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Câmpus de Presidente Prudente CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (LICENCIATURA E BACHARELADO) PARCERIA: ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES CONVÊNIO: UNESP/INCRA/PRONERA LUCIONE SOUZA BATISTA DISPUTA TERRITORIAL EM FUNÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA UHE SÃO SALVADOR

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Câmpus de Presidente Prudente

CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (LICENCIATURA E BACHARELADO)

PARCERIA: ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES CONVÊNIO: UNESP/INCRA/PRONERA

LUCIONE SOUZA BATISTA

DISPUTA TERRITORIAL EM FUNÇÃO DA CONSTRUÇÃO

DA UHE SÃO SALVADOR

PRESIDENTE PRUDENTE

2011

LUCIONE SOUZA BATISTA

DISPUTA TERRITORIAL EM FUNÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA UHE SÃO SALVADOR

Monografia apresentada ao Conselho do Curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente, para obtenção do título de Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior

PRESIDENTE PRUDENTE 2011

DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado a duas pessoas muito

especiais na minha vida: a minha esposa, Elza

Mateus, e a minha filha, Ana Beatriz.

Energia pra quê e pra quem?

Estão gerando energia pode ser ilusão

O povo paga a conta e tem medo de apagão

Usa o sol, a água o vento e o carvão

Querendo fazer barragem dizendo ser a solução

E, e, e, e, e, energia é um bem da humanidade

Não é mercadoria e deve estar a serviço da soberania

Expulsa o povo da terra sem nenhuma compaixão

Entre o grupo a tingido desmantela a relação

A energia produzida vai parar em poucas mãos

E ali perto da barragem o povo está na escuridão

A energia produzida quem controla é o capital

A apropriação é privada e a produção é social

Onde o povo que trabalha ganha pouco e vive mal

E o governo brasileiro do sistema é serviçal

Este modelo pra energia ao nosso povo não convêm

É uma mercadoria e deveria ser um bem

Quem mora perto da barragem quer energia e não tem

Então esta energia é para quê para quem!

Jadir Bonacina-MAB

Valter Israel da Silva-MPA

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Movimento dos Atingidos por Barragem, por me propiciar a oportunidade

de estudar e concluir um curso de nível superior, bem este muito renegado a classe trabalhadora.

Sei que estes momentos foram muitos difíceis para todos, gostaria de agradecer a minha

esposa Elza Mateus e minha filha Ana Beatriz, pela compreensão nestes momentos em que

passamos longe, mas que certamente serão recompensados.

Aos meus pais que muito me apoiaram para estudar, seja cuidando de meus afazeres nos

períodos em estava na escola, seja com recursos financeiros nas horas necessárias.

Sou grato ao meu orientador, o professor Antonio Thomaz Junior, por aceitar o convite

em orientar-me, sempre contribuindo com suas sugestões na hora da realização da pesquisa e na

conclusão deste trabalho.

Agradeço também ao professor Atamis Foschiera, por suas contribuições em

disponibilizar laboratórios, livros, e co-orientar- me no desenvolvimento da pesquisa.

Quero destacar a importância do monitor Leandro Nieves no processo de reorganização

e revisão do texto, na ajuda com as tabelas, na produção de figuras e etc.

Gostaria de agradecer a cada ribeirinho que me acolheram em suas casas; e muito

contribuíram, com suas simplicidades, com as informações necessárias para a realização da

pesquisa.

Em especial quero agradecer os companheiros da turma Milton Santos, pois nessa longa

caminhada e convivência apreendemos muitos nos espaços coletivos.

Aos militantes do MAB do Tocantins que me ajudaram de diferentes formas, com

estruturas, materiais didáticos, nas entrevistas, reuniões e debate entre outros.

Também os meus agradecimentos aos companheiros da Escola Nacional Florestan

Fernandes pelos espaços cedidos durante os cinco anos. Agradeço ao Professores da UNESP de

Presidente Prudente pela contribuição no curso, e os demais professores que deram aulas a turma

Milton Santos.

RESUMO

O presente trabalho buscou compreender a disputa territorial provocada pela construção da

barragem de São Salvador no sul do estado do Tocantins. Assim, analisamos os conflitos

estabelecidos entre as empresas e as populações atingidas, utilizando como elementos de análise

os seguintes pontos: os incentivos governamentais aos grandes projetos hidrelétricos; os impactos

causados na região; e a organização dos atingidos que culmina na formação do MAB - Tocantins.

Também, buscamos analisar as conquistas do MAB-TO como: a garantia das indenizações, das

cartas de créditos e dos reassentamentos para os povos ribeirinhos e os trabalhadores da

mineração.

Palavras-chave: disputa territorial; movimentos sociais; luta de classes, atingidos por barragem

RESUMEN

El presente trabajo buscó comprender la disputa territorial en función de la construcción de la

represa de San Salvador en el Sur del estado de Tocantins. Por eso, analizamos los conflictos

establecidos entre las empresas y las poblaciónes afectadas utilizando como elementos de

análisis: los incentivos del gobierno a los grandes proyectos de la represa; los impactos en la

región; y la organización de los afectados que resulta en la formación del MAB – Tocantins.

También, buscamos analizar las conquistas del MAB – TO como: la garantia de las

indenizaciones, las cartas de créditos e de los reasentamientos para los pueblos ribeirinhos e los

trabajadores de la minería.

Palabras-clave: disputa territorial; movimientos sociales; lucha de clases, atingidos por embalse

LISTA DE SIGLAS

.

ANCJ Associação Novo Caminho Juvenil

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CCM Camargo Corrêa Metais

CIMI Conselho Missionário Indigenista

CIVAT Comissão Inter-Estadual dos Vales do Araguaia

CNBB Comissão dos Bispos do Brasil

CONESP Concessionária de Serviços Público

CONSAUD

E Comunidade de Saúde e Desenvolvimento e Educação

COOPEXE Consórcio dos Proprietários e Ocupante de Imóveis Urbanos e

Rurais Atingidos pelo o Aproveitamento Hidrelétrico de Peixe Angical

CPT Comissão Pastoral da Terra

CUT Central Única dos Trabalhadores

DEMA Departamento de Meio Ambiente

EDP Energia de Portugal

EFA Escola Família Agrícola

EIA Estudo de Impacto Ambiental

ENERAM Estudos Energéticos da Amazônia

FETAET Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do

Tocantins

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFAS Instituto de Formação Sindical

LI Licença de Instalação

LP Licença Previa

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

MAE Mercado Atacadista de Energia

MPE Ministério Público Estadual

MPF Ministério Público Federal

NATURAT

NS Instituto de Natureza do Tocantins

ONG Organização não Governamental

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PCH Pequenas Centrais Hidrelétricas

PIN Programa de Integração Nacional

PNMA Política Nacional de Meio Ambiente

PPP Parceria Público Privado

PRODIAT Projeto de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Araguaia

PT Partido dos Trabalhadores

RIMA Relatório de Impacto Ambiental

SPVA Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônica

SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

UHE Usina Hidrelétrica

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - A área total e os municípios atingidos pela Usina Hidrelétrica de São Salvador ........................................ 22

Tabela 2 - Número de barragens planejadas para o leito principal do rio Tocantins na década de 70 e 80 .................. 49

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa de localização dos municípios atingidos pela UHE São Salvador .................................................. 267

Figura 2 - Divisor de águas do rio Tocantins e do rio Araguaia ............................................................................... 136

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Tipos de camponeses atingidos pela barragem ......................................................................................... 524

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Usinas Hidrelétricas projetadas para afluentes do Rio Tocantins e Araguaia ............................................ 48

Quadro 2 - Os projetos de construção de barragens no Rio Tocantins ......................................................................... 53

Quadro 3 - Tipos de indenização de São Salvador do Tocantins ................................................................................. 61

LISTA DE FOTOS

Foto 1 - A Usina Hidrelétrica de São Salvador............................................................................................................ 24

Foto 2 - Passeata no Dia Internacional dos Atingidos por barragem. ........................................................................ 335

Foto 3 - Manifestação em Porto Nacional, para garantir a educação e boas nos Reassentamentos, em 2003. ........... 346

Foto 4 - Essa foto foi tirada numa reunião no reassentamento flor da Serra onde o MAB tentava trabalhar com um grupo coletivo de produção. ...................................................................................................................................... 357

Foto 5 - Curso de militância do MAB, realizado na Escola Família Agrícola de Porto Nacional – Tocantins. Fonte: arquivo da Secretaria do MAB ................................................................................................................................... 367

Foto 6 - Manifestação realizada na ponte que liga o estado de Tocantins ao Maranhão .............................................. 40

Foto 8 - Reunião do grupo de base na região Sul do Estado do Tocantins. .................................................................. 41

Foto 9 - Ocupação da Barragem de Peixe Angical, 2004. .......................................................................................... 423

Foto 10 - Acampamento dos Atingidos pela Barragem de São Salvador. .................................................................... 58

Foto 11- Presença da Polícia Militar no Acampamento dos atingidos por barragem ................................................. 579

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................... 11 

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................. 12 

CAPÍTULO 1 ‐ O MODELO ENERGÉTICO DAS GRANDES OBRAS (UHE) NO BRASIL E O HISTÓRICO RECENTE 

DO SETOR ELÉTRICO .............................................................................................................................................. 15 

CAPÍTULO 2 ‐ A USINA HIDRELÉTRICA DE SÃO SALVADOR NO CONTEXTO DOS CONFLITOS, DAS LUTAS E 

DAS AÇÕES DO MAB ............................................................................................................................................. 22 

2.1 ‐ A FORMAÇÃO DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGEM EM NÍVEL NACIONAL ........................................... 27 

2.2. O MAB NO TOCANTINS: TERRITÓRIO, ACÚMULO DE FORÇAS E AÇÕES ................................................................... 31 

2.3. A FORMAÇÃO DO MAB NA REGIÃO SUL DO TOCANTINS ..................................................................................... 39 

CAPÍTULO 3 ‐ OS EFEITOS TERRITORIAIS DOS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS PROTAGONIZADOS PELA 

CONSTRUÇÃO DAS UHES NO TOCANTINS ............................................................................................................. 45 

3.1. O CONFLITO EM TORNO DO ACESSO A TERRA E PELA ÁGUA NA REGIÃO SUL DO TOCANTINS ....................................... 52 

3.2. AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E LUTA DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS EM SÃO SALVADOR ..................................... 55 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................. 63 

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APRESENTAÇÃO

Sou filho de camponês sindicalista da década de 1980. Sempre estudei em escola do

campo. No Ensino Médio cursei a Escola Família Agrícola de Porto Nocional-TO.

A minha militância teve início em 1998 na pastoral da Juventude Rural (PJR) onde

estive durante dois anos na organização dos jovens no município de Porto Nacional tentando

trabalhar a formação da juventude camponesa.

A minha inserção no movimento dos atingidos por barragens foi devido a construção da

barragem de Lajeado, porque parte da minha família foi atingida. Assim, inicia-se a minha

história de luta, de participação no MAB, especificar que já dura mais de dez anos contribuindo

no estado do Tocantins onde há projetos de barragens. Na região sul do Tocantins foi onde

vivenciei a minha primeira experiência de luta? Mas, participei, também, em outra região para

fazer os trabalhos de base nas comunidades que seriam atingidas pela barragem de Peixe. Esta foi

uma experiência desafiadora que a mim me possibilitou contribuir em todo o estado do

Tocantins, e parte do Maranhão, na divisa onde passa o rio Tocantins. Quais experiências

ocorreram no Maranhão?

É importante destacar que foi através da minha história de militância no MAB do estado

do Tocantins que me tornei estudante do Curso de Geografia da UNESP, em parceria com o

INCRA/PRONERA, a Via campesina e a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).

O tema de pesquisa foi escolhido devido ao fato de eu ser de uma região que teve uma

grande concentração de pessoas que foram atingidas pelas barragens de Canabrava e Peixe

Angical, ambas no Tocantins. O conflito nesta região foi bastante complexo tendo em vista a

diversidade das populações atingidas.

Nesse trabalho que apresento, discutindo o processo de formação do MAB em Tocantins

e as formas de organização e de luta que o movimento vem construindo durante esses dez anos,

processo este que tive a oportunidade de estar presente, tanto em todas as mobilizações que

ocorreram durante esse período eu estava presente: nos trabalhos de base, nas ocupações, nas

machas, nas passeatas entre outro as ações.

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INTRODUÇÃO

Nesse trabalho, apresento aspectos e recentes do setor energético brasileiro, que estão

baseados na construção de grandes usinas hidrelétricas para produção de energia elétrica.

Faremos esta reflexão abordando dois momentos: o primeiro é o período em que o Estado

brasileiro investia nas empresas estatais, e o segundo é quando o Estado Brasileiro começa a dar

sinais de fraqueza e inicia-se um processo de privatização das empresas estatais.

Este novo modelo de desenvolvimento que o governo brasileiro, juntamente com a

iniciativa privada, projetou para o Brasil, é um modelo em que o governo passa a dar todas as

condições para as empresas multinacionais se instalarem nas regiões consideradas como sendo

“mais isoladas” do país, oferecendo incentivos fiscais, e até isentando dos impostos as empresas,

tendo como pressuposto para tal atitude um ideal desenvolvimentista. O governo brasileiro, via o

BNDS, financia os projetos à longo prazo com recursos públicos.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou vários

projetos de infra-estrutura no estado do Tocantins. E um dos financiamentos foi a construção da

Usina Hidrelétrica de São Salvador (Figura 1), cujo empreendimento gerou diversos conflitos

sociais instigando à desterritorialização dos povos ribeirinhos, que residiam às margens do rio

Tocantins.

A barragem de São Salvador atingiu cinco municípios. É importante destacar que essa

região teve uma concentração, também, de atingidos de outras barragens, tanto a jusante quanto a

montante, e são pessoas que moravam às margens do rio. Outra característica dessa região é que

não foram atingidas as cidades, somente o campo. No entanto, essa região é, predominantemente,

ocupada por grandes proprietários de terras.

No estado do Tocantins, foram planejados vários projetos de barragens, e na região Sul

do estado foram construídas duas hidrelétricas: a de Peixe Angical e de São Salvador onde

realizamos a pesquisa. Há uma dezena de barragens para serem construídas nos afluentes dos rios

Tocantins e Araguaia.

Nesse trabalho, apresentamos um histórico da organização dos atingidos por barragem

no Brasil. Explicando onde se iniciou as primeiras manifestações dos atingidos. Estes eram

grupos isolados em cada localidade, ou seja, não tinham uma territorialização em rede. Outro

13

momento, já diz respeito a quando esses atingidos conseguem construir uma unidade em nível

nacional, tornando um movimento nacional dos atingidos por barragens.

Figura 1 - Mapa de localização dos municípios atingidos pela UHE São Salvador

Com o surgimento de vários projetos de barragens no Tocantins, o MAB destinou

militantes para essa região. É no contexto dos grandes projetos que o movimento se consolidou

no estado desde 1998 até os dias de hoje. No estado do Tocantins, o MAB se territorializou nas

três regiões: Norte, Central e Sul do estado, constituindo uma divisão territorial do movimento

devido a grande quantidade de projetos de barragens.

Os planejamentos das décadas de 1970 e 1980 que tinham como objetivo o

desenvolvimento da região norte do Brasil, hoje estão sendo concretizados pelo governo

brasileiro que, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, vem viabilizando o

financiamento dos projetos de infra-estrutura via o BNDES.

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Neste contexto, é que identificamos que há um conflito entre o MAB e os grandes

projetos hidrelétricos nessa região. Neste conflito, como estratégias de luta do movimento contra

estes projetos, foram realizadas várias manifestações, acampamentos, machas, passeatas etc.

15

CAPÍTULO 1 - O MODELO ENERGÉTICO DAS GRANDES OBRAS (UHE) NO

BRASIL E O HISTÓRICO RECENTE DO SETOR ELÉTRICO

O setor elétrico brasileiro apresenta momentos importantes, marcados pelas ações do

Estado e pelos investimentos das empresas estatais, numa época em que a maioria destas eram

empresas públicas. Destaca-se também nesse processo o fato de que o Estado brasileiro mudou

sua orientação e passou a conduzir o escandaloso processo de privatizações e as Parcerias Público

Privadas (PPP), logo no início dos anos 1990. E nesse contexto das construções de usinas

hidrelétricas (UHE) é que surgem os atingidos por barragens no Brasil e no Tocantins.

Uma das questões centrais que ocupava importância estratégica era a definição dos

papéis a serem reservados para a iniciativa privada (empresas e grupos nacionais e estrangeiros),

e a iniciativa estatal no âmbito das transformações estruturais que deveriam ser introduzidas no

sistema produtivo brasileiro (PINHEIRO, 2006).

O período compreendido apresenta como característica relevante a mudança no perfil da

indústria nacional, com uma significante perda de importância do setor tradicional de produção

de bens de consumo-não-duráveis e também com as indústrias de alimentos e têxtil - a formação

e um rápido crescimento de setores de bens de consumo duráveis, como indústrias de

eletrodomésticos, de bens de capital e insumos básicos - como as indústrias de aço, cimento,

produtos químicos, equipamentos elétricos de grande porte. Paralelo a isso se observou um

acelerado processo de urbanização conseqüente da industrialização e uma ampla difusão de bens

de consumo duráveis, como dos eletrodomésticos em geral.

Para Foschiera (2009, p. 88):

A produção de energia elétrica o Brasil surge, concomitantemente, ao período de transição de uma economia primária exportadora para uma economia industrial, diferenciando-se dos países centrais, onde a industrialização surgiu anteriormente ao desenvolvimento da eletricidade. Assim, não ocorreu no país a necessidade de reconversão das máquinas que eram movidas por energia a vapor para atenderem ao novo modelo energético. Da mesma forma a utilização da energia elétrica no Brasil se dá, praticamente, ao mesmo tempo em que ocorre nos países do Norte, onde esta tecnologia estava sendo criada e aperfeiçoada.

No entanto, abateu sobre o sistema uma crise energética de grande proporção, o que

exigiu a adoção de políticas de racionamento, com sérios problemas para o conjunto da economia

16

e para os consumidores individuais. Essas dificuldades estenderam-se pela década de 1950, com

efeitos particulares no Sudeste, prolongando-se até os primeiros anos da década seguinte.

Segundo Foschiera (2009), o principal órgão responsável pelo cunho nacionalista da

política econômica governamental foi a Assessoria Econômica do gabinete da Casa Civil da

Presidência da República, formada em 1951. A assessoria tinha a tarefa de elaborar projetos para

a política nacional de energia, incluindo petróleo, carvão, energia elétrica, e fazer um balanço

econômico do país e do governo anterior. O Plano do Carvão Nacional e o projeto de criação da

Petrobras estabeleciam o monopólio estatal nesses setores.

Nesse caso, elaboraram-se outro projeto econômico: a regulamentação da incumbência

do BNDES, cuja finalidade era distribuir as quotas pertencentes aos governos e financiar os

investimentos no setor de energia elétrica, incluindo a indústria de material elétrico pesado.

Outros dois projetos de Lei elaborados sobre o tema foram: o de nº. 4.277, referente ao

Plano Nacional de Eletrificação, e o do nº. 4.280, que incide sobre a criação das Centrais

Elétricas Brasileiras S.A – Eletrobrás, encaminhados juntos ao Congresso Nacional em abril de

1954.

Com base no modelo as orientações da lei de criação da Petrobras, a Eletrobras foi

concebida como empresa pública de âmbito nacional, com seu capital inicial totalmente subscrito

pela União. A estatal tinha por encargo fundamental a execução dos empreendimentos previstos

no Plano Nacional de Eletrificação, de responsabilidade do Governo Federal. A atribuição da

Eletrobrás era a realização de estudo e projetos, a construção e operação de usinas e linhas de

transmissão, a implantação da indústria de material elétrico, associado ou não com capital

privado, nacional ou estrangeiro.

A efetivação da Eletrobrás, em junho de 1962, significou o início de profundas

transformações na estrutura do setor de energia elétrica. Já no início de suas atividades, a

Eletrobras foi chamada a participar da comissão de Nacionalização das Empresas

Concessionárias de Serviços Públicos (CONESP). Segundo Pinheiros (2006), a CONESP foi:

Criada em maio de 1962 [...] e tinha por objetivo indicar ao poder Executivo os serviços que deveriam passar ao regime de exploração direta pelo Estado, negociar as condições e a forma de recebimento ou indenização aos acionistas e outras (PINHEIRO, 2006, p.39).

A organização do setor elétrico e dos sistemas elétricos no Brasil ficou, então,

constituída, essencialmente, por 60 empresas concessionárias de energia elétrica, dentre as quais

17

seis eram federais, 27 estaduais e as restantes privadas (PINHEIRO, 2006). Em agosto de 1987

foi criada a divisão de Meio Ambiente, posteriormente transformada em Departamento de Meio

Ambiente (Dema). Cabe destacar que tal iniciativa traduziu o reconhecimento, por parte da

Eletrobras, da relevância das questões relativas ao meio ambiente no âmbito do setor Elétrico. O

Dema tinha por objetivo coordenar o processo de planejamento ambiental no âmbito do setor,

tendo em vistas diretrizes traçadas pela política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), instituída

em 1981

O Setor Elétrico brasileiro apresentou um extenso período de crescimento no pós-guerra,

em especial no final dos anos de 1960 e ao longo dos 1970, que permitiu a constituição de um

setor sofisticado e centralizado, sob o poder do Estado no que concerne ao planejamento da

operação e do aporte de recursos para investimentos, segundo a política vigente e das dimensões

continentais.

No início dos anos 1980, o modelo centralizador começou a dar sinais de fraqueza

econômica e financeira. O período de crise que se instalou os fluxos financeiros setoriais e

desorganizou sua estrutura institucional. A razão da crise foi o desmonte do padrão de

financiamento do setor, que tinha nas fontes setoriais seu principal instrumento de financiamento,

tendo os recursos externos um papel complementar de garantir os fluxos de moedas fortes para a

importação de equipamentos não produzida no país.

Nesse sentido explica Foschiera (2009, p. 108):

Nos anos de 1980, o setor elétrico será afetado pela crise financeira que se instaura em escala mundial e sofrerá as conseqüências econômicas gerais da denominada ‘década perdida’. A política energética brasileira tinha nos financiamentos externos um importante pilar de sustentação. As crises do petróleo (1973 e 1979) levaram o governo a investir mais em hidrelétricas e termoelétricas, num momento em que os juros internacionais se ampliavam. As tarifas foram utilizadas como arma inflacionária, mantendo os reajustes dos preços abaixo da inflação, fazendo com que as receitas de algumas empresas estatais não cobrissem seus investimentos, necessitando recorrer a novos empréstimos, que com a Moratória do México, em 1982, tornou-se mais difícil sua obtenção e com juros maiores.

Os problemas no padrão de financiamento do setor elétrico ocorreram em função de uma

serie de fatores combinados. Inicialmente, com, a crise do petróleo, de 1973, desestruturou o

balanço de pagamentos e fez que o governo passasse a subsidiar com tarifas reduzidas e a

18

implantação de indústrias substituísse o consumo de combustível por eletricidade nos processos

de industrialização em geral. Além disso, e a consumir em escala, era a propriedade que definia a

maior parte de investimentos, sendo as usinas de maior porte preferidas em detrimento das

menores, o que resultou em projetos enormes, demandantes de grandes dispêndios com ativos

fixos e longos períodos de maturação.

A partir de meados da década de 1980, o setor elétrico passou a ter que responder a uma

crescente mobilização de movimentos organizados e ambientalista, além de ser obrigada a

realização de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impactos Ambientais

(EIA/RIMA) para seus empreendimentos. Ainda como característica da crise, reflexos da

concentração de investimentos no seguimento de geração observada anteriormente, possa

apontadas progressivas em transmissão e distribuição e a deterioração da qualidade dos serviços

públicos em todas as regiões do país, principalmente as localidades, com menor numera de

habitantes.

A privatização do setor elétrico veio como uma liberação econômica conhecida como

reestruturação desse sistema, inserido no Programa Nacional de Desestatização, veio numa das

mais importantes diretrizes da política institucional e ajuste econômico proposta do governo

Federal de década de 1990. O marco inicial da liberação e privatização do Setor Elétrico foi à

promulgação da Lei 8.631/93, que dispõe sobre a fixação dos níveis das tarifas públicas de

energia elétrica e extingue o regime de remuneração garantida.

A reestruturação do setor energético brasileiro se deu numa reforma maior do estado que

ultrapassava os limites nacionais e tinha abrangência global, iniciou na década de 1980 até 1990 e

se estende até os dias atuais. E possível identificar as palavras que marca o discurso da

desconstrução do estado existente: desburocratização, descentralização, desestatização,

desnacionalização, reestruturação, privatização e entre outras, também existem palavra que dão

sentido ao novo modelo, concorrência, qualificação, flexibilização, integração etc.

Nesse novo modelo o estado passaria a reforça o modelo econômico capitalista

neoliberal, para reforçar e concretiza o mesmo, com nova forma de administrar e de implementar

as políticas neoliberais no país. O novo modelo energético foi criado com princípios comerciais

que incentivasse a concorrência e a participação dos usuários e empresas estatal os outros que se

adequará com o novo modelo energético. Como afirma Foschiera (2009, p.100)

Com o movimento geopolítico dos EUA, no sentido de direcionar seus investimentos na América Latina, uma nova realidade começa a se delinear,

19

principalmente a partir da década de 1950. A necessidade de aumento de geração de energia elétrica se fez presente, pois o capital norte-americano vinha ampliando, de forma acelerada, seus investimentos no Brasil, principalmente por meio de indústrias multinacionais, o que elevaria ainda mais o consumo de eletricidade. Financiamentos foram colocados à disposição tanto para o setor público como para o privado para que se ampliasse a oferta de eletricidade; porém, o que predominou foram os investimentos do setor público. (p.100)

O novo modelo arquitetado baseou-se na desverticalização do sistema elétrico, ficando o

mesmo dividido em geração, transmissão, distribuição e o outro com a comercialização. Na

geração criou possibilidade de várias empresas pudessem atuar em todo território nacional com

os capitais interessados podendo competidos entre eles além dos preços, qualidade e quantidade

do produto seres regulados pelas leis do mercado.

Os consumidores de energia passaram ser divididos, em dois grupos: o consumidor livre

e o consumidor cativo. Os consumidores livres são os que têm o direito de escolher o fornecedor

de quem contratará sua compra de energia elétrica, podendo adquirir direto do grupo gerador, e

que essa energia seja de fontes alternativas de eletricidade como, eólica, solar, biomassa, e

Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH). O consumidor cativo é aquele que consome menos que

3.000MW/h e só pode comprar energia da distribuidora que atenda a região onde a energia é

consumida, a qualidade e o preço da energia são acompanhados pelo agente fiscalizador.

Para gerência a venda da energia elétrica foi criada o Mercado Atacadista de Energia

(MAE), funcionava como uma bolsa de mercadoria de eletricidade, na qual centralizavam os

negocio que envolvia a venda desse bem que e disputados pelo capital internacional. Para

Foschiera (2009, p. 113):

A reestruturação do setor energético brasileiro se deu no seio de uma reforma maior do Estado, que ultrapassava os limites nacionais e tinha uma abrangência global, e se iniciou na década de 1980, adentrou na de 1990 e se estende até os dias atuais.

No setor de geração de energia, as primeiras privatizações se iniciaram em 1997, com a

privatização da hidrelétrica Cachoeira Dourada, que pertencia às Centrais Elétricas de Goiás e,

posteriormente, seguida por aquelas instaladas no Rio Tietê e Paranapanema com a Eletro-Sul.

Nas privatizações, os pagamentos poderiam ser feitos com moedas corrente como também, partes

do valor poderiam ser pagas com dívidas contraídas.

20

Na privatização das geradoras, a presença de capital internacional predominou quase na

sua totalidade e as novas hidrelétricas que passaram a ser construída depois do início das

privatizações, já foram no novo modelo energético, tendo o capital privado participação nas

obras.

Após uma década de reestruturação, os resultados alcançados foram dos piores, do ponto

de vista macroeconômico, e acarretaram muitos prejuízos concretos a economia e a sociedade

brasileira. A perda foi ainda maior do ponto de vista estratégico, com a renúncia, pelo Estado, do

papel de planejador e orientador de políticas para o setor Elétrico que e importante para o

desenvolvimento social e econômico do país.

É evidente que no Brasil a estratégia de dominação, por enquanto, não é com balas e

chumbo e nem com bombas, mas vem com o discurso da privatização, com o discurso de que

hidrelétricas, usinas de álcool, indústrias de celulose, entre outras, para o desenvolvimento do

país, para gerar empregos, e progresso que energia para evitar apagões. E nesse cenário que a

energia se transformou num dos principais problemas do atual modelo de sociedade,

principalmente nos países centrais, especialmente para as empresas multinacionais.

Hoje, no Brasil, a energia produzida, essencialmente, é resultado de aproveitamentos

hidrelétricos pelo setor elétrico brasileiro tem sido extremamente excludente no ato da construção

das barragens, havendo a necessidade de deslocar milhares de famílias de seu habitat natural,

uma vez que a implementação desses projetos é feita em áreas ocupadas por grupos de

pescadores, pequenas agricultores, extrativistas, quilombolas, povos indígenas, entre outros, que

residem nas áreas próximas aos rios para garantir sua sobrevivência, tendo em uma relação direta

com o rio e a natureza.

Segundo Cervinski (2007), os países desenvolvidos estão numa corrida para dominar as

fontes de energia que substituirão o petróleo, investindo na geração de energia, por meio de

empresas transnacionais, em países pobres ou periféricos. A estratégia dos países ricos é de

dominar o Brasil e a América Latina através das multinacionais e grandes Bancos, com um

discurso de investimento na região ou no país.

No Brasil já foram construídas mais de 2000 mil barragens, que expulsou mais de um

milhão de família das margens dos rios, sendo que cerca de 70% dessas não recebem nem um

tipo de indenização (CERVINSK, 2007). Considerando a possibilidade de construção de novas

UHEs, esse autor apresenta um estudo do governo Federal e da Eletrobrás que menciona que o

potencial hídrico do Brasil poderá proporcionar a construção de mais 1.443 barragens para

21

geração de energia elétrica. O discurso que o governo e empresas divulgam nos meios de

comunicação é de que os empreendimentos são de interesse público, proporcionando, o

desenvolvimento e geração de emprego na região em que são instalados, mas na verdade, a

energia na sua grande maioria não é consumida pelo povo brasileiro, e sim por empresas

multinacionais que a utilizam na elaboração de produtos que, em boa parte, são exportados.

Um fato importante é que nos países ricos, os chamados desenvolvidos, não existem

mais rios ou leitos de água para construção de barragem, por isso o interesse de controlar os

recursos naturais, água, energia, minério e a biodiversidade dos países do terceiro mundo, por

intermédio de grandes grupos nacionais e estrangeiros que detém o monopólio das empresas de

geração, transmissão e distribuição de energia elétrica (CERVINSKI, 2007).

22

CAPÍTULO 2 - A USINA HIDRELÉTRICA DE SÃO SALVADOR NO

CONTEXTO DOS CONFLITOS, DAS LUTAS E DAS AÇÕES DO MAB

Os conflitos e as lutas de resistência contrárias em relação à Usina Hidrelétrica de São

Salvador, motivados, pois, pelos impactos da construção e a identidade dos trabalhadores e

comunidades atingidas pelo represamento do reservatório, ocupam lugar central na nossa

pesquisa.

Projetou-se a UHE de São Salvador no trecho médio do rio Tocantins, sendo que seu

reservatório abrangia áreas na divisa dos Estados de Goiás (municípios de Cavalcante e Minaçu)

e Tocantins (municípios de Palmeirópolis e São Salvador do Tocantins, pela margem esquerda, e

Paranã, pela margem direita). O barramento está todo situado no estado do Tocantins. O

reservatório está localizado entre a UHE Cana Brava, a montante, no estado de Goiás, e a UHE

Peixe Angical, a jusante, no estado do Tocantins.

Segundo o Censo Demográfico do IBGE, de 2000, nos municípios afetados pelo

empreendimento, de maneira direta ou indireta, habitavam 62.982 pessoas, sendo a maior

população a de Minaçu, com 33.608 habitantes. Em termo de área total, esses municípios somam

25.055 Km2, ou cerca de 517.000 alqueires goianos. Paranã é o que tem maior área, com

12.114Km2, ou 250.000 alqueires goianos. Esses municípios tiveram parte de seus territórios

atingindo pela UHE São Salvador (Tabela 1).

Tabela 1 - A área total e os municípios atingidos pela Usina Hidrelétrica de São Salvador

Municípios Km² Hectares Inundada (hectares) Inundada (%) Palmeirópolis 1.704 170.400 4.032,50 2,36

Paranã 12.114 1.211.400 3.667,09 0,30

São Salvador do Tocantins 1.422 142.200 284,40 0,20

Cavalcante 6.954 695.400 86,43 0,01

Minaçu 2.861 286.100 213,81 0,07

Total 25.055 2.505.500 8.284,23 2,94%? Fonte: BRASIL, 2003. UHE-São Salvador (2004)

23

A área de influência indireta foi delimitada, fundamentalmente, em função da contribuição

dos recursos hídricos que drenam a região e alimentam o reservatório. Compreende uma área de

aproximadamente 5.700Km2, incluindo a área do reservatório, que é considerada como área de

influência direta (BRASIL, 2003). O empreendimento foi implantado a 10 km da cidade de São

Salvador do Tocantins, e tem a capacidade de gerar 241 MW (megawtts) de energia, o suficiente

para abastecer uma cidade de 300.000 mil habitantes (BRASIL, 2003).

A Usina Hidrelétrica de São Salvador (Foto 1) foi leiloada em 2001, quando a GDF/SUEZ

obteve a concessão para exploração por 35 anos. A GDF/SUEZ é uma empresa sediada na França

que atua no ramo de geração e distribuição de energia elétrica e gás natural. Foi formada em

2008, a partir da fusão do Gás de France - produtora e distribuidora francesa de gás natural- e da

Suez - empresa também francesa que atuava na distribuição de água, energia elétrica e gás

natural. No Brasil, a GDF/SUEZ é controladora da Tractebel, que, atualmente, é líder majoritária

no consócio para construção da UHE Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Essa mesma empresa

tem, no Brasil, 19 plantas de geração de energia, entre usinas hidrelétricas, termelétricas e

geradoras eólicas. Também conta com 950 profissionais e tem 8% da capacidade de geração de

energia instalada no Brasil. (TRACTEBEL ENERGIA, 200?).

Essa UHE vem no sentido do desenvolvimento, as decisões estratégicas setoriais

substituíram o planejamento regional e a intervenção territorial do Estado voltou-se para a

“viabilização da apropriação de recursos localizados ao largo do território” (VAINER, 1992, p.

28). Surgiu então um novo padrão de intervenção estatal onde todos os espaços passaram a ser

incorporados funcionalmente no planejamento nacional.

Para Vainer, (1992, p. 28):

[...] a totalidade do território não é vista nem como conjunto de regiões hierarquicamente articuladas, nem como amálgama de regiões programa, mas como um somatório de recursos mais ou menos acessíveis. A ação estatal não tem mais em vista a captura das regiões (na verdade já concluída), mas a viabilização da apropriação de recursos localizados ao largo do território”.

               

24

                           Foto 1 - Usina Hidrelétrica de São Salvador

Fonte: Companhia Energética São Salvador, 2008.

E nesse novo modelo de planejamento do território que a construção da UHE São

Salvador se instalou e gerou vários problemas sociais, resultando na expropriação de centenas de

famílias de seu local de trabalho - a terra e o rio -, de onde tiravam seu sustento. Esses problemas

sociais, na maioria das vezes, não são considerados pelas empresas financiadoras desses

empreendimentos, predominando a idéia de “progresso”, entendendo que o desenvolvimento só

vem a partir do momento em que ocorre a chegada das grandes empresas.

Dentre os vários impactos ocasionados pela construção do projeto de barragem, um dos

principais é o deslocamento compulsório das populações residentes nas áreas diretamente

afetadas pelo empreendimento e o seu reassentamento involuntário, dentro de uma determinada

proposta de desenvolvimento econômico.

Os empreendimentos hidrelétricos costumam atuarem com as seguintes formas de

ressarcimento às famílias atingidas: indenização em dinheiro; carta de crédito; reassentamentos

coletivo; remanescentes. Um tratamento diferenciado se faz presente no estado do Tocantins, que

o MAB denominou como Gleba. A mesma foi definida para as pessoas que não se enquadravam

nos outros tratamento já destacado, por não conseguirem provar que moravam e/ou trabalhavam

25

na área a pelo menos dois anos. Essas receberam uma área de terra de 10 ha, sem nenhuma infra-

estruturar.

Para Zitzke (2009), esses projetos de grandes dimensões (UHE) transformam-se em um

processo de territorialização de uma barragem e levam a um processo de des-territorialização dos

moradores da área atingida, que por sua vez levará a outro processo, a re-territorialização dessas

famílias em novos locais. Estes três processos, de caráter explicitamente geográfico, propiciam a

compreensão dos diferentes modos de vida da população e a sua necessidade de construção de

uma nova identidade individual e coletiva, a partir do novo território.

Para Thomaz Junior (2007, p. 232), é por dentro das contradições que se explicam as

faces da luta de classes pela vida das disputas territoriais, e também podemos entender o esforço

permanente do capital para expulsar os trabalhadores da terra e a perseverança dos trabalhadores

para se manterem na terra.

E nesse contexto que a UHE São Salvador se tornou prioridade para o governo e para a

iniciativa privada, tornando um dos primeiros projetos a ser integrado no Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC), organizado pelo governo brasileiro. A empresa responsável

pelo empreendimento foi beneficiada por um empréstimo concedido pelo BNDES no valor de $

206 milhões de Euros, cerca de 70% do custo total do empreendimento, com a garantia da

compra da energia elétrica por ela produzida (SANTOS, 2010).

A primeira grande alteração da paisagem devido à ocupação da região, com registros

históricos, ocorreu a partir de 1.700, quando aconteceram às descobertas minerarias na região. A

procura por ouro e pedra preciosa foi, em grande parte, realizada por grupos de escravos com

habilidades especificas para a investigação e localização de áreas mineraria os chamada negros de

mina. Essa população marcou intensamente a formação demográfica local, bem como a ocupação

territorial e sua manutenção até os dias de hoje. Isso é visível pela presença das áreas dos

quilombos Kalunga, na porção norte de Goiás, no município de Cavalcante, na área de influencia

antrópica indireta da UHE São Salvador (BRASIL, 2003).

Uma segunda alteração na paisagem ocorreu tempos depois, no século XX, com a

construção de Brasília e com a implantação da rodovia BR-153. Esses fatores propulsionaram a

integração do Centro Oeste com as regiões de maior dinâmica e relevância econômica do país.

Essa região consolidou-se ainda mais com a emancipação do estado do Tocantins, em 1988.

Com a criação do Tocantins vários projetos que já tinham sido planejados para o

desenvolvimento da região tendo em vista o grande potencial hidroelétrico e a possibilidade da

26

criação da tão sonhada a Hidrovia Araguaia Tocantins. Nesse planejamento que são vários

projetos que tornariam os rios Tocantins e Araguaia em um grande lago. (Figura 2).

Figura 2 – Localização das UHEs nos rios Tocantins e Araguaia

Em relação a Figura 2, é importante destacar que os projetos de barragens que estão em

um processo bem adiantados, e o do rio Tocantins que só falta quatro projetos para completar o

divisor de água. No rio Araguaia as obras estão paralisadas devido às denúncias que os

movimentos vêm fazendo, e debatendo com a sociedade sobre os futuros impactos que os

projetos planejados para o rio Araguaia.

27

2.1 - A formação do Movimento dos Atingidos por Barragem em Nível Nacional

No final da década de 1970, com emergência das forças populares, os atingidos por

barragens passaram a se organizar e mobilizar frente aos impactos causados pelas construções de

hidrelétricas. Com o aprofundamento nas discussões sobre a construção de barragens,

identificando que as mesmas estavam ligadas a um projeto maior de desenvolvimento do país -

baseado na indústria, a maior consumidora de energia. Com isso, o questionamento inicial contra

barragens é extrapolado, passando-se a criticar o modelo de desenvolvimento e seu projeto.

No início destacaram-se três focos principais: de resistência, organização e luta de

atingidos, que posteriormente, foram fundamentais para a criação do Movimento dos Atingidos

por Barragens (MAB).

Um dos primeiros focos de resistência dos atingidos deu-se na região Nordeste, com a

construção da UHE de Itaparica, no rio São Francisco. A organização iniciou-se por intermédio

do Pólo Sindical do Submédio São Francisco, que lutava contra projetos hidrelétricos na região e

pela indenização dos atingidos por barragens. O segundo foco se deu na região Sul, com a

exposição dos projetos para construção hidrelétricas no rio Paraná (Itaipú), em 1978, e o projeto

de construção de 23 UHE’s na bacia hidrográfica do rio Uruguai. O terceiro foco ocorreu na

região Norte, com a construção da barragem de Tucuruí, no Pará, por meio do movimento dos

expropriados pela barragem direcionou as ações do movimento nas negociações com a

Eletronorte, responsável pelo empreendimento. As lutas dos atingidos se deram em diferentes

momentos da realização do empreendimento hidrelétricos antes, durantes, e até hoje existem

conflitos e várias pendências.

A formação do MAB, enquanto movimento nacional teve início com apoio da Igreja

Católica e Igreja Luterana, com sua rede de relações em várias regiões do Brasil. Um primeiro

contato entre os atingidos de várias partes do Brasil, ocorreu no início da década de oitenta no

primeiro encontro dos atingidos num caráter mais nacional. No entanto, as lideranças que

atuavam nas regiões eram também ligadas a Igreja Católica ou dos Sindicatos combativos que

atuavam nas regiões. Devido a dificuldade de informações sobre os empreendimentos que

estavam construindo ou os já construídos, havia uma falta de informações sobre os

empreendimentos projetados de indenizações que excluía muitas famílias atingidas do processo

de indenização.

28

Nesta época houve um processo de desqualificação das pessoas que questionavam os

empreendimentos, houve-se a necessidade de debate sobre a questão energética e as grandes

barragens, no entanto teve um evento nacional que contava com atingidos de várias partes do

Brasil que ocorreu o primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragem em

Goiânia, em 1989. Neste encontro iniciou um novo momento de transição da organização dos

atingidos por barragem, deixando de ser um movimento isolado nas regiões ou nos Estados,

tornando o movimento de caráter nacional que serviria para intensificar as lutas as trocas de

experiência com o objetivo de programar as atividades em conjunto.

Os atingidos perceberam que as lutas isoladas nas regiões contra a construção de

barragem, ou pela garantia de direito de indenização, sentiam a necessidade de um debate contra

o modelo energético. O congresso de 1991, realizado em Brasília, os atingidos por barragem se

oficializou enquanto Movimento Nacional dos Trabalhadores Atingidos por Barragens e

declarado o dia 14 de março, o dia nacional de lata contra as barragens.

A estrutura do movimento independente das ações para os movimentos locais e regionais

criou uma coordenação nacional dos trabalhadores atingidos por barragens, que passou a ter sede

nacional na cidade de São Paulo. A coordenação nacional era bem diversificada, que

contemplasse todas as regiões: Sul, Sudeste, Norte e Nordeste, tendo representação de populações

indígenas, quilombola e representantes da CUT, parceria que durou até as eleições do governo

Luiz Inácio Lula da Silva.

O MAB se transformou em um movimento popular que pretendia organizar as

populações atingidas por barragem ou ameaçadas sempre na luta contra as barragens e pela

garantia dos direito dos atingidos, os atingidos por barragem em sua grande maioria pequenos

agricultores, trabalhadores sem terra, meeiros, parceiros, arrendatários, diaristas, posseiros,

pescadores, quilombolas, indígenas, mineradores, dragueiros, garimpeiros, barqueiros,

barraqueiros e etc.

No entanto, o MAB orientava os militantes nas comunidades na formação de grupos de

base que fosse composta por cinco a dez famílias, que deveriam ser escolhidos dois

coordenadores sendo um homem e uma mulher para ser mais democrático e participativo,

fazendo um movimento de homens e mulheres (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR

BARRAGENS, 200?)

29

Uma das bandeiras de luta do MAB era a elaboração de uma nova política energética,

pensando uma alternativa ao setor elétrico numa perspectiva viável e barata: biomassa eólica e

construção de PCHs e repontencialização das UHEs com mais de vinte anos de uso.

Neste período o MAB obteve várias conquistas, uma delas foi o barramento de várias

construções de barragens, garantindo o direito a indenizações dos filhos dos proprietários e de

Sem Terra a reassentamentos, assistência técnica entre outros. O MAB tem o interesse de dar

mais visibilidade e unificar suas lutas e debater com a sociedade o sofrimento, o descaso com as

famílias atingidas por barragens em todo Brasil. A marcha nacional do MAB com o tema “água

pela vida” entre Goiânia a Brasília realizada de 13 a 18 de maio de 2004, onde participou mais de

500 pessoas dos diferentes partes do Brasil e que obteve apoio de outros movimentos sociais

ligados a Via Campesina, CNBB CPT e de lideranças políticas que apoiavam a luta do

movimento.

A marcha tornou um momento importante de troca de experiência de formação política

ideológica e deu mais unidade nacional para o movimento.

No “II Encontro Nacional do MAB” realizado, em Curitiba (PR), de 13 a 17 de março

de 2006, um debate importante sobre a questão energética e sua transformação da energia em

mercadoria, ou, o controle sobre o capital privado e a própria privatização das empresas estatais,

neste se debatia sobre a conjuntura existente na qual era marcha pela hegemonia mundial do

sistema capitalista na forma imperialista neoliberal.

Este sistema estava passando por uma crise estrutural, marcada pelo desemprego miséria

violência e catastrofismo e barbárie. Uma das formas do capital ainda se manter dominando

estava ligado ao controle das fontes de energia hídrica biomassa, bem como outras fontes de

energia; água gás terra carvão. (FOSCHEIRA, 2009).

A articulação externa deveria conectar-se com outros grupos que se encontravam no

mesmo campo de luta: Via Campesina, Consulta Popular e pessoas de referencias de esquerda e

com setores apoiadores Igrejas, ONGs com compromisso sócio-ambiental e entidades de

cooperação.

A nova forma de atuação proposta pelo MAB implementou destaque de dois novos eixos

de ação: primeiro, o debate sobre o preço da energia, e a atuação do movimento no meio urbano

dentro da concepção de atingidos pelo preço da energia. Estes dois eixos se apresentam de forma

ligado no debate do preço da energia, e uma das formas do MAB se vincular a movimentos e

instituições urbanas. Outro debate era que os militantes neste novo momento histórico em novo

30

campo de atuação com outras relações sociais no meio urbano, não podiam deixar de contribuir

no local de origem na comunidade, nas lutas na formação de novas militantes e na construção de

uma sociedade melhor.

Com este novo campo de atuação o MAB desenvolveu atividade nas grandes metrópoles

do Brasil, como Porto Alegre, São Paulo, Minas Gerais, Brasília e outras capitais fazendo um

trabalho de divulgação da campanha “o preço da energia é um roubo”. Houve participação da Via

Campesina e da Consulta Popular, entre outras entidades que se identificaram com a luta com os

atingidos tanto por barragens quanto por energia.

O MAB, com uma nova forma de pensar sua área de atuação houve muita resistência

devido a sua luta histórica no movimento sempre a luta contra a construção de barragens. A

necessidade de se dedicar a estudar de forma mais sistemática para absorver o novo discurso do

movimento, levou o afastamento ou perda de poder de algumas lideranças que não conseguiram

acompanhar as leituras ou não quiseram dedicar-se a estas atividades.

Outros militantes foram afastados por não concordarem com a nova metodologia,

colocada em prática pelo movimento, segundo Foschiera (2009, p. 319):

Esta nova postura no interior do MAB indicava uma alteração na lógica de decisão, afastando-se da democracia participativa, que tinha com uma das suas características a indicação de coordenadores pelas bases e se direcionando mais para o centralismo democrático, pela qual as principais decisões nacionais não seria mais tomadas pelo coletivo e sim pela direção do movimento em suas diferentes escalas. Uma estrutura de quadro passa a dirigir, politicamente, a estrutura de massas; e esta atitude, que nega a própria discussão histórica do MAB da tomada de decisões da forma mais coletiva possível, que tem gerado o desencaixe no pensar e agir entre alguns grupos de lideranças como já mencionamos acima.

Devido as mudanças que vem ocorrendo no interior do movimento, a luta do movimento

vai se expandindo para muito além das barragens, dirigindo, principalmente, para a periferia de

áreas urbanas envolvendo trabalhadores que não foram atingidos por barragem, mas são atingidos

pelo modelo energético. A luta do MAB segue em escala local buscando garantir os direitos dos

atingidos pelos impactos das construções de barragens, pois suas ações se fortificam nas escalas

nacionais e internacionais por acreditar que se desenvolvem ações políticas capazes de mudar a

estrutura da sociedade burguesa.

31

2.2. O MAB no Tocantins: território, acúmulo de forças e ações

Foi pensando na organização dos atingidos e ameaçados dos projetos de infra-estrutura

que a formação do MAB no Tocantins se deu quando já tinha corrido o processo de licitação e já

havia sido iniciada a obra da construção da Usina Hidrelétrica de Lajeado, na qual muitas

negociações foram efetuadas e as famílias se encontravam em situação de abandono e ameaçadas

de expulsão das terras, devido, à desorganização política. A partir de um seminário que buscava

discutir os impactos da barragem de Lajedo, integrantes do MAB Nacional foram convidados,

por meio do Conselho Missionário Indigenista- CIMI e representante da Federação dos

Trabalhadores da Agricultura do Estado do Tocantins - FETAET, a visitarem a região e

colaborarem na organização dos atingidos.

Posteriormente vieram mais três lideranças da região sul que deveria n ficar por um

tempo limitado na área, até formar lideranças locais para assumirem os trabalhos, porem uma

destas lideranças passou a residir permanentemente na área. Estas lideranças já tinham

experiência de construção de barragens, mas em modelo estatal, em que as discussões e

negociações se delinearam em um contesto diferencial, pois agora se deparavam com a

construção sob responsabilidade privada (FERREIRA, 2003).

Por ser uma discussão nova no estado do Tocantins e devido ao baixo poder de

organização e ação conjunta dos diversos grupos atingidos, a atuação do MAB no início foi

completa de dificuldade. Soma-se a isso o uso político de algumas autoridades como barganha

eleitoral e a pressão e repressão do governo estadual sobre os atingidos que se organizavam.

Na formação do MAB/TO os representantes do movimento nacional contaram com o

apoio de várias entidades, entre as quais podemos destacar o CIMI que colaborou com infra-

estrutura e rede de comunicação, a ONG Comunidade de Saúde, Desenvolvimento e Educação

(CONSAÚDE), por meio de sua rede de comunicação, infra-estrutura e pessoal para visitar as

comunidades atingidas, a Escola Família Agrícola (EFA) com estrutura e colaboração de alguns

professores e estudantes na organização dos atingidos, o Instituto de Formação Sindical - IFAS e

o Partido dos Trabalhador-PT colocando sua rede de contatos a disposição.

As primeiras ações realizadas pelo MAB foram reuniões nas comunidades atingidas,

mobilizações, seminários, debatem em escolas, em câmaras de vereadores e a aproximação com

órgãos públicos. Apesar destas ações a participação dos atingidos era limitada, sendo que, mas,

32

ocupações do escritório da empresa que se localizava na cidade de Palma, em maio de1999 e

dezembro de 1999 não conseguiram juntar mais que 150 pessoas, na maioria, ribeirinhos. Um

diferencial passou a ser percebido depois que um grupo de lideranças das comunidades atingidas

visitaram um reassenta mento de atingidos pela hidrelétrica de Salto Caxias no Paraná e puderam

perceber os ganhos que os atingidos obtiveram a partir do momento que se organizaram e

passaram a lutar por direitos que a empresa responsável da época lhes negava.

As primeiras ações realizadas pelo MAB/TO foram reuniões nas comunidades atingidas,

mobilizações, seminários, debates em escolas, em câmaras de vereadores e a aproximação com

órgãos públicos. Apesar destas ações, a participação dos atingidos era limitada, sendo que nas

ocupações do escritório da empresa, que se localizava na cidade de Palmas, em maio e dezembro de

1999, eles não conseguiram reunir mais de 150 pessoas, na maioria ribeirinhos.

Como resultado das manifestações conseguiu-se marcar uma reunião envolvendo o

MAB/TO, INVESTCO1e vários órgãos públicos para que fosse construído um espaço de

discussão coletiva sobre o deslocamento dos atingidos.

Criou-se um grupo de discussão e deliberação denominado Comissão Institucional,

formado por representantes do Instituto de Natureza do Tocantins - NATURATINS, MAB,

Ministério publico federal – MPF, Ministério Publico Estadual – MPE, IAMA e empreendedor.

Essa comissão se tornou fórum legitimo de discussão sobre conseqüência da construção da Usina

de Lajeado (MAB/TO – Arquivos).

A partir de então as discussões tomaram novos rumos e é produzido um Plano

Emergencial, que continha as primeiras aproximações para um processo (mais) legitimo e

participativo. Em seu escopo foram definidas diretrizes e procedimentos a serem tomados pelo

empreendedor com relação aos assentados rurais. Assim, vários órgãos públicos que agiam

apenas como fiscalizadores e garantidores de acordos pré-estabelecidos, passaram a agir como

parceiros e mediadores nas várias discussões geradas.

E no dia 14 de março de 2002 comemorou-se o Dia Internacional dos Atingidos por

barragem, o movimento apresentou dois momentos de troca de experiência com os atingidos da

UHE de Lajeado com os ameaçados pelas barragens de Peixe Angical e São Salvador. Vale

1 Essa empresa é um consorcio que construiu a Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães conhecida, regionalmente, como Usina do Lajeado.

33

destacar que esse momento mostrou para a sociedade, que os grandes projetos de infra-estrutura,

pro causa dos elevados impactos na vida das populações ribeirinhas (Foto 2).

Essa manifestação mostrou que o MAB estava se consolidando por meio de um debate

forte sobre a sociedade e em relação aos impactos causados pela construção da barragem de

Lajeado.

Foto 2 - Passeata no Dia Internacional dos Atingidos por barragem

Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB.

34

Foto 3 - Manifestação em Porto Nacional, para garantir a educação e boas nos Reassentamentos, em 2003

Fonte: Arquivo da Secretária do MAB.

Os trabalhos nas comunidades foram importantes para territorializar o MAB na região

central do estado. Por meio da Foto 4 podemos observar uma reunião do movimento para discutir

a produção coletiva na comunidade, de reassentamento Flor da Serra, no município Porto

Nacional, em 2003.

O MAB se consolidou em torno das comunidades do reservatório das barragens de

Lajeado e os atingidos da UHE de Lajeado desenvolveram um importantíssimo papel na

formação de lideranças para atuar em outras lutas, principalmente, contra os empreendedores que

estavam na região.

O curso de formação de militante do MAB, realizado na Escola Família Agrícola de

Porto Nacional, em 2000, proporcionou a formação de diversos militantes que construíram suas

lutas em outras regiões e nos estados. Esse curso de formação se deu em cinco etapas: a primeira

localizou-se na região de Goiânia; a segunda em Tocantins, a terceira na Bahia; a quarta em

Minas Gerais e por ultimo em Santa Catarina. (Foto 5). Nessa turma, apresentava-se 120 pessoas,

sendo que 15 eram do estado de Tocantins. Estes militantes do Tocantins foram importantes para

desenvolver as atividades do movimento no estado. O curso teve dois anos de duração e era por

modulo, dois modulo por ano.

35

Foto 4 - Essa foto foi tirada numa reunião no reassentamento flor da Serra onde o MAB tentava trabalhar com um grupo coletivo de produção

Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB.

O MAB em sua organização interna no Tocantins promoveu uma divisão em três

regiões: a Central, a Norte e a Sul do estado do Tocantins. Isso serviu para que os militantes

desenvolvessem suas atividades nas comunidades, vilas, cidades e que, também, promovessem

debates dentro das escolas, igrejas, sindicatos e associações, para conscientizar a população sobre

o movimento.

36

Foto 5 - Curso de militância do MAB, realizado na Escola Família Agrícola de Porto Nacional – Tocantins.

Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB

Num primeiro momento, as comunidades, as famílias e as lideranças constituíram diversas

unidades entre essas organizações, com o objetivo de resistir à construção das barragens. O

movimento alertava que a obra traria um intenso impacto ambiental, social e econômico com o

fim das vazantes, das praias e das frutas nativas como o babaçu, o bacuri e o murici. Esse

momento apresentou uma forte resistência à construção da UH de Estreito, com diversas

manifestações nas audiências publicas, acampamentos e entre outras mobilizações. (Foto 06).

37

Foto 6 - Manifestação realizada na ponte que liga o estado de Tocantins ao Maranhão

Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB.

Essa mobilização juntou a maioria das famílias ameaçadas e as entidades que defendiam

o rio livre de barragens. Os povos indígenas, que também eram ameaçados pelo avanço das

empreendedoras, juntaram-se para proteger o nosso rio.

A empresa com apoio dos políticos passaram a utilizar a imagem das lideranças locais2

nos jornais, utilizando as falas de apoio às obras muitas vezes não dita pelas pessoas, mas os

compromissos que estes tinham com os políticos, forçaram a diversas pessoas a repensar na sua

posição e, assim, de ver a obra como algo de bom que estaria acontecendo nos municípios.

Após as várias manifestações, as Ações Civis Públicas foram protocoladas na Justiça

Federal pelo Ministério Público Federal e Estadual, ONGs e movimentos sociais solicitando o

2 Principalmente, dos presidentes das associações de produtores, dos moradores, dos pescadores, dos barqueiros, dos barraqueiros, dos Sincantos dos Trabalhadores Rurais e dos extrativistas de coco babaçu.

38

cancelamento dos Estudos de Impactos Ambientais (EIA), do Relatório de Impacto Ambiental

(RIMA) e da Licença Prévia (LP). Com as pressões sofridas pelas empresas de mídia nacional,

das empresas construtoras de barragem e principalmente dos consumidores de energia, o IBAMA

cedeu à licença de instalação no dia 26 de novembro de 2006.

Nota-se que nessa região, parte da população não é favorável a construção das usinas

hidrelétricas. Pois esta população é representada pelos povos ribeirinhos, cujas hidrelétricas

destruíram seus projetos de vida, impulsionando sua expulsão da terra sem apresentar

compensações que pudessem, ao menos, assegurar a manutenção de suas condições de

reprodução num mesmo nível daquele que se verificava antes da implantação do

empreendimento.

Os atingidos lutam para não saírem da condição na qual se encontravam em suas áreas

de origem, de seus hábitos e de tudo que representam os lugares de origem. Em uma comunidade

rural há muito mais do que apenas uma unidade produtiva, pois existem relações construídas há

décadas e de culturas enraizadas em gerações. Portanto, o sentimento de total pertencimento a

terra, se configura em tudo que o rodeia. E pensando na preocupação dos atingidos, que o MAB

consolidou-se nessa região realizando diversos trabalhos de base e de luta.

As mobilizações também marcam de forma destacada as ações do MAB na região, como

a marcha que percorreu 120 km de Araguaína (TO) até o estreito do Maranhão, em 2010. (Foto

07).

39

Foto 7 - Marcha dos Atingidos: de Araguaína até o Estreito, no Maranhão

Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB

Essa manifestação foi coordenada pela Via Campesina do estado do Tocantins e

compareceram cerca de 500 pessoas, promovendo diversos debates sobre as injustiças causadas

pelas empresas, nas cidades situadas às margens da BR-153.

E no sentido de se territorializar, o MAB promove suas lutas em todo o território

tocantinense que apresenta os projetos de barragens. Hoje o MAB é reconhecido em todo o

estado, devido às ações retaliadas nas três regiões do estado.

2.3. A formação do MAB na região Sul do Tocantins

O processo da construção da UHE São Salvador atingiu áreas rurais de cinco

Municípios. Além de grandes propriedades, foram impactados também os camponeses

ribeirinhos, que viviam de uma agricultura de subsistência, de pesca e coleta de frutos, nesse caso

dos camponeses proprietários de terras, e os camponeses meeiros, arrendatários, parceiros,

40

assalariados rurais vaqueiros. Outros grupos atingidos foram os dragueiros que exploravam areia

e seixo no rio Tocantins, e os garimpeiros, que faziam extração do ouro.

Um fator marcante que ocorreu na UHE São Salvador foi que as pessoas que já tinham

sido atingidas em outros empreendimentos, como Canabrava em Goiás e Peixe Angical em

Tocantins, haviam se mudado para a área que posteriormente foi atingida por essa nova

barragem. Alguns viam nessa nova Barragem, uma oportunidade de recuperar o que tinham

perdido nas anteriores, pois quem construiu Cana Brava foi a mesma empresa que construiu São

Salvador.

É importante destacar que houve uma concentração de pessoas nas margens do rio e nas

ilhas que se encontravam na área de abrangência da UHE de São Salvador, entre as quais estavam

funcionários públicos, comerciantes e pessoas desempregadas da região.

A formação do MAB nessa região iniciou, praticamente, junto com o projeto da

barragem de Peixe Angical. O primeiro contato foi realizado através da Federação dos

Trabalhadores da Agricultura do Estado do Tocantins (FTAET), juntamente com os Sindicatos

dos trabalhadores rurais que atuava na região.

Como toda essa discussão era a nova na região sul do estado do Tocantins, sendo a UHE

São Salvador um dos empreendimentos pioneiros em se tratando de disponibilização e aplicação

de vultosos recursos privados e públicos, as experiências e ações concretas foram sendo

construídas aos poucos e até hoje estão sendo delineadas, com muito esforço e participação.

As representações sob a forma de lideranças e agentes mobilizadores foram se

configurando aos poucos, em meio a um espaço já em construção, ou seja, quando os primeiros

representantes do MAB chegaram na região Sul do Tocantins o processo de licitação já havia

sido concluído e a construção da UHE Peixe Angical já havia se iniciado, mais o debate que o

MAB iniciou com os atingidos foi de não deixar construir a barragem pois os problema que tava

acontecendo em Lajeado não poderia acontecer em Peixe.

Inicialmente o MAB não tinha muita representatividade enquanto legítimo representante

dos interesses das famílias atingidas frente ao empreendedor e era pouco conhecido pelas

comunidades, devido a diversidade dos atingidos.

Na região tinha presença de um Consócio dos Proprietários e Ocupantes de imóveis

Urbanos e Rurais Afetados pelo Aproveitamento Hidrelétricos Peixe Angical (COPEIXE), esse

consócio era formado pelo um grupo de advogado que tinha como principal objetivos pegar as

causas dos atingidos, cobrando uma porcentagens de cada um. Esse consórcio não teve muito

41

sucesso, pois cobrava um valor muito alto, e já tinha de iniciar pagando parte antes mesmo de

receber a indenização.

Os trabalhos de base que o MAB desenvolveu nas comunidades rurais e urbanas foram

para criar grupos de base (Foto 8), sendo que esses grupos tinham de 10 a 20 famílias, e tinham

como principal objetivo a consolidação do movimento na região e também facilitar o

entendimento das famílias - na grande maioria dos casos eram analfabetos ou semi analfabetos.

Foto 8 - Reunião do grupo de base na região Sul do Estado do Tocantins

Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB

As formas de luta que o movimento desenvolveu para garantir os direitos das famílias

ribeirinhas são encaminhadas nas cidades, ocupação de escritórios, ocupação de acesso dos

canteiros de obra e acampamentos. Diante da determinação dos empreendedores em continuar a

implantação da usina, as população locais fizeram manifestação que levou as famílias a

acampamento em frente ao canteiro de obras, com bloqueio da estrada principal de acesso dos

trabalhadores, paralisando os trabalhos por três dias. Não havendo consenso entre as partes, as

famílias decidiram que deveriam se mobilizar mais se quisessem garantir seus direitos. (Foto 09).

42

Foto 9 - Ocupação da Barragem de Peixe Angical, 2004.

Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB

E no acampamento, marcha, passeatas e nos encontros de formação que o movimento se

constrói dia após dia, numa relação dialética de erros e acertos, que vimos ao logos dos anos

construindo a história dos atingidos por barragens no Brasil.

A região Norte do Brasil atualmente vive um novo momento, no qual os grandes grupos

econômicos é que determinam o que o Governo Federal tem de planejar para viabilizar os

projetos que garantam o ganho econômico de um grupo de investidores. Para Mattos (2009, p.

01):

Em 2006 o Governo Federal a presenteou para a sociedade Brasileira o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como um programa ambicioso de meio trilhão de reais em investimentos de melhoria da infra-estrutura do país e as condições de vida do povo brasileiro. Investimento esses que estariam divididos em três grandes áreas: logística, energia e infra-estrutura social e urbana, habitação e saneamento.

Segundo o mesmo autor, o PAC foi anunciado como um plano de desenvolvimento

nacional que tem como objetivos a melhoria da infra-estrutura do país, diminuindo as

desigualdades sociais e das disparidades regionais facilitando a integração nacional. Valdir Zitzke

43

(2009, p. 283), destaca a complexidade dos projetos de infra-estrutura apoiados pelo Estado, no

setor energético. Para o autor:

A crescente intervenção do Estado Nacional no planejamento de múltiplos aspectos das complexas sociedades contemporâneas, assim como as dimensões cada vez maiores das obras de infra-estrutura para a satisfação das demandas energéticas da sociedade tem originando processos que apresentam características muito especiais.

O PAC vem inserido no discurso que o desenvolvimento social está ligado a uma

crescente demanda de energia e assim justifica a construção de várias usinas hidrelétricas, em

parceria com grupos privados que têm interesse em explorar o potencial dos recursos naturais.

Por fim, essas empresas passam a ter o controle territorial da água e da terra. Isso fica perceptível

nas seguintes palavras de Porto-Gonçalves (200?, p. 2), que destaca uma nova fase de domínio

sobre esses elementos, para ele:

O domínio territorial sobre os corpos d água se inscreve como fundamental para qualquer comunidade biótica, inclusive, a espécie humana. Em torno desse controle muitas guerras se fizeram. Todavia, as razões pelas quais se busca o controle das fontes e corpos d água são, hoje, muito distintas daquelas que conformaram a geografia da população mundial até muito ressentimento.

Nesse sentido, a maioria das obras do PAC tendem a beneficiar o agronegócio, para

facilitação do escoamento da produção nacional para o resto do mundo, através de ferrovias,

hidrovias, rodovias, melhorias dos portos, construção de hidrelétricas, para a produção de energia

para abastecer os grandes centros industriais do centro-sul do país. Há uma corrida para

exploração das grandes extensões de terras de Cerrado e Floresta Amazônica, como áreas para a

produção de grão, da cana de açúcar e de plantio de grandes éreas de eucalipto para celulose.

Para o Governo Federal o Programa de Aceleração do Crescimento vai aplicar em quatro

anos, um total de investimentos em infra- estrutura da ordem de R$ 503,9 bilhões, nas áreas de

transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos. “Este valor está dividido em R$

67,8 bilhões do orçamento do governo central e R$ 436,1 bilhões provenientes das estatais

federais e do setor privado”. (BRASIL, 20??, p.3)

44

O PAC prevê investir no estado do Tocantins em seis grandes UHEs: Estreito, São

Salvador, Serra Quebrada, Tupiratins, Tocantins (no rio com o mesmo nome) e Novo Acordo,

também no rio com o mesmo nome.

45

CAPÍTULO 3 - OS EFEITOS TERRITORIAIS DOS IMPACTOS SOCIAIS

E AMBIENTAIS PROTAGONIZADOS PELA CONSTRUÇÃO DAS UHES

NO TOCANTINS

A bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia, com 803.250 km², está entre as mais extensas,

localizadas, pois, totalmente em território nacional. Dentre os principais afluentes que a formam,

estão os rios do Sono, Palma, Paranã e Manuel Alves. O rio principal, o Tocantins, passa a ter

esse nome na confluência dos rios Maranhão e Paranã, já no estado do Tocantins.

O regime hidrológico da bacia é bem definido, e o período de cheia estende-se de

outubro a abril, com pico em fevereiro, no curso superior, e março, no curso médio e inferior.

Segundo o Projeto de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Araguaia-Tocantins: “durante

aproximadamente dois séculos, a hidrovia Tocantins-Araguaia foi a única via de transporte

utilizada para a colonização e possibilitou o desenvolvimento de atividades produtivas nas

margens desses rios e seus a fluentes” (TOCANTINS, 1982, p.112).

Os rios Araguaia e Tocantins possuem um relativo potencial energético conforme

destacam diversos estudos sobre os mesmos (ARAÚJO, 2003; FOSCHIERA 2009).

Uma série de projetos voltados para a região Norte do Brasil iniciou-se na década de

1960, com a proposta de desenvolver e integrar a região Amazônica. Dentre os projetos previstos

estavam os de construção de hidrovias, de ferrovias, de rodovias, de projetos de mineração e de

metalurgia e entre outros de construção de usinas hidrelétricas.

Segundo Araújo (2003), esses projetos de desenvolvimento que o governo brasileiro

propunha para a região, pertenciam aos grupos e as empresas nacionais e multinacionais que

demandavam uma enorme quantidade de e energia elétrica. Dentre os empreendimentos a serem

implantados podemos destacar o projeto Carajás, pela Companhia Vale do Rio Doce; a Camargo

Correa Metais (CCM) e as indústrias eletro-intensivo de alumínio como a Albrás e Alumar,

localizadas nos estados do Pará e Maranhão, Como parte desse projeto cria-se a Zona Franca de

Manaus, em 1968. Nesse período tinham vários investimentos e um deles de grande relevância

devido a sua emissão como um pólo industrial.

Para coordenar a implantação dos projetos na região Amazônica criaram-se a

Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 1966, sucessora da

Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA).

46

Uma nova investida ocorrerá na década de 1970, com o lançamento, pelo governo

federal, dos Programas de Integração Nacional (PIN) buscando a integração das regiões Norte

Nordeste e Centro Oeste. Esses projetos recebiam incentivos fiscais do Governo Federal como

forma de atrair as empresas para se instalarem na região, tendo como pano de fundo a propaganda

de uma área onde existia “muita terra sem gente e muita gente sem terra”. O governo federal,

visando suprir a demanda de energia que iria surgir na região, criou o Comitê Coordenador dos

Estudos Energético da Amazônia (ENERAM), mediante a promulgação do Decreto número

63.952.

O ENERAM estava subordinado ao Ministério das Minas e Energia. O relatório final do

Comitê apresentava uma demanda futura de energia na região e um potencial a ser explorado,

indicando a necessidade da criação de uma empresa regional especializada para coordenar a

questão. Seguindo essas orientações o governo federal criou a Centrais Elétricas do Norte do

Brasil S.A., conhecida também como Eletro norte (Memória da Eletricidade, 1998).

A empresa estatal Eletronorte contribuiu decisivamente para o levantamento do

potencial hidrelétrico da região Amazônia, com estudos sobre potencial energético dos rios

Xingu, Madeira, Tocantins, Araguaia, Tapajós, entre outras.

Segundo Araújo (2003), maiores estudos para reconhecimento dos recursos hídricos da

bacia do rio Tocantins-Araguaia foram realizados pelo “Bureau of Reclamation”, em 1964,

patrocinados pela “Agency” Far Internacional Development – United States Department Of

States”, e de interesse da extinta Comissão Inter-Estadual dos Vales do Araguaia-Tocantins

(CIVAT). Esse reconhecimento que a Bureau fez da bacia do rio Tocantins-Araguaia foi

transformado em um relatório contendo uma avaliação dos recursos naturais relacionados ao o

potencial hídricos que a mesma tinha e que deveria ser um sistema integrado em um programa de

uso múltiplo de longo prazo, com ênfase na agricultura, tanto seca com irrigada; geração

hidrelétrica; navegação; controle dos rios; atividades industriais e economia associada;

apresentando recomendações para o futuro programa de ação.

Em 1976 foi apresentado um inventário hidrelétrico do rio Tocantins e seus afluentes.

Esse estudo resultou no planejamento de oito hidrelétricas para o leito principal do rio (Tabela 2).

Segundo Araújo (2003), devido ao barramento para construção das UHEs, as extensas áreas de

terras seriam alagadas, cobrindo cidades históricas da região. Um dos barramentos previstos,

Porto Nacional, alagaria a cidade de Porto Nacional, que tinha mais de cem anos de história. A

47

barragem de Peixe cobriria as cidades de Paranã, São Salvador, a Vila do Retiro e entre outros

povoados e comunidades.

Tabela 2 - Número de barragens planejadas para o leito principal do rio Tocantins na década de 1970 e 1980

Nº de projetos planejados 8

Nº de projetos em fase de construção 0

Nº de projetos construídos 1

Fonte: Foschiera (2009), e Araújo (2003). Org.: Lucione Souza Batista

Novos estudos foram realizados na década de 1980 e indicaram pela mudança de local

de algumas das UHEs e foram definidas outras que não estavam planejadas nos estudos de

inventários da década anterior. Esses estudos abrangeram toda a bacia do Tocantins-Araguaia e

seus afluentes. Para o leito principal do rio Tocantins planejou-se a construção de onze (11)

UHEs – até o momento havia uma usina construída, a de Tucuruí. (Tabela 2). Além de fornecer

energia, caso fossem construídas eclusas juntos aos barramentos das UHEs, pretende-se

possibilitar a construção de uma hidrovia ao longo de seus reservatórios (TOCANTINS, 1982 e

1987; ARAÚJO, 2003; FOSCHIERA, 2009).

A primeira UHE a ser construída no leito principal do rio Tocantins foi a de Tucuruí, sob

responsabilidade da Eletronorte. O início das obras ocorreu em 1975 e a construção desse

empreendimento sofreu várias reprogramações, o que levou a um atraso no funcionamento, sendo

que as comportas foram fechadas em 1984. No projeto original da UHE estava previsto a

construção de uma eclusa, porém esta apenas foi iniciada e logo paralisada devido à falta de

verbas.

Após a construção de Tucuruí os projetos de construção de UHEs no leito principal do

rio Tocantins ficaram paralisados, sendo retomados novamente a partir de 1986, quando, sob

responsabilidade de Furnas, se inicia a construção da UHE de Serra da Mesa, em área pertencente

ao estado de Goiás. Porém o empreendimento teve suas obras paralisadas devido à “retração do

mercado de energia elétrica, na época, recessivo, e, devido às dificuldades de obtenção de

recursos requeridos para a sua conclusão”. (ARAÚJO, 2003, p.37).

48

A construção de UHE no leito principal do rio Tocantins voltou a tona a partir da metade

da década de 1990, dentro do novo modelo energético brasileiro que previa a participação de

empresas privadas na geração de energia elétrica. Nesta perspectiva foram construídas as UHEs

de Serra da Mesa e Cana Brava no estado de Goiás, Lajeado, Peixe Angical e São Salvador, no

estado do Tocantins, e Estreito, na divisa dos estados do Tocantins e Maranhão. As demais

seguem em fase de licenciamento. (Quadro 1).

Os conflitos vão ser ampliados devido à quantidade de projetos planejados para os

afluentes dos dois rios mais importante dessa região. São milhares de famílias que terão de

abandonar suas terras, e terão de fazer enfrentamentos para lutar pela indenização.

Quadro 1 - Usinas Hidrelétricas projetadas para afluentes do Rio Tocantins e Araguaia

Afluentes maiores do rio Tocantins

Nome das UHE Situação

Couto Magalhães Licitada 2º sem. 2001

Barra do Peixe Viabilidade

Torixoréu A licitar em 2003

Barra do Caiapó Inventário

Araguanã A licitar em 2003

Santa Izabel Licitada 2º sem. De 2001

Foz do Noiodore Projeto Básico

Afluentes menores do rio Tocantins

Nome das UHE Situação

Quintal Inventário

Maranhão A licitar em 2003

Porteiras 2 Inventário

Jaraguá Inventário

49

Volta do Deserto Inventário

Cores Inventário

Mutum Inventário

Genipapo Inventário

Buriti Queimado Inventário

Moquém Inventário

Mirador A licitar em 2003

Colinas Inventário

São Domingos Em operação

Foz da Bezzera Viabilidade

São Domingos Inventário

Palmas Inventário

Soninho I e II Inventário

Arara Inventário

Jalapão Inventário

Cachoeira da Velha Inventário

Brejão Inventário

Novo Acordo A licitar em 2003

Isamu Ikeda Em operação

Rio Sono Inventário

Perdida 1 Inventário

Perdida 2 Inventário

Itacaiúnas 1 Inventário

Itacaiúnas 3 Inventário

Fonte: Arquivo pessoal. Organização: Lucione Souza Batista.

50

Como se constata, na bacia hidrográfica do Tocantins e Araguaia estão projetadas

dezenas de projetos hidroelétricos e é nesse contexto que os projetos de infra-estrutura vão ser

consolidados. Entretanto, o quadro atual que podemos inserir tanto as UHEs em operação quanto

em construção e as projetadas (Figura 2), é possível de reconhecer que a gravidade da situação

social e ambiental já se impõe como situação de fato. (Quadro 2). Em consequência, a destruição

dos rios, o desterreamento de centenas/milhares de pessoas e a própria cultura desses ribeirinhos

estarão seriamente ameaçadas.

51

Quadro 2 - Os projetos de construção de barragens no Rio Tocantins

Nome da barragem

Inicio da obra

Término da obra Empresa responsável Situação Nº de famílias atingidas Potencial energético

(MW)

Tucuruí 1975 1984 Eletronorte Em operação 10.000 3960 Serra da Mesa 1990 1998 Furnas e Votorantim Em operação 3.000 1275

Lajeado 1997 2001 EDP de Portugal ou Energias do Brasil Em operação 4.969 850

Cana Brava 1998 2002 Tractebel Em operação 1.400 450

Peixe Angical 2001 2006 EDP de Portugal ou Energias do Brasil Em operação 1.000 450

São Salvador 2002 2009 Tractebel Em operação 700 224*

Estreito 2007 2011 Tractebel, Vale, Alcoa e Camargo Corrêa Em operação 5.000 1087

Tocantins - - EDP de Portugal ou Energias do Brasil

Estudo de viabilidade 2.500 520

Tupiratins - - Projeto Estudo de viabilidade 3.000 820

Serra Quebrada - - Projeto Estudo de viabilidade 7.000 1328

Marabá - - Projeto Estudo de viabilidade 2.000 2016

58.569 Fonte: Araujo (2003) e Fonshiera (2009). Org: Lucione Souza Batista

52

3.1. O Conflito em torno do acesso a terra e pela água na Região Sul do Tocantins

A região Sul do Tocantins tem um histórico de grilagem de terras e, em consequência,

de expulsão e expropriação de camponeses, índios, posseiros etc. jagunços, latifundiários,

madeireiros ou somente coronéis, sendo fiel à nomenclatura regional são temidos e diante da

cultura da impunidade continuam reinando nessa terra sem lei. Muitos dos camponeses expulsos

de suas terras foram para cidades, vilas ou se transformaram meeiros, vaqueiros, arrendatários,

parceiros nas propriedades nas margens do rio Tocantins, do rio Palmas e rio Paranã. Esses

camponeses, também chamados de ribeirinhos, vivem do plantio de vazante, da pesca e do

extrativismo vegetal, encimados, pois, em hábitos e vida simples, porém com (bio)diversidade

produtiva e cultural.

Na área de abrangência do reservatório de São Salvador (Figura 1) há uma grande

quantidade de famílias que não tinham documento de propriedade da terra na qual residiam e/ou

trabalhavam. O número de famílias com documentos legais de propriedade da terra era ínfimo,

sendo, pois, na maioria das vezes, grandes proprietários, no entanto, a maioria da população

atingida é de famílias de sem terras, ou seja, são posseiros e ocupantes. (Gráfico 1).

Gráfico 1- Tipos de camponeses atingidos pela barragem

77%

6%11% 6%

ocupante proprietário meeiro arrendatário

Fonte:  Relatório  socioeconomico da Usina Hidrelétrica de São Salvador, 2006.Org: Lucione de Souza Batista

53

As famílias atingidas, na maioria se encontravam em uma das seguintes condições:

camponeses ribeirinhos, que viviam de uma agricultura de subsistência, de pesca e coleta de

frutos; os camponeses meeiros, arrendatários, parceiros; assalariados rurais ou vaqueiros.

(Gráfico 1). Outros grupos atingidos foram os dragueiros - que exploravam areia e seixo - e os

garimpeiros - que faziam extração do ouro.

Fator marcante que ocorreu na UHE São Salvador foi que as famílias que já tinham sido

atingidas em outros empreendimentos hidrelétricos, como Cana Brava (GO) e Peixe Angical

(TO), e que migraram para a área que posteriormente foi atingida pela UHE São Salvador,

voltaram a ser atingidas novamente. Alguns viam nessa nova barragem uma oportunidade de

recuperar o que tinham perdido nas anteriores, pois quem tinha o controle da UHE de Cana Brava

foi a mesma empresa que construiu a UHE São Salvador. Dentre esses grupos podem-se citar

funcionários públicos, comerciantes, pessoas desempregadas da região, balseiros, garimpeiros,

dragueiros, ribeirinhos, entre outros.

A diversidade dos grupos atingidos dificultou a formação do MAB na região Sul do

estado do Tocantins, onde além da UHE de São Salvador foi construída, anteriormente, a UHE de

Peixe Angical, cujo lago que também atingiu também o município de São Salvador, e de fato, foi

o início das ações do MAB naquela porção do estado de Tocantins, tendo à frente os camponeses

ribeirinhos como protagonistas.

A construção da usina hidrelétrica de Peixe Angical, iniciada em abril de 2002, ficou

interrompida por cerca de um ano até ser retomada em outubro de 2003, com a entrada de

FURNAS na Sociedade de Propósito Específico da Enerpeixe, hoje formada pelas Energias do

Brasil (Grupo EDP /Energias de Portugal), com 60% de participação, e FURNAS, com 40%,

totalizando investimentos de R$ 1,6 bilhão.

É nesse cenário que o MAB vem discutindo e trabalhado com as comunidades atingidas

ou ameaçadas pelos grandes projetos. Segundo Zitzke, (2009, p. 283).

Os projetos de grande escala, no Tocantins, caracterizam os processo de ocupação territorial e de expansão econômica provocando impactos ambientais e sociais e os conflitos estabelecidos entre os empreendedores e os impactados no processo de compensação ambiental e inserção sócio-econômico e regional.

Esse é o modelo de desenvolvimento que o Estado brasileiro, junto com a iniciativa

privada, projetou para o país. E nesse modelo, o projeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins vem

numa perspectiva de um “megaprojeto”, ligado a um complexo de infra-estrutura de transporte de

54

caráter multimodal - rodovias, ferrovias e hidrovias. Porto-Gonçalves (2008) destaca que não há

dúvida que um dos principais objetivos dos megaprojetos são: o controle da água, da terra e da

biodiversidade em geral. Esse autor escreve que:

Contam, ainda, esses grandes complexos corporativos com forte apoio do Estado brasileiro que dispõe de instituições públicas que operam gerando as condições gerais de produção (estradas, energia, comunicações, financiamento), como é o caso do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social- (note-se que o S de Social está oficialmente em letra minúscula) que dispõe anualmente de mais recursos financeiro que o próprio Banco Mundial (PORTO-GONÇALVES, 2008, p. 204).

A abundância de recursos naturais existentes na bacia hidrográfica Araguaia-Tocantins,

especialmente os hídricos, confere à mesma um caráter estratégico no contexto nacional. Além do

avanço das atividades ligadas á agropecuária e da exportação mineral, o aproveitamento do

potencial hidrelétrico e as possibilidades do desenvolvimento do transporte hidroviário, para o

escoamento da produção agrícola regional de exportação em direção aos portos do norte, são

visto como oportunidades de investimentos apontados como prioritários no contexto do

planejamento nacional para essa bacia.

Nessa conjuntura surgem vários conflitos sociais, pois os grandes projetos de infra-

estrutura têm causado o desalojamento de milhares de famílias, que sofrerão drásticas mudanças

no seu modo de vida. Segundo os levantamentos em 2000 pelo MAB, realizado em cada

barragem, estima-se que apenas no leito principal do rio Tocantins, somando-se a população já

reassentada por hidrelétricas e dos futuros atingidos por novos empreendimentos, chegaremos a

aproximadamente 45.000 famílias.

Para Porto-Gonçalves (2008) a construção de grandes obras está presente no país a longa

data.

O Brasil não só detém as maiores empresas da região como tem uma larga experiência Tecnológica, consolidada desde a construção de Brasília e, sobre tudo, no período da ditadura, quando grandes hidrelétricas e grandes eixos rodoviários foram construídos, com sérias implicações socioambientais, particularmente no Cerrado e na Amazônia. (p.211)

55

Nesse contexto é importante destacar que é uma grande perda para essas famílias terem

que abandonar suas residências e comunidades onde construíram suas histórias, mas o problema

se agrava, pois terão ainda que lutar para conseguirem uma indenização justa. Uma considerável

parcela dessa população não consegue nenhum tipo de indenização, pois se estimam que 70% das

famílias não são indenizadas.

3.2. As formas de organização e luta dos Atingidos por Barragens em São Salvador

As formas de resistência que os atingidos implementaram diante da determinação da

empresa responsável pela construção da barragem de São Salvador, impediu a aceitação das

imposições por parte da empresa. Enquanto foram barrados ou mesmo impedidos de se

organizarem, livremente, as populações atingidas fizeram diversas manifestações, inclusive com

a construção de acampamento em frente ao canteiro de obras, bloqueando a estrada principal que

dava acesso dos trabalhadores a Usina durante três dias, bem como na própria cidade de São

Salvador.

O motivo de estabelecerem um acampamento seria para exigir o pagamento de

indenização para todas as famílias atingidas. A mobilização como forma de garantir os direitos foi

a opção que norteou a organização das famílias. O conflito se intensificou quando os

proprietários de terras, os meeiros, ocupantes, arrendatários, dragueiros e garimpeiros3 da região,

juntaram-se no acampamento, incorporando e fortalecendo a luta contra os empreendedores.

(Foto 10).

3 Arrendatários, meeiros e ocupantes são famílias de camponeses sem terras, que têm como principais atividades são o plantio de vazantes, o extrativismo e entre outros a criação de animais. Já, os dragueiros e os garimpeiros são trabalhadores que desenvolvem atividade de mineração na extração de areia, seixo e ouro no leito do rio Tocantins.

56

Foto 10 - Acampamento dos Atingidos pela Barragem de São Salvador

Fonte: Arquivo pessoal Rosimaria Gonçalves.

No dia a dia, as famílias vivenciaram situações de muita tensão, com a presença da

polícia, que de intimidar, também agiu para inibir ações das famílias atingidas. Em momento de

acirramento dos ânimos, a presença da tropa de choque da Polícia Militar do Tocantins, expressou

mais uma vez no Brasil, no rol da lista suja da truculência, a prepotência da burguesia e do

Estado, quando utilizam de todas as armas para manter seus interesses acima de tudo e de todos.

(Foto 11).

Como podemos ver na matéria do Jornal do Tocantins publicado no dia 13 de setembro

de 2007:

Os manifestantes desbloquearam ontem á tarde a estrada que dá acesso à Usina Hidrelétrica (UHE) de São Salvador, a 362 quilômetros de Palmas, no sudeste do Estado, depois que juíza de Palmeirópolis, Renata Teresa da Silva, determinou a liberação da rodovia. Por volta das 16h30 os populares liberaram a pista, cantando o Hino Nacional enquanto retiravam pedras, galhos e corda que impediam o acesso a obras da UHE para os caminhões de carga e funcionário da empresa (MACEDO, 2007, paginação irrregular).

57

Foto 11- Presença da Polícia Militar no Acampamento dos Atingidos por Barragem

Fonte: Arquivo pessoal Rosimaria Gonçalves.

Outro aspecto importante a destacar é que a falta de critérios para a indenização das

famílias atingidas dificultou e intensificou o conflito, uma vez que, haviam discordâncias entre os

atingidos e a empresa, referente ao marco em que deveriam se basear para referenciar as

indenizações e os critérios de pagamento.

Para o MAB o período de referência e a amplitude das perdas deveriam compor um

conjunto de quesitos, que por sua vez, estariam vinculados ao início das obras, ou seja, março de

2006. Enquanto a empresa insistia que o parâmetro deveria ser o cadastro sócio-econômico

realizado a partir, de fevereiro de 2003, e que contemplava menos da metade das famílias

efetivamente atingidas, tendo em vista tratar-se de uma área que registra movimentos migratórios

constantes, devido à construção de hidrelétricas, tanto a montante quanto à jusante de São

58

Salvador.

Como não houve consenso entre as partes, as famílias decidiram que deveriam se

mobilizar para tentar garantir seus direitos. Foi então, que em 10 de Setembro de 2007 iniciou-se

um acampamento em frente ao canteiro de obras, com mais de 500 famílias atingidas,

interditando o acesso dos trabalhadores ao canteiro de obras.

Esse conflito entre ribeirinhos e a empresa multinacional, já vinha de vários anos porque

a mesma não queria reconhecer os atingidos, pois argumentava que o parâmetro deveria ser o

levantamento manipulado por ela, que registrava poucas propriedades atingidas. Por isso que no

período do acampamento, além dos momentos tensos, com exacerbação dos enfrentamentos,

houve momentos de formação política, com palestras, discussões, de troca de experiência com

lideranças dos atingidos das barragens de Peixe Angical e Lajeado. Também ocorreram reuniões

com representantes do empreendimento, do Ministério Publico Federal e Estadual, visando

organizar um acordo sobre o impasse existente.

Esse acampamento permaneceu por dois meses, até que ocorreu um acordo entre os

acampados e os responsáveis pelo empreendimento, na qual os garimpeiros e dragueiros não se

encaixavam, por que a empresa dizia que eles não tinham documentos das áreas por isso não

tinham direito a indenização.

Nesse caso os atingidos puderam contar com o apoio dos órgãos fiscalizadores, tais como:

Ministérios Públicos (federal e estadual) na realização de inúmeras audiências públicas, além de

ações diárias como as negociações e as participações dos atingidos, garantidas, nas diversas

comissões e reuniões para tenta re sorver o impasse entre partes.

Como podemos destacar no depoimento de Flávio Gonçalves dos Santos (coordenador do

MAB, 2011): “esta luta não está sendo fácil, pois ela é construída cotidianamente nas derrotas e

nas vitórias, mas com um objetivo principal: a construção de uma sociedade justa e igualitária

onde haja distribuição eqüitativa das riquezas”. (Entrevista)

O conflito continuou, mas parte das reivindicações foram resolvidas a partir de alguns

critérios. Para as famílias serem indenizadas, a primeira exigência era morar em área alagada até

01 de julho de 2005; e o segundo e ter vínculo com a terra e ser essa sua principal fonte de renda,

além da família morar a sua principal fonte de renda fosse agricultura e criação de pequenos

animais.

Para Santos (2010), as famílias que contemplassem esses critérios estabelecidos e fossem

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proprietárias, teria o direito ao reassentamento em uma área de 80 hectares, e além dos diversos

benefícios, uma carta de crédito no valor de R$ 74 mil, junto com indenização das benfeitorias.

As famílias ocupantes, arrendatários, meeiros e filhos casados que tinha dezoito anos e

que e se enquadrassem nos critérios estabelecidos, tinham o direito a um reassentamento de 27,3

hectares com, casa que o tamanho e de acordo com o número de pessoas da família que morava

na casa, o lote todo cercando com divisórias e terras preparadas por dois anos e parte da terra

formada e assistência técnica por dois anos por conta da empresa responsável pelo o

empreendimento ou uma carta de credito de R$ 74 mil. (Quadro 3).

Quadro 3 - Tipos de indenização de São Salvador do Tocantins

Tipo de indenização Critério Amplitude Carta de credito, Reassentamento e

indenização Ocupante, Meeiros, Aredatarios,

Parceiro. Carta de credito de 74 mil reais ou indenização das bem feitorias ou Reasentamento de 27.30 hectares

Indenização ou Reassentamento Proprietários Indenização ou Reassentamento de 80 hectares

Indenização em dinheiro Os donos de balsa, Garimpeiros e dragueiros

100 mil reais

Indenização Os trabalhadores das balsas 10 mil reais Fonte: Movimento dos Atingidos por Barragens (2002). Org: Lucione Souza Batista, 2011.

As formas de indenização registradas no Quadro 5, são produto de muita luta e

organização. Nesse sentido, a fim de avaliar quais famílias se enquadravam nos critérios

estabelecidos, crio-se o Grupo de Trabalho (GT), composto por integrantes dos órgãos e

entidades, cujo intuito era estudar os casos de cada família atingida, incluindo o levantamento de

documentos como as visitas e as entrevistas com cada atingido, para assim selecionar as famílias

que se enquadravam nos critérios estabelecidos.

Os garimpeiros e dragueiros não contentes por não serem enquadrados no processo de

indenização, iniciaram um acampamento dentro da cidade de São Salvador, localizado em frente

ao escritório da empresa construtora da UHE. Para esses grupos de trabalhadores, os demais que

já tinham sidos indenizados, se acovardaram, pois com o advento da indenização, os mesmos

acabaram-se esquecendo da luta que até então tinha sido conjunta.

Após várias semanas de intensas negociações, os dragueiros e os garimpeiros que

totalizavam 14 balsas, apenas tiveram o reconhecimento de 10 balsas pela empresa, sendo que em

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cada balsa trabalhavam 10 pessoas. O que ficou definido foi que cada proprietário de balsa

receberia R$ 100.000,00, e os trabalhadores receberiam R$10.000,00 cada.

Para a região do Tocantins foi uma conquista histórica e para o MAB, mais do que uma

conquista material foi um marco do ponto de vista da luta de resistência e dos enfrentamentos

com o capital e o Estado e, consequentemente, os significados para os trabalhadores que foram

atingidos pelas demais obras, na região. Isto é, em outras UHEs como, por exemplo, Peixe

Angical, Cana Brava e Serra da Mesa, os garimpeiros e os dragueiros ainda não foram

indenizados.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscamos com esse trabalho apresentar um debate sobre os conflitos gerados devido a

implementação de um Projeto de Grande Escala para Geração de Energia Elétrica. A implantação

desse projeto se baseia num discurso de desenvolvimento regional que o mesmo proporciona: a

geração de empregos, impostos para os Governos Estaduais e Municipais, oportunidades e

crescimento para região. Também, buscamos avaliar as influências que o mesmo tem sobre as

políticas públicas locais e regionais, e os impactos que exerce sobre as comunidades no que diz

respeito às questões sociais, culturais e econômicas.

Este trabalho apresenta o processo de organização do MAB, e identifica a contribuição da

geografia nesse processo. Reconhecendo que só através da luta e da busca permanente da

organização tem-se garantido os direitos destas famílias relocadas. Direitos esses entendidos

como reparações e compensações por terem sido expulsas de suas terras e obrigadas a conviver

em um novo território, tendo que se desvencilhar de suas raízes, seus vínculos de amizade e sua

identidade cultural e territorial.

Acreditamos que a pesquisa em geografia tem muita a contribuir para o entendimento dessa

realidade. A partir da consideração dos movimentos sociais enquanto o objeto de estudo da

geografia e reconhecendo a geografia como uma ciência social, a mesma está intimamente

relacionada com a discussão dos problemas ocasionados pelos grandes projetos de

desenvolvimento, nesse caso, os projetos de barragens.

No processo de formação política dos atingidos por barragens, a geografia pode contribuir

de diferentes maneiras, desde a informação simples dos impactos sobre o território, até questões

mais complexas como análise política e econômica da realidade.

É importante destacar que há uma fragilidade das comunidades para enfrentar os grandes

projetos que estão previstos para os Estados do Tocantins, Maranhão e Pará, pois há uma

dificuldade para entender a implantação desses projetos nessa região, bem como no que diz

respeito a organização dessas famílias para enfrentá-los.

Há também uma fragilidade no MAB por não ter condições de acompanhar todas as

comunidades onde tem projetos de barragens no estado, porque são muitas. É importante destacar

que o movimento vem investindo em cursos de formação de militantes, tanto em nível médio

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quanto em nível superior para fortalecer o processo de organização e lutas dos atingidos por

barragens no Tocantins.

O MAB tem um grande desafio para a região Norte, devido a grande quantidade de projetos

de infra-estrutura que já foram planejados ainda na década de 1970, no período da ditadura

militar. Esses projetos vêm no sentido de viabilizar a expansão e circulação de mercadoria, porém

com um discurso de desenvolvimento regional.

O governo brasileiro, com as privatizações e financiamento das infra-estruturas via o

BNDS, vêm só fortalecendo as multinacionais que exploram os trabalhadores que trabalham nos

empreendimentos. Além de não pagarem os direitos de quem foram atingidos, tanto nos projetos

de hidrelétricas com em outros: ferrovias, hidrovias, rodovias, portos, aeroportos e nos projetos

de irrigação nos plantios de soja que já expulsaram muitos camponeses.

O Estado brasileiro dá todas as condições para as empresas se instalarem nos

empreendimentos. Um exemplo que podemos citar é que a Força Nacional permaneceu durante a

construção da barragem de Estreito, durante meses para evitar que os atingidos ocupassem o

canteiro de obra da barragem. Isso mostra que o Estado está a serviço do capital internacional.

Hoje, com o capital mundializado e os governos a serviço das empresas, fica difícil de

organizar os atingidos, por que há uma disputa pelo território onde são vários os sujeitos que

estão envolvidos. Isso causa uma dificuldade de entendimento da realidade pelos sujeitos e as

instituições envolvidas: nas populações atingidas, no movimento, nas prefeituras, no governo do

estado, nas organizações não governamentais, etc. Neste conflito, temos, por parte das empresas,

os advogados dizendo que garante a indenização das famílias e a própria empresa com o discurso

de que vai cumprir a lei e a legislação ambiental, É no interior desse conflito que vivem os

atingidos por barragens ou atingidos por outros empreendimentos de infra-estrutura.

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