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Câmpus de Presidente Prudente
CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (LICENCIATURA E BACHARELADO)
PARCERIA: ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES CONVÊNIO: UNESP/INCRA/PRONERA
LUCIONE SOUZA BATISTA
DISPUTA TERRITORIAL EM FUNÇÃO DA CONSTRUÇÃO
DA UHE SÃO SALVADOR
LUCIONE SOUZA BATISTA
DISPUTA TERRITORIAL EM FUNÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA UHE SÃO SALVADOR
Monografia apresentada ao Conselho do Curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente, para obtenção do título de Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior
PRESIDENTE PRUDENTE 2011
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado a duas pessoas muito
especiais na minha vida: a minha esposa, Elza
Mateus, e a minha filha, Ana Beatriz.
Energia pra quê e pra quem?
Estão gerando energia pode ser ilusão
O povo paga a conta e tem medo de apagão
Usa o sol, a água o vento e o carvão
Querendo fazer barragem dizendo ser a solução
E, e, e, e, e, energia é um bem da humanidade
Não é mercadoria e deve estar a serviço da soberania
Expulsa o povo da terra sem nenhuma compaixão
Entre o grupo a tingido desmantela a relação
A energia produzida vai parar em poucas mãos
E ali perto da barragem o povo está na escuridão
A energia produzida quem controla é o capital
A apropriação é privada e a produção é social
Onde o povo que trabalha ganha pouco e vive mal
E o governo brasileiro do sistema é serviçal
Este modelo pra energia ao nosso povo não convêm
É uma mercadoria e deveria ser um bem
Quem mora perto da barragem quer energia e não tem
Então esta energia é para quê para quem!
Jadir Bonacina-MAB
Valter Israel da Silva-MPA
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Movimento dos Atingidos por Barragem, por me propiciar a oportunidade
de estudar e concluir um curso de nível superior, bem este muito renegado a classe trabalhadora.
Sei que estes momentos foram muitos difíceis para todos, gostaria de agradecer a minha
esposa Elza Mateus e minha filha Ana Beatriz, pela compreensão nestes momentos em que
passamos longe, mas que certamente serão recompensados.
Aos meus pais que muito me apoiaram para estudar, seja cuidando de meus afazeres nos
períodos em estava na escola, seja com recursos financeiros nas horas necessárias.
Sou grato ao meu orientador, o professor Antonio Thomaz Junior, por aceitar o convite
em orientar-me, sempre contribuindo com suas sugestões na hora da realização da pesquisa e na
conclusão deste trabalho.
Agradeço também ao professor Atamis Foschiera, por suas contribuições em
disponibilizar laboratórios, livros, e co-orientar- me no desenvolvimento da pesquisa.
Quero destacar a importância do monitor Leandro Nieves no processo de reorganização
e revisão do texto, na ajuda com as tabelas, na produção de figuras e etc.
Gostaria de agradecer a cada ribeirinho que me acolheram em suas casas; e muito
contribuíram, com suas simplicidades, com as informações necessárias para a realização da
pesquisa.
Em especial quero agradecer os companheiros da turma Milton Santos, pois nessa longa
caminhada e convivência apreendemos muitos nos espaços coletivos.
Aos militantes do MAB do Tocantins que me ajudaram de diferentes formas, com
estruturas, materiais didáticos, nas entrevistas, reuniões e debate entre outros.
Também os meus agradecimentos aos companheiros da Escola Nacional Florestan
Fernandes pelos espaços cedidos durante os cinco anos. Agradeço ao Professores da UNESP de
Presidente Prudente pela contribuição no curso, e os demais professores que deram aulas a turma
Milton Santos.
RESUMO
O presente trabalho buscou compreender a disputa territorial provocada pela construção da
barragem de São Salvador no sul do estado do Tocantins. Assim, analisamos os conflitos
estabelecidos entre as empresas e as populações atingidas, utilizando como elementos de análise
os seguintes pontos: os incentivos governamentais aos grandes projetos hidrelétricos; os impactos
causados na região; e a organização dos atingidos que culmina na formação do MAB - Tocantins.
Também, buscamos analisar as conquistas do MAB-TO como: a garantia das indenizações, das
cartas de créditos e dos reassentamentos para os povos ribeirinhos e os trabalhadores da
mineração.
Palavras-chave: disputa territorial; movimentos sociais; luta de classes, atingidos por barragem
RESUMEN
El presente trabajo buscó comprender la disputa territorial en función de la construcción de la
represa de San Salvador en el Sur del estado de Tocantins. Por eso, analizamos los conflictos
establecidos entre las empresas y las poblaciónes afectadas utilizando como elementos de
análisis: los incentivos del gobierno a los grandes proyectos de la represa; los impactos en la
región; y la organización de los afectados que resulta en la formación del MAB – Tocantins.
También, buscamos analizar las conquistas del MAB – TO como: la garantia de las
indenizaciones, las cartas de créditos e de los reasentamientos para los pueblos ribeirinhos e los
trabajadores de la minería.
Palabras-clave: disputa territorial; movimientos sociales; lucha de clases, atingidos por embalse
LISTA DE SIGLAS
.
ANCJ Associação Novo Caminho Juvenil
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CCM Camargo Corrêa Metais
CIMI Conselho Missionário Indigenista
CIVAT Comissão Inter-Estadual dos Vales do Araguaia
CNBB Comissão dos Bispos do Brasil
CONESP Concessionária de Serviços Público
CONSAUD
E Comunidade de Saúde e Desenvolvimento e Educação
COOPEXE Consórcio dos Proprietários e Ocupante de Imóveis Urbanos e
Rurais Atingidos pelo o Aproveitamento Hidrelétrico de Peixe Angical
CPT Comissão Pastoral da Terra
CUT Central Única dos Trabalhadores
DEMA Departamento de Meio Ambiente
EDP Energia de Portugal
EFA Escola Família Agrícola
EIA Estudo de Impacto Ambiental
ENERAM Estudos Energéticos da Amazônia
FETAET Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do
Tocantins
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFAS Instituto de Formação Sindical
LI Licença de Instalação
LP Licença Previa
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MAE Mercado Atacadista de Energia
MPE Ministério Público Estadual
MPF Ministério Público Federal
NATURAT
NS Instituto de Natureza do Tocantins
ONG Organização não Governamental
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PCH Pequenas Centrais Hidrelétricas
PIN Programa de Integração Nacional
PNMA Política Nacional de Meio Ambiente
PPP Parceria Público Privado
PRODIAT Projeto de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Araguaia
PT Partido dos Trabalhadores
RIMA Relatório de Impacto Ambiental
SPVA Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônica
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
UHE Usina Hidrelétrica
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - A área total e os municípios atingidos pela Usina Hidrelétrica de São Salvador ........................................ 22
Tabela 2 - Número de barragens planejadas para o leito principal do rio Tocantins na década de 70 e 80 .................. 49
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa de localização dos municípios atingidos pela UHE São Salvador .................................................. 267
Figura 2 - Divisor de águas do rio Tocantins e do rio Araguaia ............................................................................... 136
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1- Tipos de camponeses atingidos pela barragem ......................................................................................... 524
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Usinas Hidrelétricas projetadas para afluentes do Rio Tocantins e Araguaia ............................................ 48
Quadro 2 - Os projetos de construção de barragens no Rio Tocantins ......................................................................... 53
Quadro 3 - Tipos de indenização de São Salvador do Tocantins ................................................................................. 61
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - A Usina Hidrelétrica de São Salvador............................................................................................................ 24
Foto 2 - Passeata no Dia Internacional dos Atingidos por barragem. ........................................................................ 335
Foto 3 - Manifestação em Porto Nacional, para garantir a educação e boas nos Reassentamentos, em 2003. ........... 346
Foto 4 - Essa foto foi tirada numa reunião no reassentamento flor da Serra onde o MAB tentava trabalhar com um grupo coletivo de produção. ...................................................................................................................................... 357
Foto 5 - Curso de militância do MAB, realizado na Escola Família Agrícola de Porto Nacional – Tocantins. Fonte: arquivo da Secretaria do MAB ................................................................................................................................... 367
Foto 6 - Manifestação realizada na ponte que liga o estado de Tocantins ao Maranhão .............................................. 40
Foto 8 - Reunião do grupo de base na região Sul do Estado do Tocantins. .................................................................. 41
Foto 9 - Ocupação da Barragem de Peixe Angical, 2004. .......................................................................................... 423
Foto 10 - Acampamento dos Atingidos pela Barragem de São Salvador. .................................................................... 58
Foto 11- Presença da Polícia Militar no Acampamento dos atingidos por barragem ................................................. 579
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1 ‐ O MODELO ENERGÉTICO DAS GRANDES OBRAS (UHE) NO BRASIL E O HISTÓRICO RECENTE
DO SETOR ELÉTRICO .............................................................................................................................................. 15
CAPÍTULO 2 ‐ A USINA HIDRELÉTRICA DE SÃO SALVADOR NO CONTEXTO DOS CONFLITOS, DAS LUTAS E
DAS AÇÕES DO MAB ............................................................................................................................................. 22
2.1 ‐ A FORMAÇÃO DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGEM EM NÍVEL NACIONAL ........................................... 27
2.2. O MAB NO TOCANTINS: TERRITÓRIO, ACÚMULO DE FORÇAS E AÇÕES ................................................................... 31
2.3. A FORMAÇÃO DO MAB NA REGIÃO SUL DO TOCANTINS ..................................................................................... 39
CAPÍTULO 3 ‐ OS EFEITOS TERRITORIAIS DOS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS PROTAGONIZADOS PELA
CONSTRUÇÃO DAS UHES NO TOCANTINS ............................................................................................................. 45
3.1. O CONFLITO EM TORNO DO ACESSO A TERRA E PELA ÁGUA NA REGIÃO SUL DO TOCANTINS ....................................... 52
3.2. AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E LUTA DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS EM SÃO SALVADOR ..................................... 55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................. 63
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APRESENTAÇÃO
Sou filho de camponês sindicalista da década de 1980. Sempre estudei em escola do
campo. No Ensino Médio cursei a Escola Família Agrícola de Porto Nocional-TO.
A minha militância teve início em 1998 na pastoral da Juventude Rural (PJR) onde
estive durante dois anos na organização dos jovens no município de Porto Nacional tentando
trabalhar a formação da juventude camponesa.
A minha inserção no movimento dos atingidos por barragens foi devido a construção da
barragem de Lajeado, porque parte da minha família foi atingida. Assim, inicia-se a minha
história de luta, de participação no MAB, especificar que já dura mais de dez anos contribuindo
no estado do Tocantins onde há projetos de barragens. Na região sul do Tocantins foi onde
vivenciei a minha primeira experiência de luta? Mas, participei, também, em outra região para
fazer os trabalhos de base nas comunidades que seriam atingidas pela barragem de Peixe. Esta foi
uma experiência desafiadora que a mim me possibilitou contribuir em todo o estado do
Tocantins, e parte do Maranhão, na divisa onde passa o rio Tocantins. Quais experiências
ocorreram no Maranhão?
É importante destacar que foi através da minha história de militância no MAB do estado
do Tocantins que me tornei estudante do Curso de Geografia da UNESP, em parceria com o
INCRA/PRONERA, a Via campesina e a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).
O tema de pesquisa foi escolhido devido ao fato de eu ser de uma região que teve uma
grande concentração de pessoas que foram atingidas pelas barragens de Canabrava e Peixe
Angical, ambas no Tocantins. O conflito nesta região foi bastante complexo tendo em vista a
diversidade das populações atingidas.
Nesse trabalho que apresento, discutindo o processo de formação do MAB em Tocantins
e as formas de organização e de luta que o movimento vem construindo durante esses dez anos,
processo este que tive a oportunidade de estar presente, tanto em todas as mobilizações que
ocorreram durante esse período eu estava presente: nos trabalhos de base, nas ocupações, nas
machas, nas passeatas entre outro as ações.
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INTRODUÇÃO
Nesse trabalho, apresento aspectos e recentes do setor energético brasileiro, que estão
baseados na construção de grandes usinas hidrelétricas para produção de energia elétrica.
Faremos esta reflexão abordando dois momentos: o primeiro é o período em que o Estado
brasileiro investia nas empresas estatais, e o segundo é quando o Estado Brasileiro começa a dar
sinais de fraqueza e inicia-se um processo de privatização das empresas estatais.
Este novo modelo de desenvolvimento que o governo brasileiro, juntamente com a
iniciativa privada, projetou para o Brasil, é um modelo em que o governo passa a dar todas as
condições para as empresas multinacionais se instalarem nas regiões consideradas como sendo
“mais isoladas” do país, oferecendo incentivos fiscais, e até isentando dos impostos as empresas,
tendo como pressuposto para tal atitude um ideal desenvolvimentista. O governo brasileiro, via o
BNDS, financia os projetos à longo prazo com recursos públicos.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou vários
projetos de infra-estrutura no estado do Tocantins. E um dos financiamentos foi a construção da
Usina Hidrelétrica de São Salvador (Figura 1), cujo empreendimento gerou diversos conflitos
sociais instigando à desterritorialização dos povos ribeirinhos, que residiam às margens do rio
Tocantins.
A barragem de São Salvador atingiu cinco municípios. É importante destacar que essa
região teve uma concentração, também, de atingidos de outras barragens, tanto a jusante quanto a
montante, e são pessoas que moravam às margens do rio. Outra característica dessa região é que
não foram atingidas as cidades, somente o campo. No entanto, essa região é, predominantemente,
ocupada por grandes proprietários de terras.
No estado do Tocantins, foram planejados vários projetos de barragens, e na região Sul
do estado foram construídas duas hidrelétricas: a de Peixe Angical e de São Salvador onde
realizamos a pesquisa. Há uma dezena de barragens para serem construídas nos afluentes dos rios
Tocantins e Araguaia.
Nesse trabalho, apresentamos um histórico da organização dos atingidos por barragem
no Brasil. Explicando onde se iniciou as primeiras manifestações dos atingidos. Estes eram
grupos isolados em cada localidade, ou seja, não tinham uma territorialização em rede. Outro
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momento, já diz respeito a quando esses atingidos conseguem construir uma unidade em nível
nacional, tornando um movimento nacional dos atingidos por barragens.
Figura 1 - Mapa de localização dos municípios atingidos pela UHE São Salvador
Com o surgimento de vários projetos de barragens no Tocantins, o MAB destinou
militantes para essa região. É no contexto dos grandes projetos que o movimento se consolidou
no estado desde 1998 até os dias de hoje. No estado do Tocantins, o MAB se territorializou nas
três regiões: Norte, Central e Sul do estado, constituindo uma divisão territorial do movimento
devido a grande quantidade de projetos de barragens.
Os planejamentos das décadas de 1970 e 1980 que tinham como objetivo o
desenvolvimento da região norte do Brasil, hoje estão sendo concretizados pelo governo
brasileiro que, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, vem viabilizando o
financiamento dos projetos de infra-estrutura via o BNDES.
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Neste contexto, é que identificamos que há um conflito entre o MAB e os grandes
projetos hidrelétricos nessa região. Neste conflito, como estratégias de luta do movimento contra
estes projetos, foram realizadas várias manifestações, acampamentos, machas, passeatas etc.
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CAPÍTULO 1 - O MODELO ENERGÉTICO DAS GRANDES OBRAS (UHE) NO
BRASIL E O HISTÓRICO RECENTE DO SETOR ELÉTRICO
O setor elétrico brasileiro apresenta momentos importantes, marcados pelas ações do
Estado e pelos investimentos das empresas estatais, numa época em que a maioria destas eram
empresas públicas. Destaca-se também nesse processo o fato de que o Estado brasileiro mudou
sua orientação e passou a conduzir o escandaloso processo de privatizações e as Parcerias Público
Privadas (PPP), logo no início dos anos 1990. E nesse contexto das construções de usinas
hidrelétricas (UHE) é que surgem os atingidos por barragens no Brasil e no Tocantins.
Uma das questões centrais que ocupava importância estratégica era a definição dos
papéis a serem reservados para a iniciativa privada (empresas e grupos nacionais e estrangeiros),
e a iniciativa estatal no âmbito das transformações estruturais que deveriam ser introduzidas no
sistema produtivo brasileiro (PINHEIRO, 2006).
O período compreendido apresenta como característica relevante a mudança no perfil da
indústria nacional, com uma significante perda de importância do setor tradicional de produção
de bens de consumo-não-duráveis e também com as indústrias de alimentos e têxtil - a formação
e um rápido crescimento de setores de bens de consumo duráveis, como indústrias de
eletrodomésticos, de bens de capital e insumos básicos - como as indústrias de aço, cimento,
produtos químicos, equipamentos elétricos de grande porte. Paralelo a isso se observou um
acelerado processo de urbanização conseqüente da industrialização e uma ampla difusão de bens
de consumo duráveis, como dos eletrodomésticos em geral.
Para Foschiera (2009, p. 88):
A produção de energia elétrica o Brasil surge, concomitantemente, ao período de transição de uma economia primária exportadora para uma economia industrial, diferenciando-se dos países centrais, onde a industrialização surgiu anteriormente ao desenvolvimento da eletricidade. Assim, não ocorreu no país a necessidade de reconversão das máquinas que eram movidas por energia a vapor para atenderem ao novo modelo energético. Da mesma forma a utilização da energia elétrica no Brasil se dá, praticamente, ao mesmo tempo em que ocorre nos países do Norte, onde esta tecnologia estava sendo criada e aperfeiçoada.
No entanto, abateu sobre o sistema uma crise energética de grande proporção, o que
exigiu a adoção de políticas de racionamento, com sérios problemas para o conjunto da economia
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e para os consumidores individuais. Essas dificuldades estenderam-se pela década de 1950, com
efeitos particulares no Sudeste, prolongando-se até os primeiros anos da década seguinte.
Segundo Foschiera (2009), o principal órgão responsável pelo cunho nacionalista da
política econômica governamental foi a Assessoria Econômica do gabinete da Casa Civil da
Presidência da República, formada em 1951. A assessoria tinha a tarefa de elaborar projetos para
a política nacional de energia, incluindo petróleo, carvão, energia elétrica, e fazer um balanço
econômico do país e do governo anterior. O Plano do Carvão Nacional e o projeto de criação da
Petrobras estabeleciam o monopólio estatal nesses setores.
Nesse caso, elaboraram-se outro projeto econômico: a regulamentação da incumbência
do BNDES, cuja finalidade era distribuir as quotas pertencentes aos governos e financiar os
investimentos no setor de energia elétrica, incluindo a indústria de material elétrico pesado.
Outros dois projetos de Lei elaborados sobre o tema foram: o de nº. 4.277, referente ao
Plano Nacional de Eletrificação, e o do nº. 4.280, que incide sobre a criação das Centrais
Elétricas Brasileiras S.A – Eletrobrás, encaminhados juntos ao Congresso Nacional em abril de
1954.
Com base no modelo as orientações da lei de criação da Petrobras, a Eletrobras foi
concebida como empresa pública de âmbito nacional, com seu capital inicial totalmente subscrito
pela União. A estatal tinha por encargo fundamental a execução dos empreendimentos previstos
no Plano Nacional de Eletrificação, de responsabilidade do Governo Federal. A atribuição da
Eletrobrás era a realização de estudo e projetos, a construção e operação de usinas e linhas de
transmissão, a implantação da indústria de material elétrico, associado ou não com capital
privado, nacional ou estrangeiro.
A efetivação da Eletrobrás, em junho de 1962, significou o início de profundas
transformações na estrutura do setor de energia elétrica. Já no início de suas atividades, a
Eletrobras foi chamada a participar da comissão de Nacionalização das Empresas
Concessionárias de Serviços Públicos (CONESP). Segundo Pinheiros (2006), a CONESP foi:
Criada em maio de 1962 [...] e tinha por objetivo indicar ao poder Executivo os serviços que deveriam passar ao regime de exploração direta pelo Estado, negociar as condições e a forma de recebimento ou indenização aos acionistas e outras (PINHEIRO, 2006, p.39).
A organização do setor elétrico e dos sistemas elétricos no Brasil ficou, então,
constituída, essencialmente, por 60 empresas concessionárias de energia elétrica, dentre as quais
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seis eram federais, 27 estaduais e as restantes privadas (PINHEIRO, 2006). Em agosto de 1987
foi criada a divisão de Meio Ambiente, posteriormente transformada em Departamento de Meio
Ambiente (Dema). Cabe destacar que tal iniciativa traduziu o reconhecimento, por parte da
Eletrobras, da relevância das questões relativas ao meio ambiente no âmbito do setor Elétrico. O
Dema tinha por objetivo coordenar o processo de planejamento ambiental no âmbito do setor,
tendo em vistas diretrizes traçadas pela política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), instituída
em 1981
O Setor Elétrico brasileiro apresentou um extenso período de crescimento no pós-guerra,
em especial no final dos anos de 1960 e ao longo dos 1970, que permitiu a constituição de um
setor sofisticado e centralizado, sob o poder do Estado no que concerne ao planejamento da
operação e do aporte de recursos para investimentos, segundo a política vigente e das dimensões
continentais.
No início dos anos 1980, o modelo centralizador começou a dar sinais de fraqueza
econômica e financeira. O período de crise que se instalou os fluxos financeiros setoriais e
desorganizou sua estrutura institucional. A razão da crise foi o desmonte do padrão de
financiamento do setor, que tinha nas fontes setoriais seu principal instrumento de financiamento,
tendo os recursos externos um papel complementar de garantir os fluxos de moedas fortes para a
importação de equipamentos não produzida no país.
Nesse sentido explica Foschiera (2009, p. 108):
Nos anos de 1980, o setor elétrico será afetado pela crise financeira que se instaura em escala mundial e sofrerá as conseqüências econômicas gerais da denominada ‘década perdida’. A política energética brasileira tinha nos financiamentos externos um importante pilar de sustentação. As crises do petróleo (1973 e 1979) levaram o governo a investir mais em hidrelétricas e termoelétricas, num momento em que os juros internacionais se ampliavam. As tarifas foram utilizadas como arma inflacionária, mantendo os reajustes dos preços abaixo da inflação, fazendo com que as receitas de algumas empresas estatais não cobrissem seus investimentos, necessitando recorrer a novos empréstimos, que com a Moratória do México, em 1982, tornou-se mais difícil sua obtenção e com juros maiores.
Os problemas no padrão de financiamento do setor elétrico ocorreram em função de uma
serie de fatores combinados. Inicialmente, com, a crise do petróleo, de 1973, desestruturou o
balanço de pagamentos e fez que o governo passasse a subsidiar com tarifas reduzidas e a
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implantação de indústrias substituísse o consumo de combustível por eletricidade nos processos
de industrialização em geral. Além disso, e a consumir em escala, era a propriedade que definia a
maior parte de investimentos, sendo as usinas de maior porte preferidas em detrimento das
menores, o que resultou em projetos enormes, demandantes de grandes dispêndios com ativos
fixos e longos períodos de maturação.
A partir de meados da década de 1980, o setor elétrico passou a ter que responder a uma
crescente mobilização de movimentos organizados e ambientalista, além de ser obrigada a
realização de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impactos Ambientais
(EIA/RIMA) para seus empreendimentos. Ainda como característica da crise, reflexos da
concentração de investimentos no seguimento de geração observada anteriormente, possa
apontadas progressivas em transmissão e distribuição e a deterioração da qualidade dos serviços
públicos em todas as regiões do país, principalmente as localidades, com menor numera de
habitantes.
A privatização do setor elétrico veio como uma liberação econômica conhecida como
reestruturação desse sistema, inserido no Programa Nacional de Desestatização, veio numa das
mais importantes diretrizes da política institucional e ajuste econômico proposta do governo
Federal de década de 1990. O marco inicial da liberação e privatização do Setor Elétrico foi à
promulgação da Lei 8.631/93, que dispõe sobre a fixação dos níveis das tarifas públicas de
energia elétrica e extingue o regime de remuneração garantida.
A reestruturação do setor energético brasileiro se deu numa reforma maior do estado que
ultrapassava os limites nacionais e tinha abrangência global, iniciou na década de 1980 até 1990 e
se estende até os dias atuais. E possível identificar as palavras que marca o discurso da
desconstrução do estado existente: desburocratização, descentralização, desestatização,
desnacionalização, reestruturação, privatização e entre outras, também existem palavra que dão
sentido ao novo modelo, concorrência, qualificação, flexibilização, integração etc.
Nesse novo modelo o estado passaria a reforça o modelo econômico capitalista
neoliberal, para reforçar e concretiza o mesmo, com nova forma de administrar e de implementar
as políticas neoliberais no país. O novo modelo energético foi criado com princípios comerciais
que incentivasse a concorrência e a participação dos usuários e empresas estatal os outros que se
adequará com o novo modelo energético. Como afirma Foschiera (2009, p.100)
Com o movimento geopolítico dos EUA, no sentido de direcionar seus investimentos na América Latina, uma nova realidade começa a se delinear,
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principalmente a partir da década de 1950. A necessidade de aumento de geração de energia elétrica se fez presente, pois o capital norte-americano vinha ampliando, de forma acelerada, seus investimentos no Brasil, principalmente por meio de indústrias multinacionais, o que elevaria ainda mais o consumo de eletricidade. Financiamentos foram colocados à disposição tanto para o setor público como para o privado para que se ampliasse a oferta de eletricidade; porém, o que predominou foram os investimentos do setor público. (p.100)
O novo modelo arquitetado baseou-se na desverticalização do sistema elétrico, ficando o
mesmo dividido em geração, transmissão, distribuição e o outro com a comercialização. Na
geração criou possibilidade de várias empresas pudessem atuar em todo território nacional com
os capitais interessados podendo competidos entre eles além dos preços, qualidade e quantidade
do produto seres regulados pelas leis do mercado.
Os consumidores de energia passaram ser divididos, em dois grupos: o consumidor livre
e o consumidor cativo. Os consumidores livres são os que têm o direito de escolher o fornecedor
de quem contratará sua compra de energia elétrica, podendo adquirir direto do grupo gerador, e
que essa energia seja de fontes alternativas de eletricidade como, eólica, solar, biomassa, e
Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH). O consumidor cativo é aquele que consome menos que
3.000MW/h e só pode comprar energia da distribuidora que atenda a região onde a energia é
consumida, a qualidade e o preço da energia são acompanhados pelo agente fiscalizador.
Para gerência a venda da energia elétrica foi criada o Mercado Atacadista de Energia
(MAE), funcionava como uma bolsa de mercadoria de eletricidade, na qual centralizavam os
negocio que envolvia a venda desse bem que e disputados pelo capital internacional. Para
Foschiera (2009, p. 113):
A reestruturação do setor energético brasileiro se deu no seio de uma reforma maior do Estado, que ultrapassava os limites nacionais e tinha uma abrangência global, e se iniciou na década de 1980, adentrou na de 1990 e se estende até os dias atuais.
No setor de geração de energia, as primeiras privatizações se iniciaram em 1997, com a
privatização da hidrelétrica Cachoeira Dourada, que pertencia às Centrais Elétricas de Goiás e,
posteriormente, seguida por aquelas instaladas no Rio Tietê e Paranapanema com a Eletro-Sul.
Nas privatizações, os pagamentos poderiam ser feitos com moedas corrente como também, partes
do valor poderiam ser pagas com dívidas contraídas.
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Na privatização das geradoras, a presença de capital internacional predominou quase na
sua totalidade e as novas hidrelétricas que passaram a ser construída depois do início das
privatizações, já foram no novo modelo energético, tendo o capital privado participação nas
obras.
Após uma década de reestruturação, os resultados alcançados foram dos piores, do ponto
de vista macroeconômico, e acarretaram muitos prejuízos concretos a economia e a sociedade
brasileira. A perda foi ainda maior do ponto de vista estratégico, com a renúncia, pelo Estado, do
papel de planejador e orientador de políticas para o setor Elétrico que e importante para o
desenvolvimento social e econômico do país.
É evidente que no Brasil a estratégia de dominação, por enquanto, não é com balas e
chumbo e nem com bombas, mas vem com o discurso da privatização, com o discurso de que
hidrelétricas, usinas de álcool, indústrias de celulose, entre outras, para o desenvolvimento do
país, para gerar empregos, e progresso que energia para evitar apagões. E nesse cenário que a
energia se transformou num dos principais problemas do atual modelo de sociedade,
principalmente nos países centrais, especialmente para as empresas multinacionais.
Hoje, no Brasil, a energia produzida, essencialmente, é resultado de aproveitamentos
hidrelétricos pelo setor elétrico brasileiro tem sido extremamente excludente no ato da construção
das barragens, havendo a necessidade de deslocar milhares de famílias de seu habitat natural,
uma vez que a implementação desses projetos é feita em áreas ocupadas por grupos de
pescadores, pequenas agricultores, extrativistas, quilombolas, povos indígenas, entre outros, que
residem nas áreas próximas aos rios para garantir sua sobrevivência, tendo em uma relação direta
com o rio e a natureza.
Segundo Cervinski (2007), os países desenvolvidos estão numa corrida para dominar as
fontes de energia que substituirão o petróleo, investindo na geração de energia, por meio de
empresas transnacionais, em países pobres ou periféricos. A estratégia dos países ricos é de
dominar o Brasil e a América Latina através das multinacionais e grandes Bancos, com um
discurso de investimento na região ou no país.
No Brasil já foram construídas mais de 2000 mil barragens, que expulsou mais de um
milhão de família das margens dos rios, sendo que cerca de 70% dessas não recebem nem um
tipo de indenização (CERVINSK, 2007). Considerando a possibilidade de construção de novas
UHEs, esse autor apresenta um estudo do governo Federal e da Eletrobrás que menciona que o
potencial hídrico do Brasil poderá proporcionar a construção de mais 1.443 barragens para
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geração de energia elétrica. O discurso que o governo e empresas divulgam nos meios de
comunicação é de que os empreendimentos são de interesse público, proporcionando, o
desenvolvimento e geração de emprego na região em que são instalados, mas na verdade, a
energia na sua grande maioria não é consumida pelo povo brasileiro, e sim por empresas
multinacionais que a utilizam na elaboração de produtos que, em boa parte, são exportados.
Um fato importante é que nos países ricos, os chamados desenvolvidos, não existem
mais rios ou leitos de água para construção de barragem, por isso o interesse de controlar os
recursos naturais, água, energia, minério e a biodiversidade dos países do terceiro mundo, por
intermédio de grandes grupos nacionais e estrangeiros que detém o monopólio das empresas de
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica (CERVINSKI, 2007).
22
CAPÍTULO 2 - A USINA HIDRELÉTRICA DE SÃO SALVADOR NO
CONTEXTO DOS CONFLITOS, DAS LUTAS E DAS AÇÕES DO MAB
Os conflitos e as lutas de resistência contrárias em relação à Usina Hidrelétrica de São
Salvador, motivados, pois, pelos impactos da construção e a identidade dos trabalhadores e
comunidades atingidas pelo represamento do reservatório, ocupam lugar central na nossa
pesquisa.
Projetou-se a UHE de São Salvador no trecho médio do rio Tocantins, sendo que seu
reservatório abrangia áreas na divisa dos Estados de Goiás (municípios de Cavalcante e Minaçu)
e Tocantins (municípios de Palmeirópolis e São Salvador do Tocantins, pela margem esquerda, e
Paranã, pela margem direita). O barramento está todo situado no estado do Tocantins. O
reservatório está localizado entre a UHE Cana Brava, a montante, no estado de Goiás, e a UHE
Peixe Angical, a jusante, no estado do Tocantins.
Segundo o Censo Demográfico do IBGE, de 2000, nos municípios afetados pelo
empreendimento, de maneira direta ou indireta, habitavam 62.982 pessoas, sendo a maior
população a de Minaçu, com 33.608 habitantes. Em termo de área total, esses municípios somam
25.055 Km2, ou cerca de 517.000 alqueires goianos. Paranã é o que tem maior área, com
12.114Km2, ou 250.000 alqueires goianos. Esses municípios tiveram parte de seus territórios
atingindo pela UHE São Salvador (Tabela 1).
Tabela 1 - A área total e os municípios atingidos pela Usina Hidrelétrica de São Salvador
Municípios Km² Hectares Inundada (hectares) Inundada (%) Palmeirópolis 1.704 170.400 4.032,50 2,36
Paranã 12.114 1.211.400 3.667,09 0,30
São Salvador do Tocantins
1.422 142.200 284,40 0,20
Cavalcante 6.954 695.400 86,43 0,01
Minaçu 2.861 286.100 213,81 0,07
Total 25.055 2.505.500 8.284,23 2,94%? Fonte: BRASIL, 2003. UHE-São Salvador (2004)
23
A área de influência indireta foi delimitada, fundamentalmente, em função da contribuição
dos recursos hídricos que drenam a região e alimentam o reservatório. Compreende uma área de
aproximadamente 5.700Km2, incluindo a área do reservatório, que é considerada como área de
influência direta (BRASIL, 2003). O empreendimento foi implantado a 10 km da cidade de São
Salvador do Tocantins, e tem a capacidade de gerar 241 MW (megawtts) de energia, o suficiente
para abastecer uma cidade de 300.000 mil habitantes (BRASIL, 2003).
A Usina Hidrelétrica de São Salvador (Foto 1) foi leiloada em 2001, quando a GDF/SUEZ
obteve a concessão para exploração por 35 anos. A GDF/SUEZ é uma empresa sediada na França
que atua no ramo de geração e distribuição de energia elétrica e gás natural. Foi formada em
2008, a partir da fusão do Gás de France - produtora e distribuidora francesa de gás natural- e da
Suez - empresa também francesa que atuava na distribuição de água, energia elétrica e gás
natural. No Brasil, a GDF/SUEZ é controladora da Tractebel, que, atualmente, é líder majoritária
no consócio para construção da UHE Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Essa mesma empresa
tem, no Brasil, 19 plantas de geração de energia, entre usinas hidrelétricas, termelétricas e
geradoras eólicas. Também conta com 950 profissionais e tem 8% da capacidade de geração de
energia instalada no Brasil. (TRACTEBEL ENERGIA, 200?).
Essa UHE vem no sentido do desenvolvimento, as decisões estratégicas setoriais
substituíram o planejamento regional e a intervenção territorial do Estado voltou-se para a
“viabilização da apropriação de recursos localizados ao largo do território” (VAINER, 1992, p.
28). Surgiu então um novo padrão de intervenção estatal onde todos os espaços passaram a ser
incorporados funcionalmente no planejamento nacional.
Para Vainer, (1992, p. 28):
[...] a totalidade do território não é vista nem como conjunto de regiões hierarquicamente articuladas, nem como amálgama de regiões programa, mas como um somatório de recursos mais ou menos acessíveis. A ação estatal não tem mais em vista a captura das regiões (na verdade já concluída), mas a viabilização da apropriação de recursos localizados ao largo do território”.
24
Foto 1 - Usina Hidrelétrica de São Salvador
Fonte: Companhia Energética São Salvador, 2008.
E nesse novo modelo de planejamento do território que a construção da UHE São
Salvador se instalou e gerou vários problemas sociais, resultando na expropriação de centenas de
famílias de seu local de trabalho - a terra e o rio -, de onde tiravam seu sustento. Esses problemas
sociais, na maioria das vezes, não são considerados pelas empresas financiadoras desses
empreendimentos, predominando a idéia de “progresso”, entendendo que o desenvolvimento só
vem a partir do momento em que ocorre a chegada das grandes empresas.
Dentre os vários impactos ocasionados pela construção do projeto de barragem, um dos
principais é o deslocamento compulsório das populações residentes nas áreas diretamente
afetadas pelo empreendimento e o seu reassentamento involuntário, dentro de uma determinada
proposta de desenvolvimento econômico.
Os empreendimentos hidrelétricos costumam atuarem com as seguintes formas de
ressarcimento às famílias atingidas: indenização em dinheiro; carta de crédito; reassentamentos
coletivo; remanescentes. Um tratamento diferenciado se faz presente no estado do Tocantins, que
o MAB denominou como Gleba. A mesma foi definida para as pessoas que não se enquadravam
nos outros tratamento já destacado, por não conseguirem provar que moravam e/ou trabalhavam
25
na área a pelo menos dois anos. Essas receberam uma área de terra de 10 ha, sem nenhuma infra-
estruturar.
Para Zitzke (2009), esses projetos de grandes dimensões (UHE) transformam-se em um
processo de territorialização de uma barragem e levam a um processo de des-territorialização dos
moradores da área atingida, que por sua vez levará a outro processo, a re-territorialização dessas
famílias em novos locais. Estes três processos, de caráter explicitamente geográfico, propiciam a
compreensão dos diferentes modos de vida da população e a sua necessidade de construção de
uma nova identidade individual e coletiva, a partir do novo território.
Para Thomaz Junior (2007, p. 232), é por dentro das contradições que se explicam as
faces da luta de classes pela vida das disputas territoriais, e também podemos entender o esforço
permanente do capital para expulsar os trabalhadores da terra e a perseverança dos trabalhadores
para se manterem na terra.
E nesse contexto que a UHE São Salvador se tornou prioridade para o governo e para a
iniciativa privada, tornando um dos primeiros projetos a ser integrado no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), organizado pelo governo brasileiro. A empresa responsável
pelo empreendimento foi beneficiada por um empréstimo concedido pelo BNDES no valor de $
206 milhões de Euros, cerca de 70% do custo total do empreendimento, com a garantia da
compra da energia elétrica por ela produzida (SANTOS, 2010).
A primeira grande alteração da paisagem devido à ocupação da região, com registros
históricos, ocorreu a partir de 1.700, quando aconteceram às descobertas minerarias na região. A
procura por ouro e pedra preciosa foi, em grande parte, realizada por grupos de escravos com
habilidades especificas para a investigação e localização de áreas mineraria os chamada negros de
mina. Essa população marcou intensamente a formação demográfica local, bem como a ocupação
territorial e sua manutenção até os dias de hoje. Isso é visível pela presença das áreas dos
quilombos Kalunga, na porção norte de Goiás, no município de Cavalcante, na área de influencia
antrópica indireta da UHE São Salvador (BRASIL, 2003).
Uma segunda alteração na paisagem ocorreu tempos depois, no século XX, com a
construção de Brasília e com a implantação da rodovia BR-153. Esses fatores propulsionaram a
integração do Centro Oeste com as regiões de maior dinâmica e relevância econômica do país.
Essa região consolidou-se ainda mais com a emancipação do estado do Tocantins, em 1988.
Com a criação do Tocantins vários projetos que já tinham sido planejados para o
desenvolvimento da região tendo em vista o grande potencial hidroelétrico e a possibilidade da
26
criação da tão sonhada a Hidrovia Araguaia Tocantins. Nesse planejamento que são vários
projetos que tornariam os rios Tocantins e Araguaia em um grande lago. (Figura 2).
Figura 2 – Localização das UHEs nos rios Tocantins e Araguaia
Em relação a Figura 2, é importante destacar que os projetos de barragens que estão em
um processo bem adiantados, e o do rio Tocantins que só falta quatro projetos para completar o
divisor de água. No rio Araguaia as obras estão paralisadas devido às denúncias que os
movimentos vêm fazendo, e debatendo com a sociedade sobre os futuros impactos que os
projetos planejados para o rio Araguaia.
27
2.1 - A formação do Movimento dos Atingidos por Barragem em Nível Nacional
No final da década de 1970, com emergência das forças populares, os atingidos por
barragens passaram a se organizar e mobilizar frente aos impactos causados pelas construções de
hidrelétricas. Com o aprofundamento nas discussões sobre a construção de barragens,
identificando que as mesmas estavam ligadas a um projeto maior de desenvolvimento do país -
baseado na indústria, a maior consumidora de energia. Com isso, o questionamento inicial contra
barragens é extrapolado, passando-se a criticar o modelo de desenvolvimento e seu projeto.
No início destacaram-se três focos principais: de resistência, organização e luta de
atingidos, que posteriormente, foram fundamentais para a criação do Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB).
Um dos primeiros focos de resistência dos atingidos deu-se na região Nordeste, com a
construção da UHE de Itaparica, no rio São Francisco. A organização iniciou-se por intermédio
do Pólo Sindical do Submédio São Francisco, que lutava contra projetos hidrelétricos na região e
pela indenização dos atingidos por barragens. O segundo foco se deu na região Sul, com a
exposição dos projetos para construção hidrelétricas no rio Paraná (Itaipú), em 1978, e o projeto
de construção de 23 UHE’s na bacia hidrográfica do rio Uruguai. O terceiro foco ocorreu na
região Norte, com a construção da barragem de Tucuruí, no Pará, por meio do movimento dos
expropriados pela barragem direcionou as ações do movimento nas negociações com a
Eletronorte, responsável pelo empreendimento. As lutas dos atingidos se deram em diferentes
momentos da realização do empreendimento hidrelétricos antes, durantes, e até hoje existem
conflitos e várias pendências.
A formação do MAB, enquanto movimento nacional teve início com apoio da Igreja
Católica e Igreja Luterana, com sua rede de relações em várias regiões do Brasil. Um primeiro
contato entre os atingidos de várias partes do Brasil, ocorreu no início da década de oitenta no
primeiro encontro dos atingidos num caráter mais nacional. No entanto, as lideranças que
atuavam nas regiões eram também ligadas a Igreja Católica ou dos Sindicatos combativos que
atuavam nas regiões. Devido a dificuldade de informações sobre os empreendimentos que
estavam construindo ou os já construídos, havia uma falta de informações sobre os
empreendimentos projetados de indenizações que excluía muitas famílias atingidas do processo
de indenização.
28
Nesta época houve um processo de desqualificação das pessoas que questionavam os
empreendimentos, houve-se a necessidade de debate sobre a questão energética e as grandes
barragens, no entanto teve um evento nacional que contava com atingidos de várias partes do
Brasil que ocorreu o primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragem em
Goiânia, em 1989. Neste encontro iniciou um novo momento de transição da organização dos
atingidos por barragem, deixando de ser um movimento isolado nas regiões ou nos Estados,
tornando o movimento de caráter nacional que serviria para intensificar as lutas as trocas de
experiência com o objetivo de programar as atividades em conjunto.
Os atingidos perceberam que as lutas isoladas nas regiões contra a construção de
barragem, ou pela garantia de direito de indenização, sentiam a necessidade de um debate contra
o modelo energético. O congresso de 1991, realizado em Brasília, os atingidos por barragem se
oficializou enquanto Movimento Nacional dos Trabalhadores Atingidos por Barragens e
declarado o dia 14 de março, o dia nacional de lata contra as barragens.
A estrutura do movimento independente das ações para os movimentos locais e regionais
criou uma coordenação nacional dos trabalhadores atingidos por barragens, que passou a ter sede
nacional na cidade de São Paulo. A coordenação nacional era bem diversificada, que
contemplasse todas as regiões: Sul, Sudeste, Norte e Nordeste, tendo representação de populações
indígenas, quilombola e representantes da CUT, parceria que durou até as eleições do governo
Luiz Inácio Lula da Silva.
O MAB se transformou em um movimento popular que pretendia organizar as
populações atingidas por barragem ou ameaçadas sempre na luta contra as barragens e pela
garantia dos direito dos atingidos, os atingidos por barragem em sua grande maioria pequenos
agricultores, trabalhadores sem terra, meeiros, parceiros, arrendatários, diaristas, posseiros,
pescadores, quilombolas, indígenas, mineradores, dragueiros, garimpeiros, barqueiros,
barraqueiros e etc.
No entanto, o MAB orientava os militantes nas comunidades na formação de grupos de
base que fosse composta por cinco a dez famílias, que deveriam ser escolhidos dois
coordenadores sendo um homem e uma mulher para ser mais democrático e participativo,
fazendo um movimento de homens e mulheres (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR
BARRAGENS, 200?)
29
Uma das bandeiras de luta do MAB era a elaboração de uma nova política energética,
pensando uma alternativa ao setor elétrico numa perspectiva viável e barata: biomassa eólica e
construção de PCHs e repontencialização das UHEs com mais de vinte anos de uso.
Neste período o MAB obteve várias conquistas, uma delas foi o barramento de várias
construções de barragens, garantindo o direito a indenizações dos filhos dos proprietários e de
Sem Terra a reassentamentos, assistência técnica entre outros. O MAB tem o interesse de dar
mais visibilidade e unificar suas lutas e debater com a sociedade o sofrimento, o descaso com as
famílias atingidas por barragens em todo Brasil. A marcha nacional do MAB com o tema “água
pela vida” entre Goiânia a Brasília realizada de 13 a 18 de maio de 2004, onde participou mais de
500 pessoas dos diferentes partes do Brasil e que obteve apoio de outros movimentos sociais
ligados a Via Campesina, CNBB CPT e de lideranças políticas que apoiavam a luta do
movimento.
A marcha tornou um momento importante de troca de experiência de formação política
ideológica e deu mais unidade nacional para o movimento.
No “II Encontro Nacional do MAB” realizado, em Curitiba (PR), de 13 a 17 de março
de 2006, um debate importante sobre a questão energética e sua transformação da energia em
mercadoria, ou, o controle sobre o capital privado e a própria privatização das empresas estatais,
neste se debatia sobre a conjuntura existente na qual era marcha pela hegemonia mundial do
sistema capitalista na forma imperialista neoliberal.
Este sistema estava passando por uma crise estrutural, marcada pelo desemprego miséria
violência e catastrofismo e barbárie. Uma das formas do capital ainda se manter dominando
estava ligado ao controle das fontes de energia hídrica biomassa, bem como outras fontes de
energia; água gás terra carvão. (FOSCHEIRA, 2009).
A articulação externa deveria conectar-se com outros grupos que se encontravam no
mesmo campo de luta: Via Campesina, Consulta Popular e pessoas de referencias de esquerda e
com setores apoiadores Igrejas, ONGs com compromisso sócio-ambiental e entidades de
cooperação.
A nova forma de atuação proposta pelo MAB implementou destaque de dois novos eixos
de ação: primeiro, o debate sobre o preço da energia, e a atuação do movimento no meio urbano
dentro da concepção de atingidos pelo preço da energia. Estes dois eixos se apresentam de forma
ligado no debate do preço da energia, e uma das formas do MAB se vincular a movimentos e
instituições urbanas. Outro debate era que os militantes neste novo momento histórico em novo
30
campo de atuação com outras relações sociais no meio urbano, não podiam deixar de contribuir
no local de origem na comunidade, nas lutas na formação de novas militantes e na construção de
uma sociedade melhor.
Com este novo campo de atuação o MAB desenvolveu atividade nas grandes metrópoles
do Brasil, como Porto Alegre, São Paulo, Minas Gerais, Brasília e outras capitais fazendo um
trabalho de divulgação da campanha “o preço da energia é um roubo”. Houve participação da Via
Campesina e da Consulta Popular, entre outras entidades que se identificaram com a luta com os
atingidos tanto por barragens quanto por energia.
O MAB, com uma nova forma de pensar sua área de atuação houve muita resistência
devido a sua luta histórica no movimento sempre a luta contra a construção de barragens. A
necessidade de se dedicar a estudar de forma mais sistemática para absorver o novo discurso do
movimento, levou o afastamento ou perda de poder de algumas lideranças que não conseguiram
acompanhar as leituras ou não quiseram dedicar-se a estas atividades.
Outros militantes foram afastados por não concordarem com a nova metodologia,
colocada em prática pelo movimento, segundo Foschiera (2009, p. 319):
Esta nova postura no interior do MAB indicava uma alteração na lógica de decisão, afastando-se da democracia participativa, que tinha com uma das suas características a indicação de coordenadores pelas bases e se direcionando mais para o centralismo democrático, pela qual as principais decisões nacionais não seria mais tomadas pelo coletivo e sim pela direção do movimento em suas diferentes escalas. Uma estrutura de quadro passa a dirigir, politicamente, a estrutura de massas; e esta atitude, que nega a própria discussão histórica do MAB da tomada de decisões da forma mais coletiva possível, que tem gerado o desencaixe no pensar e agir entre alguns grupos de lideranças como já mencionamos acima.
Devido as mudanças que vem ocorrendo no interior do movimento, a luta do movimento
vai se expandindo para muito além das barragens, dirigindo, principalmente, para a periferia de
áreas urbanas envolvendo trabalhadores que não foram atingidos por barragem, mas são atingidos
pelo modelo energético. A luta do MAB segue em escala local buscando garantir os direitos dos
atingidos pelos impactos das construções de barragens, pois suas ações se fortificam nas escalas
nacionais e internacionais por acreditar que se desenvolvem ações políticas capazes de mudar a
estrutura da sociedade burguesa.
31
2.2. O MAB no Tocantins: território, acúmulo de forças e ações
Foi pensando na organização dos atingidos e ameaçados dos projetos de infra-estrutura
que a formação do MAB no Tocantins se deu quando já tinha corrido o processo de licitação e já
havia sido iniciada a obra da construção da Usina Hidrelétrica de Lajeado, na qual muitas
negociações foram efetuadas e as famílias se encontravam em situação de abandono e ameaçadas
de expulsão das terras, devido, à desorganização política. A partir de um seminário que buscava
discutir os impactos da barragem de Lajedo, integrantes do MAB Nacional foram convidados,
por meio do Conselho Missionário Indigenista- CIMI e representante da Federação dos
Trabalhadores da Agricultura do Estado do Tocantins - FETAET, a visitarem a região e
colaborarem na organização dos atingidos.
Posteriormente vieram mais três lideranças da região sul que deveria n ficar por um
tempo limitado na área, até formar lideranças locais para assumirem os trabalhos, porem uma
destas lideranças passou a residir permanentemente na área. Estas lideranças já tinham
experiência de construção de barragens, mas em modelo estatal, em que as discussões e
negociações se delinearam em um contesto diferencial, pois agora se deparavam com a
construção sob responsabilidade privada (FERREIRA, 2003).
Por ser uma discussão nova no estado do Tocantins e devido ao baixo poder de
organização e ação conjunta dos diversos grupos atingidos, a atuação do MAB no início foi
completa de dificuldade. Soma-se a isso o uso político de algumas autoridades como barganha
eleitoral e a pressão e repressão do governo estadual sobre os atingidos que se organizavam.
Na formação do MAB/TO os representantes do movimento nacional contaram com o
apoio de várias entidades, entre as quais podemos destacar o CIMI que colaborou com infra-
estrutura e rede de comunicação, a ONG Comunidade de Saúde, Desenvolvimento e Educação
(CONSAÚDE), por meio de sua rede de comunicação, infra-estrutura e pessoal para visitar as
comunidades atingidas, a Escola Família Agrícola (EFA) com estrutura e colaboração de alguns
professores e estudantes na organização dos atingidos, o Instituto de Formação Sindical - IFAS e
o Partido dos Trabalhador-PT colocando sua rede de contatos a disposição.
As primeiras ações realizadas pelo MAB foram reuniões nas comunidades atingidas,
mobilizações, seminários, debatem em escolas, em câmaras de vereadores e a aproximação com
órgãos públicos. Apesar destas ações a participação dos atingidos era limitada, sendo que, mas,
32
ocupações do escritório da empresa que se localizava na cidade de Palma, em maio de1999 e
dezembro de 1999 não conseguiram juntar mais que 150 pessoas, na maioria, ribeirinhos. Um
diferencial passou a ser percebido depois que um grupo de lideranças das comunidades atingidas
visitaram um reassenta mento de atingidos pela hidrelétrica de Salto Caxias no Paraná e puderam
perceber os ganhos que os atingidos obtiveram a partir do momento que se organizaram e
passaram a lutar por direitos que a empresa responsável da época lhes negava.
As primeiras ações realizadas pelo MAB/TO foram reuniões nas comunidades atingidas,
mobilizações, seminários, debates em escolas, em câmaras de vereadores e a aproximação com
órgãos públicos. Apesar destas ações, a participação dos atingidos era limitada, sendo que nas
ocupações do escritório da empresa, que se localizava na cidade de Palmas, em maio e dezembro de
1999, eles não conseguiram reunir mais de 150 pessoas, na maioria ribeirinhos.
Como resultado das manifestações conseguiu-se marcar uma reunião envolvendo o
MAB/TO, INVESTCO1e vários órgãos públicos para que fosse construído um espaço de
discussão coletiva sobre o deslocamento dos atingidos.
Criou-se um grupo de discussão e deliberação denominado Comissão Institucional,
formado por representantes do Instituto de Natureza do Tocantins - NATURATINS, MAB,
Ministério publico federal – MPF, Ministério Publico Estadual – MPE, IAMA e empreendedor.
Essa comissão se tornou fórum legitimo de discussão sobre conseqüência da construção da Usina
de Lajeado (MAB/TO – Arquivos).
A partir de então as discussões tomaram novos rumos e é produzido um Plano
Emergencial, que continha as primeiras aproximações para um processo (mais) legitimo e
participativo. Em seu escopo foram definidas diretrizes e procedimentos a serem tomados pelo
empreendedor com relação aos assentados rurais. Assim, vários órgãos públicos que agiam
apenas como fiscalizadores e garantidores de acordos pré-estabelecidos, passaram a agir como
parceiros e mediadores nas várias discussões geradas.
E no dia 14 de março de 2002 comemorou-se o Dia Internacional dos Atingidos por
barragem, o movimento apresentou dois momentos de troca de experiência com os atingidos da
UHE de Lajeado com os ameaçados pelas barragens de Peixe Angical e São Salvador. Vale
1 Essa empresa é um consorcio que construiu a Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães conhecida, regionalmente, como Usina do Lajeado.
33
destacar que esse momento mostrou para a sociedade, que os grandes projetos de infra-estrutura,
pro causa dos elevados impactos na vida das populações ribeirinhas (Foto 2).
Essa manifestação mostrou que o MAB estava se consolidando por meio de um debate
forte sobre a sociedade e em relação aos impactos causados pela construção da barragem de
Lajeado.
Foto 2 - Passeata no Dia Internacional dos Atingidos por barragem
Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB.
34
Foto 3 - Manifestação em Porto Nacional, para garantir a educação e boas nos Reassentamentos, em 2003
Fonte: Arquivo da Secretária do MAB.
Os trabalhos nas comunidades foram importantes para territorializar o MAB na região
central do estado. Por meio da Foto 4 podemos observar uma reunião do movimento para discutir
a produção coletiva na comunidade, de reassentamento Flor da Serra, no município Porto
Nacional, em 2003.
O MAB se consolidou em torno das comunidades do reservatório das barragens de
Lajeado e os atingidos da UHE de Lajeado desenvolveram um importantíssimo papel na
formação de lideranças para atuar em outras lutas, principalmente, contra os empreendedores que
estavam na região.
O curso de formação de militante do MAB, realizado na Escola Família Agrícola de
Porto Nacional, em 2000, proporcionou a formação de diversos militantes que construíram suas
lutas em outras regiões e nos estados. Esse curso de formação se deu em cinco etapas: a primeira
localizou-se na região de Goiânia; a segunda em Tocantins, a terceira na Bahia; a quarta em
Minas Gerais e por ultimo em Santa Catarina. (Foto 5). Nessa turma, apresentava-se 120 pessoas,
sendo que 15 eram do estado de Tocantins. Estes militantes do Tocantins foram importantes para
desenvolver as atividades do movimento no estado. O curso teve dois anos de duração e era por
modulo, dois modulo por ano.
35
Foto 4 - Essa foto foi tirada numa reunião no reassentamento flor da Serra onde o MAB tentava trabalhar com um grupo coletivo de produção
Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB.
O MAB em sua organização interna no Tocantins promoveu uma divisão em três
regiões: a Central, a Norte e a Sul do estado do Tocantins. Isso serviu para que os militantes
desenvolvessem suas atividades nas comunidades, vilas, cidades e que, também, promovessem
debates dentro das escolas, igrejas, sindicatos e associações, para conscientizar a população sobre
o movimento.
36
Foto 5 - Curso de militância do MAB, realizado na Escola Família Agrícola de Porto Nacional – Tocantins.
Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB
Num primeiro momento, as comunidades, as famílias e as lideranças constituíram diversas
unidades entre essas organizações, com o objetivo de resistir à construção das barragens. O
movimento alertava que a obra traria um intenso impacto ambiental, social e econômico com o
fim das vazantes, das praias e das frutas nativas como o babaçu, o bacuri e o murici. Esse
momento apresentou uma forte resistência à construção da UH de Estreito, com diversas
manifestações nas audiências publicas, acampamentos e entre outras mobilizações. (Foto 06).
37
Foto 6 - Manifestação realizada na ponte que liga o estado de Tocantins ao Maranhão
Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB.
Essa mobilização juntou a maioria das famílias ameaçadas e as entidades que defendiam
o rio livre de barragens. Os povos indígenas, que também eram ameaçados pelo avanço das
empreendedoras, juntaram-se para proteger o nosso rio.
A empresa com apoio dos políticos passaram a utilizar a imagem das lideranças locais2
nos jornais, utilizando as falas de apoio às obras muitas vezes não dita pelas pessoas, mas os
compromissos que estes tinham com os políticos, forçaram a diversas pessoas a repensar na sua
posição e, assim, de ver a obra como algo de bom que estaria acontecendo nos municípios.
Após as várias manifestações, as Ações Civis Públicas foram protocoladas na Justiça
Federal pelo Ministério Público Federal e Estadual, ONGs e movimentos sociais solicitando o
2 Principalmente, dos presidentes das associações de produtores, dos moradores, dos pescadores, dos barqueiros, dos barraqueiros, dos Sincantos dos Trabalhadores Rurais e dos extrativistas de coco babaçu.
38
cancelamento dos Estudos de Impactos Ambientais (EIA), do Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA) e da Licença Prévia (LP). Com as pressões sofridas pelas empresas de mídia nacional,
das empresas construtoras de barragem e principalmente dos consumidores de energia, o IBAMA
cedeu à licença de instalação no dia 26 de novembro de 2006.
Nota-se que nessa região, parte da população não é favorável a construção das usinas
hidrelétricas. Pois esta população é representada pelos povos ribeirinhos, cujas hidrelétricas
destruíram seus projetos de vida, impulsionando sua expulsão da terra sem apresentar
compensações que pudessem, ao menos, assegurar a manutenção de suas condições de
reprodução num mesmo nível daquele que se verificava antes da implantação do
empreendimento.
Os atingidos lutam para não saírem da condição na qual se encontravam em suas áreas
de origem, de seus hábitos e de tudo que representam os lugares de origem. Em uma comunidade
rural há muito mais do que apenas uma unidade produtiva, pois existem relações construídas há
décadas e de culturas enraizadas em gerações. Portanto, o sentimento de total pertencimento a
terra, se configura em tudo que o rodeia. E pensando na preocupação dos atingidos, que o MAB
consolidou-se nessa região realizando diversos trabalhos de base e de luta.
As mobilizações também marcam de forma destacada as ações do MAB na região, como
a marcha que percorreu 120 km de Araguaína (TO) até o estreito do Maranhão, em 2010. (Foto
07).
39
Foto 7 - Marcha dos Atingidos: de Araguaína até o Estreito, no Maranhão
Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB
Essa manifestação foi coordenada pela Via Campesina do estado do Tocantins e
compareceram cerca de 500 pessoas, promovendo diversos debates sobre as injustiças causadas
pelas empresas, nas cidades situadas às margens da BR-153.
E no sentido de se territorializar, o MAB promove suas lutas em todo o território
tocantinense que apresenta os projetos de barragens. Hoje o MAB é reconhecido em todo o
estado, devido às ações retaliadas nas três regiões do estado.
2.3. A formação do MAB na região Sul do Tocantins
O processo da construção da UHE São Salvador atingiu áreas rurais de cinco
Municípios. Além de grandes propriedades, foram impactados também os camponeses
ribeirinhos, que viviam de uma agricultura de subsistência, de pesca e coleta de frutos, nesse caso
dos camponeses proprietários de terras, e os camponeses meeiros, arrendatários, parceiros,
40
assalariados rurais vaqueiros. Outros grupos atingidos foram os dragueiros que exploravam areia
e seixo no rio Tocantins, e os garimpeiros, que faziam extração do ouro.
Um fator marcante que ocorreu na UHE São Salvador foi que as pessoas que já tinham
sido atingidas em outros empreendimentos, como Canabrava em Goiás e Peixe Angical em
Tocantins, haviam se mudado para a área que posteriormente foi atingida por essa nova
barragem. Alguns viam nessa nova Barragem, uma oportunidade de recuperar o que tinham
perdido nas anteriores, pois quem construiu Cana Brava foi a mesma empresa que construiu São
Salvador.
É importante destacar que houve uma concentração de pessoas nas margens do rio e nas
ilhas que se encontravam na área de abrangência da UHE de São Salvador, entre as quais estavam
funcionários públicos, comerciantes e pessoas desempregadas da região.
A formação do MAB nessa região iniciou, praticamente, junto com o projeto da
barragem de Peixe Angical. O primeiro contato foi realizado através da Federação dos
Trabalhadores da Agricultura do Estado do Tocantins (FTAET), juntamente com os Sindicatos
dos trabalhadores rurais que atuava na região.
Como toda essa discussão era a nova na região sul do estado do Tocantins, sendo a UHE
São Salvador um dos empreendimentos pioneiros em se tratando de disponibilização e aplicação
de vultosos recursos privados e públicos, as experiências e ações concretas foram sendo
construídas aos poucos e até hoje estão sendo delineadas, com muito esforço e participação.
As representações sob a forma de lideranças e agentes mobilizadores foram se
configurando aos poucos, em meio a um espaço já em construção, ou seja, quando os primeiros
representantes do MAB chegaram na região Sul do Tocantins o processo de licitação já havia
sido concluído e a construção da UHE Peixe Angical já havia se iniciado, mais o debate que o
MAB iniciou com os atingidos foi de não deixar construir a barragem pois os problema que tava
acontecendo em Lajeado não poderia acontecer em Peixe.
Inicialmente o MAB não tinha muita representatividade enquanto legítimo representante
dos interesses das famílias atingidas frente ao empreendedor e era pouco conhecido pelas
comunidades, devido a diversidade dos atingidos.
Na região tinha presença de um Consócio dos Proprietários e Ocupantes de imóveis
Urbanos e Rurais Afetados pelo Aproveitamento Hidrelétricos Peixe Angical (COPEIXE), esse
consócio era formado pelo um grupo de advogado que tinha como principal objetivos pegar as
causas dos atingidos, cobrando uma porcentagens de cada um. Esse consórcio não teve muito
41
sucesso, pois cobrava um valor muito alto, e já tinha de iniciar pagando parte antes mesmo de
receber a indenização.
Os trabalhos de base que o MAB desenvolveu nas comunidades rurais e urbanas foram
para criar grupos de base (Foto 8), sendo que esses grupos tinham de 10 a 20 famílias, e tinham
como principal objetivo a consolidação do movimento na região e também facilitar o
entendimento das famílias - na grande maioria dos casos eram analfabetos ou semi analfabetos.
Foto 8 - Reunião do grupo de base na região Sul do Estado do Tocantins
Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB
As formas de luta que o movimento desenvolveu para garantir os direitos das famílias
ribeirinhas são encaminhadas nas cidades, ocupação de escritórios, ocupação de acesso dos
canteiros de obra e acampamentos. Diante da determinação dos empreendedores em continuar a
implantação da usina, as população locais fizeram manifestação que levou as famílias a
acampamento em frente ao canteiro de obras, com bloqueio da estrada principal de acesso dos
trabalhadores, paralisando os trabalhos por três dias. Não havendo consenso entre as partes, as
famílias decidiram que deveriam se mobilizar mais se quisessem garantir seus direitos. (Foto 09).
42
Foto 9 - Ocupação da Barragem de Peixe Angical, 2004.
Fonte: Arquivo da Secretaria do MAB
E no acampamento, marcha, passeatas e nos encontros de formação que o movimento se
constrói dia após dia, numa relação dialética de erros e acertos, que vimos ao logos dos anos
construindo a história dos atingidos por barragens no Brasil.
A região Norte do Brasil atualmente vive um novo momento, no qual os grandes grupos
econômicos é que determinam o que o Governo Federal tem de planejar para viabilizar os
projetos que garantam o ganho econômico de um grupo de investidores. Para Mattos (2009, p.
01):
Em 2006 o Governo Federal a presenteou para a sociedade Brasileira o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como um programa ambicioso de meio trilhão de reais em investimentos de melhoria da infra-estrutura do país e as condições de vida do povo brasileiro. Investimento esses que estariam divididos em três grandes áreas: logística, energia e infra-estrutura social e urbana, habitação e saneamento.
Segundo o mesmo autor, o PAC foi anunciado como um plano de desenvolvimento
nacional que tem como objetivos a melhoria da infra-estrutura do país, diminuindo as
desigualdades sociais e das disparidades regionais facilitando a integração nacional. Valdir Zitzke
43
(2009, p. 283), destaca a complexidade dos projetos de infra-estrutura apoiados pelo Estado, no
setor energético. Para o autor:
A crescente intervenção do Estado Nacional no planejamento de múltiplos aspectos das complexas sociedades contemporâneas, assim como as dimensões cada vez maiores das obras de infra-estrutura para a satisfação das demandas energéticas da sociedade tem originando processos que apresentam características muito especiais.
O PAC vem inserido no discurso que o desenvolvimento social está ligado a uma
crescente demanda de energia e assim justifica a construção de várias usinas hidrelétricas, em
parceria com grupos privados que têm interesse em explorar o potencial dos recursos naturais.
Por fim, essas empresas passam a ter o controle territorial da água e da terra. Isso fica perceptível
nas seguintes palavras de Porto-Gonçalves (200?, p. 2), que destaca uma nova fase de domínio
sobre esses elementos, para ele:
O domínio territorial sobre os corpos d água se inscreve como fundamental para qualquer comunidade biótica, inclusive, a espécie humana. Em torno desse controle muitas guerras se fizeram. Todavia, as razões pelas quais se busca o controle das fontes e corpos d água são, hoje, muito distintas daquelas que conformaram a geografia da população mundial até muito ressentimento.
Nesse sentido, a maioria das obras do PAC tendem a beneficiar o agronegócio, para
facilitação do escoamento da produção nacional para o resto do mundo, através de ferrovias,
hidrovias, rodovias, melhorias dos portos, construção de hidrelétricas, para a produção de energia
para abastecer os grandes centros industriais do centro-sul do país. Há uma corrida para
exploração das grandes extensões de terras de Cerrado e Floresta Amazônica, como áreas para a
produção de grão, da cana de açúcar e de plantio de grandes éreas de eucalipto para celulose.
Para o Governo Federal o Programa de Aceleração do Crescimento vai aplicar em quatro
anos, um total de investimentos em infra- estrutura da ordem de R$ 503,9 bilhões, nas áreas de
transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos. “Este valor está dividido em R$
67,8 bilhões do orçamento do governo central e R$ 436,1 bilhões provenientes das estatais
federais e do setor privado”. (BRASIL, 20??, p.3)
44
O PAC prevê investir no estado do Tocantins em seis grandes UHEs: Estreito, São
Salvador, Serra Quebrada, Tupiratins, Tocantins (no rio com o mesmo nome) e Novo Acordo,
também no rio com o mesmo nome.
45
CAPÍTULO 3 - OS EFEITOS TERRITORIAIS DOS IMPACTOS SOCIAIS
E AMBIENTAIS PROTAGONIZADOS PELA CONSTRUÇÃO DAS UHES
NO TOCANTINS
A bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia, com 803.250 km², está entre as mais extensas,
localizadas, pois, totalmente em território nacional. Dentre os principais afluentes que a formam,
estão os rios do Sono, Palma, Paranã e Manuel Alves. O rio principal, o Tocantins, passa a ter
esse nome na confluência dos rios Maranhão e Paranã, já no estado do Tocantins.
O regime hidrológico da bacia é bem definido, e o período de cheia estende-se de
outubro a abril, com pico em fevereiro, no curso superior, e março, no curso médio e inferior.
Segundo o Projeto de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Araguaia-Tocantins: “durante
aproximadamente dois séculos, a hidrovia Tocantins-Araguaia foi a única via de transporte
utilizada para a colonização e possibilitou o desenvolvimento de atividades produtivas nas
margens desses rios e seus a fluentes” (TOCANTINS, 1982, p.112).
Os rios Araguaia e Tocantins possuem um relativo potencial energético conforme
destacam diversos estudos sobre os mesmos (ARAÚJO, 2003; FOSCHIERA 2009).
Uma série de projetos voltados para a região Norte do Brasil iniciou-se na década de
1960, com a proposta de desenvolver e integrar a região Amazônica. Dentre os projetos previstos
estavam os de construção de hidrovias, de ferrovias, de rodovias, de projetos de mineração e de
metalurgia e entre outros de construção de usinas hidrelétricas.
Segundo Araújo (2003), esses projetos de desenvolvimento que o governo brasileiro
propunha para a região, pertenciam aos grupos e as empresas nacionais e multinacionais que
demandavam uma enorme quantidade de e energia elétrica. Dentre os empreendimentos a serem
implantados podemos destacar o projeto Carajás, pela Companhia Vale do Rio Doce; a Camargo
Correa Metais (CCM) e as indústrias eletro-intensivo de alumínio como a Albrás e Alumar,
localizadas nos estados do Pará e Maranhão, Como parte desse projeto cria-se a Zona Franca de
Manaus, em 1968. Nesse período tinham vários investimentos e um deles de grande relevância
devido a sua emissão como um pólo industrial.
Para coordenar a implantação dos projetos na região Amazônica criaram-se a
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 1966, sucessora da
Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA).
46
Uma nova investida ocorrerá na década de 1970, com o lançamento, pelo governo
federal, dos Programas de Integração Nacional (PIN) buscando a integração das regiões Norte
Nordeste e Centro Oeste. Esses projetos recebiam incentivos fiscais do Governo Federal como
forma de atrair as empresas para se instalarem na região, tendo como pano de fundo a propaganda
de uma área onde existia “muita terra sem gente e muita gente sem terra”. O governo federal,
visando suprir a demanda de energia que iria surgir na região, criou o Comitê Coordenador dos
Estudos Energético da Amazônia (ENERAM), mediante a promulgação do Decreto número
63.952.
O ENERAM estava subordinado ao Ministério das Minas e Energia. O relatório final do
Comitê apresentava uma demanda futura de energia na região e um potencial a ser explorado,
indicando a necessidade da criação de uma empresa regional especializada para coordenar a
questão. Seguindo essas orientações o governo federal criou a Centrais Elétricas do Norte do
Brasil S.A., conhecida também como Eletro norte (Memória da Eletricidade, 1998).
A empresa estatal Eletronorte contribuiu decisivamente para o levantamento do
potencial hidrelétrico da região Amazônia, com estudos sobre potencial energético dos rios
Xingu, Madeira, Tocantins, Araguaia, Tapajós, entre outras.
Segundo Araújo (2003), maiores estudos para reconhecimento dos recursos hídricos da
bacia do rio Tocantins-Araguaia foram realizados pelo “Bureau of Reclamation”, em 1964,
patrocinados pela “Agency” Far Internacional Development – United States Department Of
States”, e de interesse da extinta Comissão Inter-Estadual dos Vales do Araguaia-Tocantins
(CIVAT). Esse reconhecimento que a Bureau fez da bacia do rio Tocantins-Araguaia foi
transformado em um relatório contendo uma avaliação dos recursos naturais relacionados ao o
potencial hídricos que a mesma tinha e que deveria ser um sistema integrado em um programa de
uso múltiplo de longo prazo, com ênfase na agricultura, tanto seca com irrigada; geração
hidrelétrica; navegação; controle dos rios; atividades industriais e economia associada;
apresentando recomendações para o futuro programa de ação.
Em 1976 foi apresentado um inventário hidrelétrico do rio Tocantins e seus afluentes.
Esse estudo resultou no planejamento de oito hidrelétricas para o leito principal do rio (Tabela 2).
Segundo Araújo (2003), devido ao barramento para construção das UHEs, as extensas áreas de
terras seriam alagadas, cobrindo cidades históricas da região. Um dos barramentos previstos,
Porto Nacional, alagaria a cidade de Porto Nacional, que tinha mais de cem anos de história. A
47
barragem de Peixe cobriria as cidades de Paranã, São Salvador, a Vila do Retiro e entre outros
povoados e comunidades.
Tabela 2 - Número de barragens planejadas para o leito principal do rio Tocantins na década de 1970 e 1980
Nº de projetos planejados 8
Nº de projetos em fase de construção 0
Nº de projetos construídos 1
Fonte: Foschiera (2009), e Araújo (2003). Org.: Lucione Souza Batista
Novos estudos foram realizados na década de 1980 e indicaram pela mudança de local
de algumas das UHEs e foram definidas outras que não estavam planejadas nos estudos de
inventários da década anterior. Esses estudos abrangeram toda a bacia do Tocantins-Araguaia e
seus afluentes. Para o leito principal do rio Tocantins planejou-se a construção de onze (11)
UHEs – até o momento havia uma usina construída, a de Tucuruí. (Tabela 2). Além de fornecer
energia, caso fossem construídas eclusas juntos aos barramentos das UHEs, pretende-se
possibilitar a construção de uma hidrovia ao longo de seus reservatórios (TOCANTINS, 1982 e
1987; ARAÚJO, 2003; FOSCHIERA, 2009).
A primeira UHE a ser construída no leito principal do rio Tocantins foi a de Tucuruí, sob
responsabilidade da Eletronorte. O início das obras ocorreu em 1975 e a construção desse
empreendimento sofreu várias reprogramações, o que levou a um atraso no funcionamento, sendo
que as comportas foram fechadas em 1984. No projeto original da UHE estava previsto a
construção de uma eclusa, porém esta apenas foi iniciada e logo paralisada devido à falta de
verbas.
Após a construção de Tucuruí os projetos de construção de UHEs no leito principal do
rio Tocantins ficaram paralisados, sendo retomados novamente a partir de 1986, quando, sob
responsabilidade de Furnas, se inicia a construção da UHE de Serra da Mesa, em área pertencente
ao estado de Goiás. Porém o empreendimento teve suas obras paralisadas devido à “retração do
mercado de energia elétrica, na época, recessivo, e, devido às dificuldades de obtenção de
recursos requeridos para a sua conclusão”. (ARAÚJO, 2003, p.37).
48
A construção de UHE no leito principal do rio Tocantins voltou a tona a partir da metade
da década de 1990, dentro do novo modelo energético brasileiro que previa a participação de
empresas privadas na geração de energia elétrica. Nesta perspectiva foram construídas as UHEs
de Serra da Mesa e Cana Brava no estado de Goiás, Lajeado, Peixe Angical e São Salvador, no
estado do Tocantins, e Estreito, na divisa dos estados do Tocantins e Maranhão. As demais
seguem em fase de licenciamento. (Quadro 1).
Os conflitos vão ser ampliados devido à quantidade de projetos planejados para os
afluentes dos dois rios mais importante dessa região. São milhares de famílias que terão de
abandonar suas terras, e terão de fazer enfrentamentos para lutar pela indenização.
Quadro 1 - Usinas Hidrelétricas projetadas para afluentes do Rio
Tocantins e Araguaia
Afluentes maiores do rio Tocantins
Nome das UHE Situação
Couto Magalhães Licitada 2º sem. 2001
Barra do Peixe Viabilidade
Torixoréu A licitar em 2003
Barra do Caiapó Inventário
Araguanã A licitar em 2003
Santa Izabel Licitada 2º sem. De 2001
Foz do Noiodore Projeto Básico
Afluentes menores do rio Tocantins
Nome das UHE Situação
Quintal Inventário
Maranhão A licitar em 2003
Porteiras 2 Inventário
Jaraguá Inventário
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Volta do Deserto Inventário
Cores Inventário
Mutum Inventário
Genipapo Inventário
Buriti Queimado Inventário
Moquém Inventário
Mirador A licitar em 2003
Colinas Inventário
São Domingos Em operação
Foz da Bezzera Viabilidade
São Domingos Inventário
Palmas Inventário
Soninho I e II Inventário
Arara Inventário
Jalapão Inventário
Cachoeira da Velha Inventário
Brejão Inventário
Novo Acordo A licitar em 2003
Isamu Ikeda Em operação
Rio Sono Inventário
Perdida 1 Inventário
Perdida 2 Inventário
Itacaiúnas 1 Inventário
Itacaiúnas 3 Inventário
Fonte: Arquivo pessoal. Organização: Lucione Souza Batista.
50
Como se constata, na bacia hidrográfica do Tocantins e Araguaia estão projetadas
dezenas de projetos hidroelétricos e é nesse contexto que os projetos de infra-estrutura vão ser
consolidados. Entretanto, o quadro atual que podemos inserir tanto as UHEs em operação quanto
em construção e as projetadas (Figura 2), é possível de reconhecer que a gravidade da situação
social e ambiental já se impõe como situação de fato. (Quadro 2). Em consequência, a destruição
dos rios, o desterreamento de centenas/milhares de pessoas e a própria cultura desses ribeirinhos
estarão seriamente ameaçadas.
51
Quadro 2 - Os projetos de construção de barragens no Rio Tocantins
Nome da barragem
Inicio da obra
Término da obra Empresa responsável Situação Nº de famílias atingidas
Potencial energético (MW)
Tucuruí 1975 1984 Eletronorte Em operação 10.000 3960
Serra da Mesa 1990 1998 Furnas e Votorantim Em operação 3.000 1275
Lajeado 1997 2001 EDP de Portugal ou Energias do
Brasil Em operação 4.969 850
Cana Brava 1998 2002 Tractebel Em operação 1.400 450
Peixe Angical 2001 2006 EDP de Portugal ou Energias do
Brasil Em operação 1.000 450
São Salvador 2002 2009 Tractebel Em operação 700 224*
Estreito 2007 2011 Tractebel, Vale, Alcoa e Camargo
Corrêa Em operação 5.000 1087
Tocantins - - EDP de Portugal ou Energias do
Brasil Estudo de viabilidade
2.500 520
Tupiratins - - Projeto Estudo de viabilidade
3.000 820
Serra Quebrada - - Projeto Estudo de viabilidade
7.000 1328
Marabá - - Projeto Estudo de viabilidade
2.000 2016
58.569
Fonte: Araujo (2003) e Fonshiera (2009). Org: Lucione Souza Batista
52
3.1. O Conflito em torno do acesso a terra e pela água na Região Sul do Tocantins
A região Sul do Tocantins tem um histórico de grilagem de terras e, em consequência,
de expulsão e expropriação de camponeses, índios, posseiros etc. jagunços, latifundiários,
madeireiros ou somente coronéis, sendo fiel à nomenclatura regional são temidos e diante da
cultura da impunidade continuam reinando nessa terra sem lei. Muitos dos camponeses expulsos
de suas terras foram para cidades, vilas ou se transformaram meeiros, vaqueiros, arrendatários,
parceiros nas propriedades nas margens do rio Tocantins, do rio Palmas e rio Paranã. Esses
camponeses, também chamados de ribeirinhos, vivem do plantio de vazante, da pesca e do
extrativismo vegetal, encimados, pois, em hábitos e vida simples, porém com (bio)diversidade
produtiva e cultural.
Na área de abrangência do reservatório de São Salvador (Figura 1) há uma grande
quantidade de famílias que não tinham documento de propriedade da terra na qual residiam e/ou
trabalhavam. O número de famílias com documentos legais de propriedade da terra era ínfimo,
sendo, pois, na maioria das vezes, grandes proprietários, no entanto, a maioria da população
atingida é de famílias de sem terras, ou seja, são posseiros e ocupantes. (Gráfico 1).
Gráfico 1- Tipos de camponeses atingidos pela barragem
77%
6%11% 6%
ocupante proprietário meeiro arrendatário
Fonte: Relatório socioeconomico da Usina Hidrelétrica de São Salvador, 2006.Org: Lucione de Souza Batista
53
As famílias atingidas, na maioria se encontravam em uma das seguintes condições:
camponeses ribeirinhos, que viviam de uma agricultura de subsistência, de pesca e coleta de
frutos; os camponeses meeiros, arrendatários, parceiros; assalariados rurais ou vaqueiros.
(Gráfico 1). Outros grupos atingidos foram os dragueiros - que exploravam areia e seixo - e os
garimpeiros - que faziam extração do ouro.
Fator marcante que ocorreu na UHE São Salvador foi que as famílias que já tinham sido
atingidas em outros empreendimentos hidrelétricos, como Cana Brava (GO) e Peixe Angical
(TO), e que migraram para a área que posteriormente foi atingida pela UHE São Salvador,
voltaram a ser atingidas novamente. Alguns viam nessa nova barragem uma oportunidade de
recuperar o que tinham perdido nas anteriores, pois quem tinha o controle da UHE de Cana Brava
foi a mesma empresa que construiu a UHE São Salvador. Dentre esses grupos podem-se citar
funcionários públicos, comerciantes, pessoas desempregadas da região, balseiros, garimpeiros,
dragueiros, ribeirinhos, entre outros.
A diversidade dos grupos atingidos dificultou a formação do MAB na região Sul do
estado do Tocantins, onde além da UHE de São Salvador foi construída, anteriormente, a UHE de
Peixe Angical, cujo lago que também atingiu também o município de São Salvador, e de fato, foi
o início das ações do MAB naquela porção do estado de Tocantins, tendo à frente os camponeses
ribeirinhos como protagonistas.
A construção da usina hidrelétrica de Peixe Angical, iniciada em abril de 2002, ficou
interrompida por cerca de um ano até ser retomada em outubro de 2003, com a entrada de
FURNAS na Sociedade de Propósito Específico da Enerpeixe, hoje formada pelas Energias do
Brasil (Grupo EDP /Energias de Portugal), com 60% de participação, e FURNAS, com 40%,
totalizando investimentos de R$ 1,6 bilhão.
É nesse cenário que o MAB vem discutindo e trabalhado com as comunidades atingidas
ou ameaçadas pelos grandes projetos. Segundo Zitzke, (2009, p. 283).
Os projetos de grande escala, no Tocantins, caracterizam os processo de ocupação territorial e de expansão econômica provocando impactos ambientais e sociais e os conflitos estabelecidos entre os empreendedores e os impactados no processo de compensação ambiental e inserção sócio-econômico e regional.
Esse é o modelo de desenvolvimento que o Estado brasileiro, junto com a iniciativa
privada, projetou para o país. E nesse modelo, o projeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins vem
numa perspectiva de um “megaprojeto”, ligado a um complexo de infra-estrutura de transporte de
54
caráter multimodal - rodovias, ferrovias e hidrovias. Porto-Gonçalves (2008) destaca que não há
dúvida que um dos principais objetivos dos megaprojetos são: o controle da água, da terra e da
biodiversidade em geral. Esse autor escreve que:
Contam, ainda, esses grandes complexos corporativos com forte apoio do Estado brasileiro que dispõe de instituições públicas que operam gerando as condições gerais de produção (estradas, energia, comunicações, financiamento), como é o caso do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social- (note-se que o S de Social está oficialmente em letra minúscula) que dispõe anualmente de mais recursos financeiro que o próprio Banco Mundial (PORTO-GONÇALVES, 2008, p. 204).
A abundância de recursos naturais existentes na bacia hidrográfica Araguaia-Tocantins,
especialmente os hídricos, confere à mesma um caráter estratégico no contexto nacional. Além do
avanço das atividades ligadas á agropecuária e da exportação mineral, o aproveitamento do
potencial hidrelétrico e as possibilidades do desenvolvimento do transporte hidroviário, para o
escoamento da produção agrícola regional de exportação em direção aos portos do norte, são
visto como oportunidades de investimentos apontados como prioritários no contexto do
planejamento nacional para essa bacia.
Nessa conjuntura surgem vários conflitos sociais, pois os grandes projetos de infra-
estrutura têm causado o desalojamento de milhares de famílias, que sofrerão drásticas mudanças
no seu modo de vida. Segundo os levantamentos em 2000 pelo MAB, realizado em cada
barragem, estima-se que apenas no leito principal do rio Tocantins, somando-se a população já
reassentada por hidrelétricas e dos futuros atingidos por novos empreendimentos, chegaremos a
aproximadamente 45.000 famílias.
Para Porto-Gonçalves (2008) a construção de grandes obras está presente no país a longa
data.
O Brasil não só detém as maiores empresas da região como tem uma larga experiência Tecnológica, consolidada desde a construção de Brasília e, sobre tudo, no período da ditadura, quando grandes hidrelétricas e grandes eixos rodoviários foram construídos, com sérias implicações socioambientais, particularmente no Cerrado e na Amazônia. (p.211)
55
Nesse contexto é importante destacar que é uma grande perda para essas famílias terem
que abandonar suas residências e comunidades onde construíram suas histórias, mas o problema
se agrava, pois terão ainda que lutar para conseguirem uma indenização justa. Uma considerável
parcela dessa população não consegue nenhum tipo de indenização, pois se estimam que 70% das
famílias não são indenizadas.
3.2. As formas de organização e luta dos Atingidos por Barragens em São Salvador
As formas de resistência que os atingidos implementaram diante da determinação da
empresa responsável pela construção da barragem de São Salvador, impediu a aceitação das
imposições por parte da empresa. Enquanto foram barrados ou mesmo impedidos de se
organizarem, livremente, as populações atingidas fizeram diversas manifestações, inclusive com
a construção de acampamento em frente ao canteiro de obras, bloqueando a estrada principal que
dava acesso dos trabalhadores a Usina durante três dias, bem como na própria cidade de São
Salvador.
O motivo de estabelecerem um acampamento seria para exigir o pagamento de
indenização para todas as famílias atingidas. A mobilização como forma de garantir os direitos foi
a opção que norteou a organização das famílias. O conflito se intensificou quando os
proprietários de terras, os meeiros, ocupantes, arrendatários, dragueiros e garimpeiros3 da região,
juntaram-se no acampamento, incorporando e fortalecendo a luta contra os empreendedores.
(Foto 10).
3 Arrendatários, meeiros e ocupantes são famílias de camponeses sem terras, que têm como principais atividades são o plantio de vazantes, o extrativismo e entre outros a criação de animais. Já, os dragueiros e os garimpeiros são trabalhadores que desenvolvem atividade de mineração na extração de areia, seixo e ouro no leito do rio Tocantins.
56
Foto 10 - Acampamento dos Atingidos pela Barragem de São Salvador
Fonte: Arquivo pessoal Rosimaria Gonçalves.
No dia a dia, as famílias vivenciaram situações de muita tensão, com a presença da
polícia, que de intimidar, também agiu para inibir ações das famílias atingidas. Em momento de
acirramento dos ânimos, a presença da tropa de choque da Polícia Militar do Tocantins, expressou
mais uma vez no Brasil, no rol da lista suja da truculência, a prepotência da burguesia e do
Estado, quando utilizam de todas as armas para manter seus interesses acima de tudo e de todos.
(Foto 11).
Como podemos ver na matéria do Jornal do Tocantins publicado no dia 13 de setembro
de 2007:
Os manifestantes desbloquearam ontem á tarde a estrada que dá acesso à Usina Hidrelétrica (UHE) de São Salvador, a 362 quilômetros de Palmas, no sudeste do Estado, depois que juíza de Palmeirópolis, Renata Teresa da Silva, determinou a liberação da rodovia. Por volta das 16h30 os populares liberaram a pista, cantando o Hino Nacional enquanto retiravam pedras, galhos e corda que impediam o acesso a obras da UHE para os caminhões de carga e funcionário da empresa (MACEDO, 2007, paginação irrregular).
57
Foto 11- Presença da Polícia Militar no Acampamento dos Atingidos por Barragem
Fonte: Arquivo pessoal Rosimaria Gonçalves.
Outro aspecto importante a destacar é que a falta de critérios para a indenização das
famílias atingidas dificultou e intensificou o conflito, uma vez que, haviam discordâncias entre os
atingidos e a empresa, referente ao marco em que deveriam se basear para referenciar as
indenizações e os critérios de pagamento.
Para o MAB o período de referência e a amplitude das perdas deveriam compor um
conjunto de quesitos, que por sua vez, estariam vinculados ao início das obras, ou seja, março de
2006. Enquanto a empresa insistia que o parâmetro deveria ser o cadastro sócio-econômico
realizado a partir, de fevereiro de 2003, e que contemplava menos da metade das famílias
efetivamente atingidas, tendo em vista tratar-se de uma área que registra movimentos migratórios
constantes, devido à construção de hidrelétricas, tanto a montante quanto à jusante de São
58
Salvador.
Como não houve consenso entre as partes, as famílias decidiram que deveriam se
mobilizar para tentar garantir seus direitos. Foi então, que em 10 de Setembro de 2007 iniciou-se
um acampamento em frente ao canteiro de obras, com mais de 500 famílias atingidas,
interditando o acesso dos trabalhadores ao canteiro de obras.
Esse conflito entre ribeirinhos e a empresa multinacional, já vinha de vários anos porque
a mesma não queria reconhecer os atingidos, pois argumentava que o parâmetro deveria ser o
levantamento manipulado por ela, que registrava poucas propriedades atingidas. Por isso que no
período do acampamento, além dos momentos tensos, com exacerbação dos enfrentamentos,
houve momentos de formação política, com palestras, discussões, de troca de experiência com
lideranças dos atingidos das barragens de Peixe Angical e Lajeado. Também ocorreram reuniões
com representantes do empreendimento, do Ministério Publico Federal e Estadual, visando
organizar um acordo sobre o impasse existente.
Esse acampamento permaneceu por dois meses, até que ocorreu um acordo entre os
acampados e os responsáveis pelo empreendimento, na qual os garimpeiros e dragueiros não se
encaixavam, por que a empresa dizia que eles não tinham documentos das áreas por isso não
tinham direito a indenização.
Nesse caso os atingidos puderam contar com o apoio dos órgãos fiscalizadores, tais como:
Ministérios Públicos (federal e estadual) na realização de inúmeras audiências públicas, além de
ações diárias como as negociações e as participações dos atingidos, garantidas, nas diversas
comissões e reuniões para tenta re sorver o impasse entre partes.
Como podemos destacar no depoimento de Flávio Gonçalves dos Santos (coordenador do
MAB, 2011): “esta luta não está sendo fácil, pois ela é construída cotidianamente nas derrotas e
nas vitórias, mas com um objetivo principal: a construção de uma sociedade justa e igualitária
onde haja distribuição eqüitativa das riquezas”. (Entrevista)
O conflito continuou, mas parte das reivindicações foram resolvidas a partir de alguns
critérios. Para as famílias serem indenizadas, a primeira exigência era morar em área alagada até
01 de julho de 2005; e o segundo e ter vínculo com a terra e ser essa sua principal fonte de renda,
além da família morar a sua principal fonte de renda fosse agricultura e criação de pequenos
animais.
Para Santos (2010), as famílias que contemplassem esses critérios estabelecidos e fossem
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proprietárias, teria o direito ao reassentamento em uma área de 80 hectares, e além dos diversos
benefícios, uma carta de crédito no valor de R$ 74 mil, junto com indenização das benfeitorias.
As famílias ocupantes, arrendatários, meeiros e filhos casados que tinha dezoito anos e
que e se enquadrassem nos critérios estabelecidos, tinham o direito a um reassentamento de 27,3
hectares com, casa que o tamanho e de acordo com o número de pessoas da família que morava
na casa, o lote todo cercando com divisórias e terras preparadas por dois anos e parte da terra
formada e assistência técnica por dois anos por conta da empresa responsável pelo o
empreendimento ou uma carta de credito de R$ 74 mil. (Quadro 3).
Quadro 3 - Tipos de indenização de São Salvador do Tocantins
Tipo de indenização Critério Amplitude Carta de credito, Reassentamento e
indenização Ocupante, Meeiros, Aredatarios,
Parceiro. Carta de credito de 74 mil reais ou indenização das bem feitorias ou Reasentamento de 27.30 hectares
Indenização ou Reassentamento Proprietários Indenização ou Reassentamento de 80 hectares
Indenização em dinheiro Os donos de balsa, Garimpeiros e dragueiros
100 mil reais
Indenização Os trabalhadores das balsas 10 mil reais Fonte: Movimento dos Atingidos por Barragens (2002). Org: Lucione Souza Batista, 2011.
As formas de indenização registradas no Quadro 5, são produto de muita luta e
organização. Nesse sentido, a fim de avaliar quais famílias se enquadravam nos critérios
estabelecidos, crio-se o Grupo de Trabalho (GT), composto por integrantes dos órgãos e
entidades, cujo intuito era estudar os casos de cada família atingida, incluindo o levantamento de
documentos como as visitas e as entrevistas com cada atingido, para assim selecionar as famílias
que se enquadravam nos critérios estabelecidos.
Os garimpeiros e dragueiros não contentes por não serem enquadrados no processo de
indenização, iniciaram um acampamento dentro da cidade de São Salvador, localizado em frente
ao escritório da empresa construtora da UHE. Para esses grupos de trabalhadores, os demais que
já tinham sidos indenizados, se acovardaram, pois com o advento da indenização, os mesmos
acabaram-se esquecendo da luta que até então tinha sido conjunta.
Após várias semanas de intensas negociações, os dragueiros e os garimpeiros que
totalizavam 14 balsas, apenas tiveram o reconhecimento de 10 balsas pela empresa, sendo que em
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cada balsa trabalhavam 10 pessoas. O que ficou definido foi que cada proprietário de balsa
receberia R$ 100.000,00, e os trabalhadores receberiam R$10.000,00 cada.
Para a região do Tocantins foi uma conquista histórica e para o MAB, mais do que uma
conquista material foi um marco do ponto de vista da luta de resistência e dos enfrentamentos
com o capital e o Estado e, consequentemente, os significados para os trabalhadores que foram
atingidos pelas demais obras, na região. Isto é, em outras UHEs como, por exemplo, Peixe
Angical, Cana Brava e Serra da Mesa, os garimpeiros e os dragueiros ainda não foram
indenizados.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos com esse trabalho apresentar um debate sobre os conflitos gerados devido a
implementação de um Projeto de Grande Escala para Geração de Energia Elétrica. A implantação
desse projeto se baseia num discurso de desenvolvimento regional que o mesmo proporciona: a
geração de empregos, impostos para os Governos Estaduais e Municipais, oportunidades e
crescimento para região. Também, buscamos avaliar as influências que o mesmo tem sobre as
políticas públicas locais e regionais, e os impactos que exerce sobre as comunidades no que diz
respeito às questões sociais, culturais e econômicas.
Este trabalho apresenta o processo de organização do MAB, e identifica a contribuição da
geografia nesse processo. Reconhecendo que só através da luta e da busca permanente da
organização tem-se garantido os direitos destas famílias relocadas. Direitos esses entendidos
como reparações e compensações por terem sido expulsas de suas terras e obrigadas a conviver
em um novo território, tendo que se desvencilhar de suas raízes, seus vínculos de amizade e sua
identidade cultural e territorial.
Acreditamos que a pesquisa em geografia tem muita a contribuir para o entendimento dessa
realidade. A partir da consideração dos movimentos sociais enquanto o objeto de estudo da
geografia e reconhecendo a geografia como uma ciência social, a mesma está intimamente
relacionada com a discussão dos problemas ocasionados pelos grandes projetos de
desenvolvimento, nesse caso, os projetos de barragens.
No processo de formação política dos atingidos por barragens, a geografia pode contribuir
de diferentes maneiras, desde a informação simples dos impactos sobre o território, até questões
mais complexas como análise política e econômica da realidade.
É importante destacar que há uma fragilidade das comunidades para enfrentar os grandes
projetos que estão previstos para os Estados do Tocantins, Maranhão e Pará, pois há uma
dificuldade para entender a implantação desses projetos nessa região, bem como no que diz
respeito a organização dessas famílias para enfrentá-los.
Há também uma fragilidade no MAB por não ter condições de acompanhar todas as
comunidades onde tem projetos de barragens no estado, porque são muitas. É importante destacar
que o movimento vem investindo em cursos de formação de militantes, tanto em nível médio
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quanto em nível superior para fortalecer o processo de organização e lutas dos atingidos por
barragens no Tocantins.
O MAB tem um grande desafio para a região Norte, devido a grande quantidade de projetos
de infra-estrutura que já foram planejados ainda na década de 1970, no período da ditadura
militar. Esses projetos vêm no sentido de viabilizar a expansão e circulação de mercadoria, porém
com um discurso de desenvolvimento regional.
O governo brasileiro, com as privatizações e financiamento das infra-estruturas via o
BNDS, vêm só fortalecendo as multinacionais que exploram os trabalhadores que trabalham nos
empreendimentos. Além de não pagarem os direitos de quem foram atingidos, tanto nos projetos
de hidrelétricas com em outros: ferrovias, hidrovias, rodovias, portos, aeroportos e nos projetos
de irrigação nos plantios de soja que já expulsaram muitos camponeses.
O Estado brasileiro dá todas as condições para as empresas se instalarem nos
empreendimentos. Um exemplo que podemos citar é que a Força Nacional permaneceu durante a
construção da barragem de Estreito, durante meses para evitar que os atingidos ocupassem o
canteiro de obra da barragem. Isso mostra que o Estado está a serviço do capital internacional.
Hoje, com o capital mundializado e os governos a serviço das empresas, fica difícil de
organizar os atingidos, por que há uma disputa pelo território onde são vários os sujeitos que
estão envolvidos. Isso causa uma dificuldade de entendimento da realidade pelos sujeitos e as
instituições envolvidas: nas populações atingidas, no movimento, nas prefeituras, no governo do
estado, nas organizações não governamentais, etc. Neste conflito, temos, por parte das empresas,
os advogados dizendo que garante a indenização das famílias e a própria empresa com o discurso
de que vai cumprir a lei e a legislação ambiental, É no interior desse conflito que vivem os
atingidos por barragens ou atingidos por outros empreendimentos de infra-estrutura.
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