDra.FabiolaHermesChesaniporteraceitadoser

parteintegrantedabancadedefesadedissertação,eaqualtenhomuitocarinho.

Ø AprofessoraDra.MarciaGrisottidaUniversidadeFederaldeSantaCatarina–UFSC

peladisponibilidadeemparticipardabancadedefesadadissertação.

Ø A todos meus colegas de turma, que de uma forma ou de outra partilharam

conhecimentos,risadasebonsmomentosduranteasaulas.

Ø Em especial a uma amiga professora Ma. Daniela Cristina Rático de Quadros que

duranteminhainternaçãosepreocupouetorceuparaqueeumerecuperasseomaisbreve

possível, além de também ter partilhado entre leituras e discussões seus conhecimentos

durante os grupos de estudo em que participávamos. Ao seu marido Sérgio é claro, um

amigoquemevisitoudiversasvezesenquantoestiveinternado.

Ø A todaminha famíliaqueme incentivoue ajudou, cadaumde seu jeito, aqueeu

concluísseessemestrado.

Ø EmespecialaClauciaquefoimaisqueamãedaminhaesposa,foiumaamiga,quese

preocupou,ajudou,brigouetorceuparaqueessafasedeminhavidapassasseomaisrápido

possível.

Ø Efinalmente,aminhaesposaManu,quefoieé,minhacompanheira,amiga,etudo

debomqueocorreuemminhavida!Teamo!

“O ser humano não é completamente condicionado e definido. Ele define a si próprio seja cedendo às circunstâncias, seja se insurgindo diante delas. Em outras palavras, o ser humano é, essencialmente, dotado de livre-arbítrio. Ele não existe simplesmente, mas sempre decide como será sua existência, o que ele se tornará no momento seguinte”

(Viktor Frankl)

PODER DISCIPLINAR E O CUIDADO DE SI NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: A FORMAÇÃO DE PROJETOS DE SUJEITO EM USUÁRIAS DE

SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Luiz Antonio Onishi

Dezembro/2018

Orientador: George Saliba Manske, Doutor em Educação.

Área de concentração: Saúde da Família.

Número de Paginas: 91

RESUMO: O uso de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas pela população tem sido tratado como um sério problema à sociedade contemporânea mundial. Preocupado com essa problemática o Estado e as instituições privadas vêm desenvolvendo e promovendo programas relacionados ao seu uso. Clínicas de recuperação como as Comunidades Terapêuticas (CT) foram integradas ao Sistema Único de Saúde – SUS, para tratar e recuperar esses indivíduos a sociedade. Assim empreitamos um estudo para analisarmos como ocorre a constituição dos projetos de sujeito em uma Comunidade Terapêutica Religiosa que atua no tratamento e recuperação de usuárias de substâncias psicoativas em um município do Vale do Itajaí, Santa Catarina, Brasil. A pesquisa foi do tipo exploratória com procedimentos de campo e abordagem qualitativa, na qual utilizamos como instrumentos de produção de material empírico entrevistas grupais informais, observação participante e anotações em diários de campo. Participaram desse estudo vinte e sete mulheres em tratamento residentes na instituição. Para a análise e interpretação do material empírico produzido foram utilizados os entendimentos de Foucault sobre sujeito, poder disciplinar e cuidado de si, como função analítica. As análises indicam que a instituição como disciplina com seus mecanismos de objetivação (poder disciplinar) e subjetivação (cuidado de si), seus enunciados e verdades, pode ser considerada uma tecnologia do ‘eu’ que procura produzir determinados modelos de sujeito. Portanto, não é um poder disciplinar ou uma técnica do cuidado de si, mas um conjunto de técnicas, uma tecnologia, que combinado a experiência existencial que o indivíduo possui, é capaz de produzir determinados projetos de sujeitos religiosos, individualizados, produtivos e dóceis. Outra informação obtida é que devido ao desconhecimento de diversos fatores intrínsecos ao uso de substâncias psicoativas, seu tratamento, proteção a recaída e metodologia empregada pela instituição, são fatores que acabam estimulando e induzindo as usuárias a desistirem e abandonarem o tratamento e a Comunidade Terapêutica. Assim afim de auxiliar a otimização para a adesão e permanência ao tratamento desenvolvemos uma Tecnologia Social (TS) denominada PAEAT - Procedimento de Acolhimento e Esclarecimento para Adesão ao Tratamento, que tem a finalidade de auxiliar, através do esclarecimento de diversas questões relacionada ao mundo das substâncias psicoativas, propiciar a adesão e permanência das usuárias de substâncias psicoativas na instituição para o tratamento. PALAVRAS CHAVE: Comunidades Terapêuticas; Dependência Química; Saúde Mental; Sujeito.

DISCIPLINARY POWER AND CARE OF THE SELF IN THERAEUTIC COMMUNITIES: THE FORMATION OF SUBJECT PROJECTS IN USERS OF

PSYCHOACTIVE SUBSTANCES

Luiz Antonio Onishi

December 2018

Advisor: George Saliba Manske, Doctor of Education.

Area of concentration: Family Health.

Number of Pages: 91

ABSTRACT: The use of illegal psychoactive substances by the population has been treated as a serious problem in contemporary society worldwide. Concerned about this problem, the State and private institutions have been developing and promoting programs related to their use. Recovery clinics, such as the Therapeutic Communities (CT), were integrated into the Unified Health System (SUS) with the aim of treating and recovering these individuals in society. This study analyzes how the constitution of subject projects occurs in a Religious Therapeutic Community that acts in the treatment and recovery of users of psychoactive substances in a municipality of the Vale do Itajaí, Santa Catarina, Brazil. The research was exploratory, using field procedures and a qualitative approach, with informal group interviews, participant observation, and notes in field journals as instruments for the production of empirical material. Twenty-seven women residing in the institution participated in this study. For the analysis and interpretation of the empirical material produced, Foucault's understandings on subject, disciplinary power, and care of the self were used as an analytical function. The analysis indicates that the institution as a discipline, with its mechanisms of objectification (disciplinary power) and subjectivation (care of the self), and its statements and truths, can be considered a technology of the 'I' that seeks to produce certain models of subject. Therefore, it is not a disciplinary power or a self-care technique, but a set of techniques, a technology, that combined with the existential experience that the individual possesses, is capable of producing certain projects of religious subjects that are individualized, productive and docile. Another fact discovered is that due to the lack of knowledge of several factors intrinsic to the use of psychoactive substances, their treatment, and protection against relapse, and the methodology use by the institution, are factors that encourage users to give up, and to abandon the treatment and the Therapeutic Community. Thus, to optimize adherence and encourage the women to remain in the treatment, we developed a Social Technology (TS) called PAEAT - Reception and Clarification Procedure for Adherence to Treatment, which aims to clarify several issues related to the world of psychoactive substances, and the adherence to treatment of users of psychoactive substances in the institution. KEYWORDS: Therapeutic Communities; Chemical Dependence; Mental Health; Subject.

LISTA DE ABREVIATURAS

AA – Alcoólicos Anônimos

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CAPs-ad – Centro de Atenção Psicossocial – álcool, crack e outras drogas

CEJAs – Centro de Educação de Jovens e Adultos

CFP – Conselho Federal de Psicologia

CONFENACT – Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas

CT – Comunidade(s) Terapêutica(s)

MNPCT – Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

MS – Ministério da Saúde

P – Participante da pesquisa

PFDC/MPF – Procuradoria Federal dos direitos do Cidadão do Ministério Público Federal

PET RAPS – Programa de Educação pelo Trabalho – Rede de Atenção Psicossocial

PET Saúde – Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde

RAPS – Rede de Atenção Psicossocial

REVIVER – Programa Rede Estadual de Atenção a Dependentes Químicos

SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas

SUS – Sistema Único de Saúde

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TS – Tecnologia Social

UFRGS – Universidade Federal do Rio grande do Sul

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

UnB – Universidade de Brasília

UNIAD – Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas

UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Cronograma das atividades nos dias úteis da semana (horários aproximados) .... 46

Tabela 2 Cronograma de atividades nos finais de semana (horários aproximados).............. 46

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................13

1.1 OPORQUEDETUDO:Familiaridadecomotema...........................................................13

1.2 PANORAMADOESTUDO:Acomplexidadenouniversodassubstânciaspsicoativasna

produçãodemodelosdesujeito...............................................................................................14

2 METODOLOGIA.........................................................................................................31

2.1 APRIMEIRAIMPRESSÃOÉACHAVEDETUDO...............................................................31

2.2 ESTRUTURAFÍSICAEFUNCIONALIDADENAPRODUÇÃODOSUJEITO............................41

2.3 CONVERSADESCONTRAÍDA,UMAMUDANÇARADICAL................................................49

2.4 ENGANOPENSARQUETUDOACABOU..........................................................................53

3 ANÁLISEEDISCUSSÃO..............................................................................................54

3.1 FUIOBRIGADAPORMIMMESMAATERUMTRATAMENTO,AVOLTARASERGENTE...54

3.2 PELAPRIMEIRAVEZPORMINHAVONTADE..................................................................65

4 TECNOLOGIASOCIAL.................................................................................................74

5 CONSIDERAÇÕESFINAIS............................................................................................77

6 REFERÊNCIAS............................................................................................................79

ANEXOS............................................................................................................................85

APÊNDICES.......................................................................................................................89

13

1 INTRODUÇÃO

1.1 O PORQUE DE TUDO: Familiaridade com o tema

“Bom dia! Olhem para o quadro e observem quais serão os campos de intervenção

desse semestre! Depois formem duplas e escolham qual o campo que querem trabalhar”.

Formada as duplas, iniciaram-se as escolhas dos campos. Foi então que meu parceiro

perguntou: “Qual campo vamos escolher? ” Respondi calmamente: “Vamos observar primeiro

o que os outros irão escolher”. Curiosamente observamos que todas as duplas procuravam

escolher os campos que trabalhavam com crianças e idosos, contudo havia um campo que

ninguém escolhia pois tratava-se de trabalhar com pessoas em tratamento para recuperação da

dependência química. Após todas as duplas terem se pronunciado em relação a seus campos

de atuação, inclusive alguns campos com duas ou mais duplas, falei ao professor “O campo

que iremos trabalhar será justamente o que ninguém quer, o da dependência química”.

Nesse momento meu parceiro virou-se para o meu lado e comentou “Agora você

endoidou, mas vamos lá, estou contigo e confio em ti”. O professor muito contente com a

nossa decisão comentou que há alguns semestres já gostariam de ter enviado uma dupla para

essa instituição, mas que até aquele momento ninguém estava disposto a trabalhar nesse

campo por se tratar de conviver com pessoas em tratamento para recuperação da dependência

química. Me lembro que nesta hora falei para meu parceiro “Este é um desafio para nós,

vamos fazer os que os outros não fazem, porque é fácil fazer o que todos fazem”. Ele sorriu.

Esta disciplina trabalhava com práticas corporais relacionadas ao lazer, e mesmo sem saber ‘o

que esperar’ e ‘como realizar’ essas intervenções, iniciamos um período de pesquisas para

podermos trabalhar neste campo de estágio que está localizado em um município do Vale do

Itajaí/SC.

Esses episódios não me saem da memória, pois foi a partir deles que se iniciou meu

percurso na Saúde Mental. Decorrida esta experiência, que posso atestar que foi muito

gratificante, tive a oportunidade de mais uma vez retornar a esse campo para trabalhar com

essas pessoas, mas agora em uma disciplina que tinha como foco a saúde e não mais o lazer.

Concomitantemente nesta mesma época foi publicado um edital que estava selecionando

estudantes da graduação para ser bolsista do Ministério da Saúde (MS), em parceria com o

Ministério da Educação, do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde),

mais especificamente do PET/Redes de Atenção Psicossocial (PET-RAPS) em uma

14

Universidade do Vale do Itajaí – SC. Após me inscrever e ter passado por entrevistas, acabei

sendo selecionado para fazer parte da equipe multidisciplinar deste programa e alocado para

trabalhar no Centro de Atenção Psicossocial – álcool, crack e outras drogas (CAPS-ad) onde

durante dois anos consegui me aproximar e aprender sobre a Saúde Mental.

Concluído a graduação, e ingressando no mestrado, quis dar continuidade a minha

vivência e compreensão de vários aspectos que envolvem a Saúde Mental, particularmente na

dependência química, pois durante o tempo que trabalhei no Centro de Recuperação observei

que algumas usuárias de substâncias psicoativas eram mais receptivas aos métodos e

estratégias utilizadas no tratamento, e outras nem tanto, pois acabavam desistindo e

retornando a sua vida anterior. Essa inconstância de posturas e resultados me levou a alguns

questionamentos: Porque algumas pessoas exercem relutância a esta introjeção? Mas afinal,

qual o tipo de ator social que querem construir, qual será o seu papel na sociedade? Quem

determina essa escolha? De que forma forjam sua subjetividade e a que interesses ele tem que

atender? Seus objetivos com o tratamento são os mesmos dos seus interlocutores ou acabam

induzidos a atender outros interesses? Essas questões acabaram permeando e despertando um

interesse em elucidar alguns aspectos articulados a esta temática, e assim acabei escolhendo-a

como o tema de minha pesquisa a qual apresento a seguir.

1.2 PANORAMA DO ESTUDO: A complexidade no universo das substâncias

psicoativas na produção de modelos de sujeito

Estudos históricos evidenciam que desde a pré-história os homens procuraram

modificar o humor, as percepções e sensações por meio de substâncias psicoativas que agem

no sistema nervoso central. Tais práticas abrangiam diferentes finalidades consoantes aos

hábitos, costumes, contextos socioculturais, economia, espaços e épocas, construindo assim

diferentes significados e regulamentações conforme cada sociedade. Essa prática dificilmente

era classificada como uma ameaça ao indivíduo ou a sociedade, já que seus efeitos estavam

diretamente relacionados a contextos socioculturais e a controles formais e informais, como

regras e costumes. Em vista disso, sua utilização se amolda as características de cada

contexto, com sistemas de valores e regras que influenciam suas particularidades e intenções

de uso resultando em distintos efeitos subjetivos e sociais (MACRAE, 2014).

O passar dos anos e a busca por novos conhecimentos e tecnologias, proporcionaram a

criação de novas substâncias psicoativas naturais e sintéticas, vinculadas a aspectos legais e

15

ilegais, aumentando a oferta e a diversificação dessas substâncias para a população. Tal fato

podemos constatar, de modo cultural, quando o site Super Interessante publica em 22 de maio

de 2017, a matéria intitulada “8 novas drogas estão se espalhando pelo mundo”, em que

Vasconcelos (2017, online) comenta que novas substâncias psicoativas produzidas por

laboratórios clandestinos estão se espalhando pelo mundo, alertando que seus efeitos são

semelhantes aos da maconha, cocaína e da heroína, porém com impactos superiores aos

originais, ocasionando maiores prejuízos a saúde. Simultaneamente a esse desenvolvimento

tecnológico ocorreram mudanças nos processos de trabalho, produção, sistemas econômicos,

leis, hábitos, costumes, valores sociais e poderes do Estado. Tais acontecimentos promoveram

uma alteração no padrão de consumo dessas substâncias (MACRAE, 2014), e consequente

aumento problemático relacionado ao seu uso, pois se outrora o consumo estava relacionado à

movimentos culturais e religiosos, devido a essas alterações passou a ser um problema no

imaginário social. Tal concepção é formada através da mídia, dos profissionais da saúde

pública, educação e outros tantos formadores de opinião pública, solidificando uma maneira

de interpretar o fenômeno do consumo de substâncias psicoativas que se torna hegemônica

(SCHNEIDER; VON FLACH, 2014).

Uma das estratégias para a manutenção dessa concepção hegemônica é a forma que

induzem a sociedade a interpretar que o uso dessas substâncias e seus usuários são problemas

que devem ser tratados de forma austera, fazendo com que seus usuários sofram uma

complexa repressão e discriminação, por acreditarem que o consumo de tais substâncias

acarreta graves problemas para o indivíduo e para a sociedade, associando seu uso a doenças e

a criminalidade (PIMENTEL; OLIVEIRA; PASTOR, 2008; MACRAE, 2014). Podemos

perceber tais elementos através da matéria publicada no site NEXOS em 28 de fevereiro de

2018, intitulada “Usuários de drogas são culpados pela violência do tráfico?”, onde Flores

(2018, online) descreve que, na cerimônia de posse do Ministro Raul Jungmann para a pasta

do Ministério de Segurança Pública, o referido ministro abordou alguns temas relacionado aos

problemas da Segurança Pública. Em um de seus comentários, o ministro afirma que de um

lado “[...] pessoas pobres que, por ausência de oportunidades, tornam-se vulneráveis ao crime

[...] do outro lado, a classe média [...] que contribuem com o crime organizado por meio do

consumo de drogas” (JUNGMANN apud FLORES, 2018, online). Nesta mesma matéria o

referido ministro ainda comentou que a frouxidão dos costumes, referindo-se a classe média,

a ausência de valores e da capacidade de discernir entre o lícito e ilícito, acabam levando as

pessoas a consumir as substâncias psicoativas (FLORES, 2018, online).

A atualidade deste tema tem gerado diversas discussões, indicando que o uso de

16

substâncias psicoativas está entrelaçado às questões sociais e de saúde contemporâneas.

Informações veiculadas pela mídia retratam que a dinâmica de vida imposta pelo sistema

sócio-político-econômico está provocando diversos problemas a população, como por

exemplo, o estresse, a ansiedade e a depressão, que para minimizar esses problemas faz uso

de substâncias psicoativas, lícitas ou ilícitas, como meio de fuga ao estado que se encontram.

Tal afirmação é corroborada pela matéria intitulada “As drogas são um problema de Saúde

Coletiva que atinge cada vez mais pessoas, diz psiquiatra”, publicada no site GaúchaZH em

02 de março de 2018 por Nogueira (2018, online) apresentando algumas posições do médico

psiquiatra entrevistado sobre as substâncias psicoativas, tais como “[...] a procura pelas drogas

ocorre justamente porque os jovens não suportam a depressão, para mascarar os sintomas buscam

um tranquilizante. O mais comum deles é a Cannabis [...]” (NOGUEIRA, 2018, online).

A fim de reduzir e conter a disseminação desse tipo de consumo, autoridades

governamentais e instituições privadas vêm desenvolvendo programas que objetivam tratar,

recuperar, mudar hábitos, costumes e reinserir esses indivíduos de forma adequada a

sociedade. Contudo, as medidas adotadas parecem não surtirem o efeito desejado, pois o

consumo dessas substâncias continua crescendo conforme observamos no Relatório Mundial

sobre Drogas, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC)

no dia 26 de junho de 2018, e divulgado no site da UNIAD (2018, online). Este relatório

alerta que “[...] o uso não medicinal de medicamentos sob prescrição médica está se tornando

uma enorme ameaça para a Saúde Pública e o cumprimento da lei no mundo [...]” (UNIAD,

2018, online). Afirma, ainda, que o consumo e a produção ilegal de fentanil e tramadol estão

aumentando consideravelmente, bem como do ópio e da cocaína. Este mesmo relatório

salienta que a heroína e a cocaína estão coexistindo de forma crescente com as novas

substâncias psicoativas e medicamentos sob prescrição. Por fim, alerta sobre o aumento das

preparações farmacêuticas destinadas ao uso não medicinal, e destaca que devido ao aumento

considerável de seus usuários, a cannabis foi a droga mais consumida em 2016.

Podemos compreender a preocupação com a regulação do consumo, construção de

conhecimento e divulgação dos problemas acerca dessas substâncias no Brasil, ao tomarmos

ciência da publicação da Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, por parte do Governo Federal,

informando que foi criado o Sistema de Políticas Públicas sobre Drogas; ou quando promove

campanhas pontuais como a “XX Semana Nacional de Prevenção ao Álcool e outras Drogas”,

divulgada pelo site BRASIL (2018, online). Esta matéria jornalística, datada de 20 de junho

de 2018, intitulada ‘Semana de Políticas sobre Drogas mobiliza Estados e Municípios’ teve

como finalidade divulgar o evento a fim de mobilizar a sociedade brasileira a participar das

17

campanhas e encontros que buscam a conscientização da comunidade sobre os problemas

relacionados ao uso de drogas. Outro evento que evidência a preocupação com essa

problemática ocorreu no dia 25 de maio de 2018 com a publicação, pelo site UNIAD (2018,

online), da matéria intitulada “Dia Internacional de Combate as Drogas” onde lembra e

esclarece que:

DIA INTERNACIONAL DE COMBATE AS DROGAS (ou Dia Internacional contra o Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas), é celebrado mundialmente no dia 26/06. Anualmente a ONU, através do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) dá ênfase à Campanha Internacional de Prevenção às Drogas. A data foi definida pela Assembleia Geral da ONU através da Resolução 42/112 de 7 de dezembro de 1987, implementando recomendação da Conferência Internacional sobre o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas, realizada em 26 de junho do mesmo ano, ocasião em que se aprovou o Plano Multidisciplinar Geral sobre Atividades Futuras de Luta contra o Abuso de Drogas (UNIAD, 2018, online).

É importante salientarmos que essa regulação e preocupação não está restrita a órgãos

governamentais, são reforçados também pela mídia, família, profissionais de saúde,

profissionais de educação e instituições privadas (SCHNEIDER; VON FLACH, 2014),

conforme constatamos na publicação do site Brasil Escola, na matéria denominada

”Malefícios causados pelo consumo de drogas”, de autoria de Fogaça (2018, online),

alertando que “Em muitos casos, usuários de drogas se envolvem em crimes tais como

narcotráfico e homicídios, tornam-se vítimas de violência, além de estarem sujeitos a outros

perigos [...]”, ou ainda pela publicação no site Diário da Manhã da matéria “O papel da escola

na prevenção ao uso de drogas – Uma atitude a ser adquirida desde a infância” de Nogueira

(2017, online), que além de informar a importância da família nesse processo descreve que

“[...] a escola é essencial no desenvolvimento do adolescente e do adulto, pois contribui para a

formação global do jovem dentro sociedade. A prevenção ao uso de drogas é uma atitude a

ser adquirida desde a infância e promovida durante toda a vida” (NOGUEIRA, 2017, online).

Percebemos que a discussão em torno deste tema ocupa espaços tanto em meios

acadêmicos e científicos assim como em políticas públicas governamentais, nacionais e

internacionais, além de ser amplamente divulgado em diferentes espaços midiáticos. Tais

recorrências indicam circularidades culturais do tema em questão, apresentando um panorama

contemporâneo em que as substâncias psicoativas se inserem, dos mais variados modos, em

múltiplos terrenos da sociedade e culturas. Além do mais, cabe salientarmos que a discussão

em torno deste objeto de estudo está alicerçada, de maneira incisiva, nas questões dos sujeitos

18

envolvidos, especialmente enquanto usuários. É nesse ínterim que as questões de produção de

sujeitos e subjetividades merecem atenção para serem discutidas.

A produção de um modelo de sujeito, objeto dessas regulamentações, permite ao

Estado e determinados grupos dominantes reforçarem e justificarem a manutenção e expansão

do poder punitivo, que restringe a liberdade individual e aumenta a vigilância e o controle da

sociedade. Ao observarmos que esse emaranhado de ações, políticas, notícias sobre o

consumo de substâncias psicoativas, em especial sobre seus usuários, não possuem somente a

intenção de excluir definitivamente esse indivíduo da sociedade ou de minimizar o consumo

destas substâncias, mas, sobretudo, modificar o comportamento de quem as consome; em

suma, são estratégias, no limite, que têm como objetivo a produção de novos sujeitos, ou seja,

fazem uso de técnicas de objetivação e subjetivação que atuam sobre um indivíduo que

trabalha e pensa sobre si para torna-lo um modelo específico de sujeito (FOUCAULT, 1995;

VEIGA-NETO, 2017).

Para compreendermos como ocorre a produção desse modelo de sujeito,

principalmente quando nos referimos aos usuários de substâncias psicoativas, é necessário

primeiramente definirmos quais entendimentos se tem sobre a noção de sujeito. Sabemos que

atualmente o entendimento sobre a produção do sujeito e dos processos de objetivação e

subjetivação são abordados em diversos campos de conhecimento, porém para esse estudo

foram eleitos os entendimentos que Michel Foucault tem sobre o tema.

No caminho dessa compreensão, inicialmente verificamos que alguns questionamentos

pairam sobre o que vem a ser sujeito. Pistas iniciais poderiam levar a questionarmos não um

porque, e nem um para que, mas um como e de que modo se constitui um sujeito (FISCHER,

1999; VEIGA-NETO, 2017). Filósofos como René Descartes, Gottfried Wilhelm Leibniz e

Immanuel Kant tiveram fundamental importância para consolidar a ideia iluminista de que

sujeito é um ser já dado, uma essência da condição humana, portanto, preexistindo

anteriormente ao mundo social, político, cultural e econômico (VEIGA-NETO, 2017). Já

filósofos como Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Ludwig Wittgenstein, Norbert Elias e

Michel Foucault discordam sobre essa noção iluminista, e procuraram demonstrar como são

produzidos esses indivíduos que denominamos sujeito (VEIGA-NETO, 2017).

Apesar de conhecermos Foucault por suas teorias acerca da relação entre o poder e o

conhecimento e como essas ferramentas são utilizadas para o controle social através das

instituições, o autor afirma que ao longo de sua obra não procurou analisar o poder, mas

estudar as diferentes maneiras com os quais os seres humanos se tornam sujeitos e de que

maneira ocorrem essa constituição (FOUCAULT, 1995; VEIGA-NETO, 2017). Em curso

19

proferido no Collège de France, denominado ‘Subjetividade e Verdade’, Foucault retrata

como ocorreu a produção de um sujeito, em diversos momentos históricos, culturais e

institucionais, com a finalidade de torná-lo objeto de conhecimento desejável e até

indispensável (FOUCAULT, 1997a).

Desta forma, seus estudos acabaram tomando diferentes formas à medida que utilizava

variadas maneiras para abordar o mesmo problema (FONSECA, 2011), ou seja, a objetivação

de um sujeito no campo dos saberes, a objetivação de um sujeito nas práticas do poder que

nos submetem, controlam, dividem e classificam, e a subjetivação de um indivíduo que

trabalha e pensa sobre si (FOUCAULT, 1995; VEIGA-NETO, 2017).

Elucidando essas três formas de estudo, o autor esclarece que a objetivação no campo

dos saberes foi um modo de investigação que buscou alcançar o estatuto de ciência, tal como

na “ objetivação do sujeito do discurso na gramática geral, na filologia e na linguística. Ou,

ainda, a objetivação do sujeito produtivo, do sujeito que trabalha na análise das riquezas e na

economia” (FOUCAULT, 1995, p.231). Já a objetivação através dos poderes que nos

submetem, controlam, dividem e classificam que o autor denominou de ‘praticas divisoras’,

“o sujeito é dividido no seu interior e em relação aos outros. Este processo o objetiva.

Exemplos: o louco e o são, o doente e o sadio, os criminosos e os ‘bons meninos’”

(FOUCAULT, 1995, p.231). E finalmente a subjetivação do indivíduo que trabalha e pensa

sobre si, ou seja, “o modo pelo qual um ser humano torna-se um sujeito” (FOUCAULT, 1995,

p.232). Desta forma, “[...] nos tornamos sujeitos pelos modos de investigação, pelas práticas

divisórias, e pelos modos de transformação que os outros nos aplicam e que nós aplicamos

sobre nós mesmos” (VEIGA-NETO, 2017. p.111).

Ao percebermos como a sociedade e alguns profissionais produzem determinados

modelos de sujeito no universo das substâncias psicoativas, observando os comentários do

médico Nogueira na matéria publicada no site GaúchaZH, referenciada anteriormente, quando

afirma que as pessoas “Estão contaminadas e com isso tentando contaminar mais seguidores.

Estamos diante do risco de termos walking deads, verdadeiros zumbis inumanos!”, (NOGUEIRA,

2018, online) ou seja, é uma posição que estigmatiza, classifica e legitima ações e programas que

visam controlar, transformar e adequar o sujeito a certos padrões de conduta desejáveis, alertando a

importância e necessidade da construção desse modelo de sujeito específico, socialmente aceito,

em detrimento e eliminação, se não total, parcial daquele anteriormente existente.

É importante esclarecermos que expressões como processos e mecanismos de

objetivação, modos de objetivação, formas de objetivação, processos e mecanismos de

subjetivação, modos de subjetivação, formas de subjetivação, perpassam por toda obra de

20

Foucault nem sempre possuindo o mesmo sentido. Contudo, observamos que apesar de

existirem essas diferenciações, esses termos estão sempre relacionados a constituição do

sujeito. Outra peculiaridade que Foucault demonstra ao longo de sua obra, é que esses

mecanismos de objetivação e subjetivação são complementares, enquanto um estudo

demonstra, através dos mecanismos disciplinares, como foi possível constituir o indivíduo

como um objeto dócil e útil, outra procura compreender como essas práticas de subjetivação

constituem o sujeito preso a uma identidade que reconhece como sua (FONSECA, 2011). A

importância da compreensão desses mecanismos no domínio das substâncias psicoativas é

demonstrada por Gomes (2010) quando relata que o usuário traz consigo uma cultura de seu

contexto existencial dos mais negativos possíveis. Argumentando que para o tratamento e a

mudança de conduta desses indivíduos há a necessidade de pensarmos em uma relação

extremamente dominadora onde “[...] medidas muitas vezes extremadas, subjuga e

desorganiza as vontades, intenções, projetos de curto, médio e longo prazo, se caracterizando,

nos compulsivos, com um aprisionamento da vontade [...]” (GOMES, 2010, p.3). No site

Espiritualidade e Sociedade, a matéria publicada no dia 11 de junho de 2018, intitulada

“Terapia de Fé: como o vínculo entre religião e tratamentos para dependentes químicos

ganhou força no Brasil” (TERRA, 2018, online), destaca que nas Comunidades Terapêuticas

que adotam abordagem religiosa, as regras internas, normalmente são rígidas; corroborando

com o sistema sugerido por Gomes (2010), e em sua grande maioria adotam o tripé

denominado trabalho, convivência grupal (algumas Comunidades Terapêuticas utilizam

disciplina aqui) e espiritualidade (TERRA, 2018, online).

Para compreendermos esse complexo sistema de objetivação e subjetivação que

produz o sujeito, Foucault (1995) argumenta ser necessário estudarmos o poder, contudo

afirma que não há instrumentos estabelecidos disponíveis para esta finalidade além dos modos

de pensar dos modelos legais e institucionais. Portanto, “[...] se faz necessário estender as

dimensões de uma definição do poder se quiséssemos usá-la ao estudar a objetivação do

sujeito” (FOUCAULT, 1995, p.232).

Com o propósito de estudarmos o poder, Foucault (1995) alega ser necessário

verificarmos algumas conceituações considerando as condições históricas que as motivaram,

quais realidades estão imersas. Salienta a importância de sabermos diferenciar os tipos de

poder. Um é o que “[...] exercemos sobre as coisas e que dá a capacidade de modificá-las,

utilizá-las, consumi-las ou destruí-las - um poder que remete a aptidões diretamente inscritas

no corpo ou mediatizadas por dispositivos instrumentais” (FOUCAULT, 1995, p. 240). Outro

tipo de poder é aquele que ocorre nas relações existentes entre indivíduos ou grupos, pois,

21

“[...] se falamos do poder das leis, das instituições ou das ideologias, se falamos de estruturas

ou de mecanismos de poder, e apenas na medida em que supomos que ‘alguns’ exercem um

poder sobre os outros” (FOUCAULT, 1995, p.240). E, por fim, discernirmos “[...] as relações

de poder das relações de comunicação que transmitem uma informação através de uma língua,

de um sistema de signos ou de qualquer outro meio simbólico” (FOUCAULT, 1995, p.240),

pois apesar da comunicação ser um meio de agir sobre o(s) outro(s), não é a única forma de

produzir elementos significantes nesses indivíduos.

Apesar da existência da diferenciação entre essas relações, necessariamente não

significa que são singulares, essas relações se conectam formando um sistema mutuo de

auxilio e apoio.

A aplicação de capacidade objetiva, nas suas formas mais elementares, implica relações de comunicação (seja de informação prévia, ou de trabalho dividido); liga-se também a relações de poder (seja de tarefas obrigatórias, de gestos impostos por uma tradição ou um aprendizado, de subdivisões ou de repartição mais ou menos obrigatória do trabalho). As relações de comunicação implicam atividades finalizadas (mesmo que seja apenas a "correta" operação dos elementos significantes) e induzem efeitos de poder pelo fato de modificarem o campo de informação dos parceiros. Quanto as relações de poder propriamente ditas, elas se exercem por um aspecto extremamente importante através da produção e da troca de signos; e também não são dissociáveis das atividades finalizadas, seja daquelas que permitem exercer este poder (como as técnicas de adestramento, os procedimentos de dominação, as maneiras de obter obediência), seja daquelas que recorrem para se desdobrarem, a relações de poder (assim na divisão do trabalho e na hierarquia das tarefas) (FOUCAULT, 1995, p.241).

Apesar do texto ser longo, não podíamos deixar de citá-lo, pois demonstra de forma

clara como ocorre os inter-relacionamentos entre as relações. Dessa interação observamos a

não uniformidade, que varia conforme o espaço, circunstância, tempo e sociedade. Contudo,

“quando essas relações estão reguladas, ajustadas e concordes, podemos dizer que constituem

um ‘bloco’ de capacidade-comunicação-poder, ou de forma mais abrangente, ‘disciplinas’”

(FOUCAULT, 1995, p.241), ou seja, são técnicas do poder que buscam a individualização a

fim de “vigiar alguém, controlar sua conduta, seu comportamento, suas aptidões, intensificar

seu rendimento, multiplicar suas capacidades, e colocá-lo no ponto em que ele será, mas útil

[...]” (FOUCAULT, 1982, p.36). A matéria intitulada “Dependentes químicos devem ser

internados contra sua vontade?”, publicada no site Super interessante no dia 5 de abril de

2017, afirma que no Brasil desde 2001 existe uma lei que prevê a internação de usuários de

forma compulsória quando esses apresentarem risco à sua vida ou à de terceiros

22

(ZANELATTO, 2018, online). Atentamos que tal procedimento não é consenso, gera

controvérsias entre os profissionais da área sobre a efetividade desse tipo de atitude arbitrária

imposta pelos órgãos governamentais. Apesar da existência dessas divergências, a matéria

retrata como as instituições com seus sistemas de regras, vigilância, controle e discursos,

interagem de forma integrada objetivando e disciplinarizando o indivíduo, cerceando seu

direito de escolha e livre arbítrio.

Foucault ainda observa que para estudar essa estrutura de relação de poder não

devemos considerar a racionalização da sociedade como um todo, mas analisarmos as

racionalidades específicas tais como a loucura, sexualidade, morte, etc. Neste contexto o autor

propõe problematizarmos essa nova estrutura através de suas resistências contra as diversas

formas de poder, pois através dela poderíamos identificar sua localização, ponto de aplicação

e método, ou seja, analisarmos o poder através das diferenças de estratégias existentes entre as

formas de poder e sua resistência (FOUCAULT, 1995).

Desta forma observamos que essas resistências em suas racionalidades e

especificidades são lutas travadas contra o poder que procura desvelar quem somos nós?

“Elas são uma recusa as estas abstrações, do estado de violência econômico e ideológico, que

ignora quem somos individualmente, e também uma recusa de uma investigação cientifica ou

administrativa que determina quem somos” (FOUCAULT, 1995, p.235). São lutas contra a

dominação, exploração e contra o sistema que prende o indivíduo em si mesmo e o submete,

portanto, são lutas contra a sujeição, contra as formas de subjetivação e submissão. Como

exemplos contemporâneos dessas lutas podemos destacar a luta do movimento LGBT

(lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) pelos direitos em torno do gênero e sexualidade, e

em especial, contra a homofobia. Apesar desse movimento sofrer preconceito e conotações

pejorativas por grande parte da sociedade, principalmente pelos mais conservadores e pelas

entidades religiosas, o site Portal Vermelho publica em 02 de junho de 2018, matéria

intitulada “Os 40 anos de luta do movimento LGBT no Brasil”, de autoria de Antunes (2018,

online), lembrando que já se passaram 40 anos de luta pelos direitos LGBT , que conseguiu

diversas conquistas durante esse período, como a aceitação do nome social, aquele que

transexuais e travestis utilizam para se identificarem nas escolas, e inclusão no título de

eleitor sem a necessidade da mudança do registro civil. Outra conquista que ocorreu nesse ano

foi a autorização por parte Supremo Tribunal Federal, para a “alteração do nome no registro

civil sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual” (ANTUNES, 2018, online).

Nos jogos de poder e resistência Foucault chama a atenção para o fato da relação de

poder está interligada a presença de liberdade, pois, se não há liberdade, não há relação de

23

poder, há coerção. Desta forma a existência dos jogos de poder depende da insubmissão da

liberdade, ou melhor, a relação de poder e a liberdade possuem uma simbiose que as fazem

mutuamente existir. É uma forma de poder que não é verticalizada, está em nosso cotidiano,

faz dos seres humanos sujeitos, constroem os indivíduos impondo um controle e dependência

e o acorrenta a sua própria identidade, ou seja, nos tornamos sujeitos constituídos e

constituintes, mas sempre sujeitos a algo (FOUCAULT, 1995). Se entendermos que as

relações de poder estão em todos os lugares, e o individuo é sempre um sujeito subjugado a

“alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou

autoconhecimento”(FOUCAULT, 1995, p.235), não seria pretensão dizermos que este poder

impõe uma disciplinarização da sociedade através de vários mecanismos estatais e não

estatais, e que a relação de poder não atua diretamente sobre os outros, mas no campo de ação

dos outros, é uma ação sobre a ação, é uma relação de poder que consiste em conduzir

condutas, é uma forma de governar e estruturar o campo de ação dos outros (FOUCAULT,

1995), em suma, é um poder que se elabora, se transforma, se organiza, não é estático; são

relações que estão cravadas nos lugares mais profundos da sociedade, são estratégias

(mecanismos utilizados nas relações de poder) que objetivam sua manutenção e controlam os

modos de ação possíveis (FOUCAULT, 1995).

Ao entendermos a dimensão da ligação existente entre a relação de poder, resistência e

liberdade, e considerarmos que a conduta dos indivíduos livres, usuários de substâncias

psicoativas, podem constituir uma forma de resistência contra o sistema que age sobre as

ações das pessoas, ou como dito anteriormente, da ação sobre ação, não é surpresa que

estratégias sejam utilizadas para alterar esse cenário de resistência contra os padrões

considerados normais. Programas governamentais como os veiculados em 25 de abril de 2018

no site Agência Brasil intitulado “Governo anuncia edital para 7 mil leitos em Comunidades

Terapêuticas” (VILELA, 2018, online) é uma demonstração clara de como esses indivíduos

importunam a sociedade e o governo. A notícia informa que o Governo Federal lançou o

edital para contratação de entidades privadas, ou seja, Comunidades Terapêuticas para

acolhimento de indivíduos que sofrem com a dependência de álcool e outras drogas. O edital

previa a contratação de 7 mil vagas para atender durante um ano aproximadamente 20 mil

pessoas em todo o país, esclarecendo, tirar de circulação e produzir novos modelos de sujeito

(VILELA, 2018, online).

Mesmo não havendo consenso da comunidade científica e profissionais da área sobre

a eficácia desse tipo de tratamento, o referido edital prevê ainda que as Comunidades

Terapêuticas possam trabalhar com diversas metodologias de tratamento, inclusive

24

‘laborterapia’ (que é trabalhar na manutenção do local), psicoterapia em grupo ou individual,

programa dos 12 passos (criado inicialmente para tratamento do alcoolismo), atividades

espirituais, ações pedagógicas e grupo operativo (VILELA, 2018, online). Esse fato deixa

pistas para acreditarmos que o mais importante não é a forma nem o como executar o

tratamento, o mais importante e prioritário desses programas é atingir o seu objetivo, ou seja,

a produção de modelos de sujeito desejados e necessários à sociedade, independentemente

dos caminhos trilhados que levam a esse fim.

Conforme Vilela (2018, online), entre as polêmicas sobre a internação compulsória e o

sistema de tratamento empregado pelas Comunidades Terapêuticas, o coordenador-geral de

Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, médico Quirino Júnior,

justifica a implantação deste programa através do excesso de procura para esse tipo de

tratamento, afirmando que quase 100% das vagas disponíveis estão ocupadas, tornando-se

necessária a ampliação do número de leitos. Por outro lado, o Ministro da Saúde Gilberto

Occhi admite que ainda não possui dados que comprovem a eficiência desse tipo de

tratamento (VILELA, 2018, online), ou ainda, conforme o comentário da professora Andrea

Galassi, coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas

da Universidade de Brasília (UnB) no site da Agência Brasil:

Essa política está remando contra o que se prevê como melhor modelo de cuidado para as pessoas dependentes químicas, que é o cuidado fora de instituições fechadas, e não em locais de longa permanência, historicamente reconhecidos por violações de direitos[...] e que o governo deveria focar suas ações a partir da rede publica do Sistema Único de Saúde, principalmente por meio dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPs (GALASSI, 2018 apud VILELA, 2018, online).

Acompanhando o pensamento da professora, a psicóloga Jereuda Guerra, conselheira

do Conselho Federal de Psicologia (CFP), também considera inadequado o tratamento

desenvolvido nas Comunidades Terapêuticas. Contudo o Ministro da Saúde, Gilberto Occhi

justifica a sua necessidade alegando que as Comunidades Terapêuticas são complementares

ao sistema de tratamento e que nenhum outro tipo de atendimento está sendo suprimido dos

habituais praticados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (VILELA, 2018, online).

Em meio a essas incertezas e questionamentos acerca da eficiência destas ações, no

dia 18 de junho de 2018 ocorreu a publicação do Relatório de Inspeção Nacional em

Comunidades Terapêuticas, realizado em outubro de 2017, pelo Conselho Federal de

Psicologia (CFP), Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e a

25

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (PFDC/MPF).

Segundo este relatório, foram vistoriados vinte e oito estabelecimentos de recuperação, alguns

recebendo recursos públicos, em diferentes regiões do país. A vistoria detectou que todos os

estabelecimentos apresentam alguma irregularidade, como a privação de liberdade, trabalhos

forçados, internação irregular de adolescentes, uso de trabalhos forçados e sem remuneração,

supressão de alimentação, privação de sono, violação a liberdade religiosa e à diversidade

sexual, e uso de castigos que podem ser considerados tortura (BRASIL, 2018, online).

Apesar da existência dessas irregularidades, uma ressalva é feita pelas próprias

instituições que realizaram o relatório.

[...] o relatório aqui apresentado não constitui uma amostra estatística e suas conclusões não devem ser generalizadas de maneira probabilística – o que requereria um trabalho de maior vulto e que, aliás, é dificultado dada a ausência de informações oficiais sobre o universo de comunidades terapêuticas no Brasil (BRASIL, 2018, online).

O relatório ainda afirma que a pesquisa realizada em 2009 pelo Centro de Pesquisas

em Álcool e outras Drogas, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, e pelo Laboratório de

Geoprocessamento do Centro de Ecologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS), a pedido da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), contabilizou

a existência aproximada de duas mil Comunidades Terapêuticas no Brasil (BRASIL, 2018,

online). O Site Brasil de Fato, em matéria publicada no dia 18 de junho de 2018, intitulada

“Inspeção revela violação de direitos humanos em 28 Comunidades Terapêuticas”, comenta

que em “um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015

identificou ao menos 3 mil instituições, mas afirma que há indícios que o total existente possa

chegar a 10 mil unidades” (SAMPAIO, 2018, online). Segundo o presidente da Confederação

Nacional de Comunidades Terapêuticas (CONFENACT), atualmente existem

aproximadamente 2 mil Comunidades Terapêuticas em todo o país, atendendo mais de 60 mil

pessoas, e que em sua grande maioria são religiosas, prevalecendo primeiramente as

evangélicas, seguido das católicas e, por fim, das espíritas. (VILELA, 2018, online). Assim,

com essa variabilidade numérica relacionada ao número exato de instituições existentes,

podemos afirmar que o universo das Comunidades Terapêuticas ainda é uma incógnita no

Brasil.

Após a repercussão dos resultados do referido relatório, a CONFENACT, no intuito de

realizar alguns esclarecimentos, publicou em seu site um manifesto repudiando vários pontos

relatados, afirmando que as Comunidades Terapêuticas do Brasil “tem uma legislação

26

específica que as regulamentam, e não podem ser confundidas com outros serviços como é a

ênfase dos signatários do relatório de inspeção” (CONFENACT, 2018, online), e finaliza com

os seguintes dizeres:

REPUDIAMOS A POSTURA DE DESCONSTRUÇÃO ADOTADA PELOS SIGNATÁRIOS DO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO, selecionando entidades que prestam desserviços e também de outras, que atendem dentro dos preceitos legais, mas com desrespeito dos signatários deste infeliz documento para com as atividades terapêuticas desenvolvidas por estas, fazendo julgamentos dentro de um viés ideológico que não admite a existência das Comunidades Terapêuticas, em franco desrespeito à legislação. Da mesma forma, repudiamos a forma como algumas visitas de vistoria foram realizadas, acompanhadas de viaturas da polícia federal, adentrando nas entidades de forma agressiva, constrangendo os acolhidos e as equipes das entidades, num franco desrespeito a ambientes de tratamento de pessoas em situação de vulnerabilidade social (CONFENACT, 2018, online).

Apesar das inúmeras controvérsias sobre a efetividade das Comunidades Terapêuticas

no tratamento dos usuários de substâncias psicoativas, conforme descrito anteriormente, a

importância e significância dessas instituições é ressaltada por Damas (2013) quando afirma

que elas desempenham um expressivo papel no tratamento desses indivíduos, pois a maioria

dos brasileiros acometidos pelo uso de substâncias psicoativas estão sendo tratados em

Comunidades Terapêuticas que objetivam a recuperação, mudança nos padrões e estilo de

vida, e a reinserção social e laboral, ou seja, a construção de um novo tipo de sujeito,

socialmente aceito, em detrimento e eliminação, se não total, parcial daquele sujeito

dependente.

Independente da eficácia ou não das Comunidades Terapêuticas, isto é um assunto a

parte, para a produção de modelos de sujeitos, faz-se necessário compreendermos os modelos

e técnicas de tratamento utilizados por essas Comunidades Terapêuticas, ou seja, como as

relações entre capacidade-comunicação-poder, denominada ‘disciplinas’, produzem

determinados modelos de sujeito. É importante salientarmos que apesar de existirem registros

sobre a existência de Comunidades Terapêuticas no Brasil desde 1968 (FRACASSO, 2018),

somente com a publicação do artigo 9o da Portaria nº 3.088 de 26 de dezembro de 2011 que

trata da atenção residencial de caráter provisório, é que as Comunidades Terapêuticas foram

incorporadas à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como um serviço de saúde que procura

oferecer um acompanhamento contínuo de saúde, transitório, por um período de até nove

meses, para público adulto com condições clínicas estáveis pelo uso de substâncias

27

psicoativas (BRASIL, 2011a). Seu funcionamento foi regulamentado pela resolução 029/2011

da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (BRASIL, 2011b).

Sobre o tratamento pelo uso de substâncias psicoativas, Ribeiro et al. (2004)

descrevem que os indivíduos que estão em Comunidades Terapêuticas são pessoas que

fracassaram na vida em sociedade e que precisariam forjar um novo padrão de

relacionamento, obscuro à sua vida, mas que um ambiente de convivência grupal, seguro e

terapêutico poderia estimulá-lo, ou seja, novos tipos de sujeito que se adequem aos padrões de

conduta desejado. Assim fazem uso de diversas metodologias para o tratamento, em alguns

modelos prevalecem o religioso-espiritual, em outras a base é a atividade laboral, o modelo

médico, o modelo assistencialista, ou com abordagens psicológicas, havendo ainda outras que

utilizam uma mistura de modelos de abordagens (DAMAS, 2013).

Lembrando os entendimentos de Foucault, tal afirmação clarifica como a objetivação

do sujeito nas ‘praticas divisoras’ é exercida, mediante um enunciado legitimado pela

divergência dos padrões de conduta adotados pela sociedade e assim não desejado. Enunciado

propagado pela mídia e pelos formadores de opinião, como médicos, professores, entre

outros, que exercem um poder que rotula o indivíduo, induzindo a ideia de que é necessária

uma mudança para se adequarem e integrarem a sociedade. Ou ainda, uma relação de poder

que cerceia a liberdade, um mecanismo de confronto que procura ser uma estratégia

vencedora para conduzir condutas, que busca transformar, modificar o indivíduo tornando-o

um sujeito dócil e útil, mas sempre sujeito à (FOUCAULT, 1995).

Damas (2013) esclarece que todas as Comunidades Terapêuticas apresentam uma

característica comum, a inexistência de empregados para execução dos serviços da vida

diária, sendo facultado aos indivíduos a sua execução. O rigor no cumprimento das normas

internas e nas relações interpessoais desenvolvidas acabam sendo a base para a formação do

novo indivíduo. A convivência e os contatos afetivos oportunizam a ressignificação dos

códigos de relacionamento e objetivos de vida, podendo, através da influência grupal,

modificar aspectos relacionados ao caráter e a sua personalidade (DAMAS, 2013), ou seja,

são técnicas de subjetivação que visam a produção de novos modelos de sujeito.

Segundo Ribeiro e Minayo (2015), um dos importantes modelos de Comunidade

Terapêutica e aquele que possui ligação a algum tipo de instituição eclesiástica, denominam-

se ‘Centros de Recuperação’ e objetivam o tratamento e a recuperação de usuários

dependentes de substâncias psicoativas. São financiadas ou co-financiadas pelo Estado, e

utilizam a evangelização e a conversão religiosas como principais formas para a recuperação

e reabilitação dos usuários dependentes de substâncias psicoativas, tendo a oração e a

28

abstinência como um dos principais fatores para seu modelo de tratamento (RIBEIRO;

MINAYO, 2015), podendo também ser considerada uma técnica de subjetivação.

Outra técnica de tratamento que também é utilizada, conforme a necessidade, são os

tratamentos convencionais como os farmacológicos, psicoterápicos e de comorbidades. Os

tratamentos farmacológicos ou com medicamentos visam tratar as intoxicações, a síndrome de

abstinência e a síndrome de dependência das substâncias psicoativas. (PECHANSKY et al.,

2015). Esses medicamentos ou psicofármacos utilizados são produzidos em farmácias,

hospitais ou empresas farmacêuticas respeitando as especificações técnicas e legais da

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Contudo, para que os resultados de sua

administração alcancem os objetivos desejados, não podemos colocar os medicamentos como

protagonistas do tratamento, mas como coadjuvantes, pois seu uso também carece de

indicação médica, posologia, frequência e tempo de utilização. (SOUZA, et al., 2015).

Os tratamentos psicoterápicos utilizam técnicas com enfoque cognitivo-

comportamental trabalhando questões como saber lidar com frustações e entrevistas

motivacionais.

Psicoterapia é um tratamento psicológico que tem por objetivo modificar pensamentos, sentimentos e comportamentos-problema, criando um novo entendimento dos pensamentos e sensações responsáveis pela dificuldade ou problema observado. O clima de apoio e respeito pelo paciente permitem ao terapeuta executar, com a participação deste, as mudanças necessárias para um reequilíbrio de sua vida sem a necessidade de utilizar drogas (WOODY, 2003 apud PECHANSKY et al., 2015, p.81)

Pechansky et al. (2015) afirmam que há diversos tratamentos psicoterápicos

desenvolvidos para os usuários em dependência de substâncias psicoativas: 12 passos (AA,

Al-Anon, Alateen, NA); Entrevista motivacional; Intervenção breve e técnicas de moderação;

Prevenção de recaída; Terapia de família; Psicoterapia dinâmica; Terapia cognitivo-

comportamental; entre outros. Neste universo de variedades de terapias, há controvérsias

sobre qual modelo é o mais adequado, com “indicações, contraindicações e formas especificas

de abordagem que podem favorecer o sucesso ou o fracasso de uma psicoterapia para

pacientes usuários de drogas”. (PECHANSKY et al., 2015). Os autores também comentam

que a escolha da (s) técnica (s) mais adequadas influenciam diretamente no resultado do

tratamento, e, portanto, exigem um profundo conhecimento, bem como uma dose maciça de

criatividade para mescla-las e atingir os objetivos almejados.

Todas essas técnicas que podemos considerar como de subjetivação, possuem um

29

objetivo em comum, que é construir novos modos de agir, pensar, se relacionar consigo, com

os outros e com a sociedade (PECHANSKY et al., 2015). Tais processos, considerando os

entendimentos de Foucault, buscam de uma forma mais ampla, construir o sujeito pelas

técnicas de objetivação e subjetivação que lhes são aplicadas, ou seja pela objetivação no

campo dos saberes, a objetivação nas práticas do poder que divide e classifica e a subjetivação

de um indivíduo que trabalha e pensa sobre si (FOUCAULT, 1995; VEIGA-NETO, 2017).

A complexidade desse sistema suscitou refletirmos sobre como as Comunidades

Terapêuticas produzem ou tentam produzir determinados projetos de sujeito, e qual a visão

que esses indivíduos possuem sobre as técnicas que lhes são impostas. Essas incertezas e

conjecturas sobre este processo instigaram a curiosidade e vontade para elucidarmos vários

aspectos intrínsecos a este processo, e servir de base para a otimização nos tratamentos nessas

instituições. Foi a partir dessas relações culturais sobre o tema em questão que empreendemos

esta pesquisa, denominada ‘Poder disciplinar e o cuidado de si nas Comunidades

Terapêuticas: A formação de projetos de sujeito em usuárias de substâncias psicoativas’, na

qual buscamos compreender, enquanto objetivo geral de pesquisa, como as técnicas de

recuperação no tratamento dos usuários de substâncias psicoativas desenvolvidas em uma

Comunidade Terapêutica de um município do Vale do Itajaí/SC constituem determinados

projetos de sujeito, possuindo como objetivos específicos, identificar quais são as técnicas

utilizadas na recuperação dos usuários de substâncias psicoativas; verificar quais as técnicas

de recuperação têm maior inferência no processo de subjetivação dos usuários de substâncias

psicoativas e identificar se existem ligações entre o sujeito, as técnicas de recuperação e os

projetos de sujeito.

Desta maneira, para atender a problemática de pesquisa, estruturamos e organizamos

esta dissertação da seguinte forma: no capitulo 2 – Metodologia, descrevemos os caminhos

percorridos por essa pesquisa, apresentando as características da pesquisa realizada, assim

como, os modos pelos quais se conduziu a produção do material empírico.

No capítulo 3 – Análise e discussão, apresentamos a discussão em torno do tema

central de pesquisa. Procedemos a análise do material empírico produzido, através de dois

vetores principais: ‘disciplina’ e ‘esperança’. No primeiro vetor, ‘disciplina’, analisamos os

entendimentos das residentes sobre o termo, os motivos e a importância da internação e como

as técnicas de objetivação (poder disciplinar) existentes na instituição, em conjunto com a

singularidade de cada história de vida, ou seja, sua vivência, experiência, família, motivo,

objetivo de vida, real vontade, entre outros, que cada residente traz consigo para o

internamento, acabam influenciando em seus processos de constituição de projetos de sujeito.

30

Já no segundo eixo, ‘esperança’, apresentamos alguns fatores que influenciam a permanência,

continuidade do tratamento, e como o cuidado de si através das diversas técnicas incluindo a

religião, auxilia na produção de determinados projetos de sujeito.

Finalmente concluímos a dissertação apresentando nas considerações finais

informações sobre os motivos das internações, bem como a análise e interpretação do material

empírico produzido através do desenvolvimento dos estudos de Michel Foucault sobre o

sujeito, poder disciplinar e cuidado de si, utilizados como função analítica. As análises desse

material sugerem que não é um mecanismo ou técnica em específico, mas um conjunto de

mecanismos de objetivação (poder disciplinar) constituídos por técnicas de divisão do tempo

e do espaço, e mecanismos de subjetivação (cuidado de si), ou melhor, a adoção de uma nova

filosofia de vida, que interagem concomitantemente na constituição de determinados projetos

de sujeito (religiosos, individualizados, produtivos e dóceis) adequados às premissas de

ordem social.

31

2 METODOLOGIA

2.1 A PRIMEIRA IMPRESSÃO É A CHAVE DE TUDO

Para descrevermos os caminhos que percorreram essa pesquisa é importante

enfatizarmos de início que alguns aspectos de sua metodologia como abordagem,

classificação, procedimentos e instrumentos de coleta serão identificados, fundamentados e

discutidos durante o decorrer deste capítulo.

Para posicionarmos a metodologia da pesquisa em relação a seus objetivos, como

tradicionalmente os saberes no âmbito das metodologias de pesquisa o fazem, esta é

classificada como exploratória. Esse modelo de pesquisa procura desenvolver, esclarecer e

modificar conceitos e ideias. É utilizado principalmente quando o tema escolhido é pouco

explorado, impossibilitando formular hipóteses precisas e operacionalizáveis (GIL, 2010;

2014). Busca aproximar o pesquisador ao objeto de estudo, procurando principalmente o

aprimoramento de ideias ou descoberta de intuições. Possui uma grande flexibilidade em seu

planejamento, possibilitando a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato ou

fenômeno estudado (GIL, 2010; 2014).

O procedimento para coleta de informações foi a pesquisa de campo onde é comum a

utilização de diversos instrumentos, como a entrevista e a observação participante,

considerados importantes componentes para esse tipo de pesquisa (CRUZ NETO, 1998; GIL,

2002). Para esclarecermos a interpretação que pode ter a palavra ‘campo’, Flick (2004) afirma

que pode ter diferentes significados, podendo ser uma instituição, uma subcultura, uma

família, um grupo específico, empresas, entre outros. Considerando as informações de

Minayo, Cruz Neto (1998, p.53) escreve: “concebemos campo de pesquisa como o recorte

que o pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade empírica a ser

estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto da investigação”.

Portanto a seleção desse tipo de pesquisa aparentou ser a mais apropriada para nosso estudo.

Dando início a fase prática de campo, na data agendada com a direção da instituição,

realizamos o primeiro contato com as possíveis participantes. Para criarmos um cenário de

pesquisa que conquistasse respeito e confiança, alguns cuidados foram observados, como

lembra Rey (2005), a apresentação é o primeiro momento da pesquisa, onde informações

significantes podem aparecer sobre o objeto de pesquisa (REY, 2005). Apesar de ser uma

parte muito importante para conseguir informações, “é um momento de comunicação que

pode tomar diferentes sentidos para os participantes e que não garante sempre o que deles se

32

espera” (REY, 2005, p.87). A utilização de trajes adequados, uso de termos e falas coerentes

de fácil entendimento e compreensão, além do cuidado com expressões corporais e faciais não

apropriadas para a ocasião foram alguns dos cuidados que tomamos para este encontro. Outra

precaução que pareceu pertinente foi selecionarmos um espaço apropriado, dentro da

instituição, de comum acordo com as participantes e sua direção, que na medida do possível

possuísse dimensões apropriadas para abrigar confortavelmente todos os participantes desse

encontro, e ser protegido de ruídos e interrupções externas. Selecionado o local, a instituição

disponibilizou cadeiras para esta reunião. Para proporcionarmos uma melhor interação com as

possíveis participantes, “dispomos as cadeiras em círculo, formando uma roda, de forma que

todos pudessem se ver mutuamente enquanto as falas” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018).

Sobre esse assunto Cruz Neto (1998) lembra que apesar do pesquisador e o entrevistado terem

diferentes planos, ambos buscam o entendimento mútuo. E alerta que o objetivo principal do

pesquisador não deve ser tornar-se um igual, mas ser aceito para convivência, assim essa

interação não pode se limitar a entrevistas e conversas, mas também a compreensão das falas

dos sujeitos (CRUZ NETO, 1998).

Fazendo um breve parêntesis sobre um termo, ou melhor um instrumento para coleta

de dados que apareceu nesta explanação, esclarecemos que o diário de campo serve para

registrarmos as informações obtidas através da observação participante. Segundo Minayo

(2014) o diário de campo nada mais é que um simples bloco de notas em que o pesquisador

vai anotando o que observou e que não faz parte das falas de nenhuma entrevista. Esclarece

que é importante anotar suas próprias impressões pessoais que possivelmente mudara com o

tempo, conforme a vivência, a aceitação por parte do grupo, as conversas informais, além de

muitos outros aspectos relacionados a convivência do pesquisador no campo. Em relação a

esse instrumento Gil (2014) afirma que o diário de campo é o meio mais usual para se fazer o

registro por escrito de uma observação, e que na medida do possível seja feita no momento

em que ela ocorre. Sobre como anotar, Cruz Neto (1998) alerta que quanto mais completo e

detalhado forem as anotações no diário de campo, maior será a ajuda que fornecerá para a

discussão e análise do objeto de estudo. É um objeto que devemos recorrer a todo momento

da pesquisa e não devemos menosprezar sua importância, pois é nele que diariamente

anotaremos percepções, sentimentos, angústias, questionamentos e informações obtidas, logo

deve ser pessoal e intransferível (CRUZ NETO, 1998).

Dando início à reunião, que teve duração de uma hora e trinta minutos, e considerando

os aspectos teórico-metodológicos acima levantados, “ocorreu nossa apresentação, e logo

após, solicitamos as participantes que em suas apresentações, falassem seu nome, idade, e

33

quanto tempo estavam internadas” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). A fim de

organizarmos e evitarmos preferências ou escolhas, “pedimos a cada participante que

levantasse a mão para ordenarmos e registrarmos a sequência da ordem das falas” (DIÁRIO

DE CAMPO, 05/09/2018). Após anotarmos a sequência em que foram levantadas as mãos, ao

final de cada apresentação, indicávamos a próxima participante que iria se pronunciar. Após o

termino de todas apresentações, solicitamos especial atenção ao que iriamos falar, para que o

entendimento sobre a participação nessa pesquisa não deixasse dúvidas sobre quais os papéis

que seriam destinados a cada um dos envolvidos, pois uma importante característica da

pesquisa qualitativa é buscar ter “acesso a temas que são íntimos e muito sensíveis para as

pessoas pesquisadas, como, por exemplo, o abuso sexual, as drogas, a violência familiar, a

identidade dos doentes crônicos, entre muitos outros” (REY, 2005, p.85), casos que foram

comuns nas histórias de vida das entrevistadas, por exemplo. E ainda, a pesquisa qualitativa

“usa dados que ocorrem naturalmente para encontrar as sequências (“como”) em que os

significados dos participantes (“o que”) são exibidos e, assim, estabelecermos o caráter de

algum fenômeno”(SILVERMANN, 2009, p.51).

Como ao fazer pesquisa qualitativa procuramos “profundidade, plenitude e produção

de conhecimento de forma verticalizada, buscando a essência do assunto” (BONAT, 2009,

p.12), para elucidarmos as relações sociais considerando hábitos, crenças, atitudes e valores

(MINAYO, 1998), tornou-se necessário a formalização para sua execução. Desta forma era

imprescindível a aceitação formal por parte das participantes para participar da pesquisa.

Isso posto, para construirmos um vínculo e adesão à pesquisa, informamos as

participantes que suas participações eram voluntárias e que a recusa em participar da pesquisa

não acarretaria qualquer penalidade, custo ou perda de benefícios. Também esclarecemos que

a aceitação inicial da participação não implicava na obrigação de fazer parte da pesquisa até

seu final, bastando, a qualquer momento comunicar sua intenção de desligamento sem

nenhuma necessidade de explicação ou justificativa. Além da adesão, esse esclarecimento

buscou dar segurança as participantes, propiciando uma aproximação e garantindo que a

pesquisa se realizasse da melhor forma possível, como afirma Cruz Neto (1998), ao ressaltar

que para uma pesquisa transcorrer da melhor forma possível é necessário buscar uma

aproximação com as pessoas envolvidas, além de ser “[...] fundamental consolidarmos uma

relação de respeito efetivo pelas pessoas e pelas suas manifestações no interior da

comunidade pesquisada” (CRUZ NETO, 1998, p.55), e mais, propõe ainda que a aproximação

entre o pesquisador e as participantes seja gradual, “[…] onde cada dia de trabalho seja

refletido e avaliado, com base nos objetivos preestabelecidos” (CRUZ NETO, 1998, p.55). O

34

cuidado com essa aproximação também é realçado por (REY, 2005, p.86) quando afirma “[...]

o grupo não é uma soma de indivíduos, mas um espaço de reflexão coletiva que necessita da

constituição da subjetividade grupal” e está sujeita a diversos e imprevisíveis

desdobramentos, resultante do modelo desenvolvido que é baseado nas variadas informações

empíricas que o pesquisador deu significado (REY, 2005).

Logo após essa fala inicial, apresentamos o projeto de pesquisa, os objetivos propostos

e a metodologia que utilizaríamos para a produção do material empírico que auxiliasse nossa

discussão e compreensão do objeto de pesquisa, bem como quais técnicas e instrumentos

seriam utilizados para registro das informações obtidas através das falas e da observação de

seu cotidiano. Sobre a apresentação da pesquisa ao público investigado, Rey (2005) lembra

sobre a importância de formar um cenário “que faça os participantes refletirem sobre suas

preocupações e necessidades fundamentais” (REY, 2005, p. 84).

A importância da apresentação do universo da pesquisa as participantes são

enfatizadas por Cruz Neto (1998) quando escreve:

[…] é importante a apresentação da proposta de estudo aos grupos envolvidos […] de estabelecermos uma situação de troca […] a busca das informações que pretendemos obter está inserida num jogo cooperativo, onde cada momento é uma conquista baseada no diálogo e que foge a obrigatoriedade […] não são obrigados a uma colaboração sob pressão. Se o procedimento se dá dentro dessa forma, trata-se de um processo de coerção que não permite a realização de uma efetiva interação (CRUZ NETO, 1998, p.55).

Após a explicação do projeto e da necessidade do consentimento para participação,

apresentamos o ‘Termo de Consentimento Livre e Esclarecido’. Explicamos de forma

detalhada todos os tópicos descritos no termo e esclarecemos todas as dúvidas que surgiram,

lembrando que por ser uma pesquisa que evita números e trabalha com as interpretações das

realidades sociais (BAUER; GASKEL, 2003), ou seja, ser uma pesquisa que “[…] analisa o

exame da natureza, do alcance e das interpretações possíveis para o fenômeno estudado [...]

buscando a essência do fenômeno ou teoria” (BONAT, 2009, p.12), as dúvidas surgidas e as

explicações que derivaram foram necessárias para não apenas esclarecermos a pesquisa, mas

criarmos vínculos e adesão dos participantes juntos à pesquisa.

Dando prosseguimento a primeira reunião com as participantes, solicitamos que

respondessem se participariam ou não da pesquisa. A adesão foi total das que estavam

presentes (treze residentes), ficando a explanação e detalhamento da pesquisa para as que não

estavam postergada para uma outra ocasião, a fim de verificarmos sua vontade ou não de

35

adesão1. No total, nesta data, estavam residindo na instituição dezessete pessoas em

tratamento e três em reinserção social pós tratamento2 sendo que duas estavam na cozinha

organizando e preparando as refeições, outras duas estavam fora auxiliando a limpeza de

outra instituição coligada. Esse interesse e solicitude em participar da pesquisa foi um fato

muito importante, demonstrando que o planejamento que realizamos para a apresentação e

inserção ao campo foi adequado para a obtenção das informações necessárias para a produção

do material empírico, ou como descreve Flick (2004, p.70), “[…]as informações que o

pesquisador terá acesso e de quais ele continuará excluído depende essencialmente do sucesso

na adoção de um papel ou de uma postura apropriados”.

Com o consentimento verbal de todas residentes presentes, oficializamos e

regulamentamos sua participação na pesquisa entregando o ‘Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido’ para assinatura. O termo foi feito em duas vias, e após assinado, uma via ficou

com cada participante e a outra com os pesquisadores.

Definido a população da pesquisa, demos por encerrado a reunião e agradecemos o

interesse, contudo antes da despedida, fomos questionados sobre a possibilidade de

ministrarmos a seguir alguma atividade, dinâmica, brincadeira, aula, etc., conforme podemos

observar na fala da participante P6 “ podia começar hoje dando algum tipo de atividade”

(DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018), pois naquele dia da semana as participantes não tinham

nenhuma atividade programada para o período vespertino. Após rapidamente refletirmos e

considerarmos que para a pesquisa de campo “a relação do pesquisador com os sujeitos a

serem estudados é de extrema importância” (CRUZ NETO, 1998, p. 52), “propomos a

realização de uma dinâmica com barbante a fim de nos conhecermos e assim construirmos

uma melhor aproximação” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). Neste momento o sujeito

pesquisador foi deslocado para a posição de sujeito professor, pois naquele momento,

situação, e interesses envolvidos, nossa formação acadêmica acabou superando nossa posição

de sujeito pesquisador. Outro motivo para a aceitação e realização, foi proporcionado pelo

entendimento que em uma pesquisa, os pesquisadores “[…] devem assumir certos papéis e

posições [...] as vezes indiretamente e/ou a contragosto” (FLICK, 2004, p.70), e ainda que ao

“[…] assumir ou ser designado a um papel, deve ser visto como um processo de negociação

1 Devido a ausência no dia da primeira reunião e da rotatividade de residentes, a apresentação da pesquisa, para as que não estavam ou ingressaram depois foi feita individualmente com os mesmos cuidados adotados quando da apresentação inicial. 2 Na reunião inicial havia 20 residentes na instituição, sendo 17 em tratamento e 3 em reinserção social, porém devido a natureza do tratamento ocorre uma alta rotatividade de residentes, com abandonos e término do período de internação. Durante o período da pesquisa ocorreram 9 abandonos, 3 términos de tratamento e entraram mais 10 residentes. No total a pesquisa finalizou com 15 residentes em tratamento e 4 em reinserção social. Nem todas as residentes que terminam o tratamento permanecem em reinserção social, elas podem retornar para suas famílias após o tratamento. Durante a pesquisa tivemos um total 27 participantes.

36

entre pesquisador e participantes, o qual atravessa estágios” (FLICK, 2004, p.70). Outro fator

que despertou nosso interesse em aceitarmos o prolongamento desse primeiro dia de contato

foi compreendermos que a pesquisa de campo, pode ser entendida como um momento

relacional e prático em que as inquietações nos conduzem a desenvolver a pesquisa no

universo do cotidiano (CRUZ NETO, 1998).

A disponibilidade e sugestão da dinâmica se deu por acreditarmos que esta atividade

poderia proporcionar a obtenção de algumas informações necessárias, e que na pesquisa

qualitativa o pesquisador não pode ter neutralidade, pois sua importância, experiência e

comunicação são fatores decisivos para a pesquisa, desta forma deve adotar uma postura

participativa e integrativa em relação as pessoas que serão entrevistadas e observadas

(FLICK, 2004), e ainda, também deve ser capaz de ver “através dos olhos daqueles que estão

sendo pesquisados” (BYRMAN, 1988, p. 61 apud BAUER; GASKELL, 2003, p.32).

Tendo a sugestão acatada por parte de todas as participantes, lembramos que as falas

realizadas durante a dinâmica seriam gravadas para registro das informações que surgissem

durante a atividade, e que algumas observações feitas, seriam anotadas em um ‘bloco de

notas’, ou seja, diário de campo. A importância desse instrumento de anotações é realçada por

Gaskell (2003) quando diz:

[…] a medida que a sessão grupal chega ao final, e o gravador está desligado, acontecem discussões semiprivadas entre os próprios membros do grupo e entre alguns do grupo e o moderador. Ha mais coisas a dizer, explicações para tomadas de posição embaraçosas e, de maneira mais geral, uma reentrada para o mundo real. O moderador gostaria que o gravador ainda estivesse ligado pois temas de alguma significância podem ser levantados. Em tais circunstâncias, e sempre uma boa ideia tomar notas depois que os participantes deixaram a sala (GASKELL, 2003, p.76).

A importância da junção da gravação das falas com as anotações é realçada por Gil

(1989, p.121) quando afirma que “o único modo de reproduzir com precisão as respostas é

registrá-las durante a entrevista, mediante anotações ou com o uso de gravador”. Cabe

ressaltarmos que a utilização desses recursos foi condicionada a aceitação e formalização para

participar da pesquisa por parte das participantes conforme descrito no Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para garantirmos o anonimato distribuímos números a cada participante, evitando

assim que seus nomes fossem identificados na gravação. Primeiramente “solicitamos que se

identificassem com os seus números e logo após iniciassem suas falas sobre o tema proposto”

(DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). O documento que contém a informação sobre a

37

correspondência entre números e nomes das participantes está em nosso poder e de uso

exclusivo.

Após adotarmos os mesmos cuidados que foram observados na reunião de

apresentação, realizamos uma breve explicação sobre quais os procedimentos que seriam

utilizados naquela dinâmica. Lembramos mais uma vez para não utilizarem seus nomes, e se

identificarem com seus números, “não falem seus nomes, somente seus números e comentem

sobre algum sonho e qualquer outra coisa que quiserem falar sobre suas vidas” (DIÁRIO DE

CAMPO, 05/09/2018). Tal procedimento foi baseado nas recomendações de Gaskell quando

sugere que ao iniciarmos o processo de pesquisa, o pesquisador deve pedir “a cada

participante que se apresente dizendo o nome, e pode acrescentar um pedido para que

adicionem alguma informação pessoal que não cause polêmica” (GASKELL, 2003, p.79). A

solicitação de um sonho e liberdade para exporem qualquer assunto sobre suas vidas, foi por

entendermos que a pesquisa qualitativa além de possuir mais afinidade com os estudos de

grupos, busca informações sobre as histórias sociais sob a ótica dos atores, das suas relações,

com a intenção de realizar análises de discursos (MINAYO, 2014).

Para selecionarmos a sequência de apresentação utilizamos um carretel de barbante.

Após nossa apresentação, seguramos a ponta do barbante e escolhemos uma das participantes

de maneira aleatória, passando o carretel, sendo que o barbante deveria se manter esticado

entre nós. Após se apresentar, a primeira participante continuou segurando a ponta do

barbante que estava esticado, e passou o carretel para a segunda participante, escolhida por

ela, que também deveria manter o barbante esticado entre ela e a primeira participante,

formando uma segunda linha de barbante, todos esticados. Após a apresentação da segunda, o

carretel foi passado uma terceira participante que também deveria manter o barbante esticado,

que passou para a quarta, para a quinta e assim sucessivamente até a última participante,

formando assim uma rede de barbante. Nesse momento pedimos para uma das participantes

balançar as pontas do barbante que segurava, e perguntamos as demais “vocês estão sentindo

o barbante balançar” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). Todas responderam que sim, então

realizamos alguns comentários sobre esse episódio, fazendo uma breve explicação que “da

mesma forma que a ponta de um barbante interfere na rede, a vida de uma pessoa também

está interligada a vida de outras” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). Observamos neste

momento “muita emoção, risos e choros, porém concordaram que suas vidas são sempre

interligadas a de outras pessoas e que ninguém está isento de não interferir em outra vida, seja

direta ou indiretamente” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018).

38

Grosso modo, a dinâmica aplicada que durou aproximadamente duas horas, pode ser

considerada como a primeira entrevista grupal, em que Patton (1990, p.335-336 apud FLICK,

2004, p.125) define como:

[...] técnica qualitativa de coleta de dados altamente eficiente, [que fornece] alguns controles de qualidade sobre a coleta de dados, visto que os participantes tendem a controlar e a compensar um o outro, eliminando, assim, opiniões falsas ou radicais […], e é razoavelmente fácil avaliar até que ponto existe opinião compartilhada, relativamente consistente […] entre os participantes.

Para esclarecermos alguns aspectos em relação ao traçado metodológico desta

pesquisa, e a fim de justificarmos os procedimentos adotados na entrevista, é importante

destacarmos que elas podem ser realizadas na forma individual e/ou coletiva (grupal) e obter

dados objetivos e subjetivos. Esses dados objetivos também podem ser obtidos através de

outras fontes secundárias, como censos, estatísticas e outras formas de registro. Por outro

lado, o subjetivo pode fornecer dados que se relacionam a valores, atitudes e a opiniões do

sujeito entrevistado (CRUZ NETO, 1998; MINAYO, 2014). Assim a entrevista pode ser

entendida antes de tudo como uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, com a

finalidade de levantar informações pertinentes a um objeto de pesquisa através da abordagem

de temas a ele relacionado (CRUZ NETO, 1998; BONAT, 2009; MINAYO, 2014). Para

Gaskell (2003) toda entrevista é um processo social onde a principal interação ocorre através

das palavras, é uma troca de ideias e significados, de forma que o pesquisador e o entrevistado

acabam, de formas diferentes, inter-relacionados para a criação de conhecimento, “e uma

tarefa comum, uma partilha e uma negociação de realidades” (GASKELL, 2003, p.74); sendo,

“portanto, uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo

assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de

informação” (GIL, 2014, p.109).

Em relação a conformação de como foi formulado os questionamentos, esclarecemos

que “[…] as entrevistas podem ser estruturadas e não estruturadas, correspondendo ao fato de

serem mais ou menos dirigidas” (CRUZ NETO, 1998, p.58). Na entrevista estruturada as

perguntas são elaboradas com antecedência e nas entrevistas não estruturadas o entrevistado

aborda livremente o assunto proposto pelo entrevistador (CRUZ NETO, 1998). Gil (2014)

destaca que quanto ao nível de estruturação podemos classificar as entrevistas como:

informais, focalizadas, por pautas e formalizadas; enquanto Minayo (2014) sugere que elas

podem ser caracterizadas pela sua finalidade, organização e planejamento, ou seja, sondagem

39

de opinião, semiestruturada, aberta ou profundidade, focalizada e projetiva. Apesar de

nomenclaturas diferentes, quando analisamos seus procedimentos de coleta, notamos que

essas classificações não são excludentes, mas sim complementares. Portanto as entrevistas

desta pesquisa podem ser classificadas como grupal com a caracterização dos

questionamentos de forma informal, aberta ou de profundidade conforme denominação dos

autores mencionados.

A importância da entrevista nesse tipo de pesquisa é enfatizada por Cruz Neto (1998,

p.57), quando afirma que é “[…] o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através

dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais”. Gil (1989;

2014) argumenta que, para muitos autores, a entrevista é provavelmente a mais flexível e uma

das mais importantes técnicas das Ciências Sociais, sendo sua importância comparada ao tubo

de ensaio para a química, ou ao microscópio para as áreas que se dedicam ao estudo de

microrganismos.

Cabe salientarmos que esse primeiro encontro se mostrou muito produtivo, pois além

de obtermos relatos muito significativos, “a entrevista transcorreu de forma tranquila, com

muitas lágrimas e gargalhadas, com intensa participação e emoção” (DIÁRIO DE CAMPO,

05/09/2018). Tal relevância é observada quando consideramos que a entrevista não é

simplesmente uma conversa despretensiosa e neutra, pois tem como objetivo a coleta de

informações relatados pelos atores sobre o objeto da pesquisa (CRUZ NETO, 1998; GIL,

1989; 2014). Enfim, a dinâmica empregada para aproximação se mostrou muito eficiente pois

conseguiu, além da obtenção das informações das falas, proporcionar uma maior aproximação

e ganho da confiança junto as residentes conforme podemos ver na fala da participante P2 “o

professor volta semana que vem né, porque você é dez, adorei” (Diário de Campo,

05/09/2018).

A fim de obtermos informações mais detalhadas Minayo (2014) afirma que quando a

entrevista é realizada em grupo pode ter função complementar à observação participante, ou

ao contrário, ser a modalidade específica da abordagem qualitativa. Desta forma, além da fala

também se terá o contexto, e assim “[...] o investigador terá em mãos elementos de relações,

práticas, cumplicidades, omissões e imponderáveis que pontuam o cotidiano” (MINAYO,

2014, p.263). Através desse entendimento, durante esse encontro, além da entrevista também

utilizamos a observação participante, onde conseguimos constatar que:

[...] quando as participantes falavam de seu passado, choravam e/ou mudavam de entonação, falando baixo com voz de choro, pois retratavam

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fatos de sua vida que tinham vergonha ou arrependimento, em contrapartida, mostravam alegria e emoção quando falavam de seus anseios e desejos (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018).

Sobre esse fato podemos dizer que a observação participante é “[...] um processo pelo

qual mantem-se a presença do observador numa situação social [...] ao participar da vida

deles, no seu cenário cultural, colhe dados” Schwartz & Schwartz (1955 apud MINAYO,

2014, p.273-274). Desta forma podemos considerar que a observação participante é uma

técnica que propicia o conhecimento da vida de um grupo através do interior dele mesmo

(GIL, 2014).

Outro fato que observamos foi a solidariedade das demais participantes a cada relato,

“variadas expressões faciais e corporais eram adotadas, como, por exemplo, chorar, abaixar a

cabeça ou se esticar na cadeira olhando para cima, ou ainda rindo e aplaudindo” (DIÁRIO DE

CAMPO, 05/09/2018). Tais ocorrências se alteravam a cada momento da narrativa, de certa

forma “se identificavam com as histórias de vida e os motivos que as trouxeram a

Comunidade Terapêutica, e desejavam sucesso e felicidade quando ouviam seus anseios e

desejos” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018). Lembrando Bonat (2009), a observação direta

é uma das formas da pesquisa de campo, onde o pesquisador presencia no próprio local da

pesquisa os fatos, falas, testemunhos e fenômenos sem a intermediação de outras pessoas.

Ratificando esta ideia, Flick (2004, p.171) afirma que a observação participante “[…] tenta

compreender as práticas, as interações e os eventos que ocorrem em um contexto específico –

a partir de dentro, na figura do participante, ou de fora, na de mero observador”.

Para legitimarmos a utilização da técnica de observação participante em conjunto com

a entrevista, consideramos os entendimentos de Gil (1989) quando esclarece que essa técnica

sempre é utilizada quando se pretende obter informações extras, articuladas ou não com

outras técnicas, como, por exemplo, a entrevista, ou ainda, podendo ser utilizada de forma

singular. Seu uso objetiva única e exclusivamente a obtenção de informações, e por isso “a

observação chega mesmo a ser considerada como método de investigação” (GIL, 1989, p.

104). Flick (2004) afirma que a observação participante conjugada às competências da fala e

escuta das entrevistas são instrumentos amplamente utilizados na pesquisa de campo de

abordagem qualitativa. Tal importância podemos observar nas descrições acima quando

mencionamos os aspectos físicos e emotivos das residentes quando ouviam ou realizam as

falas, desta forma podemos ter uma noção geral da reunião, pois além das falas também temos

registrado o contexto de como ocorreu a reunião.

41

Terminada a entrevista, todos os participantes tomaram o café da tarde que ocorre todos os dias no mesmo horário na Comunidade Terapêutica. Findado o café, voltamos para o local da entrevista, para realizarmos uma ‘sessão de cinema’, assistindo um filme que possuíamos gravado em um pendrive. Durante o filme, foi servido pipoca, refrigerantes e chocolate que fomos comprar para esse evento. Findado o filme, nos despedimos e demos por encerrado os trabalhos deste dia (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018).

Logo, ao utilizarmos os instrumentos para coleta de informações para a produção de

material empírico nessa pesquisa, procuramos atentar para as considerações apresentadas pela

literatura estudada sobre as metodologias de pesquisa. Em relação as atividades extra

entrevista, estas podem serem interpretadas como o início de uma tentativa de, na medida do

possível, assumir o papel de membro interno ao grupo e ao mesmo tempo colocar-se no status

de estranho (FLICK, 2009).

2.2 ESTRUTURA FÍSICA E FUNCIONALIDADE NA PRODUÇÃO DO SUJEITO

Entendendo que na pesquisa qualitativa o local é a fonte direta de informação, onde se

tem acesso direto ao ambiente e ao objeto de estudo (PRODANOV; FREITAS, 2013; REY

2005), realizamos a segunda visita, com duração de três horas, para de forma informal

interagirmos com as residentes e procurarmos mapear a estrutura física da instituição.

Primeiramente expomos que ela está localizada no município de Itajaí, situado no litoral norte

do Estado de Santa Catarina, região sul do Brasil. Este município foi colonizado por

portugueses no século XVIII e por alemães no século XIX, e tem uma forte ligação com a

navegação abrigando um dos maiores complexos portuários do país. É conhecida também

como capital nacional da pesca por abrigar cerca de 50 empresas beneficiadoras e mais de 500

barcos pesqueiros que produzem aproximadamente 500 mil toneladas de pescado por ano

(ITAJAÍ, 2018, online). É considerada uma cidade universitária com mais de 24 mil alunos da

Universidade do Vale do Itajaí, que é uma das maiores instituições de ensino do Brasil,

possuindo mais de 60 cursos superiores. O município realiza duas tradicionais festas, a saber,

em outubro o seu maior evento popular, a Marejada, Festa Portuguesa e do Pescado, e em

julho a cidade homenageia o homem do campo e ressalta sua importância para a sociedade

com a Festa Nacional do Colono. A cidade também é sede do Festival de Música,

considerado o maior evento do gênero do estado e um dos maiores do país. A cidade por 3

vezes foi sede da Volvo Ocean Race no Brasil, que é a regata oceânica mais antiga e

42

conhecida em torno do mundo, com escalas em vários países, sendo realizada de três em três

anos (ITAJAÍ, 2018, online).

A instituição aqui investigada é considerada uma Comunidade Terapêutica e possui 19

anos desde sua fundação, é uma associação privada e filantrópica. É considerada uma

associação em defesa de direitos sociais que atua no acolhimento e tratamento de mulheres

adultas com transtornos decorrentes do uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas,

que vivem em situação de risco e vulnerabilidade social e familiar. Para tratamento faz uso da

abordagem biopsicossocial e espiritual, e propõe levar as residentes a uma consciência crítica

para uma mudança nos padrões e estilo de vida, podendo assim retornar ao convívio social e

familiar (IGREJA REVIVER, 2018, online). Sobre como está disposta suas instalações,

percebemos que:

Suas instalações estão localizadas em um imóvel alugado cercado com dimensões aproximadas de 3000 m2. Na parte frontal do imóvel possui uma construção em alvenaria onde está localizada as instalações da Comunidade Terapêutica. Na parte dos fundos do imóvel ha mais duas casas de madeira onde moram uma das monitoras com sua família e a família de uma funcionária da igreja a qual a Comunidade Terapêutica tem vínculo (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018).

Neste mesmo dia, anotamos no Diário de Campo (07/09/2018) os seguintes dizeres

sobre a estrutura física da instituição.

Atualmente a instituição é composta pelas seguintes dependências: 6 dormitórios (4 dormitórios com 4 leitos; 1 dormitório com 10 leitos e 1 dormitório com 2 leitos, perfazendo um total de 28 leitos); 1 cozinha; 3 banheiros; 1 escritório; 1 sala de consulta; 1 ambulatório; 1 refeitório; 1 almoxarifado; 1 sala de aula; 1 lavanderia; 1 sala de costura e 1 garagem. Além dessas dependências a instituição possui uma academia ao ar livre3, uma horta, um jardim, e uma área descoberta onde são realizados diversos tipos de atividades. A montagem e manutenção da horta é feita pelo curso de Agronomia da Universidade do Vale do Itajaí. Suas visitas são esporádicas e as residentes, caso queiram, podem auxiliar na manutenção.

Em relação aos equipamentos, móveis, eletrodomésticos e utensílios de cada

dependência, constatamos que:

A sala de aula possui 1 quadro; 12 mesas com cadeiras, 1 armário, 1 televisor e 1 DVD; o refeitório possui uma mesa retangular de aproximadamente 6 metros de comprimento com 4 bancos e, caso necessite,

3 São equipamentos de musculação utilizam o peso corporal para realizar os exercícios.

43

diversas cadeiras plásticas; a cozinha possui móveis, equipamentos e utensílios usuais como: armários, geladeira, fogão, micro-ondas, copos, pratos, etc.; a lavanderia possui 2 máquinas de lavar; 2 freezers e um tanque; o escritório possui 1 escrivaninha com cadeira, 2 cadeiras, 1 computador, 1 impressora e 2 armários; a sala de consulta possui 1 mesa e 3 cadeiras; a sala de costura possui 6 maquinas de costurar, 1 mesa com 2 cadeiras e 2 armários para guardar panos e fio e o almoxarifado possui 2 armários onde são guardados os alimentos, materias de limpeza, etc. (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018).

Após essa verificação sobre como era composta a estrutura da instituição, e diversas

conversas informais, tomamos o café da tarde junto com as residentes e as monitoras, demos

várias risadas com a conversa que tivemos e logo após fomos embora dando por encerrado e

concluída a tarefa de campo neste dia.

A terceira visita, com duração de quatro horas, teve como propósito descobrir como

ocorre a internação das residentes na instituição e qual a metodologia utilizada no tratamento.

Para isso, de forma informal inicialmente conversamos com a direção4, obtendo as seguintes

informações:

[...] o acolhimento para tratamento na Comunidade Terapêutica se realiza através de solicitações realizadas diretamente a direção da instituição. Após análise e aprovação para sua admissão, a usuária de substâncias psicoativas é inscrita em um dos três convênios que são responsáveis pelas despesas de sua estadia durante o período de internação. O primeiro convênio é o municipal que disponibiliza verbas para as despesas de até 15 usuárias, e para ser inscrita neste convênio, a usuária deve ser residente no município; o segundo convênio é com o Programa Rede Estadual de Atenção a Dependentes Químicos (REVIVER), que garante a internação de até 10 usuárias em Comunidades Terapêuticas do Estado de Santa Catarina que estejam conveniadas ao programa; e o terceiro convênio é com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (SENAD) que disponibiliza verbas para a estadia de até 6 usuárias. Cabe ressaltar que os valores repassados para o Centro de Recuperação não são uniformes, diferem conforme o convênio (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018).

A fim de identificarmos qual a modelo de programa de tratamento adotado pela

instituição, questionamos a direção sobre qual os programas de tratamento para recuperação

utilizavam, então fomos informados que “[...] adotam a abordagem biopsicossocial e

espiritual” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018). Apesar dessa informação, que já tínhamos

conhecimento pelo site da instituição, conversamos com algumas residentes para sabermos se

todas sabiam qual o método de tratamento utilizado pela instituição, e percebemos que 4 Nomenclatura que usei para se referir ao coordenador, assistente social, psicólogo e monitores de forma individual ou coletiva.

44

“[...]umas não sabem, outras falaram religião, abstinência e internação” (DIÁRIO DE

CAMPO, 12/09/2018). Contudo também houve menção sobre os cartazes que estão expostos

nas paredes da sala de aula que retratam esse assunto conforme podemos identificar na fala da

participante P4 (12/09/2018)5 quando diz: “professor lá na sala de aula tem uns cartazes que

explicam isso que o senhor quer saber” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018). Esses cartazes

que na verdade são banners, já havíamos observado na visita anterior, onde descrevem que o

programa de tratamento para recuperação utiliza os 12 passos cristãos. Essa proposta de

tratamento procura integrar o programa dos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos (AA) e os

ensinamentos da Bíblia. O site Só em Cristo há vida esclarece que:

Os doze passos são sugestões de conduta ideais para nos libertarmos de problemas emocionais, dependências, compulsões, solidão e uma série de comportamentos indesejáveis que adquirimos como consequência de nossa separação de Deus que nos levam ao sofrimento”. Seu fundamento se baseia nos princípios cristãos, contudo não estão subordinados a nenhuma religião em especial, seu uso aplica-se a espiritualidade através da Bíblia. Este programa é aplicado a qualquer pessoa cristã ou não de qualquer entidade, sem restrição (LOIOLA, 2018, online).

A preocupação em observarmos e identificarmos o maior número de detalhes

possíveis e compreendermos o discernimento que as residentes possuem sobre o programa de

tratamento é justificado ao interpretarmos que na pesquisa qualitativa procuramos elucidar a

dinâmica das relações sociais, elegendo a vivência, a experiência e o cotidiano como variáveis

importantes a serem consideradas durante a análise. Entendemos que a ação humana

objetivada é responsável pela concepção das estruturas e instituições, ou seja, “desse ponto de

vista, a linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis” (MINAYO, 1998, p.24).

Outro fato que observamos nos banners são os objetivos e procedimentos propostos

pelo tratamento. Um dos banners descreve que o programa de tratamento procura levar a

residente a reflexão, compreensão e aceitação dos seguintes pensamentos, como podemos ver

nos excertos a seguir que foram anotados no Diário de Campo (12/09/2018):

ü Estou aqui porque perdi o controle sobre a minha vida;

ü Meus pensamentos, atitudes e comportamentos tornaram minha existência um pesadelo;

ü Minha identidade pessoal e social formou uma pessoa deslocada do mundo, sinto-me só e

perdida, isolada de mim e dos outros;

ü Estou procurando uma saída, preciso saber de onde estou vindo e para onde vou;

5 A sigla “P” significa participante, e a data ao lado refere à realização da entrevista.

45

ü Devo parar de fugir e olhar para mim mesma, tenho que enfrentar essa situação, não

posso mais ter medo de ser reconhecida;

ü Só assim posso conhecer a mim e as outras pessoas, e deixar de ser solitária;

ü Tenho que assumir um compromisso de mudança e de crescimento pessoal, ser

consciente e compreender a minha capacidade de criação;

ü Aqui, junto com minhas irmãs posso entender que sou produtiva e de valor, não estou

sozinha, sou parte de um todo, e dou minha participação para a sociedade;

ü Juntas, entendo que posso me beneficiar em consideração e crescimento, adquirir

confiança em mim e nos outros;

ü Posso transformar minha vida e viver novamente

Em relação à evolução do tratamento e tempo de internação, os banners apresentam a

seguinte informação:

O programa de tratamento da instituição se baseia na evolução a partir do tempo de permanência, e são divididos em 4 estágios: Estágio I (1 mês) – Adaptação, Aceitação, Orientação, Integração; Estagio II (3 meses) – Desenvolvimento pessoal, Responsabilidade, Responsabilização, Senso de utilidade; Estagio III (3 meses) – Multiplicação, Cidadania, Treinamento, Liderança; Estagio IV Reviver (2 meses) – Conclusão, Atitudes, Iniciativas e Resultados, totalizando assim 9 meses de tratamento (Diário de Campo, 12/09/2018).

A cada evolução no tratamento, as residentes são obrigadas a usarem um crachá que as

identificam em que estagio estão, a saber:

“Estágio I – 1 semana vermelho (acolhimento) / depois amarelo; estágio II – verde; Estágio III – azul; Estágio IV – rosa (Diário de Campo, 12/09/2018). Em relação a mudança de cor dos cartões de identificação, ou seja, de um estágio para o outro fui informado pela participante P8 que com exceção ao crachá de acolhimento, ao completar o tempo estipulado para permanência em um determinado estágio, a psicóloga junto com todas as residentes se reúnem para uma análise conjunta decidindo se ela está apta a passar de estágio” (Diário de Campo, 12/09/2018).

Tendo obtido as informações sobre o acolhimento e sobre o programa de tratamento

utilizado pela instituição, após algumas conversas informais com as residentes participamos

novamente do café da tarde. Neste café conseguimos perceber que “nossa presença, já não as

incomoda, interfere ou causa preocupação, a cada dia que passa se sentem mais à vontade e

desinibidas” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018). Logo após nos despedirmos, fomos

embora, concluindo assim mais uma etapa da coleta de informações.

46

Em nossa quarta visita, com duração de quatro horas, o planejamento era

conseguirmos informações sobre o cronograma de atividade, bem como quais regras são

adotadas no momento pela instituição. Para tanto, realizamos diversas conversas informais

com as residentes e a direção que possibilitaram a confecção das seguintes tabelas:

Tabela 1: Cronograma das atividades nos dias úteis da semana (horários aproximados)

Horário (h) 2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira

6:45 despertar despertar despertar despertar despertar 7:00 – 8:00 religiosidade religiosidade religiosidade religiosidade religiosidade 8:00 – 8:30 café da manhã café da manhã café da manhã café da manhã café da manhã 8:30 – 9:30 atividade pratica atividade pratica atividade pratica atividade pratica atividade pratica

9:30 – 11:30 culinária livre livre livre livre 11:30 – 12:00 livre livre livre livre livre 12:00 – 12:40 almoço almoço almoço almoço almoço 12:40 – 13:30 descanso descanso descanso descanso descanso 13:30 – 14:00 livre livre livre livre livre 14:00 – 15:00 praticas corporais 15:00 – 16:00 livre 14:00 – 16:00 fundamental fundamental fundamental fundamental livre 16:00 – 16:30 café da tarde café da tarde café da tarde café da tarde café da tarde 16:30 – 18:00 livre livre livre livre livre 18:00 – 18:30 jantar jantar jantar jantar jantar 18:30 – 19:00 livre livre livre livre livre 19:00 – 21:30 médio médio médio médio livre 21:30 – 22:00 livre livre livre livre livre

22:00 recolher recolher recolher recolher recolher Fonte: elaborado pelos autores

Tabela 2: Cronograma de atividades nos finais de semana (horários aproximados)

Horário (h) Sábado Domingo

8:00 despertar despertar 8:15 – 9:15 religiosidade religiosidade 9:15 – 9:45 café da manhã café da manhã

9:45 – 10:45 atividade pratica atividade pratica 10:45 – 12:00 livre livre 12:00 – 12:40 almoço almoço 12:40 – 13:30 descanso descanso 13:30 – 14:00 livre livre 14:00 – 16:00 livre livre 16:00 – 16:30 café da tarde café da tarde 16:30 – 18:00 livre livre 18:00 – 18:30 jantar jantar 18:30 – 19:00 livre livre 19:00 – 21:30 livre livre 21:30 – 22:00 livre livre

22:00 recolher recolher Fonte: elaborado pelos autores

47

Para esclarecermos algumas nomenclaturas que aparecem nas tabelas acima,

explicamos que quando citamos religiosidade, estamos falando na leitura da Bíblia, no louvor

(glorificar a Deus através da música) e no devocional (fazer orações, agradecimentos, leituras

e discussões sobre a Bíblia); a atividade pratica está relacionada a limpeza da instituição e

cozinha; quando falamos em fundamental e médio, refere-se as aulas do ensino fundamental

e médio ministradas por professores do Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJAs)6; e

quando nos referimos ao termo livre, é o período que as residentes podem fazer qualquer tipo

atividade desde que não infrinjam os regulamentos internos da instituição.

Além dessas informações sobre o cronograma das atividades, também obtivemos

através das residentes e direção as seguintes informações que foram anotadas no Diário de

Campo (14/09/2018), e sintetizadas para está explanação sobre alguns princípios da

instituição tais como: o ingresso e permanência na instituição é voluntário; ao receber a

terceira notificações socioeducativa a residente é convidada a se retirar da instituição

(Notificação socioeducativa corresponde a uma carta de advertência por algo grave que a

residente fez e que não está em acordo com as regras da instituição); o tempo de internamento

é de 9 a 12 meses; não há privilégios; basicamente o tratamento se baseia no tripé disciplina,

oração e trabalho; o programa de tratamento é baseado nos 12 passos cristãos como já

relatado anteriormente; concluído o tratamento, a residente recebe um certificado de

conclusão por parte da instituição.

Todas essas informações e outras que descreveremos a seguir foram obtidas através

da observação participante, que segundo Gil (2008) é uma técnica que coloca o observador

em uma real participação do conhecimento da vida do grupo, assumindo até certo ponto, o

papel de um de seus membros, ou ainda, como Flick (2009) descreve, a obtenção das

informações deve ser realizada na sua especificidade local e temporal, tendo como ponto de

partida as expressões e as atividades exercidas pelas pessoas em seus contextos usuais.

Voltando as informações obtidas com as residentes e direção, anotadas no Diário de

Campo (14/09/2018), constatamos que a equipe técnica é composta por duas monitoras7, uma

psicóloga e uma assistente social. A psicóloga está presente na instituição na segunda-feira,

6 O Programa de Educação em Espaços de Restrição e Privação de Liberdade é desenvolvido por intermédio dos CEJAs, atende aos jovens e adultos internos de estabelecimentos prisionais, socioeducativos e centros terapêuticos do estado de Santa Catarina e tem como objetivo a oferta de Educação Básica na perspectiva do direito à educação com base na LDB 9.394/1996, no ECA 8.069/1990 e conforme estabelece a Resolução Nº 3 do CNE/2010 e a Resolução nº 110 do CEE/2012. São oferecidos cursos presenciais e avaliação no processo, nos níveis de Ensino Fundamental - Anos Iniciais (1º ao 5º ano), Ensino Fundamental - Anos Finais (6º ao 9º ano) e Ensino Médio, para que os adolescentes, jovens e adultos inseridos no programa, possam iniciar continuar ou concluir o processo de escolaridade básica. Disponível em:< http://www.sed.sc.gov.br/servicos/etapas-e-modalidades-de-ensino/6617-educacao-de-jovens-e-adultos>. Acesso em: 01 de setembro de 2018). 7 Denominação utilizada para se referir as pessoas que cuidam da organização e operacionalidade da instituição.

48

terça-feira e quinta-feira das 09:00 h as 14:00 h; a assistente social está presente na instituição

de segunda-feira a sexta-feira das 14:00 h as 17:00 h; e em relação as monitoras, estão todos

os dias presentes, sendo que uma dorme junto as residentes e a outra com sua família em uma

outra casa localizada na parte dos fundos do terreno onde está localizada a instituição.

Sobre as regras pessoais identificamos que: é obrigatório o cumprimento do horário do

despertar e recolher (exceções feitas em casos excepcionais como ficar doente ou debilitado);

durante a atividade de religiosidade é obrigatória a presença de todas com exceção das

cozinheiras, no local onde se realiza está atividade (a participação ativa não é obrigatória, mas

a presença é indiscutível); é proibido brigar, utilizar qualquer tipo de substância psicoativa

com exceção dos prescritos pelo médico responsável (os remédios prescritos por

recomendação médica ficam guardado e só são disponibilizados pela monitora nos horários

estipulados no receituário); é proibido ter relacionamento sexual; é proibido portar qualquer

tipo de celular, receber cartas e fotos; somente sexta, sábado e domingo nos horários livres é

liberado fazer as unhas, fazer o cabelo e assistir alguns filmes que são disponibilizados pela

equipe técnica da instituição (normalmente religiosos); é obrigatória a vistoria nas malas ao

entrar e sair da instituição; as atividades de higiene pessoal normalmente são realizadas no

tempo livre seguindo uma ordem estabelecida de acordo com o pronunciamento de utilização

anunciado; é expressamente proibido comer ou levar qualquer tipo de alimento para os

quartos, caso os possua deve ficar guardado no almoxarifado, e para ser liberado deve pedir

permissão da monitora que pode ou não negar seu consumo naquele momento; não é

permitido assistir programas de televisão, seja de rede aberta ou fechada.

Em relação às regras de funcionamento durante o primeiro mês de internação, é vetada

a saída e o recebimento de qualquer tipo de comunicação externa; para recebimento do

telefonema da família, só depois de dois meses de internação; o horário para receber ligação

da família é de 2ª a 6ª feiras das 18:00 h as 19:00 h com duração máxima de 10 minutos; para

a residente ter o direito de receber ligação da família no mês, se faz necessário que esta

compareça a reunião familiar organizada pela instituição no segundo sábado de cada mês das

13:30 h as 15:00 h, e após é facultada uma visita as residentes das 15:00 h as 18:00 h caso

tenha mais de um mês de internação; no quarto domingo do mês é permitida a visita da

família as residentes das 14:00 h as 15:00 h, excetuando-se no primeiro mês de internação

quando não se pode receber visitas; para saídas da instituição, somente na companhia de uma

voluntária que já foi interna ou da direção, nunca sozinha (exceção feita as residentes que já

estão nos estágios finais do tratamento, ou seja, reinserção social); após o quinto mês de

internação, é permitido as residentes passarem um final de semana por mês em suas

49

residências, e normalmente é no quarto final de semana do mês; somente aos domingos na

companhia de alguém da direção é facultada a possibilidade de participarem ao culto na igreja

( para as que estão liberadas); esporadicamente algumas residentes são enviadas a igreja ou a

instituições coligadas para auxiliarem na limpeza (participação livre).

Sobre a operacionalidade e funcionamento observamos que há uma escala de atividade

pratica elaborada pela direção que é semanal e organizada da seguinte forma: uma residente

para limpeza dos quartos e demais dependências, uma para os banheiros, uma para o refeitório

e duas para a cozinha (limpar, lavar e secar as louças). Quanto a cozinha, é solicitado para que

de forma voluntária duas residentes se pronunciem para assumir a função de cozinheira

ficando a seu critério a permanência ou não nessa função. É importante salientarmos que

quando exercem a função de cozinheira, ficam isentas, caso queiram, de todas as outras

atividades da instituição. As residentes quando estão na atividade pratica de limpeza do

refeitório e cozinha do almoço, não podem após o termino dessas atividades irem para o

descanso; algumas residentes durante seu tempo livre auxiliam as cozinheiras na preparação

das refeições; é disponibilizado livros para a leitura, todos religiosos ou de autoajuda. A

instituição recebe diversas doações como alimentos, roupas, móveis, etc. para se manter; a

instituição possui convênio com a Universidade do Vale do Itajaí, onde alguns cursos

encaminham acadêmicos para estágio de algumas disciplinas.

Tantas informações obtidas nos fez lembrar que a pesquisa qualitativa exige um árduo

trabalho de campo para obter as informações conforme elas se apresentam, e que não sofram

nenhuma interposição intencional do pesquisador (PRODANOV; FREITAS, 2013; REY

2005).

2.3 CONVERSA DESCONTRAÍDA, UMA MUDANÇA RADICAL

Após o término do período de observação para mapeamento e compreensão da

dinâmica de funcionamento da instituição, realizamos mais duas visitas para efetivarmos as

entrevistas grupais, onde abordamos temas pertinentes a pesquisa, com a finalidade de

obtermos mais informações para a produção de material empírico que auxiliasse a análise do

objeto de estudo. Gaskell (2003) afirma que independente da forma, individual ou em grupo,

a entrevista tem a finalidade de compreender como é a vida dos pesquisados através da

interpretação das narrativas que fornecem dados que podem possibilitar a compreensão de

suas crenças, atitudes, valores e motivações em relação a outras pessoas e ao contexto cultural

50

ao qual se está inserido, e foi a partir desses pressupostos que conduzimos as entrevistas com

as residentes.

Primeiramente queremos esclarecer que o percurso que descreveremos a seguir é

proveniente das anotações das observações participantes realizadas nos diários de campo.

Deixamos propositadamente, como na descrição do primeiro encontro, o conteúdo dos

discursos das residentes para serem utilizados em conjunto com outras observações nas

análises que apresentaremos no próximo capítulo.

Prosseguindo a descrição das entrevistas, antes de apresentarmos o assunto que

conduziu a discussão do dia 19/09/2018, explicamos que deixaríamos a critério das residentes

a ordem para se pronunciarem, ficando aos pesquisadores a função de moderador, para que o

assunto não mudasse do tema proposto. Enquanto ocorriam os pronunciamentos das falas,

observamos que “as residentes com maior tempo de internação são as que tinham maior

disposição para falar, enquanto as mais novatas ainda se sentiam constrangidas para

expressarem sua opinião” (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018; 21/09/2018). Os assuntos

elencados para a essa entrevista grupal foram internação, disciplina e saúde. Com a escolha do

tema internação como abordagem inicial procuramos, primeiramente, identificar quais

motivos as levaram a internação voluntária, as mantém em tratamento e por quais motivos

não conseguem se tratarem sozinhas. Posteriormente no tema disciplina, procuramos saber

qual sua importância para o tratamento e qual o entendimento que possuem sobre esse termo.

Finalizando, procuramos verificar o que entendem como saúde, e através da dicotomia desse

termo compreender como ocorre a subjetivação fora e dentro da instituição.

Apresentando o tema internação, observamos através das falas e nos gestos

apresentados uma confiança, determinação, vontade e segurança quando relatavam os motivos

que as levaram a se internarem (DIÁRIO DE CAMPO, 19/08/2018). Contudo, sobre este

tema somos obrigados a fazer algumas ressalvas, pois apesar de terem demonstrado um estado

de espirito ‘positivo’ em relação às internações durante as entrevistas, nas visitas que se

seguiram, através de conversas informais, verificamos que alguns dos reais motivos eram

divergentes daqueles que apresentaram durante a entrevista grupal (DIÁRIO DE CAMPO,

26/09/2018; 28/09/2018; 03/10/2018; 05/10/2018). Assim, quando questionadas sobre essas

divergências de informações, de uma forma geral, explicaram que era uma forma de se

protegerem (no entender delas) de possíveis comentários que poderiam ocorrer caso falassem

os reais motivos que as levaram a internação (DIÁRIO DE CAMPO, 26/09/2018; 28/09/2018;

03/10/2018; 05/10/2018).

51

O tema disciplina propiciou diversos comentários entre as participantes. Sua

importância no tratamento e na recuperação foi quase uma unanimidade, apresentaram

diversos exemplos pessoais, onde justificavam essa necessidade. No entanto, observamos que,

somente nas narrativas das residentes com mais tempo de internação, esse discurso era firme e

convincente. As mais novas, apesar de concordarem, não apresentavam firmeza na entonação

de voz e nem expressões corporais que identificasse uma certeza dessa real necessidade

(DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). Como exemplo deste fato podemos citar o deslocamento

da cabeça para o lado quando falavam, deixando a entender que concordavam com os

discursos, talvez pelo medo de alguma possível repressão caso discordassem da opinião das

outras residentes. Devemos considerar que neste caso específico, a inibição pelo pouco tempo

de internação e contato com os pesquisadores, também podem ser fatores que influenciaram a

esse tipo de conduta (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018).

Para o tema saúde, podemos afirmar que para a maioria das residentes ter saúde é

simplesmente não ter doença, apesar de também terem relacionado saúde à felicidade. Neste

tema observamos que algumas residentes quando falavam de saúde seus olhos se enchiam de

lagrimas como se estivessem lembrando das adversidades que passaram na vida pelo uso de

substâncias psicoativas (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). A entrevista que realizamos

nesta data mostrou-se muito produtiva, pois através dos relatos conseguimos obter

informações muito importantes para a análise e discussão sobre o objeto de pesquisa

(DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). Com o término da entrevista grupal nos dirigimos ao

refeitório para tomarmos o tradicional café da tarde, logo após nos despedimos e demos por

encerrada as atividades desse dia.

Dando continuidade ao ciclo de entrevistas grupais, no dia 21/09/2018, realizamos a

segunda e última entrevista com as residentes com os assuntos: vida grupal, mudanças e

futuro. Na escolha desses temas tivemos o propósito inicial de identificarmos como a vida

com pessoas de diferentes culturas podem influenciar em suas reflexões e padrões de

condutas. Quando sugerimos mudanças procuramos verificar quais transformações pessoais e

sociais acreditam que tenham ocorrido consigo e através de quais procedimentos isso ocorreu,

sejam eles, institucional ou pessoal. Finalmente com o tema futuro procuramos entender como

os objetivos de vida podem motiva-las em seu tratamento e recuperação. Durante essa

entrevista também procuramos verificar como a religiosidade pode ajudá-las no tratamento,

recuperação e consequente mudança, pois os temas selecionados propiciavam a discussão

sobre esse tema.

52

Dando inicio a entrevista, lembramos que os procedimentos práticos seriam os

mesmos adotados na entrevista anterior (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018). O primeiro tema

abordado foi sobre a vida em grupo. As residentes mais antigas se posicionaram com mais

propriedade, pois as mais novas não tinham opinião formada sobre o assunto. Os discursos

afirmavam que essa vida grupal é muito importante para a conscientização de seus problemas

pessoais, e que essa integração e compartilhamento de experiências as ajudam a superarem as

dificuldades que passam durante a internação (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018). Porém,

em conversas informais, tal informação não é confirmada, pois relatam que as convivências

com certos tipos de residentes prejudicam as que realmente querem se tratar, principalmente

as que chegam, pois ainda não se conscientizaram sobre o funcionamento e obrigações da

instituição prejudicando as que estão há mais tempo e acostumadas com o sistema (DIÁRIO

DE CAMPO, 26/09/2018; 28/09/2018; 03/10/2018; 05/10/2018).

Abordando o tema mudanças, a emoção aflorou entre as residentes com mais tempo de

internação, seus relatos expressavam o desejo e esperança em uma transformação que as

levasse a uma nova vida ou ao resgate de uma vida anterior. No entanto, alguns relatos

demostraram através da entonação vocal, principalmente das novatas, um descaso sobre as

mudanças comportamentais, apesar de falarem que queriam mudar (DIÁRIO DE CAMPO,

21/09/2018.) Propondo o assunto futuro, as residentes, entre risos, choros, ares de esperança,

brincadeiras e descontração relataram os mais diversos motivos que almejam para suas vidas

ao saírem da instituição, ao falarem sobre esse tema também acabaram justificando o porque

da internação e desejo de mudanças (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018). Com o fim da

entrevista grupal, fomos tomar café, e como este seria o último dia de visita, ficamos mais

algum tempo na instituição conversando e obtendo mais informações para a análise do objeto

de pesquisa (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018).

Através das observações nas entrevistas percebemos que diferenciações de objetivos,

posturas e falas estão relacionadas ao tempo de internação e experiência de vida que cada

residente traz consigo. Assim, também podemos entender que os padrões de conduta adotados

pelas residentes em relações a veracidade das informações fornecidas estão interligados a suas

vivencias pessoais (DIÁRIO DE CAMPO, 05/09/2018; 19/09/2018; 21/09/2018). Outro fato

que observamos é que diferentemente do primeiro encontro, onde algumas desconfianças e

emoções estavam afloradas, agora a descontração, confiança e desinibição estavam presentes.

As falas das residentes com mais tempo de internação não apresentaram mais as mudanças

drásticas de entonação como ocorreu no primeiro encontro, e ainda, percebemos que nossa

presença já não causava mais incomodo ou desconforto. Acreditamos que a vivência,

53

participação, solidariedade, tolerância, motivação e abstenção de opiniões sobre assuntos

polêmicos de ordem individual, institucional, familiar ou grupal são fatores importantes para

essa aproximação com as residentes (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018; 21/09/2018).

2.4 ENGANO PENSAR QUE TUDO ACABOU

Terminado essa fase de visitas para observação e entrevistas, consideramos encerrada

a fase de obtenção de informações para a produção de material empírico para a análise do

objeto de estudo da pesquisa. A quantidade de relatos e observações suplantaram o que era

esperado para esta fase. Porém após iniciar a análise das informações, observamos que alguns

pontos ainda permaneciam obscuros e seria necessário elucida-los para respondermos ao

problema de pesquisa. Desta forma buscamos em Gomes (1998) as justificativas para

solucionar essa problemática.

Quando chegamos à fase de análise de dados, podemos pensar que estamos no final da pesquisa. No entanto, podemos estar enganados porque essa fase depende de outras que a precedem. Às vezes, nossos dados não são suficientes para estabelecermos conclusões e, em decorrência disso, devemos retornar à base de coleta de dados parra suplementarmos as informações que nos faltam (GOMES, 1998, p.67).

Logo, para levantarmos essas informações necessárias a fim de esclarecermos alguns

tópicos ainda vagos que auxiliassem nas análises da pesquisa, realizamos mais quatro visitas

onde utilizamos a técnica da observação participante para clarear essas incertezas. Tal

instrumento de coleta de informações foi utilizado seguindo os entendimentos de Cruz Neto

(1998) quando afirma que a observação participante deve ter um lugar de destaque nas

pesquisas qualitativas de campo, pois ela consegue captar uma série de informações que não

seriam obtidos com perguntas, pois “uma vez que, observados diretamente na própria

realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real” (CRUZ NETO,

1998, p.59-60). Assim, através desse instrumento conseguimos coletar informações

complementares e necessárias à análise do objeto de estudo.

54

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO

Para a análise do material empírico produzido, através das entrevistas, observação

participante e diário de campo durante o período de pesquisa, utilizamos os entendimentos de

Michel Foucault sobre sujeito, poder disciplinar e cuidado de si, como função analítica.

Através da interpretação dos conteúdos das falas das residentes e entendimentos de Foucault

sobre o tema buscamos elucidar como os mecanismos de objetivação através do poder

disciplinar e o mecanismo do cuidado de si interagem sobre o indivíduo na produção de novos

projetos de sujeitos que sejam individualizados, religiosos, produtivos e dóceis. Assim,

através das interpretações do material empírico produzido mediado por esses conceitos

analíticos, nomeamos dois vetores a serem discutidos, quais sejam, ‘disciplina’ e ‘esperança’.

No primeiro vetor analisamos os entendimentos das residentes sobre o termo, os

motivos e a importância da internação e como as técnicas de objetivação (poder disciplinar)

existentes na instituição, em conjunto com a singularidade de cada história de vida, acabam

influenciando em seus processos de constituição de projetos de sujeito. Já no segundo eixo

apresentamos alguns fatores que influenciam a permanência, continuidade do tratamento e

como o cuidado de si através das diversas técnicas, incluindo a religião, auxilia na produção

de determinados projetos de sujeito.

3.1 FUI OBRIGADA POR MIM MESMA A TER UM TRATAMENTO, A VOLTAR

A SER GENTE

A fim de discutirmos os elementos que constituem os modos de sujeição através de

mecanismos disciplinares no espaço investigado, apresentamos, inicialmente, algumas

considerações gerais que norteiam esses aspectos. A discussão sobre os mecanismos

disciplinares desenvolvidos no espaço investigado é a tônica desta discussão. No entanto,

ressaltamos que o termo disciplina possui, neste estudo, diferentes acepções. Uma dessas

acepções se refere quando as residentes aqui investigadas relatam como a instituição pode

contribuir em seu tratamento, argumentando que “para as que querem realmente se tratar da

dependência química, a rigidez é indispensável, principalmente nos três primeiros meses, para

as que realmente querem” (P19, 26/09/2018), “a disciplina é um dos principais fatores que

podem auxilia-las” (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). No escopo dessa primeira forma de

caracterização de disciplina, recorremos ao dicionário, que ao definir este termo o descreve

55

como: “regime de ordem imposta ou livremente consentida; ordem que convém ao

funcionamento regular de uma organização; relações de subordinação do aluno ao mestre;

submissão a um regulamento” (FERREIRA, 2010, p.257).

Ao interpretarmos a definição dada à disciplina pelo dicionário, ressaltada a partir das

falas das residentes, podemos entender que o termo está relacionado à constância de

procedimentos que buscam um determinado objetivo, e mais, está fortemente ligado a

excelência de conduta, ou ainda, é a forma como devemos proceder e agir para atender as

regras existentes na sociedade. Assim, podemos interpretar que a real busca das residentes é a

autodisciplina, uma maneira de manter uma rotina de procedimentos pessoais adequados aos

padrões de conduta a elas impostos. Compreendendo a necessidade de desenvolver a

autodisciplina nas residentes, a instituição procura incorporar e propiciar a vivência de ‘bons’

procedimentos de forma sistemática buscando formar hábitos salutares em seu cotidiano.

Essa forma das residentes interpretarem a necessidade da autodisciplina podemos

compreender a partir de Foucault (1995) quando comenta que esse padrão de conduta

desejado não é algo novo ou contemporâneo, e que essa disciplinarização da sociedade ocorre

a muito tempo na Europa, desde que se buscou tornar os indivíduos cada vez mais obedientes,

evitando que as sociedades se tornassem casernas. Portanto, é um modelo que há muito tempo

vem se estruturando, consolidando, transformando e induzindo formas de pensar e agir nos

indivíduos. Esse modelo de sujeito é baseado em uma ordem e controle moral, que nos

entendimentos de Foucault (2002, p.94) “é exercido pelas classes mais altas, pelos detentores

do poder, pelo próprio poder sobre as camadas mais baixas, mais pobres, as camadas

populares […] um instrumento de poder das classes ricas sobre as classes pobres […]”. Cabe

retomarmos que a maior parte das residentes podem ser consideradas de extratos menos

favorecidos socialmente e, especialmente, economicamente.

Ampliando o significado do termo disciplina, em sua segunda acepção, para além da

definição formal atribuída pelas residentes, pensaremos, então, o termo enquanto mecanismo

na produção de determinados projetos de sujeito. Desta forma entendemos ser necessário

elucidarmos algumas conceituações e particularidades sobre esta significação. Lembra

Foucault (1999a) que não é de hoje que o corpo é objeto de atenção e manipulação. Desde a

Idade Média e até mesmo na Antiguidade se tem conhecimento que ele pode ser manipulado,

modelado e treinado a fim de ser obediente, responsivo e habilidoso para multiplicar suas

forças. Porém, somente a partir do século XVII e XVIII esses mecanismos disciplinares se

tornaram formas contundentes de gestão dos homens, ou ainda, de dominação. Cabe destacar

que este modelo de governo dos corpos se diferencia da escravidão, pois não procura o

56

apoderamento dos corpos, da domesticidade, da vassalidade, do asceticismo e das doutrinas

monásticas. O autor ainda argumenta que a consolidação desse sistema de controle somente

foi possível através do surgimento de um saber sobre o corpo humano que visa, além dos

aumentos das habilidades e aprofundamento da sujeição, a produção simultânea de corpos

úteis e obedientes. Um sistema que “pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não

simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as

técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina” (FOUCAULT, 1999a, p.119). Esse

sistema de controle rigoroso sobre o corpo que busca a sujeição constante de suas ações

impondo uma relação docilidade-utilidade, é o que podemos denominar de ‘disciplina’

(FOUCAULT, 1999a).

Assim, Foucault (1984) define disciplina como um sistema que coloca o indivíduo em

seu espaço de forma individualizada, classificatória e combinatória; exerce o controle durante

a ação; vigia o indivíduo de forma continua durante sua existência; faz o registro e transfere

informações sobre o indivíduo de forma que nenhum detalhe, fato, ou pormenor escape aos

olhos da mais alta posição hierárquica; em suma, um processo técnico singular onde a força

do corpo é maximizada como força útil e reduzida como força política, com o menor encargo

possível (FOUCAULT, 1999a). É um arcabouço de técnicas sujeita a análise pelos sistemas

de poder para maximizar os indivíduos em sua singularidade, um poder analítico que

individualiza, vigia, classifica, distribui espacialmente, localiza, julga, mede, afim de extrair

seu maior potencial (FOUCAULT, 1999a).

É importante salientarmos que o termo disciplina é um tipo de poder que abarca um

conglomerado de instrumentos, técnicas, procedimentos, níveis de aplicação, ou dito melhor,

ela é uma tecnologia (FOUCAULT, 1999a). São “técnicas sempre minuciosas, muitas vezes

íntimas, mas que têm importância: porque definem um certo modo de investimento político e

detalhado do corpo, uma nova ‘microfísica’ do poder [...]” (FOUCAULT, 1999a, p. 120) que

ampliando para o âmbito social, é exercido por meio de redes invisíveis chegando a ser

considerado uma relação com aparência de normalidade. É nesse ínterim que Foucault

(1999a, p.120) define que “a disciplina é uma anatomia política do detalhe”.

Logo, estando imersas num complexo arcabouço de relações de poder, as residentes

aqui investigadas buscam nas Comunidades Terapêuticas a transformação que necessitam

para se enquadrarem a sociedade, conforme podemos observar quando falam “quero voltar a

ser alguém, eu sei que eu sou alguém [...] quero voltar a ter a minha dignidade, voltar para

sociedade boa [...]” (P2, 05/09/2018); ou “[...] fui obrigada por mim mesma a ter um

tratamento, a voltar a ser gente [...]” (P6, 19/09/2018). Analisando o conteúdo dessas falas

57

observamos que a transformação desejada não é simples, é pautada em uma complexa

estrutura de procedimentos sistemáticos e organizados controlados pelo Estado e pela

sociedade. Outra impressão que transmitem é que a integração e aceitação que almejam para

suas vidas não é algo novo ou desconhecido, mas algo que se perdeu durante o caminho e

estão procurando resgatar. Assim, entendem que as mudanças que tanto objetivam podem ser

obtidas através de internações para tratamento, como as utilizadas nas Comunidades

Terapêuticas, buscando em seus rígidos mecanismos, suporte para restabelecerem os padrões

de conduta, a rotina, o cumprimento de regras que não conseguem obter sozinhas, e mais:

veem na internação um meio necessário e indispensável ao tratamento, pois acreditam que

somente através de seus rígidos procedimentos possam reencontrar o seu ‘eu’ e reestruturar

suas vidas. Corroborando a interpretação sobre a necessidade e importância das Comunidades

Terapêuticas no sequestro das usuárias da sociedade, para tratamento e recuperação do uso de

substâncias psicoativas, comentam “[…] faz com que você tenha uma disciplina, uma rotina “

(P3, 19/09/2018), “quando a gente usa drogas lá fora, a gente perde horário, datas

comemorativas, a gente prefere ficar se drogando do que ficar com a família” (P8,

19/09/2018), “aqui a gente se afasta do mundo lá fora porque quem usa droga tem um poder

de manipular e convencer as pessoas para nos dar dinheiro e assim comprar drogas” (P27,

05/10/2018).

Outras assertivas como “[…] lá fora nós temos muita liberdade e autonomia, ficando

difícil controlar, e hoje entregam a droga até em casa, é só ligar” (P6, 19/09/2018); “quando

eu percebi que estava sem nada, acordei e percebi que precisava de ajuda” (P4, 19/09/2018),

retratam que o uso de substâncias psicoativas proporciona uma sensação de liberdade, causa a

perda de compostura, pudor, responsabilidade, em fim, modificam de forma negativa seus

padrões de conduta. Para mudar esse cenário, acreditam ser necessário seguir regras e normas,

conforme relatam “a disciplina ajuda muito, você tendo disciplina você tem objetivos na tua

vida você não tendo disciplina você não tem objetivo nenhum [...]” (P3, 19/09/2018). Essa

interpretação que possuem sobre a disciplina, que podemos considerar obediência, é um claro

sinal que demonstram sobre a importância que ela tem para o presente e o futuro, podendo

mesmo ser considerada um procedimento pessoal para balizar diariamente os padrões de

conduta, de maneira a direcionar os caminhos para seus objetivos futuro.

Cabe ressaltarmos que para as pessoas que não fazem parte deste universo, os

procedimentos adotados pelas instituições, como os que apresentaremos a seguir, suas normas

e diretrizes podem parecer algo muito rígido. No entanto, esses hábitos se apresentam mais

comuns e afeitos ao cotidiano que as residentes pretendem adentrar.

58

Para exemplificar alguns tipos de instituições que existem na sociedade e que se fazem

presentes no cotidiano do espaço investigado, podemos citar a família, considerada como a

primeira instância disciplinar de controle da vida do indivíduo, que introduz pensamentos,

maneiras de se comportar em público, hierarquia familiar, sexualidade, religião, entre outras

coisas. Outra instituição disciplinar é a escola, considerada como uma instituição que adestra

os indivíduos desde a primeira infância, capturando-os em local e tempo pré-determinados,

disciplinarizando seus corpos através de um complexo sistema de punição e recompensa que

objetiva uma normalização para criar determinado modelo de sujeito, ou seja, um indivíduo

sujeitado a ser dócil e útil. Ainda é possível citarmos as formas de instituições religiosas,

organizadas em relações de micropoderes que mantém o indivíduo docilizado adotando uma

série de símbolos e rituais amparados por uma crença de um grupo de pessoas que possuem

afinidade com esta organização; e ainda, a polícia; a mídia, entre outras (FOUCAULT, 1985;

1999a; 2002).

Dentro da instituição onde realizamos a pesquisa é possível destacar que há

sobreposições de diversos mecanismos disciplinares oriundos das instituições acima citadas, a

saber, escola, igrejas e família. No caso da educação, é possível perceber a presença de

mecanismos disciplinares nas aulas de nível fundamental e médio desenvolvidas pelos Centro

de Educação de Jovens e Adultos (CEJAs) para as residentes; no caso da instituição família,

percebemos sua presença nas diversas orientações sobre a formação familiar, como por

exemplo as atividades praticas similares e análogas a uma residência, com distribuição de

tarefas de acordo com a posição que se ocupa na organização familiar; por outro lado, no que

tange a instituição religiosa, refletimos a presença de seus enunciados através da leitura da

Bíblia, orações, prática devocional e louvor que procuram demonstrar ou reforçar o

compromisso espiritual que se deve ter com ‘Deus’ para se obter uma vida digna e estável

junto a sociedade. Ainda é possível destacarmos como práticas organizadoras da vida interna

social daquele espaço, como as aulas de culinária, buscam ensinar e capacitar as residentes na

arte da gastronomia; e as aulas de praticas corporais, que objetivam conscientizar as

residentes sobre hábitos saudáveis em relação ao corpo (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018;

14/09/2018; 19/09/2018; 03/10/2018).

Mas, afinal, o que caracteriza essas instituições? E de modo mais preciso a este

trabalho: como se constitui a instituição onde as residentes procuram auxilio para suas

mudanças ou resgate? Como se estrutura seu sistema de tratamento? Para Foucault (2002)

essas instituições são chamadas de instituições de sequestro. São instituições pedagógicas,

médicas, penais ou industriais que perseguem o controle sobre o tempo do indivíduo, “são,

59

portanto, instituições que, de certa forma, se encarregam de toda a dimensão temporal da vida

dos indivíduos”. (FOUCAULT, 2002, p.115-116). Portanto essas instituições de sequestro são

“instituições capazes de capturar nossos corpos por tempos variáveis e submetê-los a variadas

tecnologias de poder” (VEIGA-NETO, 2017, p.76), ou ainda, essas associações são

instituições sociais que retiram os indivíduos do seu meio social e ‘interna-os’, durante um

período predeterminado, e conseguem assim, moldar condutas e comportamentos

(FOUCAULT, 1999a).

Foucault (2002) argumenta que as instituições de sequestro como fábricas, escolas,

hospitais psiquiátricos, hospitais e prisões, têm por fim a fixação do indivíduo e não a

exclusão. A fábrica procura ligá-lo ao aparelho de produção, a escola mesmo fechando-os,

fixa-os a um aparelho de transferência de saber, o hospital psiquiátrico liga-o a um aparato de

correção e/ou normalização. Tal procedimento também ocorre nas casas de correções e

prisões, e mesmo que a resultante aponte para a exclusão, sua função primeira é a de fixar os

indivíduos a um aparelho de fixação dos homens. Esse fato podemos observar no espaço

investigado quando a monitora comenta durante o café da tarde: “a instituição não desiste de

vocês, vocês é que desistem, nós nunca desistimos, queremos ajudar, queremos que vocês se

tornem pessoas boas e tenham uma vida normal longe das drogas” (DIÁRIO DE CAMPO,

26/08/2018). Assim, podemos afirmar que essas instituições não possuem a finalidade de

exclusão, mas que fazem dela um meio para inclusão e a normalização dos indivíduos

(FOUCAULT, 2002). Essa disciplinarização suprimiria as experiências subjetivas desviantes

das pessoas, encarcerando-as nos limites de uma determinada normalidade. Aos indivíduos

identificados fora de uma ‘curva padrão’ adotada, ou seja, com comportamentos divergentes

dos considerados normais, duas alternativas lhes são impostas: exclusão ou docilização pelo

sistema (FOUCAULT, 1999a).

Esse poder disciplinar que procura formar novos sujeitos é sustentado, segundo

Foucault (1999), basicamente por quarto pilares: espaço, tempo, saber e vigilância. Na

instituição o pilar espaço pode ser considerado como a estruturação e organização

arquitetônica e funcional da instituição; o pilar tempo é visto nos controles temporais como

horários preestabelecidos para cada atividade na casa; o pilar saber se sustenta nos

conhecimentos dos especialistas da equipe técnica da instituição que através de saberes

específicos legitimam algumas atitudes e conclusões sobre todo o processo vivenciado; e o

pilar vigilância é observado nas inspeções e olhares atentos por parte da direção técnica e até

mesmo das residentes para com as residentes e consigo mesmas (DIÁRIO DE CAMPO,

07/09/2018; 12/09/2018; 14/09/2018; 26/09/2018; 05/10/2018). Desta maneira, a instituição

60

faz uso de dispositivos disciplinares peculiares que procuram colocar os indivíduos em seu

lugar na sociedade transformando-os em um modelo de cidadão que será útil para dinamizar o

sistema.

Para esclarecermos como esses sistemas disciplinares atuam baseando-se nesses

quatro pilares básicos, Foucault (1999a) argumenta que nas disciplinas as funções

disciplinares para doutrinação, transformação e reinserção do indivíduo a sociedade,

primeiramente, trabalham com a distribuição dos indivíduos no espaço e, portanto, utiliza

diversas técnicas em relação ao espaço: o cerco (colégios, quartéis, fábricas, hospitais). Tal

técnica é observada quando descrevemos como a instituição é constituída, localizada e

distribuída espacialmente, ou seja, quanto à estrutura espacial da instituição (DIÁRIO DE

CAMPO, 07/09/2018); ou ainda, no que se refere à organização de um espaço de análise e

classificação individualizante (conhecer, dominar, utilizar), tal técnica se materializa quando

se realiza “consultas obrigatórias à psicóloga, assistente social ou médico” (DIÁRIO DE

CAMPO, 12/09/2018).

Podemos afirmar que é um poder-saber que classifica através do conhecimento dos

especialistas, que procuram o domínio de indivíduos através de uma legitimidade imposta

pelas regras da casa, tal como na seguinte assertiva: “é proibido as residentes ficarem ou se

deslocarem a frente da instituição sem consentimento ou supervisão de alguma monitora”

(DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018). Além do mais, a regra da localização funcional e a arte

de dispor em filas, tal como referenciado na sentença “cada individuo em seu lugar; e em cada

lugar, um indivíduo […]” (FOUCAULT, 1999a, p.123), podemos constatar nas atividades

praticas aplicada com suas escalas e distribuições que atribui a cada residente uma

determinada função, trocando e revezando suas responsabilidades laborais semanalmente e

entre si (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018).

Assim, podemos entender à luz de Foucault (1999), que as regras das localizações

funcionais aplicadas nas disciplinas “codificam um espaço […] para vários usos. Lugares

determinados se definem para satisfazer não só à necessidade de vigiar, de romper as

comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil” (FOUCAULT, 1999a, p. 123).

Essas regras de localização são intercambiáveis e definem uma posição de ocupação separada

dos outros, é uma seção e não um “território (unidade de dominação), nem um local (unidade

de residência), mas uma posição na fila: o lugar que alguém ocupa numa classificação [...]”

(FOUCAULT, 1999a, p.125). Esta arte de dispor em fila, individualiza o indivíduo em uma

posição não criada, mas distribuída ocasionando a circulação em uma complexa rede de

relações que transformam os grupos desorientados, dispensáveis e periculosos em

61

multiplicidades organizadas (FOUCAULT, 1999a). Portanto, esse procedimento também é

uma forma de organizar um espaço analítico, que permite de forma simultânea caracterizar o

individuo como individuo e coloca-lo em uma multiplicidade de funções designadas. “Ela é a

condição primeira para o controle e o uso de um conjunto de elementos distintos: a base para

uma microfísica de um poder que poderíamos chamar “celular” (FOUCAULT, 1999a, p.217).

Da mesma forma que a distribuição do espaço é decisória para a formação de uma

sociedade disciplinar, a concepção de tempo em conjunto com sua organização também o é,

ou seja, também utiliza o tempo como um de seus mecanismos de controle. Assim o controle

de todas as horas do dia na instituição, enquanto dispositivo de controle disciplinar, como

acordar, dormir, fazer refeições, realizar limpezas, tomar banho, etc., procura suprimir

qualquer tipo pensamento e comportamento indesejável das residentes durante o tratamento.

A importância do tempo como técnica disciplinar para as residentes observamos nas seguintes

falas: “[…] o horário de levantar é bem cedo[…] a gente já vai se acostumando com a rotina

lá de fora, que lá fora querendo ou não, a gente tem que acordar cedo, a gente tem que ter

responsabilidade […]”(P9, 19/09/2018); “a disciplina do horário quando se está naquela vida,

você não tem essa disciplina, você já não consegue nem controlar o horário que você tem que

acordar ou dormir” (P4, 19/09/2018); “[...] tem o horário de oração, tem o horário de acordar

bem cedo [...] tem o devocional [...] o café da manhã [...] as tarefas da casa como a limpeza e

tem a parte da jardinagem, da horta [...]” (P8, 19/09/2018); ou ainda, quando se constata que

“o horário de se levantar após o almoço para as que foram repousar, é as 13:30 h ” (DIÁRIO

DE CAMPO, 14/09/2018); e por fim, quando P11(19/09/2018) diz “aqui na casa até para

tomar remédio tem hora, as refeições tem horário, tudo é regrado e deve ser respeitado”.

Essa preocupação que se tem no cumprimento de horários tanto por parte da

instituição quanto das residentes interpretamos como uma forma de resgatar a

responsabilidades e o compromisso que devemos ter no cumprimento de horários, uma rotina,

uma regra, uma normalização exigida pela sociedade. Ainda em relação ao tempo, também foi

constatado que a instituição realiza o controle temporal do “banho que está limitado ao tempo

máximo de 5 minutos” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018), e “do horário de receber

telefonemas da família que é das 18:00h as 19:00h de segunda-feira a sexta-feira, com

duração máxima de 10 minutos por residente” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018). Outro

controle que também é exercido pela instituição é em relação aos “dias permitidos para se

assistir televisão, dias permitidos para se fazer as atividades inerentes a um salão de beleza

tais como fazer as unhas e arrumar os cabelos, dias de visitas familiares, tempo mínimo de

internação para poder passar um final de semana em casa (inicio de reinserção social), entre

62

outros” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/08/2018). Esses procedimentos de controle temporal

através da limitação em relação ao tempo também tem o propósito de proporcionar a vivência

das residentes ao cumprimento e aceitação de fatores a ele relacionados quando não estiverem

mais em tratamento e reingressados a uma sociedade disciplinar.

Sobre esse controle cronológico e temporal, Foucault afirma que “durante séculos, as

ordens religiosas foram mestras de disciplinas: eram os especialistas do tempo, grandes

técnicos do ritmo e das atividades regulares” (FOUCAULT, 1999a, p. 128). Já na sociedade

disciplinar, esse controle foi modificado e aprimorado pelas disciplinas. As escolas

começaram a utilizar minutos e segundos em vez de horas. Desta forma suas atividades

ficaram com um controle temporal mais preciso e diversificado. Nas indústrias o operário foi

quadriculado através do tempo, devendo garantir a qualidade do tempo empregado através do

controle constante e fiscalização, evitando distrações, assim sua gratificação é condicionada a

constituição de um tempo útil, ou seja, sua gratificação esta sujeita a otimização produtiva do

tempo (FOUCAULT, 1999a).

Outra técnica que observamos, relativa ao saber, é a que está relacionada à

aprendizagem corporativa, uma dependência individual e total ao mestre, uma formação

sujeita a qualificação, sem cronograma predefinido, uma relação saber-trabalho entre o mestre

e o aprendiz, uma forma de domesticidade que se combina a uma transferência de

conhecimento (FOUCAULT, 1999a). Esta forma de objetivar o indivíduo pode ser pensada a

partir das seguintes narrativas: “aqui a gente aprende porque tem uma psicóloga 24 h, que é a

monitora, uma líder, uma pessoa extraordinária, uma mulher inteligente, uma mulher sábia,

uma mulher que nossa, eu não tenho palavras pra falar ” (P3, 19/09/2018); “há muita conversa

durante o dia com as monitoras aqui da casa, elas nos orientam pra tudo o que acontece [...]

inclusive uma psicóloga e assistente social a nossa disposição” (P8, 19/09/2018). Tais fatos

relacionados a passagem de conhecimento e relatos de experiências pessoais das monitoras às

residentes, também observamos em diversos momentos durante o período da pesquisa, e

anotados nos Diários de Campo (12/09/2018; 21/09/2018; 26/08/2018; 03/10/2018). A

explanação sobre diversos assuntos referente a diversas histórias de vida bem como das

dificuldades, desistências e conquistas das residentes que já passaram pela instituição são

contados diariamente despertando a curiosidade e atenção total das atuais residentes, pois são

fatos que já passaram, passam ou imaginam que passarão até chegar ao fim de seu tratamento.

Em relação aos instrumentos utilizados, Foucault (1999a) argumenta que apesar da

disciplina ser considerada uma técnica do poder que produz indivíduos como objetos dóceis e

úteis, “[…] o sucesso do poder disciplinar se deve sem duvida ao uso de dois instrumentos

63

simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento

que lhe é específico, o exame” (FOUCAULT, 1999a, p.143).

Desta forma entendemos que para a disciplina ter seu exercício, é necessário um

mecanismo que obrigue através dos jogos de olhares a função e exercício da vigilância, com

finalidade de demonstrar e reprimir determinadas atitudes como efeito do poder disciplinar,

devendo ser absorvido através dos meios de coerção explicitamente identificados pelos

indivíduos aos quais são aplicados (FOUCAULT, 1999a). Esse exercício de poder disciplinar

observamos através da distribuição dos lugares nas refeições onde “a monitora se coloca na

cabeceira da mesa, demonstrando controle e determinando os procedimentos para se efetuar

as refeições” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018), ou ainda, quando observamos que a

disposição da mesa do professor do ensino fundamental e médio “está localizada, como na

maioria das outras instituições escolares, em frente às cadeiras dos alunos de forma a impor e

exercer liderança e poder sobre os alunos” (DIÁRIO DE CAMPO, 12/09/2018). Esse olhar

vigilante e hierárquico imposto na produção desse novo indivíduo, não é objeto de desejo

exclusivo da instituição, também é realçado e desejado pelas residentes, uma vez que retratam

a necessidade de coibir a liberdade e autonomia que possuem quando não estão internadas, as

quais proporcionam a isenção de controles, visto que nessa situação consideram estar no mais

alto posto hierárquico, e além do alcance de algum olhar julgador. Tal compreensão apresenta

alguns indícios quando comentam que o uso de substâncias psicoativas são as responsáveis

por algumas liberdades e alterações pessoais em seus padrões de conduta, conforme podemos

observar na seguinte fala: “[…] é difícil controlar a vontade porque lá fora quem manda na

sua vida é você” (P8, 19/09/2018; ou ainda, quando P19 comenta sobre as políticas públicas

referente a internações na dependência química: “eles não entendem a necessidade da gente se

internar para se tratar da dependência química” (DIÁRIO DE CAMPO, 28/09/2018).

Outro dispositivo destacado por Foucault (1999a) são as sanções normalizadoras,

sistemas disciplinares que operam com micromecanismos penais que agem de forma

repressora através de sanções e de punições que assumem o papel de correção para atitudes

desviantes. Um mecanismo da disciplina que “traz consigo uma forma especifica de punir, e

que é apenas um modelo reduzido do tribunal” (FOUCAULT, 1999a, p.149). Uma forma de

castigo disciplinar com função de restringir os desvios devendo assim ser essencialmente

corretivo. Desta forma, a punição na disciplina é um mecanismo que envolve um sistema de

treinamento e de correção, ou seja, um modelo de gratificação-sanção (FOUCAULT, 1999a).

Observamos a ação desse poder corretivo quando a participante P8 comenta que “estamos

com punição socioeducativa e não podemos sair da instituição porque alguém escreveu uma

64

besteira na porta do banheiro” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018); ou ainda quando P4 e

P11 relatam que “após três notificações socioeducativas, a residente é convidada a se retirar

da casa” (DIÁRIO DE CAMPO, 19/09/2018). Entendemos, assim, que essas instituições com

seu arcabouço de sistemas corretivos operam a fim de resguardar e afastar o individuo de

condutas desviantes, fora do padrão normalizado. E caso não ocorra esta normalização,

legitima-se a repreensão na medida do desvio praticado. A sujeição não é, no limite, apenas

um remédio a ser aplicado pós conduta desviante, mas um antídoto imprescindível para evitar

a saída dos padrões de normalização.

Desta maneira, a instituição com suas regras em relação aos horários, execução das

tarefas, participação das atividades propostas, estudo, entre outras, procuram mostrar as

residentes a importância da normalização de suas atitudes em relação àquela exigidas pela

sociedade. Suas sanções normalizadoras com as privações de algumas liberdades como

assistir televisão, fazer as unhas, receber visitas, entre outros, servem como instrumentos

balizadores de suas condutas. Assim, compreendemos que tais procedimentos atuam de forma

a relacionar os atos dentro de um sistema de igualdade formal, dentro de uma homogeneidade

que é a regra, introduzindo um nível de utilidade e uma classificação individual das diferenças

(FOUCAULT, 1999a).

Conforme já comentado anteriormente, a combinação das técnicas de vigilância

hierárquica com as sanções normalizadoras constitui o exame. Esse termo é entendido como

um sistema de controle de normalização e vigilância que permite qualificar, classificar e

punir, e, portanto, permite que o indivíduo seja diferenciado, sancionado ou recompensado. É

uma complexa técnica onde o poder e o saber se superpõem e se entrelaçam profundamente.

Permite conceituar o individuo como um objeto descritível e analisável, bem como, constituir

um sistema que compara e “permite a medida de fenômenos globais, a descrição de grupos, a

caracterização de fatos coletivos, a estimativa dos desvios dos indivíduos entre si, sua

distribuição numa população” (FOUCAULT, 1999a, p. 159). A aplicação desse sistema

identificamos quando a instituição adota a diferenciação de cores de crachás conforme a

evolução temporal do tratamento. Tal classificação, além de motivar as residentes, produz

sensações de conquista quando passam de estágio como se pode ver nos seguintes excertos:

“eu me sinto orgulhosa [...] uma etapa que consegui passar” (P11, 19/09/2018), “orgulho,

satisfação, alegria [...] eh é um degrau que a gente sobe [...]e aqueles pontos que tem escrito

naqueles cartazes [...] pontos negativos e os positivos tudo aquilo ali é real (P3/19/09/2018).

Esse sentimento de satisfação se justifica na passagem de nível e mudança de cor dos crachás,

pois não está condicionado somente ao tempo de permanência na instituição. Um ritual de

65

passagem é preparado pelo corpo técnico para todas as residentes, de modo que “é realizada

uma avaliação conjunta sobre a evolução em relação aos pré-requisitos necessários a

passagem de nível descrito nos banners expostos nas paredes da instituição” (DIÁRIO DE

CAMPO, 03/10/2018). O sistema punitivo sobre a não assimilação da normalização exigida

pode ser percebida na seguinte fala: “quando eu passei para o rosa, eu demorei, fiquei um mês

de castigo para passar para o rosa por causa da minha rebeldia, ainda fiquei um mês” (P3,

19/09/2018). Assim, sobre esse sistema que controla e vigia o individuo buscando uma

adequação, Foucault (1999a, p.154) descreve que “no coração dos processos de disciplina, ele

manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que se

sujeitam”.

Segundo Foucault (1999a) o sistema disciplinar utilizado pelas instituições de

sequestro é baseado no poder disciplinar do panóptico, através da visibilidade, da

regulamentação do tempo e na localização dos corpos no espaço. Tais técnicas permitem o

controle sobre os indivíduos de forma a torná-los dóceis e úteis, e pode ser considerada uma

nova tecnologia do poder. Assim o panoptismo é uma forma de poder que se articula ao

exame, um saber de vigilância que regula a vida dos indivíduos e se constitui a base de um

poder-saber. Destarte podemos afirmar que não há uma técnica específica, mas um

conglomerado de microrelações e micropoderes, ou melhor, um conjunto de técnicas que

agem de forma integrada, se sobrepondo, se imbricando em torno das residentes procurando

produzir novos projetos de sujeito, através de disciplinas.

3.2 PELA PRIMEIRA VEZ POR MINHA VONTADE

O aforismo “A esperança é a última que morre”, grosso modo, retrata como podemos

interpretar os pensamentos e desejos das residentes. Segundo Ferreira (2012) a esperança

pode ser compreendida como o ato de esperar o que se deseja, uma expectativa, a confiança

que algo muito desejado vai acontecer. Essa convicção que algo vai ocorrer é comum quando

as pessoas estão em uma situação complicada e de difícil solução. Nesses casos, ter esperança

auxilia as pessoas a não caírem em depressão, pois confiam que as coisas irão se alterar de

forma positiva rapidamente. Faz com que seus pensamentos não se limitem ao tempo e

espaço, proporcionam uma sensação que momentaneamente as fazem esquecer das dores,

sacrifícios, doenças, dificuldades, podendo trazer sentimentos como felicidade, paz e

tranquilidade. Desta maneira, podemos considerar a esperança como um estímulo que

66

proporciona força as pessoas. No entanto, se os indivíduos não possuírem maturidade para

compreender que adversidades são coisas que fazem parte da vida, e abraçam a esperança

somente como tábua de salvação para seu desespero, tal expectativa pode gerar frustação e até

mesmo revolta caso o que esperam e desejam não aconteça. Narrativas como “quero que essa

seja a primeira e a última das últimas, não quero passar por mais internação nenhuma” (P2,

19/09/2018); “hoje eu estou aqui viva [...] eu teria morrido pelo uso de drogas [...] pela

primeira vez interno por minha vontade [...] tô terminando meu tratamento e meu maior sonho

no momento é arranjar um emprego [...]” (P3, 21/09/2018); “[...] eu perdi muito tempo na

minha vida [...] quero ter minha casa [...] meu próprio negócio [...] uma estabilidade

financeira [...]” (P4, 19/09/2018), demonstram firmemente a expectativa e vontade de uma

nova vida, uma esperança de mudança pautada e motivada por diversos interesses e objetivos

pessoais derivados da experiência existencial que cada uma traz consigo.

Contudo, essa esperança, essa vontade de ter uma nova vida através desse complexo

sistema de transformação que busca produzir novos modelos de sujeito, não podemos creditar

somente aos mecanismos disciplinares já descritos. É claro que tais mecanismos contribuem

com uma grande parcela para essas mudanças, mas não são únicos. Outros mecanismos

também atuam sobre o indivíduo para formar sua individualidade, são mecanismos

intrínsecos, ocultos, subjetivos que acabam de forma conjunta formando quem somos nós,

para nossos olhos e aos olhos de outros.

Desta forma, ao considerarmos que o indivíduo não é um ser pronto, mas sim, que é

produzido, e produz e aceita sua individualidade em seu percurso existencial através de

diversos mecanismos de objetivação e subjetivação, então podemos presumir que o indivíduo

se constitui historicamente enquanto experiência, através da correlação entre três eixos

principais: o saber, o poder e o cuidado de si (FOUCAULT, 1984a). Todavia para a análise

deste subcapítulo, vamos nos ater ao terceiro eixo, cuidado de si, a prática onde a verdade

transforma o modo de ser, o ethos de cada indivíduo.

Inicialmente esclarecemos que sobre as diferentes nuances de estudos realizados por

Foucault acerca da temática do sujeito e suas relações históricas, o autor comenta que “são

estudos de ‘história’ pelos campos tratados e pelas referências que tomam: porém não são

trabalhos de ‘historiador’” (FOUCAULT, 2004a, p.197), são estudos sobre a história do

pensamento que não podem ser consideradas meramente como uma história das ideias ou das

representações, mas “a tentativa de responder a seguinte questão: como um saber pode se

constituir? Como o pensamento, enquanto ele tem relação com a verdade, pode também ser

uma história?” (FOUCAULT, 2004a, p.197), e ainda: são estudos que também buscam

67

estabelecer relações existentes entre acontecimentos discursivos da história passada para

articular com o presente no intuito de saber quem somos nós nessa sociedade, pois, de certa

forma, “não somos nada além do que aquilo que foi dito, há séculos, meses, semanas...”

(FOUCAULT, 2006, p.258).

Desta maneira, tomando como base a sexualidade, Foucault analisou como nas

sociedades ocidentais modernas, através de uma experiência dada, se permitiu que os

indivíduos tivessem condições de se reconhecerem “como sujeitos de uma ‘sexualidade’ que

abre para campos muito diversos do conhecimento e que se articula a um sistema de força de

coerção que é muito variável” (FOUCAULT, 2004a, p.193). Voltando suas análises através

do cristianismo da época moderna para a Antiguidade, verificou que em algumas sociedades

houve uma preocupação moral com a sexualidade. Porém, questionou: de que modo esse

cuidado ético se faz tão importante suplantando os cuidados morais de outros domínios para

sua vida individual e coletiva? Entre dúvidas e questionamentos identificou ser necessário

desvelar como “o ser humano ‘problematiza’ o que ele é, o que faz e o mundo que vive”

(FOUCAULT, 2004a, p. 198).

Analisando a cultura greco-romana verificou que essas problematizações estavam

ligadas a um conjunto de práticas adotadas por nossas sociedades que poderiam se denominar

“arte da existência” (FOUCAULT, 2004a, p.198), que são praticas racionais e voluntárias que

as pessoas adotam para si, regras de condutas, a fim de transformar-se, modificar-se de forma

individual fazendo de sua vida uma obra conduzida por valores estéticos correspondentes a

determinados parâmetro de estilo (FOUCAULT, 2004a). Essa arte da existência, ou melhor,

essa forma de estilização, é “uma atividade no exercício do seu poder e a prática de sua

liberdade” (FOUCAULT, 2004a, p.210).

Aprofundando o estudo, Foucault buscou identificar quais formas e modalidades da

relação de si para consigo existem que permitem ao indivíduo se constituir e se reconhecer

como sujeito (FOUCAULT, 2004a). Logo, entendeu ser importante “estudar os jogos de

verdade na relação consigo mesmo e a constituição de si próprio como sujeito [...]”

(FOUCAULT, 2004a, p. 195). No entanto alerta que esses jogos não devem ser baseados em

áreas específicas do conhecimento, mas nos jogos da verdade, do verdadeiro e falso, isto é, as

relações onde o indivíduo se constitui historicamente enquanto experiência, permitindo ao

indivíduo se reconhecer como louco, doente, trabalhador, criminoso, ou seja, a forma com que

ele pode se pensar, ser pensado ou percebido (FOUCAULT, 2004a). Portanto, não deve

compreender a verdade como um conjunto de fatos verdadeiros a se descobrir ou a aceitar,

mas como um conjunto de normas onde podemos reconhecer o verdadeiro e o falso,

68

atribuindo ao que é verdadeiro a prerrogativa de poder, assim, podemos entender que o

reconhecimento da verdade gira em torno de uma constituição de verdade e da ação que ela

exerce sobre o sistema de uma sociedade (FOUCAULT, 1984b). Então, por verdade a

podemos entender como “um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a

repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados” (FOUCAULT, 1984b, p.14).

Esses mecanismos observamos no campo de pesquisa através das técnicas de recuperação

propostas às mulheres, tal quando as residentes pedem para a monitora falar com as recém-

chegadas sobre os códigos de conduta, que apesar de não estarem explícitos, estão

subentendidos nos regulamentos. Um exemplo é quando cobram a limpeza do banheiro após o

banho, ou quando se deslocam do quarto para o banho carregando de forma a expor suas

peças intimas, que não é permitido (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018; 28/09/2018).

É importante salientarmos que muitas denominações como práticas de si, técnicas de

si, tecnologias do eu, governo de si, cuidado de si, cultura de si, são alguns dos termos

utilizados por Foucault durante o percurso de sua obra para analisar as formas como os

indivíduos são convocados a se identificarem como sujeitos de si, ou ainda, as práticas onde

os indivíduos são induzidos a olharem para si de forma a se compreenderem, reconhecerem e

assumirem-se como sujeitos, concebendo uma relação de si para consigo de tal maneira a

perceber “a verdade de seu ser, seja ele, natural ou decaído” (FOUCAULT, 2004a, p.194).

Compreendendo que os indivíduos devem exercer mecanismos de relação de si para si

para assegurar uma transformação que proporcione uma harmonização de conduta e modos de

agir consoantes às regras impostas que rotulam uma identidade e as mantém, ou transformam,

segundo determinados fins através do domínio e conhecimento de si por si (FOUCAULT,

1997a, p.109), um questionamento surge: O que fazer de si próprio? Como trabalhar sobre si?

Como se autogovernar? Considerando que a ação sobre o objeto da ação, o domínio, os

instrumentos utilizados é o próprio sujeito da ação? (FOUCAULT, 1997b).

Para respondermos a essas indagações, ponderações foram feitas através dos

pressupostos teóricos apresentados, possibilitando condições de problematizar as formas de

relação de si para consigo comentadas nas falas das residentes. Algumas colocações indicam a

possibilidade dessa reflexão, tais como: “tem que mudar tudo [...] isso dói machuca muito [...]

nesse sentido do meu eu de quebrar paradigmas [...] de quebrar a gente no meio mesmo” (P3,

21/09/2018), e ainda, “quero ser alguém, eu sei que sou alguém” (P2, 21/09/2018). Essa

estilização, essa forma de se transformar, desejo, indução comportamental também não é algo

que aparece de forma autônoma e singular em seus pensamentos, tal imperativo é formado

através de códigos morais que Foucault (2004a, p.211) entende ser “um conjunto de valores e

69

de regras de conduta que são propostas aos indivíduos e aos grupos por meio de diversos

aparelhos prescritivos como podem ser a família, as instituições educativas, as igrejas, etc.”.

Um exemplo desse tipo de aparelho é a própria sistemática familiar funcional

implantada na instituição através dos códigos morais impostos, que não é novo ou inédito, já

que é uma estrutura que há tempos foi formada e consolidada em nossa sociedade. Podemos

assim dizer que a estrutura da instituição nada mais é que uma distribuição familiar ‘normal’,

a constituição de uma família, com seus direitos e deveres distribuídos e cobrados de seus

membros. Horários das aulas e a distribuição das cadeiras impõem um respeito, um código

moral hierárquico que deve ser seguido, o respeito ao professor, ao mestre que compartilha

conhecimentos, muitas vezes ignorados pelas residentes. Buscam através de um processo

pedagógico resgatar, transformar, mostrar e controlar pensamentos e ações desviantes dentro

e fora da instituição, de modo a produzir uma ética de conduta que devem levar para toda sua

vida.

As atividades práticas desenvolvidas como cuidado com a limpeza, aulas de culinária,

aulas de práticas corporais, entre outras, também procuram formar hábitos salutares

individuais, uma condição que muitas não tiveram acesso ou conhecimento e, portanto, se não

possuem conhecimento desses códigos morais, não podem ter uma moral compatível aos

padrões de conduta desejáveis, ou seja, não se pode formar o que não se tem conhecimento.

Grosso modo, “só se dá o que se ganha”. As atividades religiosas praticadas procuram

demonstrar que além das drogas, há algo maior, um Deus que pode gerenciar sua vida,

mostrar os caminhos, algo que se pode convocar em um momento de aflição, uma tábua de

salvação, e assim, formam uma ética pautada em doutrinas religiosas que norteiam suas

atitudes consoantes aos ensinamentos da Bíblia. (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018,

12/09/2018, 14/09/2018, 19/09/2018; 28/09).

Os relatos “o jejum pela manhã é muito importante para nós” (P8, 14/09/2018), e “o

jejum pela manhã nos ensina a controlar nossos desejos” (P19, 03/10/2018), apresentam pistas

indicando a assimilação de pensamentos e ações em concordância às regras impostas sem

questionamentos ou dúvidas, uma verdade. Assertivas como “religião para mim é tudo” (P3,

14/09/2018), “a espiritualidade também tem me ajudado a mudar um pouco o meu

temperamento [...] trata da tua alma, porque querendo ou não o dependente químico ele tem a

alma muito machucada” (P9, 26/09/2018), apesar de não explicitar de forma direta o objetivo

que carrega por detrás de algumas regras impostas, que é o cuidado de si, acabam dando

indícios que as praticas religiosas usuais na instituição são mecanismos de verdade que

procuram formar através das relações de si consigo novos projetos de sujeito.

70

Partindo dessa afirmação é plausível afirmarmos que toda atividade religiosa expressa

em si a vontade da verdade que paira através de relações de poder. Portanto quem detém os

mecanismos de conquista da verdade também exerce relações de poder, que segundo Foucault

(2002, p.139) é “uma espécie de análise do discurso como estratégia”. Uma estratégia que

procura minar a resistência dos indivíduos livres, pois se não há liberdade não há relações de

poder, há coerção (FOUCAULT, 1995), através dos códigos morais impostos, das verdades

consolidadas, aceitas e adotadas durante anos. É um mecanismo que visa a mudança em

diversas áreas do pensamento e de ações dos indivíduos, que acabam interagindo com suas

experiências de vida e formando um novo jeito de ser, um novo modelo de sujeito.

Destarte se considerarmos que as instituições religiosas durante muito tempo

detiveram os mecanismos da verdade, podemos dizer que a verdade e o poder estão presentes

nas doutrinas religiosas. Para a manutenção dessa singularidade, sistema de coerção e

hegemonia, as doutrinas religiosas buscam legitimar seus enunciados como verdade através

de uma luta em torno dela, conforme observarmos em diversos momentos no cotidiano da

instituição, como “glorificar Deus, nas refeições, doações, etc., quando permitem a saída das

residentes aos domingos para irem ao culto na igreja, ou ainda, quando recebem a visita do

pastor para conversar” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/09/2018; 26/09/2018). Contudo, isso não

significa que os conhecimentos que propagam através de suas atividades religiosas são

absolutos, intocáveis, verdadeiros e eternos, muitos se adaptam, se configuram e são criados

para ser resistência contra uma hegemonia que se impõe na sociedade.

É preciso destacar que Foucault (2004a) alerta que uma coisa é regra de conduta,

outra, conduta comparada à regra, tal como se conduzir, como constituir-se como sujeito

moral com um grau de concordância adequado a esse código. Assertivas das residentes tais

como “gostaria que tivesse mais atividades aqui, para não pensar em besteiras” (P6,

19/09/2018), “e o que eu aprendi na casa foi ter esse autocontrole das coisas que eu não tinha

na rua” (P3, 19/09/2018), “nós não podemos esquecer que não podemos ir para frente da

casa” (P11, 19/09/2018) demonstram que além do cumprimento de regras, também se

preocupam com seus próprios procedimentos, uma autovigilância, um autocontrole de seus

pensamentos e ações, ou seja, assumir em seu interior os limites impostos pelos códigos

morais para si, uma ética. Pensando dessa forma podemos entender que através das regras

impostas e obrigações diárias, permitem descontruir e construir novos sujeitos, um individuo

com novos costumes. A incorporação e vivência de ‘bons’ procedimentos e pensamentos de

forma sistemática e contínua formam indivíduos consoantes aos códigos morais de forma

automática, um hábito, ou seja, “as escolhas que todos fazemos deliberadamente em algum

71

momento, e nas quais paramos de pensar depois, mas continuamos fazendo normalmente todo

dia” (DUHIGG, 2012, p.15).

Essa forma de agir Foucault denomina de ‘determinação da substância ética’, uma

ação onde o indivíduo fielmente respeita as interdições e obrigações de seus atos, com

domínio dos desejos, resistindo as tentações, em sua autovigilância, na luta aos movimentos

contraditórios dos pensamentos, ou seja, uma postura que as mantém ligadas fielmente a

prática do código moral. Outra constatação sobre a construção dessa forma de pensar, agir e

respeitar regras pudemos observar nas seguintes falas: “aprende-se a ter uma rotina, a ter uma

responsabilidade, a deixar os quartos organizados, porque geralmente quem é dependente

químico [...] deixa um pouco de lado, o seu lado higiênico” (P11, 14/09/2018), “no começo

foi difícil acordar nesse horário, mas agora eu acordo até antes de me chamarem” (P6,

03/10/2018).

Assertivas como: “as atividades da casa são realizadas após o café da manhã, e tem

que ser feita com excelência” (P8, 19/09/2018), e quando P25 diz “fazer a limpeza da casa é

muito importante, quando vivemos em grupo [...]” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/10/2018),

também retratam as observações de Foucault sobre o assunto, e assim podemos constatar que

a autovigilância, a preocupação com o compromisso e adoção de hábitos para realizar a tarefa

da melhor forma possível, são características que estão se consolidando para formação de uma

ética pessoal baseada nos códigos morais higiênicos adotados.

Procedimentos de formação de conduta são lembrados a todo instante, como na

obrigatoriedade de presença, independente da escolha religiosa que a residente tem, nos

rituais religiosos matutinos, ou quando se agradece e louva Deus antes de qualquer refeição

pelos proventos que ali estão, ou ainda, quando se abençoa uma pessoa que levou donativos a

instituição e as próprias doações (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018; 14/09/2018;

03/10/2018), como nas observações: “vocês têm que limpar o refeitório melhor do que

limpam suas casas, isso aqui e de todo mundo, e ninguém gosta de sujeira, principalmente

porque podemos receber visita a qualquer momento” (DIÁRIO DE CAMPO, 28/09/2018).

Tais atitudes procuram lembrar as residentes a instituir práticas, pensamentos e ações

salutares constantes, para nunca serem esquecidos ou negligenciados.

É importante destacarmos que esse trabalho ético que se realiza sobre si mesmo não é

algo homogêneo, esse modo de sujeição é difuso, varia conforme o indivíduo se relaciona

com as regras e se interliga a obrigação em cumpri-las. As falas “acho legal irmos a igreja aos

domingos, mas quando sair, vou requentar outra” (P6, 28/09/2018), “não vou a igreja aqui [...]

não quero ser reconhecida como ex-dependente se quiser visitar essa igreja depois [...] mas

72

depois que sair vou frequentar alguma outra igreja [...] (P4, 26/09/2018), demonstram essa

heterogeneidade, apesar de estarem imersas em uma suave coerção religiosa que procura

evidenciar que o caminho de Deus é a única salvação, e aceitarem tal fato como principio de

vida, deixam claro que a escolha de onde frequentar é decisão sua (DIÁRIO DE CAMPO,

28/09/2018).

Essa liberdade de escolha é evidenciada quando a monitora fala em uma das refeições

sobre acreditar em Deus, “eu quero é que vocês não esqueçam e acreditem em Deus, não é

preciso frequentar a nossa igreja, podem ir em outra, mas não abandonem Deus, ele sempre

estará com vocês” (DIÁRIO DE CAMPO, 21/09/2018), ou ainda “só quebrei uma regra, levei

uma advertência [...] eu sou batizada na igreja [...] ser batizada e ter ainda atração pelo sexo

oposto, é difícil” (P9, 21/09/2018). Portanto podemos entender que apesar do trabalho ético

que se realiza sobre si, não pode ser interpretado simplesmente como um comportamento que

devemos ter em relação ao cumprimento das regras, mas a forma como se busca transformar a

si próprio em “um sujeito moral de sua conduta” (FOUCAULT, 2004a, p.213). Desta forma,

Foucault descreve,

Não há ação moral particular que não se refira à unidade de uma conduta moral; não há conduta moral que não exija a constituição de si mesmo como sujeito moral; não há sujeito moral que não exija a constituição de si mesmo como sujeito moral sem ‘modos de subjetivação’ e sem uma ‘ascética’ ou ‘pratica de si’ que os fundamentem (FOUCAULT, 2004a, p.214).

Assim, entendemos que não há ação moral dissociável das práticas de si e nem moral

que não esteja relacionado a valores, regras e proibições (FOUCAULT, 2004a), ou seja, se a

moral está interligada ao controle das ações, as práticas de si também estão relacionadas aos

modos que devemos nos subjetivar para atender aos códigos morais estabelecidos. Desse

modo, ao analisarmos as falas em relação ao perfil e a história de vida que cada residente traz

consigo, conforme descrito nos Diários de Campo (07/09/2018; 12/09/2018; 14/09/2018;

26/09/2018; 28/09/2018; 03/10/2018; 05/10/2018), podemos identificar que os códigos

morais implícitos em sua historicidade, moldam a forma de ser e de interpretar as

modificações éticas que devem fazer para se integrarem aos padrões de conduta desejáveis, ou

seja, cada caso é um caso, não é um processo generalista, é dinâmico, individual e pessoal.

Voltando na história para elucidarmos o surgimento da questão do cuidado de si -

epimeleïa heatoû, Foucault (1997b) argumenta que ao considerarmos o Alcibíades de Platão

como seu marco inicial, diversos estudos podem ser realizados para formar uma história do

73

cuidado de si compreendida como experiência e, também, como técnica que transforma essa

experiência. Assim, estudando a cultura helênica e romana sobre as ‘técnicas de vida’,

‘técnicas de existência’ em um domínio que os gregos chamavam de aphoridisia

(sexualidade), o autor descobre que a constituição de si transcorre através das técnicas de vida

e não através das proibições ou pelas leis. Portanto, ao considerarmos que essas ‘tecnologias

de si’ proporcionam uma reflexão sobre a forma como se deseja viver, sua existência,

administrar e controlar sua conduta, se autovigiar em relação a objetivos e desejos, podemos

entender que a produção do sujeito, ou subjetividade, também é creditada, além dos

mecanismos do saber-poder, às alterações culturais, sociais, políticas, econômicas e das

relações de si para consigo mesmo, através dos diversos mecanismos técnicos do governo de

si por si na sua relação com o outro (FOUCAULT, 1997b), como por exemplo, nos conselhos

de conduta, nas consultas psicológicas e nas praticas religiosas.

Ampliando a noção sobre as maneiras como os indivíduos se voltam para si, epimeleïa

heatoû (cuidado de si), Foucault (1997b) expõe que ele não é um principio estático, mas uma

prática que deve ser ininterrupta, uma forma de atividade. O termo epimeleïa é amplo e não

está relacionado somente a uma atitude de consciência ou atenção a si mesmo, ele engloba

uma ocupação regulada, um trabalho constante e objetivos sólidos. A narrativa “nessa fase eu

me exaltei [...] eu trabalho, eu faço o que eu quiser [...] pai e mãe não mandam mais em mim

e acabei abandonando os estudos [...]” (P4, 14/09/2018), demonstra a dinâmica da

constituição de si pelo sujeito. A situação financeira legitimou uma condição de liberdade e

autonomia de vida, uma verdade adquirida, um poder. Outra assertiva sobre a mobilidade do

cuidado de si é representada pela fala “quero voltar a ser aquela pessoa que eu era, com brilho

no olhar, com palavras meigas para dizer as pessoas, ser amável, ser chorona, porque eu

sempre fui assim e eu tinha perdido isso por causa das drogas [...]” (P6, P19/09/2018), onde a

residente se reconhece nas diversas situações que se encontra. Em um momento se

reconhecendo como sujeito integrado a sociedade, o qual quer resgatar, e em outro momento

se reconhece, nesse caso específico, fora dos padrões que considera ideal para pessoas

normais, se colocando em uma posição de exclusão, como ‘cartas fora do baralho’,

desprezadas pelos outros e pela sociedade (FOUCAULT, 2004a).

O cuidado de si é mais que prestar atenção em si mesmo, evitar desvios, perigos ou se

proteger. É um universo complexo e regulado sendo considerado sincronicamente “como um

dever e como uma técnica, uma obrigação fundamental e um conjunto de procedimentos

cuidadosamente elaborados (FOUCAULT, 1997b, p.122), um mecanismo que abarca um

conjunto preciso e austero de práticas, horários, atividades práticas, atividades pedagógicas,

74

atividades laborais, distribuição espacial, procedimentos, regras, exigências, controles, regras,

obrigações, enunciados e atividades religiosas (DIÁRIO DE CAMPO, 07/09/2018,

12/09/2018, 14/09/2018, 19/09/2018; 28/09), conforme visto na instituição. É um conjunto de

técnicas (tecnologias do eu) que se exerce sobre si mesmo no intuito de transformação e

modificação, através de práticas executadas de forma dura e constante, perseverante e

interminável, a partir dos quais o indivíduo vai se constituindo de forma gradativa em sujeito,

adquirindo uma nova forma de viver. Assim, o cuidado de si não é um sistema, mas uma

filosofia de vida (FOUCAULT, 1997b). Uma filosofia de vida que muitas vezes não tiveram

acesso, pois sua forma de vida atual foi constituída em meio a outros códigos morais,

deturpados ou esquecidos, uma ética formada em meio a estruturas desviantes, irresponsáveis

e marginalizadas pela sociedade que querem mudar. Entendemos, assim, que esses

mecanismos de subjetivação acabam proporcionando uma forma de controlar, dominar,

resistir, lutar, de se autovigiar quanto aos seus atos e desejos.

Com a análise dos mecanismos de subjetivação que produzem projetos de sujeito,

podemos afirmar que além do poder disciplinar, também existe nesse contexto uma tecnologia

de si, uma forma de prática de cuidado de si constante que procura auxiliar a constituição do

sujeito. São mecanismos existentes que se agrupam, sobrepõe, auxiliam, e que de forma

conjunta produzem sujeitos como podemos observar nas atividades religiosas que procuram

criar uma adesão eterna a religiosidade. Lembrando que religiosidade pode ser concebida

como múltiplas ações que buscam a reflexão de valores éticos religiosos, procuram mostrar a

existência de um conhecimento além do racional através das verdades adotadas pela fé, e

exercem influência nas ações e valores do indivíduo através da autorreflexão sobre si e sobre

o que considera correto, podemos considerar que a religiosidade dentro da instituição também

é uma técnica de cuidado de si. Assim, a preocupação com a vigilância que exercem sobre si

para si, para atender as regras, condutas, ações e não serem expostas ao poder punitivo, como

horário de acordar, excelência na limpeza, respeito às atividades religiosas, entre outras,

podem ser interpretadas como práticas de cuidado de si. Em suma: o sujeito se auto constitui

com o auxilio das relações de si consigo, e não somente pelas técnicas de dominação (poder)

ou técnicas discursivas (saber) as quais estão imersas.

4 TECNOLOGIA SOCIAL

75

Procurando uma maneira de auxiliar as usuárias no tratamento, detectamos, através

das informações obtidas nos Diários de Campo (14/09/2018; 21/09/2018; 26/09/2018;

03/10/2018), uma lacuna operacional a ser preenchida relacionada a adesão e permanência

das usuárias de substâncias psicoativas na instituição, a saber: A desinformação sobre as

consequências que o uso dessas substâncias causa as usuárias, é evidente. Tal fato podemos

exemplificar com a fala “gostaria que aqui tivesse palestras que nos esclarecesse sobre as

drogas” (P6, 21/09/2018). Outra questão relacionada a desinformação é observada quando

surge o questionamento “porque não podemos fazer algumas coisas, como levar nossa comida

para o quarto, mesmo que seja bala. Questionei a psicóloga, mas ela só das desculpas e não da

um motivo” (DIÁRIO DE CAMPO, 26/09/2018). Analisando conjuntamente outros relatos

relacionado as consequências do uso dessas substâncias, ficou claro que as usuárias sabem

que seu uso faz mal, mas não compreendem a dimensão desse comprometimento para suas

vidas, gostariam de saber, para assim motiva-las a largar as drogas (DIÁRIO DE CAMPO,

21/09/2018). Em relação ao tema do segundo relato, as análises demonstram a existência de

frustração pela desinformação a alguns questionamentos, alegando ainda que se soubessem

alguns porquês, a estadia na instituição ficaria mais fácil (DIÁRIO DE CAMPO, 26/09/2018;

03/10/2018).

Em posse dessas informações, para dinamizar a eficácia no tratamento, resolvemos

desenvolver uma Tecnologia Social (TS) através dos entendimentos de Mehry sobre o tema

que atendesse a essa problemática. Desta forma estudando suas classificações sobre

‘Tecnologias Sociais’, empreendemos um trabalho onde desenvolvemos um sistema de

informações dentro do que ele chama de “valise, das tecnologias leves” (MEHRY, 2000, p.

113). Tal tecnologia denominamos PAEAT - Procedimento de Acolhimento e Esclarecimento

para Adesão ao Tratamento com a finalidade de auxiliar através do esclarecimento de diversas

questões a adesão e permanência das usuárias de substâncias psicoativas na instituição para o

tratamento.

A aplicabilidade desse procedimento é dividida em duas fases: A primeira fase é a de

coleta de informações, através das dúvidas das próprias usuárias. Essa coleta será de forma

anônima, através do depósito em uma urna dos questionamentos que gostariam que fossem

elucidados. Recebido esses questionamentos, é realizada uma palestra na semana seguinte

para esclarecimento, pela equipe técnica, das indagações realizadas. Essas perguntas e

respostas serão transcritas e armazenadas em um banco de dados para utilização futura. A

segunda fase, é condicionada a quantidade de questões recebidas. Após esclarecer uma certa

quantidade de perguntas, número a ser definido pela equipe técnica, será confeccionado um

76

manual elucidativo constando todos os questionamentos e respostas fornecidas pelas usuárias,

para difusão de informações entre as residentes. O manual deve ser entregue no acolhimento

da usuária e devolvido após a conclusão do tratamento. Atentamos que a urna para

recebimento de questionamentos é permanente, devendo ser verificada pela equipe técnica

semanalmente, pois podem surgir questionamentos novos que não se encontram no manual.

Esses questionamentos que porventura possam ocorrer, serão respondidos da mesma forma

que foi realizado na primeira fase, sendo incorporado ao manual em sua atualização que deve

ser trimestral, caso necessário.

77

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A caracterização do grupo pesquisado não é homogênea, e apesar das variadas

características de internação o sistema de tratamento é único, sem distinção de idade, classe

social, escolaridade, procedência, gênero, grau de utilização e tipo de substância consumida.

No intuito de tratar e recuperar esses indivíduos, a instituição procura formar um grupo coeso,

participativo, solidário, prestativo e religioso que luta por um objetivo comum, que é

conseguir uma (re) inserção na sociedade com dignidade. Para tal, enfatizamos que nem todas

têm como pilar central para o seu equilíbrio existencial a disciplina ou a religiosidade, outros

motivos também são relevantes para a conclusão do tratamento, recuperação e prevenção à

recaída. Observamos também que um fator que interfere nesses procedimentos de recuperação

e eficácia da instituição está relacionado ao sistema de acolhimento, que é o de internação e

permanência voluntária. Assim, conseguimos identificar cinco características de internação

durante o período da pesquisa. O primeiro são aquelas residentes que realmente querem se

tratar; o segundo são aquelas que por algum motivo de imposição acabam aderindo ao

tratamento para não perderem algo que lhe é de valor como, por exemplo, namorado, família,

emprego, etc.; o terceiro são aquelas que perderam benefícios sociais como a aposentadoria e

acabam vindo se tratar, ou digamos, se internar para resgatar o que perderam; o quarto são

aquelas que estão fugindo de algo e acabam vendo na internação uma saída para se

esconderem por um tempo; e finalmente, o último tipo identificado são aquelas que se

internam por estarem debilitadas, com fome, sem ter onde ficar e acabam se internando na

Comunidade Terapêutica para se abrigar e se recuperar, voltando a vida que tinham

posteriormente.

Essas diferenciações podem parecer simples, mas são fatores determinantes para o

sucesso do tratamento, pois a heterogeneidade, a receptividade e a vontade em participar das

atividades propostas para a transformação, mudança ou recuperação do seu ‘eu’, é notória

entre as residentes. Também foi possível constatarmos que os primeiros meses de internação

são os mais críticos e difíceis para aceitação e permanência no tratamento, as mudanças de

rotina propostas diferem totalmente das que estavam acostumadas. É exigido

responsabilidade, respeito, cumprimento de horários, comprometimento e excelência nas

atividades executadas, fatores que se perderam durante sua incursão no universo das

substâncias psicoativas. Condições internas como a convivência grupal com pessoas

desconhecidas e externas como a lembrança de liberdade e autogoverno que possuíam,

também são motivos que influenciam decididamente em sua permanência. É importante

78

considerarmos que algumas residentes nunca experienciaram esse tipo de conduta, rotina de

tarefas, e dialogam de forma incipiente com essas práticas.

Observamos que o exercício do poder disciplinar existente, através das técnicas

elencadas, procuram produzir indivíduos assujeitados que tenham equilíbrio e ordem, que

garantam o funcionamento das instituições e grupos sociais, ou seja, procuram transformar o

corpo em um objeto passível de ser controlado através de técnicas que de forma imperceptível

e sutil evitam possíveis comportamentos indesejáveis. A privação da liberdade e consequente

retirada de seu grupo social é um fator essencial no processo de tratamento, pois a vigilância e

um sistema punitivo, centrado em aspectos psicológicos e biológicos, são consideradas peças

importantes à normalização do indivíduo. Com isso, é possível interpretarmos que essas

instituições possuem um dispositivo disciplinar intrínseco e essencial, que procura colocar as

pessoas em seu espaço na sociedade, transformando-as em “cidadão modelo” (manso,

produtor e consumidor), que move o sistema. Extrapolando o raciocínio para além das

instituições, podemos afirmar que através das disciplinas a sociedade disciplinar transita

também em sociedade de controle, pois, de um modo geral, essas instituições atuam sobre as

pessoas, regendo e gerindo suas vidas. Os mecanismos de subjetivação, os cuidados de si,

elencados, que procuram formar indivíduos através das relações de si para si, estão presentes

a todo o momento, implícitos nos espaços, tempos, mecanismos, atividades e religiosidade,

transformando, lembrando, ensinando, implantando relações de si para si para formar padrões

éticos compatíveis aos padrões morais, aos modos de ser do sujeito desejável.

Assim a instituição como disciplina que engloba outras disciplinas, com seus

mecanismos de objetivação e subjetivação, seus enunciados e verdades, pode ser considerada

uma tecnologia do ‘eu’ que procura produzir determinados modelos de sujeito. Dessa forma

não é um poder disciplinar ou uma técnica do cuidado de si, mas um conjunto de técnicas,

uma tecnologia, que combinado a experiência existencial que o indivíduo possui, é capaz de

produzir determinados projetos de sujeitos religiosos, individualizados, produtivos e dóceis.

Cabe ressaltar que denominamos projetos de sujeito, e não sujeitos, porque nossa pesquisa se

inicia e termina dentro da instituição, não possibilitando que acompanhássemos as residentes

que concluíram o tratamento no retorno a suas residências. Para podermos atestar que os

mecanismos de objetivação e subjetivação elencados nesta analise sobre a produção de

projetos de sujeito realmente foram efetivos, como as dobras que segundo Deleuze (2005)

regem quem somos nós, deveríamos fazer um acompanhamento mais prolongado pós-

internação das residentes. Mas isso é uma pesquisa para outra oportunidade!

79

6 REFERÊNCIAS

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85

ANEXOS

86

ANEXO 1

UNIVERSIDADE DO VALE DOITAJAÍ-UNIVALI / SANTA

CATARINA

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

Pesquisador:Título da Pesquisa:

Instituição Proponente:

Versão:CAAE:

A Produção do Sujeito no Tratamento da Dependência QuímicaGEORGE SALIBA MANSKE

Universidade do Vale do Itajaí

294766318.9.0000.0120

Área Temática:

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Número do Parecer: 2.870.721

DADOS DO PARECER

O projeto tem como tema a dependência química. Propõe reflexões que justificam a realização da pesquisana medida que as Comunidades Terapêuticas acabam exercendo funções de responsabilidade estatal,construindo-se como estratégias alternativas, colocando-se em uma posição de destaque no tratamento erecuperação dos usuários de substâncias psicoativas. Trata-se de uma dissertação de mestrado e destinasea responder ao seguinte problema de pesquisa: Como as técnicas de recuperação no tratamento dosusuários de substâncias psicoativas desenvolvidas em uma Comunidade Terapêutica de um município doVale do Itajaí/SC constituem determinados projetos de sujeito? Pesquisa exploratória e qualitativa com baseem Minayo e delimitou como participantes residentes maiores de 18 anos em tratamento na ComunidadeTerapêutica que aceitarem participar da pesquisa, sem distinção de gênero, tempo de internação ouclassificação quanto ao consumo de substâncias psicoativas. Como instrumentos de coleta serão utilizadosa observação participante e duas entrevistas grupais.

Apresentação do Projeto:

Compreender como as técnicas de recuperação no tratamento dos usuários de substâncias psicoativasdesenvolvidas em uma Comunidade Terapêutica de um município do Vale do Itajaí/SC, constituemdeterminados projetos de sujeito.

Objetivo da Pesquisa:

Os pesquisadores identificaram os riscos associados à pesquisa e diferenciando-os daqueles nosAvaliação dos Riscos e Benefícios:

Financiamento PróprioPatrocinador Principal:

88.302-202

(47)3341-7738 E-mail: [email protected]

Endereço:Bairro: CEP:

Telefone:

URUGUAI 402/99998CENTRO

UF: Município:SC ITAJAIFax: (47)3341-7744

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UNIVERSIDADE DO VALE DOITAJAÍ-UNIVALI / SANTA

CATARINAContinuação do Parecer: 2.870.721

quais os participantes estariam expostos no seu dia a dia ou nos procedimentos assistenciais. Apresentaramas medidas necessárias para minimiza-los riscos, conforme item ii.8, da res. CNS 466/12. Os riscos doProjeto estão numa proporção razoável em relação aos benefícios para os participantes da pesquisa. Ospesquisadores identificaram os prováveis benefícios que podem advir da pesquisa.

Os autores reapresentaram o protocolo em virtude de pendências geradas em 26/8/2018.Todos os métodos e procedimentos foram mantidos, tendo havido alterações somente naqueles tópicosapontamentos pelo relator na versão anterior.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:

Todos os termos de apresentação obrigatória foram anexados, com as devidas assinaturas, conforme ocaso, estando todos eles em conformidade com os princípios éticos de observância obrigatória,estabelecidos pela resolução CNS 0466/12 e suas complementares.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:

não há.Recomendações:

Os autores atenderam as pendências emitidas em 26/8/2018, portanto, o protocolo está APROVADO, porestar em acordo com as prerrogativas éticas exigidas nas resoluções CNS 466/12 e suas complementares.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:

Recomenda-se manter o CEP informado, sempre que houver mudanças no protocolo, por meio desubmissão para análise da Emenda de protocolo, bem como solicita-se apresentar Relatórios parciais acada seis meses e o relatório final após a conclusão do trabalho.

Conforme Resolução CNS 466/12 VII. 13 cabe ao CEP: d) acompanhar o desenvolvimento dos projetosatravés de relatórios anuais dos pesquisadores.

Considerações Finais a critério do CEP:

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação

Informações PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_P 30/08/2018 Aceito

88.302-202

(47)3341-7738 E-mail: [email protected]

Endereço:Bairro: CEP:

Telefone:

URUGUAI 402/99998CENTRO

UF: Município:SC ITAJAIFax: (47)3341-7744

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UNIVERSIDADE DO VALE DOITAJAÍ-UNIVALI / SANTA

CATARINAContinuação do Parecer: 2.870.721

ITAJAI, 03 de Setembro de 2018

Mark Anderson Caldeira(Coordenador)

Assinado por:

Básicas do Projeto ETO_1177559.pdf 16:34:52 AceitoOutros Pendencia.pdf 30/08/2018

16:34:01Luiz Antonio Onishi Aceito

Projeto Detalhado /BrochuraInvestigador

Projeto_Detalhado2.docx 29/08/201821:55:12

Luiz Antonio Onishi Aceito

TCLE / Termos deAssentimento /Justificativa deAusência

TCLE2.docx 29/08/201811:41:49

Luiz Antonio Onishi Aceito

Outros termo_de_anuencia_da_instituicao.pdf 26/07/201812:45:42

Luiz Antonio Onishi Aceito

Declaração dePesquisadores

termo_de_compromisso_da_equipe_de_pesquisa.pdf

26/07/201812:44:49

Luiz Antonio Onishi Aceito

Outros Termo_de_utilizacao_de_dados_para_coleta_de_dados_de_pesquisa_envolvendo_humanos.pdf

26/07/201812:44:03

Luiz Antonio Onishi Aceito

Outros Termo_de_aceite_de_orientacao.pdf 26/07/201812:39:27

Luiz Antonio Onishi Aceito

Folha de Rosto folha_de_rosto.pdf 26/07/201812:32:26

Luiz Antonio Onishi Aceito

Situação do Parecer:AprovadoNecessita Apreciação da CONEP:Não

88.302-202

(47)3341-7738 E-mail: [email protected]

Endereço:Bairro: CEP:

Telefone:

URUGUAI 402/99998CENTRO

UF: Município:SC ITAJAIFax: (47)3341-7744

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89

APÊNDICES

90

APÊNDICE 1

PERFIL DAS PARTICIPANTES DA PESQUISA

IDADE QUANTIDADE 18 - 25 4 26 - 35 10 36 - 45 11 45 - 55 2

> 55 0

ESCOLARIDADE QUANTIDADE SUPERIOR COMPLETO 5

SUPERIOR INCOMPLETO 1 TÉCNICO COMPLETO 2

TÉCNICO INCOMPLETO 0 MEDIO COMPLETO 4

MEDIO INCOMPLETO 12 FUNDAMENTAL COMPLETO 1

FUNDAMENTAL INCOMPLETO 2

PROCEDÊNCIA QUANTIDADE CIDADE DE ITAJAÍ 9

ESTADO DE SC 12 OUTROS ESTADOS 6

SUBSTÂNCIA PSICOATIVA QUANTIDADE ÁLCOOL 3

COCAÍNA 3 CRACK 7

DIVERSAS DROGAS 13 REMÉDIOS PSICOATIVOS 1

91

APÊNDICE 2

ASSUNTOS ABORDADOS NAS ENTREVISTAS GRUPAIS INFORMAIS

ENTREVISTA GRUPAL DE DEZENOVE DE SETEMBRO DE 2018.

ü INTERNAÇÃO

ü DISCIPLINA

ü SAÚDE

ENTREVISTA GRUPAL DE VINTE E UM DE SETEMBRO DE 2018.

ü VIDA EM GRUPO

ü MUDANÇAS

ü FUTURO