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MARLI TEREZINHA SZUMILO SCHLOSSER NAS ONDAS DO RÁDIO: A VIABILIZAÇAO DA MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA NO OESTE DO PARANÁ (1960-1980) MARINGÁ 2001

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MARLI TEREZINHA SZUMILO SCHLOSSER

NAS ONDAS DO RÁDIO: A VIABILIZAÇAO DA MODERNIZAÇÃO

AGRÍCOLA NO OESTE DO PARANÁ (1960-1980)

MARINGÁ

2001

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MARLI TEREZINHA SZUMILO SCHLOSSER

NAS ONDAS DO RÁDIO: A VIABILIZAÇAO DA MODERNIZAÇÃO

AGRÍCOLA NO OESTE DO PARANÁ (1960-1980)

Dissertação apresentada à Universidade Estadual de Maringá, para obtenção do grau de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Junior

MARINGÁ

2001

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil) Schlosser, Marli Terezinha Szumilo S345n Nas ondas do rádio: a viabilização da modernização

agrícola no Oeste do Paraná (1960-1980) / Marli Terezinha Szumilo Schlosser. -- Maringá, 2001.

236 p. : fots. Color. Orientador : Prof. Dr. Antonio Thomaz Junior Dissertação (mestrado) - Departamento de Geografia.

Universidade Estadual de Maringá, 2001. 1. Modernização agrícola - Região Oeste - Paraná. 2.

Discursos jornalísticos - Análise. I. Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Geografia. II. Título.

CDD 21.ed. 630.98162 338.18

410 CIP-NBR 12899

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DEDICO Dedico este trabalho de maneira especial a Dean, Diego e Vilmar que souberam entender as minhas constantes ausências. Um trabalho como este é fruto de uma construção coletiva. Sendo assim, dedico aos meus pais Josefa e Tadeu, bem como a todos os amigos que contribuíram com palavras de incentivo e carinho.

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AGRADECIMENTOS

A construção de um trabalho de pesquisa envolve várias etapas e

sentimentos, entre os quais orientação, amizade e incentivo. Portanto, é preciso

atenção redobrada ao registrar meus sinceros agradecimentos àqueles que colaboraram

para que o projeto se tornasse realidade:

Aos professores do curso de Mestrado em Geografia da UEM, cujas aulas

foram extremamente importantes para a elaboração deste trabalho;

Aos professores do Colegiado de História da UNIOESTE – Campus de

Marechal Cândido Rondon, que me incentivaram no decorrer da pesquisa;

Aos funcionários da Rádio Difusora do Paraná pelo auxílio e fornecimento

do material para a pesquisa, em especial ao jornalista Lincon Leduc (in memorian) e

ao Rafael Seffrin;

Aos entrevistados, cujas falas foram de extrema relevância para a pesquisa;

É preciso ainda registrar meu agradecimento aos amigos Adélia, Claércio,

Edson, Ilse, Neiva, Róbi, Ronaldo, Tere;

Aos professores Dr. Valdir Gregory, Dr. Elpídio Serra e Ms. Lia Dorotéa

Pfluck, pelas preciosas contribuições;

À Marcia Elisa Sbaraini Leitzke pela revisão das normas, pela digitação dos

originais e, sobretudo, pela amizade;

A Paulo Cezar Konzen, pela revisão criteriosa do texto;

De maneira muito especial, ao professor Silvio Galvão de Queirós (in

memorian) que, em vários momentos cercados por debates, fez sugestões relevantes;

Ao professor-orientador Dr. Antonio Thomaz Junior, pelo incentivo e pelas

importantes contribuições.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS................................................................................................. vii

LISTA DE FOTOS .................................................................................................... viii

LISTA DE SIGLAS..................................................................................................... ix

RESUMO...................................................................................................................... xi

ABSTRACT ................................................................................................................ xii

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................1

INTRODUÇÃO .............................................................................................................3

1. DISCURSOS JORNALÍSTICOS: O PODER DA IMPRENSA E O PROJETO

DE DESENVOLVIMENTO NAS ONDAS DO RÁDIO .....................................10

1.1 AS FONTES JORNALÍSTICAS ...........................................................................27

2. A TECNIFICAÇÃO NO CAMPO: A MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA DE

MARECHAL CÂNDIDO RONDON ....................................................................33

2.1 MUDANÇAS TÉCNICAS NA FORMA DE CULTIVAR A TERRA.................38

2.2 DESMATAMENTO E PROGRESSO...................................................................55

2.3 A MÁQUINA, A MODERNIZAÇÃO E A EXCLUSÃO.....................................65

2.4 AÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DOS CRÉDITOS ......................................................73

3. OS EFEITOS DA ESPECIALIZAÇÃO NA DEGRADAÇAO SÓCIO-

AMBIENTAL: NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇAO DA

PRODUÇÃO..........................................................................................................104

3.1 A ADOÇÃO DE INSUMOS FÍSICO-QUÍMICOS E A DEGRADAÇÃO

SÓCIO-AMBIENTAL .......................................................................................104

3.2 CONSERVAR O SOLO, AGORA, É PRECISO .................................................129

3.3 COMÉRCIO LOCAL: DIFERENCIAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DE

RIQUEZAS.........................................................................................................137

3.4 COOPERATIVISMO: “A UNIÃO FAZ A FORÇA” .........................................149

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3.5 A DINÂMICA DA MODERNIZAÇÃO: O LABORATÓRIO DO NOVO .......158

4. LAÇOS CULTURAIS: FACES DA MECANIZAÇAO E A

TRANSFORMAÇAO DO VIVER ......................................................................177

4.1 COTIDIANO RURAL: TRANSFORMAÇÕES DE HÁBITOS.........................185

4.2 FESTAS................................................................................................................198

4.3 A ORGANIZAÇÃO DE CLUBES ......................................................................203

5. O FENÔMENO DA INCLUSÃO E EXCLUSÃO COMO PARTE

INTEGRANTE DO NOVO ANUNCIADO........................................................207

FONTES .....................................................................................................................222

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................226

ANEXOS.....................................................................................................................233

vi

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Marechal Cândido Rondon: Localização (2001) ...........................................4

Figura 2– Marechal Cândido Rondon: Divisão e Limites.............................................10

vii

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Panfleto: Produção Agrícola ...........................................................................35

Foto 2 – Meio de Trabalho e Meio de Transporte.........................................................40

Foto 3 – Roça de Milho .................................................................................................41

Foto 4 – Técnicas de cultivo tradicionais ......................................................................42

Foto 5 – Desmatamento e Serraria ................................................................................57

Foto 6 – Catação de Raiz...............................................................................................61

Foto 7 – Colheita Modernizada .....................................................................................65

Foto 8 – Destoca: a ação do trator de esteira...............................................................130

Foto 9 – Área com Cultivo da Soja .............................................................................166

Foto 10 – Trabalho em Mutirão...................................................................................186

Foto 11 – Trabalhadores volantes na lavoura..............................................................208

Foto 12 – Mecanização e desmatamento.....................................................................219

viii

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LISTA DE SIGLAS

APM Associação de Pais e Mestres

ACARPA Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná

ARES Associação Rondonense de Estudantes Secundários

BRDE Banco Desenvolvimento do Extremo Sul

CRB Confederação dos Religiosos do Brasil

CAM Centro Agropecuário Municipal

CESSOJA Comissão Estadual de Sementes de Soja

CEST Comissão Estadual de Sementes de Trigo

CIBRAZEM Companhia Brasileira de Armazenagem

CIROSA Companhia de Óleos Vegetais

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

COOPAGRIL Cooperativa Agrícola Mista Rondon Ltda.

DER Departamento de Estadas e Rodagens

DAC Departamento de Assistência ao Cooperativismo

DENTEL Departamento Nacional de Telecomunicações

EMATER Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural

FACIMAR Faculdade de Ciências Humanas e Letras de Marechal Cândido

Rondon

FAOP Feira de Amostra do Oeste do Paraná

FUNDEPAR Instituto de Desenvolvimento Educacional do Paraná

IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias

INDA Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário do Paraná

MARIPÁ Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A

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ORGASOL Organização Agro Comercial e Industrial do Oeste

RIMA Rondon Implementos e Máquinas Agrícolas

SANBRA Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro S.A.

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

IPEA Instituto de Planejamento Econômico e Social

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RESUMO

O presente estudo tem como tema central a modernização agrícola no Extremo Oeste paranaense, mais especificamente no município de Marechal Cândido Rondon, tendo como recorte temporal o período de 1960 a 1980. A construção deste tema foi norteada pela análise das fontes jornalísticas arquivadas na Rádio Difusora do Paraná. Sendo assim, a estruturação da modernização agrícola é estudada a partir das fontes jornalísticas, tendo como perspectiva a análise dos discursos produzidos por este meio de comunicação. No trabalho são analisadas as transformações produzidas na forma de cultivar a terra, bem como a reformulação do cotidiano das famílias de agricultores, operadas pelo processo de mecanização verificado no Município. O estudo destes discursos revelou a dinâmica de ação do capital e suas relações endógenas e exógenas.

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ABSTRACT

The present study has as central theme the agricultural modernization in the Extreme West “paranaense”, more specifically in the municipal district of Marechal Cândido Rondon, tends as temporary cutting the period from 1960 to 1980. The construction of this theme was guided for the analysis of the journalistic sources filed in to Rádio Difusora of Paraná. Thereby, the structuring of the agricultural modernization is studied starting from the journalistic sources, tends as perspective the analysis of the discourses produced by this middle of communication. In the work the transformations produced in the form of cultivating the earth are analyzed, as well as the reformulation of the daily of the farmers' families, operated by the mechanization process verified in the Municipal district. The study of these discourses revealed the dynamics of action of the capital and its endogenous and exogenous relationships.

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APRESENTAÇÃO

A trajetória desta pesquisa contempla o percurso acadêmico iniciado com a

graduação em História. Neste curso, tivemos acesso a noções iniciais de investigação

científica, despertando o gosto pela pesquisa acadêmica. Esta característica foi

acentuada pela obtenção de bolsa de iniciação científica do CNPq – Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Com este incentivo, atuamos

junto ao projeto de pesquisa denominado “Estruturas Agrárias e Migrações: a

colonização do Oeste do Paraná”. A definição pelo tema se deu a partir das atividades

relacionadas ao Trabalho de Conclusão de Curso, pois as atividades de bolsista

auxiliaram na elaboração do trabalho. A monografia foi orientada por uma geógrafa, a

Profª Lia Dorotéa Pfluck, o que possibilitou uma maior aproximação dos trabalhos de

campo, bem como da própria Geografia.

Cabe contextualizar o histórico, de certa forma casual, do encontro com a

fonte jornalística. A pesquisa com este tipo de fonte teve início na graduação,

prosseguiu no curso de especialização e culminou com o estudo na pós-graduação

stricto sensu. O trabalho como bolsista coloca o acadêmico numa ação dinâmica que

provoca e desenvolve habilidades direcionadas à pesquisa. Um pouco de luz sobre a

questão, faz com que olhemos de forma diferente para o ambiente pelo qual passamos.

O contato com a pesquisa ativa, o senso de busca e investigação nos faz enxergar

oportunidades. Dessa forma, o contato com a fonte jornalística aconteceu por acaso.

Em uma das atividades de bolsista desenvolvidas junto ao CEPEDAL – Centro de

Estudos e Pesquisa da América Latina, nos deslocamos à Rádio Difusora do Paraná

com objetivo de solicitar cópia da gravação do hino do município. Na ocasião fomos

recepcionados por um dos jornalistas e aproveitamos para conhecer as dependências

da emissora de rádio. Nesta ocasião, conheci os estúdios de gravação, os funcionários

e seus respectivos setores. Num destes setores, deparei com um armário em forma de

arquivo repleto de volumes, no qual havia o registro dos programas veiculados pela

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emissora desde 1966, ano em que iniciaram as transmissões, até os dias atuais. De

imediato, aos olhos da historiadora, surgiram vários objetos discursivos, carentes de

análise. Cogitamos a possibilidade de manusear o material, o que foi permitido; de

início, com algumas restrições, no entanto, com o decorrer dos trabalhos, o acesso foi

facilitado.

No início, o material foi utilizado para a elaboração do TCC na graduação

de História; depois desenvolvemos um trabalho monográfico na pós-graduação lato

sensu. Na pós-graduação, trabalhamos a fonte jornalística aplicada ao ensino de

História. Mas, já havíamos reproduzido grande parte do material, tendo em vista a

continuidade das atividades de pesquisa. Mais tarde optamos em realizar uma

complementação de grade em Geografia, e em seguida nos submetemos à seleção no

Programa de Pós-Graduação em Geografia na UEM – Universidade Estadual de

Maringá. Assim, retornamos aos arquivos da Rádio e reproduzimos o restante das

fontes de acordo com a delimitação temática. O resultado deste trabalho é a presente

dissertação retratando a modernização agrícola no Extremo Oeste do Paraná.

Ressaltamos que a trajetória acadêmica, desde o início, foi caracterizada

pela interdisciplinaridade entre História e Geografia, pois as atividades exercidas como

professora do ensino fundamental e médio eram desenvolvidas por meio do

intercâmbio entre as duas disciplinas. Assim, a Pós-Graduação (lato sensu)

Interdisciplinar Aplicada ao Ensino Básico aproximou as duas disciplinas. Além disso,

é necessário destacar o envolvimento pessoal com a pesquisa já que sou filha de

agricultores, o que me aproximava do ambiente rural e do próprio meio ambiente.

Assim, o trabalho de campo, a natureza vista no contexto da ação do homem,

despertou o interesse cada vez maior pela Geografia. Enfim, a linha de pesquisa

“Organização do Espaço Habitado” condizia com as perspectivas de análise e a

essência e a dinâmica da investigação tomou a dimensão de uma “paixão” pela área.

No entanto, esta paixão mostrou-se duradoura e ainda persiste e, como tudo leva a

crer, persistirá ainda por muito tempo.

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INTRODUÇÃO

"Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não haveria pobreza no mundo e ninguém morreria de fome." Mahatma Gandhi

O presente estudo tem como tema a modernização da agricultura na região

Oeste do Paraná, mais especificamente na área que compreende o Município de

Marechal Cândido Rondon, tendo como recorte cronológico o período de 1960 a 1980.

Ao propormos tal tema, torna-se relevante caracterizar a área que compreende este

espaço: localizado no Extremo Oeste do Paraná — fronteira do Brasil com o Paraguai1

— o município de Marechal Cândido Rondon foi colonizado na década de 1950 pela

Companhia Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S. A. – MARIPÁ2.

Recentemente, com os desmembramentos e subdivisões que ocorreram no município

de Marechal Cândido Rondon surgiram outros municípios: Quatro Pontes, Mercedes,

Pato Bragado, Entre Rios do Oeste, e cerca de 17% do total da área foram inundados

pelas águas da represa da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Sendo assim, a área anterior,

que era aproximadamente de 1.047 km2, atualmente encontra-se reduzida para

747,1166 km2, de acordo com dados divulgados pela Secretaria Municipal do Meio

Ambiente e Recursos Hídricos, no que se refere à população, esta totaliza 46.461

habitantes3.

1 O município está localizado na Messorregião Geográfica do Oeste Paranaense, especificamente na microrregião de Toledo. De acordo com o documento Produção e Organização do Espaço Geográfico Municipal e Estadual, “o município, com uma área de 1.047 km2, situa-se entre 24º 33’40’’ latitude sul e 54º 04’ longitude oeste, mp 3º planalto ou de Guarapuava, a 420m acima do nível do mar, distante 631 km de Curitiba, capital do Estado do Paraná, na região sul do Brasil” (Cf. MARECHAL Cândido Rondon, 1989-1992, p. 4). 2 A partir desse momento, esta empresa colonizadora será referenciada pela sigla MARIPÁ. 3 IBGE. Censo demográfico de 2000. Disponível na Internet: <http:\\www.ibge.gov.br>. Acesso em 25 set. 2000

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Figura 1 – Marechal Cândido Rondon: Localização (2001)

FONTE: Prefeitura Municipal de Marechal Cândido Rondon. ExpoRondon 2001. 25-07-2001.

O interesse pela presente temática surgiu durante o desenvolvimento de

atividades junto ao projeto de pesquisa denominado Estruturas Agrárias e Migrações:

a colonização do Oeste do Paraná, realizado no extremo Oeste do Paraná sob

orientação do prof. Dr. Valdir Gregory, no qual tivemos atuação como bolsista do

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O interesse

pelo tema aumentou em função dos trabalhos desenvolvidos enquanto bolsista e

também nas discussões acadêmicas sobre a História e a Geografia Regional no

decorrer do curso de Graduação em História e prosseguiram no curso de Pós-

Graduação lato sensu. As leituras de obras significativas sobre a colonização e a

modernização agrícola contribuíram também na definição do tema.

Mas, aliada às questões teóricas, estava presente a curiosidade de entender

de que forma ocorreu a modernização na região de Marechal Cândido Rondon. Esse

interesse está vinculado à vivência que tivemos no meio rural, enquanto filha de

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agricultores. Dessa forma, a própria dinâmica do estudo faz com que o corpo teórico

tenha um caráter informativo atrelado a essa experiência de vida.

A decisão por este objeto de pesquisa, contemplando a modernização da

agricultura, surgiu, portanto, após as leituras e tarefas realizadas junto ao projeto

Estruturas Agrárias e Migrações, sendo que uma das atividades desenvolvidas foi a

pesquisa efetuada junto à Rádio Difusora do Paraná, de Marechal Cândido Rondon.

Esta atividade possibilitou o acesso a um número significativo de fontes jornalísticas

sobre a modernização e também sobre outros temas. A Rádio deu início às

transmissões a partir de 1966 e, desde que entrou em funcionamento, tem seus

programas jornalísticos arquivados, o que permitiu uma análise a partir destas fontes

primárias.

O contato com estas fontes ocorreu por acaso: numa das atividades de

pesquisa, nos deslocamos até a Rádio Difusora e na ocasião estávamos buscando uma

fita na qual foi gravado o Hino do Município. Na oportunidade, aproveitamos para

conhecer as dependências da Rádio e seus mecanismos de funcionamento. Foi quando,

em conversa com um dos jornalistas, este gentilmente se dispôs a nos receber e

explicar em detalhes o funcionamento da emissora. O jornalista revelou ter interesse

pela história do município e, ao falarmos sobre as perspectivas da pesquisa, mostrou os

arquivos da rádio. Com isto, tivemos acesso à sala onde todo material é arquivado.

Cabe destacar que estas fontes ainda não haviam sido contatadas por pesquisadores.

Cogitamos a possibilidade de consultar o material.

Num primeiro momento, foram permitidos apenas o acesso e o manuseio do

material. Neste sistema, a forma de reprodução era demorada, pois copiávamos na

íntegra todos os programas que julgávamos pertinentes ao nosso tema (inicialmente

para o trabalho de conclusão de curso e, posteriormente, para o curso de pós-

graduação. Nesta época, já visualizávamos a possibilidade de seqüência de nossos

estudos ao nível de mestrado). Após meses de trabalho, devido ao fato de os volumes

não possuírem sumário, consultamos todos os programas para identificar nossos temas

e, com o andamento da pesquisa, surgiram questionamentos por parte do diretor da

emissora sobre os fins da pesquisa, a relevância dos próprios arquivos e tudo isso foi

gerando um vínculo de confiança e finalmente pude retirar os volumes para sua

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posterior reprodução. Assim, marcava os programas jornalísticos de meu interesse e, a

partir de um determinado número de volumes consultados, retirava o material para

fazer a reprodução.

Além do material jornalístico presente nos arquivos documentais,

encontramos outros programas gravados em fitas de vídeo e áudio, sendo que um

destes programas registrados era, e ainda é, realizado aos domingos e denomina-se “A

Personalidade da Semana”. Também há um pequeno número de recortes de jornais —

incluindo panfletos de vendas de terras da época da colonização (década de 1950),

utilizados pela MARIPÁ para divulgar as terras da Região Oeste do Paraná, mais

especificamente do então município de Toledo4.

Todo esse material jornalístico vem ao encontro deste estudo, pois contém

subsídios relevantes para o entendimento das transformações socioculturais ocorridas

durante as últimas décadas do século XX na região. Com tal abordagem, pretende-se

adicionar elementos novos à problemática, diferentemente da “visão agronômica que,

por sua própria natureza, focaliza questões de produção, produtividade e

modernização, sem preocupar-se muito com as implicações sociais de médio e longo

prazo das mudanças em curso” (MARTINE, 1989, p. 21).

No primeiro capítulo, Discursos jornalísticos: o poder da imprensa e o

projeto de desenvolvimento nas ondas do Rádio, enfocamos questões que tratam da

rádio enquanto agente atuante e capaz de produzir e reproduzir manifestações

discursivas que facilitaram a transformação do cotidiano agrícola. Como as fontes

norteadoras do trabalho são as programações jornalísticas da Rádio Difusora — em

especial a programação do jornal Frente Ampla de Notícias — foi necessário realizar

uma investigação de base metodológica para poder captar a dinâmica discursiva dessas

fontes. O poder da mensagem de caráter ideológico foi um dos aspectos abordados

para decodificar as mensagens portadoras de interesses governamentais na

estruturação da tecnificação e modernização da agricultura rondonense.

4 Com relação ao contexto da colonização vinculada à atuação da MARIPÁ, recomendamos a consulta ao trabalho de GREGORY, Valdir. Os euro-brasileiros e o espaço colonial: a dinâmica da colonização no Oeste do Paraná nas décadas de 1940 a 1970. Niterói, 1997. 360p. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense.

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No segundo capítulo, intitulado A tecnificação no campo: a modernização

agrícola de Marechal Cândido Rondon, apresentamos um estudo das transformações

técnicas, em especial dos modos de produzir e trabalhar a terra. O estímulo dado pelo

governo brasileiro, vinculado a ações externas, sugere necessidades políticas,

econômicas e sociais que transformam a mentalidade do agricultor.

O processo da mecanização no campo contou com as “bençãos” do governo

brasileiro, tendo em vista um acordo com empresas multinacionais, orientando a

produção em escala avançada através do uso de maquinários que passaram a realizar o

trabalho de vários homens, o que, por sua vez, foi a vertente propulsora da exclusão de

inúmeros agricultores. As cooperativas e a ACARPA5, por intermédio de atividades

junto as propriedades rurais, sedimentaram o processo modernizante, pois estas

desenvolviam vários programas destinados ao estímulo da produtividade e a

incorporação de produtos industrializados.

O impacto da modernização-relâmpago ocorrida no município deixou suas

cicatrizes no solo, provocadas pela retirada violenta da mata e o uso de equipamentos

sem orientação adequada, ocasionando um impacto ambiental cujas conseqüências

estão acumuladas no leito dos rios. Só mais tarde, surgiram políticas preocupadas com

a conservação do solo. A distribuição dos créditos subsidiados, em tese, fez parte de

políticas governamentais objetivando acelerar a presença de máquinas e insumos no

campo como também redimencionar o dinheiro para a indústria. A adoção desse

modelo cercou de problemas muitos agricultores que, atropelados pelas altas e baixas

dos preços agrícolas e as dívidas nos bancos, acabavam perdendo sua propriedade,

sendo obrigados então a sair em busca de novas fronteiras agrícolas ou ocupar os

espaços urbanos. Este processo pode ser constatado no município de Marechal

5 No decorrer do trabalho vamos nos reportar a ACARPA e vamos chamá-la, em alguns momentos, de EMATER. Tal procedimento se justifica pelo fato deste órgão ter trocado de denominação: “Com a extinção do convênio ETA Projeto 15 com os Estados Unidos, o Governo do Estado e diversas entidades ligadas à agricultura assumem o ETA, dando-lhe nova denominação, isto é, ACARPA – Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná, em 4 de dezembro de 1959. Nesse ano, eram 14 os escritórios locais, sendo pequena a abrangência até 1965. A partir de 1966 houve uma expansão razoável para a época, pois já eram 44 os escritórios. Nesse período iniciaram-se atividades intensas em Crédito Rural Orientado, modernização das propriedades e uso de tecnologia [...]. Em 1977, através da Lei 6.969, foi criada a EMATER - Paraná, que atuou até 1988 com o nome de ACARPA/EMATER - Paraná. A partir desse ano passou a denominar-se tão somente EMATER - Paraná” (EMATER, 1996, p. v-vi, grifos nossos).

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Cândido Rondon, já que muitos agricultores que não se adaptaram ao novo modelo,

venderam suas propriedades e migraram.

No terceiro capítulo — Os efeitos da especialização na degradaçao sócio-

ambiental: novas formas de organizaçao da produção —, procuramos mostrar que a

produção das exclusões ocorreu principalmente por meio da incorporação de máquinas

agrícolas. A atuação das cooperativas contribuiu decisivamente para a implantação do

modelo de produção tecnificada e as oscilações dos preços pagos pelos produtos

aceleraram o processo que culminou na escassez de políticas concretas para a

agricultura. Por conseguinte, o incentivo à adoção de insumos e os reflexos da

tecnificação afetaram os recursos naturais. As mudanças são ocorrências seguidas da

dinâmica entre campo e cidade presente no contexto da estruturação do modelo

seletivo.

No quarto capítulo — Laços culturais: faces da mecanização e a

transformação do viver — desenvolvemos considerações que têm como foco principal

as manobras discursivas e a transformação do modo de viver da população rural do

município. Busca-se sinalizar para a idéia de que os laços culturais foram recriados e o

lazer foi transformado através da incorporação de elementos externos, de interesse do

capital, e as festividades foram investidas de sentidos diversos, o que pode ser

observado no contexto das entrevistas analisadas no estudo.

O quinto capítulo — O fenômeno da inclusão e exclusão como parte

integrante do novo anunciado —, pretende ser o espaço destinado à análise de práticas

e perspectivas vinculadas às transformações ocorridas no meio ambiente. Nesta

análise, merece destaque o processo seletivo da tecnificação, entendido como

fenômeno dividido em duas fases: num primeiro momento, atingiu os agricultores por

meio da inclusão e, após efetivar o modelo atendendo em parte aos anseios

capitalistas, excluiu grande número de agricultores, subtraindo as causas reais da

exclusão e redirecionando o grupo excedente para outras fronteiras ou para as cidades.

Como elemento estruturador do trabalho, as fontes jornalísticas ocupam neste item do

trabalho um espaço considerável através de reflexões sobre estes documentos.

Desse modo, com o desenvolvimento dessa pesquisa espera-se contemplar

aspectos que contribuam no desenvolvimento de estudos em áreas diversas – tais como

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a Sociologia, a Antropologia, a Agronomia, a Administração, entre outras – através de

informações e análises sobre as modificações ocorridas no espaço agrícola e,

conseqüentemente, urbano. Cabe salientar que para verificar a relação entre discursos

jornalísticos e as transformações técnicas e cotidianas no campo, o trabalho de

pesquisa envolveu a consulta aos programas da Rádio Difusora, às entrevistas, a

documentação iconográfica e o seu confronto com fontes bibliográficas, tanto sobre

estas fontes como sobre a temática abordada. Merece destaque, portanto, a

preocupação da emissora de rádio em manter arquivos de sua produção jornalística,

passo fundamental para compreendermos uma parte importante deste processo.

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1. DISCURSOS JORNALÍSTICOS: O PODER DA IMPRENSA E O

PROJETO DE DESENVOLVIMENTO NAS ONDAS DO RÁDIO

Primeiramente, com o objetivo de apresentar a área de estudo, a Figura 2

mostra a divisão e os limites do município de Marechal Cândido Rondon.

Figura 2– Marechal Cândido Rondon: Divisão e Limites

M. C. Rondon

Sede Urbana Sedes Distritais Área de Estudo

FONTE: Prefeitura Municipal de Marechal Cândido Rondon, 2001.

Durante o contato com as fontes jornalísticas, tornou-se necessária a

realização de uma criteriosa seleção do material. O passo inicial exigiu a abertura dos

volumes e a leitura de todo o material, já que o material não possuía um índice,

instrumento que poderia orientar de forma mais objetiva nossa pesquisa. A sensação

que tínhamos ao ler as reportagens era como se uma “regressão” no tempo estivesse

ocorrendo. Os volumes iniciais receberam um ordenamento cronológico, partindo de

1966 em direção a 1980. A leitura desse material revelaria um variado mundo de

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temas que saltavam aos olhos das mais variadas áreas ligadas à produção do

conhecimento; para uma geógrafa-historiadora tratava-se de um verdadeiro “baú” de

informações. Mas havia a necessidade de uma delimitação temática. Esta necessidade

nos levou a marcar nos volumes as reportagens identificadas com o propósito do

estudo; de tempo em tempo, pedíamos autorização à direção da emissora de rádio e

retirávamos o material para a reprodução. O que chamou nossa atenção no contato

com as fontes, através de uma primeira leitura, era a presença constante de um órgão: a

ACARPA (hoje denominada de EMATER). Com as aulas do curso de Mestrado em

Geografia, através de constantes debates e cursos que fazíamos, a possível ligação

existente entre as emissoras de rádio e a ACARPA aparecia como núcleo temático de

nossa pesquisa. Mesmo pensando em discutir os financiamentos fornecidos aos

agricultores, nesse momento a presença marcante da ACARPA não era o suficiente. A

questão permanecia em aberto. Em função disto, nos deslocamos a Curitiba, onde,

num primeiro contato, falamos informalmente com um agente da EMATER que

trabalhou juntamente com os agricultores do município em estudo. Este funcionário

mostrou o museu onde estão recolhidos os equipamentos e materiais utilizados durante

o processo da atuação da antiga ACARPA. Estes equipamentos e materiais eram

máquinas fotográficas, projetores de slides, panfletos, filmadoras, fitas de vídeo, entre

outros. Próximo ao museu da ACARPA há uma biblioteca que dispõe de um acervo de

monografias e dissertações. Observamos as fontes arquivadas e retornamos a falar com

o agente extensionista sobre uma possível entrevista na próxima viagem a Capital.

Tendo resposta favorável, ficou tudo acertado e as informações obtidas, verbais e

visuais, aguçaram ainda mais nossa curiosidade de estabelecer conexões entre rádio e a

ACARPA. Com as leituras teóricas sobre rádio e modernização agrícola em estágio

avançado, retornamos a Curitiba e realizamos a entrevista, bem como retornamos ao

museu e à biblioteca com o objetivo de selecionar o material.

Para nossa surpresa, lá havia material sobre a rádio. Questionando a

bibliotecária a respeito desse material, perguntamos se havia algo mais e

imediatamente ela apontou em direção a algumas caixas as quais chamou de arquivos,

enfatizando que eram papéis velhos. É óbvio que nos interessamos pelas tais “caixas”

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e consultamos o material que se tratava de apostilas traduzidas e projetos elaborados

pala ACARPA e a preocupação de ambos focalizava a comunicação verbal e visual.

Logo visualizamos os laços que amarravam os programas de rádio e a

atuação da ACARPA. A apostila arquivada versa sobre o 1º Treinamento de

Comunicação e Metodologia vinculado à Coordenadoria de Metodologia e

Comunicação – CORMEC e ao Departamento de Apoio Teórico – DATEC, ambos de

autoria do professor assistente Niels Röling do Departamento de Extensão Educacional

da Universidade de Wageningen – Holanda. A apostila foi traduzida do original em

inglês por Thomas Joseph Burke. Niels Röling apresentou esse trabalho em 1970 no

18º Seminário Internacional de Extensão Rural em Wageningen. O conteúdo

estratégico do Seminário trouxe surpresas expressivas, pautadas em idéias elaboradas

na indução dos agricultores a aderirem às inovações no campo. O material é recheado

de exemplos cristalizados no estudo profundo do comportamento humano e os

mecanismos adequados para interferir no cotidiano do grupo-alvo. Tais aspectos

parecem ser o suporte das relações entre a comunicação da ACARPA e a transmissão

de programas de rádio. O que surpreendeu foi a intensidade dessa relação, apresentada

a partir dos detalhes contidos no documento.

Para se ter uma idéia, já na introdução da apostila a fala contempla as

inovações agrícolas e as considera sem relevância no caso de não atingir de uma só

vez milhares de agricultores. Na prática, trata-se de um programa estruturado a “fazer

clientes adotarem ou agirem de acordo com novas idéias introduzidas via agentes de

mudanças” (RÖLING, s.d., p. 01). Podemos, então, enfatizar a forte relação entre o

agente comunicador que serve de ponte na ação dos projetos. Assim, a fala executa

uma ciranda interligando os deveres e habilidades que cabem ao agente junto aos

“clientes”, como são chamados os agricultores. Devido à preocupação com o sucesso

do plano, são realizados estudos detidos na difusão das informações; para tanto, o

palestrante revela em detalhes os pontos observados junto aos agricultores e reforça

que o aparato da comunicação e o entendimento íntimo do grupo auxiliarão os agentes

a introduzir e consolidar as mudanças desejadas. Nessa perspectiva, aponta estudos de

extensão em vários países: Índia, Nigéria e no Brasil. Com relação ao Brasil, descreve:

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Dentre mais de 50 variáveis consideradas, tais como tamanho da propriedade, freqüência com que ouvia o rádio, freqüência de visitas à cidade, número de vezes que se casou, renda, fatalismos, etc., a variável mais fortemente relacionada com o número de novas idéias que os agricultores haviam adotado, foi o número de contatos com os agentes de mudanças (RÖLING, s.d., p. 1).

A adoção do estudo das variáveis que investigam algumas práticas dos

agricultores aponta para a resposta sobre o grande número de programas da ACARPA

veiculados pela rádio no município. Cabe também evidenciar o reforço que é dado ao

papel do agente, já que “tais estudos mostram que a atividade do agente de mudanças

está entre os mais importantes fatores que influenciam no comportamento produtivo

do cliente” (RÖLING, s.d., p. 1). Assim, a teia discursiva envolve o “agente de

mudanças” e faz todas as recomendações para atingir o impacto desejado: a

aproximação junto ao agricultor, realizada através de gestos, como almoçar em sua

propriedade para ganhar confiabilidade e a partir desse contato organizar sua atuação.

O palestrante reforça a necessidade dos retornos constantes dos agentes às

propriedades. Observamos críticas feitas àqueles pesquisadores que investem muito de

seu tempo em pesquisas e deixam em segundo plano a difusão das mesmas,

negligenciando assim o poder de modificar o comportamento dos agricultores a partir

do “agente de mudanças”.

Para Niels Röling, é expressivo ter em mente que todo processo depende da

atuação eficiente do agente de campo que, caso necessário, deve retomar e recompor

suas estratégias. Mas, muitos agentes não são bem sucedidos e atribuem o fracasso de

sua atuação ao agricultor tradicional. No entanto, o professor destaca que o problema

não diz respeito ao agricultor e sim à falta de estratégias corretas para a consumação

das mudanças, pois a transformação nas técnicas de produção só ocorre após a

transformação das pessoas. Assim, “mudar pessoas é uma condição necessária para a

aplicação de nossas descobertas técnicas” (RÖLING, s.d., p. 4).

Tais metas indicam que os agentes de campo são treinados, capacitados e

sabem tudo sobre novas sementes, fertilizantes e outras informações. Porém, em

muitos casos, estes agentes não recebem o treinamento e os métodos adequados para

“mudar pessoas” e para influenciar decisivamente em suas decisões. Dessa forma,

podemos compreender a presença marcante dos agentes de campo no município e a

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ação marcada pela repetição das informações nos programas, nos quais as mesmas

idéias eram repetidas e “o agente de mudança é freqüentemente visto como um rádio

que executa seu trabalho se repete a mensagem técnica” (RÖLING, s.d., p. 4).

Presume-se na fala do professor que a contínua e marcante “transferência de

informações” levará o agricultor a adotar as idéias se o mesmo as ouvir várias vezes. E

afirmar que o agente deve executar sua fala como se fosse um rádio e como a fala é

direcionada aos agentes de mudança o palestrante frisa que seu trabalho não deve ser

substituído pelo rádio. Sabemos que métodos massais [ligados aos meios de comunicação de massa] como o rádio servem muito bem para tornar conhecido o fato de que novas idéias existem [...]. Os métodos massais, por si mesmos, normalmente, não são capazes de influenciar pessoas para agirem de acordo com as novas idéias (RÖLING, s.d., p. 5).

Dessa forma, as fontes jornalísticas serão abordadas num contexto em que

os “agentes de mudança” têm papel destacado, pois estão intimamente vinculados a

projetos externos e internos de divulgação de mensagens que sinalizam para a

transformação do cotidiano rural. Neste cenário, o rádio foi o caminho utilizado para

informar e repetir determinados valores aos agricultores, incitando o desejo de

mudanças que permitiu a promoção das novas idéias e a incorporação das novas

técnicas no campo.

O papel do agente não é o de apenas transferir as inovações, mas “[...] deve

também mostrar como aquela informação técnica pode ajudar os agricultores a

satisfazer suas necessidades” (RÖLING, s.d., p. 6). Em outros termos, após um estudo

detalhado dos valores e de todo o processo estratégico de indução, os agentes

transferem as idéias para satisfazer os desejos “criados artificialmente”. Já observamos

que a comunicação faz parte do alicerce do programa, pois a platéia do agente é “livre”

para ouvir ou não a comunicação técnica. Por este motivo, o arsenal da comunicação é

tão enaltecido e dirigido pela sensibilidade e não por generalização. Röling afirma: “É

meu propósito aqui criar uma maior consciência do comportamento de comunicação

do agente de mudanças” (RÖLING, s.d., p. 6). O professor expande sua fala e

aprofunda a discussão referente à comunicação, ressaltando a necessidade de

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adequação ao meio, pois, dependendo da mentalidade do grupo, temos manifestações

diferentes.

Tratando da questão, o autor cita um exemplo de uma área rural situada na

África Ocidental: uma aldeia condenada pela limitação da terra, onde habitantes

exerciam as mesmas técnicas há muito tempo; nesse local, havia a presença de um

agente de mudanças orientando os agricultores no que se refere ao uso de fertilizantes

para aumentar a produção. Segundo o palestrante, o resultado tomou um corpo

indesejado, pois os agricultores imaginaram que o fertilizante era uma fórmula mágica

que retirava nutrientes das propriedades vizinhas e os conduzia para a terra onde foi

aplicado o adubo. Esta situação gerou reações adversas, que só foram contidas pela

pressão do poder público.

O exemplo apresenta a necessidade e profundidade dos estudos com relação

à comunicação e à realidade do grupo no qual seria efetuada a ação. Considerando

estes pontos, “[...] pode-se dizer que a ciência tem a função de criar realidades úteis e

que a educação e extensão são métodos de transferir realidades úteis para aquele que

não as possui ainda” (RÖLING, s.d., p. 8). Entre as várias considerações, resistem os

propósitos de formar realidades ou até transferir modelos que são chamados de

realidades. E a comunicação, para seu sucesso, deve ter presente a validade tática dos

discursos, tendo em vista a necessidade de atingir outras realidades. Portanto, para

Niels Röling, deve-se “[...] construir nossa mensagem tendo a realidade do receptor em

mente” (s.d., p. 10). Com a fala em questão, são elencados muitos exemplos que

devem ser levados em consideração, destacando situações como a de redigir panfletos

para agricultores semi-analfabetos ou elaborar textos sistemáticos para causar impacto

junto ao Ministério, atitudes estas reprovadas e não recomendadas. Nesse caso,

entende-se a estratégia de usar o rádio para a expansão das idéias, já que este era um

meio de informação recebido em todo o município e que poderia auxiliar no contato

indireto com os agricultores, preparando o contato direto feito através dos agentes. No

entanto, “[...] as mensagens são conjuntos físicos que foram montados pelos seus

emissores de forma a sugerir certos significados nos seus receptores” (RÖLING, s.d.,

p. 13).

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Como resultado da atuação, devem surgir caminhos treinados pelas

mensagens que buscam sua estruturação nos canais de comunicação. Estes são

compreendidos como nuvens carregadas prontas a romper e liberar as mensagens que

correm como a água da chuva, levando as técnicas tradicionais e trazendo novos

padrões de conduta: “Os canais devem ligar o emissor e o receptor de uma mensagem

para que ela tenha efeito” (RÖLING, s.d., p. 14). Os canais devem permitir que ondas

sonoras, pedaços de papel com tinta ou outras unidades físicas com conteúdos

simbólicos passem através deles. Portanto, a preocupação com as mensagens retoma

os canais de comunicação, através do que surgem preocupações com seu poder de

alcance, com o grupo que ouve a programação. A rede de radiodifusão passa a ser

pensada enquanto mecanismo de abrangência e poder para expandir as idéias ligadas

ao programa. Assim, caberia ao agente verificar se “[...] existe um canal através do

qual suas mensagens possam alcançar o público que tem em mente” (RÖLING, s.d., p.

17). Cabe ao agente então manter um canal de mensagem. Mas não deve ficar somente

nisso, pois os espaços da demonstração devem permanecer ativados junto aos

agricultores.

Ainda com relação ao agente de mudanças, outro aspecto que servia de

canal para a comunicação está relacionado à escolha das pessoas encarregadas da

difusão das informações. Em Marechal Cândido Rondon, o critério usado foi a escolha

de pessoas da localidade para servirem de canal entre os agentes e os demais

agricultores. Na entrevista com o extensionista, este informou serem estes agentes

locais os professores das escolas municipais residentes na localidade. Em muitos

casos, eram também agricultores ou o presidente do clube da igreja. No seminário,

citado anteriormente, os elementos que tratam da incorporação de líderes locais são

frisados da seguinte forma: Certas pessoas são canais muito melhores que outras para se alcançar a comunidade. Pessoas a quem outras comumente pedem conselhos, pessoas que diariamente tem muitos contatos com os membros da comunidade, e os ocupantes de posições respeitadas e de confiança na comunidade, isto é, líderes de opinião.(RÖLING, s.d., p. 17).

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A busca de líderes formais recebe a atenção da ACARPA, através do que

ocorreram variados treinamentos de líderes junto à comunidade. A realização destes

treinamentos foi divulgada pela rádio local.

As fontes bibliográficas e jornalísticas são ferramentas que podem ser

utilizadas de várias formas. Elas motivam observações e formulações de um vasto

leque de possibilidades, passível de ser utilizado pelo geógrafo ao adotá-las como

peças em suas pesquisas, nas quais há a necessidade de serem apresentados

instrumentos e articulações do problema, direcionando assim a reflexão sobre valores e

aspirações da comunidade em estudo. Neste trabalho, pode ser dado destaque a

temáticas como: [...] os usos do solo, a apropriação da natureza, as relações entre os lugares, enfim a organização do espaço. Seu traço geral é a desigualdade, pois a história do capital é seletiva, elege áreas, estabelece uma divisão territorial do trabalho, impõe uma hierarquização dos lugares, pela dotação diferenciada dos equipamentos. É tal processo que deve ser objeto de preocupação dos geógrafos, que o analisarão, em cada manifestação concreta, tendo em vista uma Geografia mais generosa e vendo o espaço como um lugar de luta (MORAES, 1998, p. 125).

Sendo assim, em nosso trabalho pretendemos tratar a modernização

agrícola6 vinculada às medidas técnicas adotadas na produção através da incorporação

de novas ferramentas no cotidiano do rurícula, quando este passa a desenvolver uma

agricultura mecanizada e direcionada ao manejo de procedimentos “modernizadores”.

A partir destas relações, buscamos visualizar a industrialização da agricultura7 ligada à

modernização, tendo como suporte de análise a produção discursiva de sua

implantação, bem como a identificação dos mecanismos que levaram os agricultores à

incorporação da mecanização, entre os quais são priorizados o discurso jornalístico8 e

sua inserção no cotidiano rural.

6 Conforme definição de Angela Kageyama: “Por modernização da agricultura se entende basicamente a mudança na base técnica da produção agrícola. É um processo que ganha dimensão nacional no pós-guerra com a introdução de máquinas na agricultura (tratores importados), de elementos químicos (fertilizantes, defensivos, etc.), mudanças de ferramentas e mudanças de culturas ou novas verdades” (1987, p. 01). 7 Ainda de acordo com Kageyama, “a industrialização da agricultura envolve a idéia de que a agricultura acaba se transformando num ramo de produção semelhante a uma indústria, como uma ‘fábrica’ que compra determinados insumos e produz matérias-primas para outros ramos da produção” (1987, p. 01). 8 A definição de discurso como proposta auxiliar para reflexão das fontes jornalísticas foi buscada na obra de Eni P. Orlandi. De acordo com a autora, “o movimento dos sentidos, errância dos sujeitos, lugares provisórios de conjunção e dispersão, de unidade e de diversidade, de indistinção, de incerteza, de trajetos, de ancoragem e de vestígios: isto é discurso, isto é o ritual da palavra” (1999, p. 10).

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Buscaremos ainda localizar as inovações químicas e sua aplicabilidade no

contexto da modernização, através de sua vinculação aos moldes da industrialização

agrícola. Dessa forma, merece destaque a atuação dos meios de comunicação, pois a sofisticada tecnologia de comunicações, desenvolvida nos programas espaciais, militarmente orientados, usa técnicas de persuasão, manipulação e penetração cultural para vender excedentes da indústria, em geral produtos de consumo supérfluos; mas essa tecnologia vende, também, de forma global, idéias, gostos, preferências e crenças. Mensagens, objetos, estilos de vida e técnicas de informação, [...] (GUARESCHI, 1985, p. 73).

Procurando mostrar alguns traços do processo condutor da industrialização

do campo, esta pesquisa privilegia o estudo da recepção dos programas jornalísticos no

Extremo-Oeste do Paraná. As fontes utilizadas para este estudo trazem à tona, no

contexto regional, temas divididos em setores diversos: costumes, tradições locais,

aspectos socioculturais do grupo, entre outros.

Na verdade, esperamos, a partir dos discursos, identificar as transformações

mais estimuladas junto às propriedades agrícolas. Os estudo relacionados ao cotidiano

propõe um desafio ao romper com o consagrado, abrindo espaço para novas reflexões

silenciadas em muitos casos. Como diz Michel de Certeau, “o cotidiano é aquilo que

nos é dado cada dia, nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão

do presente” (1996, p. 31). Portanto, o cotidiano é entendido como instrumento que

abre o caminho e sinaliza a direção, sintonizando as relações mais íntimas de um

grupo. Neste contexto, buscamos um entendimento do processo de exclusão de

determinados instrumentos técnicos por parte dos agricultores e a incorporação de

outros, o que interfere profundamente na transformação de seus hábitos.

Sendo assim, de acordo com o enfoque, é possível se aproximar do grupo

estudado e, a partir de suas falas, verter as relações sociais. Para Paul Thompson, “toda

comunidade carrega de si uma história multifacetada de trabalho, vida familiar e

relações sociais à espera de alguém que a traga para fora” (1992, p. 301). Dessa forma,

por meio das falas dos agricultores, poderemos compreender as relações próprias de

sua comunidade.

A capacidade do entrevistado de discernir os acontecimentos vivenciados

torna-o capaz de retornar ao passado, já que ele não vive num eterno presente e a

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memória de um agricultor da comunidade pode ser expressão da memória coletiva.

Desse modo, “a entrevista propiciará, também, um meio de descobrir documentos

escritos e fotografias que, de outro modo, não teriam sido localizados” (THOMPSON,

1992, p. 25). Em muitos casos, é nas “velhas caixas de sapatos” que encontramos

registros fotográficos que tratam das transformações nas técnicas adotadas pelos

agricultores. Com estes caminhos, entre outros, a serem trilhados, pretendemos realizar

este estudo sobre a modernização agrícola tendo como suporte, além das fontes

jornalísticas, a bibliografia de apoio e, quando possível, as fontes orais e as fotografias,

entendidos como formas de complementar o estudo aqui proposto.

Desse modo, no que concerne aos chamados meios de comunicação de

massa, estes podem ser definidos como veículos que se encarregam de disseminar as

informações, de tal forma que “seu papel de atores e agentes na sociedade tecnológica,

são considerados como fatores que imprimem sua dinâmica na sociedade, pois são

tidos como possuidores de uma liberdade de ação real” (GUARESCHI, 1985, p. 19).

No programa intitulado “Nossa Programação”9, verificamos na íntegra as constantes

reprogramações: A partir da próxima segunda feira, será feita uma completa transformação em nossa programação. Iremos beneficiar ainda mais nossos amigos do interior, apresentando uma série de bons programas. Às 5 horas da manhã, iremos iniciar nossos trabalhos, apresentando o programa ‘Na Fazenda do Nhô Zeca’. Às 6 horas, será apresentado o ‘Matutino Difusora’; 6 e 15, ‘Calendário Difusora’; e às 6 e 25, o ‘Paraná Municipalista’. Às 6 e 30 horas, irá ao ar o programa ‘Bom Dia Trabalhador’. Às 7 e 15, ‘Astros e Planetas’. Às 7 e 30 horas ‘Retreta Matinal’. A partir das 8 horas, a programação voltará ao normal, como anteriormente. Haverá a apresentação de um novo programa no horário das 14 e 45 horas até as 15: ‘Música Alemã’. A partir das 15 horas, serão apresentadas as homenagens musicais. O programa ‘Lar, Doce lar’, vai ser apresentado em novo horário: às 10 e 45 horas (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).

A programação da Rádio Difusora apresenta mudanças constantes em suas

atividades, buscando envolver e despertar seus ouvintes do interior para seus

programas cotidianos. Para tanto, são criados e recriados espaços com o objetivo de

atrair o público. Assim, temos programas como “Na Fazenda do Nhô Zeca” que inicia

às 5 horas da manhã, horário em que os agricultores acordam e se preparam para mais

9 Cabe informar que as fontes jornalísticas presentes no decorrer do trabalho serão citadas na íntegra.

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um dia de trabalho. A rotina matinal do agricultor inicia-se com o fogão a lenha para

aquecer a água usada para o chimarrão, e, enquanto tomam seu café, ouvem a

programação da rádio.

O programa “Bom Dia trabalhador”, que ia ao ar às 6:30 horas, é

especificamente produzido com a intenção maior de informar o trabalhador do campo.

Exemplo disto é que nesse período o rádio ocupa lugar de destaque na casa dos

agricultores. Observando o interior das residências, buscamos localizar o lugar

destinado ao aparelho (rádio) nas comunidades do município: este permanece em

destaque, já que os agricultores o deixam sobre uma prateleira de madeira construída

especificamente para o aparelho ou possuem mesas e estantes nas quais este meio de

comunicação tem seu espaço garantido. Olhando com mais atenção, percebemos que o

objeto mantém destaque na casa do agricultor e competindo com os quadros de família

e imagens sagradas. É comum, ainda hoje, a família ficar estática diante da “vinheta”

que antecede o fato noticioso.

No horário das 8 horas, a programação retoma sua rotina. Nesse horário, os

agricultores estão ocupados com seus afazeres diários no campo. Para o horário do

descanso, após o almoço, não poderia faltar uma programação mais alegre e, para isto,

a emissora cria o programa “Música Alemã”. Por que música alemã?

Como na região predomina a colonização alemã, o programa buscou

atender a esse público; mas com o tempo ocorreram questionamentos por parte dos

demais grupos, tais como os italianos e poloneses, e a emissora de rádio cedeu espaço

para outras programações. Já o programa “Lar, Doce Lar” era voltado para as esposas

e filhas dos agricultores.

No que diz respeito à interpretação dos vários discursos que circulam na

sociedade é preciso atenção, pois no interior de uma fonte jornalística podemos nos

deparar com um discurso e este pode estar relacionado com outro discurso. No

entanto, este pode ser apenas um reflexo, pois os combates não carregam mais as armas de idéias ofensivas ou defensivas. Avançam camuflados em fatos, em dados e acontecimentos. Apresentam-se como mensageiros de um “real”. Sua atitude assume a cor do terreno econômico e social. Quando avançam, o próprio terreno parece que também avança. Mas, de fato, eles o fabricam, simulam-no, usam-no como máscara, atribuem a si o crédito dele, criam assim a cena de sua lei (CERTEAU, 1996, p. 287).

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No trabalho ora elaborado, os programas jornalísticos são fontes, mas

também são discursos estruturados de tal forma que se apresentam aos ouvidos do

público em diferentes momentos com falas também diferentes. É preciso, entretanto,

destacar também que a natureza complexa desta fonte discursiva necessita de uma

análise mais apurada. Isto se deve ao fato de que [...] a comunicação ao nível efetivo e intelectual, que caracteriza o diálogo e a comunhão no plano pessoal e interpessoal, parece não ter muito lugar como exercício nesta sociedade determinada pela economia inerente ao processo de aceleração do nosso modelo cultural. (VIEIRA, 1978, p. 21).

Ao propomos um trabalho com fontes jornalísticas, faz-se necessário

destacar que, em várias circunstâncias, o jornalista despreza acontecimentos e, muitas

vezes por imposição política, omite fatos relevantes, sendo que estes silêncios são de

grande utilidade para o geógrafo. Nesse sentido, as fontes jornalísticas abrem um

imenso leque de lacunas a serem preenchidas, abrindo caminho para novos debates.

Por esse motivo, entende-se que o geógrafo deva lutar contra as amarras das receitas

prontas e isto sinaliza para a idéia de que [...] o entendimento real de um discurso noticioso depende não apenas de sua estrutura manifesta mas também das estratégias de interpretação e representação. Em outras palavras, a estrutura do discurso noticioso é, no final, aquela que é dada ao texto pelo espectador, o conjunto de expectativas que o espectador possui antes mesmo de consumi-lo (SILVA, 1985, p. 36).

A estrutura jornalística representada pelo discurso noticioso cria e recria no

ouvinte as circunstâncias apropriadas para o consumo e a aplicabilidade da mensagem.

As ações interferem na opinião do ouvinte, sugerindo ao mesmo a atenção para as

falas da administração pública. De forma especial, a atenção do público é direcionada

para o “aprendizado” que as palestras fornecem. UMA SUGESTÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Na nossa carreira de jornalista da imprensa falada, procuramos todas as formas de colaboração à autoridade, colaboração esta que inclui sugestões, que poderão ser aceitas ou não, ou mesmo modificadas para aprimorar. As sugestões são frutos de nossas observações pessoais ou de palestra com nossos amigos que nos visitam diariamente (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).

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O que assistimos como justificativa desenvolvimentista é um processo

produzido por discursos voltados à região como também, em certo sentido, a todo país,

reunindo argumentos necessários para afirmar ou reafirmar a integração regional. É a

partir deste arsenal discursivo que movimentos como a Marcha para o Oeste

contribuíram com o objetivo de integrar regiões no contexto do desenvolvimento

nacional.

Os discursos de Getúlio Vargas, integrados ao programa do Estado Novo,

justificam o desenvolvimento brasileiro através da ampliação das fronteiras para o

Oeste. No que se refere aos projetos de ocupação e integração regional — como o

reforço à modernização agrícola ideologicamente sustentado pelos discursos de

Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek —, pode-se dizer que o governo deste último

foi marcado pelos planos ambiciosos representados pelo slogan “Cinqüenta anos de

progresso em cinco de governo”. A política adotada pelo governo “JK” contemplou a

construção de várias obras públicas, e, entre elas, tem destaque a nova capital federal.

Sua política econômica — caracterizada por alguns como modernizadora e por outros

como desnacionalizadora — forneceu elementos importantes para o quadro político da

época e deu sustentabilidade às propostas desenvolvimentistas alicerçadas no

progresso e exaustivamente repetidas nos discursos da rádio local.

Com a queda de João Goulart, instaura-se a ditadura comandada pelos

militares. O reflexo da situação militar escreveu sua história, lançando mão do abuso

de poder e controle da opinião pública, semeando o medo e abortando o direito de livre

expressão. Difundiu-se durante a ditadura um modelo de desenvolvimento vinculado à

tecnologia estrangeira, modelo denominado como “Milagre Brasileiro”. Com isso,

podemos conferir nos discursos jornalísticos a vasta presença de falas que enfocam o

progresso e o desenvolvimento, encaminhando a população para o consumo. Um dos

recursos amplamente utilizados para isto foi o rádio. Dessa maneira, a difusão de

valores tornou-se uma tarefa de certa forma fácil, pois o poder público tinha o controle

dos meios de comunicação.

Inseridos neste processo, os programas da rádio local manifestam

“preocupações” referentes ao desenvolvimento do município de Marechal Cândido

Rondon. Isso não impede pensar que durante o processo de implantação da

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modernização, este tenha estimulado alguns elementos que se assemelhavam pela

mesma visão de realidade, sugerindo problemas e soluções a partir de denominadores

comuns. Com as mensagens veiculadas, passam a ser balizados temas considerados

significativos para o debate. Nesse caso, remontando o contexto histórico das

programações, cabe identificar as relações entre imprensa e poder: a “simpatia

política” entre donos de emissoras de rádio e determinadas formas políticas pode ser o

alicerce para a divulgação de certas notícias. Como exemplo, pode ser citado o caso de

jornalistas passarem a exercer a liderança inscrita em cargos de prefeito ou de

deputado estadual e/ou federal.

A ação de proprietários da Rádio culminou com a equação do processo,

caracterizado pela dinâmica política que cercou e ainda cerca as emissoras de rádio no

município. Atualmente as duas emissoras (Rádio Difusora e Rádio Educadora) lideram

movimentos políticos estratégicos que representam grupos opositores. Mas, a soma

dos acontecimentos presentes nas programações analisadas, apresenta uma romaria de

proprietários, pois todos, de certa forma, estão identificados com alguma representação

política.

O vínculo com a política ocorreu durante a administração das emissoras,

pois estas lançaram as bases para carreiras políticas, após o estabelecimento de uma

rede de comunicações com a comunidade. O entendimento do processo vai ordenando

os objetivos dos administradores das emissoras, tendo como resultado as

manifestações favoráveis à estruturação da modernização em Marechal Cândido

Rondon. [...] No estágio de um mundo regido pelos direitos e razão tecnológicos, os meios de comunicação transformam-se em agentes dotados de força própria e suplantam as forças naturais que eram o mito de uma sociedade sacral e mítica. Este distanciamento permite à classe dominante abandonar e disfarçar seu papel de possuidor monopolístico desse aparato ideológico, e, por conseguinte, pode assumir o direito de denunciar a influência perniciosa e desagregadora ou o conteúdo vulgar, violento ou pornográfico das notícias de rádio, da TV, ou do cinema, escudando-se, dessa maneira, por detrás de seu próprio moralismo (GUARESCHI, 1985, p. 18, grifos do autor).

As mensagens jornalísticas disfarçam seu papel ideológico situando-se

diante do público como atores moralistas, por detrás das cortinas de seus interesses

particulares. Na passagem do dia das comunicações, o Prefeito Municipal, na ocasião

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Almiro Bauermann, destaca a participação dos comunicadores e seu incentivo ao

“progresso”, considerado como realização e satisfação do ser humano. DIA DAS COMUNICAÇÕES – MENSAGEM Os sentinelas do progresso. Os mensageiros da paz. Os primeiros pracinhas da batalha. São eles, os comunicadores, jornalistas, radialistas, repórteres. E é a eles que neste momento, em obediência ao dia das comunicações, estendemos as nossas palavras de agradecimento e incentivo. Agradecimento pelas obras edificantes que a comunicação nos trás. Pelo progresso e pelo desenvolvimento que os meios de comunicação, rádio, televisão, telefone, jornal e outros, nos trazem (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).

Como pode ser identificado neste trecho, é através do discurso do

desenvolvimento que são criadas expectativas junto aos agricultores a partir das quais

estes poderão atingir o “progresso”. Esse quadro indica que o [...] aspecto da mistificação dos meios de comunicação reside no caráter ideológico das mensagens que eles irradiam. A ideologia, como um sistema de representações, é inseparável da experiência vivencial cotidiana dos indivíduos. Dizer isso significa afirmar que a ideologia impregna os hábitos, desejos, reflexos das pessoas; significa, também, afirmar que a grande maioria das pessoas atravessa a vida sem, talvez, nunca se dar conta dos verdadeiros fundamentos dessas representações (GUARESCHI, 1985, p. 19).

Os programas são direcionados para aqueles valores prestigiados pelo

público. Cabe observar que os agricultores do município de Marechal Cândido Rondon

convivem com idéias e conceitos centrados no trabalho e na honestidade. Tal questão

remete ao entendimento de como os discursos foram incorporados e interpretados

pelos agricultores: esse apego ao trabalho e à honestidade representa terreno fértil para

receber as sementes do “progresso”10. UM PROGRAMA PARA OS AGRICULTORES Os nossos amigos da colônia, recebem de nossa parte as mais carinhosas manifestações, e ao mesmo tempo levamos sempre uma nota que visa alertar nosso homem do campo sobre o que possa interessar diretamente a família rurícula. Neste informativo noticioso do final da semana, levamos ao conhecimento do agricultor um assunto de importância que estará em desfile pelos nossos microfones amanhã no espaço destinado ao programa ABC dos direitos do agricultor. Amanhã das 12 às 12:30, estará em nossa emissora o Dr. Ézio Bernardinis que falará sobre a nova lei do imposto de rendas do agricultor para o ano que vem. O assunto é importantíssimo para o qual se pede a especial atenção do

10 Consultar: SCHREINER, Davi Félix. Cotidiano, trabalho e poder : a formação da cultura do trabalho no Extremo Oeste do Paraná. 2. ed. Toledo : Ed. Toledo, 1997.

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nosso agricultor durante aquele espaço. Todo o colono de nossa região deverá ouvir aquele espaço, colhendo preciosas informações que serão prestadas pelo ilustre advogado Dr. Ézio que dará movimento ao programa que já citamos. A preciosidade das informações fez com que montássemos uma nota no sentido de alertar e amanhã nosso homem do campo poderá se inteirar sobre a matéria que tem muito respeito para com as suas lidas pelo setor agrícola (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

Ao apresentar a programação, as falas utilizam-se de termos carinhosos, tais

como “nossos amigos da colônia”, “alertar nosso homem do campo”, “família

rurícula”, um discurso estabelecido na credibilidade, destacando a importância que os

agricultores devem dar ao espaço e às informações sobre o imposto de renda. A

pretensão do discurso em transmitir comunicados importantes ao ouvinte, asseguram a

recepção desejada através do uso de argumentos, como a confiança entre agricultores e

os representantes da programação, reforçando os laços da comunicação. “[...] No

momento da recepção, o confronto volta a ocorrer e se dá através das diferentes

interpretações e reelaborações que cada segmento social dará ao que vir e ouvir”

(SILVA, 1985, p. 21).

Alguns autores alertam para as trilhas ideológicas presentes em muitos dos

meios de comunicação de massa. Isto faz com que [...] constatem-se alguns aspectos até mesmo prejudiciais desse grande desenvolvimento das comunicações. Alguns teóricos da comunicação de massa são até bastante reticentes quanto a essa questão. Segundo eles, essa eficiência da comunicação teria sido, ou pode ser, usada em alguns países, com objetivos ideológicos (CALDAS, 1991, p. 55).

A estratégia objetiva é oferecer aos ouvintes informações que lhe permitam

compreender o processo de modernização, transmitido como transformação

“necessária”, sem apontar para os possíveis problemas. [...] esses veículos, em última instancia, são altamente responsáveis pela formação da opinião pública. O gosto, o comportamento, os anseios, a visão de mundo, o juízo de valor, são alguns dos aspectos onde esse sistema influenciará. Noutras palavras: os veículos de comunicação de massa, se quiserem, têm um poder suficiente grande para destruir num curto prazo de tempo a imagem de um ídolo popular. Seja da política, da canção, dos esportes, ou qualquer outra atividade profissional. A recíproca, porém, é verdadeira. Eles podem, nesse mesmo espaço de tempo, transformar uma pessoa anônima num ídolo de projeção nacional. Só para lembrar rapidamente: a jovem atriz Cláudia Raya, desconhecida do grande público até recentemente, hoje é um sucesso nacional. Mas as duas coisas também podem acontecer ao mesmo tempo: esse ídolo pode aparecer e desaparecer na mesma velocidade (CALDAS, 1991, p. 83-84).

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A perspectiva de inserção de anseios junto à opinião pública, manifesta nas

palavras dos meios de comunicação de massa, garante a estes veículos poder suficiente

para intervir no seu tempo. Este poder é reconhecido por aqueles que fazem destes

meios o canal através do qual atingem seus ouvintes. Isto pode ser identificado na

homenagem do Diretor Regional do DENTEL de Curitiba, ao reportar-se ao dia das

comunicações, caracterizando as telecomunicações como algo perigoso, capaz de

estimular ações indesejadas e, por este motivo, caberia ao ouvinte estar atento ao papel

que desempenha o governo no controle das programações, tendo em vista a

necessidade de manutenção dos princípios morais e éticos. O teor do comunicado

remete à responsabilidade político-social inscrita na dinâmica social formada e

manifesta nas expressões “indissociabilidade” entre práticas do poder político e a falsa

moralidade que esconde os desejos ideológicos do “grupo oficial que fala em nome de

todos”: “sendo as telecomunicações uma arma de dois gumes, de posse de uma [...]

transmissora, qualquer um poderá tornar-se um disseminador de [...] estimulantes de

vícios, tóxicos, subversão ou terrorismo” (Frente Ampla de Notícias, v. 26, 23.03.76 a

17.05.76).

Jogando um pouco de luz sobre a questão da modernização, é preciso

investigar, a partir das particularidades da agricultura regional, as condições históricas

e discursivas através das quais tal processo é implementado. Pode-se indicar que os

elementos que constituem tal processo se configuram através da pretensão à

universalidade: Uma das características centrais do discurso ideológico é a sua pretensão de falar em nome de todos, de ser portador de uma verdade universal. A ideologia se constitui como um discurso que suprime a diferença em nome da unidade, que fala da harmonia onde há contradição, que se apresenta como portadora de solução para todos (GONÇALVES, 1984, p. 28).

Inseridos nesse contexto, cabe aos pesquisadores observar e ter clareza de

que o jornal, a revista e em especial o rádio, podem ser entendidos como falas que se

cristalizam no ruído do tempo. O rádio é o termômetro que registra as oscilações na

temperatura do projeto modernizador. Assim, navegar nas ondas do rádio fornece ao

pesquisador uma viagem no tempo, na qual encontramos registradas formas

específicas de viver de cada comunidade.

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1.1 AS FONTES JORNALÍSTICAS

Os noticiários que serão apresentados no decorrer do estudo serão

analisados observando o desempenho discursivo efetuado pela programação da Rádio

Difusora, bem como, por entidades que utilizavam a rádio local para expandir idéias

calcadas na transformação técnica do meio rural. Com relação à análise destas fontes,

alguns autores desenvolveram um estudo referente à concretização da pesquisa dita

acadêmica. Com a pesquisa, a fonte jornalística pode ser descrita pela aproximação

que realiza entre seu discurso e as práticas concretas presentes nas relações sociais que

orientam a sociedade. Sendo assim, “os meios de comunicação de massa representam

importante agência de desenvolvimento, de vez que introduzem padrões de

comportamento, desenvolvem motivações e criam expectativas ideais de atuação e

modos de vida” (VIEIRA, 1978, p. 43).

A perspectiva de inserção de programações jornalísticas provenientes da

Secretaria da Agricultura do Estado do Paraná, com informações direcionadas aos

agricultores e pecuaristas, é um exemplo da força de atuação dos meios de

comunicação junto aos agricultores de Marechal Cândido Rondon. O programa

acontecia às 6:40 horas da manhã, sendo que 10 minutos do programa eram destinados

à divulgação de notícias elaboradas pela Secretaria da Agricultura do Estado. SECRETARIA DA AGRICULTURA DIVULGA PROGRAMA POR ESTA EMISSORA: A Secretaria da Agricultura do Estado do Paraná localizou no estado as emissoras com maior audiência e, pelas quais, deverão ser apresentados programas especiais feitos direto ao agricultor ou ao pecuarista [...]. Sempre no horário das 6:30 da manhã até as 6:40 [...]. Desde já nosso convite para sintonizarem o programa que terá o título ‘Atualidades – SEAG’ (Frente Ampla de Notícias, v. 29, 25.08.76 a 21.10.76).

As propostas desenvolvimentistas eram transmitidas pelos microfones da

Rádio Difusora e depois retransmitidas pela TV Cultura, através da qual as

informações reforçam a representação de Marechal Cândido Rondon como região

promissora, como “palco do progresso”. A justificativa das falas sobre o município no

programa de TV vem de encontro às solicitações do público em busca de informações

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sobre o crescimento do município, servindo como mecanismo de afirmação da imagem

do município junto a outras regiões do país. TV CULTURA CONVIDA O PREFEITO ALMIRO BAUERMANN: O Prefeito Municipal Sr. Almiro Bauermann recebeu da Direção da TV Cultura de Maringá – Canal 8 – um convite para se apresentar no programa do meio dia e explicar o grande desenvolvimento de Marechal Cândido Rondon [...]. A colocação de Marechal Cândido Rondon entre os 20 municípios de maior desenvolvimento do Sul do Brasil despertou, ainda mais, a curiosidade dos telespectadores sobre a nossa realidade (Frente Ampla de Notícias, v. 30, 21.10.76 a 10.12.76).

É bem verdade que a chamada “cultura de massa” deva ser definida como

uma das conseqüências do progresso intensificado pelos avanços da ciência e da

tecnologia que, de diversos modos, influem na melhoria do nível de vida de

considerável parcela da comunidade humana. A consolidação dos meios de

comunicação de massa é uma das conseqüências desse processo, com os defeitos e as

qualidades que lhe são inerentes. Contudo, é preciso observar as particularidades

destes discursos, uma vez que “a comunicação é transformada em instrumento dos

governantes para atingir objetivos predeterminados e, submetida a pressões de todos os

tipos, tem sua função dirigida pelo poder” (CAPARELLI, 1980, p. 77). Além disso, é

preciso abrir espaço para as vozes ou para o confronto analítico, o que representa

também entender o contexto histórico que engloba o processo de instalação “local” de

um agente de comunicação. As concessões, então, são ditadas por apadrinhamentos políticos ou por simples desdobramento do poder econômico: os detentores do poder político são os mesmos que detêm o poder econômico e a radiodifusão, na sua condição de novo setor para aplicação de capitais; muda de mãos apenas teoricamente: são concessões públicas a privados, por privados que manobram a coisa pública (CAPARELLI, 1980, p. 79).

Neste jogo de interesses, é necessário salientar a importância assumida pelo

rádio como meio de comunicação de massa que assinala sua presença no campo, pois,

no período que envolve o estudo aqui proposto (1960-1980), o veículo encarregado da

disseminação de informações era o rádio. Este contexto é problematizado por Celsina

Alves Favorito — em sua Dissertação de Mestrado em Comunicação Social intitulada

“Deus no céu e o Rádio na Terra ...” — na qual desenvolveu um estudo sobre o rádio

e as mulheres rurais do município de Pitanga. Neste estudo, a autora afirma “ser o

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rádio um meio de comunicação de massa fundamental no campo porque ocupa um

espaço importante onde, não raro, é o veículo solitário informador e formador da

opinião pública” (1989, p. 2). Por outro lado, para Sérgio Caparelli, os meios de

comunicação são definidos enquanto “indústria de consciência. Os governos deles se

apoderaram cada vez com maior freqüência, a fim de manipular a opinião pública”

(1980, p. 80).

Como pode ser identificado acima, alguns autores estudam o papel do rádio

como agente comunicador e observam o caráter ideológico existente entre a mensagem

jornalística e os receptores. Os marcos destas análises contemplam os grupos de maior

poder que procuram criar e/ou recriar formas diversas de “modelos culturais”. Com

relação ao nosso estudo, podemos sinalizar para a idéia de que com essa atitude tais

grupos pretendem que certos traços culturais e cotidianos sejam remodelados e as

atividades diárias, o lazer e o trabalho estejam essencialmente vinculados a padrões

técnicos e que estes sejam compartilhados em conjunto. Para tanto, os discursos

sugerem padrões de comportamento, seja para as atividades de lazer seja para os

produtos e insumos consumidos e cultivados pelos agricultores. O rádio deve ser transformado de aparelho de distribuição em aparelho de comunicação. A radiodifusão poderia ser o mais gigantesco meio de comunicação imaginável na vida pública, um imenso sistema de canalização. Assim seria, caso não fosse, não apenas capaz de emitir, mas igualmente de receber. Em outras palavras: se conseguisse que o ouvinte não só escutasse, mas também falasse, que não fosse isolado, mas em relação (Brecht apud CAPARELLI, 1980, p. 73).

Este anseio de Bertold Brecht, expresso em meados do século XX, parece

ter sido ouvido pelos dirigentes de emissoras de rádio. Assim, a ampliação da

comunicação entre ouvintes e emissora ocorreu inicialmente através do envio de

cartas. Posteriormente, os ouvintes passaram a fazer esta comunicação via telefone.

Com tal estratégia, o rádio aumentou seu poder de intermediação, abrindo um espaço

maior para as comunidades, seja através das cartas ou do telefone, fazendo com que os

agricultores participassem da programação de forma mais ativa. CARTA DE UM OUVINTE: O nosso prezado ouvinte, Guilherme Lemke, de Linha Belmonte, nos escreve fazendo algumas sugestões com respeito aos horários de programas. E menciona especialmente

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certos horários que o senhor agricultor não pode ouvir por ter que ir à roça, especialmente nesta época de colheita de trigo. Amigo Lemke, guardamos com carinho a sua carta e estamos estudando uma nova programação, alterando algumas coisas a respeito de programas a partir já do dia 1º do mês que vem (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Ao longo do processo de transformações, “o rádio revelou-se desde logo

como um intermediário entre as idéias, valores, crenças e interesses dos grupos no

poder e a população” (CAPARELLI, 1980, p. 82). Outro ponto que merece destaque é

a necessidade do comunicador em se adaptar às exigências estabelecidas pelas relações

de poder mais amplas, que debilitam seu senso crítico através do controle dos textos

que vão ao ar, tendo em vista interesses políticos, socioculturais e econômicos

assumidos pela emissora de rádio. Sabemos que nem sempre o efeito corresponde ao propósito do comunicador, em razão de condicionamentos socioculturais, psicológicos, mecânicos e circunstanciais a que a mensagem está exposta desde sua elaboração na fonte até o momento em que, no destino, se produz o estímulo ativador da reação (BELTRÃO; QUIRINO, 1986, p. 137-138).

A presença marcante e precisa de traços ideológicos11 é construída

paulatinamente a partir da comunicação destinada à população rural. Para ampliação

de seu campo de atuação, o ingrediente utilizado é a aliança entre informação e

diversão e o resultado final, em muitos casos, pode residir na transformação

sociocultural: [...] informar — transmitir elementos (dados) para o conhecimento do indivíduo ou da massa; persuadir — fornecer argumentos capazes de modificar a opinião e a conduta de pessoas e grupos; e divertir — proporcionar recursos de entretenimento ao homem, para subtraí-lo das pressões do meio e do cotidiano (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 140).

Os parâmetros metodológicos que conduzem este estudo têm como objetivo

principal oferecer ao leitor informações que lhe permitam compreender o processo de

modernização da agricultura nesta região a partir da análise dos discursos produzidos e

reproduzidos pela rádio local. Por tais motivos, torna-se relevante um diálogo com

11 Tratando destes traços, Antônio Fausto Neto explora o fato no contexto discursivo, vinculado-o ao poder: “Estamos querendo dizer que quando a deontologia jornalística afirma que o dito é o fato, isso se constitui muito mais numa espécie de efeito ideológico, resultado do trabalho de um certo poder (comunicação de massa)” (p.29). Para maiores detalhes, consultar: FAUSTO NETO, Antônio. Mortes em derrapagem : os casos Corona e Cazuza no discurso da comunicação de massa. Rio de Janeiro : Rio Fundo, 1991.

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autores que discutem o papel do rádio junto ás organizações sociais, sobre as suas

definições metodológicas a respeito dessas fontes.

No contexto da região Oeste do Paraná, em especial do município de

Marechal Cândido Rondon, podemos indicar que “[...] os meios de comunicação de

massa se encarregaram de difundir novos hábitos de consumo que levaram à

comercialização de mercadorias cada vez em maior número” (GONÇALVES, 1984, p.

36). Para entender melhor o vínculo sócio-político dos agentes envolvidos na direção

das emissoras de rádio, apresentamos um fragmento que evidencia os laços destes

com os poderes público e privado: VIAGEM DE NOSSO DIRETOR Viajou hoje com destino à cidade maravilhosa do Rio de Janeiro o nosso diretor Sr. Arlindo Alberto Lamb, ficando desta maneira a direção e supervisão da emissora ao cargo do Sr. Antonio Maximiliano Ceretta. O Sr. Arlindo estará reunido com altas autoridades do Banco do Brasil para tratar do assunto de um grande financiamento para a Cirosa, para a compra de toda uma safra de soja pela região, para funcionamento da indústria (Frente Ampla de Notícias, v. 4, 12.03.68 a 29.05.68).

O destaque para a viagem ao Rio de Janeiro do diretor da rádio revela a

atuação dos representantes da emissora junto a instituições bancárias, intercedendo a

favor de grupos no que se refere a financiamentos para o melhor desempenho da

indústria na compra da safra de soja. Durante o trabalho, estas relações serão tratadas

como elementos que interferem na dinâmica das transmissões levadas ao ar pela

emissora e afetam de forma expressiva as mensagens direcionadas aos agricultores.

Ademais, podemos visualizar a forte presença da empresa Rádio Difusora

na região no programa em comemoração ao seus 13 anos de existência. Neste

programa, a emissora procura atrelar seu crescimento ao desenvolvimento da região, o

que reforça o sentimento de progresso vivido pelos munícipes. 13 ANOS DEPOIS O dia de hoje marca a passagem do 13 anos de trabalho desta empresa em prol da radiodifusão no Paraná, voltada para a região. Inicialmente era um serviço mais local referindo-se àquilo que Marechal Cândido Rondon era e representava na época. O crescimento se deu, junto com o desenvolvimento da região. Ainda uma criança, somos sabedores daquilo que representa esta região no contexto estadual, por isso queremos partilhar juntos com todos os momentos vividos pelo povo da produtiva região oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

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No decorrer da pesquisa, procuraremos estar atentos aos aspectos apontados

acima, tendo em vista a descrição dos fatores que atuaram na implantação do modelo

de modernização agrícola no município de Marechal Cândido Rondon, com ênfase no

papel desempenhado pela emissora de rádio junto aos agricultores da região.

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2. A TECNIFICAÇÃO NO CAMPO: A MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA

DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

Analisado historicamente, o estilo de colonização no Brasil, baseado nos

moldes europeus, desde suas tentativas iniciais está alicerçado na exploração dos

recursos naturais. Lamentavelmente, em solo brasileiro, nas palavras de Darcy

Ribeiro: Nada é mais continuado, tampouco é tão permanente, ao longo desses cinco séculos, do que essa classe dirigente exógena e infiel ao seu povo. No afã de gastar gentes e matas, bichos e coisas para lucrar, acabam com as florestas mais portentosas da terra. Desmontam morrarias incomensuráveis, na busca de minerais. Erodem e arrasam terras sem conta. Gastam gente aos milhões (1995, p. 68-69).

O autor, ao discorrer sobre o tipo de exploração incentivada pelos europeus

e efetivada pelas elites brasileiras, evidencia um total desprezo e desapropriação dos

costumes e saberes das populações locais. Nesse cenário, “as características do modo

de produção capitalista vêm-se acentuando no campo que se expande com o

aparecimento das grandes rodovias” (ANDRADE, 1979, p. 60).

Com base nas premissas do projeto “desenvolvimentista”, constata-se que

no Extremo Oeste do Paraná a rápida expansão da fronteira dilui-se através da

construção de estradas, sem um investimento inicial e proporcional na capacidade do

governo em gerenciar a região. Uma vez sistematizado o gerenciamento, resultado em

grande parte da migração e da colonização planejada, as manobras de ocupação não

pouparam a natureza, caracterizando-se pela extração descontrolada de recursos

naturais, em especial a madeira. A adoção destas estratégias sugere que as políticas

ambientais das autoridades brasileiras caracterizam-se pela falta de perspectivas a

longo prazo, já que não se consolidam como verdadeiras formas de desenvolvimento

regional. O que fica evidente, contudo, é que estas políticas caracterizam-se pela

linguagem alicerçada na noção de progresso.

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A região Oeste do Paraná atualmente apresenta transformações motivadas

pela expansão econômica, dilatando as fronteiras agrícolas, o que ocasiona

repercussões prejudiciais ao meio ambiente. Este processo sinaliza para o fato de que todo cultivo implica, na verdade, uma regressão do número de espécies naturalmente presentes na zona cultivada. Com a redução do número das espécies vegetais, acarretando a do número de espécies animais, os mecanismos homeostáticos ficam empobrecidos, ou mesmo desaparecem, no caso das monoculturas extensivas com destruição quase total das adventícias (ACOT, 1990, p. 104).

Esta preocupação revela elementos e articulações que contribuíram

significativamente para a destruição da mata rondonense. Na verdade, pode ser

detectada muito mais do que a simples retirada de árvores, pois a teia da exploração

afetou os ecossistemas vitais para todas as áreas. É bom lembrar que, quando a

paisagem muda, a sociedade apresenta transformações. Sendo assim, a ocupação da

referida área não contou com um planejamento responsável, identificada apenas com

modelos pautados no foco desenvolvimentista adotado no país, pois está comprovado

que tais modelos geraram prejuízos à natureza e à sociedade, produzindo a escassez de

alimentos12 e o isolamento advindo da miserabilidade da população.

Através de programas governamentais, foram realizadas ações direcionadas

principalmente ao desenvolvimento agrícola e industrial. De acordo com a fala dos

migrantes, estes foram atraídos para a região a partir de promessas como a de se

tornarem proprietários de áreas maiores13.

12 Sobre exportação de gêneros alimentícios e escassez de produtos básicos como feijão, arroz, entre outros, consultar: SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. História da alimentação no Paraná. Curitiba : Fundação Cultural, 1995. 13 Sobre este tema, consultar o trabalho com fontes orais de MACCARI, Neiva Salete Kern. Migração e memórias : a colonização do Oeste Paranaense. Curitiba, 1999. Dissertação (Mestrado em História) – UFPR.

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Foto 1 – Panfleto: Produção Agrícola

O contexto histórico desta foto revela aspectos interessantes da ocupação das terras do município de Mal. C. Rondon. Ela informa as condições da família: produtos agrícolas e residência aparecem em destaque. O registro foi feito em 1950 e tinha como objetivo divulgar a fertilidade das terras e os produtos nela colhidos. A foto tirada no município de Marechal Cândido Rondon objetivava mostrar — aos amigos e parentes que ficaram no Rio Grande do Sul — a fertilidade da terra. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.

Para esclarecer algumas questões relacionadas a este processo, é importante

apresentar resumidamente o contexto histórico da colonização de Marechal Cândido

Rondon. Com isto, podemos identificar os discursos que atuaram no início da

ocupação da região. Entre eles, destaca-se a necessidade de “fabricar” uma ação

coletiva para nacionalizar áreas de fronteiras, povoando os “vazios demográficos” e

incentivando a migração para o Oeste e fomentando, desse modo, a ocupação através

de empresas privadas de colonização, tais como a MARIPÁ. Com tal estratégia,

buscava-se desenvolver a produção de bens a serem destinados ao comércio, tendo

como foco principal a produção com base na pequena propriedade e na policultura.

Contudo, é também discursivamente que se introduz paulatinamente o

abandono da policultura em benefício da especialização, ou seja, um discurso

direcionado a atender os anseios do mercado internacional, incutindo estrategicamente

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a necessidade de tornar o Oeste um celeiro do Brasil. “A chegada na região em grande

quantidade de migrantes gaúchos e catarinenses, já prevista pelo Estado Novo, haveria

de se concretizar nas décadas de 50 e 60. A década de 50 foi a época do grande ‘boom’

migratório sulista para a região Sudoeste e Oeste do Paraná” (WACHOWICZ, 1985, p.

155).

Quanto às inovações técnicas, as mesmas foram implantadas na agricultura

do Extremo Oeste do Paraná de forma mais intensa na década de 1970. Como será

identificado nos discursos jornalísticos, estes foram aperfeiçoamentos técnicos

induzidos, isto é, planejados e implantados com apoio externo.

Na manchete intitulada “Atividades Administrativas”, podemos observar a

mescla inicial entre técnicas vinculadas à policultura, tais como carroças e bois,

dividindo espaço com caminhões e “patrolas”. O destaque cristaliza-se na relação

progressista do homem com a máquina. Na prática, são os preparativos para a abertura

de novo caminho que visava transformar o cotidiano local. Cinco patrolas em atividade pulsante e três tratores agitando a região com o ronco das maquinas. Ao, mesmo tempo, caminhões, caminhonetes e carroças recolhendo mandioca e milho, liberando a área para o trabalho das maquinas. O homem e a maquina, quando unidos, fazem milagres (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

O processo de incorporação do modelo modernizador ocorre a partir de

articulações organizadas pela Prefeitura Municipal e Sindicato Rural. Estes órgãos

atuaram junto aos agricultores e as estratégias usadas são inúmeras. Uma delas

encontrava-se sustentada nos concursos de escolha dos melhores animais. As

exposições de animais e produtos recebiam toda a infraestrutura necessária, tais como

o transporte e alimentação gratuitos dos animais. Além disso, estes eventos eram

patrocinados através de premiações significativas. Ligadas às atividades econômicas, essas festas expressam o cotidiano do colono na exposição de produtos agrícolas, na culinária com pratos típicos, etc. Em alguns municípios, como é o caso de Marechal Cândido Rondon, no dia do município o desfile de carros alegóricos mostra colonos com suas vestimentas nos afazeres do dia-a-dia, destacando, também, a figura do pioneiro. Isto nos leva a crer que as festas atuam no sentido de rememoração e preservação da cultura campesina (SCHREINER, 1997, p. 171).

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As atividades envolvendo a exposição de produtos agrícolas — tais como

cereais e hortaliças — e animais de raça eram incentivadas sob o argumento da

importância do evento no que se refere à representação do município em outros locais

a partir da exposição dos produtos e animais rondonenses. Os apelos dirigidos aos

agricultores partiam também do Sindicato Rural que estabelecia contatos com os

agricultores para organizar a exposição. Muitos desses contatos eram realizados pelos

professores que se deslocavam semanalmente para os distritos do município. Assim,

evitaria transtornos ao agricultor com o deslocamento até a cidade.

Constantemente era reafirmada a importância da exposição para o

município, alertando para a necessidade dos produtos serem de qualidade para serem

expostos nos eventos. A Prefeitura Municipal e o Sindicato Rural estão interessados em que nos façamos representar. Por isso alertamos aos senhores agricultores que desejam expôr em Guaira, que a Prefeitura Municipal se encarregue de tudo. Buscará o animal na casa do agricultor, transportará até Guaira, manterá pessoa especialmente encarregada de tratar o animal durante toda a exposição como também vai trazer o animal de volta para ser devolvido ao dono. Na Prefeitura Municipal estará o Sr. Omar Priesnitz à disposição dos senhores agricultores para dar as informações necessárias e as explicações que forem solicitadas. Haverá valiosos prêmios para os campeões da exposição. A exposição será composta de cereais, algodão, café, ovos, verduras e suínos (Frente Ampla de Notícias, v. 4, 12.03.68 a 29.05.68).

O discurso compartilha palavras cujo emprego busca tornar comum a todos

o ideal desenvolvimentista. Isto pode ser identificado também na mensagem do poder

executivo, na pessoa do Prefeito Almiro Bauermann, tratando da passagem do 25 de

julho (aniversário do Município, dia do Colono e dia do Motorista). A mensagem não

economiza elogios ao desenvolvimento do jovem município e o jogo da retórica busca

nos acontecimentos do passado os argumentos para falar do progresso, sustentados

pela idéia do trabalho, verdadeiro agente da riqueza e da economia. MENSAGEM DO PODER EXECUTIVO PARA O DIA 25 DE JULHO DE 1977 [...] Realmente, 17 anos pouco representa no contexto da história de um povo, porém no nosso caso, por outro lado, ao olharmos para trás vemos o quanto houve de progresso em tão curto espaço de tempo. Saiu o Município com uma arrancada desenvolvimentista desde a sua criação, em todos os campos de atividade, começando praticamente do nada, em volta à selva agreste e rude, prosseguindo num ritmo vertiginoso, que não encontra quase paralelo conhecido [...]. O nosso povo, formado desta gente maravilhosa, realizou um verdadeiro milagre, à vista de todos. É este o Marechal Cândido Rondon que todos

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almejamos, no rumo certo e célebre ao seu grande futuro que lhe está reservado. Graças ao trabalho, fonte inesgotável da riqueza em todos os sentidos [...]. Como baluartes desse extraordinário impulso, saudamos os agricultores, mola mestra de nossa economia e os bravos motoristas que transportam a riqueza ao seu destino (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).

A modernização surge como fenômeno que provoca a marginalização de

certos segmentos da população: os pequenos proprietários, excluídos pela mudança

social, vêem-se em uma situação difícil, já que precisam vender suas terras em busca

de outros espaços de trabalho — seja nas cidades ou em outras frentes de expansão —

ao invés de viver uma vida de descanso, desfrutando do conforto merecido após anos

de trabalho que o tal “progresso” proporcionou. Sendo assim, as implicações

decorrentes da modernização não são percebidas como ação em benefício do capital. Essa disritmia entre as “leituras” que capital e trabalho fazem do mesmo fenômeno, revela, então, o elemento substantivo do processo de dominação, ou seja, o capital, voltado para todo o circuito produtivo, faz do trabalho instrumento vital da dominação de classe, o que cimenta sua hegemonia no conjunto do tecido social (THOMAZ JÚNIOR, p. 7).

Esta fragmentação dos pontos de vista sinaliza para a maquiagem da

realidade, através do que a exclusão dos que foram incorporados pela visão

progressista torna-se obscura novamente e as expectativas os tornam mais uma vez

“colonos figurantes” no palco da migração.

2.1 MUDANÇAS TÉCNICAS NA FORMA DE CULTIVAR A TERRA

Com o objetivo de caracterizar as transformações ocorridas com a chamada

“Revolução Verde”, procuramos identificar as inovações inseridas no cotidiano

agrícola de Marechal Cândido Rondon. Este fenômeno tem como mola-mestra a

substituição de técnicas tradicionais, até então utilizadas, por orientações vinculadas à

conservação do solo, ao uso de inseticidas e à utilização de máquinas no trabalho

agrícola. Todo esse aparato técnico foi denominado por alguns autores de “pacote

tecnológico”. Já o conjunto de ações discursivas ligadas à comercialização desse

universo de tecnologias denominou-se de “modernização tecnológica”. Sendo assim,

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[...] juntamente com a introdução de novas variedades de trigo, arroz e milho, mais produtivas, os países que aderiam à ‘Revolução Verde’ eram orientados e induzidos a usar novas técnicas de correção do solo, fertilização, combate às doenças e pragas, bem como a utilizar maquinaria e equipamentos modernos. (BRUM, 1983, p. 61).

As mudanças no sistema de relações e fases da agricultura provocam uma

situação de ruptura nos padrões técnicos a nível mundial e este processo estende-se ao

Brasil. Nos Estados Unidos, o processo acontece a partir de um planejamento efetivo

que contempla desde a adaptação dos agricultores até o sistema de transporte de

produtos: é o surgimento da agricultura tecnificada. A importação deste modelo para o

Brasil apresentou graves problemas. Sua efetiva implantação ocorreu na região Sul do

país, sem levar em consideração a necessidade de adaptação por parte dos agricultores

brasileiros. Inserido neste contexto, o modelo é transferido para o Extremo Oeste

“como um rastro de pólvora”. A “Revolução Verde” aparece então como “carro-chefe

do processo de modernização da agricultura no mundo e também no Brasil” (BRUM,

1983, p. 9).

No município de Marechal Cândido Rondon, inicialmente, as técnicas de

cultivo atendiam à policultura. Para desvendar os elos que ficam de fora da prática

discursiva, ou que não possuíam espaço nos “modelos racionais” de produção, torna-se

necessário apresentar algumas das características das técnicas tradicionais de cultivo.

A agricultura tradicional14, vigente na década de 1950, impulsiona os sistemas de

cultivo empregados pelos colonizadores provenientes do Rio Grande do Sul e Santa

Catarina. Estes sistemas de cultivo contemplam moldes que tiveram continuidade no

Extremo Oeste do Paraná. Os agricultores, em suas pequenas propriedades,

desenvolviam atividades agropecuárias envolvendo a participação da família que

geralmente apresentava-se numerosa. As atividades contemplavam a criação de suínos

e gado destinados ao consumo e ao comércio.

14 Para obter mais informações sobre as técnicas desenvolvidas pelos migrantes sulistas no Oeste do Paraná, consultar: MÜLLER, Keith Donald. Colonização pioneira no sul do Brasil : o caso de Toledo, Paraná. Boletim Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, v.48, n. 1, p. 83-139, jan./mar. 1986.

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Foto 2 – Meio de Trabalho e Meio de Transporte

Esta foto caracteriza o meio de transporte utilizado no início da colonização. A “roça nova” era arada com auxílio da tração animal e os produtos colhidos eram levados ao paiol com a carroça. Na foto podemos observar ainda a mata ao fundo e a presença de inúmeras crianças, característica de um sistema sustentado pela mão-de-obra familiar. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.

O sistema tradicional não exigia financiamentos e técnicas inovadoras

baseadas em maquinários, pois as ferramentas utilizadas na lavoura eram rústicas. [...] Os instrumentos de trabalho eram simples: foice e machado, para o desbravamento e derrubada do mato; enxada e arado de tração animal para o preparo do solo e controle das ervas daninhas; máquina manual de plantar; foicinha de cortar trigo, arroz, etc.; máquina manual de matar formiga; carroça e outros veículos de tração animal, para o transporte [...]. As técnicas de preparação do solo, cultivo, colheita, etc. eram fruto da experiência e se transmitiam de uma geração para a seguinte, aperfeiçoadas lentamente (BRUM, 1983, p. 82).

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Foto 3 – Roça de Milho

Os migrantes compravam as propriedades, derrubavam uma pequena área e cultivavam milho. Logo em

seguida, retornavam para o Rio Grande do Sul para concretizar os últimos acertos e efetivar a vinda para o Oeste do Paraná. Fato curioso aconteceu, pois, no caso do agricultor demorar em seu retorno, a colheita era realizada em duas fases: uma parte era colhida pelos porcos do mato e o restante pelo agricultor (década de 1950). FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.

Desse modo, o cultivo tradicional permite uma apreensão privilegiada do

espaço rural, afinal é o próprio ator (agricultor) deste espaço que está atuando.

Exemplo disso é o fato de que a forma inicial adotada pelos agricultores em suas

propriedades integrava o trabalho familiar, que era desenvolvido pelos integrantes da

propriedade ou em mutirão, com a ajuda dos vizinhos, principalmente nas épocas de

colheita15.

Torna-se imperativo mencionar que na agricultura tradicional, os

agricultores mantinham suas hortas e pomares, como forma de complementar a

15 Sobre as atividades desenvolvidas em cultivos tradicionais, consultar: OBERG, Kalervo. Toledo : um município da fronteira Oeste do Paraná. Rio de Janeiro: s.e., 1960.

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alimentação de suas famílias. Segundo Argemiro Brum, “junto à residência da família,

ficavam a horta, onde se produziam hortaliças, verduras e legumes, e o pomar, com

árvores frutíferas – tudo voltado diretamente ao consumo da família rural” (1983, p.

83).

Foto 4 – Técnicas de cultivo tradicionais

A foto de 1967 destaca o cultivo da mandioca. Ela registra técnicas de cultivo próprias da policultura que antecede à modernização, ou seja, a foto evidencia a participação familiar no cultivo. A foto mostra ainda que o cultivo acontecia entre os troncos de árvores derrubadas. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser

Com relação às necessidades da família do campo as mesmas eram supridas

em grande parte na propriedade e o restante era adquirido no comércio: “[...]

adquiriam-se no comércio principalmente tecidos, calçados, objetos de uso e artigos de

consumo doméstico que não eram produzidos na propriedade rural” (BRUM, 1983, p.

83).

Na obra de Ricardo Abramovay — intitulada Paradigmas do capitalismo

agrário em questão — são apresentadas considerações sobre a produção tradicional

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nos anos 60 e a preocupação dos economistas com o crescimento dos lucros. Para

tanto, a estratégia de ação estava atrelada às transformações técnicas da agricultura. [...] A perspectiva de uma combinação diferente destes fatores poderia resultar num aumento do produto. Somente máquinas e insumos de origem industrial, combinados com um sistema de pesquisa e extensão (voltados precisamente para este tipo de modernização) podem elevar a produtividade do trabalho e também permitir a liberação de mão-de-obra do campo para as cidades, sem que isso se traduza numa queda no nível da oferta agrícola (ABRAMOVAY, 1992, p. 84).

As atividades práticas são executadas tendo como objetivo principal

preparar a receptividade do agricultor para a incorporação das “novas técnicas”

agrícolas. A divulgação destas novas técnicas ocorre através do rádio, cujo discurso

trata da temática sob a justificativa da necessidade “de treinar e conscientizar o homem

do campo”. Tais elementos caracterizam a ação do Ministério do Planejamento e da

Secretaria do Planejamento do Estado do Paraná, juntamente com a ACARPA. Os

estímulos eram constantes por intermédio das associações rurais: As Associações fizeram, nos anos 60, um verdadeiro trabalho de conquista dos agricultores, através de estímulos para que comparecessem às reuniões, participassem de concursos e fizessem novas experiências em sua propriedade. Distribuíam prêmios, promoviam excursões com os agricultores fazendo-os visitar lugares onde o uso de certas técnicas já estava mais desenvolvido, enfim, havia todo um trabalho de orientação, mas, também, de “sedução” dos colonos da região (PAULILO, 1990, p. 56).

O papel desempenhado pelas associações rurais no que se refere à

implantação do modelo racional de produção agrícola estava inscrito, principalmente,

na realização de cursos de aperfeiçoamento. Como exemplo, citamos o conteúdo de

um destes cursos divulgado pela emissora de rádio. Sua estrutura reflete os

preparativos idealizados pelos órgãos governamentais com o objetivo de envolver o

agricultor direcionando-o para a efetivação desejada. Assim, foram apresentadas

noções sobre administração da propriedade, características do mercado, exploração da

área rural, assistência técnica, extensão rural, créditos, cooperativismo entre outros

temas vinculados ao novo modelo. CURSO PARA PRODUTORES RURAIS Com o objetivo de treinar e conscientizar o homem do campo, no sentido de mostrar-lhes o instrumental técnico e científico que está à sua disposição e que poderá ser utilizado

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para racionalizar sua atividade, será realizado em Marechal Cândido Rondon um curso para produtores rurais. Este curso será ministrado por técnicos do Ministério do Planejamento e da Secretaria de Planejamento do Estado do Paraná, numa promoção da Federação da Agricultura do Estado do Paraná e com a colaboração da ACARPA. [...] versará sobre Noções de Administração da Propriedade Rural; Oportunidades de Mercado dos Principais Produtos Agrícolas; Noções de Uso da Propriedade Rural; Mecanismos de Assistência; Técnica – Extensão Rural – Fomento – Crédito Rural; Noções de Cooperativismo; Noções de Tributação – Encargos Incidentes sobre a Propriedade Rural e Funrural. As inscrições para esse importante curso, que faz parte do Programa Paranaense de Treinamento de Executivos (Frente Ampla de Notícias, v. 20, 05.03.74 a 21.08.74).

O processo de modernização da agricultura denominado“Revolução Verde”

foi um programa estruturado a partir do aumento da produtividade, na expansão das

áreas cultivadas e na incorporação de novas técnicas no campo. [...] um papel importante cabe ao Estado no desenvolvimento da agricultura: o estímulo seja à reprodução interna seja à importação dos insumos que compõem a agricultura moderna, a implantação de centros de pesquisa capazes de adaptar os progressos técnicos de agronomia ao meio ambiente nacional e local (pesquisas com variedades de alto rendimento, por exemplo) e a difusão deste conjunto de inovações através de um amplo sistema de extensão (ABRAMOVAY, 1992, p. 85).

O papel atuante do Estado foi uma constante cristalizada na implantação de

tecnologias direcionadas ao setor agrícola. Mas, o estabelecimento prático da atuação

ocorria também de forma direcionada. Como exemplo, pode ser citada a atuação dos

sindicatos através do atendimento ao agricultor por intermédio de médicos

veterinários. O discurso enfatiza a importância do atendimento gratuito para os sócios

quites com a mensalidade. Os parâmetros sugeridos pela tecnificação são veiculados

de várias formas e as estratégias sempre reforçadas. O SINDICATO RURAL TEM AGORA MÉDICO VETERINÁRIO Podemos hoje dar uma bela notícia aos senhores sócios do Sindicato Patronal Rural deste município. Desde anteontem está nesta cidade, para atender aos sindicalizados da agricultura, um médico veterinário. Trata-se do Dr. Leopoldo Pietróvski, formado pela Universidade Federal do Paraná. O Dr. Pietróvski atenderá gratuitamente aos senhores colonos que estejam com suas mensalidades perfeitamente em dia com o sindicato. Aqueles que não são sócios ou estão com os pagamentos atrasados, deverão pagar a consulta a parte. Desejamos as boas vindas ao Dr. Pietróvski e colocamos esta emissora a seu dispor, sempre que necessite de nossos modestos préstimos (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

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Para isso, são destinados recursos que contemplam o desenvolvimento de

sementes que possam ser cultivadas em diferentes climas e solos, bem como o auxílio

de técnicos dedicados à fabricação de adubos e venenos, proporcionando o

atendimento de um padrão criado e justificado na eficiência da modernidade. A chamada “Revolução Verde” foi um programa que tinha como objetivo explícito contribuir para o aumento da produção e da produtividade agrícola no mundo, através do desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para a criação e multiplicação de sementes adequadas às condições dos diferentes solos e climas e resistentes às doenças e pragas, bem como da descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e eficientes (BRUM, 1983, p. 55).

É preciso, entretanto, compreender o poder atribuído às notícias e contatos

realizados pelo então prefeito municipal Werner Wanderer, pois atualmente o mesmo

exerce a função de Deputado Federal pelo Estado do Paraná. Entre os assuntos

destacados, o desejo pela instalação de eletrificação rural foi levado ao conhecimento

do Ministério da Agricultura. De acordo com o documento, o pedido surpreendeu

devido ao grande número de moradores inscritos (2.800 famílias) e, assim, foi aceita

com entusiasmo a possibilidade de instalação da eletrificação rural em Marechal

Cândido Rondon, em especial “a toda sua produtiva colônia”. Torna-se evidente o

universo discursivo que permeia a dinâmica da produção agrícola, agora calcada na

necessidade de energia elétrica para impulsionar o progresso da região. Os

procedimentos para a implantação acelerada da modernização abriam todas as portas

para as “boas novas”. PREFEITO MUNICIPAL CHEGOU HOJE COM BÔAS NÓVAS [...] o senhor prefeito municipal manteve-se em entrevista com o coronel Romeu, chefe da C.E.R. – 1 em Ponta Grossa, grupo militar [...] que foi passado aos encargos pelo senhor Presidente da República no tocante à construção da BR-467, uma estrada promissora para nós desta região do canto oeste do Paraná. A beleza, conforto [...] produtividade desta estrada entre Cascavel até Guaíra, está entregue confiantemente à chefia da C.E.R. - 1, que deve acelerar seu ritmo de trabalho para que logo tenhamos esta obra concluída seguindo o exemplo de beleza e expansão que nos dá à todos de Foz à Ponta Grossa. Conversando com o coronel Romeu, o prefeito Werner, obteve positiva resposta quanto à uma patrola da comissão de estradas de rodagens que se encontra encostada em Cascavel (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Novamente as notícias sugerem um discurso direcionado ao interesse

coletivo. Enfatiza-se, sem poupar detalhes, a presença de funcionários encarregados da

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construção da estrada, considerada pelo então Ministro dos Transportes Coronel Mario

Andreazza como uma prioridade. UMA NOTÍCIA DE ALTO INTERESSE REGIONAL Estava ontem à tarde defronte a rodoviária um jipe do D.E.R., cheio de cobertas e cobertores. O fato chamou nossa atenção e fomos falar com os tripulantes do jipe. Foi ali que ficamos sabendo que faziam parte de uma turma encarregada do levantamento da BR-467 que parte de Cascavel e vai a Guaíra, passando pelo nosso município. Informaram-nos aqueles funcionários do estado que existem 4 turmas fazendo esse levantamento, e com o compromisso de realizar este trabalho quanto antes possível, para começarem as obras de construção desta estrada e respectivo asfaltamento. Cumpre-se assim, as declarações do ministro dos transportes Coronel Mario Andreazza que diz que as duas BRs, a 467 e a 162 são altamente prioritárias. Uma boa notícia, sem dúvida. (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69)

No município, existia uma constante preocupação com a implantação da

eletrificação rural. Deste modo, os discursos justificam a necessidade de organizar o

maior número de inscritos para chamar a atenção da companhia responsável pela

instalação da energia elétrica. Logo, o discurso atrela à eletrificação, a necessidade de

maior conforto para o agricultor e enfatiza o “progresso” advindo da eletrificação no

campo.

Tal afirmação pode ser atribuída ao “discurso sobre a modernização do

Paraná, via industrialização. Há que se considerar a ênfase dada à necessidade de

ampliação e instalação de uma infra-estrutura básica, notadamente rodovias e energia

elétrica” (IPARDES, 1989, p. 64). São contínuos e numerosos os programas que falam

da eletrificação, atrelada, em muitos casos, à expressão “benefício para nossa gente”.

Quanto maior o número de usuários, menores os custos dos serviços da energia no

campo. Esta é a fórmula adotada para justificar a necessidade de ampliação da rede

elétrica na região. A adoção dessas medidas recebe os reforços discursivos dos

“homens públicos”, sendo que um número expressivo de pedidos receberia maior

atenção e rapidez e tornaria o município o primeiro a ser beneficiado com o programa.

Com a concretização do empreendimento, abrir-se-iam inevitavelmente as portas do

“progresso”.

A instalação da energia elétrica nos lares dos agricultores atendia a

interesses específicos? Podemos sugerir que a necessidade de se criar mercados para a

crescente industrialização do país estava na ordem de prioridades deste tipo de

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empreendimento. Portanto as luzes do progresso trariam vantagens, em termos de

produtividade, aos agricultores. Contudo, satisfaziam também a necessidade de vendas

de produtos ligados à indústria de motores elétricos e afins. A chave para o problema

está na abertura de possibilidades para a energia elétrica que “levará força para a

movimentação de motores e vários implementos agrícolas”, caracterizados então como

integrantes das necessidades dos agricultores modernos. Sobre a questão, algumas

falas de agricultores identificam elementos que sustentavam as propostas

modernizadoras: Nos primeiros anos quando nós viemos prá cá, nem rádio não tinha [...]. Depois a gente conseguiu o rádio [...]. Isso muda, hoje em dia tem muita gente que fala, porque não tem dinheiro é ruim; só que hoje nós temos carro, temos televisão, temos geladeira, congelador, tem banheiro em casa, tem luz, tudo isso [...]. Aqui custa, aí que vai o nosso dinheiro, mas nós tamos cômodos, tamos vivendo bem [...]. (D, 05 mar. 1996, grifos nossos)

O poder persuasivo relacionado às novas necessidades não para por aí. Ele

cria como parte integrante do cotidiano dos agricultores a ansiedade em progredir em

direção a um futuro promissor. Com tais argumentos, o novo modelo implanta seus

ideais. PESSOAL ENTUSIASMADO TRATOU DA ELETRIFICAÇÃO RURAL [...] Ouvindo as palavras do prefeito municipal Werner Wanderer, permaneceram atentos, e ao final de tudo pode-se notar entre os presentes a euforia reinante entre todos em saber que dentro de um curto espaço de tempo poderão ter energia elétrica em seus lares, que além de iluminação, levará força para a movimentação de motores e vários implementos agrícolas de muita necessidade no meio colonial [...]. Observando a alegria entre os presentes à última reunião de anteontem, somente podemos acreditar mais ainda neste povo que não pensa em outra coisa que PROGREDIR, e PROGREDIR sempre. O maior desenvolvimento e vontade de nosso povo nos traz a lembrança de um futuro promissor e que não está muito longe com relação à Marechal Cândido Rondon (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

No final dos anos 60, as mudanças no sistema de relações e de expansão da

fronteira agrícola são notórias no Extremo Oeste do Paraná, em especial no município

de Marechal Cândido Rondon. O modelo adotado até então pelo pequeno agricultor é

modificado profundamente pela ação da oferta de créditos para a compra de máquinas

e pela ação dos discursos transmitidos aos agricultores de forma incisiva.

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O OESTE E SUDOESTE MOSTRAM SUA PUJANÇA O desenvolvimento econômico do oeste e sudoeste é um fato incontestável e temos a impressão que estamos entrando para um período em que falar-se no oeste e sudoeste, não é mais falar em regiões sub-desenvolvidas ou marchando à retaguarda do desenvolvimento do nosso Estado. Falava-se em Paraná em função do norte, dando-se a impressão que o Estado só progrediria naquelas regiões, onde era senhor absoluto o café. A policultura foi introduzida no oeste e sudoeste e hoje o progresso e a pujança dessas regiões é um fato incontéste (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).

A comparação com outras regiões procurava assimilar as especificidades da

região. Assim, a policultura adotada pelos rondonenses aparecia como elemento

diferenciador. Contudo, este modelo passou por reformulações: [...] verifica-se que na década de 1960 o grande movimento de expansão da fronteira agrícola se deu no Extremo Oeste e Sudoeste do Estado, tendo à frente o pequeno ocupante. Já na primeira metade da década de 1970 os resultados mostram o aparecimento de grandes proprietários nessas regiões acompanhado de uma forte redução no número de pequenos estabelecimentos (SILVA, 1982, p. 103).

A partir desse quadro, na década de 1970, Marechal Cândido Rondon sentiu

os reflexos advindos do crescimento de grandes e médias propriedades e da

conseqüente redução do sistema de pequenas propriedades16. As alterações provocadas

pelas inovações técnicas junto ao meio ambiente são significativas. Nesse período,

marca presença a produção acelerada e em grande quantidade, visando atender o

mercado nacional e internacional. Uma das principais inovações tecnológicas se relaciona com as alterações da natureza das plantas e animais, com mudanças em seus ciclos biológicos, o que reduz sensivelmente o diferencial existente entre tempo de trabalho e tempo de produção, persistente na maior parte do setor agropecuário, e eliminando algumas barreiras que se antepõem à aplicação de capital (RIZZI, 1984, p. 201).

Os elementos ligados às técnicas tradicionais de cultivo perdem espaço

também no que se refere à produção de sementes. Com isto, os agricultores passaram a

negociar com instituições e não mais com seus vizinhos, quando as relações de

trabalho ocorriam com base na cooperação entre os agricultores: Na fase da agricultura tradicional, as sementes eram produzidas pelos próprios agricultores ou trocadas com os vizinhos, em cuja orientação valia a experiência empírica

16 A definição tratando as propriedades enquanto pequena, média e grande é baseada em critérios regionais.

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dos colonos. À medida que o processo de modernização foi avançando os órgãos oficiais ligados ao Ministério ou à Secretaria da Agricultura do Estado passaram a fornecer sementes selecionadas aos produtores rurais, quer diretamente quer através das cooperativas e associações rurais (BRUM, 1983, p. 109).

Com a substituição da sistemática tradicional pelas novas técnicas de

cultivo, os agricultores abandonam conhecimentos sedimentados por gerações no que

se refere ao domínio da tecnologia de produção. Assim, são lançadas “as sementes do

progresso” que alteram sensivelmente o cenário das relações de trabalho existentes. [...] Transformando a Agricultura Tradicional — exerceu enorme influência na formação de intelectuais e técnicos responsáveis pela implantação, em países do Terceiro Mundo, de centros de extensão e pesquisa nos quais boa parte da Revolução Verde se enraizou. (ABRAMOVAY, 1992, p. 82).

O trabalho desenvolvido pelas famílias passou a ser desarticulado e novas

formas de produção foram incorporadas ao cotidiano rural. As relações de produção e

de trabalho são vistas como elementos capazes de articular diferentes dinamismos no

município: “da enxada, do arado de tração animal e da carroça passou-se ao trator, à

automotriz, ao caminhão, etc. Rompeu-se assim o ritmo lento do mundo rural marcado

pela tradição” (BRUM, 1983, p. 148).

Dessa forma, “A exploração familiar, tal como a concebemos, corresponde

a uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente

ligados à família” (LAMARCHE, 1993, p.15). Sendo assim, as diversas experiências

cotidianas pautadas na exploração e produção a partir do próprio trabalho, sintetizado

no âmbito familiar, são transformadas de maneira enfática com a industrialização do

país. Contudo, a modernização é informada de fundamentos e interpretações variadas,

sendo entendida como um conjunto de percepções estabelecidas a partir de

entendimentos e valores, decisões e comportamentos de grupos específicos. Malgrado a industrialização do país, que se acentua a partir dos anos 50 deste século, os proprietários fundiários manterão em larga escala seu controle sobre os elementos tradicionais de sua dominação social, ou seja, sobre a propriedade da terra, e, graças a ela, sobre a força de trabalho rural. Este “pano de fundo” sócio-político é fundamental para se compreender a natureza do processo de modernização da agricultura que é efetuada a partir de meados dos anos 60 (LAMARCHE, 1993, p.182-183).

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A implantação do modelo tecnificado na agricultura brasileira se

intensificou a partir dos anos 60. O processo desencadeou debates desafinados,

despertando um mosaico de enfoques e interpretações: “No Brasil, a partir de 1964, o

modelo agrícola implantado se incumbiu de realizar um elevado grau de tecnificação

com aumentos de produtividade no meio rural, a concentração da posse da terra e a

articulação profunda ao complexo agroindustrial” (BREPOHL, 1984, p. 189).

Os canais de abertura do processo de modernização agrícola responderam a

todos os problemas, incluindo os climáticos, tais como chuvas de granizo. Em 1967,

uma forte chuva de granizo provocou estragos nas lavouras do município. A situação

era grave, de tal forma que a Câmara Municipal foi convocada em regime de urgência

para reunião com a pauta direcionada a atender de forma prática as propriedades

atingidas pelas adversidades climáticas. Entre as deliberações regimentais da reunião,

foi definida a escolha de representantes, tanto da prefeitura quanto da associação rural,

que foram visitar as propriedades atingidas de fato. Estas receberam isenção do

pagamento de impostos municipais. Logo de imediato, a CIROSA – Companhia de

Óleos Vegetais, entrou em ação entregando sementes de soja. A solução apontada

aparece no uso de sementes de milho híbrido para o plantio rápido. Assim, as sementes

produzidas pelo agricultor para este fim vão ficando de lado. A ASISTÊNCIA AOS ATINGIDOS PELO GRANIZO [...] em cada local onde houve o granizo deverá destacar alguém que venha à Prefeitura com a relação dos nomes dos prejudicados. No dia 4 uma comissão composta de um vereador, um representante da Prefeitura e um da Associação Rural visitará colono por colono, confirmando o prejuízo. A CIROSA já está fazendo entrega de soja, para receber a mesma quantia na safra. Está sendo providenciado milho híbrido para replantio. Será dada assistência real aos prejudicados, mas dentro do critério da justiça (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

Nesse sentido, pode-se argumentar que o planejamento modernizador

buscou aplicar e introduzir, através do sistema de cultivo sementes selecionadas, o

aparato de combate às pragas ofertado pelos insumos. O carro-chefe de todo o

processo está aplicado então no desenvolvimento tecnológico. Assim, enfocamos a

necessidade do pesquisador estar atento para a vasta heterogeneidade de recursos

estratégicos preparados para atender à, também, vasta heterogeneidade de interesses

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que compõem a exploração agrícola na área estudada. Em outros termos, a área pode

ser entendida enquanto célula de implementação de imagens e idéias direcionadas ao

projeto modernizador e configuradas a partir de suas especificidades. Com melhores sementes, fertilizantes adequados e outros insumos de natureza biológico-química, o solo pode ser mais bem cuidado, trabalhado, semeado e cultivado e oferecer maior produtividade. Essas tecnologias devem ser empregadas quando a terra tiver custo elevado pois permitem que seja explorada de forma mais intensiva e racional (ACCARINI, 1987, p. 85).

A implantação de projetos de colonização agrícola e extensão dos

incentivos ao setor agropecuário manifesta-se através de incentivos fiscais e de crédito.

Com relação aos aspectos econômicos, destaca-se a criação, a partir de 1970, do

cenário de transformação que recebe novos personagens atuando na agricultura

comercial e desenvolvendo-se principalmente nas pequenas e médias propriedades17. A modernização agrícola, como se sabe pode tomar duas direções principais: o aumento da produtividade da mão-de-obra, obtido fundamentalmente, com o uso de tecnologias mecânicas e o aumento de produtividade da terra, principalmente através do emprego de inovações biológico-químicas e métodos de produção mais aprimorados. O primeiro grupo abrange a introdução de modelos mais aperfeiçoados de tratores, colheitadeiras, semeadeiras e muitos outros equipamentos e implementos. O segundo inclui sementes e mudas mais produtivas, fertilizantes, defensivos e corretivos, além de novos métodos de preparo de solo, plantio e cultivo (ACCARINI, 1987, p. 109).

Nesse sentido, pode ser evidenciada a contraposição existente, no cenário

regional, de diferentes interesses que conduzem a objetivos político-sociais muitas

vezes divergentes. No contexto geográfico, esses conflitos de interesses presentes na

modernização cristalizam a existência de mecanismos distintos de organização, de

produção e reprodução do espaço, expressando a superposição de acontecimentos

sócio-ambientais.

17 Ao conceder o crédito rural, o Banco do Brasil define uma espécie de tipologia de produtores, de acordo com a Resolução nº 2.164, de 19.06.95: “O beneficiário classifica-se como: a) miniproditor – quando não contar com renda agropecuária bruta anual superior a R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais); b) pequeno produtor – quando, superado o parâmetro indicado na alínea anterior, não contar com renda agropecuária bruta anual superior a R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais); c) demais produtores – quando contar com renda agropecuária bruta anual superior a R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais)”.

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TÉCNICOS DA SADIA ORIENTAM COLONOS DA REGIÃO [...] Estas reuniões trarão explicações [...] sobre a finalidade desta grande campanha. Todos os criadores deverão comparecer às 20 horas nos referidos lugares para as reuniões e receber assim instruções básicas pelos técnicos e veterinários da Sadia, pois o assunto é de interesse do criador. Nas reuniões serão apresentados diversos filmes que tratam [...] da erradicação deste mal nos rebanhos da região (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

O modelo de agricultura tradicional é substituído pela agricultura

modernizada, tendo como principal incentivador o poder público, através de

financiamentos tentadores. O critério de investimento possibilita a aquisição de terras, animais de trabalho ou reprodução, tratores, colheitadeiras e equipamentos de uso rural, fundação de lavouras perenes e formação de pastagens, correção e conservação do solo, abertura de canais de drenagem, obras de irrigação, construção de armazéns e outros itens que compõem o capital de instalação e o capital de exploração permanente de um empreendimento rural (ACCARINI, 1987, p. 153).

Contudo, a descrição isenta deste cenário não atinge as exatas dimensões da

incorporação de novas técnicas no setor agrícola. Isto porque, [...] a substituição da agricultura tradicional por uma agricultura modernizada representava a abertura de importantes canais para a expansão dos negócios das grandes corporações econômicas, tanto no fornecimento das máquinas e insumos modernos, como na comercialização mundial e nas indústrias de transformação dos produtos agropecuários, sem esquecer o financiamento aos países que aderissem ao processo de modernização (BRUM, 1983, p. 57-58).

Ao enfatizar a adoção de mecanismos artificiais na produção agrícola, a

agricultura brasileira apresenta “terreno fértil” para a disseminação do sistema de

especialização, o que ocasiona graves impactos ambientais. Com a ampliação da

tecnificação no campo, ocorre, portanto, o aumento dos problemas ecológicos no

município, pois “a generalização do uso de máquinas, de adubos e inseticidas, às vezes

com moderação, às vezes acarretando problemas ecológicos e, conseqüentemente,

dificultando a vida humana, vem também ampliando o poder de expansão das grandes

culturas em detrimento das pequenas” (ANDRADE, 1979, p. 24).

Estas informações revelam que a agricultura moderna pode ser descrita a

partir da execução da modernização, sustentada pela mecanização e pela apropriação

de novas técnicas nas atividades agrícolas.

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Entende-se por agricultura moderna a fase agrícola que se caracteriza pelo uso intensivo, a nível das unidades produtoras, de insumos industriais – máquinas, equipamentos e produtos químicos – bem como a utilização de métodos e técnicas de preparo e cultivo do solo, de tratos culturais mais sofisticados [...]. Modernização da agricultura é o processo de mecanização e tecnificação da lavoura (BRUM, 1983, p. 89).

O processo de tecnificação agrícola vem acompanhado pela instalação de

indústrias. No município de Marechal Cândido Rondon, uma delas é a CIROSA que

adquiria a produção de soja da região. A referida indústria mantinha um canal aberto

junto à emissora para divulgar suas estratégias de compra e venda de produtos

agrícolas. Com o avanço das técnicas de criação de suínos, ocorre a instalação do

Frigorífico Rondon. MAIS UMA FIRMA VEM TRAZER SEU PRESTÍGIO PUBLICITÁRIO A partir de hoje a CIROSA, Companhia de Óleos Vegetais, estará entregando a esta emissora sua publicidade comercial. Uma indústria nascente que, junto ao Frigorifico Rondon, seu vizinho, dão o passo inicial à industrialização local. Da mesma forma, mais duas firmas de Toledo se enfileiram aos nossos favorecedores. Daí nosso compromisso de ir melhorando nossa atividade (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

Neste complexo agroindustrial, a agricultura comercial avança conduzida

pelas relações econômicas direcionadas pelo capital financeiro que estrutura redes

tecnológicas que viabilizam, por sua vez, sementes selecionadas para a produção

destinada, principalmente, ao mercado externo. Assim, ocorre um forte grau de

interação entre a agricultura de exportação e a indústria que passa a ocupar as áreas

antes destinadas ao cultivo de produtos alimentícios. No espaço rondonense, como

exemplo, é incentivada a especialização e o cultivo da soja. As campanhas de

incorporação dos derivados de soja na mesa dos consumidores das cidades, como

também no campo, fez crescer o número das indústrias produtoras de óleo vegetal,

margarina, leite de soja, entre outros derivados do cereal.

Estudos recentes apontam para as conseqüências advindas das políticas que

incentivam a estruturação da modernização. O processo encontra consolidação nos

subsídios dados aos insumos e se estende às facilidades ofertadas àqueles que optarem

pelo cultivo de culturas destinadas à exportação ou que atendam às indústrias

nacionais. Assim, “[...] a própria agricultura se industrializou, seja como compradora

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de produtos industriais (principalmente insumos e meios de produção), seja como

produtora de matérias-primas para as atividades industriais” (SILVA, 1982, p. 62).

Sobre os aspectos iniciais da organização da modernização incentivada por

vários mecanismos, em um programa elaborado pela Rádio Difusora de Marechal

Cândido Rondon, intitulado “Ilustres Visitas”, ocorre a divulgação da fala de um dos

representantes políticos — o então Deputado Estadual Egon Pudell — que reforça a

proposta modernizante com o propósito discursivo de enaltecer o progresso regional. Esteve em visita a esta cidade hontem o Deputado Egon Pudell, presidente da Assembléia Legislativa do Estado. Além da substanciosa entrevista que nos concedeu a este microfone, no horário do jornal falado, esteve longamente em palestra informar conosco quando foram trocadas ideais e soluções que visem fazer progredir a região (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

Sobre este aspecto, é interessante ressaltar os contatos constantes dos

representantes políticos com os programas jornalísticos da rádio local. O discurso

abaixo caracteriza a ação dos créditos em situações onde ocorrem frustrações de safra.

Nota-se que tais discursos desautorizam qualquer reação de descontentamento por

parte dos agricultores. NÃO FALE EM CRISE, TRABALHE Este dístico está podendo ser usado, ao momento em que todos ou apenas uma grande maioria parou para falar sobre crise [...]. As geadas, responderiam muitos. Porém ela é dádiva de Deus e ninguém pode evitar [...]. O proagro garantirá como está garantindo 80%; o restante dos 20 por cento sendo estudado para pagamento em 3 anos com juros ínfimos. Para quem não tem o proagro por falhas até então desconhecidas o governo está com as vistas voltadas e o auxílio virá [...]. O Brasil vai produzir mais e melhor, porém bate-papo de cafezinho e com os cotovelos em balcões de bares de nada adianta. O que convém ao momento é arregaçar as mangas e trabalhar com muito mais afinco. O trabalho absorve o homem, vamos ver (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).

A dinâmica da distribuição dos créditos realizada através dos mecanismos

governamentais é um dos aspectos que caracterizam a necessidade de ajustes no

modelo. Desde o início, o agricultor, em caso de frustração na safra, recebia 100% das

perdas (através do PROAGRO). Lentamente, o governo vai reduzindo este percentual

da cobertura em relação a problemas climáticos. Isto se deve, em grande parte, às

fortes geadas verificadas no município no ano de 1975. A medida tomada foi a de

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fornecer 80% de cobertura e o restante era pago pelo agricultor num período de três

anos. O corte pode ser identificado como ajuste: nas primeiras ações ligadas à

implantação do novo modelo, qualquer problema era imediatamente solucionado; com

o sucesso do projeto, o agricultor não recebe mais a cobertura total, além de ser

fiscalizado “militarmente” pelos técnicos do Banco do Brasil.

Com tais medidas, o agricultor não poderia, por exemplo, arar a terra na

qual se encontrava a plantação comprometida sem a visita e posterior liberação dos

técnicos. Com o passar do tempo, a situação foi se agravando: o agricultor pagava as

parcelas e, durante cinco anos, poderia ser cobrado novamente, caso tivesse extraviado

os comprovantes de pagamento (Sobre esta questão, consultar Anexo 1).

De uma forma incisiva, o discurso reafirma o valor do trabalho, atribuindo à

crise gerada pelas geadas uma dimensão divina (“dádiva de Deus”?). Contudo ressalta

a necessidade de continuar as atividades, pois bate-papo nos bares não seria a solução.

Com tal abordagem da questão, o noticiário reafirma sua influência e apresenta o

comportamento considerado ideal: trabalhar mais para compensar as perdas ocorridas

na lavoura.

2.2 DESMATAMENTO E PROGRESSO

No decorrer do processo de mecanização, ocorreram inúmeras campanhas

que alteraram comportamentos e acentuaram o confronto entre mata e homem. De um

lado, o incentivo à derrubada das florestas; de outro, a falta de habilidade na retirada

da mata, marcando com sangue as áreas desmatadas devido aos constantes acidentes

ocorridos durante estas atividades. O perfil técnico da retirada da mata sofreu

transformações: o machado foi perdendo espaço para as chamadas motoserras e os

tratores. Em sintonia com o ronco de seus motores, a modernização acelerou o

processo de destruição das matas da região, tendo em vista a necessidade de mais

terras cultiváveis. Com o machado era mais pesado. Depois que veio essa barulhenta motoserra, daí já facilitou um pouco, antes era machado [...]. Nós até fazíamos mutirão assim: depois de roçado o mato, um ia ajudando o outro; foi indo, foi indo até era mais fácil, que derrubava

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mais ligeiro e o mato secava mais parelho. Acabava aqui, foi no outro e assim por diante (A, 19 fev. 1996).

As notícias que veiculavam acidentes fatais ocorridos durante os trabalhos

de derrubada das matas eram freqüentes. O discurso resume-se aos laços familiares das

vítimas. Não fez menção, no entanto, às prováveis causas dos acidentes, tais como a

falta de treinamento no que se refere à utilização dos novos equipamentos. ACIDENTE NO TRABALHO CEIFA MAIS UMA PRECIOSA VIDA EM NOSSO MEIO Ontem à tarde aproximadamente às 14 horas um acidente de trabalho levou a vida de um jovem, de família conhecida e bem quista em nosso meio. Trata-se do jovem Emidio Finger que residia na estrada que demanda de Marechal Cândido Rondon à Margarida. O acidente, segundo obtivemos informações, ocorreu quando trabalhavam na desmatação, usando de uma serra motor. Nesse serviço de derrubada, ao terminar por atorar um pau de bom tamanho, a madeira serrada, ao cair, veio atingir a cabeça de Emidio, que não resistindo aos ferimentos veio à falecer. O acidente que resultou a morte do jovem Emidio chocou profundamente o vasto círculo de amizades desta família rondonense. Nossa emissora envia a família enlutada profundos votos de pesares pela irreparável perda (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

O desmatamento incentivou uma série de iniciativas particulares

relacionadas à extração de madeira como forma de enriquecimento. De acordo com o

relato do comerciante “C”, marceneiro, atraído do Rio Grande do Sul para o distrito

rondonense de Margarida devido à abundância de madeira existente na região: “Eu

puxava mudanças para cá. Aí eu vi bastante madeira. A minha profissão era madeira,

tinha marcenaria no Rio Grande [...]. Vim prá colocá uma serraria aqui [...]” (C, 21

fev. 1996).

Na trama discursiva do projeto de consolidação do município de Marechal

Cândido Rondon, o progresso recebeu projeções entusiasmadas, principalmente nas

ocasiões que sinalizavam para o crescimento do setor industrial. Sendo assim, durante

a inauguração de indústrias, consideradas “possantes”, estas eram apresentadas como

“vulcão em ritmo vigoroso de progresso que vem dando destaque ao nosso

município”. Inseridas no ritmo acelerado de instalação das indústrias, muitas serrarias

foram inauguradas com a presença de políticos e religiosos, entre outros personagens

ilustres da comunidade local.

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As festividades fechavam o evento; mas toda essa comemoração exaltando

a capacidade e agilidade das indústrias, conduzem à compreensão da necessidade de

retirada acelerada da floresta, pois “esta é na realidade uma indústria de milhões para

produzir milhões”. Assim, o contexto histórico e econômico caracteriza a exploração

da madeira como forma de obter lucros significativos com a “limpeza” da área,

acertando os passos para os futuros objetivos da modernização.

Foto 5 – Desmatamento e Serraria

A imagem, registrada em 1976, caracteriza a forte presença de serrarias. Esta localizava-se no Distrito de Margarida. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.

INDÚSTRIAS, PARA UM PROGRESSO MAIOR Foi inaugurado o conjunto de serra fita da serraria de propriedade do senhor Mahmud Ismail. Ao ato inaugural, um grande número de pessoas se fez presente, tendo sido registrada a presença do reverendo pastor Pawelke e do reverendo padre Antonio Darius. No ato inaugural, o conjunto de serra fita moderno e possante, foi colocado em funcionamento, serrando duas toras de grande tamanho em apenas 29 minutos [...]. Esta é na realidade uma indústria de milhões para produzir milhões (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

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Podemos afirmar que os efeitos causados pela retirada da mata foram

obscurecidos pela necessidade de liberar espaço para os cultivos agrícolas. Nesse

contexto, “a atividade agrícola, feita sob qualquer forma e com qualquer intensidade,

tem implicações sérias sobre o meio ambiente, de vez que é precedida do

desmatamento parcial ou total” (ANDRADE, 1979, p. 108). Como pode ser observado

nas notícias divulgadas pela emissora de rádio, houve todo um incentivo ao

desmatamento, tendo como argumento fundamental o progresso regional.

A partir da década de 1970, no entanto, este quadro é alterado. Os

argumentos eram outros e aparecem as primeiras manifestações sobre as necessidades

de fiscalização do desmatamento. Nesse sentido, os representantes governamentais,

tais como o então governador Haroldo Leon Peres, buscaram adotar formas de deter ou

estagnar o processo das derrubadas, visando preservar as poucas áreas florestais que

restaram. As medidas implementadas, através da Secretaria da Agricultura em

consonância com o Instituto de Defesa do Patrimônio Natural, visavam a fiscalização e

até a proibição do desmatamento.

A fase inicial da modernização marcou profundamente as unidades

ambientais: o solo sofreu com a compactação; e as queimadas e a erosão tomaram o

rumo dos rios, os quais passaram a receber enormes quantidades de terra, provocando

alterações em seus leitos. Para se ter uma idéia mais clara das transformações

ocorridas nos rios e riachos do município, cabe resgatar o cotidiano rural. A retirada

das matas, feita inicialmente sem cuidados maiores com a preservação do solo —

expressão que não constava do vocabulário da colonização —, provocou estigmas

profundos no solo. Com a retirada total em certas áreas da mata ciliar, o problema

assumiu proporções ainda maiores, já que nos dias chuvosos, devido às precipitações

intensas, os agricultores começaram a sentir os efeitos da falta da conservação. Num

“passe de mágica”, os riachos calmos, vítimas do assoreamento, aumentavam de

tamanho e as águas das chuvas escavavam as barrancas dos rios, causando o

transbordamento que levava pontes, cercas e plantações. Já nas lavouras, as trilhas da

destruição eram avistadas à distância, pois, as cicatrizes estavam estampadas na terra.

Os aparatos legais entraram em ação com o objetivo de frear esta situação.

Assim, um convênio entre o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal passou

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a fiscalizar as licenças para o desmatamento comercial e industrial. A nível estadual, o

Instituto de Defesa do Patrimônio Natural, ligado à Secretaria da Agricultura, fixou o

aproveitamento da madeira, limitando o corte e o transporte deste recurso natural

através do fornecimento de licenças para o desmatamento apenas com o objetivo de

desenvolver a agropecuária. FISCALIZAÇÃO SOBRE O DESMATE INDISCRIMINADO A preservação das reservas florestais é uma das preocupações do governador Haroldo Leon Peres, que determinou a Secretaria da Agricultura para que proceda, através do Instituto de Defesa do Patrimônio Natural, rigorosa fiscalização, coibindo o desmatamento indiscriminado. A medida visa a uma prevenção contra erosões, deficiências nos cursos d’água, desequilíbrio da fauna e da flora, alterações climáticas e até mesmo o desaparecimento de determinadas espécies (Frente Ampla de Notícias, v. 12, 13.05.71 a 18.07.71).

As pressões do Código Florestal estabeleciam limites através da definição

da quantidade de mata que poderia ser retirada pelo agricultor. O percentual abrangia

80% da área total do imóvel que poderia ser objeto de desmatamento. Com o objetivo

de deter as mazelas do desmatamento, as agências bancárias passaram a exigir dos

agricultores a apresentação da licença nos trâmites bancários vinculados ao

fornecimento de financiamentos. Uma vez constituídos os mecanismos

impulsionadores da mecanização, aparecem as contradições: no início, os planos

incluíam a remoção das florestas, já que quanto maior o desmatamento, mais

financiamento. Nas palavras dos agricultores, esta situação gerou conflitos por não

entenderem o incentivo inicial à derrubada e a restrição posterior. NOTICIAS LOCAIS E ESTADUAIS Esta mesma determinação do Código Florestal regulamenta que nenhuma propriedade agrícola poderá desmatar além de oitenta por cento da área total do imóvel. O diretor do IDPH, Sr. Solon Rodriguez, afirma que atualmente tem recebido muitos processos, com pedidos de agricultores para proceder desmatamento. Mesmo porque a licença do IDPN é documento exigido até para financiamento bancário, disse (Frente Ampla de Notícias, v. 12, 13.05.71 a 18.07.71).

Os acidentes nas remoções de árvores colocavam as famílias diante da

ameaça constante da morte. Como já foi enfatizado anteriormente, a perda ocasionada

por acidentes pode ser atribuída à falta de habilidade com o equipamento. Conforme

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afirmação da Rádio Difusora, eram inúmeros os acidentes fatais transcorridos durante

o desmatamento. A própria produção jornalística menciona uma certa falta de cuidado

por parte dos agricultores. Acaba admitindo então a necessidade de um “curso

demonstrativo”, através do qual fossem repassadas aos agricultores orientações básicas

sobre o manejo da motossera e os procedimentos seguros a serem adotados durante a

execução das tarefas relacionadas ao desmatamento. ACIDENTE COM MOTOSERRA, MATA AGRICULTOR Ceslau Rodolfo Kosik e mais dois filhos, estavam na tarde de ontem trabalhando em derrubada de mato com duas motosserras [...]. Ao cair, ao invés de tomar o rumo previsto para a queda, devido ao forte vento, a árvore tomou outro rumo, tombando sobre o infeliz agricultor, quebrando o braço esquerdo e atingindo bastante a cabeça. Transportado ainda com vida, ao hospital do Dr. Confúcio, mas não resistindo a gravidade dos ferimentos Ceslau Rodolfo Kosik, veio a falecer. A Radio Difusora, notificou diversas vezes acidentes provocados por motosserra e na maioria das vezes é por descuido ou então por outros fatores, como no caso relatado hoje, o vento que muda de rumo a árvore, ao cair. Somos de opinião de que deveria haver um curso demonstrativo, sobre o manejo da motoserra e também uma orientação prévia de como devem ser derrubadas as árvores e como proceder no momento da queda. O manejo da motosserra deveria ser entregue a pessoas com orientação e práticas prévias, para evitar estes tristes acontecimentos. Analisem antes e não depois, o comportamento da motosserra ao entrar em funcionamento. Evitem serrar madeiras no chão, quando duas árvores estejam paralelas e juntas, a ponta da motosserra poderá bater na outra árvore, dar um contra, levantar e vir contra o manejador, como aconteceu recentemente em nossa cidade onde o jovem Ruy Miller, perdeu a vida desta maneira (Frente Ampla de Notícias, v. 13, 01.07.71 a 30.10.71).

Os entrevistados de imediato retomam casos isolados envolvendo acidentes

com a motossera. Mas, aos poucos, revelam vários exemplos de vizinhos que

perderam a vida durante o desmatamento. Refazendo este percurso, entrevistamos os

vizinhos do falecido Ceslau Rodolfo Kosik: O único que faleceu, que faleceu foi o Ceslau Kosik mas também não era preciso, vê como isso ajeita tudo, de manhã os filhos dele não aprontaram, ficou uma guajuvirinha fina assim, meio separada. De tarde, vamo derrubá e tinha vento e eles foram lá pra derrubá entre dois e o pai, de curioso, foi olhá. Não é que essa cai em cima dele e mata. Era a última árvore [...] da desmatação [...]. Morreu, mas quebrô costela, cabeça, os braço... tudo, morreu no hospital (A, 19 fev. 1996).

Os agricultores recebem novas máquinas para o desmatamento; raramente é

adotado o sistema tradicional, baseado principalmente na queimada e na posterior

destoca das matas. As madeiras-de-lei são vendidas ou doadas; já as restantes eram

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estocadas, formando enormes blocos que, depois de secos, eram queimados. Com o

coqueiro, por exemplo, adotou-se o processo de destocar suas raízes, abrir uma enorme

vala, na qual eram depositados seus troncos que, em seguida, eram soterrados.

Foto 6 – Catação de Raiz

Com o término das atividades relacionadas à destoca mecanizada, o trabalho continua. Nesta foto, vemos filhas de agricultores trabalhando na catação de raízes, com o objetivo de “limpar” a terra para a mecanização (1970). FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.

No processo mecanizado de desmatamento, após a destoca efetuada pelos

tratores, ocorre a queimada dos destroços e a “catação” de raízes. O trabalho era árduo

para os agricultores e o manuseio dessas raízes e da terra produzia ferimentos,

principalmente nas mãos. Essa forma de ocupação mudou a rotina no campo. Além da

criação de suínos e o cultivo da policultura, os agricultores preparavam o restante da

propriedade para receber a especialização, que exigia um espaço maior para o cultivo,

facilitado através do desmatamento mecanizado. Nessas tarefas, havia o envolvimento

de toda a família. As crianças menores eram deixadas em casa e, quando levadas para

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a roça, ficavam em cestos depositados debaixo de árvores. Aos montes, as raízes eram

queimadas, formando um amontoado de brasas cobertas por uma superfície de cinza.

Uma espécie de “armadilha” que provocou inúmeros acidentes com crianças.

As constantes queimadas geravam também problemas de saúde

provenientes de períodos de estiagem que contribuíam para a expansão da fumaça.

Apesar das recomendações de conscientização a respeito das queimadas, praticadas de

forma desordenada, em alguns casos elas tiveram conseqüências desastrosas. Em

períodos de queimada, um vizinho colhia sua lavoura de trigo e, para eliminar a palha,

colocava fogo. Com o vento forte, este fogo se espalhava pelas áreas vizinhas, o que

gerava discussão entre os moradores. Em muitas ocasiões, era necessário reunir um

grupo de pessoas com o objetivo de deter o fogo: trabalho incessante que durava dia e

noite, jogando água ou cavando valas para deter o fogo.

Além disso, quando as queimadas eram realizadas de forma descontrolada

atingiam as pequenas áreas nativas sobreviventes do desmatamento inicial.

Consideradas como reservas de árvores e animais, já nesse período eram em número

bastante reduzido. FOGO NAS LAVOURAS JÁ COMEÇA A PREOCUPAR Além de causar um terrível mal às vias respiratórias, intoxicando à todos principalmente as crianças; sem contar o grande mal que o calor proporciona em prejuízo da própria terra, colonos, sem medir as conseqüências estão novamente levando as coisas a um estado de alerta geral. Além da seca e da longa estiagem, a própria fumaça suspensa, a não ser quando fortes ventos sopram ou soprarem para desfazer a camada e possibilitar uma evaporação [...] aumentam a densidade das chuvas. As grandes queimadas começam a preocupar as autoridades que iniciam uma campanha de conscientização de que o fogo é prejudicial sob vários aspectos. Gente daqui, acreditando na diminuição do regime das chuvas impostas pela desmatação desregrada, alerta: AINDA VAMOS MORAR N’UM DESERTO (Frente Ampla de Notícias, v. 38, 10.09.77 a 21.10.77).

Os resultados “favoráveis” obtidos com o processo de modernização

incentivaram iniciativas, provenientes da administração local, em torno do meio

ambiente. O discurso passou a expressar discussões referentes à fundação de uma

Associação de Conservação da Natureza no Município. O alarme dos movimentos

admite que a problemática ambiental faz parte do desmatamento executado para sediar

a produção especializada.

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A atividade da associação foi considerada relevante para cuidar da natureza

e o lema utilizado foi “A união faz a força”. Esta mesma união e força,

desenvolvimentistas, incentivaram o extermínio das florestas e agora busca manter o

que sobrou, bem como reflorestar algumas áreas mais afetadas. PROBLEMAS DO MEIO AMBIENTE REÚNE RONDONENSES Por iniciativa de pessoas do meio local [...] foi discutida a viabilidade da fundação de uma Associação de Conservação da Natureza. A iniciativa tem fundamento nos problemas ecológicos atualmente bastante ocasionais, causados, principalmente pela devastação das florestas e até certo ponto pela monocultura reinante em nosso município (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

O saldo de novos problemas climáticos, tais como a forte estiagem ocorrida

em 1978, produz alarmes fundados em acontecimentos, “com pessoas tomadas pela

neurose após haverem contraído dívidas acima do permitido e com a queda de

produção e a falta de raciocínio, começa o delírio”. A influência do Estado em prol da

comercialização de maquinários, cada vez mais modernos, sugeriu aos agricultores a

necessidade de consumir os recursos tecnológicos. Contudo, no contexto do

“progresso” anunciado pela mecanização agrícola não estão incluídas as perdas

oriundas de catástrofes naturais.

Não é de surpreender, portanto, as dívidas crescentes, — oriundas de

frustração de safra — e o conseqüente desespero dos produtores. As palavras que

abordam a questão, atribuem os resultados negativos àqueles “que queriam ‘abraçar o

mundo com as pernas’”, ou seja, os complexos argumentos jornalísticos consideram os

resultados vinculados às ambições dos agricultores, como se esse fato fosse promovido

pela “liberta” ansiedade do agricultor, o que, na realidade, não corresponde ao

conjunto dos acontecimentos. As discrepâncias foram muitas e os agricultores foram

criticados pela imprensa por terem questionado seus argumentos ligados à providência

divina. SECA NUNCA VISTA ... A TERRA ESTÁ RACHANDO Comentários infundados levaram até jornais a publicar fatos difíceis de acreditar, como sendo verídicos, porém a inverdade no assunto está no apontamento: A FALTA DE FONTES DIGNAS DE CRÉDITO. Isso tudo para falar sobre fatos que teriam acontecido com pessoas tomadas pela neurose após haverem contraído dívidas acima do permitido e com a queda de produção e a falta de raciocínio, começa o delírio. Segundo esses

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registros, alguns daqueles que queriam “abraçar o mundo com as pernas” teriam proferido palavras de desagrado à “Deus”, à JESUS CRISTO, pela falta das chuvas. Esqueceram-se, porém, que desde há muito tempo atrás quando houve a entrada para a era da mecanização, quando começou a desmatação desenfreada, todos os anos o período de estiagem começava a aumentar, chegando agora ao auge. Técnicos do setor, engenheiros agrícolas fizeram observações válidas à esse respeito (Frente Ampla de Notícias, v. 41, 16.01.78 a 23.02.78).

Devido aos prejuízos ocasionados pela estiagem, inicia-se a implementação

do reflorestamento e cada agricultor deveria dispor de 20% da propriedade para o

plantio de árvores. Segundo informações divulgadas em palestra pelo engenheiro

florestal Antonio Sanches, a devastação da floresta era conhecida pelo governo, mas o

objetivo era fornecer alimentos para a “população mundial” e não a implementação de

lucros. Cabe o questionamento: Se as autoridades tinham conhecimento da devastação

ocorrida na região, por que não adotaram medidas no sentido de evitar os danos

causados ao meio ambiente?

O engenheiro florestal argumentou que seria obrigatório o reflorestamento e

que seria designado um funcionário da Secretaria da Agricultura para fiscalizar a

estruturação de um departamento encarregado do fornecimento de mudas nativas aos

agricultores. Na ocasião, o engenheiro falou da importância da vegetação na

manutenção da unidade, mas não atribuiu a forte seca ao desmatamento. AGRICULTOR TERÁ QUE REFLORESTAR 20 POR CENTO Sobre o desmatamento desenfreado, mesmo sendo do conhecimento do governo, citou ser um fator de desenvolvimento, não visando o enriquecimento de muitos, mas, acima de tudo, fornecer alimentos e meios para a subsistência da população mundial. Contudo, ressaltou Sanches, que o IBDF colocou como prioritária a necessidade de que, em qualquer área nacional tenha aqueles que trabalham na agricultura que manter 20 por cento da área total provida de vegetação nativa (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).

Como pode ser observado nos discursos jornalísticos, a consolidação do

desmatamento foi realizada tendo como argumento o progresso regional. Com o

sucesso da implantação do modelo e a floresta dizimada, surgem preocupações tardias

com a questão ambiental.

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2.3 A MÁQUINA, A MODERNIZAÇÃO E A EXCLUSÃO

A implantação e consolidação do capital industrial com as atividades

agroindustriais podem ser observadas em Marechal Cândido Rondon a partir do

registro da compra das duas primeiras colhedeiras, adquiridas por intermédio da

Secretaria de Agricultura. No discurso, a máquina foi tratada como algo poderoso,

sobrenatural. Importada da Polônia, no mesmo registro anuncia-se a vinda da segunda

máquina. O discurso manifestou a viabilidade da compra através do crédito rural

fornecido pela Secretaria da Agricultura do então governo de Paulo Pimentel. São

também enfatizadas as condições de pagamento, envolvendo longos prazos e incitando

os ouvintes a partilharem da idéia de adquirirem o equipamento.

Foto 7 – Colheita Modernizada

A colheita mecanizada foi realizada na propriedade de Estanislau Czycza. O ato de colher foi transformado. O número de pessoas no local justifica-se pela curiosidade; no entanto, a colhedeira e o trator executam o trabalho de várias pessoas. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.

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MOTO-COLHEITADEIRAS CHEGAM AO MUNICÍPIO Chegou na manhã de hoje ao município uma poderosa moto-colheitadeira adquirida por intermédio da Secretaria de Agricultura e destinada ao Sr. Augusto Tomm. Fez o transporte da mesma o Sr. Magger, com seu possante caminhão. Outra está a caminho, destinada à fazenda da firma Rieger desta cidade. Como dissemos essas poderosas máquinas, importadas da Polônia, são o que há de mais completo no setor de colheita de cereais, e ambos os negócios foram possibilitados por crédito a longo prazo cedidos pela Secretaria da Agricultura do Governo de Paulo Pimentel (Frente Ampla de Notícias, v. 3, 12.07.67 a 11.03.68).

Com a chegada das máquinas, inaugura-se um novo ciclo no qual

prevalecem as relações entre agricultura e indústria: O processo de modernização agrícola implementado no Brasil, no início dos anos 60, e o aumento do grau de internacionalização da economia brasileira trouxeram a consolidação do que se convencionou chamar de complexo agroindustrial, por compreender um conjunto de atividades interligadas e estender o domínio do capital industrial sobre um maior número de atividades do setor agropecuário, que passaram a manter extremo vínculo com a indústria (RIZZI, 1984, p. 201).

A relação entre a máquina e a modernização fixa seus objetivos na

introdução de maquinários junto às atividades agrícolas. Para a colheita, são

apresentadas colhedeiras provenientes da Iugoslávia. O discurso evidencia a atuação

do Ministério da Agricultura nas transações comerciais. A referida máquina foi

destinada para uma fazenda da região, situada no então Distrito de Pato Bragado, para

a colheita de soja e arroz. NOTA LOCAL A AGRO PECUÁRIA RIEGER LTDA, acaba de receber mais uma colhedeira Automotriz adquirida do Ministério da Agricultura, marca ZMAJ ZEMUN de procedência Iugoslava. Tal máquina se destina para colheita de soja e arroz e a mesma seguiu hoje pela manhã para o campo de trabalho na Fazenda Rieger em Pato Bragado, onde lhe espera a colheita de soja e arroz (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Mas, os novos arranjos fortemente marcados pelos discursos, confirmavam

a idéia da consolidação e da modernização na região. As sementes destes discursos

aparecem com a presença de uma colhedeira, com a qual a colheita era feita

automaticamente. Intensificou-se a propagação acerca do novo maquinário: “é uma

grande máquina que virá juntar-se ao exército da produção no nosso município,

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incentivando e impulsionando a moto-mecanização de nossa agricultura”. Para

assegurar a incorporação destas máquinas no campo, foram mencionados os nomes de

agricultores renomados na comunidade (Emílio Pedde e Egon Waldow), atribuindo-

lhes o papel de “soldados” preocupados com o “progresso”. Tal recurso argumentativo

aparece então como forma de incentivar e assegurar as vendas para os demais

agricultores. Os benefícios da colhedeira foram estrategicamente propagados pelo

rádio. A máquina foi exposta para a apreciação do público próximo ao terminal

rodoviário do município, caminho obrigatório dos agricultores que não possuíam carro

e dependiam de ônibus. A escolha do local para a exposição se deve ao fato de que, o

terminal rodoviário, era local central e conhecido por todos. Além de todos os

benefícios proporcionados pela colhedeira, eram mencionadas nos discursos as

facilidades financeiras oferecidas pelo Ministério da Agricultura, com pagamentos que

poderiam ser efetuados em até seis anos. Além da sugestão da tradicional união entre

agricultores para selar a compra. A MECANIZAÇÃO DA LAVOURA É UM FATO Estiveram na manhã de hoje em nossa redação os senhores Emílio Pedde e Egon Waldow, que trouxeram uma bela notícia. A mecanização da lavoura está de vento em popa em toda a região. Chegou na manhã de hoje até esta cidade, tendo estado exposta ao lado da rodoviária, uma moto-ceifadeira, que faz todo o trabalho automático na colheita. É de marca UNIVERDAL, fabricada na Iugoslávia, equipada com motor Pérkins, de 80 hps de força, pesando acima de cinco toneladas. É uma grande máquina que virá juntar-se ao exercito da produção no nosso município, incentivando e impulsionando a moto-mecanização de nossa agricultura. Parabéns aos empreendedores, srs. Emilio Pedde e Egon Waldow que entram com o pé direito na grande luta pelo progresso. A máquina é financiada pelo Ministério da Agricultura, com prazo de seis anos para pagamento. É mais um fruto da união entre agricultores, quando vemos que dois vizinhos se uniram e realizaram este belo empreendimento. Parabéns mais uma vez... Este é um exemplo a ser seguido (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69.).

A entrada facilitada de colhedeiras para a colheita de arroz, trigo e soja no

Paraná recebeu toda a atenção proveniente do governo federal, por intermédio do

Ministro da Agricultura que atuou junto à importação de máquinas de origem polonesa

da marca Vístula. Já o pagamento dessas máquinas, apresenta facilidades elásticas

proporcionadas pelo prazo de seis anos para o pagamento. O pagamento inicial exigia

uma quantia de dez por cento do valor da máquina. A compra poderia ser realizada

mediante uma correspondência destinada à capital especificando o tipo de máquinas e

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deixando registrado o mês em que a colhedeira deveria estar na propriedade. Caso o

agricultor tivesse dúvidas, poderia obter mais detalhes na prefeitura. Assim,

caracteriza-se uma atuação política conjunta, envolvendo os níveis municipal e federal. 400 COLHETADEIRAS VIRÃO AO PARANÁ O governo federal, pelo Ministério da Agricultura, vai importar quatrocentas colhedeiras combinadas, para arroz, trigo e soja. Essas máquinas são de origem polonesa da Marca Vístula com motor diesel 6 cilindros de 65 hps. O preço é de 40 mil cruzeiros, com prazo de 6 anos e juros de 6 por cento ao ano. O pagamento inicial será de 10 por cento sobre o valor da máquina. Os interessados deverão inscrever-se junto ao Grupo Executivo de Engenharia, à Alameda Dr. Murici, 542, décimo primeiro andar em Curitiba, enviando nome e endereço, área de cultura principal e época provável em que o interessado deseja receber a máquina (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).

Ainda com referência à aquisição de colhedeiras, o programa jornalístico

evidencia os mecanismos de contato entre a Prefeitura Municipal e os representantes

do Ministério da Agricultura, representado pelo engenheiro Laertes José Carneiro, o

qual trouxe informações sobre as colhedeiras importadas. São noticiados os números

dos inscritos no município e reforçada a possibilidade de mais inscrições. “AINDA O

CASO DAS COLHEDEIRAS – [...] Até o presente, sete pessoas fizeram sua inscrição

na Prefeitura, pretendendo adquirir essas máquinas” (Frente Ampla de Notícias, v. 9,

20.05.70 a 30.09.70).

O agricultor F comenta a respeito das facilidades para adquirir seus

maquinários, pois os juros com taxas minimizadas eram facilitadores: “Naquela época

era mais fácil, era juro [...] barato. A gente já sabia quanto precisava pra pagá. Por

exemplo, máquina. Compro trator, então aí depois colhedeira” (F, 05 mar. 1996). A

tecnificação no campo indica situações novas. Através da introdução de tratores nas

propriedades, surgiram profissionais que ofereciam cursos de treinamento aos

agricultores, ao mesmo tempo em que divulgavam a atuação destes equipamentos nas

atividades agrícolas. Um destes cursos foi realizado pela ACARPA para agricultores

que já tinham algumas noções sobre a operação. Os cursos ministrados tratavam da

manutenção e funcionamento do motor, regulagem dos maquinários como o arado, a

grade, etc.

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CURSO PARA TRATORISTAS [...] Entre os dias 24 e 29 deste mês, a ACARPA proporcionará um curso para tratoristas [...]. O curso será para agricultores que já tenham comprado o seu trator com ou sem financiamento da ACARPA local. A ACARPA ministrará aulas sobre funcionamento do motor, regulagem dos implementos, manutenção das máquinas agrícolas e conservação do solo (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).

As propagandas eram intensas para a utilização de máquinas e a

substituição do trabalho braçal, as promessas milagrosas eram sustentadas na

praticidade da execução das atividades agrícolas. Durante muito tempo tem-se feito propaganda e aconselhado a utilização de máquinas como substituta de braços na faina agrícola. Esquecem-se os propugnantes desta forma de progresso que se essas máquinas apresentam grandes benefícios, tornando mais rápida a preparação dos terrenos para plantio e colheita, provocam, em contrapartida, o desemprego (ANDRADE, 1979, p. 62).

Já a programação jornalística intitulada “Curso para Tratoristas nesta

cidade” apresenta a participação da ACARPA e da Prefeitura Municipal. Mas, nesse

momento apareceram os verdadeiros dirigentes, os representantes, ou melhor os

interessados nas vendas, dos tratores Massey Fergunsson e Valmet. Como todos os

demais eventos, neste também houve a presença dos representantes extensionistas da

ACARPA, Argeu Kerber e Divanir Loch, Prefeito Municipal Dealmo Selmiro

Poersch, Harry Pydd interventor, Arlindo Alberto Lamb, Presidente da Câmara

Municipal, Elmo Lauro Gall, presidente da Cooperativa Agrícola Mista Rondon Ltda,

Almiro Bauermann presidente do Sindicato Rural, Antônio Maximiliano Ceretta,

representante da Rádio Difusora, representante dos tratores Massey Fergunson, Paulo

Pimentel e o representante de tratores Valmet. Os discursos enfatizavam o curso para

tratoristas como um elemento condutor da mecanização da lavoura no Extremo Oeste.

As atividades do curso ocorreram em dois momentos: o primeiro contemplou a teoria

sobre o uso de combustíveis, a mecânica, etc.; no segundo, foram desenvolvidas

atividades práticas. CURSO PARA TRATORISTAS NESTA CIDADE Com a presença de 36 interessados, foi instalado na manhã de hoje no Instituto Vocacional e Assistencial Rui Barbosa, o curso para tratoristas do município, sob a

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supervisão da ACARPA, com a colaboração da Prefeitura e dirigido pelos representantes Massey Fergunson e Valmet. [...] Vários oradores usaram da palavra, congratulando com a iniciativa, e almejando aos participantes do curso, o máximo de proveito em favor da mecanização da lavoura do Oeste (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).

A avalanche de propagandas sobre o trator cria um imaginário simbólico de

proporções expressivas, de tal maneira que os agricultores dispensam qualquer

benfeitoria, mas não dispensam o trator. Isto se deve ao fato de que “a posse do trator

representa um importante símbolo de ‘status’, pois os agricultores sofreram, no

período da modernização, uma carga maciça de propaganda sobre o benefício das

máquinas e dos insumos modernos”( PAULILO, 1990, p. 83).

Abria-se nova fase com a modernização com a notável presença de tratores

nas práticas agrícolas. Embora as iniciativas das instituições representativas já

mencionadas fossem de razoável repercussão na oferta de cursos para tratoristas,

mesmo assim o número de acidentes envolvendo estes equipamentos ampliava-se da

mesma forma que crescia o número destas máquinas no município. Mas, dentre as

causas dos acidentes podem ser apresentado o exagero na velocidade e as péssimas

condições das estradas, que vitimaram muitos agricultores. Com isso, ocorriam

problemas mecânicos que provocavam a perda de estabilidade e o conseqüente

acidente.

Observamos que, no discurso produzido em 1970, está latente a idéia da

necessidade, para a família rural, de adquirir maquinários agrícolas. Porém, um ano

após surgem imprevistos e polêmicas em decorrência dos inúmeros acidentes com tais

equipamentos. ACIDENTE COM TRATOR, VITIMA AGRICULTOR [...] grave acidente ocorreu na tarde de ontem, quando se acidentou um trator, matando seu operador. Trata-se de Inácio Rochenbach, trabalhador da Fazenda Rieger, sendo capataz da Granja e um dos homens que entendiam do assunto, pois, inclusive tinha cursos especializados, feitos na Alemanha. Acontece que Inácio Rochenbach, manobrando um trator voltava para sua residência em Pato Bragado, em alta velocidade, quando partiu a manga do eixo (ponta de eixo dianteiro) (Frente Ampla de Notícias, v. 10, 01.10.70 a 10.02.71).

Além de criar a ilusão do progresso econômico, para a contribuição da

estabilidade da ordem política, os cursos continuaram ocupando espaços no cenário

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jornalístico. Assim sendo, os promotores dos cursos, representantes de vendas de

empresas fabricantes, dão continuidade aos seus propósitos de inovação no município,

agora com cursos de especialização, afirmando e edificando a nova ordem estruturada

na associação simbólica do espaço sob a formação ideológica coletiva, evitando um

retorno aos velhos costumes, ou seja, às antigas técnicas. Desse modo, a recriação do

espírito empreendedor afirmado na consolidação do novo modelo opera enquanto

agente de manutenção da ordem econômica, política e social. CURSO PARA TRATORISTAS [...] O alto nível no campo da agricultura faz com que seja necessária a capacitação dos trabalhadores, obtendo mais proveito com menores gastos. Preparar técnicos capacitados e conscientes nesse trabalho é uma meta difícil de ser conseguida, porém não é impossível. O que propõe com isso é a libertação do trabalhador acostumado às velhas técnicas (Frente Ampla de Notícias, v. 27, 17.05.76 a 30.06.76).

A estratégia destes cursos era fazer com que os trabalhadores passassem a

desejar a mudança técnica sob o argumento do progresso regional. “Liberdade do

trabalhador acostumado às velhas técnicas” é outro argumento recorrente nos

discursos. Um trator ou colhedeira dispensa o trabalho de vários homens e permite maior controle das tarefas. Desse modo, viabiliza a manutenção ou aumento da área trabalhada sem aumentar os custos variáveis com mão-de-obra, porque, apesar dessas máquinas terem preços elevados, foram artificialmente barateadas devido à reduzida taxa de juros e pagamento a longuíssimo prazo do crédito para investimentos (FLEISCHFRESSER, 1988, p. 31).

Foi através da educação e da doutrinação disseminada pela elite que o

modelo da modernização se consolidou. Houve uma mudança de comportamento do

trabalhador e a preocupação da necessidade deste em conduzir melhor seus

maquinários, evitando, assim, os problemas anteriores. Em decorrência dessa nova

mentalidade, em 1977 o número de tratores adquiridos pelos agricultores aumentou

consideravelmente no município. Simultaneamente a isso, aparece a necessidade de

edificação de projetos de desenvolvimento, o que ocasionava maiores gastos e uma

responsabilidade maior para os agricultores. Com a modernização, os períodos de safra

ocorrem a todo vapor: estradas são tomadas pelas máquinas e caminhões. Dessa forma,

o trânsito intenso destes veículos requer a atenção da polícia rodoviária estadual para

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os perigos ante a falta de sinalização segura: o transporte de grãos era feito através de

caminhões, caminhonetes e carretões e, não obstante, havia motoristas menores de

idade, sem habilitação, o que ocasionava um aumento considerável no número de

acidentes. UTILIZAÇÃO DE TRATORES É ADVERTIDA [...] São vários os agricultores que se servem de carretas acionadas por tratores agrícolas. Muitas vezes, ou na maioria dos casos, completamente irregulares. Irregular pela falta de sinalizações de freio ou simplesmente a falta de qualquer outra sinalização necessária para quem transita no [...] da poeira. Foram vários os casos em que a Polícia Rodoviária constatou que a maioria dos agricultores que trabalham no transporte ocupando tratores, não têm a documentação de habilitação, a carteira de tratorista. Também menores [...] surpreendidos dirigindo tratores pelas estradas, inclusive com o registro de vários acidentes pela região (Frente Ampla de Notícias, v. 32, 24.01.77 a 28.02.77).

É freqüente o número de acidentes entre tratores e carros: “Ontem,

aproximadamente 19h e 30 minutos, conforme o levantamento, Nelson Hilário

Estacechen conduzia na contramão um trator. Na estrada Rondon-Margarida, na

entrada para Linha Palmital chocou-se com um Corcel” (Frente Ampla de Notícias, v.

35, 29.04.77 a 11.06.77). O trator na propriedade tornou-se algo extraordinário aos

olhos dos agricultores. Mesmo com a existência de uma oferta maior de maquinários

no mercado, os agricultores raramente desfaziam-se dos que já possuíam. Abriam

exceções apenas para a troca por uma máquina mais potente. Há mercado para tratores usados, embora dificilmente o agricultor se desfaça desse bem para saldar compromissos financeiros. Ele prefere vender gado ou algo menos útil. [...] observamos, ficar sem trator, para quem já o teve, exige uma boa dose de resignação. [...] O trator só é vendido, salvo raras exceções, quando o proprietário quer comprar outro. (PAULILO, 1990, p. 85).

O número de acidentes aumentou em decorrência do uso do trator como

meio de transporte, utilizado nos passeios da família nos finais de semana. Com isso,

os acidentes são mais freqüentes e jovens e crianças acabam vitimadas durante essas

viagens. O uso constante de máquinas pesadas interferia na compactação do solo.

Propriedades de pequeno porte não necessitavam, necessariamente, de máquinas tão

pesadas e potentes. Porém, recriava-se a necessidade da troca de tratores, considerados

antigos, por tratores mais modernos e potentes. Esta atitude foi tomada muito mais por

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uma questão de “status” do que por necessidade de mudança de maquinários (ver

Anexo 2).

2.4 AÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DOS CRÉDITOS

Em documento da ACARPA (1976), intitulado “Metodologia Complexa”,

os ensaios de observação representavam uma unidade com métodos, em estágios de

teste. Por isso, eram desconhecidos do público, pois, caso uma metodologia não

atingisse os objetivos almejados, poderia ocorrer uma interpretação negativa por parte

dos agricultores, causando assim desconfiança com relação ao projeto. Para manter a

credibilidade junto ao agricultor e a ação do extensionista local, eram tomados todos

os cuidados necessários. A seleção das informações era cuidadosa. Quando os

resultados eram satisfatórios e a tecnologia gerava os “frutos esperados”, ocorria de

imediato a instalação na propriedade agrícola de uma Unidade de Demonstração,

destacando os resultados obtidos. “Apesar de terem um cunho mais experimental, os

ensaios apresentam grande valor educativo quando os resultados são os esperados.

Serão provas potenciais para a implantação da nova tecnologia” (ACARPA, 1976, p.

2). Já nas Estações Experimentais, os objetivos correspondem à pesquisa de novas

tecnologias.

Nas Unidades de Observação, o método educativo foi executado a partir da

Assistência Técnica e Extensão Rural. Empiricamente, são testadas sementes e

técnicas para atividades agrícola e pecuária. No entanto, uma variedade de trigo que

se desenvolve em solo com alumínio tóxico, será testada na Unidade de Observação.

Uma vez atendidas as expectativas, passava-se da Unidade para as propriedades

agrícolas. A instalação de uma Unidade de Observação não requeria a colaboração de

um agricultor experiente, porém era necessário o “interesse do agricultor em

progredir” e, principalmente, interessar-se pela nova tecnologia. O agricultor deveria

desconsiderar os resultados negativos, que não deveriam ser usados em desavenças

pessoais e na comunidade, tanto que, era proibida a presença de público. Justificativa

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esta por se tratar de um teste. Já se os resultados fossem positivos, entravam em cena a

Unidade Demonstrativa e o astro principal: a nova tecnologia.

Recorrente nos programas jornalísticos eram as falas voltadas ao Plano

Anual de Trabalho do Escritório Local da ACARPA. O cruzamento destas

informações com documentos sistematizados pela própria ACARPA e os planos,

deveriam eleger os melhores tipos de culturas, bem como o número de Unidades de

Observação necessárias para mapear a Assistência Técnica junto às propriedades

rurais. Em síntese, a escolha do cooperado e da propriedade e a efetiva instalação da

Unidade de Observação.

Os critérios de escolha do cooperado exigiam “domínio” da leitura e da

escrita para executar anotações relacionadas à demonstração das diferentes etapas

transcorridas na unidade pelo cooperado; isso tudo sob o olhar atento do orientador. O

agricultor deveria ficar “atento” às orientações do extensionista. Outro quesito era a

escolha de um agricultor representativo junto à sua comunidade para divulgar os

informes aos demais agricultores.

Eram consideradas também pelo extensionista, na escolha do agricultor, as

condições e a certeza da adoção das tecnologias viáveis, sendo que o mesmo deveria

ser o proprietário da terra. Além do reforço por parte do extensionista quanto aos

objetivos da Unidade de Observação e a responsabilidade assumida pelo cooperado, a

localização da propriedade onde seria instalada a Unidade de Observação deveria ser

uma região geograficamente acessível ao extensionista e ao cooperado, facilitando,

dessa forma, a demarcação e as observações. O trabalho do extensionista, como o do

cooperado, eram registrados em fichas específicas. Uma vez comprovada a viabilidade

da tecnologia na região, ocorria a Demonstração dos Resultados, a introdução do

milho híbrido e a comparação com as sementes de milho comum. Logo, o agricultor

recebia orientações para a adoção de sementes melhoradas, o combate às pragas e as

formas para plantar aperfeiçoando os espaçamentos e a adubação. A eleição de um método, como a Demonstração de Resultados, não deve se processar de maneira mecânica ou simplesmente para ‘ter uma DR no município’, mas sim, ver na mesma uma maneira de conduzir as populações do meio a mudanças ou aquisição de novos hábitos que se deseja. (ACARPA, 1976, p. 11).

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Com o Plano Anual de Trabalho do Escritório Local sistematizado, e a

“Demonstração de Resultados” com seu método acertado para a introdução de

determinada prática, caberia ao extensionista desempenhar o papel de gerador do

impacto desejado na localidade alvo.

A “Demonstração de Resultados” requeria, na seleção do demonstrador, os

seguintes quesitos: a) Ser bem representativo do grupo ao qual a demonstração vai ser dirigida; b) Não possuir recursos especiais que estejam muito acima da média dos recursos que os

demais produtores possuem; c) Ter respeito e a confiança de seus vizinhos é influenciá-los; d) Ser pessoa sociável, que goste de receber visitas e possa explicar a todos o andamento

da Demonstração; e) Sua propriedade deve ser representativa da média das existentes na comunidade e em

local de fácil acesso; f) Sua propriedade não deve ter sido selecionada normalmente para local de reuniões ou

demonstrações; g) Ser receptivo às orientações e instruções do extensionista [...] (ACARPA, 1976, p.

12-13).

A instalação da Demonstração de Resultados deveria atrair o maior número

de produtores rurais, para tanto, colocavam-se placas atrativas como forma de

despertar a atenção dos agricultores. Já ao demonstrador caberia destacar as fases

divulgando os resultados aos visitantes. Na ordenação das atividades deveriam ocorrer

visitas, reuniões, excursões, distribuição de material informativo incluindo material

fotográfico e slides. O objetivo era exercer poderosa influência sobre a adoção das

técnicas em questão servindo, também, como recurso de confiança para abrir caminhos

para a atuação do extensionista. Face a necessidade de introduzir técnicas novas na comunidade (evidenciadas pelo Estudo da Realidade Rural), adaptadas à comunidade, e por sempre existirem famílias capazes e esclarecidas com as quais se podem conduzir Unidades Demonstrativas, a decisão do extensionista torna-se bastante facilitada por este método. (ACARPA, 1976, p. 16).

Nos materiais e equipamentos estavam incluídas as viabilidades de

financiamento além de contemplar formas comerciais, cooperativas. Propriedade Demonstrativa é uma empresa agrícola, administrada pelo proprietário, com orientação do Serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural, baseada em um plano de desenvolvimento, a médio e longo prazo, considerada a vocação sócio-econômica da

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região dentro da qual irá funcionar como exemplo a ser seguida pelos agricultores e ou pecuaristas (ACARPA, 1976, p. 19).

O planejamento da “Propriedade Demonstrativa” visava a participação e

colaboração do agricultor ou da família. É regra para o agricultor dedicar-se com mais

esmero e afinco ao que lhe pertence. Portanto, as despesas com a Propriedade

Demonstrativa devem ser feitas pelo cooperado, “educa-se o para uma atitude mais

sadia na AÇÃO e não para uma passividade de pedinte que tudo espera dos órgãos

governamentais” (ACARPA, 1976, p. 21). É o fator ideológico preparando o agricultor

para assumir responsabilidades junto ao modelo a ser implantado. Dessa forma, o

discurso rompe com as responsabilidades governamentais repassando os problemas de

manutenção ao agricultor, uma desculpa que auxílio governamental usa para

estabelecer e manter o paternalismo e inibir a iniciativa.

As estratégias são dinâmicas, principalmente no que se refere às colheitas,

cuja ação visa atrair agricultores vizinhos para demonstrar o rendimento atingido. Dar

ênfase à colheita e seus saldos positivos requer “[...] uma divulgação maciça através

dos meios de comunicação, quer seja na rádio, jornal, cartaz, fotografias ou slides, a

fim de que os bons resultados sejam conhecidos por todos e as tecnologias

introduzidas, irradiadas na comunidade” (ACARPA, 1976, p. 23). A divulgação dos

benefícios proporcionados pela tecnologia, amplamente explorados nos programas

jornalísticos com um relatório ao final de cada ano apresentando somente bons

resultados, chama a atenção. No entanto, com o estudo de documentações fica

evidente a difusão de resultados profícuos: é a voz das vantagens atingindo o ápice na

comunicação e expandindo seu poder na intenção de persuadir os agricultores para

estes trabalharem no campo aplicando os métodos inovadores.

É, pois, na relação que rege o processo discursivo da modernização agrícola

que se constrói e reconstrói espaços materializados no capital. Percebe-se, então, o

descortinar de um horizonte de comunicação, detido num primeiro momento, na

comunicação considerada pela EMATER como tradicional. E um segundo modelo,

que concretiza o mecanismo de comunicação com maior participação dos agricultores.

Inicialmente, neste trabalho, buscou-se um entendimento da relação do rádio e da

então ACARPA, analisando-se o material que tratava do 18º Seminário Internacional

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de Extensão Rural, apresentando-se a comunicação ideal a ser empregada pelo agente

de mudanças. No entanto, convém ressaltar a existência de outro trabalho encontrado

nos arquivos da EMATER, que versa, também, sobre a comunicação no campo

executada pelos extencionistas, produzido em 1980, com o seguinte título:

“Construção de mudanças, resultantes da reflexão sobre modelos de comunicação, em

relação aos níveis de participação de agricultores em estratégias de ação”. O autor

deste estudo é Benito Marangon, Engenheiro Agrônomo e Mestre em Extensão Rural

pela UFV de Viçosa-MG. A junção deste documento neste trabalho se deve ao fato de

que o mesmo veio de Minas Gerais a Curitiba e foi incorporado pelos extensionistas

do Paraná. A escolha do tema pelo autor possui raízes junto à Comissão de Assessoria

de Imprensa e Comunicação do Sistema Operacional da Agricultura (SOA), cujo

estudo contempla propostas variadas, e dá seqüência às discussões realizadas no

Seminário de Comunicação na cidade de Londrina, no Paraná. Como se pode observar,

no documento anterior, em 1970, temos toda uma ordem de estratégias voltadas para a

transformação do cotidiano rural. E o recurso usado foi a comunicação do agente de

mudança, juntamente com o rádio, no intuito de expandir essas idéias. O trabalho de

Benito Marangon ocorre num momento em que a modernização já está

consolidada.Qual seria então o papel da comunicação neste momento? Pensamos que

no município de Marechal Cândido Rondon, a função maior seria a de manter o

sistema criado, direcionando paulatinamente o agricultor aos problemas que

acompanham o modelo vigente, ou seja, uma espécie de transferência de

responsabilidade orientada. O documento revela situações que se assemelham ao

conceito da comunicação tradicional: a difusão das técnicas no campo e a publicidade

da incorporação estruturada num modelo tradicional de comunicação persuasiva. Um dos resultados deste tipo de comunicação é a redução das qualidades humanas de fonte e receptores, pelo autoritarismo, paternalismo e assistencialismo, pelo emprego das técnicas de venda e pela fixação de objetivos de produção e modernização com os quais os agricultores devem se conformar (MARANGON, 1980, resumo, item 6).

O modelo tradicional de comunicação intencionava atender aos anseios do

capital através das vendas de fertilizantes, tratores e eletrodomésticos. A produção da

modernização ocorre nos pilares dessas “novas técnicas”. A nova proposta traz um

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modelo de comunicação dinâmico, que manifesta atuações mais humanas junto ao

contexto do agricultor e sua família. Assim, com a modernização efetivada, “novas

conquistas vão sendo realizadas no que tange aos problemas físicos, econômicos,

tecnológicos, sociais, políticos e culturais. Sempre com a participação ativa dos

comunicadores (extensionistas e agricultores). A realização humana torna-se possível e

acontece na medida que a participação se amplia” (MARANGON, 1980, resumo, item

10).

O mesmo autor aponta para os procedimentos humanos na comunicação

que fornecem ferramentas - representadas nas aptidões fornecidas às empresas - e as

transformações almejadas pelos agricultores. Salientando que, o primeiro passo da

comunicação dita tradicional alicerçou o anseio incutido neste momento, como algo

pura e simplesmente de interesse do agricultor. As recomendações sugerem contatos

através de caminhos e procedimentos pautados no envolvimento do agricultor e os

métodos até então aplicados junto à comunicação no campo, modificando o modelo

anterior e dando margem ao modelo humanizador, recomendado aos novos

agricultores, agora atuantes na ação. Modelo este que se encerra num esquema teórico,

tecnológico e ideológico de “cima para baixo”, que estrutura e representa outra etapa

ideológica de comunicação e modernização. O último modelo justifica-se numa ação

“de baixo para cima”. A comunicação geradora e mantenedora de normas comportamentais, autoritárias, paternalistas e assistencialistas, reforçada pelo tecnicismo, com alienação de agricultores e técnicos de sua realidade global, inibidora da criatividade, limitadora da liberdade, resulta na dependência e submissão, reduz a autonomia nas decisões sobre as escolhas dos fins e dos meios para alcançá-los. (MARANGON, 1980, p. 13-14).

As críticas feitas à comunicação tradicional são muitas. Mas, a nova

proposta estaria despida de fragmentações, submissões e alienações? Ou estaria

preparando alternativas no engajamento dos agricultores e extensionistas para

solucionar problemas nascidos no primeiro modelo? Como resolver o alto custo dos

produtos químicos, a diminuição dos incentivos por parte do governo, as frustrações

das safras e a insatisfações dos agricultores?

Os benefícios da comunicação tradicional enaltecidos no 18º Seminário,

agora recebem toda ordem de críticas ante a difusão de novas técnicas e estratégias

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executadas pelos extensionistas no campo. Os métodos e técnicas de publicidades

voltadas à venda de idéias também são atacados.

Porém, a nova proposta e seus procedimentos chamam a atenção dos

agricultores para “o resultado como fim da estratégia participativa que possibilita aos

agricultores tornarem-se agentes e juízes de suas ações, responsáveis pelo seu bem-

estar e progresso pessoal” (MARANGON, 1980, p. 24). Novamente são apresentadas

as coordenadas a serem seguidas pelos extensionistas e agricultores. E o discurso

justifica sua ação na libertação dos agricultores do paternalismo e autoritarismo

semeados pela comunicação tradicional, modelo clássico mecanicista vigente até

então. O termo clientela, adotado para referir-se aos agricultores, é associado à elitização exigida pelo crédito rural, treinamento de líderes e políticas de estímulos. A comunicação engajada nesse conceito canaliza seu esforço na mesma direção. [...] como clientes são aqueles que se dispõem a comprar novas idéias, a comunicação tem assumido o papel de vender idéias e introduzir tecnologias modernas, transformando, [...] os agricultores em instrumentos de produção (MARANGON, 1980, p. 26).

Diante das problemáticas localizadas no modelo clássico, a nova proposta

estaria mobilizando os esforços dos trabalhadores na ordenação e execução de seus

próprios problemas. Assim, as novas condutas forneceriam métodos para solucionar e

identificar as aspirações dos agricultores. Essas estratégias de ação, envolvendo

agricultores, mães e jovens, idealizadas pelos extensionistas e pautadas no contato

humano estariam de fato lançando as sementes do pensar e sentir dos agricultores? A

autoconfiança despertada os levaria à autonomia, liberdade e decisão? Como resultado

estaria a configuração estratégica e a imposição do modelo desejado, onde

espontaneamente as explorações iriam se concretizar a partir da ação dos próprios

agricultores. Assim, a execução do modelo estaria garantida. Os agricultores em novo modelo de comunicação se tornam mais livres, criativos, críticos, experientes, conscientes de sua realidade, esforço coletivo, contribuintes do aperfeiçoamento das organizações prestadoras de serviços, envolventes, envolvidos, comprometidos, senhores de suas ações e responsáveis pelo próprio destino e bem-estar (MARANGON, 1980, p.63).

As recomendações do novo modelo de comunicação em detrimento do

clássico ficam evidentes nas falas dos agricultores quando estes se reportam ao início

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da modernização e as facilidades dos empréstimos para a aquisição de maquinários

agrícolas e de como se tornaram vítimas do descaso. Restando-lhes, em alguns casos,

apenas propriedades sucateadas, dívidas nos bancos e baixos preços dos seus produtos.

O “Vídeo educativo rural”, pertencente ao Departamento de Apoio

Estratégico da ACARPA, é questionado enquanto recurso na execução e repasse de

informações ao agricultor, pois é considerado pelo Sr. Edir e muitos extensionistas

como um recurso “modista”, incapaz de orientar adequadamente os agricultores.

Seriam mais bem aceitos vídeos que mostrassem as realidades de outras regiões e os

problemas vivenciados por outros lavradores. Mas, esse recurso metodológico

cumprirá seu papel se for bem explorado incorporando também a ação prática. Ação

que não se concretiza ou, quando concretizada, deixou muitas lacunas (ACARPA,

1983, p. 6). No discurso, segundo o Sr. Sérgio — coordenador regional de lavouras

comerciais — tudo parecia perfeito, porém, a metodologia elaborada não atendia à

realidade regional (ACARPA, 1983, p. 7).

Era comum que alguns até simpatizassem com o projeto VER – Vídeo

Educativo Rural. Porém, seu conteúdo, além de ser extenso, era relegado a segundo

plano e, o extensionista, ao adotar o método de exposição do assunto, teria que

permanecer em pé, à frente dos demais, semelhante ao procedimento de um professor

em sala de aula, o que acaba gerando um certo desconforto, intimidando os

agricultores, que acabavam criticando esse método (ACARPA, 1983, p. 12).

Visto negativamente, suas montagens (imagens) aparecem forçadas aos

olhos dos agricultores. Foi por meio desse processo de capacitação no campo que se

buscou despertar habilidades e técnicas a partir da extensão rural.

Independente disso, a pedagogia, na aparência, era participativa e brasileira.

Mas, este nevoeiro ideológico se desdobrava a partir dos interesses internacionais, ou

seja, a estrutura do projeto pertencia a um país, em muitos aspectos, diferente do

nosso: o Peru. Como modelo internacional, adaptado à realidade paranaense, recebeu

manifestações contrárias que não encontravam espaço no contexto político da ditadura

(ACARPA, 1983, p. 48).

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Nas palavras do Sr. Geraldo – Diretor Presidente da ACARPA – o fator

político, que implantou o padrão tecnológico, também provocou e favoreceu a

expulsão do homem do campo. É interessante que pequenos produtores vão embora, que se agreguem propriedades para que se utilizem máquinas, para que se utilizem adubos químicos, se utilizem defensivos para facilitar e viabilizar as indústrias que estão aí, para viabilizar a própria política de exportação. (ACARPA, 1983, p. 58)

Chama ainda a atenção para os encaminhamentos negativos surgidos com a

modernização no campo. E acrescenta que a necessidade de capacitar o agricultor

atende a interesses ligados a este processo que não são deles e sim das empresas

multinacionais. Essa consciência poderia debilitar, pelo menos em parte, o modelo

vigente.

A atuação da ACARPA/EMATER se deu, também, a partir do VER –

Projeto de Vídeo Educativo Rural -, norteado pela pedagogia audiovisual. O trabalho

intitulado “Reunião técnica : o vídeo na difusão de informação agropecuária e

capacitação do agricultor” trata especificamente dos aspectos históricos, estruturados

nas atividades audiovisuais, junto à produção no campo. No ano de 1980, a ACARPA

e a FAO mantiveram contato com a CESPAC – “Centro de Ciências de Pedagogia

Audiovisual para la Capacitacion do Ministerio da Agricultura do Peru”, obtendo

apoio técnico para o desenvolvimento do projeto de Extensão Rural do Paraná –

Brasil. Primeiramente, foram analisados os serviços de treinamento de técnicos

extensionistas para que, em seguida, fosse desenvolvido o trabalho junto aos

agricultores. Após mudanças descentralizadoras na estrutura da proposta e feitas as

modificações, o Projeto VER – Vídeo Educativo Rural – passava a ser um instrumento

pedagógico voltado para o treinamento de pequenos produtores e apresentado,

posteriormente, às famílias dos agricultores como uma possibilidade de capacitação de

produtores.

A comunicação marca presença forte em todos os momentos de atuação da

ACARPA/EMATER. Os componentes básicos seguidos na estruturação da

metodologia da comunicação, de acordo com o projeto, estruturaram-se num esquema,

a saber:

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COMPONENTES BÁSICOS

METODOLOGIA E COMUNICAÇÃO

INDIVIDUAIS

GRUPAIS EDUCAÇÃO PARTICIPAÇÃO

AUTO RESOLUÇÃO

DOS SEUS PROBLEMAS

CONSCIÊNCIA DO

PRODUTOR

DIÁLOGO E SENTIDO CRÍTICO

MASSAIS

Os aspectos gerais da proposta e a aplicabilidade do curso audiovisual

direcionaram suas expectativas maciçamente ao público.

O Poder Público estrutura o Crédito Rural Agrícola, com políticas centradas

na transformação e tecnificação agrícola; mecanismo engrenado pela aquisição de

venenos, adubos, tratores, ceifadeiras e caminhões. Neste contexto agrícola, “a

agricultura brasileira espelha avanços e recuos de uma lenta e dolorosa modernização

em alguns setores específicos, modernização essa em sua maior parte sustentada pelos

subsídios estatais” (SILVA, 1982, p. 33).

De forma surpreendente, o extensionista resgata os planos do ETA 15,

repensando a ação conjunta desenvolvida entre Estados Unidos e Brasil, que, na

prática, prevaleceu como incentivo fantasma, pois se buscou implantar um modelo que

garantisse a venda de maquinários e insumos norte-americanos e europeus. Logo que o

modelo tecnificado da agricultura criou raízes, os “auxílios” foram sendo afastados,

certamente redimensionadas para outros países, visando os mesmos propósitos. A

afirmação de que o veneno não causava danos à saúde surgiu desse processo, o que

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explica, por sua vez, os impactos ambientais físico-químicos (a serem apresentados no

Capítulo 3). É as raízes e as motivações e estrangeiras que a gente nunca sabe o que eles querem conosco, mas provavelmente quando o ETA foi criado no Brasil por estigma americano Fundação Ford, Fundação Rockfeler não sei bem quais e quantas delas, elas traziam dinheiro pro Brasil e inclusive esses jipes que foram, que nos temos um remanescente ainda, esses jipes foram financiados por esta fundação, né. Então eles traziam auxílio para que o Brasil pudesse ter uma assistência técnica, e naquela época eles já queriam entrar, então com modernização da agricultura e insumos modernos aquele negócio de insumos modernos pra eles era provavelmente vende adubos pra nos, vende venenos [...] numa tentativa de que nosso povo passasse a produzir mais e melhor qualidade, né, independentemente da preocupação na época estar [...] envenenado ou não, até não existia tanto uma consciência que veneno faz mal (H, 05 mar. 2001).

De início, os agricultores eram convidados a se fazerem presentes em

clubes para receberem informações sobre o repasse dos financiamentos que poderiam

ser obtidos junto ao Banco do Brasil e da Cooperativa. O incentivo à derrubada da

mata e mecanização, fazia parte do crédito rural, pois, quanto mais terra mecanizada

estes agricultores tivessem, maior seria o financiamento que receberiam. Em

contrapartida, temos a fala de A que busca na memória os elementos sustentadores da

expansão da mecanização, pois, “antigamente, pra conseguir financiamento de

maquinário no banco, quanto mais roça, conseguia mais fácil [...] menos mato i agora

acharam [...] errado, errado isto, [...] agora 20% [...]” (A, 19 fev. 1996). O

financiamento era distribuído aos agricultores e, simultaneamente, orientava-se quanto

ao destino que o agricultor deveria dar ao montante recebido. Toda informação

necessária era dada ao agricultor: os cuidados em relação ao preço dos produtos,

frustração das safras por conseqüências climáticas e outros. O Poder Público precisa socorrê-la, constante ou freqüentemente, através de múltiplas formas de favores, em grau maior do que qualquer outra atividade: subsídios, garantias de preço mínimo, créditos favorecidos, moratórias, perdão de dívidas, prêmios e incentivos diversos e cada vez maiores. (BRUM, 1983, p. 43)

Existe no Brasil, mais especificamente no Paraná, uma ordem de

prioridades que visa atender, primeiramente, aos grandes proprietários com estes

financiamentos. No município rondonense, o predomínio de pequenas propriedades

que anteriormente praticavam a policultura e a criação de animais, calcadas no modelo

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proveniente da bagagem cultural desses grupos, desenvolveu-se o mecanismo de

incorporação e extensão dessas técnicas em direção à especialização. Portanto, “dentro

dessa política, destaca-se como principal instrumento o crédito rural, que tem

privilegiado o grande proprietário de terras, por poder dá-las como garantia, além de

possuir outras facilidades junto à rede bancária” (SILVA, 1982, p. 39).

O tão visado crédito rural era obtido junto a bancos internacionais e

reaplicado na compra de insumos e maquinários agrícolas que eram adquiridos junto à

indústrias e, conseqüentemente, o dinheiro revertia, novamente, para estas mesmas

indústrias. O chamado ‘crédito rural’, subsidiado pelo governo, em parte oriundo de empréstimos obtidos pelo país junto aos grandes bancos internacionais, utilizado para que os agricultores possam adquirir maior quantidade de máquinas e insumos modernos, é, de fato, crédito industrial, uma vez que funciona mais voltado para expandir os interesses da indústria do que os da agricultura, que é apenas um subsistema a serviço do sistema econômico global comandado pelo complexo financeiro-industrial (BRUM, 1983, p. 67).

Nesse contexto, podemos considerar a linha de pensamento segundo a qual

“o principal instrumento utilizado para promover a industrialização no campo foi o

crédito agrícola subsidiado” (MARTINE, 1989, p. 6). De forma consistente, Carlos

Walter Gonçalves trata da situação rural, mais especificamente da manipulação dos

anseios do produtor em direção aos interesses das indústrias. A célula vital e

energética do sistema situa-se no contexto da corrente financiadora, centrada e

representada na figura do Banco do Brasil. O fluxo condiciona o agricultor na compra

de produtos industrializados, revertendo em lucros ao núcleo central que viabiliza a

energia necessária para a estruturação industrial. Quem, nos últimos anos, se interessou pela situação do campo brasileiro, sabe da relação que se estabelece entre o produtor rural, as grandes indústrias químicas e de implementos agrícolas e os bancos. A aprovação de qualquer financiamento à produção rural passa por uma série de exigências dos bancos — não somente as tradicionais como a hipoteca de bens e propriedades. Entre as garantias constam também aquelas que a moderna ciência e tecnologia podem dar para o bom rendimento da plantação, pois, acredita-se que, dessa forma, os investimentos poderiam ser ressarcidos. Através dos seus Departamentos Técnicos, os bancos condicionam o produtor rural a usar esta ou aquela máquina, este ou aquele adubo, fertilizante, fungicida ou inseticida etc... As grandes indústrias têm, assim, garantidos os mercados para seus produtos através dos bancos que, por sua vez, ao viabilizarem as indústrias, se viabilizam na medida em que as indústrias dependem dos bancos para terem seu capital de giro, financiamento da produção e... crédito ao produtor rural para comprar seus produtos (GONÇALVES, 1984, p. 21-22).

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Na análise da linguagem jornalística, observamos várias manifestações

articuladas em expressões direcionadas ao público rural, mas esse fragmento pode

expressar o poder da mídia, pois a mesma comunica e integra os agricultores para que

estes recebam instruções referentes aos empréstimos. O que desperta a atenção é o

montante em dinheiro que seria distribuído. Como forma de reforço, tem-se a presença

da ACARPA e dos representantes políticos municipais e estaduais. O discurso atende,

portanto, aos interesses de determinados grupos. Contudo, a argumentação se apóia na

idéia de que o dinheiro será destinado para impulsionar o progresso rondonense,

aumentando a produção e trazendo bem estar e prosperidade. O bem estar de quem?

Pode-se indicar que os maiores beneficiados foram as indústrias que pretendiam

alargar os horizontes de suas vendas. Que bem estar é esse que propõe progresso às

custas da retirada da mata, do envenenamento dos animais e do próprio homem. E para

garantir que o dinheiro seja aplicado na agricultura, felicitam os agricultores e

reforçam, através de programas de rádio, que os “agricultores [...] saberão fazer bom

uso do numerário que lhes foi entregue”, ou seja, os argumentos procuravam garantir o

destino que o dinheiro deveria receber. AGRICULTORES RECEBEM EMPRÉSTIMOS Um grupo de agricultores recebeu hontem as importâncias de empréstimo encaminhado por intermédio da Acarpa. No Clube Aliança, com a presença de autoridades municipais e estaduais, gerentes de bancos e representantes desta emissora, procedeu-se à entrega dos cheques. Foram distribuídos 80 milhões que servirão para impulsionar o progresso rondonense, aumentando a produção e trazendo mais bem estar e prosperidade. Felicitamos a Acarpa, na pessoa de seu dinâmico diretor, o nosso Dr. Polan Lacki e aos agricultores que saberão fazer bom uso do numerário que lhes foi entregue (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).

O desenvolvimento recria situações e os agricultores vinculados ao cultivo

tradicional servem como ferramentas humanas na retirada da mata e cultivam produtos

como milho, mandioca, feijão, arroz e outros por alguns poucos anos. Após a limpeza

do terreno, são direcionados a aderirem a projetos tecnológicos voltados à

especialização. Um certo número de produtores que não se adequaram ao modelo,

foram direcionados a procurar novas fronteiras agrícolas no Paraguai ou outras regiões

brasileiras.

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A migração destes agricultores tem como causa principal o processo de

descapitalização gerado pela carência de iniciativas governamentais no que se refere à

manutenção de propriedades agrícolas que não se enquadrassem no sistema de

produção para exportação. O produtor rural está descapitalizado e endividado [...]. Os financiamentos para a implantação da suinocultura, gado leiteiro, aves, etc., nos últimos anos, foram condicionados a exigências técnicas geralmente do interesse das indústrias ou fornecedores de insumos, inclusive sementes e raças (BRUM, 1983, p. 108).

Para tanto, a agricultura modernizada incorpora técnicas sofisticadas

representadas pelas máquinas, implementos e insumos. A modernização, entendida

como criação humana, estrutura-se a partir dos créditos fornecidos aos produtores,

bem como pelo controle das ações dos agricultores e se consolida através da atuação

constante dos técnicos especializados na implantação e no controle das novas técnicas. Crédito para a aquisição de máquinas, implementos, equipamentos, calcário, fertilizantes, sementes, defensivos (herbicidas, pesticidas, fungicidas, etc.), crédito para custeio, etc. O sistema de crédito rural orientado subordinou o agricultor à fiscalização e à assistência técnica (BRUM, 1983, p. 114).

Nesse cenário, a manchete jornalística com o título “A Chuva de Granizo de

Dois Irmãos e Arredores” retrata os prejuízos advindos por ocasião de adversidades

climáticas. Mas, a partir de um olhar um pouco mais detido levando em consideração o

período em que o enunciado foi produzido, podemos discernir a forte argumentação

sobre os prejuízos e a solução para que o agricultor não vivesse de esmolas: o seguro

agrário.

Com isto, “A Nação, o Estado e o Município não se transformariam em

simples doadores de esmolas, que nada resolvem, porque nunca são de montante a

cobrir o prejuízo. O seguro agrário é a solução para todos”. Esses termos certamente

provocaram reações de apoio por parte dos ouvintes, já que os mesmos têm um forte

apego a valores como o trabalho e a honestidade, refletindo em argumento estruturado

na personalidade dos agricultores. Para evidenciar a posição da emissora de rádio, a

nota termina com a expressão “Essa é a nossa opinião”, revelando a forte influência

que esse meio de comunicação procura conquistar junto a seus ouvintes.

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A CHUVA DE GRANIZO DE DOIS IRMÃOS E ARREDORES Receberão a assistência que faz juz a quem planta e não tem a certeza de colher. É a ocasião de mais uma vez tecer considerações sobre o seguro agrário, uma lei que há muito foi aprovada no Brasil, mas que, pelo que sabemos, ainda continua no papel. Em todos os paizes civilizados e de economia adiantada, os efeitos da natureza são compensados pela inteligência e pelo espírito de organização. Está na vez de acabar no Brasil com a esmola dada aos que fazem o progresso da Pátria. Estão agora os senhores colonos a mendigar auxílio da Prefeitura, a Prefeitura a rogar a colaboração do Estado e o Estado a impetrar providências à Nação. A Nação, o Estado e o Município não se transformariam em simples doadores de esmolas, que nada resolvem, porque nunca são de monta a cobrir o prejuízo. O seguro agrário é a solução para todos. O agricultor sabe que planta, zela do que é seu e se um dia a desgraça dos elementos da natureza se abater sobre o fruto do seu trabalho, ali estará o seguro agrário para solucionar. Mas um seguro agrário rápido, eficiente e total, não paliativos à base de promessa para dias melhores. Essa é a nossa opinião (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

Percebe-se de imediato a expansão da reportagem jornalística mencionando

in loco os resultados negativos causados pelas chuvas, vendavais e granizo. Foram

realizadas, inclusive, projeções da área atingida, ficando definida uma faixa de três

quilômetros e meio de comprimento e uma largura de um quilômetro e, em certas

localidades, ocorreu perda total da produção. As lideranças políticas, tais como o

prefeito municipal Werner Wanderer e o diretor da ACARPA Polan Lacki,

desenvolveram visitas, tendo como objetivo fazer levantamentos dos prejuízos nas

localidades atingidas. A reportagem revela, com detalhes, a destruição de hortas,

citando as espécies prejudicadas pelas condições climáticas adversas. Esses

pormenores nos fornecem dados sobre os produtos cultivados.

No texto “Ofício ao Exmo. Sr. Governador do Estado” fica evidenciado o

canal aberto entre os representantes municipais e o governo do Estado. São fortes os

vínculos entre os procedimentos governamentais e o crédito fornecido pelo Banco do

Brasil. OFÍCIO AO EXMO. SR. GOVERNADOR DO ESTADO A Prefeitura Municipal enviou ofício ao Sr. Governador Paulo Pimentel encarecendo sua visita no dia 20 de janeiro, segundo promessa feita pela Casa Civil do governo do Estado. No mesmo ofício a Prefeitura comunica os prejuízos causados pela chuva de granizo e pede a colaboração do Estado, por intermédio da assistência imediata da Secretaria de Agricultura e outros órgãos de assistência. Hoje vai telegrama ao Presidente Castelo Branco, pedindo facilidades de crédito aos flagelados por intermédio do Banco do Brasil (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

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Nesse ponto, o discurso apresenta a constante mobilização de pedidos

direcionados ao governo do Estado em busca de auxílio para solucionar problemas

causados por intempéries climáticas. Mas esse canal aberto na comunicação foi uma

das formas de preparar o espaço com recursos viabilizadores da futura modernização

agrícola. Neste período, ainda marcam presença as dificuldades enfrentadas pelos

agricultores rondonenses em deslocar-se a uma agência do Banco do Brasil, pois esta

estava situada na cidade vizinha de Toledo. O transporte mais utilizado era o ônibus ou

as famosas lotações18. Algumas reportagens do programa jornalístico comunicam aos

agricultores para que realizem suas propostas para o cultivo de cereais, bem como para

a compra de maquinários. O BANCO DO BRASIL EM NOSSO NOTICIÁRIO A agencia de Toledo do Banco do Brasil está em nosso noticiário para dizer a todos que estão abertas as propostas para lavouras de milho, feijão, algodão, maquinário e indústrias. Aqueles que estiverem interessados em ampliar ainda mais as suas lavouras ou maquinários que apresentem as propostas ao Banco do Brasil na agência de Toledo (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).

Os produtores são comunicados sobre o atendimento, mas também são

“convidados” a expandir suas áreas cultivadas e aderirem aos recursos ofertados. O

que pode explicar melhor a situação existente entre a relação do Banco do Brasil e a

tecnificação no campo é a composição do conselho fiscal da Indústria de Óleos, que

conta com a presença do gerente do Banco do Brasil, do prefeito municipal e de outras

autoridades do município. Através da leitura do discurso, pode-se constatar que o

mesmo busca suporte para sua atuação, enfatizando que “essa grande indústria [tem]

um futuro brilhantíssimo no interesse da industrialização do Oeste do Paraná”. O

discurso apresenta, portanto, os objetivos de um grupo restrito como sendo de toda a

população. SOLUCIONADO O CASO DA CIROSA Na presença de altos funcionários do Banco do Brasil e dos senhores agricultores foi eleito o conselho fiscal que fica composto do senhor gerente do Banco do Brasil de Toledo, o senhor Werner Wanderer, prefeito municipal e o senhor Lourival Mussi de Andrade. Essa notícia é motivo de júbilo para o município pois vemos a testa desse

18 Uma Kombi na qual vários colonos se juntavam para irem até a cidade vizinha.

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empreendimento um cidadão de reconhecidos dotes de administrador e pessoa do mais vasto conceito em toda a região. Encerra-se assim de uma maneira brilhante o caso da Cirosa que foi motivo de tantos comentários neste município e regiões. Desejamos à essa grande indústria um futuro brilhantíssimo no interesse da industrialização do Oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 3, 12.07.67 a 11.03.67).

Já no ano seguinte (1968), ocorre uma convenção das indústrias

oleoginosas, já que a instalação de mais indústrias voltadas a esse fim se amplia em

toda a região. Para tanto, ocorre a mobilização de representantes da localidade que se

deslocam ao Rio de Janeiro para buscarem “junto a alta cúpula do Banco do Brasil”

recursos financeiros para a compra da safra de soja. A CONVENÇÃO DAS INDÚSTRIAS OLEOGINOSAS Ao término das reuniões, com a volta do Sr. Hélio Alves à nossa cidade trazendo as novidades, o Sr. Arlindo Lamb seguiu ao Rio de Janeiro onde junto a alta cúpula do Banco do Brasil, estará ultimando a documentação para um grande financiamento para a compra de soja, seja toda a safra de 1968, de toda a região. Com a volta do Sr. Arlindo Lamb, já serão fixados os preços para a compra deste cereal. Quem nos trouxe as notícias desta importante convenção foi o Sr. Hélio Alves ao qual agradecemos (Frente Ampla de Notícias, v. 4, 12.03.68 a 29.05.68).

A convenção das indústrias oleoginosas, realizada em São Miguel do

Iguaçu, envolveu indústrias extrativas de óleo vegetais do Rio Grande do Sul, Santa

Catarina e da região Oeste do Paraná. No decorrer da reunião, foi estabelecida uma

comissão representando os três Estados da Região Sul, objetivando a estruturação de

um estatuto que defenda a classe e que reúna pequenas e médias indústrias situadas na

fronteira do país. Nesse período, houve uma segunda reunião em Pato Branco, tratando

da aprovação dos estatutos e da organização do sindicato em defesa do grupo. Foram

marcadas ainda as datas para a primeira Festa Regional da Soja.

Nesse momento, o rádio é o elo comunicador de massa, recurso explorado

para levar ao campo os planos e modelos das indústrias. O rádio serve então como

veículo que propaga vínculos solidários com a comunidade através da informação e

formação da opinião pública.

O rádio aparece assim como centro irradiador de interesses interligados: as

indústrias, as instituições bancárias, as autoridades governamentais e órgãos ligados à

Secretaria da Agricultura utilizam-se deste meio de comunicação para alcançarem seus

objetivos. Dessa forma, identificamos com precisão na manchete “A Visita do

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Supervisor da ACARPA” a relação entre a Secretaria da Agricultura e a emissora de

rádio: “O Dr. Edison veio também para agradecer a colaboração prestada pela nossa

emissora ao seu serviço, que visa maiores promoções agrícolas para a nossa gente”

(Frente Ampla de Notícias, v. 4, 12.03.68 a 29.05.68).

Os agricultores recebiam comunicados constantes a partir de cartas que

eram enviadas pelo Banco do Brasil à Rádio. Um aspecto a ser destacado é a compra

do trigo a ser realizada pelo Branco do Brasil “em nome da Comissão de Trigo

Nacional”. Nesta transação comercial, a exigência era a negociação direta com a

instituição bancária, pois a atuação de intermediários era condenada tendo como

justificativa a transparência das ações. A notícia “Um Aviso do Banco do Brasil aos

Triticultores” expressa da seguinte forma tais normas: Acabamos de receber carta do Banco do Brasil prestando algumas informações aos senhores produtores de trigo da região. Informa o Banco, por sua agencia de Toledo, que está comprando trigo em nome da Comissão de Trigo Nacional. Avisa que só compra diretamente dos produtores, não aceitando intermediários. Avisamos mais que sobre esses preços serão acrescidos as quantias de 75 centavos, 60 centavos e 42 centavos para o produto entregue em sacaria nova, de 1º e 2º uso, respectivamente. Alerta mais, que será crime contra a economia popular, a venda de seus produtos agrícolas ao Banco do Brasil, por meio de intermediários. E si isso acontecer, o que assim, fizer, terá sérios problemas com sua ficha cadastral. São essas as informações que tínhamos a dar em nome do Banco do Brasil, Agencia em Toledo (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

O Banco do Brasil procurava, portanto, estabelecer o monopólio na compra

de cereais, instituindo normas que visavam inibir a comercialização dos produtos com

terceiros.

O grande agente provedor e atuante entre os agricultores e o modelo

modernizador em processo de adoção era a ACARPA. Este órgão estadual tinha

espaço garantido na programação da emissora de rádio, tendo em vista a necessidade

de manter contato constante com seus colaboradores.

A ACARPA se encarregava, inclusive, dos pedidos de financiamentos. A

reportagem “Um aviso importante da ACARPA”, chama “a atenção dos agricultores

de Novo Horizonte, Iguiporã, Mercedes e Curvado, que desejam financiamento, e

ainda não fizeram pedido, que encaminhem os seus pedidos às comissões de Crédito”

(Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69). Como já foi enfatizado, o

crédito rural era um crédito específico regido por índices particulares do setor agrícola,

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destinado a desencadear e sustentar a modernização agrícola, com linhas de

financiamento a insumos químicos, sementes selecionadas e investimentos rurais.

A atuação da ACARPA estende-se também a outras áreas, tais como a

saúde. Fato curioso observa-se no programa “Curso de Enfermagem e Curso para

Parteiras”. Junto às modernas técnicas de cultivo de solo, permanecem antigas

práticas. Este tipo de treinamento remonta ao início da colonização, já que, nesta fase,

os partos eram realizados por parteiras da comunidade ou, quando estas não existiam,

eram trazidas parteiras das comunidades vizinhas. O valor pago pelo trabalho de uma

parteira, geralmente era em produto, como um saco de feijão ou de milho. Os partos

aconteciam nas residências das gestantes. O transporte da parteira era realizado através

de charrete, carroça ou jipe. Este curso [...] será gratuito, tendo pela parte de ministração e prática de trabalho orientação de professores especializados do INDA, da ACARPA, e especialistas do C.R.B. (Confederação dos Religiosos do Brasil). Também terão suas partes ativas de Guaira ou mais alguns da região. Para as parteiras e interessadas de Marechal Cândido Rondon, a Prefeitura Municipal pagará todas as despesas de estadia. É frisada aqui a importância de que os cursos serão especialmente para aquelas pessoas que já dispõe de algum conhecimento do assunto. Ou sejam parteiras e as pessoas que lidam com serviço de enfermagem. As inscrições encontram-se abertas no escritório da Acarpa local, à disposição das interessadas (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Este tipo de atividade fazia parte de um conjunto de ações desenvolvidas

pela Associação de Crédito, estruturado a partir de um programa de assistência rural

que centralizava suas atividades na educação de jovens. Programas de educação do jovem rural, calcados num modelo norte-americano de ação, através dos Clubes 4 S (4 H nos Estados Unidos). O ‘S’ significa: Saber (Head), Sentir (Heart), Servir (Hand) e Saúde (Health). Filhos de agricultures de 14 a 25 anos, através desses clubes, que lhes proporcionaram um lugar para se reunir e se divertir, receberam toda uma educação “modernizante” e tiveram acesso a pequenos créditos, a juros baixos. Com a ajuda de técnicos, estes jovens desenvolveram posteriormente experiências nas propriedades dos pais (PAULILO, 1990, p. 55-56).

As “reuniões sobre crédito rural” ocupavam o cenário dos comunicados

jornalísticos. Como já mencionamos, a estruturação dos Clubes 4-S serviu como ponto

de partida para organizar um projeto maior que era a futura introdução do Crédito

Rural. A partir do trabalho dos extensionistas, tanto os agricultores como suas esposas

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acabavam sendo aproximadas desses “líderes”, o que inspirou confiança junto aos

agricultores e reforçou os discursos políticos. REUNIÃO SOBRE CRÉDITO RURAL A ACARPA, através de seu extensionista rural Dr. Joaquim Felipe Laginski, depois de ter levantado os clubes 4-S através de seu trabalho intensivo, cabendo a parte doméstica à senhorita Maria Creoní França; vem agora movimentar a parte de crédito rural aos agricultores. Hoje às 17 horas haverá uma reunião com agricultores e criadores, no salão do clube social e cultural de Quatro Pontes. A ACARPA por nosso intermédio convida todos os senhores criadores e agricultores para comparecerem onde será abordada a explicação sobre o financiamento. Aqueles criadores que já tem movimentado alguma coisa neste setor e que não comparecerem estarão sujeitos a não receberem tal financiamento. Portanto é de vital importância o comparecimento em massa àqueles que já se movimentaram através da ACARPA ou mesmo aqueles que pretendem receber financiamentos através deste órgão (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Encontramos notícias intituladas “Paulo Poli, Ainda Conosco” onde são

enaltecidas as presenças do então deputado Paulo Poli e do diretor do Banco do Estado

do Paraná, Arthur Claudino dos Santos. É dada ênfase às chamadas “novidades” e,

entre elas, estava a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Marechal

Cândido Rondon. Estas “novidades” também podem ser entendidas como uma

estratégia para chamar a atenção do público do campo para o deputado Paulo Poli: O ilustre deputado Paulo Poli permanece em nosso meio. Ontem pela tarde estiveram em nossa emissora conforme havíamos anunciado, o deputado Paulo Poli, e ainda o diretor do Banco do Estado do Paraná, Dr. Arthur Claudino dos Santos, que se mantiveram como entrevistados durante o espaço de mais de meia hora. Foi durante este espaço de tempo que, não somente nós como todos os nossos ouvintes, ficaram sabendo de muitas novidades que nos foram passadas à conhecer pelos ilustres visitantes. Ao se tratar do assunto que era o Banco do Brasil, foi algo de especial por ficarmos sabendo de que existe a possibilidade de num prazo de aproximadamente 6 meses, possamos ter uma agencia aqui em Marechal Cândido Rondon (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Um vasto leque de elogios foi tecido em torno da presença do representante

político e a criação de mecanismos que facilitem a modernização do município, tais

como a instalação da agência bancária, é considerada como um dos caminhos para o

tão sonhado e aguardado progresso.

O recurso mais utilizado pela ACARPA no início do processo era o de

contatar as comunidades através de seus representantes, estabelecendo assim uma

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linha de comunicação. Esta linha geralmente tinha como elo condutor pessoas

respeitadas pelo grupo — tais como o professor ou o presidente de alguma associação

—, que ficava com a responsabilidade de organizar e comunicar os agricultores sobre

as atividades a serem realizadas, cabendo inclusive a estes líderes as tarefas leigas à

execução de relatórios sistematizados sobre os trabalhos. No decorrer do processo, a

“ACARPA vai treinar líderes” com o objetivo de conhecer o cotidiano rural e manter

sua ação a partir da “infiltração” nas propriedades. Com tais atividades, é evidenciado

o caráter estratégico da atuação da ACARPA. Isto transparece em discursos como este: O extensionista rural da ACARPA, dr. Laginski, nos enviou uma nota sobre o serviço que estará movimentando a ACARPA de imediato, fazendo com que exista à partir de hoje o treinamento para líderes [...]. É este mais um serviço empreendido pela ACARPA local que mantém bem acelerado seu serviço de lançar maiores conhecimentos diante de toda a colônia, agora também movimentando a aprendizagem para líderes dentro das localidades onde os serviços tem infiltração dentro de todo o nosso município (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

O jogo político trabalha com imagens e representações discursivas e o

painel das relações políticas contempla um elenco de ações que difundem o

conhecimento científico. Isto se concretizou por meio de articulações executadas pelos

extencionistas rurais. De acordo com estudos do IPEA – Instituto de Planejamento

Econômico e Social, a principal medida foi a tentativa de difundir, entre os agricultores, o conhecimento tecnológico existente nas instituições de pesquisa [...]. Esta foi a grande ênfase dada ao serviço de extensão rural durante a década de 60 [...]. A prioridade também estava direcionada à abertura de linhas de créditos especiais para a aquisição de insumos modernos e à importância atribuída às políticas de preços mínimos a fim de estimular conjuntamente a produção e produtividade (PASTORE e ALVES, 1975, p. 115).

Os relatórios da ACARPA são divulgados pela rádio, mostrando todo o

trabalho executado, os esforços efetuados sem medidas, argumentando que todo

trabalho não cansa quando se trata do progresso objetivado para a região. Esta aparece

como uma das formas de reforçar o apego ao trabalho, valor fortemente enraizado na

cultura do grupo. Isso revela o grau profundo de conhecimento que havia por parte dos

responsáveis pela implantação do programa, pois o discurso também expressa e

reforça a honestidade quando divulga o relatório para que todos tenham conhecimento

da seriedade do trabalho executado pelos extensionistas.

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O locutor também tece considerações fundadas em elogios ao trabalho dos

extensionistas ao argumentar que eles são verdadeiros rondonenses por desejarem

tornar essa terra “um paraíso” a partir de seus esforços. Assim, ao término das

atividades, os resultados foram registrados em relatórios que foram amplamente

divulgados pela imprensa. No discurso, as atividades eram consideradas uma luta em

prol da “causa da família rurícula”, enfatizando os trabalhos desenvolvidos pela

equipe. À luz dos discursos, percebe-se que as atividades realizadas possuíam metas

traçadas e, na essência, a preocupação maior não estava direcionada ao bem estar dos

agricultores, mas sim com a efetivação de um modelo articulado e aplicado de acordo

com interesses de grupos específicos. Contudo, foi dispensada atenção especial nas

formas de tratamento e na linguagem utilizada para estabelecer tais metas, tendo em

vista a seleção criteriosa das idéias e imagens a serem utilizadas na caracterização

tanto dos agricultores como da região. ACARPA NOS ENVIA RELATÓRIO O trabalho que a associação de crédito e assistência rural ao trabalhador do Paraná realizou termina com mais um ano de trabalho e sacrifício, sacrifício não notado, pois se sabe que ninguém diz sacrifício quando se trabalha para uma terra como a nossa que somente tende a progredir. Vimos chegando o esgotamento de forças, mas quando olhamos, meditamos sobre tudo o que foi feito e nossas forças se reanimam e voltamos ao combate geral para uma guerra de fundamento ao vermos cravado o marco do progresso [...]. O presente relatório espelha o trabalho pelo crédito rural orientado, em um levantamento que faz com que nosso colono sinta-se mais a vontade. Fala também sobre o crédito habitacional, o Clubes 4 S, sobre o entrosamento com outras entidades, dos aspectos gerais e a conclusão dos serviços que achamos aqui, ao término, coroado de êxitos (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

A palavra “progresso” não poderia deixar de ser mencionada e o sucesso do

projeto é atribuído, entre outros fatores, ao “crédito rural orientado” e ao entrosamento

com as entidades sociais. Fica evidente a preocupação e a aplicação das questões

relacionadas aos financiamentos. Para tanto, o Sindicato, cumprindo ordens diretas da

administração pública, destinou um funcionário para atender o recebimento de

propostas e enviá-las a Toledo, poupando assim os agricultores das viagens àquele

município.

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A REUNIÃO PARA HOJE O sindicato deverá mandar um funcionário que após tomar todos os esclarecimentos por uns dias em Toledo, vai operar no sindicato aqui em Marechal Cândido Rondon para a elaboração da documentação necessária de exigência desta casa bancária para os financiamentos. Feito isso, o cidadão através do sindicato deverá preencher suas propostas para tal e finalmente dirigir-se à Toledo para receber o numerário. Como disse-nos o prefeito municipal que manteve-se junto com membros do sindicato de Marechal Cândido Rondon reunido na manhã de hoje, será alguma coisa maravilhosa para a nossa gente que vai prestar uma boa margem de suas economias que eram desperdiçadas em viagens à Toledo e espera dentro do saguão do Banco do Brasil (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

As propostas de sindicalização são incentivadas tendo em vista uma

participação significativa dos agricultores. Os discursos afirmam que o órgão dará

maior assistência ao agricultor, através da presença de um veterinário que atenderá aos

associados gratuitamente. Como todo discurso, este também busca enfatizar a

necessidade de unir esforços para o bem comum dos agricultores. A explicação foi dada pelo presidente Almiro Bauermann. Seria maior e melhor assistência ao agricultor sindicalizado, com o atendimento veterinário gratuito. Para isso o sindicato pensa desde já na compra de uma condução que servirá como meio de locomoção mais rápido ao veterinário que atenderá todo o município pelo setor rural conforme acha o senhor presidente. O restante desta mensalidade servirá para cobrir estas despesas com manutenção da condução e o custeio do combustível. Foi uma assembléia muito movimentada que trouxe para dentro da sala, agricultores de todos os cantos de nosso município que fizeram uma autentica demonstração de preocupação pelo que ocorre em nosso meio. Agricultores uma gente modesta e unida que também prefere seus dias melhores para o futuro. Parabéns aos agricultores sindicalizados, parabéns ao sindicato que se destaca dentro destes movimentos. Cremos em todo o Oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

No programa, são comentadas as reuniões anteriores caracterizadas pela

presença pouco expressiva de público. Enfatiza-se, porém, que a última assembléia

contou com a presença maciça de agricultores. De acordo com a notícia, aqueles

agricultores que se negaram a participar das reuniões foram duramente criticados. Os

participantes destes encontros eram, na sua grande maioria, agricultores pecuaristas,

sindicalizados. Para incentivar a participação de mais agricultores, a equipe de

reportagem da emissora de rádio fez a contagem do número de automóveis

estacionados no local da reunião. Com tal estratégia, procurava mostrar a aceitação por

parte dos agricultores das iniciativas do sindicato. A mesa diretiva orientava as

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atividades, não faltando em sua composição os representantes tradicionais do

Sindicato Rural, do Funrural, da ACARPA, bem como o diretor da Rádio Difusora

que, na ocasião, representava o prefeito municipal. Os assuntos tratados envolveram o

atendimento médico e o recolhimento de impostos.

Os planos da ACARPA receberam impulso através da assinatura de

convênios com a prefeitura. A prática discursiva reforça que o órgão executava

atividades no município, conduzidas por técnicos extensionistas, que intensificariam o

progresso da região. SECRETÁRIO EXECUTIVO DA ACARPA VISITOU A PREFEITURA MUNICIPAL Esteve na manhã de hoje no gabinete municipal o Dr. Rubens Resende secretário executivo da ACARPA juntamente com o Dr. Nickos também da Acarpa, que mantiveram-se em entrevista com o prefeito Werner Wanderer. O motivo principal da visita era o acerto do convênio entre Prefeitura Municipal e ACARPA, para que maior progresso seja lançado na região por este órgão paraestatal que tem funcionamento ativo em nosso município, atividade esta dada pelo Dr. Joaquim F. Laginski e pela senhorita Creoni Maria França. Amanhã poderemos saber do auxílio que a prefeitura dará à ACARPA, pelo convênio que deve ter sido assinado na manhã de hoje (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

As várias atividades executadas pelos extensionistas da ACARPA e

funcionários do Sindicato Rural contribuíram de forma considerável para a

concretização dos planos estabelecidos pelo programa de desenvolvimento da região.

Uma estratégia adotada para atrair cada vez mais pessoas era o de noticiar o número de

participantes nos encontros anteriores, motivando assim a próxima localidade a

superá-lo. Os dirigentes parabenizam os agricultores participantes por desejarem

aprender. Além disso, ocorre uma espécie de premiação simbólica àquelas localidades

onde o evento reunisse maior número de pessoas. Destaca-se também a presença

feminina em tais encontros. No decorrer do discurso, são feitos comentários sobre as

reuniões realizadas e são convidados os moradores de outras localidades para que

participem das próximas reuniões. REUNIÃO ENTUSIASTICA FOI REALIZADA EM PORTO MENDES Bem ao contrário do que esperávamos, o agricultor de Porto Mendes deu provas cabais de sua vontade de aprender, de sua vontade de se esclarecer. Foi ontem registrada a maior reunião de dentro do município, em que o salão de Mendes tornou-se pequeno demais para alojar os 200 agricultores, fazendo com que Porto Mendes tome o primeiro lugar em

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comparecimento da massa agrícola à estas importantes sessões. Aproveitamos a estada dos amigos visitantes em nossa emissora na manhã de hoje e tomamos conclusões básicas e estatísticas das reuniões realizadas. A mais forte em comparecimento foi em Porto Mendes com 200 agricultores, inclusive mulheres, de nossa grande família rurícula. Em segundo plano acha-se a localidade de Entre Rios em 138 comparecimentos. A mais fraca realizada, dizemos a mais fraca em comparecimento pois o espírito que levou os agricultores de toda a região foi um só, ... esclarecer-se, tomar decisivas informações. Esta última de que tratamos foi Mercedes com 67 agricultores presentes. Todas as reuniões somadas darão um índice médio de 100 agricultores por sessão. [...] Parabéns ao pessoal do sindicato e da ACARPA, parabéns aos agricultores de Porto Mendes, e nossas felicitações aos agricultores de nossa região. Para segunda-feira será realizada uma sessão em São Roque, e desde já concitamos aos agricultores daquela região para o comparecimento em massa (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Na seqüência é apresentada outra reportagem que destaca os trabalhos a

serem realizados pelos representantes da ACARPA e do Sindicato, desta vez no

distrito de São Roque. Novamente, são feitos esclarecimentos de que as intervenções

são informativas e de interesse dos agricultores da região. O texto finaliza afirmando

que “na noite de hoje, ninguém pode ficar em casa”. O comunicado procura alertar os

moradores de outra localidade (o distrito de Margarida) para que participem também

dos encontros. NOVA REUNIÃO HOJE É SERVIÇO PARA O PESSOAL DA ACARPA E SINDICATO. Os agricultores de São Roque na noite de hoje após às 20 horas estarão vendo sua ação colonial receber matéria de apoio através das palestras levadas pela equipe que vem se ocupando desse setor já fazem alguns dias. Agricultores de São Roque, na noite de hoje, ninguém pode ficar em casa. Amanhã será em Margarida (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

As facilidades de financiamento foram ofertadas pela ACARPA a partir de

recursos destinados, preferencialmente, à mecanização vinculada ao cultivo de soja.

Para assegurar a eficácia do repasse de informações aos agricultores, os agentes da

ACARPA estabeleciam contatos nos distritos, onde os agricultores poderiam ficar

informados sobre as condições necessárias para a concessão de financiamentos. Esses

recursos para o financiamento eram provenientes do Banco de Desenvolvimento do

Extremo Sul – BRDE.

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ACARPA INFORMA SOBRE FINANCIAMENTO A parte encarregada pela extensão rural da ACARPA, informou nossa reportagem ontem, que está aberto o financiamento pelo acordo ACARPA-BRDE. O crédito é especial à agricultores porém apenas para a mecanização da lavoura de soja. O crédito será para a compra de trator, micro trator, arado, grade, pulverizador, semeadeira, cultivador ou carreta. Os agricultores interessados deverão fazer solicitações aos senhores membros das comissões de crédito que funcionam em várias vilas de nosso município, e comparecerem segunda feira próxima no escritório da ACARPA para tomarem melhores esclarecimentos. (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69)

As atividades relacionadas ao treinamento de agricultores ocorreram

inicialmente a partir da preparação de líderes por intermédio dos extensionistas da

ACARPA. Através de uma ação, foram escolhidos representantes em todas as

comunidades. Posteriormente, foi organizado um evento que reuniu todos os líderes.

Esta foi uma das formas encontradas para dar agilidade ao treinamento, pois a

realização de palestras para um grupo maior de pessoas facilitava a divulgação das

informações. O encontro foi nitidamente direcionado ao meio rural e a efetivação foi

considerada um feito considerável como coroamento de um planejamento agrícola

bem organizado. As intervenções discursivas trataram exaustivamente da extensão

rural e da necessidade de formar as lideranças, bem como a aproximação de diferentes

localidades do município. Todas as etapas do encontro contemplavam de forma mais

detida os líderes rurais. Com relação a este aspecto, um fato que chama a atenção é a

descrição das qualidades que fazem o líder ideal. Para Antonio Maximiliano Ceretta,

cabe lembrar, então diretor da Rádio Difusora, em uma palestra, fala sobre o

funcionamento de grupos de trabalho. Todos esses aspectos foram também tratados no

período da tarde com ênfase no desenvolvimento de um espírito comunitário. LÍDERES RURAIS TÊM HOJE O SEU PRIMEIRO ENCONTRO Grande movimentação em torno da realização do 1º encontro das lideranças rurais do município de Marechal Cândido Rondon [...]. Os debates estiveram girando em torno dos problemas sentidos nas comunidades e possíveis meios de resolução (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

Alinhadas às demais propostas de crédito, diretamente canalizadas para o

contexto da região, temos ainda uma fala marcante que destaca formas de operação

desenvolvida pelos bancos junto aos agricultores. O sistema era executado a partir da

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assinatura de uma nota promissória pelo solicitante do empréstimo. Assim, quando o

agricultor estava em precárias condições financeiras, recorria ao banco e requeria o

chamado “Papagaio” (empréstimo). O prazo do empréstimo era de 60 a 90 dias,

exigindo renovação. Com a estruturação da modernização, muitos agricultores

recorreram ao banco e acabaram cercados por dívidas que muitas vezes comprometiam

parte de sua propriedade. Nesse contexto, foi sugerida uma abertura maior, através do

que os empréstimos poderiam ser pagos mensalmente, eliminando assim as

renovações. FAZENDO FALAR O PAPAGAIO Todos conhecem o nome dado a uma operação feita nos bancos, pela qual o cliente, assinado uma Nota Promissória, obtém crédito bancário, para cobrir suas necessidades econômicas e tapar os furos que se apresentam nas operações econômicas. O empréstimo bancário é chamado ‘papagaio’, pois temos a informar que em breve os papagaios vão falar de maneira diferente. O empréstimo, conforme em uso, geralmente, tem um prazo de pagamento que varia de 60 a 90 dias. E no vencimento deverá ser pago ou então reformado. Nos jornais de ontem há uma novidade em torno do assunto. E vamos reproduzir a matéria, sem comentários, já que os bancos deverão em breve receber instruções detalhadas a respeito da nova modalidade: ‘Sem prazo prá pagar – RIO, 22 (transpress – O ESTADO) – Os empréstimos pessoais na rede bancária poderão agora ser feitos sem limitação de prazo, de acordo com a necessidade do cliente. A informação é do presidente do Sindicato dos Bancos, professor Teófilo de Azeredo Santos, a propósito da nova sistemática de operações do sistema bancário. O líder dos banqueiros explicou também que os ‘papagaios’ que poderão agora ser pagos em prestações mensais, tornam eliminada a necessidade de reformas periódicas que complicam e oneram as operações de crédito pessoal (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

É necessário lembrar que a atuação da ACARPA toma corpo a partir do

“Plano Regional de Trabalho da ACARPA para 1972”, conforme a pretensão do plano

que era a de abranger e identificar os pontos onde não havia ainda um efetivo

desenvolvimento com base no modelo tecnificado. Na íntegra, este era “um plano

elaborado no contexto desenvolvimentista que a região vem alcançando [...]. Pelo

esforço desprendido por homens que consagram o tempo, força e inteligência na

criação de uma civilização solidária”. A partir da citação transparece a leitura que era

feita, pois o agricultor era quem deveria alavancar os esforços para que o plano desse

certo. Plano Regional de Trabalho da ACARPA para 1972, plano este que estará sendo desenvolvido em nove municípios do Oeste paranaense. Estarão reunidos neste documento [...] elementos que permitirão antever os pontos de estrangulamento da

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comunidade rurícula Oestina e como conseqüência um plano elaborado no contexto desenvolvimentista que a região vem alcançando [...] pelo esforço desprendido por homens que consagram o tempo, força e inteligência na criação de uma civilização solidária (Frente Ampla de Notícias, v. 15, 18.02.72 a 17.06.72).

Em uma versão crítica, uma das falas do extensionista afirma que o

PROAGRO era muito mais uma garantia para os bancos que cobravam do governo e

repassavam ao agricultor apenas “as sobras”. O governo criou o PROAGRO, era um programa de garantia, mais esse PROAGRO só saiu porque ele era uma garantia para os bancos. O PROAGRO não era nada bom para o agricultor. Em primeiro plano, o PROAGRO era bom para banco, porque você tinha que fazer uma avaliação se aquele problema foi do agricultor ou foi de uma intempérie.O agricultor que pagou o [...] Crédito Rural daí já era obrigatório fazer PROAGRO senão não tinha crédito, né. Então o PROAGRO era uma garantia para o banco de se acontecer alguma coisa irregular com o agricultor, o banco era ressarcido do empréstimo que o agricultor tinha feito e só depois, se sobrasse alguma coisa, reverteria para o agricultor (H, 05 mar. 2001).

Sendo assim, uma solução adotada para incentivar o cultivo de trigo foi o

PROAGRO19, seguro fornecido pelo governo e ferramenta utilizada na cobertura

necessária para casos de frustrações de safra. Os argumentos eram poderosos, pois

mencionavam a frustração de duas safras anteriores, reforçando assim a necessidade

deste tipo de garantia contratual, visando o futuro aumento do cultivo e,

conseqüentemente, da produção de trigo. PROAGRO, UMA AJUDA AOS TRITICULTORES Os triticultores terão os benefícios do PROAGRO, embora já tenham perdido a safra por duas vezes consecutivas. A notícia foi dada a conhecer ontem em conversa que mantivemos com o gerente do Banco do Brasil Sr. José dos Santos. Dessa forma, é um incentivo à mais aos que já plantaram ou aos futuros plantadores de trigo para a safra deste ano. O que pretende o governo é dar amplas condições aos triticultores de ampliar a capacidade de produção devidamente cobertados em casos de uma frustração. Com o incentivo que se dá nesse setor [...] se espera uma excelente produção com o aumento de área plantada e um produto de maior qualidade (Frente Ampla de Notícias, v. 33, 01.03.77 a 31.03.77).

19 Tendo em vista a estruturação do PROAGRO, esta se consolida por intermédio da ação da ACARPA: “Em 1975 a ACARPA iniciou seus trabalhos com o PROAGRO sendo, por dez anos, a única empresa credenciada pelo Banco Central para a elaboração das perícias. No ano seguinte foi implantado o Programa Nacional de Conservação de Solos, reconhecido mundialmente como um importante programa de preservação ambiental” (EMATER. Folheto).

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Entretanto, aos poucos, as solicitações do seguro foram sendo dificultadas

devido à exigência de vistorias por parte dos técnicos do governo. Tal sistemática

“favorecia os produtores que utilizavam tecnologias mais modernas e as exigências

técnicas para obter o PROAGRO eram então mantidas” (KAGEYAMA, 1987, p.63).

Em documento enviado à Rádio Difusora pelo Programa Cooperativo de

Extensão Rural da ACARPA, tratando do esclarecimento em torno do referido seguro,

foi dada resposta aos questionamentos feitos por alguns agricultores. Na ocasião, eram

os representantes da ACARPA que executavam as vistorias. Assim, foram elencados

os seguintes passos a serem seguidos pelos agricultores: o pedido do seguro deveria

ser feito junto à cooperativa ou banco, isso caso houvesse perda significativa da

plantação; a área atingida com prejuízos significativos deveria ser assim declarada

antes da colheita. Caso esta declaração fosse feita após a colheita, o agricultor perderia

o direito ao seguro, ficando com a responsabilidade das dívidas. PROAGRO – ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO A ACARPA [...] entidade encarregada de fazer as vistorias do PROAGRO, tendo em vista a série de acontecimentos desfavoráveis, às dúvidas persistentes de muitos agricultores e o comportamento precipitado de alguns deles, vem de público esclarecer, para o bem de todos, os seguintes: 1º) O agricultor só deve declarar ocorrência ao PROAGRO, junto aos bancos ou cooperativa em caso de perda real, que o impossibilite de pagar o custeio. 2º) Esta declaração deve ser feita, e só nessa condição será aceita, se a declaração for feita antes da área prejudicada ter sido colhida. 3º) Declarações ao PROAGRO com áreas já colhidas implicarão em prejuízos talvez ainda maiores para o próprio agricultor, de vez que está sujeito a pagar todas as despesas de vistoria, além de sanções previstas em Lei. 4º) A ACARPA recomenda expressamente a todos os agricultores o devido cuidado e a máxima diligência ao encaminhar seus pedidos de PROAGRO, jamais solicitando tais pedidos em áreas já colhidas (Frente Ampla de Notícias, v. 37, 28.07.77 a 10.09.77).

Em todo o Paraná surgiram vários protestos de agricultores com relação às

normas acima descritas, aos preços dos produtos agrícolas praticados no mercado, bem

como em relação aos rumos tomados pelo PROAGRO. Com base nessas contradições e a partir das condições políticas de fins da década de 70, multiplicaram-se no Paraná as mobilizações de produtores rurais de cada segmento específico de produção (greve dos suinocultores, movimentos dos sojicultores, dos fumicultores, etc.), ou contra condições mais gerais da política agrícola (PROAGRO, juros bancários, etc.). Embora aglutinando pequenos, médios e grandes produtores, pode-se dizer que esses movimentos iniciais tiveram uma participação decisiva, inclusive a nível de organização dos pequenos produtores (BONIN et al, 1991, p. 122).

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Um extenso programa de readequações ocorreu na suinucultura em solo

rondonense, principalmente no que se refere ao comércio alicerçado nos baixos preços.

No entanto, mais uma vez, a suinocultura ocupa espaço de destaque nos relatórios

anuais da ACARPA. A equipe de extensionistas entregou o relatório aos lideres

comunitários e aos representantes políticos do município. Este relatório tratou da

ampla dedicação de horas à suinocultura. Na conservação de solo foram “gastas” 630

horas, alertando e conscientizando os agricultores sob o argumento de evitar que a

região se tornasse um deserto. Além disso, o relatório aborda o cooperativismo e suas

numerosas vantagens. Já o trigo recebeu atenção principalmente no que se refere ao

plantio e à ampliação do rendimento por área. Ao mesmo tempo, receberam destaque

as atividades comunitárias e o estímulo ao cultivo da soja. EM 1977 ACARPA INSISTIU NA SUINOCULTURA Consta do relatório que grande parte do trabalho foi levado em direção da conscientização do povo do meio rural sobre suinocultura, colocada em primeiro plano, havendo esse serviço despendido 1.020 horas dedicada à essa ramificação da área agrícola. Já a conservação de solos vem logo em seguida. Para a conservação de solos foram gastas 630 horas de aplicação de conscientização da necessidade de tal procedimento sob pena de transformação num deserto uma vez não observadas as regras gerais o que deve ser plenamente aceitável pelo agricultor. No terceiro plano vem o cooperativismo, exemplificando sua necessidade e as vantagens do seu desenvolvimento. O plantio do trigo vem logo em seguida, norteando o trabalhador rural a operar, obtendo um excelente rendimento da área de plantio. A ação comunitária consta em 5º lugar do trabalho desenvolvido e, a soja está relegada ao sétimo lugar de uma lista de 11 itens (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

O relatório evidencia o privilégio dado, em boa parte das atividades, ao

treinamento das novas técnicas e o direcionamento das atividades à especialização.

Como pode ser observado em documento direcionado aos agricultores pelo

Banco do Brasil S.A., divulgado pela Rádio Difusora, os agricultores são informados

de que os atingidos pelas frustrações só seriam atendidos pelo crédito especial caso

encaminhassem suas propostas com antecedência. O comunicado revela a trama

burocrática que envolve o pagamento do benefício.

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COMUNICAÇÃO AO PROAGRO DEVE SER FEITA COM ANTECEDÊNCIAS O não pagamento do PROAGRO [...] se dá com a verificação de já haver sido iniciada a colheita e, para que não se enganem os agricultores, a importância está numa verificação prévia e a realização do laudo do PROAGRO antes de mexer na lavoura (Frente Ampla de Notícias, v. 41, 16.01.78 a 23.02.78).

E ainda no contexto: FINANCIAMENTO PARA TRITICULTORES PREJUDICADOS POR ADVERSIDADES CLIMÁTICAS O Banco do Brasil S. A., comunica aos seus clientes que financiaram custeio de trigo safra/77 e que tiveram suas colheitas prejudicadas por adversidades climáticas, a instituição de linha de crédito especial, a título de ajuda de custo, à razão de Cr$ 450,00 por hectare financiado. As propostas deverão ser apresentadas a partir do dia 15 até o dia 31 do corrente mês. Os que foram assistidos através da cooperativa local, deverão dirigir-se à mesma para obtenção de tais benefícios (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78)

Os bastidores revelam a adoção de medidas estudadas para solucionar ou

amenizar os problemas advindos da modernização, o que reflete na estrutura das

pequenas propriedades do município. Descobrir alternativas para a pequena propriedade rural constitui-se, hoje, importante desafio, não só para os produtores, mas também para as cooperativas, os sindicatos e outras organizações e, forçosamente, para os agrônomos e técnicos e para os poderes públicos em todas as esferas da administração (BRUM, 1983, p. 190).

Assim, os problemas surgidos com a mecanização agrícola afetaram as

pequenas e médias propriedades agrícolas e passam a ocupar o cenário das

preocupações dos produtores, cooperativas, técnicos, agrônomos e sindicatos que, em

conjunto, buscam alternativas para a situação, muitas vezes pautadas na diversificação

da produção. Isto sinaliza para a idéia de que a especialização e a produção para

exportação provocaram estragos irreparáveis nas pequenas e médias propriedades?

Sugere-se então o retorno ao período inicial da colonização, quando a policultura era o

meio através do qual as famílias dos agricultores obtinham seu sustento?

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3. OS EFEITOS DA ESPECIALIZAÇÃO NA DEGRADAÇAO SÓCIO-

AMBIENTAL: NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇAO DA PRODUÇÃO

3.1 A ADOÇÃO DE INSUMOS FÍSICO-QUÍMICOS E A DEGRADAÇÃO SÓCIO-

AMBIENTAL

As estratégias das indústrias se estendem em direção ao aumento das

vendas, visando garantir a lucratividade de seus investimentos. Por outro lado, a

agricultura ainda convive com as incertezas climáticas, provocadas, principalmente

pelos períodos de estiagem ou de chuvas intensas. Todo o aparato tecnológico canaliza

sua atenção para o lucro, desprezando as ações danosas que este provoca ao meio

ambiente. Segundo BRUM, a indústria obteve benefícios com o progresso técnico-científico, enquanto a agricultura tem colhido frutos menores e ainda não conseguiu livrar-se de suas duas fraquezas básicas, que lhe aumentam o risco e a vulnerabilidade: os flagelos climáticos – secas, geadas, excesso de chuvas, granizo, etc. – que não aprendeu a prever com grau satisfatório de antecedência e exatidão, e os flagelos biológicos – doenças, pragas, etc. – para as quais não descobriu até agora métodos eficientes e eficazes de prevenção ou de cura, sem atentar contra a natureza (BRUM, 1983, p. 41).

Na região do Extremo Oeste são muitos os estragos provocados: rios e

animais são contaminados, inclusive o próprio agricultor. Este é um procedimento

inconseqüente, com resultados nocivos à natureza e ao ser humano. Mesmo assim, o

uso dos chamados “defensivos” ainda continua. Mas, sabemos que todos estes

acontecimentos transformadores identificados na região possuem suas raízes centradas

nas propostas implantadas pela “Revolução Verde” que, na prática, atendeu

principalmente aos interesses econômicos do capital, sob a “falsa” justificativa da

ampliação de alimentos para o mundo: Atrás dos aparentes objetivos generosos e humanitários da “Revolução Verde” ocultavam-se poderosos interesses econômicos. A “Revolução Verde” configurou-se em recurso para ampliar, a nível mundial, a venda de insumos agrícolas modernos: máquinas,

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equipamentos, implementos, fertilizantes, defensivos, pesticidas, etc. Sem dúvida, esta foi uma forma inteligente de os grupos econômicos internacionais realizarem a expansão de suas empresas e de seus interesses com extraordinária rapidez e eficiência (BRUM, 1983, p. 65).

No que se refere à utilização dos defensivos agrícolas, para Guareschi o

argumento é maquiado e legitimado a partir da idéia de “novidade”. E o novo é

apresentado como “remédio” com o qual se resolveriam todos os problemas de

produção. Essas inovações seriam também as causadoras de novos problemas surgidos

no espaço modernizado, ou seja, um dos primeiros passos da revolução tecnológica consistiu na colaboração, de uma maneira universal e absoluta, do novo adubo orgânico, dos novos fertilizantes, das novas máquinas, dos novos inseticidas, como remédios miraculosos para o desenvolvimento, ou melhor, para o subdesenvolvimento do Terceiro Mundo (GUARESCHI, 1985, p. 22).

A forte presença de insumos nas práticas agrícolas provoca impactos no

meio ambiente. Segundo KAGEYAMA, o uso continuado de inseticidas e fungicidas não só levou ao aparecimento de fenômenos de resistência, mas a multiplicação de pragas. A cultura de soja é o exemplo mais claro deste processo. No caso de herbicidas, a pauta de defensivos se rigidifica pelas mudanças na base técnica e, conseqüentemente, pelos efeitos do uso destes produtos sobre o mercado de trabalho, em muitos casos de culturas que se utilizam fundamentalmente do trabalho volante (1987, p. 33).

Os acompanhamentos constantes das atividades agrícolas pelos

representantes da Secretaria da Agricultura criaram um canal direto de comunicação

entre Estado e agricultores. Isso fica visível nas solicitações realizadas pela população

e encaminhadas à Câmara Municipal, quando é detectada a presença de algum tipo de

praga na lavoura. Essa aproximação entre as duas instâncias serviu de estratégia para

transformar a preocupação em solução, por meio da adesão do agricultor ao uso de

insumos físico-químicos: SOLUÇÃO PARA O CASO DA ENERGIA ELÉTRICA Outro caso que mereceu atenção ontem à noite na reunião da Câmara é a preocupação popular em torno da disseminação das pragas que atacam o soja e a mandioca. Será procurada solução junto à Secretaria da Agricultura e a colaboração de entidades ligadas ao setor agrícola local (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

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Sobre os incentivos dados ao uso excessivo de herbicidas, fungicidas e

inseticidas (homicidas?), podemos destacar os problemas que assolaram o Paraná,

onde o modelo adotado se apresenta de forma mais sistematizada: o solo, os rios e o

próprio homem foram contaminados de tal forma pela necessidade de aumento no uso

tanto de fertilizantes quanto de insumos químicos que a qualidade de vida das pessoas

que moram nestas regiões foi afetada drasticamente, gerando problemas sócio-

ambientais incalculáveis à primeira vista.

Nesse sentido, cabe mencionar os problemas que os agricultores

enfrentaram com as chamadas formigas “mineiras”. No Rio Grande do Sul, essas

formigas atacavam as lavouras e também as hortas, causando uma verdadeira

devastação nas plantações, nas verduras e nas flores. Tamanha era a preocupação, que

os agricultores trouxeram junto com sua mudança um “fumegador”, para se

precaverem do ataque desse tipo de insetos no município. Assim, quando detectaram a

presença dessas formigas, o alerta foi geral: COMBATE A FORMIGA MINEIRA Os vereadores Rudi Steolben e Lauro Weirich requereram ontem urgentes providências no sentido de proceder-se a um combate sistemático à praga da formiga que está crescendo de intensidade no município. A Região mais atingida é a de Mendes. É necessário um combate sistemático a essa praga para que não se produzam maiores prejuízos e não se alastre para areas onde ainda não se conhece esse mal. A prefeitura vai tomar as providências que se fazem necessárias (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

O medo causado pela presença de formigas mineiras na região chamou a

atenção dos vereadores e, logo, houve a preocupação em eliminar estes insetos,

considerados no discurso como verdadeiras pragas. A solução apresentada foi a

utilização de veneno. Isso facilitou a incorporação de agrotóxicos nas atividades

agrícolas, sem contestação.

Em outra notícia jornalística intitulada “Visita de Representante da

Secretaria de Agricultura”, observamos que a preocupação com os produtos cultivados

abrangia órgãos mais distantes, mas que na prática estavam extremamente próximos,

controlando as ocorrências verificadas no campo. Seus objetivos eram desenvolver e

ampliar a produção. No que se refere ao caso das pragas da lagarta da mandioca e da

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soja, estas eram combatidas, muitas vezes, pela própria família dos agricultores que

caminhavam pelas fileiras do mandiocal, cortando as copas das plantas, procurando

assim evitar que a lagarta se alastrasse. VISITA DE REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE AGRICULTURA Numa das ultimas sessões ordinárias da Câmara Municipal desta comuna vários vereadores alertaram para a proliferação da lagarta da mandioca e da soja, com prejuízos para os produtores (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

Os sucessivos ataques das pragas tornam-se motivo de preocupação e a

rádio local abre um espaço para que agricultores possam expor as dificuldades

enfrentadas com as pragas. Cabe lembrar que as programações direcionadas para o

público rural facilitaram o contato com os agricultores. E para evidenciar a

interferência desses discursos no incentivo ao combate da lagarta através do uso de

agrotóxicos, na notícia “Rugão ainda por aí” temos a seguinte fala: “É necessário que

todos colonos estejam já de antemão munidos de venenos no caso destes rugões virem

bater sobre suas lavouras”. Nesse sentido, verificamos a incorporação do uso de

veneno, e não de soluções naturais, para o combate às lagartas. Dias atrás, tivemos oportunidade de anunciarmos, sobre o rugão como é mais conhecido, e que a permanência nas lavouras vinha se tornando prejudicial. Julgávamos mesmo que somente este espécime era considerado sua existência em um local já anteriormente citado por nós, como sendo as adjacências do Estádio do Botafogo. Hoje aconteceu o imprevisto, o que não gostaríamos que tivesse acontecido. Chegaram à nossa redação os senhores Hugo Freitag e Arlindo Solf, residentes no Arroio Fundo, e que trouxeram consigo vários desses espécimes que muito prejuízo vem causando principalmente nas plantações de mandioca. Nos trouxeram toda a escala de sua metamorfose, ou seja a sua transformação. Desde o mais novo deste inseto nocivo, até quando já existe a possibilidade do mesmo conduzir-se com o apoio das asas. Assim pudemos dizer, “Muito prazer, rugão, pois ficamos conhecendo todas as fases de sua maligna vida”. Dizem-nos os visitantes que plantações de mandioca no Arroio Fundo foram arrasadas pela praga. Um fato curioso: [...] de acordo com proprietários daquela região, desde onde se criam, nos mandiocais, sua fome voraz é tida somente no sentido do Oeste para Leste, pois de onde se criam partem em busca da alimentação somente para o lado do sol nascente. Segundo nos informaram, deve-se de imediato quebrar o tronco de onde os insetos tiram suas parcelas de comida, pois caso contrário as plantações seriam prejudicadas ainda mais com uma peste que viria prejudicar sua lavoura. Com a quebra dos troncos da mandioca prevê-se daí um retardo nas plantações. É necessário que todos colonos estejam já de antemão munidos de venenos no caso destes rugões virem bater sobre suas lavouras (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

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Visualizando alguns pormenores desta notícia, percebemos que as relações

de proximidade entre rádio e público são estreitas, de tal maneira que os agricultores

apanharam algumas lagartas e levaram-nas à emissora, bem como detalharam o

processo de reprodução do inseto e os danos que causam à plantação de mandioca. Os

agricultores demonstram alto grau de conhecimento sobre a devastação provocada pela

lagarta, explicando, inclusive, a direção que a mesma segue quando de sua

alimentação, ou seja, o sentido Oeste-Leste. Uma das soluções apresentadas pelos

agricultores no combate à praga, consistia na retirada da copada da planta. Utilizando

esta técnica, o desenvolvimento da praga seria retardado. Na seqüência, foi sugerido

aos agricultores que tivessem à disposição inseticidas para o combate ao “rugão”.

Nesse sentido, a fala determina como solução para o problema o uso de venenos e sua

estocagem na propriedade, tendo em vista a prevenção contra um possível ataque.

Os resultados provenientes do uso contínuo de venenos são inúmeros. Mas

os discursos em torno destes problemas e em torno da exaltação do uso dos

agrotóxicos revelam-se de acordo com determinados interesses.

Nesse caso em especial, queremos apresentar dois discursos relativamente

opostos. O primeiro foi ao ar em 1974; já o segundo, foi apresentado em 1975. Mas,

qual seria a novidade depois de tantos discursos apresentados? Ora, na notícia

divulgada em 1974, o tema central referiu-se às intoxicações ocorridas em grande

escala na região. Sobre esse assunto, foram tecidos alguns comentários pelos

engenheiros agrônomos e técnicos vinculados à cooperativa e à ACARPA. Na leitura

feita pelo engenheiro a respeito dos fatos ligados às intoxicações, este “taxou

veementemente de imprudência o que vem acontecendo, de pessoas levadas aos

hospitais devido à intoxicação...”. Cabe ressaltar que a forma mais comum utilizada no

envenenamento das pragas ocorria a partir de um pulverizador costal com um pequeno

tanque e uma mangueira, que, acionado por um motor, jogava veneno a uma distância

de até 20 metros. O equipamento trazia também, acoplada, uma mangueira com 30

metros de comprimento, perfurada, que era utilizada para o uso do veneno em pó. As

atividades que envolviam o envenenamento em pó utilizavam a mão-de-obra de toda a

família, inclusive das crianças. Assim, foram muitos os casos de mortes causadas por

envenenamento e eram comuns os acidentes graves com crianças e adolescentes.

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ENGENHEIRO FALA SOBRE ENVENENAMENTO OCASIONADO PELA PULVERIZAÇÃO OU POLVILHAÇÃO DA SOJA Os últimos acontecimentos relacionados à intoxicação durante a pulverização ou polvilhamento da soja, vêm chamando a atenção de engenheiros agrônomos ou técnicos agrícolas de nossa região, especialmente da ACARPA e Cooperativa [...]. O engenheiro agrônomo que taxou veementemente de imprudência o que vem acontecendo, de pessoas levadas aos hospitais devido à intoxicação, disse ter se deparado há poucos dias com crianças de até 8 anos efetuando esse serviço, caminhando atrás do trator que estava passando inseticida, estando já o menor, com os cabelos e roupa brancos de pó. Inquirindo a criança a respeito, a mesma respondeu que não fazia mal. Isso não pode acontecer e o engenheiro apavorou-se com a resposta da criança que talvez nem estivesse sabendo com o que estava lidando (Frente Ampla de Notícias, v. 19, 21.09.73 a 04.03.74).

No ano de 1975, temos a outra notícia, divulgada com grande ênfase.

Tratava-se da instalação de uma empresa no município que dispunha para venda uma

“poderosa arma para a agricultura”: um pulverizador, denominado de “Canhão”. UM CANHÃO PARA A AGRICULTURA A Mercantil e Industrial G.K. Ltda, pelos seus dirigentes levaram nossa reportagem até as instalações da bem organizada empresa, para uma demonstração especial na manhã de hoje de uma poderosa arma para a agricultura, no combate às pragas. O objeto de uso agrícola se denomina mesmo CANHÃO e, acoplado a um trator agrícola, presta serviços espetaculares. [...] O novo e moderno implemento, cujo reabastecimento é automático, demorando apenas 4 minutos será utilizado na lavoura, sem causar o amassamento de plantas, aplicando inseticidas ou herbicidas com um jato que atinge mais de cem metros, à partir do rodado da máquina. [...] sem nenhuma modificação, o equipo pode ser utilizado em qualquer tipo de cultura. A máquina, segundo técnico pode ser utilizada substituindo a pulverização aérea e tem múltiplas utilidades com adaptações, quando a pessoa terá à disposição um esguicho para a lavagem de carro ou maquinário ou eventualmente para apagar um incêndio. Diretores da Mercantil e Industrial G.K., nos convidaram e especialmente os senhores agricultores para uma demonstração. [...] O baixo custo e o total financeiro colocam o novo equipamento à disposição do homem do meio rural (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).

Imediatamente são elencados os “benefícios” do novo equipamento junto às

propriedades: não danifica as plantas, joga o veneno a longa distância e serve para

todos os tipos de cultura. Mas, o argumento perigoso reside na informação dos

técnicos, quando afirmam que o equipamento poderá executar atividades semelhantes

à pulverização aérea. As exaltações ao novo equipamento não param e afirmam ainda

que, com algumas adaptações, o pulverizador será de grande utilidade na “lavagem de

carro”, “maquinário” ou “eventualmente para apagar um incêndio”. Para despertar o

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interesse dos agricultores, o discurso chama a atenção para as recomendações técnicas,

as múltiplas utilidades do equipamento e a facilidade na obtenção do mesmo, pois,

poderia ser totalmente financiado.

Os dois discursos revelam contradições discursivas. No primeiro (1974), o

agricultor é taxado pelos técnicos de irresponsável e teimoso por não tomar os

cuidados adequados para evitar a intoxicação, tanto sua quanto de sua família. No

segundo (1975), temos novamente a fala dos técnicos, mas, desta vez, enaltecendo o

equipamento chamado canhão e, para isso, usam o poder que a formação técnica lhes

oferece. O uso do equipamento é recomendado tanto para a lavoura como nas

atividades domésticas, tais como a lavagem de carros e outras atividades. Estas

atividades, no entanto, colocam a vida do agricultor em perigo, já que os agrotóxicos

mais comuns aplicados nas lavouras naquele período eram o Gamelhar (em pó) e o

LVC (líquido). Este último era sistêmico, permanecendo por muito tempo junto à

planta. Quando aplicado à soja, grudava em suas folhas, obrigando o agricultor a

diminuir o ritmo na tarefa de arrancar o mato e, em certos casos, impossibilitava a

passagem, feita a pé, entre a plantação. Essa atividade era concluída somente após a

queda das folhas da planta.

Como podemos ver, a preocupação com a saúde do agricultor esbarra nas

necessidades de venda de equipamentos industrializados. Em determinados casos, o

produtor é acusado de imprudência por utilizar-se de equipamentos que colocam em

risco sua saúde e de sua família. Em outros momentos, porém, as pessoas com

formação técnica incentivam a utilização destes mesmos equipamentos. Os discursos,

dependendo dos interesses, seguem caminhos opostos. O regime militar brasileiro muito se aproveitou dessas ambigüidades quando no início da década de 70 mandou publicar no Le Monde de Paris o seguinte anúncio publicitário: “Industriais, venham poluir em nosso país, pois ainda é autorizado” (GONÇALVES, 1984, p. 40).

Esta falta de fiscalização das atividades ligadas ao controle de pragas feito

através de insumos físico-químicos, favorece a proliferação de produtos e

equipamentos importados, devido às vantagens oferecidas a este tipo de atividade

industrial em solo brasileiro. A teoria nos dá a lente para enxergar o objeto deste

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contexto. Para MARTINE, a imagem do novo, do técnico, do moderno, do empresário, tudo que representa um obstáculo ao “moderno” deve ser rejeitado, desprezado ou atacado. Os meios de comunicação de massa quase nada dizem a respeito de outros tipos de movimentos ou grupos de interesses no campo, a não ser para criar o temor da desordem, da bagunça, da ilegalidade e da ameaça representada por eles (MARTINE, 1989, p. 49).

Os discursos elaborados para atender aos interesses de determinados

grupos, após serem transmitidos, são gerenciados e aplicados à pratica de interesses de

outros, causando os problemas ecológicos decorrentes de um processo de modernização desenfreada, provocados pela monocultura acompanhada da aplicação quase indiscriminada e em doses excessivas de fertilizantes e defensivos químicos, envenenando perigosamente o solo e as águas, ameaçando a flora e a fauna, numa agressão brutal à natureza que põe em perigo o equilíbrio do meio ambiente e a própria vida humana (BRUM, 1983, p. 106)

Há um controle e uma ordem centralizada que protege a ação dos bancos e

a comercialização de agrotóxicos, e que interferem, também, nos parâmetros

controladores dos preços pagos aos produtos agrícolas. De acordo com BRUM,

“Quem mais ganha, sempre, são os bancos, as indústrias de insumos e de

transformação, que controlam a comercialização, influenciando os preços tanto do que

o produtor rural compra como do que ele produz e vende” (BRUM, 1983, p. 107).

Ao tratar sobre o abastecimento de hortifrutigranjeiros para Foz do Iguaçu,

o Secretário da Agricultura, Paulo Carneiro, comentou sobre os impactos que seriam

provocados com a construção da Hidrelétrica de Itaipu refletindo diretamente no

abastecimento de produtos para a região. Assim, sob orientação do Departamento de

Produtividade da Secretaria, foi organizada uma comissão representada pela Itaipu

Binacional, Ministério da Agricultura e outros órgãos, para garantir o abastecimento.

Dessa forma, a situação discursiva, ao direcionar o foco para a realidade rondonense,

revela as precárias condições do abastecimento de hortigranjeiros e, ao mesmo tempo,

fala-se da falta de frangos para o consumo. Isso indica que a agricultura tecnificada

absorveu o trabalho do agricultor, não restando mais tempo e espaço para estas

atividades. Com isso, a cidade passa a sentir a carência destes produtos. Lembrando

que, com a fase inicial da modernização aconteceu a retirada da mata, das pastagens e

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das hortas, espaços que foram sendo substituídos e ocupados pelo plantio da soja ou

trigo. Na época, foi estimulada a oferta de produtos enlatados para o consumo; assim,

alguns agricultores passaram a consumir legumes e até frutas, enlatados, chegando até

ao absurdo de comprar alguns produtos, tais como mandioca, em mercados. Por tratar-

se de 1975, período em que o modelo encontrava-se consolidado, ocorre o crescimento

da população urbana. Esse aumento se deu em detrimento das exclusões no campo.

De fato, quando se diz que não há peixes em conseqüência da limpeza de

pulverizadores de veneno junto aos córregos, considerando essa ausência um traço

“normal”, tem-se uma idéia clara da dimensão assumida pelo impacto ambiental.

Destacando “a região não possui frutas e os rios e riachos tiveram os peixes abatidos

pela ação avassaladora de inseticidas, conseqüência normal da lavagem de

equipamentos ocupados na lavoura para a aplicação de veneno”. Na seqüência, a

carência de “hortigranjeiros foi atribuída à especialização que desestabilizou a mão-de-

obra da família”. Logo, o discurso recebe outra dinâmica, justificando que se há terra e

pessoas para trabalhar porque não se retoma à atividade. Os agricultores são

questionados: como “um povo tão trabalhador” permite a extinção de hortas escolares

ou a dependência com relação ao fornecimento de alguns produtos, provenientes de

regiões distantes e com preços elevados. É óbvio que o rumo final da fala sustenta-se

na preocupação com a saúde dos que consomem esses produtos e com os seus preços;

o trajeto final recomenda o retorno do cultivo de tais produtos. ABASTECIMENTO PARA ITAIPU Não possuímos especialmente em Marechal Cândido Rondon, granjas de coisa alguma que possam subsistir ao consumo de uma cidade sequer. Não se tem conhecimento de uma granja de galinhas devidamente organizada; não se pode destacar ninguém que se dedique a atividade hortigranjeira de espécie alguma, de maneira destacada. A região não possui frutas e os rios e riachos tiveram os peixes abatidos pela ação avassaladora de inseticidas, conseqüência normal da lavagem de equipamentos ocupados na lavoura para aplicação de veneno. A malfadada monocultura prejudica e preocupa com o que vem acontecendo agora, enquanto que a atividade horti-fruti-granjeira que absorve mão de obra da própria família do meio rural está parada e por outro lado auxilia a união da própria família [...]. O marasmo em um povo tão trabalhador onde nem sequer hortas escolares funcionam à contento e as populações citadinas das sedes municipais e distritais se vêem obrigadas a pagar somas aviltantes para ter à mesa verduras e legumes que poderiam vir da nossa terra e que vem de longe (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).

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A argumentação toma partido daquilo que divulga, ou, em termos mais

enérgicos, age de acordo com as condições e condutas que quer formar. Portanto, em

alguns casos pode criticar as conseqüências dramáticas da especialização que gera a

falta de legumes; e em outros pode questionar a morte dos peixes. Para evidenciar a

oposição entre falas, temos como exemplo o discurso jornalístico intitulado “Mercantil

G.K. vai dar um Tiro nas Pragas”. A começar pelo seu título, os argumentos anteriores

tratando dos peixes mortos, são postos entre parênteses. Logo, aquilo que era perigoso,

torna-se produto a ser divulgado junto ao público. MERCANTIL G.K. VAI DAR UM TIRO NAS PRAGAS A empresa fará a demonstração de um verdadeiro canhão para a agricultura [...], o novo produto colocado à disposição dos prezados agricultores [...], acompanhada de uma gelada cervejinha aos presentes (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).

Fato curioso: o combate às pragas, recebeu a ajuda até de benzedores ou

benzedeiras. O noticiário expõe sutilmente o tema: os lavradores, ao presenciarem

grande população de pragas como lagartas, desviaram-se do padrão de combate

tradicional por meio de inseticidas — de acordo com as coordenadas indicadas por

agrônomos e técnicas agrícolas, tais como a devida cautela no uso desses recursos

químicos — e solicitaram o “auxílio” de um benzedor. Os trabalhos executados com

base em promessas miraculosas no combate às pragas foram feitos através de práticas

ritualizadas, por meio de pagamento. POLUIÇÃO DAS ÁGUAS POR VENENO Disseram que pessoa benzedeira, independente do tamanho da lavoura, cobra uma quantia razoável [...] de trezentos cruzeiros pelos seus passes de mágica e outras coisas [...]. Não estamos duvidando e nem abusando, pois trata-se de um caso de fé. Mas o problema reside aí: SERÁ QUE OS INSETOS E AS LAGARTAS TÊM FÉ?(Frente Ampla de Notícias, v. 31, 10.12.76 a 26.01.77).

As ocorrências relacionadas à poluição de rios e açudes eram uma constante

durante a implantação e consolidação da tecnificação no campo. Nestes casos, os

atritos entre vizinhos aumentavam. O resultado consta nas permanentes denúncias:

muitos agricultores eram acusados de lançar veneno nas águas dos rios quando eram

executados os trabalhos de abastecimento ou reabastecimento dos pulverizadores.

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Cabe lembrar que os pulverizadores eram equipamentos que possuíam tanques

adaptados ao trator. Um desses primeiros modelos adotados usava um sistema no qual

a água do rio circulava acionando a sucção da água. Com tal sistema o efeito da

contaminação estava nesse caso associado ao próprio funcionamento do equipamento e

não na imprudência do agricultor.

Para entender as constantes trocas de acusações entre agricultores, seria

preciso mostrar dois discursos caracterizando dois momentos discursivos. Assim, no

primeiro, o agricultor foi acusado e julgado pela conduta; no segundo esse agricultor

buscou esclarecer a situação da qual foi acusado. Vejamos.

O agricultor José Statkewski foi acusado de ter tomado uma atitude

irresponsável ao poluir a nascente de sua propriedade. Na ocasião, o equipamento

utilizado seria um pulverizador de sucção, contendo inseticida que estava sendo

aplicado na lavoura cultivada com soja. A argumentação considerou desleixada a ação

do agricultor, indo além ao mencionar a possibilidade de um efeito cascata, pois a

contaminação teria atingido o açude situado nas terras de Antônio José Traceczynski,

vitimando os peixes ali criados. Mas a ameaça da nascente poluída estaria deslocando-

se para outra propriedade, a de Oscar Kaefer, situada a jusante. Esta propriedade

contava com 600 bovinos que bebiam desta água. Além disso, Antônio José

Traceczynski “cuidava”, para outro vizinho, de 17 bovinos e suínos sob sua

responsabilidade. A fala do Delegado Alberto Mayer sustenta a idéia de que as

denúncias recebidas tratando da poluição com venenos depositados nos rios e açudes

eram constantes. Conforme o delegado, os fatos apurados eram encaminhados ao

IBDF para que fossem tomadas as devidas providências. No discurso, falou-se dos

crimes contra a natureza, além do irredutível trabalho dos técnicos. Mas este tipo de

fundamentação já foi observado em outros discursos: como já foi visto, os técnicos

recomendavam, por exemplo, o uso do “canhão” no combate às pragas; além disso, de

acordo com os técnicos, o sistema de sucção que age em contato com água não seria

um problema causado pelo fabricante. POLUIÇÃO DAS ÁGUAS POR VENENO Denunciada ontem à tarde uma ação pouco cautelosa na propriedade do Sr. José Statkewski, junto ao São Francisco, no interior do distrito de Margarida. A utilização

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desleixada de equipamento e manejo no uso de inseticidas, principalmente por ocasião da sucção de água para mistura ideal, de grande utilização em lavouras de soja, poluiu a nascente de água nessa propriedade, que veio a contaminar o açude nas terras do senhor Antônio José Traczynski, matando os peixes que ali tinham seu viveiro [...]. Segundo o Delegado Alberto Mayer, é grande o número de denúncias sobre poluição de rios, riachos, açudes e olhos d’água [...]. Uma outra fonte informou que os fatos serão levados ao conhecimento do IBDF que deverá destacar um fiscal para fazer levantamentos [...] dos danos que causam todos os anos esse agentes poluentes [...]. Técnicos agrícolas não se cansam de alertar para o perigo, e que muito propositadamente ou não, procuram ignorar (Frente Ampla de Notícias, v. 31, 10.12.76 a 26.01.77).

Contudo, observa-se uma total reviravolta dos fatos: o agricultor José

Statkewski, ao tomar conhecimento das acusações, entra em contato com a redação da

emissora de rádio, para dar uma nova versão do que havia acontecido. Mas

especificamente, o agricultor afirmou não ter praticado a contaminação da vertente

com inseticidas, muito menos ser responsabilizado pela morte dos peixes no açude de

Antônio José Traczynski ou da possível contaminação das águas do açude de Oscar

Kaefer. José Statkewski informou que passou inseticida na lavoura de soja no dia 13

de dezembro, o que já dava uma boa margem de tempo. Além disso, o agricultor alega

que dispensa a bomba de sucção, pois entende que a mesma entra em contato com o

veneno e assim contaminaria as águas. É por isto que o agricultor enfatiza ser também

usuário desta água para consumo doméstico, ou seja, a sua família fazia o consumo da

água, portanto não seria ele o causador da poluição, pois na sua propriedade as vítimas

seriam seus familiares. Reforça ainda que instalou uma bomba que não entre em

contato com o veneno quando do abastecimento e, portanto, não admite ser acusado e

responsabilizado pelo que não cometeu. José Statkewski lembrou que mais produtores

faziam uso da água com o mesmo objetivo. Quando inquirido se teria algum suspeito,

o mesmo reportou-se à falta de provas e, por este motivo, não poderia citar nomes,

cobrando as provas da acusação feita publicamente a sua pessoa.

O agricultor finalizou ser sabedor de muitos casos semelhantes e favorável

a uma tomada de atitude em benefício da preservação da natureza, tanto no campo

como na cidade. STATKEWSKI REFUTA SEU ENVOLVIMENTO NO CASO DA CONTAMINAÇÃO José Statkewski compareceu à redação deste noticiário para desmentir seu envolvimento na contaminação da vertente por inseticidas, e que fosse responsável pela morte dos peixes no açude do Sr. Antônio José Traczynski e estaria ameaçando contaminar, por

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extensão, o açude da propriedade do Sr. Oscar Kaefer. Aquela nascente fornece água para todos os açudes. José Statkewski disse que a última vez que passou inseticida na soja, foi dia 13 deste mês e que dispensa a bomba de sucção do pulverizador, tendo [...] instalado uma bomba especial. Diz ele que a bomba de sucção do pulverizador [...] contaminada pelo inseticida, por sua vez contaminaria a água, e como utiliza aquela vertente para o consumo doméstico seria incoerente envenenar, pois poderia ser, ele ou seus familiares, a vítima. Para não correr o risco instalou uma bomba que não entra em contato com o inseticida, e por isso garante Statkewski, não é ele o culpado pela dizimação da fauna aquática do açude do Sr. Antônio José Traczynski (Frente Ampla de Notícias, v. 31, 10.12.76 a 26.01.77)

Novamente temos dois discursos, no primeiro as denúncias em torno dos

envenenamentos das águas ocupam o cenário noticioso de forma irredutível, as

acusações tratavam da excessiva e descontrolada intoxicação e morte dos peixes. Esta

denúncia envolve o agricultor Ervino Storck. Na ocasião, o fato foi levado ao

conhecimento do Departamento de Recursos Naturais Renováveis da Secretaria da

Agricultura e os fundamentos da acusação foram estruturados no envenenamento das

águas do Arroio Arara. Novamente o deslocamento da poluição atinge outra

propriedade situada a baixo de João Risse. Ao que tudo indica, o agricultor foi

multado. De acordo com os arquivos da emissora de rádio, foram constatados outros

casos de contaminação de rios. Vale dizer que os casos verificados continuaram sendo

apontados como elevados e que nem todos os casos foram apurados e os culpados

punidos. DENUNCIADO EXTERMÍNIO DE PEIXES POR VENENO Agricultor Ervino Storck foi denunciado no Departamento de Recursos Naturais [...] da Secretaria da Agricultura por haver introduzido defensivo agrícola no arroio Arara, atingindo as águas que margeiam a propriedade de [...] Risse, em Linha Arara. Verificou-se no local uma grande quantidade de peixes mortos, certamente em razão do envenenamento por mau uso do equipamento utilizado para pegar água no arroio. Além da multa, uma série de transtornos [...] ao infrator que responde a processo. O Dr. Sanches, chefe do Departamento, esteve presente no levantamento realizado. Por outro lado, foram constatados mais dois casos, um em Campos Salles, onde seria responsável Mário Cóttica e [...] de Margarida, tendo sido apontado como transgressor Tadeu Czicza (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).

Vale a pena ressaltar, o segundo depoimento relacionado aos problemas

causados pela contaminação da água. Dessa forma, Tadeu Czicza e Mário Cóttica

procuraram a emissora solicitando esclarecimentos. Conforme o relato jornalístico,

eles teriam sido autuados por poluição das águas através de produtos químicos, mas

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ambos negam que tal atitude tenha vitimado os peixes. Em detalhes, Cóttica informou

ter retirado água de uma “sanga cega” e foi advertido por um bilhete deixado pelos

fiscais da Prefeitura. Passados dois dias, o agricultor teria recebido um Auto de

Infração e foi efetuada a aplicação de multa pela Secretaria da Agricultura. O

agricultor insistiu no argumento de que após a advertência dos fiscais da Prefeitura,

não mais retirou água do rio. Dando continuidade à sua defesa, Cóttica contou que

ocupa água de outro córrego (Sanga Ouriço Preto) e que a captação da água era feita

por meio de um poço denominado de “ladrão”. De acordo com suas palavras, ele

mesmo fez a ligação de um canal de água do rio e, uma vez estando o poço cheio, o

canal era rompido. Essa técnica, segundo o agricultor, não provocaria poluição.

O mesmo agricultor enfatiza que as águas do referido rio foram poluídas em

outros momentos, vitimando os peixes, e esta prática teria sido efetuada por terceiros,

os quais não foram identificados. Sendo assim, os agricultores afirmam não serem os

responsáveis pelo envenenamento das águas. ESCLARECIMENTOS SOBRE O PROBLEMA DA POLUIÇÃO DE ÁGUAS Tadeu Czicza (Títia) e Mário Cóttica, estiveram ontem e hoje, respectivamente, prestando esclarecimentos com respeito à informação ontem divulgada neste espaço noticioso. Ambos foram autuados por poluição química, no entanto, negam [...]que este episódio tenha resultado na morte de peixes [...]. Na notícia ontem divulgada, não haviam sido responsabilizados [...]. Mário Cóttica, de Campos Salles, vai mais além, informando que retirava água de uma sanga para o serviço de pulverização, e que por isso, foi alertado por fiscais da prefeitura que deixaram um bilhete, informando que tal prática era proibida. Dois dias após, recebeu o Auto de Infração nº 15.849 da Secretaria da Agricultura, multando-o por esse motivo. Esclarece ainda que, após a advertência dos funcionários municipais, que lá estiveram pela primeira vez, não mais retirou água daquela sanga (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).

Contudo, a preocupação maior das autoridades estava direcionada ao

aumento da produtividade, sendo que os casos relacionados à contaminação do meio

ambiente ficavam em segundo plano. De fato, o Coronel Mario Stadler de Souza,

presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, esteve no município

proferindo palestra junto aos agricultores, através da qual manifestou o

descontentamento do órgão com relação à falta de uma estrutura consistente para a

agricultura, invocando a necessidade de maiores cuidados com a produção no campo.

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PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA HOJE EM NOSSA CIDADE Em sua palestra o Coronel Mario Stadler de Souza deu conta da insatisfação que a Federação da Agricultura do Estado do Paraná sente em ver que falta uma estrutura mais sólida para a agricultura, um respeito maior à produção rural (Frente Ampla de Notícias, v. 38, 10.09.77 a 21.10.77).

Diversamente do que aconteceu no campo, nas cidades a preocupação com

a intoxicação causada pelas distribuidoras de insumos surgiu bem mais tarde. Como

exemplo disto, podemos observar que a inspeção junto às empresas distribuidoras de

adubos e inseticidas, só era efetuada quando as denúncias de vizinhos de áreas afetadas

direcionavam as atenções da fiscalização para os estabelecimentos encarregados pela

venda de produtos agrícolas. Ora, a prefeitura aparece, no discurso, sensibilizada com

a causa da fiscalização permanente e fala em “proteger nossa comunidade dos perigos

que essas mercadorias passam representar”. Nesta manifestação de apoio à

fiscalização, no entanto, nem sequer são mencionados quais os perigos que esses

produtos poderiam causar ao agricultor quando este mantinha contato direto com os

mesmos.

Por outro lado, a instalação da Coral Fertilizantes foi impossibilitada pelas

manifestações de repúdio da população residente nas imediações, com base em

argumentos sustentados nas conseqüências danosas provocadas por sua instalação,

principalmente os perigos que tais produtos representariam para sua saúde. Em outros

termos, as firmas estabelecidas há mais tempo poderiam permanecer, mas seus

estoques de inseticidas não. Através das deliberações entre representantes municipais e

distribuidoras, a possível saída para o problema foi destinar uma área à margem do

perímetro urbano local, ideal, segundo a proposta, para a instalação de empresas que

atuavam no setor de vendas de insumos desta natureza. Mas esta proposta não saiu do

papel, pois ainda hoje esses produtos são vendidos em estabelecimentos comerciais

localizados no centro da cidade. INSPECÃO EM LOCAIS DE ACONDICIONAMENTO DE INSETICIDAS As empresas distribuidoras de inseticidas e adubos de Marechal Cândido Rondon sofrem a inspeção dos órgãos sanitários visando o bem estar de nossa população [...]. Tendo em vista as exigências dos moradores que se localizam perto das lojas que trabalham com artigos agrícolas, especialmente com inseticidas e adubos químicos, a Prefeitura local

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vem mantendo acirrada vigilância quanto aos problemas de poluição que possam apresentar, principalmente tomando as principais atitudes no sentido de proteger nossa comunidade dos perigos que essas mercadorias [...] representam (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

Toda a dimensão da poluição e seus efeitos nocivos à natureza e ao homem

despertaram preocupações constantes. Com isso, a criação de uma associação

preocupada com a situação do meio ambiente aparece como forma de contribuir para

direcionar as atividades relacionadas à questão ambiental no município. Estas

atividades incluíam o reflorestamento e o uso responsável dos insumos agrícolas. NO INÍCIO DO ANO, UMA ENTIDADE NOVA EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON A idéia de se fazer uma entidade que congregasse estes elementos interessados nos problemas da natureza, surgiu de um grupo de amigos [...], observadores das barbaridades que são cometidas diariamente com o ecossistema, e logo tomou um pequeno vulto, após a realização de vários encontros formais, onde, em conjunto foram discutidos os problemas e as possíveis soluções [...]. É inicialmente interesse da associação estudar uma forma de preservar as florestas ainda existentes no município, bem como estabelecer um programa de reflorestamento. A associação também se preocupa com o sistema agrícola, onde já foi amplamente discutido pelos participantes o mau uso de defensivos agrícolas, como inseticidas, adubos, herbicidas e outros, [...] onde o agricultor muitas vezes, além de destruir a fauna, põe em perigo a sua própria vida e a de seus familiares (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

A expansão da especialização, já consolidada no final da década de 1970,

provocou, portanto, o surgimento de preocupações relacionadas à conservação da

natureza. Mas, esse processo estimula práticas agrícolas estabelecidas nas regras do

mercado e tal sistema prescinde de procedimentos tecnificados no combate às pragas.

Dessa forma, o universo da modernização foi deixando suas marcas, caracterizando os

problemas nascidos com o modelo. Não apenas o homem, mas as aves e animais

também são vítimas de intoxicação.

Vale dizer que as mortes por intoxicação aconteciam em todo o município.

Um exemplo concreto foi constatado no distrito de Entre Rios (atualmente município

emancipado). A vítima foi Anilson Massmann, adolescente de apenas 16 anos.

Durante a execução de atividades relacionadas ao combate de pragas, através do uso

de inseticidas na plantação de soja, o adolescente sentiu-se mal. Com isso, o jovem

retornou para casa e bebeu leite. Pensando estar bem, retomou as atividades

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normalmente. No entanto, ao final das atividades, os sintomas da intoxicação

reapareceram, obrigando seu deslocamento ao hospital, aonde veio a falecer devido ao

agravamento de seu estado. Ao final do discurso, que enfatiza a questão de forma

trágica, são referenciadas as “atividades da área da agricultura” e a fala aponta para as

possibilidades de explicação para a morte: a recusa das informações e a possível falta

de esclarecimento sobre a atividade, bem como sobre os equipamentos de proteção

necessários para tal. VENENO NA LAVOURA FAZ MAIS UMA VÍTIMA São insistentes os apelos quanto ao uso por vezes indevido de defensivos agrícolas e que desde o início da era da mecanização vem ceifando vidas preciosas. Como se não bastasse a mortandade desenfreada de passarinhos, aves e animais domésticos e outros graves problemas enfrentados apesar de que técnicos tem dado conhecimento sobre os perigos, ainda acontecem fatos lamentáveis como estes (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

Para termos uma idéia mais clara dos problemas surgidos com a poluição

causada pelo uso de insumos agrícolas, embora já tenha sido bastante enfatizado, cabe

aqui reforçar com mais um exemplo a dimensão atingida por tais procedimentos,

quando o aumento das aplicações de veneno nas lavouras coincide com a falta de

chuvas. Em outras palavras, nesses períodos foi constatada a elevação de mortes de

pessoas e animais.

Neste cenário, as ocorrências são constantes, ocasionando impactos

ambientais diversos. Conforme a fala de um agricultor do distrito de Margarida, em

seu açude houve a morte dos peixes sem que o agricultor tenha feito qualquer contato

com objetos contaminados com veneno. O mesmo não soube informar com clareza as

causas, mencionou apenas uma remota possibilidade de estranhos terem ocupado a

água e conseqüentemente terem provocado a poluição. A divulgação de outros casos

multiplica-se, e, no mesmo noticiário, é veiculado outro acontecimento dessa natureza

verificado nas proximidades da sede municipal. O último caso despertou no agricultor

o interesse pelo exame da água, mas sua tentativa foi frustrada pela falta de recursos

no município para efetuar tal teste. A medida em que os filhos do agricultor foram

retirando os peixes, os encaminhamentos tomados envolviam a retirada e troca da

água, procurando assim retomar normalmente as atividades, pois a piscicultura era

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uma forma de aumentar a renda familiar, principalmente no período da quaresma. O VENENO AGORA ATINGE AS ÁGUAS DE AÇUDES PROVOCANDO A MORTANDADE DE PEIXES Mesmo recebendo instruções em todo o sentido, esta época têm apresentado um quadro negro no que diz respeito a perda de vidas humanas e animais [...]. O fato não agrada muitos agricultores, especialmente aqueles que constróem açudes e ficam no aguardo do aumento de criação de peixes o que inclusive serve como fonte de renda em épocas certas como a quaresma. (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

A notícia anterior passou a receber, num segundo momento, maior riqueza

de detalhes sobre as causas que provocaram a morte dos peixes. Isto significa dizer

que mais uma vez as fatalidades ocorreram por motivos semelhantes, ou seja, a

poluição das águas via produtos químicos, só que desta vez o veneno causador das

mortes era em pó. Neste caso, provavelmente a contaminação estava vinculada à

localização da propriedade agrícola, situada num vale, e o veneno em pó, com a ajuda

do vento, foi lentamente depositado sobre as águas, ocasionando a contaminação e

morte dos peixes. Desse modo, como a distribuição de “defensivos” agrícolas não

respeita limites entre as propriedades, o veneno poderia ter sido lançado em uma

região próxima do açude. Cabe lembrar que próximo às lavouras estavam os rios,

hortas e pastagens e este processo se repetia em outras localidades. Constatou-se na

ocasião a morte de três mil quilos de peixes. Tendo em vista os acontecimentos, a

reportagem da emissora de rádio contatou um técnico agrícola, que informou que na

Europa esse tipo de veneno tem sua venda proibida há mais de dez anos. No entanto,

de acordo com o técnico, apesar de algumas restrições em nosso país, o uso era

permitido e a falta de controle e a negligência contribuíam para o agravamento do

problema. Sendo assim, o Brasil — assim como outros “países em desenvolvimento”

— aparece como canal para o escoamento de produtos fabricados por multinacionais

ligadas a países onde tais insumos agrícolas eram proibidos de serem utilizados. A

ação das multinacionais tem continuidade devido à lentidão causada pela burocracia. A

polêmica em torno do uso destes insumos, portanto, não impede a atuação destas

empresas no país, já que são estabelecidas medidas paliativas, entre elas o pagamento

de multas, como forma de manter as atividades do setor, mesmo que à custa de vidas

humanas. Isto retarda a adoção de providências mais sérias, pois os gastos das

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empresas, com o pagamento destas multas, não interfere significativamente nos lucros

obtidos com a venda de insumos. 28 SACOS DE PEIXES ESTÃO SENDO ENTERRADOS Foi esse o resultado da mortandade de peixes no açude do Arroio Fundo entre as propriedades dos senhores Freitag e Dietrich como conseqüência da poluição ambiental pela pulverização de lavouras com defensivos em pó [...]. Outras informações a respeito deram conta de que o açude que fica numa baixada no Arroio Fundo ficou coberto com uma nata branca do veneno em pó o que prejudicou grandemente na formação de uma grande e talvez rendosa criação de peixes. Aproximadamente 3 mil quilos de peixes somente nesse açude do Arroio Fundo que foram colocados em 28 sacos e enterrados [...]. Fatos como estes estão prejudicando a natureza e depredando tudo aquilo que possa servir para a própria subsistência do ser humano (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

Além das notícias anteriores, outras informações são divulgadas sobre o

desastre ecológico que levou ao envenenamento dos peixes nas propriedades de Hugo

Freitag e Ehrard Dietrich. Tendo em vista os acontecimentos, ambos recorreram à

Prefeitura Municipal solicitando ajuda para a elucidação dos fatos. Mais uma vez, é

levantada a suspeita de que a morte dos peixes teria sido provocada pela aplicação de

veneno em pó na lavoura, cultivada com soja, situada nas proximidades. O laudo final

contabilizou a morte de 8.000 peixes, com peso aproximado de 3,5Kg cada um. Neste

contexto, a prefeitura providenciou o enterro dos peixes, utilizando, para tanto,

maquinário pesado — tal como as chamadas retro-escavadeiras — o que dá uma idéia

da dimensão do acidente. Em nome dos agricultores, os representantes da

municipalidade buscaram recursos para analisar a água e os peixes afetados,

estabelecendo contatos para uma possível solução do caso. Mas as tentativas se

limitaram a uma série de visitas a órgãos estaduais e federais. O resultado foi uma

coletânea de desculpas, priorizando a “falta de competência, a carência de meios

materiais ou humanos e a inexistência de laboratórios para a finalidade” (Frente Ampla

de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

Aos agricultores restaram os prejuízos e o estigma, sempre lembrado, de

terem sido atingidos por uma das maiores fatalidades de poluição ambiental já

verificadas no município. O valor dado pelos agricultores à criação dos peixes era tão

significativo, a ponto de, em determinados períodos, os mesmos se preocuparem em

liberar peixes do açude com o objetivo de repovoar diversos cursos d’água, vizinhos

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dos açudes, tendo em vista a necessidade de amenizar os ataques à natureza. O término

da reportagem traz algumas respostas para os questionamentos levantados no presente

estudo. PEIXES MORTOS EM AÇUDE a) até quando serão permitidos a fabricação e venda de venenos altamente nocivos ao homem, ao gado, às aves, à micro fauna, aos peixes? b) quando haverá conscientização e efetiva observância quanto a correta aplicação de defensivos agrícolas? c) quando começarão as autoridades responsáveis pelo setor – hoje dispersas em um sem número de órgãos, sem coordenação – a estar presentes, aconselhando, fiscalizando, atuando enfim? (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

Em sua essência, os questionamentos sistematizam a omissão dos órgãos

responsáveis pelo controle e conscientização para uma futura resolução da

problemática. AGENTE FISCALIZADOR CONTA COMO VIU PEIXES MORTOS EM AÇUDE Se pode averiguar que se originou esta mortandade de carpas devido a aplicação nas redondezas de inseticidas em pó, de alto grau tóxico, à cultura de soja, que pelo vento deveria ter atingido as águas [...]. Haviam iniciado a criação de peixes em meados de 1975, tendo se orgulhado sempre mais quanto à rápida e satisfatória expansão do cardume, chegando inclusive, periodicamente, por iniciativa própria, a distribuir em diversos cursos d’água, em vários pontos do Município, regular quantidade de peixes, a fim de dar condições de procriação nos riachos, tentando colaborar assim na reposição da natureza, tão drasticamente em vias de destruição nos últimos anos [...]. Ao que parece a questão requer solução urgente e eficaz, antes que seja tarde demais (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

Os traços apresentados nos noticiários anteriores, no entanto, não surtiram

efeitos consideráveis quanto à necessidade de conscientização sobre os problemas.

Como exemplo disso, em 1979 ainda eram fortes e marcantes os prejuízos causados

pelo uso do veneno junto aos cursos d’água. Novamente é anunciada a ocorrência de

um acidente, desta vez no distrito de Entre Rios. Na ocasião, três agricultores

utilizaram a água de um pequeno rio e um deles teria provocado a poluição. À jusante

do rio residiam mais sete agricultores, os quais também foram prejudicados porque

usavam a água para seus animais. Restou-lhes o trabalho de coleta de milhares de

peixes mortos. A fala menciona os constantes apelos reclamando providências, mas, na

prática, poucas são as ações efetuadas com o objetivo de solucionar os problemas. O

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caso de envenenamento da sanga, segundo o advogado Alberto Mayer, era complexo e

difícil de ser resolvido pela inexistência de testemunhas. NOVA DENÚNCIA DE POLUIÇÃO POR INSETICIDA Três agricultores passaram inseticida em suas lavouras – Albino Stein, Romeu Backes e Leo Ripp – e um deles teria se utilizado de modo totalmente incorreto das águas da Sanga Golondrina, ao retirar água diretamente da sanga através de uma mangueira, que acabou por poluir aquela corrente d’água [...]. A fauna aquática está sendo dizimada, e os apelos insistentes até agora parecem não ter ressonado, dado a que, a cada poucos dias, novas denúncias se somam às já existentes, indicando os caminhos da destruição a que o homem está se expondo (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).

Os problemas causados pelo uso de veneno nas propriedades agrícolas

migram do campo para o perímetro urbano. De acordo com as palavras de um técnico

agrícola, o mesmo procurou mobilizar a atenção das pessoas para as aplicações de

inseticidas nas lavouras próximas da cidade. Como exemplo, pode ser citada a

aplicação de veneno em plantações de soja situadas próximas a áreas residenciais,

onde podia ser observada a formação de um “nevoeiro de veneno” que afetava

diretamente os moradores destes locais. Estas atividades eram realizadas em áreas com

densidade populacional elevada. O técnico chamou a atenção para a marca do produto

(DL-50) de alto grau tóxico, pois, absorvido pelo organismo humano, era capaz de

produzir danos sérios à saúde. CRIANÇAS CORREM SÉRIOS RISCOS DE INTOXICAÇÃO POR INSETICIDA A advertência foi feita pelo técnico agrícola Genésio Rebelatto, ao situar uma ocorrência dos últimos dias, quando foram passados inseticidas em áreas de plantio no perímetro urbano de Marechal Cândido Rondon [...]. De acordo com ele, estava sendo passado inseticida numa área plantada com soja, entre o BNH e a Vila conhecida como Gramadinho, onde estão localizadas as residências da maioria dos ensacadores da Cooperativa. A área, considerada urbana, está localizada entre dois núcleos de densa população, e uma vez que a plantação está próxima à rua Sete de Setembro, a nuvem de inseticidas, empregados para o combate as pragas, atingia as crianças que brincavam nas proximidades e muitas das residências próximas à plantação, estas, no núcleo da Cooperativa. Destacou o técnico agrícola, o alto grau de toxidade do produto utilizado DL-50, uma vez que o organismo absorve resíduos, que são altamente prejudiciais à saúde (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).

Ainda no mesmo ano, a poluição migra de Entre Rios para Linha Curvado.

Desta vez, a contaminação ocorre num afluente do Arroio Curvado, tendo como

suposto responsável o agricultor Lotário Herwich. O acontecimento novamente foi

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investigado pelo delegado e, segundo testemunhas, o agricultor retirou água do rio por

meio de uma mangueira rompida, através da qual o veneno teria sido despejado na

água. Com a visita do delegado ao local, constatou-se a morte de carpas de até 4,5kg e

a poluição se estendeu por aproximadamente 2 Km. No local também foi encontrado

um frasco de veneno (“Endrin 25-10”). Quanto à dimensão do acidente, foram

constatadas as marcas por onde o veneno escorreu, queimando a vegetação, e não foi

descartada uma nova contaminação, que poderia ser provocada pela ocorrência de

chuvas, carregando novamente o inseticida para o córrego. O delegado finaliza

dizendo que se houvessem outras ocorrências, os agricultores poderiam procurá-lo,

inclusive nos feriados, pois estaria disposto a tomar providências. Evidencia-se, no

entanto, que as medidas tomadas pelo delegado, tais como vistorias e instauração de

inquéritos para apurar os casos, na maioria das vezes, não tiveram resultados. INSETICIDAS VOLTAM A POLUIR Um novo caso de envenenamento de água, e em conseqüência a morte de milhares de peixes se registrou num pequeno córrego, em Linha Curvado [...]. O delegado Alberto Mayer está ouvindo testemunhas que flagraram o agricultor retirando água do córrego, utilizando uma mangueira que continha uma rachadura, por onde retornava o inseticida que veio a poluir a corrente d’água. O delegado Mayer compareceu ao local e constatou que numa extensão de 2 mil metros, era grande a quantidade de peixes mortos [...]. Um vidro de inseticida Endrin 25-10 jogado há pouca distância da corrente d’água foi retido pelo delegado de polícia. Uma pequena quantidade do líquido inseticida escorreu tendo inclusive queimado a grama existente. Basta que a chuva leve aquele resíduo e novamente teria seqüência a poluição do córrego (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).

A preocupação com o meio ambiente, de acordo com os engenheiros

ambientais do Instituto de Terras e Cartografia, levou à sistematização e divulgação de

informes envolvendo a orientação sobre os perigos presentes na execução das

queimadas e do desmatamento sem controle, além dos cuidados a serem observados

quando do contato com pulverizador e embalagens de venenos junto às águas dos rios.

A pesca era permitida somente aqueles pescadores registrados e que utilizassem

materiais recomendados. Contudo, podemos questionar a eficácia dos alertas, pois há

que se ter em mente também a necessidade de um trabalho de acompanhamento in

loco dos problemas, tais como aqueles relacionados à poluição dos rios, pois a efetiva

orientação aos agricultores poderia ser feita de forma prática, através de

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recomendações feitas nas propriedades dos mesmos, contribuindo de forma mais

eficaz para a diminuição das agressões à natureza. INSTITUTO DE TERRAS ALERTA A POPULAÇÃO Alcione Antonio Alba – Engenheiro Florestal e João Del Antonio integrantes da equipe do Instituto de Terras e Cartografia sediados em Marechal Cândido Rondon, tendo em vista os momentos de estiagem por que passa a região, realizaram um alerta à população, especialmente no interior, 1º sobre o uso indevido do fogo, cuidando o máximo das matas e evitando queimadas. 2º Evitar desmatar as propriedades, fazendo somente com autorização, preservando os 20 por cento exigidos por lei. 3º Não jogar inseticida ou carregar tanques de pulverizador diretamente nos rios ou jogar embalagens tóxicas nas águas de rios ou riachos. Quanto à pesca, o instituto está alertando sobre a necessidade de portar carteira de pescador bem como acatar decisões de equipes fiscalizadoras no setor. (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).

Os efeitos da mecanização, surgidos com o desmatamento indiscriminado

das matas na região Oeste, bem como com o uso irracional de insumos químicos,

levou à necessidade de ações, aplicadas em conjunto pela ACARPA e pela Prefeitura

Municipal. Entre estas ações, estava a promoção de palestra com o professor José

Lutzember, de Porto Alegre – RS, especialista em assuntos ecológicos. Para

participarem do evento, os agricultores poderiam fazer suas inscrições no escritório da

ACARPA. Como o local escolhido para a realização da palestra foi a cidade de

Cascavel, os custos da viagem ficaram por conta da Prefeitura. Como podemos ver, em

função das poluições descontroladas, aos poucos, foram surgindo manifestações

ligadas a atividades de conscientização sobre a preservação do meio ambiente. AGRICULTORES DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON VÃO ASSISTIR UMA PALESTRA COM O PROFESSOR LUTZEMBER A vinda do professor a Cascavel, através da ACARPA, órgão do Governo interessado e que promoveu essa palestra, deve-se ao fato de que o Oeste do Paraná é uma das regiões onde houve maior desmatamento e se registra o maior consumo de adubos químicos, fertilizantes e herbicidas (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

O teor da fala do professor engenheiro agrônomo José Lutzember,

apresentou possibilidades em desenvolver uma agricultora por meio da adubação

orgânica. Este sistema, de acordo com o palestrante, possibilitaria um mecanismo de

defesa da natureza, através da obtenção de produtos mais saudáveis. No decorrer da

palestra, os agricultores apresentaram muitos questionamentos com relação à

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substituição dos insumos químicos por alternativas orgânicas. Na ocasião, fizeram-se

presentes vários representantes rondonenses que estabeleceram contatos com o

palestrante, com o objetivo de realizar a palestra em Marechal Cândido Rondon. AGRICULTORES DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON FORAM OUVIR O AGRÔNOMO JOSÉ LUTZEMBER EM CASCAVEL O Engenheiro Agrônomo José Lutzemberg, conferencista internacional, veio à Cascavel proferir uma palestra sobre ecologia no sábado último [...]. Baseado em adubação orgânica, José Lutzemberg defende a teoria de que em solo sãs, produziremos plantas sãs e sem pragas para serem combatidas quase que semanalmente, pois as plantas, segundo ele, terão capacidade de se autodefender (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

Novas alternativas para melhorar a produção, como podemos notar, é uma

constante junto aos agricultores.

Como exemplo, além do cultivo da soja no verão, aparecem propostas para

fazê-lo também no inverno. A rotação de culturas também é sugerida como forma de

evitar o empobrecimento do solo. Com relação a esta proposta, na vitrine de uma

empresa especializada no setor de insumos agrícolas, no centro da cidade, é realizada a

exposição da “colza”, uma oleoginosa para o inverno. Outra vez os discursos colocam

em cena “uma nova e rentável opção para o meio rural”. A fim de atrair o público,

foram expostas sementes, fotografias com plantações, prospectos divulgando as

diferentes variedades do produto. O fator clima também recebeu destaque, já que as

sementes seriam ideais para enfrentar as adversidades climáticas. Foram apresentados

em detalhes os rendimentos, as formas de colheita e a adaptação para o plantio direto

(podendo receber aplicações de herbicidas). A argumentação persuasiva procura

apresentar agricultores interessados em realizar o cultivo dessa cultura. Mas, essa

proposta não obteve resultados expressivos, pois não houve adesão ao cultivo da

“colza”. CERESER S.A. FAZ O LANÇAMENTO DA COLZA, A NOVA CULTURA DE INVERNO Utilizando-se de uma vitrine da Casa Rieger, no centro da cidade na avenida Rio Grande do Sul, a Cereser S. A. está hoje e à partir desta data, fazendo o lançamento oficial da COLZA, uma nova cultura de inverno. O demonstrativo feito por Cereser S.A. inclui todos os dados da oleoginosa de inverno que tornar-se-á uma nova e rentável opção para o meio rural [...]. É prática para o plantio direto e, quando a semente nasce em meio à

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outra cultura, pode-se aplicar herbicida para folha larga (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

Contudo, paulatinamente, ocorre a implementação de técnicas que visam

renovar as esperanças dos agricultores em dias melhores surgidos com o aumento da

produção. Entre estas técnicas, a incorporação do plantio direto, alicerçado no uso de

“defensivos” nas lavouras, foi uma das mais relevantes. Para KAGEYAMA, nesse

sistema “observa-se uma complementaridade com a mecanização, como ocorreu com a

disseminação das técnicas de plantio direto no Paraná, por exemplo, que levaram a um

aumento acentuado do consumo de defensivos” (1987, p. 46).

Os problemas ligados à erosão continuam na ordem do dia. O debate gera

preocupação junto às autoridades ligadas ao poder público, que realizam visitas no

sentido de observar de perto os problemas. O plantio direto é adotado tendo em vista a

necessidade de conservação do solo.

Em visitas posteriores, as vistorias dos representantes da prefeitura

constataram que, mesmo com as chuvas intensas, não foram diagnosticados casos

sérios de erosão. Entretanto, essa metodologia de cultivo necessita da aplicação de

herbicidas, principalmente em sua fase inicial. Num segundo momento, pode ocorrer a

capina na forma tradicional ou mecânica. Sendo assim, o sistema de plantio direto

aparece como alternativa para diminuir os problemas provocados pela erosão,

decorrentes, por sua vez, do desmatamento descontrolado. No entanto, visto por outro

ângulo, o aumento na aplicação de herbicidas provoca danos consideráveis ao meio

ambiente e à vida humana. EROSÃO PREOCUPA. SECRETÁRIO VISITA LAVOURAS O plantio direto se caracteriza pela aplicação de herbicidas para eliminar a primeira produção de vegetais, e em seguida vem o plantio, devendo posteriormente ser feita a carpida normal (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

A liturgia da mecanização devastou matas e recursos hídricos do município,

atropelados pela destruição e poluição constantes. Como podemos notar através das

reportagens, muitas vezes a natureza não tinha tempo para a recomposição, pois novas

agressões impediam tal processo. Os desastres provocados na região não prejudicaram

apenas a animais e plantas, mas também aos agricultores que pagaram, em alguns

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casos, com suas próprias vidas o preço cobrado pelo progresso. Os inseticidas, os

adubos e herbicidas aplicados nas plantações de forma desordenada — principalmente

aqueles ligados ao sistema de especialização e produção extensiva, tais como soja e

trigo —desencadearam desequilíbrios tanto na área rural como nas cidades.

3.2 CONSERVAR O SOLO, AGORA, É PRECISO

Neste item do trabalho, buscamos apresentar considerações relacionadas

aos efeitos danosos ao meio ambiente provocados pelo processo de modernização

agrícola implantado no município de Marechal Cândido Rondon. Procuramos mostrar

como o impacto ambiental causado por este processo não aparecia nos discursos em

favor da implantação de técnicas modernas de cultivo e de que formas são justificadas

as medidas a serem adotadas para reverter os estragos causados na natureza. O estudo

visa identificar, sobretudo, as contradições presentes nas relações que configuram tal

processo, já que a modernização agrícola, num primeiro momento, é apresentada como

chave para o progresso; com o passar dos anos, os efeitos danosos provocados pelo

desmatamento mecanizado e o uso de agrotóxicos, entre outros, revela que o progresso

indicado anteriormente possui limitações.

Entender a relação entre conservação de solos e tecnificação no campo

propagada por ideais capitalistas, requer observar os silêncios do discurso. Assim, de

imediato temos a construção da mecanização, a qualquer preço, mesmo que para isso,

as pessoas devam deixar de lado certos costumes e os substituam por agitadas

atividades envolvendo desmatamento e plantação mecanizados. O espaço reconstruído

pela voraz retirada da mata acontecia mesmo esta estando ainda verde e o solo era

compactado pelas esteiras do trator. Em termos poéticos, os sons da mata cederam

espaço ao ronco dos tratores e o luar da noite dividiu espaço com as luzes artificiais

dos faróis da mecanização; já a luz do dia aparecia tímida entre a concentração de

fumaça ocasionada pela queima da mata enfileirada nas leiras.

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Foto 8 – Destoca: a ação do trator de esteira

Esta foto destaca a dinâmica da destoca: o trator escava a terra, provocando a abertura de uma vala devido à retirada da árvore. FONTE: Acervo particular de Lia Dorotéia Pfluck.

A falta de cuidados com o solo, principalmente no período inicial de

ocupação das terras, era uma constante e a idéia de que, após a realização das

queimadas, o surgimento de terra “nova” se daria, de imediato, era errônea. Assim

escrevem-se as primeiras linhas da subjugação do solo aos interesses implantados

oficialmente pelos estímulos capitalistas. De acordo com Miriam Zaar, “o trator, usado

na destoca para posterior plantio, se destacou como carro-chefe do aparato maquinário

que permitiu a mecanização das atividades agrícolas” (1999, p. 54). Em razão disso, a

ocupação direta ou indireta do espaço prejudicaram o solo, o que culminou, mais tarde,

em frustrações de safras. Diante disso, os técnicos que vinham acompanhando com

mais atenção o processo da mecanização, sugerem, através de um programa na

emissora de rádio, a construção de terraceamento e curvas de nível, sistemas de

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proteção do solo indicados para amenizar os problemas causados pelas fortes chuvas

verificadas em determinadas épocas. A QUEBRA DA SAFRA DE SOJA A seca ocasionada durante um período de 26 dias [...] e a erosão, especialmente nos locais onde a terra foi mal preparada por falta de terraceamento e curvas de nível, foi verificada na safra de soja regional (Frente Ampla de Notícias, v. 26, 23.03.76 a 17.05.76).

Com a cristalização do problema, surgem as erosões nas lavouras

cultivadas, acentuadas pelas fortes chuvas. São muitas as reclamações dos técnicos

acerca da resistência dos colonos em não seguir as orientações recomendadas para a

conservação do solo. As mudanças que ocorreram nas lavouras interferiram nas

relações entre os produtores vizinhos: o agricultor que não preparava a terra de acordo

com os cuidados recomendados para evitar problemas — tais como o acúmulo de

águas da chuva em suas propriedades que levavam para o leito dos rios sementes,

plantas e grandes quantidades de terra — era acusado de omissão, o que gerava certos

atritos. E é neste momento que técnicos agrônomos manifestam o discurso da

conscientização, alicerçado na tradição dos colonos de deixar suas terras para os filhos

como herança; caso a devastação continuasse, não haveria mais terra, já que ela seria

consumida pela erosão. Muita gente que havia preparado a terra e inclusive realizado o plantio da soja em suas mais diversas variedades já reclamaram sobre a queda de chuvas torrenciais que em localização mais dobrada já lavaram as lavouras, produzindo prejuízo de toda sorte. Mesmo com as informações que partem dos agrônomos, sobre a necessidade de plantio dentro de um padrão técnico, muita gente [...] escapou à observação feita, preferindo permanecer no sistema hereditário [...] mentalidade errônea e com isso, somar prejuízos. Outros reclamam, dizendo [...] ter procedido de acordo com o que manda a técnica e simplesmente coloca a culpa no vizinho que não procede assim e, a água que corre da lavoura [...] é que vem em prejuízo próprio. Enquanto não houver uma conscientização [...] a respeito desse fato sempre haverá prejuízo. [...] o papel da agricultura é deveras importante, mas a técnica deve ser obedecida [...] sob pena de passarmos aos nossos filhos, uma região devastada, um grande e imensurável DESERTO (Frente Ampla de Notícias, v. 30, 21.10.76 a 10.12.76).

A não-conservação do solo apresentou problemas no tocante à fertilidade,

pois as camadas mais ricas em nutrientes eram levadas pelas águas da chuva. Dessa

forma, a expansão e o cultivo de lavouras mecanizadas corre o risco de comprometer a

produção devido à degradação do solo. Este quadro de conseqüências pode ser inscrito

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no rol das “estratégias políticas que levam aos grandes projetos nacionais, os quais,

articulados a um contexto nacional, são introduzidos através da ideologia, na forma de

pensar e de agir dos cidadãos, tornando-se de interesse geral da nação” (ZAAR, 1999,

p. 27). Assim, com propósitos distintos, os discursos ligados a interesses específicos

sugerem medidas a serem adotadas pelo grupo visando ao bem estar de todos;

entretanto, as ações são direcionadas de tal forma que garantissem a continuidade do

processo em curso, mesmo que com prejuízos para os agricultores e para o meio

ambiente. CHUVAS PREJUDICAM A AGRICULTURA As fortes chuvas que caíram na região colocam a agricultura numa situação delicada. É a erosão que leva o “humus”, ou seja, a camada fértil da lavoura, jogando-a nas estradas, dificultando o trânsito, ou em outros casos, as águas carregam-nas para os rios. Por outro lado, a soja [...] é prejudicada e a que está nascendo é carregada pela enxurrada (Frente Ampla de Notícias, v. 31, 10.12.76 a 26.01.77).

A difusão do plantio de novos produtos recebe estímulos baseados em

metas provenientes, em muitos casos, de empresas multinacionais, que atuaram junto

aos produtores rondonenses. As atividades eram elaboradas pela coordenadoria

regional e o conjunto destas atividades era estendido aos coordenadores locais. A

estratégia buscou a influência dos profissionais da educação para fazer “brotar” seus

projetos no tocante à conservação do solo. CONCLUÍDO CURSO DE CONSERVAÇÃO DE SOLO O curso de atualização em conservação de solos, parte integrante de projeto multinacional [...] conta com a ajuda da coordenadoria regional em conjunto com os coordenadores locais, que optaram pela inclusão de professores e através deles poderá se atingir a grande parte da população rondonense (Frente Ampla de Notícias, v. 33, 01.03.77 a 31.03.77).

Entre as estratégias utilizadas para amenizar os problemas causados pela

erosão podemos destacar a adoção de critérios que forçaram os agricultores a se

conscientizarem da necessidade de conservação do solo em suas propriedades. Na

prática, as exigências provenientes das instituições governamentais forçam os

agricultores a comprarem sementes selecionadas, pois, caso não procedessem dessa

forma, não teriam suas lavouras seguradas pelo PROAGRO. As estratégias de difusão

do modelo são marcadas pela fusão de interesses do capital bancário e industrial,

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destacando em suas palavras que “a conservação do solo antes de uma exigência

constitui necessidade que deve ser observada pelos homens de bom senso, e que fazem

da agricultura a base do sustento próprio e da família rural”. A mudança de padrões foi

consolidada a partir de argumentos calcados nos valores prestigiados pelos

agricultores, tais como a noção de “homem de bom senso”, reafirmando que o

agricultor deve fazer da agricultura sua fonte de sustento. Na verdade, estes

argumentos “a partir de dois conceitos dicotômicos: tradicional e moderno, buscam

através da ideologia formas que justificam as causas [...]. Levam, portanto, as pessoas

a acreditar que o fato de transformar o tradicional em moderno levaria ao

desenvolvimento” (ZAAR, 1999, p. 30). PROAGRO DA SOJA, SÓ PARA QUEM FIZER A CONSERVAÇÃO DO SOLO Quem fizer o custeio bancário, está obrigado a fazer o plantio da soja com semente fiscalizada, para ter direito ao PROAGRO. Este programa de Garantia da Atividade agropecuária, instituído pelo governo, está em funcionamento desde a safra de trigo de 1975 e vem atendendo agricultores e produtores quando existe uma ocorrência adversa, a frustração de uma safra [...]. Para este plantio da soja, uma das exigências será a observação quanto à conservação do solo [...] compreende o plantio em nível, ou cotando as águas, sendo da mesma forma constatada a exigência de curvas de nível onde o terreno for inclinado a mais de 3%. Luiz Carlos Zanini, da ACARPA local, se referiu à respeito pois muitos agricultores, mesmo sabendo do assunto, fizeram o plantio sem respeitar as exigências. A conservação do solo antes de uma exigência constitui-se necessidade que deve ser observada pelos homens de bom senso, e que fazem da agricultura a base do sustento próprio e da família rural (Frente Ampla de Notícias, v. 38, 10.09.77 a 21.10.77).

Com o objetivo de controlar os proprietários de terras, os representantes da

agricultura organizaram a programação da ACARPA e, entre as atividades, constava

uma solicitação ao Ministério da Agricultura, visando incluir o município de Marechal

Cândido Rondon na Lei de Conservação de Solo: Decidiram os representantes que deverá ser solicitado ao Ministério da Agricultura que Marechal Cândido Rondon seja incluído nos municípios da Lei de Conservação de Solo, considerado uma grande necessidade, principalmente pelas fortes chuvas que normalmente se apresentam na região (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

O estímulo à conservação do solo aconteceu de forma multifacetada, com a

atuação de diversas autoridades ligadas ao poder público. O pano de fundo da

preocupação esconde a face real que a conservação do solo pretende, ou seja,

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assegurar a produtividade. Ao apresentar a necessidade da conservação das estradas

para o escoamento da produtividade, é mencionada, conjuntamente, a preocupação

ambiental. PREFEITO E SECRETÁRIO DE VIAÇÃO VÃO PERCORRER ESTRADAS MUNICIPAIS Sob pena de perdermos o precioso solo, maior capital que o município possui, teremos de adotar medidas previdentes em conjunto com os outros órgãos ligados a agricultura e conservação do meio ambiente. O chefe do executivo classificou o resultado das fortes chuvas como um verdadeiro desastre ecológico que está roubando o solo dos agricultores e destruindo produções. Quanto às estradas, disse o prefeito Verno Scherer, é um problema sério que na maioria das vezes provém de outros problemas, como por exemplo, a erosão nas lavouras, que além de eliminar a água para as estradas, traz consigo toneladas de terra que são depositadas nas baixadas formando inúmeros atoladores, tornando as estradas quase impossíveis de trafegar (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

Na verdade, a preocupação com as lavouras de soja cresce na mesma

proporção que aumenta a erosão, conforme podemos observar no discurso jornalístico.

Temos assim a introdução de um novo elemento na busca de soluções para controlar a

erosão: o plantio direto, sistema que elimina a necessidade de arar a terra. Com uma

semeadeira adaptada para este fim, o plantio acontece mais rapidamente. Com a

adoção do sistema, surge a dúvida se realmente o agricultor iria incorporar o novo

modelo. Apesar de suavizar a erosão, com o plantio direto se dá o uso abusivo de

herbicidas antes do cultivo, como forma de combater as ervas daninhas. Além disso, o

sistema dispensa o uso do cultivador e, junto com ele, o trabalhador que realizava tais

atividades. Assim, o novo modelo, mais sofisticado, é também mais econômico.

Acoplado ao eixo dianteiro do trator, o equipamento (cultivador) é

controlado pelo próprio motorista, executando as mesmas manobras do trator. Os

herbicidas, de odor extremamente forte, passam a fazer parte do ar respirado na região.

Além disso, outra conseqüência direta está relacionada ao desemprego, já que muitos

trabalhadores rurais, os assim chamados “bóia-frias”, lamentam não terem mais

trabalho. EROSÃO PREOCUPA: SECRETÁRIOS VISITARAM LAVOURAS Trata-se de lavouras onde o plantio de soja foi feito direto, sem lavrar a terra, com um implemento especial adequado para efetuar esse tipo de plantio sem que a terra esteja

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previamente lavrada e preparada[...]. Em virtude do grave problema causado pela erosão em suas lavouras, passaram a efetuar um plantio direto, algumas lavouras a mais de três anos e outras mais recentes, e o resultado obtido é considerado extraordinário [...]. É impressionante o controle da erosão, o que se constitui numa grande expectativa para os agricultores e também das autoridades, ficando apenas uma pergunta: Será que os agricultores se adaptariam a esse tipo de plantio, caso seja definitivamente comprovado o seu resultado, sem contra-indicações? Queremos crer que possa ser o início de um caminho, muito próximo do desejado por todos neste município, e também de toda a região (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

Sobre este aspecto, é preciso destacar os argumentos de MARTINE (1989)

no que diz respeito à tecnificação e seus efeitos nocivos ao ecossistema em geral: A preocupação com a nocividade da mecanização e a utilização de insumos químicos do pacote tecnológico prevalecente para o solo, os rios, a fauna, a flora e o próprio organismo humano – particularmente em vista da necessidade de doses cada vez maiores de fertilizantes e defensivos – têm gerado uma polêmica mundial. A degradação de solos e a ocorrência generalizada da erosão são piores justamente naquelas áreas onde o pacote tecnológico obteve mais êxito, isto é, nas áreas de monocultura extensiva (MARTINE, 1989, p. 39).

Para fins comparativos a “Nota à Imprensa número 446/79” da Prefeitura

Municipal, divulgada pela Chefia de Comunicação Social, apresentou os resultados da

reunião com o então prefeito Verno Scherer, na qual um conjunto de temas pertinentes

à conservação do solo foi discutido. Novamente o palco foi ocupado por integrantes do

secretariado municipal, vereadores, representantes de cinco agências bancárias, chefe

da ACARPA, coordenador regional de conservação de solo da ACARPA de Toledo e

agrônomos. A ocasião contou também com a presença de representantes da Secretaria

da Agricultura do Estado - núcleo de Cascavel, do DER, do presidente da cooperativa,

de engenheiro técnico e do presidente do sindicato dos trabalhadores.

As questões que envolvem a conservação do solo são confusas para muitos

dos agricultores. Como visto anteriormente, a história se repete, pois — tal como

ocorreu com o desmatamento — as regras do jogo mudam drasticamente de um

momento para o outro: o agricultor que optou pela mecanização como forma de

aumentar a produtividade, agora se vê obrigado a conter os prejuízos causados ao solo

com tal sistema. Um dos requisitos para a obtenção de financiamentos passa a ser

então a conservação de 20 % da propriedade com mata nativa ou para reflorestamento.

Como argumenta F no texto que segue:

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O gerente do Banco do Brasil [...] nós se conhecemo. Quando veio o Banco do Brasil pra Rondon [...] começamo pedi financiamento para tal e tal, tantos alqueires [...]. Depois, mais um pouco, 20% tem que deixá da área [...] e foi assim (F, 05 mar. 1996).

As curvas de nível isoladas não foram consideradas suficientes para deter a

erosão. Desse modo, foi estabelecido um conjunto de regras para combater a erosão,

com destaque para a construção de microbacias através de crédito bancário. Como já

observamos em outros documentos anteriores, somente seriam concedidos

financiamentos mediante a conservação do solo, tendo como critérios de avaliação das

propostas encaminhadas aos bancos a existência de iniciativas, por parte dos

agricultores, de práticas que não agridam ainda mais a terra, tais como o plantio direto,

o plantio em faixas, a extinção da queima da palha, o reflorestamento da mata ciliar, o

reflorestamento das beiras de estradas, o planejamento melhorado das estradas, a

adubação orgânica, a formação de desaguadouros com a vegetação, entre outras. Além

disso, os agricultores não receberiam o auxílio do PROAGRO caso a lavoura não

estivesse nos padrões de conservação, tidos como ideais. Na íntegra, as dez sugestões

são: 10 SUGESTÕES FORAM ANALISADAS PARA COMBATER A EROSÃO A primeira sugestão é em relação a formação de microbacias dentro de áreas específicas, vinculando o crédito a conservação de solo. Esse trabalho já foi iniciado pela ACARPA e continua até o próximo ano no período entre safra soja/trigo [...]. Um item muito recomendado pelos técnicos nessa conservação, seria o vínculo de crédito bancário, cuja liberação segundo eles, deveria acontecer somente mediante a conservação feita adequadamente de acordo com as recomendações exigidas [...]. Em seguida foi proposta a discussão, o sistema de plantio direto, inclusive com exemplos práticos no município de muitas lavouras que estão sendo acompanhadas pelos técnicos da ACARPA e também da municipalidade [...]. Uma complementação dessa forma de plantio que seria a de plantio em faixas alternadas, em virtude de algumas plantas serem menos e outras mais propensas aos efeitos causados pela erosão [...]. A proibição da queima de palhas considerada um dos maiores males possíveis para destruição do solo como também o reflorestamento às margens dos rios e riachos foi bastante defendido, principalmente, para conter as águas antes de chegarem e despejarem toda a terra neles. Nas margens das estradas deveriam ser plantadas vegetações permanentes para impedir o desmoronamento excessivo dos barrancos nas estradas [...]. A sugestão de um planejamento melhor nas estradas, que contribuem consideravelmente para o desenvolvimento dos aguadouros, destruindo além das lavouras, também as estradas. Adubação verde foi bastante cogitado, pois segundo os técnicos o teor de matéria orgânica em maior quantidade deixa o solo menos propenso a erosão [...]. Formar desaguadouros com vegetação, para que o escoamento da água possa ser feito sem prejudicar os canais. Também o uso excessivo de grades deverá ser bastante combatido de ora em diante, pois seria também grandemente prejudicial a manutenção do solo fofo [...]. Junto aos bancos será definitivamente

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solicitado o vínculo de crédito, para que nenhuma lavoura tenha mais investimentos sem na prática fazer a conservação de solo, inclusive ficando sujeita, toda a lavoura que não estiver devidamente conservada, a não obter o auxílio do PROAGRO (Frente Ampla de Notícias, v. 58, 12.12.79 a 28.01.79).

Em certa medida, o discurso indica um pensamento homogêneo diante das

propostas e destaca as metas e programas governamentais, tendo como prioridade,

agora, a conservação do solo. Muitas destas atividades de conservação foram

realizadas, tais como a construção de microbacias, a adubação verde, o plantio direto,

a readequação paulatina das estradas e a reposição da mata ciliar. No entanto, alguns

destes procedimentos revelaram-se desastrosos, principalmente a adoção do sistema de

plantio direto, já que o mesmo prescinde do uso intensificado de agrotóxicos.

3.3 COMÉRCIO LOCAL: DIFERENCIAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DE

RIQUEZAS

No tocante às atividades de comercialização dos produtos e animais, os

agricultores enfrentaram vários problemas relacionados aos calotes que foram

aplicados no ato de venda de seus suínos. Muitos compradores usavam estratégias

como o desconto do ICM, Imposto de Circulação de Mercadorias, para conseguirem

um desconto de até 40% na compra de produtos dos pequenos agricultores. ATENÇÃO SENHORES COLONOS PARA ESTE AVISO DA FISCALIZAÇÃO Agricultor, não inscrito como Produtor, não desconta o Imposto de Circulação de Mercadorias quando vende seus produtos. A Fiscalização tomou conhecimento que há compradores de suínos que chegam a descontar do colono, até 40 por cento na compra. É contra a lei. O artigo 31 da lei nº 5463 de 31 de dezembro passado, diz que ninguém pode descontar o ICM do pequeno agricultor (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

Já na manchete “A Agricultura em Foco”, a imprensa, de forma imparcial,

menciona os baixos preços dos produtos e faz uma comparação destes preços com o

salário mínimo, remuneração através da qual sobrevivem muitas famílias na cidade, ou

seja, o argumento era de que o atual preço dos produtos agrícolas e a situação dos

agricultores não estavam tão ruins se comparadas à grave situação das pessoas que

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viviam na cidade e que dependiam única e exclusivamente do salário mínimo. O

discurso possui fortes traços de sustentação da política governamental adotada no

período, principalmente ao afirmar que “devemos ser otimistas” e também “mais

pacientes”, pois, apesar das promessas não terem sido cumpridas era preciso dar um

crédito ao então governo Costa e Silva que com certeza deveria dedicar sua atenção,

em especial, à agricultura e pecuária. Para finalizar, a reportagem estende um convite

aos ouvintes: “vamos para frente, para o bem do Brasil, e da região do este do

Paraná”. No dia de ontem, tivemos oportunidade de conversar com vários senhores agricultores, e foi debatido o problema da crise do dinheiro e do baixo preço dos produtos. Porém, fazendo uma comparação com o salário mínimo, com a cerveja, sal e farinha, ainda com os preços de outras épocas, o amigo do interior não está em tão maus lençóis como o elemento da cidade [...]. Devemos ser otimistas, e encarar a situação com mais otimismo, e ter um pouco mais de paciência. O povo está cheio de promessas, mas comparando com o que já foi feito, acreditamos que o governo de Costa e Silva, venha na realidade ajudar em tudo, principalmente à agricultura e pecuária. Vamos para frente, para o bem do Brasil, e da região do oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).

Com as estratégias de incorporação e indução de novas técnicas, a emissora

de rádio procura reforçar os objetivos propostos com a modernização, alertando para a

o fato de que as novas técnicas eram imprescindíveis para a exportação de suínos.

Com bons reprodutores, a produtividade aumentaria e os lucros também. Mas, de que

lucros falavam? Vejamos o depoimento de um dos agricultores a respeito dos baixos

preços oferecidos aos agricultores: Nóis comecemo criá porco, tinha bastante comprador de porco aqui em Rondon. O preço era muito antigamente: a gente vendia um quilo de porco e tomava 34 cervejas. Agora dá 34 quilo por uma cerveja. Muda tudo... (A, 19 fev. 1996).

A construção discursiva é parte integrante e atuante na formação de um

pensamento e, neste caso, direcionado ao desenvolvimento da suinocultura e ao

mercado exportador. A solução indicada para resolver os problemas relacionados aos

baixos preços passou a ser direcionada então ao aumento da produtividade. Para tanto,

são importados suínos “de raça”. A imprensa jornalística considera o acontecimento

algo “simbólico” para a região. Na fala, aparece como elemento fundamental para esta

nova forma de obtenção de lucros a intermediação realizada pelo Ministério da

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Agricultura, tendo em vista tornar o município destaque na exportação de suínos. Os

agricultores puderam assim adquirir suínos com até seis meses de idade e a forma de

pagamento foi feita nas seguintes condições: uma entrada no valor de 18%, e o

restante poderia ser pago em seis meses. O PEDIDO AO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA O ministério da agricultura sentiu o desejo de ver ainda um Marechal Cândido Rondon como exportador de bons suínos. Aqueles que fizeram o pedido de suínos ao ministério da agricultura poderão procurar os reprodutores suínos, dirigindo-se à prefeitura [...]. Melhores raças, mais produtividade, muito mais renda (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).

A desconstrução discursiva revela, no entanto, os interesses vinculados ao

Frigorífico Marechal Cândido Rondon S. A. que “precisou” de suínos para o abate,

fato que se justifica no incentivo dado à criação de suínos baseada em padrões

técnicos. Na manchete seguinte, podemos verificar uma desavença entre a direção do

frigorífico – patrocinadores do programa na rádio - e a direção da ACARPA. O

programa abordou aspectos relacionados ao cooperativismo, assunto que não

interessava à direção do frigorífico: por ser uma empresa privada, o incentivo ao

cooperativismo surge como empecilho aos seus interesses comerciais. Note-se a

censura imposta ao programa no que se refere aos temas que deveriam ser tratados, já

que o “o dito programa deveria ser exclusivamente para esclarecimento aos

agricultores, de assuntos agropecuários e domésticos”. Conforme se verifica na citação

acima, havia uma seleção dos temas que deveriam ser tratados com os agricultores. Os

debates não eram bem-vindos, pois poderiam provocar modificações significativas no

que se refere ao posicionamento dos agricultores com relação à empresa, e isso não era

algo a ser incentivado. ESCLARECIMENTO A direção do Frigorífico Marechal Cândido Rondon S.A. Ind. e Com., comunica aos seus acionistas e amigos, que no programa de ontem nesta emissora [...] do qual os mesmos são patrocinadores, programa este que sempre esteve ao dispor da ACARPA, o engenheiro agrônomo da ACARPA debateu e discorreu sobre assuntos de Cooperativa, sem a devida autorização da direção do Frigorífico M.C.Rondon S. A. Ind. e Com. para palestras desta natureza. Por isto esclarecem os responsáveis desta empresa e patrocinadores daquele programa, que não endossam aquelas informações e nada tem a ver com cooperativas, não assumindo nenhuma responsabilidade com respeito ao assunto

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ventilado em seu programa de ontem, dia 11 deste mês, mesmo porque não tinham conhecimento de que o assunto de cooperativa seria debatido naquele programa, uma vez que o dito programa deveria ser exclusivamente para esclarecimentos aos agricultores, de assuntos agropecuários e domésticos (Frente Ampla de Notícias, v. 3, 12.07.67 a 11.03.67).

Esclarecer os agricultores sobre cooperativas não se enquadra nos assuntos

agropecuários e domésticos. Portanto, tais temas não devem ser abordados.

O processo de tecnificação atinge também a estrutura operacional do

frigorífico que é definido como marco norteador da industrialização no município. São

estas manifestações, articuladas aos propósitos sensacionalistas do progresso e

representadas por determinados grupos, que fazem uso do poder de comunicação que o

rádio possui. Todo esse contexto faz da suinocultura: um ramo da produção industrializada no campo, contribuindo para o aumento da demanda de produtos tais como o milho, soja e produtos sanitários mais adequados às raças estrangeiras. Soma-se a isso uma drenagem de investimentos oficiais no setor, via bancos de desenvolvimento e assistência técnica (LIBARDI et al, 1991, p.93).

Cabe mencionar ainda a atuação do rádio no que se refere à publicidade da

empresa patrocinadora do programa, pois, em diversos momentos, a atenção do

público é direcionada ao acompanhamento de visitas às instalações do Frigorífico

Rondon. Os termos empregados na maioria das intervenções jornalísticas divulgam

idéias com interpretações particulares e favoráveis à industrialização. Na medida em

que as visitas aconteciam com certa freqüência, foram apresentadas também as

atividades dos diretores, enfocando sua dedicação na organização do empreendimento.

Em detalhes, a tecnologia recebe destaque, sendo associada ao aumento da produção.

No discurso, as chaminés do frigorífico eram consideradas um emblema do

progresso. Ao enaltecerem a obra, estimulavam a necessidade da visita da população

ao local. Esses aspectos foram, no contexto da exclusão, ressaltados no entusiasmo da

reportagem que se referiu aos dirigentes como “agentes de coragem e espírito pioneiro

de nossa gente” (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69), ou seja, o

recurso de relacionar as características dos gerentes da empresa ao pioneirismo —

palavra esta bem conhecida pelos agricultores — e a utilização do termo “nossa gente”

— forma informal usada comumente pelos rondonense — fortaleciam a confiança dos

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agentes cooperativistas junto à comunidade. O FRIGORÍFICO DEVAGAR MAS SEMPRE A reportagem desta emissora aproveitou uma hora de folga ontem à tarde para dirigir-se ao local onde está sendo montado o Frigorífico Rondon Limitada, um empreendimento de vulto que será o marco inicial da industrialização do nosso município (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

A comercialização de suínos, no entanto, era cercada por um ambiente de

incertezas. A falta de preço adequado e as crises constantes comprometiam as vendas.

Como se pode observar nos programas jornalísticos, as crises na suinocultura tomavam

proporções maiores. Diante disso, são solicitados constantemente auxílios ao governo

do Estado. Na ocasião, foram mantidos contatos, inclusive, com o Secretário da

Fazenda, Rubens Bailão Leite. As divergências das informações geravam situações

contraditórias: aplicam-se recursos e técnicas modernas na criação de suínos —

incentivando o progresso e a solução de problemas; porém, o preço e o comércio de

suínos continuam a preocupar os agricultores. Em outros termos, há um esforço

concentrado apenas no aumento da produção, em detrimento dos valores pagos aos

agricultores quando da comercialização dos animais. O PREFEITO FALOU COM SECRETÁRIO DA FAZENDA POR TELEFONE, sendo que imediatamente o Dr. Rubens Bailão autorizou a redução de preço constante nesta pauta. Deve já ter sido emanada ordem às agências arrecadadoras da região com relação a este acontecimento. O senhor secretário, pediu escusas ao senhor prefeito, e quiçá possa estar entre nós em outra época. Este problema sobre a pauta do suíno [...] vem já de bom tempo preocupando a todos, e o prefeito estava apreensivo quando soube que firmas em nossa região haviam suspendido a compra deste produto colonial. O caso mereceu a atenção e agora parece que todos sentiram um alívio em suas realizações comerciais (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Nos anos setenta, com a modernização agrícola, paulatinamente vão

surgindo as primeiras indústrias no município. Acompanhando de perto este processo,

as emissoras de rádio convidam a comunidade para fazer uma visita à Indústria e

Comércio de Cereais Moinho Rondon Ltda., sem deixar de citar os nomes dos sócios

do novo empreendimento: Helmuth Kant, Helvino Gebauer e Walter Kant, como

forma de conceituar a notícia junto aos ouvintes. A reportagem enfatiza que, no

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referido moinho, foi instalado um mecanismo com rodas, proveniente do Rio Grande

do Sul. As atividades executadas no moinho consistiam na fabricação de farinha de

milho. Movido por energia elétrica, tinha uma capacidade para moer 200 sacas de

farinha de trigo por dia, além de descascar arroz. Na reportagem da emissora de rádio,

verifica-se a influência deste empreendimento, principalmente no que tange à

representação dos interesses industriais e comerciais, condicionando a introdução das

inovações técnicas: “procuramos propulsionar o progresso, não deixamos de nos

alegrar por ver o espírito empreendedor e progressista de nosso povo” (Frente Ampla

de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69). Esse forte elemento discursivo induz

eficientemente os argumentos calcados no desenvolvimento “progressista” e

tecnológico. MAIS UMA INDÚSTRIA NA CIDADE A reportagem desta emissora teve ocasião de visitar na tarde de ontem a mais uma indústria, que vem colaborar no crescimento e progresso da cidade e município. Visitamos ontem à tarde a Indústria e Comercio de Cereais Moinho Rondon Ltda, que se dedica à industrialização do trigo, milho e arroz (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

Retomando o contexto histórico das exportações, verificamos que os

elementos produtores de novos hábitos contribuem significativamente para atender às

necessidades do mercado externo: A alteração de hábitos alimentares, com o objetivo de liberar carne para o mercado externo, merece ser comentada. Sabe-se da ineficácia dos programas de alteração dos hábitos de alimentação, propalados pela FAO (técnicos de linha neomalthusiana) na década de 60, que viram na soja, aves e suínos, possibilidades de composição da dieta básica alimentar da população em países desenvolvidos. Essa dieta básica alternativa teria suas principais matrizes tecnológicas em multinacionais norte-americanas e suíças. Elas se faziam acompanhar de uma série de campanhas publicitárias e, geralmente, atingiam apenas as classes médias da sociedade, com padrões de consumo mais sofisticado (LIBARDI et al, 1991, p.93).

Assim, novamente a visita da reportagem às dependências do Frigorífico é

transmitida em detalhes, bem como todo o processo técnico no abate dos suínos. A

comunidade é convidada a presenciar o processo de produção da indústria.

Esse convite para uma visita às instalações do frigorífico informava a

pretensão de levar ao conhecimento dos agricultores as atividades técnicas

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empreendidas com base em maquinário moderno. Mas, o objetivo principal da visita

estava centrado na mostra da produção de salsichas, e o argumento utilizado foi

meramente um instrumento comunicativo e atrativo na busca de consumidores para os

produtos fabricados. FRIGORÍFICO E UMA NOVA MATANÇA Os diretores do frigorífico receberam os técnicos e partiram para o serviço para que pudesse ser comprovado o funcionamento das máquinas, ao término da apresentação de um trabalho bem executado e os seus produtos [...]. Os técnicos que estão em nossa cidade e prestam serviço no frigorífico, são técnicos em matança e salsicharia. Dentro de mais um ou dois dias já teremos oportunidade de provar os primeiros produtos elaborados por uma indústria que é nossa, algo de que podemos nos orgulhar (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

O acompanhamento dos índices de produtividade da agricultura e pecuária

rondonenses é feito por engenheiros agrônomos ligados ao Ministério da Agricultura.

Como pode ser observado ao longo do trabalho, eram constantes as visitas de

representantes do Ministério da Agricultura às unidades produtivas da região, tendo

como objetivo principal recolher dados com vistas à elaboração de projeções sobre o

rendimento da safra. A atitude de comandar os passos da agricultura, em 1969, está

vinculada às visitas realizadas às propriedades, inclusive para acompanhar de perto a

execução das atividades agrícolas, orientando os agricultores sobre a necessidade de

acompanhar os dados referentes ao comportamento climático.

Os cuidados e informações relacionavam-se à implantação de um sistema

racional de controle da produção no campo. A coleta de informações possibilitou os

contatos com o prefeito municipal, que organizou uma reunião com representantes do

sindicato, extensionistas da ACARPA, membros do governo do Estado e comerciantes

locais. Na pauta da reunião, mais uma vez, foram estabelecidos os procedimentos de

projeção e confirmação da safra no município. ENGENHEIRO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA: O ASSUNTO É A SAFRA Chegou à Marechal Cândido Rondon, estando na prefeitura municipal, o engenheiro agrônomo Dr. Jair Rodrigues de Carvalho, do Ministério da Agricultura. Como acontece todos os anos, equipes do ministério da agricultura, percorrem todos os municípios fazendo junto às prefeituras as previsões de safras para o decorrer do ano. Na ocasião, têm-se a oportunidade de juntamente com várias autoridades e pessoas entendidas no assunto, levar em dados as previsões de safra para controle do governo. Ao meio do ano,

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é feita a observância se durante a safra tenha ocorrido alguma seca, ou alguma coisa que tivesse ocasionado um desaprumo na previsão da safra. Tudo isso foi feito aqui em Marechal Cândido Rondon, e hoje é feito o levantamento da confirmação da safra passada. O senhor prefeito municipal confirmou à nossa reportagem, que pelas 11 horas teria uma reunião marcada com funcionários da municipalidade, membros do sindicato rural, funcionários da ACARPA, da coletoria estadual e comerciantes de nossa cidade, para tirar desta reunião a confirmação da safra (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Se observarmos bem, o programa jornalístico apresenta um elemento novo

entre os representantes do município, que até o momento permanecia ausente em

convocações que tratavam das questões da safra, tecnologia e outros. A definição do

modelo traz procedimentos confluentes entre agricultura e indústria, daí o motivo pelo

qual representantes do comércio passam a marcar presença nestas reuniões.

Os diversos discursos levam idéias de “progresso” que são introduzidas no

cotidiano rural. É um modelo baseado exaustivamente nas novas tecnologias,

direcionado por interesses e pressões políticas que, em muitos casos, buscam afirmar a

ampliação do número de indústrias. Esse movimento de idéias e objetivos direcionados

às “necessidades” da criação de indústrias, apenas sugeriu preocupações com o

agricultor. O que realmente recebeu atenção foi a intensificação do modelo.

A comercialização dos produtos agrícolas foi movida pelas altas e baixas

nos preços. A problemática envolvendo os preços dos suínos mais uma vez aparece

nos discursos jornalísticos. O sindicato passa a “colher assinaturas” dos produtores

rurais, visando solicitar soluções imediatas junto aos representantes governamentais no

que se refere aos problemas surgidos com os baixos preços. Se retomarmos o discurso

anterior, poderemos verificar que os representantes do Ministério da Agricultura se

faziam presentes, mas cuidando apenas da safra de cereais. As respostas às solicitações

são as mesmas e as coordenadas recebidas eram: trabalhar mais, ter esperanças e não

desanimar.

Em vários discursos, observando os procedimentos relacionados à

disseminação de técnicas modernas, verificamos que muitos deles visam

exclusivamente à consolidação de modelos inovadores, principalmente quando falam

em progresso e aceleração da rotina no campo, ancorados em argumentos, ao mesmo

tempo, desenvolvimentistas e excludentes. Contudo, os apelos feitos em momentos de

crise eram calcados na fé e na esperança de dias melhores que deveriam ser

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depositadas nas ações dos representantes políticos.

SINDICATO JUNTOU BOM NÚMERO DE ASSINATURAS Numa demonstração de fé e esperança nas forças governistas, que venham a influenciar até que se tenha o preço razoável desse produto, 1.148 criadores assinaram o abaixo assinado endossando o ofício que seguiu para as autoridades governamentais (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

Um abaixo assinado exigindo melhores preços dos produtos pode ser

compreendido como “demonstração de fé e esperança nas forças governamentais”?

Com relação à introdução de novas técnicas na suinocultura, por exemplo,

cabe retomar algumas situações cotidianas que refletem as transformações

transcorridas no meio rural. No início, o agricultor possuía alguns suínos criados

através de sistema extensivo, ou seja, os animais eram criados soltos ou confinados em

chiqueiros rudimentares. Esses animais eram alimentados com sobras das refeições das

famílias e com milho, mandioca e pasto. A criação de suínos era destinada

principalmente à subsistência das famílias. Esta forma de criação foi lentamente

recebendo outros aparatos, sustentados no discurso do aumento da produtividade,

agregando interesses vinculados a uma produção destinada ao comércio. Melhor

dizendo, para atender às necessidades incentivadas pelo frigorífico instalado em

Marechal Cândido Rondon. Aos poucos, o milho e a mandioca usados na alimentação

dos suínos são substituídos pelas rações industrializadas. A água proveniente do riacho

trazida pela roda d’água até o chiqueiro é coisa do passado, pois, com a energia

elétrica, o poço recebe uma bomba elétrica que substitui a manual. A caixa de cimento

é substituída por uma mais moderna; a água é canalizada até o chiqueiro e os “cochos”

de madeira são retirados e em seu lugar são instalados recipientes apropriados, ou

seja, mais “modernos”.

Apesar dos problemas com os baixos preços pagos pelos suínos, a difusão

dos produtos mantém seus objetivos de incorporação e extensão ao consumo de

produtos provenientes da indústria. Para impulsionar a incorporação destes produtos,

eram realizadas reuniões nos salões da comunidade local. Os encontros eram

programados por indústrias, as chamadas “firmas de representação”, tais como a Nutri

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Oeste Ltda., representante de uma linha de produtos agropecuários, conhecida como

distribuidora Purina. Os produtos para os animais, como rações e concentrados, eram

difundidos entre os produtores rurais por depositários situados no município e pelo

estabelecimento comercial Eggers & Cia. Mais uma vez temos a presença dos

agricultores, direção da ACARPA, do sindicato rural e, com destaque cada vez maior,

os representantes do comércio. Estes últimos, que em fases anteriores apareciam

timidamente, agora eram os organizadores dos eventos. A divulgação dos produtos foi

realizada, portanto, por meio de palestras, projeções de slides e filmes. Todo este

aparato de demonstração foi montado por entidades já conhecidas pelo agricultor. A

força discursiva estrutura seus argumentos na idéia de que a reunião vai de encontro

aos “interesses dos nossos agricultores”. Contudo, o conteúdo das conferências

contemplava a nutrição dos animais e a criação de suínos com técnicas modernas,

benefícios ofertados pelas empresas comerciais.

Na ocasião, foi mencionada a presença de um técnico da Purina e do

Deputado Roberto Wipich. A atenção dispensada à realização da reunião manifesta

uma opinião discursiva persuasiva: “aconselhamos os senhores agricultores a se

fazerem presentes” (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69), reforçada

pelo acesso gratuito. IMPORTANTE REUNIÃO DE AGRICULTORES NO SALÃO WAYHS A firma de Produtos Agropecuários Nutri Oeste Ltda, distribuidores Purina, concentrados e rações para animais de todos os tipos, está convidando por intermédio dos depositários nessa cidade, a firma Eggers & Cia, aos senhores agricultores, a direção da ACARPA, aos dirigentes do sindicato rural e a todos os interessados para assistirem hoje à noite às 8:30 horas a uma importante série de conferências, projeção de slides e filmes de alto interesse para os nossos agricultores. A palestra de maneira especial versará sobre nutrimentos para animais, custo do suíno e a criação moderna e a técnica da suinocultura. Um técnico da Purina estará presente e é esperado também para essa reunião o deputado Roberto Wipich (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

As oscilações da suinocultura permaneciam, apesar dos incentivos ao

aumento da produtividade. Assim, de acordo com as informações veiculadas pela

Rádio Difusora, até meados da década de 60, a suinocultura apresentou considerável

participação na economia da região; mas, nos anos seguintes, passou momentos de

crise no que se refere à comercialização. Apesar dos problemas, a suinocultura teve

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uma parcela de rentabilidade expressiva durante as frustrações das safras. Com isso,

houve um crescimento na comercialização de suínos. No entanto, o Frigorífico

Rondon vai à falência e quebra com as expectativas de comercialização dos suínos. O

discurso inicial sobre a instalação do frigorífico, definido como agente do progresso,

parece não encontrar sustentação.

No que se refere às atividades comerciais com o frigorífico, o agricultor

vendia o produto mediante a assinatura de uma Nota Promissória Rural que podia ser

descontada nos bancos, sendo que a mesma era emitida pelo frigorífico e avalizada

pelo agricultor. Essa responsabilidade do suinocultor, como avalista, era motivo de

preocupações. Assim, o Sindicato Rural e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

realizaram uma reunião em busca de soluções. Os valores descontados nos bancos

foram de grande monta. As dificuldades geradas pela falência do frigorífico

provocaram reações junto aos agricultores que, mais uma vez, pediram a intervenção

do governo do estado para que o ônus não fosse repassado ao agricultor. SINDICATOS PEDIRÃO INTERFERÊNCIA DO GOVERNO PARA SALVAR SUINOCULTOR A suinocultura até a metade da década de 60 se constituiu num importante fator econômico para a região, passou por momentos de crise, e ultimamente começou a ser reanimada. Embora não chegasse a atingir a rentabilidade dos anos 60, passou a se constituir numa opção para o agricultor, para enfrentar a frustração de safras (Frente Ampla de Notícias, v. 40, 03.12.77 a 16.01.78).

As grandes plantações, associadas à idéia de progresso, em muitos casos,

provocaram crises tanto na suinocultura, como visto acima, como também na

comercialização dos cereais.

No ano de 1978, um dos programas jornalísticos divulga a carência de

milho no mercado e a falta de estímulo para a criação de suínos. Com a falta do

produto no mercado, os preços aumentaram, reanimando assim as expectativas dos

agricultores, que passaram então a cultivar milho. Com a possibilidade de uma super

safra, os preços, no entanto, sofrem uma redução significativa: dos 140 cruzeiros

pagos por saca na época da carência do produto, passou para 120 cruzeiros na colheita

do produto. O preço mínimo fixado em 108 cruzeiros a saca, teve seu preço final

fixado em 80 cruzeiros. Essa desvalorização do produto desestimulou os agricultores.

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SUPER PRODUÇÃO DE MILHO FAZ CAIR O PREÇO Primeiro a falta de milho, depois a importação, tudo fez até por desestimular a criação de suínos especialmente dada à dificuldade de se conseguir o produto [...]. O milho chegou a atingir o preço de 140 cruzeiros a saca, e praticamente não existia o produto. O preço, no entanto, era estimulante para os produtores que partiram para o plantio. [...] Antevendo uma super-produção, como de fato acontecerá, o preço já caiu para 120 cruzeiros a saca (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).

Gostaríamos de chamar a atenção para um discurso que foi ao ar em 1970:

trata-se de um comunicado para os agricultores e representantes do sindicato. Este

comunicado divulgava estudos feitos acerca dos preços pagos pela saca de soja. Para

tanto, uma reunião foi organizada e contou com a presença de integrantes da Comissão

de Financiamento à Produção, vindos do Rio de Janeiro. O encontro aconteceu na

cidade de Toledo. Os representantes da Comissão eram funcionários “do alto escalão”

do Banco do Brasil que marcaram notável presença como forma de reanimar o

agricultor e reforçar o cultivo. O discurso incentiva a presença de todos os agricultores

vinculados à produção de soja para, juntos, buscarem um preço justo no mercado para

o produto. REUNIÃO PARA ESTUDO DE PREÇO DO SOJA Uma reunião da Comissão de Financiamento à Produção, que virá do Rio de Janeiro, com pessoas ligadas com a produção, e sindicato rural, para debater os preços da comercialização deste produto cuja safra deste ano deverá ser das maiores de todos os tempos. Essa comissão é composta de altos funcionários do Banco do Brasil e a participação nesse debate é interessantíssima, devendo tanto os produtores como o sindicato se munirem de estatísticas, levantamentos de despesas e custo, para pedir um preço que seja justo e que realmente, pagando o esforço despendido, concederem margem de lucro ao produtor (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

Simultaneamente às constantes crises da suinocultura e do milho, reforçou-

se o cultivo mecanizado da soja. Desse modo, a exportação de soja cresceu

significativamente, alcançando, em 1980, 1.668.665 toneladas, cerca de 90% a mais do

que no ano anterior. A produção de milho também apresentou crescimento: 45% maior

do que no ano de 1979. A dinâmica da produção recebeu todos os cuidados no período

de sua implantação, mas passou por grandes turbulências causadas pelas vendas

enfraquecidas e a sua dependência ao mercado externo.

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SOJA EXPORTADA ATINGE MAIS DE UM MILHÃO DE TONELADAS O Brasil já exportou até novembro deste ano, 1.668.665 toneladas de soja, o que significa 90% a mais do que as exportadas no ano passado neste mesmo período. As informações são do Grupo Executivo de Movimentação de Safras da CIBRAZEM. O informe acrescenta que, quanto ao milho, foram embarcadas até novembro de 80, 45% a mais do que em 1979 (Frente Ampla de Notícias, v. 69, 12.80).

De modo particular, as medidas tomadas em torno dos preços dos produtos

(animais e cereais) foram cercadas de atenção, de acordo com o momento e os

interesses. Todavia, não esgotam suas possibilidades de articulação, tendo em vista os

objetivos configurados pelas necessidades de expansão do cultivo e da criação de

animais, a partir da abertura do mercado.

3.4 COOPERATIVISMO: “A UNIÃO FAZ A FORÇA”

Uma forma de reorganização local da produção familiar acontece a partir da

estruturação de cooperativas: “Trata-se de uma produção agrícola em que a ‘produção

familiar’ é a base histórica de sua formação. Porém a própria expansão do capitalismo

a recria, redimensiona e transforma a produção agrícola à qual se vincula o

cooperativismo em questão” (CORADINI, 1982, p. 14).

No relato do extensionista H, há referências ao papel da ACARPA

(EMATER) na organização das cooperativas: “Depois, nos anos 70, praticamente as

cooperativas passam a existir. Então a gente pode ver que a EMATER foi um órgão

fundamental na organização das cooperativas” (H, 05 mar. 2001).

Em Marechal Cândido Rondon temos a Cooperativa Agrícola Mista

Rondon Ltda. – COPAGRIL20. Com a criação desta cooperativa, temos uma série de

manifestações divulgadas pela emissora de rádio, através do programa “Informativo

Copagril”. Apesar de não enfocarmos mais detalhadamente tais manifestações no

presente trabalho, os discursos de técnicos agrícolas, diretores e outros representantes

20 Ver GERKE, Arno Alexandre. Copagril : uma análise do cooperativismo no Oeste do Paraná. Curitiba, 1992. Dissertação (Mestrado em História) – UFPR.

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públicos que estão arquivados na Rádio Difusora, servem de importante referencial

para a pesquisa. Na programação da referida rádio encontramos notas (documentos)

que foram ao ar na íntegra assinados pelos dirigentes da cooperativa.

No período que antecede à fundação da cooperativa no município, eram

constantes as reuniões com a presença de técnicos em cooperativismo como a de

Henry Kerber, vinculado a Delegacia Regional do INDA – Instituto Nacional do

Desenvolvimento Agrário do Paraná. Além disso, nas reuniões marcou presença Luiz

Mendes de Lima, técnico em comercialização agrícola, também do INDA. Além

disso, as reuniões contam com a colaboração de pessoas ligadas ao Sindicato Rural,

líderes rurais representando os distritos e extensionistas da ACARPA. A estruturação

do cooperativismo tomou corpo e o mecanismo de ampliação do processo que recebeu

incentivos do INDA, da ACARPA, foi coordenado mediante convênio desses dois

órgãos com o Sindicato Rural que efetuou a campanha de estruturação ativa do

cooperativismo. O INDA, através de seus agentes, fez-se presente nas reuniões, bem

como coordenou cursos para um grupo de agricultores. Sua equipe visualizou a

formação de um comitê pró-organização de uma cooperativa no município. O discurso

destaca a atuação do INDA na região, principalmente na implantação da eletrificação

rural. O cooperativismo é tratado como algo mágico, com efeitos benéficos ao

agricultor, atribuídos principalmente à comercialização da produção. TÉCNICOS DO INDA ESTIVERAM EM REUNIÃO COM LÍDERES RURAIS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON Esta reunião podemos afirmar que foi o primeiro passo no movimento cooperativista em nosso município. Foram discutidos vários aspectos do problema, chegando-se a conclusão que havia necessidade de uma ampla campanha de Doutrinação Cooperativista, que será efetuada pelo Sindicato Rural em convênio com a INDA e a ACARPA (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

No presente trabalho, não temos a pretensão de esgotar o tema cooperativa.

Contudo, buscaremos mostrar elementos concretos para compreender a atuação da

cooperativa junto ao processo de modernização. A gestão do cooperativismo está

calcada no discurso dos representantes governamentais que vêem nesta forma de

organização o fio condutor do bem estar social e econômico. Todo esse processo de

incorporação recebe os subsídios pautados na coletividade e na educação e preparação

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do homem do campo como meta a ser atingida através do projeto de concretização do

cooperativismo. Assim Esses produtos agrícolas, num primeiro momento, e outros, mais tarde, representam a introdução e progressiva consolidação de uma nova forma de produção agrícola no sul do Brasil, em outras bases e com outro processo produtivo, agora estreitamente integrado e subordinado à agroindústria e às políticas estatais (CORADINI, 1982, p. 27).

Na verdade, o Estado e as cooperativas se fundem afetando os agricultores

numa perspectiva educativa, redefinindo assim os conceitos desses trabalhadores. A

educação no campo descarta a agricultura até então praticada. Lentamente são

formulados os exemplos de atualização, ou seja, a incorporação de técnicas pensadas e

construídas com a supervisão de olhares atualizados, principalmente no que tange à

construção do espaço mecanizado. Sobre esta questão, Kageyama afirma que “a

organização de pequenos e médios agricultores cooperativados possibilitou, já na

década de setenta, a difusão da mecanização entre produtores de menor poder de

compra” (1987, p. 41).

As raízes do cooperativismo são lançadas pela comissão organizadora da

Cooperativa de Marechal Cândido Rondon. Em detalhes, tratando da cooperativa,

sugere-se discursivamente a participação de todos e atribui-se o sucesso da mesma ao

empenho despendido pelos agricultores. O quadro da difusão do cooperativismo

sustentou seus argumentos nas “necessidades” criadas com a comercialização dos

produtos agrícolas e da pecuária. Alusões eram quase que diariamente lançadas pelas

falas e as estratégias firmaram suas marcas no argumento solidificado de que a “união

faz a força”. Em outros termos, cooperação: matriz dos antagonismos espaciais, onde a

ciranda dos interesses fixou raízes. DIA NOVE DE AGOSTO SERÁ DATA HISTÓRICA PARA A COOPERATIVA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON A Comissão Construtora e Organizadora da Cooperativa de Marechal Cândido Rondon, demarcou o dia 9 de agosto, com Edital de Convocação, para a Assembléia Geral de Fundação da Cooperativa de Marechal Cândido Rondon, cuja sede será em Marechal Cândido Rondon com área de ação em Marechal Cândido Rondon e municípios vizinhos, segundo decisão na última reunião de Cooperativismo do dia 26 de julho passado. Portanto está definida a situação da Cooperativa de Marechal Cândido Rondon, cujo sucesso depende da participação dos senhores agricultores de Rondon, que sem dúvida saberão dar o seu apoio e dedicação para que esta empresa formada de agricultores atenda as necessidades da agricultura e da pecuária, principalmente no tocante a assistência

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econômica através da comercialização dos produtos agropecuários dos seus associados. Associe-se a sua Cooperativa e verá que realmente a “união faz a força” (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).

Com a intensificação da modernização e da mecanização alinhada ao

processo ocorre conjuntamente à estruturação do cooperativismo. Essa fase da

reorganização acontece entretanto, na medida em que o cooperativismo tende a se consolidar como um dos agentes básicos da orientação, organização e integração da produção agrícola e, portanto, da reorganização da estrutura produtiva, como se tende a ser o cooperativismo empresarialmente mais desenvolvido no sul do país, essa forma de associativismo continua sendo um movimento político, mas assume também o caráter de instrumento de viabilização econômico-produtivo do processo (CORADINI, 1982, p. 52-53).

No tocante ao cooperativismo, o mesmo expressa e reafirma as situações

conjuntas, condenando assim as ações individuais. Um dos resultados é a prática de

atividades de orientação, antes sob a tutela de órgãos governamentais. Este tipo de

prática pode ser constatado no comprometimento dos agricultores associados em

relação à conservação do solo: “as cooperativas e seus associados foram assumindo a

responsabilidade da orientação e realização do trabalho de conservação solo, hoje

difundido e executado com cuidados crescentes em toda a região” (BRUM, 1983, p.

109).

Contudo, as posturas discursivas levantadas sob o impulso comemorativo

da passagem do dia do cooperativismo tornam evidentes os procedimentos

disciplinares, pois considera “o cooperativismo um sistema anti-capitalista” e com

prioridades voltadas para o combate a favor da “justiça social” e promessas de cura das

“patologias” monopolistas. A ambição da proposta discursiva buscou ofuscar os reais

empreendimentos. Condensando suas ações na organização dos sistemas de crédito,

direciona-se na aparência contra o capitalismo e condena o monopólio. Os ecos da

extensão assistencial eram garantidos no discurso pelo governo a partir da

Departamento de Assistência ao Cooperativismo – DAC. O triunfo do cooperativismo

ocorre com a oferta de segurança aos seus associados que teriam garantia na

comercialização dos seus produtos. Certamente o vasto alcance da cooperativa de

Marechal Cândido Rondon, calcado na idéia de desenvolvimento da região, colocou-a

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entre uma das maiores do Estado. O DIA INTERNACIONAL DO COOPERATIVISMO O cooperativismo é um sistema anti-capitalista, com base na justiça social, que visa a combater o monopólio, disciplinando os setores da produção, do consumo e do crédito, podendo estender-se a vários campos de atividade. As cooperativas são acima de tudo, associações de caráter social e econômico sem objetivo de lucro, geralmente destinadas a organizar os setores de produção, do consumo e do crédito, visando a realização de um programa comum anti-capitalista e de combate ao monopólio [...]. Aqui em Marechal Cândido Rondon temos 3 cooperativas. A dos transportes em formação; a de eletrificação rural fazendo com que Marechal Cândido Rondon seja citado em todas as esferas por se tratar da maior da América do Sul e a COPAGRIL – Cooperativa Mista Agrícola Rondon Ltda., uma das maiores do Estado e talvez do Brasil, tendo servido de modelo em muitas ocasiões (Frente Ampla de Notícias, v. 22, 28.02.75 a 30.07.75).

A cooperativa ressaltava em seu discurso a importância da estrutura e união

familiar, priorizando os mesmos valores defendidos pelos agricultores de Marechal

Cândido Rondon. Assim, as famílias podiam sentir-se seguras e junto à ação

cooperativista e as propostas e dinâmicas de mercado encontrariam solo preparado

para a incorporação da agroindústria: “As cooperativas maiores ingressaram na

agroindústria, principalmente instalando fábricas de óleo de soja e rações e, mais

recentemente, de laticínios” (BRUM, 1983, p. 133).

Para fundamentar estes objetivos, podemos lançar mão de considerações

elaboradas por Michel Foucault, mais precisamente em sua obra Microfísica do Poder,

na qual o autor trabalha os conceitos sobre a “arte de governar”. O que se quer

destacar são os valores justapostos que definem o caráter de quem sabe governar “no

sentido em que, quando o Estado é bem governado, os pais de família, seus bens, seu

patrimônio e por sua vez os indivíduos se comportam como devem” (FOUCAULT,

1979, p. 281). Esses valores estão fortemente enraizados nas famílias teutas, que

comumente direcionam suas falas em torno de certos valores e relações de poder que

se escondem por detrás de discursos aparentemente ingênuos, mas voltados para os

bens e serviços da comunidade local.

O desejo de expansão do setor agrícola está representado nas visitas de

cunho político do governador Jaime Canet Junior. Os detalhes desta visita foram

apresentados ao público ouvinte, ressaltando sempre a admiração do governador pela

extensa área cultivada com trigo. Na oportunidade, fala-se da soja que ocupará

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também espaço semelhante ao do trigo. Tendo em vista o aumento progressivo da

produtividade, o governador ambiciona a construção de estradas pavimentadas como

parte da solução para o transporte e escoamento da produção.

Logo, as verbas governamentais foram destinadas para atender aos anseios

da localidade. No entanto, a construção das estradas seguiu em direção “forçada” para

o Porto de Paranaguá, centralizando o poder e sacrificando tudo pela lógica

especulativa. O interesse do governador pelo município despertou esperanças de que a

produção passasse a ser maior dentro de pouco tempo. No discurso proferido junto aos

representantes políticos, o governador reafirmou seu interesse pela agricultura e, na

ocasião, visitou a cooperativa local. A imprensa jornalística detalhou as visitas feitas

pelo então governador, enfatizando ser este também um agricultor. GOVERNADOR FOI BEM RECEBIDO EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON É de maravilhar-se com a extensa área de onde foi feita a colheita de trigo e onde dentro de pouco tempo aparecerá o plantio da soja [...]. Nas condições de vice-governador e já como governador do Paraná, sentiu a necessidade de que a região seja servida por rodovias pavimentadas para auxiliar e facilitar o escoamento dessa produção fabulosa que, conforme suas próprias palavras, pretende que esta mesma produção seja dobrada com a passagem do tempo [...]. Mostrou o mais vivo interesse pelas causas que envolvem a agricultura, pois o governador dos paranaenses é um agricultor. Não deixou de fazer uma visita à cooperativa (Frente Ampla de Notícias, v. 21, 31.08.74 a 28.08.75).

Um dos mecanismos amplamente explorados para incutir diferentes hábitos

nos agricultores foi a criação dos Clubes 4-S, os quais atuavam junto as senhoras e

jovens cooperativistas, ofertando cursos de costura e culinária. Este último aparece

como forma de estimular o consumo de produtos industrializados. Mas, no discurso a

favor dos clubes, se falava em aproveitamento dos produtos da roça, tais como

mandioca, abóbora etc. Porém, na prática, os cursos eram um caminho para induzir o

consumo do amido de milho, do creme de leite, do leite condensado, do caldo de

carne, enfim, os vários produtos industrializados que chegavam às prateleiras dos

supermercados e que “precisavam” de consumidores. Os comunicados chegavam ao

campo via rádio: “Outro Aviso, mas para o distrito de Margarida - As sócias do Clube

4-S de Vila Margarida estão convidadas a estarem reunidas amanhã, para escolher a

Diretoria. As sócias ou as que desejarem se inscrever, podem procurar a senhorita

Clementina para sua inscrição” (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

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Os avisos e reuniões realizadas pela cooperativa no Distrito de Margarida,

mais especificamente na Linha Palmital, eram organizados pelo Departamento de

Educação e Organização Social. Estes cursos contavam com a atuação de uma

cozinheira, pessoa especializada para atuar junto às sócias dos Clubes 4-S. Esses

cursos eram divulgados através do rádio, que reforçava a importância da participação

das senhoras, moças ou até meninas com idade a partir de sete anos. O curso era

administrado sempre por uma representante da localidade em que ocorriam os

encontros semanais, e deveria ser realizado na residência de uma das sócias que tivesse

eletrodomésticos, pois, no salão comunitário, não havia esses recursos. Os alimentos

eram preparados e depois consumidos pelas cursistas, sempre acompanhados por uma

roda de chimarrão.

A expansão do cooperativismo avança marcando o campo e modelando a

paisagem de acordo com as coordenadas governamentais. Os modelos considerados

apropriados tomavam emprestadas as características herdadas pelos grupos e o

sentimento de união se somava às esperanças de prosperidade, sintetizados na idéia do

cooperativismo. UNIÃO FAZ A FORÇA NO COOPERATIVISMO O cooperativismo é visto dessa forma, pois a união e o pensamento integral levam a [...] prosperidade desse tipo de atividade [...]. É no cooperativismo que o agricultor tem procurado fazer com que problemas de grande ordem, sofram uma solução [...], principalmente na hora da comercialização de produtos (Frente Ampla de Notícias, v. 28, 01.07.76 a 24.08.76).

Para melhor ilustrar a aceitação e adoção dos produtos industrializados

entre as mulheres dos agricultores, segue uma receita relacionando os produtos

utilizados, tais como o “Leite Ninho”: 01 copo médio de açúcar, ½ copo de água, 01

copo de leite ninho e 01 colher de manteiga. Bata no liqüidificador o açúcar e a água

por 3 minutos. Junte o leite ninho, a manteiga, e bata por mais 6 minutos”. Nesta

receita, podemos observar a adoção de produtos industrializados na alimentação dos

agricultores, começando pelo “Leite Ninho”. Afinal, como se justifica a utilização do

produto industrializado nas receitas, se a região é rica na produção de leite? Ora, a

grande maioria das residências agrícolas, possuem vários animais em período de

produção de leite.

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Outro ingrediente que aparece em praticamente todas as receitas é o açúcar

branco e o melado fabricado da cana-de-açúcar. Este último estava sendo lentamente

substituído pelo primeiro. A manteiga é mantida, pois agora pode ser produzida com o

auxílio do liquidificador e não mais na forma artesanal.

Outro exemplo da incorporação de produtos industrializados pode ser

identificado na seguinte receita: Pudim de Mandioca Cozida. Ingredientes: ½ quilo de mandioca cozida e amassada; 2 colheres (de chá) de fermento em pó, 1 colher (de sopa) de margarina, 2 xícaras de açúcar, 2 xícaras (de sopa) de farinha de trigo, 2 colheres (de sopa) de suco de erva doce, 2 ovos bem batidos, ½ litro de leite e 1 pitada de sal. Misture tudo e coloque em forma caramelizada com açúcar queimado. Cozinhe em banho-maria por quarenta minutos. Espere esfriar e retire da forma (COPAGRIL, s.d., p. 4).

Aos olhos das cursistas, esta receita é mais uma forma de “aproveitar

criativamente” a mandioca, produto que existe em grande quantidade em todos as

propriedades agrícolas. O que se pretende é incluir produtos similares, tais como o

fermento em pó e a margarina que não apareciam na receita anterior, e que agora

passam a ser utilizados nos alimentos dos agricultores. E a manteiga? Na verdade, os

cursos buscam aproximar a dona-de-casa dos produtos disponíveis no mercado. Nesse

conjunto de “novidades”, os utensílios domésticos utilizados até então foram

gradativamente sendo substituídos: panelas de ferro por panelas de alumínio, louças de

porcelana e de barro por louças de vidro, pois, as receitas passadas nos cursos exigiam

esses recipientes.

Para garantir um bom desempenho, esses cursos contam com o apoio da

Cooperativa e da ACARPA. Uma das apostilas adotadas pertencia ao “Escritório Local

da ACARPA de Ponta Grossa”, intitulada “Receitas Sobre Alimentação Integral” e

elaborada em setembro de 1987 por Ana Elena Lanoski, economista doméstica. O

índice do livro de culinária relaciona algumas receitas que estão longe de serem

produtos culinários integrais. São receitas que requerem um arsenal de produtos e

eletrodomésticos modernos, necessários para a sua execução.

Passam a ser adotados na culinária, também, cereais e frutas provenientes

da industrialização através de receitas como: “leite condensado de soja”; “suflê com

leite de soja”; “docinhos de soja com leite condensado”; “ricota com nozes”. Na

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receita de iogurte temos os seguintes ingredientes: 1 litro de leite de soja, 1 colher de suco de limão. Modo de Fazer: 1º) Aquecer o leite 75 graus, mais ou menos. 2º) Retirar do fogo e juntar o limão. 3º) Guardar, em vidros em lugar quente. Nos dias quentes, estará pronto dentro de 3 a 4 horas. NOTA – Depois de pronto guardar na geladeira [...] (LANOSKI, 1987).

A receita é organizada de tal forma a destacar a importância dos derivados

de soja que, com a produção em grande escala, logo necessitariam de um mercado de

consumo maior. Neste sentido, o espaço estava sendo preparado para expandir a

comercialização do produto no mercado. Além de todos esses produtos, são sempre

destacados os eletrodomésticos, principalmente quando são feitas menções do tipo “a

temperatura ideal”. Nestes casos, o uso de fogão a gás e geladeira são sugeridos como

sendo indispensáveis.

A estiagem de 1978 trouxe sérios problemas para os suinocultores. A falta

de milho, utilizado na alimentação dos animais, comprometia a vasta criação de suínos

no município. As dificuldades enfrentadas pelos suinocultores com a falta do cereal

repercutiram e chegaram ao conhecimento de autoridades da cooperativa local e do

Governo, estendendo-se até o Ministério da Fazenda. O diretor da cooperativa

rondonense, em seu discurso, aponta para a necessidade da implantação do modelo de

plantio de milho baseado na mecanização. MILHO EM FALTA PREOCUPA Leopoldo Pietróski afirmou que a suinocultura sofre esta falta de milho e que talvez, a solução parta de uma reunião que dirigentes de cooperativas terão com Ministro da Fazenda em Curitiba dia 7 próximo [...]. O diretor presidente da cooperativa, em sua opinião, admitiu a necessidade do plantio de milho mecanizado [...]. O que se revela com o problema é que a falta afeta profundamente toda as áreas, mormente a produção de leite, ovos, gado, suínos, enfim, esta é uma reivindicação encaminhada pela comitiva rondonense com reflexos sentidos em toda a região (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).

Quando argumenta sobre o cooperativismo, ARAÚJO (1982), relaciona as

influências negativas da política agrícola sobre o mesmo e a submissão das

cooperativas à economia capitalista. Os produtores rurais, provando condições de existência precárias e determinadas, expostos ao jogo instável da política agrícola, ao constituírem cooperativas, onde a

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incompatibilidade dos princípios ideais de cooperativismo esbarra com as exigências da prática econômica capitalista, aprendem a conviver, periodicamente, com crises institucionais que resultam, invariavelmente, em frustrações (ARAÚJO, 1982, p. 173-174).

As intervenções práticas são vistas como aspectos positivos voltados para a

resolução dos problemas do “novo agricultor”: aos olhos do agricultor a cooperativa

era deles e as ações eram necessárias para lhes proporcionar uma vida melhor. O

argumento de que a cooperativa não visava lucros conquistava a confiança dos

agricultores. Aqueles agricultores que não aderiam às propostas e não se associavam à

cooperativa, eram tratados com certa discriminação pelos demais, que reforçavam as

idéias cooperativistas enquanto ato de fidelidade e credibilidade dado ao processo de

modernização. De acordo com SERRA, os agricultores filiados, embora conservando impressão de que continuavam decidindo seus destinos, perderam substancialmente a gerência de seus próprios estabelecimentos agrícolas. Na prática [...] a liberdade de decisão dos produtores passou a ser mais restrita e sujeita às decisões tomadas na sede da Cooperativa. A busca de uma vida melhor para o agricultor no campo com a difusão da implantação da tecnificação no campo e a transformação nos hábitos cotidianos destes agricultores, transformou-os em consumidores de produtos industrializados como: insumos, maquinários, fertilizantes, produtos domésticos, etc. (1986, p. 229).

3.5 A DINÂMICA DA MODERNIZAÇÃO: O LABORATÓRIO DO NOVO

O processo de mecanização gerou uma série de discussões acerca do

treinamento e das novas perspectivas disseminadas nas escolas técnicas. O

“laboratório da novidade” recebeu apoio especial da Secretaria da Agricultura e da

Prefeitura Municipal, bem como da Federação Agrária do Paraná. A principal

preocupação incidiu sobre o aprendizado dos jovens no manuseio das técnicas

agrícolas. O GINÁSIO AGRÍCOLA Estamos seguramente informados que, já neste ano, irá funcionar o ginásio agrícola desta cidade. Funcionará junto ao Ginásio Estadual. A Secretaria de Agricultura, Prefeitura Municipal, Federação Agrária do Paraná e outros órgãos, serão os mantenedores desse ginásio onde os jovens, filhos de agricultores, poderão preparar-se para as futuras funções de técnicos agrícolas. Vão ser tomadas todas as providências para o perfeito

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funcionamento dessa escola ainda este ano e com todas as adaptações necessárias (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Estas escolas técnicas, muitas vezes, funcionavam sem os aparatos

necessários, pois o corpo docente não estava preparado adequadamente para a

transmissão dos conhecimentos relacionados a essas inovações. Mesmo assim, as

escolas técnicas foram organizadas. Em 1969, cogitou-se a instauração de uma

faculdade que contemplasse cursos como Agronomia e Medicina Veterinária. De

acordo com as informações da emissora de rádio (“Estudantes preparam-se para

Discutir Universidade”): “O nosso povo de Marechal Cândido Rondon, como

aconteceu já da outra vez [...], vem solicitar uma faculdade de agronomia e veterinária,

dada às condições de nossa região ser fundamentalmente formada pelo meio de

economia rural” (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Além da formação dos filhos, no intuito de despertar o interesse dos

colonos, são divulgados todos os trâmites no que se refere à melhoria e seleção de

sementes de trigo e soja. Discursos sugestivos e envolventes alertam para as

“experiências progressistas”. O SR. ISENBERG E OS TESTES PARA MELHORA DA SEMENTEIRA Na sessão da Câmara de ontem à noite o vereador Dr. Seiboth teceu considerações sobre o trabalho altamente interessante e profícuo que está desenvolvendo o sr. Frederico Ísenberg, no terreno da seleção de sementes de trigo e soja, aclimatados à nossa região. Informou o Dr. Seiboth que os resultados foram altamente compensadores e já há triticultores na região que se serviram das experiências desse progressista agricultor, e tiveram resultados surpreendentes. Desejamos conhecer mais a fundo essas experiências de acasalamento e seleção, para podermos detalhar aos prezados ouvintes, sabedores que somos que a triticultura e a soja estão num desenvolvimento sem precedentes nesta região, havendo cada dia que passa, mais e mais agricultores aumentando suas áreas de plantio desses dois cereais (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Os incentivos propostos intensificam as experiências com a aclimatação de

sementes, na tentativa de utilização destas no meio agrícola. Assim, calcados em

argumentos de controle sistêmico, são divulgados os resultados atingidos por um

agricultor. Tal estratégia visa, sobretudo, ampliar as lavouras cultivadas com trigo e

soja. A indústria de tratores já nasceu com características de oligopólio. A proteção ao mercado, decorrente de políticas que favoreceram a substituição de importações ajudaram

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a constituir barreiras institucionais, além das decorrentes do porte dos investimentos fixos. Poucas foram as empresas de menor tamanho que, após alguns anos, conseguiram manter-se no mercado. Foram filiais de grandes empresas multinacionais como a Massey, Ford e Valmet que, pouco a pouco, passaram a dominar o mercado concentrando vendas por classe de potência ou em geral (Kageyama, 1987, p.42).

O sucesso da adoção desse modelo de mecanização na agricultura do

Extremo Oeste do Paraná, em especial em Marechal Cândido Rondon, pode ser

dimensionado através do noticiário intitulado “Desfile de Tratores Marca Época da

Mecanização”. A programação utiliza um vocabulário detalhado sobre o desfile: as

marcas dos tratores, os primeiros colonos que adquiririam os equipamentos, bem como

o número de colonos que se faziam presentes: “O desfile [...] marca [...] a nova era

para nossa gente que agora vai partindo rumo a mecanização da lavoura, o que dará

maior progresso à região que bem precisa deste empreendimento” (Frente Ampla de

Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Os discursos definem a mecanização a partir da indução de técnicas

modernas no campo, afirmando que este seria o caminho do progresso da região.

Dessa forma, desviam as atenções do que está por detrás desses interesses: o

atendimento aos interesses das indústrias em busca de mercado para seus produtos.

As coordenadas sobre o uso de notas promissórias, cheques, os trabalhos do

sindicato, entre outras informações para a aquisição da máquina, foram amplamente

discutidas em reuniões e assistidas atentamente pelos agricultores. Estes

esclarecimentos eram necessários e úteis para a consolidação futura da tecnificação

agrícola. A divulgação destas informações era responsabilidade dos representantes da

ACARPA e de funcionários do Sindicato. Muitos foram os argumentos usados para

convencer os agricultores: “vão e perguntem para saber como fazer o futuro”. Frase

usada informalmente para incentivar o futuro da modernização. REUNIÕES DE AGRICULTORES Muitos de nossos amigos agricultores não conhecem a fundo a lei das promissórias, das letras de câmbio e de como usar os cheques ... Outros desejam explicações sobre a FUNDEPAR, ... instituto, ... sindicato e outros departamentos ligados às relações diárias do agricultor. Para isso hoje à noite estarão os doutores Filipe Laginski, da ACARPA, Dr. Ezio Bernardinis, advogado do sindicato, Dr. Leopoldo, veterinário, e o Dr. Antonio Paulo, estagiário no Sindicato, na vila de Porto Mendes para dar explicações. Não fiquem em casa. Vão e perguntem para saber como fazer o futuro (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

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Na esfera da circulação dos informes, foram muitas as motivações que

contribuíram para a expansão e aceitação das informações. O quadro da ciranda

produziu esquemas mediados nas prestações de serviços, abrangendo os distritos do

município. A informação foi desencadeada por Egio Bernardini, Joaquim Felipe

Laginski, Leopoldo Pietroski e Antonio Paulo Cenconato, pessoas que trataram de

temas diversos como o Sindicalismo, o Funrural, a contribuição sindical, o imposto de

renda, os títulos de crédito, as notas promissórias etc. Não há dúvidas, porém, de que

as informações anteciparam e prepararam os agricultores para a modernização e as

“novas necessidades” provenientes dessa nova fase na produção agrícola. Contudo, a

densidade discursiva vai mais além no que se refere ao estímulo dos agricultores,

alertando e prevenindo-os contra os possíveis golpes comumente aplicados em

agricultores desinformados. Estes conselhos aparecem na fala jornalística que

incentivava a participação dos agricultores nas reuniões. REUNIÃO DE AGRICULTORES NA VILA MERCEDES Outros conhecimentos que os agricultores devem saber, para não cair em enganos e engodos, e não se deixarem levar por picaretagens ou logros. Sempre se disse que o nosso agricultor é um ingênuo, que todos logram e passam para traz. Pois é isso que deve acabar, procurando o nosso agricultor conhecer as leis e agir certo nas horas da dúvida. Aconselhamos a irem hoje à noite até Mercedes para ouvir explicações, discutir casos que podem surgir, perguntar para se esclarecer. É uma grande iniciativa essa do Sindicato Rural e da ACARPA, a de ir ao encontro do agricultor, instruí-lo e prepará-lo para o futuro (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Nessa conjuntura, criaram-se condições para facilitar o acesso de

representantes do Ministério da Agricultura. Condições estas criadas a partir de um

entrosamento das propostas sediadas no CAM – Centro Agropecuário Municipal. As

explicações apontam para o sucesso do CAM em outros municípios. Assim, admite-se

a possibilidade das propostas se concretizarem em Marechal Cândido Rondon, ficando

a Prefeitura Municipal como responsável pela destinação das verbas do Fundo de

Participação e do ICM. Ao Ministério da Agricultura caberia a colaboração com uma

verba trinta vezes maior. Tais investimentos constavam na elaboração dos projetos de

modernização da agricultura municipal. As medidas contemplavam a distribuição de

todo o aparato tecnológico: sementes selecionadas, maquinários agrícolas e técnicas

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modernas para a pecuária. SERÁ ORGANIZADO O CENTRO AGRO-PECUÁRIO MUNICIPAL O representante do Ministério da Agricultura de Curitiba informou ao Sr. Prefeito que pretende o Ministério instalar em breve no município o CAM – Centro Agropecuário Municipal. Para execução desse projeto que já funciona a todo o vapor em quatro municípios paranaenses, deverá a Prefeitura destinar a verba do Fundo de Participação e parte do ICM, que toca ao município, cabendo ao Ministério da Agricultura entrar com uma verba mais ou menos 30 vezes maior. Destina-se a planejamento moderno da agricultura do município, distribuição de máquinas agrícolas, tratores do Ministério, distribuição de sementes selecionadas, cuidados modernos e técnicos da pecuária (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Como já foi mencionado anteriormente neste trabalho, o ensino recebeu

modificações atreladas à tecnificação. Para se entender esse processo de mudança,

devemos voltar nossa atenção para as falas dos representantes da diretoria da escola,

representadas pelo Instituto Vocacional e Assistencial Rui Barbosa, que arrendaram

uma propriedade para incentivar a adoção de práticas modernas. Primeiramente, foi

feito o cultivo de trigo. Na ocasião, os equipamentos eram emprestados. Os

preparativos do solo eram executados pelos alunos, sob o olhar atento dos técnicos.

Buscava-se, assim, uma aproximação dos jovens do exercício e das práticas agrícolas,

de acordo com o modelo vigente. INSTITUTO VOCACIONAL PLANTA TRIGO Na manhã de hoje nos visitou um dos membros da diretoria do Instituto Vocacional e Assistencial Rui Barbosa, que nos falou sobre o andamento de um dos setores de especialização deste instituto que está funcionando em nossa cidade [...]. Pela parte de assistência vocacional, este instituto arrendou as terras de propriedade do senhor Eduardo Reschke, localizadas à 1.000 metros de distância da captação d’água para o abastecimento da cidade. São 15 hectares onde com maquinário emprestado (por enquanto) foram plantadas sementes de trigo. O local foi anteriormente preparado e limpado com o auxílio de alunos do estabelecimento, sempre abaixo de técnicas comprovadas [...]. Será local para uma estação experimental em miniatura, onde futuramente serão os alunos os próprios experimentadores. Consta ainda haver três propostas de firmas que trabalham com máquinas agrícolas, sendo estudadas pela diretoria do instituto vocacional, para uma futura compra desse equipamento mecânico que vai revolucionar o ensino agrícola. Desejamos a este instituto muitas felicidades para o futuro (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Mais uma vez a emissora de rádio marca presença em mais uma reunião do

sindicato, ratificando a importância das assembléias enquanto espaço fundamental

destinado ao serviço de orientação dos agricultores, ou seja, este espaço deveria ser

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estritamente do interesse dos agricultores. As reportagens delegam a si próprias, o

papel da informação com fidelidade em torno dos assuntos debatidos na assembléia,

pois “o agricultor gosta de estar sempre bem informado e esclarecido...”. Amparadas

nesse discurso, tinham livre acesso aos temas debatidos nas assembléias que eram

transmitidos, posteriormente, aos lares dos agricultores. SERÁ HOJE A ASSEMBLÉIA DO SINDICATO Nossa reportagem estará na tarde de hoje seguindo de perto as atividades do sindicato para que possamos sempre informar com fidelidade todos os atos resolvidos dentro desta assembléia. Várias autoridades estarão presentes, tendo sido convidadas pela direção do sindicato rural de nossa cidade. O agricultor gosta de estar sempre bem informado e esclarecido, por isso estamos confiantes no êxito dessa assembléia (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

O papel fundamental do sindicato era de informar o agricultor sobre as

possibilidades de financiamentos. Nesta perspectiva, os créditos “oportunizavam” a

compra de tratores. Nas palavras de Kageyama, “entre os anos de 1970 e 1976, quando

a indústria de equipamentos atingia o auge de vendas, um conjunto de fatores atuou

para explicar seu bom desempenho. O subsídio ao crédito agrícola atuou pelo lado da

demanda sustentando o desempenho em vendas dos equipamentos aos agricultores”

(1987, p. 48).

A argumentação em torno das iniciativas levadas a efeito pela Prefeitura

Municipal ganha destaque na assembléia sindical. Na ocasião, o prefeito falou sobre o

Convênio entre a Prefeitura e a ACARPA e também dos problemas com o transporte

enfrentados pelo sindicato. Diante disso, a Prefeitura concedeu um carro para o uso do

sindicato em suas atividades. Outro assunto que teve grande repercussão, na ocasião,

foi relacionado aos possíveis financiamentos de tratores de esteira Caterpillar, com

prazo de cinco anos para o pagamento. Os tratores poderiam ser adquiridos por um

grupo de agricultores para executar atividades agrícolas, tais como a destoca, a

construção de açudes e outros fins. O prefeito destacou ainda a fundação, no

município, de um conselho agropecuário. ASSEMBLÉIA GERAL SINDICAL O prefeito municipal falou sobre os seguintes tópicos: Reflexos no município da alteração havida com o ICM [...] Convênio no valor de 10 milhões antigos entre

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prefeitura e ACARPA, [...] concessão à título de empréstimo de uma condução da prefeitura pelo espaço de 2 anos ao sindicato ... Proposta de financiamento de tratores Caterpillar pelo prazo de 5 anos para a agricultura local, ... possibilidades de os senhores agricultores reunirem-se em grupos para aquisição de seu trator de esteira, [...] fundação no município do conselho agropecuário municipal que controlará toda a atividade agrícola no município (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Ao mesmo tempo em que acontecia o desenvolvimento do ensino de

atividades agrícolas no município, outros trabalhos de treinamento, organizados pela

ACARPA, eram realizados fora do mesmo, como no Centro de Treinamento de

Castrolândia, órgão especializado na difusão das novas técnicas agropecuárias. Na

ocasião, foram abertas vagas a jovens rondonenses para ingressarem no curso,

gratuitamente. Os temas abordados no curso: pastagens, nutrição animal, criação e

manejo, higiene e a modernização no campo, com destaque à criação de animais. As

atividades reuniram aulas teóricas e práticas, executadas nas fazendas da instituição. ELEMENTOS DA ACARPA TROUXERAM NOTICIA ESPETACULAR Com a visita de hoje à nossa redação dos doutores Laginski e Ceconello, nos foi passado às mãos uma correspondência do centro de treinamento para pecuaristas de Castrolandia. O assunto diz respeito ao recrutamento de jovens de no mínimo 18 anos, filhos de agricultores e que estejam ligados ao meio rural e ter no mínimo o curso primário. Isto é, para um curso gratuito de 15 de julho à 4 de setembro em Castrolandia perto de Ponta Grossa em nosso estado. Como frisamos, o curso é gratuito e será o último movimentado por este órgão uma vez que depois, esta escola será emprestada ao governo. Neste curso os participantes serão instruídos sobre pastagens, nutrição animal, criação e manejo do gado leiteiro, higiene veterinária, mecanização agrícola, administração rural, laticínios, etc. Os cursantes farão praticas nas fazendas da colônia holandesa diariamente em toda a extensão do curso. É uma ótima oportunidade para os nossos jovens agricultores, para ampliar seus conhecimentos. Sobre esta parte, os interessados deverão procurar o Dr. Laginski na ACARPA local (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

A didática utilizada na apresentação das técnicas agrícolas européias, no

curso, foi o vídeo. Assim, o Sindicato Rural programou uma seção de filmes

destinados aos agricultores, difundindo as atividades agrícolas européias, enfatizando

sua “modernidade”. A situação discursiva utilizada reforçou a idéia de que os

agricultores tinham “muito o que aprender no sistema de modernas técnicas da lavoura

no mundo”. Essa forma discursiva abre as portas para o modelo tecnológico europeu

no município.

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O SINDICATO RURAL VAI PROJETAR FILMES O sindicato rural desta cidade programou para dia 17, sábado, no Cine Ideal, a exibição de filmes úteis aos nossos agricultores. Serão filmes de um grande laboratório europeu nos quais se mostram as atividades agrícolas modernas. Um dos filmes será falado em português e o outro em alemão. Ambos são coloridos (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

Como parte da campanha pela modernização, foram organizadas várias

atividades com recursos audiovisuais. Além da Europa, estas atividades mostravam as

novidades técnicas desenvolvidas em outros países, como nos Estados Unidos, com

títulos bastante sugestivos, enfatizando sempre a importância, para os agricultores,

deste aprendizado: HOJE À TARDE UM FILME PARA OS SENHORES AGRICULTORES Um filme que mostrará a moderna agricultura desenvolvida nos Estados Unidos. Será um filme colorido, muito bonito e bem trabalhado e que tem por título ‘Do plantio até a colheita’. (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

Um dos pilares que sustentam o programa modernizador da agricultura

brasileira é o sistema da especialização e produção para de exportação. A soja é um

dos produtos mais destacados neste processo. Um bom indicador da trama discursiva

em torno do projeto de modernização pode ser identificado na fala do Deputado

Arnaldo Faivro Busato por indicar o incentivo dado ao plantio da soja no Paraná. Os

argumentos organizam elementos sustentados no progresso regional, bem como, nas

vantagens advindas da expansão do cultivo dessa cultura para a economia do Estado e

da nação brasileira.

Durante os anos de implementação do binômio soja-trigo, foram realizados

vários encontros e congressos enfatizando o cultivo desses produtos, principalmente da

soja. Por trás da ideologia de sustentação desse modelo, Busato menciona que o saldo

da produção brasileira de soja ocupava o terceiro lugar no ranking mundial,

representando 3% da produção. Ao divulgar os resultados da produção nacional,

buscava-se incutir nos agricultores hábitos e práticas de estrutura e produção agrícola

sustentadas nos objetivos governamentais.

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BUSATO DIZ NA CÂMARA QUE SOJA É IMPORTANTE O desenvolvimento da cultura da soja no Paraná assume características de elemento impulsionador do progresso, contribuindo decisivamente para o fortalecimento de nossa economia. Essa foi a tônica do discurso pronunciado pelo Deputado Arnaldo Faivro Busato na Câmara Federal em Brasília. O deputado paranaense iniciou o seu pronunciamento com o propósito de difundir a todo o país, a realização do encontro da soja, realizado recentemente, na cidade de Ponta Grossa (Frente Ampla de Notícias, v. 12, 13.05.71 a 18.07.71).

Foto 9 – Área com Cultivo da Soja

Plantação de soja em Linha Palmital, distrito de Margarida (1980). A foto mostra uma lavoura mecanizada e ainda contempla a participação e a curiosidade da família. Ao fundo, contrastando com a lavoura mecanizada, aparecem áreas, reduzidas, ainda cobertas pela mata. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser.

Segundo Busato, os números revelam a expansão do cultivo da soja e a

tecnificação no campo. O saldo da produtividade foi avaliado no período

compreendido entre 1960 e 1970, e o resultado diagnosticado apresentou um contínuo

crescimento da produtividade. Só no estado do Paraná foi avaliada uma produção de

160 sacas por alqueire. Resultados que poderiam melhorar a partir de uma situação

climática que se mantivesse adequada ao cultivo. O deputado afirma, ainda, que os

agricultores em condições mais favoráveis podem ampliar a área de cultivo e,

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conseqüentemente, adquirirem mais equipamentos agrícolas. Essas afirmações

chamam a atenção dos agricultores do município, pois, trocando seus maquinários e

ampliando as suas lavouras estariam trabalhando pelo “desenvolvimento” do país. A

respeito do crescimento do cultivo da soja, de acordo com o deputado, o mesmo foi de

152% nos últimos cinco anos. BUSATO DIZ NA CÂMARA QUE SOJA É IMPORTANTE Constatou-se um aumento da ordem de 41% em relação à safra de 60-70. No que tange às áreas cultivadas, a estas foram acrescidos mais de 55%, se comparadas com as safras passadas. O Paraná em 1968, nas regiões oeste-sudoeste, colhia 220 mil sacas passando para a atual safra, a um montante de 3,7 milhões de sacas, em determinadas regiões, de mais de 160 sacas por alqueire, apesar das condições climáticas desfavoráveis que assolaram a região no período da colheita. “Atualmente”, frisou Busato, “os agricultores já se encontram em melhores condições e propõem-se a adquirir novos implementos agrícolas e à preparação de novas terras a serem destinadas à cultura da soja”. Isso nos proporciona uma perspectiva de contribuição cada vez maior e mais efetiva à economia nacional (Frente Ampla de Notícias, v. 12, 13.05.71 a 18.07.71).

A respeito da mecanização no campo, Devair Cesar Loch, representante da

EMATER, define-a como uma novidade forçada. Na fala de Devair, a mecanização

não estaria resumida no trator potente, pois, a mesma estaria presente também no

arado de tração animal ou numa ordenhadeira usada no estábulo. Para Devair, o trator

na lavoura representaria um avanço da mecanização, ineficiente, se não viesse

acompanhado de implementos. E adverte que, para o agricultor que considera esse

“arsenal” de máquinas e deseja o trator na propriedade, não basta usar arado e grade; o

sucesso da lavoura mecanizada somente seria significativo quando um trator

trabalhasse com muitas máquinas em diferentes funções. O questionamento acerca do

entendimento de mecanização pelas pessoas que residem na cidade e o trato na

evolução das técnicas, requer a atenção do público. O uso do trator não representaria,

nesse sentido, fator decisivo de mudanças, caso não fosse utilizado em toda sua

plenitude. PEQUENO COMENTÁRIO – ESCRITO PELA ACARPA POR DEVAIR CESAR LOCH – TRATOR E MECANIZAÇÃO AGRÍCOLA. Muitas pessoas – principalmente as que moram na cidade – quando ouvem falar em mecanização de lavoura, pensam logo em tratores possantes, fazendo grandes terraços ou puxando enormes arados. Mas nem sempre é assim. Para começo de conversa, mecanização não implica em usar trator. Um arado de aiveca, puxado por um burro é

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mecanização; a instalação de um carneiro hidráulico para elevar água à um depósito, é mecanização; uma ordenhadeira no estábulo, é mecanização. O trator é o estágio mais avançado de mecanização, como também o mais desejável em muitos casos, porém nem sempre é o que resolve. Vejamos por exemplo, o trator sem implementos, pouco serviço presta na fazenda. Quando se fala em implementos, nos vem imediatamente a imagem de um arado ou grade. No entanto não são os únicos. São os mais populares. Pulverizadores, debulhadores, cultivadoras, colhedeiras, rolos, adubadeiras, plainas, secadoras e dezenas de outros implementos, são fabricados, porém poucos deles usados. Por isto é que dizemos que mecanização da lavoura faz sucessos, porém pleno êxito só será alcançado quando um trator puder fazer trabalhar seis ou oito máquinas diferentes e não apenas o arado e a grade, como agora (Frente Ampla de Notícias, v. 13, 01.07.71 a 30.10.71).

A ciência adquire credibilidade do ponto de vista das regras e técnicas da

produção de sementes. Assim, as inovações de sementes mobilizam a atenção dos

agricultores, tendo em vista o aumento da produtividade. A cooperativa local concede

treinamento aos agricultores, ministrado por técnicos e engenheiros agrônomos, que

orientam os mesmos na produção de sementes e na expansão das lavouras para

melhorar a qualidade da produção. As sementes deveriam possuir identidade genética

e sua variedade deveria ser mantida. Deveriam ser eliminadas ainda as ervas daninhas.

Exigia-se uma pureza do produto, de 98%. Já a germinação, deveria ser de 80%. Nesse

sentido, foram enfatizados os padrões de cultivo com base em critérios como a

conservação do solo e a adubação. A lavoura, destinada à produção de sementes,

recebia a visita e o acompanhamento técnico constantes, obedecendo a todos esses

critérios. Dessa forma, o agricultor poderia expandir seus lucros. Esse discurso

evidencia já a presença da cooperativa no acompanhamento da tecnificação no campo.

Mas, o que chama a atenção é que, nesse período (1974), já era possível aos

agricultores produzirem sementes. Tanto que as indústrias produtoras de sementes

adotaram algumas teorias do modelo anterior de produção, redimensionando-as

posteriormente. Passaram a afirmar, dessa maneira, que as sementes industrializadas,

por serem selecionadas, eram as mais recomendadas. TERMINADOS OS CURSOS DE PRODUÇÃO DE SEMENTES O importante é conduzir tecnicamente a lavoura, com bom preparo do solo, terraceamento, adubação, calagem e tratos culturais em geral. Para a produção de sementes, a lavoura deve ser inspecionada no mínimo duas vezes por técnicos, a fim de manter a lavoura dentro do padrão de campo estabelecido pela legislação CEST e CESSOJA (Frente Ampla de Notícias, v. 20, 05.03.74 a 21.08.74).

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Com o avanço da mecanização, ampliam-se as atividades desenvolvidas

pelas indústrias especializadas na extração de óleo vegetal. A tecnificação no campo

expandiu o cultivo da soja; logo, abriu-se espaço para a conciliação entre dirigentes

das indústrias de óleo, políticos, representantes da emissora de rádio, agricultores e

comerciantes. O período sintetiza as boas relações entre agricultura e indústria, que

obedecem a uma lógica dissimulada, produzida pelo discurso que atende,

principalmente, aos interesses do capital. CERESER INAUGURA DAQUI HÁ POUCO Com a inauguração hoje da Cereser, vemos finalmente inaugurada e funcionando a primeira indústria extrativa de óleos vegetais de nosso município e, que teve a sua fundação há cerca de 10 anos, sob a denominação de Cirosa (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).

Um documento elaborado pela Casa Civil-Subchefia de Comunicação

Social — divulgado pela Rádio Difusora com o título “Tese do Paraná aprovada no

Congresso de ICM” —, informava sobre os acontecimentos ocorridos durante o “2º

Congresso Nacional de Administração do ICM” realizado em Cuiabá. Neste evento,

foi aprovada uma das teses desenvolvidas pelo Instituto Paranaense de

Desenvolvimento Econômico e Social, que tratava dos incentivos fiscais de produtos

industrializados no Estado. Juntamente com os técnicos da Secretaria das Finanças, foi

discutida a avaliação dos incentivos fiscais fornecidos pelo governo do Paraná nas

exportações de produtos industrializados, verificando suas dimensões e efeitos,

especialmente no que se refere ao mercado agropecuário. Nessa perspectiva, surgiu a

idéia de levar ao Congresso, destinada ao Ministério da Fazenda, uma reivindicação

que procura rediscutir a sistematização das atividades industriais determinadas pela

dependência do mercado externo. Ressaltou-se, mais uma vez, a importância do

emprego de tecnologia moderna, que resultava no pagamento de “royalties”. Porém, de

acordo com o documento, os benefícios ficaram restritos aos empresários.

Conseqüentemente, houve uma redução no número de empregos e enfraquecimento do

mercado interno.

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TESE DO PARANÁ APROVADA NO CONGRESSO DE ICM A sugestão, encaminhada após o Congresso ao Ministério da Fazenda, demonstra que o sistema vigente vem induzindo a consolidação de atividades industriais dependentes do mercado externo; o estímulo ao emprego de tecnologia moderna, pelo usufruto da qual se pagam “royalties”, se associa a capitais externos; a concentração de renda nas mãos do empresário; a baixa geração de empregos e a restrição ao desenvolvimento de um mercado interno. Esta tese foi estudada pela Comissão de Política Tributária e Administração do ICM, que a aprovou por unanimidade (Frente Ampla de Notícias, v. 25, 09.02.76 a 13.03.76).

Estamos em 1975, período no qual a mecanização atinge altos índices de

desenvolvimento. As conseqüências do processo começam a ser discutidas e o

documento acima mostra a preocupação com o destino da economia brasileira.

O processo de mecanização e qualificação técnica tinha como propósito

principal aliar a indústria à produção modernizada no campo. Para tanto, seria

necessária a organização de conhecimentos teóricos acerca das novidades

tecnológicas. Em 1976, foram muitas as solicitações para a criação de uma faculdade

com cursos na área de agronomia e veterinária para o município. Porém, a implantação

do curso de agronomia só veio a acontecer em 1996, na UNIOESTE, e o de zootecnia

em 1999, em substituição ao de veterinária.

Em 1976, foi destinado um ofício ao Ministro da Educação e Cultura Ney

Aminthas de Barros Braga. Na ocasião, argumentava-se sobre a importância do

município, chamando a atenção para o destaque econômico calcado em sua expressiva

agropecuária. Em determinado momento, o ofício sustentou a argumentação do

crescimento populacional mundial e, nesse sentido, enfatizou-se a segmentação e o

aprimoramento técnico como caminhos para a resolução dos problemas daí surgidos.

No que se refere à educação, esta foi definida como “chave para o progresso”,

reforçando os pedidos de solicitação dos cursos, já que estes atenderiam o município e

toda a microrregião do Oeste do Paraná. Além disso, o funcionamento dos cursos na

então FACIMAR — Faculdade de Ciências Humanas e Letras de Marechal Cândido

Rondon — poderia contar com a contribuição das empresas do município: duas

cooperativas, a indústria de laticínios, a indústria de óleos de soja, o frigorífico, entre

outras.

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OFÍCIO A NEY AMINTHAS DE BARROS BRAGA Convictos que somos, de que a Educação é uma das mais importantes chaves para o progresso, vimos a Vossa Excelência, solicitar a criação de uma FACULDADE DE AGRONOMIA E VETERINÁRIA. Essa Faculdade poderá atender, além de Marechal Cândido Rondon, os restantes 18 municípios da micro-região do Oeste do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 26, 23.03.76 a 17.05.76)

Na dinâmica da mecanização, temos a incorporação de cursos de tratoristas

no município. Contudo, a preocupação em ofertar cursos consiste muito mais em

apresentar os tratores do que a própria segurança do agricultor. As razões que

justificam o curso de aperfeiçoamento ofertado pela equipe técnica da Valmet do

Brasil, uma das empresas mais destacadas do setor, denunciam as medidas forçosas do

governo, que “impõem” aos fabricantes de tratores a realização dos cursos. No tocante

à ação discursiva, estabeleceu-se outra preocupação: a de possibilitar um

conhecimento aos agricultores que permitisse ampliar o rendimento da colheita,

através do estímulo à mecanização.

Do ponto de vista do representante da empresa, as instruções técnicas

incluíam informações sobre o financiamento do trator. Já do ponto de vista discursivo,

as significações das informações reproduziram as condições ideais para o bom

desempenho do trator, pois, conhecer a potência adequada para o tipo de maquinário

que o agricultor poderia acoplar; entender a rotação do motor para evitar o

aquecimento do motor; o nível do óleo requeria cuidado, pois, uma vez desajustado,

poderia resultar em necessidade de manutenção do trator; manter o trator abastecido

era fundamental, pois, se o trator ficasse sem combustível, retardaria a atividade

agrícola com uma série de manutenções técnicas. Ressaltou-se, assim, a importância

do conhecimento de noções práticas por parte dos agricultores como forma de garantir

o bom desempenho das atividades mecanizadas.

Entre as diferentes modalidades de treinamento presentes nos cursos, uma

delas dizia respeito ao trânsito de tratores nas estradas, bem como à presença de

“caroneiros” junto ao trator. Como visto anteriormente, foram muitos os acidentes

ocorridos entre tratores e carros, pois os agricultores, acostumados com o espaço largo

de suas propriedades, acabavam tendo dificuldades ao trafegarem nas rodovias. A falta

de sinalização adequada no trator e a formação de poeira nas estradas contribuíam para

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os acidentes.

Ademais, através destes cursos, eram fornecidas instruções sobre

declividade, curvas de nível, conservação do solo, pois esse conhecimento era

necessário no momento de arar a terra. O agricultor deveria ter domínio dessas

técnicas, caso contrário, após a primeira chuva, os estragos na lavoura seriam notáveis.

Aparentemente, toda essa preocupação nos dá pistas para compreender a solicitação da

palestra do gerente do Banco do Brasil, ampliando o conhecimento dos agricultores

sobre os financiamentos, tratados no discurso como “regalia do proprietário em relação

ao financiamento e qual a segurança que tem o Banco do Brasil sobre o próprio trator

quando é financiado”. De modo significativo a postura tomada reforça o financiamento

de maquinários com o objetivo de intensificar a mecanização no campo. CASA RIEGER E VALMET REALIZAM CURSO DE TRATORISTA A equipe técnica da Valmet do Brasil está realizando um curso de aperfeiçoamento de tratoristas, para 82 participantes da região [...]. Edmur Tagliarini, instrutor técnico, disse que a própria Valmet programa curso de tratorista, forçado pelo próprio governo, que exige para todos os fabricantes de tratores, que realizem curso volante, para transmitir mais conhecimento ao pessoal agrícola, buscando com isso dar ao agricultor possibilidades de obter maior renda sobre a colheita, entendendo o que é o solo, conservando em função da própria mecanização [...]. O curso transmite conhecimento sobre potência, sobre rotação, manutenção técnica, indicação dos pontos principais sobre nível de óleo, abastecimento, manutenção prática com o trator, o ferramental mecânico, o que ele considera muito importante na agricultura [...]. O diretor do trânsito é convidado a fazer palestra sobre a segurança nas rodovias, cidade, sobre a segurança das pessoas que são transportadas ao lado do tratorista [...]. Uma palestra com técnico da ACARPA sobre conservação do solo, abordando aspectos de declinidade do terreno, tipo de solo, análise do solo, correção do solo e curva de nível. Outra palestra prevista, por solicitação da Casa Rieger, é do gerente do Banco do Brasil, para que os agricultores entendessem melhor sobre o que é um financiamento, qual a regalia do proprietário em relação ao financiamento e qual a segurança que tem o Banco do Brasil sobre o próprio trator quando é financiado (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).

Como pode ser visto, o treinamento procura abranger várias áreas

relacionadas ao símbolo maior da modernidade no campo: o trator. Tem-se um esforço

concentrado para atender as novas necessidades surgidas com o sistema de produção

calcado na utilização de máquinas produzidas pelas indústrias.

Comunicado destinado à Rádio Difusora pela Assessoria de Comunicação

Social da Prefeitura veicula a presença do Secretário de Estado da Agricultura e do

assessor do diretor do Banco do Brasil, além dos secretários executivos da ACARPA.

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Estas autoridades foram recebidas por uma comitiva composta pelo presidente da

Cooperativa, Prefeito Municipal, Presidente do Sindicato, Chefe do Núcleo Regional

da Secretaria da Agricultura, entre outros. A comitiva desenvolveu inspeções nas

lavouras cultivadas com soja A visita incluiu ainda a cooperativa local, onde o

Secretário da Agricultura foi conhecer detalhes sobre a situação da safra de soja e as

expectativas em torno da safra de trigo. Diante das preocupações dos agricultores e dos

agentes do processo de mecanização, foram feitas visitas até as propriedades. SECRETÁRIO DA AGRICULTURA ESTÁ EM RONDON Secretário e comitiva fizeram inspeção em várias lavouras de soja das redondezas, dirigindo imediatamente para a Cooperativa, onde o Secretário da Agricultura foi inteirado da situação reinante no Oeste do Paraná no que tange à safra do soja e as previsões do trigo (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).

Na oportunidade, foi acentuada a divulgação dos resultados da safra 1975-

1976, nos quais o município aparece com a primeira colocação na produção de trigo

no Oeste do Estado. Diante disso, haveria um encontro das lideranças municipais com

o Secretário da Agricultura e, na ocasião, a comitiva rondonense receberia o relatório

da produtividade estadual, bem como a produção de trigo e a posição do município

com relação à produção de gado bovino, feijão, soja, milho e fumo: MARECHAL CÂNDIDO RONDON – 1º PRODUTOR DE TRIGO DO ESTADO Comitiva rondonense manteve audiência com o Secretário da Agricultura, Dr. Paulo Carneiro Ribeiro. As autoridades rondonenses receberam das mãos do mesmo um relatório da produção agrícola do estado, e ao mesmo tempo a informação de que Marechal Cândido Rondon foi o maior produtor de trigo do estado na safra 1975/1976 [...]. A nível de oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon encontra-se ainda em segundo na produção de gado bovino, com 43.023 cabeças, em terceiro lugar na produção de feijão, com 194.220 toneladas, em quarto lugar na produção de milho, 60.000 ton. – e na produção de fumo – 749 toneladas (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).

Graziano da Silva, ao tratar da expansão das áreas cultivadas no sistema

especializado, afirma que “a expansão das fronteiras se efetivou com tal rapidez no

período devido à ampliação da infra-estrutura de transportes e o aumento da oferta

interna de veículos motorizados” (SILVA, 1998, p. 17-18).

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O “saldo positivo” da mecanização contribuiu para a ampliação da

tecnificação — pautada na utilização de tratores e implementos para a adequação do

solo, tendo em vista as necessidades de aumento na produção surgidas com o

endividamento dos agricultores como conseqüência dos financiamentos. No entanto, o

número de caminhões não acompanhou o crescimento da produção. Em conseqüência,

os comerciantes ficaram em situação delicada gerada pela falta de recursos para a

retirada do produto dos celeiros em direção aos portos exportadores. VEREADOR STEIN RECLAMA A FALTA DE CAMINHÕES PARA O ESCOAMENTO DA SAFRA O vereador João Natalio Stein reclama da falta de caminhões para o transporte da safra de soja. O problema, segundo o vereador é enfrentado igualmente pela Comercial Marasca, cujo proprietário está à cata de caminhões para a expedição do produto que vem sendo colhido (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).

Uma vez revelados os problemas surgidos com a falta de caminhões, as

reivindicações por estradas asfaltadas passam a estar na ordem de prioridades para o

desenvolvimento. Com isso, o deputado Werner Wanderer justificou sua fala no anseio

popular, pois a ligação pavimentada entre Marechal Cândido Rondon com o distrito de

Novo Três Passos e demais localidades, certamente contribuiria para a resolução de

problemas com as estradas, liberando o caminho da modernização. WERNER WANDERER PEDE MAIS ASFALTO Werner Wanderer enviou expediente ao Excelentíssimo senhor Secretário dos Transportes, solicitando a pavimentação das estradas que ligam o município de Marechal Cândido Rondon com o distrito de Novo Três Passos, município de Nova Santa Rosa e ligando nas proximidades de vila Maripá à rodovia Toledo Palotina (Frente Ampla de Notícias, v. 52, 24.04.79 a 31.05.79).

A incorporação de novas técnicas mecanizadas no campo transforma as

relações de trabalho e o trabalho humano cede espaço para o trabalho executado pelas

máquinas. Como conseqüência desse tipo de modernização, as desigualdades sócio-econômicas entre os produtores se acentuam, porque se antes já não dispunham de condições homogêneas de produção, com a introdução de técnicas produtivas externas ao meio rural as diferenças se intensificam (FLEISCHFRESSER, 1988, p. 12).

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Cumpre destacar que o crescimento das propriedades em Marechal Cândido

Rondon, tendo em vista a incorporação de técnicas modernas, configurou a exclusão

de determinado grupo de agricultores, já que “a característica poupadora de mão-de-

obra da tecnologia provoca significativo êxodo rural, o que veio a aumentar a demanda

alimentar urbana por produtos agrícolas beneficiados e in natura”

(FLEISCHFRESSER, 1988, p. 13). Neste cenário, os agricultores que não conseguem

se adaptar às novas condições de produção se vêem obrigados a vender suas terras, e

deslocarem-se para as cidades — sem qualificação para exercer atividades

profissionais ligadas ao espaço urbano — ou rumo a outras fronteiras agrícolas. Por

outro lado, os agricultores que resistiram aos efeitos da tecnificação, permaneceram

em suas pequenas propriedades desenvolvendo atividades, assalariadas, relacionadas à

prestação de serviços aos médios e grandes proprietários de terras. Entretanto, com o

avanço da tecnificação, que abrange, inclusive, capinadeiras mecânicas e herbicidas,

essas atividades vão desaparecendo. Tal processo é visível em observações de campo,

através das quais pode-se observar que a propriedade de um agricultor cresceu

mediante a compra da terra vizinha. Mas isso não quer dizer que desapareceram todas

as pequenas propriedades. Contudo, desenvolvendo-se paralelamente à modernização,

a pequena área é vista como um entrave ao processo. Nesse sentido, muitas áreas de

tamanho reduzido desapareceram, pois a necessidade de financiamento (aliada às

adversidades climáticas) era maior do que sua capacidade produtiva. Logo, a luta

contra a exclusão, em muitos casos, acabava na justiça. Nestas circunstâncias, muitos

agricultores perderam suas terras em virtude do aumento dos juros que incidiam sobre

os financiamentos. Assim, compreende-se de que formas o êxodo rural contribuiu

decisivamente para o crescimento da população urbana, o que pode ser comprovado

pelos números divulgados pelo IBGE. Tais circunstâncias provocam alterações na

estrutura familiar dos pequenos proprietários de terras. Nas propriedades mais mecanizadas, crianças e mulheres eram menos solicitadas para o trabalho agrícola, o que não significa que não tivesse participação alguma. As crianças sempre têm que ajudar em alguma coisa, seja tratar dos animais, carpir um pedaço pequeno, etc., e, quanto às mulheres, há trabalhos que são considerados femininos, como cuidar da horta e tirar leite. Mesmo a falta de filhos que ajudem na propriedade é, contraditoriamente, uma conseqüência desse processo, pois, sabendo que a possibilidade de herdar terra suficiente para manter uma família é remota, os filhos procuram estudar para ter uma profissão urbana (PAULILO, 1990, p. 94-95).

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Nestas condições, os resultados mudam as regras do jogo: os filhos dos

agricultores que trabalhavam junto à propriedade, acabam buscando alternativas de

trabalho na cidade e a propriedade que permaneceu é cultivada pelos pais.

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4. LAÇOS CULTURAIS: FACES DA MECANIZAÇAO E A

TRANSFORMAÇAO DO VIVER

A dimensão cultural de um grupo contempla experiências relacionadas a

costumes e às relações com o trabalho, apresentando características específicas de

determinada região, pois“todas as práticas, sejam econômicas ou culturais, dependem

das representações utilizadas pelos indivíduos para darem sentido a seu mundo”

(HUNT, 1995, p. 25). A “necessidade” de preservação dos valores prestigiados pelos

agricultores pode ser enquadrada como mecanismo adotado pela emissora de rádio

para marcar presença constante no cotidiano rural. De acordo com um dos

entrevistados (G): “o rádio era tudo”. O rádio, como já foi frisado anteriormente, era

ouvido intensamente pelos agricultores, principalmente aqueles programas veiculados

em certos períodos do dia: no início da manhã, ao meio-dia e à noite. A importância do

rádio na vida dos agricultores era tamanha que a aquisição de um aparelho de rádio era

tida como uma das prioridades dos recém-casados: com o casamento, era necessária a

construção de benfeitorias na propriedade e a aquisição de implementos agrícolas e,

com a venda dos primeiros suínos ou cereais (soja, feijão), os casais compravam um

rádio, que recebia lugar de destaque na residência.

A emissora de rádio utilizava estratégias persuasivas tendo em vista a

manutenção da audiência. Entre os recursos adotados estavam os elogios constantes ao

trabalho realizado pelos agricultores em favor do desenvolvimento da região. Sendo

assim, em vários momentos de sua programação diária apareciam referências à

amplitude cada vez maior dos esforços dos agricultores: RODA DE CARROÇA EM HOMENAGEM AO COLONO Como já é do conhecimento de todos, a Diretoria houve por bem homenagear o nosso AGRICULTOR ou COLONO, ao instituir a colocação, no “HALL” de entrada, de uma roda de carroça que também deverá servir como lustre, em reconhecimento a significativa parcela de contribuições e desmedidos esforços na construção e manutenção da nossa Sociedade de Cantores “Aliança” (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).

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Estamos em 1967: o símbolo da roda de carroça, colocada na entrada do

clube, expressa o vínculo entre agricultores e a importância dada ao trabalho. O

simbólico representa as técnicas tradicionais adotadas naquele momento: o destaque

ainda mantém em evidência o carro de boi que predomina nas estradas do município,

apesar da introdução de novas técnicas, alicerçadas na utilização de máquinas

modernas, já estar em fase de desenvolvimento. Caso a homenagem fosse feita anos

mais tarde, será que a roda de um trator não seria adotada como símbolo do trabalho

dos agricultores?

A atuação das mulheres também é destacada pela emissora de rádio e a

manutenção de práticas relacionadas ao cotidiano feminino recebe atenção especial.

Como pode ser visto em cursos organizados pelos “Clubes de Mães”: “criando nova

mentalidade”, as sócias desenvolvem atividades que se restringem ao universo

feminino, tais como o bordado, arte culinária, a costura, entre outras. CLUBE DE MÃES VAI TRAZER EXPOSIÇÃO O Clube de Mães, criado em nosso município, tem uma finalidade toda especial, e agora no aproximar rápido do final do ano já vem apresentar seu fruto de um trabalho conjunto. Durante largo espaço de tempo, foi mantido rigoroso trabalho de aperfeiçoar, criando nova mentalidade, com a organização de turmas, e mantidas várias professoras que vieram dar vida aos cursos pela A.P.M. [...] pela qual funciona o Clube de Mães. A orientação dada em vários cursos, como o de bordados, tricô, arte culinária e costura dará a apresentar uma exposição, para a qual as orientadoras estão procurando por nosso intermédio avisar todas as mães, a virem até o clube e fazer entregas de seus trabalhos, para serem colocados em exposição. [...] Ainda dentro das festividades [...] trabalhos deste clube de mães, amanhã à noite terá seqüência o fato, com a entrega de certificados de participação nos clubes de culinária, bordado e tricô, com a solenidade marcada para a noite às 20 horas, tendo por local a sede do Clube Cultural e Recreativo Concórdia. Estarão presentes todas as autoridades especialmente convidadas, sendo que à nós da DIFUSORA, já recebemos o convite pessoal pela parte das orientadoras (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Como coroamento das atividades, os trabalhos foram expostos no Clube

Concórdia, numa solenidade prestigiada por autoridades políticas e representantes da

emissora de rádio. As atividades ligadas ao universo feminino são enfatizadas

constantemente na programação da emissora.

Contudo, na medida em que se constituía a estruturação da mecanização

foram poucos os espaços discursivos apresentando a participação feminina, embora a

atuação das mulheres tenha sido fundamental para a manutenção das famílias. No

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discurso intitulado “Mulher em Favor da Agricultura” tratou-se com certo espanto o

fato das mulheres interessarem-se pelas atividades agrícolas. O espanto residiu no fato

de Núbia Maria Bosa ser engenheira agrônoma formada em instituição de ensino do

interior do Rio Grande do Sul. Mas, não foi só isso ao reportar-se a visita dos jovens

Inelvo Banez Gregolli e Núbia Maria Bosa ao escritório da ACARPA, aproveitou-se o

momento para divulgar a fixação de ambos no município junto as atividades agrícolas. MULHER EM FAVOR DA AGRICULTURA Fato até curioso é o caso de uma senhorita dedicar-se às lides agrícolas.Não é o que comumente acontece por aqui. Esta foi mais longe e adquiriu conhecimento especializado através de escola, especificamente por uma faculdade de agronomia (Frente Ampla de Notícias, v. 32, 24.01.77 a 28.02.77).

O rádio, portanto, que se pensava seria um instrumento da difusão da cultura, quando muito cria uma série de clichês, frases de efeito e lugares comuns da classe média, porque o termo cultura de massa não significa cultura própria das massas, mas cultura de uma elite, condicionada a um sistema de marketing e difundida por uma tecnologia industrial para o consumo das massas (CAPARELLI, 1980, p. 84).

Os domingos eram os dias dedicados ao descanso e o rádio era componente

indispensável para que este descanso fosse agradável. Assim, a programação de

domingo era realizada com atrativos diferenciados: resumo das principais notícias da

semana, religião, bailes, esportes e música dividiam espaço no rádio como forma de

proporcionar aos ouvintes opções variadas de entretenimento. Os temas religiosos

incluíam a transmissão de cultos. Como parte das atividades ligadas ao lazer,

usufruídas principalmente aos domingos, os eventos esportivos também eram levados

ao público por meio do rádio. O restante das tardes de domingo tinha uma

programação dominada pela música. PROGRAMAÇÃO PARA AMANHÃ Dentro de uma programação domingueira, podemos destacar para amanhã além dos horários especiais como a crônica da semana, os cultos pela manhã, vamos chamar a atenção do pessoal ouvinte, que o programa Baile na Colônia apresentado pelo professor Rauber, será de uma apresentação especial diretamente do salão Wahys. Para a tarde de amanhã em uma dupla esportiva Brahma X Flamengo e Botafogo X Corinthians de Margarida. O resto do domingo [...] pela difusora é como você quer ... com boa música. (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

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Além disso, o final de semana era reservado para programas ligados às

festas e bailes. Entre eles, um dos programas de maior audiência era o chamado

“Baile na Colônia”: nome sugestivo, pois o público-alvo eram os agricultores

descendentes de alemães e italianos, a maioria deles proveniente dos estados de Santa

Catarina e Rio Grande do Sul. Com isto, vinculando sua programação às tradições

prestigiadas pelo grupo, a emissora de rádio apostava na manutenção de traços

culturais das famílias como forma de conquistar a audiência, já que os bailes eram

comuns nas comunidades de origem de grande parte das famílias rondonenses. Sendo

assim, a emissora levava ao ar um programa transmitido ao vivo direto de um salão de

bailes. Por meio de uma programação especial, a emissora reafirmava que os

trabalhadores rondonenses, envolvidos durante a semana com atividades agrícolas,

eram merecedores do descanso e do lazer aos domingos. BAILE NA COLÔNIA SOB NOVA BATUTA Nosso programa dominical Baile na Colônia, é mais um motivo para levarmos a alegria aos lares de nossos amigos colonos, daí a denominação de Baile na Colônia. Toda a classe de ouvintes que possuímos tem sempre um programa específico, com o qual nos honra com sua sintonia. O colono que labuta durante uma semana a fio, tirando da terra o seu sustento e dando-nos a maravilha de seus produtos, merecem pela nossa programação alguns momentos para o seu deleite (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

As atividades culturais eram reforçadas através de apresentações artísticas

que primavam pela incorporação de práticas e valores importantes para a comunidade.

Como exemplo, pode ser citado o destaque dado à vinda de um grupo folclórico que

apresentava danças estruturadas a partir da cultura e da tradição européias. O GRUPO FOLKLÓRICO DE GUARAPUAVA CHEGA HOJE Chega hoje a Quatro Pontes o Grupo Juvenil Folclórico de Guarapuava para algumas apresentações nesta região. Hoje à noite estará no Salão Nitz de Quatro Pontes, para uma apresentação de danças da Europa. Depois um bailezinho familiar, para que todos possam se divertir. [...] Trata-se de um grupo que pretende demonstrar a tradição européia, com trajes típicos das regiões que representa. Convidamos as famílias para assistir a este espetáculo de cultura e arte (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Assim como havia programas musicais, outros aconteciam com a

participação do público por meio de cartinhas, através das quais eram feitas as

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tradicionais homenagens de namorado para namorada ou entre amigos. No entanto, em

alguns casos, estas homenagens tomavam rumo indesejado: os ouvintes percebem a

facilidade de comunicar-se pelo rádio e a rapidez com que o possível informe chega ao

destinatário. A emissora, em nota ao público, passou a exigir nomes completos, pois

assim poderia responsabilizar as pessoas, caso fosse necessário.

Como exemplo, foi citado um namoro rompido que teve como saldo a

gravidez da moça. Com o passar dos anos, o rapaz se casou e sua ex-namorada, ainda

solteira, resolveu mandar-lhe uma homenagem em decorrência da passagem de seu

aniversário. O fato foi tratado como sendo ofensivo pelo pai da criança. A situação

resultou em críticas à emissora por ter veiculado tal tipo de mensagem. A defesa

pautou-se no profissionalismo e, portanto, não caberia à emissora tomar partido nos

conflitos. UMA NOTA OFICIAL DESTA EMISSORA Um belo dia vem a moça e faz uma dedicatória, dizendo que a criança dedicava a música X ao pai, por motivo de seu aniversário [...]. Já imaginaram se formos descendo ao ponto de ser muro de lamentações ou um saco de gatos, para atender as lamurias de todos... E já que estamos nisso, eu, particularmente tenho recebido cartas pedindo para xingar a A ou B. Não aceito o desafio ... não estou nesta emissora para isso, caros ouvintes. Posso sim aconselhar, procurar o bem, etc. mas meter-me em xingações, não posso e nem devo. Para isso existe ali o meu amigo sr. Maier, que, como delegado de polícia, está aí para botar freio, botar bronca até se for necessário (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

A troca de sub-prefeito no distrito de Margarida recebeu destaque na fala

jornalística, maximizando a presença da comitiva municipal como de hábito. Ao

prever discursivamente o desempenho do novo sub-prefeito Aluisio Hart, a reportagem

não deixa de representar e reforçar, trata-se de “um povo pra frente, honrado e

trabalhador” estes valores foram constantemente reforçados nos meios de

comunicação. SUB-PREFEITURA DE MARGARIDA TEM NOVO SUB-PREFEITO [...] Desejamos felicidades ao novo sub-prefeito senhor Aluisio Hart, e que a sua gestão naquela sub-prefeitura seja coroada de pleno êxito. Podemos antever os fatos pois sabemos que o pessoal de Margarida é um povo pra frente, honrado e trabalhador (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

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As constantes modificações nas programações de rádio direcionadas aos

agricultores tinham como função legitimar as diferentes informações, para favorecer o

modelo idealizado; instigando os sentimentos dos agricultores ou reforçando-os

através de adjetivos como “homem trabalhador e familiar”, acessórios discursivos

utilizados para expandir um modelo carente de trabalho que, inevitavelmente, é

imposto ao cotidiano do agricultor.

A questão trabalho e suas relações com o tempo livre são analisadas por

Valquíria Padilha na obra “Tempo livre e Capitalismo: um par imperfeito”. As

transformações tecnológicas são contextualizadas observando-se as transformações

humanas e do próprio trabalho. Segundo a autora, [...] o desenvolvimento do capitalismo tem exigido exatamente isso, uma ‘revolução de costumes’, de forma que os indivíduos estejam constantemente tendo que se adaptar às ‘novidades’, a novos modos de vida [...]. Essas transformações requeridas pelo capital para os indivíduos não os libertam de suas amarras, muito pelo contrário (Padilha, 2000, p. 36).

Contudo, devemos considerar as criações ou recriações de necessidades

configuradas pela lógica capitalista não somente no terreno econômico, mas também

sua invasão no cenário cultural. Dessa maneira, podemos caracterizar as

transformações no modo de viver de Marechal Cândido Rondon, principalmente

aquelas relacionadas ao lazer, alterado de acordo com os interesses capitalistas. A VOZ DO AGRICULTOR, UM PROGRAMA PARA O AGRICULTOR Com o início do mês de novembro, temos modificações a anotar em nossa programação. Hoje à tarde, após a apresentação do programa Lenço Colorado, teremos a apresentação do programa A VOZ DO AGRICULTOR. Será um programa especial para o agricultor, de informações, homenagens e boas músicas (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

Embora predominasse a imprensa falada no município, também circulavam

jornais considerados “informativos”. Porém, como se pode observar no trecho

selecionado, o conteúdo destes jornais era carente de críticas. O jornal intitulado “O

Desbravador”, recebe nome atribuído a quem colonizou a região, título que toma ares

de “nacionalismo”. Não obstante, o conteúdo relatava o clima de festa em decorrência

da comemoração da “independência” do Brasil. São estes, elementos que evidenciam

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os valores ideológicos fortemente presentes nesse período. O DESBRAVADOR VAI SAIR DIA 7 Este órgão da imprensa escrita, marcará a data de 7 de setembro, com a distribuição em todo o município de uma edição especial. [...] A edição trará mensagens com referência a passagem da grande data, fazendo com que nosso povo viva o estímulo novo que se pretende levar com a realização marcante de uma festividade pela passagem de mais uma data da independência brasileira. [...] prestando de certa forma uma homenagem à grande data que ficará marcada nos anais da história deste único órgão da imprensa escrita em nosso município. (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69)

Por tratarem-se de periódicos, através destes jornais os rondonenses

mantinham um canal de comunicação com o Rio Grande do Sul, principalmente por

meio do jornal intitulado “O Celeiro”. Uma maneira encontrada pelos migrantes de

obterem notícias de familiares deixados naquele Estado. O JORNAL “O CELEIRO” Estamos recebendo toda a semana 10 exemplares do jornal O CELEIRO de Três Passos, no Rio Grande do Sul. É um jornal novo daquele município, e que é editado todas as quintas-feiras, trazendo notícias de Três Passos, Portela, Crissiumal, Campo Novo, Santo Augusto, Humaitá e região. Há muitas pessoas que, tendo vindo daqueles locais, gostam de estar a par do que acontece em seus velhos municípios. (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

A ligação direta com o agricultor consolida-se com o programa “A Voz do

Agricultor”, as alterações nas programações adotam conteúdos como o de utilidade

pública, informativo cultural e educativo, atribuídos como um prêmio aos ouvintes. O

sentimento de preocupação com o público agricultor é constantemente reforçado, daí a

abertura de um espaço na programação, para instituições como a ACARPA, Prefeitura

Municipal e outras. A VOZ DO AGRICULTOR COM NOVIDADES Este programa, A Voz do Agricultor, é de utilidade pública, educativo e informativo. Por isto sofreu uma ampliação, em favor do ouvinte, que tem nele, um grande amigo para momentos de alegria [...]. Às quartas-feiras, durante 10 minutos, traremos até aqui, responsáveis pela ACARPA e às sextas-feiras, dados da SEMEC, Serviço Municipal de Educação e Cultura (Frente Ampla de Notícias, v. 10, 01.10.70 a 10.02.71).

Por ocasião das festividades do aniversário do município, as mensagens

transmitidas pelo poder executivo vêm carregadas de menções ao “progresso”

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econômico e cultural. Nos argumentos, circulam afirmações positivas justificadas nos

níveis de produção, logo, o cultural estava de acordo aos níveis de instrução desejados

pelo sistema. MENSAGEM DO PODER EXECUTIVO PARA O DIA 25 DE JULHO DE 1977 Hoje vemos o progresso estampado bem a nossa frente, com o município de Marechal Cândido Rondon alcançando os mais altos índices no setor econômico e cultural, junto ao concerto estadual (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).

A apresentação indutiva presente na fala da empresa é difundida

oportunamente à comemoração dos 13 anos da rádio difusão. Conforme informação

dada inicialmente, o poder de abrangência da rádio era local, passando a atingir maior

público e crescer, juntamente com o crescimento da região. Em seu interior, o discurso

afirma o papel do rádio enquanto veículo a serviço da informação e encarregado do

lazer musical. Por conseguinte, no dia 19 de novembro de 1966, às 11 horas da manhã,

transcorreu oficialmente a inauguração da Rádio Difusora.

Na ocasião, a Inspetoria Regional de Ensino representada na pessoa do Sr.

Oldemar Baldus, parabenizou a emissora e chamou a atenção de todos para os

elementos inovadores adotados na atuação da imprensa, que considerou fundamentais

para “uma constante mudança de mentalidade para o nosso povo”. 13 ANOS DEPOIS Recebemos os cumprimentos da Inspetoria Regional de ensino através do seu titular Oldemar Baldus desejando a continuidade dos trabalhos como agentes trazendo cultura, educação e uma constante mudança de mentalidade para o nosso povo (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

O esforço constante em manter a produtividade sustentada nos mecanismos

de rentabilidade foi organizando as peças conforme as novas regras do jogo, sem

perder de vista a “vitória”, que seria concretizada na alteração dos comportamentos

com a consolidação do modelo idealizado.

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4.1 COTIDIANO RURAL: TRANSFORMAÇÕES DE HÁBITOS

A transformação do cotidiano rural ocorre no contexto da aprovação dos

grupos detentores do poder, que procuram criar ou recriar uma forma de modelo,

conduta ou representação. Essa questão é profundamente estudada por CHARTIER

(1990, p. 17). As representações do mundo social assim construídas aspirem a universalidade de um diagnóstico fundado, na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.

Com essa atitude pretendem que certos traços culturais sejam remodelados,

e os passatempos envolvendo o lazer estejam essencialmente vinculados a padrões

técnicos e que estes sejam compartilhados em conjunto. Para tanto, o discurso criado

apresenta os padrões adequados para o trabalho rural. As informações jornalísticas

criam expectativas para a assimilação dessas novas situações.

As ocupações no extremo Oeste por descendentes de alemães, italianos e

eslavos, revelam o conhecimento e envolvimento destes com atividades agrícolas. A

atividade de que se destaca é a agricultura em pequenas propriedades, envolvendo o

trabalho familiar.

O processo de transformação se dá já na primeira fase, após a retirada de

pequenas parcelas de mata na qual ocorria a prática da policultura, estruturada a partir

do cultivo de inúmeros produtos e a criação de pequenos animais (suínos e aves)

destinados ao sustento da família, sendo a sobra da produção destinada a

comercialização. Neste processo inicial da agricultura se desenvolve com o uso da

fertilidade natural do solo e o envolvimento da família no trabalho. Para LOPES A necessidade de trabalho adicional pelas unidades camponesas, em certas épocas (limpa colheita) é satisfeita por formas de ajuda mútua (mutirão, troca de dias) prevalecendo entre elas, e só raramente pelo emprego do trabalhador eventual. Qualquer que seja a situação, a de proprietários ou rendeiros, a economia camponesa significa a produção de grande parte dos bens agrícolas (e de muitos dos artesanais) consumidos por seus membros. (LOPES, 1981, p. 19)

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Foto 10 – Trabalho em Mutirão

O trabalho junto ao cultivo de milho era realizado pelos filhos da família Chapla e Mendes na propriedade de João Chapla. O plantio desenvolvido com máquinas manuais solicitava o trabalho em forma de mutirão, concluída a atividade na roça de Chapla certamente o plantio efetuaria-se na roça de Mendes. Descanço década de 1960. FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser

No período da agricultura tradicional havia uma grande integração nas

localidades, linhas, distritos e municípios. O trabalho da colheita da soja recebia um

forte aliado: o mutirão. “Os agricultores trabalham ao ar livre mais do que o fazem os

trabalhadores na maioria das ocupações urbanas. Eles estão mais expostos à flutuações

das várias condições climáticas” (MARTINS, 1986, p.200). Para agilizar a colheita em

períodos de longas chuvas, os agricultores passam dia e noite voltados para a colheita.

O trabalho do corte da soja era realizado com foicinhas e, posteriormente, trilhado com

a trilhadeira acionada com motor estacionário a diesel ou gasolina. Já o recolhimento

dos feixes cortados era transportado até o local da triagem pelas carroças puxadas por

juntas de bois ou cavalos. Tal atividade era executada por crianças, mulheres e

homens. Este sistema de colheita era dividido em duas fases: o corte, que ocorria

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durante o dia e a trilhagem, que era executada à noite. Na trilhagem, as atividades

eram desenvolvidas em grupos: os que entregavam feixes ao embocador, que ficava

em frente à “boca” da trilhadeira, e os que retiravam o produto trilhado e ensacavam.

Havia também o trabalho das mulheres que faziam a costura das bolsas e os

responsáveis pelo “sacapalha” que retiravam o excesso de palha evitando, desta forma,

o entupimento da trilhadeira. Segundo MARTINS, “o principal critério para definição

da população ou da sociedade rural é ocupacional: a coleta e o cultivo das plantas e a

criação de animais” (MARTINS, 1986, p. 200).

As relações diretas do trabalhador com a natureza são visíveis e

significativas no extremo oeste, principalmente na fase da policultura, quando as

atividades são realizadas à noite e estão ligadas às manifestações da natureza. Neste

contexto, ocorre uma proximidade maior e uma relação mais direta com a natureza (solo, flora, fauna, sol, lua, céu, vento, chuva) do que nas cidades. O morador da cidade é separado de tudo isto pelas grossas paredes das gigantescas construções urbanas e pelo ambiente artificial da sociedade de pedra e ferro (MARTINS, 1986, p.201).

Assim, a cidade vive uma rotina diferente, cercada pela “selva de pedra”

que afasta o homem da natureza. Um problema de identificação é sentido pelas

pessoas que são excluídas do campo e acabam fixando residência na cidade. Eis que “a

população das comunidades rurais tende a ser mais homogênea em suas características

psico-sociais do que a população das comunidades urbanas” (MARTINS, 1986, p.

204).

O agricultor cuidava de sua propriedade e nos dias de chuva preparava a

casa, construía chiqueiro, galinheiro; a horta recebia os cuidados necessários e as

mulheres faziam faxina no período da tarde ou à noite. Os vizinhos mais próximos

reuniam-se para conversar. Isso evidencia as “[...] características psico-sociais

adquiridas, tais como linguagem, crenças, opiniões, tradições, padrões de

comportamento próprios das pessoas que habitam o espaço rural” (MARTINS, 1986,

p. 204).

A integração dos agricultores à nova realidade moderna baseada na técnica

é visualizada no impacto verificado quando de sua transferência para o espaço urbano,

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sendo que “[...] a cidade é uma co-residência dos tipos de personalidades humanas as

mais heterogêneas” (MARTINS, 1986, p. 204), e o espaço rural apresentava uma

realidade, em certa medida, diferente com a qual o agricultor precisa aprender a

conviver. Essas mudanças estão presentes na fala nostálgica de A: A gente se visitava, mais do que agora. Agora ninguém visita ninguém, parece que esqueceu um do outro. Antes era tudo mato e era mais fácil de se visita [...]’. Parece impossível, mas mudô [...]. Ninguém tem tempo, não sei. Brigado ninguém tá, nem discutiu, nada, tão se dando bem. Parece que perderam o gosto de se visitá (A, 19 fev. 1996).

Mas, para entender como se dá essa transformação de hábitos,

principalmente no campo, vamos retomar à expressão da variação das funções que

intensificam as idéias estruturadas até então. A comunidade rural possuía formas

simples de alimentação como a gordura que era retirada da carne do porco e o leite,

que era garantido pelas vacas criadas na propriedade. Era comum que, quando um

agricultor abatia um porco, dele retirava a “banha” que era estocada e da carne se

produzia o salame. Essa prática aproximava os vizinhos que, de forma comunitária,

conduziam as atividades relacionadas ao abate de animais: a carne suína era frita e

depositada, juntamente com a gordura, em latas. Poderia ser então conservada e

consumida num período de seis meses. Os vizinhos recebiam carne fresca e, quando

abatiam um animal, retribuíam da mesma forma. Assim, era possível que todos, de vez

em quando, consumissem carne fresca. Outra alternativa consistia no abate de um

frango para se fazer “galinhada”, sopa ou mesmo carne frita.

Dessa forma, a troca de favores mantida tradicionalmente entre os

agricultores exercia um papel importante na organização destas famílias. No entanto, a

solidariedade inscrita em tais hábitos perde espaço para o consumo de produtos

industrializados, ligados principalmente a interesses comerciais gerados no âmbito

histórico. Como resultado da mudança nos hábitos alimentares ocorrida na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, a partir da Segunda Guerra Mundial, a gordura animal passou a ser substituída por óleos vegetais. Obviamente foi uma mudança induzida pelos interesses dos grupos econômicos que estavam assumindo o comando da economia. Para operar mudanças na produção há que se introduzir mudanças no consumo. Afirma-se, então, com crescente insistência, que os óleos vegetais eram mais saudáveis que a gordura animal (BRUM, 1983, p. 101-102).

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A substituição dos produtos domésticos por produtos industrializados

movimenta a indústria e atende, portanto, aos desejos comerciais. Além disso, “o

agricultor foi facilmente induzido a se tornar um bom consumidor de bens de consumo

duráveis: automóveis, eletrodomésticos etc.” (BRUM, 1983, p. 141). Portanto, o

individualismo presente nas relações sociais calcadas no consumismo —

compreendido como forma de satisfazer desejos individuais — revela um quadro de

transformações no qual os vizinhos já não têm uma relação tão solidária como em

épocas anteriores. Nos bastidores temos a presença, ainda que pouco acentuada, da

integração da região à produção de mercado.

A manchete “Fatos que Revoltam” manifesta um discurso sentimentalista

em defesa da honra e dos bons costumes: Não é possível que em pleno segundo período do século 20 haja pessoas tão desumanas e que tenham a coragem de praticar atos que merecem reparos. Hontem falamos do caso de animais mortos e levados à terra alheia. Hoje temos mais um fato a relatar. Conhecemos de há muitos anos o Sr. Germano Winter. Um velhinho bondoso, calejado pelas dezenas de anos de trabalho incessante, que criou uma família numerosa. Hoje, com seus 80 anos vividos, o velho Germano Winter ainda não se aposentou. Continua tão agricultor como o foi nos bons tempos de mais jovem. Planta, colhe e faz a grandeza do Brazil. Como todos, o velho Germano também plantou alguns pés de melancia. Ela é tão gostosa no verão. É a fruta tradicional do Brasil. Acontece porém, que espíritos desumanos que não podem ver a paz de espirito de ninguém, nem mesmo dos velhos. Alguém teve então a diabólica idéia de ir ao melancial do velho Germano e arrasar com as frutas, que ainda estão verdes [...]. Daí nossos comentários de revolta contra tudo o que está errado (Frente Ampla de Notícias, v. 1, 14.11.66 a 28.02.67).

O rádio se apresenta como defensor daqueles que não têm como se

defender. O ataque “contra tudo o que está errado” aparece então como argumento que

visa caracterizar o veículo como arma a ser utilizada na defesa dos interesses dos

agricultores. Num primeiro momento, os comentários acima retomam notícias

anteriores envolvendo a atitude de certos agricultores que depositaram animais mortos

no rio, prejudicando assim moradores que utilizavam a água do rio. Logo em seguida

são descritas as características de um idoso, vítima da ação de “vândalos” que

destruíram suas plantações. O discurso não termina por aí e ressalta o número de filhos

criados pelo idoso e a contribuição do trabalho deste agricultor para o

desenvolvimento da região: dá ênfase ao feito deste continuar trabalhando e ainda não

ter se aposentado. “Planta, colhe e faz a grandeza do Brazil”, nessa frase temos o

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elogio ao “progresso” carregado de sentimentos nacionalistas. Mas, o que queremos

destacar nesta notícia é o reforço à valorização do homem trabalhador e honesto.

Em várias matérias divulgadas pelo rádio era dada ênfase, principalmente, à

produção municipal, já que “todos sentem um orgulho em mostrar o que é seu”.O

argumento cristaliza informações articuladas com outros meios de comunicação e o

destaque recai sobre as feiras de exposição de produtos, mecanismo associado à

representatividade da região junto ao cenário estadual e até nacional. A força

discursiva dá legitimidade a FAOP – Feira de Amostra do Oeste do Paraná -, evento

que serve de vitrine para a exposição da produção local dos municípios do Oeste do

Estado. Os interesses visam destacar a produtividade rondonense: “temos certeza de

que Marechal Cândido Rondon terá muito a mostrar e com distinção”. Nesse sentido,

fez-se um reforço para que os preparativos tomassem corpo e rapidez para ocupar o

merecido destaque. Esses incentivos às exposições procuram estimular o agricultor

“para que não somente pense em produzir, mas também prepare um bom produto de

exposição”. PRIMEIRA FEIRA DE AMOSTRAS DO OESTE DO PARANÁ Agora chegou a vez do Oeste do Paraná, e começamos a anunciar ontem sobre a “1ª FAOP – Feira de Amostras do Oeste do Paraná”. Nesta ocasião, todos os municípios da região terão sua vez de mostrar aquilo que produzem, e enfim, promover o Oeste paranaense. Oportunidade de ouro para o nosso município, e temos certeza de que Marechal Cândido Rondon terá muito a mostrar e com distinção, basta que se comece o preparo logo, para uma colaboração decisiva dentro desta feira regional. A primeira FAOP iniciará dia 15 de novembro, e se estenderá até dia 23. Havemos de levar maior estímulo à nossa gente, para que não somente pense em produzir, mas também prepare um bom produto de exposição (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

Visando romper com o passado ligado à colonização, o jornal “O

Desbravador” troca de nome para “O Impulso”. Dessa forma, o jornal estudantil tinha

um alcance estadual. A troca de nome estava vinculada diretamente aos

acontecimentos sociais, pois a década de 1970 marca o auge da tecnificação no campo. O DESBRAVADOR, AGORA É O IMPULSO A própria diretoria da ARES disse que “Desbravador” dava uma impressão de que estávamos dentro do mato (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

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A troca do nome do jornal reflete o desejo de adotar uma postura mais

moderna, mostrando que o contexto já não é o mesmo de décadas anteriores. O termo

“Impulso” concentra tais perspectivas na medida em que aparece como referência ao

progresso e desenvolvimento verificados no município através da incorporação de uma

série de procedimentos técnicos avançados.

A oscilação constante dos preços dos suínos é outro fator que interfere

decisivamente na estruturação da produção agrícola. A suinocultura era assim

prejudicada pela falta de preços adequados; sendo este quadro justificado pelo fato de

que as expectativas de lucro não eram atendidas. A alternativa estava centralizada na

comercialização de produtos como a mandioca e o milho que poderiam servir como

forma de subsistência para as famílias. Os resultados e condições da especialização

desenvolvida por vias mecanizadas geraram discursos em torno da mão-de-obra ociosa

no campo, desencadeada pelo “conforto” oferecido pelos maquinários. Nesse sentido,

foram sugeridas, em 1975, atividades relacionadas com a suinocultura e

hortifrutigranjeiros que poderiam ser praticadas nos novos padrões técnicos suprindo,

mesmo que só no discurso, as necessidades da comunidade e do comércio, que vinham

sentindo a carência desses produtos.

Com os altos preços pagos por estes produtos e as péssimas condições em

que chegavam à mesa do consumidor, sugere-se que “precisávamos fazer com que

alguém se interessasse no assunto, absorvendo a mão-de-obra familiar”. As funções da

fala mudam o discurso: antes as hortas cederam espaço para a especialização; mas,

com a falta de alguns produtos — anteriormente produzidos com o sistema baseado na

policultura — sugere-se a necessidade de retornar a estas atividades. Como já visto no

decorrer do trabalho, no início da ocupação das terras, os incentivos estavam centrados

na mecanização e no conseqüente abandono das hortas. Além disso, os baixos preços

desestimulavam a criação de suínos e o novo processo “necessitava” do tempo integral

do agricultor direcionado para o desmatamento. Com a implantação do modelo, a

máquina passa a executar os trabalhos. A preocupação em retomar o cultivo em hortas

não estava relacionada às condições precárias dos agricultores, mas devido à falta de

produtos no mercado.

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SUINOCULTURA OU ATIVIDADE HORTI-GRANJEIRA: UMA SOLUÇÃO A volta da plantação de milho e mandioca, cujos produtos, uma vez não consumidos totalmente [...] servem como recurso rendoso para o comércio, podendo o milho ser exportado e a mandioca, uma vez não consumida em criações, poderá ser comercializada com as fecularias. É um caso importante a ser pensado, pois a persistência na monocultura de forma mecanizada na realidade é mais pratica, porém absorve pouca mão de obra e afasta a possibilidade de que o homem do campo, hoje rodeado de conforto, persista na luta pela atividade agropecuária [...]. As coisas podem piorar e, as atividades horti-granjeiras se não forem feitas a nível comercial, pelo menos servirão para a sustentação familiar. Todos esses produtos adquiridos hoje em supermercados vêm de fora em sua maior parte, chegando aqui, quando não deteriorado, pelo menos com a perda de grande valor nutritivo. Precisávamos fazer com que alguém se interessasse no assunto, absorvendo a mão-de-obra familiar (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).

As transformações cotidianas foram fortemente sentidas, principalmente no

setor ambiental, pois as queimadas passaram a fazer parte do dia-a-dia do agricultor. O

IBDF — Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal — divulgava constantes

alertas, solicitando cuidados com as queimadas em pastagens, já que, em muitos casos,

foram verificados acidentes na realização desta prática, tais como danos às plantações

de propriedades localizadas nas imediações. Como nesse período, segundo a fala de

um dos engenheiros do IBDF, a safra do trigo prometia uma safra farta, as queimadas

descontroladas poderiam prejudicar a colheita. I.B.D.F. TEM MEDO DE QUEIMADAS Mesmo com as chuvas esparsas que se fazem sentir, o [...] Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal tem medo de novas queimadas, recomendando ao meio rural para que tenham redobrados os cuidados e a vigilância contra o fogo acidental ou por outro lado proposital quando da necessidade da limpeza de áreas de cultivo ou pastagens [...]. Temendo a verificação de uma nova etapa de queimadas, uma nota do engenheiro Humberto José Jusi diz sobre orientação ao uso adequado do fogo quando necessário, assim como no controle dos incêndios que possam ocorrer (Frente Ampla de Notícias, v. 23, 31.07.75 a 14.11.75).

Ademais, o discurso de povo ordeiro não encontrava sustentação devido aos

relatos de furtos ocorridos no município. Como forma de caracterizar o progresso do

município, falou-se da profícua colheita de milho. No entanto, foram condenados os

tradicionais furtos de “milho verde”: a crítica está direcionada ao fato das pessoas

tomarem o cereal sem pedir ou propor um pagamento, o que gerou certa polêmica,

levando muitos agricultores queixosos a enviaram correspondência à rádio. A

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reclamação residiu no fato dos roubos não serem de algumas espigas, mas de grandes

quantidades, não só de milho mas também de mandioca. A queixa dos agricultores não

estava centrada apenas no fato de serem levadas algumas espigas de milho ou ramas de

mandioca. O motivo maior da revolta foram os estragos causados na plantação. O

noticiário revela que entre os “ordeiros”, existiam conflitos. ROUBO DE MILHO EM GRANDE ESCALA Os colonos que plantaram milho estão satisfeitíssimos com a ótima qualidade que o produto vem apresentando e, muitos até se arrependem de não haver plantado mais. Nessa época, o roubo do milho verde é até um fato tradicional, pois são poucos aqueles que se dignam dirigir-se à casa do colono para pedir ou propor a compra de umas espigas que estão “no ponto” (Frente Ampla de Notícias, v. 24, 15.11.75 a 31.01.76).

A estrutura discursiva passou a reproduzir falas que se caracterizavam pela

transfiguração do agricultor ordeiro e trabalhador. Como veremos, a ACARPA havia

colocado placas de sinalização entendidas como serviço de utilidade pública. Na

ocasião, o trabalho foi sistematizado pelos clubes 4-S que efetivaram a sinalização das

estradas mediante a colocação de placas no interior do município. Tais placas visavam

coordenar o crescente fluxo de máquinas verificado nas estradas. Contrariando as

características dos moradores do município, “ordeiros, honestos e trabalhadores”,

algumas pessoas arrancaram estas placas, trocando-as de lugar, tendo como objetivo

desorientar os usuários das estradas. PLACAS DE SINALIZAÇÃO DO INTERIOR SÃO DESTRUÍDAS A ACARPA, num serviço de utilidade pública, através dos clubes 4-s dos distritos de localidades, procedeu, há tempos atrás, a sinalização indicativa das estradas, por todo o interior do município [...]. É de lamentar que elementos mal intencionados mexam nestas placas, trocando a sua indicação para outra via, causando transtornos para quem faz uso dela (Frente Ampla de Notícias, v. 34, 01.04.77 a 29.04.77).

A emissora de rádio se apresenta como uma espécie de advogado de defesa

dos interesses dos agricultores rondonenses BANCO DO BRASIL ALERTA SOBRE O APARECIMENTO DE PICARETAS VENDEDORES DE CARNETS O gerente do Banco do Brasil, agência de Marechal Cândido Rondon, esteve conosco hoje de manhã contando sobre o fato que desabona a conduta de elementos inescrupulosos que, se aproveitando da ingenuidade de pacatos cidadãos do interior do

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nosso município e região, tem realizado um serviço sujo, no intuito de extorquir quantias em dinheiro [...]. Compareceu à agência do banco contando sobre o fato de um cidadão, haver comparecido à sua residência [...] para a venda de seguro de vida, que, tinha vinculação com o Banco do Brasil [...]. O alerta é dado com a finalidade de evitar que se repita o ocorrido, pois os vivaldinos estão por aí [...] e, somente os “trouxas” é que entram nas maiores frias que indivíduos de má fé aplicam com a maior naturalidade. O gerente da agência do Banco do Brasil mostrou-se preocupado e ao mesmo tempo ficou estarrecido por saber que existem em nosso meio pessoas tão ingênuas a ponto de caírem nesses contos talvez sob alegações que nem sequer possa passar pela mente de uma pessoa de sã consciência (Frente Ampla de Notícias, v. 34, 01.04.77 a 29.04.77).

Os golpes eram uma constante entre os agricultores, pois os agentes do

Banco do Brasil cativaram a confiança do agricultor e os golpistas, em nome do banco,

sustentavam suas armadilhas, como a venda de seguros, cobrando taxas por tais

transações, procedimento proibido aos funcionários do Banco do Brasil.

Desse modo, a emissora faz o registro de diversas tentativas de enganar os

agricultores e chama sua atenção para as atividades dos astrólogos, as consultas

sentimentais, os bilhetes premiados etc., incluindo em seus argumentos o fato de que a

própria emissora negar-se a divulgar estas atividades ilícitas. EXPLORADORES APORTAM NA REGIÃO Nosso município já foi vítima, em muitas ocasiões, de pessoas que operam neste tipo de atividade, e que enquanto no início se mantinham fornecendo [...] consultas, acabaram sempre, no final, extorquindo o dinheiro de alguns [...]. Muitos agricultores, mesmo estando avisados, acabavam comprando bilhetes premiados, minas de ouro falsas e assim por diante (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).

Por meio de nota oficial, o sub-gerente do Banestado local, alertou os

agricultores da presença de golpistas na região, frisando que em nenhum momento

estes deveriam pagar algum montante a visitas de técnicos, fiscais ou agentes. BANESTADO CHAMA A ATENÇÃO DOS AGRICULTORES O sub-gerente e chefe de serviços da agência do Banestado local [...] vem chamando a atenção dos moradores no município, [...] dos incautos agricultores quanto ao aparecimento de pessoas sem escrúpulos que estão aplicando golpes na tentativa de extorquirem somas em dinheiro com alguns fatos já constatados. De [...] especial aos senhores agricultores, o Banestado comunica que nenhum pagamento deve ser feito quando da visita de seus técnicos. Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77)

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AGRICULTOR VÍTIMA DE NOVO GOLPE Na manhã de ontem, um malandro fez-se passar por fazendeiro de Mato Grosso e abordou o agricultor Romeu Lermer, de Novo Três Passos, queixando-se de que fora roubado sua mala na Estação Rodoviária, contendo roupas e 100 mil cruzeiros em dinheiro. Também lamentou que seu gado estivesse morrendo pelo que, solicitou os préstimos do agricultor para localizar uma benzedeira que afastasse o mal que afeta seu rebanho. E para que tudo parecesse real, o vigarista não teve dúvidas em derramar algumas lágrimas, num choro teatral (Frente Ampla de Notícias, v. 41, 16.01.78 a 23.02.78).

O golpe do “bilhete premiado” era outra das armadilhas nas quais muitos

agricultores foram vítimas. Neste tipo de golpe, seus executores realizavam uma

espécie de dramatização para convencer os agricultores. Por meio de histórias

extraordinárias, acabavam levando dinheiro de algumas pessoas. No exemplo, José

Martini, de Quatro Pontes, foi abordado por um rapaz de aparência humilde com um

bilhete premiado nas mãos dizendo não saber o que fazer com o mesmo. Apresentando

traços forjados de ingenuidade, convenceu o agricultor de que nunca havia jogado e

por este motivo não sabia como proceder. Logo de imediato, surgiu outro personagem,

aparentando cerca de 30 anos, que chamou o agricultor para uma conversa particular,

através da qual confirmou a ingenuidade do rapaz e sugeriu ao agricultor que

propusesse a compra do bilhete. Como o valor do bilhete era de 500 mil cruzeiros, o

agricultor propôs pagar apenas uma parte deste valor: 60 mil cruzeiros. Como levava

consigo apenas 10 mil cruzeiros, sugeriu a possibilidade de conseguir o restante. José

retornou então a Quatro Pontes e emprestou 30 mil cruzeiros para efetuar o negócio.

No entanto, ao desconfiar do golpe, já era tarde. CONTO DO BILHETE PREMIADO VOLTA A SER APLICADO O repleto noticiário sobre pessoas incautas que caem no conto do bilhete premiado, esta tática voltou a ser ontem aplicada. José Martini, agricultor de Quatro Pontes encontrou próximo ao Banco do Brasil um rapaz, de seus 20 anos de idade, tez escura, magro, calçando chinelos de dedo e portando uma bolsa de pano [...]. O humilde rapaz, conseguiu contagiar o agricultor com uma triste estória. Este o acompanhou até a praça Willy Barth, e o pretinho disse possuir um bilhete que disseram estar premiado (Frente Ampla de Notícias, v. 47, 16.09.78 a 31.10.78).

Note-se o tom preconceituoso da reportagem, pois o golpista é

caracterizado num primeiro momento como tendo a “tez escura”; mais adiante, é

chamado de “pretinho”. Além disso, o golpe do bilhete premiado possui um elemento

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fundamental para que tenha sucesso: a ganância e o desejo de enriquecimento fácil

manifestado pelas pessoas ao serem abordadas pelos golpistas.

Como os ataques ao meio urbano já eram bastante conhecidos, surgem

novas formas de golpe. Desta vez, os criminosos tomam emprestado o nome do Banco

Central e, na condição de funcionários, visitam os agricultores em suas propriedades.

A vítima, Edmundo Ernesto Müller, morador da Linha Peroba, foi contatado tendo em

vista um levantamento de dados cadastrais através do que eram obtidas informações

sobre a quantidade de terras, cultivo de soja, criação de gado e saldo bancário do

agricultor. Na ocasião, os fraudadores propuseram ao agricultor uma carteirinha de

sócio do Banco Central, fazendo a menção de que a mesma custaria 2 cruzeiros. O

agricultor aceitou e quis pagar em dinheiro, mas o dinheiro foi recusado. Assim, a

importância foi paga através de um cheque preenchido pelos supostos funcionários e

assinado por Ernesto Müller. No ato do saque, o mesmo foi alterado para 2 mil

cruzeiros. No entanto, os criminosos não foram felizes, pois, felizmente ou

infelizmente, não havia saldo suficiente. Mesmo assim, os supostos funcionários do

Banco Central não desistiram e se deslocaram a um estabelecimento comercial,

efetuando assim a troca do cheque. VIGARISTAS APRESENTAM-SE COMO FUNCIONÁRIOS DO BANCO CENTRAL E LESAM AGRICULTOR Edmundo Ernesto Müller [...] recebeu a visita de dois indivíduos se intitulando funcionários do Banco Central de Brasília, e que lá compareciam para efetuar o cadastro do agricultor, para o Banco Central [...]. Edmundo Ernesto Müller quis pagar em dinheiro, o que evidentemente, não foi aceito. Receberam um cheque naquele valor que foi assinado pelo agricultor, porém, preenchido por um dos vigaristas (Frente Ampla de Notícias, v. 49, 21.12.78 a 05.02.79).

Estas ocorrências, mudaram os hábitos cotidianos. Anteriormente a esses

fatos, muitos dos agricultores davam abrigo a quem necessitasse. Os vendedores e

fiscais de bancos eram bem recebidos: caso fosse “hora do chimarrão”, eram

convidados para fazer parte da roda e, caso fosse meio-dia, o visitante recebia o

convite para almoçar com a família do agricultor. Mas os inúmeros golpes foram

diminuindo a hospitalidade. Os agricultores, caso notassem a presença de estranhos,

recebiam-nos com o portão fechado e logo era dispensado. Em alguns extremos, houve

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casos de agricultores que simplesmente evitavam contatos com estranhos.

O rádio é o mecanismo através do qual os agricultores são alertados para

não serem vítimas da atuação destes “marginais”.

Outra instituição que se dizia bastante preocupada com os interesses dos

agricultores era a ACARPA, com destaque para seu papel na indicação de alternativas

de produção para os agricultores. Em sua programação para 1980, o órgão

governamental — juntamente com representantes da Prefeitura Municipal entre outras

lideranças que costumeiramente faziam parte destas iniciativas — sugeriu para o

município o fomento de atividades relacionadas à avicultura. Para tanto, foi solicitado

apoio ao departamento de projetos da ACARPA do Paraná, tendo em vista a

necessidade de desenvolver as atividades atendendo aos parâmetros técnicos exigidos

para a industrialização e comercialização de frangos. REPRESENTANTES DA AGRICULTURA DEFINIRAM A PROGRAMAÇÃO DA ACARPA PARA O PRÓXIMO ANO [...] Dentro do programa da ACARPA, ficou igualmente estabelecido que o escritório local dará amplo apoio ao desenvolvimento da horticultura e fruticultura do município (Frente Ampla de Notícias, v. 57, 03.11.79 a 12.12.79).

Com efeito, os discursos projetados por interesses capitalistas, moldaram os

costumes, obra particular com grau elevado de tecnificação, atuante na dinâmica das

necessidades do mercado interno e externo, levando o agricultor a reformar seus

hábitos no contexto das propostas executadas no campo.

Numa ação conjunta entre Prefeitura Municipal, ACARPA e Copagril, foi

promovido um “treinamento doutrinário” de Diretorias de APPs, Clubes de Jovens

Cooperativistas e Clubes de Mães. Os locais escolhidos para o treinamento foram os

distritos, pois assim integrariam todos os grupos por meio de um trabalho conjunto que

tinha como objetivo principal contribuir para o desenvolvimento da comunidade. TREINAMENTO DE LIDERANÇAS E DIRETORIAS DE APPs No período de junho a setembro deste ano, a Prefeitura Municipal, a ACARPA e a COPAGRIL estarão promovendo um treinamento doutrinário de diretorias de APPs, Clubes de Jovens Cooperativistas e Clubes de Mães [...]. O objetivo principal destes treinamentos é capacitar e motivar os membros das Diretorias destes Clubes e APPs, para um trabalho integrado com a escola, visando o desenvolvimento de sua comunidade (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).

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4.2 FESTAS

As festas e eventos ligados ao entretenimento no município de Marechal

Cândido Rondon primam pela relação estreita com os valores prestigiados pela

comunidade. Por tais motivos, aquelas que mais se destacam são as festas ligadas à

igreja ou ao trabalho.

Com relação ao trabalho, é destaque no município a realização de eventos

que visam enaltecer as atividades desenvolvidas pelos agricultores. Para tanto, são

organizadas exposições daqueles produtos que se destacam. Para entendermos estas

razões, o noticiário intitulado “Nota para o Plantador e Criador” localiza o ponto

discursivo que manifesta falas enaltecendo o “orgulho” por parte do agricultor em ter

criado o maior suíno ou cultivado a maior planta. Para mostrar estes produtos, os

representantes políticos municipais mencionam a construção de um Parque de

Exposições. Criador leva o orgulho consigo quando consegue uma coisa melhor de todas. Notícia corre quando uma certa pessoa pesou um suíno e diz-se o suíno mais pesado da região. Vemos brilhar os olhos do cidadão possuidor do animal mais bonito da espécie ou ele plantou e colheu a espiga de milho maior do ano. Para que todos possam apresentar aquilo que é seu mundo dentro da agricultura, pecuária, etc. foi que o Sr. prefeito municipal projetou o parque de exposição municipal, que já tem o local definido (Frente Ampla de Notícias, v. 2, 11.03.67 a 10.07.67).

Neste local, são realizadas exposições de produtos agrícolas e desfiles de

equipamentos agrícolas, como amostra do desenvolvimento do município.

Com relação a outros aspectos do cotidiano rural, cabe destacar a alteração

nos hábitos ligados ao vestuário dos agricultores. Com freqüência, o agricultor

abandona sua forma tradicional de vestir. De início, as famílias vestiam roupas de festa

(as chamadas “domingueiras”), confeccionadas pelas esposas: geralmente eram

adquiridas grandes peças de tecido, através das quais se faziam as calças e saias, bem

como blusas e camisas. Fato curioso, de acordo com relatos, era a identificação das

famílias através de suas roupas, já que pai, mãe e filhos usavam roupas feitas a partir

do mesmo tecido.

Contudo, aos poucos ocorrem mudanças, já que os agricultores passam a

vestir calças “jeans com boca-de-sino”. Usadas nas atividades agrícolas, porém, tais

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roupas, feitas de tecido pouco flexível, dificultavam a mobilidade dos trabalhadores.

Apesar do exagero, podemos indicar que com tais mudanças, antes de aprender a ler e a escrever, antes de ter conhecimentos básicos de saúde, alimentação ou cuidados sanitários, os habitantes das zonas rurais vão campear gado ou colher soja com calças boca-de-sino e cantarolando uma canção popular norte-americana (CAPARELLI, 1980, p. 84).

Neste contexto, a adoção de usos e costumes no campo, baseadas em

referências próprias do cenário urbano, revela implicações com o fato de que à classe dominante, reserva-se-lhe a cultura científica, a produção cultural erudita e mais sofisticada. É esta classe, precisamente, a responsável pelo desenvolvimento científico e tecnológico da sociedade. Ela é, noutras palavras, monopolizadora da cultura. Ela produz a cultura científica e tecnológica nos laboratórios e nos centros de pesquisa, e a classe proletária executa os projetos com sua força de trabalho. Nessas condições, e enquanto classe dominante, ela influencia, cria padrões de comportamento e educa as classes subalternas segundo sua própria visão de mundo, seus conceitos e seus interesses (CALDAS, 1991, p. 35).

Por sua vez, os avanços tecnológicos transformaram os hábitos, por meio da

incorporação de produtos industrializados. Assim, os padrões de conduta são aplicados

na representação de mundo e valores aos demais grupos de acordo com os objetivos

dos detentores do poder.

No que diz respeito à esfera cultural, as festas recebiam em certas épocas do

ano um toque “caipira”. Assim, comumente estas festas aconteciam nas escolas e nos

clubes, acompanhadas pelas comidas típicas das festas juninas (pipoca, amendoim,

pinhão, batata-doce, quentão e outros), bem como da tradicional fogueira e de muita

música, quando da realização de bailes. SOCIAIS O destaque social para hoje em nossa cidade traz a realização de uma festa promovida pela ARES (Associação Rondonense de Estudantes). O local desta festança “à moda caipira” será junto a escola normal, prometendo uma noitada muito alegre para a diversão do nosso povo e dos estudantes em geral. Haverá de tudo com referência aos festejos juninos, sendo preparados pelos estudantes e pela direção da ARES. É natural que façamos em nome desta entidade um convite à todo o pessoal para que se divirtam à valer em volta da fogueira, comendo pinhão e saboreando um gostoso quentão (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

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No que se refere às festividades, podem ser mencionadas as festas

religiosas, tendo como característica regional a existência de dois grandes grupos

religiosos: os católicos e os evangélicos. Estas festas iniciavam com atividades

religiosas pela manhã, seguidas de almoço, no qual predominava o churrasco e

saladas. Na parte da tarde, aconteciam jogos e leilões de animais doados pela

comunidade. Os temas das festas contemplavam inaugurações de novas igrejas ou

pavilhões, a instalação de sinos, ou a comemoração de datas, tais como o dia dos pais,

das mães e festividades ligadas à colheita. UMA FESTA DAS GRANDES FESTAS A comunidade Martin Luther prepara para dia 31 uma das boas festas para aqueles que gostam destas. A festividade de domingo, marca para às 9 horas um culto festivo, às 12 horas churrasco e à tarde para jogos e diversões. A festa tem a finalidade de inaugurar simbolicamente o pavilhão, onde futuramente será o local para a celebração dos cultos enquanto não ficar pronta a nova e majestosa igreja. Também os sinos serão ou estão sendo transferidos para a torre da igreja nova onde repicarão já no dia 31. Desde já convidamos nossos ouvintes para a grande festa do dia 31, na comunidade evangélica (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 2.08.69 a 31.12.69).

A Semana da Pátria era encarada como momento para exaltar indicações

discursivas revestidas de nacionalismo. Numa época em que a situação política

brasileira atravessava um período de extremo autoritarismo, havia a necessidade de

cultivar os símbolos nacionais como forma de assegurar a estabilidade do regime

militar. Manter a bandeira hasteada durante a Semana da Pátria era então uma das

iniciativas a serem tomadas por aqueles que querem ter “renovadas as (...) forças para

enfrentar brincando todas as dificuldades”. ESTÁ FALTANDO UMA COISA Temos notado durante nossas idas e vindas ao trabalho e passagem pelas ruas da cidade que nem todas as casas comerciais têm hasteado a bandeira nacional durante o desenvolver emocionante da semana da pátria [...]. Isso é somente um pedido, ou um apelo às escolas, repartições, comércio e indústria, pois o tremular da bandeira nacional no topo de um mastro faria com que tivéssemos renovadas as nossas forças para enfrentar brincando todas as dificuldades que a vida se nos apresenta (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 2.08.69 a 31.12.69).

As comemorações de caráter local também apresentam forte

representatividade junto aos ouvintes da emissora de rádio. Como exemplo disso,

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destacamos o registro feito pela emissora pela comemoração do 10º aniversário do

município. NOTA OFICIAL (AGRADECIMENTO) Ao Sindicato e sua atuante administração; à ACARPA pelos seus funcionários que tanto se empenharam; às Comissões, que nos preparativos do grande festejo, saíram-se com brilhantismo; aos órgãos de imprensa: O Impulso e Semanário D’Oeste pelas matérias publicadas que enalteceram o município e nossa gente; à Rádio Difusora que antes, durante e após os festejos que marcaram épocas, retratou tudo aquilo que fez parte do 10º aniversário de Marechal Cândido Rondon. Nossos agradecimentos também ao pessoal que desfilou, não medindo esforços, inclusive, retirando sua maquinaria do serviço, para mostrar o progresso às demais pessoas (Frente Ampla de Notícias, v. 9, 20.05.70 a 30.09.70).

“A maquinaria mostra o progresso”.

Três anos mais tarde, por ocasião do 13º aniversário de emancipação

político-administrativa do município, as festividades integram a comemoração do “Dia

do Colono e do Motorista”. As homenagens aos motoristas eram sustentadas pela

importância assumida por seu trabalho no escoamento da produção. O “progresso”

mais uma vez ocupa a cena principal sob a ação da dinâmica do desenvolvimento. De

acordo com a notícia, tudo isso foi possível graças ao “trabalho de um povo pelo qual

sente-se orgulho”. De maneira geral, as festividades reforçam os argumentos ligados à

honestidade e ao trabalho do povo rondonense. PARABÉNS COLONO, PARABÉNS MOTORISTA Tivemos quatro governos e assistimos somente progresso. O ritmo de desenvolvimento implantado de início ainda hoje é sentido, graças a perseverança, a atuação e ao trabalho de um povo pelo qual sente-se orgulho. Nossos votos de infindas felicitações às autoridades que dirigiram e que dirigem o nosso município. O braço forte do sustento de toda uma nação também merece hoje um destaque especial. Trata-se do lavrador, do agricultor ou propriamente COLONO, [...] É do trabalho constante da gente deste tipo, do fruto arrancado do solo que devemos o surto de progresso por que estamos passando. Ao nosso amigo COLONO, a nossa mais carinhosa homenagem nesta data em nome da família DIFUSORA (Frente Ampla de Notícias, v. 18, 26.02.73 a 20.09.73).

Nesta região, as festividades giravam em torno dos temas agrícolas. Um

exemplo disso era a organização de bailes para a escolha de “rainhas do soja”.

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HANELORE: A JOVEM RONDONENSE NO CONCURSO DA RAINHA DO SOJA A comissão encarregada da escolha da representante de Marechal Cândido Rondon para o concurso ‘Rainha do Soja’ escolheu a jovem Hanelore Hoppe, morena, cabelos e olhos castanhos, para representar o município no concurso em Ponta Grossa (Frente Ampla de Notícias, v. 27, 17.05.76 a 30.06.76).

A organização de concursos, tais como os de escolha da “Rainha do Soja”

no Paraná, era dividida em várias etapas. Estas etapas eram amplamente divulgadas

pela emissora de rádio. Sendo assim, os municípios escolhiam representantes que

iriam representá-los em outros eventos regionais e estaduais. Para a definição das

candidatas que representavam os municípios, um dos critérios de avaliação chama a

atenção: as candidatas deveriam ter conhecimentos relacionados ao benefícios do

cultivo da soja para o Estado e para o país. CANDIDATAS FALARÃO SOBRE SOJA A nossa representante, Hanelore Hoppe, estará passando pela nova prova de desenvoltura [...] onde um dos compromissos é saber muito a respeito da soja, sua importância [...] ao estado e ao país e enfim, transmitir aquilo que sabe em termos de conhecimentos [...] da soja (Frente Ampla de Notícias, v. 27, 17.05.76 a 30.06.76).

Os concursos eram patrocinados pelas empresas ligadas à industrialização

de derivados de soja, que procuravam divulgar seus produtos com tais eventos,

chegando, inclusive, a destinar valiosos prêmios às vencedoras. RAINHA DA SOJA 1977: SANBRA DIVULGA REGULAMENTO Um automóvel Volkswagen 0 km; uma viagem, com acompanhante à Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba; um conjunto de malas Primícia, e produtos SANBRA para um ano de consumo; estes prêmios serão da Rainha da Soja do Paraná/77, a ser eleita em 28 de maio próximo, no concurso que se realizará em Ponta Grossa, com o patrocínio da SANBRA – Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro S.A. O certame deste ano conta com o prestígio do Governo do Estado do Paraná, através da Paranatur; da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa e de sua Secretaria Municipal de Economia; das demais prefeituras que apresentam candidatas e do Clube Pontagrossense (Frente Ampla de Notícias, v. 33, 01.03.77 a 31.03.77). RAINHA DA SOJA EM SUA SÉTIMA EDIÇÃO A promoção tem caráter fundamentalmente cultural, vinculada aos conhecimentos demonstrados pelas candidatas sobre a soja, no Estado e no país. Junta-se a isso, a beleza e desenvoltura da candidata (Frente Ampla de Notícias, v. 33, 01.03.77 a 31.03.77).

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Como pode ser visto, as festas passaram a incorporar elementos ligados ao

projeto de tecnificação na lavoura. Em termos locais, o cultivo de soja ganha tal

significado que passam a ser realizadas festas religiosas. A igreja católica, por

exemplo, promoveu a Festa da Soja, com uma novidade: a coroação da “Rainha da

Soja”. No evento, não faltou o tradicional churrasco ao meio-dia. No entanto, o baile

teve como atração principal a escolha da rainha. FESTA DA SOJA NA CATÓLICA Domingo haverá a missa na matriz católica. Parte da programação marca o início de uma grande festa com uma grande churrascada para o meio dia no pavilhão. À noite, durante o baile será coroada a rainha da soja (Frente Ampla de Notícias, v. 35, 29.04.77 a 11.06.77).

A escolha a nível municipal, dava o direito de participação em eventos

regionais. Assim, os representantes da municipalidade fizeram a organização da

escolha da Rainha da Soja para representar a cidade em Ponta Grossa. RAINHA DO SOJA EM MAIO O Departamento de Cultura e o de Comunicação Social da municipalidade, em conjunto com a Associação dos Servidores Municipais, a Associação Comercial e o comércio e indústria do Município deverão promover a escolha da Rainha do soja do município, a qual posteriormente participará em Ponta Grossa da escolha da Rainha da Soja do Paraná (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).

As festas e bailes, portanto, foram gradualmente recebendo outros

ingredientes: além da gastronomia e das danças, outras atividades culturais inseriram

novos padrões de comportamento, novas formas de lazer, muitas vezes condicionadas

aos interesses dos patrocinadores, tais como as competições para escolher rainhas, que

passaram a consolidar um modo de lazer comandado pelo capital.

4.3 A ORGANIZAÇÃO DE CLUBES

Com o objetivo de preparar os jovens agricultores para as atividades no

campo, a coordenação dos extensionistas da ACARPA estruturou uma série de

treinamentos. O caminho prático foi marcado por reuniões com os agricultores e a

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fundação de muitos Clube 4-S21. Por conseguinte, sua atuação facilitava a

aplicabilidade dos cursos e práticas nos padrões técnicos desejados. Os jovens, uma

vez organizados em grupos, sistematizavam as atividades através de experimentos

realizados em parcelas de terras cedidas por um dos sócios da cooperativa. A

localização da propriedade deveria permitir acesso fácil e a qualidade do solo deveria

enquadrar-se à aplicação de novas tecnologias. Assim, a área escolhida deveria ser

plana, com solo livre de doenças, localizada nas proximidades da estrada principal,

onde todos poderiam observar as experiências. O cultivo era feito através de faixas,

com sementes diferentes em cada faixa, devidamente sinalizadas as variedades por

meio de placas. O treinamento inclui noções sobre o preparo do solo, cultivo e

colheita. Tais atividades eram executadas pelos jovens, com orientação técnica da

cooperativa ou da ACARPA. REUNIÃO DE AGRICULTORES HOJE À NOITE NO BOTAFOGO Na região do Botafogo, nesta cidade, vai ser fundado hoje à noite mais um clube 4 SS. Estão sendo convidados os agricultores das chácaras e dos arredores para estarem presentes [...]. Alias haverá uma reunião para tratar da fundação desse clube que tantos auxílios tem dado à agricultura, com explicações detalhadas, que serão dados pelos extensionistas da ACARPA. Venham todos, que é muito interessante e até necessário (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

No discurso jornalístico sobre a juventude não faltaram elementos ligados

ao trabalho, honestidade e desenvolvimento regional, com tons notadamente

nacionalistas. A organização destes clubes parece encontrar fundamento no fato de que

os jovens poderiam ser educados tendo em vista a aplicação das novas técnicas de

cultivo e colheita, já que os agricultores mais velhos ainda estavam ligados ao sistema

adotado na agricultura tradicional.

O símbolo dos clubes 4 S era um trevo de quatro folhas. Assim, cada folha

passou a representar um S, num conjunto significativo onde temos: servimento,

sentimento, sabedoria e saúde. A finalidade dos clubes era produzir mais em menos

21 As atividades iniciais com extensionistas atuando junto à juventude ocorreram a partir de meados da década de 1950. “Em 20 de maio de 1956 foram contratados os primeiros extensionistas. Esses pioneiros iniciaram o trabalho em sete escritórios locais: Foz do Iguaçu, Campo Largo, Prudentópolis, Rebouças, São Mateus do Sul, Toledo e União da Vitória. Nesse período surgiu o primeiro Clube 4-S que se tornou importante instrumento da Extensão ao trabalhar com jovens rurais. Gradualmente o serviço de assistência foi se expandindo” (EMATER. Panfleto).

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espaço, com orientação técnica, visando garantir o aumento da produtividade nas

atividades rurais. A construção do sistema justificava-se no argumento de “elevar o

nível técnico e social daqueles que residem no interior”. Nestas condições, foram

utilizados exemplos nos quais o pai cultivava a terra conforme as técnicas tradicionais,

com poucos rendimentos; no entanto, o filho, com a orientação recebida, teria colhido

o triplo. Neste sentido, o discurso enaltece as técnicas racionais baseadas nos moldes

tecnológicos, já que o modelo possui espaço aberto para o milho híbrido e outras

inovações. JUVENTUDE RURAL E OS CLUBES 4-S Tomamos esta parte, porque clubes quatro ésses existem em todo o Brasil, e se a supervisão for mantida como é até hoje, se o entusiasmo não gelar nós iremos adiante. Nossa juventude rural é trabalhadora, por isso orgulhem-se em apresentar seus trabalhos, ajudem a difundir seu trabalho. Por enquanto o município conta com apenas com 13 clubes quatro - ésses, mas a pretensão [...] é atingir a fundação de outros 17 clubes que estarão perfazendo um total de 30. Passará [...] prazo de uma disputa em exposição em comunidades para a classificação do melhor quatro essísta do município, e do melhor clube. [...] nossas palavras são transbordando de incentivo, de estímulo, e contudo ficamos apreensivos pensando no futuro, mas cremos nesta juventude rural, mais do que tudo. Esses poucos jovens que labutam pelo que lhes foi dado a conhecer através dos ensinamentos do presente, fazem parte, compõe uma pequena partícula dos [...] quatro essístas de todo o Brasil, mas tenham confiança que seu trabalho é reconhecido. Parabenizamo-nos com os quatro éssistas de nossa região que ajudam a difundir os seus serviços [...] reconhecemos o trabalho da equipe incansável da ACARPA na pessoa do Dr. Laginski pela extensão rural, e da senhorita Creoní Maria França pelos trabalhos da extensão e economia doméstica. (Frente Ampla de Notícias, v. 6, 21.03.69 a 23.08.69).

Dessa maneira, estabeleceu-se na região uma grande campanha projetando

o cultivo da soja. O poder público toma partido nessa campanha através de incentivos

diversos. O discurso visa “esclarecer” os agricultores da importância da soja na

alimentação, bem como para a indústria. Além disso, os argumentos em favor da soja

referendavam a lucratividade de seu cultivo. GOVERNO LANÇA A CAMPANHA DO SOJA O soja é uma das principais culturas de nossa região [...]. O plantio do soja, a colheita e o seu máximo aproveitamento ainda é uma nuvem escura para o colono [...]. Muitos até hoje não vêem ou não viram a finalidade no plantio do soja. Fazem a colheita para mais tarde tratarem seus animais, ou um uso ínfimo nas características alimentares ou nutritivas que o soja nos apresenta. Desde há muito tempo de espera a palavra oficial do governo de incentivo e explicação à nossa gente que deve saber mais sobre a importância da cultura do soja. O soja tem recebido boa colocação entre os gêneros alimentícios e, especialmente no setor industrial vem tendo um aproveitamento incrível. Por isso, plantar

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soja não é arriscar. A alimentação também reclama, exige o soja e o mercado para a colocação do produto é fácil e bastante compensador. Dia 12 de outubro, domingo, na localidade de São Miguel município de Toledo haverá uma exposição 4-S, levada pelos clubes 4-S daquela região. Nesta ocasião, estarão presentes os senhores secretário da agricultura do Paraná, o diretor executivo da ACARPA e ainda outras autoridades estaduais e municipais. Na oportunidade será oficialmente lançada esta campanha a qual já comentamos agora, sobre o plantio e melhor aproveitamento do soja. A meta é mais soja com melhor técnica. Com o maior plantio de soja todos darão maior riqueza ao Brasil e a si próprio, pois esta cultura é fácil e por demais rendosa, e as indústrias precisam demais destes produtos para produção de óleos e outros produtos. Valorização de terras com o plantio de soja e, o uso de sementes selecionadas para maior rendimento na colheita. Nossa emissora também estará colaborando decisivamente durante esta campanha do plantio do soja, uma das riquezas de nossa região. Esta argumentação não é somente para o nosso município, mas sim para a região, à todos os colonos, à todos os senhores agricultores que deverão fazer do soja a grande riqueza do Brasil (Frente Ampla de Notícias, v. 7, 25.08.69 a 31.12.69).

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5. O FENÔMENO DA INCLUSÃO E EXCLUSÃO COMO PARTE

INTEGRANTE DO NOVO ANUNCIADO

"Quando a última árvore for cortada, quando o último rio for poluído, quando o último peixe for pescado, aí sim eles verão que dinheiro não se come..." Greenpeace

Em escala ampliada, os acontecimentos resultantes do processo de

mecanização cristalizam a inclusão da técnica e, conseqüência direta dela, de uma

série de problemas na remodelação do ambiente rural. Particularmente “[...] na

agricultura, quando o trabalho se mecaniza, a tendência é a uma brutal redução na

quantidade necessária de trabalhadores” (ABRAMOVAY, 1992, p. 238). Este

processo de exclusão do trabalhador, causada por sua substituição pela máquina, é

descrito assim por um dos agricultores: “Quem está aqui agora de pioneiro eu,

Estanislau e o João Chapla. O resto, se não faleceu, foi embora. Eu nunca me mudei.

Faz 40 anos que tô aqui nesse Paraná” (A, 19 fev. 1996).

O fenômeno da exclusão cresce desordenadamente com o uso

intensificado dos avanços tecnológicos aplicados ao campo: “são [...] esses pequenos

produtores expropriados de ontem que são os bóias-frias de hoje ou os migrantes em

busca de novos eldorados em Rondônia e no Acre” (SILVA, 1982, p. 106).

Os relatos dos agricultores remontam a uma contínua migração, vinda do

Rio Grande do Sul, com os pais e seguida pelos filhos, em outras direções, tendo

como causa principal a insuficiência de terras: “[...] Depois compramos uma meia

colônia em Margarida e essa do lado aqui também. Já de novo foi vendido tudo. Os

filhos foram para Goiás” (A, 19 fev. 1996). O poder discursivo da modernização tece

considerações destinadas a provocar mudanças no universo agrícola, numa aliança

entre o suporte tecnológico e os interesses políticos e comerciais, o que leva a uma

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liberdade de escolha controlada e pré-estabelecida que faz com que, lentamente, o

trabalhador permanente seja substituído pelo trabalhador volante.

Foto 11 – Trabalhadores volantes na lavoura

Com a modernização estruturada, não são mais os familiares que desenvolvem as atividades na lavoura, pois, com um certo aumento das propriedades, os trabalhadores agora são os bóias-frias trazidos da cidade (década de 1970). FONTE: Acervo particular de Marli Terezinha Szumilo Schlosser

a modernização aumenta as exigências e diminui o período de ocupação da mão-de-obra não-qualificada numa dada propriedade agrícola. A solução mais econômica para o proprietário, que a moderniza, passa a ser a substituição do trabalhador permanente pelo volante, com o conseqüente aumento da sazonalidade do emprego dos trabalhadores rurais (SILVA, 1982, p. 30).

O aparato das comunicações modernas, com doses diárias de informações

técnicas, intensifica as relações de incorporação do modelo e forja, desse modo,

atitudes que organizam a vida cotidiana, na qual “[...] a maior produção por unidade

de área se dá à custa da expropriação e da miséria dos pequenos produtores” (SILVA,

1982, p. 35). A expropriação faz surgir a miséria entre os pequenos produtores. E o

processo de exclusão torna inevitável a tensão social, decorrente do estado desolador

em que se encontram alguns agricultores: “[...] no plano político, a fronteira tem sido

a ‘válvula de escape’ das tensões sociais no campo” (SILVA, 1982, p. 118).

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O processo de tecnificação atua diretamente sobre os indivíduos, que são

inseridos “naturalmente” nas funções práticas, reproduzindo um aparato de

dominação ideológica da qual eles próprios são vítimas “[...] à medida que avança na

agricultura o processo de mecanização e tecnificação sobre a mão-de-obra na zona

rural” (BRUM, 1983, p. 176). A manchete “Missão a Dourados”, dá a real dimensão

do processo de exclusão. No intuito de amenizar a atual situação do homem do

campo, os discursos apontam para novas fronteiras agrícolas, mascarando os reais

objetivos: Os vereadores voltaram entusiasmados com as possibilidades que se abrem para o futuro da agricultura brasileira, naquele vizinho estado. Terras fertilíssimas que produzem qualquer tipo de cereais, e o trabalho consciente e dinâmico do IBRA que está realizando um trabalho extraordinário de colonização no sul do estado. Um dos fazendeiros da região visitada testou o plantio de algodão plantando em sua fazenda 600 hectares deste produto de exportação e está colhendo frutos acima da expectativa. Todas as prefeituras estão entrosadas com o IBRA e o Banco do Brasil, proporcionando facilidades para os agricultores que queiram se estabelecer na região. O IBRA loteia as terras, constrói casas e ainda ajuda com créditos do Banco do Brasil para o primeiro ano. As colônias são avaliadas em 3 milhões cada uma, com casa, vendendo estas terras a vinte anos de prazo para pagamento. Todos os prefeitos com quem nossa caravana falou chegam a apelar para que os colonizadores do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, vão colonizar aquelas áreas que estão esperando braços humanos para produzir (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

Uma forma encontrada para articular e divulgar as terras disponíveis no

Mato Grosso foi a visita estratégica dos vereadores rondonenses Harry Pydd e

Berdinand Spitzer à redação da rádio, com o intuito de transmitir em detalhes os

contatos desenvolvidos durante a viagem realizada à cidade de Dourados. Assim,

munidos de argumentos convincentes, chamam as visitas àquele estado de “missão

rondonense”, e citam os nomes das autoridades que acompanharam o feito: o Prefeito

Werner Wanderer, os vereadores Salvino Vanderlinde, Berdinand Spitzer, Silvino

Ludwig e Harry Pydd. O encontro na cidade de Dourados contou com a presença de

representantes como o Ministro dos Transportes, Mário Andreazza e do Governador

do Mato Grosso, além de membros da Associação Brasileira dos Municípios e

representantes de municípios do Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande

do Sul.

Na ocasião, foram discutidas as possibilidades da construção da Estrada do

Colono, unindo o Estado do Mato Grosso ao Estado do Rio Grande do Sul. A

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construção da estrada visava a colonização do interior. No entanto, hoje, a mesma é

palco de polêmica por estar localizada em área de preservação ambiental. Uma vez

efetivada a colonização, não há motivo para que algumas autoridades e lideranças

defendam o livre acesso dessa estrada. Foi por meio de estatísticas que se justificou a

construção da estrada do colono. Para tanto, quando de sua construção foram

designados prefeitos de quatro estados munidos e amparados por vasta

documentação, que se deslocaram à Brasília com o objetivo de entregar o pedido de

abertura da estrada, ao então Presidente Costa e Silva.

Na notícia acima citada, podemos observar o redirecionamento das

pessoas que não aderiram ao processo ou foram expulsas pela tecnificação. O futuro,

no argumento dos vereadores, está nas terras do Mato Grosso. O Estado estaria

disponível para receber sulistas, catarinenses e paranaenses. A atuação do Banco do

Brasil e das prefeituras na mediação desse processo de transferência, apontam,

indiscutivelmente, para a implantação da tecnificação nestas terras, processo já

conhecido e vivenciado pelos rondonenses.

O noticiário, quando inserido no cotidiano de seus ouvintes, torna-se ágil e

eficiente. Abstraindo as informações veiculadas, observamos que os discursos se

repetem nas falas dos vereadores, quando argumentam sobre as terras férteis

existentes naquela localidade para estimular as frentes de deslocamento, e da função

do crédito aplicado na expansão agrícola.Em outras palavras, o discurso manifesta as

estratégias do poder e seu comprometimento com os planos modernizantes,

sutilmente encobertos por palavras de incentivo frente à nova perspectiva. O Oeste

do Paraná seria o modelo a ser seguido em outras regiões brasileiras. De acordo com

o noticiário que descreve o município de Marechal Cândido Rondon, A Câmara reúne-se Hoje [...] O Sr. Willian Göricke fará proposta para filmagem de um documentário que mostraria ao resto do Brasil facetas interessantes da nossa agricultura, indústria, vida administrativa e social e as possibilidades que se abrem no futuro desta região (Frente Ampla de Notícias, v. 3, 12.07.67 a 11.03.67).

O ouvinte é sujeito atuante e integrado à sociedade; mas, isso não impede

que receba diferentes informações ao mesmo tempo e não saiba discernir sobre a

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veracidade destas informações, como pode ser verificado nos dois últimos discursos

citados que, em sua essência, são contraditórias. O repórter da emissora de rádio é

quem recebe as diversas opiniões, idéias e manifestações provenientes das mais

variadas situações.

Assim, em determinadas circunstâncias, é preciso filtrar as informações

colhidas das fontes e produzir mensagens de acordo com o contexto político-social

exigido pela empresa para a qual trabalha. Na manchete “A Ida do Sr. Prefeito a

Brasília”, cria-se uma expectativa frente ao retorno das lideranças políticas e às

supostas novidades trazidas por estes. Assim, o jornalista prepara os ouvintes para as

notícias. Já adiante, quando argumenta sobre a construção das estradas e o que esta

representa para a interiorização do país e para a “colonização intensiva do Mato

Grosso”, aproveita o momento para persuadir seus ouvintes: “o clima e as terras são

conhecidos como muito apropriados para a agricultura” (Frente Ampla de Notícias, v.

5, 15.10.68 a 20.03.69). O noticiário remete para os argumentos em favor da

colonização do Mato Grosso e a interiorização do país, conduzidas pela

modernização agrícola. Está sendo aguardada a qualquer momento a volta do Sr. Werner Wanderer, Prefeito Municipal, que, em companhia dos prefeitos de Medianeira e Santo Antonio, juntou-se a caravana de prefeitos do Rio Grande, Santa Catarina e Mato Grosso, em Brasília, tratando do pedido de prioridade para a construção da Estrada do Colono. É uma obra que visa especialmente a interiorização do Brasil, com a colonização intensiva do Mato Grosso, onde o clima e as terras são conhecidos como muito apropriados para a agricultura (Frente Ampla de Notícias, v. 5, 15.10.68 a 20.03.69).

A concentração das indústrias no município foi uma das formas adotadas

para absorver a mão-de-obra excedente, já que “nosso assunto principal é trabalhar”.

A indústria inaugurada executava atividades envolvendo a fundição: a RIMA –

Rondon Implementos e Máquinas Agrícolas, contava então com aproximadamente

100 trabalhadores. O discurso, sem rodeios, atribui como papel para a indústria

proporcionar “um grande e risonho futuro para a região”. Este seria apenas o início de

uma grande concentração de indústrias no município.

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A OUTRA INDÚSTRIA [...] Nosso município munido de grande indústrias, somente tende à prosperidade, pois nosso assunto principal é trabalhar. Quando da inauguração da fundição da RIMA, houve populares que disseram: indústrias iguais à estas que foram inauguradas hoje, deveriam ser inauguradas uma por mês, não pelas festas ou coquetéis, mas pela propulsão que todos sentem num desenvolvimento seguro de nossa gente. Endossamos hoje estas palavras, dando o pleno apoio à todas as indústrias que venham ao nosso meio (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

Novamente a colonização do Mato Grosso foi respaldada por Helmuth

Lohmann que procurou a reportagem da Rádio Difusora, para apresentar os

resultados e contatos da viagem. Em sua fala, afirmou que a colonização do Mato

Grosso estava projetada no contexto da produtividade agrícola visando atender ao

crescimento da produção a nível nacional. Para tanto, mencionou os mecanismos da

Superintendência do Desenvolvimento do Oeste representada por Sebastião Dante de

Camargo Júnior, o qual acenava com verbas que seriam repassadas aos agricultores

provenientes do Rio Grande do Sul que se estabelecessem em terras do Mato Grosso.

A seleção do elemento humano também recebeu respaldo na colonização

mato-grossense: a prioridade foi concedida aos sulistas (Paraná, Santa Catarina e Rio

Grande do Sul) devido à sua vasta experiência na agricultura. A coesão discursiva

ativada pelos interesses governamentais, visando atrair colonizadores com o

propósito de desenvolver a produção agrícola, anuncia a liberação de “muitos milhões

[...] empregados para garantir aos colonos a possibilidade de produzir o máximo”.

Estes investimentos visavam garantir a estruturação de cooperativas, tendo em vista o

crescimento da região calcado na liberação de créditos para a aquisição das terras e a

respectiva mecanização. Desse modo, a fala jornalística confirma as informações de

Lohmann, mencionando recortes de jornais, documentos, nos quais o governo federal

e o governo do Mato Grosso enfatizam a necessidade de atrair fluxos migratórios

para o Sul e Oeste do Mato Grosso. Dessa maneira, conjuga-se o remanejo ou

inclusão da população conforme as regras do capital e os excluídos foram atraídos

para o trabalho urbano ou para outras fronteiras agrícolas. Dependendo da demanda

dos interesses governamentais, e, estando o modelo estruturado, não houve mais

preocupação com os agricultores excluídos do processo.

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A COLONIZAÇÃO DO MATO GROSSO É META DO GOVERNO Tivemos hontem em nossa redação a visita do Sr. Helmuth Lohmann, que regressando do Mato Grosso, nos relatou fatos interessantes com respeito às atividades que se desenvolvem naquele vizinho Estado. Trouxe-nos ofícios firmados pelo Sr. Jorge Antonio Salomão, que é o prefeito do município de Dourados e ao mesmo tempo diretor da co-irmã ZYX 23, daquela próspera cidade. Nos ofícios, refletindo o que nos disse o Sr. Lohmann, tomamos conhecimento de um fato de extraordinária importância, que visa colonizar as terras do Mato Grosso, unindo esforços pelo aumento da produção nacional. A superintendência do Desenvolvimento do Oeste que tem à sua testa o Dr. Sebastião Dante de Camargo Junior, já possui em seu poder grandes verbas, destinadas ao encaminhamento de colonos sulinos para várias glebas do Mato Grosso. A colonização será feita de preferencia com agricultores de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, pela larga experiência que eles possuem. Muitos milhões serão empregados para garantir aos colonos a possibilidade de produzir o máximo [...]. É a notícia alvissareira que estamos dando às famílias numerosas que precisam colocar seus filhos que crescem e constituem família (Frente Ampla de Notícias, v. 8, 25.08.69 a 31.12.69).

Ao contrário dos discursos até então incentivadores do binômio soja-trigo,

houve uma reviravolta no conteúdo discursivo associada aos preços baixos destes

produtos. Com o município dependente da agricultura, as frustrações nas safras

causavam temor junto aos rondonenses. Assim, em conseqüência dos produtos ou

artigos de primeira necessidade serem provenientes de cidades vizinhas, estes

chegavam às mesas dos consumidores com preços muito elevados. Em suma, através

da crítica à especialização, expressa, através de palavras simples mas enérgicas, o

caráter da situação: “quem está bem está bem e quem está mal, que se dane!”.

Como pode ser visto, a estrutura do modelo sofreu os primeiros abalos,

centrados na preocupação dos agricultores em saldar suas dívidas junto ao banco.

Caso isto acontecesse, o comércio local ficaria em desvantagem, pois não sobraria

dinheiro a ser investido na região.

Depois de tantos argumentos em favor da especialização, temos um

discurso preocupado com a situação dos agricultores, sugerindo, inclusive, que o

agricultor aproveite a “oportunidade que a natureza dá” e conseqüentemente viabilize

para o próximo ano o cultivo de milho, verduras, mandioca, batatas, bem como crie

em sua propriedade suínos, galinhas e não dependa somente da soja ou do trigo. Não

é por acaso que a fala discursiva atribui ao agricultor o papel de “esteio da

humanidade”: não deveria tomar como prioridade o dinheiro e sim se preocupar em

diversificar a produção visando o bem estar comum.

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PARANÁ BAIXA PREÇOS Agora, com o fracasso da lavoura (acredita-se que acima de 10 milhões, ou seja, dez bilhões de cruzeiros antigos) deixarão de circular em nosso município entre 72/73 imaginem, a quanto irá o custo de vida em nosso município. Pelo que parece quase todos os artigos de primeira necessidade são trazidos de outras cidades e conseqüentemente os preços estão aí para quem quiser conferir [...]. O grande mal é que a preocupação na lavoura é apenas num sentido, trigo e soja e o ano não correndo bem as conseqüências se farão sentir. Quem está bem está bem e quem está mal, que se dane! E os compromissos bancários? Serão pagos com o soja? Se forem, bem muito bem e a lacuna deste tempo? O dinheiro do soja deverá pagar o banco e o nosso comércio como ficará? Por esta razão, uma vez que a natureza sempre nos dá uma nova oportunidade, o agricultor deve para o próximo ano, plantar milho e criar suínos, criar galinhas, ter sua horta, plantar mandioca, batatas, afinal, não somente depender de trigo e soja. Porque o agricultor sempre foi e será o esteio da humanidade e se o mesmo somente se preocupar com dinheiro aos montes, é natural que uma lição deverá ser aprendida. E esta lição nós vamos enfrentar este ano! (Frente Ampla de Notícias, v. 17, 21.09.72 a 24.02.73).

No ano seguinte, a crise envolvendo os preços da soja continua. Na

ocasião, o tema ocupou posição de destaque no setor comercial, político e industrial.

As falas destacam uma frase que passou a ser adotada como um slogan: “a situação

dos plantadores de soja é das piores”. De acordo com Antonio Belinatti, a queda dos

preços no mercado internacional proporcionou uma onda de desânimo junto aos

agricultores frustrando suas expectativas. Incentivadas inicialmente, as lavouras

plantadas através do sistema da especialização passam a ser encaradas como motivo

de preocupações para o município, pois a grande oferta do produto fazia os preços

caírem consideravelmente. A situação convoca os agricultores a uma reflexão: não

compensaria mais comprar maquinários, adubos ou manter empregados para as

atividades de preparo do solo e de colheita. Para corrigir o problema, caberia ao

Ministério da Agricultura reequilibrar a situação dos altos preços pagos pelas

sementes e os baixos preços pagos pela saca de soja. A crise necessitaria dessas ações

para reverter a dinâmica, provocando novamente motivações nos agricultores para

continuarem a plantar a soja.

De acordo com a emissora de rádio, para evitar a crise de mercado, muitos

agricultores deveriam se afastar da especialização, voltando a desenvolver as antigas

atividades (policultura). A inovação passa a ser tratada então como algo negativo; no

entanto, o discurso, mais uma vez, dita as regras e sugere que o preço da saca de soja

está baixo, mas o preço do trigo promete. Assim, caberia aos agricultores diversificar

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sua produção, mas “sendo bons produtores de soja”, ou seja, a fala caracteriza a

diversificação como um recurso a mais, não descartando a especialização. PLANTADORES DE SOJA ESTÃO PREOCUPADOS, O COMÉRCIO IDEM O problema que envolve os senhores plantadores de soja está sacudindo todas as áreas. O assunto vem à tona para a afirmação de autoridades no assunto, do âmbito comercial, industrial e até mesmo político. A expressão é sempre a mesma “a situação dos plantadores de soja é das piores” [...]. A queda de preços no mercado internacional, veio trazer grande desânimo aos plantadores de soja, havendo sério risco de ser desestimulado o impulso que esta cultura estava tendo nas mais diversas regiões do Paraná. Há aqueles que acham inclusive, que os preços em vigor já não compensam a compra de máquinas, adubos, sementes e contratação de empregados para a preparação da terra e conseqüente colheita. Existe a necessidade do Ministério da Agricultura corrigir as deficiências que estão sendo observadas em relação aos altos preços das sementes e baixos preços fixados para a saca de soja [...]. Muitos são aqueles que, para cair fora da monocultura, voltarão a criar suínos, plantar mandioca, milho, feijão, etc. para não incorrer em crises de mercado. Consideram outros: Se o preço do soja era estimulante, esfriou. Se o preço do trigo era desestimulante, parece que vai endireitar, pelo menos para a safra vindoura. Porém a monocultura, pela variação do mercado sempre poderá arrastar uma crise junto. Se houver a diversificação na cultura agrícola, racionalizando com a criação de suínos ou vice-versa, poderemos viver fora da crise, sendo bons produtores de soja, trigo, milho, etc. Caso contrário, especialmente nossos agricultores, viverão plantando soja e colhendo pepino (Frente Ampla de Notícias, v. 20, 05.03.74 a 21.08.74).

A relação que se estabeleceu entre estiagem, safra e crise na agricultura foi

uma constante também em 1977. A tão esperada produção-recorde de trigo foi

prejudicada pela estiagem. As medidas do governo mantiveram provisoriamente, com

possibilidades de corte, os financiamentos agrícolas e o descaso passou a fazer parte

do cotidiano rural, atuando de forma inversa ao que foi verificado no início da

implantação da mecanização. AGRICULTURA PASSA UMA FASE BASTANTE DIFÍCIL O governo sustou provisoriamente os financiamentos agrícolas, afim de possibilitar um reestudo do orçamento bancário, e este corte provisório nos financiamentos poderá ter sérias implicações, pensamento aliás manifestado pelo próprio Secretário da Agricultura do Paraná, Sr. Paulo Carneiro. E ainda a vertiginosa queda nas cotações internacionais para a soja vem deixar a situação muito mais difícil. A expectativa que alguns líderes do setor agrícola manifestaram no sentido de que o confisco cambial de 12% pudesse ser sustado, de vez que se há cerca de dois meses o preço da tonelada era de até 420 dólares, atualmente ela não passa de 350 por tonelada, não foi confirmada, devendo permanecer pelo menos por enquanto. Em nosso município uma das poucas firmas que tem preço e continua comercializando a soja é a Orgasol – Organizações Agro Comercial e Industrial do Oeste, sendo que a maioria das demais estão retraídas esperando uma melhora do mercado internacional (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).

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Devido às frustrações de safras, muitos dos pequenos e médios

agricultores se viram obrigados a abandonar as atividades agrícolas e passaram a

morar nas cidades ou seguiram em direção a outras fronteiras. Contudo, a fala

referente à comemoração dos 17 anos de emancipação de Marechal Cândido Rondon

demonstra confiança no progresso do município. MENSAGEM DO PODER EXECUTIVO PARA O DIA 25 DE JULHO DE 1977 Para alguns basta agora, nesta fase em diante, viver uma vida tranqüila após tantos anos de luta desfrutando de um relativo conforto que o progresso lhes proporcionou; para outros, a verdade os dirige rumo a diferentes empreendimentos mais ousados, sempre no afã de alcançar maior futuro no seu sentido próprio [...]. Cabe dizer: esta terra lhes pertence, aqui está a síntese do seu Brasil como sempre o desejou (Frente Ampla de Notícias, v. 36, 11.06.77 a 28.07.77).

De acordo com PAULILO, “existem os colonos que ‘se fizeram’ e os que

‘não se fizeram’. Os bens acumulados são considerados frutos do esforço da família,

do trabalho e também da capacidade gerencial de seus membros” (1990, p. 85).

Todavia, as dificuldades provocam muitas rupturas nas expectativas dos

rondonenses e, devido ao processo seletivo no campo, ocorre a migração de muitas

famílias. Em pesquisa elaborada pelo Departamento de Estatística da Prefeitura

Municipal, esta situação demonstra a preocupação das autoridades com a

“desrondonização”: migração e emigração da população para outras regiões do país,

bem como para o Paraguai. DEPARTAMENTO DE ESTATÍSTICA FAZ LEVANTAMENTOS O Departamento de Estatística da Prefeitura Municipal, através de seu titular Hosea Penha Barcellos, está fazendo um levantamento completo da ‘desrondonização’, ou seja, a migração e emigração de rondonenses para outras partes do país ou para o Paraguai. Este levantamento também atinge as famílias que chegam aqui, para que se possa saber se no município mais famílias entram, ou saem (Frente Ampla de Notícias, v. 38, 10.09.77 a 21.10.77)

Os problemas da seca eram atribuídos à intensa destruição dos recursos

naturais para a liberação de terras para a atividade agrícola. Os argumentos giravam

em torno de políticas mais justas para o setor agrícola por intermédio da ação da

Câmara dos Deputados e do próprio Governo da República. Não é por acaso que o

município rondonense apareceu no discurso, pois sua produção agrícola estava

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seriamente comprometida com perdas aproximadas de 70%. Juntamente com a

estiagem surgem os problemas sociais, chegando ao auge com a necessidade dos

agricultores de venderem suas propriedades para quitar dívidas. Pode-se considerar

de natureza crítica a situação dos “bóias-frias”, pois, com as safras prejudicadas, os

agricultores acabaram dispensando sua mão-de-obra. PRONUNCIAMENTO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS ABORDOU ESTIAGEM Na conquista irracional dos espaços, desafios do homem à natureza e causas fundamentais dos largos e extemporâneos períodos de estiagem que tanto tem afetado o trabalho do homem no campo e a produção agrícola. Dizendo que o agricultor não espera favores mas medidas justas, ajudem a minorar sua angústia, e providências que corrijam distorções [...], geradas muitas vezes pelo descompasso entre a política agrícola e decisões econômico-financeiras do Governo, o deputado Norton Macedo considerou esperar encontrar na Câmara do Deputados e no Governo da Republica, seu pedido de socorro ao agricultor paranaense [...]. Destacou que “há regiões [...], principalmente a do extremo-oeste, que tem Marechal Cândido Rondon [...] como um dos principais centros produtores, onde esta quebra deverá ultrapassar a 70%”. Antevê-se o abandono das áreas rurais, a perspectiva do desemprego em massa, o agravamento da deplorável situação dos bóia-frias, [...] da própria sobrevivência dos pequenos proprietários” (Frente Ampla de Notícias, v. 42, 24.02.78 a 05.04.78).

De acordo com dados apresentados em entrevista realizada com um dos

extensionistas da ACARPA, este mencionou a exclusão no município efetuada pela

modernização agrícola, expulsando migrantes para outras fronteiras como para os

centros urbanos. Caracterizou o processo pelo aumento de tamanho de um número

considerável de propriedades: Teria condições de dizer hoje que Marechal Cândido Rondon tem em torno de 2885 produtores no total, sendo que 1200 são pequenos produtores, 970 ainda são pequenos e mais 400 ainda são pequenos. Então nós temos aqui 2500 que devem ser pequenos agricultores ainda hoje e outros 300 e poucos que sobram, né. São algumas fazendas onde tem empresários rurais e agricultores, já são praticamente empresas (H, 05 mar. 2001).

Entre os fatores que compõem a exclusão social temos o forte descaso por

parte do poder público, pois de início ocorre o incentivo artificial e a inclusão do

agricultor na tecnificação que exigiu o repasse do dinheiro para a compra de

maquinários industrializados. O modelo, no entanto, não suportou as estiagens

constantes que tiveram sua parcela significativa na desestruturação econômica dos

pequenos agricultores.

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Todas as facilidades iniciais não são mais as mesmas e a falta de garantia

para a produção fez com que muitas cooperativas passassem por situações de crise.

Mas não é só isso, as propostas de diversificação observadas no decorrer do trabalho

sofrem pela carência de investimentos. Já os financiamentos são feitos com base em

altas taxas de juros, o que endividou muitos agricultores. No início da implantação da

modernização (1970-1975), muitos agricultores perderam suas terras. No início da

década de 1980, o governo anuncia novas políticas que prometem solucionar os

problemas; mas, na prática, quando os agricultores buscam recursos nas agências do

Banco do Brasil, estes tomaram outros rumos. As dívidas passam a fazer parte então

do cotidiano agrícola e as renegociações nem sempre eram aceitas pelas instituições

bancárias, aumentando ainda mais o drama dos agricultores. No setor industrial,

verifica-se a transferência de várias empresas para o Mato grosso. O mesmo acontece

com muitas indústrias vinculadas à compra de suínos22.

As transformações no cotidiano das famílias rondonenses tiveram reflexos

na apropriação da natureza. Fato que chamou nossa atenção e é visível hoje no

município, diz respeito primeiramente à policultura, pois, no início de 1950, muitos

migrantes formavam suas residências próximo aos cursos d’água, logo retiravam

pequenas fatias de mata para organizar sua plantação como também estruturavam ali

as pastagens. Tendo em vista a implantação da especialização, ocorreu a expansão da

retirada da mata. Assim, nas áreas mais altas, aparecem resquícios de mata nativa (a

mata nos topos permaneceu, em certos casos, devido à existência de rochas) e

próximo dos rios as árvores desapareceram. Com objetivo de recuperar os

mananciais, a solução seria a reposição da mata ciliar dos rios, lajeados e sangas,

transformando as margens e repovoando a mata que foi eliminada pelos agricultores

no processo da modernização (MAZZUCATTO, 1989). Contudo, os projetos de

reflorestamento aconteceram de forma incipiente. O que contribuiu para diminuir a

22 Informações organizadas a partir da entrevista (“Crise na Agricultura”) com o Secretário de Estado da Agricultura Hermes Brandão concedida a Lincoln Leduc no Programa “A Personalidade da Semana” n. 87, gravado em 10 de agosto de 1995.

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retirada do solo, em direção aos rios, foi a conservação do solo e o plantio direto, e

em parte a redução do uso de agrotóxicos, mas a poluição ainda permanece. Sendo

assim, o processo caracterizou-se pela falta de planejamento e conscientização no que

se refere ao uso e ocupação do solo.

Foto 12 – Mecanização e desmatamento

A vista aérea caracteriza os efeitos da mecanização e revela a destruição das matas, pois a área é tomada pela especialização e produção para exportação (agosto de 1987). FONTE: Acervo particular de Lia Dorotéia Pfluck

Cabe destacar o papel contraditório exercido pela emissora de rádio nesse

processo, já que inicialmente é uma das forças responsáveis pelo sucesso do modelo

mecanizado na agricultura; depois, passa a criticar este modelo. A obra intitulada “Os

discursos jornalísticos”, apoiada numa ampla discussão sobre o tema, busca analisar

as manifestações discursivas em seu contexto histórico, social e político, visando

identificar as estratégias adotadas para aumentar seu poder persuasivo. Sendo assim,

a função dos sujeitos pode ser “atingida pelas pressões do contexto sócio-histórico de

produção do discurso, o autor determina o que ficará explícito e implícito”

(PASSETTI, 1999, p. 46).

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Diante desse quadro, um aspecto caracteriza a fonte jornalística, de grande

importância para o nosso trabalho, pois “no momento em que os acontecimentos

tornam-se fatos jornalísticos, tornam-se registros históricos” (LONARDONI, 1999, p.

135). Estes registros cristalizam relatos com múltiplas funções discursivas

evidenciando aspectos importantes vividos pela comunidade rondonense. Ao mesmo

tempo, as informações contidas nestes registros fornecem elementos para se entender

o presente.

Os procedimentos que envolveram a problematização dos discursos e a

identificação de suas manifestações mescladas por diferentes matizes são de

fundamental importância para a leitura dos textos. Portanto, ORLANDI (1999) nos

auxilia na definição do que foi realizado junto as programações jornalísticas: Saber como os discursos funcionam é colocar-se na encruzilhada de um duplo jogo da memória: o da memória institucional que estabiliza, cristaliza, e, ao mesmo tempo, o da memória constituída pelo esquecimento que é o que torna possível o diferente, a ruptura, o outro (ORLANDI, 1999, p. 10).

É justamente nas práticas discursivas operadas pelos textos constituídos no

contexto social que identificamos os personagens atuantes na modernização agrícola. Essa nova prática de leitura, que é a discursiva, consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência necessária (ORLANDI, 1999, p. 34).

Nos inúmeros discursos buscamos retirar o dito, mas também aquilo que

se deixou de dizer. A perspectiva de atuação do rádio abordada por ORTRIWANO

(1985), caracteriza a programação das emissoras como conjunto controlado, pois A liberdade de criação – e de seleção da informação – é cerceada pela força dos objetivos dos grupos econômicos que, na maioria das vezes, também têm vinculações políticas, que determinam os padrões que os programas devem seguir para que esses grupos possam alcançar maior eficácia (ORTRIWANO, 1985, p. 58).

Basicamente, o rádio pode ser observado neste trabalho como instrumento

capaz de executar manobras políticas e como poder eficiente para mudar as técnicas

agrícolas e as relações cotidianas, pois sua atuação é caracterizada pela enorme

audiência. “Em termos geográficos, o rádio é o mais abrangente dos meios, podendo

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chegar aos pontos mais remotos e ser considerado de alcance nacional”

(ORTRIWANO, 1985, p. 79). Essa característica permitiu a intensa incorporação do

rádio nas residências dos agricultores, em detrimento dos jornais e revistas, sendo

utilizado enquanto recurso de comunicação para legitimar o modelo de produção

agrícola. Portanto, construir o conhecimento geográfico, por meio das fontes

jornalísticas, possibilitou o acesso a acontecimentos culturais, sociais e econômicos

presentes em seus discursos (MANIQUE e PROENÇA, 1994, p. 42).

O dinamismo da mecanização representado na ação de fatores exógenos e

endógenos, configurados pela tecnificação, trouxe a incorporação de maquinários

agrícolas, atendendo a interesses maiores propagados no período desenvolvimentista

(ditadura militar). A concretização do modelo formatou transformações no ambiente

rural, colorindo o local com as cores do capitalismo. O fenômeno da modernização

em Marechal Cândido Rondon registrou contradições entre o tradicional e o moderno

gerando uma paisagem regional ligada a outros pólos de desenvolvimento; logo, os

espaços rural e urbano do município foram interligados com pólos maiores, como o

de Cascavel. Enfim, as movimentações discursivas fornecem elementos capazes de

localizar as atividades econômicas e os reflexos deste processo modernizador no

espaço geográfico.

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FONTES

Para a análise das fontes, adotamos nomes fictícios para os entrevistados,

sendo que tal estratégia foi motivada pelo fato das entrevistas não estarem

acompanhadas de um Termo de Doação e Cessão de Uso de Documentos Históricos.

Este termo de cessão vem a ser a permissão por escrito e assinada pelo entrevistado

para que seu depoimento possa vir a ser usado pelos pesquisadores e pelo público em

geral. Portanto, achamos que este documento nos daria uma maior segurança para

mencionar os verdadeiros nomes de nossos entrevistados. Na falta deste e, buscando

precavermo-nos de possíveis inconvenientes futuros, de caráter ético ou mesmo

jurídico, optamos pela estratégia de usar os nomes fictícios. Além disso, o texto

procura manter fidelidade aos registros orais através da manutenção da linguagem

utilizada pelos entrevistados. Sendo assim, optamos por integrar ao trabalho aquelas

características próprias do bilingüismo existente nesta comunidade, composta

principalmente por descendentes germânicos.

Entrevistas:

A. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 19 fev. 1996. B. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 18 ago. 1997. BRANDÃO, Hermes. “Crise na Agricultura”. A Personalidade da Semana. Rádio Difusora de Marechal Cândido Rondon, Fita 87, 10 ago. 1995. C. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 21 fev. 1996. D. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 05 mar. 1996.

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E. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 15 de mar. 1996. F. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 05 mar. 1996. G. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Marechal Cândido Rondon, 22 de mar. 1996. H. Entrevista concedida a Marli Terezinha Szumilo Schlosser. Curitiba, 05 mar. 2001 MAZZUCATTO, José Roberto. “Microbacias”. A Personalidade da Semana. Rádio Difusora de Marechal Cândido Rondon, Fita 57, 30 dez. 1989. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 14.11.66 a 28.02.67. v. 1. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 11.03.67 a 10.07.67. v. 2. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 12.07.67 a 11.03.67. v. 3. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 12.03.68 a 29.05.68. v. 4. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 15.10.68 a 20.03.69. v. 5. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.03.69 a 23.08.69. v. 6. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 25.08.69 a 31/12/69. v. 7. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 25.08.69 a 31.12.69. v. 8. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 20.05.70 a 30.09.70. v. 9. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.10.70 a 10.02.71. v. 10. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 13.05.71 a 18.07.71. v. 12.

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RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.07.71 a 30.10.71. v. 13. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.09.72 a 24.02.73. v. 17. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.09.73 a 04.03.74. v. 19 RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 05.03.74 a 21.08.74. v. 20. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 28.02.75 a 30.07.75. v. 22. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 31.07.75 a 14.11.75. v. 23. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 15.11.75 a 31.01.76. v. 24. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 09.02.76 a 13.03.76. v. 25. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 23.03.76 a 17.05.76. v. 26. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 17.05.76 a 30.06.76. v. 27. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.07.76 a 24.08.76. v. 28. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 25.08.76 a 21.10.76. v. 29. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.10.76 a 10.12.76. v. 30. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 10.12.76 a 26.01.77. v. 31. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 24.01.77 a 28.02.77. v. 32.

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RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.03.77 a 31.03.77. v. 33. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 01.04.77 a 29.04.77. v. 34. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 29.04.77 a 11.06.77. v. 35. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 11.06.77 a 28.07.77. v. 36. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 28.07.77 a 10.09.77. v. 37. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 10.09.77 a 21.10.77. v. 38. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 03.12.77 a 16.01.78. v. 40. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 16.01.78 a 23.02.78. v. 41. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 24.02.78 a 05.04.78. v. 42. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 16.09.78 a 31.10.78. v. 47. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 21.12.78 a 05.02.79. v. 49. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 24.04.79 a 31.05.79. v. 52. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 03.11.79 a 12.12.79. v. 57. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 12.12.79 a 28.01.79. v. 58. RÁDIO DIFUSORA. Frente Ampla de Notícias. Marechal Cândido Rondon, 12.80. v. 69.

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ANEXOS

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ANEXO 1

COMPROVANTES DE PAGAMENTO

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ANEXO 2

TROCA DE EQUIPAMENTOS