nas ondas do rÁdio: a viabilizaÇao da...
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MARLI TEREZINHA SZUMILO SCHLOSSER
NAS ONDAS DO RÁDIO: A VIABILIZAÇAO DA MODERNIZAÇÃO
AGRÍCOLA NO OESTE DO PARANÁ (1960-1980)
MARINGÁ
2001
MARLI TEREZINHA SZUMILO SCHLOSSER
NAS ONDAS DO RÁDIO: A VIABILIZAÇAO DA MODERNIZAÇÃO
AGRÍCOLA NO OESTE DO PARANÁ (1960-1980)
Dissertação apresentada à Universidade Estadual de Maringá, para obtenção do grau de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Junior
MARINGÁ
2001
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil) Schlosser, Marli Terezinha Szumilo S345n Nas ondas do rádio: a viabilização da modernização
agrícola no Oeste do Paraná (1960-1980) / Marli Terezinha Szumilo Schlosser. -- Maringá, 2001.
236 p. : fots. Color. Orientador : Prof. Dr. Antonio Thomaz Junior Dissertação (mestrado) - Departamento de Geografia.
Universidade Estadual de Maringá, 2001. 1. Modernização agrícola - Região Oeste - Paraná. 2.
Discursos jornalísticos - Análise. I. Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Geografia. II. Título.
CDD 21.ed. 630.98162 338.18
410 CIP-NBR 12899
DEDICO Dedico este trabalho de maneira especial a Dean, Diego e Vilmar que souberam entender as minhas constantes ausências. Um trabalho como este é fruto de uma construção coletiva. Sendo assim, dedico aos meus pais Josefa e Tadeu, bem como a todos os amigos que contribuíram com palavras de incentivo e carinho.
iii
AGRADECIMENTOS
A construção de um trabalho de pesquisa envolve várias etapas e
sentimentos, entre os quais orientação, amizade e incentivo. Portanto, é preciso
atenção redobrada ao registrar meus sinceros agradecimentos àqueles que colaboraram
para que o projeto se tornasse realidade:
Aos professores do curso de Mestrado em Geografia da UEM, cujas aulas
foram extremamente importantes para a elaboração deste trabalho;
Aos professores do Colegiado de História da UNIOESTE – Campus de
Marechal Cândido Rondon, que me incentivaram no decorrer da pesquisa;
Aos funcionários da Rádio Difusora do Paraná pelo auxílio e fornecimento
do material para a pesquisa, em especial ao jornalista Lincon Leduc (in memorian) e
ao Rafael Seffrin;
Aos entrevistados, cujas falas foram de extrema relevância para a pesquisa;
É preciso ainda registrar meu agradecimento aos amigos Adélia, Claércio,
Edson, Ilse, Neiva, Róbi, Ronaldo, Tere;
Aos professores Dr. Valdir Gregory, Dr. Elpídio Serra e Ms. Lia Dorotéa
Pfluck, pelas preciosas contribuições;
À Marcia Elisa Sbaraini Leitzke pela revisão das normas, pela digitação dos
originais e, sobretudo, pela amizade;
A Paulo Cezar Konzen, pela revisão criteriosa do texto;
De maneira muito especial, ao professor Silvio Galvão de Queirós (in
memorian) que, em vários momentos cercados por debates, fez sugestões relevantes;
Ao professor-orientador Dr. Antonio Thomaz Junior, pelo incentivo e pelas
importantes contribuições.
iv
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS................................................................................................. vii
LISTA DE FOTOS .................................................................................................... viii
LISTA DE SIGLAS..................................................................................................... ix
RESUMO...................................................................................................................... xi
ABSTRACT ................................................................................................................ xii
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................1
INTRODUÇÃO .............................................................................................................3
1. DISCURSOS JORNALÍSTICOS: O PODER DA IMPRENSA E O PROJETO
DE DESENVOLVIMENTO NAS ONDAS DO RÁDIO .....................................10
1.1 AS FONTES JORNALÍSTICAS ...........................................................................27
2. A TECNIFICAÇÃO NO CAMPO: A MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA DE
MARECHAL CÂNDIDO RONDON ....................................................................33
2.1 MUDANÇAS TÉCNICAS NA FORMA DE CULTIVAR A TERRA.................38
2.2 DESMATAMENTO E PROGRESSO...................................................................55
2.3 A MÁQUINA, A MODERNIZAÇÃO E A EXCLUSÃO.....................................65
2.4 AÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DOS CRÉDITOS ......................................................73
3. OS EFEITOS DA ESPECIALIZAÇÃO NA DEGRADAÇAO SÓCIO-
AMBIENTAL: NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇAO DA
PRODUÇÃO..........................................................................................................104
3.1 A ADOÇÃO DE INSUMOS FÍSICO-QUÍMICOS E A DEGRADAÇÃO
SÓCIO-AMBIENTAL .......................................................................................104
3.2 CONSERVAR O SOLO, AGORA, É PRECISO .................................................129
3.3 COMÉRCIO LOCAL: DIFERENCIAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DE
RIQUEZAS.........................................................................................................137
3.4 COOPERATIVISMO: “A UNIÃO FAZ A FORÇA” .........................................149
v
3.5 A DINÂMICA DA MODERNIZAÇÃO: O LABORATÓRIO DO NOVO .......158
4. LAÇOS CULTURAIS: FACES DA MECANIZAÇAO E A
TRANSFORMAÇAO DO VIVER ......................................................................177
4.1 COTIDIANO RURAL: TRANSFORMAÇÕES DE HÁBITOS.........................185
4.2 FESTAS................................................................................................................198
4.3 A ORGANIZAÇÃO DE CLUBES ......................................................................203
5. O FENÔMENO DA INCLUSÃO E EXCLUSÃO COMO PARTE
INTEGRANTE DO NOVO ANUNCIADO........................................................207
FONTES .....................................................................................................................222
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................226
ANEXOS.....................................................................................................................233
vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Marechal Cândido Rondon: Localização (2001) ...........................................4
Figura 2– Marechal Cândido Rondon: Divisão e Limites.............................................10
vii
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Panfleto: Produção Agrícola ...........................................................................35
Foto 2 – Meio de Trabalho e Meio de Transporte.........................................................40
Foto 3 – Roça de Milho .................................................................................................41
Foto 4 – Técnicas de cultivo tradicionais ......................................................................42
Foto 5 – Desmatamento e Serraria ................................................................................57
Foto 6 – Catação de Raiz...............................................................................................61
Foto 7 – Colheita Modernizada .....................................................................................65
Foto 8 – Destoca: a ação do trator de esteira...............................................................130
Foto 9 – Área com Cultivo da Soja .............................................................................166
Foto 10 – Trabalho em Mutirão...................................................................................186
Foto 11 – Trabalhadores volantes na lavoura..............................................................208
Foto 12 – Mecanização e desmatamento.....................................................................219
viii
LISTA DE SIGLAS
APM Associação de Pais e Mestres
ACARPA Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná
ARES Associação Rondonense de Estudantes Secundários
BRDE Banco Desenvolvimento do Extremo Sul
CRB Confederação dos Religiosos do Brasil
CAM Centro Agropecuário Municipal
CESSOJA Comissão Estadual de Sementes de Soja
CEST Comissão Estadual de Sementes de Trigo
CIBRAZEM Companhia Brasileira de Armazenagem
CIROSA Companhia de Óleos Vegetais
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COOPAGRIL Cooperativa Agrícola Mista Rondon Ltda.
DER Departamento de Estadas e Rodagens
DAC Departamento de Assistência ao Cooperativismo
DENTEL Departamento Nacional de Telecomunicações
EMATER Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural
FACIMAR Faculdade de Ciências Humanas e Letras de Marechal Cândido
Rondon
FAOP Feira de Amostra do Oeste do Paraná
FUNDEPAR Instituto de Desenvolvimento Educacional do Paraná
IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias
INDA Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário do Paraná
MARIPÁ Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A
xi
ORGASOL Organização Agro Comercial e Industrial do Oeste
RIMA Rondon Implementos e Máquinas Agrícolas
SANBRA Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro S.A.
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
IPEA Instituto de Planejamento Econômico e Social
x
RESUMO
O presente estudo tem como tema central a modernização agrícola no Extremo Oeste paranaense, mais especificamente no município de Marechal Cândido Rondon, tendo como recorte temporal o período de 1960 a 1980. A construção deste tema foi norteada pela análise das fontes jornalísticas arquivadas na Rádio Difusora do Paraná. Sendo assim, a estruturação da modernização agrícola é estudada a partir das fontes jornalísticas, tendo como perspectiva a análise dos discursos produzidos por este meio de comunicação. No trabalho são analisadas as transformações produzidas na forma de cultivar a terra, bem como a reformulação do cotidiano das famílias de agricultores, operadas pelo processo de mecanização verificado no Município. O estudo destes discursos revelou a dinâmica de ação do capital e suas relações endógenas e exógenas.
xi
ABSTRACT
The present study has as central theme the agricultural modernization in the Extreme West “paranaense”, more specifically in the municipal district of Marechal Cândido Rondon, tends as temporary cutting the period from 1960 to 1980. The construction of this theme was guided for the analysis of the journalistic sources filed in to Rádio Difusora of Paraná. Thereby, the structuring of the agricultural modernization is studied starting from the journalistic sources, tends as perspective the analysis of the discourses produced by this middle of communication. In the work the transformations produced in the form of cultivating the earth are analyzed, as well as the reformulation of the daily of the farmers' families, operated by the mechanization process verified in the Municipal district. The study of these discourses revealed the dynamics of action of the capital and its endogenous and exogenous relationships.
xii
APRESENTAÇÃO
A trajetória desta pesquisa contempla o percurso acadêmico iniciado com a
graduação em História. Neste curso, tivemos acesso a noções iniciais de investigação
científica, despertando o gosto pela pesquisa acadêmica. Esta característica foi
acentuada pela obtenção de bolsa de iniciação científica do CNPq – Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Com este incentivo, atuamos
junto ao projeto de pesquisa denominado “Estruturas Agrárias e Migrações: a
colonização do Oeste do Paraná”. A definição pelo tema se deu a partir das atividades
relacionadas ao Trabalho de Conclusão de Curso, pois as atividades de bolsista
auxiliaram na elaboração do trabalho. A monografia foi orientada por uma geógrafa, a
Profª Lia Dorotéa Pfluck, o que possibilitou uma maior aproximação dos trabalhos de
campo, bem como da própria Geografia.
Cabe contextualizar o histórico, de certa forma casual, do encontro com a
fonte jornalística. A pesquisa com este tipo de fonte teve início na graduação,
prosseguiu no curso de especialização e culminou com o estudo na pós-graduação
stricto sensu. O trabalho como bolsista coloca o acadêmico numa ação dinâmica que
provoca e desenvolve habilidades direcionadas à pesquisa. Um pouco de luz sobre a
questão, faz com que olhemos de forma diferente para o ambiente pelo qual passamos.
O contato com a pesquisa ativa, o senso de busca e investigação nos faz enxergar
oportunidades. Dessa forma, o contato com a fonte jornalística aconteceu por acaso.
Em uma das atividades de bolsista desenvolvidas junto ao CEPEDAL – Centro de
Estudos e Pesquisa da América Latina, nos deslocamos à Rádio Difusora do Paraná
com objetivo de solicitar cópia da gravação do hino do município. Na ocasião fomos
recepcionados por um dos jornalistas e aproveitamos para conhecer as dependências
da emissora de rádio. Nesta ocasião, conheci os estúdios de gravação, os funcionários
e seus respectivos setores. Num destes setores, deparei com um armário em forma de
arquivo repleto de volumes, no qual havia o registro dos programas veiculados pela
2
emissora desde 1966, ano em que iniciaram as transmissões, até os dias atuais. De
imediato, aos olhos da historiadora, surgiram vários objetos discursivos, carentes de
análise. Cogitamos a possibilidade de manusear o material, o que foi permitido; de
início, com algumas restrições, no entanto, com o decorrer dos trabalhos, o acesso foi
facilitado.
No início, o material foi utilizado para a elaboração do TCC na graduação
de História; depois desenvolvemos um trabalho monográfico na pós-graduação lato
sensu. Na pós-graduação, trabalhamos a fonte jornalística aplicada ao ensino de
História. Mas, já havíamos reproduzido grande parte do material, tendo em vista a
continuidade das atividades de pesquisa. Mais tarde optamos em realizar uma
complementação de grade em Geografia, e em seguida nos submetemos à seleção no
Programa de Pós-Graduação em Geografia na UEM – Universidade Estadual de
Maringá. Assim, retornamos aos arquivos da Rádio e reproduzimos o restante das
fontes de acordo com a delimitação temática. O resultado deste trabalho é a presente
dissertação retratando a modernização agrícola no Extremo Oeste do Paraná.
Ressaltamos que a trajetória acadêmica, desde o início, foi caracterizada
pela interdisciplinaridade entre História e Geografia, pois as atividades exercidas como
professora do ensino fundamental e médio eram desenvolvidas por meio do
intercâmbio entre as duas disciplinas. Assim, a Pós-Graduação (lato sensu)
Interdisciplinar Aplicada ao Ensino Básico aproximou as duas disciplinas. Além disso,
é necessário destacar o envolvimento pessoal com a pesquisa já que sou filha de
agricultores, o que me aproximava do ambiente rural e do próprio meio ambiente.
Assim, o trabalho de campo, a natureza vista no contexto da ação do homem,
despertou o interesse cada vez maior pela Geografia. Enfim, a linha de pesquisa
“Organização do Espaço Habitado” condizia com as perspectivas de análise e a
essência e a dinâmica da investigação tomou a dimensão de uma “paixão” pela área.
No entanto, esta paixão mostrou-se duradoura e ainda persiste e, como tudo leva a
crer, persistirá ainda por muito tempo.
INTRODUÇÃO
"Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não haveria pobreza no mundo e ninguém morreria de fome." Mahatma Gandhi
O presente estudo tem como tema a modernização da agricultura na região
Oeste do Paraná, mais especificamente na área que compreende o Município de
Marechal Cândido Rondon, tendo como recorte cronológico o período de 1960 a 1980.
Ao propormos tal tema, torna-se relevante caracterizar a área que compreende este
espaço: localizado no Extremo Oeste do Paraná — fronteira do Brasil com o Paraguai1
— o município de Marechal Cândido Rondon foi colonizado na década de 1950 pela
Companhia Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S. A. – MARIPÁ2.
Recentemente, com os desmembramentos e subdivisões que ocorreram no município
de Marechal Cândido Rondon surgiram outros municípios: Quatro Pontes, Mercedes,
Pato Bragado, Entre Rios do Oeste, e cerca de 17% do total da área foram inundados
pelas águas da represa da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Sendo assim, a área anterior,
que era aproximadamente de 1.047 km2, atualmente encontra-se reduzida para
747,1166 km2, de acordo com dados divulgados pela Secretaria Municipal do Meio
Ambiente e Recursos Hídricos, no que se refere à população, esta totaliza 46.461
habitantes3.
1 O município está localizado na Messorregião Geográfica do Oeste Paranaense, especificamente na microrregião de Toledo. De acordo com o documento Produção e Organização do Espaço Geográfico Municipal e Estadual, “o município, com uma área de 1.047 km2, situa-se entre 24º 33’40’’ latitude sul e 54º 04’ longitude oeste, mp 3º planalto ou de Guarapuava, a 420m acima do nível do mar, distante 631 km de Curitiba, capital do Estado do Paraná, na região sul do Brasil” (Cf. MARECHAL Cândido Rondon, 1989-1992, p. 4). 2 A partir desse momento, esta empresa colonizadora será referenciada pela sigla MARIPÁ. 3 IBGE. Censo demográfico de 2000. Disponível na Internet: <http:\\www.ibge.gov.br>. Acesso em 25 set. 2000
4
Figura 1 – Marechal Cândido Rondon: Localização (2001)
FONTE: Prefeitura Municipal de Marechal Cândido Rondon. ExpoRondon 2001. 25-07-2001.
O interesse pela presente temática surgiu durante o desenvolvimento de
atividades junto ao projeto de pesquisa denominado Estruturas Agrárias e Migrações:
a colonização do Oeste do Paraná, realizado no extremo Oeste do Paraná sob
orientação do prof. Dr. Valdir Gregory, no qual tivemos atuação como bolsista do
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O interesse
pelo tema aumentou em função dos trabalhos desenvolvidos enquanto bolsista e
também nas discussões acadêmicas sobre a História e a Geografia Regional no
decorrer do curso de Graduação em História e prosseguiram no curso de Pós-
Graduação lato sensu. As leituras de obras significativas sobre a colonização e a
modernização agrícola contribuíram também na definição do tema.
Mas, aliada às questões teóricas, estava presente a curiosidade de entender
de que forma ocorreu a modernização na região de Marechal Cândido Rondon. Esse
interesse está vinculado à vivência que tivemos no meio rural, enquanto filha de
5
agricultores. Dessa forma, a própria dinâmica do estudo faz com que o corpo teórico
tenha um caráter informativo atrelado a essa experiência de vida.
A decisão por este objeto de pesquisa, contemplando a modernização da
agricultura, surgiu, portanto, após as leituras e tarefas realizadas junto ao projeto
Estruturas Agrárias e Migrações, sendo que uma das atividades desenvolvidas foi a
pesquisa efetuada junto à Rádio Difusora do Paraná, de Marechal Cândido Rondon.
Esta atividade possibilitou o acesso a um número significativo de fontes jornalísticas
sobre a modernização e também sobre outros temas. A Rádio deu início às
transmissões a partir de 1966 e, desde que entrou em funcionamento, tem seus
programas jornalísticos arquivados, o que permitiu uma análise a partir destas fontes
primárias.
O contato com estas fontes ocorreu por acaso: numa das atividades de
pesquisa, nos deslocamos até a Rádio Difusora e na ocasião estávamos buscando uma
fita na qual foi gravado o Hino do Município. Na oportunidade, aproveitamos para
conhecer as dependências da Rádio e seus mecanismos de funcionamento. Foi quando,
em conversa com um dos jornalistas, este gentilmente se dispôs a nos receber e
explicar em detalhes o funcionamento da emissora. O jornalista revelou ter interesse
pela história do município e, ao falarmos sobre as perspectivas da pesquisa, mostrou os
arquivos da rádio. Com isto, tivemos acesso à sala onde todo material é arquivado.
Cabe destacar que estas fontes ainda não haviam sido contatadas por pesquisadores.
Cogitamos a possibilidade de consultar o material.
Num primeiro momento, foram permitidos apenas o acesso e o manuseio do
material. Neste sistema, a forma de reprodução era demorada, pois copiávamos na
íntegra todos os programas que julgávamos pertinentes ao nosso tema (inicialmente
para o trabalho de conclusão de curso e, posteriormente, para o curso de pós-
graduação. Nesta época, já visualizávamos a possibilidade de seqüência de nossos
estudos ao nível de mestrado). Após meses de trabalho, devido ao fato de os volumes
não possuírem sumário, consultamos todos os programas para identificar nossos temas
e, com o andamento da pesquisa, surgiram questionamentos por parte do diretor da
emissora sobre os fins da pesquisa, a relevância dos próprios arquivos e tudo isso foi
gerando um vínculo de confiança e finalmente pude retirar os volumes para sua
6
posterior reprodução. Assim, marcava os programas jornalísticos de meu interesse e, a
partir de um determinado número de volumes consultados, retirava o material para
fazer a reprodução.
Além do material jornalístico presente nos arquivos documentais,
encontramos outros programas gravados em fitas de vídeo e áudio, sendo que um
destes programas registrados era, e ainda é, realizado aos domingos e denomina-se “A
Personalidade da Semana”. Também há um pequeno número de recortes de jornais —
incluindo panfletos de vendas de terras da época da colonização (década de 1950),
utilizados pela MARIPÁ para divulgar as terras da Região Oeste do Paraná, mais
especificamente do então município de Toledo4.
Todo esse material jornalístico vem ao encontro deste estudo, pois contém
subsídios relevantes para o entendimento das transformações socioculturais ocorridas
durante as últimas décadas do século XX na região. Com tal abordagem, pretende-se
adicionar elementos novos à problemática, diferentemente da “visão agronômica que,
por sua própria natureza, focaliza questões de produção, produtividade e
modernização, sem preocupar-se muito com as implicações sociais de médio e longo
prazo das mudanças em curso” (MARTINE, 1989, p. 21).
No primeiro capítulo, Discursos jornalísticos: o poder da imprensa e o
projeto de desenvolvimento nas ondas do Rádio, enfocamos questões que tratam da
rádio enquanto agente atuante e capaz de produzir e reproduzir manifestações
discursivas que facilitaram a transformação do cotidiano agrícola. Como as fontes
norteadoras do trabalho são as programações jornalísticas da Rádio Difusora — em
especial a programação do jornal Frente Ampla de Notícias — foi necessário realizar
uma investigação de base metodológica para poder captar a dinâmica discursiva dessas
fontes. O poder da mensagem de caráter ideológico foi um dos aspectos abordados
para decodificar as mensagens portadoras de interesses governamentais na
estruturação da tecnificação e modernização da agricultura rondonense.
4 Com relação ao contexto da colonização vinculada à atuação da MARIPÁ, recomendamos a consulta ao trabalho de GREGORY, Valdir. Os euro-brasileiros e o espaço colonial: a dinâmica da colonização no Oeste do Paraná nas décadas de 1940 a 1970. Niterói, 1997. 360p. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense.
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No segundo capítulo, intitulado A tecnificação no campo: a modernização
agrícola de Marechal Cândido Rondon, apresentamos um estudo das transformações
técnicas, em especial dos modos de produzir e trabalhar a terra. O estímulo dado pelo
governo brasileiro, vinculado a ações externas, sugere necessidades políticas,
econômicas e sociais que transformam a mentalidade do agricultor.
O processo da mecanização no campo contou com as “bençãos” do governo
brasileiro, tendo em vista um acordo com empresas multinacionais, orientando a
produção em escala avançada através do uso de maquinários que passaram a realizar o
trabalho de vários homens, o que, por sua vez, foi a vertente propulsora da exclusão de
inúmeros agricultores. As cooperativas e a ACARPA5, por intermédio de atividades
junto as propriedades rurais, sedimentaram o processo modernizante, pois estas
desenvolviam vários programas destinados ao estímulo da produtividade e a
incorporação de produtos industrializados.
O impacto da modernização-relâmpago ocorrida no município deixou suas
cicatrizes no solo, provocadas pela retirada violenta da mata e o uso de equipamentos
sem orientação adequada, ocasionando um impacto ambiental cujas conseqüências
estão acumuladas no leito dos rios. Só mais tarde, surgiram políticas preocupadas com
a conservação do solo. A distribuição dos créditos subsidiados, em tese, fez parte de
políticas governamentais objetivando acelerar a presença de máquinas e insumos no
campo como também redimencionar o dinheiro para a indústria. A adoção desse
modelo cercou de problemas muitos agricultores que, atropelados pelas altas e baixas
dos preços agrícolas e as dívidas nos bancos, acabavam perdendo sua propriedade,
sendo obrigados então a sair em busca de novas fronteiras agrícolas ou ocupar os
espaços urbanos. Este processo pode ser constatado no município de Marechal
5 No decorrer do trabalho vamos nos reportar a ACARPA e vamos chamá-la, em alguns momentos, de EMATER. Tal procedimento se justifica pelo fato deste órgão ter trocado de denominação: “Com a extinção do convênio ETA Projeto 15 com os Estados Unidos, o Governo do Estado e diversas entidades ligadas à agricultura assumem o ETA, dando-lhe nova denominação, isto é, ACARPA – Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná, em 4 de dezembro de 1959. Nesse ano, eram 14 os escritórios locais, sendo pequena a abrangência até 1965. A partir de 1966 houve uma expansão razoável para a época, pois já eram 44 os escritórios. Nesse período iniciaram-se atividades intensas em Crédito Rural Orientado, modernização das propriedades e uso de tecnologia [...]. Em 1977, através da Lei 6.969, foi criada a EMATER - Paraná, que atuou até 1988 com o nome de ACARPA/EMATER - Paraná. A partir desse ano passou a denominar-se tão somente EMATER - Paraná” (EMATER, 1996, p. v-vi, grifos nossos).
8
Cândido Rondon, já que muitos agricultores que não se adaptaram ao novo modelo,
venderam suas propriedades e migraram.
No terceiro capítulo — Os efeitos da especialização na degradaçao sócio-
ambiental: novas formas de organizaçao da produção —, procuramos mostrar que a
produção das exclusões ocorreu principalmente por meio da incorporação de máquinas
agrícolas. A atuação das cooperativas contribuiu decisivamente para a implantação do
modelo de produção tecnificada e as oscilações dos preços pagos pelos produtos
aceleraram o processo que culminou na escassez de políticas concretas para a
agricultura. Por conseguinte, o incentivo à adoção de insumos e os reflexos da
tecnificação afetaram os recursos naturais. As mudanças são ocorrências seguidas da
dinâmica entre campo e cidade presente no contexto da estruturação do modelo
seletivo.
No quarto capítulo — Laços culturais: faces da mecanização e a
transformação do viver — desenvolvemos considerações que têm como foco principal
as manobras discursivas e a transformação do modo de viver da população rural do
município. Busca-se sinalizar para a idéia de que os laços culturais foram recriados e o
lazer foi transformado através da incorporação de elementos externos, de interesse do
capital, e as festividades foram investidas de sentidos diversos, o que pode ser
observado no contexto das entrevistas analisadas no estudo.
O quinto capítulo — O fenômeno da inclusão e exclusão como parte
integrante do novo anunciado —, pretende ser o espaço destinado à análise de práticas
e perspectivas vinculadas às transformações ocorridas no meio ambiente. Nesta
análise, merece destaque o processo seletivo da tecnificação, entendido como
fenômeno dividido em duas fases: num primeiro momento, atingiu os agricultores por
meio da inclusão e, após efetivar o modelo atendendo em parte aos anseios
capitalistas, excluiu grande número de agricultores, subtraindo as causas reais da
exclusão e redirecionando o grupo excedente para outras fronteiras ou para as cidades.
Como elemento estruturador do trabalho, as fontes jornalísticas ocupam neste item do
trabalho um espaço considerável através de reflexões sobre estes documentos.
Desse modo, com o desenvolvimento dessa pesquisa espera-se contemplar
aspectos que contribuam no desenvolvimento de estudos em áreas diversas – tais como
9
a Sociologia, a Antropologia, a Agronomia, a Administração, entre outras – através de
informações e análises sobre as modificações ocorridas no espaço agrícola e,
conseqüentemente, urbano. Cabe salientar que para verificar a relação entre discursos
jornalísticos e as transformações técnicas e cotidianas no campo, o trabalho de
pesquisa envolveu a consulta aos programas da Rádio Difusora, às entrevistas, a
documentação iconográfica e o seu confronto com fontes bibliográficas, tanto sobre
estas fontes como sobre a temática abordada. Merece destaque, portanto, a
preocupação da emissora de rádio em manter arquivos de sua produção jornalística,
passo fundamental para compreendermos uma parte importante deste processo.
1. DISCURSOS JORNALÍSTICOS: O PODER DA IMPRENSA E O
PROJETO DE DESENVOLVIMENTO NAS ONDAS DO RÁDIO
Primeiramente, com o objetivo de apresentar a área de estudo, a Figura 2
mostra a divisão e os limites do município de Marechal Cândido Rondon.
Figura 2– Marechal Cândido Rondon: Divisão e Limites
M. C. Rondon
Sede Urbana Sedes Distritais Área de Estudo
FONTE: Prefeitura Municipal de Marechal Cândido Rondon, 2001.
Durante o contato com as fontes jornalísticas, tornou-se necessária a
realização de uma criteriosa seleção do material. O passo inicial exigiu a abertura dos
volumes e a leitura de todo o material, já que o material não possuía um índice,
instrumento que poderia orientar de forma mais objetiva nossa pesquisa. A sensação
que tínhamos ao ler as reportagens era como se uma “regressão” no tempo estivesse
ocorrendo. Os volumes iniciais receberam um ordenamento cronológico, partindo de
1966 em direção a 1980. A leitura desse material revelaria um variado mundo de
11
temas que saltavam aos olhos das mais variadas áreas ligadas à produção do
conhecimento; para uma geógrafa-historiadora tratava-se de um verdadeiro “baú” de
informações. Mas havia a necessidade de uma delimitação temática. Esta necessidade
nos levou a marcar nos volumes as reportagens identificadas com o propósito do
estudo; de tempo em tempo, pedíamos autorização à direção da emissora de rádio e
retirávamos o material para a reprodução. O que chamou nossa atenção no contato
com as fontes, através de uma primeira leitura, era a presença constante de um órgão: a
ACARPA (hoje denominada de EMATER). Com as aulas do curso de Mestrado em
Geografia, através de constantes debates e cursos que fazíamos, a possível ligação
existente entre as emissoras de rádio e a ACARPA aparecia como núcleo temático de
nossa pesquisa. Mesmo pensando em discutir os financiamentos fornecidos aos
agricultores, nesse momento a presença marcante da ACARPA não era o suficiente. A
questão permanecia em aberto. Em função disto, nos deslocamos a Curitiba, onde,
num primeiro contato, falamos informalmente com um agente da EMATER que
trabalhou juntamente com os agricultores do município em estudo. Este funcionário
mostrou o museu onde estão recolhidos os equipamentos e materiais utilizados durante
o processo da atuação da antiga ACARPA. Estes equipamentos e materiais eram
máquinas fotográficas, projetores de slides, panfletos, filmadoras, fitas de vídeo, entre
outros. Próximo ao museu da ACARPA há uma biblioteca que dispõe de um acervo de
monografias e dissertações. Observamos as fontes arquivadas e retornamos a falar com
o agente extensionista sobre uma possível entrevista na próxima viagem a Capital.
Tendo resposta favorável, ficou tudo acertado e as informações obtidas, verbais e
visuais, aguçaram ainda mais nossa curiosidade de estabelecer conexões entre rádio e a
ACARPA. Com as leituras teóricas sobre rádio e modernização agrícola em estágio
avançado, retornamos a Curitiba e realizamos a entrevista, bem como retornamos ao
museu e à biblioteca com o objetivo de selecionar o material.
Para nossa surpresa, lá havia material sobre a rádio. Questionando a
bibliotecária a respeito desse material, perguntamos se havia algo mais e
imediatamente ela apontou em direção a algumas caixas as quais chamou de arquivos,
enfatizando que eram papéis velhos. É óbvio que nos interessamos pelas tais “caixas”
12
e consultamos o material que se tratava de apostilas traduzidas e projetos elaborados
pala ACARPA e a preocupação de ambos focalizava a comunicação verbal e visual.
Logo visualizamos os laços que amarravam os programas de rádio e a
atuação da ACARPA. A apostila arquivada versa sobre o 1º Treinamento de
Comunicação e Metodologia vinculado à Coordenadoria de Metodologia e
Comunicação – CORMEC e ao Departamento de Apoio Teórico – DATEC, ambos de
autoria do professor assistente Niels Röling do Departamento de Extensão Educacional
da Universidade de Wageningen – Holanda. A apostila foi traduzida do original em
inglês por Thomas Joseph Burke. Niels Röling apresentou esse trabalho em 1970 no
18º Seminário Internacional de Extensão Rural em Wageningen. O conteúdo
estratégico do Seminário trouxe surpresas expressivas, pautadas em idéias elaboradas
na indução dos agricultores a aderirem às inovações no campo. O material é recheado
de exemplos cristalizados no estudo profundo do comportamento humano e os
mecanismos adequados para interferir no cotidiano do grupo-alvo. Tais aspectos
parecem ser o suporte das relações entre a comunicação da ACARPA e a transmissão
de programas de rádio. O que surpreendeu foi a intensidade dessa relação, apresentada
a partir dos detalhes contidos no documento.
Para se ter uma idéia, já na introdução da apostila a fala contempla as
inovações agrícolas e as considera sem relevância no caso de não atingir de uma só
vez milhares de agricultores. Na prática, trata-se de um programa estruturado a “fazer
clientes adotarem ou agirem de acordo com novas idéias introduzidas via agentes de
mudanças” (RÖLING, s.d., p. 01). Podemos, então, enfatizar a forte relação entre o
agente comunicador que serve de ponte na ação dos projetos. Assim, a fala executa
uma ciranda interligando os deveres e habilidades que cabem ao agente junto aos
“clientes”, como são chamados os agricultores. Devido à preocupação com o sucesso
do plano, são realizados estudos detidos na difusão das informações; para tanto, o
palestrante revela em detalhes os pontos observados junto aos agricultores e reforça
que o aparato da comunicação e o entendimento íntimo do grupo auxiliarão os agentes
a introduzir e consolidar as mudanças desejadas. Nessa perspectiva, aponta estudos de
extensão em vários países: Índia, Nigéria e no Brasil. Com relação ao Brasil, descreve:
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Dentre mais de 50 variáveis consideradas, tais como tamanho da propriedade, freqüência com que ouvia o rádio, freqüência de visitas à cidade, número de vezes que se casou, renda, fatalismos, etc., a variável mais fortemente relacionada com o número de novas idéias que os agricultores haviam adotado, foi o número de contatos com os agentes de mudanças (RÖLING, s.d., p. 1).
A adoção do estudo das variáveis que investigam algumas práticas dos
agricultores aponta para a resposta sobre o grande número de programas da ACARPA
veiculados pela rádio no município. Cabe também evidenciar o reforço que é dado ao
papel do agente, já que “tais estudos mostram que a atividade do agente de mudanças
está entre os mais importantes fatores que influenciam no comportamento produtivo
do cliente” (RÖLING, s.d., p. 1). Assim, a teia discursiva envolve o “agente de
mudanças” e faz todas as recomendações para atingir o impacto desejado: a
aproximação junto ao agricultor, realizada através de gestos, como almoçar em sua
propriedade para ganhar confiabilidade e a partir desse contato organizar sua atuação.
O palestrante reforça a necessidade dos retornos constantes dos agentes às
propriedades. Observamos críticas feitas àqueles pesquisadores que investem muito de
seu tempo em pesquisas e deixam em segundo plano a difusão das mesmas,
negligenciando assim o poder de modificar o comportamento dos agricultores a partir
do “agente de mudanças”.
Para Niels Röling, é expressivo ter em mente que todo processo depende da
atuação eficiente do agente de campo que, caso necessário, deve retomar e recompor
suas estratégias. Mas, muitos agentes não são bem sucedidos e atribuem o fracasso de
sua atuação ao agricultor tradicional. No entanto, o professor destaca que o problema
não diz respeito ao agricultor e sim à falta de estratégias corretas para a consumação
das mudanças, pois a transformação nas técnicas de produção só ocorre após a
transformação das pessoas. Assim, “mudar pessoas é uma condição necessária para a
aplicação de nossas descobertas técnicas” (RÖLING, s.d., p. 4).
Tais metas indicam que os agentes de campo são treinados, capacitados e
sabem tudo sobre novas sementes, fertilizantes e outras informações. Porém, em
muitos casos, estes agentes não recebem o treinamento e os métodos adequados para
“mudar pessoas” e para influenciar decisivamente em suas decisões. Dessa forma,
podemos compreender a presença marcante dos agentes de campo no município e a
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ação marcada pela repetição das informações nos programas, nos quais as mesmas
idéias eram repetidas e “o agente de mudança é freqüentemente visto como um rádio
que executa seu trabalho se repete a mensagem técnica” (RÖLING, s.d., p. 4).
Presume-se na fala do professor que a contínua e marcante “transferência de
informações” levará o agricultor a adotar as idéias se o mesmo as ouvir várias vezes. E
afirmar que o agente deve executar sua fala como se fosse um rádio e como a fala é
direcionada aos agentes de mudança o palestrante frisa que seu trabalho não deve ser
substituído pelo rádio. Sabemos que métodos massais [ligados aos meios de comunicação de massa] como o rádio servem muito bem para tornar conhecido o fato de que novas idéias existem [...]. Os métodos massais, por si mesmos, normalmente, não são capazes de influenciar pessoas para agirem de acordo com as novas idéias (RÖLING, s.d., p. 5).
Dessa forma, as fontes jornalísticas serão abordadas num contexto em que
os “agentes de mudança” têm papel destacado, pois estão intimamente vinculados a
projetos externos e internos de divulgação de mensagens que sinalizam para a
transformação do cotidiano rural. Neste cenário, o rádio foi o caminho utilizado para
informar e repetir determinados valores aos agricultores, incitando o desejo de
mudanças que permitiu a promoção das novas idéias e a incorporação das novas
técnicas no campo.
O papel do agente não é o de apenas transferir as inovações, mas “[...] deve
também mostrar como aquela informação técnica pode ajudar os agricultores a
satisfazer suas necessidades” (RÖLING, s.d., p. 6). Em outros termos, após um estudo
detalhado dos valores e de todo o processo estratégico de indução, os agentes
transferem as idéias para satisfazer os desejos “criados artificialmente”. Já observamos
que a comunicação faz parte do alicerce do programa, pois a platéia do agente é “livre”
para ouvir ou não a comunicação técnica. Por este motivo, o arsenal da comunicação é
tão enaltecido e dirigido pela sensibilidade e não por generalização. Röling afirma: “É
meu propósito aqui criar uma maior consciência do comportamento de comunicação
do agente de mudanças” (RÖLING, s.d., p. 6). O professor expande sua fala e
aprofunda a discussão referente à comunicação, ressaltando a necessidade de
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adequação ao meio, pois, dependendo da mentalidade do grupo, temos manifestações
diferentes.
Tratando da questão, o autor cita um exemplo de uma área rural situada na
África Ocidental: uma aldeia condenada pela limitação da terra, onde habitantes
exerciam as mesmas técnicas há muito tempo; nesse local, havia a presença de um
agente de mudanças orientando os agricultores no que se refere ao uso de fertilizantes
para aumentar a produção. Segundo o palestrante, o resultado tomou um corpo
indesejado, pois os agricultores imaginaram que o fertilizante era uma fórmula mágica
que retirava nutrientes das propriedades vizinhas e os conduzia para a terra onde foi
aplicado o adubo. Esta situação gerou reações adversas, que só foram contidas pela
pressão do poder público.
O exemplo apresenta a necessidade e profundidade dos estudos com relação
à comunicação e à realidade do grupo no qual seria efetuada a ação. Considerando
estes pontos, “[...] pode-se dizer que a ciência tem a função de criar realidades úteis e
que a educação e extensão são métodos de transferir realidades úteis para aquele que
não as possui ainda” (RÖLING, s.d., p. 8). Entre as várias considerações, resistem os
propósitos de formar realidades ou até transferir modelos que são chamados de
realidades. E a comunicação, para seu sucesso, deve ter presente a validade tática dos
discursos, tendo em vista a necessidade de atingir outras realidades. Portanto, para
Niels Röling, deve-se “[...] construir nossa mensagem tendo a realidade do receptor em
mente” (s.d., p. 10). Com a fala em questão, são elencados muitos exemplos que
devem ser levados em consideração, destacando situações como a de redigir panfletos
para agricultores semi-analfabetos ou elaborar textos sistemáticos para causar impacto
junto ao Ministério, atitudes estas reprovadas e não recomendadas. Nesse caso,
entende-se a estratégia de usar o rádio para a expansão das idéias, já que este era um
meio de informação recebido em todo o município e que poderia auxiliar no contato
indireto com os agricultores, preparando o contato direto feito através dos agentes. No
entanto, “[...] as mensagens são conjuntos físicos que foram montados pelos seus
emissores de forma a sugerir certos significados nos seus receptores” (RÖLING, s.d.,
p. 13).
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Como resultado da atuação, devem surgir caminhos treinados pelas
mensagens que buscam sua estruturação nos canais de comunicação. Estes são
compreendidos como nuvens carregadas prontas a romper e liberar as mensagens que
correm como a água da chuva, levando as técnicas tradicionais e trazendo novos
padrões de conduta: “Os canais devem ligar o emissor e o receptor de uma mensagem
para que ela tenha efeito” (RÖLING, s.d., p. 14). Os canais devem permitir que ondas
sonoras, pedaços de papel com tinta ou outras unidades físicas com conteúdos
simbólicos passem através deles. Portanto, a preocupação com as mensagens retoma
os canais de comunicação, através do que surgem preocupações com seu poder de
alcance, com o grupo que ouve a programação. A rede de radiodifusão passa a ser
pensada enquanto mecanismo de abrangência e poder para expandir as idéias ligadas
ao programa. Assim, caberia ao agente verificar se “[...] existe um canal através do
qual suas mensagens possam alcançar o público que tem em mente” (RÖLING, s.d., p.
17). Cabe ao agente então manter um canal de mensagem. Mas não deve ficar somente
nisso, pois os espaços da demonstração devem permanecer ativados junto aos
agricultores.
Ainda com relação ao agente de mudanças, outro aspecto que servia de
canal para a comunicação está relacionado à escolha das pessoas encarregadas da
difusão das informações. Em Marechal Cândido Rondon, o critério usado foi a escolha
de pessoas da localidade para servirem de canal entre os agentes e os demais
agricultores. Na entrevista com o extensionista, este informou serem estes agentes
locais os professores das escolas municipais residentes na localidade. Em muitos
casos, eram também agricultores ou o presidente do clube da igreja. No seminário,
citado anteriormente, os elementos que tratam da incorporação de líderes locais são
frisados da seguinte forma: Certas pessoas são canais muito melhores que outras para se alcançar a comunidade. Pessoas a quem outras comumente pedem conselhos, pessoas que diariamente tem muitos contatos com os membros da comunidade, e os ocupantes de posições respeitadas e de confiança na comunidade, isto é, líderes de opinião.(RÖLING, s.d., p. 17).
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A busca de líderes formais recebe a atenção da ACARPA, através do que
ocorreram variados treinamentos de líderes junto à comunidade. A realização destes
treinamentos foi divulgada pela rádio local.
As fontes bibliográficas e jornalísticas são ferramentas que podem ser
utilizadas de várias formas. Elas motivam observações e formulações de um vasto
leque de possibilidades, passível de ser utilizado pelo geógrafo ao adotá-las como
peças em suas pesquisas, nas quais há a necessidade de serem apresentados
instrumentos e articulações do problema, direcionando assim a reflexão sobre valores e
aspirações da comunidade em estudo. Neste trabalho, pode ser dado destaque a
temáticas como: [...] os usos do solo, a apropriação da natureza, as relações entre os lugares, enfim a organização do espaço. Seu traço geral é a desigualdade, pois a história do capital é seletiva, elege áreas, estabelece uma divisão territorial do trabalho, impõe uma hierarquização dos lugares, pela dotação diferenciada dos equipamentos. É tal processo que deve ser objeto de preocupação dos geógrafos, que o analisarão, em cada manifestação concreta, tendo em vista uma Geografia mais generosa e vendo o espaço como um lugar de luta (MORAES, 1998, p. 125).
Sendo assim, em nosso trabalho pretendemos tratar a modernização
agrícola6 vinculada às medidas técnicas adotadas na produção através da incorporação
de novas ferramentas no cotidiano do rurícula, quando este passa a desenvolver uma
agricultura mecanizada e direcionada ao manejo de procedimentos “modernizadores”.
A partir destas relações, buscamos visualizar a industrialização da agricultura7 ligada à
modernização, tendo como suporte de análise a produção discursiva de sua
implantação, bem como a identificação dos mecanismos que levaram os agricultores à
incorporação da mecanização, entre os quais são priorizados o discurso jornalístico8 e
sua inserção no cotidiano rural.
6 Conforme definição de Angela Kageyama: “Por modernização da agricultura se entende basicamente a mudança na base técnica da produção agrícola. É um processo que ganha dimensão nacional no pós-guerra com a introdução de máquinas na agricultura (tratores importados), de elementos químicos (fertilizantes, defensivos, etc.), mudanças de ferramentas e mudanças de culturas ou novas verdades” (1987, p. 01). 7 Ainda de acordo com Kageyama, “a industrialização da agricultura envolve a idéia de que a agricultura acaba se transformando num ramo de produção semelhante a uma indústria, como uma ‘fábrica’ que compra determinados insumos e produz matérias-primas para outros ramos da produção” (1987, p. 01). 8 A definição de discurso como proposta auxiliar para reflexão das fontes jornalísticas foi buscada na obra de Eni P. Orlandi. De acordo com a autora, “o movimento dos sentidos, errância dos sujeitos, lugares provisórios de conjunção e dispersão, de unidade e de diversidade, de indistinção, de incerteza, de trajetos, de ancoragem e de vestígios: isto é discurso, isto é o ritual da palavra” (1999, p. 10).
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Buscaremos ainda localizar as inovações químicas e sua aplicabilidade no
contexto da modernização, através de sua vinculação aos moldes da industrialização
agrícola. Dessa forma, merece destaque a atuação dos meios de comunicação, pois a sofisticada tecnologia de comunicações, desenvolvida nos programas espaciais, militarmente orientados, usa técnicas de persuasão, manipulação e penetração cultural para vender excedentes da indústria, em geral produtos de consumo supérfluos; mas essa tecnologia vende, também, de forma global, idéias, gostos, preferências e crenças. Mensagens, objetos, estilos de vida e técnicas de informação, [...] (GUARESCHI, 1985, p. 73).
Procurando mostrar alguns traços do processo condutor da industrialização
do campo, esta pesquisa privilegia o estudo da recepção dos programas jornalísticos no
Extremo-Oeste do Paraná. As fontes utilizadas para este estudo trazem à tona, no
contexto regional, temas divididos em setores diversos: costumes, tradições locais,
aspectos socioculturais do grupo, entre outros.
Na verdade, esperamos, a partir dos discursos, identificar as transformações
mais estimuladas junto às propriedades agrícolas. Os estudo relacionados ao cotidiano
propõe um desafio ao romper com o consagrado, abrindo espaço para novas reflexões
silenciadas em muitos casos. Como diz Michel de Certeau, “o cotidiano é aquilo que
nos é dado cada dia, nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão
do presente” (1996, p. 31). Portanto, o cotidiano é entendido como instrumento que
abre o caminho e sinaliza a direção, sintonizando as relações mais íntimas de um
grupo. Neste contexto, buscamos um entendimento do processo de exclusão de
determinados instrumentos técnicos por parte dos agricultores e a incorporação de
outros, o que interfere profundamente na transformação de seus hábitos.
Sendo assim, de acordo com o enfoque, é possível se aproximar do grupo
estudado e, a partir de suas falas, verter as relações sociais. Para Paul Thompson, “toda
comunidade carrega de si uma história multifacetada de trabalho, vida familiar e
relações sociais à espera de alguém que a traga para fora” (1992, p. 301). Dessa forma,
por meio das falas dos agricultores, poderemos compreender as relações próprias de
sua comunidade.
A capacidade do entrevistado de discernir os acontecimentos vivenciados
torna-o capaz de retornar ao passado, já que ele não vive num eterno presente e a
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memória de um agricultor da comunidade pode ser expressão da memória coletiva.
Desse modo, “a entrevista propiciará, também, um meio de descobrir documentos
escritos e fotografias que, de outro modo, não teriam sido localizados” (THOMPSON,
1992, p. 25). Em muitos casos, é nas “velhas caixas de sapatos” que encontramos
registros fotográficos que tratam das transformações nas técnicas adotadas pelos
agricultores. Com estes caminhos, entre outros, a serem trilhados, pretendemos realizar
este estudo sobre a modernização agrícola tendo como suporte, além das fontes
jornalísticas, a bibliografia de apoio e, quando possível, as fontes orais e as fotografias,
entendidos como formas de complementar o estudo aqui proposto.
Desse modo, no que concerne aos chamados meios de comunicação de
massa, estes podem ser definidos como veículos que se encarregam de disseminar as
informações, de tal forma que “seu papel de atores e agentes na sociedade tecnológica,
são considerados como fatores que imprimem sua dinâmica na sociedade, pois são
tidos como possuidores de uma liberdade de ação real” (GUARESCHI, 1985, p. 19).
No programa intitulado “Nossa Programação”9, verificamos na íntegra as constantes
reprogramações: A partir da próxima segunda feira, será feita uma completa transformação em nossa programação. Iremos beneficiar ainda mais nossos amigos do interior, apresentando uma série de bons programas. Às 5 horas da manhã, iremos iniciar nossos trabalhos, apresentando o programa ‘Na Fazenda do Nhô Zeca’. Às 6 horas, será apresentado o ‘Matutino Difusora’; 6 e 15, ‘Calendário Difusora’; e às 6 e 25, o ‘Paraná Municipalista’. Às 6 e 30 horas, irá ao ar o programa ‘Bom Dia Trabalhador’. Às 7 e 15, ‘Astros e Planetas’. Às 7 e 30 horas ‘Retreta Matinal’. A partir das 8 horas, a programação voltará ao normal, como anteriormente. Haverá a apresentação de um novo programa no horário das 14 e 45 horas até as 15: ‘Música Alemã’. A partir das 15 horas, serão apresentadas as homenagens musicais. O programa ‘Lar, Doce lar’, vai ser apresentado em novo horário: às 10 e 45 horas (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).
A programação da Rádio Difusora apresenta mudanças constantes em suas
atividades, buscando envolver e despertar seus ouvintes do interior para seus
programas cotidianos. Para tanto, são criados e recriados espaços com o objetivo de
atrair o público. Assim, temos programas como “Na Fazenda do Nhô Zeca” que inicia
às 5 horas da manhã, horário em que os agricultores acordam e se preparam para mais
9 Cabe informar que as fontes jornalísticas presentes no decorrer do trabalho serão citadas na íntegra.
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um dia de trabalho. A rotina matinal do agricultor inicia-se com o fogão a lenha para
aquecer a água usada para o chimarrão, e, enquanto tomam seu café, ouvem a
programação da rádio.
O programa “Bom Dia trabalhador”, que ia ao ar às 6:30 horas, é
especificamente produzido com a intenção maior de informar o trabalhador do campo.
Exemplo disto é que nesse período o rádio ocupa lugar de destaque na casa dos
agricultores. Observando o interior das residências, buscamos localizar o lugar
destinado ao aparelho (rádio) nas comunidades do município: este permanece em
destaque, já que os agricultores o deixam sobre uma prateleira de madeira construída
especificamente para o aparelho ou possuem mesas e estantes nas quais este meio de
comunicação tem seu espaço garantido. Olhando com mais atenção, percebemos que o
objeto mantém destaque na casa do agricultor e competindo com os quadros de família
e imagens sagradas. É comum, ainda hoje, a família ficar estática diante da “vinheta”
que antecede o fato noticioso.
No horário das 8 horas, a programação retoma sua rotina. Nesse horário, os
agricultores estão ocupados com seus afazeres diários no campo. Para o horário do
descanso, após o almoço, não poderia faltar uma programação mais alegre e, para isto,
a emissora cria o programa “Música Alemã”. Por que música alemã?
Como na região predomina a colonização alemã, o programa buscou
atender a esse público; mas com o tempo ocorreram questionamentos por parte dos
demais grupos, tais como os italianos e poloneses, e a emissora de rádio cedeu espaço
para outras programações. Já o programa “Lar, Doce Lar” era voltado para as esposas
e filhas dos agricultores.
No que diz respeito à interpretação dos vários discursos que circulam na
sociedade é preciso atenção, pois no interior de uma fonte jornalística podemos nos
deparar com um discurso e este pode estar relacionado com outro discurso. No
entanto, este pode ser apenas um reflexo, pois os combates não carregam mais as armas de idéias ofensivas ou defensivas. Avançam camuflados em fatos, em dados e acontecimentos. Apresentam-se como mensageiros de um “real”. Sua atitude assume a cor do terreno econômico e social. Quando avançam, o próprio terreno parece que também avança. Mas, de fato, eles o fabricam, simulam-no, usam-no como máscara, atribuem a si o crédito dele, criam assim a cena de sua lei (CERTEAU, 1996, p. 287).
21
No trabalho ora elaborado, os programas jornalísticos são fontes, mas
também são discursos estruturados de tal forma que se apresentam aos ouvidos do
público em diferentes momentos com falas também diferentes. É preciso, entretanto,
destacar também que a natureza complexa desta fonte discursiva necessita de uma
análise mais apurada. Isto se deve ao fato de que [...] a comunicação ao nível efetivo e intelectual, que caracteriza o diálogo e a comunhão no plano pessoal e interpessoal, parece não ter muito lugar como exercício nesta sociedade determinada pela economia inerente ao processo de aceleração do nosso modelo cultural. (VIEIRA, 1978, p. 21).
Ao propomos um trabalho com fontes jornalísticas, faz-se necessário
destacar que, em várias circunstâncias, o jornalista despreza acontecimentos e, muitas
vezes por imposição política, omite fatos relevantes, sendo que estes silêncios são de
grande utilidade para o geógrafo. Nesse sentido, as fontes jornalísticas abrem um
imenso leque de lacunas a serem preenchidas, abrindo caminho para novos debates.
Por esse motivo, entende-se que o geógrafo deva lutar contra as amarras das receitas
prontas e isto sinaliza para a idéia de que [...] o entendimento real de um discurso noticioso depende não apenas de sua estrutura manifesta mas também das estratégias de interpretação e representação. Em outras palavras, a estrutura do discurso noticioso é, no final, aquela que é dada ao texto pelo espectador, o conjunto de expectativas que o espectador possui antes mesmo de consumi-lo (SILVA, 1985, p. 36).
A estrutura jornalística representada pelo discurso noticioso cria e recria no
ouvinte as circunstâncias apropriadas para o consumo e a aplicabilidade da mensagem.
As ações interferem na opinião do ouvinte, sugerindo ao mesmo a atenção para as
falas da administração pública. De forma especial, a atenção do público é direcionada
para o “aprendizado” que as palestras fornecem. UMA SUGESTÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Na nossa carreira de jornalista da imprensa falada, procuramos todas as formas de colaboração à autoridade, colaboração esta que inclui sugestões, que poderão ser aceitas ou não, ou mesmo modificadas para aprimorar. As sugestões são frutos de nossas observações pessoais ou de palestra com nossos amigos que nos visitam diariamente (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).
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O que assistimos como justificativa desenvolvimentista é um processo
produzido por discursos voltados à região como também, em certo sentido, a todo país,
reunindo argumentos necessários para afirmar ou reafirmar a integração regional. É a
partir deste arsenal discursivo que movimentos como a Marcha para o Oeste
contribuíram com o objetivo de integrar regiões no contexto do desenvolvimento
nacional.
Os discursos de Getúlio Vargas, integrados ao programa do Estado Novo,
justificam o desenvolvimento brasileiro através da ampliação das fronteiras para o
Oeste. No que se refere aos projetos de ocupação e integração regional — como o
reforço à modernização agrícola ideologicamente sustentado pelos discursos de
Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek —, pode-se dizer que o governo deste último
foi marcado pelos planos ambiciosos representados pelo slogan “Cinqüenta anos de
progresso em cinco de governo”. A política adotada pelo governo “JK” contemplou a
construção de várias obras públicas, e, entre elas, tem destaque a nova capital federal.
Sua política econômica — caracterizada por alguns como modernizadora e por outros
como desnacionalizadora — forneceu elementos importantes para o quadro político da
época e deu sustentabilidade às propostas desenvolvimentistas alicerçadas no
progresso e exaustivamente repetidas nos discursos da rádio local.
Com a queda de João Goulart, instaura-se a ditadura comandada pelos
militares. O reflexo da situação militar escreveu sua história, lançando mão do abuso
de poder e controle da opinião pública, semeando o medo e abortando o direito de livre
expressão. Difundiu-se durante a ditadura um modelo de desenvolvimento vinculado à
tecnologia estrangeira, modelo denominado como “Milagre Brasileiro”. Com isso,
podemos conferir nos discursos jornalísticos a vasta presença de falas que enfocam o
progresso e o desenvolvimento, encaminhando a população para o consumo. Um dos
recursos amplamente utilizados para isto foi o rádio. Dessa maneira, a difusão de
valores tornou-se uma tarefa de certa forma fácil, pois o poder público tinha o controle
dos meios de comunicação.
Inseridos neste processo, os programas da rádio local manifestam
“preocupações” referentes ao desenvolvimento do município de Marechal Cândido
Rondon. Isso não impede pensar que durante o processo de implantação da
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modernização, este tenha estimulado alguns elementos que se assemelhavam pela
mesma visão de realidade, sugerindo problemas e soluções a partir de denominadores
comuns. Com as mensagens veiculadas, passam a ser balizados temas considerados
significativos para o debate. Nesse caso, remontando o contexto histórico das
programações, cabe identificar as relações entre imprensa e poder: a “simpatia
política” entre donos de emissoras de rádio e determinadas formas políticas pode ser o
alicerce para a divulgação de certas notícias. Como exemplo, pode ser citado o caso de
jornalistas passarem a exercer a liderança inscrita em cargos de prefeito ou de
deputado estadual e/ou federal.
A ação de proprietários da Rádio culminou com a equação do processo,
caracterizado pela dinâmica política que cercou e ainda cerca as emissoras de rádio no
município. Atualmente as duas emissoras (Rádio Difusora e Rádio Educadora) lideram
movimentos políticos estratégicos que representam grupos opositores. Mas, a soma
dos acontecimentos presentes nas programações analisadas, apresenta uma romaria de
proprietários, pois todos, de certa forma, estão identificados com alguma representação
política.
O vínculo com a política ocorreu durante a administração das emissoras,
pois estas lançaram as bases para carreiras políticas, após o estabelecimento de uma
rede de comunicações com a comunidade. O entendimento do processo vai ordenando
os objetivos dos administradores das emissoras, tendo como resultado as
manifestações favoráveis à estruturação da modernização em Marechal Cândido
Rondon. [...] No estágio de um mundo regido pelos direitos e razão tecnológicos, os meios de comunicação transformam-se em agentes dotados de força própria e suplantam as forças naturais que eram o mito de uma sociedade sacral e mítica. Este distanciamento permite à classe dominante abandonar e disfarçar seu papel de possuidor monopolístico desse aparato ideológico, e, por conseguinte, pode assumir o direito de denunciar a influência perniciosa e desagregadora ou o conteúdo vulgar, violento ou pornográfico das notícias de rádio, da TV, ou do cinema, escudando-se, dessa maneira, por detrás de seu próprio moralismo (GUARESCHI, 1985, p. 18, grifos do autor).
As mensagens jornalísticas disfarçam seu papel ideológico situando-se
diante do público como atores moralistas, por detrás das cortinas de seus interesses
particulares. Na passagem do dia das comunicações, o Prefeito Municipal, na ocasião
24
Almiro Bauermann, destaca a participação dos comunicadores e seu incentivo ao
“progresso”, considerado como realização e satisfação do ser humano. DIA DAS COMUNICAÇÕES – MENSAGEM Os sentinelas do progresso. Os mensageiros da paz. Os primeiros pracinhas da batalha. São eles, os comunicadores, jornalistas, radialistas, repórteres. E é a eles que neste momento, em obediência ao dia das comunicações, estendemos as nossas palavras de agradecimento e incentivo. Agradecimento pelas obras edificantes que a comunicação nos trás. Pelo progresso e pelo desenvolvimento que os meios de comunicação, rádio, televisão, telefone, jornal e outros, nos trazem (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).
Como pode ser identificado neste trecho, é através do discurso do
desenvolvimento que são criadas expectativas junto aos agricultores a partir das quais
estes poderão atingir o “progresso”. Esse quadro indica que o [...] aspecto da mistificação dos meios de comunicação reside no caráter ideológico das mensagens que eles irradiam. A ideologia, como um sistema de representações, é inseparável da experiência vivencial cotidiana dos indivíduos. Dizer isso significa afirmar que a ideologia impregna os hábitos, desejos, reflexos das pessoas; significa, também, afirmar que a grande maioria das pessoas atravessa a vida sem, talvez, nunca se dar conta dos verdadeiros fundamentos dessas representações (GUARESCHI, 1985, p. 19).
Os programas são direcionados para aqueles valores prestigiados pelo
público. Cabe observar que os agricultores do município de Marechal Cândido Rondon
convivem com idéias e conceitos centrados no trabalho e na honestidade. Tal questão
remete ao entendimento de como os discursos foram incorporados e interpretados
pelos agricultores: esse apego ao trabalho e à honestidade representa terreno fértil para
receber as sementes do “progresso”10. UM PROGRAMA PARA OS AGRICULTORES Os nossos amigos da colônia, recebem de nossa parte as mais carinhosas manifestações, e ao mesmo tempo levamos sempre uma nota que visa alertar nosso homem do campo sobre o que possa interessar diretamente a família rurícula. Neste informativo noticioso do final da semana, levamos ao conhecimento do agricultor um assunto de importância que estará em desfile pelos nossos microfones amanhã no espaço destinado ao programa ABC dos direitos do agricultor. Amanhã das 12 às 12:30, estará em nossa emissora o Dr. Ézio Bernardinis que falará sobre a nova lei do imposto de rendas do agricultor para o ano que vem. O assunto é importantíssimo para o qual se pede a especial atenção do
10 Consultar: SCHREINER, Davi Félix. Cotidiano, trabalho e poder : a formação da cultura do trabalho no Extremo Oeste do Paraná. 2. ed. Toledo : Ed. Toledo, 1997.
25
nosso agricultor durante aquele espaço. Todo o colono de nossa região deverá ouvir aquele espaço, colhendo preciosas informações que serão prestadas pelo ilustre advogado Dr. Ézio que dará movimento ao programa que já citamos. A preciosidade das informações fez com que montássemos uma nota no sentido de alertar e amanhã nosso homem do campo poderá se inteirar sobre a matéria que tem muito respeito para com as suas lidas pelo setor agrícola (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
Ao apresentar a programação, as falas utilizam-se de termos carinhosos, tais
como “nossos amigos da colônia”, “alertar nosso homem do campo”, “família
rurícula”, um discurso estabelecido na credibilidade, destacando a importância que os
agricultores devem dar ao espaço e às informações sobre o imposto de renda. A
pretensão do discurso em transmitir comunicados importantes ao ouvinte, asseguram a
recepção desejada através do uso de argumentos, como a confiança entre agricultores e
os representantes da programação, reforçando os laços da comunicação. “[...] No
momento da recepção, o confronto volta a ocorrer e se dá através das diferentes
interpretações e reelaborações que cada segmento social dará ao que vir e ouvir”
(SILVA, 1985, p. 21).
Alguns autores alertam para as trilhas ideológicas presentes em muitos dos
meios de comunicação de massa. Isto faz com que [...] constatem-se alguns aspectos até mesmo prejudiciais desse grande desenvolvimento das comunicações. Alguns teóricos da comunicação de massa são até bastante reticentes quanto a essa questão. Segundo eles, essa eficiência da comunicação teria sido, ou pode ser, usada em alguns países, com objetivos ideológicos (CALDAS, 1991, p. 55).
A estratégia objetiva é oferecer aos ouvintes informações que lhe permitam
compreender o processo de modernização, transmitido como transformação
“necessária”, sem apontar para os possíveis problemas. [...] esses veículos, em última instancia, são altamente responsáveis pela formação da opinião pública. O gosto, o comportamento, os anseios, a visão de mundo, o juízo de valor, são alguns dos aspectos onde esse sistema influenciará. Noutras palavras: os veículos de comunicação de massa, se quiserem, têm um poder suficiente grande para destruir num curto prazo de tempo a imagem de um ídolo popular. Seja da política, da canção, dos esportes, ou qualquer outra atividade profissional. A recíproca, porém, é verdadeira. Eles podem, nesse mesmo espaço de tempo, transformar uma pessoa anônima num ídolo de projeção nacional. Só para lembrar rapidamente: a jovem atriz Cláudia Raya, desconhecida do grande público até recentemente, hoje é um sucesso nacional. Mas as duas coisas também podem acontecer ao mesmo tempo: esse ídolo pode aparecer e desaparecer na mesma velocidade (CALDAS, 1991, p. 83-84).
26
A perspectiva de inserção de anseios junto à opinião pública, manifesta nas
palavras dos meios de comunicação de massa, garante a estes veículos poder suficiente
para intervir no seu tempo. Este poder é reconhecido por aqueles que fazem destes
meios o canal através do qual atingem seus ouvintes. Isto pode ser identificado na
homenagem do Diretor Regional do DENTEL de Curitiba, ao reportar-se ao dia das
comunicações, caracterizando as telecomunicações como algo perigoso, capaz de
estimular ações indesejadas e, por este motivo, caberia ao ouvinte estar atento ao papel
que desempenha o governo no controle das programações, tendo em vista a
necessidade de manutenção dos princípios morais e éticos. O teor do comunicado
remete à responsabilidade político-social inscrita na dinâmica social formada e
manifesta nas expressões “indissociabilidade” entre práticas do poder político e a falsa
moralidade que esconde os desejos ideológicos do “grupo oficial que fala em nome de
todos”: “sendo as telecomunicações uma arma de dois gumes, de posse de uma [...]
transmissora, qualquer um poderá tornar-se um disseminador de [...] estimulantes de
vícios, tóxicos, subversão ou terrorismo” (Frente Ampla de Notícias, v. 26, 23.03.76 a
17.05.76).
Jogando um pouco de luz sobre a questão da modernização, é preciso
investigar, a partir das particularidades da agricultura regional, as condições históricas
e discursivas através das quais tal processo é implementado. Pode-se indicar que os
elementos que constituem tal processo se configuram através da pretensão à
universalidade: Uma das características centrais do discurso ideológico é a sua pretensão de falar em nome de todos, de ser portador de uma verdade universal. A ideologia se constitui como um discurso que suprime a diferença em nome da unidade, que fala da harmonia onde há contradição, que se apresenta como portadora de solução para todos (GONÇALVES, 1984, p. 28).
Inseridos nesse contexto, cabe aos pesquisadores observar e ter clareza de
que o jornal, a revista e em especial o rádio, podem ser entendidos como falas que se
cristalizam no ruído do tempo. O rádio é o termômetro que registra as oscilações na
temperatura do projeto modernizador. Assim, navegar nas ondas do rádio fornece ao
pesquisador uma viagem no tempo, na qual encontramos registradas formas
específicas de viver de cada comunidade.
27
1.1 AS FONTES JORNALÍSTICAS
Os noticiários que serão apresentados no decorrer do estudo serão
analisados observando o desempenho discursivo efetuado pela programação da Rádio
Difusora, bem como, por entidades que utilizavam a rádio local para expandir idéias
calcadas na transformação técnica do meio rural. Com relação à análise destas fontes,
alguns autores desenvolveram um estudo referente à concretização da pesquisa dita
acadêmica. Com a pesquisa, a fonte jornalística pode ser descrita pela aproximação
que realiza entre seu discurso e as práticas concretas presentes nas relações sociais que
orientam a sociedade. Sendo assim, “os meios de comunicação de massa representam
importante agência de desenvolvimento, de vez que introduzem padrões de
comportamento, desenvolvem motivações e criam expectativas ideais de atuação e
modos de vida” (VIEIRA, 1978, p. 43).
A perspectiva de inserção de programações jornalísticas provenientes da
Secretaria da Agricultura do Estado do Paraná, com informações direcionadas aos
agricultores e pecuaristas, é um exemplo da força de atuação dos meios de
comunicação junto aos agricultores de Marechal Cândido Rondon. O programa
acontecia às 6:40 horas da manhã, sendo que 10 minutos do programa eram destinados
à divulgação de notícias elaboradas pela Secretaria da Agricultura do Estado. SECRETARIA DA AGRICULTURA DIVULGA PROGRAMA POR ESTA EMISSORA: A Secretaria da Agricultura do Estado do Paraná localizou no estado as emissoras com maior audiência e, pelas quais, deverão ser apresentados programas especiais feitos direto ao agricultor ou ao pecuarista [...]. Sempre no horário das 6:30 da manhã até as 6:40 [...]. Desde já nosso convite para sintonizarem o programa que terá o título ‘Atualidades – SEAG’ (Frente Ampla de Notícias, v. 29, 25.08.76 a 21.10.76).
As propostas desenvolvimentistas eram transmitidas pelos microfones da
Rádio Difusora e depois retransmitidas pela TV Cultura, através da qual as
informações reforçam a representação de Marechal Cândido Rondon como região
promissora, como “palco do progresso”. A justificativa das falas sobre o município no
programa de TV vem de encontro às solicitações do público em busca de informações
28
sobre o crescimento do município, servindo como mecanismo de afirmação da imagem
do município junto a outras regiões do país. TV CULTURA CONVIDA O PREFEITO ALMIRO BAUERMANN: O Prefeito Municipal Sr. Almiro Bauermann recebeu da Direção da TV Cultura de Maringá – Canal 8 – um convite para se apresentar no programa do meio dia e explicar o grande desenvolvimento de Marechal Cândido Rondon [...]. A colocação de Marechal Cândido Rondon entre os 20 municípios de maior desenvolvimento do Sul do Brasil despertou, ainda mais, a curiosidade dos telespectadores sobre a nossa realidade (Frente Ampla de Notícias, v. 30, 21.10.76 a 10.12.76).
É bem verdade que a chamada “cultura de massa” deva ser definida como
uma das conseqüências do progresso intensificado pelos avanços da ciência e da
tecnologia que, de diversos modos, influem na melhoria do nível de vida de
considerável parcela da comunidade humana. A consolidação dos meios de
comunicação de massa é uma das conseqüências desse processo, com os defeitos e as
qualidades que lhe são inerentes. Contudo, é preciso observar as particularidades
destes discursos, uma vez que “a comunicação é transformada em instrumento dos
governantes para atingir objetivos predeterminados e, submetida a pressões de todos os
tipos, tem sua função dirigida pelo poder” (CAPARELLI, 1980, p. 77). Além disso, é
preciso abrir espaço para as vozes ou para o confronto analítico, o que representa
também entender o contexto histórico que engloba o processo de instalação “local” de
um agente de comunicação. As concessões, então, são ditadas por apadrinhamentos políticos ou por simples desdobramento do poder econômico: os detentores do poder político são os mesmos que detêm o poder econômico e a radiodifusão, na sua condição de novo setor para aplicação de capitais; muda de mãos apenas teoricamente: são concessões públicas a privados, por privados que manobram a coisa pública (CAPARELLI, 1980, p. 79).
Neste jogo de interesses, é necessário salientar a importância assumida pelo
rádio como meio de comunicação de massa que assinala sua presença no campo, pois,
no período que envolve o estudo aqui proposto (1960-1980), o veículo encarregado da
disseminação de informações era o rádio. Este contexto é problematizado por Celsina
Alves Favorito — em sua Dissertação de Mestrado em Comunicação Social intitulada
“Deus no céu e o Rádio na Terra ...” — na qual desenvolveu um estudo sobre o rádio
e as mulheres rurais do município de Pitanga. Neste estudo, a autora afirma “ser o
29
rádio um meio de comunicação de massa fundamental no campo porque ocupa um
espaço importante onde, não raro, é o veículo solitário informador e formador da
opinião pública” (1989, p. 2). Por outro lado, para Sérgio Caparelli, os meios de
comunicação são definidos enquanto “indústria de consciência. Os governos deles se
apoderaram cada vez com maior freqüência, a fim de manipular a opinião pública”
(1980, p. 80).
Como pode ser identificado acima, alguns autores estudam o papel do rádio
como agente comunicador e observam o caráter ideológico existente entre a mensagem
jornalística e os receptores. Os marcos destas análises contemplam os grupos de maior
poder que procuram criar e/ou recriar formas diversas de “modelos culturais”. Com
relação ao nosso estudo, podemos sinalizar para a idéia de que com essa atitude tais
grupos pretendem que certos traços culturais e cotidianos sejam remodelados e as
atividades diárias, o lazer e o trabalho estejam essencialmente vinculados a padrões
técnicos e que estes sejam compartilhados em conjunto. Para tanto, os discursos
sugerem padrões de comportamento, seja para as atividades de lazer seja para os
produtos e insumos consumidos e cultivados pelos agricultores. O rádio deve ser transformado de aparelho de distribuição em aparelho de comunicação. A radiodifusão poderia ser o mais gigantesco meio de comunicação imaginável na vida pública, um imenso sistema de canalização. Assim seria, caso não fosse, não apenas capaz de emitir, mas igualmente de receber. Em outras palavras: se conseguisse que o ouvinte não só escutasse, mas também falasse, que não fosse isolado, mas em relação (Brecht apud CAPARELLI, 1980, p. 73).
Este anseio de Bertold Brecht, expresso em meados do século XX, parece
ter sido ouvido pelos dirigentes de emissoras de rádio. Assim, a ampliação da
comunicação entre ouvintes e emissora ocorreu inicialmente através do envio de
cartas. Posteriormente, os ouvintes passaram a fazer esta comunicação via telefone.
Com tal estratégia, o rádio aumentou seu poder de intermediação, abrindo um espaço
maior para as comunidades, seja através das cartas ou do telefone, fazendo com que os
agricultores participassem da programação de forma mais ativa. CARTA DE UM OUVINTE: O nosso prezado ouvinte, Guilherme Lemke, de Linha Belmonte, nos escreve fazendo algumas sugestões com respeito aos horários de programas. E menciona especialmente
30
certos horários que o senhor agricultor não pode ouvir por ter que ir à roça, especialmente nesta época de colheita de trigo. Amigo Lemke, guardamos com carinho a sua carta e estamos estudando uma nova programação, alterando algumas coisas a respeito de programas a partir já do dia 1º do mês que vem (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Ao longo do processo de transformações, “o rádio revelou-se desde logo
como um intermediário entre as idéias, valores, crenças e interesses dos grupos no
poder e a população” (CAPARELLI, 1980, p. 82). Outro ponto que merece destaque é
a necessidade do comunicador em se adaptar às exigências estabelecidas pelas relações
de poder mais amplas, que debilitam seu senso crítico através do controle dos textos
que vão ao ar, tendo em vista interesses políticos, socioculturais e econômicos
assumidos pela emissora de rádio. Sabemos que nem sempre o efeito corresponde ao propósito do comunicador, em razão de condicionamentos socioculturais, psicológicos, mecânicos e circunstanciais a que a mensagem está exposta desde sua elaboração na fonte até o momento em que, no destino, se produz o estímulo ativador da reação (BELTRÃO; QUIRINO, 1986, p. 137-138).
A presença marcante e precisa de traços ideológicos11 é construída
paulatinamente a partir da comunicação destinada à população rural. Para ampliação
de seu campo de atuação, o ingrediente utilizado é a aliança entre informação e
diversão e o resultado final, em muitos casos, pode residir na transformação
sociocultural: [...] informar — transmitir elementos (dados) para o conhecimento do indivíduo ou da massa; persuadir — fornecer argumentos capazes de modificar a opinião e a conduta de pessoas e grupos; e divertir — proporcionar recursos de entretenimento ao homem, para subtraí-lo das pressões do meio e do cotidiano (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 140).
Os parâmetros metodológicos que conduzem este estudo têm como objetivo
principal oferecer ao leitor informações que lhe permitam compreender o processo de
modernização da agricultura nesta região a partir da análise dos discursos produzidos e
reproduzidos pela rádio local. Por tais motivos, torna-se relevante um diálogo com
11 Tratando destes traços, Antônio Fausto Neto explora o fato no contexto discursivo, vinculado-o ao poder: “Estamos querendo dizer que quando a deontologia jornalística afirma que o dito é o fato, isso se constitui muito mais numa espécie de efeito ideológico, resultado do trabalho de um certo poder (comunicação de massa)” (p.29). Para maiores detalhes, consultar: FAUSTO NETO, Antônio. Mortes em derrapagem : os casos Corona e Cazuza no discurso da comunicação de massa. Rio de Janeiro : Rio Fundo, 1991.
31
autores que discutem o papel do rádio junto ás organizações sociais, sobre as suas
definições metodológicas a respeito dessas fontes.
No contexto da região Oeste do Paraná, em especial do município de
Marechal Cândido Rondon, podemos indicar que “[...] os meios de comunicação de
massa se encarregaram de difundir novos hábitos de consumo que levaram à
comercialização de mercadorias cada vez em maior número” (GONÇALVES, 1984, p.
36). Para entender melhor o vínculo sócio-político dos agentes envolvidos na direção
das emissoras de rádio, apresentamos um fragmento que evidencia os laços destes
com os poderes público e privado: VIAGEM DE NOSSO DIRETOR Viajou hoje com destino à cidade maravilhosa do Rio de Janeiro o nosso diretor Sr. Arlindo Alberto Lamb, ficando desta maneira a direção e supervisão da emissora ao cargo do Sr. Antonio Maximiliano Ceretta. O Sr. Arlindo estará reunido com altas autoridades do Banco do Brasil para tratar do assunto de um grande financiamento para a Cirosa, para a compra de toda uma safra de soja pela região, para funcionamento da indústria (Frente Ampla de Notícias, v. 4, 12.03.68 a 29.05.68).
O destaque para a viagem ao Rio de Janeiro do diretor da rádio revela a
atuação dos representantes da emissora junto a instituições bancárias, intercedendo a
favor de grupos no que se refere a financiamentos para o melhor desempenho da
indústria na compra da safra de soja. Durante o trabalho, estas relações serão tratadas
como elementos que interferem na dinâmica das transmissões levadas ao ar pela
emissora e afetam de forma expressiva as mensagens direcionadas aos agricultores.
Ademais, podemos visualizar a forte presença da empresa Rádio Difusora
na região no programa em comemoração ao seus 13 anos de existência. Neste
programa, a emissora procura atrelar seu crescimento ao desenvolvimento da região, o
que reforça o sentimento de progresso vivido pelos munícipes. 13 ANOS DEPOIS O dia de hoje marca a passagem do 13 anos de trabalho desta empresa em prol da radiodifusão no Paraná, voltada para a região. Inicialmente era um serviço mais local referindo-se àquilo que Marechal Cândido Rondon era e representava na época. O crescimento se deu, junto com o desenvolvimento da região. Ainda uma criança, somos sabedores daquilo que representa esta região no contexto estadual, por isso queremos partilhar juntos com todos os momentos vividos pelo povo da produtiva região oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
32
No decorrer da pesquisa, procuraremos estar atentos aos aspectos apontados
acima, tendo em vista a descrição dos fatores que atuaram na implantação do modelo
de modernização agrícola no município de Marechal Cândido Rondon, com ênfase no
papel desempenhado pela emissora de rádio junto aos agricultores da região.
2. A TECNIFICAÇÃO NO CAMPO: A MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA
DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON
Analisado historicamente, o estilo de colonização no Brasil, baseado nos
moldes europeus, desde suas tentativas iniciais está alicerçado na exploração dos
recursos naturais. Lamentavelmente, em solo brasileiro, nas palavras de Darcy
Ribeiro: Nada é mais continuado, tampouco é tão permanente, ao longo desses cinco séculos, do que essa classe dirigente exógena e infiel ao seu povo. No afã de gastar gentes e matas, bichos e coisas para lucrar, acabam com as florestas mais portentosas da terra. Desmontam morrarias incomensuráveis, na busca de minerais. Erodem e arrasam terras sem conta. Gastam gente aos milhões (1995, p. 68-69).
O autor, ao discorrer sobre o tipo de exploração incentivada pelos europeus
e efetivada pelas elites brasileiras, evidencia um total desprezo e desapropriação dos
costumes e saberes das populações locais. Nesse cenário, “as características do modo
de produção capitalista vêm-se acentuando no campo que se expande com o
aparecimento das grandes rodovias” (ANDRADE, 1979, p. 60).
Com base nas premissas do projeto “desenvolvimentista”, constata-se que
no Extremo Oeste do Paraná a rápida expansão da fronteira dilui-se através da
construção de estradas, sem um investimento inicial e proporcional na capacidade do
governo em gerenciar a região. Uma vez sistematizado o gerenciamento, resultado em
grande parte da migração e da colonização planejada, as manobras de ocupação não
pouparam a natureza, caracterizando-se pela extração descontrolada de recursos
naturais, em especial a madeira. A adoção destas estratégias sugere que as políticas
ambientais das autoridades brasileiras caracterizam-se pela falta de perspectivas a
longo prazo, já que não se consolidam como verdadeiras formas de desenvolvimento
regional. O que fica evidente, contudo, é que estas políticas caracterizam-se pela
linguagem alicerçada na noção de progresso.
34
A região Oeste do Paraná atualmente apresenta transformações motivadas
pela expansão econômica, dilatando as fronteiras agrícolas, o que ocasiona
repercussões prejudiciais ao meio ambiente. Este processo sinaliza para o fato de que todo cultivo implica, na verdade, uma regressão do número de espécies naturalmente presentes na zona cultivada. Com a redução do número das espécies vegetais, acarretando a do número de espécies animais, os mecanismos homeostáticos ficam empobrecidos, ou mesmo desaparecem, no caso das monoculturas extensivas com destruição quase total das adventícias (ACOT, 1990, p. 104).
Esta preocupação revela elementos e articulações que contribuíram
significativamente para a destruição da mata rondonense. Na verdade, pode ser
detectada muito mais do que a simples retirada de árvores, pois a teia da exploração
afetou os ecossistemas vitais para todas as áreas. É bom lembrar que, quando a
paisagem muda, a sociedade apresenta transformações. Sendo assim, a ocupação da
referida área não contou com um planejamento responsável, identificada apenas com
modelos pautados no foco desenvolvimentista adotado no país, pois está comprovado
que tais modelos geraram prejuízos à natureza e à sociedade, produzindo a escassez de
alimentos12 e o isolamento advindo da miserabilidade da população.
Através de programas governamentais, foram realizadas ações direcionadas
principalmente ao desenvolvimento agrícola e industrial. De acordo com a fala dos
migrantes, estes foram atraídos para a região a partir de promessas como a de se
tornarem proprietários de áreas maiores13.
12 Sobre exportação de gêneros alimentícios e escassez de produtos básicos como feijão, arroz, entre outros, consultar: SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. História da alimentação no Paraná. Curitiba : Fundação Cultural, 1995. 13 Sobre este tema, consultar o trabalho com fontes orais de MACCARI, Neiva Salete Kern. Migração e memórias : a colonização do Oeste Paranaense. Curitiba, 1999. Dissertação (Mestrado em História) – UFPR.
35
Foto 1 – Panfleto: Produção Agrícola
O contexto histórico desta foto revela aspectos interessantes da ocupação das terras do município de Mal. C. Rondon. Ela informa as condições da família: produtos agrícolas e residência aparecem em destaque. O registro foi feito em 1950 e tinha como objetivo divulgar a fertilidade das terras e os produtos nela colhidos. A foto tirada no município de Marechal Cândido Rondon objetivava mostrar — aos amigos e parentes que ficaram no Rio Grande do Sul — a fertilidade da terra. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.
Para esclarecer algumas questões relacionadas a este processo, é importante
apresentar resumidamente o contexto histórico da colonização de Marechal Cândido
Rondon. Com isto, podemos identificar os discursos que atuaram no início da
ocupação da região. Entre eles, destaca-se a necessidade de “fabricar” uma ação
coletiva para nacionalizar áreas de fronteiras, povoando os “vazios demográficos” e
incentivando a migração para o Oeste e fomentando, desse modo, a ocupação através
de empresas privadas de colonização, tais como a MARIPÁ. Com tal estratégia,
buscava-se desenvolver a produção de bens a serem destinados ao comércio, tendo
como foco principal a produção com base na pequena propriedade e na policultura.
Contudo, é também discursivamente que se introduz paulatinamente o
abandono da policultura em benefício da especialização, ou seja, um discurso
direcionado a atender os anseios do mercado internacional, incutindo estrategicamente
36
a necessidade de tornar o Oeste um celeiro do Brasil. “A chegada na região em grande
quantidade de migrantes gaúchos e catarinenses, já prevista pelo Estado Novo, haveria
de se concretizar nas décadas de 50 e 60. A década de 50 foi a época do grande ‘boom’
migratório sulista para a região Sudoeste e Oeste do Paraná” (WACHOWICZ, 1985, p.
155).
Quanto às inovações técnicas, as mesmas foram implantadas na agricultura
do Extremo Oeste do Paraná de forma mais intensa na década de 1970. Como será
identificado nos discursos jornalísticos, estes foram aperfeiçoamentos técnicos
induzidos, isto é, planejados e implantados com apoio externo.
Na manchete intitulada “Atividades Administrativas”, podemos observar a
mescla inicial entre técnicas vinculadas à policultura, tais como carroças e bois,
dividindo espaço com caminhões e “patrolas”. O destaque cristaliza-se na relação
progressista do homem com a máquina. Na prática, são os preparativos para a abertura
de novo caminho que visava transformar o cotidiano local. Cinco patrolas em atividade pulsante e três tratores agitando a região com o ronco das maquinas. Ao, mesmo tempo, caminhões, caminhonetes e carroças recolhendo mandioca e milho, liberando a área para o trabalho das maquinas. O homem e a maquina, quando unidos, fazem milagres (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
O processo de incorporação do modelo modernizador ocorre a partir de
articulações organizadas pela Prefeitura Municipal e Sindicato Rural. Estes órgãos
atuaram junto aos agricultores e as estratégias usadas são inúmeras. Uma delas
encontrava-se sustentada nos concursos de escolha dos melhores animais. As
exposições de animais e produtos recebiam toda a infraestrutura necessária, tais como
o transporte e alimentação gratuitos dos animais. Além disso, estes eventos eram
patrocinados através de premiações significativas. Ligadas às atividades econômicas, essas festas expressam o cotidiano do colono na exposição de produtos agrícolas, na culinária com pratos típicos, etc. Em alguns municípios, como é o caso de Marechal Cândido Rondon, no dia do município o desfile de carros alegóricos mostra colonos com suas vestimentas nos afazeres do dia-a-dia, destacando, também, a figura do pioneiro. Isto nos leva a crer que as festas atuam no sentido de rememoração e preservação da cultura campesina (SCHREINER, 1997, p. 171).
37
As atividades envolvendo a exposição de produtos agrícolas — tais como
cereais e hortaliças — e animais de raça eram incentivadas sob o argumento da
importância do evento no que se refere à representação do município em outros locais
a partir da exposição dos produtos e animais rondonenses. Os apelos dirigidos aos
agricultores partiam também do Sindicato Rural que estabelecia contatos com os
agricultores para organizar a exposição. Muitos desses contatos eram realizados pelos
professores que se deslocavam semanalmente para os distritos do município. Assim,
evitaria transtornos ao agricultor com o deslocamento até a cidade.
Constantemente era reafirmada a importância da exposição para o
município, alertando para a necessidade dos produtos serem de qualidade para serem
expostos nos eventos. A Prefeitura Municipal e o Sindicato Rural estão interessados em que nos façamos representar. Por isso alertamos aos senhores agricultores que desejam expôr em Guaira, que a Prefeitura Municipal se encarregue de tudo. Buscará o animal na casa do agricultor, transportará até Guaira, manterá pessoa especialmente encarregada de tratar o animal durante toda a exposição como também vai trazer o animal de volta para ser devolvido ao dono. Na Prefeitura Municipal estará o Sr. Omar Priesnitz à disposição dos senhores agricultores para dar as informações necessárias e as explicações que forem solicitadas. Haverá valiosos prêmios para os campeões da exposição. A exposição será composta de cereais, algodão, café, ovos, verduras e suínos (Frente Ampla de Notícias, v. 4, 12.03.68 a 29.05.68).
O discurso compartilha palavras cujo emprego busca tornar comum a todos
o ideal desenvolvimentista. Isto pode ser identificado também na mensagem do poder
executivo, na pessoa do Prefeito Almiro Bauermann, tratando da passagem do 25 de
julho (aniversário do Município, dia do Colono e dia do Motorista). A mensagem não
economiza elogios ao desenvolvimento do jovem município e o jogo da retórica busca
nos acontecimentos do passado os argumentos para falar do progresso, sustentados
pela idéia do trabalho, verdadeiro agente da riqueza e da economia. MENSAGEM DO PODER EXECUTIVO PARA O DIA 25 DE JULHO DE 1977 [...] Realmente, 17 anos pouco representa no contexto da história de um povo, porém no nosso caso, por outro lado, ao olharmos para trás vemos o quanto houve de progresso em tão curto espaço de tempo. Saiu o Município com uma arrancada desenvolvimentista desde a sua criação, em todos os campos de atividade, começando praticamente do nada, em volta à selva agreste e rude, prosseguindo num ritmo vertiginoso, que não encontra quase paralelo conhecido [...]. O nosso povo, formado desta gente maravilhosa, realizou um verdadeiro milagre, à vista de todos. É este o Marechal Cândido Rondon que todos
38
almejamos, no rumo certo e célebre ao seu grande futuro que lhe está reservado. Graças ao trabalho, fonte inesgotável da riqueza em todos os sentidos [...]. Como baluartes desse extraordinário impulso, saudamos os agricultores, mola mestra de nossa economia e os bravos motoristas que transportam a riqueza ao seu destino (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).
A modernização surge como fenômeno que provoca a marginalização de
certos segmentos da população: os pequenos proprietários, excluídos pela mudança
social, vêem-se em uma situação difícil, já que precisam vender suas terras em busca
de outros espaços de trabalho — seja nas cidades ou em outras frentes de expansão —
ao invés de viver uma vida de descanso, desfrutando do conforto merecido após anos
de trabalho que o tal “progresso” proporcionou. Sendo assim, as implicações
decorrentes da modernização não são percebidas como ação em benefício do capital. Essa disritmia entre as “leituras” que capital e trabalho fazem do mesmo fenômeno, revela, então, o elemento substantivo do processo de dominação, ou seja, o capital, voltado para todo o circuito produtivo, faz do trabalho instrumento vital da dominação de classe, o que cimenta sua hegemonia no conjunto do tecido social (THOMAZ JÚNIOR, p. 7).
Esta fragmentação dos pontos de vista sinaliza para a maquiagem da
realidade, através do que a exclusão dos que foram incorporados pela visão
progressista torna-se obscura novamente e as expectativas os tornam mais uma vez
“colonos figurantes” no palco da migração.
2.1 MUDANÇAS TÉCNICAS NA FORMA DE CULTIVAR A TERRA
Com o objetivo de caracterizar as transformações ocorridas com a chamada
“Revolução Verde”, procuramos identificar as inovações inseridas no cotidiano
agrícola de Marechal Cândido Rondon. Este fenômeno tem como mola-mestra a
substituição de técnicas tradicionais, até então utilizadas, por orientações vinculadas à
conservação do solo, ao uso de inseticidas e à utilização de máquinas no trabalho
agrícola. Todo esse aparato técnico foi denominado por alguns autores de “pacote
tecnológico”. Já o conjunto de ações discursivas ligadas à comercialização desse
universo de tecnologias denominou-se de “modernização tecnológica”. Sendo assim,
39
[...] juntamente com a introdução de novas variedades de trigo, arroz e milho, mais produtivas, os países que aderiam à ‘Revolução Verde’ eram orientados e induzidos a usar novas técnicas de correção do solo, fertilização, combate às doenças e pragas, bem como a utilizar maquinaria e equipamentos modernos. (BRUM, 1983, p. 61).
As mudanças no sistema de relações e fases da agricultura provocam uma
situação de ruptura nos padrões técnicos a nível mundial e este processo estende-se ao
Brasil. Nos Estados Unidos, o processo acontece a partir de um planejamento efetivo
que contempla desde a adaptação dos agricultores até o sistema de transporte de
produtos: é o surgimento da agricultura tecnificada. A importação deste modelo para o
Brasil apresentou graves problemas. Sua efetiva implantação ocorreu na região Sul do
país, sem levar em consideração a necessidade de adaptação por parte dos agricultores
brasileiros. Inserido neste contexto, o modelo é transferido para o Extremo Oeste
“como um rastro de pólvora”. A “Revolução Verde” aparece então como “carro-chefe
do processo de modernização da agricultura no mundo e também no Brasil” (BRUM,
1983, p. 9).
No município de Marechal Cândido Rondon, inicialmente, as técnicas de
cultivo atendiam à policultura. Para desvendar os elos que ficam de fora da prática
discursiva, ou que não possuíam espaço nos “modelos racionais” de produção, torna-se
necessário apresentar algumas das características das técnicas tradicionais de cultivo.
A agricultura tradicional14, vigente na década de 1950, impulsiona os sistemas de
cultivo empregados pelos colonizadores provenientes do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina. Estes sistemas de cultivo contemplam moldes que tiveram continuidade no
Extremo Oeste do Paraná. Os agricultores, em suas pequenas propriedades,
desenvolviam atividades agropecuárias envolvendo a participação da família que
geralmente apresentava-se numerosa. As atividades contemplavam a criação de suínos
e gado destinados ao consumo e ao comércio.
14 Para obter mais informações sobre as técnicas desenvolvidas pelos migrantes sulistas no Oeste do Paraná, consultar: MÜLLER, Keith Donald. Colonização pioneira no sul do Brasil : o caso de Toledo, Paraná. Boletim Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, v.48, n. 1, p. 83-139, jan./mar. 1986.
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Foto 2 – Meio de Trabalho e Meio de Transporte
Esta foto caracteriza o meio de transporte utilizado no início da colonização. A “roça nova” era arada com auxílio da tração animal e os produtos colhidos eram levados ao paiol com a carroça. Na foto podemos observar ainda a mata ao fundo e a presença de inúmeras crianças, característica de um sistema sustentado pela mão-de-obra familiar. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.
O sistema tradicional não exigia financiamentos e técnicas inovadoras
baseadas em maquinários, pois as ferramentas utilizadas na lavoura eram rústicas. [...] Os instrumentos de trabalho eram simples: foice e machado, para o desbravamento e derrubada do mato; enxada e arado de tração animal para o preparo do solo e controle das ervas daninhas; máquina manual de plantar; foicinha de cortar trigo, arroz, etc.; máquina manual de matar formiga; carroça e outros veículos de tração animal, para o transporte [...]. As técnicas de preparação do solo, cultivo, colheita, etc. eram fruto da experiência e se transmitiam de uma geração para a seguinte, aperfeiçoadas lentamente (BRUM, 1983, p. 82).
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Foto 3 – Roça de Milho
Os migrantes compravam as propriedades, derrubavam uma pequena área e cultivavam milho. Logo em
seguida, retornavam para o Rio Grande do Sul para concretizar os últimos acertos e efetivar a vinda para o Oeste do Paraná. Fato curioso aconteceu, pois, no caso do agricultor demorar em seu retorno, a colheita era realizada em duas fases: uma parte era colhida pelos porcos do mato e o restante pelo agricultor (década de 1950). FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.
Desse modo, o cultivo tradicional permite uma apreensão privilegiada do
espaço rural, afinal é o próprio ator (agricultor) deste espaço que está atuando.
Exemplo disso é o fato de que a forma inicial adotada pelos agricultores em suas
propriedades integrava o trabalho familiar, que era desenvolvido pelos integrantes da
propriedade ou em mutirão, com a ajuda dos vizinhos, principalmente nas épocas de
colheita15.
Torna-se imperativo mencionar que na agricultura tradicional, os
agricultores mantinham suas hortas e pomares, como forma de complementar a
15 Sobre as atividades desenvolvidas em cultivos tradicionais, consultar: OBERG, Kalervo. Toledo : um município da fronteira Oeste do Paraná. Rio de Janeiro: s.e., 1960.
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alimentação de suas famílias. Segundo Argemiro Brum, “junto à residência da família,
ficavam a horta, onde se produziam hortaliças, verduras e legumes, e o pomar, com
árvores frutíferas – tudo voltado diretamente ao consumo da família rural” (1983, p.
83).
Foto 4 – Técnicas de cultivo tradicionais
A foto de 1967 destaca o cultivo da mandioca. Ela registra técnicas de cultivo próprias da policultura que antecede à modernização, ou seja, a foto evidencia a participação familiar no cultivo. A foto mostra ainda que o cultivo acontecia entre os troncos de árvores derrubadas. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser
Com relação às necessidades da família do campo as mesmas eram supridas
em grande parte na propriedade e o restante era adquirido no comércio: “[...]
adquiriam-se no comércio principalmente tecidos, calçados, objetos de uso e artigos de
consumo doméstico que não eram produzidos na propriedade rural” (BRUM, 1983, p.
83).
Na obra de Ricardo Abramovay — intitulada Paradigmas do capitalismo
agrário em questão — são apresentadas considerações sobre a produção tradicional
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nos anos 60 e a preocupação dos economistas com o crescimento dos lucros. Para
tanto, a estratégia de ação estava atrelada às transformações técnicas da agricultura. [...] A perspectiva de uma combinação diferente destes fatores poderia resultar num aumento do produto. Somente máquinas e insumos de origem industrial, combinados com um sistema de pesquisa e extensão (voltados precisamente para este tipo de modernização) podem elevar a produtividade do trabalho e também permitir a liberação de mão-de-obra do campo para as cidades, sem que isso se traduza numa queda no nível da oferta agrícola (ABRAMOVAY, 1992, p. 84).
As atividades práticas são executadas tendo como objetivo principal
preparar a receptividade do agricultor para a incorporação das “novas técnicas”
agrícolas. A divulgação destas novas técnicas ocorre através do rádio, cujo discurso
trata da temática sob a justificativa da necessidade “de treinar e conscientizar o homem
do campo”. Tais elementos caracterizam a ação do Ministério do Planejamento e da
Secretaria do Planejamento do Estado do Paraná, juntamente com a ACARPA. Os
estímulos eram constantes por intermédio das associações rurais: As Associações fizeram, nos anos 60, um verdadeiro trabalho de conquista dos agricultores, através de estímulos para que comparecessem às reuniões, participassem de concursos e fizessem novas experiências em sua propriedade. Distribuíam prêmios, promoviam excursões com os agricultores fazendo-os visitar lugares onde o uso de certas técnicas já estava mais desenvolvido, enfim, havia todo um trabalho de orientação, mas, também, de “sedução” dos colonos da região (PAULILO, 1990, p. 56).
O papel desempenhado pelas associações rurais no que se refere à
implantação do modelo racional de produção agrícola estava inscrito, principalmente,
na realização de cursos de aperfeiçoamento. Como exemplo, citamos o conteúdo de
um destes cursos divulgado pela emissora de rádio. Sua estrutura reflete os
preparativos idealizados pelos órgãos governamentais com o objetivo de envolver o
agricultor direcionando-o para a efetivação desejada. Assim, foram apresentadas
noções sobre administração da propriedade, características do mercado, exploração da
área rural, assistência técnica, extensão rural, créditos, cooperativismo entre outros
temas vinculados ao novo modelo. CURSO PARA PRODUTORES RURAIS Com o objetivo de treinar e conscientizar o homem do campo, no sentido de mostrar-lhes o instrumental técnico e científico que está à sua disposição e que poderá ser utilizado
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para racionalizar sua atividade, será realizado em Marechal Cândido Rondon um curso para produtores rurais. Este curso será ministrado por técnicos do Ministério do Planejamento e da Secretaria de Planejamento do Estado do Paraná, numa promoção da Federação da Agricultura do Estado do Paraná e com a colaboração da ACARPA. [...] versará sobre Noções de Administração da Propriedade Rural; Oportunidades de Mercado dos Principais Produtos Agrícolas; Noções de Uso da Propriedade Rural; Mecanismos de Assistência; Técnica – Extensão Rural – Fomento – Crédito Rural; Noções de Cooperativismo; Noções de Tributação – Encargos Incidentes sobre a Propriedade Rural e Funrural. As inscrições para esse importante curso, que faz parte do Programa Paranaense de Treinamento de Executivos (Frente Ampla de Notícias, v. 20, 05.03.74 a 21.08.74).
O processo de modernização da agricultura denominado“Revolução Verde”
foi um programa estruturado a partir do aumento da produtividade, na expansão das
áreas cultivadas e na incorporação de novas técnicas no campo. [...] um papel importante cabe ao Estado no desenvolvimento da agricultura: o estímulo seja à reprodução interna seja à importação dos insumos que compõem a agricultura moderna, a implantação de centros de pesquisa capazes de adaptar os progressos técnicos de agronomia ao meio ambiente nacional e local (pesquisas com variedades de alto rendimento, por exemplo) e a difusão deste conjunto de inovações através de um amplo sistema de extensão (ABRAMOVAY, 1992, p. 85).
O papel atuante do Estado foi uma constante cristalizada na implantação de
tecnologias direcionadas ao setor agrícola. Mas, o estabelecimento prático da atuação
ocorria também de forma direcionada. Como exemplo, pode ser citada a atuação dos
sindicatos através do atendimento ao agricultor por intermédio de médicos
veterinários. O discurso enfatiza a importância do atendimento gratuito para os sócios
quites com a mensalidade. Os parâmetros sugeridos pela tecnificação são veiculados
de várias formas e as estratégias sempre reforçadas. O SINDICATO RURAL TEM AGORA MÉDICO VETERINÁRIO Podemos hoje dar uma bela notícia aos senhores sócios do Sindicato Patronal Rural deste município. Desde anteontem está nesta cidade, para atender aos sindicalizados da agricultura, um médico veterinário. Trata-se do Dr. Leopoldo Pietróvski, formado pela Universidade Federal do Paraná. O Dr. Pietróvski atenderá gratuitamente aos senhores colonos que estejam com suas mensalidades perfeitamente em dia com o sindicato. Aqueles que não são sócios ou estão com os pagamentos atrasados, deverão pagar a consulta a parte. Desejamos as boas vindas ao Dr. Pietróvski e colocamos esta emissora a seu dispor, sempre que necessite de nossos modestos préstimos (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
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Para isso, são destinados recursos que contemplam o desenvolvimento de
sementes que possam ser cultivadas em diferentes climas e solos, bem como o auxílio
de técnicos dedicados à fabricação de adubos e venenos, proporcionando o
atendimento de um padrão criado e justificado na eficiência da modernidade. A chamada “Revolução Verde” foi um programa que tinha como objetivo explícito contribuir para o aumento da produção e da produtividade agrícola no mundo, através do desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para a criação e multiplicação de sementes adequadas às condições dos diferentes solos e climas e resistentes às doenças e pragas, bem como da descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e eficientes (BRUM, 1983, p. 55).
É preciso, entretanto, compreender o poder atribuído às notícias e contatos
realizados pelo então prefeito municipal Werner Wanderer, pois atualmente o mesmo
exerce a função de Deputado Federal pelo Estado do Paraná. Entre os assuntos
destacados, o desejo pela instalação de eletrificação rural foi levado ao conhecimento
do Ministério da Agricultura. De acordo com o documento, o pedido surpreendeu
devido ao grande número de moradores inscritos (2.800 famílias) e, assim, foi aceita
com entusiasmo a possibilidade de instalação da eletrificação rural em Marechal
Cândido Rondon, em especial “a toda sua produtiva colônia”. Torna-se evidente o
universo discursivo que permeia a dinâmica da produção agrícola, agora calcada na
necessidade de energia elétrica para impulsionar o progresso da região. Os
procedimentos para a implantação acelerada da modernização abriam todas as portas
para as “boas novas”. PREFEITO MUNICIPAL CHEGOU HOJE COM BÔAS NÓVAS [...] o senhor prefeito municipal manteve-se em entrevista com o coronel Romeu, chefe da C.E.R. – 1 em Ponta Grossa, grupo militar [...] que foi passado aos encargos pelo senhor Presidente da República no tocante à construção da BR-467, uma estrada promissora para nós desta região do canto oeste do Paraná. A beleza, conforto [...] produtividade desta estrada entre Cascavel até Guaíra, está entregue confiantemente à chefia da C.E.R. - 1, que deve acelerar seu ritmo de trabalho para que logo tenhamos esta obra concluída seguindo o exemplo de beleza e expansão que nos dá à todos de Foz à Ponta Grossa. Conversando com o coronel Romeu, o prefeito Werner, obteve positiva resposta quanto à uma patrola da comissão de estradas de rodagens que se encontra encostada em Cascavel (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Novamente as notícias sugerem um discurso direcionado ao interesse
coletivo. Enfatiza-se, sem poupar detalhes, a presença de funcionários encarregados da
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construção da estrada, considerada pelo então Ministro dos Transportes Coronel Mario
Andreazza como uma prioridade. UMA NOTÍCIA DE ALTO INTERESSE REGIONAL Estava ontem à tarde defronte a rodoviária um jipe do D.E.R., cheio de cobertas e cobertores. O fato chamou nossa atenção e fomos falar com os tripulantes do jipe. Foi ali que ficamos sabendo que faziam parte de uma turma encarregada do levantamento da BR-467 que parte de Cascavel e vai a Guaíra, passando pelo nosso município. Informaram-nos aqueles funcionários do estado que existem 4 turmas fazendo esse levantamento, e com o compromisso de realizar este trabalho quanto antes possível, para começarem as obras de construção desta estrada e respectivo asfaltamento. Cumpre-se assim, as declarações do ministro dos transportes Coronel Mario Andreazza que diz que as duas BRs, a 467 e a 162 são altamente prioritárias. Uma boa notícia, sem dúvida. (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69)
No município, existia uma constante preocupação com a implantação da
eletrificação rural. Deste modo, os discursos justificam a necessidade de organizar o
maior número de inscritos para chamar a atenção da companhia responsável pela
instalação da energia elétrica. Logo, o discurso atrela à eletrificação, a necessidade de
maior conforto para o agricultor e enfatiza o “progresso” advindo da eletrificação no
campo.
Tal afirmação pode ser atribuída ao “discurso sobre a modernização do
Paraná, via industrialização. Há que se considerar a ênfase dada à necessidade de
ampliação e instalação de uma infra-estrutura básica, notadamente rodovias e energia
elétrica” (IPARDES, 1989, p. 64). São contínuos e numerosos os programas que falam
da eletrificação, atrelada, em muitos casos, à expressão “benefício para nossa gente”.
Quanto maior o número de usuários, menores os custos dos serviços da energia no
campo. Esta é a fórmula adotada para justificar a necessidade de ampliação da rede
elétrica na região. A adoção dessas medidas recebe os reforços discursivos dos
“homens públicos”, sendo que um número expressivo de pedidos receberia maior
atenção e rapidez e tornaria o município o primeiro a ser beneficiado com o programa.
Com a concretização do empreendimento, abrir-se-iam inevitavelmente as portas do
“progresso”.
A instalação da energia elétrica nos lares dos agricultores atendia a
interesses específicos? Podemos sugerir que a necessidade de se criar mercados para a
crescente industrialização do país estava na ordem de prioridades deste tipo de
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empreendimento. Portanto as luzes do progresso trariam vantagens, em termos de
produtividade, aos agricultores. Contudo, satisfaziam também a necessidade de vendas
de produtos ligados à indústria de motores elétricos e afins. A chave para o problema
está na abertura de possibilidades para a energia elétrica que “levará força para a
movimentação de motores e vários implementos agrícolas”, caracterizados então como
integrantes das necessidades dos agricultores modernos. Sobre a questão, algumas
falas de agricultores identificam elementos que sustentavam as propostas
modernizadoras: Nos primeiros anos quando nós viemos prá cá, nem rádio não tinha [...]. Depois a gente conseguiu o rádio [...]. Isso muda, hoje em dia tem muita gente que fala, porque não tem dinheiro é ruim; só que hoje nós temos carro, temos televisão, temos geladeira, congelador, tem banheiro em casa, tem luz, tudo isso [...]. Aqui custa, aí que vai o nosso dinheiro, mas nós tamos cômodos, tamos vivendo bem [...]. (D, 05 mar. 1996, grifos nossos)
O poder persuasivo relacionado às novas necessidades não para por aí. Ele
cria como parte integrante do cotidiano dos agricultores a ansiedade em progredir em
direção a um futuro promissor. Com tais argumentos, o novo modelo implanta seus
ideais. PESSOAL ENTUSIASMADO TRATOU DA ELETRIFICAÇÃO RURAL [...] Ouvindo as palavras do prefeito municipal Werner Wanderer, permaneceram atentos, e ao final de tudo pode-se notar entre os presentes a euforia reinante entre todos em saber que dentro de um curto espaço de tempo poderão ter energia elétrica em seus lares, que além de iluminação, levará força para a movimentação de motores e vários implementos agrícolas de muita necessidade no meio colonial [...]. Observando a alegria entre os presentes à última reunião de anteontem, somente podemos acreditar mais ainda neste povo que não pensa em outra coisa que PROGREDIR, e PROGREDIR sempre. O maior desenvolvimento e vontade de nosso povo nos traz a lembrança de um futuro promissor e que não está muito longe com relação à Marechal Cândido Rondon (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
No final dos anos 60, as mudanças no sistema de relações e de expansão da
fronteira agrícola são notórias no Extremo Oeste do Paraná, em especial no município
de Marechal Cândido Rondon. O modelo adotado até então pelo pequeno agricultor é
modificado profundamente pela ação da oferta de créditos para a compra de máquinas
e pela ação dos discursos transmitidos aos agricultores de forma incisiva.
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O OESTE E SUDOESTE MOSTRAM SUA PUJANÇA O desenvolvimento econômico do oeste e sudoeste é um fato incontestável e temos a impressão que estamos entrando para um período em que falar-se no oeste e sudoeste, não é mais falar em regiões sub-desenvolvidas ou marchando à retaguarda do desenvolvimento do nosso Estado. Falava-se em Paraná em função do norte, dando-se a impressão que o Estado só progrediria naquelas regiões, onde era senhor absoluto o café. A policultura foi introduzida no oeste e sudoeste e hoje o progresso e a pujança dessas regiões é um fato incontéste (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).
A comparação com outras regiões procurava assimilar as especificidades da
região. Assim, a policultura adotada pelos rondonenses aparecia como elemento
diferenciador. Contudo, este modelo passou por reformulações: [...] verifica-se que na década de 1960 o grande movimento de expansão da fronteira agrícola se deu no Extremo Oeste e Sudoeste do Estado, tendo à frente o pequeno ocupante. Já na primeira metade da década de 1970 os resultados mostram o aparecimento de grandes proprietários nessas regiões acompanhado de uma forte redução no número de pequenos estabelecimentos (SILVA, 1982, p. 103).
A partir desse quadro, na década de 1970, Marechal Cândido Rondon sentiu
os reflexos advindos do crescimento de grandes e médias propriedades e da
conseqüente redução do sistema de pequenas propriedades16. As alterações provocadas
pelas inovações técnicas junto ao meio ambiente são significativas. Nesse período,
marca presença a produção acelerada e em grande quantidade, visando atender o
mercado nacional e internacional. Uma das principais inovações tecnológicas se relaciona com as alterações da natureza das plantas e animais, com mudanças em seus ciclos biológicos, o que reduz sensivelmente o diferencial existente entre tempo de trabalho e tempo de produção, persistente na maior parte do setor agropecuário, e eliminando algumas barreiras que se antepõem à aplicação de capital (RIZZI, 1984, p. 201).
Os elementos ligados às técnicas tradicionais de cultivo perdem espaço
também no que se refere à produção de sementes. Com isto, os agricultores passaram a
negociar com instituições e não mais com seus vizinhos, quando as relações de
trabalho ocorriam com base na cooperação entre os agricultores: Na fase da agricultura tradicional, as sementes eram produzidas pelos próprios agricultores ou trocadas com os vizinhos, em cuja orientação valia a experiência empírica
16 A definição tratando as propriedades enquanto pequena, média e grande é baseada em critérios regionais.
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dos colonos. À medida que o processo de modernização foi avançando os órgãos oficiais ligados ao Ministério ou à Secretaria da Agricultura do Estado passaram a fornecer sementes selecionadas aos produtores rurais, quer diretamente quer através das cooperativas e associações rurais (BRUM, 1983, p. 109).
Com a substituição da sistemática tradicional pelas novas técnicas de
cultivo, os agricultores abandonam conhecimentos sedimentados por gerações no que
se refere ao domínio da tecnologia de produção. Assim, são lançadas “as sementes do
progresso” que alteram sensivelmente o cenário das relações de trabalho existentes. [...] Transformando a Agricultura Tradicional — exerceu enorme influência na formação de intelectuais e técnicos responsáveis pela implantação, em países do Terceiro Mundo, de centros de extensão e pesquisa nos quais boa parte da Revolução Verde se enraizou. (ABRAMOVAY, 1992, p. 82).
O trabalho desenvolvido pelas famílias passou a ser desarticulado e novas
formas de produção foram incorporadas ao cotidiano rural. As relações de produção e
de trabalho são vistas como elementos capazes de articular diferentes dinamismos no
município: “da enxada, do arado de tração animal e da carroça passou-se ao trator, à
automotriz, ao caminhão, etc. Rompeu-se assim o ritmo lento do mundo rural marcado
pela tradição” (BRUM, 1983, p. 148).
Dessa forma, “A exploração familiar, tal como a concebemos, corresponde
a uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente
ligados à família” (LAMARCHE, 1993, p.15). Sendo assim, as diversas experiências
cotidianas pautadas na exploração e produção a partir do próprio trabalho, sintetizado
no âmbito familiar, são transformadas de maneira enfática com a industrialização do
país. Contudo, a modernização é informada de fundamentos e interpretações variadas,
sendo entendida como um conjunto de percepções estabelecidas a partir de
entendimentos e valores, decisões e comportamentos de grupos específicos. Malgrado a industrialização do país, que se acentua a partir dos anos 50 deste século, os proprietários fundiários manterão em larga escala seu controle sobre os elementos tradicionais de sua dominação social, ou seja, sobre a propriedade da terra, e, graças a ela, sobre a força de trabalho rural. Este “pano de fundo” sócio-político é fundamental para se compreender a natureza do processo de modernização da agricultura que é efetuada a partir de meados dos anos 60 (LAMARCHE, 1993, p.182-183).
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A implantação do modelo tecnificado na agricultura brasileira se
intensificou a partir dos anos 60. O processo desencadeou debates desafinados,
despertando um mosaico de enfoques e interpretações: “No Brasil, a partir de 1964, o
modelo agrícola implantado se incumbiu de realizar um elevado grau de tecnificação
com aumentos de produtividade no meio rural, a concentração da posse da terra e a
articulação profunda ao complexo agroindustrial” (BREPOHL, 1984, p. 189).
Os canais de abertura do processo de modernização agrícola responderam a
todos os problemas, incluindo os climáticos, tais como chuvas de granizo. Em 1967,
uma forte chuva de granizo provocou estragos nas lavouras do município. A situação
era grave, de tal forma que a Câmara Municipal foi convocada em regime de urgência
para reunião com a pauta direcionada a atender de forma prática as propriedades
atingidas pelas adversidades climáticas. Entre as deliberações regimentais da reunião,
foi definida a escolha de representantes, tanto da prefeitura quanto da associação rural,
que foram visitar as propriedades atingidas de fato. Estas receberam isenção do
pagamento de impostos municipais. Logo de imediato, a CIROSA – Companhia de
Óleos Vegetais, entrou em ação entregando sementes de soja. A solução apontada
aparece no uso de sementes de milho híbrido para o plantio rápido. Assim, as sementes
produzidas pelo agricultor para este fim vão ficando de lado. A ASISTÊNCIA AOS ATINGIDOS PELO GRANIZO [...] em cada local onde houve o granizo deverá destacar alguém que venha à Prefeitura com a relação dos nomes dos prejudicados. No dia 4 uma comissão composta de um vereador, um representante da Prefeitura e um da Associação Rural visitará colono por colono, confirmando o prejuízo. A CIROSA já está fazendo entrega de soja, para receber a mesma quantia na safra. Está sendo providenciado milho híbrido para replantio. Será dada assistência real aos prejudicados, mas dentro do critério da justiça (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
Nesse sentido, pode-se argumentar que o planejamento modernizador
buscou aplicar e introduzir, através do sistema de cultivo sementes selecionadas, o
aparato de combate às pragas ofertado pelos insumos. O carro-chefe de todo o
processo está aplicado então no desenvolvimento tecnológico. Assim, enfocamos a
necessidade do pesquisador estar atento para a vasta heterogeneidade de recursos
estratégicos preparados para atender à, também, vasta heterogeneidade de interesses
51
que compõem a exploração agrícola na área estudada. Em outros termos, a área pode
ser entendida enquanto célula de implementação de imagens e idéias direcionadas ao
projeto modernizador e configuradas a partir de suas especificidades. Com melhores sementes, fertilizantes adequados e outros insumos de natureza biológico-química, o solo pode ser mais bem cuidado, trabalhado, semeado e cultivado e oferecer maior produtividade. Essas tecnologias devem ser empregadas quando a terra tiver custo elevado pois permitem que seja explorada de forma mais intensiva e racional (ACCARINI, 1987, p. 85).
A implantação de projetos de colonização agrícola e extensão dos
incentivos ao setor agropecuário manifesta-se através de incentivos fiscais e de crédito.
Com relação aos aspectos econômicos, destaca-se a criação, a partir de 1970, do
cenário de transformação que recebe novos personagens atuando na agricultura
comercial e desenvolvendo-se principalmente nas pequenas e médias propriedades17. A modernização agrícola, como se sabe pode tomar duas direções principais: o aumento da produtividade da mão-de-obra, obtido fundamentalmente, com o uso de tecnologias mecânicas e o aumento de produtividade da terra, principalmente através do emprego de inovações biológico-químicas e métodos de produção mais aprimorados. O primeiro grupo abrange a introdução de modelos mais aperfeiçoados de tratores, colheitadeiras, semeadeiras e muitos outros equipamentos e implementos. O segundo inclui sementes e mudas mais produtivas, fertilizantes, defensivos e corretivos, além de novos métodos de preparo de solo, plantio e cultivo (ACCARINI, 1987, p. 109).
Nesse sentido, pode ser evidenciada a contraposição existente, no cenário
regional, de diferentes interesses que conduzem a objetivos político-sociais muitas
vezes divergentes. No contexto geográfico, esses conflitos de interesses presentes na
modernização cristalizam a existência de mecanismos distintos de organização, de
produção e reprodução do espaço, expressando a superposição de acontecimentos
sócio-ambientais.
17 Ao conceder o crédito rural, o Banco do Brasil define uma espécie de tipologia de produtores, de acordo com a Resolução nº 2.164, de 19.06.95: “O beneficiário classifica-se como: a) miniproditor – quando não contar com renda agropecuária bruta anual superior a R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais); b) pequeno produtor – quando, superado o parâmetro indicado na alínea anterior, não contar com renda agropecuária bruta anual superior a R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais); c) demais produtores – quando contar com renda agropecuária bruta anual superior a R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais)”.
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TÉCNICOS DA SADIA ORIENTAM COLONOS DA REGIÃO [...] Estas reuniões trarão explicações [...] sobre a finalidade desta grande campanha. Todos os criadores deverão comparecer às 20 horas nos referidos lugares para as reuniões e receber assim instruções básicas pelos técnicos e veterinários da Sadia, pois o assunto é de interesse do criador. Nas reuniões serão apresentados diversos filmes que tratam [...] da erradicação deste mal nos rebanhos da região (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
O modelo de agricultura tradicional é substituído pela agricultura
modernizada, tendo como principal incentivador o poder público, através de
financiamentos tentadores. O critério de investimento possibilita a aquisição de terras, animais de trabalho ou reprodução, tratores, colheitadeiras e equipamentos de uso rural, fundação de lavouras perenes e formação de pastagens, correção e conservação do solo, abertura de canais de drenagem, obras de irrigação, construção de armazéns e outros itens que compõem o capital de instalação e o capital de exploração permanente de um empreendimento rural (ACCARINI, 1987, p. 153).
Contudo, a descrição isenta deste cenário não atinge as exatas dimensões da
incorporação de novas técnicas no setor agrícola. Isto porque, [...] a substituição da agricultura tradicional por uma agricultura modernizada representava a abertura de importantes canais para a expansão dos negócios das grandes corporações econômicas, tanto no fornecimento das máquinas e insumos modernos, como na comercialização mundial e nas indústrias de transformação dos produtos agropecuários, sem esquecer o financiamento aos países que aderissem ao processo de modernização (BRUM, 1983, p. 57-58).
Ao enfatizar a adoção de mecanismos artificiais na produção agrícola, a
agricultura brasileira apresenta “terreno fértil” para a disseminação do sistema de
especialização, o que ocasiona graves impactos ambientais. Com a ampliação da
tecnificação no campo, ocorre, portanto, o aumento dos problemas ecológicos no
município, pois “a generalização do uso de máquinas, de adubos e inseticidas, às vezes
com moderação, às vezes acarretando problemas ecológicos e, conseqüentemente,
dificultando a vida humana, vem também ampliando o poder de expansão das grandes
culturas em detrimento das pequenas” (ANDRADE, 1979, p. 24).
Estas informações revelam que a agricultura moderna pode ser descrita a
partir da execução da modernização, sustentada pela mecanização e pela apropriação
de novas técnicas nas atividades agrícolas.
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Entende-se por agricultura moderna a fase agrícola que se caracteriza pelo uso intensivo, a nível das unidades produtoras, de insumos industriais – máquinas, equipamentos e produtos químicos – bem como a utilização de métodos e técnicas de preparo e cultivo do solo, de tratos culturais mais sofisticados [...]. Modernização da agricultura é o processo de mecanização e tecnificação da lavoura (BRUM, 1983, p. 89).
O processo de tecnificação agrícola vem acompanhado pela instalação de
indústrias. No município de Marechal Cândido Rondon, uma delas é a CIROSA que
adquiria a produção de soja da região. A referida indústria mantinha um canal aberto
junto à emissora para divulgar suas estratégias de compra e venda de produtos
agrícolas. Com o avanço das técnicas de criação de suínos, ocorre a instalação do
Frigorífico Rondon. MAIS UMA FIRMA VEM TRAZER SEU PRESTÍGIO PUBLICITÁRIO A partir de hoje a CIROSA, Companhia de Óleos Vegetais, estará entregando a esta emissora sua publicidade comercial. Uma indústria nascente que, junto ao Frigorifico Rondon, seu vizinho, dão o passo inicial à industrialização local. Da mesma forma, mais duas firmas de Toledo se enfileiram aos nossos favorecedores. Daí nosso compromisso de ir melhorando nossa atividade (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
Neste complexo agroindustrial, a agricultura comercial avança conduzida
pelas relações econômicas direcionadas pelo capital financeiro que estrutura redes
tecnológicas que viabilizam, por sua vez, sementes selecionadas para a produção
destinada, principalmente, ao mercado externo. Assim, ocorre um forte grau de
interação entre a agricultura de exportação e a indústria que passa a ocupar as áreas
antes destinadas ao cultivo de produtos alimentícios. No espaço rondonense, como
exemplo, é incentivada a especialização e o cultivo da soja. As campanhas de
incorporação dos derivados de soja na mesa dos consumidores das cidades, como
também no campo, fez crescer o número das indústrias produtoras de óleo vegetal,
margarina, leite de soja, entre outros derivados do cereal.
Estudos recentes apontam para as conseqüências advindas das políticas que
incentivam a estruturação da modernização. O processo encontra consolidação nos
subsídios dados aos insumos e se estende às facilidades ofertadas àqueles que optarem
pelo cultivo de culturas destinadas à exportação ou que atendam às indústrias
nacionais. Assim, “[...] a própria agricultura se industrializou, seja como compradora
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de produtos industriais (principalmente insumos e meios de produção), seja como
produtora de matérias-primas para as atividades industriais” (SILVA, 1982, p. 62).
Sobre os aspectos iniciais da organização da modernização incentivada por
vários mecanismos, em um programa elaborado pela Rádio Difusora de Marechal
Cândido Rondon, intitulado “Ilustres Visitas”, ocorre a divulgação da fala de um dos
representantes políticos — o então Deputado Estadual Egon Pudell — que reforça a
proposta modernizante com o propósito discursivo de enaltecer o progresso regional. Esteve em visita a esta cidade hontem o Deputado Egon Pudell, presidente da Assembléia Legislativa do Estado. Além da substanciosa entrevista que nos concedeu a este microfone, no horário do jornal falado, esteve longamente em palestra informar conosco quando foram trocadas ideais e soluções que visem fazer progredir a região (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
Sobre este aspecto, é interessante ressaltar os contatos constantes dos
representantes políticos com os programas jornalísticos da rádio local. O discurso
abaixo caracteriza a ação dos créditos em situações onde ocorrem frustrações de safra.
Nota-se que tais discursos desautorizam qualquer reação de descontentamento por
parte dos agricultores. NÃO FALE EM CRISE, TRABALHE Este dístico está podendo ser usado, ao momento em que todos ou apenas uma grande maioria parou para falar sobre crise [...]. As geadas, responderiam muitos. Porém ela é dádiva de Deus e ninguém pode evitar [...]. O proagro garantirá como está garantindo 80%; o restante dos 20 por cento sendo estudado para pagamento em 3 anos com juros ínfimos. Para quem não tem o proagro por falhas até então desconhecidas o governo está com as vistas voltadas e o auxílio virá [...]. O Brasil vai produzir mais e melhor, porém bate-papo de cafezinho e com os cotovelos em balcões de bares de nada adianta. O que convém ao momento é arregaçar as mangas e trabalhar com muito mais afinco. O trabalho absorve o homem, vamos ver (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).
A dinâmica da distribuição dos créditos realizada através dos mecanismos
governamentais é um dos aspectos que caracterizam a necessidade de ajustes no
modelo. Desde o início, o agricultor, em caso de frustração na safra, recebia 100% das
perdas (através do PROAGRO). Lentamente, o governo vai reduzindo este percentual
da cobertura em relação a problemas climáticos. Isto se deve, em grande parte, às
fortes geadas verificadas no município no ano de 1975. A medida tomada foi a de
55
fornecer 80% de cobertura e o restante era pago pelo agricultor num período de três
anos. O corte pode ser identificado como ajuste: nas primeiras ações ligadas à
implantação do novo modelo, qualquer problema era imediatamente solucionado; com
o sucesso do projeto, o agricultor não recebe mais a cobertura total, além de ser
fiscalizado “militarmente” pelos técnicos do Banco do Brasil.
Com tais medidas, o agricultor não poderia, por exemplo, arar a terra na
qual se encontrava a plantação comprometida sem a visita e posterior liberação dos
técnicos. Com o passar do tempo, a situação foi se agravando: o agricultor pagava as
parcelas e, durante cinco anos, poderia ser cobrado novamente, caso tivesse extraviado
os comprovantes de pagamento (Sobre esta questão, consultar Anexo 1).
De uma forma incisiva, o discurso reafirma o valor do trabalho, atribuindo à
crise gerada pelas geadas uma dimensão divina (“dádiva de Deus”?). Contudo ressalta
a necessidade de continuar as atividades, pois bate-papo nos bares não seria a solução.
Com tal abordagem da questão, o noticiário reafirma sua influência e apresenta o
comportamento considerado ideal: trabalhar mais para compensar as perdas ocorridas
na lavoura.
2.2 DESMATAMENTO E PROGRESSO
No decorrer do processo de mecanização, ocorreram inúmeras campanhas
que alteraram comportamentos e acentuaram o confronto entre mata e homem. De um
lado, o incentivo à derrubada das florestas; de outro, a falta de habilidade na retirada
da mata, marcando com sangue as áreas desmatadas devido aos constantes acidentes
ocorridos durante estas atividades. O perfil técnico da retirada da mata sofreu
transformações: o machado foi perdendo espaço para as chamadas motoserras e os
tratores. Em sintonia com o ronco de seus motores, a modernização acelerou o
processo de destruição das matas da região, tendo em vista a necessidade de mais
terras cultiváveis. Com o machado era mais pesado. Depois que veio essa barulhenta motoserra, daí já facilitou um pouco, antes era machado [...]. Nós até fazíamos mutirão assim: depois de roçado o mato, um ia ajudando o outro; foi indo, foi indo até era mais fácil, que derrubava
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mais ligeiro e o mato secava mais parelho. Acabava aqui, foi no outro e assim por diante (A, 19 fev. 1996).
As notícias que veiculavam acidentes fatais ocorridos durante os trabalhos
de derrubada das matas eram freqüentes. O discurso resume-se aos laços familiares das
vítimas. Não fez menção, no entanto, às prováveis causas dos acidentes, tais como a
falta de treinamento no que se refere à utilização dos novos equipamentos. ACIDENTE NO TRABALHO CEIFA MAIS UMA PRECIOSA VIDA EM NOSSO MEIO Ontem à tarde aproximadamente às 14 horas um acidente de trabalho levou a vida de um jovem, de família conhecida e bem quista em nosso meio. Trata-se do jovem Emidio Finger que residia na estrada que demanda de Marechal Cândido Rondon à Margarida. O acidente, segundo obtivemos informações, ocorreu quando trabalhavam na desmatação, usando de uma serra motor. Nesse serviço de derrubada, ao terminar por atorar um pau de bom tamanho, a madeira serrada, ao cair, veio atingir a cabeça de Emidio, que não resistindo aos ferimentos veio à falecer. O acidente que resultou a morte do jovem Emidio chocou profundamente o vasto círculo de amizades desta família rondonense. Nossa emissora envia a família enlutada profundos votos de pesares pela irreparável perda (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
O desmatamento incentivou uma série de iniciativas particulares
relacionadas à extração de madeira como forma de enriquecimento. De acordo com o
relato do comerciante “C”, marceneiro, atraído do Rio Grande do Sul para o distrito
rondonense de Margarida devido à abundância de madeira existente na região: “Eu
puxava mudanças para cá. Aí eu vi bastante madeira. A minha profissão era madeira,
tinha marcenaria no Rio Grande [...]. Vim prá colocá uma serraria aqui [...]” (C, 21
fev. 1996).
Na trama discursiva do projeto de consolidação do município de Marechal
Cândido Rondon, o progresso recebeu projeções entusiasmadas, principalmente nas
ocasiões que sinalizavam para o crescimento do setor industrial. Sendo assim, durante
a inauguração de indústrias, consideradas “possantes”, estas eram apresentadas como
“vulcão em ritmo vigoroso de progresso que vem dando destaque ao nosso
município”. Inseridas no ritmo acelerado de instalação das indústrias, muitas serrarias
foram inauguradas com a presença de políticos e religiosos, entre outros personagens
ilustres da comunidade local.
57
As festividades fechavam o evento; mas toda essa comemoração exaltando
a capacidade e agilidade das indústrias, conduzem à compreensão da necessidade de
retirada acelerada da floresta, pois “esta é na realidade uma indústria de milhões para
produzir milhões”. Assim, o contexto histórico e econômico caracteriza a exploração
da madeira como forma de obter lucros significativos com a “limpeza” da área,
acertando os passos para os futuros objetivos da modernização.
Foto 5 – Desmatamento e Serraria
A imagem, registrada em 1976, caracteriza a forte presença de serrarias. Esta localizava-se no Distrito de Margarida. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.
INDÚSTRIAS, PARA UM PROGRESSO MAIOR Foi inaugurado o conjunto de serra fita da serraria de propriedade do senhor Mahmud Ismail. Ao ato inaugural, um grande número de pessoas se fez presente, tendo sido registrada a presença do reverendo pastor Pawelke e do reverendo padre Antonio Darius. No ato inaugural, o conjunto de serra fita moderno e possante, foi colocado em funcionamento, serrando duas toras de grande tamanho em apenas 29 minutos [...]. Esta é na realidade uma indústria de milhões para produzir milhões (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
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Podemos afirmar que os efeitos causados pela retirada da mata foram
obscurecidos pela necessidade de liberar espaço para os cultivos agrícolas. Nesse
contexto, “a atividade agrícola, feita sob qualquer forma e com qualquer intensidade,
tem implicações sérias sobre o meio ambiente, de vez que é precedida do
desmatamento parcial ou total” (ANDRADE, 1979, p. 108). Como pode ser observado
nas notícias divulgadas pela emissora de rádio, houve todo um incentivo ao
desmatamento, tendo como argumento fundamental o progresso regional.
A partir da década de 1970, no entanto, este quadro é alterado. Os
argumentos eram outros e aparecem as primeiras manifestações sobre as necessidades
de fiscalização do desmatamento. Nesse sentido, os representantes governamentais,
tais como o então governador Haroldo Leon Peres, buscaram adotar formas de deter ou
estagnar o processo das derrubadas, visando preservar as poucas áreas florestais que
restaram. As medidas implementadas, através da Secretaria da Agricultura em
consonância com o Instituto de Defesa do Patrimônio Natural, visavam a fiscalização e
até a proibição do desmatamento.
A fase inicial da modernização marcou profundamente as unidades
ambientais: o solo sofreu com a compactação; e as queimadas e a erosão tomaram o
rumo dos rios, os quais passaram a receber enormes quantidades de terra, provocando
alterações em seus leitos. Para se ter uma idéia mais clara das transformações
ocorridas nos rios e riachos do município, cabe resgatar o cotidiano rural. A retirada
das matas, feita inicialmente sem cuidados maiores com a preservação do solo —
expressão que não constava do vocabulário da colonização —, provocou estigmas
profundos no solo. Com a retirada total em certas áreas da mata ciliar, o problema
assumiu proporções ainda maiores, já que nos dias chuvosos, devido às precipitações
intensas, os agricultores começaram a sentir os efeitos da falta da conservação. Num
“passe de mágica”, os riachos calmos, vítimas do assoreamento, aumentavam de
tamanho e as águas das chuvas escavavam as barrancas dos rios, causando o
transbordamento que levava pontes, cercas e plantações. Já nas lavouras, as trilhas da
destruição eram avistadas à distância, pois, as cicatrizes estavam estampadas na terra.
Os aparatos legais entraram em ação com o objetivo de frear esta situação.
Assim, um convênio entre o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal passou
59
a fiscalizar as licenças para o desmatamento comercial e industrial. A nível estadual, o
Instituto de Defesa do Patrimônio Natural, ligado à Secretaria da Agricultura, fixou o
aproveitamento da madeira, limitando o corte e o transporte deste recurso natural
através do fornecimento de licenças para o desmatamento apenas com o objetivo de
desenvolver a agropecuária. FISCALIZAÇÃO SOBRE O DESMATE INDISCRIMINADO A preservação das reservas florestais é uma das preocupações do governador Haroldo Leon Peres, que determinou a Secretaria da Agricultura para que proceda, através do Instituto de Defesa do Patrimônio Natural, rigorosa fiscalização, coibindo o desmatamento indiscriminado. A medida visa a uma prevenção contra erosões, deficiências nos cursos d’água, desequilíbrio da fauna e da flora, alterações climáticas e até mesmo o desaparecimento de determinadas espécies (Frente Ampla de Notícias, v. 12, 13.05.71 a 18.07.71).
As pressões do Código Florestal estabeleciam limites através da definição
da quantidade de mata que poderia ser retirada pelo agricultor. O percentual abrangia
80% da área total do imóvel que poderia ser objeto de desmatamento. Com o objetivo
de deter as mazelas do desmatamento, as agências bancárias passaram a exigir dos
agricultores a apresentação da licença nos trâmites bancários vinculados ao
fornecimento de financiamentos. Uma vez constituídos os mecanismos
impulsionadores da mecanização, aparecem as contradições: no início, os planos
incluíam a remoção das florestas, já que quanto maior o desmatamento, mais
financiamento. Nas palavras dos agricultores, esta situação gerou conflitos por não
entenderem o incentivo inicial à derrubada e a restrição posterior. NOTICIAS LOCAIS E ESTADUAIS Esta mesma determinação do Código Florestal regulamenta que nenhuma propriedade agrícola poderá desmatar além de oitenta por cento da área total do imóvel. O diretor do IDPH, Sr. Solon Rodriguez, afirma que atualmente tem recebido muitos processos, com pedidos de agricultores para proceder desmatamento. Mesmo porque a licença do IDPN é documento exigido até para financiamento bancário, disse (Frente Ampla de Notícias, v. 12, 13.05.71 a 18.07.71).
Os acidentes nas remoções de árvores colocavam as famílias diante da
ameaça constante da morte. Como já foi enfatizado anteriormente, a perda ocasionada
por acidentes pode ser atribuída à falta de habilidade com o equipamento. Conforme
60
afirmação da Rádio Difusora, eram inúmeros os acidentes fatais transcorridos durante
o desmatamento. A própria produção jornalística menciona uma certa falta de cuidado
por parte dos agricultores. Acaba admitindo então a necessidade de um “curso
demonstrativo”, através do qual fossem repassadas aos agricultores orientações básicas
sobre o manejo da motossera e os procedimentos seguros a serem adotados durante a
execução das tarefas relacionadas ao desmatamento. ACIDENTE COM MOTOSERRA, MATA AGRICULTOR Ceslau Rodolfo Kosik e mais dois filhos, estavam na tarde de ontem trabalhando em derrubada de mato com duas motosserras [...]. Ao cair, ao invés de tomar o rumo previsto para a queda, devido ao forte vento, a árvore tomou outro rumo, tombando sobre o infeliz agricultor, quebrando o braço esquerdo e atingindo bastante a cabeça. Transportado ainda com vida, ao hospital do Dr. Confúcio, mas não resistindo a gravidade dos ferimentos Ceslau Rodolfo Kosik, veio a falecer. A Radio Difusora, notificou diversas vezes acidentes provocados por motosserra e na maioria das vezes é por descuido ou então por outros fatores, como no caso relatado hoje, o vento que muda de rumo a árvore, ao cair. Somos de opinião de que deveria haver um curso demonstrativo, sobre o manejo da motoserra e também uma orientação prévia de como devem ser derrubadas as árvores e como proceder no momento da queda. O manejo da motosserra deveria ser entregue a pessoas com orientação e práticas prévias, para evitar estes tristes acontecimentos. Analisem antes e não depois, o comportamento da motosserra ao entrar em funcionamento. Evitem serrar madeiras no chão, quando duas árvores estejam paralelas e juntas, a ponta da motosserra poderá bater na outra árvore, dar um contra, levantar e vir contra o manejador, como aconteceu recentemente em nossa cidade onde o jovem Ruy Miller, perdeu a vida desta maneira (Frente Ampla de Notícias, v. 13, 01.07.71 a 30.10.71).
Os entrevistados de imediato retomam casos isolados envolvendo acidentes
com a motossera. Mas, aos poucos, revelam vários exemplos de vizinhos que
perderam a vida durante o desmatamento. Refazendo este percurso, entrevistamos os
vizinhos do falecido Ceslau Rodolfo Kosik: O único que faleceu, que faleceu foi o Ceslau Kosik mas também não era preciso, vê como isso ajeita tudo, de manhã os filhos dele não aprontaram, ficou uma guajuvirinha fina assim, meio separada. De tarde, vamo derrubá e tinha vento e eles foram lá pra derrubá entre dois e o pai, de curioso, foi olhá. Não é que essa cai em cima dele e mata. Era a última árvore [...] da desmatação [...]. Morreu, mas quebrô costela, cabeça, os braço... tudo, morreu no hospital (A, 19 fev. 1996).
Os agricultores recebem novas máquinas para o desmatamento; raramente é
adotado o sistema tradicional, baseado principalmente na queimada e na posterior
destoca das matas. As madeiras-de-lei são vendidas ou doadas; já as restantes eram
61
estocadas, formando enormes blocos que, depois de secos, eram queimados. Com o
coqueiro, por exemplo, adotou-se o processo de destocar suas raízes, abrir uma enorme
vala, na qual eram depositados seus troncos que, em seguida, eram soterrados.
Foto 6 – Catação de Raiz
Com o término das atividades relacionadas à destoca mecanizada, o trabalho continua. Nesta foto, vemos filhas de agricultores trabalhando na catação de raízes, com o objetivo de “limpar” a terra para a mecanização (1970). FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.
No processo mecanizado de desmatamento, após a destoca efetuada pelos
tratores, ocorre a queimada dos destroços e a “catação” de raízes. O trabalho era árduo
para os agricultores e o manuseio dessas raízes e da terra produzia ferimentos,
principalmente nas mãos. Essa forma de ocupação mudou a rotina no campo. Além da
criação de suínos e o cultivo da policultura, os agricultores preparavam o restante da
propriedade para receber a especialização, que exigia um espaço maior para o cultivo,
facilitado através do desmatamento mecanizado. Nessas tarefas, havia o envolvimento
de toda a família. As crianças menores eram deixadas em casa e, quando levadas para
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a roça, ficavam em cestos depositados debaixo de árvores. Aos montes, as raízes eram
queimadas, formando um amontoado de brasas cobertas por uma superfície de cinza.
Uma espécie de “armadilha” que provocou inúmeros acidentes com crianças.
As constantes queimadas geravam também problemas de saúde
provenientes de períodos de estiagem que contribuíam para a expansão da fumaça.
Apesar das recomendações de conscientização a respeito das queimadas, praticadas de
forma desordenada, em alguns casos elas tiveram conseqüências desastrosas. Em
períodos de queimada, um vizinho colhia sua lavoura de trigo e, para eliminar a palha,
colocava fogo. Com o vento forte, este fogo se espalhava pelas áreas vizinhas, o que
gerava discussão entre os moradores. Em muitas ocasiões, era necessário reunir um
grupo de pessoas com o objetivo de deter o fogo: trabalho incessante que durava dia e
noite, jogando água ou cavando valas para deter o fogo.
Além disso, quando as queimadas eram realizadas de forma descontrolada
atingiam as pequenas áreas nativas sobreviventes do desmatamento inicial.
Consideradas como reservas de árvores e animais, já nesse período eram em número
bastante reduzido. FOGO NAS LAVOURAS JÁ COMEÇA A PREOCUPAR Além de causar um terrível mal às vias respiratórias, intoxicando à todos principalmente as crianças; sem contar o grande mal que o calor proporciona em prejuízo da própria terra, colonos, sem medir as conseqüências estão novamente levando as coisas a um estado de alerta geral. Além da seca e da longa estiagem, a própria fumaça suspensa, a não ser quando fortes ventos sopram ou soprarem para desfazer a camada e possibilitar uma evaporação [...] aumentam a densidade das chuvas. As grandes queimadas começam a preocupar as autoridades que iniciam uma campanha de conscientização de que o fogo é prejudicial sob vários aspectos. Gente daqui, acreditando na diminuição do regime das chuvas impostas pela desmatação desregrada, alerta: AINDA VAMOS MORAR N’UM DESERTO (Frente Ampla de Notícias, v. 38, 10.09.77 a 21.10.77).
Os resultados “favoráveis” obtidos com o processo de modernização
incentivaram iniciativas, provenientes da administração local, em torno do meio
ambiente. O discurso passou a expressar discussões referentes à fundação de uma
Associação de Conservação da Natureza no Município. O alarme dos movimentos
admite que a problemática ambiental faz parte do desmatamento executado para sediar
a produção especializada.
63
A atividade da associação foi considerada relevante para cuidar da natureza
e o lema utilizado foi “A união faz a força”. Esta mesma união e força,
desenvolvimentistas, incentivaram o extermínio das florestas e agora busca manter o
que sobrou, bem como reflorestar algumas áreas mais afetadas. PROBLEMAS DO MEIO AMBIENTE REÚNE RONDONENSES Por iniciativa de pessoas do meio local [...] foi discutida a viabilidade da fundação de uma Associação de Conservação da Natureza. A iniciativa tem fundamento nos problemas ecológicos atualmente bastante ocasionais, causados, principalmente pela devastação das florestas e até certo ponto pela monocultura reinante em nosso município (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
O saldo de novos problemas climáticos, tais como a forte estiagem ocorrida
em 1978, produz alarmes fundados em acontecimentos, “com pessoas tomadas pela
neurose após haverem contraído dívidas acima do permitido e com a queda de
produção e a falta de raciocínio, começa o delírio”. A influência do Estado em prol da
comercialização de maquinários, cada vez mais modernos, sugeriu aos agricultores a
necessidade de consumir os recursos tecnológicos. Contudo, no contexto do
“progresso” anunciado pela mecanização agrícola não estão incluídas as perdas
oriundas de catástrofes naturais.
Não é de surpreender, portanto, as dívidas crescentes, — oriundas de
frustração de safra — e o conseqüente desespero dos produtores. As palavras que
abordam a questão, atribuem os resultados negativos àqueles “que queriam ‘abraçar o
mundo com as pernas’”, ou seja, os complexos argumentos jornalísticos consideram os
resultados vinculados às ambições dos agricultores, como se esse fato fosse promovido
pela “liberta” ansiedade do agricultor, o que, na realidade, não corresponde ao
conjunto dos acontecimentos. As discrepâncias foram muitas e os agricultores foram
criticados pela imprensa por terem questionado seus argumentos ligados à providência
divina. SECA NUNCA VISTA ... A TERRA ESTÁ RACHANDO Comentários infundados levaram até jornais a publicar fatos difíceis de acreditar, como sendo verídicos, porém a inverdade no assunto está no apontamento: A FALTA DE FONTES DIGNAS DE CRÉDITO. Isso tudo para falar sobre fatos que teriam acontecido com pessoas tomadas pela neurose após haverem contraído dívidas acima do permitido e com a queda de produção e a falta de raciocínio, começa o delírio. Segundo esses
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registros, alguns daqueles que queriam “abraçar o mundo com as pernas” teriam proferido palavras de desagrado à “Deus”, à JESUS CRISTO, pela falta das chuvas. Esqueceram-se, porém, que desde há muito tempo atrás quando houve a entrada para a era da mecanização, quando começou a desmatação desenfreada, todos os anos o período de estiagem começava a aumentar, chegando agora ao auge. Técnicos do setor, engenheiros agrícolas fizeram observações válidas à esse respeito (Frente Ampla de Notícias, v. 41, 16.01.78 a 23.02.78).
Devido aos prejuízos ocasionados pela estiagem, inicia-se a implementação
do reflorestamento e cada agricultor deveria dispor de 20% da propriedade para o
plantio de árvores. Segundo informações divulgadas em palestra pelo engenheiro
florestal Antonio Sanches, a devastação da floresta era conhecida pelo governo, mas o
objetivo era fornecer alimentos para a “população mundial” e não a implementação de
lucros. Cabe o questionamento: Se as autoridades tinham conhecimento da devastação
ocorrida na região, por que não adotaram medidas no sentido de evitar os danos
causados ao meio ambiente?
O engenheiro florestal argumentou que seria obrigatório o reflorestamento e
que seria designado um funcionário da Secretaria da Agricultura para fiscalizar a
estruturação de um departamento encarregado do fornecimento de mudas nativas aos
agricultores. Na ocasião, o engenheiro falou da importância da vegetação na
manutenção da unidade, mas não atribuiu a forte seca ao desmatamento. AGRICULTOR TERÁ QUE REFLORESTAR 20 POR CENTO Sobre o desmatamento desenfreado, mesmo sendo do conhecimento do governo, citou ser um fator de desenvolvimento, não visando o enriquecimento de muitos, mas, acima de tudo, fornecer alimentos e meios para a subsistência da população mundial. Contudo, ressaltou Sanches, que o IBDF colocou como prioritária a necessidade de que, em qualquer área nacional tenha aqueles que trabalham na agricultura que manter 20 por cento da área total provida de vegetação nativa (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).
Como pode ser observado nos discursos jornalísticos, a consolidação do
desmatamento foi realizada tendo como argumento o progresso regional. Com o
sucesso da implantação do modelo e a floresta dizimada, surgem preocupações tardias
com a questão ambiental.
65
2.3 A MÁQUINA, A MODERNIZAÇÃO E A EXCLUSÃO
A implantação e consolidação do capital industrial com as atividades
agroindustriais podem ser observadas em Marechal Cândido Rondon a partir do
registro da compra das duas primeiras colhedeiras, adquiridas por intermédio da
Secretaria de Agricultura. No discurso, a máquina foi tratada como algo poderoso,
sobrenatural. Importada da Polônia, no mesmo registro anuncia-se a vinda da segunda
máquina. O discurso manifestou a viabilidade da compra através do crédito rural
fornecido pela Secretaria da Agricultura do então governo de Paulo Pimentel. São
também enfatizadas as condições de pagamento, envolvendo longos prazos e incitando
os ouvintes a partilharem da idéia de adquirirem o equipamento.
Foto 7 – Colheita Modernizada
A colheita mecanizada foi realizada na propriedade de Estanislau Czycza. O ato de colher foi transformado. O número de pessoas no local justifica-se pela curiosidade; no entanto, a colhedeira e o trator executam o trabalho de várias pessoas. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.
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MOTO-COLHEITADEIRAS CHEGAM AO MUNICÍPIO Chegou na manhã de hoje ao município uma poderosa moto-colheitadeira adquirida por intermédio da Secretaria de Agricultura e destinada ao Sr. Augusto Tomm. Fez o transporte da mesma o Sr. Magger, com seu possante caminhão. Outra está a caminho, destinada à fazenda da firma Rieger desta cidade. Como dissemos essas poderosas máquinas, importadas da Polônia, são o que há de mais completo no setor de colheita de cereais, e ambos os negócios foram possibilitados por crédito a longo prazo cedidos pela Secretaria da Agricultura do Governo de Paulo Pimentel (Frente Ampla de Notícias, v. 3, 12.07.67 a 11.03.68).
Com a chegada das máquinas, inaugura-se um novo ciclo no qual
prevalecem as relações entre agricultura e indústria: O processo de modernização agrícola implementado no Brasil, no início dos anos 60, e o aumento do grau de internacionalização da economia brasileira trouxeram a consolidação do que se convencionou chamar de complexo agroindustrial, por compreender um conjunto de atividades interligadas e estender o domínio do capital industrial sobre um maior número de atividades do setor agropecuário, que passaram a manter extremo vínculo com a indústria (RIZZI, 1984, p. 201).
A relação entre a máquina e a modernização fixa seus objetivos na
introdução de maquinários junto às atividades agrícolas. Para a colheita, são
apresentadas colhedeiras provenientes da Iugoslávia. O discurso evidencia a atuação
do Ministério da Agricultura nas transações comerciais. A referida máquina foi
destinada para uma fazenda da região, situada no então Distrito de Pato Bragado, para
a colheita de soja e arroz. NOTA LOCAL A AGRO PECUÁRIA RIEGER LTDA, acaba de receber mais uma colhedeira Automotriz adquirida do Ministério da Agricultura, marca ZMAJ ZEMUN de procedência Iugoslava. Tal máquina se destina para colheita de soja e arroz e a mesma seguiu hoje pela manhã para o campo de trabalho na Fazenda Rieger em Pato Bragado, onde lhe espera a colheita de soja e arroz (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Mas, os novos arranjos fortemente marcados pelos discursos, confirmavam
a idéia da consolidação e da modernização na região. As sementes destes discursos
aparecem com a presença de uma colhedeira, com a qual a colheita era feita
automaticamente. Intensificou-se a propagação acerca do novo maquinário: “é uma
grande máquina que virá juntar-se ao exército da produção no nosso município,
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incentivando e impulsionando a moto-mecanização de nossa agricultura”. Para
assegurar a incorporação destas máquinas no campo, foram mencionados os nomes de
agricultores renomados na comunidade (Emílio Pedde e Egon Waldow), atribuindo-
lhes o papel de “soldados” preocupados com o “progresso”. Tal recurso argumentativo
aparece então como forma de incentivar e assegurar as vendas para os demais
agricultores. Os benefícios da colhedeira foram estrategicamente propagados pelo
rádio. A máquina foi exposta para a apreciação do público próximo ao terminal
rodoviário do município, caminho obrigatório dos agricultores que não possuíam carro
e dependiam de ônibus. A escolha do local para a exposição se deve ao fato de que, o
terminal rodoviário, era local central e conhecido por todos. Além de todos os
benefícios proporcionados pela colhedeira, eram mencionadas nos discursos as
facilidades financeiras oferecidas pelo Ministério da Agricultura, com pagamentos que
poderiam ser efetuados em até seis anos. Além da sugestão da tradicional união entre
agricultores para selar a compra. A MECANIZAÇÃO DA LAVOURA É UM FATO Estiveram na manhã de hoje em nossa redação os senhores Emílio Pedde e Egon Waldow, que trouxeram uma bela notícia. A mecanização da lavoura está de vento em popa em toda a região. Chegou na manhã de hoje até esta cidade, tendo estado exposta ao lado da rodoviária, uma moto-ceifadeira, que faz todo o trabalho automático na colheita. É de marca UNIVERDAL, fabricada na Iugoslávia, equipada com motor Pérkins, de 80 hps de força, pesando acima de cinco toneladas. É uma grande máquina que virá juntar-se ao exercito da produção no nosso município, incentivando e impulsionando a moto-mecanização de nossa agricultura. Parabéns aos empreendedores, srs. Emilio Pedde e Egon Waldow que entram com o pé direito na grande luta pelo progresso. A máquina é financiada pelo Ministério da Agricultura, com prazo de seis anos para pagamento. É mais um fruto da união entre agricultores, quando vemos que dois vizinhos se uniram e realizaram este belo empreendimento. Parabéns mais uma vez... Este é um exemplo a ser seguido (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69.).
A entrada facilitada de colhedeiras para a colheita de arroz, trigo e soja no
Paraná recebeu toda a atenção proveniente do governo federal, por intermédio do
Ministro da Agricultura que atuou junto à importação de máquinas de origem polonesa
da marca Vístula. Já o pagamento dessas máquinas, apresenta facilidades elásticas
proporcionadas pelo prazo de seis anos para o pagamento. O pagamento inicial exigia
uma quantia de dez por cento do valor da máquina. A compra poderia ser realizada
mediante uma correspondência destinada à capital especificando o tipo de máquinas e
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deixando registrado o mês em que a colhedeira deveria estar na propriedade. Caso o
agricultor tivesse dúvidas, poderia obter mais detalhes na prefeitura. Assim,
caracteriza-se uma atuação política conjunta, envolvendo os níveis municipal e federal. 400 COLHETADEIRAS VIRÃO AO PARANÁ O governo federal, pelo Ministério da Agricultura, vai importar quatrocentas colhedeiras combinadas, para arroz, trigo e soja. Essas máquinas são de origem polonesa da Marca Vístula com motor diesel 6 cilindros de 65 hps. O preço é de 40 mil cruzeiros, com prazo de 6 anos e juros de 6 por cento ao ano. O pagamento inicial será de 10 por cento sobre o valor da máquina. Os interessados deverão inscrever-se junto ao Grupo Executivo de Engenharia, à Alameda Dr. Murici, 542, décimo primeiro andar em Curitiba, enviando nome e endereço, área de cultura principal e época provável em que o interessado deseja receber a máquina (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).
Ainda com referência à aquisição de colhedeiras, o programa jornalístico
evidencia os mecanismos de contato entre a Prefeitura Municipal e os representantes
do Ministério da Agricultura, representado pelo engenheiro Laertes José Carneiro, o
qual trouxe informações sobre as colhedeiras importadas. São noticiados os números
dos inscritos no município e reforçada a possibilidade de mais inscrições. “AINDA O
CASO DAS COLHEDEIRAS – [...] Até o presente, sete pessoas fizeram sua inscrição
na Prefeitura, pretendendo adquirir essas máquinas” (Frente Ampla de Notícias, v. 9,
20.05.70 a 30.09.70).
O agricultor F comenta a respeito das facilidades para adquirir seus
maquinários, pois os juros com taxas minimizadas eram facilitadores: “Naquela época
era mais fácil, era juro [...] barato. A gente já sabia quanto precisava pra pagá. Por
exemplo, máquina. Compro trator, então aí depois colhedeira” (F, 05 mar. 1996). A
tecnificação no campo indica situações novas. Através da introdução de tratores nas
propriedades, surgiram profissionais que ofereciam cursos de treinamento aos
agricultores, ao mesmo tempo em que divulgavam a atuação destes equipamentos nas
atividades agrícolas. Um destes cursos foi realizado pela ACARPA para agricultores
que já tinham algumas noções sobre a operação. Os cursos ministrados tratavam da
manutenção e funcionamento do motor, regulagem dos maquinários como o arado, a
grade, etc.
69
CURSO PARA TRATORISTAS [...] Entre os dias 24 e 29 deste mês, a ACARPA proporcionará um curso para tratoristas [...]. O curso será para agricultores que já tenham comprado o seu trator com ou sem financiamento da ACARPA local. A ACARPA ministrará aulas sobre funcionamento do motor, regulagem dos implementos, manutenção das máquinas agrícolas e conservação do solo (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).
As propagandas eram intensas para a utilização de máquinas e a
substituição do trabalho braçal, as promessas milagrosas eram sustentadas na
praticidade da execução das atividades agrícolas. Durante muito tempo tem-se feito propaganda e aconselhado a utilização de máquinas como substituta de braços na faina agrícola. Esquecem-se os propugnantes desta forma de progresso que se essas máquinas apresentam grandes benefícios, tornando mais rápida a preparação dos terrenos para plantio e colheita, provocam, em contrapartida, o desemprego (ANDRADE, 1979, p. 62).
Já a programação jornalística intitulada “Curso para Tratoristas nesta
cidade” apresenta a participação da ACARPA e da Prefeitura Municipal. Mas, nesse
momento apareceram os verdadeiros dirigentes, os representantes, ou melhor os
interessados nas vendas, dos tratores Massey Fergunsson e Valmet. Como todos os
demais eventos, neste também houve a presença dos representantes extensionistas da
ACARPA, Argeu Kerber e Divanir Loch, Prefeito Municipal Dealmo Selmiro
Poersch, Harry Pydd interventor, Arlindo Alberto Lamb, Presidente da Câmara
Municipal, Elmo Lauro Gall, presidente da Cooperativa Agrícola Mista Rondon Ltda,
Almiro Bauermann presidente do Sindicato Rural, Antônio Maximiliano Ceretta,
representante da Rádio Difusora, representante dos tratores Massey Fergunson, Paulo
Pimentel e o representante de tratores Valmet. Os discursos enfatizavam o curso para
tratoristas como um elemento condutor da mecanização da lavoura no Extremo Oeste.
As atividades do curso ocorreram em dois momentos: o primeiro contemplou a teoria
sobre o uso de combustíveis, a mecânica, etc.; no segundo, foram desenvolvidas
atividades práticas. CURSO PARA TRATORISTAS NESTA CIDADE Com a presença de 36 interessados, foi instalado na manhã de hoje no Instituto Vocacional e Assistencial Rui Barbosa, o curso para tratoristas do município, sob a
70
supervisão da ACARPA, com a colaboração da Prefeitura e dirigido pelos representantes Massey Fergunson e Valmet. [...] Vários oradores usaram da palavra, congratulando com a iniciativa, e almejando aos participantes do curso, o máximo de proveito em favor da mecanização da lavoura do Oeste (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).
A avalanche de propagandas sobre o trator cria um imaginário simbólico de
proporções expressivas, de tal maneira que os agricultores dispensam qualquer
benfeitoria, mas não dispensam o trator. Isto se deve ao fato de que “a posse do trator
representa um importante símbolo de ‘status’, pois os agricultores sofreram, no
período da modernização, uma carga maciça de propaganda sobre o benefício das
máquinas e dos insumos modernos”( PAULILO, 1990, p. 83).
Abria-se nova fase com a modernização com a notável presença de tratores
nas práticas agrícolas. Embora as iniciativas das instituições representativas já
mencionadas fossem de razoável repercussão na oferta de cursos para tratoristas,
mesmo assim o número de acidentes envolvendo estes equipamentos ampliava-se da
mesma forma que crescia o número destas máquinas no município. Mas, dentre as
causas dos acidentes podem ser apresentado o exagero na velocidade e as péssimas
condições das estradas, que vitimaram muitos agricultores. Com isso, ocorriam
problemas mecânicos que provocavam a perda de estabilidade e o conseqüente
acidente.
Observamos que, no discurso produzido em 1970, está latente a idéia da
necessidade, para a família rural, de adquirir maquinários agrícolas. Porém, um ano
após surgem imprevistos e polêmicas em decorrência dos inúmeros acidentes com tais
equipamentos. ACIDENTE COM TRATOR, VITIMA AGRICULTOR [...] grave acidente ocorreu na tarde de ontem, quando se acidentou um trator, matando seu operador. Trata-se de Inácio Rochenbach, trabalhador da Fazenda Rieger, sendo capataz da Granja e um dos homens que entendiam do assunto, pois, inclusive tinha cursos especializados, feitos na Alemanha. Acontece que Inácio Rochenbach, manobrando um trator voltava para sua residência em Pato Bragado, em alta velocidade, quando partiu a manga do eixo (ponta de eixo dianteiro) (Frente Ampla de Notícias, v. 10, 01.10.70 a 10.02.71).
Além de criar a ilusão do progresso econômico, para a contribuição da
estabilidade da ordem política, os cursos continuaram ocupando espaços no cenário
71
jornalístico. Assim sendo, os promotores dos cursos, representantes de vendas de
empresas fabricantes, dão continuidade aos seus propósitos de inovação no município,
agora com cursos de especialização, afirmando e edificando a nova ordem estruturada
na associação simbólica do espaço sob a formação ideológica coletiva, evitando um
retorno aos velhos costumes, ou seja, às antigas técnicas. Desse modo, a recriação do
espírito empreendedor afirmado na consolidação do novo modelo opera enquanto
agente de manutenção da ordem econômica, política e social. CURSO PARA TRATORISTAS [...] O alto nível no campo da agricultura faz com que seja necessária a capacitação dos trabalhadores, obtendo mais proveito com menores gastos. Preparar técnicos capacitados e conscientes nesse trabalho é uma meta difícil de ser conseguida, porém não é impossível. O que propõe com isso é a libertação do trabalhador acostumado às velhas técnicas (Frente Ampla de Notícias, v. 27, 17.05.76 a 30.06.76).
A estratégia destes cursos era fazer com que os trabalhadores passassem a
desejar a mudança técnica sob o argumento do progresso regional. “Liberdade do
trabalhador acostumado às velhas técnicas” é outro argumento recorrente nos
discursos. Um trator ou colhedeira dispensa o trabalho de vários homens e permite maior controle das tarefas. Desse modo, viabiliza a manutenção ou aumento da área trabalhada sem aumentar os custos variáveis com mão-de-obra, porque, apesar dessas máquinas terem preços elevados, foram artificialmente barateadas devido à reduzida taxa de juros e pagamento a longuíssimo prazo do crédito para investimentos (FLEISCHFRESSER, 1988, p. 31).
Foi através da educação e da doutrinação disseminada pela elite que o
modelo da modernização se consolidou. Houve uma mudança de comportamento do
trabalhador e a preocupação da necessidade deste em conduzir melhor seus
maquinários, evitando, assim, os problemas anteriores. Em decorrência dessa nova
mentalidade, em 1977 o número de tratores adquiridos pelos agricultores aumentou
consideravelmente no município. Simultaneamente a isso, aparece a necessidade de
edificação de projetos de desenvolvimento, o que ocasionava maiores gastos e uma
responsabilidade maior para os agricultores. Com a modernização, os períodos de safra
ocorrem a todo vapor: estradas são tomadas pelas máquinas e caminhões. Dessa forma,
o trânsito intenso destes veículos requer a atenção da polícia rodoviária estadual para
72
os perigos ante a falta de sinalização segura: o transporte de grãos era feito através de
caminhões, caminhonetes e carretões e, não obstante, havia motoristas menores de
idade, sem habilitação, o que ocasionava um aumento considerável no número de
acidentes. UTILIZAÇÃO DE TRATORES É ADVERTIDA [...] São vários os agricultores que se servem de carretas acionadas por tratores agrícolas. Muitas vezes, ou na maioria dos casos, completamente irregulares. Irregular pela falta de sinalizações de freio ou simplesmente a falta de qualquer outra sinalização necessária para quem transita no [...] da poeira. Foram vários os casos em que a Polícia Rodoviária constatou que a maioria dos agricultores que trabalham no transporte ocupando tratores, não têm a documentação de habilitação, a carteira de tratorista. Também menores [...] surpreendidos dirigindo tratores pelas estradas, inclusive com o registro de vários acidentes pela região (Frente Ampla de Notícias, v. 32, 24.01.77 a 28.02.77).
É freqüente o número de acidentes entre tratores e carros: “Ontem,
aproximadamente 19h e 30 minutos, conforme o levantamento, Nelson Hilário
Estacechen conduzia na contramão um trator. Na estrada Rondon-Margarida, na
entrada para Linha Palmital chocou-se com um Corcel” (Frente Ampla de Notícias, v.
35, 29.04.77 a 11.06.77). O trator na propriedade tornou-se algo extraordinário aos
olhos dos agricultores. Mesmo com a existência de uma oferta maior de maquinários
no mercado, os agricultores raramente desfaziam-se dos que já possuíam. Abriam
exceções apenas para a troca por uma máquina mais potente. Há mercado para tratores usados, embora dificilmente o agricultor se desfaça desse bem para saldar compromissos financeiros. Ele prefere vender gado ou algo menos útil. [...] observamos, ficar sem trator, para quem já o teve, exige uma boa dose de resignação. [...] O trator só é vendido, salvo raras exceções, quando o proprietário quer comprar outro. (PAULILO, 1990, p. 85).
O número de acidentes aumentou em decorrência do uso do trator como
meio de transporte, utilizado nos passeios da família nos finais de semana. Com isso,
os acidentes são mais freqüentes e jovens e crianças acabam vitimadas durante essas
viagens. O uso constante de máquinas pesadas interferia na compactação do solo.
Propriedades de pequeno porte não necessitavam, necessariamente, de máquinas tão
pesadas e potentes. Porém, recriava-se a necessidade da troca de tratores, considerados
antigos, por tratores mais modernos e potentes. Esta atitude foi tomada muito mais por
73
uma questão de “status” do que por necessidade de mudança de maquinários (ver
Anexo 2).
2.4 AÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DOS CRÉDITOS
Em documento da ACARPA (1976), intitulado “Metodologia Complexa”,
os ensaios de observação representavam uma unidade com métodos, em estágios de
teste. Por isso, eram desconhecidos do público, pois, caso uma metodologia não
atingisse os objetivos almejados, poderia ocorrer uma interpretação negativa por parte
dos agricultores, causando assim desconfiança com relação ao projeto. Para manter a
credibilidade junto ao agricultor e a ação do extensionista local, eram tomados todos
os cuidados necessários. A seleção das informações era cuidadosa. Quando os
resultados eram satisfatórios e a tecnologia gerava os “frutos esperados”, ocorria de
imediato a instalação na propriedade agrícola de uma Unidade de Demonstração,
destacando os resultados obtidos. “Apesar de terem um cunho mais experimental, os
ensaios apresentam grande valor educativo quando os resultados são os esperados.
Serão provas potenciais para a implantação da nova tecnologia” (ACARPA, 1976, p.
2). Já nas Estações Experimentais, os objetivos correspondem à pesquisa de novas
tecnologias.
Nas Unidades de Observação, o método educativo foi executado a partir da
Assistência Técnica e Extensão Rural. Empiricamente, são testadas sementes e
técnicas para atividades agrícola e pecuária. No entanto, uma variedade de trigo que
se desenvolve em solo com alumínio tóxico, será testada na Unidade de Observação.
Uma vez atendidas as expectativas, passava-se da Unidade para as propriedades
agrícolas. A instalação de uma Unidade de Observação não requeria a colaboração de
um agricultor experiente, porém era necessário o “interesse do agricultor em
progredir” e, principalmente, interessar-se pela nova tecnologia. O agricultor deveria
desconsiderar os resultados negativos, que não deveriam ser usados em desavenças
pessoais e na comunidade, tanto que, era proibida a presença de público. Justificativa
74
esta por se tratar de um teste. Já se os resultados fossem positivos, entravam em cena a
Unidade Demonstrativa e o astro principal: a nova tecnologia.
Recorrente nos programas jornalísticos eram as falas voltadas ao Plano
Anual de Trabalho do Escritório Local da ACARPA. O cruzamento destas
informações com documentos sistematizados pela própria ACARPA e os planos,
deveriam eleger os melhores tipos de culturas, bem como o número de Unidades de
Observação necessárias para mapear a Assistência Técnica junto às propriedades
rurais. Em síntese, a escolha do cooperado e da propriedade e a efetiva instalação da
Unidade de Observação.
Os critérios de escolha do cooperado exigiam “domínio” da leitura e da
escrita para executar anotações relacionadas à demonstração das diferentes etapas
transcorridas na unidade pelo cooperado; isso tudo sob o olhar atento do orientador. O
agricultor deveria ficar “atento” às orientações do extensionista. Outro quesito era a
escolha de um agricultor representativo junto à sua comunidade para divulgar os
informes aos demais agricultores.
Eram consideradas também pelo extensionista, na escolha do agricultor, as
condições e a certeza da adoção das tecnologias viáveis, sendo que o mesmo deveria
ser o proprietário da terra. Além do reforço por parte do extensionista quanto aos
objetivos da Unidade de Observação e a responsabilidade assumida pelo cooperado, a
localização da propriedade onde seria instalada a Unidade de Observação deveria ser
uma região geograficamente acessível ao extensionista e ao cooperado, facilitando,
dessa forma, a demarcação e as observações. O trabalho do extensionista, como o do
cooperado, eram registrados em fichas específicas. Uma vez comprovada a viabilidade
da tecnologia na região, ocorria a Demonstração dos Resultados, a introdução do
milho híbrido e a comparação com as sementes de milho comum. Logo, o agricultor
recebia orientações para a adoção de sementes melhoradas, o combate às pragas e as
formas para plantar aperfeiçoando os espaçamentos e a adubação. A eleição de um método, como a Demonstração de Resultados, não deve se processar de maneira mecânica ou simplesmente para ‘ter uma DR no município’, mas sim, ver na mesma uma maneira de conduzir as populações do meio a mudanças ou aquisição de novos hábitos que se deseja. (ACARPA, 1976, p. 11).
75
Com o Plano Anual de Trabalho do Escritório Local sistematizado, e a
“Demonstração de Resultados” com seu método acertado para a introdução de
determinada prática, caberia ao extensionista desempenhar o papel de gerador do
impacto desejado na localidade alvo.
A “Demonstração de Resultados” requeria, na seleção do demonstrador, os
seguintes quesitos: a) Ser bem representativo do grupo ao qual a demonstração vai ser dirigida; b) Não possuir recursos especiais que estejam muito acima da média dos recursos que os
demais produtores possuem; c) Ter respeito e a confiança de seus vizinhos é influenciá-los; d) Ser pessoa sociável, que goste de receber visitas e possa explicar a todos o andamento
da Demonstração; e) Sua propriedade deve ser representativa da média das existentes na comunidade e em
local de fácil acesso; f) Sua propriedade não deve ter sido selecionada normalmente para local de reuniões ou
demonstrações; g) Ser receptivo às orientações e instruções do extensionista [...] (ACARPA, 1976, p.
12-13).
A instalação da Demonstração de Resultados deveria atrair o maior número
de produtores rurais, para tanto, colocavam-se placas atrativas como forma de
despertar a atenção dos agricultores. Já ao demonstrador caberia destacar as fases
divulgando os resultados aos visitantes. Na ordenação das atividades deveriam ocorrer
visitas, reuniões, excursões, distribuição de material informativo incluindo material
fotográfico e slides. O objetivo era exercer poderosa influência sobre a adoção das
técnicas em questão servindo, também, como recurso de confiança para abrir caminhos
para a atuação do extensionista. Face a necessidade de introduzir técnicas novas na comunidade (evidenciadas pelo Estudo da Realidade Rural), adaptadas à comunidade, e por sempre existirem famílias capazes e esclarecidas com as quais se podem conduzir Unidades Demonstrativas, a decisão do extensionista torna-se bastante facilitada por este método. (ACARPA, 1976, p. 16).
Nos materiais e equipamentos estavam incluídas as viabilidades de
financiamento além de contemplar formas comerciais, cooperativas. Propriedade Demonstrativa é uma empresa agrícola, administrada pelo proprietário, com orientação do Serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural, baseada em um plano de desenvolvimento, a médio e longo prazo, considerada a vocação sócio-econômica da
76
região dentro da qual irá funcionar como exemplo a ser seguida pelos agricultores e ou pecuaristas (ACARPA, 1976, p. 19).
O planejamento da “Propriedade Demonstrativa” visava a participação e
colaboração do agricultor ou da família. É regra para o agricultor dedicar-se com mais
esmero e afinco ao que lhe pertence. Portanto, as despesas com a Propriedade
Demonstrativa devem ser feitas pelo cooperado, “educa-se o para uma atitude mais
sadia na AÇÃO e não para uma passividade de pedinte que tudo espera dos órgãos
governamentais” (ACARPA, 1976, p. 21). É o fator ideológico preparando o agricultor
para assumir responsabilidades junto ao modelo a ser implantado. Dessa forma, o
discurso rompe com as responsabilidades governamentais repassando os problemas de
manutenção ao agricultor, uma desculpa que auxílio governamental usa para
estabelecer e manter o paternalismo e inibir a iniciativa.
As estratégias são dinâmicas, principalmente no que se refere às colheitas,
cuja ação visa atrair agricultores vizinhos para demonstrar o rendimento atingido. Dar
ênfase à colheita e seus saldos positivos requer “[...] uma divulgação maciça através
dos meios de comunicação, quer seja na rádio, jornal, cartaz, fotografias ou slides, a
fim de que os bons resultados sejam conhecidos por todos e as tecnologias
introduzidas, irradiadas na comunidade” (ACARPA, 1976, p. 23). A divulgação dos
benefícios proporcionados pela tecnologia, amplamente explorados nos programas
jornalísticos com um relatório ao final de cada ano apresentando somente bons
resultados, chama a atenção. No entanto, com o estudo de documentações fica
evidente a difusão de resultados profícuos: é a voz das vantagens atingindo o ápice na
comunicação e expandindo seu poder na intenção de persuadir os agricultores para
estes trabalharem no campo aplicando os métodos inovadores.
É, pois, na relação que rege o processo discursivo da modernização agrícola
que se constrói e reconstrói espaços materializados no capital. Percebe-se, então, o
descortinar de um horizonte de comunicação, detido num primeiro momento, na
comunicação considerada pela EMATER como tradicional. E um segundo modelo,
que concretiza o mecanismo de comunicação com maior participação dos agricultores.
Inicialmente, neste trabalho, buscou-se um entendimento da relação do rádio e da
então ACARPA, analisando-se o material que tratava do 18º Seminário Internacional
77
de Extensão Rural, apresentando-se a comunicação ideal a ser empregada pelo agente
de mudanças. No entanto, convém ressaltar a existência de outro trabalho encontrado
nos arquivos da EMATER, que versa, também, sobre a comunicação no campo
executada pelos extencionistas, produzido em 1980, com o seguinte título:
“Construção de mudanças, resultantes da reflexão sobre modelos de comunicação, em
relação aos níveis de participação de agricultores em estratégias de ação”. O autor
deste estudo é Benito Marangon, Engenheiro Agrônomo e Mestre em Extensão Rural
pela UFV de Viçosa-MG. A junção deste documento neste trabalho se deve ao fato de
que o mesmo veio de Minas Gerais a Curitiba e foi incorporado pelos extensionistas
do Paraná. A escolha do tema pelo autor possui raízes junto à Comissão de Assessoria
de Imprensa e Comunicação do Sistema Operacional da Agricultura (SOA), cujo
estudo contempla propostas variadas, e dá seqüência às discussões realizadas no
Seminário de Comunicação na cidade de Londrina, no Paraná. Como se pode observar,
no documento anterior, em 1970, temos toda uma ordem de estratégias voltadas para a
transformação do cotidiano rural. E o recurso usado foi a comunicação do agente de
mudança, juntamente com o rádio, no intuito de expandir essas idéias. O trabalho de
Benito Marangon ocorre num momento em que a modernização já está
consolidada.Qual seria então o papel da comunicação neste momento? Pensamos que
no município de Marechal Cândido Rondon, a função maior seria a de manter o
sistema criado, direcionando paulatinamente o agricultor aos problemas que
acompanham o modelo vigente, ou seja, uma espécie de transferência de
responsabilidade orientada. O documento revela situações que se assemelham ao
conceito da comunicação tradicional: a difusão das técnicas no campo e a publicidade
da incorporação estruturada num modelo tradicional de comunicação persuasiva. Um dos resultados deste tipo de comunicação é a redução das qualidades humanas de fonte e receptores, pelo autoritarismo, paternalismo e assistencialismo, pelo emprego das técnicas de venda e pela fixação de objetivos de produção e modernização com os quais os agricultores devem se conformar (MARANGON, 1980, resumo, item 6).
O modelo tradicional de comunicação intencionava atender aos anseios do
capital através das vendas de fertilizantes, tratores e eletrodomésticos. A produção da
modernização ocorre nos pilares dessas “novas técnicas”. A nova proposta traz um
78
modelo de comunicação dinâmico, que manifesta atuações mais humanas junto ao
contexto do agricultor e sua família. Assim, com a modernização efetivada, “novas
conquistas vão sendo realizadas no que tange aos problemas físicos, econômicos,
tecnológicos, sociais, políticos e culturais. Sempre com a participação ativa dos
comunicadores (extensionistas e agricultores). A realização humana torna-se possível e
acontece na medida que a participação se amplia” (MARANGON, 1980, resumo, item
10).
O mesmo autor aponta para os procedimentos humanos na comunicação
que fornecem ferramentas - representadas nas aptidões fornecidas às empresas - e as
transformações almejadas pelos agricultores. Salientando que, o primeiro passo da
comunicação dita tradicional alicerçou o anseio incutido neste momento, como algo
pura e simplesmente de interesse do agricultor. As recomendações sugerem contatos
através de caminhos e procedimentos pautados no envolvimento do agricultor e os
métodos até então aplicados junto à comunicação no campo, modificando o modelo
anterior e dando margem ao modelo humanizador, recomendado aos novos
agricultores, agora atuantes na ação. Modelo este que se encerra num esquema teórico,
tecnológico e ideológico de “cima para baixo”, que estrutura e representa outra etapa
ideológica de comunicação e modernização. O último modelo justifica-se numa ação
“de baixo para cima”. A comunicação geradora e mantenedora de normas comportamentais, autoritárias, paternalistas e assistencialistas, reforçada pelo tecnicismo, com alienação de agricultores e técnicos de sua realidade global, inibidora da criatividade, limitadora da liberdade, resulta na dependência e submissão, reduz a autonomia nas decisões sobre as escolhas dos fins e dos meios para alcançá-los. (MARANGON, 1980, p. 13-14).
As críticas feitas à comunicação tradicional são muitas. Mas, a nova
proposta estaria despida de fragmentações, submissões e alienações? Ou estaria
preparando alternativas no engajamento dos agricultores e extensionistas para
solucionar problemas nascidos no primeiro modelo? Como resolver o alto custo dos
produtos químicos, a diminuição dos incentivos por parte do governo, as frustrações
das safras e a insatisfações dos agricultores?
Os benefícios da comunicação tradicional enaltecidos no 18º Seminário,
agora recebem toda ordem de críticas ante a difusão de novas técnicas e estratégias
79
executadas pelos extensionistas no campo. Os métodos e técnicas de publicidades
voltadas à venda de idéias também são atacados.
Porém, a nova proposta e seus procedimentos chamam a atenção dos
agricultores para “o resultado como fim da estratégia participativa que possibilita aos
agricultores tornarem-se agentes e juízes de suas ações, responsáveis pelo seu bem-
estar e progresso pessoal” (MARANGON, 1980, p. 24). Novamente são apresentadas
as coordenadas a serem seguidas pelos extensionistas e agricultores. E o discurso
justifica sua ação na libertação dos agricultores do paternalismo e autoritarismo
semeados pela comunicação tradicional, modelo clássico mecanicista vigente até
então. O termo clientela, adotado para referir-se aos agricultores, é associado à elitização exigida pelo crédito rural, treinamento de líderes e políticas de estímulos. A comunicação engajada nesse conceito canaliza seu esforço na mesma direção. [...] como clientes são aqueles que se dispõem a comprar novas idéias, a comunicação tem assumido o papel de vender idéias e introduzir tecnologias modernas, transformando, [...] os agricultores em instrumentos de produção (MARANGON, 1980, p. 26).
Diante das problemáticas localizadas no modelo clássico, a nova proposta
estaria mobilizando os esforços dos trabalhadores na ordenação e execução de seus
próprios problemas. Assim, as novas condutas forneceriam métodos para solucionar e
identificar as aspirações dos agricultores. Essas estratégias de ação, envolvendo
agricultores, mães e jovens, idealizadas pelos extensionistas e pautadas no contato
humano estariam de fato lançando as sementes do pensar e sentir dos agricultores? A
autoconfiança despertada os levaria à autonomia, liberdade e decisão? Como resultado
estaria a configuração estratégica e a imposição do modelo desejado, onde
espontaneamente as explorações iriam se concretizar a partir da ação dos próprios
agricultores. Assim, a execução do modelo estaria garantida. Os agricultores em novo modelo de comunicação se tornam mais livres, criativos, críticos, experientes, conscientes de sua realidade, esforço coletivo, contribuintes do aperfeiçoamento das organizações prestadoras de serviços, envolventes, envolvidos, comprometidos, senhores de suas ações e responsáveis pelo próprio destino e bem-estar (MARANGON, 1980, p.63).
As recomendações do novo modelo de comunicação em detrimento do
clássico ficam evidentes nas falas dos agricultores quando estes se reportam ao início
80
da modernização e as facilidades dos empréstimos para a aquisição de maquinários
agrícolas e de como se tornaram vítimas do descaso. Restando-lhes, em alguns casos,
apenas propriedades sucateadas, dívidas nos bancos e baixos preços dos seus produtos.
O “Vídeo educativo rural”, pertencente ao Departamento de Apoio
Estratégico da ACARPA, é questionado enquanto recurso na execução e repasse de
informações ao agricultor, pois é considerado pelo Sr. Edir e muitos extensionistas
como um recurso “modista”, incapaz de orientar adequadamente os agricultores.
Seriam mais bem aceitos vídeos que mostrassem as realidades de outras regiões e os
problemas vivenciados por outros lavradores. Mas, esse recurso metodológico
cumprirá seu papel se for bem explorado incorporando também a ação prática. Ação
que não se concretiza ou, quando concretizada, deixou muitas lacunas (ACARPA,
1983, p. 6). No discurso, segundo o Sr. Sérgio — coordenador regional de lavouras
comerciais — tudo parecia perfeito, porém, a metodologia elaborada não atendia à
realidade regional (ACARPA, 1983, p. 7).
Era comum que alguns até simpatizassem com o projeto VER – Vídeo
Educativo Rural. Porém, seu conteúdo, além de ser extenso, era relegado a segundo
plano e, o extensionista, ao adotar o método de exposição do assunto, teria que
permanecer em pé, à frente dos demais, semelhante ao procedimento de um professor
em sala de aula, o que acaba gerando um certo desconforto, intimidando os
agricultores, que acabavam criticando esse método (ACARPA, 1983, p. 12).
Visto negativamente, suas montagens (imagens) aparecem forçadas aos
olhos dos agricultores. Foi por meio desse processo de capacitação no campo que se
buscou despertar habilidades e técnicas a partir da extensão rural.
Independente disso, a pedagogia, na aparência, era participativa e brasileira.
Mas, este nevoeiro ideológico se desdobrava a partir dos interesses internacionais, ou
seja, a estrutura do projeto pertencia a um país, em muitos aspectos, diferente do
nosso: o Peru. Como modelo internacional, adaptado à realidade paranaense, recebeu
manifestações contrárias que não encontravam espaço no contexto político da ditadura
(ACARPA, 1983, p. 48).
81
Nas palavras do Sr. Geraldo – Diretor Presidente da ACARPA – o fator
político, que implantou o padrão tecnológico, também provocou e favoreceu a
expulsão do homem do campo. É interessante que pequenos produtores vão embora, que se agreguem propriedades para que se utilizem máquinas, para que se utilizem adubos químicos, se utilizem defensivos para facilitar e viabilizar as indústrias que estão aí, para viabilizar a própria política de exportação. (ACARPA, 1983, p. 58)
Chama ainda a atenção para os encaminhamentos negativos surgidos com a
modernização no campo. E acrescenta que a necessidade de capacitar o agricultor
atende a interesses ligados a este processo que não são deles e sim das empresas
multinacionais. Essa consciência poderia debilitar, pelo menos em parte, o modelo
vigente.
A atuação da ACARPA/EMATER se deu, também, a partir do VER –
Projeto de Vídeo Educativo Rural -, norteado pela pedagogia audiovisual. O trabalho
intitulado “Reunião técnica : o vídeo na difusão de informação agropecuária e
capacitação do agricultor” trata especificamente dos aspectos históricos, estruturados
nas atividades audiovisuais, junto à produção no campo. No ano de 1980, a ACARPA
e a FAO mantiveram contato com a CESPAC – “Centro de Ciências de Pedagogia
Audiovisual para la Capacitacion do Ministerio da Agricultura do Peru”, obtendo
apoio técnico para o desenvolvimento do projeto de Extensão Rural do Paraná –
Brasil. Primeiramente, foram analisados os serviços de treinamento de técnicos
extensionistas para que, em seguida, fosse desenvolvido o trabalho junto aos
agricultores. Após mudanças descentralizadoras na estrutura da proposta e feitas as
modificações, o Projeto VER – Vídeo Educativo Rural – passava a ser um instrumento
pedagógico voltado para o treinamento de pequenos produtores e apresentado,
posteriormente, às famílias dos agricultores como uma possibilidade de capacitação de
produtores.
A comunicação marca presença forte em todos os momentos de atuação da
ACARPA/EMATER. Os componentes básicos seguidos na estruturação da
metodologia da comunicação, de acordo com o projeto, estruturaram-se num esquema,
a saber:
82
COMPONENTES BÁSICOS
METODOLOGIA E COMUNICAÇÃO
INDIVIDUAIS
GRUPAIS EDUCAÇÃO PARTICIPAÇÃO
AUTO RESOLUÇÃO
DOS SEUS PROBLEMAS
CONSCIÊNCIA DO
PRODUTOR
DIÁLOGO E SENTIDO CRÍTICO
MASSAIS
Os aspectos gerais da proposta e a aplicabilidade do curso audiovisual
direcionaram suas expectativas maciçamente ao público.
O Poder Público estrutura o Crédito Rural Agrícola, com políticas centradas
na transformação e tecnificação agrícola; mecanismo engrenado pela aquisição de
venenos, adubos, tratores, ceifadeiras e caminhões. Neste contexto agrícola, “a
agricultura brasileira espelha avanços e recuos de uma lenta e dolorosa modernização
em alguns setores específicos, modernização essa em sua maior parte sustentada pelos
subsídios estatais” (SILVA, 1982, p. 33).
De forma surpreendente, o extensionista resgata os planos do ETA 15,
repensando a ação conjunta desenvolvida entre Estados Unidos e Brasil, que, na
prática, prevaleceu como incentivo fantasma, pois se buscou implantar um modelo que
garantisse a venda de maquinários e insumos norte-americanos e europeus. Logo que o
modelo tecnificado da agricultura criou raízes, os “auxílios” foram sendo afastados,
certamente redimensionadas para outros países, visando os mesmos propósitos. A
afirmação de que o veneno não causava danos à saúde surgiu desse processo, o que
83
explica, por sua vez, os impactos ambientais físico-químicos (a serem apresentados no
Capítulo 3). É as raízes e as motivações e estrangeiras que a gente nunca sabe o que eles querem conosco, mas provavelmente quando o ETA foi criado no Brasil por estigma americano Fundação Ford, Fundação Rockfeler não sei bem quais e quantas delas, elas traziam dinheiro pro Brasil e inclusive esses jipes que foram, que nos temos um remanescente ainda, esses jipes foram financiados por esta fundação, né. Então eles traziam auxílio para que o Brasil pudesse ter uma assistência técnica, e naquela época eles já queriam entrar, então com modernização da agricultura e insumos modernos aquele negócio de insumos modernos pra eles era provavelmente vende adubos pra nos, vende venenos [...] numa tentativa de que nosso povo passasse a produzir mais e melhor qualidade, né, independentemente da preocupação na época estar [...] envenenado ou não, até não existia tanto uma consciência que veneno faz mal (H, 05 mar. 2001).
De início, os agricultores eram convidados a se fazerem presentes em
clubes para receberem informações sobre o repasse dos financiamentos que poderiam
ser obtidos junto ao Banco do Brasil e da Cooperativa. O incentivo à derrubada da
mata e mecanização, fazia parte do crédito rural, pois, quanto mais terra mecanizada
estes agricultores tivessem, maior seria o financiamento que receberiam. Em
contrapartida, temos a fala de A que busca na memória os elementos sustentadores da
expansão da mecanização, pois, “antigamente, pra conseguir financiamento de
maquinário no banco, quanto mais roça, conseguia mais fácil [...] menos mato i agora
acharam [...] errado, errado isto, [...] agora 20% [...]” (A, 19 fev. 1996). O
financiamento era distribuído aos agricultores e, simultaneamente, orientava-se quanto
ao destino que o agricultor deveria dar ao montante recebido. Toda informação
necessária era dada ao agricultor: os cuidados em relação ao preço dos produtos,
frustração das safras por conseqüências climáticas e outros. O Poder Público precisa socorrê-la, constante ou freqüentemente, através de múltiplas formas de favores, em grau maior do que qualquer outra atividade: subsídios, garantias de preço mínimo, créditos favorecidos, moratórias, perdão de dívidas, prêmios e incentivos diversos e cada vez maiores. (BRUM, 1983, p. 43)
Existe no Brasil, mais especificamente no Paraná, uma ordem de
prioridades que visa atender, primeiramente, aos grandes proprietários com estes
financiamentos. No município rondonense, o predomínio de pequenas propriedades
que anteriormente praticavam a policultura e a criação de animais, calcadas no modelo
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proveniente da bagagem cultural desses grupos, desenvolveu-se o mecanismo de
incorporação e extensão dessas técnicas em direção à especialização. Portanto, “dentro
dessa política, destaca-se como principal instrumento o crédito rural, que tem
privilegiado o grande proprietário de terras, por poder dá-las como garantia, além de
possuir outras facilidades junto à rede bancária” (SILVA, 1982, p. 39).
O tão visado crédito rural era obtido junto a bancos internacionais e
reaplicado na compra de insumos e maquinários agrícolas que eram adquiridos junto à
indústrias e, conseqüentemente, o dinheiro revertia, novamente, para estas mesmas
indústrias. O chamado ‘crédito rural’, subsidiado pelo governo, em parte oriundo de empréstimos obtidos pelo país junto aos grandes bancos internacionais, utilizado para que os agricultores possam adquirir maior quantidade de máquinas e insumos modernos, é, de fato, crédito industrial, uma vez que funciona mais voltado para expandir os interesses da indústria do que os da agricultura, que é apenas um subsistema a serviço do sistema econômico global comandado pelo complexo financeiro-industrial (BRUM, 1983, p. 67).
Nesse contexto, podemos considerar a linha de pensamento segundo a qual
“o principal instrumento utilizado para promover a industrialização no campo foi o
crédito agrícola subsidiado” (MARTINE, 1989, p. 6). De forma consistente, Carlos
Walter Gonçalves trata da situação rural, mais especificamente da manipulação dos
anseios do produtor em direção aos interesses das indústrias. A célula vital e
energética do sistema situa-se no contexto da corrente financiadora, centrada e
representada na figura do Banco do Brasil. O fluxo condiciona o agricultor na compra
de produtos industrializados, revertendo em lucros ao núcleo central que viabiliza a
energia necessária para a estruturação industrial. Quem, nos últimos anos, se interessou pela situação do campo brasileiro, sabe da relação que se estabelece entre o produtor rural, as grandes indústrias químicas e de implementos agrícolas e os bancos. A aprovação de qualquer financiamento à produção rural passa por uma série de exigências dos bancos — não somente as tradicionais como a hipoteca de bens e propriedades. Entre as garantias constam também aquelas que a moderna ciência e tecnologia podem dar para o bom rendimento da plantação, pois, acredita-se que, dessa forma, os investimentos poderiam ser ressarcidos. Através dos seus Departamentos Técnicos, os bancos condicionam o produtor rural a usar esta ou aquela máquina, este ou aquele adubo, fertilizante, fungicida ou inseticida etc... As grandes indústrias têm, assim, garantidos os mercados para seus produtos através dos bancos que, por sua vez, ao viabilizarem as indústrias, se viabilizam na medida em que as indústrias dependem dos bancos para terem seu capital de giro, financiamento da produção e... crédito ao produtor rural para comprar seus produtos (GONÇALVES, 1984, p. 21-22).
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Na análise da linguagem jornalística, observamos várias manifestações
articuladas em expressões direcionadas ao público rural, mas esse fragmento pode
expressar o poder da mídia, pois a mesma comunica e integra os agricultores para que
estes recebam instruções referentes aos empréstimos. O que desperta a atenção é o
montante em dinheiro que seria distribuído. Como forma de reforço, tem-se a presença
da ACARPA e dos representantes políticos municipais e estaduais. O discurso atende,
portanto, aos interesses de determinados grupos. Contudo, a argumentação se apóia na
idéia de que o dinheiro será destinado para impulsionar o progresso rondonense,
aumentando a produção e trazendo bem estar e prosperidade. O bem estar de quem?
Pode-se indicar que os maiores beneficiados foram as indústrias que pretendiam
alargar os horizontes de suas vendas. Que bem estar é esse que propõe progresso às
custas da retirada da mata, do envenenamento dos animais e do próprio homem. E para
garantir que o dinheiro seja aplicado na agricultura, felicitam os agricultores e
reforçam, através de programas de rádio, que os “agricultores [...] saberão fazer bom
uso do numerário que lhes foi entregue”, ou seja, os argumentos procuravam garantir o
destino que o dinheiro deveria receber. AGRICULTORES RECEBEM EMPRÉSTIMOS Um grupo de agricultores recebeu hontem as importâncias de empréstimo encaminhado por intermédio da Acarpa. No Clube Aliança, com a presença de autoridades municipais e estaduais, gerentes de bancos e representantes desta emissora, procedeu-se à entrega dos cheques. Foram distribuídos 80 milhões que servirão para impulsionar o progresso rondonense, aumentando a produção e trazendo mais bem estar e prosperidade. Felicitamos a Acarpa, na pessoa de seu dinâmico diretor, o nosso Dr. Polan Lacki e aos agricultores que saberão fazer bom uso do numerário que lhes foi entregue (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).
O desenvolvimento recria situações e os agricultores vinculados ao cultivo
tradicional servem como ferramentas humanas na retirada da mata e cultivam produtos
como milho, mandioca, feijão, arroz e outros por alguns poucos anos. Após a limpeza
do terreno, são direcionados a aderirem a projetos tecnológicos voltados à
especialização. Um certo número de produtores que não se adequaram ao modelo,
foram direcionados a procurar novas fronteiras agrícolas no Paraguai ou outras regiões
brasileiras.
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A migração destes agricultores tem como causa principal o processo de
descapitalização gerado pela carência de iniciativas governamentais no que se refere à
manutenção de propriedades agrícolas que não se enquadrassem no sistema de
produção para exportação. O produtor rural está descapitalizado e endividado [...]. Os financiamentos para a implantação da suinocultura, gado leiteiro, aves, etc., nos últimos anos, foram condicionados a exigências técnicas geralmente do interesse das indústrias ou fornecedores de insumos, inclusive sementes e raças (BRUM, 1983, p. 108).
Para tanto, a agricultura modernizada incorpora técnicas sofisticadas
representadas pelas máquinas, implementos e insumos. A modernização, entendida
como criação humana, estrutura-se a partir dos créditos fornecidos aos produtores,
bem como pelo controle das ações dos agricultores e se consolida através da atuação
constante dos técnicos especializados na implantação e no controle das novas técnicas. Crédito para a aquisição de máquinas, implementos, equipamentos, calcário, fertilizantes, sementes, defensivos (herbicidas, pesticidas, fungicidas, etc.), crédito para custeio, etc. O sistema de crédito rural orientado subordinou o agricultor à fiscalização e à assistência técnica (BRUM, 1983, p. 114).
Nesse cenário, a manchete jornalística com o título “A Chuva de Granizo de
Dois Irmãos e Arredores” retrata os prejuízos advindos por ocasião de adversidades
climáticas. Mas, a partir de um olhar um pouco mais detido levando em consideração o
período em que o enunciado foi produzido, podemos discernir a forte argumentação
sobre os prejuízos e a solução para que o agricultor não vivesse de esmolas: o seguro
agrário.
Com isto, “A Nação, o Estado e o Município não se transformariam em
simples doadores de esmolas, que nada resolvem, porque nunca são de montante a
cobrir o prejuízo. O seguro agrário é a solução para todos”. Esses termos certamente
provocaram reações de apoio por parte dos ouvintes, já que os mesmos têm um forte
apego a valores como o trabalho e a honestidade, refletindo em argumento estruturado
na personalidade dos agricultores. Para evidenciar a posição da emissora de rádio, a
nota termina com a expressão “Essa é a nossa opinião”, revelando a forte influência
que esse meio de comunicação procura conquistar junto a seus ouvintes.
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A CHUVA DE GRANIZO DE DOIS IRMÃOS E ARREDORES Receberão a assistência que faz juz a quem planta e não tem a certeza de colher. É a ocasião de mais uma vez tecer considerações sobre o seguro agrário, uma lei que há muito foi aprovada no Brasil, mas que, pelo que sabemos, ainda continua no papel. Em todos os paizes civilizados e de economia adiantada, os efeitos da natureza são compensados pela inteligência e pelo espírito de organização. Está na vez de acabar no Brasil com a esmola dada aos que fazem o progresso da Pátria. Estão agora os senhores colonos a mendigar auxílio da Prefeitura, a Prefeitura a rogar a colaboração do Estado e o Estado a impetrar providências à Nação. A Nação, o Estado e o Município não se transformariam em simples doadores de esmolas, que nada resolvem, porque nunca são de monta a cobrir o prejuízo. O seguro agrário é a solução para todos. O agricultor sabe que planta, zela do que é seu e se um dia a desgraça dos elementos da natureza se abater sobre o fruto do seu trabalho, ali estará o seguro agrário para solucionar. Mas um seguro agrário rápido, eficiente e total, não paliativos à base de promessa para dias melhores. Essa é a nossa opinião (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
Percebe-se de imediato a expansão da reportagem jornalística mencionando
in loco os resultados negativos causados pelas chuvas, vendavais e granizo. Foram
realizadas, inclusive, projeções da área atingida, ficando definida uma faixa de três
quilômetros e meio de comprimento e uma largura de um quilômetro e, em certas
localidades, ocorreu perda total da produção. As lideranças políticas, tais como o
prefeito municipal Werner Wanderer e o diretor da ACARPA Polan Lacki,
desenvolveram visitas, tendo como objetivo fazer levantamentos dos prejuízos nas
localidades atingidas. A reportagem revela, com detalhes, a destruição de hortas,
citando as espécies prejudicadas pelas condições climáticas adversas. Esses
pormenores nos fornecem dados sobre os produtos cultivados.
No texto “Ofício ao Exmo. Sr. Governador do Estado” fica evidenciado o
canal aberto entre os representantes municipais e o governo do Estado. São fortes os
vínculos entre os procedimentos governamentais e o crédito fornecido pelo Banco do
Brasil. OFÍCIO AO EXMO. SR. GOVERNADOR DO ESTADO A Prefeitura Municipal enviou ofício ao Sr. Governador Paulo Pimentel encarecendo sua visita no dia 20 de janeiro, segundo promessa feita pela Casa Civil do governo do Estado. No mesmo ofício a Prefeitura comunica os prejuízos causados pela chuva de granizo e pede a colaboração do Estado, por intermédio da assistência imediata da Secretaria de Agricultura e outros órgãos de assistência. Hoje vai telegrama ao Presidente Castelo Branco, pedindo facilidades de crédito aos flagelados por intermédio do Banco do Brasil (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
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Nesse ponto, o discurso apresenta a constante mobilização de pedidos
direcionados ao governo do Estado em busca de auxílio para solucionar problemas
causados por intempéries climáticas. Mas esse canal aberto na comunicação foi uma
das formas de preparar o espaço com recursos viabilizadores da futura modernização
agrícola. Neste período, ainda marcam presença as dificuldades enfrentadas pelos
agricultores rondonenses em deslocar-se a uma agência do Banco do Brasil, pois esta
estava situada na cidade vizinha de Toledo. O transporte mais utilizado era o ônibus ou
as famosas lotações18. Algumas reportagens do programa jornalístico comunicam aos
agricultores para que realizem suas propostas para o cultivo de cereais, bem como para
a compra de maquinários. O BANCO DO BRASIL EM NOSSO NOTICIÁRIO A agencia de Toledo do Banco do Brasil está em nosso noticiário para dizer a todos que estão abertas as propostas para lavouras de milho, feijão, algodão, maquinário e indústrias. Aqueles que estiverem interessados em ampliar ainda mais as suas lavouras ou maquinários que apresentem as propostas ao Banco do Brasil na agência de Toledo (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).
Os produtores são comunicados sobre o atendimento, mas também são
“convidados” a expandir suas áreas cultivadas e aderirem aos recursos ofertados. O
que pode explicar melhor a situação existente entre a relação do Banco do Brasil e a
tecnificação no campo é a composição do conselho fiscal da Indústria de Óleos, que
conta com a presença do gerente do Banco do Brasil, do prefeito municipal e de outras
autoridades do município. Através da leitura do discurso, pode-se constatar que o
mesmo busca suporte para sua atuação, enfatizando que “essa grande indústria [tem]
um futuro brilhantíssimo no interesse da industrialização do Oeste do Paraná”. O
discurso apresenta, portanto, os objetivos de um grupo restrito como sendo de toda a
população. SOLUCIONADO O CASO DA CIROSA Na presença de altos funcionários do Banco do Brasil e dos senhores agricultores foi eleito o conselho fiscal que fica composto do senhor gerente do Banco do Brasil de Toledo, o senhor Werner Wanderer, prefeito municipal e o senhor Lourival Mussi de Andrade. Essa notícia é motivo de júbilo para o município pois vemos a testa desse
18 Uma Kombi na qual vários colonos se juntavam para irem até a cidade vizinha.
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empreendimento um cidadão de reconhecidos dotes de administrador e pessoa do mais vasto conceito em toda a região. Encerra-se assim de uma maneira brilhante o caso da Cirosa que foi motivo de tantos comentários neste município e regiões. Desejamos à essa grande indústria um futuro brilhantíssimo no interesse da industrialização do Oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 3, 12.07.67 a 11.03.67).
Já no ano seguinte (1968), ocorre uma convenção das indústrias
oleoginosas, já que a instalação de mais indústrias voltadas a esse fim se amplia em
toda a região. Para tanto, ocorre a mobilização de representantes da localidade que se
deslocam ao Rio de Janeiro para buscarem “junto a alta cúpula do Banco do Brasil”
recursos financeiros para a compra da safra de soja. A CONVENÇÃO DAS INDÚSTRIAS OLEOGINOSAS Ao término das reuniões, com a volta do Sr. Hélio Alves à nossa cidade trazendo as novidades, o Sr. Arlindo Lamb seguiu ao Rio de Janeiro onde junto a alta cúpula do Banco do Brasil, estará ultimando a documentação para um grande financiamento para a compra de soja, seja toda a safra de 1968, de toda a região. Com a volta do Sr. Arlindo Lamb, já serão fixados os preços para a compra deste cereal. Quem nos trouxe as notícias desta importante convenção foi o Sr. Hélio Alves ao qual agradecemos (Frente Ampla de Notícias, v. 4, 12.03.68 a 29.05.68).
A convenção das indústrias oleoginosas, realizada em São Miguel do
Iguaçu, envolveu indústrias extrativas de óleo vegetais do Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e da região Oeste do Paraná. No decorrer da reunião, foi estabelecida uma
comissão representando os três Estados da Região Sul, objetivando a estruturação de
um estatuto que defenda a classe e que reúna pequenas e médias indústrias situadas na
fronteira do país. Nesse período, houve uma segunda reunião em Pato Branco, tratando
da aprovação dos estatutos e da organização do sindicato em defesa do grupo. Foram
marcadas ainda as datas para a primeira Festa Regional da Soja.
Nesse momento, o rádio é o elo comunicador de massa, recurso explorado
para levar ao campo os planos e modelos das indústrias. O rádio serve então como
veículo que propaga vínculos solidários com a comunidade através da informação e
formação da opinião pública.
O rádio aparece assim como centro irradiador de interesses interligados: as
indústrias, as instituições bancárias, as autoridades governamentais e órgãos ligados à
Secretaria da Agricultura utilizam-se deste meio de comunicação para alcançarem seus
objetivos. Dessa forma, identificamos com precisão na manchete “A Visita do
90
Supervisor da ACARPA” a relação entre a Secretaria da Agricultura e a emissora de
rádio: “O Dr. Edison veio também para agradecer a colaboração prestada pela nossa
emissora ao seu serviço, que visa maiores promoções agrícolas para a nossa gente”
(Frente Ampla de Notícias, v. 4, 12.03.68 a 29.05.68).
Os agricultores recebiam comunicados constantes a partir de cartas que
eram enviadas pelo Banco do Brasil à Rádio. Um aspecto a ser destacado é a compra
do trigo a ser realizada pelo Branco do Brasil “em nome da Comissão de Trigo
Nacional”. Nesta transação comercial, a exigência era a negociação direta com a
instituição bancária, pois a atuação de intermediários era condenada tendo como
justificativa a transparência das ações. A notícia “Um Aviso do Banco do Brasil aos
Triticultores” expressa da seguinte forma tais normas: Acabamos de receber carta do Banco do Brasil prestando algumas informações aos senhores produtores de trigo da região. Informa o Banco, por sua agencia de Toledo, que está comprando trigo em nome da Comissão de Trigo Nacional. Avisa que só compra diretamente dos produtores, não aceitando intermediários. Avisamos mais que sobre esses preços serão acrescidos as quantias de 75 centavos, 60 centavos e 42 centavos para o produto entregue em sacaria nova, de 1º e 2º uso, respectivamente. Alerta mais, que será crime contra a economia popular, a venda de seus produtos agrícolas ao Banco do Brasil, por meio de intermediários. E si isso acontecer, o que assim, fizer, terá sérios problemas com sua ficha cadastral. São essas as informações que tínhamos a dar em nome do Banco do Brasil, Agencia em Toledo (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
O Banco do Brasil procurava, portanto, estabelecer o monopólio na compra
de cereais, instituindo normas que visavam inibir a comercialização dos produtos com
terceiros.
O grande agente provedor e atuante entre os agricultores e o modelo
modernizador em processo de adoção era a ACARPA. Este órgão estadual tinha
espaço garantido na programação da emissora de rádio, tendo em vista a necessidade
de manter contato constante com seus colaboradores.
A ACARPA se encarregava, inclusive, dos pedidos de financiamentos. A
reportagem “Um aviso importante da ACARPA”, chama “a atenção dos agricultores
de Novo Horizonte, Iguiporã, Mercedes e Curvado, que desejam financiamento, e
ainda não fizeram pedido, que encaminhem os seus pedidos às comissões de Crédito”
(Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69). Como já foi enfatizado, o
crédito rural era um crédito específico regido por índices particulares do setor agrícola,
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destinado a desencadear e sustentar a modernização agrícola, com linhas de
financiamento a insumos químicos, sementes selecionadas e investimentos rurais.
A atuação da ACARPA estende-se também a outras áreas, tais como a
saúde. Fato curioso observa-se no programa “Curso de Enfermagem e Curso para
Parteiras”. Junto às modernas técnicas de cultivo de solo, permanecem antigas
práticas. Este tipo de treinamento remonta ao início da colonização, já que, nesta fase,
os partos eram realizados por parteiras da comunidade ou, quando estas não existiam,
eram trazidas parteiras das comunidades vizinhas. O valor pago pelo trabalho de uma
parteira, geralmente era em produto, como um saco de feijão ou de milho. Os partos
aconteciam nas residências das gestantes. O transporte da parteira era realizado através
de charrete, carroça ou jipe. Este curso [...] será gratuito, tendo pela parte de ministração e prática de trabalho orientação de professores especializados do INDA, da ACARPA, e especialistas do C.R.B. (Confederação dos Religiosos do Brasil). Também terão suas partes ativas de Guaira ou mais alguns da região. Para as parteiras e interessadas de Marechal Cândido Rondon, a Prefeitura Municipal pagará todas as despesas de estadia. É frisada aqui a importância de que os cursos serão especialmente para aquelas pessoas que já dispõe de algum conhecimento do assunto. Ou sejam parteiras e as pessoas que lidam com serviço de enfermagem. As inscrições encontram-se abertas no escritório da Acarpa local, à disposição das interessadas (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Este tipo de atividade fazia parte de um conjunto de ações desenvolvidas
pela Associação de Crédito, estruturado a partir de um programa de assistência rural
que centralizava suas atividades na educação de jovens. Programas de educação do jovem rural, calcados num modelo norte-americano de ação, através dos Clubes 4 S (4 H nos Estados Unidos). O ‘S’ significa: Saber (Head), Sentir (Heart), Servir (Hand) e Saúde (Health). Filhos de agricultures de 14 a 25 anos, através desses clubes, que lhes proporcionaram um lugar para se reunir e se divertir, receberam toda uma educação “modernizante” e tiveram acesso a pequenos créditos, a juros baixos. Com a ajuda de técnicos, estes jovens desenvolveram posteriormente experiências nas propriedades dos pais (PAULILO, 1990, p. 55-56).
As “reuniões sobre crédito rural” ocupavam o cenário dos comunicados
jornalísticos. Como já mencionamos, a estruturação dos Clubes 4-S serviu como ponto
de partida para organizar um projeto maior que era a futura introdução do Crédito
Rural. A partir do trabalho dos extensionistas, tanto os agricultores como suas esposas
92
acabavam sendo aproximadas desses “líderes”, o que inspirou confiança junto aos
agricultores e reforçou os discursos políticos. REUNIÃO SOBRE CRÉDITO RURAL A ACARPA, através de seu extensionista rural Dr. Joaquim Felipe Laginski, depois de ter levantado os clubes 4-S através de seu trabalho intensivo, cabendo a parte doméstica à senhorita Maria Creoní França; vem agora movimentar a parte de crédito rural aos agricultores. Hoje às 17 horas haverá uma reunião com agricultores e criadores, no salão do clube social e cultural de Quatro Pontes. A ACARPA por nosso intermédio convida todos os senhores criadores e agricultores para comparecerem onde será abordada a explicação sobre o financiamento. Aqueles criadores que já tem movimentado alguma coisa neste setor e que não comparecerem estarão sujeitos a não receberem tal financiamento. Portanto é de vital importância o comparecimento em massa àqueles que já se movimentaram através da ACARPA ou mesmo aqueles que pretendem receber financiamentos através deste órgão (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Encontramos notícias intituladas “Paulo Poli, Ainda Conosco” onde são
enaltecidas as presenças do então deputado Paulo Poli e do diretor do Banco do Estado
do Paraná, Arthur Claudino dos Santos. É dada ênfase às chamadas “novidades” e,
entre elas, estava a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Marechal
Cândido Rondon. Estas “novidades” também podem ser entendidas como uma
estratégia para chamar a atenção do público do campo para o deputado Paulo Poli: O ilustre deputado Paulo Poli permanece em nosso meio. Ontem pela tarde estiveram em nossa emissora conforme havíamos anunciado, o deputado Paulo Poli, e ainda o diretor do Banco do Estado do Paraná, Dr. Arthur Claudino dos Santos, que se mantiveram como entrevistados durante o espaço de mais de meia hora. Foi durante este espaço de tempo que, não somente nós como todos os nossos ouvintes, ficaram sabendo de muitas novidades que nos foram passadas à conhecer pelos ilustres visitantes. Ao se tratar do assunto que era o Banco do Brasil, foi algo de especial por ficarmos sabendo de que existe a possibilidade de num prazo de aproximadamente 6 meses, possamos ter uma agencia aqui em Marechal Cândido Rondon (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Um vasto leque de elogios foi tecido em torno da presença do representante
político e a criação de mecanismos que facilitem a modernização do município, tais
como a instalação da agência bancária, é considerada como um dos caminhos para o
tão sonhado e aguardado progresso.
O recurso mais utilizado pela ACARPA no início do processo era o de
contatar as comunidades através de seus representantes, estabelecendo assim uma
93
linha de comunicação. Esta linha geralmente tinha como elo condutor pessoas
respeitadas pelo grupo — tais como o professor ou o presidente de alguma associação
—, que ficava com a responsabilidade de organizar e comunicar os agricultores sobre
as atividades a serem realizadas, cabendo inclusive a estes líderes as tarefas leigas à
execução de relatórios sistematizados sobre os trabalhos. No decorrer do processo, a
“ACARPA vai treinar líderes” com o objetivo de conhecer o cotidiano rural e manter
sua ação a partir da “infiltração” nas propriedades. Com tais atividades, é evidenciado
o caráter estratégico da atuação da ACARPA. Isto transparece em discursos como este: O extensionista rural da ACARPA, dr. Laginski, nos enviou uma nota sobre o serviço que estará movimentando a ACARPA de imediato, fazendo com que exista à partir de hoje o treinamento para líderes [...]. É este mais um serviço empreendido pela ACARPA local que mantém bem acelerado seu serviço de lançar maiores conhecimentos diante de toda a colônia, agora também movimentando a aprendizagem para líderes dentro das localidades onde os serviços tem infiltração dentro de todo o nosso município (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
O jogo político trabalha com imagens e representações discursivas e o
painel das relações políticas contempla um elenco de ações que difundem o
conhecimento científico. Isto se concretizou por meio de articulações executadas pelos
extencionistas rurais. De acordo com estudos do IPEA – Instituto de Planejamento
Econômico e Social, a principal medida foi a tentativa de difundir, entre os agricultores, o conhecimento tecnológico existente nas instituições de pesquisa [...]. Esta foi a grande ênfase dada ao serviço de extensão rural durante a década de 60 [...]. A prioridade também estava direcionada à abertura de linhas de créditos especiais para a aquisição de insumos modernos e à importância atribuída às políticas de preços mínimos a fim de estimular conjuntamente a produção e produtividade (PASTORE e ALVES, 1975, p. 115).
Os relatórios da ACARPA são divulgados pela rádio, mostrando todo o
trabalho executado, os esforços efetuados sem medidas, argumentando que todo
trabalho não cansa quando se trata do progresso objetivado para a região. Esta aparece
como uma das formas de reforçar o apego ao trabalho, valor fortemente enraizado na
cultura do grupo. Isso revela o grau profundo de conhecimento que havia por parte dos
responsáveis pela implantação do programa, pois o discurso também expressa e
reforça a honestidade quando divulga o relatório para que todos tenham conhecimento
da seriedade do trabalho executado pelos extensionistas.
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O locutor também tece considerações fundadas em elogios ao trabalho dos
extensionistas ao argumentar que eles são verdadeiros rondonenses por desejarem
tornar essa terra “um paraíso” a partir de seus esforços. Assim, ao término das
atividades, os resultados foram registrados em relatórios que foram amplamente
divulgados pela imprensa. No discurso, as atividades eram consideradas uma luta em
prol da “causa da família rurícula”, enfatizando os trabalhos desenvolvidos pela
equipe. À luz dos discursos, percebe-se que as atividades realizadas possuíam metas
traçadas e, na essência, a preocupação maior não estava direcionada ao bem estar dos
agricultores, mas sim com a efetivação de um modelo articulado e aplicado de acordo
com interesses de grupos específicos. Contudo, foi dispensada atenção especial nas
formas de tratamento e na linguagem utilizada para estabelecer tais metas, tendo em
vista a seleção criteriosa das idéias e imagens a serem utilizadas na caracterização
tanto dos agricultores como da região. ACARPA NOS ENVIA RELATÓRIO O trabalho que a associação de crédito e assistência rural ao trabalhador do Paraná realizou termina com mais um ano de trabalho e sacrifício, sacrifício não notado, pois se sabe que ninguém diz sacrifício quando se trabalha para uma terra como a nossa que somente tende a progredir. Vimos chegando o esgotamento de forças, mas quando olhamos, meditamos sobre tudo o que foi feito e nossas forças se reanimam e voltamos ao combate geral para uma guerra de fundamento ao vermos cravado o marco do progresso [...]. O presente relatório espelha o trabalho pelo crédito rural orientado, em um levantamento que faz com que nosso colono sinta-se mais a vontade. Fala também sobre o crédito habitacional, o Clubes 4 S, sobre o entrosamento com outras entidades, dos aspectos gerais e a conclusão dos serviços que achamos aqui, ao término, coroado de êxitos (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
A palavra “progresso” não poderia deixar de ser mencionada e o sucesso do
projeto é atribuído, entre outros fatores, ao “crédito rural orientado” e ao entrosamento
com as entidades sociais. Fica evidente a preocupação e a aplicação das questões
relacionadas aos financiamentos. Para tanto, o Sindicato, cumprindo ordens diretas da
administração pública, destinou um funcionário para atender o recebimento de
propostas e enviá-las a Toledo, poupando assim os agricultores das viagens àquele
município.
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A REUNIÃO PARA HOJE O sindicato deverá mandar um funcionário que após tomar todos os esclarecimentos por uns dias em Toledo, vai operar no sindicato aqui em Marechal Cândido Rondon para a elaboração da documentação necessária de exigência desta casa bancária para os financiamentos. Feito isso, o cidadão através do sindicato deverá preencher suas propostas para tal e finalmente dirigir-se à Toledo para receber o numerário. Como disse-nos o prefeito municipal que manteve-se junto com membros do sindicato de Marechal Cândido Rondon reunido na manhã de hoje, será alguma coisa maravilhosa para a nossa gente que vai prestar uma boa margem de suas economias que eram desperdiçadas em viagens à Toledo e espera dentro do saguão do Banco do Brasil (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
As propostas de sindicalização são incentivadas tendo em vista uma
participação significativa dos agricultores. Os discursos afirmam que o órgão dará
maior assistência ao agricultor, através da presença de um veterinário que atenderá aos
associados gratuitamente. Como todo discurso, este também busca enfatizar a
necessidade de unir esforços para o bem comum dos agricultores. A explicação foi dada pelo presidente Almiro Bauermann. Seria maior e melhor assistência ao agricultor sindicalizado, com o atendimento veterinário gratuito. Para isso o sindicato pensa desde já na compra de uma condução que servirá como meio de locomoção mais rápido ao veterinário que atenderá todo o município pelo setor rural conforme acha o senhor presidente. O restante desta mensalidade servirá para cobrir estas despesas com manutenção da condução e o custeio do combustível. Foi uma assembléia muito movimentada que trouxe para dentro da sala, agricultores de todos os cantos de nosso município que fizeram uma autentica demonstração de preocupação pelo que ocorre em nosso meio. Agricultores uma gente modesta e unida que também prefere seus dias melhores para o futuro. Parabéns aos agricultores sindicalizados, parabéns ao sindicato que se destaca dentro destes movimentos. Cremos em todo o Oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
No programa, são comentadas as reuniões anteriores caracterizadas pela
presença pouco expressiva de público. Enfatiza-se, porém, que a última assembléia
contou com a presença maciça de agricultores. De acordo com a notícia, aqueles
agricultores que se negaram a participar das reuniões foram duramente criticados. Os
participantes destes encontros eram, na sua grande maioria, agricultores pecuaristas,
sindicalizados. Para incentivar a participação de mais agricultores, a equipe de
reportagem da emissora de rádio fez a contagem do número de automóveis
estacionados no local da reunião. Com tal estratégia, procurava mostrar a aceitação por
parte dos agricultores das iniciativas do sindicato. A mesa diretiva orientava as
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atividades, não faltando em sua composição os representantes tradicionais do
Sindicato Rural, do Funrural, da ACARPA, bem como o diretor da Rádio Difusora
que, na ocasião, representava o prefeito municipal. Os assuntos tratados envolveram o
atendimento médico e o recolhimento de impostos.
Os planos da ACARPA receberam impulso através da assinatura de
convênios com a prefeitura. A prática discursiva reforça que o órgão executava
atividades no município, conduzidas por técnicos extensionistas, que intensificariam o
progresso da região. SECRETÁRIO EXECUTIVO DA ACARPA VISITOU A PREFEITURA MUNICIPAL Esteve na manhã de hoje no gabinete municipal o Dr. Rubens Resende secretário executivo da ACARPA juntamente com o Dr. Nickos também da Acarpa, que mantiveram-se em entrevista com o prefeito Werner Wanderer. O motivo principal da visita era o acerto do convênio entre Prefeitura Municipal e ACARPA, para que maior progresso seja lançado na região por este órgão paraestatal que tem funcionamento ativo em nosso município, atividade esta dada pelo Dr. Joaquim F. Laginski e pela senhorita Creoni Maria França. Amanhã poderemos saber do auxílio que a prefeitura dará à ACARPA, pelo convênio que deve ter sido assinado na manhã de hoje (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
As várias atividades executadas pelos extensionistas da ACARPA e
funcionários do Sindicato Rural contribuíram de forma considerável para a
concretização dos planos estabelecidos pelo programa de desenvolvimento da região.
Uma estratégia adotada para atrair cada vez mais pessoas era o de noticiar o número de
participantes nos encontros anteriores, motivando assim a próxima localidade a
superá-lo. Os dirigentes parabenizam os agricultores participantes por desejarem
aprender. Além disso, ocorre uma espécie de premiação simbólica àquelas localidades
onde o evento reunisse maior número de pessoas. Destaca-se também a presença
feminina em tais encontros. No decorrer do discurso, são feitos comentários sobre as
reuniões realizadas e são convidados os moradores de outras localidades para que
participem das próximas reuniões. REUNIÃO ENTUSIASTICA FOI REALIZADA EM PORTO MENDES Bem ao contrário do que esperávamos, o agricultor de Porto Mendes deu provas cabais de sua vontade de aprender, de sua vontade de se esclarecer. Foi ontem registrada a maior reunião de dentro do município, em que o salão de Mendes tornou-se pequeno demais para alojar os 200 agricultores, fazendo com que Porto Mendes tome o primeiro lugar em
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comparecimento da massa agrícola à estas importantes sessões. Aproveitamos a estada dos amigos visitantes em nossa emissora na manhã de hoje e tomamos conclusões básicas e estatísticas das reuniões realizadas. A mais forte em comparecimento foi em Porto Mendes com 200 agricultores, inclusive mulheres, de nossa grande família rurícula. Em segundo plano acha-se a localidade de Entre Rios em 138 comparecimentos. A mais fraca realizada, dizemos a mais fraca em comparecimento pois o espírito que levou os agricultores de toda a região foi um só, ... esclarecer-se, tomar decisivas informações. Esta última de que tratamos foi Mercedes com 67 agricultores presentes. Todas as reuniões somadas darão um índice médio de 100 agricultores por sessão. [...] Parabéns ao pessoal do sindicato e da ACARPA, parabéns aos agricultores de Porto Mendes, e nossas felicitações aos agricultores de nossa região. Para segunda-feira será realizada uma sessão em São Roque, e desde já concitamos aos agricultores daquela região para o comparecimento em massa (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Na seqüência é apresentada outra reportagem que destaca os trabalhos a
serem realizados pelos representantes da ACARPA e do Sindicato, desta vez no
distrito de São Roque. Novamente, são feitos esclarecimentos de que as intervenções
são informativas e de interesse dos agricultores da região. O texto finaliza afirmando
que “na noite de hoje, ninguém pode ficar em casa”. O comunicado procura alertar os
moradores de outra localidade (o distrito de Margarida) para que participem também
dos encontros. NOVA REUNIÃO HOJE É SERVIÇO PARA O PESSOAL DA ACARPA E SINDICATO. Os agricultores de São Roque na noite de hoje após às 20 horas estarão vendo sua ação colonial receber matéria de apoio através das palestras levadas pela equipe que vem se ocupando desse setor já fazem alguns dias. Agricultores de São Roque, na noite de hoje, ninguém pode ficar em casa. Amanhã será em Margarida (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
As facilidades de financiamento foram ofertadas pela ACARPA a partir de
recursos destinados, preferencialmente, à mecanização vinculada ao cultivo de soja.
Para assegurar a eficácia do repasse de informações aos agricultores, os agentes da
ACARPA estabeleciam contatos nos distritos, onde os agricultores poderiam ficar
informados sobre as condições necessárias para a concessão de financiamentos. Esses
recursos para o financiamento eram provenientes do Banco de Desenvolvimento do
Extremo Sul – BRDE.
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ACARPA INFORMA SOBRE FINANCIAMENTO A parte encarregada pela extensão rural da ACARPA, informou nossa reportagem ontem, que está aberto o financiamento pelo acordo ACARPA-BRDE. O crédito é especial à agricultores porém apenas para a mecanização da lavoura de soja. O crédito será para a compra de trator, micro trator, arado, grade, pulverizador, semeadeira, cultivador ou carreta. Os agricultores interessados deverão fazer solicitações aos senhores membros das comissões de crédito que funcionam em várias vilas de nosso município, e comparecerem segunda feira próxima no escritório da ACARPA para tomarem melhores esclarecimentos. (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69)
As atividades relacionadas ao treinamento de agricultores ocorreram
inicialmente a partir da preparação de líderes por intermédio dos extensionistas da
ACARPA. Através de uma ação, foram escolhidos representantes em todas as
comunidades. Posteriormente, foi organizado um evento que reuniu todos os líderes.
Esta foi uma das formas encontradas para dar agilidade ao treinamento, pois a
realização de palestras para um grupo maior de pessoas facilitava a divulgação das
informações. O encontro foi nitidamente direcionado ao meio rural e a efetivação foi
considerada um feito considerável como coroamento de um planejamento agrícola
bem organizado. As intervenções discursivas trataram exaustivamente da extensão
rural e da necessidade de formar as lideranças, bem como a aproximação de diferentes
localidades do município. Todas as etapas do encontro contemplavam de forma mais
detida os líderes rurais. Com relação a este aspecto, um fato que chama a atenção é a
descrição das qualidades que fazem o líder ideal. Para Antonio Maximiliano Ceretta,
cabe lembrar, então diretor da Rádio Difusora, em uma palestra, fala sobre o
funcionamento de grupos de trabalho. Todos esses aspectos foram também tratados no
período da tarde com ênfase no desenvolvimento de um espírito comunitário. LÍDERES RURAIS TÊM HOJE O SEU PRIMEIRO ENCONTRO Grande movimentação em torno da realização do 1º encontro das lideranças rurais do município de Marechal Cândido Rondon [...]. Os debates estiveram girando em torno dos problemas sentidos nas comunidades e possíveis meios de resolução (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
Alinhadas às demais propostas de crédito, diretamente canalizadas para o
contexto da região, temos ainda uma fala marcante que destaca formas de operação
desenvolvida pelos bancos junto aos agricultores. O sistema era executado a partir da
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assinatura de uma nota promissória pelo solicitante do empréstimo. Assim, quando o
agricultor estava em precárias condições financeiras, recorria ao banco e requeria o
chamado “Papagaio” (empréstimo). O prazo do empréstimo era de 60 a 90 dias,
exigindo renovação. Com a estruturação da modernização, muitos agricultores
recorreram ao banco e acabaram cercados por dívidas que muitas vezes comprometiam
parte de sua propriedade. Nesse contexto, foi sugerida uma abertura maior, através do
que os empréstimos poderiam ser pagos mensalmente, eliminando assim as
renovações. FAZENDO FALAR O PAPAGAIO Todos conhecem o nome dado a uma operação feita nos bancos, pela qual o cliente, assinado uma Nota Promissória, obtém crédito bancário, para cobrir suas necessidades econômicas e tapar os furos que se apresentam nas operações econômicas. O empréstimo bancário é chamado ‘papagaio’, pois temos a informar que em breve os papagaios vão falar de maneira diferente. O empréstimo, conforme em uso, geralmente, tem um prazo de pagamento que varia de 60 a 90 dias. E no vencimento deverá ser pago ou então reformado. Nos jornais de ontem há uma novidade em torno do assunto. E vamos reproduzir a matéria, sem comentários, já que os bancos deverão em breve receber instruções detalhadas a respeito da nova modalidade: ‘Sem prazo prá pagar – RIO, 22 (transpress – O ESTADO) – Os empréstimos pessoais na rede bancária poderão agora ser feitos sem limitação de prazo, de acordo com a necessidade do cliente. A informação é do presidente do Sindicato dos Bancos, professor Teófilo de Azeredo Santos, a propósito da nova sistemática de operações do sistema bancário. O líder dos banqueiros explicou também que os ‘papagaios’ que poderão agora ser pagos em prestações mensais, tornam eliminada a necessidade de reformas periódicas que complicam e oneram as operações de crédito pessoal (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
É necessário lembrar que a atuação da ACARPA toma corpo a partir do
“Plano Regional de Trabalho da ACARPA para 1972”, conforme a pretensão do plano
que era a de abranger e identificar os pontos onde não havia ainda um efetivo
desenvolvimento com base no modelo tecnificado. Na íntegra, este era “um plano
elaborado no contexto desenvolvimentista que a região vem alcançando [...]. Pelo
esforço desprendido por homens que consagram o tempo, força e inteligência na
criação de uma civilização solidária”. A partir da citação transparece a leitura que era
feita, pois o agricultor era quem deveria alavancar os esforços para que o plano desse
certo. Plano Regional de Trabalho da ACARPA para 1972, plano este que estará sendo desenvolvido em nove municípios do Oeste paranaense. Estarão reunidos neste documento [...] elementos que permitirão antever os pontos de estrangulamento da
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comunidade rurícula Oestina e como conseqüência um plano elaborado no contexto desenvolvimentista que a região vem alcançando [...] pelo esforço desprendido por homens que consagram o tempo, força e inteligência na criação de uma civilização solidária (Frente Ampla de Notícias, v. 15, 18.02.72 a 17.06.72).
Em uma versão crítica, uma das falas do extensionista afirma que o
PROAGRO era muito mais uma garantia para os bancos que cobravam do governo e
repassavam ao agricultor apenas “as sobras”. O governo criou o PROAGRO, era um programa de garantia, mais esse PROAGRO só saiu porque ele era uma garantia para os bancos. O PROAGRO não era nada bom para o agricultor. Em primeiro plano, o PROAGRO era bom para banco, porque você tinha que fazer uma avaliação se aquele problema foi do agricultor ou foi de uma intempérie.O agricultor que pagou o [...] Crédito Rural daí já era obrigatório fazer PROAGRO senão não tinha crédito, né. Então o PROAGRO era uma garantia para o banco de se acontecer alguma coisa irregular com o agricultor, o banco era ressarcido do empréstimo que o agricultor tinha feito e só depois, se sobrasse alguma coisa, reverteria para o agricultor (H, 05 mar. 2001).
Sendo assim, uma solução adotada para incentivar o cultivo de trigo foi o
PROAGRO19, seguro fornecido pelo governo e ferramenta utilizada na cobertura
necessária para casos de frustrações de safra. Os argumentos eram poderosos, pois
mencionavam a frustração de duas safras anteriores, reforçando assim a necessidade
deste tipo de garantia contratual, visando o futuro aumento do cultivo e,
conseqüentemente, da produção de trigo. PROAGRO, UMA AJUDA AOS TRITICULTORES Os triticultores terão os benefícios do PROAGRO, embora já tenham perdido a safra por duas vezes consecutivas. A notícia foi dada a conhecer ontem em conversa que mantivemos com o gerente do Banco do Brasil Sr. José dos Santos. Dessa forma, é um incentivo à mais aos que já plantaram ou aos futuros plantadores de trigo para a safra deste ano. O que pretende o governo é dar amplas condições aos triticultores de ampliar a capacidade de produção devidamente cobertados em casos de uma frustração. Com o incentivo que se dá nesse setor [...] se espera uma excelente produção com o aumento de área plantada e um produto de maior qualidade (Frente Ampla de Notícias, v. 33, 01.03.77 a 31.03.77).
19 Tendo em vista a estruturação do PROAGRO, esta se consolida por intermédio da ação da ACARPA: “Em 1975 a ACARPA iniciou seus trabalhos com o PROAGRO sendo, por dez anos, a única empresa credenciada pelo Banco Central para a elaboração das perícias. No ano seguinte foi implantado o Programa Nacional de Conservação de Solos, reconhecido mundialmente como um importante programa de preservação ambiental” (EMATER. Folheto).
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Entretanto, aos poucos, as solicitações do seguro foram sendo dificultadas
devido à exigência de vistorias por parte dos técnicos do governo. Tal sistemática
“favorecia os produtores que utilizavam tecnologias mais modernas e as exigências
técnicas para obter o PROAGRO eram então mantidas” (KAGEYAMA, 1987, p.63).
Em documento enviado à Rádio Difusora pelo Programa Cooperativo de
Extensão Rural da ACARPA, tratando do esclarecimento em torno do referido seguro,
foi dada resposta aos questionamentos feitos por alguns agricultores. Na ocasião, eram
os representantes da ACARPA que executavam as vistorias. Assim, foram elencados
os seguintes passos a serem seguidos pelos agricultores: o pedido do seguro deveria
ser feito junto à cooperativa ou banco, isso caso houvesse perda significativa da
plantação; a área atingida com prejuízos significativos deveria ser assim declarada
antes da colheita. Caso esta declaração fosse feita após a colheita, o agricultor perderia
o direito ao seguro, ficando com a responsabilidade das dívidas. PROAGRO – ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO A ACARPA [...] entidade encarregada de fazer as vistorias do PROAGRO, tendo em vista a série de acontecimentos desfavoráveis, às dúvidas persistentes de muitos agricultores e o comportamento precipitado de alguns deles, vem de público esclarecer, para o bem de todos, os seguintes: 1º) O agricultor só deve declarar ocorrência ao PROAGRO, junto aos bancos ou cooperativa em caso de perda real, que o impossibilite de pagar o custeio. 2º) Esta declaração deve ser feita, e só nessa condição será aceita, se a declaração for feita antes da área prejudicada ter sido colhida. 3º) Declarações ao PROAGRO com áreas já colhidas implicarão em prejuízos talvez ainda maiores para o próprio agricultor, de vez que está sujeito a pagar todas as despesas de vistoria, além de sanções previstas em Lei. 4º) A ACARPA recomenda expressamente a todos os agricultores o devido cuidado e a máxima diligência ao encaminhar seus pedidos de PROAGRO, jamais solicitando tais pedidos em áreas já colhidas (Frente Ampla de Notícias, v. 37, 28.07.77 a 10.09.77).
Em todo o Paraná surgiram vários protestos de agricultores com relação às
normas acima descritas, aos preços dos produtos agrícolas praticados no mercado, bem
como em relação aos rumos tomados pelo PROAGRO. Com base nessas contradições e a partir das condições políticas de fins da década de 70, multiplicaram-se no Paraná as mobilizações de produtores rurais de cada segmento específico de produção (greve dos suinocultores, movimentos dos sojicultores, dos fumicultores, etc.), ou contra condições mais gerais da política agrícola (PROAGRO, juros bancários, etc.). Embora aglutinando pequenos, médios e grandes produtores, pode-se dizer que esses movimentos iniciais tiveram uma participação decisiva, inclusive a nível de organização dos pequenos produtores (BONIN et al, 1991, p. 122).
102
Um extenso programa de readequações ocorreu na suinucultura em solo
rondonense, principalmente no que se refere ao comércio alicerçado nos baixos preços.
No entanto, mais uma vez, a suinocultura ocupa espaço de destaque nos relatórios
anuais da ACARPA. A equipe de extensionistas entregou o relatório aos lideres
comunitários e aos representantes políticos do município. Este relatório tratou da
ampla dedicação de horas à suinocultura. Na conservação de solo foram “gastas” 630
horas, alertando e conscientizando os agricultores sob o argumento de evitar que a
região se tornasse um deserto. Além disso, o relatório aborda o cooperativismo e suas
numerosas vantagens. Já o trigo recebeu atenção principalmente no que se refere ao
plantio e à ampliação do rendimento por área. Ao mesmo tempo, receberam destaque
as atividades comunitárias e o estímulo ao cultivo da soja. EM 1977 ACARPA INSISTIU NA SUINOCULTURA Consta do relatório que grande parte do trabalho foi levado em direção da conscientização do povo do meio rural sobre suinocultura, colocada em primeiro plano, havendo esse serviço despendido 1.020 horas dedicada à essa ramificação da área agrícola. Já a conservação de solos vem logo em seguida. Para a conservação de solos foram gastas 630 horas de aplicação de conscientização da necessidade de tal procedimento sob pena de transformação num deserto uma vez não observadas as regras gerais o que deve ser plenamente aceitável pelo agricultor. No terceiro plano vem o cooperativismo, exemplificando sua necessidade e as vantagens do seu desenvolvimento. O plantio do trigo vem logo em seguida, norteando o trabalhador rural a operar, obtendo um excelente rendimento da área de plantio. A ação comunitária consta em 5º lugar do trabalho desenvolvido e, a soja está relegada ao sétimo lugar de uma lista de 11 itens (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
O relatório evidencia o privilégio dado, em boa parte das atividades, ao
treinamento das novas técnicas e o direcionamento das atividades à especialização.
Como pode ser observado em documento direcionado aos agricultores pelo
Banco do Brasil S.A., divulgado pela Rádio Difusora, os agricultores são informados
de que os atingidos pelas frustrações só seriam atendidos pelo crédito especial caso
encaminhassem suas propostas com antecedência. O comunicado revela a trama
burocrática que envolve o pagamento do benefício.
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COMUNICAÇÃO AO PROAGRO DEVE SER FEITA COM ANTECEDÊNCIAS O não pagamento do PROAGRO [...] se dá com a verificação de já haver sido iniciada a colheita e, para que não se enganem os agricultores, a importância está numa verificação prévia e a realização do laudo do PROAGRO antes de mexer na lavoura (Frente Ampla de Notícias, v. 41, 16.01.78 a 23.02.78).
E ainda no contexto: FINANCIAMENTO PARA TRITICULTORES PREJUDICADOS POR ADVERSIDADES CLIMÁTICAS O Banco do Brasil S. A., comunica aos seus clientes que financiaram custeio de trigo safra/77 e que tiveram suas colheitas prejudicadas por adversidades climáticas, a instituição de linha de crédito especial, a título de ajuda de custo, à razão de Cr$ 450,00 por hectare financiado. As propostas deverão ser apresentadas a partir do dia 15 até o dia 31 do corrente mês. Os que foram assistidos através da cooperativa local, deverão dirigir-se à mesma para obtenção de tais benefícios (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78)
Os bastidores revelam a adoção de medidas estudadas para solucionar ou
amenizar os problemas advindos da modernização, o que reflete na estrutura das
pequenas propriedades do município. Descobrir alternativas para a pequena propriedade rural constitui-se, hoje, importante desafio, não só para os produtores, mas também para as cooperativas, os sindicatos e outras organizações e, forçosamente, para os agrônomos e técnicos e para os poderes públicos em todas as esferas da administração (BRUM, 1983, p. 190).
Assim, os problemas surgidos com a mecanização agrícola afetaram as
pequenas e médias propriedades agrícolas e passam a ocupar o cenário das
preocupações dos produtores, cooperativas, técnicos, agrônomos e sindicatos que, em
conjunto, buscam alternativas para a situação, muitas vezes pautadas na diversificação
da produção. Isto sinaliza para a idéia de que a especialização e a produção para
exportação provocaram estragos irreparáveis nas pequenas e médias propriedades?
Sugere-se então o retorno ao período inicial da colonização, quando a policultura era o
meio através do qual as famílias dos agricultores obtinham seu sustento?
3. OS EFEITOS DA ESPECIALIZAÇÃO NA DEGRADAÇAO SÓCIO-
AMBIENTAL: NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇAO DA PRODUÇÃO
3.1 A ADOÇÃO DE INSUMOS FÍSICO-QUÍMICOS E A DEGRADAÇÃO SÓCIO-
AMBIENTAL
As estratégias das indústrias se estendem em direção ao aumento das
vendas, visando garantir a lucratividade de seus investimentos. Por outro lado, a
agricultura ainda convive com as incertezas climáticas, provocadas, principalmente
pelos períodos de estiagem ou de chuvas intensas. Todo o aparato tecnológico canaliza
sua atenção para o lucro, desprezando as ações danosas que este provoca ao meio
ambiente. Segundo BRUM, a indústria obteve benefícios com o progresso técnico-científico, enquanto a agricultura tem colhido frutos menores e ainda não conseguiu livrar-se de suas duas fraquezas básicas, que lhe aumentam o risco e a vulnerabilidade: os flagelos climáticos – secas, geadas, excesso de chuvas, granizo, etc. – que não aprendeu a prever com grau satisfatório de antecedência e exatidão, e os flagelos biológicos – doenças, pragas, etc. – para as quais não descobriu até agora métodos eficientes e eficazes de prevenção ou de cura, sem atentar contra a natureza (BRUM, 1983, p. 41).
Na região do Extremo Oeste são muitos os estragos provocados: rios e
animais são contaminados, inclusive o próprio agricultor. Este é um procedimento
inconseqüente, com resultados nocivos à natureza e ao ser humano. Mesmo assim, o
uso dos chamados “defensivos” ainda continua. Mas, sabemos que todos estes
acontecimentos transformadores identificados na região possuem suas raízes centradas
nas propostas implantadas pela “Revolução Verde” que, na prática, atendeu
principalmente aos interesses econômicos do capital, sob a “falsa” justificativa da
ampliação de alimentos para o mundo: Atrás dos aparentes objetivos generosos e humanitários da “Revolução Verde” ocultavam-se poderosos interesses econômicos. A “Revolução Verde” configurou-se em recurso para ampliar, a nível mundial, a venda de insumos agrícolas modernos: máquinas,
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equipamentos, implementos, fertilizantes, defensivos, pesticidas, etc. Sem dúvida, esta foi uma forma inteligente de os grupos econômicos internacionais realizarem a expansão de suas empresas e de seus interesses com extraordinária rapidez e eficiência (BRUM, 1983, p. 65).
No que se refere à utilização dos defensivos agrícolas, para Guareschi o
argumento é maquiado e legitimado a partir da idéia de “novidade”. E o novo é
apresentado como “remédio” com o qual se resolveriam todos os problemas de
produção. Essas inovações seriam também as causadoras de novos problemas surgidos
no espaço modernizado, ou seja, um dos primeiros passos da revolução tecnológica consistiu na colaboração, de uma maneira universal e absoluta, do novo adubo orgânico, dos novos fertilizantes, das novas máquinas, dos novos inseticidas, como remédios miraculosos para o desenvolvimento, ou melhor, para o subdesenvolvimento do Terceiro Mundo (GUARESCHI, 1985, p. 22).
A forte presença de insumos nas práticas agrícolas provoca impactos no
meio ambiente. Segundo KAGEYAMA, o uso continuado de inseticidas e fungicidas não só levou ao aparecimento de fenômenos de resistência, mas a multiplicação de pragas. A cultura de soja é o exemplo mais claro deste processo. No caso de herbicidas, a pauta de defensivos se rigidifica pelas mudanças na base técnica e, conseqüentemente, pelos efeitos do uso destes produtos sobre o mercado de trabalho, em muitos casos de culturas que se utilizam fundamentalmente do trabalho volante (1987, p. 33).
Os acompanhamentos constantes das atividades agrícolas pelos
representantes da Secretaria da Agricultura criaram um canal direto de comunicação
entre Estado e agricultores. Isso fica visível nas solicitações realizadas pela população
e encaminhadas à Câmara Municipal, quando é detectada a presença de algum tipo de
praga na lavoura. Essa aproximação entre as duas instâncias serviu de estratégia para
transformar a preocupação em solução, por meio da adesão do agricultor ao uso de
insumos físico-químicos: SOLUÇÃO PARA O CASO DA ENERGIA ELÉTRICA Outro caso que mereceu atenção ontem à noite na reunião da Câmara é a preocupação popular em torno da disseminação das pragas que atacam o soja e a mandioca. Será procurada solução junto à Secretaria da Agricultura e a colaboração de entidades ligadas ao setor agrícola local (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
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Sobre os incentivos dados ao uso excessivo de herbicidas, fungicidas e
inseticidas (homicidas?), podemos destacar os problemas que assolaram o Paraná,
onde o modelo adotado se apresenta de forma mais sistematizada: o solo, os rios e o
próprio homem foram contaminados de tal forma pela necessidade de aumento no uso
tanto de fertilizantes quanto de insumos químicos que a qualidade de vida das pessoas
que moram nestas regiões foi afetada drasticamente, gerando problemas sócio-
ambientais incalculáveis à primeira vista.
Nesse sentido, cabe mencionar os problemas que os agricultores
enfrentaram com as chamadas formigas “mineiras”. No Rio Grande do Sul, essas
formigas atacavam as lavouras e também as hortas, causando uma verdadeira
devastação nas plantações, nas verduras e nas flores. Tamanha era a preocupação, que
os agricultores trouxeram junto com sua mudança um “fumegador”, para se
precaverem do ataque desse tipo de insetos no município. Assim, quando detectaram a
presença dessas formigas, o alerta foi geral: COMBATE A FORMIGA MINEIRA Os vereadores Rudi Steolben e Lauro Weirich requereram ontem urgentes providências no sentido de proceder-se a um combate sistemático à praga da formiga que está crescendo de intensidade no município. A Região mais atingida é a de Mendes. É necessário um combate sistemático a essa praga para que não se produzam maiores prejuízos e não se alastre para areas onde ainda não se conhece esse mal. A prefeitura vai tomar as providências que se fazem necessárias (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
O medo causado pela presença de formigas mineiras na região chamou a
atenção dos vereadores e, logo, houve a preocupação em eliminar estes insetos,
considerados no discurso como verdadeiras pragas. A solução apresentada foi a
utilização de veneno. Isso facilitou a incorporação de agrotóxicos nas atividades
agrícolas, sem contestação.
Em outra notícia jornalística intitulada “Visita de Representante da
Secretaria de Agricultura”, observamos que a preocupação com os produtos cultivados
abrangia órgãos mais distantes, mas que na prática estavam extremamente próximos,
controlando as ocorrências verificadas no campo. Seus objetivos eram desenvolver e
ampliar a produção. No que se refere ao caso das pragas da lagarta da mandioca e da
107
soja, estas eram combatidas, muitas vezes, pela própria família dos agricultores que
caminhavam pelas fileiras do mandiocal, cortando as copas das plantas, procurando
assim evitar que a lagarta se alastrasse. VISITA DE REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE AGRICULTURA Numa das ultimas sessões ordinárias da Câmara Municipal desta comuna vários vereadores alertaram para a proliferação da lagarta da mandioca e da soja, com prejuízos para os produtores (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
Os sucessivos ataques das pragas tornam-se motivo de preocupação e a
rádio local abre um espaço para que agricultores possam expor as dificuldades
enfrentadas com as pragas. Cabe lembrar que as programações direcionadas para o
público rural facilitaram o contato com os agricultores. E para evidenciar a
interferência desses discursos no incentivo ao combate da lagarta através do uso de
agrotóxicos, na notícia “Rugão ainda por aí” temos a seguinte fala: “É necessário que
todos colonos estejam já de antemão munidos de venenos no caso destes rugões virem
bater sobre suas lavouras”. Nesse sentido, verificamos a incorporação do uso de
veneno, e não de soluções naturais, para o combate às lagartas. Dias atrás, tivemos oportunidade de anunciarmos, sobre o rugão como é mais conhecido, e que a permanência nas lavouras vinha se tornando prejudicial. Julgávamos mesmo que somente este espécime era considerado sua existência em um local já anteriormente citado por nós, como sendo as adjacências do Estádio do Botafogo. Hoje aconteceu o imprevisto, o que não gostaríamos que tivesse acontecido. Chegaram à nossa redação os senhores Hugo Freitag e Arlindo Solf, residentes no Arroio Fundo, e que trouxeram consigo vários desses espécimes que muito prejuízo vem causando principalmente nas plantações de mandioca. Nos trouxeram toda a escala de sua metamorfose, ou seja a sua transformação. Desde o mais novo deste inseto nocivo, até quando já existe a possibilidade do mesmo conduzir-se com o apoio das asas. Assim pudemos dizer, “Muito prazer, rugão, pois ficamos conhecendo todas as fases de sua maligna vida”. Dizem-nos os visitantes que plantações de mandioca no Arroio Fundo foram arrasadas pela praga. Um fato curioso: [...] de acordo com proprietários daquela região, desde onde se criam, nos mandiocais, sua fome voraz é tida somente no sentido do Oeste para Leste, pois de onde se criam partem em busca da alimentação somente para o lado do sol nascente. Segundo nos informaram, deve-se de imediato quebrar o tronco de onde os insetos tiram suas parcelas de comida, pois caso contrário as plantações seriam prejudicadas ainda mais com uma peste que viria prejudicar sua lavoura. Com a quebra dos troncos da mandioca prevê-se daí um retardo nas plantações. É necessário que todos colonos estejam já de antemão munidos de venenos no caso destes rugões virem bater sobre suas lavouras (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
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Visualizando alguns pormenores desta notícia, percebemos que as relações
de proximidade entre rádio e público são estreitas, de tal maneira que os agricultores
apanharam algumas lagartas e levaram-nas à emissora, bem como detalharam o
processo de reprodução do inseto e os danos que causam à plantação de mandioca. Os
agricultores demonstram alto grau de conhecimento sobre a devastação provocada pela
lagarta, explicando, inclusive, a direção que a mesma segue quando de sua
alimentação, ou seja, o sentido Oeste-Leste. Uma das soluções apresentadas pelos
agricultores no combate à praga, consistia na retirada da copada da planta. Utilizando
esta técnica, o desenvolvimento da praga seria retardado. Na seqüência, foi sugerido
aos agricultores que tivessem à disposição inseticidas para o combate ao “rugão”.
Nesse sentido, a fala determina como solução para o problema o uso de venenos e sua
estocagem na propriedade, tendo em vista a prevenção contra um possível ataque.
Os resultados provenientes do uso contínuo de venenos são inúmeros. Mas
os discursos em torno destes problemas e em torno da exaltação do uso dos
agrotóxicos revelam-se de acordo com determinados interesses.
Nesse caso em especial, queremos apresentar dois discursos relativamente
opostos. O primeiro foi ao ar em 1974; já o segundo, foi apresentado em 1975. Mas,
qual seria a novidade depois de tantos discursos apresentados? Ora, na notícia
divulgada em 1974, o tema central referiu-se às intoxicações ocorridas em grande
escala na região. Sobre esse assunto, foram tecidos alguns comentários pelos
engenheiros agrônomos e técnicos vinculados à cooperativa e à ACARPA. Na leitura
feita pelo engenheiro a respeito dos fatos ligados às intoxicações, este “taxou
veementemente de imprudência o que vem acontecendo, de pessoas levadas aos
hospitais devido à intoxicação...”. Cabe ressaltar que a forma mais comum utilizada no
envenenamento das pragas ocorria a partir de um pulverizador costal com um pequeno
tanque e uma mangueira, que, acionado por um motor, jogava veneno a uma distância
de até 20 metros. O equipamento trazia também, acoplada, uma mangueira com 30
metros de comprimento, perfurada, que era utilizada para o uso do veneno em pó. As
atividades que envolviam o envenenamento em pó utilizavam a mão-de-obra de toda a
família, inclusive das crianças. Assim, foram muitos os casos de mortes causadas por
envenenamento e eram comuns os acidentes graves com crianças e adolescentes.
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ENGENHEIRO FALA SOBRE ENVENENAMENTO OCASIONADO PELA PULVERIZAÇÃO OU POLVILHAÇÃO DA SOJA Os últimos acontecimentos relacionados à intoxicação durante a pulverização ou polvilhamento da soja, vêm chamando a atenção de engenheiros agrônomos ou técnicos agrícolas de nossa região, especialmente da ACARPA e Cooperativa [...]. O engenheiro agrônomo que taxou veementemente de imprudência o que vem acontecendo, de pessoas levadas aos hospitais devido à intoxicação, disse ter se deparado há poucos dias com crianças de até 8 anos efetuando esse serviço, caminhando atrás do trator que estava passando inseticida, estando já o menor, com os cabelos e roupa brancos de pó. Inquirindo a criança a respeito, a mesma respondeu que não fazia mal. Isso não pode acontecer e o engenheiro apavorou-se com a resposta da criança que talvez nem estivesse sabendo com o que estava lidando (Frente Ampla de Notícias, v. 19, 21.09.73 a 04.03.74).
No ano de 1975, temos a outra notícia, divulgada com grande ênfase.
Tratava-se da instalação de uma empresa no município que dispunha para venda uma
“poderosa arma para a agricultura”: um pulverizador, denominado de “Canhão”. UM CANHÃO PARA A AGRICULTURA A Mercantil e Industrial G.K. Ltda, pelos seus dirigentes levaram nossa reportagem até as instalações da bem organizada empresa, para uma demonstração especial na manhã de hoje de uma poderosa arma para a agricultura, no combate às pragas. O objeto de uso agrícola se denomina mesmo CANHÃO e, acoplado a um trator agrícola, presta serviços espetaculares. [...] O novo e moderno implemento, cujo reabastecimento é automático, demorando apenas 4 minutos será utilizado na lavoura, sem causar o amassamento de plantas, aplicando inseticidas ou herbicidas com um jato que atinge mais de cem metros, à partir do rodado da máquina. [...] sem nenhuma modificação, o equipo pode ser utilizado em qualquer tipo de cultura. A máquina, segundo técnico pode ser utilizada substituindo a pulverização aérea e tem múltiplas utilidades com adaptações, quando a pessoa terá à disposição um esguicho para a lavagem de carro ou maquinário ou eventualmente para apagar um incêndio. Diretores da Mercantil e Industrial G.K., nos convidaram e especialmente os senhores agricultores para uma demonstração. [...] O baixo custo e o total financeiro colocam o novo equipamento à disposição do homem do meio rural (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).
Imediatamente são elencados os “benefícios” do novo equipamento junto às
propriedades: não danifica as plantas, joga o veneno a longa distância e serve para
todos os tipos de cultura. Mas, o argumento perigoso reside na informação dos
técnicos, quando afirmam que o equipamento poderá executar atividades semelhantes
à pulverização aérea. As exaltações ao novo equipamento não param e afirmam ainda
que, com algumas adaptações, o pulverizador será de grande utilidade na “lavagem de
carro”, “maquinário” ou “eventualmente para apagar um incêndio”. Para despertar o
110
interesse dos agricultores, o discurso chama a atenção para as recomendações técnicas,
as múltiplas utilidades do equipamento e a facilidade na obtenção do mesmo, pois,
poderia ser totalmente financiado.
Os dois discursos revelam contradições discursivas. No primeiro (1974), o
agricultor é taxado pelos técnicos de irresponsável e teimoso por não tomar os
cuidados adequados para evitar a intoxicação, tanto sua quanto de sua família. No
segundo (1975), temos novamente a fala dos técnicos, mas, desta vez, enaltecendo o
equipamento chamado canhão e, para isso, usam o poder que a formação técnica lhes
oferece. O uso do equipamento é recomendado tanto para a lavoura como nas
atividades domésticas, tais como a lavagem de carros e outras atividades. Estas
atividades, no entanto, colocam a vida do agricultor em perigo, já que os agrotóxicos
mais comuns aplicados nas lavouras naquele período eram o Gamelhar (em pó) e o
LVC (líquido). Este último era sistêmico, permanecendo por muito tempo junto à
planta. Quando aplicado à soja, grudava em suas folhas, obrigando o agricultor a
diminuir o ritmo na tarefa de arrancar o mato e, em certos casos, impossibilitava a
passagem, feita a pé, entre a plantação. Essa atividade era concluída somente após a
queda das folhas da planta.
Como podemos ver, a preocupação com a saúde do agricultor esbarra nas
necessidades de venda de equipamentos industrializados. Em determinados casos, o
produtor é acusado de imprudência por utilizar-se de equipamentos que colocam em
risco sua saúde e de sua família. Em outros momentos, porém, as pessoas com
formação técnica incentivam a utilização destes mesmos equipamentos. Os discursos,
dependendo dos interesses, seguem caminhos opostos. O regime militar brasileiro muito se aproveitou dessas ambigüidades quando no início da década de 70 mandou publicar no Le Monde de Paris o seguinte anúncio publicitário: “Industriais, venham poluir em nosso país, pois ainda é autorizado” (GONÇALVES, 1984, p. 40).
Esta falta de fiscalização das atividades ligadas ao controle de pragas feito
através de insumos físico-químicos, favorece a proliferação de produtos e
equipamentos importados, devido às vantagens oferecidas a este tipo de atividade
industrial em solo brasileiro. A teoria nos dá a lente para enxergar o objeto deste
111
contexto. Para MARTINE, a imagem do novo, do técnico, do moderno, do empresário, tudo que representa um obstáculo ao “moderno” deve ser rejeitado, desprezado ou atacado. Os meios de comunicação de massa quase nada dizem a respeito de outros tipos de movimentos ou grupos de interesses no campo, a não ser para criar o temor da desordem, da bagunça, da ilegalidade e da ameaça representada por eles (MARTINE, 1989, p. 49).
Os discursos elaborados para atender aos interesses de determinados
grupos, após serem transmitidos, são gerenciados e aplicados à pratica de interesses de
outros, causando os problemas ecológicos decorrentes de um processo de modernização desenfreada, provocados pela monocultura acompanhada da aplicação quase indiscriminada e em doses excessivas de fertilizantes e defensivos químicos, envenenando perigosamente o solo e as águas, ameaçando a flora e a fauna, numa agressão brutal à natureza que põe em perigo o equilíbrio do meio ambiente e a própria vida humana (BRUM, 1983, p. 106)
Há um controle e uma ordem centralizada que protege a ação dos bancos e
a comercialização de agrotóxicos, e que interferem, também, nos parâmetros
controladores dos preços pagos aos produtos agrícolas. De acordo com BRUM,
“Quem mais ganha, sempre, são os bancos, as indústrias de insumos e de
transformação, que controlam a comercialização, influenciando os preços tanto do que
o produtor rural compra como do que ele produz e vende” (BRUM, 1983, p. 107).
Ao tratar sobre o abastecimento de hortifrutigranjeiros para Foz do Iguaçu,
o Secretário da Agricultura, Paulo Carneiro, comentou sobre os impactos que seriam
provocados com a construção da Hidrelétrica de Itaipu refletindo diretamente no
abastecimento de produtos para a região. Assim, sob orientação do Departamento de
Produtividade da Secretaria, foi organizada uma comissão representada pela Itaipu
Binacional, Ministério da Agricultura e outros órgãos, para garantir o abastecimento.
Dessa forma, a situação discursiva, ao direcionar o foco para a realidade rondonense,
revela as precárias condições do abastecimento de hortigranjeiros e, ao mesmo tempo,
fala-se da falta de frangos para o consumo. Isso indica que a agricultura tecnificada
absorveu o trabalho do agricultor, não restando mais tempo e espaço para estas
atividades. Com isso, a cidade passa a sentir a carência destes produtos. Lembrando
que, com a fase inicial da modernização aconteceu a retirada da mata, das pastagens e
112
das hortas, espaços que foram sendo substituídos e ocupados pelo plantio da soja ou
trigo. Na época, foi estimulada a oferta de produtos enlatados para o consumo; assim,
alguns agricultores passaram a consumir legumes e até frutas, enlatados, chegando até
ao absurdo de comprar alguns produtos, tais como mandioca, em mercados. Por tratar-
se de 1975, período em que o modelo encontrava-se consolidado, ocorre o crescimento
da população urbana. Esse aumento se deu em detrimento das exclusões no campo.
De fato, quando se diz que não há peixes em conseqüência da limpeza de
pulverizadores de veneno junto aos córregos, considerando essa ausência um traço
“normal”, tem-se uma idéia clara da dimensão assumida pelo impacto ambiental.
Destacando “a região não possui frutas e os rios e riachos tiveram os peixes abatidos
pela ação avassaladora de inseticidas, conseqüência normal da lavagem de
equipamentos ocupados na lavoura para a aplicação de veneno”. Na seqüência, a
carência de “hortigranjeiros foi atribuída à especialização que desestabilizou a mão-de-
obra da família”. Logo, o discurso recebe outra dinâmica, justificando que se há terra e
pessoas para trabalhar porque não se retoma à atividade. Os agricultores são
questionados: como “um povo tão trabalhador” permite a extinção de hortas escolares
ou a dependência com relação ao fornecimento de alguns produtos, provenientes de
regiões distantes e com preços elevados. É óbvio que o rumo final da fala sustenta-se
na preocupação com a saúde dos que consomem esses produtos e com os seus preços;
o trajeto final recomenda o retorno do cultivo de tais produtos. ABASTECIMENTO PARA ITAIPU Não possuímos especialmente em Marechal Cândido Rondon, granjas de coisa alguma que possam subsistir ao consumo de uma cidade sequer. Não se tem conhecimento de uma granja de galinhas devidamente organizada; não se pode destacar ninguém que se dedique a atividade hortigranjeira de espécie alguma, de maneira destacada. A região não possui frutas e os rios e riachos tiveram os peixes abatidos pela ação avassaladora de inseticidas, conseqüência normal da lavagem de equipamentos ocupados na lavoura para aplicação de veneno. A malfadada monocultura prejudica e preocupa com o que vem acontecendo agora, enquanto que a atividade horti-fruti-granjeira que absorve mão de obra da própria família do meio rural está parada e por outro lado auxilia a união da própria família [...]. O marasmo em um povo tão trabalhador onde nem sequer hortas escolares funcionam à contento e as populações citadinas das sedes municipais e distritais se vêem obrigadas a pagar somas aviltantes para ter à mesa verduras e legumes que poderiam vir da nossa terra e que vem de longe (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).
113
A argumentação toma partido daquilo que divulga, ou, em termos mais
enérgicos, age de acordo com as condições e condutas que quer formar. Portanto, em
alguns casos pode criticar as conseqüências dramáticas da especialização que gera a
falta de legumes; e em outros pode questionar a morte dos peixes. Para evidenciar a
oposição entre falas, temos como exemplo o discurso jornalístico intitulado “Mercantil
G.K. vai dar um Tiro nas Pragas”. A começar pelo seu título, os argumentos anteriores
tratando dos peixes mortos, são postos entre parênteses. Logo, aquilo que era perigoso,
torna-se produto a ser divulgado junto ao público. MERCANTIL G.K. VAI DAR UM TIRO NAS PRAGAS A empresa fará a demonstração de um verdadeiro canhão para a agricultura [...], o novo produto colocado à disposição dos prezados agricultores [...], acompanhada de uma gelada cervejinha aos presentes (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).
Fato curioso: o combate às pragas, recebeu a ajuda até de benzedores ou
benzedeiras. O noticiário expõe sutilmente o tema: os lavradores, ao presenciarem
grande população de pragas como lagartas, desviaram-se do padrão de combate
tradicional por meio de inseticidas — de acordo com as coordenadas indicadas por
agrônomos e técnicas agrícolas, tais como a devida cautela no uso desses recursos
químicos — e solicitaram o “auxílio” de um benzedor. Os trabalhos executados com
base em promessas miraculosas no combate às pragas foram feitos através de práticas
ritualizadas, por meio de pagamento. POLUIÇÃO DAS ÁGUAS POR VENENO Disseram que pessoa benzedeira, independente do tamanho da lavoura, cobra uma quantia razoável [...] de trezentos cruzeiros pelos seus passes de mágica e outras coisas [...]. Não estamos duvidando e nem abusando, pois trata-se de um caso de fé. Mas o problema reside aí: SERÁ QUE OS INSETOS E AS LAGARTAS TÊM FÉ?(Frente Ampla de Notícias, v. 31, 10.12.76 a 26.01.77).
As ocorrências relacionadas à poluição de rios e açudes eram uma constante
durante a implantação e consolidação da tecnificação no campo. Nestes casos, os
atritos entre vizinhos aumentavam. O resultado consta nas permanentes denúncias:
muitos agricultores eram acusados de lançar veneno nas águas dos rios quando eram
executados os trabalhos de abastecimento ou reabastecimento dos pulverizadores.
114
Cabe lembrar que os pulverizadores eram equipamentos que possuíam tanques
adaptados ao trator. Um desses primeiros modelos adotados usava um sistema no qual
a água do rio circulava acionando a sucção da água. Com tal sistema o efeito da
contaminação estava nesse caso associado ao próprio funcionamento do equipamento e
não na imprudência do agricultor.
Para entender as constantes trocas de acusações entre agricultores, seria
preciso mostrar dois discursos caracterizando dois momentos discursivos. Assim, no
primeiro, o agricultor foi acusado e julgado pela conduta; no segundo esse agricultor
buscou esclarecer a situação da qual foi acusado. Vejamos.
O agricultor José Statkewski foi acusado de ter tomado uma atitude
irresponsável ao poluir a nascente de sua propriedade. Na ocasião, o equipamento
utilizado seria um pulverizador de sucção, contendo inseticida que estava sendo
aplicado na lavoura cultivada com soja. A argumentação considerou desleixada a ação
do agricultor, indo além ao mencionar a possibilidade de um efeito cascata, pois a
contaminação teria atingido o açude situado nas terras de Antônio José Traceczynski,
vitimando os peixes ali criados. Mas a ameaça da nascente poluída estaria deslocando-
se para outra propriedade, a de Oscar Kaefer, situada a jusante. Esta propriedade
contava com 600 bovinos que bebiam desta água. Além disso, Antônio José
Traceczynski “cuidava”, para outro vizinho, de 17 bovinos e suínos sob sua
responsabilidade. A fala do Delegado Alberto Mayer sustenta a idéia de que as
denúncias recebidas tratando da poluição com venenos depositados nos rios e açudes
eram constantes. Conforme o delegado, os fatos apurados eram encaminhados ao
IBDF para que fossem tomadas as devidas providências. No discurso, falou-se dos
crimes contra a natureza, além do irredutível trabalho dos técnicos. Mas este tipo de
fundamentação já foi observado em outros discursos: como já foi visto, os técnicos
recomendavam, por exemplo, o uso do “canhão” no combate às pragas; além disso, de
acordo com os técnicos, o sistema de sucção que age em contato com água não seria
um problema causado pelo fabricante. POLUIÇÃO DAS ÁGUAS POR VENENO Denunciada ontem à tarde uma ação pouco cautelosa na propriedade do Sr. José Statkewski, junto ao São Francisco, no interior do distrito de Margarida. A utilização
115
desleixada de equipamento e manejo no uso de inseticidas, principalmente por ocasião da sucção de água para mistura ideal, de grande utilização em lavouras de soja, poluiu a nascente de água nessa propriedade, que veio a contaminar o açude nas terras do senhor Antônio José Traczynski, matando os peixes que ali tinham seu viveiro [...]. Segundo o Delegado Alberto Mayer, é grande o número de denúncias sobre poluição de rios, riachos, açudes e olhos d’água [...]. Uma outra fonte informou que os fatos serão levados ao conhecimento do IBDF que deverá destacar um fiscal para fazer levantamentos [...] dos danos que causam todos os anos esse agentes poluentes [...]. Técnicos agrícolas não se cansam de alertar para o perigo, e que muito propositadamente ou não, procuram ignorar (Frente Ampla de Notícias, v. 31, 10.12.76 a 26.01.77).
Contudo, observa-se uma total reviravolta dos fatos: o agricultor José
Statkewski, ao tomar conhecimento das acusações, entra em contato com a redação da
emissora de rádio, para dar uma nova versão do que havia acontecido. Mas
especificamente, o agricultor afirmou não ter praticado a contaminação da vertente
com inseticidas, muito menos ser responsabilizado pela morte dos peixes no açude de
Antônio José Traczynski ou da possível contaminação das águas do açude de Oscar
Kaefer. José Statkewski informou que passou inseticida na lavoura de soja no dia 13
de dezembro, o que já dava uma boa margem de tempo. Além disso, o agricultor alega
que dispensa a bomba de sucção, pois entende que a mesma entra em contato com o
veneno e assim contaminaria as águas. É por isto que o agricultor enfatiza ser também
usuário desta água para consumo doméstico, ou seja, a sua família fazia o consumo da
água, portanto não seria ele o causador da poluição, pois na sua propriedade as vítimas
seriam seus familiares. Reforça ainda que instalou uma bomba que não entre em
contato com o veneno quando do abastecimento e, portanto, não admite ser acusado e
responsabilizado pelo que não cometeu. José Statkewski lembrou que mais produtores
faziam uso da água com o mesmo objetivo. Quando inquirido se teria algum suspeito,
o mesmo reportou-se à falta de provas e, por este motivo, não poderia citar nomes,
cobrando as provas da acusação feita publicamente a sua pessoa.
O agricultor finalizou ser sabedor de muitos casos semelhantes e favorável
a uma tomada de atitude em benefício da preservação da natureza, tanto no campo
como na cidade. STATKEWSKI REFUTA SEU ENVOLVIMENTO NO CASO DA CONTAMINAÇÃO José Statkewski compareceu à redação deste noticiário para desmentir seu envolvimento na contaminação da vertente por inseticidas, e que fosse responsável pela morte dos peixes no açude do Sr. Antônio José Traczynski e estaria ameaçando contaminar, por
116
extensão, o açude da propriedade do Sr. Oscar Kaefer. Aquela nascente fornece água para todos os açudes. José Statkewski disse que a última vez que passou inseticida na soja, foi dia 13 deste mês e que dispensa a bomba de sucção do pulverizador, tendo [...] instalado uma bomba especial. Diz ele que a bomba de sucção do pulverizador [...] contaminada pelo inseticida, por sua vez contaminaria a água, e como utiliza aquela vertente para o consumo doméstico seria incoerente envenenar, pois poderia ser, ele ou seus familiares, a vítima. Para não correr o risco instalou uma bomba que não entra em contato com o inseticida, e por isso garante Statkewski, não é ele o culpado pela dizimação da fauna aquática do açude do Sr. Antônio José Traczynski (Frente Ampla de Notícias, v. 31, 10.12.76 a 26.01.77)
Novamente temos dois discursos, no primeiro as denúncias em torno dos
envenenamentos das águas ocupam o cenário noticioso de forma irredutível, as
acusações tratavam da excessiva e descontrolada intoxicação e morte dos peixes. Esta
denúncia envolve o agricultor Ervino Storck. Na ocasião, o fato foi levado ao
conhecimento do Departamento de Recursos Naturais Renováveis da Secretaria da
Agricultura e os fundamentos da acusação foram estruturados no envenenamento das
águas do Arroio Arara. Novamente o deslocamento da poluição atinge outra
propriedade situada a baixo de João Risse. Ao que tudo indica, o agricultor foi
multado. De acordo com os arquivos da emissora de rádio, foram constatados outros
casos de contaminação de rios. Vale dizer que os casos verificados continuaram sendo
apontados como elevados e que nem todos os casos foram apurados e os culpados
punidos. DENUNCIADO EXTERMÍNIO DE PEIXES POR VENENO Agricultor Ervino Storck foi denunciado no Departamento de Recursos Naturais [...] da Secretaria da Agricultura por haver introduzido defensivo agrícola no arroio Arara, atingindo as águas que margeiam a propriedade de [...] Risse, em Linha Arara. Verificou-se no local uma grande quantidade de peixes mortos, certamente em razão do envenenamento por mau uso do equipamento utilizado para pegar água no arroio. Além da multa, uma série de transtornos [...] ao infrator que responde a processo. O Dr. Sanches, chefe do Departamento, esteve presente no levantamento realizado. Por outro lado, foram constatados mais dois casos, um em Campos Salles, onde seria responsável Mário Cóttica e [...] de Margarida, tendo sido apontado como transgressor Tadeu Czicza (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).
Vale a pena ressaltar, o segundo depoimento relacionado aos problemas
causados pela contaminação da água. Dessa forma, Tadeu Czicza e Mário Cóttica
procuraram a emissora solicitando esclarecimentos. Conforme o relato jornalístico,
eles teriam sido autuados por poluição das águas através de produtos químicos, mas
117
ambos negam que tal atitude tenha vitimado os peixes. Em detalhes, Cóttica informou
ter retirado água de uma “sanga cega” e foi advertido por um bilhete deixado pelos
fiscais da Prefeitura. Passados dois dias, o agricultor teria recebido um Auto de
Infração e foi efetuada a aplicação de multa pela Secretaria da Agricultura. O
agricultor insistiu no argumento de que após a advertência dos fiscais da Prefeitura,
não mais retirou água do rio. Dando continuidade à sua defesa, Cóttica contou que
ocupa água de outro córrego (Sanga Ouriço Preto) e que a captação da água era feita
por meio de um poço denominado de “ladrão”. De acordo com suas palavras, ele
mesmo fez a ligação de um canal de água do rio e, uma vez estando o poço cheio, o
canal era rompido. Essa técnica, segundo o agricultor, não provocaria poluição.
O mesmo agricultor enfatiza que as águas do referido rio foram poluídas em
outros momentos, vitimando os peixes, e esta prática teria sido efetuada por terceiros,
os quais não foram identificados. Sendo assim, os agricultores afirmam não serem os
responsáveis pelo envenenamento das águas. ESCLARECIMENTOS SOBRE O PROBLEMA DA POLUIÇÃO DE ÁGUAS Tadeu Czicza (Títia) e Mário Cóttica, estiveram ontem e hoje, respectivamente, prestando esclarecimentos com respeito à informação ontem divulgada neste espaço noticioso. Ambos foram autuados por poluição química, no entanto, negam [...]que este episódio tenha resultado na morte de peixes [...]. Na notícia ontem divulgada, não haviam sido responsabilizados [...]. Mário Cóttica, de Campos Salles, vai mais além, informando que retirava água de uma sanga para o serviço de pulverização, e que por isso, foi alertado por fiscais da prefeitura que deixaram um bilhete, informando que tal prática era proibida. Dois dias após, recebeu o Auto de Infração nº 15.849 da Secretaria da Agricultura, multando-o por esse motivo. Esclarece ainda que, após a advertência dos funcionários municipais, que lá estiveram pela primeira vez, não mais retirou água daquela sanga (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).
Contudo, a preocupação maior das autoridades estava direcionada ao
aumento da produtividade, sendo que os casos relacionados à contaminação do meio
ambiente ficavam em segundo plano. De fato, o Coronel Mario Stadler de Souza,
presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, esteve no município
proferindo palestra junto aos agricultores, através da qual manifestou o
descontentamento do órgão com relação à falta de uma estrutura consistente para a
agricultura, invocando a necessidade de maiores cuidados com a produção no campo.
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PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA HOJE EM NOSSA CIDADE Em sua palestra o Coronel Mario Stadler de Souza deu conta da insatisfação que a Federação da Agricultura do Estado do Paraná sente em ver que falta uma estrutura mais sólida para a agricultura, um respeito maior à produção rural (Frente Ampla de Notícias, v. 38, 10.09.77 a 21.10.77).
Diversamente do que aconteceu no campo, nas cidades a preocupação com
a intoxicação causada pelas distribuidoras de insumos surgiu bem mais tarde. Como
exemplo disto, podemos observar que a inspeção junto às empresas distribuidoras de
adubos e inseticidas, só era efetuada quando as denúncias de vizinhos de áreas afetadas
direcionavam as atenções da fiscalização para os estabelecimentos encarregados pela
venda de produtos agrícolas. Ora, a prefeitura aparece, no discurso, sensibilizada com
a causa da fiscalização permanente e fala em “proteger nossa comunidade dos perigos
que essas mercadorias passam representar”. Nesta manifestação de apoio à
fiscalização, no entanto, nem sequer são mencionados quais os perigos que esses
produtos poderiam causar ao agricultor quando este mantinha contato direto com os
mesmos.
Por outro lado, a instalação da Coral Fertilizantes foi impossibilitada pelas
manifestações de repúdio da população residente nas imediações, com base em
argumentos sustentados nas conseqüências danosas provocadas por sua instalação,
principalmente os perigos que tais produtos representariam para sua saúde. Em outros
termos, as firmas estabelecidas há mais tempo poderiam permanecer, mas seus
estoques de inseticidas não. Através das deliberações entre representantes municipais e
distribuidoras, a possível saída para o problema foi destinar uma área à margem do
perímetro urbano local, ideal, segundo a proposta, para a instalação de empresas que
atuavam no setor de vendas de insumos desta natureza. Mas esta proposta não saiu do
papel, pois ainda hoje esses produtos são vendidos em estabelecimentos comerciais
localizados no centro da cidade. INSPECÃO EM LOCAIS DE ACONDICIONAMENTO DE INSETICIDAS As empresas distribuidoras de inseticidas e adubos de Marechal Cândido Rondon sofrem a inspeção dos órgãos sanitários visando o bem estar de nossa população [...]. Tendo em vista as exigências dos moradores que se localizam perto das lojas que trabalham com artigos agrícolas, especialmente com inseticidas e adubos químicos, a Prefeitura local
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vem mantendo acirrada vigilância quanto aos problemas de poluição que possam apresentar, principalmente tomando as principais atitudes no sentido de proteger nossa comunidade dos perigos que essas mercadorias [...] representam (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
Toda a dimensão da poluição e seus efeitos nocivos à natureza e ao homem
despertaram preocupações constantes. Com isso, a criação de uma associação
preocupada com a situação do meio ambiente aparece como forma de contribuir para
direcionar as atividades relacionadas à questão ambiental no município. Estas
atividades incluíam o reflorestamento e o uso responsável dos insumos agrícolas. NO INÍCIO DO ANO, UMA ENTIDADE NOVA EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON A idéia de se fazer uma entidade que congregasse estes elementos interessados nos problemas da natureza, surgiu de um grupo de amigos [...], observadores das barbaridades que são cometidas diariamente com o ecossistema, e logo tomou um pequeno vulto, após a realização de vários encontros formais, onde, em conjunto foram discutidos os problemas e as possíveis soluções [...]. É inicialmente interesse da associação estudar uma forma de preservar as florestas ainda existentes no município, bem como estabelecer um programa de reflorestamento. A associação também se preocupa com o sistema agrícola, onde já foi amplamente discutido pelos participantes o mau uso de defensivos agrícolas, como inseticidas, adubos, herbicidas e outros, [...] onde o agricultor muitas vezes, além de destruir a fauna, põe em perigo a sua própria vida e a de seus familiares (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
A expansão da especialização, já consolidada no final da década de 1970,
provocou, portanto, o surgimento de preocupações relacionadas à conservação da
natureza. Mas, esse processo estimula práticas agrícolas estabelecidas nas regras do
mercado e tal sistema prescinde de procedimentos tecnificados no combate às pragas.
Dessa forma, o universo da modernização foi deixando suas marcas, caracterizando os
problemas nascidos com o modelo. Não apenas o homem, mas as aves e animais
também são vítimas de intoxicação.
Vale dizer que as mortes por intoxicação aconteciam em todo o município.
Um exemplo concreto foi constatado no distrito de Entre Rios (atualmente município
emancipado). A vítima foi Anilson Massmann, adolescente de apenas 16 anos.
Durante a execução de atividades relacionadas ao combate de pragas, através do uso
de inseticidas na plantação de soja, o adolescente sentiu-se mal. Com isso, o jovem
retornou para casa e bebeu leite. Pensando estar bem, retomou as atividades
120
normalmente. No entanto, ao final das atividades, os sintomas da intoxicação
reapareceram, obrigando seu deslocamento ao hospital, aonde veio a falecer devido ao
agravamento de seu estado. Ao final do discurso, que enfatiza a questão de forma
trágica, são referenciadas as “atividades da área da agricultura” e a fala aponta para as
possibilidades de explicação para a morte: a recusa das informações e a possível falta
de esclarecimento sobre a atividade, bem como sobre os equipamentos de proteção
necessários para tal. VENENO NA LAVOURA FAZ MAIS UMA VÍTIMA São insistentes os apelos quanto ao uso por vezes indevido de defensivos agrícolas e que desde o início da era da mecanização vem ceifando vidas preciosas. Como se não bastasse a mortandade desenfreada de passarinhos, aves e animais domésticos e outros graves problemas enfrentados apesar de que técnicos tem dado conhecimento sobre os perigos, ainda acontecem fatos lamentáveis como estes (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
Para termos uma idéia mais clara dos problemas surgidos com a poluição
causada pelo uso de insumos agrícolas, embora já tenha sido bastante enfatizado, cabe
aqui reforçar com mais um exemplo a dimensão atingida por tais procedimentos,
quando o aumento das aplicações de veneno nas lavouras coincide com a falta de
chuvas. Em outras palavras, nesses períodos foi constatada a elevação de mortes de
pessoas e animais.
Neste cenário, as ocorrências são constantes, ocasionando impactos
ambientais diversos. Conforme a fala de um agricultor do distrito de Margarida, em
seu açude houve a morte dos peixes sem que o agricultor tenha feito qualquer contato
com objetos contaminados com veneno. O mesmo não soube informar com clareza as
causas, mencionou apenas uma remota possibilidade de estranhos terem ocupado a
água e conseqüentemente terem provocado a poluição. A divulgação de outros casos
multiplica-se, e, no mesmo noticiário, é veiculado outro acontecimento dessa natureza
verificado nas proximidades da sede municipal. O último caso despertou no agricultor
o interesse pelo exame da água, mas sua tentativa foi frustrada pela falta de recursos
no município para efetuar tal teste. A medida em que os filhos do agricultor foram
retirando os peixes, os encaminhamentos tomados envolviam a retirada e troca da
água, procurando assim retomar normalmente as atividades, pois a piscicultura era
121
uma forma de aumentar a renda familiar, principalmente no período da quaresma. O VENENO AGORA ATINGE AS ÁGUAS DE AÇUDES PROVOCANDO A MORTANDADE DE PEIXES Mesmo recebendo instruções em todo o sentido, esta época têm apresentado um quadro negro no que diz respeito a perda de vidas humanas e animais [...]. O fato não agrada muitos agricultores, especialmente aqueles que constróem açudes e ficam no aguardo do aumento de criação de peixes o que inclusive serve como fonte de renda em épocas certas como a quaresma. (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
A notícia anterior passou a receber, num segundo momento, maior riqueza
de detalhes sobre as causas que provocaram a morte dos peixes. Isto significa dizer
que mais uma vez as fatalidades ocorreram por motivos semelhantes, ou seja, a
poluição das águas via produtos químicos, só que desta vez o veneno causador das
mortes era em pó. Neste caso, provavelmente a contaminação estava vinculada à
localização da propriedade agrícola, situada num vale, e o veneno em pó, com a ajuda
do vento, foi lentamente depositado sobre as águas, ocasionando a contaminação e
morte dos peixes. Desse modo, como a distribuição de “defensivos” agrícolas não
respeita limites entre as propriedades, o veneno poderia ter sido lançado em uma
região próxima do açude. Cabe lembrar que próximo às lavouras estavam os rios,
hortas e pastagens e este processo se repetia em outras localidades. Constatou-se na
ocasião a morte de três mil quilos de peixes. Tendo em vista os acontecimentos, a
reportagem da emissora de rádio contatou um técnico agrícola, que informou que na
Europa esse tipo de veneno tem sua venda proibida há mais de dez anos. No entanto,
de acordo com o técnico, apesar de algumas restrições em nosso país, o uso era
permitido e a falta de controle e a negligência contribuíam para o agravamento do
problema. Sendo assim, o Brasil — assim como outros “países em desenvolvimento”
— aparece como canal para o escoamento de produtos fabricados por multinacionais
ligadas a países onde tais insumos agrícolas eram proibidos de serem utilizados. A
ação das multinacionais tem continuidade devido à lentidão causada pela burocracia. A
polêmica em torno do uso destes insumos, portanto, não impede a atuação destas
empresas no país, já que são estabelecidas medidas paliativas, entre elas o pagamento
de multas, como forma de manter as atividades do setor, mesmo que à custa de vidas
humanas. Isto retarda a adoção de providências mais sérias, pois os gastos das
122
empresas, com o pagamento destas multas, não interfere significativamente nos lucros
obtidos com a venda de insumos. 28 SACOS DE PEIXES ESTÃO SENDO ENTERRADOS Foi esse o resultado da mortandade de peixes no açude do Arroio Fundo entre as propriedades dos senhores Freitag e Dietrich como conseqüência da poluição ambiental pela pulverização de lavouras com defensivos em pó [...]. Outras informações a respeito deram conta de que o açude que fica numa baixada no Arroio Fundo ficou coberto com uma nata branca do veneno em pó o que prejudicou grandemente na formação de uma grande e talvez rendosa criação de peixes. Aproximadamente 3 mil quilos de peixes somente nesse açude do Arroio Fundo que foram colocados em 28 sacos e enterrados [...]. Fatos como estes estão prejudicando a natureza e depredando tudo aquilo que possa servir para a própria subsistência do ser humano (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
Além das notícias anteriores, outras informações são divulgadas sobre o
desastre ecológico que levou ao envenenamento dos peixes nas propriedades de Hugo
Freitag e Ehrard Dietrich. Tendo em vista os acontecimentos, ambos recorreram à
Prefeitura Municipal solicitando ajuda para a elucidação dos fatos. Mais uma vez, é
levantada a suspeita de que a morte dos peixes teria sido provocada pela aplicação de
veneno em pó na lavoura, cultivada com soja, situada nas proximidades. O laudo final
contabilizou a morte de 8.000 peixes, com peso aproximado de 3,5Kg cada um. Neste
contexto, a prefeitura providenciou o enterro dos peixes, utilizando, para tanto,
maquinário pesado — tal como as chamadas retro-escavadeiras — o que dá uma idéia
da dimensão do acidente. Em nome dos agricultores, os representantes da
municipalidade buscaram recursos para analisar a água e os peixes afetados,
estabelecendo contatos para uma possível solução do caso. Mas as tentativas se
limitaram a uma série de visitas a órgãos estaduais e federais. O resultado foi uma
coletânea de desculpas, priorizando a “falta de competência, a carência de meios
materiais ou humanos e a inexistência de laboratórios para a finalidade” (Frente Ampla
de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
Aos agricultores restaram os prejuízos e o estigma, sempre lembrado, de
terem sido atingidos por uma das maiores fatalidades de poluição ambiental já
verificadas no município. O valor dado pelos agricultores à criação dos peixes era tão
significativo, a ponto de, em determinados períodos, os mesmos se preocuparem em
liberar peixes do açude com o objetivo de repovoar diversos cursos d’água, vizinhos
123
dos açudes, tendo em vista a necessidade de amenizar os ataques à natureza. O término
da reportagem traz algumas respostas para os questionamentos levantados no presente
estudo. PEIXES MORTOS EM AÇUDE a) até quando serão permitidos a fabricação e venda de venenos altamente nocivos ao homem, ao gado, às aves, à micro fauna, aos peixes? b) quando haverá conscientização e efetiva observância quanto a correta aplicação de defensivos agrícolas? c) quando começarão as autoridades responsáveis pelo setor – hoje dispersas em um sem número de órgãos, sem coordenação – a estar presentes, aconselhando, fiscalizando, atuando enfim? (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
Em sua essência, os questionamentos sistematizam a omissão dos órgãos
responsáveis pelo controle e conscientização para uma futura resolução da
problemática. AGENTE FISCALIZADOR CONTA COMO VIU PEIXES MORTOS EM AÇUDE Se pode averiguar que se originou esta mortandade de carpas devido a aplicação nas redondezas de inseticidas em pó, de alto grau tóxico, à cultura de soja, que pelo vento deveria ter atingido as águas [...]. Haviam iniciado a criação de peixes em meados de 1975, tendo se orgulhado sempre mais quanto à rápida e satisfatória expansão do cardume, chegando inclusive, periodicamente, por iniciativa própria, a distribuir em diversos cursos d’água, em vários pontos do Município, regular quantidade de peixes, a fim de dar condições de procriação nos riachos, tentando colaborar assim na reposição da natureza, tão drasticamente em vias de destruição nos últimos anos [...]. Ao que parece a questão requer solução urgente e eficaz, antes que seja tarde demais (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
Os traços apresentados nos noticiários anteriores, no entanto, não surtiram
efeitos consideráveis quanto à necessidade de conscientização sobre os problemas.
Como exemplo disso, em 1979 ainda eram fortes e marcantes os prejuízos causados
pelo uso do veneno junto aos cursos d’água. Novamente é anunciada a ocorrência de
um acidente, desta vez no distrito de Entre Rios. Na ocasião, três agricultores
utilizaram a água de um pequeno rio e um deles teria provocado a poluição. À jusante
do rio residiam mais sete agricultores, os quais também foram prejudicados porque
usavam a água para seus animais. Restou-lhes o trabalho de coleta de milhares de
peixes mortos. A fala menciona os constantes apelos reclamando providências, mas, na
prática, poucas são as ações efetuadas com o objetivo de solucionar os problemas. O
124
caso de envenenamento da sanga, segundo o advogado Alberto Mayer, era complexo e
difícil de ser resolvido pela inexistência de testemunhas. NOVA DENÚNCIA DE POLUIÇÃO POR INSETICIDA Três agricultores passaram inseticida em suas lavouras – Albino Stein, Romeu Backes e Leo Ripp – e um deles teria se utilizado de modo totalmente incorreto das águas da Sanga Golondrina, ao retirar água diretamente da sanga através de uma mangueira, que acabou por poluir aquela corrente d’água [...]. A fauna aquática está sendo dizimada, e os apelos insistentes até agora parecem não ter ressonado, dado a que, a cada poucos dias, novas denúncias se somam às já existentes, indicando os caminhos da destruição a que o homem está se expondo (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).
Os problemas causados pelo uso de veneno nas propriedades agrícolas
migram do campo para o perímetro urbano. De acordo com as palavras de um técnico
agrícola, o mesmo procurou mobilizar a atenção das pessoas para as aplicações de
inseticidas nas lavouras próximas da cidade. Como exemplo, pode ser citada a
aplicação de veneno em plantações de soja situadas próximas a áreas residenciais,
onde podia ser observada a formação de um “nevoeiro de veneno” que afetava
diretamente os moradores destes locais. Estas atividades eram realizadas em áreas com
densidade populacional elevada. O técnico chamou a atenção para a marca do produto
(DL-50) de alto grau tóxico, pois, absorvido pelo organismo humano, era capaz de
produzir danos sérios à saúde. CRIANÇAS CORREM SÉRIOS RISCOS DE INTOXICAÇÃO POR INSETICIDA A advertência foi feita pelo técnico agrícola Genésio Rebelatto, ao situar uma ocorrência dos últimos dias, quando foram passados inseticidas em áreas de plantio no perímetro urbano de Marechal Cândido Rondon [...]. De acordo com ele, estava sendo passado inseticida numa área plantada com soja, entre o BNH e a Vila conhecida como Gramadinho, onde estão localizadas as residências da maioria dos ensacadores da Cooperativa. A área, considerada urbana, está localizada entre dois núcleos de densa população, e uma vez que a plantação está próxima à rua Sete de Setembro, a nuvem de inseticidas, empregados para o combate as pragas, atingia as crianças que brincavam nas proximidades e muitas das residências próximas à plantação, estas, no núcleo da Cooperativa. Destacou o técnico agrícola, o alto grau de toxidade do produto utilizado DL-50, uma vez que o organismo absorve resíduos, que são altamente prejudiciais à saúde (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).
Ainda no mesmo ano, a poluição migra de Entre Rios para Linha Curvado.
Desta vez, a contaminação ocorre num afluente do Arroio Curvado, tendo como
suposto responsável o agricultor Lotário Herwich. O acontecimento novamente foi
125
investigado pelo delegado e, segundo testemunhas, o agricultor retirou água do rio por
meio de uma mangueira rompida, através da qual o veneno teria sido despejado na
água. Com a visita do delegado ao local, constatou-se a morte de carpas de até 4,5kg e
a poluição se estendeu por aproximadamente 2 Km. No local também foi encontrado
um frasco de veneno (“Endrin 25-10”). Quanto à dimensão do acidente, foram
constatadas as marcas por onde o veneno escorreu, queimando a vegetação, e não foi
descartada uma nova contaminação, que poderia ser provocada pela ocorrência de
chuvas, carregando novamente o inseticida para o córrego. O delegado finaliza
dizendo que se houvessem outras ocorrências, os agricultores poderiam procurá-lo,
inclusive nos feriados, pois estaria disposto a tomar providências. Evidencia-se, no
entanto, que as medidas tomadas pelo delegado, tais como vistorias e instauração de
inquéritos para apurar os casos, na maioria das vezes, não tiveram resultados. INSETICIDAS VOLTAM A POLUIR Um novo caso de envenenamento de água, e em conseqüência a morte de milhares de peixes se registrou num pequeno córrego, em Linha Curvado [...]. O delegado Alberto Mayer está ouvindo testemunhas que flagraram o agricultor retirando água do córrego, utilizando uma mangueira que continha uma rachadura, por onde retornava o inseticida que veio a poluir a corrente d’água. O delegado Mayer compareceu ao local e constatou que numa extensão de 2 mil metros, era grande a quantidade de peixes mortos [...]. Um vidro de inseticida Endrin 25-10 jogado há pouca distância da corrente d’água foi retido pelo delegado de polícia. Uma pequena quantidade do líquido inseticida escorreu tendo inclusive queimado a grama existente. Basta que a chuva leve aquele resíduo e novamente teria seqüência a poluição do córrego (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).
A preocupação com o meio ambiente, de acordo com os engenheiros
ambientais do Instituto de Terras e Cartografia, levou à sistematização e divulgação de
informes envolvendo a orientação sobre os perigos presentes na execução das
queimadas e do desmatamento sem controle, além dos cuidados a serem observados
quando do contato com pulverizador e embalagens de venenos junto às águas dos rios.
A pesca era permitida somente aqueles pescadores registrados e que utilizassem
materiais recomendados. Contudo, podemos questionar a eficácia dos alertas, pois há
que se ter em mente também a necessidade de um trabalho de acompanhamento in
loco dos problemas, tais como aqueles relacionados à poluição dos rios, pois a efetiva
orientação aos agricultores poderia ser feita de forma prática, através de
126
recomendações feitas nas propriedades dos mesmos, contribuindo de forma mais
eficaz para a diminuição das agressões à natureza. INSTITUTO DE TERRAS ALERTA A POPULAÇÃO Alcione Antonio Alba – Engenheiro Florestal e João Del Antonio integrantes da equipe do Instituto de Terras e Cartografia sediados em Marechal Cândido Rondon, tendo em vista os momentos de estiagem por que passa a região, realizaram um alerta à população, especialmente no interior, 1º sobre o uso indevido do fogo, cuidando o máximo das matas e evitando queimadas. 2º Evitar desmatar as propriedades, fazendo somente com autorização, preservando os 20 por cento exigidos por lei. 3º Não jogar inseticida ou carregar tanques de pulverizador diretamente nos rios ou jogar embalagens tóxicas nas águas de rios ou riachos. Quanto à pesca, o instituto está alertando sobre a necessidade de portar carteira de pescador bem como acatar decisões de equipes fiscalizadoras no setor. (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).
Os efeitos da mecanização, surgidos com o desmatamento indiscriminado
das matas na região Oeste, bem como com o uso irracional de insumos químicos,
levou à necessidade de ações, aplicadas em conjunto pela ACARPA e pela Prefeitura
Municipal. Entre estas ações, estava a promoção de palestra com o professor José
Lutzember, de Porto Alegre – RS, especialista em assuntos ecológicos. Para
participarem do evento, os agricultores poderiam fazer suas inscrições no escritório da
ACARPA. Como o local escolhido para a realização da palestra foi a cidade de
Cascavel, os custos da viagem ficaram por conta da Prefeitura. Como podemos ver, em
função das poluições descontroladas, aos poucos, foram surgindo manifestações
ligadas a atividades de conscientização sobre a preservação do meio ambiente. AGRICULTORES DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON VÃO ASSISTIR UMA PALESTRA COM O PROFESSOR LUTZEMBER A vinda do professor a Cascavel, através da ACARPA, órgão do Governo interessado e que promoveu essa palestra, deve-se ao fato de que o Oeste do Paraná é uma das regiões onde houve maior desmatamento e se registra o maior consumo de adubos químicos, fertilizantes e herbicidas (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
O teor da fala do professor engenheiro agrônomo José Lutzember,
apresentou possibilidades em desenvolver uma agricultora por meio da adubação
orgânica. Este sistema, de acordo com o palestrante, possibilitaria um mecanismo de
defesa da natureza, através da obtenção de produtos mais saudáveis. No decorrer da
palestra, os agricultores apresentaram muitos questionamentos com relação à
127
substituição dos insumos químicos por alternativas orgânicas. Na ocasião, fizeram-se
presentes vários representantes rondonenses que estabeleceram contatos com o
palestrante, com o objetivo de realizar a palestra em Marechal Cândido Rondon. AGRICULTORES DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON FORAM OUVIR O AGRÔNOMO JOSÉ LUTZEMBER EM CASCAVEL O Engenheiro Agrônomo José Lutzemberg, conferencista internacional, veio à Cascavel proferir uma palestra sobre ecologia no sábado último [...]. Baseado em adubação orgânica, José Lutzemberg defende a teoria de que em solo sãs, produziremos plantas sãs e sem pragas para serem combatidas quase que semanalmente, pois as plantas, segundo ele, terão capacidade de se autodefender (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
Novas alternativas para melhorar a produção, como podemos notar, é uma
constante junto aos agricultores.
Como exemplo, além do cultivo da soja no verão, aparecem propostas para
fazê-lo também no inverno. A rotação de culturas também é sugerida como forma de
evitar o empobrecimento do solo. Com relação a esta proposta, na vitrine de uma
empresa especializada no setor de insumos agrícolas, no centro da cidade, é realizada a
exposição da “colza”, uma oleoginosa para o inverno. Outra vez os discursos colocam
em cena “uma nova e rentável opção para o meio rural”. A fim de atrair o público,
foram expostas sementes, fotografias com plantações, prospectos divulgando as
diferentes variedades do produto. O fator clima também recebeu destaque, já que as
sementes seriam ideais para enfrentar as adversidades climáticas. Foram apresentados
em detalhes os rendimentos, as formas de colheita e a adaptação para o plantio direto
(podendo receber aplicações de herbicidas). A argumentação persuasiva procura
apresentar agricultores interessados em realizar o cultivo dessa cultura. Mas, essa
proposta não obteve resultados expressivos, pois não houve adesão ao cultivo da
“colza”. CERESER S.A. FAZ O LANÇAMENTO DA COLZA, A NOVA CULTURA DE INVERNO Utilizando-se de uma vitrine da Casa Rieger, no centro da cidade na avenida Rio Grande do Sul, a Cereser S. A. está hoje e à partir desta data, fazendo o lançamento oficial da COLZA, uma nova cultura de inverno. O demonstrativo feito por Cereser S.A. inclui todos os dados da oleoginosa de inverno que tornar-se-á uma nova e rentável opção para o meio rural [...]. É prática para o plantio direto e, quando a semente nasce em meio à
128
outra cultura, pode-se aplicar herbicida para folha larga (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
Contudo, paulatinamente, ocorre a implementação de técnicas que visam
renovar as esperanças dos agricultores em dias melhores surgidos com o aumento da
produção. Entre estas técnicas, a incorporação do plantio direto, alicerçado no uso de
“defensivos” nas lavouras, foi uma das mais relevantes. Para KAGEYAMA, nesse
sistema “observa-se uma complementaridade com a mecanização, como ocorreu com a
disseminação das técnicas de plantio direto no Paraná, por exemplo, que levaram a um
aumento acentuado do consumo de defensivos” (1987, p. 46).
Os problemas ligados à erosão continuam na ordem do dia. O debate gera
preocupação junto às autoridades ligadas ao poder público, que realizam visitas no
sentido de observar de perto os problemas. O plantio direto é adotado tendo em vista a
necessidade de conservação do solo.
Em visitas posteriores, as vistorias dos representantes da prefeitura
constataram que, mesmo com as chuvas intensas, não foram diagnosticados casos
sérios de erosão. Entretanto, essa metodologia de cultivo necessita da aplicação de
herbicidas, principalmente em sua fase inicial. Num segundo momento, pode ocorrer a
capina na forma tradicional ou mecânica. Sendo assim, o sistema de plantio direto
aparece como alternativa para diminuir os problemas provocados pela erosão,
decorrentes, por sua vez, do desmatamento descontrolado. No entanto, visto por outro
ângulo, o aumento na aplicação de herbicidas provoca danos consideráveis ao meio
ambiente e à vida humana. EROSÃO PREOCUPA. SECRETÁRIO VISITA LAVOURAS O plantio direto se caracteriza pela aplicação de herbicidas para eliminar a primeira produção de vegetais, e em seguida vem o plantio, devendo posteriormente ser feita a carpida normal (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
A liturgia da mecanização devastou matas e recursos hídricos do município,
atropelados pela destruição e poluição constantes. Como podemos notar através das
reportagens, muitas vezes a natureza não tinha tempo para a recomposição, pois novas
agressões impediam tal processo. Os desastres provocados na região não prejudicaram
apenas a animais e plantas, mas também aos agricultores que pagaram, em alguns
129
casos, com suas próprias vidas o preço cobrado pelo progresso. Os inseticidas, os
adubos e herbicidas aplicados nas plantações de forma desordenada — principalmente
aqueles ligados ao sistema de especialização e produção extensiva, tais como soja e
trigo —desencadearam desequilíbrios tanto na área rural como nas cidades.
3.2 CONSERVAR O SOLO, AGORA, É PRECISO
Neste item do trabalho, buscamos apresentar considerações relacionadas
aos efeitos danosos ao meio ambiente provocados pelo processo de modernização
agrícola implantado no município de Marechal Cândido Rondon. Procuramos mostrar
como o impacto ambiental causado por este processo não aparecia nos discursos em
favor da implantação de técnicas modernas de cultivo e de que formas são justificadas
as medidas a serem adotadas para reverter os estragos causados na natureza. O estudo
visa identificar, sobretudo, as contradições presentes nas relações que configuram tal
processo, já que a modernização agrícola, num primeiro momento, é apresentada como
chave para o progresso; com o passar dos anos, os efeitos danosos provocados pelo
desmatamento mecanizado e o uso de agrotóxicos, entre outros, revela que o progresso
indicado anteriormente possui limitações.
Entender a relação entre conservação de solos e tecnificação no campo
propagada por ideais capitalistas, requer observar os silêncios do discurso. Assim, de
imediato temos a construção da mecanização, a qualquer preço, mesmo que para isso,
as pessoas devam deixar de lado certos costumes e os substituam por agitadas
atividades envolvendo desmatamento e plantação mecanizados. O espaço reconstruído
pela voraz retirada da mata acontecia mesmo esta estando ainda verde e o solo era
compactado pelas esteiras do trator. Em termos poéticos, os sons da mata cederam
espaço ao ronco dos tratores e o luar da noite dividiu espaço com as luzes artificiais
dos faróis da mecanização; já a luz do dia aparecia tímida entre a concentração de
fumaça ocasionada pela queima da mata enfileirada nas leiras.
130
Foto 8 – Destoca: a ação do trator de esteira
Esta foto destaca a dinâmica da destoca: o trator escava a terra, provocando a abertura de uma vala devido à retirada da árvore. FONTE: Acervo particular de Lia Dorotéia Pfluck.
A falta de cuidados com o solo, principalmente no período inicial de
ocupação das terras, era uma constante e a idéia de que, após a realização das
queimadas, o surgimento de terra “nova” se daria, de imediato, era errônea. Assim
escrevem-se as primeiras linhas da subjugação do solo aos interesses implantados
oficialmente pelos estímulos capitalistas. De acordo com Miriam Zaar, “o trator, usado
na destoca para posterior plantio, se destacou como carro-chefe do aparato maquinário
que permitiu a mecanização das atividades agrícolas” (1999, p. 54). Em razão disso, a
ocupação direta ou indireta do espaço prejudicaram o solo, o que culminou, mais tarde,
em frustrações de safras. Diante disso, os técnicos que vinham acompanhando com
mais atenção o processo da mecanização, sugerem, através de um programa na
emissora de rádio, a construção de terraceamento e curvas de nível, sistemas de
131
proteção do solo indicados para amenizar os problemas causados pelas fortes chuvas
verificadas em determinadas épocas. A QUEBRA DA SAFRA DE SOJA A seca ocasionada durante um período de 26 dias [...] e a erosão, especialmente nos locais onde a terra foi mal preparada por falta de terraceamento e curvas de nível, foi verificada na safra de soja regional (Frente Ampla de Notícias, v. 26, 23.03.76 a 17.05.76).
Com a cristalização do problema, surgem as erosões nas lavouras
cultivadas, acentuadas pelas fortes chuvas. São muitas as reclamações dos técnicos
acerca da resistência dos colonos em não seguir as orientações recomendadas para a
conservação do solo. As mudanças que ocorreram nas lavouras interferiram nas
relações entre os produtores vizinhos: o agricultor que não preparava a terra de acordo
com os cuidados recomendados para evitar problemas — tais como o acúmulo de
águas da chuva em suas propriedades que levavam para o leito dos rios sementes,
plantas e grandes quantidades de terra — era acusado de omissão, o que gerava certos
atritos. E é neste momento que técnicos agrônomos manifestam o discurso da
conscientização, alicerçado na tradição dos colonos de deixar suas terras para os filhos
como herança; caso a devastação continuasse, não haveria mais terra, já que ela seria
consumida pela erosão. Muita gente que havia preparado a terra e inclusive realizado o plantio da soja em suas mais diversas variedades já reclamaram sobre a queda de chuvas torrenciais que em localização mais dobrada já lavaram as lavouras, produzindo prejuízo de toda sorte. Mesmo com as informações que partem dos agrônomos, sobre a necessidade de plantio dentro de um padrão técnico, muita gente [...] escapou à observação feita, preferindo permanecer no sistema hereditário [...] mentalidade errônea e com isso, somar prejuízos. Outros reclamam, dizendo [...] ter procedido de acordo com o que manda a técnica e simplesmente coloca a culpa no vizinho que não procede assim e, a água que corre da lavoura [...] é que vem em prejuízo próprio. Enquanto não houver uma conscientização [...] a respeito desse fato sempre haverá prejuízo. [...] o papel da agricultura é deveras importante, mas a técnica deve ser obedecida [...] sob pena de passarmos aos nossos filhos, uma região devastada, um grande e imensurável DESERTO (Frente Ampla de Notícias, v. 30, 21.10.76 a 10.12.76).
A não-conservação do solo apresentou problemas no tocante à fertilidade,
pois as camadas mais ricas em nutrientes eram levadas pelas águas da chuva. Dessa
forma, a expansão e o cultivo de lavouras mecanizadas corre o risco de comprometer a
produção devido à degradação do solo. Este quadro de conseqüências pode ser inscrito
132
no rol das “estratégias políticas que levam aos grandes projetos nacionais, os quais,
articulados a um contexto nacional, são introduzidos através da ideologia, na forma de
pensar e de agir dos cidadãos, tornando-se de interesse geral da nação” (ZAAR, 1999,
p. 27). Assim, com propósitos distintos, os discursos ligados a interesses específicos
sugerem medidas a serem adotadas pelo grupo visando ao bem estar de todos;
entretanto, as ações são direcionadas de tal forma que garantissem a continuidade do
processo em curso, mesmo que com prejuízos para os agricultores e para o meio
ambiente. CHUVAS PREJUDICAM A AGRICULTURA As fortes chuvas que caíram na região colocam a agricultura numa situação delicada. É a erosão que leva o “humus”, ou seja, a camada fértil da lavoura, jogando-a nas estradas, dificultando o trânsito, ou em outros casos, as águas carregam-nas para os rios. Por outro lado, a soja [...] é prejudicada e a que está nascendo é carregada pela enxurrada (Frente Ampla de Notícias, v. 31, 10.12.76 a 26.01.77).
A difusão do plantio de novos produtos recebe estímulos baseados em
metas provenientes, em muitos casos, de empresas multinacionais, que atuaram junto
aos produtores rondonenses. As atividades eram elaboradas pela coordenadoria
regional e o conjunto destas atividades era estendido aos coordenadores locais. A
estratégia buscou a influência dos profissionais da educação para fazer “brotar” seus
projetos no tocante à conservação do solo. CONCLUÍDO CURSO DE CONSERVAÇÃO DE SOLO O curso de atualização em conservação de solos, parte integrante de projeto multinacional [...] conta com a ajuda da coordenadoria regional em conjunto com os coordenadores locais, que optaram pela inclusão de professores e através deles poderá se atingir a grande parte da população rondonense (Frente Ampla de Notícias, v. 33, 01.03.77 a 31.03.77).
Entre as estratégias utilizadas para amenizar os problemas causados pela
erosão podemos destacar a adoção de critérios que forçaram os agricultores a se
conscientizarem da necessidade de conservação do solo em suas propriedades. Na
prática, as exigências provenientes das instituições governamentais forçam os
agricultores a comprarem sementes selecionadas, pois, caso não procedessem dessa
forma, não teriam suas lavouras seguradas pelo PROAGRO. As estratégias de difusão
do modelo são marcadas pela fusão de interesses do capital bancário e industrial,
133
destacando em suas palavras que “a conservação do solo antes de uma exigência
constitui necessidade que deve ser observada pelos homens de bom senso, e que fazem
da agricultura a base do sustento próprio e da família rural”. A mudança de padrões foi
consolidada a partir de argumentos calcados nos valores prestigiados pelos
agricultores, tais como a noção de “homem de bom senso”, reafirmando que o
agricultor deve fazer da agricultura sua fonte de sustento. Na verdade, estes
argumentos “a partir de dois conceitos dicotômicos: tradicional e moderno, buscam
através da ideologia formas que justificam as causas [...]. Levam, portanto, as pessoas
a acreditar que o fato de transformar o tradicional em moderno levaria ao
desenvolvimento” (ZAAR, 1999, p. 30). PROAGRO DA SOJA, SÓ PARA QUEM FIZER A CONSERVAÇÃO DO SOLO Quem fizer o custeio bancário, está obrigado a fazer o plantio da soja com semente fiscalizada, para ter direito ao PROAGRO. Este programa de Garantia da Atividade agropecuária, instituído pelo governo, está em funcionamento desde a safra de trigo de 1975 e vem atendendo agricultores e produtores quando existe uma ocorrência adversa, a frustração de uma safra [...]. Para este plantio da soja, uma das exigências será a observação quanto à conservação do solo [...] compreende o plantio em nível, ou cotando as águas, sendo da mesma forma constatada a exigência de curvas de nível onde o terreno for inclinado a mais de 3%. Luiz Carlos Zanini, da ACARPA local, se referiu à respeito pois muitos agricultores, mesmo sabendo do assunto, fizeram o plantio sem respeitar as exigências. A conservação do solo antes de uma exigência constitui-se necessidade que deve ser observada pelos homens de bom senso, e que fazem da agricultura a base do sustento próprio e da família rural (Frente Ampla de Notícias, v. 38, 10.09.77 a 21.10.77).
Com o objetivo de controlar os proprietários de terras, os representantes da
agricultura organizaram a programação da ACARPA e, entre as atividades, constava
uma solicitação ao Ministério da Agricultura, visando incluir o município de Marechal
Cândido Rondon na Lei de Conservação de Solo: Decidiram os representantes que deverá ser solicitado ao Ministério da Agricultura que Marechal Cândido Rondon seja incluído nos municípios da Lei de Conservação de Solo, considerado uma grande necessidade, principalmente pelas fortes chuvas que normalmente se apresentam na região (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
O estímulo à conservação do solo aconteceu de forma multifacetada, com a
atuação de diversas autoridades ligadas ao poder público. O pano de fundo da
preocupação esconde a face real que a conservação do solo pretende, ou seja,
134
assegurar a produtividade. Ao apresentar a necessidade da conservação das estradas
para o escoamento da produtividade, é mencionada, conjuntamente, a preocupação
ambiental. PREFEITO E SECRETÁRIO DE VIAÇÃO VÃO PERCORRER ESTRADAS MUNICIPAIS Sob pena de perdermos o precioso solo, maior capital que o município possui, teremos de adotar medidas previdentes em conjunto com os outros órgãos ligados a agricultura e conservação do meio ambiente. O chefe do executivo classificou o resultado das fortes chuvas como um verdadeiro desastre ecológico que está roubando o solo dos agricultores e destruindo produções. Quanto às estradas, disse o prefeito Verno Scherer, é um problema sério que na maioria das vezes provém de outros problemas, como por exemplo, a erosão nas lavouras, que além de eliminar a água para as estradas, traz consigo toneladas de terra que são depositadas nas baixadas formando inúmeros atoladores, tornando as estradas quase impossíveis de trafegar (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
Na verdade, a preocupação com as lavouras de soja cresce na mesma
proporção que aumenta a erosão, conforme podemos observar no discurso jornalístico.
Temos assim a introdução de um novo elemento na busca de soluções para controlar a
erosão: o plantio direto, sistema que elimina a necessidade de arar a terra. Com uma
semeadeira adaptada para este fim, o plantio acontece mais rapidamente. Com a
adoção do sistema, surge a dúvida se realmente o agricultor iria incorporar o novo
modelo. Apesar de suavizar a erosão, com o plantio direto se dá o uso abusivo de
herbicidas antes do cultivo, como forma de combater as ervas daninhas. Além disso, o
sistema dispensa o uso do cultivador e, junto com ele, o trabalhador que realizava tais
atividades. Assim, o novo modelo, mais sofisticado, é também mais econômico.
Acoplado ao eixo dianteiro do trator, o equipamento (cultivador) é
controlado pelo próprio motorista, executando as mesmas manobras do trator. Os
herbicidas, de odor extremamente forte, passam a fazer parte do ar respirado na região.
Além disso, outra conseqüência direta está relacionada ao desemprego, já que muitos
trabalhadores rurais, os assim chamados “bóia-frias”, lamentam não terem mais
trabalho. EROSÃO PREOCUPA: SECRETÁRIOS VISITARAM LAVOURAS Trata-se de lavouras onde o plantio de soja foi feito direto, sem lavrar a terra, com um implemento especial adequado para efetuar esse tipo de plantio sem que a terra esteja
135
previamente lavrada e preparada[...]. Em virtude do grave problema causado pela erosão em suas lavouras, passaram a efetuar um plantio direto, algumas lavouras a mais de três anos e outras mais recentes, e o resultado obtido é considerado extraordinário [...]. É impressionante o controle da erosão, o que se constitui numa grande expectativa para os agricultores e também das autoridades, ficando apenas uma pergunta: Será que os agricultores se adaptariam a esse tipo de plantio, caso seja definitivamente comprovado o seu resultado, sem contra-indicações? Queremos crer que possa ser o início de um caminho, muito próximo do desejado por todos neste município, e também de toda a região (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
Sobre este aspecto, é preciso destacar os argumentos de MARTINE (1989)
no que diz respeito à tecnificação e seus efeitos nocivos ao ecossistema em geral: A preocupação com a nocividade da mecanização e a utilização de insumos químicos do pacote tecnológico prevalecente para o solo, os rios, a fauna, a flora e o próprio organismo humano – particularmente em vista da necessidade de doses cada vez maiores de fertilizantes e defensivos – têm gerado uma polêmica mundial. A degradação de solos e a ocorrência generalizada da erosão são piores justamente naquelas áreas onde o pacote tecnológico obteve mais êxito, isto é, nas áreas de monocultura extensiva (MARTINE, 1989, p. 39).
Para fins comparativos a “Nota à Imprensa número 446/79” da Prefeitura
Municipal, divulgada pela Chefia de Comunicação Social, apresentou os resultados da
reunião com o então prefeito Verno Scherer, na qual um conjunto de temas pertinentes
à conservação do solo foi discutido. Novamente o palco foi ocupado por integrantes do
secretariado municipal, vereadores, representantes de cinco agências bancárias, chefe
da ACARPA, coordenador regional de conservação de solo da ACARPA de Toledo e
agrônomos. A ocasião contou também com a presença de representantes da Secretaria
da Agricultura do Estado - núcleo de Cascavel, do DER, do presidente da cooperativa,
de engenheiro técnico e do presidente do sindicato dos trabalhadores.
As questões que envolvem a conservação do solo são confusas para muitos
dos agricultores. Como visto anteriormente, a história se repete, pois — tal como
ocorreu com o desmatamento — as regras do jogo mudam drasticamente de um
momento para o outro: o agricultor que optou pela mecanização como forma de
aumentar a produtividade, agora se vê obrigado a conter os prejuízos causados ao solo
com tal sistema. Um dos requisitos para a obtenção de financiamentos passa a ser
então a conservação de 20 % da propriedade com mata nativa ou para reflorestamento.
Como argumenta F no texto que segue:
136
O gerente do Banco do Brasil [...] nós se conhecemo. Quando veio o Banco do Brasil pra Rondon [...] começamo pedi financiamento para tal e tal, tantos alqueires [...]. Depois, mais um pouco, 20% tem que deixá da área [...] e foi assim (F, 05 mar. 1996).
As curvas de nível isoladas não foram consideradas suficientes para deter a
erosão. Desse modo, foi estabelecido um conjunto de regras para combater a erosão,
com destaque para a construção de microbacias através de crédito bancário. Como já
observamos em outros documentos anteriores, somente seriam concedidos
financiamentos mediante a conservação do solo, tendo como critérios de avaliação das
propostas encaminhadas aos bancos a existência de iniciativas, por parte dos
agricultores, de práticas que não agridam ainda mais a terra, tais como o plantio direto,
o plantio em faixas, a extinção da queima da palha, o reflorestamento da mata ciliar, o
reflorestamento das beiras de estradas, o planejamento melhorado das estradas, a
adubação orgânica, a formação de desaguadouros com a vegetação, entre outras. Além
disso, os agricultores não receberiam o auxílio do PROAGRO caso a lavoura não
estivesse nos padrões de conservação, tidos como ideais. Na íntegra, as dez sugestões
são: 10 SUGESTÕES FORAM ANALISADAS PARA COMBATER A EROSÃO A primeira sugestão é em relação a formação de microbacias dentro de áreas específicas, vinculando o crédito a conservação de solo. Esse trabalho já foi iniciado pela ACARPA e continua até o próximo ano no período entre safra soja/trigo [...]. Um item muito recomendado pelos técnicos nessa conservação, seria o vínculo de crédito bancário, cuja liberação segundo eles, deveria acontecer somente mediante a conservação feita adequadamente de acordo com as recomendações exigidas [...]. Em seguida foi proposta a discussão, o sistema de plantio direto, inclusive com exemplos práticos no município de muitas lavouras que estão sendo acompanhadas pelos técnicos da ACARPA e também da municipalidade [...]. Uma complementação dessa forma de plantio que seria a de plantio em faixas alternadas, em virtude de algumas plantas serem menos e outras mais propensas aos efeitos causados pela erosão [...]. A proibição da queima de palhas considerada um dos maiores males possíveis para destruição do solo como também o reflorestamento às margens dos rios e riachos foi bastante defendido, principalmente, para conter as águas antes de chegarem e despejarem toda a terra neles. Nas margens das estradas deveriam ser plantadas vegetações permanentes para impedir o desmoronamento excessivo dos barrancos nas estradas [...]. A sugestão de um planejamento melhor nas estradas, que contribuem consideravelmente para o desenvolvimento dos aguadouros, destruindo além das lavouras, também as estradas. Adubação verde foi bastante cogitado, pois segundo os técnicos o teor de matéria orgânica em maior quantidade deixa o solo menos propenso a erosão [...]. Formar desaguadouros com vegetação, para que o escoamento da água possa ser feito sem prejudicar os canais. Também o uso excessivo de grades deverá ser bastante combatido de ora em diante, pois seria também grandemente prejudicial a manutenção do solo fofo [...]. Junto aos bancos será definitivamente
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solicitado o vínculo de crédito, para que nenhuma lavoura tenha mais investimentos sem na prática fazer a conservação de solo, inclusive ficando sujeita, toda a lavoura que não estiver devidamente conservada, a não obter o auxílio do PROAGRO (Frente Ampla de Notícias, v. 58, 12.12.79 a 28.01.79).
Em certa medida, o discurso indica um pensamento homogêneo diante das
propostas e destaca as metas e programas governamentais, tendo como prioridade,
agora, a conservação do solo. Muitas destas atividades de conservação foram
realizadas, tais como a construção de microbacias, a adubação verde, o plantio direto,
a readequação paulatina das estradas e a reposição da mata ciliar. No entanto, alguns
destes procedimentos revelaram-se desastrosos, principalmente a adoção do sistema de
plantio direto, já que o mesmo prescinde do uso intensificado de agrotóxicos.
3.3 COMÉRCIO LOCAL: DIFERENCIAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DE
RIQUEZAS
No tocante às atividades de comercialização dos produtos e animais, os
agricultores enfrentaram vários problemas relacionados aos calotes que foram
aplicados no ato de venda de seus suínos. Muitos compradores usavam estratégias
como o desconto do ICM, Imposto de Circulação de Mercadorias, para conseguirem
um desconto de até 40% na compra de produtos dos pequenos agricultores. ATENÇÃO SENHORES COLONOS PARA ESTE AVISO DA FISCALIZAÇÃO Agricultor, não inscrito como Produtor, não desconta o Imposto de Circulação de Mercadorias quando vende seus produtos. A Fiscalização tomou conhecimento que há compradores de suínos que chegam a descontar do colono, até 40 por cento na compra. É contra a lei. O artigo 31 da lei nº 5463 de 31 de dezembro passado, diz que ninguém pode descontar o ICM do pequeno agricultor (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
Já na manchete “A Agricultura em Foco”, a imprensa, de forma imparcial,
menciona os baixos preços dos produtos e faz uma comparação destes preços com o
salário mínimo, remuneração através da qual sobrevivem muitas famílias na cidade, ou
seja, o argumento era de que o atual preço dos produtos agrícolas e a situação dos
agricultores não estavam tão ruins se comparadas à grave situação das pessoas que
138
viviam na cidade e que dependiam única e exclusivamente do salário mínimo. O
discurso possui fortes traços de sustentação da política governamental adotada no
período, principalmente ao afirmar que “devemos ser otimistas” e também “mais
pacientes”, pois, apesar das promessas não terem sido cumpridas era preciso dar um
crédito ao então governo Costa e Silva que com certeza deveria dedicar sua atenção,
em especial, à agricultura e pecuária. Para finalizar, a reportagem estende um convite
aos ouvintes: “vamos para frente, para o bem do Brasil, e da região do este do
Paraná”. No dia de ontem, tivemos oportunidade de conversar com vários senhores agricultores, e foi debatido o problema da crise do dinheiro e do baixo preço dos produtos. Porém, fazendo uma comparação com o salário mínimo, com a cerveja, sal e farinha, ainda com os preços de outras épocas, o amigo do interior não está em tão maus lençóis como o elemento da cidade [...]. Devemos ser otimistas, e encarar a situação com mais otimismo, e ter um pouco mais de paciência. O povo está cheio de promessas, mas comparando com o que já foi feito, acreditamos que o governo de Costa e Silva, venha na realidade ajudar em tudo, principalmente à agricultura e pecuária. Vamos para frente, para o bem do Brasil, e da região do oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).
Com as estratégias de incorporação e indução de novas técnicas, a emissora
de rádio procura reforçar os objetivos propostos com a modernização, alertando para a
o fato de que as novas técnicas eram imprescindíveis para a exportação de suínos.
Com bons reprodutores, a produtividade aumentaria e os lucros também. Mas, de que
lucros falavam? Vejamos o depoimento de um dos agricultores a respeito dos baixos
preços oferecidos aos agricultores: Nóis comecemo criá porco, tinha bastante comprador de porco aqui em Rondon. O preço era muito antigamente: a gente vendia um quilo de porco e tomava 34 cervejas. Agora dá 34 quilo por uma cerveja. Muda tudo... (A, 19 fev. 1996).
A construção discursiva é parte integrante e atuante na formação de um
pensamento e, neste caso, direcionado ao desenvolvimento da suinocultura e ao
mercado exportador. A solução indicada para resolver os problemas relacionados aos
baixos preços passou a ser direcionada então ao aumento da produtividade. Para tanto,
são importados suínos “de raça”. A imprensa jornalística considera o acontecimento
algo “simbólico” para a região. Na fala, aparece como elemento fundamental para esta
nova forma de obtenção de lucros a intermediação realizada pelo Ministério da
139
Agricultura, tendo em vista tornar o município destaque na exportação de suínos. Os
agricultores puderam assim adquirir suínos com até seis meses de idade e a forma de
pagamento foi feita nas seguintes condições: uma entrada no valor de 18%, e o
restante poderia ser pago em seis meses. O PEDIDO AO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA O ministério da agricultura sentiu o desejo de ver ainda um Marechal Cândido Rondon como exportador de bons suínos. Aqueles que fizeram o pedido de suínos ao ministério da agricultura poderão procurar os reprodutores suínos, dirigindo-se à prefeitura [...]. Melhores raças, mais produtividade, muito mais renda (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).
A desconstrução discursiva revela, no entanto, os interesses vinculados ao
Frigorífico Marechal Cândido Rondon S. A. que “precisou” de suínos para o abate,
fato que se justifica no incentivo dado à criação de suínos baseada em padrões
técnicos. Na manchete seguinte, podemos verificar uma desavença entre a direção do
frigorífico – patrocinadores do programa na rádio - e a direção da ACARPA. O
programa abordou aspectos relacionados ao cooperativismo, assunto que não
interessava à direção do frigorífico: por ser uma empresa privada, o incentivo ao
cooperativismo surge como empecilho aos seus interesses comerciais. Note-se a
censura imposta ao programa no que se refere aos temas que deveriam ser tratados, já
que o “o dito programa deveria ser exclusivamente para esclarecimento aos
agricultores, de assuntos agropecuários e domésticos”. Conforme se verifica na citação
acima, havia uma seleção dos temas que deveriam ser tratados com os agricultores. Os
debates não eram bem-vindos, pois poderiam provocar modificações significativas no
que se refere ao posicionamento dos agricultores com relação à empresa, e isso não era
algo a ser incentivado. ESCLARECIMENTO A direção do Frigorífico Marechal Cândido Rondon S.A. Ind. e Com., comunica aos seus acionistas e amigos, que no programa de ontem nesta emissora [...] do qual os mesmos são patrocinadores, programa este que sempre esteve ao dispor da ACARPA, o engenheiro agrônomo da ACARPA debateu e discorreu sobre assuntos de Cooperativa, sem a devida autorização da direção do Frigorífico M.C.Rondon S. A. Ind. e Com. para palestras desta natureza. Por isto esclarecem os responsáveis desta empresa e patrocinadores daquele programa, que não endossam aquelas informações e nada tem a ver com cooperativas, não assumindo nenhuma responsabilidade com respeito ao assunto
140
ventilado em seu programa de ontem, dia 11 deste mês, mesmo porque não tinham conhecimento de que o assunto de cooperativa seria debatido naquele programa, uma vez que o dito programa deveria ser exclusivamente para esclarecimentos aos agricultores, de assuntos agropecuários e domésticos (Frente Ampla de Notícias, v. 3, 12.07.67 a 11.03.67).
Esclarecer os agricultores sobre cooperativas não se enquadra nos assuntos
agropecuários e domésticos. Portanto, tais temas não devem ser abordados.
O processo de tecnificação atinge também a estrutura operacional do
frigorífico que é definido como marco norteador da industrialização no município. São
estas manifestações, articuladas aos propósitos sensacionalistas do progresso e
representadas por determinados grupos, que fazem uso do poder de comunicação que o
rádio possui. Todo esse contexto faz da suinocultura: um ramo da produção industrializada no campo, contribuindo para o aumento da demanda de produtos tais como o milho, soja e produtos sanitários mais adequados às raças estrangeiras. Soma-se a isso uma drenagem de investimentos oficiais no setor, via bancos de desenvolvimento e assistência técnica (LIBARDI et al, 1991, p.93).
Cabe mencionar ainda a atuação do rádio no que se refere à publicidade da
empresa patrocinadora do programa, pois, em diversos momentos, a atenção do
público é direcionada ao acompanhamento de visitas às instalações do Frigorífico
Rondon. Os termos empregados na maioria das intervenções jornalísticas divulgam
idéias com interpretações particulares e favoráveis à industrialização. Na medida em
que as visitas aconteciam com certa freqüência, foram apresentadas também as
atividades dos diretores, enfocando sua dedicação na organização do empreendimento.
Em detalhes, a tecnologia recebe destaque, sendo associada ao aumento da produção.
No discurso, as chaminés do frigorífico eram consideradas um emblema do
progresso. Ao enaltecerem a obra, estimulavam a necessidade da visita da população
ao local. Esses aspectos foram, no contexto da exclusão, ressaltados no entusiasmo da
reportagem que se referiu aos dirigentes como “agentes de coragem e espírito pioneiro
de nossa gente” (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69), ou seja, o
recurso de relacionar as características dos gerentes da empresa ao pioneirismo —
palavra esta bem conhecida pelos agricultores — e a utilização do termo “nossa gente”
— forma informal usada comumente pelos rondonense — fortaleciam a confiança dos
141
agentes cooperativistas junto à comunidade. O FRIGORÍFICO DEVAGAR MAS SEMPRE A reportagem desta emissora aproveitou uma hora de folga ontem à tarde para dirigir-se ao local onde está sendo montado o Frigorífico Rondon Limitada, um empreendimento de vulto que será o marco inicial da industrialização do nosso município (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
A comercialização de suínos, no entanto, era cercada por um ambiente de
incertezas. A falta de preço adequado e as crises constantes comprometiam as vendas.
Como se pode observar nos programas jornalísticos, as crises na suinocultura tomavam
proporções maiores. Diante disso, são solicitados constantemente auxílios ao governo
do Estado. Na ocasião, foram mantidos contatos, inclusive, com o Secretário da
Fazenda, Rubens Bailão Leite. As divergências das informações geravam situações
contraditórias: aplicam-se recursos e técnicas modernas na criação de suínos —
incentivando o progresso e a solução de problemas; porém, o preço e o comércio de
suínos continuam a preocupar os agricultores. Em outros termos, há um esforço
concentrado apenas no aumento da produção, em detrimento dos valores pagos aos
agricultores quando da comercialização dos animais. O PREFEITO FALOU COM SECRETÁRIO DA FAZENDA POR TELEFONE, sendo que imediatamente o Dr. Rubens Bailão autorizou a redução de preço constante nesta pauta. Deve já ter sido emanada ordem às agências arrecadadoras da região com relação a este acontecimento. O senhor secretário, pediu escusas ao senhor prefeito, e quiçá possa estar entre nós em outra época. Este problema sobre a pauta do suíno [...] vem já de bom tempo preocupando a todos, e o prefeito estava apreensivo quando soube que firmas em nossa região haviam suspendido a compra deste produto colonial. O caso mereceu a atenção e agora parece que todos sentiram um alívio em suas realizações comerciais (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Nos anos setenta, com a modernização agrícola, paulatinamente vão
surgindo as primeiras indústrias no município. Acompanhando de perto este processo,
as emissoras de rádio convidam a comunidade para fazer uma visita à Indústria e
Comércio de Cereais Moinho Rondon Ltda., sem deixar de citar os nomes dos sócios
do novo empreendimento: Helmuth Kant, Helvino Gebauer e Walter Kant, como
forma de conceituar a notícia junto aos ouvintes. A reportagem enfatiza que, no
142
referido moinho, foi instalado um mecanismo com rodas, proveniente do Rio Grande
do Sul. As atividades executadas no moinho consistiam na fabricação de farinha de
milho. Movido por energia elétrica, tinha uma capacidade para moer 200 sacas de
farinha de trigo por dia, além de descascar arroz. Na reportagem da emissora de rádio,
verifica-se a influência deste empreendimento, principalmente no que tange à
representação dos interesses industriais e comerciais, condicionando a introdução das
inovações técnicas: “procuramos propulsionar o progresso, não deixamos de nos
alegrar por ver o espírito empreendedor e progressista de nosso povo” (Frente Ampla
de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69). Esse forte elemento discursivo induz
eficientemente os argumentos calcados no desenvolvimento “progressista” e
tecnológico. MAIS UMA INDÚSTRIA NA CIDADE A reportagem desta emissora teve ocasião de visitar na tarde de ontem a mais uma indústria, que vem colaborar no crescimento e progresso da cidade e município. Visitamos ontem à tarde a Indústria e Comercio de Cereais Moinho Rondon Ltda, que se dedica à industrialização do trigo, milho e arroz (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
Retomando o contexto histórico das exportações, verificamos que os
elementos produtores de novos hábitos contribuem significativamente para atender às
necessidades do mercado externo: A alteração de hábitos alimentares, com o objetivo de liberar carne para o mercado externo, merece ser comentada. Sabe-se da ineficácia dos programas de alteração dos hábitos de alimentação, propalados pela FAO (técnicos de linha neomalthusiana) na década de 60, que viram na soja, aves e suínos, possibilidades de composição da dieta básica alimentar da população em países desenvolvidos. Essa dieta básica alternativa teria suas principais matrizes tecnológicas em multinacionais norte-americanas e suíças. Elas se faziam acompanhar de uma série de campanhas publicitárias e, geralmente, atingiam apenas as classes médias da sociedade, com padrões de consumo mais sofisticado (LIBARDI et al, 1991, p.93).
Assim, novamente a visita da reportagem às dependências do Frigorífico é
transmitida em detalhes, bem como todo o processo técnico no abate dos suínos. A
comunidade é convidada a presenciar o processo de produção da indústria.
Esse convite para uma visita às instalações do frigorífico informava a
pretensão de levar ao conhecimento dos agricultores as atividades técnicas
143
empreendidas com base em maquinário moderno. Mas, o objetivo principal da visita
estava centrado na mostra da produção de salsichas, e o argumento utilizado foi
meramente um instrumento comunicativo e atrativo na busca de consumidores para os
produtos fabricados. FRIGORÍFICO E UMA NOVA MATANÇA Os diretores do frigorífico receberam os técnicos e partiram para o serviço para que pudesse ser comprovado o funcionamento das máquinas, ao término da apresentação de um trabalho bem executado e os seus produtos [...]. Os técnicos que estão em nossa cidade e prestam serviço no frigorífico, são técnicos em matança e salsicharia. Dentro de mais um ou dois dias já teremos oportunidade de provar os primeiros produtos elaborados por uma indústria que é nossa, algo de que podemos nos orgulhar (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
O acompanhamento dos índices de produtividade da agricultura e pecuária
rondonenses é feito por engenheiros agrônomos ligados ao Ministério da Agricultura.
Como pode ser observado ao longo do trabalho, eram constantes as visitas de
representantes do Ministério da Agricultura às unidades produtivas da região, tendo
como objetivo principal recolher dados com vistas à elaboração de projeções sobre o
rendimento da safra. A atitude de comandar os passos da agricultura, em 1969, está
vinculada às visitas realizadas às propriedades, inclusive para acompanhar de perto a
execução das atividades agrícolas, orientando os agricultores sobre a necessidade de
acompanhar os dados referentes ao comportamento climático.
Os cuidados e informações relacionavam-se à implantação de um sistema
racional de controle da produção no campo. A coleta de informações possibilitou os
contatos com o prefeito municipal, que organizou uma reunião com representantes do
sindicato, extensionistas da ACARPA, membros do governo do Estado e comerciantes
locais. Na pauta da reunião, mais uma vez, foram estabelecidos os procedimentos de
projeção e confirmação da safra no município. ENGENHEIRO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA: O ASSUNTO É A SAFRA Chegou à Marechal Cândido Rondon, estando na prefeitura municipal, o engenheiro agrônomo Dr. Jair Rodrigues de Carvalho, do Ministério da Agricultura. Como acontece todos os anos, equipes do ministério da agricultura, percorrem todos os municípios fazendo junto às prefeituras as previsões de safras para o decorrer do ano. Na ocasião, têm-se a oportunidade de juntamente com várias autoridades e pessoas entendidas no assunto, levar em dados as previsões de safra para controle do governo. Ao meio do ano,
144
é feita a observância se durante a safra tenha ocorrido alguma seca, ou alguma coisa que tivesse ocasionado um desaprumo na previsão da safra. Tudo isso foi feito aqui em Marechal Cândido Rondon, e hoje é feito o levantamento da confirmação da safra passada. O senhor prefeito municipal confirmou à nossa reportagem, que pelas 11 horas teria uma reunião marcada com funcionários da municipalidade, membros do sindicato rural, funcionários da ACARPA, da coletoria estadual e comerciantes de nossa cidade, para tirar desta reunião a confirmação da safra (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Se observarmos bem, o programa jornalístico apresenta um elemento novo
entre os representantes do município, que até o momento permanecia ausente em
convocações que tratavam das questões da safra, tecnologia e outros. A definição do
modelo traz procedimentos confluentes entre agricultura e indústria, daí o motivo pelo
qual representantes do comércio passam a marcar presença nestas reuniões.
Os diversos discursos levam idéias de “progresso” que são introduzidas no
cotidiano rural. É um modelo baseado exaustivamente nas novas tecnologias,
direcionado por interesses e pressões políticas que, em muitos casos, buscam afirmar a
ampliação do número de indústrias. Esse movimento de idéias e objetivos direcionados
às “necessidades” da criação de indústrias, apenas sugeriu preocupações com o
agricultor. O que realmente recebeu atenção foi a intensificação do modelo.
A comercialização dos produtos agrícolas foi movida pelas altas e baixas
nos preços. A problemática envolvendo os preços dos suínos mais uma vez aparece
nos discursos jornalísticos. O sindicato passa a “colher assinaturas” dos produtores
rurais, visando solicitar soluções imediatas junto aos representantes governamentais no
que se refere aos problemas surgidos com os baixos preços. Se retomarmos o discurso
anterior, poderemos verificar que os representantes do Ministério da Agricultura se
faziam presentes, mas cuidando apenas da safra de cereais. As respostas às solicitações
são as mesmas e as coordenadas recebidas eram: trabalhar mais, ter esperanças e não
desanimar.
Em vários discursos, observando os procedimentos relacionados à
disseminação de técnicas modernas, verificamos que muitos deles visam
exclusivamente à consolidação de modelos inovadores, principalmente quando falam
em progresso e aceleração da rotina no campo, ancorados em argumentos, ao mesmo
tempo, desenvolvimentistas e excludentes. Contudo, os apelos feitos em momentos de
crise eram calcados na fé e na esperança de dias melhores que deveriam ser
145
depositadas nas ações dos representantes políticos.
SINDICATO JUNTOU BOM NÚMERO DE ASSINATURAS Numa demonstração de fé e esperança nas forças governistas, que venham a influenciar até que se tenha o preço razoável desse produto, 1.148 criadores assinaram o abaixo assinado endossando o ofício que seguiu para as autoridades governamentais (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
Um abaixo assinado exigindo melhores preços dos produtos pode ser
compreendido como “demonstração de fé e esperança nas forças governamentais”?
Com relação à introdução de novas técnicas na suinocultura, por exemplo,
cabe retomar algumas situações cotidianas que refletem as transformações
transcorridas no meio rural. No início, o agricultor possuía alguns suínos criados
através de sistema extensivo, ou seja, os animais eram criados soltos ou confinados em
chiqueiros rudimentares. Esses animais eram alimentados com sobras das refeições das
famílias e com milho, mandioca e pasto. A criação de suínos era destinada
principalmente à subsistência das famílias. Esta forma de criação foi lentamente
recebendo outros aparatos, sustentados no discurso do aumento da produtividade,
agregando interesses vinculados a uma produção destinada ao comércio. Melhor
dizendo, para atender às necessidades incentivadas pelo frigorífico instalado em
Marechal Cândido Rondon. Aos poucos, o milho e a mandioca usados na alimentação
dos suínos são substituídos pelas rações industrializadas. A água proveniente do riacho
trazida pela roda d’água até o chiqueiro é coisa do passado, pois, com a energia
elétrica, o poço recebe uma bomba elétrica que substitui a manual. A caixa de cimento
é substituída por uma mais moderna; a água é canalizada até o chiqueiro e os “cochos”
de madeira são retirados e em seu lugar são instalados recipientes apropriados, ou
seja, mais “modernos”.
Apesar dos problemas com os baixos preços pagos pelos suínos, a difusão
dos produtos mantém seus objetivos de incorporação e extensão ao consumo de
produtos provenientes da indústria. Para impulsionar a incorporação destes produtos,
eram realizadas reuniões nos salões da comunidade local. Os encontros eram
programados por indústrias, as chamadas “firmas de representação”, tais como a Nutri
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Oeste Ltda., representante de uma linha de produtos agropecuários, conhecida como
distribuidora Purina. Os produtos para os animais, como rações e concentrados, eram
difundidos entre os produtores rurais por depositários situados no município e pelo
estabelecimento comercial Eggers & Cia. Mais uma vez temos a presença dos
agricultores, direção da ACARPA, do sindicato rural e, com destaque cada vez maior,
os representantes do comércio. Estes últimos, que em fases anteriores apareciam
timidamente, agora eram os organizadores dos eventos. A divulgação dos produtos foi
realizada, portanto, por meio de palestras, projeções de slides e filmes. Todo este
aparato de demonstração foi montado por entidades já conhecidas pelo agricultor. A
força discursiva estrutura seus argumentos na idéia de que a reunião vai de encontro
aos “interesses dos nossos agricultores”. Contudo, o conteúdo das conferências
contemplava a nutrição dos animais e a criação de suínos com técnicas modernas,
benefícios ofertados pelas empresas comerciais.
Na ocasião, foi mencionada a presença de um técnico da Purina e do
Deputado Roberto Wipich. A atenção dispensada à realização da reunião manifesta
uma opinião discursiva persuasiva: “aconselhamos os senhores agricultores a se
fazerem presentes” (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69), reforçada
pelo acesso gratuito. IMPORTANTE REUNIÃO DE AGRICULTORES NO SALÃO WAYHS A firma de Produtos Agropecuários Nutri Oeste Ltda, distribuidores Purina, concentrados e rações para animais de todos os tipos, está convidando por intermédio dos depositários nessa cidade, a firma Eggers & Cia, aos senhores agricultores, a direção da ACARPA, aos dirigentes do sindicato rural e a todos os interessados para assistirem hoje à noite às 8:30 horas a uma importante série de conferências, projeção de slides e filmes de alto interesse para os nossos agricultores. A palestra de maneira especial versará sobre nutrimentos para animais, custo do suíno e a criação moderna e a técnica da suinocultura. Um técnico da Purina estará presente e é esperado também para essa reunião o deputado Roberto Wipich (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
As oscilações da suinocultura permaneciam, apesar dos incentivos ao
aumento da produtividade. Assim, de acordo com as informações veiculadas pela
Rádio Difusora, até meados da década de 60, a suinocultura apresentou considerável
participação na economia da região; mas, nos anos seguintes, passou momentos de
crise no que se refere à comercialização. Apesar dos problemas, a suinocultura teve
147
uma parcela de rentabilidade expressiva durante as frustrações das safras. Com isso,
houve um crescimento na comercialização de suínos. No entanto, o Frigorífico
Rondon vai à falência e quebra com as expectativas de comercialização dos suínos. O
discurso inicial sobre a instalação do frigorífico, definido como agente do progresso,
parece não encontrar sustentação.
No que se refere às atividades comerciais com o frigorífico, o agricultor
vendia o produto mediante a assinatura de uma Nota Promissória Rural que podia ser
descontada nos bancos, sendo que a mesma era emitida pelo frigorífico e avalizada
pelo agricultor. Essa responsabilidade do suinocultor, como avalista, era motivo de
preocupações. Assim, o Sindicato Rural e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
realizaram uma reunião em busca de soluções. Os valores descontados nos bancos
foram de grande monta. As dificuldades geradas pela falência do frigorífico
provocaram reações junto aos agricultores que, mais uma vez, pediram a intervenção
do governo do estado para que o ônus não fosse repassado ao agricultor. SINDICATOS PEDIRÃO INTERFERÊNCIA DO GOVERNO PARA SALVAR SUINOCULTOR A suinocultura até a metade da década de 60 se constituiu num importante fator econômico para a região, passou por momentos de crise, e ultimamente começou a ser reanimada. Embora não chegasse a atingir a rentabilidade dos anos 60, passou a se constituir numa opção para o agricultor, para enfrentar a frustração de safras (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).
As grandes plantações, associadas à idéia de progresso, em muitos casos,
provocaram crises tanto na suinocultura, como visto acima, como também na
comercialização dos cereais.
No ano de 1978, um dos programas jornalísticos divulga a carência de
milho no mercado e a falta de estímulo para a criação de suínos. Com a falta do
produto no mercado, os preços aumentaram, reanimando assim as expectativas dos
agricultores, que passaram então a cultivar milho. Com a possibilidade de uma super
safra, os preços, no entanto, sofrem uma redução significativa: dos 140 cruzeiros
pagos por saca na época da carência do produto, passou para 120 cruzeiros na colheita
do produto. O preço mínimo fixado em 108 cruzeiros a saca, teve seu preço final
fixado em 80 cruzeiros. Essa desvalorização do produto desestimulou os agricultores.
148
SUPER PRODUÇÃO DE MILHO FAZ CAIR O PREÇO Primeiro a falta de milho, depois a importação, tudo fez até por desestimular a criação de suínos especialmente dada à dificuldade de se conseguir o produto [...]. O milho chegou a atingir o preço de 140 cruzeiros a saca, e praticamente não existia o produto. O preço, no entanto, era estimulante para os produtores que partiram para o plantio. [...] Antevendo uma super-produção, como de fato acontecerá, o preço já caiu para 120 cruzeiros a saca (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).
Gostaríamos de chamar a atenção para um discurso que foi ao ar em 1970:
trata-se de um comunicado para os agricultores e representantes do sindicato. Este
comunicado divulgava estudos feitos acerca dos preços pagos pela saca de soja. Para
tanto, uma reunião foi organizada e contou com a presença de integrantes da Comissão
de Financiamento à Produção, vindos do Rio de Janeiro. O encontro aconteceu na
cidade de Toledo. Os representantes da Comissão eram funcionários “do alto escalão”
do Banco do Brasil que marcaram notável presença como forma de reanimar o
agricultor e reforçar o cultivo. O discurso incentiva a presença de todos os agricultores
vinculados à produção de soja para, juntos, buscarem um preço justo no mercado para
o produto. REUNIÃO PARA ESTUDO DE PREÇO DO SOJA Uma reunião da Comissão de Financiamento à Produção, que virá do Rio de Janeiro, com pessoas ligadas com a produção, e sindicato rural, para debater os preços da comercialização deste produto cuja safra deste ano deverá ser das maiores de todos os tempos. Essa comissão é composta de altos funcionários do Banco do Brasil e a participação nesse debate é interessantíssima, devendo tanto os produtores como o sindicato se munirem de estatísticas, levantamentos de despesas e custo, para pedir um preço que seja justo e que realmente, pagando o esforço despendido, concederem margem de lucro ao produtor (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
Simultaneamente às constantes crises da suinocultura e do milho, reforçou-
se o cultivo mecanizado da soja. Desse modo, a exportação de soja cresceu
significativamente, alcançando, em 1980, 1.668.665 toneladas, cerca de 90% a mais do
que no ano anterior. A produção de milho também apresentou crescimento: 45% maior
do que no ano de 1979. A dinâmica da produção recebeu todos os cuidados no período
de sua implantação, mas passou por grandes turbulências causadas pelas vendas
enfraquecidas e a sua dependência ao mercado externo.
149
SOJA EXPORTADA ATINGE MAIS DE UM MILHÃO DE TONELADAS O Brasil já exportou até novembro deste ano, 1.668.665 toneladas de soja, o que significa 90% a mais do que as exportadas no ano passado neste mesmo período. As informações são do Grupo Executivo de Movimentação de Safras da CIBRAZEM. O informe acrescenta que, quanto ao milho, foram embarcadas até novembro de 80, 45% a mais do que em 1979 (Frente Ampla de Notícias, v. 69, 12.80).
De modo particular, as medidas tomadas em torno dos preços dos produtos
(animais e cereais) foram cercadas de atenção, de acordo com o momento e os
interesses. Todavia, não esgotam suas possibilidades de articulação, tendo em vista os
objetivos configurados pelas necessidades de expansão do cultivo e da criação de
animais, a partir da abertura do mercado.
3.4 COOPERATIVISMO: “A UNIÃO FAZ A FORÇA”
Uma forma de reorganização local da produção familiar acontece a partir da
estruturação de cooperativas: “Trata-se de uma produção agrícola em que a ‘produção
familiar’ é a base histórica de sua formação. Porém a própria expansão do capitalismo
a recria, redimensiona e transforma a produção agrícola à qual se vincula o
cooperativismo em questão” (CORADINI, 1982, p. 14).
No relato do extensionista H, há referências ao papel da ACARPA
(EMATER) na organização das cooperativas: “Depois, nos anos 70, praticamente as
cooperativas passam a existir. Então a gente pode ver que a EMATER foi um órgão
fundamental na organização das cooperativas” (H, 05 mar. 2001).
Em Marechal Cândido Rondon temos a Cooperativa Agrícola Mista
Rondon Ltda. – COPAGRIL20. Com a criação desta cooperativa, temos uma série de
manifestações divulgadas pela emissora de rádio, através do programa “Informativo
Copagril”. Apesar de não enfocarmos mais detalhadamente tais manifestações no
presente trabalho, os discursos de técnicos agrícolas, diretores e outros representantes
20 Ver GERKE, Arno Alexandre. Copagril : uma análise do cooperativismo no Oeste do Paraná. Curitiba, 1992. Dissertação (Mestrado em História) – UFPR.
150
públicos que estão arquivados na Rádio Difusora, servem de importante referencial
para a pesquisa. Na programação da referida rádio encontramos notas (documentos)
que foram ao ar na íntegra assinados pelos dirigentes da cooperativa.
No período que antecede à fundação da cooperativa no município, eram
constantes as reuniões com a presença de técnicos em cooperativismo como a de
Henry Kerber, vinculado a Delegacia Regional do INDA – Instituto Nacional do
Desenvolvimento Agrário do Paraná. Além disso, nas reuniões marcou presença Luiz
Mendes de Lima, técnico em comercialização agrícola, também do INDA. Além
disso, as reuniões contam com a colaboração de pessoas ligadas ao Sindicato Rural,
líderes rurais representando os distritos e extensionistas da ACARPA. A estruturação
do cooperativismo tomou corpo e o mecanismo de ampliação do processo que recebeu
incentivos do INDA, da ACARPA, foi coordenado mediante convênio desses dois
órgãos com o Sindicato Rural que efetuou a campanha de estruturação ativa do
cooperativismo. O INDA, através de seus agentes, fez-se presente nas reuniões, bem
como coordenou cursos para um grupo de agricultores. Sua equipe visualizou a
formação de um comitê pró-organização de uma cooperativa no município. O discurso
destaca a atuação do INDA na região, principalmente na implantação da eletrificação
rural. O cooperativismo é tratado como algo mágico, com efeitos benéficos ao
agricultor, atribuídos principalmente à comercialização da produção. TÉCNICOS DO INDA ESTIVERAM EM REUNIÃO COM LÍDERES RURAIS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON Esta reunião podemos afirmar que foi o primeiro passo no movimento cooperativista em nosso município. Foram discutidos vários aspectos do problema, chegando-se a conclusão que havia necessidade de uma ampla campanha de Doutrinação Cooperativista, que será efetuada pelo Sindicato Rural em convênio com a INDA e a ACARPA (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
No presente trabalho, não temos a pretensão de esgotar o tema cooperativa.
Contudo, buscaremos mostrar elementos concretos para compreender a atuação da
cooperativa junto ao processo de modernização. A gestão do cooperativismo está
calcada no discurso dos representantes governamentais que vêem nesta forma de
organização o fio condutor do bem estar social e econômico. Todo esse processo de
incorporação recebe os subsídios pautados na coletividade e na educação e preparação
151
do homem do campo como meta a ser atingida através do projeto de concretização do
cooperativismo. Assim Esses produtos agrícolas, num primeiro momento, e outros, mais tarde, representam a introdução e progressiva consolidação de uma nova forma de produção agrícola no sul do Brasil, em outras bases e com outro processo produtivo, agora estreitamente integrado e subordinado à agroindústria e às políticas estatais (CORADINI, 1982, p. 27).
Na verdade, o Estado e as cooperativas se fundem afetando os agricultores
numa perspectiva educativa, redefinindo assim os conceitos desses trabalhadores. A
educação no campo descarta a agricultura até então praticada. Lentamente são
formulados os exemplos de atualização, ou seja, a incorporação de técnicas pensadas e
construídas com a supervisão de olhares atualizados, principalmente no que tange à
construção do espaço mecanizado. Sobre esta questão, Kageyama afirma que “a
organização de pequenos e médios agricultores cooperativados possibilitou, já na
década de setenta, a difusão da mecanização entre produtores de menor poder de
compra” (1987, p. 41).
As raízes do cooperativismo são lançadas pela comissão organizadora da
Cooperativa de Marechal Cândido Rondon. Em detalhes, tratando da cooperativa,
sugere-se discursivamente a participação de todos e atribui-se o sucesso da mesma ao
empenho despendido pelos agricultores. O quadro da difusão do cooperativismo
sustentou seus argumentos nas “necessidades” criadas com a comercialização dos
produtos agrícolas e da pecuária. Alusões eram quase que diariamente lançadas pelas
falas e as estratégias firmaram suas marcas no argumento solidificado de que a “união
faz a força”. Em outros termos, cooperação: matriz dos antagonismos espaciais, onde a
ciranda dos interesses fixou raízes. DIA NOVE DE AGOSTO SERÁ DATA HISTÓRICA PARA A COOPERATIVA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON A Comissão Construtora e Organizadora da Cooperativa de Marechal Cândido Rondon, demarcou o dia 9 de agosto, com Edital de Convocação, para a Assembléia Geral de Fundação da Cooperativa de Marechal Cândido Rondon, cuja sede será em Marechal Cândido Rondon com área de ação em Marechal Cândido Rondon e municípios vizinhos, segundo decisão na última reunião de Cooperativismo do dia 26 de julho passado. Portanto está definida a situação da Cooperativa de Marechal Cândido Rondon, cujo sucesso depende da participação dos senhores agricultores de Rondon, que sem dúvida saberão dar o seu apoio e dedicação para que esta empresa formada de agricultores atenda as necessidades da agricultura e da pecuária, principalmente no tocante a assistência
152
econômica através da comercialização dos produtos agropecuários dos seus associados. Associe-se a sua Cooperativa e verá que realmente a “união faz a força” (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).
Com a intensificação da modernização e da mecanização alinhada ao
processo ocorre conjuntamente à estruturação do cooperativismo. Essa fase da
reorganização acontece entretanto, na medida em que o cooperativismo tende a se consolidar como um dos agentes básicos da orientação, organização e integração da produção agrícola e, portanto, da reorganização da estrutura produtiva, como se tende a ser o cooperativismo empresarialmente mais desenvolvido no sul do país, essa forma de associativismo continua sendo um movimento político, mas assume também o caráter de instrumento de viabilização econômico-produtivo do processo (CORADINI, 1982, p. 52-53).
No tocante ao cooperativismo, o mesmo expressa e reafirma as situações
conjuntas, condenando assim as ações individuais. Um dos resultados é a prática de
atividades de orientação, antes sob a tutela de órgãos governamentais. Este tipo de
prática pode ser constatado no comprometimento dos agricultores associados em
relação à conservação do solo: “as cooperativas e seus associados foram assumindo a
responsabilidade da orientação e realização do trabalho de conservação solo, hoje
difundido e executado com cuidados crescentes em toda a região” (BRUM, 1983, p.
109).
Contudo, as posturas discursivas levantadas sob o impulso comemorativo
da passagem do dia do cooperativismo tornam evidentes os procedimentos
disciplinares, pois considera “o cooperativismo um sistema anti-capitalista” e com
prioridades voltadas para o combate a favor da “justiça social” e promessas de cura das
“patologias” monopolistas. A ambição da proposta discursiva buscou ofuscar os reais
empreendimentos. Condensando suas ações na organização dos sistemas de crédito,
direciona-se na aparência contra o capitalismo e condena o monopólio. Os ecos da
extensão assistencial eram garantidos no discurso pelo governo a partir da
Departamento de Assistência ao Cooperativismo – DAC. O triunfo do cooperativismo
ocorre com a oferta de segurança aos seus associados que teriam garantia na
comercialização dos seus produtos. Certamente o vasto alcance da cooperativa de
Marechal Cândido Rondon, calcado na idéia de desenvolvimento da região, colocou-a
153
entre uma das maiores do Estado. O DIA INTERNACIONAL DO COOPERATIVISMO O cooperativismo é um sistema anti-capitalista, com base na justiça social, que visa a combater o monopólio, disciplinando os setores da produção, do consumo e do crédito, podendo estender-se a vários campos de atividade. As cooperativas são acima de tudo, associações de caráter social e econômico sem objetivo de lucro, geralmente destinadas a organizar os setores de produção, do consumo e do crédito, visando a realização de um programa comum anti-capitalista e de combate ao monopólio [...]. Aqui em Marechal Cândido Rondon temos 3 cooperativas. A dos transportes em formação; a de eletrificação rural fazendo com que Marechal Cândido Rondon seja citado em todas as esferas por se tratar da maior da América do Sul e a COPAGRIL – Cooperativa Mista Agrícola Rondon Ltda., uma das maiores do Estado e talvez do Brasil, tendo servido de modelo em muitas ocasiões (Frente Ampla de Notícias, v. 22, 28.02.75 a 30.07.75).
A cooperativa ressaltava em seu discurso a importância da estrutura e união
familiar, priorizando os mesmos valores defendidos pelos agricultores de Marechal
Cândido Rondon. Assim, as famílias podiam sentir-se seguras e junto à ação
cooperativista e as propostas e dinâmicas de mercado encontrariam solo preparado
para a incorporação da agroindústria: “As cooperativas maiores ingressaram na
agroindústria, principalmente instalando fábricas de óleo de soja e rações e, mais
recentemente, de laticínios” (BRUM, 1983, p. 133).
Para fundamentar estes objetivos, podemos lançar mão de considerações
elaboradas por Michel Foucault, mais precisamente em sua obra Microfísica do Poder,
na qual o autor trabalha os conceitos sobre a “arte de governar”. O que se quer
destacar são os valores justapostos que definem o caráter de quem sabe governar “no
sentido em que, quando o Estado é bem governado, os pais de família, seus bens, seu
patrimônio e por sua vez os indivíduos se comportam como devem” (FOUCAULT,
1979, p. 281). Esses valores estão fortemente enraizados nas famílias teutas, que
comumente direcionam suas falas em torno de certos valores e relações de poder que
se escondem por detrás de discursos aparentemente ingênuos, mas voltados para os
bens e serviços da comunidade local.
O desejo de expansão do setor agrícola está representado nas visitas de
cunho político do governador Jaime Canet Junior. Os detalhes desta visita foram
apresentados ao público ouvinte, ressaltando sempre a admiração do governador pela
extensa área cultivada com trigo. Na oportunidade, fala-se da soja que ocupará
154
também espaço semelhante ao do trigo. Tendo em vista o aumento progressivo da
produtividade, o governador ambiciona a construção de estradas pavimentadas como
parte da solução para o transporte e escoamento da produção.
Logo, as verbas governamentais foram destinadas para atender aos anseios
da localidade. No entanto, a construção das estradas seguiu em direção “forçada” para
o Porto de Paranaguá, centralizando o poder e sacrificando tudo pela lógica
especulativa. O interesse do governador pelo município despertou esperanças de que a
produção passasse a ser maior dentro de pouco tempo. No discurso proferido junto aos
representantes políticos, o governador reafirmou seu interesse pela agricultura e, na
ocasião, visitou a cooperativa local. A imprensa jornalística detalhou as visitas feitas
pelo então governador, enfatizando ser este também um agricultor. GOVERNADOR FOI BEM RECEBIDO EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON É de maravilhar-se com a extensa área de onde foi feita a colheita de trigo e onde dentro de pouco tempo aparecerá o plantio da soja [...]. Nas condições de vice-governador e já como governador do Paraná, sentiu a necessidade de que a região seja servida por rodovias pavimentadas para auxiliar e facilitar o escoamento dessa produção fabulosa que, conforme suas próprias palavras, pretende que esta mesma produção seja dobrada com a passagem do tempo [...]. Mostrou o mais vivo interesse pelas causas que envolvem a agricultura, pois o governador dos paranaenses é um agricultor. Não deixou de fazer uma visita à cooperativa (Frente Ampla de Notícias, v. 21, 31.08.74 a 28.08.75).
Um dos mecanismos amplamente explorados para incutir diferentes hábitos
nos agricultores foi a criação dos Clubes 4-S, os quais atuavam junto as senhoras e
jovens cooperativistas, ofertando cursos de costura e culinária. Este último aparece
como forma de estimular o consumo de produtos industrializados. Mas, no discurso a
favor dos clubes, se falava em aproveitamento dos produtos da roça, tais como
mandioca, abóbora etc. Porém, na prática, os cursos eram um caminho para induzir o
consumo do amido de milho, do creme de leite, do leite condensado, do caldo de
carne, enfim, os vários produtos industrializados que chegavam às prateleiras dos
supermercados e que “precisavam” de consumidores. Os comunicados chegavam ao
campo via rádio: “Outro Aviso, mas para o distrito de Margarida - As sócias do Clube
4-S de Vila Margarida estão convidadas a estarem reunidas amanhã, para escolher a
Diretoria. As sócias ou as que desejarem se inscrever, podem procurar a senhorita
Clementina para sua inscrição” (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
155
Os avisos e reuniões realizadas pela cooperativa no Distrito de Margarida,
mais especificamente na Linha Palmital, eram organizados pelo Departamento de
Educação e Organização Social. Estes cursos contavam com a atuação de uma
cozinheira, pessoa especializada para atuar junto às sócias dos Clubes 4-S. Esses
cursos eram divulgados através do rádio, que reforçava a importância da participação
das senhoras, moças ou até meninas com idade a partir de sete anos. O curso era
administrado sempre por uma representante da localidade em que ocorriam os
encontros semanais, e deveria ser realizado na residência de uma das sócias que tivesse
eletrodomésticos, pois, no salão comunitário, não havia esses recursos. Os alimentos
eram preparados e depois consumidos pelas cursistas, sempre acompanhados por uma
roda de chimarrão.
A expansão do cooperativismo avança marcando o campo e modelando a
paisagem de acordo com as coordenadas governamentais. Os modelos considerados
apropriados tomavam emprestadas as características herdadas pelos grupos e o
sentimento de união se somava às esperanças de prosperidade, sintetizados na idéia do
cooperativismo. UNIÃO FAZ A FORÇA NO COOPERATIVISMO O cooperativismo é visto dessa forma, pois a união e o pensamento integral levam a [...] prosperidade desse tipo de atividade [...]. É no cooperativismo que o agricultor tem procurado fazer com que problemas de grande ordem, sofram uma solução [...], principalmente na hora da comercialização de produtos (Frente Ampla de Notícias, v. 28, 01.07.76 a 24.08.76).
Para melhor ilustrar a aceitação e adoção dos produtos industrializados
entre as mulheres dos agricultores, segue uma receita relacionando os produtos
utilizados, tais como o “Leite Ninho”: 01 copo médio de açúcar, ½ copo de água, 01
copo de leite ninho e 01 colher de manteiga. Bata no liqüidificador o açúcar e a água
por 3 minutos. Junte o leite ninho, a manteiga, e bata por mais 6 minutos”. Nesta
receita, podemos observar a adoção de produtos industrializados na alimentação dos
agricultores, começando pelo “Leite Ninho”. Afinal, como se justifica a utilização do
produto industrializado nas receitas, se a região é rica na produção de leite? Ora, a
grande maioria das residências agrícolas, possuem vários animais em período de
produção de leite.
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Outro ingrediente que aparece em praticamente todas as receitas é o açúcar
branco e o melado fabricado da cana-de-açúcar. Este último estava sendo lentamente
substituído pelo primeiro. A manteiga é mantida, pois agora pode ser produzida com o
auxílio do liquidificador e não mais na forma artesanal.
Outro exemplo da incorporação de produtos industrializados pode ser
identificado na seguinte receita: Pudim de Mandioca Cozida. Ingredientes: ½ quilo de mandioca cozida e amassada; 2 colheres (de chá) de fermento em pó, 1 colher (de sopa) de margarina, 2 xícaras de açúcar, 2 xícaras (de sopa) de farinha de trigo, 2 colheres (de sopa) de suco de erva doce, 2 ovos bem batidos, ½ litro de leite e 1 pitada de sal. Misture tudo e coloque em forma caramelizada com açúcar queimado. Cozinhe em banho-maria por quarenta minutos. Espere esfriar e retire da forma (COPAGRIL, s.d., p. 4).
Aos olhos das cursistas, esta receita é mais uma forma de “aproveitar
criativamente” a mandioca, produto que existe em grande quantidade em todos as
propriedades agrícolas. O que se pretende é incluir produtos similares, tais como o
fermento em pó e a margarina que não apareciam na receita anterior, e que agora
passam a ser utilizados nos alimentos dos agricultores. E a manteiga? Na verdade, os
cursos buscam aproximar a dona-de-casa dos produtos disponíveis no mercado. Nesse
conjunto de “novidades”, os utensílios domésticos utilizados até então foram
gradativamente sendo substituídos: panelas de ferro por panelas de alumínio, louças de
porcelana e de barro por louças de vidro, pois, as receitas passadas nos cursos exigiam
esses recipientes.
Para garantir um bom desempenho, esses cursos contam com o apoio da
Cooperativa e da ACARPA. Uma das apostilas adotadas pertencia ao “Escritório Local
da ACARPA de Ponta Grossa”, intitulada “Receitas Sobre Alimentação Integral” e
elaborada em setembro de 1987 por Ana Elena Lanoski, economista doméstica. O
índice do livro de culinária relaciona algumas receitas que estão longe de serem
produtos culinários integrais. São receitas que requerem um arsenal de produtos e
eletrodomésticos modernos, necessários para a sua execução.
Passam a ser adotados na culinária, também, cereais e frutas provenientes
da industrialização através de receitas como: “leite condensado de soja”; “suflê com
leite de soja”; “docinhos de soja com leite condensado”; “ricota com nozes”. Na
157
receita de iogurte temos os seguintes ingredientes: 1 litro de leite de soja, 1 colher de suco de limão. Modo de Fazer: 1º) Aquecer o leite 75 graus, mais ou menos. 2º) Retirar do fogo e juntar o limão. 3º) Guardar, em vidros em lugar quente. Nos dias quentes, estará pronto dentro de 3 a 4 horas. NOTA – Depois de pronto guardar na geladeira [...] (LANOSKI, 1987).
A receita é organizada de tal forma a destacar a importância dos derivados
de soja que, com a produção em grande escala, logo necessitariam de um mercado de
consumo maior. Neste sentido, o espaço estava sendo preparado para expandir a
comercialização do produto no mercado. Além de todos esses produtos, são sempre
destacados os eletrodomésticos, principalmente quando são feitas menções do tipo “a
temperatura ideal”. Nestes casos, o uso de fogão a gás e geladeira são sugeridos como
sendo indispensáveis.
A estiagem de 1978 trouxe sérios problemas para os suinocultores. A falta
de milho, utilizado na alimentação dos animais, comprometia a vasta criação de suínos
no município. As dificuldades enfrentadas pelos suinocultores com a falta do cereal
repercutiram e chegaram ao conhecimento de autoridades da cooperativa local e do
Governo, estendendo-se até o Ministério da Fazenda. O diretor da cooperativa
rondonense, em seu discurso, aponta para a necessidade da implantação do modelo de
plantio de milho baseado na mecanização. MILHO EM FALTA PREOCUPA Leopoldo Pietróski afirmou que a suinocultura sofre esta falta de milho e que talvez, a solução parta de uma reunião que dirigentes de cooperativas terão com Ministro da Fazenda em Curitiba dia 7 próximo [...]. O diretor presidente da cooperativa, em sua opinião, admitiu a necessidade do plantio de milho mecanizado [...]. O que se revela com o problema é que a falta afeta profundamente toda as áreas, mormente a produção de leite, ovos, gado, suínos, enfim, esta é uma reivindicação encaminhada pela comitiva rondonense com reflexos sentidos em toda a região (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).
Quando argumenta sobre o cooperativismo, ARAÚJO (1982), relaciona as
influências negativas da política agrícola sobre o mesmo e a submissão das
cooperativas à economia capitalista. Os produtores rurais, provando condições de existência precárias e determinadas, expostos ao jogo instável da política agrícola, ao constituírem cooperativas, onde a
158
incompatibilidade dos princípios ideais de cooperativismo esbarra com as exigências da prática econômica capitalista, aprendem a conviver, periodicamente, com crises institucionais que resultam, invariavelmente, em frustrações (ARAÚJO, 1982, p. 173-174).
As intervenções práticas são vistas como aspectos positivos voltados para a
resolução dos problemas do “novo agricultor”: aos olhos do agricultor a cooperativa
era deles e as ações eram necessárias para lhes proporcionar uma vida melhor. O
argumento de que a cooperativa não visava lucros conquistava a confiança dos
agricultores. Aqueles agricultores que não aderiam às propostas e não se associavam à
cooperativa, eram tratados com certa discriminação pelos demais, que reforçavam as
idéias cooperativistas enquanto ato de fidelidade e credibilidade dado ao processo de
modernização. De acordo com SERRA, os agricultores filiados, embora conservando impressão de que continuavam decidindo seus destinos, perderam substancialmente a gerência de seus próprios estabelecimentos agrícolas. Na prática [...] a liberdade de decisão dos produtores passou a ser mais restrita e sujeita às decisões tomadas na sede da Cooperativa. A busca de uma vida melhor para o agricultor no campo com a difusão da implantação da tecnificação no campo e a transformação nos hábitos cotidianos destes agricultores, transformou-os em consumidores de produtos industrializados como: insumos, maquinários, fertilizantes, produtos domésticos, etc. (1986, p. 229).
3.5 A DINÂMICA DA MODERNIZAÇÃO: O LABORATÓRIO DO NOVO
O processo de mecanização gerou uma série de discussões acerca do
treinamento e das novas perspectivas disseminadas nas escolas técnicas. O
“laboratório da novidade” recebeu apoio especial da Secretaria da Agricultura e da
Prefeitura Municipal, bem como da Federação Agrária do Paraná. A principal
preocupação incidiu sobre o aprendizado dos jovens no manuseio das técnicas
agrícolas. O GINÁSIO AGRÍCOLA Estamos seguramente informados que, já neste ano, irá funcionar o ginásio agrícola desta cidade. Funcionará junto ao Ginásio Estadual. A Secretaria de Agricultura, Prefeitura Municipal, Federação Agrária do Paraná e outros órgãos, serão os mantenedores desse ginásio onde os jovens, filhos de agricultores, poderão preparar-se para as futuras funções de técnicos agrícolas. Vão ser tomadas todas as providências para o perfeito
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funcionamento dessa escola ainda este ano e com todas as adaptações necessárias (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Estas escolas técnicas, muitas vezes, funcionavam sem os aparatos
necessários, pois o corpo docente não estava preparado adequadamente para a
transmissão dos conhecimentos relacionados a essas inovações. Mesmo assim, as
escolas técnicas foram organizadas. Em 1969, cogitou-se a instauração de uma
faculdade que contemplasse cursos como Agronomia e Medicina Veterinária. De
acordo com as informações da emissora de rádio (“Estudantes preparam-se para
Discutir Universidade”): “O nosso povo de Marechal Cândido Rondon, como
aconteceu já da outra vez [...], vem solicitar uma faculdade de agronomia e veterinária,
dada às condições de nossa região ser fundamentalmente formada pelo meio de
economia rural” (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Além da formação dos filhos, no intuito de despertar o interesse dos
colonos, são divulgados todos os trâmites no que se refere à melhoria e seleção de
sementes de trigo e soja. Discursos sugestivos e envolventes alertam para as
“experiências progressistas”. O SR. ISENBERG E OS TESTES PARA MELHORA DA SEMENTEIRA Na sessão da Câmara de ontem à noite o vereador Dr. Seiboth teceu considerações sobre o trabalho altamente interessante e profícuo que está desenvolvendo o sr. Frederico Ísenberg, no terreno da seleção de sementes de trigo e soja, aclimatados à nossa região. Informou o Dr. Seiboth que os resultados foram altamente compensadores e já há triticultores na região que se serviram das experiências desse progressista agricultor, e tiveram resultados surpreendentes. Desejamos conhecer mais a fundo essas experiências de acasalamento e seleção, para podermos detalhar aos prezados ouvintes, sabedores que somos que a triticultura e a soja estão num desenvolvimento sem precedentes nesta região, havendo cada dia que passa, mais e mais agricultores aumentando suas áreas de plantio desses dois cereais (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Os incentivos propostos intensificam as experiências com a aclimatação de
sementes, na tentativa de utilização destas no meio agrícola. Assim, calcados em
argumentos de controle sistêmico, são divulgados os resultados atingidos por um
agricultor. Tal estratégia visa, sobretudo, ampliar as lavouras cultivadas com trigo e
soja. A indústria de tratores já nasceu com características de oligopólio. A proteção ao mercado, decorrente de políticas que favoreceram a substituição de importações ajudaram
160
a constituir barreiras institucionais, além das decorrentes do porte dos investimentos fixos. Poucas foram as empresas de menor tamanho que, após alguns anos, conseguiram manter-se no mercado. Foram filiais de grandes empresas multinacionais como a Massey, Ford e Valmet que, pouco a pouco, passaram a dominar o mercado concentrando vendas por classe de potência ou em geral (Kageyama, 1987, p.42).
O sucesso da adoção desse modelo de mecanização na agricultura do
Extremo Oeste do Paraná, em especial em Marechal Cândido Rondon, pode ser
dimensionado através do noticiário intitulado “Desfile de Tratores Marca Época da
Mecanização”. A programação utiliza um vocabulário detalhado sobre o desfile: as
marcas dos tratores, os primeiros colonos que adquiririam os equipamentos, bem como
o número de colonos que se faziam presentes: “O desfile [...] marca [...] a nova era
para nossa gente que agora vai partindo rumo a mecanização da lavoura, o que dará
maior progresso à região que bem precisa deste empreendimento” (Frente Ampla de
Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Os discursos definem a mecanização a partir da indução de técnicas
modernas no campo, afirmando que este seria o caminho do progresso da região.
Dessa forma, desviam as atenções do que está por detrás desses interesses: o
atendimento aos interesses das indústrias em busca de mercado para seus produtos.
As coordenadas sobre o uso de notas promissórias, cheques, os trabalhos do
sindicato, entre outras informações para a aquisição da máquina, foram amplamente
discutidas em reuniões e assistidas atentamente pelos agricultores. Estes
esclarecimentos eram necessários e úteis para a consolidação futura da tecnificação
agrícola. A divulgação destas informações era responsabilidade dos representantes da
ACARPA e de funcionários do Sindicato. Muitos foram os argumentos usados para
convencer os agricultores: “vão e perguntem para saber como fazer o futuro”. Frase
usada informalmente para incentivar o futuro da modernização. REUNIÕES DE AGRICULTORES Muitos de nossos amigos agricultores não conhecem a fundo a lei das promissórias, das letras de câmbio e de como usar os cheques ... Outros desejam explicações sobre a FUNDEPAR, ... instituto, ... sindicato e outros departamentos ligados às relações diárias do agricultor. Para isso hoje à noite estarão os doutores Filipe Laginski, da ACARPA, Dr. Ezio Bernardinis, advogado do sindicato, Dr. Leopoldo, veterinário, e o Dr. Antonio Paulo, estagiário no Sindicato, na vila de Porto Mendes para dar explicações. Não fiquem em casa. Vão e perguntem para saber como fazer o futuro (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
161
Na esfera da circulação dos informes, foram muitas as motivações que
contribuíram para a expansão e aceitação das informações. O quadro da ciranda
produziu esquemas mediados nas prestações de serviços, abrangendo os distritos do
município. A informação foi desencadeada por Egio Bernardini, Joaquim Felipe
Laginski, Leopoldo Pietroski e Antonio Paulo Cenconato, pessoas que trataram de
temas diversos como o Sindicalismo, o Funrural, a contribuição sindical, o imposto de
renda, os títulos de crédito, as notas promissórias etc. Não há dúvidas, porém, de que
as informações anteciparam e prepararam os agricultores para a modernização e as
“novas necessidades” provenientes dessa nova fase na produção agrícola. Contudo, a
densidade discursiva vai mais além no que se refere ao estímulo dos agricultores,
alertando e prevenindo-os contra os possíveis golpes comumente aplicados em
agricultores desinformados. Estes conselhos aparecem na fala jornalística que
incentivava a participação dos agricultores nas reuniões. REUNIÃO DE AGRICULTORES NA VILA MERCEDES Outros conhecimentos que os agricultores devem saber, para não cair em enganos e engodos, e não se deixarem levar por picaretagens ou logros. Sempre se disse que o nosso agricultor é um ingênuo, que todos logram e passam para traz. Pois é isso que deve acabar, procurando o nosso agricultor conhecer as leis e agir certo nas horas da dúvida. Aconselhamos a irem hoje à noite até Mercedes para ouvir explicações, discutir casos que podem surgir, perguntar para se esclarecer. É uma grande iniciativa essa do Sindicato Rural e da ACARPA, a de ir ao encontro do agricultor, instruí-lo e prepará-lo para o futuro (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Nessa conjuntura, criaram-se condições para facilitar o acesso de
representantes do Ministério da Agricultura. Condições estas criadas a partir de um
entrosamento das propostas sediadas no CAM – Centro Agropecuário Municipal. As
explicações apontam para o sucesso do CAM em outros municípios. Assim, admite-se
a possibilidade das propostas se concretizarem em Marechal Cândido Rondon, ficando
a Prefeitura Municipal como responsável pela destinação das verbas do Fundo de
Participação e do ICM. Ao Ministério da Agricultura caberia a colaboração com uma
verba trinta vezes maior. Tais investimentos constavam na elaboração dos projetos de
modernização da agricultura municipal. As medidas contemplavam a distribuição de
todo o aparato tecnológico: sementes selecionadas, maquinários agrícolas e técnicas
162
modernas para a pecuária. SERÁ ORGANIZADO O CENTRO AGRO-PECUÁRIO MUNICIPAL O representante do Ministério da Agricultura de Curitiba informou ao Sr. Prefeito que pretende o Ministério instalar em breve no município o CAM – Centro Agropecuário Municipal. Para execução desse projeto que já funciona a todo o vapor em quatro municípios paranaenses, deverá a Prefeitura destinar a verba do Fundo de Participação e parte do ICM, que toca ao município, cabendo ao Ministério da Agricultura entrar com uma verba mais ou menos 30 vezes maior. Destina-se a planejamento moderno da agricultura do município, distribuição de máquinas agrícolas, tratores do Ministério, distribuição de sementes selecionadas, cuidados modernos e técnicos da pecuária (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Como já foi mencionado anteriormente neste trabalho, o ensino recebeu
modificações atreladas à tecnificação. Para se entender esse processo de mudança,
devemos voltar nossa atenção para as falas dos representantes da diretoria da escola,
representadas pelo Instituto Vocacional e Assistencial Rui Barbosa, que arrendaram
uma propriedade para incentivar a adoção de práticas modernas. Primeiramente, foi
feito o cultivo de trigo. Na ocasião, os equipamentos eram emprestados. Os
preparativos do solo eram executados pelos alunos, sob o olhar atento dos técnicos.
Buscava-se, assim, uma aproximação dos jovens do exercício e das práticas agrícolas,
de acordo com o modelo vigente. INSTITUTO VOCACIONAL PLANTA TRIGO Na manhã de hoje nos visitou um dos membros da diretoria do Instituto Vocacional e Assistencial Rui Barbosa, que nos falou sobre o andamento de um dos setores de especialização deste instituto que está funcionando em nossa cidade [...]. Pela parte de assistência vocacional, este instituto arrendou as terras de propriedade do senhor Eduardo Reschke, localizadas à 1.000 metros de distância da captação d’água para o abastecimento da cidade. São 15 hectares onde com maquinário emprestado (por enquanto) foram plantadas sementes de trigo. O local foi anteriormente preparado e limpado com o auxílio de alunos do estabelecimento, sempre abaixo de técnicas comprovadas [...]. Será local para uma estação experimental em miniatura, onde futuramente serão os alunos os próprios experimentadores. Consta ainda haver três propostas de firmas que trabalham com máquinas agrícolas, sendo estudadas pela diretoria do instituto vocacional, para uma futura compra desse equipamento mecânico que vai revolucionar o ensino agrícola. Desejamos a este instituto muitas felicidades para o futuro (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Mais uma vez a emissora de rádio marca presença em mais uma reunião do
sindicato, ratificando a importância das assembléias enquanto espaço fundamental
destinado ao serviço de orientação dos agricultores, ou seja, este espaço deveria ser
163
estritamente do interesse dos agricultores. As reportagens delegam a si próprias, o
papel da informação com fidelidade em torno dos assuntos debatidos na assembléia,
pois “o agricultor gosta de estar sempre bem informado e esclarecido...”. Amparadas
nesse discurso, tinham livre acesso aos temas debatidos nas assembléias que eram
transmitidos, posteriormente, aos lares dos agricultores. SERÁ HOJE A ASSEMBLÉIA DO SINDICATO Nossa reportagem estará na tarde de hoje seguindo de perto as atividades do sindicato para que possamos sempre informar com fidelidade todos os atos resolvidos dentro desta assembléia. Várias autoridades estarão presentes, tendo sido convidadas pela direção do sindicato rural de nossa cidade. O agricultor gosta de estar sempre bem informado e esclarecido, por isso estamos confiantes no êxito dessa assembléia (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
O papel fundamental do sindicato era de informar o agricultor sobre as
possibilidades de financiamentos. Nesta perspectiva, os créditos “oportunizavam” a
compra de tratores. Nas palavras de Kageyama, “entre os anos de 1970 e 1976, quando
a indústria de equipamentos atingia o auge de vendas, um conjunto de fatores atuou
para explicar seu bom desempenho. O subsídio ao crédito agrícola atuou pelo lado da
demanda sustentando o desempenho em vendas dos equipamentos aos agricultores”
(1987, p. 48).
A argumentação em torno das iniciativas levadas a efeito pela Prefeitura
Municipal ganha destaque na assembléia sindical. Na ocasião, o prefeito falou sobre o
Convênio entre a Prefeitura e a ACARPA e também dos problemas com o transporte
enfrentados pelo sindicato. Diante disso, a Prefeitura concedeu um carro para o uso do
sindicato em suas atividades. Outro assunto que teve grande repercussão, na ocasião,
foi relacionado aos possíveis financiamentos de tratores de esteira Caterpillar, com
prazo de cinco anos para o pagamento. Os tratores poderiam ser adquiridos por um
grupo de agricultores para executar atividades agrícolas, tais como a destoca, a
construção de açudes e outros fins. O prefeito destacou ainda a fundação, no
município, de um conselho agropecuário. ASSEMBLÉIA GERAL SINDICAL O prefeito municipal falou sobre os seguintes tópicos: Reflexos no município da alteração havida com o ICM [...] Convênio no valor de 10 milhões antigos entre
164
prefeitura e ACARPA, [...] concessão à título de empréstimo de uma condução da prefeitura pelo espaço de 2 anos ao sindicato ... Proposta de financiamento de tratores Caterpillar pelo prazo de 5 anos para a agricultura local, ... possibilidades de os senhores agricultores reunirem-se em grupos para aquisição de seu trator de esteira, [...] fundação no município do conselho agropecuário municipal que controlará toda a atividade agrícola no município (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Ao mesmo tempo em que acontecia o desenvolvimento do ensino de
atividades agrícolas no município, outros trabalhos de treinamento, organizados pela
ACARPA, eram realizados fora do mesmo, como no Centro de Treinamento de
Castrolândia, órgão especializado na difusão das novas técnicas agropecuárias. Na
ocasião, foram abertas vagas a jovens rondonenses para ingressarem no curso,
gratuitamente. Os temas abordados no curso: pastagens, nutrição animal, criação e
manejo, higiene e a modernização no campo, com destaque à criação de animais. As
atividades reuniram aulas teóricas e práticas, executadas nas fazendas da instituição. ELEMENTOS DA ACARPA TROUXERAM NOTICIA ESPETACULAR Com a visita de hoje à nossa redação dos doutores Laginski e Ceconello, nos foi passado às mãos uma correspondência do centro de treinamento para pecuaristas de Castrolandia. O assunto diz respeito ao recrutamento de jovens de no mínimo 18 anos, filhos de agricultores e que estejam ligados ao meio rural e ter no mínimo o curso primário. Isto é, para um curso gratuito de 15 de julho à 4 de setembro em Castrolandia perto de Ponta Grossa em nosso estado. Como frisamos, o curso é gratuito e será o último movimentado por este órgão uma vez que depois, esta escola será emprestada ao governo. Neste curso os participantes serão instruídos sobre pastagens, nutrição animal, criação e manejo do gado leiteiro, higiene veterinária, mecanização agrícola, administração rural, laticínios, etc. Os cursantes farão praticas nas fazendas da colônia holandesa diariamente em toda a extensão do curso. É uma ótima oportunidade para os nossos jovens agricultores, para ampliar seus conhecimentos. Sobre esta parte, os interessados deverão procurar o Dr. Laginski na ACARPA local (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
A didática utilizada na apresentação das técnicas agrícolas européias, no
curso, foi o vídeo. Assim, o Sindicato Rural programou uma seção de filmes
destinados aos agricultores, difundindo as atividades agrícolas européias, enfatizando
sua “modernidade”. A situação discursiva utilizada reforçou a idéia de que os
agricultores tinham “muito o que aprender no sistema de modernas técnicas da lavoura
no mundo”. Essa forma discursiva abre as portas para o modelo tecnológico europeu
no município.
165
O SINDICATO RURAL VAI PROJETAR FILMES O sindicato rural desta cidade programou para dia 17, sábado, no Cine Ideal, a exibição de filmes úteis aos nossos agricultores. Serão filmes de um grande laboratório europeu nos quais se mostram as atividades agrícolas modernas. Um dos filmes será falado em português e o outro em alemão. Ambos são coloridos (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
Como parte da campanha pela modernização, foram organizadas várias
atividades com recursos audiovisuais. Além da Europa, estas atividades mostravam as
novidades técnicas desenvolvidas em outros países, como nos Estados Unidos, com
títulos bastante sugestivos, enfatizando sempre a importância, para os agricultores,
deste aprendizado: HOJE À TARDE UM FILME PARA OS SENHORES AGRICULTORES Um filme que mostrará a moderna agricultura desenvolvida nos Estados Unidos. Será um filme colorido, muito bonito e bem trabalhado e que tem por título ‘Do plantio até a colheita’. (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
Um dos pilares que sustentam o programa modernizador da agricultura
brasileira é o sistema da especialização e produção para de exportação. A soja é um
dos produtos mais destacados neste processo. Um bom indicador da trama discursiva
em torno do projeto de modernização pode ser identificado na fala do Deputado
Arnaldo Faivro Busato por indicar o incentivo dado ao plantio da soja no Paraná. Os
argumentos organizam elementos sustentados no progresso regional, bem como, nas
vantagens advindas da expansão do cultivo dessa cultura para a economia do Estado e
da nação brasileira.
Durante os anos de implementação do binômio soja-trigo, foram realizados
vários encontros e congressos enfatizando o cultivo desses produtos, principalmente da
soja. Por trás da ideologia de sustentação desse modelo, Busato menciona que o saldo
da produção brasileira de soja ocupava o terceiro lugar no ranking mundial,
representando 3% da produção. Ao divulgar os resultados da produção nacional,
buscava-se incutir nos agricultores hábitos e práticas de estrutura e produção agrícola
sustentadas nos objetivos governamentais.
166
BUSATO DIZ NA CÂMARA QUE SOJA É IMPORTANTE O desenvolvimento da cultura da soja no Paraná assume características de elemento impulsionador do progresso, contribuindo decisivamente para o fortalecimento de nossa economia. Essa foi a tônica do discurso pronunciado pelo Deputado Arnaldo Faivro Busato na Câmara Federal em Brasília. O deputado paranaense iniciou o seu pronunciamento com o propósito de difundir a todo o país, a realização do encontro da soja, realizado recentemente, na cidade de Ponta Grossa (Frente Ampla de Notícias, v. 12, 13.05.71 a 18.07.71).
Foto 9 – Área com Cultivo da Soja
Plantação de soja em Linha Palmital, distrito de Margarida (1980). A foto mostra uma lavoura mecanizada e ainda contempla a participação e a curiosidade da família. Ao fundo, contrastando com a lavoura mecanizada, aparecem áreas, reduzidas, ainda cobertas pela mata. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.
Segundo Busato, os números revelam a expansão do cultivo da soja e a
tecnificação no campo. O saldo da produtividade foi avaliado no período
compreendido entre 1960 e 1970, e o resultado diagnosticado apresentou um contínuo
crescimento da produtividade. Só no estado do Paraná foi avaliada uma produção de
160 sacas por alqueire. Resultados que poderiam melhorar a partir de uma situação
climática que se mantivesse adequada ao cultivo. O deputado afirma, ainda, que os
agricultores em condições mais favoráveis podem ampliar a área de cultivo e,
167
conseqüentemente, adquirirem mais equipamentos agrícolas. Essas afirmações
chamam a atenção dos agricultores do município, pois, trocando seus maquinários e
ampliando as suas lavouras estariam trabalhando pelo “desenvolvimento” do país. A
respeito do crescimento do cultivo da soja, de acordo com o deputado, o mesmo foi de
152% nos últimos cinco anos. BUSATO DIZ NA CÂMARA QUE SOJA É IMPORTANTE Constatou-se um aumento da ordem de 41% em relação à safra de 60-70. No que tange às áreas cultivadas, a estas foram acrescidos mais de 55%, se comparadas com as safras passadas. O Paraná em 1968, nas regiões oeste-sudoeste, colhia 220 mil sacas passando para a atual safra, a um montante de 3,7 milhões de sacas, em determinadas regiões, de mais de 160 sacas por alqueire, apesar das condições climáticas desfavoráveis que assolaram a região no período da colheita. “Atualmente”, frisou Busato, “os agricultores já se encontram em melhores condições e propõem-se a adquirir novos implementos agrícolas e à preparação de novas terras a serem destinadas à cultura da soja”. Isso nos proporciona uma perspectiva de contribuição cada vez maior e mais efetiva à economia nacional (Frente Ampla de Notícias, v. 12, 13.05.71 a 18.07.71).
A respeito da mecanização no campo, Devair Cesar Loch, representante da
EMATER, define-a como uma novidade forçada. Na fala de Devair, a mecanização
não estaria resumida no trator potente, pois, a mesma estaria presente também no
arado de tração animal ou numa ordenhadeira usada no estábulo. Para Devair, o trator
na lavoura representaria um avanço da mecanização, ineficiente, se não viesse
acompanhado de implementos. E adverte que, para o agricultor que considera esse
“arsenal” de máquinas e deseja o trator na propriedade, não basta usar arado e grade; o
sucesso da lavoura mecanizada somente seria significativo quando um trator
trabalhasse com muitas máquinas em diferentes funções. O questionamento acerca do
entendimento de mecanização pelas pessoas que residem na cidade e o trato na
evolução das técnicas, requer a atenção do público. O uso do trator não representaria,
nesse sentido, fator decisivo de mudanças, caso não fosse utilizado em toda sua
plenitude. PEQUENO COMENTÁRIO – ESCRITO PELA ACARPA POR DEVAIR CESAR LOCH – TRATOR E MECANIZAÇÃO AGRÍCOLA. Muitas pessoas – principalmente as que moram na cidade – quando ouvem falar em mecanização de lavoura, pensam logo em tratores possantes, fazendo grandes terraços ou puxando enormes arados. Mas nem sempre é assim. Para começo de conversa, mecanização não implica em usar trator. Um arado de aiveca, puxado por um burro é
168
mecanização; a instalação de um carneiro hidráulico para elevar água à um depósito, é mecanização; uma ordenhadeira no estábulo, é mecanização. O trator é o estágio mais avançado de mecanização, como também o mais desejável em muitos casos, porém nem sempre é o que resolve. Vejamos por exemplo, o trator sem implementos, pouco serviço presta na fazenda. Quando se fala em implementos, nos vem imediatamente a imagem de um arado ou grade. No entanto não são os únicos. São os mais populares. Pulverizadores, debulhadores, cultivadoras, colhedeiras, rolos, adubadeiras, plainas, secadoras e dezenas de outros implementos, são fabricados, porém poucos deles usados. Por isto é que dizemos que mecanização da lavoura faz sucessos, porém pleno êxito só será alcançado quando um trator puder fazer trabalhar seis ou oito máquinas diferentes e não apenas o arado e a grade, como agora (Frente Ampla de Notícias, v. 13, 01.07.71 a 30.10.71).
A ciência adquire credibilidade do ponto de vista das regras e técnicas da
produção de sementes. Assim, as inovações de sementes mobilizam a atenção dos
agricultores, tendo em vista o aumento da produtividade. A cooperativa local concede
treinamento aos agricultores, ministrado por técnicos e engenheiros agrônomos, que
orientam os mesmos na produção de sementes e na expansão das lavouras para
melhorar a qualidade da produção. As sementes deveriam possuir identidade genética
e sua variedade deveria ser mantida. Deveriam ser eliminadas ainda as ervas daninhas.
Exigia-se uma pureza do produto, de 98%. Já a germinação, deveria ser de 80%. Nesse
sentido, foram enfatizados os padrões de cultivo com base em critérios como a
conservação do solo e a adubação. A lavoura, destinada à produção de sementes,
recebia a visita e o acompanhamento técnico constantes, obedecendo a todos esses
critérios. Dessa forma, o agricultor poderia expandir seus lucros. Esse discurso
evidencia já a presença da cooperativa no acompanhamento da tecnificação no campo.
Mas, o que chama a atenção é que, nesse período (1974), já era possível aos
agricultores produzirem sementes. Tanto que as indústrias produtoras de sementes
adotaram algumas teorias do modelo anterior de produção, redimensionando-as
posteriormente. Passaram a afirmar, dessa maneira, que as sementes industrializadas,
por serem selecionadas, eram as mais recomendadas. TERMINADOS OS CURSOS DE PRODUÇÃO DE SEMENTES O importante é conduzir tecnicamente a lavoura, com bom preparo do solo, terraceamento, adubação, calagem e tratos culturais em geral. Para a produção de sementes, a lavoura deve ser inspecionada no mínimo duas vezes por técnicos, a fim de manter a lavoura dentro do padrão de campo estabelecido pela legislação CEST e CESSOJA (Frente Ampla de Notícias, v. 20, 05.03.74 a 21.08.74).
169
Com o avanço da mecanização, ampliam-se as atividades desenvolvidas
pelas indústrias especializadas na extração de óleo vegetal. A tecnificação no campo
expandiu o cultivo da soja; logo, abriu-se espaço para a conciliação entre dirigentes
das indústrias de óleo, políticos, representantes da emissora de rádio, agricultores e
comerciantes. O período sintetiza as boas relações entre agricultura e indústria, que
obedecem a uma lógica dissimulada, produzida pelo discurso que atende,
principalmente, aos interesses do capital. CERESER INAUGURA DAQUI HÁ POUCO Com a inauguração hoje da Cereser, vemos finalmente inaugurada e funcionando a primeira indústria extrativa de óleos vegetais de nosso município e, que teve a sua fundação há cerca de 10 anos, sob a denominação de Cirosa (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).
Um documento elaborado pela Casa Civil-Subchefia de Comunicação
Social — divulgado pela Rádio Difusora com o título “Tese do Paraná aprovada no
Congresso de ICM” —, informava sobre os acontecimentos ocorridos durante o “2º
Congresso Nacional de Administração do ICM” realizado em Cuiabá. Neste evento,
foi aprovada uma das teses desenvolvidas pelo Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social, que tratava dos incentivos fiscais de produtos
industrializados no Estado. Juntamente com os técnicos da Secretaria das Finanças, foi
discutida a avaliação dos incentivos fiscais fornecidos pelo governo do Paraná nas
exportações de produtos industrializados, verificando suas dimensões e efeitos,
especialmente no que se refere ao mercado agropecuário. Nessa perspectiva, surgiu a
idéia de levar ao Congresso, destinada ao Ministério da Fazenda, uma reivindicação
que procura rediscutir a sistematização das atividades industriais determinadas pela
dependência do mercado externo. Ressaltou-se, mais uma vez, a importância do
emprego de tecnologia moderna, que resultava no pagamento de “royalties”. Porém, de
acordo com o documento, os benefícios ficaram restritos aos empresários.
Conseqüentemente, houve uma redução no número de empregos e enfraquecimento do
mercado interno.
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TESE DO PARANÁ APROVADA NO CONGRESSO DE ICM A sugestão, encaminhada após o Congresso ao Ministério da Fazenda, demonstra que o sistema vigente vem induzindo a consolidação de atividades industriais dependentes do mercado externo; o estímulo ao emprego de tecnologia moderna, pelo usufruto da qual se pagam “royalties”, se associa a capitais externos; a concentração de renda nas mãos do empresário; a baixa geração de empregos e a restrição ao desenvolvimento de um mercado interno. Esta tese foi estudada pela Comissão de Política Tributária e Administração do ICM, que a aprovou por unanimidade (Frente Ampla de Notícias, v. 25, 09.02.76 a 13.03.76).
Estamos em 1975, período no qual a mecanização atinge altos índices de
desenvolvimento. As conseqüências do processo começam a ser discutidas e o
documento acima mostra a preocupação com o destino da economia brasileira.
O processo de mecanização e qualificação técnica tinha como propósito
principal aliar a indústria à produção modernizada no campo. Para tanto, seria
necessária a organização de conhecimentos teóricos acerca das novidades
tecnológicas. Em 1976, foram muitas as solicitações para a criação de uma faculdade
com cursos na área de agronomia e veterinária para o município. Porém, a implantação
do curso de agronomia só veio a acontecer em 1996, na UNIOESTE, e o de zootecnia
em 1999, em substituição ao de veterinária.
Em 1976, foi destinado um ofício ao Ministro da Educação e Cultura Ney
Aminthas de Barros Braga. Na ocasião, argumentava-se sobre a importância do
município, chamando a atenção para o destaque econômico calcado em sua expressiva
agropecuária. Em determinado momento, o ofício sustentou a argumentação do
crescimento populacional mundial e, nesse sentido, enfatizou-se a segmentação e o
aprimoramento técnico como caminhos para a resolução dos problemas daí surgidos.
No que se refere à educação, esta foi definida como “chave para o progresso”,
reforçando os pedidos de solicitação dos cursos, já que estes atenderiam o município e
toda a microrregião do Oeste do Paraná. Além disso, o funcionamento dos cursos na
então FACIMAR — Faculdade de Ciências Humanas e Letras de Marechal Cândido
Rondon — poderia contar com a contribuição das empresas do município: duas
cooperativas, a indústria de laticínios, a indústria de óleos de soja, o frigorífico, entre
outras.
171
OFÍCIO A NEY AMINTHAS DE BARROS BRAGA Convictos que somos, de que a Educação é uma das mais importantes chaves para o progresso, vimos a Vossa Excelência, solicitar a criação de uma FACULDADE DE AGRONOMIA E VETERINÁRIA. Essa Faculdade poderá atender, além de Marechal Cândido Rondon, os restantes 18 municípios da micro-região do Oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 26, 23.03.76 a 17.05.76)
Na dinâmica da mecanização, temos a incorporação de cursos de tratoristas
no município. Contudo, a preocupação em ofertar cursos consiste muito mais em
apresentar os tratores do que a própria segurança do agricultor. As razões que
justificam o curso de aperfeiçoamento ofertado pela equipe técnica da Valmet do
Brasil, uma das empresas mais destacadas do setor, denunciam as medidas forçosas do
governo, que “impõem” aos fabricantes de tratores a realização dos cursos. No tocante
à ação discursiva, estabeleceu-se outra preocupação: a de possibilitar um
conhecimento aos agricultores que permitisse ampliar o rendimento da colheita,
através do estímulo à mecanização.
Do ponto de vista do representante da empresa, as instruções técnicas
incluíam informações sobre o financiamento do trator. Já do ponto de vista discursivo,
as significações das informações reproduziram as condições ideais para o bom
desempenho do trator, pois, conhecer a potência adequada para o tipo de maquinário
que o agricultor poderia acoplar; entender a rotação do motor para evitar o
aquecimento do motor; o nível do óleo requeria cuidado, pois, uma vez desajustado,
poderia resultar em necessidade de manutenção do trator; manter o trator abastecido
era fundamental, pois, se o trator ficasse sem combustível, retardaria a atividade
agrícola com uma série de manutenções técnicas. Ressaltou-se, assim, a importância
do conhecimento de noções práticas por parte dos agricultores como forma de garantir
o bom desempenho das atividades mecanizadas.
Entre as diferentes modalidades de treinamento presentes nos cursos, uma
delas dizia respeito ao trânsito de tratores nas estradas, bem como à presença de
“caroneiros” junto ao trator. Como visto anteriormente, foram muitos os acidentes
ocorridos entre tratores e carros, pois os agricultores, acostumados com o espaço largo
de suas propriedades, acabavam tendo dificuldades ao trafegarem nas rodovias. A falta
de sinalização adequada no trator e a formação de poeira nas estradas contribuíam para
172
os acidentes.
Ademais, através destes cursos, eram fornecidas instruções sobre
declividade, curvas de nível, conservação do solo, pois esse conhecimento era
necessário no momento de arar a terra. O agricultor deveria ter domínio dessas
técnicas, caso contrário, após a primeira chuva, os estragos na lavoura seriam notáveis.
Aparentemente, toda essa preocupação nos dá pistas para compreender a solicitação da
palestra do gerente do Banco do Brasil, ampliando o conhecimento dos agricultores
sobre os financiamentos, tratados no discurso como “regalia do proprietário em relação
ao financiamento e qual a segurança que tem o Banco do Brasil sobre o próprio trator
quando é financiado”. De modo significativo a postura tomada reforça o financiamento
de maquinários com o objetivo de intensificar a mecanização no campo. CASA RIEGER E VALMET REALIZAM CURSO DE TRATORISTA A equipe técnica da Valmet do Brasil está realizando um curso de aperfeiçoamento de tratoristas, para 82 participantes da região [...]. Edmur Tagliarini, instrutor técnico, disse que a própria Valmet programa curso de tratorista, forçado pelo próprio governo, que exige para todos os fabricantes de tratores, que realizem curso volante, para transmitir mais conhecimento ao pessoal agrícola, buscando com isso dar ao agricultor possibilidades de obter maior renda sobre a colheita, entendendo o que é o solo, conservando em função da própria mecanização [...]. O curso transmite conhecimento sobre potência, sobre rotação, manutenção técnica, indicação dos pontos principais sobre nível de óleo, abastecimento, manutenção prática com o trator, o ferramental mecânico, o que ele considera muito importante na agricultura [...]. O diretor do trânsito é convidado a fazer palestra sobre a segurança nas rodovias, cidade, sobre a segurança das pessoas que são transportadas ao lado do tratorista [...]. Uma palestra com técnico da ACARPA sobre conservação do solo, abordando aspectos de declinidade do terreno, tipo de solo, análise do solo, correção do solo e curva de nível. Outra palestra prevista, por solicitação da Casa Rieger, é do gerente do Banco do Brasil, para que os agricultores entendessem melhor sobre o que é um financiamento, qual a regalia do proprietário em relação ao financiamento e qual a segurança que tem o Banco do Brasil sobre o próprio trator quando é financiado (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).
Como pode ser visto, o treinamento procura abranger várias áreas
relacionadas ao símbolo maior da modernidade no campo: o trator. Tem-se um esforço
concentrado para atender as novas necessidades surgidas com o sistema de produção
calcado na utilização de máquinas produzidas pelas indústrias.
Comunicado destinado à Rádio Difusora pela Assessoria de Comunicação
Social da Prefeitura veicula a presença do Secretário de Estado da Agricultura e do
assessor do diretor do Banco do Brasil, além dos secretários executivos da ACARPA.
173
Estas autoridades foram recebidas por uma comitiva composta pelo presidente da
Cooperativa, Prefeito Municipal, Presidente do Sindicato, Chefe do Núcleo Regional
da Secretaria da Agricultura, entre outros. A comitiva desenvolveu inspeções nas
lavouras cultivadas com soja A visita incluiu ainda a cooperativa local, onde o
Secretário da Agricultura foi conhecer detalhes sobre a situação da safra de soja e as
expectativas em torno da safra de trigo. Diante das preocupações dos agricultores e dos
agentes do processo de mecanização, foram feitas visitas até as propriedades. SECRETÁRIO DA AGRICULTURA ESTÁ EM RONDON Secretário e comitiva fizeram inspeção em várias lavouras de soja das redondezas, dirigindo imediatamente para a Cooperativa, onde o Secretário da Agricultura foi inteirado da situação reinante no Oeste do Paraná no que tange à safra do soja e as previsões do trigo (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).
Na oportunidade, foi acentuada a divulgação dos resultados da safra 1975-
1976, nos quais o município aparece com a primeira colocação na produção de trigo
no Oeste do Estado. Diante disso, haveria um encontro das lideranças municipais com
o Secretário da Agricultura e, na ocasião, a comitiva rondonense receberia o relatório
da produtividade estadual, bem como a produção de trigo e a posição do município
com relação à produção de gado bovino, feijão, soja, milho e fumo: MARECHAL CÂNDIDO RONDON – 1º PRODUTOR DE TRIGO DO ESTADO Comitiva rondonense manteve audiência com o Secretário da Agricultura, Dr. Paulo Carneiro Ribeiro. As autoridades rondonenses receberam das mãos do mesmo um relatório da produção agrícola do estado, e ao mesmo tempo a informação de que Marechal Cândido Rondon foi o maior produtor de trigo do estado na safra 1975/1976 [...]. A nível de oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon encontra-se ainda em segundo na produção de gado bovino, com 43.023 cabeças, em terceiro lugar na produção de feijão, com 194.220 toneladas, em quarto lugar na produção de milho, 60.000 ton. – e na produção de fumo – 749 toneladas (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).
Graziano da Silva, ao tratar da expansão das áreas cultivadas no sistema
especializado, afirma que “a expansão das fronteiras se efetivou com tal rapidez no
período devido à ampliação da infra-estrutura de transportes e o aumento da oferta
interna de veículos motorizados” (SILVA, 1998, p. 17-18).
174
O “saldo positivo” da mecanização contribuiu para a ampliação da
tecnificação — pautada na utilização de tratores e implementos para a adequação do
solo, tendo em vista as necessidades de aumento na produção surgidas com o
endividamento dos agricultores como conseqüência dos financiamentos. No entanto, o
número de caminhões não acompanhou o crescimento da produção. Em conseqüência,
os comerciantes ficaram em situação delicada gerada pela falta de recursos para a
retirada do produto dos celeiros em direção aos portos exportadores. VEREADOR STEIN RECLAMA A FALTA DE CAMINHÕES PARA O ESCOAMENTO DA SAFRA O vereador João Natalio Stein reclama da falta de caminhões para o transporte da safra de soja. O problema, segundo o vereador é enfrentado igualmente pela Comercial Marasca, cujo proprietário está à cata de caminhões para a expedição do produto que vem sendo colhido (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).
Uma vez revelados os problemas surgidos com a falta de caminhões, as
reivindicações por estradas asfaltadas passam a estar na ordem de prioridades para o
desenvolvimento. Com isso, o deputado Werner Wanderer justificou sua fala no anseio
popular, pois a ligação pavimentada entre Marechal Cândido Rondon com o distrito de
Novo Três Passos e demais localidades, certamente contribuiria para a resolução de
problemas com as estradas, liberando o caminho da modernização. WERNER WANDERER PEDE MAIS ASFALTO Werner Wanderer enviou expediente ao Excelentíssimo senhor Secretário dos Transportes, solicitando a pavimentação das estradas que ligam o município de Marechal Cândido Rondon com o distrito de Novo Três Passos, município de Nova Santa Rosa e ligando nas proximidades de vila Maripá à rodovia Toledo Palotina (Frente Ampla de Notícias, v. 52, 24.04.79 a 31.05.79).
A incorporação de novas técnicas mecanizadas no campo transforma as
relações de trabalho e o trabalho humano cede espaço para o trabalho executado pelas
máquinas. Como conseqüência desse tipo de modernização, as desigualdades sócio-econômicas entre os produtores se acentuam, porque se antes já não dispunham de condições homogêneas de produção, com a introdução de técnicas produtivas externas ao meio rural as diferenças se intensificam (FLEISCHFRESSER, 1988, p. 12).
175
Cumpre destacar que o crescimento das propriedades em Marechal Cândido
Rondon, tendo em vista a incorporação de técnicas modernas, configurou a exclusão
de determinado grupo de agricultores, já que “a característica poupadora de mão-de-
obra da tecnologia provoca significativo êxodo rural, o que veio a aumentar a demanda
alimentar urbana por produtos agrícolas beneficiados e in natura”
(FLEISCHFRESSER, 1988, p. 13). Neste cenário, os agricultores que não conseguem
se adaptar às novas condições de produção se vêem obrigados a vender suas terras, e
deslocarem-se para as cidades — sem qualificação para exercer atividades
profissionais ligadas ao espaço urbano — ou rumo a outras fronteiras agrícolas. Por
outro lado, os agricultores que resistiram aos efeitos da tecnificação, permaneceram
em suas pequenas propriedades desenvolvendo atividades, assalariadas, relacionadas à
prestação de serviços aos médios e grandes proprietários de terras. Entretanto, com o
avanço da tecnificação, que abrange, inclusive, capinadeiras mecânicas e herbicidas,
essas atividades vão desaparecendo. Tal processo é visível em observações de campo,
através das quais pode-se observar que a propriedade de um agricultor cresceu
mediante a compra da terra vizinha. Mas isso não quer dizer que desapareceram todas
as pequenas propriedades. Contudo, desenvolvendo-se paralelamente à modernização,
a pequena área é vista como um entrave ao processo. Nesse sentido, muitas áreas de
tamanho reduzido desapareceram, pois a necessidade de financiamento (aliada às
adversidades climáticas) era maior do que sua capacidade produtiva. Logo, a luta
contra a exclusão, em muitos casos, acabava na justiça. Nestas circunstâncias, muitos
agricultores perderam suas terras em virtude do aumento dos juros que incidiam sobre
os financiamentos. Assim, compreende-se de que formas o êxodo rural contribuiu
decisivamente para o crescimento da população urbana, o que pode ser comprovado
pelos números divulgados pelo IBGE. Tais circunstâncias provocam alterações na
estrutura familiar dos pequenos proprietários de terras. Nas propriedades mais mecanizadas, crianças e mulheres eram menos solicitadas para o trabalho agrícola, o que não significa que não tivesse participação alguma. As crianças sempre têm que ajudar em alguma coisa, seja tratar dos animais, carpir um pedaço pequeno, etc., e, quanto às mulheres, há trabalhos que são considerados femininos, como cuidar da horta e tirar leite. Mesmo a falta de filhos que ajudem na propriedade é, contraditoriamente, uma conseqüência desse processo, pois, sabendo que a possibilidade de herdar terra suficiente para manter uma família é remota, os filhos procuram estudar para ter uma profissão urbana (PAULILO, 1990, p. 94-95).
176
Nestas condições, os resultados mudam as regras do jogo: os filhos dos
agricultores que trabalhavam junto à propriedade, acabam buscando alternativas de
trabalho na cidade e a propriedade que permaneceu é cultivada pelos pais.
4. LAÇOS CULTURAIS: FACES DA MECANIZAÇAO E A
TRANSFORMAÇAO DO VIVER
A dimensão cultural de um grupo contempla experiências relacionadas a
costumes e às relações com o trabalho, apresentando características específicas de
determinada região, pois“todas as práticas, sejam econômicas ou culturais, dependem
das representações utilizadas pelos indivíduos para darem sentido a seu mundo”
(HUNT, 1995, p. 25). A “necessidade” de preservação dos valores prestigiados pelos
agricultores pode ser enquadrada como mecanismo adotado pela emissora de rádio
para marcar presença constante no cotidiano rural. De acordo com um dos
entrevistados (G): “o rádio era tudo”. O rádio, como já foi frisado anteriormente, era
ouvido intensamente pelos agricultores, principalmente aqueles programas veiculados
em certos períodos do dia: no início da manhã, ao meio-dia e à noite. A importância do
rádio na vida dos agricultores era tamanha que a aquisição de um aparelho de rádio era
tida como uma das prioridades dos recém-casados: com o casamento, era necessária a
construção de benfeitorias na propriedade e a aquisição de implementos agrícolas e,
com a venda dos primeiros suínos ou cereais (soja, feijão), os casais compravam um
rádio, que recebia lugar de destaque na residência.
A emissora de rádio utilizava estratégias persuasivas tendo em vista a
manutenção da audiência. Entre os recursos adotados estavam os elogios constantes ao
trabalho realizado pelos agricultores em favor do desenvolvimento da região. Sendo
assim, em vários momentos de sua programação diária apareciam referências à
amplitude cada vez maior dos esforços dos agricultores: RODA DE CARROÇA EM HOMENAGEM AO COLONO Como já é do conhecimento de todos, a Diretoria houve por bem homenagear o nosso AGRICULTOR ou COLONO, ao instituir a colocação, no “HALL” de entrada, de uma roda de carroça que também deverá servir como lustre, em reconhecimento a significativa parcela de contribuições e desmedidos esforços na construção e manutenção da nossa Sociedade de Cantores “Aliança” (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).
178
Estamos em 1967: o símbolo da roda de carroça, colocada na entrada do
clube, expressa o vínculo entre agricultores e a importância dada ao trabalho. O
simbólico representa as técnicas tradicionais adotadas naquele momento: o destaque
ainda mantém em evidência o carro de boi que predomina nas estradas do município,
apesar da introdução de novas técnicas, alicerçadas na utilização de máquinas
modernas, já estar em fase de desenvolvimento. Caso a homenagem fosse feita anos
mais tarde, será que a roda de um trator não seria adotada como símbolo do trabalho
dos agricultores?
A atuação das mulheres também é destacada pela emissora de rádio e a
manutenção de práticas relacionadas ao cotidiano feminino recebe atenção especial.
Como pode ser visto em cursos organizados pelos “Clubes de Mães”: “criando nova
mentalidade”, as sócias desenvolvem atividades que se restringem ao universo
feminino, tais como o bordado, arte culinária, a costura, entre outras. CLUBE DE MÃES VAI TRAZER EXPOSIÇÃO O Clube de Mães, criado em nosso município, tem uma finalidade toda especial, e agora no aproximar rápido do final do ano já vem apresentar seu fruto de um trabalho conjunto. Durante largo espaço de tempo, foi mantido rigoroso trabalho de aperfeiçoar, criando nova mentalidade, com a organização de turmas, e mantidas várias professoras que vieram dar vida aos cursos pela A.P.M. [...] pela qual funciona o Clube de Mães. A orientação dada em vários cursos, como o de bordados, tricô, arte culinária e costura dará a apresentar uma exposição, para a qual as orientadoras estão procurando por nosso intermédio avisar todas as mães, a virem até o clube e fazer entregas de seus trabalhos, para serem colocados em exposição. [...] Ainda dentro das festividades [...] trabalhos deste clube de mães, amanhã à noite terá seqüência o fato, com a entrega de certificados de participação nos clubes de culinária, bordado e tricô, com a solenidade marcada para a noite às 20 horas, tendo por local a sede do Clube Cultural e Recreativo Concórdia. Estarão presentes todas as autoridades especialmente convidadas, sendo que à nós da DIFUSORA, já recebemos o convite pessoal pela parte das orientadoras (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Como coroamento das atividades, os trabalhos foram expostos no Clube
Concórdia, numa solenidade prestigiada por autoridades políticas e representantes da
emissora de rádio. As atividades ligadas ao universo feminino são enfatizadas
constantemente na programação da emissora.
Contudo, na medida em que se constituía a estruturação da mecanização
foram poucos os espaços discursivos apresentando a participação feminina, embora a
atuação das mulheres tenha sido fundamental para a manutenção das famílias. No
179
discurso intitulado “Mulher em Favor da Agricultura” tratou-se com certo espanto o
fato das mulheres interessarem-se pelas atividades agrícolas. O espanto residiu no fato
de Núbia Maria Bosa ser engenheira agrônoma formada em instituição de ensino do
interior do Rio Grande do Sul. Mas, não foi só isso ao reportar-se a visita dos jovens
Inelvo Banez Gregolli e Núbia Maria Bosa ao escritório da ACARPA, aproveitou-se o
momento para divulgar a fixação de ambos no município junto as atividades agrícolas. MULHER EM FAVOR DA AGRICULTURA Fato até curioso é o caso de uma senhorita dedicar-se às lides agrícolas.Não é o que comumente acontece por aqui. Esta foi mais longe e adquiriu conhecimento especializado através de escola, especificamente por uma faculdade de agronomia (Frente Ampla de Notícias, v. 32, 24.01.77 a 28.02.77).
O rádio, portanto, que se pensava seria um instrumento da difusão da cultura, quando muito cria uma série de clichês, frases de efeito e lugares comuns da classe média, porque o termo cultura de massa não significa cultura própria das massas, mas cultura de uma elite, condicionada a um sistema de marketing e difundida por uma tecnologia industrial para o consumo das massas (CAPARELLI, 1980, p. 84).
Os domingos eram os dias dedicados ao descanso e o rádio era componente
indispensável para que este descanso fosse agradável. Assim, a programação de
domingo era realizada com atrativos diferenciados: resumo das principais notícias da
semana, religião, bailes, esportes e música dividiam espaço no rádio como forma de
proporcionar aos ouvintes opções variadas de entretenimento. Os temas religiosos
incluíam a transmissão de cultos. Como parte das atividades ligadas ao lazer,
usufruídas principalmente aos domingos, os eventos esportivos também eram levados
ao público por meio do rádio. O restante das tardes de domingo tinha uma
programação dominada pela música. PROGRAMAÇÃO PARA AMANHÃ Dentro de uma programação domingueira, podemos destacar para amanhã além dos horários especiais como a crônica da semana, os cultos pela manhã, vamos chamar a atenção do pessoal ouvinte, que o programa Baile na Colônia apresentado pelo professor Rauber, será de uma apresentação especial diretamente do salão Wahys. Para a tarde de amanhã em uma dupla esportiva Brahma X Flamengo e Botafogo X Corinthians de Margarida. O resto do domingo [...] pela difusora é como você quer ... com boa música. (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
180
Além disso, o final de semana era reservado para programas ligados às
festas e bailes. Entre eles, um dos programas de maior audiência era o chamado
“Baile na Colônia”: nome sugestivo, pois o público-alvo eram os agricultores
descendentes de alemães e italianos, a maioria deles proveniente dos estados de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Com isto, vinculando sua programação às tradições
prestigiadas pelo grupo, a emissora de rádio apostava na manutenção de traços
culturais das famílias como forma de conquistar a audiência, já que os bailes eram
comuns nas comunidades de origem de grande parte das famílias rondonenses. Sendo
assim, a emissora levava ao ar um programa transmitido ao vivo direto de um salão de
bailes. Por meio de uma programação especial, a emissora reafirmava que os
trabalhadores rondonenses, envolvidos durante a semana com atividades agrícolas,
eram merecedores do descanso e do lazer aos domingos. BAILE NA COLÔNIA SOB NOVA BATUTA Nosso programa dominical Baile na Colônia, é mais um motivo para levarmos a alegria aos lares de nossos amigos colonos, daí a denominação de Baile na Colônia. Toda a classe de ouvintes que possuímos tem sempre um programa específico, com o qual nos honra com sua sintonia. O colono que labuta durante uma semana a fio, tirando da terra o seu sustento e dando-nos a maravilha de seus produtos, merecem pela nossa programação alguns momentos para o seu deleite (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
As atividades culturais eram reforçadas através de apresentações artísticas
que primavam pela incorporação de práticas e valores importantes para a comunidade.
Como exemplo, pode ser citado o destaque dado à vinda de um grupo folclórico que
apresentava danças estruturadas a partir da cultura e da tradição européias. O GRUPO FOLKLÓRICO DE GUARAPUAVA CHEGA HOJE Chega hoje a Quatro Pontes o Grupo Juvenil Folclórico de Guarapuava para algumas apresentações nesta região. Hoje à noite estará no Salão Nitz de Quatro Pontes, para uma apresentação de danças da Europa. Depois um bailezinho familiar, para que todos possam se divertir. [...] Trata-se de um grupo que pretende demonstrar a tradição européia, com trajes típicos das regiões que representa. Convidamos as famílias para assistir a este espetáculo de cultura e arte (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Assim como havia programas musicais, outros aconteciam com a
participação do público por meio de cartinhas, através das quais eram feitas as
181
tradicionais homenagens de namorado para namorada ou entre amigos. No entanto, em
alguns casos, estas homenagens tomavam rumo indesejado: os ouvintes percebem a
facilidade de comunicar-se pelo rádio e a rapidez com que o possível informe chega ao
destinatário. A emissora, em nota ao público, passou a exigir nomes completos, pois
assim poderia responsabilizar as pessoas, caso fosse necessário.
Como exemplo, foi citado um namoro rompido que teve como saldo a
gravidez da moça. Com o passar dos anos, o rapaz se casou e sua ex-namorada, ainda
solteira, resolveu mandar-lhe uma homenagem em decorrência da passagem de seu
aniversário. O fato foi tratado como sendo ofensivo pelo pai da criança. A situação
resultou em críticas à emissora por ter veiculado tal tipo de mensagem. A defesa
pautou-se no profissionalismo e, portanto, não caberia à emissora tomar partido nos
conflitos. UMA NOTA OFICIAL DESTA EMISSORA Um belo dia vem a moça e faz uma dedicatória, dizendo que a criança dedicava a música X ao pai, por motivo de seu aniversário [...]. Já imaginaram se formos descendo ao ponto de ser muro de lamentações ou um saco de gatos, para atender as lamurias de todos... E já que estamos nisso, eu, particularmente tenho recebido cartas pedindo para xingar a A ou B. Não aceito o desafio ... não estou nesta emissora para isso, caros ouvintes. Posso sim aconselhar, procurar o bem, etc. mas meter-me em xingações, não posso e nem devo. Para isso existe ali o meu amigo sr. Maier, que, como delegado de polícia, está aí para botar freio, botar bronca até se for necessário (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
A troca de sub-prefeito no distrito de Margarida recebeu destaque na fala
jornalística, maximizando a presença da comitiva municipal como de hábito. Ao
prever discursivamente o desempenho do novo sub-prefeito Aluisio Hart, a reportagem
não deixa de representar e reforçar, trata-se de “um povo pra frente, honrado e
trabalhador” estes valores foram constantemente reforçados nos meios de
comunicação. SUB-PREFEITURA DE MARGARIDA TEM NOVO SUB-PREFEITO [...] Desejamos felicidades ao novo sub-prefeito senhor Aluisio Hart, e que a sua gestão naquela sub-prefeitura seja coroada de pleno êxito. Podemos antever os fatos pois sabemos que o pessoal de Margarida é um povo pra frente, honrado e trabalhador (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
182
As constantes modificações nas programações de rádio direcionadas aos
agricultores tinham como função legitimar as diferentes informações, para favorecer o
modelo idealizado; instigando os sentimentos dos agricultores ou reforçando-os
através de adjetivos como “homem trabalhador e familiar”, acessórios discursivos
utilizados para expandir um modelo carente de trabalho que, inevitavelmente, é
imposto ao cotidiano do agricultor.
A questão trabalho e suas relações com o tempo livre são analisadas por
Valquíria Padilha na obra “Tempo livre e Capitalismo: um par imperfeito”. As
transformações tecnológicas são contextualizadas observando-se as transformações
humanas e do próprio trabalho. Segundo a autora, [...] o desenvolvimento do capitalismo tem exigido exatamente isso, uma ‘revolução de costumes’, de forma que os indivíduos estejam constantemente tendo que se adaptar às ‘novidades’, a novos modos de vida [...]. Essas transformações requeridas pelo capital para os indivíduos não os libertam de suas amarras, muito pelo contrário (Padilha, 2000, p. 36).
Contudo, devemos considerar as criações ou recriações de necessidades
configuradas pela lógica capitalista não somente no terreno econômico, mas também
sua invasão no cenário cultural. Dessa maneira, podemos caracterizar as
transformações no modo de viver de Marechal Cândido Rondon, principalmente
aquelas relacionadas ao lazer, alterado de acordo com os interesses capitalistas. A VOZ DO AGRICULTOR, UM PROGRAMA PARA O AGRICULTOR Com o início do mês de novembro, temos modificações a anotar em nossa programação. Hoje à tarde, após a apresentação do programa Lenço Colorado, teremos a apresentação do programa A VOZ DO AGRICULTOR. Será um programa especial para o agricultor, de informações, homenagens e boas músicas (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
Embora predominasse a imprensa falada no município, também circulavam
jornais considerados “informativos”. Porém, como se pode observar no trecho
selecionado, o conteúdo destes jornais era carente de críticas. O jornal intitulado “O
Desbravador”, recebe nome atribuído a quem colonizou a região, título que toma ares
de “nacionalismo”. Não obstante, o conteúdo relatava o clima de festa em decorrência
da comemoração da “independência” do Brasil. São estes, elementos que evidenciam
183
os valores ideológicos fortemente presentes nesse período. O DESBRAVADOR VAI SAIR DIA 7 Este órgão da imprensa escrita, marcará a data de 7 de setembro, com a distribuição em todo o município de uma edição especial. [...] A edição trará mensagens com referência a passagem da grande data, fazendo com que nosso povo viva o estímulo novo que se pretende levar com a realização marcante de uma festividade pela passagem de mais uma data da independência brasileira. [...] prestando de certa forma uma homenagem à grande data que ficará marcada nos anais da história deste único órgão da imprensa escrita em nosso município. (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69)
Por tratarem-se de periódicos, através destes jornais os rondonenses
mantinham um canal de comunicação com o Rio Grande do Sul, principalmente por
meio do jornal intitulado “O Celeiro”. Uma maneira encontrada pelos migrantes de
obterem notícias de familiares deixados naquele Estado. O JORNAL “O CELEIRO” Estamos recebendo toda a semana 10 exemplares do jornal O CELEIRO de Três Passos, no Rio Grande do Sul. É um jornal novo daquele município, e que é editado todas as quintas-feiras, trazendo notícias de Três Passos, Portela, Crissiumal, Campo Novo, Santo Augusto, Humaitá e região. Há muitas pessoas que, tendo vindo daqueles locais, gostam de estar a par do que acontece em seus velhos municípios. (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
A ligação direta com o agricultor consolida-se com o programa “A Voz do
Agricultor”, as alterações nas programações adotam conteúdos como o de utilidade
pública, informativo cultural e educativo, atribuídos como um prêmio aos ouvintes. O
sentimento de preocupação com o público agricultor é constantemente reforçado, daí a
abertura de um espaço na programação, para instituições como a ACARPA, Prefeitura
Municipal e outras. A VOZ DO AGRICULTOR COM NOVIDADES Este programa, A Voz do Agricultor, é de utilidade pública, educativo e informativo. Por isto sofreu uma ampliação, em favor do ouvinte, que tem nele, um grande amigo para momentos de alegria [...]. Às quartas-feiras, durante 10 minutos, traremos até aqui, responsáveis pela ACARPA e às sextas-feiras, dados da SEMEC, Serviço Municipal de Educação e Cultura (Frente Ampla de Notícias, v. 10, 01.10.70 a 10.02.71).
Por ocasião das festividades do aniversário do município, as mensagens
transmitidas pelo poder executivo vêm carregadas de menções ao “progresso”
184
econômico e cultural. Nos argumentos, circulam afirmações positivas justificadas nos
níveis de produção, logo, o cultural estava de acordo aos níveis de instrução desejados
pelo sistema. MENSAGEM DO PODER EXECUTIVO PARA O DIA 25 DE JULHO DE 1977 Hoje vemos o progresso estampado bem a nossa frente, com o município de Marechal Cândido Rondon alcançando os mais altos índices no setor econômico e cultural, junto ao concerto estadual (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).
A apresentação indutiva presente na fala da empresa é difundida
oportunamente à comemoração dos 13 anos da rádio difusão. Conforme informação
dada inicialmente, o poder de abrangência da rádio era local, passando a atingir maior
público e crescer, juntamente com o crescimento da região. Em seu interior, o discurso
afirma o papel do rádio enquanto veículo a serviço da informação e encarregado do
lazer musical. Por conseguinte, no dia 19 de novembro de 1966, às 11 horas da manhã,
transcorreu oficialmente a inauguração da Rádio Difusora.
Na ocasião, a Inspetoria Regional de Ensino representada na pessoa do Sr.
Oldemar Baldus, parabenizou a emissora e chamou a atenção de todos para os
elementos inovadores adotados na atuação da imprensa, que considerou fundamentais
para “uma constante mudança de mentalidade para o nosso povo”. 13 ANOS DEPOIS Recebemos os cumprimentos da Inspetoria Regional de ensino através do seu titular Oldemar Baldus desejando a continuidade dos trabalhos como agentes trazendo cultura, educação e uma constante mudança de mentalidade para o nosso povo (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
O esforço constante em manter a produtividade sustentada nos mecanismos
de rentabilidade foi organizando as peças conforme as novas regras do jogo, sem
perder de vista a “vitória”, que seria concretizada na alteração dos comportamentos
com a consolidação do modelo idealizado.
185
4.1 COTIDIANO RURAL: TRANSFORMAÇÕES DE HÁBITOS
A transformação do cotidiano rural ocorre no contexto da aprovação dos
grupos detentores do poder, que procuram criar ou recriar uma forma de modelo,
conduta ou representação. Essa questão é profundamente estudada por CHARTIER
(1990, p. 17). As representações do mundo social assim construídas aspirem a universalidade de um diagnóstico fundado, na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.
Com essa atitude pretendem que certos traços culturais sejam remodelados,
e os passatempos envolvendo o lazer estejam essencialmente vinculados a padrões
técnicos e que estes sejam compartilhados em conjunto. Para tanto, o discurso criado
apresenta os padrões adequados para o trabalho rural. As informações jornalísticas
criam expectativas para a assimilação dessas novas situações.
As ocupações no extremo Oeste por descendentes de alemães, italianos e
eslavos, revelam o conhecimento e envolvimento destes com atividades agrícolas. A
atividade de que se destaca é a agricultura em pequenas propriedades, envolvendo o
trabalho familiar.
O processo de transformação se dá já na primeira fase, após a retirada de
pequenas parcelas de mata na qual ocorria a prática da policultura, estruturada a partir
do cultivo de inúmeros produtos e a criação de pequenos animais (suínos e aves)
destinados ao sustento da família, sendo a sobra da produção destinada a
comercialização. Neste processo inicial da agricultura se desenvolve com o uso da
fertilidade natural do solo e o envolvimento da família no trabalho. Para LOPES A necessidade de trabalho adicional pelas unidades camponesas, em certas épocas (limpa colheita) é satisfeita por formas de ajuda mútua (mutirão, troca de dias) prevalecendo entre elas, e só raramente pelo emprego do trabalhador eventual. Qualquer que seja a situação, a de proprietários ou rendeiros, a economia camponesa significa a produção de grande parte dos bens agrícolas (e de muitos dos artesanais) consumidos por seus membros. (LOPES, 1981, p. 19)
186
Foto 10 – Trabalho em Mutirão
O trabalho junto ao cultivo de milho era realizado pelos filhos da família Chapla e Mendes na propriedade de João Chapla. O plantio desenvolvido com máquinas manuais solicitava o trabalho em forma de mutirão, concluída a atividade na roça de Chapla certamente o plantio efetuaria-se na roça de Mendes. Descanço década de 1960. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser
No período da agricultura tradicional havia uma grande integração nas
localidades, linhas, distritos e municípios. O trabalho da colheita da soja recebia um
forte aliado: o mutirão. “Os agricultores trabalham ao ar livre mais do que o fazem os
trabalhadores na maioria das ocupações urbanas. Eles estão mais expostos à flutuações
das várias condições climáticas” (MARTINS, 1986, p.200). Para agilizar a colheita em
períodos de longas chuvas, os agricultores passam dia e noite voltados para a colheita.
O trabalho do corte da soja era realizado com foicinhas e, posteriormente, trilhado com
a trilhadeira acionada com motor estacionário a diesel ou gasolina. Já o recolhimento
dos feixes cortados era transportado até o local da triagem pelas carroças puxadas por
juntas de bois ou cavalos. Tal atividade era executada por crianças, mulheres e
homens. Este sistema de colheita era dividido em duas fases: o corte, que ocorria
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durante o dia e a trilhagem, que era executada à noite. Na trilhagem, as atividades
eram desenvolvidas em grupos: os que entregavam feixes ao embocador, que ficava
em frente à “boca” da trilhadeira, e os que retiravam o produto trilhado e ensacavam.
Havia também o trabalho das mulheres que faziam a costura das bolsas e os
responsáveis pelo “sacapalha” que retiravam o excesso de palha evitando, desta forma,
o entupimento da trilhadeira. Segundo MARTINS, “o principal critério para definição
da população ou da sociedade rural é ocupacional: a coleta e o cultivo das plantas e a
criação de animais” (MARTINS, 1986, p. 200).
As relações diretas do trabalhador com a natureza são visíveis e
significativas no extremo oeste, principalmente na fase da policultura, quando as
atividades são realizadas à noite e estão ligadas às manifestações da natureza. Neste
contexto, ocorre uma proximidade maior e uma relação mais direta com a natureza (solo, flora, fauna, sol, lua, céu, vento, chuva) do que nas cidades. O morador da cidade é separado de tudo isto pelas grossas paredes das gigantescas construções urbanas e pelo ambiente artificial da sociedade de pedra e ferro (MARTINS, 1986, p.201).
Assim, a cidade vive uma rotina diferente, cercada pela “selva de pedra”
que afasta o homem da natureza. Um problema de identificação é sentido pelas
pessoas que são excluídas do campo e acabam fixando residência na cidade. Eis que “a
população das comunidades rurais tende a ser mais homogênea em suas características
psico-sociais do que a população das comunidades urbanas” (MARTINS, 1986, p.
204).
O agricultor cuidava de sua propriedade e nos dias de chuva preparava a
casa, construía chiqueiro, galinheiro; a horta recebia os cuidados necessários e as
mulheres faziam faxina no período da tarde ou à noite. Os vizinhos mais próximos
reuniam-se para conversar. Isso evidencia as “[...] características psico-sociais
adquiridas, tais como linguagem, crenças, opiniões, tradições, padrões de
comportamento próprios das pessoas que habitam o espaço rural” (MARTINS, 1986,
p. 204).
A integração dos agricultores à nova realidade moderna baseada na técnica
é visualizada no impacto verificado quando de sua transferência para o espaço urbano,
188
sendo que “[...] a cidade é uma co-residência dos tipos de personalidades humanas as
mais heterogêneas” (MARTINS, 1986, p. 204), e o espaço rural apresentava uma
realidade, em certa medida, diferente com a qual o agricultor precisa aprender a
conviver. Essas mudanças estão presentes na fala nostálgica de A: A gente se visitava, mais do que agora. Agora ninguém visita ninguém, parece que esqueceu um do outro. Antes era tudo mato e era mais fácil de se visita [...]’. Parece impossível, mas mudô [...]. Ninguém tem tempo, não sei. Brigado ninguém tá, nem discutiu, nada, tão se dando bem. Parece que perderam o gosto de se visitá (A, 19 fev. 1996).
Mas, para entender como se dá essa transformação de hábitos,
principalmente no campo, vamos retomar à expressão da variação das funções que
intensificam as idéias estruturadas até então. A comunidade rural possuía formas
simples de alimentação como a gordura que era retirada da carne do porco e o leite,
que era garantido pelas vacas criadas na propriedade. Era comum que, quando um
agricultor abatia um porco, dele retirava a “banha” que era estocada e da carne se
produzia o salame. Essa prática aproximava os vizinhos que, de forma comunitária,
conduziam as atividades relacionadas ao abate de animais: a carne suína era frita e
depositada, juntamente com a gordura, em latas. Poderia ser então conservada e
consumida num período de seis meses. Os vizinhos recebiam carne fresca e, quando
abatiam um animal, retribuíam da mesma forma. Assim, era possível que todos, de vez
em quando, consumissem carne fresca. Outra alternativa consistia no abate de um
frango para se fazer “galinhada”, sopa ou mesmo carne frita.
Dessa forma, a troca de favores mantida tradicionalmente entre os
agricultores exercia um papel importante na organização destas famílias. No entanto, a
solidariedade inscrita em tais hábitos perde espaço para o consumo de produtos
industrializados, ligados principalmente a interesses comerciais gerados no âmbito
histórico. Como resultado da mudança nos hábitos alimentares ocorrida na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, a partir da Segunda Guerra Mundial, a gordura animal passou a ser substituída por óleos vegetais. Obviamente foi uma mudança induzida pelos interesses dos grupos econômicos que estavam assumindo o comando da economia. Para operar mudanças na produção há que se introduzir mudanças no consumo. Afirma-se, então, com crescente insistência, que os óleos vegetais eram mais saudáveis que a gordura animal (BRUM, 1983, p. 101-102).
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A substituição dos produtos domésticos por produtos industrializados
movimenta a indústria e atende, portanto, aos desejos comerciais. Além disso, “o
agricultor foi facilmente induzido a se tornar um bom consumidor de bens de consumo
duráveis: automóveis, eletrodomésticos etc.” (BRUM, 1983, p. 141). Portanto, o
individualismo presente nas relações sociais calcadas no consumismo —
compreendido como forma de satisfazer desejos individuais — revela um quadro de
transformações no qual os vizinhos já não têm uma relação tão solidária como em
épocas anteriores. Nos bastidores temos a presença, ainda que pouco acentuada, da
integração da região à produção de mercado.
A manchete “Fatos que Revoltam” manifesta um discurso sentimentalista
em defesa da honra e dos bons costumes: Não é possível que em pleno segundo período do século 20 haja pessoas tão desumanas e que tenham a coragem de praticar atos que merecem reparos. Hontem falamos do caso de animais mortos e levados à terra alheia. Hoje temos mais um fato a relatar. Conhecemos de há muitos anos o Sr. Germano Winter. Um velhinho bondoso, calejado pelas dezenas de anos de trabalho incessante, que criou uma família numerosa. Hoje, com seus 80 anos vividos, o velho Germano Winter ainda não se aposentou. Continua tão agricultor como o foi nos bons tempos de mais jovem. Planta, colhe e faz a grandeza do Brazil. Como todos, o velho Germano também plantou alguns pés de melancia. Ela é tão gostosa no verão. É a fruta tradicional do Brasil. Acontece porém, que espíritos desumanos que não podem ver a paz de espirito de ninguém, nem mesmo dos velhos. Alguém teve então a diabólica idéia de ir ao melancial do velho Germano e arrasar com as frutas, que ainda estão verdes [...]. Daí nossos comentários de revolta contra tudo o que está errado (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).
O rádio se apresenta como defensor daqueles que não têm como se
defender. O ataque “contra tudo o que está errado” aparece então como argumento que
visa caracterizar o veículo como arma a ser utilizada na defesa dos interesses dos
agricultores. Num primeiro momento, os comentários acima retomam notícias
anteriores envolvendo a atitude de certos agricultores que depositaram animais mortos
no rio, prejudicando assim moradores que utilizavam a água do rio. Logo em seguida
são descritas as características de um idoso, vítima da ação de “vândalos” que
destruíram suas plantações. O discurso não termina por aí e ressalta o número de filhos
criados pelo idoso e a contribuição do trabalho deste agricultor para o
desenvolvimento da região: dá ênfase ao feito deste continuar trabalhando e ainda não
ter se aposentado. “Planta, colhe e faz a grandeza do Brazil”, nessa frase temos o
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elogio ao “progresso” carregado de sentimentos nacionalistas. Mas, o que queremos
destacar nesta notícia é o reforço à valorização do homem trabalhador e honesto.
Em várias matérias divulgadas pelo rádio era dada ênfase, principalmente, à
produção municipal, já que “todos sentem um orgulho em mostrar o que é seu”.O
argumento cristaliza informações articuladas com outros meios de comunicação e o
destaque recai sobre as feiras de exposição de produtos, mecanismo associado à
representatividade da região junto ao cenário estadual e até nacional. A força
discursiva dá legitimidade a FAOP – Feira de Amostra do Oeste do Paraná -, evento
que serve de vitrine para a exposição da produção local dos municípios do Oeste do
Estado. Os interesses visam destacar a produtividade rondonense: “temos certeza de
que Marechal Cândido Rondon terá muito a mostrar e com distinção”. Nesse sentido,
fez-se um reforço para que os preparativos tomassem corpo e rapidez para ocupar o
merecido destaque. Esses incentivos às exposições procuram estimular o agricultor
“para que não somente pense em produzir, mas também prepare um bom produto de
exposição”. PRIMEIRA FEIRA DE AMOSTRAS DO OESTE DO PARANÁ Agora chegou a vez do Oeste do Paraná, e começamos a anunciar ontem sobre a “1ª FAOP – Feira de Amostras do Oeste do Paraná”. Nesta ocasião, todos os municípios da região terão sua vez de mostrar aquilo que produzem, e enfim, promover o Oeste paranaense. Oportunidade de ouro para o nosso município, e temos certeza de que Marechal Cândido Rondon terá muito a mostrar e com distinção, basta que se comece o preparo logo, para uma colaboração decisiva dentro desta feira regional. A primeira FAOP iniciará dia 15 de novembro, e se estenderá até dia 23. Havemos de levar maior estímulo à nossa gente, para que não somente pense em produzir, mas também prepare um bom produto de exposição (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
Visando romper com o passado ligado à colonização, o jornal “O
Desbravador” troca de nome para “O Impulso”. Dessa forma, o jornal estudantil tinha
um alcance estadual. A troca de nome estava vinculada diretamente aos
acontecimentos sociais, pois a década de 1970 marca o auge da tecnificação no campo. O DESBRAVADOR, AGORA É O IMPULSO A própria diretoria da ARES disse que “Desbravador” dava uma impressão de que estávamos dentro do mato (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
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A troca do nome do jornal reflete o desejo de adotar uma postura mais
moderna, mostrando que o contexto já não é o mesmo de décadas anteriores. O termo
“Impulso” concentra tais perspectivas na medida em que aparece como referência ao
progresso e desenvolvimento verificados no município através da incorporação de uma
série de procedimentos técnicos avançados.
A oscilação constante dos preços dos suínos é outro fator que interfere
decisivamente na estruturação da produção agrícola. A suinocultura era assim
prejudicada pela falta de preços adequados; sendo este quadro justificado pelo fato de
que as expectativas de lucro não eram atendidas. A alternativa estava centralizada na
comercialização de produtos como a mandioca e o milho que poderiam servir como
forma de subsistência para as famílias. Os resultados e condições da especialização
desenvolvida por vias mecanizadas geraram discursos em torno da mão-de-obra ociosa
no campo, desencadeada pelo “conforto” oferecido pelos maquinários. Nesse sentido,
foram sugeridas, em 1975, atividades relacionadas com a suinocultura e
hortifrutigranjeiros que poderiam ser praticadas nos novos padrões técnicos suprindo,
mesmo que só no discurso, as necessidades da comunidade e do comércio, que vinham
sentindo a carência desses produtos.
Com os altos preços pagos por estes produtos e as péssimas condições em
que chegavam à mesa do consumidor, sugere-se que “precisávamos fazer com que
alguém se interessasse no assunto, absorvendo a mão-de-obra familiar”. As funções da
fala mudam o discurso: antes as hortas cederam espaço para a especialização; mas,
com a falta de alguns produtos — anteriormente produzidos com o sistema baseado na
policultura — sugere-se a necessidade de retornar a estas atividades. Como já visto no
decorrer do trabalho, no início da ocupação das terras, os incentivos estavam centrados
na mecanização e no conseqüente abandono das hortas. Além disso, os baixos preços
desestimulavam a criação de suínos e o novo processo “necessitava” do tempo integral
do agricultor direcionado para o desmatamento. Com a implantação do modelo, a
máquina passa a executar os trabalhos. A preocupação em retomar o cultivo em hortas
não estava relacionada às condições precárias dos agricultores, mas devido à falta de
produtos no mercado.
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SUINOCULTURA OU ATIVIDADE HORTI-GRANJEIRA: UMA SOLUÇÃO A volta da plantação de milho e mandioca, cujos produtos, uma vez não consumidos totalmente [...] servem como recurso rendoso para o comércio, podendo o milho ser exportado e a mandioca, uma vez não consumida em criações, poderá ser comercializada com as fecularias. É um caso importante a ser pensado, pois a persistência na monocultura de forma mecanizada na realidade é mais pratica, porém absorve pouca mão de obra e afasta a possibilidade de que o homem do campo, hoje rodeado de conforto, persista na luta pela atividade agropecuária [...]. As coisas podem piorar e, as atividades horti-granjeiras se não forem feitas a nível comercial, pelo menos servirão para a sustentação familiar. Todos esses produtos adquiridos hoje em supermercados vêm de fora em sua maior parte, chegando aqui, quando não deteriorado, pelo menos com a perda de grande valor nutritivo. Precisávamos fazer com que alguém se interessasse no assunto, absorvendo a mão-de-obra familiar (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).
As transformações cotidianas foram fortemente sentidas, principalmente no
setor ambiental, pois as queimadas passaram a fazer parte do dia-a-dia do agricultor. O
IBDF — Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal — divulgava constantes
alertas, solicitando cuidados com as queimadas em pastagens, já que, em muitos casos,
foram verificados acidentes na realização desta prática, tais como danos às plantações
de propriedades localizadas nas imediações. Como nesse período, segundo a fala de
um dos engenheiros do IBDF, a safra do trigo prometia uma safra farta, as queimadas
descontroladas poderiam prejudicar a colheita. I.B.D.F. TEM MEDO DE QUEIMADAS Mesmo com as chuvas esparsas que se fazem sentir, o [...] Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal tem medo de novas queimadas, recomendando ao meio rural para que tenham redobrados os cuidados e a vigilância contra o fogo acidental ou por outro lado proposital quando da necessidade da limpeza de áreas de cultivo ou pastagens [...]. Temendo a verificação de uma nova etapa de queimadas, uma nota do engenheiro Humberto José Jusi diz sobre orientação ao uso adequado do fogo quando necessário, assim como no controle dos incêndios que possam ocorrer (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).
Ademais, o discurso de povo ordeiro não encontrava sustentação devido aos
relatos de furtos ocorridos no município. Como forma de caracterizar o progresso do
município, falou-se da profícua colheita de milho. No entanto, foram condenados os
tradicionais furtos de “milho verde”: a crítica está direcionada ao fato das pessoas
tomarem o cereal sem pedir ou propor um pagamento, o que gerou certa polêmica,
levando muitos agricultores queixosos a enviaram correspondência à rádio. A
193
reclamação residiu no fato dos roubos não serem de algumas espigas, mas de grandes
quantidades, não só de milho mas também de mandioca. A queixa dos agricultores não
estava centrada apenas no fato de serem levadas algumas espigas de milho ou ramas de
mandioca. O motivo maior da revolta foram os estragos causados na plantação. O
noticiário revela que entre os “ordeiros”, existiam conflitos. ROUBO DE MILHO EM GRANDE ESCALA Os colonos que plantaram milho estão satisfeitíssimos com a ótima qualidade que o produto vem apresentando e, muitos até se arrependem de não haver plantado mais. Nessa época, o roubo do milho verde é até um fato tradicional, pois são poucos aqueles que se dignam dirigir-se à casa do colono para pedir ou propor a compra de umas espigas que estão “no ponto” (Frente Ampla de Notícias, v. 24, 15.11.75 a 31.01.76).
A estrutura discursiva passou a reproduzir falas que se caracterizavam pela
transfiguração do agricultor ordeiro e trabalhador. Como veremos, a ACARPA havia
colocado placas de sinalização entendidas como serviço de utilidade pública. Na
ocasião, o trabalho foi sistematizado pelos clubes 4-S que efetivaram a sinalização das
estradas mediante a colocação de placas no interior do município. Tais placas visavam
coordenar o crescente fluxo de máquinas verificado nas estradas. Contrariando as
características dos moradores do município, “ordeiros, honestos e trabalhadores”,
algumas pessoas arrancaram estas placas, trocando-as de lugar, tendo como objetivo
desorientar os usuários das estradas. PLACAS DE SINALIZAÇÃO DO INTERIOR SÃO DESTRUÍDAS A ACARPA, num serviço de utilidade pública, através dos clubes 4-s dos distritos de localidades, procedeu, há tempos atrás, a sinalização indicativa das estradas, por todo o interior do município [...]. É de lamentar que elementos mal intencionados mexam nestas placas, trocando a sua indicação para outra via, causando transtornos para quem faz uso dela (Frente Ampla de Notícias, v. 34, 01.04.77 a 29.04.77).
A emissora de rádio se apresenta como uma espécie de advogado de defesa
dos interesses dos agricultores rondonenses BANCO DO BRASIL ALERTA SOBRE O APARECIMENTO DE PICARETAS VENDEDORES DE CARNETS O gerente do Banco do Brasil, agência de Marechal Cândido Rondon, esteve conosco hoje de manhã contando sobre o fato que desabona a conduta de elementos inescrupulosos que, se aproveitando da ingenuidade de pacatos cidadãos do interior do
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nosso município e região, tem realizado um serviço sujo, no intuito de extorquir quantias em dinheiro [...]. Compareceu à agência do banco contando sobre o fato de um cidadão, haver comparecido à sua residência [...] para a venda de seguro de vida, que, tinha vinculação com o Banco do Brasil [...]. O alerta é dado com a finalidade de evitar que se repita o ocorrido, pois os vivaldinos estão por aí [...] e, somente os “trouxas” é que entram nas maiores frias que indivíduos de má fé aplicam com a maior naturalidade. O gerente da agência do Banco do Brasil mostrou-se preocupado e ao mesmo tempo ficou estarrecido por saber que existem em nosso meio pessoas tão ingênuas a ponto de caírem nesses contos talvez sob alegações que nem sequer possa passar pela mente de uma pessoa de sã consciência (Frente Ampla de Notícias, v. 34, 01.04.77 a 29.04.77).
Os golpes eram uma constante entre os agricultores, pois os agentes do
Banco do Brasil cativaram a confiança do agricultor e os golpistas, em nome do banco,
sustentavam suas armadilhas, como a venda de seguros, cobrando taxas por tais
transações, procedimento proibido aos funcionários do Banco do Brasil.
Desse modo, a emissora faz o registro de diversas tentativas de enganar os
agricultores e chama sua atenção para as atividades dos astrólogos, as consultas
sentimentais, os bilhetes premiados etc., incluindo em seus argumentos o fato de que a
própria emissora negar-se a divulgar estas atividades ilícitas. EXPLORADORES APORTAM NA REGIÃO Nosso município já foi vítima, em muitas ocasiões, de pessoas que operam neste tipo de atividade, e que enquanto no início se mantinham fornecendo [...] consultas, acabaram sempre, no final, extorquindo o dinheiro de alguns [...]. Muitos agricultores, mesmo estando avisados, acabavam comprando bilhetes premiados, minas de ouro falsas e assim por diante (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).
Por meio de nota oficial, o sub-gerente do Banestado local, alertou os
agricultores da presença de golpistas na região, frisando que em nenhum momento
estes deveriam pagar algum montante a visitas de técnicos, fiscais ou agentes. BANESTADO CHAMA A ATENÇÃO DOS AGRICULTORES O sub-gerente e chefe de serviços da agência do Banestado local [...] vem chamando a atenção dos moradores no município, [...] dos incautos agricultores quanto ao aparecimento de pessoas sem escrúpulos que estão aplicando golpes na tentativa de extorquirem somas em dinheiro com alguns fatos já constatados. De [...] especial aos senhores agricultores, o Banestado comunica que nenhum pagamento deve ser feito quando da visita de seus técnicos. Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77)
195
AGRICULTOR VÍTIMA DE NOVO GOLPE Na manhã de ontem, um malandro fez-se passar por fazendeiro de Mato Grosso e abordou o agricultor Romeu Lermer, de Novo Três Passos, queixando-se de que fora roubado sua mala na Estação Rodoviária, contendo roupas e 100 mil cruzeiros em dinheiro. Também lamentou que seu gado estivesse morrendo pelo que, solicitou os préstimos do agricultor para localizar uma benzedeira que afastasse o mal que afeta seu rebanho. E para que tudo parecesse real, o vigarista não teve dúvidas em derramar algumas lágrimas, num choro teatral (Frente Ampla de Notícias, v. 41, 16.01.78 a 23.02.78).
O golpe do “bilhete premiado” era outra das armadilhas nas quais muitos
agricultores foram vítimas. Neste tipo de golpe, seus executores realizavam uma
espécie de dramatização para convencer os agricultores. Por meio de histórias
extraordinárias, acabavam levando dinheiro de algumas pessoas. No exemplo, José
Martini, de Quatro Pontes, foi abordado por um rapaz de aparência humilde com um
bilhete premiado nas mãos dizendo não saber o que fazer com o mesmo. Apresentando
traços forjados de ingenuidade, convenceu o agricultor de que nunca havia jogado e
por este motivo não sabia como proceder. Logo de imediato, surgiu outro personagem,
aparentando cerca de 30 anos, que chamou o agricultor para uma conversa particular,
através da qual confirmou a ingenuidade do rapaz e sugeriu ao agricultor que
propusesse a compra do bilhete. Como o valor do bilhete era de 500 mil cruzeiros, o
agricultor propôs pagar apenas uma parte deste valor: 60 mil cruzeiros. Como levava
consigo apenas 10 mil cruzeiros, sugeriu a possibilidade de conseguir o restante. José
retornou então a Quatro Pontes e emprestou 30 mil cruzeiros para efetuar o negócio.
No entanto, ao desconfiar do golpe, já era tarde. CONTO DO BILHETE PREMIADO VOLTA A SER APLICADO O repleto noticiário sobre pessoas incautas que caem no conto do bilhete premiado, esta tática voltou a ser ontem aplicada. José Martini, agricultor de Quatro Pontes encontrou próximo ao Banco do Brasil um rapaz, de seus 20 anos de idade, tez escura, magro, calçando chinelos de dedo e portando uma bolsa de pano [...]. O humilde rapaz, conseguiu contagiar o agricultor com uma triste estória. Este o acompanhou até a praça Willy Barth, e o pretinho disse possuir um bilhete que disseram estar premiado (Frente Ampla de Notícias, v. 47, 16.09.78 a 31.10.78).
Note-se o tom preconceituoso da reportagem, pois o golpista é
caracterizado num primeiro momento como tendo a “tez escura”; mais adiante, é
chamado de “pretinho”. Além disso, o golpe do bilhete premiado possui um elemento
196
fundamental para que tenha sucesso: a ganância e o desejo de enriquecimento fácil
manifestado pelas pessoas ao serem abordadas pelos golpistas.
Como os ataques ao meio urbano já eram bastante conhecidos, surgem
novas formas de golpe. Desta vez, os criminosos tomam emprestado o nome do Banco
Central e, na condição de funcionários, visitam os agricultores em suas propriedades.
A vítima, Edmundo Ernesto Müller, morador da Linha Peroba, foi contatado tendo em
vista um levantamento de dados cadastrais através do que eram obtidas informações
sobre a quantidade de terras, cultivo de soja, criação de gado e saldo bancário do
agricultor. Na ocasião, os fraudadores propuseram ao agricultor uma carteirinha de
sócio do Banco Central, fazendo a menção de que a mesma custaria 2 cruzeiros. O
agricultor aceitou e quis pagar em dinheiro, mas o dinheiro foi recusado. Assim, a
importância foi paga através de um cheque preenchido pelos supostos funcionários e
assinado por Ernesto Müller. No ato do saque, o mesmo foi alterado para 2 mil
cruzeiros. No entanto, os criminosos não foram felizes, pois, felizmente ou
infelizmente, não havia saldo suficiente. Mesmo assim, os supostos funcionários do
Banco Central não desistiram e se deslocaram a um estabelecimento comercial,
efetuando assim a troca do cheque. VIGARISTAS APRESENTAM-SE COMO FUNCIONÁRIOS DO BANCO CENTRAL E LESAM AGRICULTOR Edmundo Ernesto Müller [...] recebeu a visita de dois indivíduos se intitulando funcionários do Banco Central de Brasília, e que lá compareciam para efetuar o cadastro do agricultor, para o Banco Central [...]. Edmundo Ernesto Müller quis pagar em dinheiro, o que evidentemente, não foi aceito. Receberam um cheque naquele valor que foi assinado pelo agricultor, porém, preenchido por um dos vigaristas (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).
Estas ocorrências, mudaram os hábitos cotidianos. Anteriormente a esses
fatos, muitos dos agricultores davam abrigo a quem necessitasse. Os vendedores e
fiscais de bancos eram bem recebidos: caso fosse “hora do chimarrão”, eram
convidados para fazer parte da roda e, caso fosse meio-dia, o visitante recebia o
convite para almoçar com a família do agricultor. Mas os inúmeros golpes foram
diminuindo a hospitalidade. Os agricultores, caso notassem a presença de estranhos,
recebiam-nos com o portão fechado e logo era dispensado. Em alguns extremos, houve
197
casos de agricultores que simplesmente evitavam contatos com estranhos.
O rádio é o mecanismo através do qual os agricultores são alertados para
não serem vítimas da atuação destes “marginais”.
Outra instituição que se dizia bastante preocupada com os interesses dos
agricultores era a ACARPA, com destaque para seu papel na indicação de alternativas
de produção para os agricultores. Em sua programação para 1980, o órgão
governamental — juntamente com representantes da Prefeitura Municipal entre outras
lideranças que costumeiramente faziam parte destas iniciativas — sugeriu para o
município o fomento de atividades relacionadas à avicultura. Para tanto, foi solicitado
apoio ao departamento de projetos da ACARPA do Paraná, tendo em vista a
necessidade de desenvolver as atividades atendendo aos parâmetros técnicos exigidos
para a industrialização e comercialização de frangos. REPRESENTANTES DA AGRICULTURA DEFINIRAM A PROGRAMAÇÃO DA ACARPA PARA O PRÓXIMO ANO [...] Dentro do programa da ACARPA, ficou igualmente estabelecido que o escritório local dará amplo apoio ao desenvolvimento da horticultura e fruticultura do município (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).
Com efeito, os discursos projetados por interesses capitalistas, moldaram os
costumes, obra particular com grau elevado de tecnificação, atuante na dinâmica das
necessidades do mercado interno e externo, levando o agricultor a reformar seus
hábitos no contexto das propostas executadas no campo.
Numa ação conjunta entre Prefeitura Municipal, ACARPA e Copagril, foi
promovido um “treinamento doutrinário” de Diretorias de APPs, Clubes de Jovens
Cooperativistas e Clubes de Mães. Os locais escolhidos para o treinamento foram os
distritos, pois assim integrariam todos os grupos por meio de um trabalho conjunto que
tinha como objetivo principal contribuir para o desenvolvimento da comunidade. TREINAMENTO DE LIDERANÇAS E DIRETORIAS DE APPs No período de junho a setembro deste ano, a Prefeitura Municipal, a ACARPA e a COPAGRIL estarão promovendo um treinamento doutrinário de diretorias de APPs, Clubes de Jovens Cooperativistas e Clubes de Mães [...]. O objetivo principal destes treinamentos é capacitar e motivar os membros das Diretorias destes Clubes e APPs, para um trabalho integrado com a escola, visando o desenvolvimento de sua comunidade (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).
198
4.2 FESTAS
As festas e eventos ligados ao entretenimento no município de Marechal
Cândido Rondon primam pela relação estreita com os valores prestigiados pela
comunidade. Por tais motivos, aquelas que mais se destacam são as festas ligadas à
igreja ou ao trabalho.
Com relação ao trabalho, é destaque no município a realização de eventos
que visam enaltecer as atividades desenvolvidas pelos agricultores. Para tanto, são
organizadas exposições daqueles produtos que se destacam. Para entendermos estas
razões, o noticiário intitulado “Nota para o Plantador e Criador” localiza o ponto
discursivo que manifesta falas enaltecendo o “orgulho” por parte do agricultor em ter
criado o maior suíno ou cultivado a maior planta. Para mostrar estes produtos, os
representantes políticos municipais mencionam a construção de um Parque de
Exposições. Criador leva o orgulho consigo quando consegue uma coisa melhor de todas. Notícia corre quando uma certa pessoa pesou um suíno e diz-se o suíno mais pesado da região. Vemos brilhar os olhos do cidadão possuidor do animal mais bonito da espécie ou ele plantou e colheu a espiga de milho maior do ano. Para que todos possam apresentar aquilo que é seu mundo dentro da agricultura, pecuária, etc. foi que o Sr. prefeito municipal projetou o parque de exposição municipal, que já tem o local definido (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).
Neste local, são realizadas exposições de produtos agrícolas e desfiles de
equipamentos agrícolas, como amostra do desenvolvimento do município.
Com relação a outros aspectos do cotidiano rural, cabe destacar a alteração
nos hábitos ligados ao vestuário dos agricultores. Com freqüência, o agricultor
abandona sua forma tradicional de vestir. De início, as famílias vestiam roupas de festa
(as chamadas “domingueiras”), confeccionadas pelas esposas: geralmente eram
adquiridas grandes peças de tecido, através das quais se faziam as calças e saias, bem
como blusas e camisas. Fato curioso, de acordo com relatos, era a identificação das
famílias através de suas roupas, já que pai, mãe e filhos usavam roupas feitas a partir
do mesmo tecido.
Contudo, aos poucos ocorrem mudanças, já que os agricultores passam a
vestir calças “jeans com boca-de-sino”. Usadas nas atividades agrícolas, porém, tais
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roupas, feitas de tecido pouco flexível, dificultavam a mobilidade dos trabalhadores.
Apesar do exagero, podemos indicar que com tais mudanças, antes de aprender a ler e a escrever, antes de ter conhecimentos básicos de saúde, alimentação ou cuidados sanitários, os habitantes das zonas rurais vão campear gado ou colher soja com calças boca-de-sino e cantarolando uma canção popular norte-americana (CAPARELLI, 1980, p. 84).
Neste contexto, a adoção de usos e costumes no campo, baseadas em
referências próprias do cenário urbano, revela implicações com o fato de que à classe dominante, reserva-se-lhe a cultura científica, a produção cultural erudita e mais sofisticada. É esta classe, precisamente, a responsável pelo desenvolvimento científico e tecnológico da sociedade. Ela é, noutras palavras, monopolizadora da cultura. Ela produz a cultura científica e tecnológica nos laboratórios e nos centros de pesquisa, e a classe proletária executa os projetos com sua força de trabalho. Nessas condições, e enquanto classe dominante, ela influencia, cria padrões de comportamento e educa as classes subalternas segundo sua própria visão de mundo, seus conceitos e seus interesses (CALDAS, 1991, p. 35).
Por sua vez, os avanços tecnológicos transformaram os hábitos, por meio da
incorporação de produtos industrializados. Assim, os padrões de conduta são aplicados
na representação de mundo e valores aos demais grupos de acordo com os objetivos
dos detentores do poder.
No que diz respeito à esfera cultural, as festas recebiam em certas épocas do
ano um toque “caipira”. Assim, comumente estas festas aconteciam nas escolas e nos
clubes, acompanhadas pelas comidas típicas das festas juninas (pipoca, amendoim,
pinhão, batata-doce, quentão e outros), bem como da tradicional fogueira e de muita
música, quando da realização de bailes. SOCIAIS O destaque social para hoje em nossa cidade traz a realização de uma festa promovida pela ARES (Associação Rondonense de Estudantes). O local desta festança “à moda caipira” será junto a escola normal, prometendo uma noitada muito alegre para a diversão do nosso povo e dos estudantes em geral. Haverá de tudo com referência aos festejos juninos, sendo preparados pelos estudantes e pela direção da ARES. É natural que façamos em nome desta entidade um convite à todo o pessoal para que se divirtam à valer em volta da fogueira, comendo pinhão e saboreando um gostoso quentão (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
200
No que se refere às festividades, podem ser mencionadas as festas
religiosas, tendo como característica regional a existência de dois grandes grupos
religiosos: os católicos e os evangélicos. Estas festas iniciavam com atividades
religiosas pela manhã, seguidas de almoço, no qual predominava o churrasco e
saladas. Na parte da tarde, aconteciam jogos e leilões de animais doados pela
comunidade. Os temas das festas contemplavam inaugurações de novas igrejas ou
pavilhões, a instalação de sinos, ou a comemoração de datas, tais como o dia dos pais,
das mães e festividades ligadas à colheita. UMA FESTA DAS GRANDES FESTAS A comunidade Martin Luther prepara para dia 31 uma das boas festas para aqueles que gostam destas. A festividade de domingo, marca para às 9 horas um culto festivo, às 12 horas churrasco e à tarde para jogos e diversões. A festa tem a finalidade de inaugurar simbolicamente o pavilhão, onde futuramente será o local para a celebração dos cultos enquanto não ficar pronta a nova e majestosa igreja. Também os sinos serão ou estão sendo transferidos para a torre da igreja nova onde repicarão já no dia 31. Desde já convidamos nossos ouvintes para a grande festa do dia 31, na comunidade evangélica (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 2.08.69 a 31.12.69).
A Semana da Pátria era encarada como momento para exaltar indicações
discursivas revestidas de nacionalismo. Numa época em que a situação política
brasileira atravessava um período de extremo autoritarismo, havia a necessidade de
cultivar os símbolos nacionais como forma de assegurar a estabilidade do regime
militar. Manter a bandeira hasteada durante a Semana da Pátria era então uma das
iniciativas a serem tomadas por aqueles que querem ter “renovadas as (...) forças para
enfrentar brincando todas as dificuldades”. ESTÁ FALTANDO UMA COISA Temos notado durante nossas idas e vindas ao trabalho e passagem pelas ruas da cidade que nem todas as casas comerciais têm hasteado a bandeira nacional durante o desenvolver emocionante da semana da pátria [...]. Isso é somente um pedido, ou um apelo às escolas, repartições, comércio e indústria, pois o tremular da bandeira nacional no topo de um mastro faria com que tivéssemos renovadas as nossas forças para enfrentar brincando todas as dificuldades que a vida se nos apresenta (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 2.08.69 a 31.12.69).
As comemorações de caráter local também apresentam forte
representatividade junto aos ouvintes da emissora de rádio. Como exemplo disso,
201
destacamos o registro feito pela emissora pela comemoração do 10º aniversário do
município. NOTA OFICIAL (AGRADECIMENTO) Ao Sindicato e sua atuante administração; à ACARPA pelos seus funcionários que tanto se empenharam; às Comissões, que nos preparativos do grande festejo, saíram-se com brilhantismo; aos órgãos de imprensa: O Impulso e Semanário D’Oeste pelas matérias publicadas que enalteceram o município e nossa gente; à Rádio Difusora que antes, durante e após os festejos que marcaram épocas, retratou tudo aquilo que fez parte do 10º aniversário de Marechal Cândido Rondon. Nossos agradecimentos também ao pessoal que desfilou, não medindo esforços, inclusive, retirando sua maquinaria do serviço, para mostrar o progresso às demais pessoas (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).
“A maquinaria mostra o progresso”.
Três anos mais tarde, por ocasião do 13º aniversário de emancipação
político-administrativa do município, as festividades integram a comemoração do “Dia
do Colono e do Motorista”. As homenagens aos motoristas eram sustentadas pela
importância assumida por seu trabalho no escoamento da produção. O “progresso”
mais uma vez ocupa a cena principal sob a ação da dinâmica do desenvolvimento. De
acordo com a notícia, tudo isso foi possível graças ao “trabalho de um povo pelo qual
sente-se orgulho”. De maneira geral, as festividades reforçam os argumentos ligados à
honestidade e ao trabalho do povo rondonense. PARABÉNS COLONO, PARABÉNS MOTORISTA Tivemos quatro governos e assistimos somente progresso. O ritmo de desenvolvimento implantado de início ainda hoje é sentido, graças a perseverança, a atuação e ao trabalho de um povo pelo qual sente-se orgulho. Nossos votos de infindas felicitações às autoridades que dirigiram e que dirigem o nosso município. O braço forte do sustento de toda uma nação também merece hoje um destaque especial. Trata-se do lavrador, do agricultor ou propriamente COLONO, [...] É do trabalho constante da gente deste tipo, do fruto arrancado do solo que devemos o surto de progresso por que estamos passando. Ao nosso amigo COLONO, a nossa mais carinhosa homenagem nesta data em nome da família DIFUSORA (Frente Ampla de Notícias, v. 18, 26.02.73 a 20.09.73).
Nesta região, as festividades giravam em torno dos temas agrícolas. Um
exemplo disso era a organização de bailes para a escolha de “rainhas do soja”.
202
HANELORE: A JOVEM RONDONENSE NO CONCURSO DA RAINHA DO SOJA A comissão encarregada da escolha da representante de Marechal Cândido Rondon para o concurso ‘Rainha do Soja’ escolheu a jovem Hanelore Hoppe, morena, cabelos e olhos castanhos, para representar o município no concurso em Ponta Grossa (Frente Ampla de Notícias, v. 27, 17.05.76 a 30.06.76).
A organização de concursos, tais como os de escolha da “Rainha do Soja”
no Paraná, era dividida em várias etapas. Estas etapas eram amplamente divulgadas
pela emissora de rádio. Sendo assim, os municípios escolhiam representantes que
iriam representá-los em outros eventos regionais e estaduais. Para a definição das
candidatas que representavam os municípios, um dos critérios de avaliação chama a
atenção: as candidatas deveriam ter conhecimentos relacionados ao benefícios do
cultivo da soja para o Estado e para o país. CANDIDATAS FALARÃO SOBRE SOJA A nossa representante, Hanelore Hoppe, estará passando pela nova prova de desenvoltura [...] onde um dos compromissos é saber muito a respeito da soja, sua importância [...] ao estado e ao país e enfim, transmitir aquilo que sabe em termos de conhecimentos [...] da soja (Frente Ampla de Notícias, v. 27, 17.05.76 a 30.06.76).
Os concursos eram patrocinados pelas empresas ligadas à industrialização
de derivados de soja, que procuravam divulgar seus produtos com tais eventos,
chegando, inclusive, a destinar valiosos prêmios às vencedoras. RAINHA DA SOJA 1977: SANBRA DIVULGA REGULAMENTO Um automóvel Volkswagen 0 km; uma viagem, com acompanhante à Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba; um conjunto de malas Primícia, e produtos SANBRA para um ano de consumo; estes prêmios serão da Rainha da Soja do Paraná/77, a ser eleita em 28 de maio próximo, no concurso que se realizará em Ponta Grossa, com o patrocínio da SANBRA – Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro S.A. O certame deste ano conta com o prestígio do Governo do Estado do Paraná, através da Paranatur; da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa e de sua Secretaria Municipal de Economia; das demais prefeituras que apresentam candidatas e do Clube Pontagrossense (Frente Ampla de Notícias, v. 33, 01.03.77 a 31.03.77). RAINHA DA SOJA EM SUA SÉTIMA EDIÇÃO A promoção tem caráter fundamentalmente cultural, vinculada aos conhecimentos demonstrados pelas candidatas sobre a soja, no Estado e no país. Junta-se a isso, a beleza e desenvoltura da candidata (Frente Ampla de Notícias, v. 33, 01.03.77 a 31.03.77).
203
Como pode ser visto, as festas passaram a incorporar elementos ligados ao
projeto de tecnificação na lavoura. Em termos locais, o cultivo de soja ganha tal
significado que passam a ser realizadas festas religiosas. A igreja católica, por
exemplo, promoveu a Festa da Soja, com uma novidade: a coroação da “Rainha da
Soja”. No evento, não faltou o tradicional churrasco ao meio-dia. No entanto, o baile
teve como atração principal a escolha da rainha. FESTA DA SOJA NA CATÓLICA Domingo haverá a missa na matriz católica. Parte da programação marca o início de uma grande festa com uma grande churrascada para o meio dia no pavilhão. À noite, durante o baile será coroada a rainha da soja (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).
A escolha a nível municipal, dava o direito de participação em eventos
regionais. Assim, os representantes da municipalidade fizeram a organização da
escolha da Rainha da Soja para representar a cidade em Ponta Grossa. RAINHA DO SOJA EM MAIO O Departamento de Cultura e o de Comunicação Social da municipalidade, em conjunto com a Associação dos Servidores Municipais, a Associação Comercial e o comércio e indústria do Município deverão promover a escolha da Rainha do soja do município, a qual posteriormente participará em Ponta Grossa da escolha da Rainha da Soja do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).
As festas e bailes, portanto, foram gradualmente recebendo outros
ingredientes: além da gastronomia e das danças, outras atividades culturais inseriram
novos padrões de comportamento, novas formas de lazer, muitas vezes condicionadas
aos interesses dos patrocinadores, tais como as competições para escolher rainhas, que
passaram a consolidar um modo de lazer comandado pelo capital.
4.3 A ORGANIZAÇÃO DE CLUBES
Com o objetivo de preparar os jovens agricultores para as atividades no
campo, a coordenação dos extensionistas da ACARPA estruturou uma série de
treinamentos. O caminho prático foi marcado por reuniões com os agricultores e a
204
fundação de muitos Clube 4-S21. Por conseguinte, sua atuação facilitava a
aplicabilidade dos cursos e práticas nos padrões técnicos desejados. Os jovens, uma
vez organizados em grupos, sistematizavam as atividades através de experimentos
realizados em parcelas de terras cedidas por um dos sócios da cooperativa. A
localização da propriedade deveria permitir acesso fácil e a qualidade do solo deveria
enquadrar-se à aplicação de novas tecnologias. Assim, a área escolhida deveria ser
plana, com solo livre de doenças, localizada nas proximidades da estrada principal,
onde todos poderiam observar as experiências. O cultivo era feito através de faixas,
com sementes diferentes em cada faixa, devidamente sinalizadas as variedades por
meio de placas. O treinamento inclui noções sobre o preparo do solo, cultivo e
colheita. Tais atividades eram executadas pelos jovens, com orientação técnica da
cooperativa ou da ACARPA. REUNIÃO DE AGRICULTORES HOJE À NOITE NO BOTAFOGO Na região do Botafogo, nesta cidade, vai ser fundado hoje à noite mais um clube 4 SS. Estão sendo convidados os agricultores das chácaras e dos arredores para estarem presentes [...]. Alias haverá uma reunião para tratar da fundação desse clube que tantos auxílios tem dado à agricultura, com explicações detalhadas, que serão dados pelos extensionistas da ACARPA. Venham todos, que é muito interessante e até necessário (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
No discurso jornalístico sobre a juventude não faltaram elementos ligados
ao trabalho, honestidade e desenvolvimento regional, com tons notadamente
nacionalistas. A organização destes clubes parece encontrar fundamento no fato de que
os jovens poderiam ser educados tendo em vista a aplicação das novas técnicas de
cultivo e colheita, já que os agricultores mais velhos ainda estavam ligados ao sistema
adotado na agricultura tradicional.
O símbolo dos clubes 4 S era um trevo de quatro folhas. Assim, cada folha
passou a representar um S, num conjunto significativo onde temos: servimento,
sentimento, sabedoria e saúde. A finalidade dos clubes era produzir mais em menos
21 As atividades iniciais com extensionistas atuando junto à juventude ocorreram a partir de meados da década de 1950. “Em 20 de maio de 1956 foram contratados os primeiros extensionistas. Esses pioneiros iniciaram o trabalho em sete escritórios locais: Foz do Iguaçu, Campo Largo, Prudentópolis, Rebouças, São Mateus do Sul, Toledo e União da Vitória. Nesse período surgiu o primeiro Clube 4-S que se tornou importante instrumento da Extensão ao trabalhar com jovens rurais. Gradualmente o serviço de assistência foi se expandindo” (EMATER. Panfleto).
205
espaço, com orientação técnica, visando garantir o aumento da produtividade nas
atividades rurais. A construção do sistema justificava-se no argumento de “elevar o
nível técnico e social daqueles que residem no interior”. Nestas condições, foram
utilizados exemplos nos quais o pai cultivava a terra conforme as técnicas tradicionais,
com poucos rendimentos; no entanto, o filho, com a orientação recebida, teria colhido
o triplo. Neste sentido, o discurso enaltece as técnicas racionais baseadas nos moldes
tecnológicos, já que o modelo possui espaço aberto para o milho híbrido e outras
inovações. JUVENTUDE RURAL E OS CLUBES 4-S Tomamos esta parte, porque clubes quatro ésses existem em todo o Brasil, e se a supervisão for mantida como é até hoje, se o entusiasmo não gelar nós iremos adiante. Nossa juventude rural é trabalhadora, por isso orgulhem-se em apresentar seus trabalhos, ajudem a difundir seu trabalho. Por enquanto o município conta com apenas com 13 clubes quatro - ésses, mas a pretensão [...] é atingir a fundação de outros 17 clubes que estarão perfazendo um total de 30. Passará [...] prazo de uma disputa em exposição em comunidades para a classificação do melhor quatro essísta do município, e do melhor clube. [...] nossas palavras são transbordando de incentivo, de estímulo, e contudo ficamos apreensivos pensando no futuro, mas cremos nesta juventude rural, mais do que tudo. Esses poucos jovens que labutam pelo que lhes foi dado a conhecer através dos ensinamentos do presente, fazem parte, compõe uma pequena partícula dos [...] quatro essístas de todo o Brasil, mas tenham confiança que seu trabalho é reconhecido. Parabenizamo-nos com os quatro éssistas de nossa região que ajudam a difundir os seus serviços [...] reconhecemos o trabalho da equipe incansável da ACARPA na pessoa do Dr. Laginski pela extensão rural, e da senhorita Creoní Maria França pelos trabalhos da extensão e economia doméstica. (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).
Dessa maneira, estabeleceu-se na região uma grande campanha projetando
o cultivo da soja. O poder público toma partido nessa campanha através de incentivos
diversos. O discurso visa “esclarecer” os agricultores da importância da soja na
alimentação, bem como para a indústria. Além disso, os argumentos em favor da soja
referendavam a lucratividade de seu cultivo. GOVERNO LANÇA A CAMPANHA DO SOJA O soja é uma das principais culturas de nossa região [...]. O plantio do soja, a colheita e o seu máximo aproveitamento ainda é uma nuvem escura para o colono [...]. Muitos até hoje não vêem ou não viram a finalidade no plantio do soja. Fazem a colheita para mais tarde tratarem seus animais, ou um uso ínfimo nas características alimentares ou nutritivas que o soja nos apresenta. Desde há muito tempo de espera a palavra oficial do governo de incentivo e explicação à nossa gente que deve saber mais sobre a importância da cultura do soja. O soja tem recebido boa colocação entre os gêneros alimentícios e, especialmente no setor industrial vem tendo um aproveitamento incrível. Por isso, plantar
206
soja não é arriscar. A alimentação também reclama, exige o soja e o mercado para a colocação do produto é fácil e bastante compensador. Dia 12 de outubro, domingo, na localidade de São Miguel município de Toledo haverá uma exposição 4-S, levada pelos clubes 4-S daquela região. Nesta ocasião, estarão presentes os senhores secretário da agricultura do Paraná, o diretor executivo da ACARPA e ainda outras autoridades estaduais e municipais. Na oportunidade será oficialmente lançada esta campanha a qual já comentamos agora, sobre o plantio e melhor aproveitamento do soja. A meta é mais soja com melhor técnica. Com o maior plantio de soja todos darão maior riqueza ao Brasil e a si próprio, pois esta cultura é fácil e por demais rendosa, e as indústrias precisam demais destes produtos para produção de óleos e outros produtos. Valorização de terras com o plantio de soja e, o uso de sementes selecionadas para maior rendimento na colheita. Nossa emissora também estará colaborando decisivamente durante esta campanha do plantio do soja, uma das riquezas de nossa região. Esta argumentação não é somente para o nosso município, mas sim para a região, à todos os colonos, à todos os senhores agricultores que deverão fazer do soja a grande riqueza do Brasil (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).
5. O FENÔMENO DA INCLUSÃO E EXCLUSÃO COMO PARTE
INTEGRANTE DO NOVO ANUNCIADO
"Quando a última árvore for cortada, quando o último rio for poluído, quando o último peixe for pescado, aí sim eles verão que dinheiro não se come..." Greenpeace
Em escala ampliada, os acontecimentos resultantes do processo de
mecanização cristalizam a inclusão da técnica e, conseqüência direta dela, de uma
série de problemas na remodelação do ambiente rural. Particularmente “[...] na
agricultura, quando o trabalho se mecaniza, a tendência é a uma brutal redução na
quantidade necessária de trabalhadores” (ABRAMOVAY, 1992, p. 238). Este
processo de exclusão do trabalhador, causada por sua substituição pela máquina, é
descrito assim por um dos agricultores: “Quem está aqui agora de pioneiro eu,
Estanislau e o João Chapla. O resto, se não faleceu, foi embora. Eu nunca me mudei.
Faz 40 anos que tô aqui nesse Paraná” (A, 19 fev. 1996).
O fenômeno da exclusão cresce desordenadamente com o uso
intensificado dos avanços tecnológicos aplicados ao campo: “são [...] esses pequenos
produtores expropriados de ontem que são os bóias-frias de hoje ou os migrantes em
busca de novos eldorados em Rondônia e no Acre” (SILVA, 1982, p. 106).
Os relatos dos agricultores remontam a uma contínua migração, vinda do
Rio Grande do Sul, com os pais e seguida pelos filhos, em outras direções, tendo
como causa principal a insuficiência de terras: “[...] Depois compramos uma meia
colônia em Margarida e essa do lado aqui também. Já de novo foi vendido tudo. Os
filhos foram para Goiás” (A, 19 fev. 1996). O poder discursivo da modernização tece
considerações destinadas a provocar mudanças no universo agrícola, numa aliança
entre o suporte tecnológico e os interesses políticos e comerciais, o que leva a uma
208
liberdade de escolha controlada e pré-estabelecida que faz com que, lentamente, o
trabalhador permanente seja substituído pelo trabalhador volante.
Foto 11 – Trabalhadores volantes na lavoura
Com a modernização estruturada, não são mais os familiares que desenvolvem as atividades na lavoura, pois, com um certo aumento das propriedades, os trabalhadores agora são os bóias-frias trazidos da cidade (década de 1970). FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser
a modernização aumenta as exigências e diminui o período de ocupação da mão-de-obra não-qualificada numa dada propriedade agrícola. A solução mais econômica para o proprietário, que a moderniza, passa a ser a substituição do trabalhador permanente pelo volante, com o conseqüente aumento da sazonalidade do emprego dos trabalhadores rurais (SILVA, 1982, p. 30).
O aparato das comunicações modernas, com doses diárias de informações
técnicas, intensifica as relações de incorporação do modelo e forja, desse modo,
atitudes que organizam a vida cotidiana, na qual “[...] a maior produção por unidade
de área se dá à custa da expropriação e da miséria dos pequenos produtores” (SILVA,
1982, p. 35). A expropriação faz surgir a miséria entre os pequenos produtores. E o
processo de exclusão torna inevitável a tensão social, decorrente do estado desolador
em que se encontram alguns agricultores: “[...] no plano político, a fronteira tem sido
a ‘válvula de escape’ das tensões sociais no campo” (SILVA, 1982, p. 118).
209
O processo de tecnificação atua diretamente sobre os indivíduos, que são
inseridos “naturalmente” nas funções práticas, reproduzindo um aparato de
dominação ideológica da qual eles próprios são vítimas “[...] à medida que avança na
agricultura o processo de mecanização e tecnificação sobre a mão-de-obra na zona
rural” (BRUM, 1983, p. 176). A manchete “Missão a Dourados”, dá a real dimensão
do processo de exclusão. No intuito de amenizar a atual situação do homem do
campo, os discursos apontam para novas fronteiras agrícolas, mascarando os reais
objetivos: Os vereadores voltaram entusiasmados com as possibilidades que se abrem para o futuro da agricultura brasileira, naquele vizinho estado. Terras fertilíssimas que produzem qualquer tipo de cereais, e o trabalho consciente e dinâmico do IBRA que está realizando um trabalho extraordinário de colonização no sul do estado. Um dos fazendeiros da região visitada testou o plantio de algodão plantando em sua fazenda 600 hectares deste produto de exportação e está colhendo frutos acima da expectativa. Todas as prefeituras estão entrosadas com o IBRA e o Banco do Brasil, proporcionando facilidades para os agricultores que queiram se estabelecer na região. O IBRA loteia as terras, constrói casas e ainda ajuda com créditos do Banco do Brasil para o primeiro ano. As colônias são avaliadas em 3 milhões cada uma, com casa, vendendo estas terras a vinte anos de prazo para pagamento. Todos os prefeitos com quem nossa caravana falou chegam a apelar para que os colonizadores do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, vão colonizar aquelas áreas que estão esperando braços humanos para produzir (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
Uma forma encontrada para articular e divulgar as terras disponíveis no
Mato Grosso foi a visita estratégica dos vereadores rondonenses Harry Pydd e
Berdinand Spitzer à redação da rádio, com o intuito de transmitir em detalhes os
contatos desenvolvidos durante a viagem realizada à cidade de Dourados. Assim,
munidos de argumentos convincentes, chamam as visitas àquele estado de “missão
rondonense”, e citam os nomes das autoridades que acompanharam o feito: o Prefeito
Werner Wanderer, os vereadores Salvino Vanderlinde, Berdinand Spitzer, Silvino
Ludwig e Harry Pydd. O encontro na cidade de Dourados contou com a presença de
representantes como o Ministro dos Transportes, Mário Andreazza e do Governador
do Mato Grosso, além de membros da Associação Brasileira dos Municípios e
representantes de municípios do Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul.
Na ocasião, foram discutidas as possibilidades da construção da Estrada do
Colono, unindo o Estado do Mato Grosso ao Estado do Rio Grande do Sul. A
210
construção da estrada visava a colonização do interior. No entanto, hoje, a mesma é
palco de polêmica por estar localizada em área de preservação ambiental. Uma vez
efetivada a colonização, não há motivo para que algumas autoridades e lideranças
defendam o livre acesso dessa estrada. Foi por meio de estatísticas que se justificou a
construção da estrada do colono. Para tanto, quando de sua construção foram
designados prefeitos de quatro estados munidos e amparados por vasta
documentação, que se deslocaram à Brasília com o objetivo de entregar o pedido de
abertura da estrada, ao então Presidente Costa e Silva.
Na notícia acima citada, podemos observar o redirecionamento das
pessoas que não aderiram ao processo ou foram expulsas pela tecnificação. O futuro,
no argumento dos vereadores, está nas terras do Mato Grosso. O Estado estaria
disponível para receber sulistas, catarinenses e paranaenses. A atuação do Banco do
Brasil e das prefeituras na mediação desse processo de transferência, apontam,
indiscutivelmente, para a implantação da tecnificação nestas terras, processo já
conhecido e vivenciado pelos rondonenses.
O noticiário, quando inserido no cotidiano de seus ouvintes, torna-se ágil e
eficiente. Abstraindo as informações veiculadas, observamos que os discursos se
repetem nas falas dos vereadores, quando argumentam sobre as terras férteis
existentes naquela localidade para estimular as frentes de deslocamento, e da função
do crédito aplicado na expansão agrícola.Em outras palavras, o discurso manifesta as
estratégias do poder e seu comprometimento com os planos modernizantes,
sutilmente encobertos por palavras de incentivo frente à nova perspectiva. O Oeste
do Paraná seria o modelo a ser seguido em outras regiões brasileiras. De acordo com
o noticiário que descreve o município de Marechal Cândido Rondon, A Câmara reúne-se Hoje [...] O Sr. Willian Göricke fará proposta para filmagem de um documentário que mostraria ao resto do Brasil facetas interessantes da nossa agricultura, indústria, vida administrativa e social e as possibilidades que se abrem no futuro desta região (Frente Ampla de Notícias, v. 3, 12.07.67 a 11.03.67).
O ouvinte é sujeito atuante e integrado à sociedade; mas, isso não impede
que receba diferentes informações ao mesmo tempo e não saiba discernir sobre a
211
veracidade destas informações, como pode ser verificado nos dois últimos discursos
citados que, em sua essência, são contraditórias. O repórter da emissora de rádio é
quem recebe as diversas opiniões, idéias e manifestações provenientes das mais
variadas situações.
Assim, em determinadas circunstâncias, é preciso filtrar as informações
colhidas das fontes e produzir mensagens de acordo com o contexto político-social
exigido pela empresa para a qual trabalha. Na manchete “A Ida do Sr. Prefeito a
Brasília”, cria-se uma expectativa frente ao retorno das lideranças políticas e às
supostas novidades trazidas por estes. Assim, o jornalista prepara os ouvintes para as
notícias. Já adiante, quando argumenta sobre a construção das estradas e o que esta
representa para a interiorização do país e para a “colonização intensiva do Mato
Grosso”, aproveita o momento para persuadir seus ouvintes: “o clima e as terras são
conhecidos como muito apropriados para a agricultura” (Frente Ampla de Notícias, v.
5, 15.10.68 a 20.03.69). O noticiário remete para os argumentos em favor da
colonização do Mato Grosso e a interiorização do país, conduzidas pela
modernização agrícola. Está sendo aguardada a qualquer momento a volta do Sr. Werner Wanderer, Prefeito Municipal, que, em companhia dos prefeitos de Medianeira e Santo Antonio, juntou-se a caravana de prefeitos do Rio Grande, Santa Catarina e Mato Grosso, em Brasília, tratando do pedido de prioridade para a construção da Estrada do Colono. É uma obra que visa especialmente a interiorização do Brasil, com a colonização intensiva do Mato Grosso, onde o clima e as terras são conhecidos como muito apropriados para a agricultura (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).
A concentração das indústrias no município foi uma das formas adotadas
para absorver a mão-de-obra excedente, já que “nosso assunto principal é trabalhar”.
A indústria inaugurada executava atividades envolvendo a fundição: a RIMA –
Rondon Implementos e Máquinas Agrícolas, contava então com aproximadamente
100 trabalhadores. O discurso, sem rodeios, atribui como papel para a indústria
proporcionar “um grande e risonho futuro para a região”. Este seria apenas o início de
uma grande concentração de indústrias no município.
212
A OUTRA INDÚSTRIA [...] Nosso município munido de grande indústrias, somente tende à prosperidade, pois nosso assunto principal é trabalhar. Quando da inauguração da fundição da RIMA, houve populares que disseram: indústrias iguais à estas que foram inauguradas hoje, deveriam ser inauguradas uma por mês, não pelas festas ou coquetéis, mas pela propulsão que todos sentem num desenvolvimento seguro de nossa gente. Endossamos hoje estas palavras, dando o pleno apoio à todas as indústrias que venham ao nosso meio (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
Novamente a colonização do Mato Grosso foi respaldada por Helmuth
Lohmann que procurou a reportagem da Rádio Difusora, para apresentar os
resultados e contatos da viagem. Em sua fala, afirmou que a colonização do Mato
Grosso estava projetada no contexto da produtividade agrícola visando atender ao
crescimento da produção a nível nacional. Para tanto, mencionou os mecanismos da
Superintendência do Desenvolvimento do Oeste representada por Sebastião Dante de
Camargo Júnior, o qual acenava com verbas que seriam repassadas aos agricultores
provenientes do Rio Grande do Sul que se estabelecessem em terras do Mato Grosso.
A seleção do elemento humano também recebeu respaldo na colonização
mato-grossense: a prioridade foi concedida aos sulistas (Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul) devido à sua vasta experiência na agricultura. A coesão discursiva
ativada pelos interesses governamentais, visando atrair colonizadores com o
propósito de desenvolver a produção agrícola, anuncia a liberação de “muitos milhões
[...] empregados para garantir aos colonos a possibilidade de produzir o máximo”.
Estes investimentos visavam garantir a estruturação de cooperativas, tendo em vista o
crescimento da região calcado na liberação de créditos para a aquisição das terras e a
respectiva mecanização. Desse modo, a fala jornalística confirma as informações de
Lohmann, mencionando recortes de jornais, documentos, nos quais o governo federal
e o governo do Mato Grosso enfatizam a necessidade de atrair fluxos migratórios
para o Sul e Oeste do Mato Grosso. Dessa maneira, conjuga-se o remanejo ou
inclusão da população conforme as regras do capital e os excluídos foram atraídos
para o trabalho urbano ou para outras fronteiras agrícolas. Dependendo da demanda
dos interesses governamentais, e, estando o modelo estruturado, não houve mais
preocupação com os agricultores excluídos do processo.
213
A COLONIZAÇÃO DO MATO GROSSO É META DO GOVERNO Tivemos hontem em nossa redação a visita do Sr. Helmuth Lohmann, que regressando do Mato Grosso, nos relatou fatos interessantes com respeito às atividades que se desenvolvem naquele vizinho Estado. Trouxe-nos ofícios firmados pelo Sr. Jorge Antonio Salomão, que é o prefeito do município de Dourados e ao mesmo tempo diretor da co-irmã ZYX 23, daquela próspera cidade. Nos ofícios, refletindo o que nos disse o Sr. Lohmann, tomamos conhecimento de um fato de extraordinária importância, que visa colonizar as terras do Mato Grosso, unindo esforços pelo aumento da produção nacional. A superintendência do Desenvolvimento do Oeste que tem à sua testa o Dr. Sebastião Dante de Camargo Junior, já possui em seu poder grandes verbas, destinadas ao encaminhamento de colonos sulinos para várias glebas do Mato Grosso. A colonização será feita de preferencia com agricultores de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, pela larga experiência que eles possuem. Muitos milhões serão empregados para garantir aos colonos a possibilidade de produzir o máximo [...]. É a notícia alvissareira que estamos dando às famílias numerosas que precisam colocar seus filhos que crescem e constituem família (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).
Ao contrário dos discursos até então incentivadores do binômio soja-trigo,
houve uma reviravolta no conteúdo discursivo associada aos preços baixos destes
produtos. Com o município dependente da agricultura, as frustrações nas safras
causavam temor junto aos rondonenses. Assim, em conseqüência dos produtos ou
artigos de primeira necessidade serem provenientes de cidades vizinhas, estes
chegavam às mesas dos consumidores com preços muito elevados. Em suma, através
da crítica à especialização, expressa, através de palavras simples mas enérgicas, o
caráter da situação: “quem está bem está bem e quem está mal, que se dane!”.
Como pode ser visto, a estrutura do modelo sofreu os primeiros abalos,
centrados na preocupação dos agricultores em saldar suas dívidas junto ao banco.
Caso isto acontecesse, o comércio local ficaria em desvantagem, pois não sobraria
dinheiro a ser investido na região.
Depois de tantos argumentos em favor da especialização, temos um
discurso preocupado com a situação dos agricultores, sugerindo, inclusive, que o
agricultor aproveite a “oportunidade que a natureza dá” e conseqüentemente viabilize
para o próximo ano o cultivo de milho, verduras, mandioca, batatas, bem como crie
em sua propriedade suínos, galinhas e não dependa somente da soja ou do trigo. Não
é por acaso que a fala discursiva atribui ao agricultor o papel de “esteio da
humanidade”: não deveria tomar como prioridade o dinheiro e sim se preocupar em
diversificar a produção visando o bem estar comum.
214
PARANÁ BAIXA PREÇOS Agora, com o fracasso da lavoura (acredita-se que acima de 10 milhões, ou seja, dez bilhões de cruzeiros antigos) deixarão de circular em nosso município entre 72/73 imaginem, a quanto irá o custo de vida em nosso município. Pelo que parece quase todos os artigos de primeira necessidade são trazidos de outras cidades e conseqüentemente os preços estão aí para quem quiser conferir [...]. O grande mal é que a preocupação na lavoura é apenas num sentido, trigo e soja e o ano não correndo bem as conseqüências se farão sentir. Quem está bem está bem e quem está mal, que se dane! E os compromissos bancários? Serão pagos com o soja? Se forem, bem muito bem e a lacuna deste tempo? O dinheiro do soja deverá pagar o banco e o nosso comércio como ficará? Por esta razão, uma vez que a natureza sempre nos dá uma nova oportunidade, o agricultor deve para o próximo ano, plantar milho e criar suínos, criar galinhas, ter sua horta, plantar mandioca, batatas, afinal, não somente depender de trigo e soja. Porque o agricultor sempre foi e será o esteio da humanidade e se o mesmo somente se preocupar com dinheiro aos montes, é natural que uma lição deverá ser aprendida. E esta lição nós vamos enfrentar este ano! (Frente Ampla de Notícias, v. 17, 21.09.72 a 24.02.73).
No ano seguinte, a crise envolvendo os preços da soja continua. Na
ocasião, o tema ocupou posição de destaque no setor comercial, político e industrial.
As falas destacam uma frase que passou a ser adotada como um slogan: “a situação
dos plantadores de soja é das piores”. De acordo com Antonio Belinatti, a queda dos
preços no mercado internacional proporcionou uma onda de desânimo junto aos
agricultores frustrando suas expectativas. Incentivadas inicialmente, as lavouras
plantadas através do sistema da especialização passam a ser encaradas como motivo
de preocupações para o município, pois a grande oferta do produto fazia os preços
caírem consideravelmente. A situação convoca os agricultores a uma reflexão: não
compensaria mais comprar maquinários, adubos ou manter empregados para as
atividades de preparo do solo e de colheita. Para corrigir o problema, caberia ao
Ministério da Agricultura reequilibrar a situação dos altos preços pagos pelas
sementes e os baixos preços pagos pela saca de soja. A crise necessitaria dessas ações
para reverter a dinâmica, provocando novamente motivações nos agricultores para
continuarem a plantar a soja.
De acordo com a emissora de rádio, para evitar a crise de mercado, muitos
agricultores deveriam se afastar da especialização, voltando a desenvolver as antigas
atividades (policultura). A inovação passa a ser tratada então como algo negativo; no
entanto, o discurso, mais uma vez, dita as regras e sugere que o preço da saca de soja
está baixo, mas o preço do trigo promete. Assim, caberia aos agricultores diversificar
215
sua produção, mas “sendo bons produtores de soja”, ou seja, a fala caracteriza a
diversificação como um recurso a mais, não descartando a especialização. PLANTADORES DE SOJA ESTÃO PREOCUPADOS, O COMÉRCIO IDEM O problema que envolve os senhores plantadores de soja está sacudindo todas as áreas. O assunto vem à tona para a afirmação de autoridades no assunto, do âmbito comercial, industrial e até mesmo político. A expressão é sempre a mesma “a situação dos plantadores de soja é das piores” [...]. A queda de preços no mercado internacional, veio trazer grande desânimo aos plantadores de soja, havendo sério risco de ser desestimulado o impulso que esta cultura estava tendo nas mais diversas regiões do Paraná. Há aqueles que acham inclusive, que os preços em vigor já não compensam a compra de máquinas, adubos, sementes e contratação de empregados para a preparação da terra e conseqüente colheita. Existe a necessidade do Ministério da Agricultura corrigir as deficiências que estão sendo observadas em relação aos altos preços das sementes e baixos preços fixados para a saca de soja [...]. Muitos são aqueles que, para cair fora da monocultura, voltarão a criar suínos, plantar mandioca, milho, feijão, etc. para não incorrer em crises de mercado. Consideram outros: Se o preço do soja era estimulante, esfriou. Se o preço do trigo era desestimulante, parece que vai endireitar, pelo menos para a safra vindoura. Porém a monocultura, pela variação do mercado sempre poderá arrastar uma crise junto. Se houver a diversificação na cultura agrícola, racionalizando com a criação de suínos ou vice-versa, poderemos viver fora da crise, sendo bons produtores de soja, trigo, milho, etc. Caso contrário, especialmente nossos agricultores, viverão plantando soja e colhendo pepino (Frente Ampla de Notícias, v. 20, 05.03.74 a 21.08.74).
A relação que se estabeleceu entre estiagem, safra e crise na agricultura foi
uma constante também em 1977. A tão esperada produção-recorde de trigo foi
prejudicada pela estiagem. As medidas do governo mantiveram provisoriamente, com
possibilidades de corte, os financiamentos agrícolas e o descaso passou a fazer parte
do cotidiano rural, atuando de forma inversa ao que foi verificado no início da
implantação da mecanização. AGRICULTURA PASSA UMA FASE BASTANTE DIFÍCIL O governo sustou provisoriamente os financiamentos agrícolas, afim de possibilitar um reestudo do orçamento bancário, e este corte provisório nos financiamentos poderá ter sérias implicações, pensamento aliás manifestado pelo próprio Secretário da Agricultura do Paraná, Sr. Paulo Carneiro. E ainda a vertiginosa queda nas cotações internacionais para a soja vem deixar a situação muito mais difícil. A expectativa que alguns líderes do setor agrícola manifestaram no sentido de que o confisco cambial de 12% pudesse ser sustado, de vez que se há cerca de dois meses o preço da tonelada era de até 420 dólares, atualmente ela não passa de 350 por tonelada, não foi confirmada, devendo permanecer pelo menos por enquanto. Em nosso município uma das poucas firmas que tem preço e continua comercializando a soja é a Orgasol – Organizações Agro Comercial e Industrial do Oeste, sendo que a maioria das demais estão retraídas esperando uma melhora do mercado internacional (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).
216
Devido às frustrações de safras, muitos dos pequenos e médios
agricultores se viram obrigados a abandonar as atividades agrícolas e passaram a
morar nas cidades ou seguiram em direção a outras fronteiras. Contudo, a fala
referente à comemoração dos 17 anos de emancipação de Marechal Cândido Rondon
demonstra confiança no progresso do município. MENSAGEM DO PODER EXECUTIVO PARA O DIA 25 DE JULHO DE 1977 Para alguns basta agora, nesta fase em diante, viver uma vida tranqüila após tantos anos de luta desfrutando de um relativo conforto que o progresso lhes proporcionou; para outros, a verdade os dirige rumo a diferentes empreendimentos mais ousados, sempre no afã de alcançar maior futuro no seu sentido próprio [...]. Cabe dizer: esta terra lhes pertence, aqui está a síntese do seu Brasil como sempre o desejou (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).
De acordo com PAULILO, “existem os colonos que ‘se fizeram’ e os que
‘não se fizeram’. Os bens acumulados são considerados frutos do esforço da família,
do trabalho e também da capacidade gerencial de seus membros” (1990, p. 85).
Todavia, as dificuldades provocam muitas rupturas nas expectativas dos
rondonenses e, devido ao processo seletivo no campo, ocorre a migração de muitas
famílias. Em pesquisa elaborada pelo Departamento de Estatística da Prefeitura
Municipal, esta situação demonstra a preocupação das autoridades com a
“desrondonização”: migração e emigração da população para outras regiões do país,
bem como para o Paraguai. DEPARTAMENTO DE ESTATÍSTICA FAZ LEVANTAMENTOS O Departamento de Estatística da Prefeitura Municipal, através de seu titular Hosea Penha Barcellos, está fazendo um levantamento completo da ‘desrondonização’, ou seja, a migração e emigração de rondonenses para outras partes do país ou para o Paraguai. Este levantamento também atinge as famílias que chegam aqui, para que se possa saber se no município mais famílias entram, ou saem (Frente Ampla de Notícias, v. 38, 10.09.77 a 21.10.77)
Os problemas da seca eram atribuídos à intensa destruição dos recursos
naturais para a liberação de terras para a atividade agrícola. Os argumentos giravam
em torno de políticas mais justas para o setor agrícola por intermédio da ação da
Câmara dos Deputados e do próprio Governo da República. Não é por acaso que o
município rondonense apareceu no discurso, pois sua produção agrícola estava
217
seriamente comprometida com perdas aproximadas de 70%. Juntamente com a
estiagem surgem os problemas sociais, chegando ao auge com a necessidade dos
agricultores de venderem suas propriedades para quitar dívidas. Pode-se considerar
de natureza crítica a situação dos “bóias-frias”, pois, com as safras prejudicadas, os
agricultores acabaram dispensando sua mão-de-obra. PRONUNCIAMENTO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS ABORDOU ESTIAGEM Na conquista irracional dos espaços, desafios do homem à natureza e causas fundamentais dos largos e extemporâneos períodos de estiagem que tanto tem afetado o trabalho do homem no campo e a produção agrícola. Dizendo que o agricultor não espera favores mas medidas justas, ajudem a minorar sua angústia, e providências que corrijam distorções [...], geradas muitas vezes pelo descompasso entre a política agrícola e decisões econômico-financeiras do Governo, o deputado Norton Macedo considerou esperar encontrar na Câmara do Deputados e no Governo da Republica, seu pedido de socorro ao agricultor paranaense [...]. Destacou que “há regiões [...], principalmente a do extremo-oeste, que tem Marechal Cândido Rondon [...] como um dos principais centros produtores, onde esta quebra deverá ultrapassar a 70%”. Antevê-se o abandono das áreas rurais, a perspectiva do desemprego em massa, o agravamento da deplorável situação dos bóia-frias, [...] da própria sobrevivência dos pequenos proprietários” (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).
De acordo com dados apresentados em entrevista realizada com um dos
extensionistas da ACARPA, este mencionou a exclusão no município efetuada pela
modernização agrícola, expulsando migrantes para outras fronteiras como para os
centros urbanos. Caracterizou o processo pelo aumento de tamanho de um número
considerável de propriedades: Teria condições de dizer hoje que Marechal Cândido Rondon tem em torno de 2885 produtores no total, sendo que 1200 são pequenos produtores, 970 ainda são pequenos e mais 400 ainda são pequenos. Então nós temos aqui 2500 que devem ser pequenos agricultores ainda hoje e outros 300 e poucos que sobram, né. São algumas fazendas onde tem empresários rurais e agricultores, já são praticamente empresas (H, 05 mar. 2001).
Entre os fatores que compõem a exclusão social temos o forte descaso por
parte do poder público, pois de início ocorre o incentivo artificial e a inclusão do
agricultor na tecnificação que exigiu o repasse do dinheiro para a compra de
maquinários industrializados. O modelo, no entanto, não suportou as estiagens
constantes que tiveram sua parcela significativa na desestruturação econômica dos
pequenos agricultores.
218
Todas as facilidades iniciais não são mais as mesmas e a falta de garantia
para a produção fez com que muitas cooperativas passassem por situações de crise.
Mas não é só isso, as propostas de diversificação observadas no decorrer do trabalho
sofrem pela carência de investimentos. Já os financiamentos são feitos com base em
altas taxas de juros, o que endividou muitos agricultores. No início da implantação da
modernização (1970-1975), muitos agricultores perderam suas terras. No início da
década de 1980, o governo anuncia novas políticas que prometem solucionar os
problemas; mas, na prática, quando os agricultores buscam recursos nas agências do
Banco do Brasil, estes tomaram outros rumos. As dívidas passam a fazer parte então
do cotidiano agrícola e as renegociações nem sempre eram aceitas pelas instituições
bancárias, aumentando ainda mais o drama dos agricultores. No setor industrial,
verifica-se a transferência de várias empresas para o Mato grosso. O mesmo acontece
com muitas indústrias vinculadas à compra de suínos22.
As transformações no cotidiano das famílias rondonenses tiveram reflexos
na apropriação da natureza. Fato que chamou nossa atenção e é visível hoje no
município, diz respeito primeiramente à policultura, pois, no início de 1950, muitos
migrantes formavam suas residências próximo aos cursos d’água, logo retiravam
pequenas fatias de mata para organizar sua plantação como também estruturavam ali
as pastagens. Tendo em vista a implantação da especialização, ocorreu a expansão da
retirada da mata. Assim, nas áreas mais altas, aparecem resquícios de mata nativa (a
mata nos topos permaneceu, em certos casos, devido à existência de rochas) e
próximo dos rios as árvores desapareceram. Com objetivo de recuperar os
mananciais, a solução seria a reposição da mata ciliar dos rios, lajeados e sangas,
transformando as margens e repovoando a mata que foi eliminada pelos agricultores
no processo da modernização (MAZZUCATTO, 1989). Contudo, os projetos de
reflorestamento aconteceram de forma incipiente. O que contribuiu para diminuir a
22 Informações organizadas a partir da entrevista (“Crise na Agricultura”) com o Secretário de Estado da Agricultura Hermes Brandão concedida a Lincoln Leduc no Programa “A Personalidade da Semana” n. 87, gravado em 10 de agosto de 1995.
219
retirada do solo, em direção aos rios, foi a conservação do solo e o plantio direto, e
em parte a redução do uso de agrotóxicos, mas a poluição ainda permanece. Sendo
assim, o processo caracterizou-se pela falta de planejamento e conscientização no que
se refere ao uso e ocupação do solo.
Foto 12 – Mecanização e desmatamento
A vista aérea caracteriza os efeitos da mecanização e revela a destruição das matas, pois a área é tomada pela especialização e produção para exportação (agosto de 1987). FONTE: Acervo particular de Lia Dorotéia Pfluck
Cabe destacar o papel contraditório exercido pela emissora de rádio nesse
processo, já que inicialmente é uma das forças responsáveis pelo sucesso do modelo
mecanizado na agricultura; depois, passa a criticar este modelo. A obra intitulada “Os
discursos jornalísticos”, apoiada numa ampla discussão sobre o tema, busca analisar
as manifestações discursivas em seu contexto histórico, social e político, visando
identificar as estratégias adotadas para aumentar seu poder persuasivo. Sendo assim,
a função dos sujeitos pode ser “atingida pelas pressões do contexto sócio-histórico de
produção do discurso, o autor determina o que ficará explícito e implícito”
(PASSETTI, 1999, p. 46).
220
Diante desse quadro, um aspecto caracteriza a fonte jornalística, de grande
importância para o nosso trabalho, pois “no momento em que os acontecimentos
tornam-se fatos jornalísticos, tornam-se registros históricos” (LONARDONI, 1999, p.
135). Estes registros cristalizam relatos com múltiplas funções discursivas
evidenciando aspectos importantes vividos pela comunidade rondonense. Ao mesmo
tempo, as informações contidas nestes registros fornecem elementos para se entender
o presente.
Os procedimentos que envolveram a problematização dos discursos e a
identificação de suas manifestações mescladas por diferentes matizes são de
fundamental importância para a leitura dos textos. Portanto, ORLANDI (1999) nos
auxilia na definição do que foi realizado junto as programações jornalísticas: Saber como os discursos funcionam é colocar-se na encruzilhada de um duplo jogo da memória: o da memória institucional que estabiliza, cristaliza, e, ao mesmo tempo, o da memória constituída pelo esquecimento que é o que torna possível o diferente, a ruptura, o outro (ORLANDI, 1999, p. 10).
É justamente nas práticas discursivas operadas pelos textos constituídos no
contexto social que identificamos os personagens atuantes na modernização agrícola. Essa nova prática de leitura, que é a discursiva, consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência necessária (ORLANDI, 1999, p. 34).
Nos inúmeros discursos buscamos retirar o dito, mas também aquilo que
se deixou de dizer. A perspectiva de atuação do rádio abordada por ORTRIWANO
(1985), caracteriza a programação das emissoras como conjunto controlado, pois A liberdade de criação – e de seleção da informação – é cerceada pela força dos objetivos dos grupos econômicos que, na maioria das vezes, também têm vinculações políticas, que determinam os padrões que os programas devem seguir para que esses grupos possam alcançar maior eficácia (ORTRIWANO, 1985, p. 58).
Basicamente, o rádio pode ser observado neste trabalho como instrumento
capaz de executar manobras políticas e como poder eficiente para mudar as técnicas
agrícolas e as relações cotidianas, pois sua atuação é caracterizada pela enorme
audiência. “Em termos geográficos, o rádio é o mais abrangente dos meios, podendo
221
chegar aos pontos mais remotos e ser considerado de alcance nacional”
(ORTRIWANO, 1985, p. 79). Essa característica permitiu a intensa incorporação do
rádio nas residências dos agricultores, em detrimento dos jornais e revistas, sendo
utilizado enquanto recurso de comunicação para legitimar o modelo de produção
agrícola. Portanto, construir o conhecimento geográfico, por meio das fontes
jornalísticas, possibilitou o acesso a acontecimentos culturais, sociais e econômicos
presentes em seus discursos (MANIQUE e PROENÇA, 1994, p. 42).
O dinamismo da mecanização representado na ação de fatores exógenos e
endógenos, configurados pela tecnificação, trouxe a incorporação de maquinários
agrícolas, atendendo a interesses maiores propagados no período desenvolvimentista
(ditadura militar). A concretização do modelo formatou transformações no ambiente
rural, colorindo o local com as cores do capitalismo. O fenômeno da modernização
em Marechal Cândido Rondon registrou contradições entre o tradicional e o moderno
gerando uma paisagem regional ligada a outros pólos de desenvolvimento; logo, os
espaços rural e urbano do município foram interligados com pólos maiores, como o
de Cascavel. Enfim, as movimentações discursivas fornecem elementos capazes de
localizar as atividades econômicas e os reflexos deste processo modernizador no
espaço geográfico.
FONTES
Para a análise das fontes, adotamos nomes fictícios para os entrevistados,
sendo que tal estratégia foi motivada pelo fato das entrevistas não estarem
acompanhadas de um Termo de Doação e Cessão de Uso de Documentos Históricos.
Este termo de cessão vem a ser a permissão por escrito e assinada pelo entrevistado
para que seu depoimento possa vir a ser usado pelos pesquisadores e pelo público em
geral. Portanto, achamos que este documento nos daria uma maior segurança para
mencionar os verdadeiros nomes de nossos entrevistados. Na falta deste e, buscando
precavermo-nos de possíveis inconvenientes futuros, de caráter ético ou mesmo
jurídico, optamos pela estratégia de usar os nomes fictícios. Além disso, o texto
procura manter fidelidade aos registros orais através da manutenção da linguagem
utilizada pelos entrevistados. Sendo assim, optamos por integrar ao trabalho aquelas
características próprias do bilingüismo existente nesta comunidade, composta
principalmente por descendentes germânicos.
Entrevistas:
A. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 19 fev. 1996. B. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 18 ago. 1997. BRANDÃO, Hermes. “Crise na Agricultura”. A Personalidade da Semana. Rádio Difusora de Marechal Cândido Rondon, Fita 87, 10 ago. 1995. C. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 21 fev. 1996. D. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 05 mar. 1996.
223
E. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 15 de mar. 1996. F. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 05 mar. 1996. G. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 22 de mar. 1996. H. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Curitiba, 05 mar. 2001 MAZZUCATTO, José Roberto. “Microbacias”. A Personalidade da Semana. Rádio Difusora de Marechal Cândido Rondon, Fita 57, 30 dez. 1989. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 14.11.66 a 28.02.67. v. 1. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 11.03.67 a 10.07.67. v. 2. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 12.07.67 a 11.03.67. v. 3. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 12.03.68 a 29.05.68. v. 4. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 15.10.68 a 20.03.69. v. 5. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.03.69 a 23.08.69. v. 6. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 25.08.69 a 31/12/69. v. 7. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 25.08.69 a 31.12.69. v. 8. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 20.05.70 a 30.09.70. v. 9. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.10.70 a 10.02.71. v. 10. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 13.05.71 a 18.07.71. v. 12.
224
RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.07.71 a 30.10.71. v. 13. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.09.72 a 24.02.73. v. 17. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.09.73 a 04.03.74. v. 19 RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 05.03.74 a 21.08.74. v. 20. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 28.02.75 a 30.07.75. v. 22. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 31.07.75 a 14.11.75. v. 23. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 15.11.75 a 31.01.76. v. 24. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 09.02.76 a 13.03.76. v. 25. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 23.03.76 a 17.05.76. v. 26. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 17.05.76 a 30.06.76. v. 27. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.07.76 a 24.08.76. v. 28. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 25.08.76 a 21.10.76. v. 29. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.10.76 a 10.12.76. v. 30. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 10.12.76 a 26.01.77. v. 31. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 24.01.77 a 28.02.77. v. 32.
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RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.03.77 a 31.03.77. v. 33. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.04.77 a 29.04.77. v. 34. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 29.04.77 a 11.06.77. v. 35. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 11.06.77 a 28.07.77. v. 36. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 28.07.77 a 10.09.77. v. 37. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 10.09.77 a 21.10.77. v. 38. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 03.12.77 a 16.01.78. v. 40. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 16.01.78 a 23.02.78. v. 41. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 24.02.78 a 05.04.78. v. 42. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 16.09.78 a 31.10.78. v. 47. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.12.78 a 05.02.79. v. 49. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 24.04.79 a 31.05.79. v. 52. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 03.11.79 a 12.12.79. v. 57. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 12.12.79 a 28.01.79. v. 58. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 12.80. v. 69.
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ANEXOS
ANEXO 1
COMPROVANTES DE PAGAMENTO
ANEXO 2
TROCA DE EQUIPAMENTOS