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Lucíola – José de Alencar Análi se

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Page 1: Lucíola – José de Alencar Análise. Descrição de costumes “Tendo registrado no meu budget 1, com um simples traço de pena, a importante resolução, saí

Lucíola – José de AlencarAnális

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Descrição de costumes

“Tendo registrado no meu budget1, com um simples traço de pena, a importante resolução, saí para matar a sede de ar, de sol e de espaço que sente o homem depois do sono tardio e enervador2. Espaciei o corpo pela Rua do Ouvidor3; o espírito pelas novidades do dia; os olhos pelo azul cetim de um céu de abril e pelas galas do luxo europeu expostas nas vidraças.”1 budget: orçamento;2 enervador: que faz perder as forças, o vigor;3 Rua do Ouvidor: Esta rua, que mereceu de Manuel Joaquim de Macedo um livro inteiro de memórias sentimentais, teve sucessivos nomes, como: Rua da Sé Nova, Rua Moreira César etc. Só com a vinda da Família Real para o Brasil adquiriu luxo e importância, a ponto de vir a ser comparada com a Rua Viviene, de Paris. A abertura dos portos aumentou o comércio e levou à Rua do Ouvidor grande quantidade de comerciantes de todos os gêneros, entre os quais modistas, alfaiates, penteadores vindos de Paris. Em 1829 recebeu calçamento, sendo proibido o tráfego de veículos e foi calçada de paralelepípedos em 1857. Foi a primeira a receber a iluminação a gás, em 1860, substituindo a de azeite feita em 1854, e em 1891 recebeu a iluminação elétrica.

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“Não podemos estar todo o dia juntos. Vem-me à tarde, à hora da ave-maria. Passaremos as noites no jardim, ou passeando. No domingo porém jantarás sempre comigo.”

“Ana adiantou-se para mim, e dando-me a mão como costumava, apresentou rubescente a fronte pura e angélica. Admirado não sabia o que fizesse, quando por cima da loura cabeça da menina vi o gesto imperativo de Lúcia. [...]

– É assim que se deve dizer adeus quando se quer bem! Exclamou Lúcia, abraçando a irmã.

Partimos para a missa como de costume. Lúcia e a irmã com os braços enlaçados, eu a alguma distância [...]

Ambas trajavam preto, com véus espessos; elas sentiam quanto é tocante o uso de só penetrar na casa de Deus ocultando a beleza sob a gala triste e grave, que prepara o espírito para o santo recolho.” “Saindo da mesa, dávamos habitualmente algumas voltas pelo jardim: elas colhendo flores para os vasos, eu fumando o meu charuto. Às dez horas pouco mais ou menos entrávamos.”

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Divulgação dos valores morais

“– Sabes que terrível coisa é uma cortesã, quando lhe vem o capricho de apaixonar-se por um homem! Agarra-se a ele como os vermes, que roem o corpo dos pássaros, e não os deixam nem mesmo depois de mortos. Como não tem amor, e não pode ter, como a sua inclinação é apenas uma paixão de cabeça e uma excitação de sentidos, orgulho de anjo decaído mesclado de sensualidade brutal, não se importa de humilhar seu amante. Ao contrário sente um prazer novo, obrigando-o a sacrificar-lhe a honra, a dignidade, o sossego, bens que ela não possui. São seus triunfos. Fá-lo instrumento da vingança ridícula, que todas essas mulheres prosseguem surdamente contra a boa sociedade, porque não as aplaude. O ciúme é fome apenas; se o amante tem alguma afeição honesta, ela torna-se confidente de seus amores, encoraja-o, serve-o mesmo, para ter o gosto de mais tarde disputar a presa. Então não há excesso que não cometa. Se for necessário aviltar1 o homem, ela o fará, à semelhança desses torpes glutões2 que cospem no prato para que os outros não se animem a tocá-lo.”1 aviltar: tornar vil, indigno;2 glutão: que ou aquele que come em excesso, com avidez;

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“Há aqui no Rio de Janeiro certa classe de gente que se ocupa mais com a vida dos outros, do que com a sua própria; e em parte dou-lhes razão; de que viveriam eles sem isso, quanto têm a alma oca e vazia? Essa gente já sabe quem tu és, que fortuna tens, quanto ganhas, onde moras e como vives.”

“– Sabe agora o segredo da cupidez1 e avareza2 de que me acusavam. Encontram-se no Rio de Janeiro homens como o Jacinto, que vivem da prostituição das mulheres pobres e da devassidão3 dos homens ricos; [...]”

1 cupidez: desejo; cobiça; ambição;2 avareza: apego excessivo ao dinheiro, às riquezas materiais;3 devassidão: depravação de costumes.

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Idealização da mulher

“– Tu és um anjo, minha Lúcia!”

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Exaltação da natureza“Encontram-se nas florestas do Brasil árvores preciosas,

que, feridas, vertem em lágrimas o bálsamo1 que encerram.”

1bálsamo: substância aromática exsudada por muitas plantas, espontaneamente ou por ferimento.

“Há de ter visto em nossas matas algumas árvores estreitamente abraçadas pelas delgadas enrediças1 que lhes cingem o tronco, confundindo na mesma copa as suas folhas e flores. Um dia vem a borrasca2 que abala com rudeza o arvoredo: não conseguem os ímpetos da ventania quebrar os elos que prendem as duas plantas amigas; porém a enrediça deslizando inclinou para a terra. Volta a bonança: a seiva expande-se com as águas que passaram; o pâmpano3 tocando o chão começa a se lastrar; a haste de árvore desassombrada se lança. No ano seguinte, quando de novo por aí passar, verá o tronco nu e isolado, e o verde dossel bordado de flores que o cobria se estenderá ao lnge humilde e rasteiro.”1enrediças: que se emaranha facilmente;2borrasca: ventania repentina;3pâmpano: ramo novo de videira que só dá folhas.

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Fuga para a infância“Ela me contara vagamente, sem indicação de datas nem

de localidades, as impressões de sua infância passada no campo entre as árvores e à borda do mar; seu espírito adejava1 com prazer sobre essas reminiscências embalsamadas com os agrestes perfumes da mata, e por vezes a poesia da natureza fluía no seu ingênuo entusiasmo.”1badejar: dar voos repetidos.

“– Toda minha vida lhe pertence; o passado como o futuro. Mas aqui não teria ânimo: aqui vive a minha infância, que eu respeito. Não quero que estes lugares, que me viram tão alegre, me vejam sofrer, tendo-o junto de mim.”

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Fuga para a morte “– O remédio de que eu preciso é o da religião. Quero

confessar-me, Paulo.Lúcia tomou os sacramentos com uma resignação

angélica; e abraçando a irmã, disse-lhe:Perdes uma irmã, Ana; fica-te um pai. Ama-o por ele,

por ti e por mim.O dia se passou na cruel agonia que só compreendem

aqueles que ajoelhados à borda de um leito viram finar-se gradualmente uma vida querida.”

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Subjetividade

“Acabava de desembarcar; durante dez dias de viagem tinha-me saturado da poesia do mar, que vive de espuma, de nuvens e de estrelas; povoara a solidão profunda do oceano, naquelas compridas noites veladas ao relento, de sonhos dourados e risonhas esperanças; sentia enfim a sede da vida em flor que desabrocha aos toques de uma imaginação de vinte anos, sob o céu azul da corte.”

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Exagero

“Tive vontade de cuspir dos lábios os beijos que recebera e não podia pagar pelo seu preço justo.”

“Depois de três ou quatro horas inutilmente desperdiçadas, voltava ao meu berço de rosas; e por mais cedo que chegasse, sempre chegava tarde para ela, e para mim.”

“Se não vieres, sei que não terei fome.”

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Amor como um sentimento contraditório

“– [...] Bebeste o primeiro trago do vinho; provaste uma vez do fruto proibido. Já conheces o amor dessa mulher: é um gozo tão agudo e incisivo que não sabes se é dor ou delícia; não sabes se te revolves entre gelo ou no meio das chamas. Parece que dos seus lábios borbulham lavas embebidas em mel; que o ligeiro buço que lhe cobre a pele acetinada se eriça, como espinhos de rosa através das pétalas macias; que o seu dente de pérola te dilacera as carnes deixando bálsamo nas feridas. Parece enfim que essa mulher te sufoca nos teus braços, te devora e absorve para cuspir-te imediatamente e com asco nos beijos que atira-te à face!”

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Oposição à racionalidade

“– Procedemos em regra. Às duas horas portanto para-se a pêndula1. Abolição completa da razão, do tempo, da luz; e inauguração solene do reinado das trevas e da loucura. Até lá liberdade completa dentro dos limites da decência; tudo quanto possa alegrar, como o gracejo, o brinde ou o discurso, é permitido; salvo o direito ao respeitável público feminino e masculino de patear2 as sensaborias3.”

1 pêndula: relógio de pêndulo;2 patear: não resistir, ser vencido; ceder, entregar-se;3 sensaborias: monotonia.

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Público leitor feminino

“Às vezes lia para ela ouvir algum romance, ou a Bíblia, que era o seu livro favorito. Lúcia conservava de tempos passados o hábito da leitura e do estudo; raro era o dia em que não se distraía uma hora pelo menos com o primeiro livro que lhe caía nas mãos.”

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Mulher byroniana“Estava excessivamente pálida, e a cor escarlate1 do

vestido ainda lhe aumentava o desmaio [...]”1 escarlate: vermelho muito vivo.

“Realmente Lúcia estava mudada: tinha perdido o esmalte fresco e suave da tez; parecia mesmo desfeita e abatida; porém isso, longe de desmerecer a sua beleza, dava-lhe certa morbidez lânguida1 que a tornava ainda mais sedutora.”1 lânguida: que se encontra em estado de abatimento; sem forças; sem energia.

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Preconceito e hipocrisia“– Quem é esta senhora? perguntei a Sá.A resposta foi o sorriso inexprimível, mistura de

sarcasmo, de bonomia1 e fatuidade2, que desperta nos elegantes da corte a ignorância de um amigo, profano na difícil ciência das banalidades sociais.

– Não é uma senhora, Paulo! É uma mulher bonita. Queres conhecê-la?...

Compreendi e corei de minha simplicidade provinciana, que confundira a máscara hipócrita do vício com o modesto recato da inocência. Só então notei que aquela moça estava só, e que a ausência de um pai, de um marido, ou de um irmão, devia-me ter feito suspeitar a verdade.

Depois de algumas voltas descobrimos ao longe a ondulação do seu vestido, e fomos encontrá-la, retirada a um canto, distribuindo algumas pequenas moedas de prata à multidão de pobres que a cercava. [...]”

1 bonomia: qualidade de quem é bondoso, sem malícia;2 fatuidade: vaidade.

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Descrição minuciosa“[...] dobrou seu talhe1 flexível inclinando-se

vivamente para o meu lado, enquanto a mão ligeira roçagava2 os amplos folhos3 da seda que rugia arrastando. Esse movimento podia ser uma profunda cortesia disfarçada com certo acanhamento; e podia não passar de um gesto habitual de faceirice feminina.”

1 talhe: tronco do corpo humano;2 roçagar: passar levemente por; roçar, tocar;3 folhos: babado franzido ou pregueado que se coloca em roupas.

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Sensualidade“Uma ocasião, sentados no sofá, como estávamos, a gola

de seu roupão azul abriu-se com um movimento involuntário, deixando ver o contorno nascente de um seio branco e puro, que o meu olhar ávido devorou com ardente voluptuosidade1.”1 voluptuosidade: qualidade de quem que aprecia ou procura os prazeres dos sentidos, sobretudo sexuais, ou que a eles se entrega; lascivo, libidinoso, sensual.

“A menina às vezes debruçava-se para comunicar-me alguma observação mais cáustica1; e eu tinha ocasião de sentir um hálito fragrante, e entrever na sombra a marmórea saliência de um seio virgem.”1 cáustica: sarcástica.

“Meu olhar insinuava-se perfidamente1 pela abertura do colarinho modesto que cingia uma garganta pura, espreguiçava-se pela seda avara2 que enfutava3 a marmórea rijeza de um seio comprimido [...]”1 perfidamente: traiçoeiramente;2avara: que não é generosa;3enfutar: fazer aumentar de volume, aumentar.