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LUCIANA OLIVEIRA DE CAMPOS AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO ESPAÇO DE LUTA NO SUBCAMPO REGULAMENTAR DO SETOR ELÉTRICO: uma análise sobre a potencial promoção da participação popular Canoas, 2016

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LUCIANA OLIVEIRA DE CAMPOS

AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO ESPAÇO DE LUTA NO SUBCAMPO

REGULAMENTAR DO SETOR ELÉTRICO:

uma análise sobre a potencial promoção da participação popular

Canoas, 2016

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LUCIANA OLIVEIRA DE CAMPOS

AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO ESPAÇO DE LUTA NO SUBCAMPO

REGULAMENTAR DO SETOR ELÉTRICO:

uma análise sobre a potencial promoção da participação popular

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Direito e Sociedade do Centro Universitário La

Salle – UNILASALLE, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientação: Prof. Dr. Leonel Pires Ohlweiler

Coorientador: Prof. Dr. Sérgio Urquhart de Cademartori

Canoas, 2016

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Espaço para ficha catalográfica

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LUCIANA OLIVEIRA DE CAMPOS

AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO ESPAÇO DE LUTA NO SUBCAMPO

REGULAMENTAR DO SETOR ELÉTRICO:

uma análise sobre a potencial promoção da participação popular

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Direito e Sociedade do Centro Universitário La

Salle – UNILASALLE, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Direito.

Banca Examinadora:

______________________________________________

Prof. Dr. Leonel Pires Ohlweiler

Unilasalle

_____________________________________________

Prof. Dr. José Alberto Antunes de Miranda

Unilasalle

_____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Fiammetta Bonfigli

Unilasalle

____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Têmis Limberger

Unisinos

Canoas, 2016

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Aos meus pais, Vaneci e Lautenir e ao meu parceiro de

vida João, por serem o meu sustentáculo.

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AGRADECIMENTOS

Etapa muito intensa concluída. Imensamente feliz, agradeço:

Aos meus pais pela infinita dedicação, por serem a luz que me guia, pelo amor

incondicional.

Ao meu parceiro de vida João Fontana, pela compreensão, incentivo, por

acreditar mais na minha capacidade do que eu mesma, pelo amor.

À instituição Unilasalle, a todos os professores e profissionais que trabalham

para que possamos aprender.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Leonel Pires Ohlweiler, meu especial

agradecimento, pela orientação na dose certa, aquela que faz crescer, tanto em

conhecimento quanto em amadurecimento e segurança. Uma experiência para toda vida,

não apenas por seu profundo conhecimento acadêmico, mas também pelas palavras de

incentivo.

Ao Prof. Dr. Sérgio Urquhart de Cademartori, figura ímpar que tive o prazer de

ter como meu coorientador, por todos os ensinamentos e pelas horas de conversa.

À minha família, especialmente ao Leandro Campos, a Neia Pereira e ao

Joaquim Campos, pelas horas de ausência, por tolerarem meu estresse, por ajudarem de

todas as formas.

Aos meus avós sempre presentes na minha vida, na lembrança carinhosa, no

exemplo, no amor sem fim.

À Luciana Fontana, ao Juliano Fontana e suas lindas famílias, pela generosidade

do dia a dia, pelo carinho, por estarem sempre dispostos a ajudar mesmo sem tempo.

À Larissa Urruth Pereira com quem dividi esta experiência desde os primeiros

passos, pela inestimável ajuda, incentivo e carinho.

Aos colegas da Consultoria Jurídica pelo incentivo e por suportarem meu

estresse, especialmente à Tereza Jardim, ao Gustavo Fábio, ao Flávio Brabosa por

ficarem muitas vezes sobrecarregados em razão da minha ausência.

Àqueles com quem sempre posso contar: Dalva Quadros, Iracema Santos, Karine

Perius, Rosane Pessotto, Graciela Machado, Messias Pereira, Fernando Farias, Mariana

Cepa, Lisia Rêgo e Gisele Assis.

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Aos colegas de mestrado com quem dividi essa experiência especial da minha

vida por todas as trocas, apoio, ajuda e carinho.

Aos profissionais que tornaram a minha vida mais fácil neste período: Lizah

Muller, Gislaine Oliveira, Rosane Severo, Cassius Martins, Mari Serra e Joce Damásio.

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“ Democracia serve para todos ou não serve para nada.”

(Herbert José de Souza - Betinho, 1995)

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RESUMO

Ante a constitucionalização da administração pública e o déficit democrático que paira sobre

as agências reguladoras, a participação popular se mostra como instrumento essencial a

legitimação dos atos administrativos destas entidades dotadas de autonomia reforçada. O

objetivo do presente estudo é investigar a potencial promoção da participação popular nos

processos de audiência pública promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica –

ANEEL, reguladora do serviço público de energia elétrica. A pesquisa se deu com base em

estudo de caso, o qual recaiu sobre os documentos produzidos no processo de audiência

pública nº 006/2015-ANEEL, examinados mediante a aplicação da técnica de análise de

conteúdo tendo na obra de Laurence Bardin o referencial metodológico. Referida análise de

conteúdo pautou-se, especialmente, nos conceitos de campo, habitus e capital de Pierre

Bourdieu, bem como no princípio da transparência pública. No subcampo regulamentar do

setor elétrico constatou-se que o capital predominante é o capital cultural, bem como

identificou-se a existência de habitus. Aferiu-se que a maior detentora do capital cultural é a

ANEEL, seguida dos agentes regulados. Em relação ao habitus, identificou-se que a Câmara

de Comercialização de Energia possuiu o maior percentual de unidades de registro deste

elemento, seguida dos agentes regulados. Observou-se que a complexidade e linguagem

técnica são elementos que dificultam ou mesmo inviabilizam a compreensão por parte de não

especialistas, tanto no que tange as informações divulgadas para fins de participação, quanto

no que concerne à motivação dos atos decisórios. Além disso, verificou-se que a publicidade é

restrita à observância de preceitos legais, da mesma forma que os elementos voltados à

promoção da participação cidadã, assim em conformidade formal, contudo, resta

comprometida a legitimação de forma substancial por falta de efetividade destas medidas.

Desta forma, constatou-se que, apesar dos esforços adotados pela Reguladora em relação à

realização da audiência pública, a promoção da participação social como elemento de

legitimação substancial ainda é um desafio a ser superado.

Palavras-chave: Agência Reguladora. Participação Popular. Audiência Pública.

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ABSTRACT

Given the constitutionalisation of the public administration and the democratic deficit that

looms over the regulatory agencies, popular participation proves to be an essential instrument

to legitimize the administrative acts of these entities endowed with enhanced autonomy. The

present study aims to investigate the potential promotion of popular participation in the

processes of public hearing promoted by the National Electric Energy Agency - ANEEL,

regulator of the public electricity service. The research was based on a case study, which falls

on the documents produced in the process of public hearing nº 006/2015-ANEEL, examined

through the application of the technique of content analysis having in the work of Laurence

Bardin the methodological reference. This analysis of content was based especially on the

concepts of field, habitus and capital by Pierre Bourdieu, as well as on the principle of public

transparency. In the regulatory sub-sector of the electric sector it was verified that the

predominant capital is cultural capital, as well as the existence of habitus was identified. It

was verified that the largest holder of cultural capital is ANEEL, followed by regulated

agents. Regarding the habitus, it was identified that the Chamber of Energy

Commercialization had the highest units percentage of registry of this element, followed by

regulated agents. It was observed that complexity and technical language are elements that

make it difficult or even impossible to understand by non-specialists, both in terms of the

information disclosed for participation purposes and in what concerns the motivation of the

decision-making acts. In addition, it has been found that advertising is restricted to the

observance of legal precepts, in the same way as the elements aimed at promoting citizen

participation, thus in formal conformity, however, legitimacy is substantially compromised by

the lack of effectiveness of these measures . Thus, despite the efforts made by the Regulator

in relation to the holding of the public hearing, the promotion of social participation as an

element of substantial legitimacy is still a challenge to be overcome.

Keywords: Regulatory Agency. Popular Participation. Public Hearing.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Comparativo entre Lei nº 8.031/90 e Lei nº 9.491/97 .................................... 42

Quadro 2 - Conjunto de documentos produzidos durante a AP nº 006/2015 ANEEL .... 137

Quadro 3 - Categorias iniciais de análsie ...................................................................... 141

Quadro 4 - Exemplo de unidades de registro organizadas ............................................. 145

Quadro 5 - Agrupamento progressivo das categorias iniciais ........................................ 151

Quadro 6 - Reagrupamento final ................................................................................... 154

Quadro 7 - Contribuição padrão apresentada pelos Sindicatos e Federações ................. 164

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Porcentagem por investidor sobre vendas realizadas entre 1995 e 2002

em US$ milhões ............................................................................................................. 44

Tabela 2 - Empresas privatizadas e a respectiva receita em US$ Milhões ....................... 70

Tabela 3 - Síntese da análise de contribuições da audiência pública nº 06/2015-

ANEEL ......................................................................................................................... 157

Tabela 4 - Síntese da análise das contribuições apresentadas pelos participantes

que compõe o grupo II (agentes regulados e instituições que os representam) .............. 159

Tabela 5 - Síntese da análise das contribuições apresentadas pelos participantes

que compõe o Grupo III (usuários e instituições que os representam) ........................... 160

Tabela 6 - Síntese da análise das contribuições apresentadas pela Câmara de

Comercialização de Energia Elétrica – CCEE que compõe o grupo IV ......................... 160

Tabela 7 - Unidades consumidoras ............................................................................... 163

Tabela 8 - Número de unidades de registro por Grupo .................................................. 168

Tabela 9 - Percentual de unidades de registro de habitus nos Grupos ........................... 173

Tabela 10 - Número de unidades de registro por categoria incial reagrupadas na

categoria intermediária transparência ........................................................................... 179

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Investimento estrangeiro no País entre 1990 e 1994 ..................................... 36

Gráfico 2 - Porcentagem de vendas realizadas entre 1995 e 2002 por investidor ............ 44

Gráfico 3 - Análise da ANEEL sobre as contribuições do Grupo II .............................. 161

Gráfico 4 - Análise da ANEEL sobre as contribuições do Grupo III ............................. 161

Gráfico 5 - Análise da ANEEL sobre as contribuições do Grupo IV ............................. 161

Gráfico 6 - Contribuições acolhidas por grupo.............................................................. 161

Gráfico 7 - Contribuições não consideradas por grupo .................................................. 162

Gráfico 8 - Total de contribuições apresentadas por grupo ........................................... 162

Gráfico 9 - Acesso à informação: linguagem técnica ou coloquial ................................ 181

Gráfico 10 - Princípio da motivação: linguagem técnica ou coloquial .......................... 182

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LISTA DE SIGLAS

ABRACEEL Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia

Elétrica

ABRADEE Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica

ABRADEMP Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica de Menor

Porte

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

AES American Electrical Systems

AGERGS Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do

Rio Grande do Sul

AGU Advocacia Geral da União

ANA Agência Nacional de Águas

ANACE Associação Nacional dos Consumidores de Energia

ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações

ANCINE Agência Nacional de Cinema

ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica

ANP Agência Nacional do Petróleo

ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANTAQ Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento

Nacional de Infraestrutura de Transportes

ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CADE Comissão de Valores Imobiliários

CCEE Câmara de Comercialização de Energia Elétrica

CCPE Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão

CEB Central Electricity Board

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CEEE Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica – Rio Grande

do Sul

CELESC Centrais Elétricas de Santa Catarina

CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais

CMSE Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico

CNA Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil

CRC Contas de Resultados a Compensar

CRE Conselho de Reforma do Estado

DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica

ELETROBRAS Centrais Elétricas Brasileiras S.A

ENEL Ente Nazionale per l’Energia Elettrica

EPE Empresa de Pesquisa Energética

ESCELSA Espírito Santo Centrais Elétricas S.A

FMI Fundo Monetário Internacional

MAE Mercado Atacadista de Energia Elétrica

MARE Ministério da Administração e Reforma do Estado

MME Ministério de Minas e Energia

NPM New Public Management

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONS Operador Nacional do Sistema Elétrico

ONU Organização das Nações Unidas

PL Projeto de Lei

PND Programa Nacional de Desestatização

PROCON Programa de Proteção e Defesa do Consumidor

PRORET Procedimento de Regulação Tarifária

SGT Superintendência de Gestão Tarifária

SIN Sistema Interligado Nacional

STF Supremo Tribunal Federal

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STJ Superior Tribunal de Justiça

TCU Tribunal de Contas da União

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 19

2 POR QUE REGULAR? O SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

E O MODELO BRASILEIRO ..................................................................................... 23

2.1 Crise e Reforma do Estado ..................................................................................... 25

2.2 O Modelo de Agências Reguladoras Independentes no Brasil ............................. 47

2.3 Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL: o campo regulamentar do

setor elétrico .................................................................................................................. 61

3 PARTICIPAÇÃO POPULAR: DEMOCRACIA E PODER NO CAMPO

REGULAMENTAR ...................................................................................................... 81

3.1 Democracia Constitucional: o princípio democrático e a (in)efetiva

participação popular .................................................................................................... 82

3.2 Transparência Pública: pilar do Estado Democrático de Direito ...................... 103

3.3 O Processo Normativo das Agências Reguladoras: a questão da

legitimidade ................................................................................................................. 117

4 AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO ESPAÇO DE LUTA NO SUBCAMPO

REGULAMENTAR DO SETOR ELÉTRICO: ESTUDO DE CASO ...................... 131

4.1 Definição dos Elementos Representativos dos Dados Brutos ............................. 139

4.1.1 Elementos Iniciais de Representação Simplificada dos Dados Brutos ................. 140

4.1.2 Reagrupamento Progressivo dos Elementos Representativos ............................... 150

4.1.3 Reagrupamento Final dos Elementos Representativos ......................................... 154

4.2 Resultados Obtidos ............................................................................................... 157

4.2.1 Síntese da Análise das Contribuições da Audiência Pública nº 06/2015 .............. 157

4.2.2 Práticas no Campo Regulamentar do Setor Elétrico ............................................ 167

4.2.3 Legitimidade dos Atos Administrativos Regulamentares ...................................... 176

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 190

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 197

ANEXO A - Documentos disponibilizados no sítio da Agência Nacional de

Energia Elétrica – ANEEL para participação na audiência pública 006/2015 ........ 223

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ANEXO B - Relação de agentes regulados e entidades representativas que

participaram da audiência pública 006/2015 da ANEEL ......................................... 224

ANEXO C - Relação de usuários e entidades representativas que

participaram da audiência pública 006/2015 da ANEEL ......................................... 225

ANEXO E - Nota Técnica nº 34/2015-SGT/ANEEL ................................................. 227

ANEXO F - Tabelas constantes no anexo II da Nota Técnica nº 34/2015-

SGT/ANEEL ............................................................................................................... 240

ANEXO G - Modelo para envio de contribuições ..................................................... 242

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1 INTRODUÇÃO

Discussões sobre o modelo regulatório brasileiro, a competência das agências

reguladoras, a participação social como elemento de legitimação dos atos administrativos e a

energia elétrica como serviço público essencial fazem parte da rotina acadêmica já há algum

tempo, especialmente após a Reforma do Estado, mantendo-se atual e relevante não apenas

em razão das questões de ordem jurídica, mas também pela sua importância social.

Durante a década de 80, o Brasil, sem ao menos ter alcançado a condição de Estado

Providência, se viu em meio a uma severa crise fiscal, atribuída na época a sua frágil

capacidade de arrecadação diante dos gastos públicos. Neste momento, as ideias neoliberais

ganhavam força em países como a Inglaterra, sob o comando da Primeira Ministra Margareth

Thatcher e os Estados Unidos, sob o governo de Ronald Reagan, começando a se espalhar

pelo mundo no processo de globalização.

A situação da crise brasileira se agravou e, na década de 90, perante o descontentamento

geral da população, desprovido de recursos para fazer os investimentos necessários, premido

pelas exigências de instituições financeiras internacionais como o Fundo Monetário

Internacional e o Banco Mundial, o governo iniciou um processo de reforma, visando mudar a

condição do Estado, de prestador de serviços e agente econômico, para a condição de Estado

Gestor.

A referida reforma foi realizada de forma expressiva a partir da segunda metade dos

anos 90, após a eleição e posse de Fernando Henrique Cardoso como Presidente da República.

Neste período de verdadeira transformação, especialmente entre os anos de 1995 e 2002,

inúmeras mudanças fundadas fortemente em ideias neoliberais foram implementadas,

incluindo Emendas à Constituição, desestatizações, aprovação de leis como a Lei de

Concessões e Permissões de Serviços Públicos, bem como várias outras medidas, entre elas, a

criação de agências reguladoras para diversos setores, incluindo a prestação de serviços

públicos de energia elétrica.

A regulação do setor elétrico foi atribuída à Agência Nacional de Energia Elétrica –

ANEEL, criada em 1996, por meio da Lei nº 9.427, na forma de autarquia especial, cujo

termo especial advém, sobretudo, da autonomia reforçada e da especialização (domínio da

matéria técnica pertinente ao setor). A Agência tem como finalidade prevista em lei, a

regulação e fiscalização da produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia

elétrica no País, devendo observar no exercício de suas atribuições; entre outras coisas, as

diretrizes fixadas por lei e as políticas públicas, que em geral contemplam, entre outras

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premissas: a solução mais vantajosa para o usuário, a universalização do serviço, adequada

remuneração das geradoras e distribuidoras e a manutenção do equilíbrio econômico

financeiro dos contratos.

A regulação por agências no Brasil é tema sempre palpitante, a respeito do qual ainda

são necessários muitos debates acerca de diversos aspectos, dentre eles, os pertinentes à

participação popular efetiva como instrumento de legitimação dos seus atos, temática, em

relação a qual é importante o estudo, até mesmo como forma de despertar o interesse por uma

análise crítica, seja em razão da própria constitucionalização da administração pública que

impõe uma administração mais dialógica, seja pelas peculiaridades das agências reguladoras

sobre as quais paira um déficit democrático consubstanciado, especialmente pelo fato de seus

dirigentes não eleitos ocuparem cargo por tempo determinado, não sujeitos a demissão ad

nutum.

Neste trabalho, interessa especificamente como objeto de estudo, a potencial promoção

da participação popular nos processos1 de audiências públicas realizadas pela Agência

Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, a qual se pretende analisar, tomando como

referencial teórico, alguns conceitos de Pierre Bourdieu, mais especificamente os de: campo,

habitus e capital. Adotando a característica básica do conceito de campo do sociólogo,

definido pelas lutas internas entre os agentes, partir-se-á da ideia central de que a audiência

pública constitui um espaço de luta2 no subcampo regulamentar do setor elétrico.

A presente dissertação será desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica e estudo de

caso, sendo que, para fins de estudo de caso, elegeu-se a Audiência Pública 006/2015,

1 Registra-se a constatação de existente dicotomia na utilização dos termos processo administrativo e

procedimento administrativo, a qual alguns administrativistas, como Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari

(2003, p. 33), procuram esclarecer ao definir processo como uma “série de atos encadeados lógica e

juridicamente”, enquanto o procedimento identifica “o complexo de atos que compõe o processo, ou seja, o

interesse que vai da instauração à decisão”. Segundo Odete Medauar (2008, p. 43) procedimento é “uma

sucessão necessária de atos encadeados entre si que antecede e prepara um ato final, o qual também será

processo se houver cooperação de sujeitos, sob o prisma do contraditório”. Ante tal dicotomia, registra-se

que neste trabalho utilizar-se-á processo administrativo em conformidade com a expressão utilizada pela

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, termo reiteradamente utilizado no Caderno Temático nº 06,

por meio do qual procura explicar o processo administrativo de audiências e consultas públicas (2006, p.

19). 2 O termo espaço de luta, o qual é mencionado até mesmo no título deste trabalho, é utilizado por ser uma

característica da definição de campo de Pierre Bourdieu, segundo o qual um campo é ao mesmo tempo

“campo de forças”, uma estrutura estruturada que se impõe aos agentes, e um “campo de lutas”, no qual os

agentes lutam para conservar ou transformar aquela estrutura (2010, p. 50). Nas palavras do sociólogo “todo

campo é lugar de uma luta mais ou menos declarada pela definição dos princípios legítimos de divisão do

campo”. (BOURDIEU, 2006, p. 150). Hermano Roberto Thiry-Cherques (2006, p. 31) ao discorrer sobre o

conceito de campo de Pierre Bourdieu esclarece que “A dinâmica social no interior de cada capo é regida

pelas lutas em que os agentes procuram manter ou alterar as relações de força e a distribuição das formas de

capital específico”. São as lutas entre agentes concorrentes que caracterizam um campo (LIMA, 2010),

definem sua estrutura, formando um espaço de lutas estruturado.

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promovida pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, a qual foi proposta pela

Reguladora durante processo de revisão do sistema de bandeiras tarifárias e regulamentação

da Conta Centralizadora dos Recursos provenientes das referidas bandeiras. Dentre as razões

e as formas de escolha, as quais serão detalhadas no Capítulo III, está o fato de ser um tema

com repercussão financeira aplicado aos usuários em âmbito nacional.

Partindo da premissa, segundo a qual a audiência pública se constitui num espaço de

luta no subcampo regulamentar do setor elétrico, procurar-se-á analisar a potencial promoção

da participação popular no processo administrativo promovido pela Agência Nacional de

Energia Elétrica – ANEEL. Para tanto, buscar-se-á verificar quanto o modelo procedimental

adotado pode, no campo regulamentar, manejar um capital específico instrumentalizado, seja

pela complexidade inerente ao setor, seja pelo uso da linguagem técnica, ou ainda, pelo

habitus, acabando por dificultar ou mesmo inviabilizar a participação popular de forma

efetiva, fazendo com que os usuários, desmunidos desse capital e deste habitus, acabem

constituindo um grupo “desempoderado” no processo de tomada de decisões. (BOURDIEU,

2006, p. 225-226).

Além disso, adotando também como premissa a ideia de participação popular efetiva,

compreendida como a inclusão do cidadão no debate, ou seja, no espaço de luta com

condições reais de manter ou subverter as regras no subcampo, buscar-se-á verificar, ainda, se

a Agência, considerando a subordinação dos seus atos aos princípios e direitos fundamentais

constitucionais, ante a necessidade da participação social como instrumento de legitimação,

atua de forma transparente e envida todos os esforços, com vista a obter a participação social

em conformidade com o Estado Democrático de Direito.

A presente dissertação será desenvolvida em três capítulos. No primeiro capítulo,

partindo da indagação acerca do por que regular(?), procurar-se-á discorrer sobre o processo

de implementação das agências reguladoras em nosso País e o que levou o Brasil a copiar o

modelo norte-americano, e ainda, sobre a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL

como reguladora de serviço público essencial à dignidade humana e o campo regulatório do

setor elétrico.

No segundo capítulo buscar-se-á discorrer acerca do princípio democrático e da

participação popular amparados na concepção de democracia constitucional e democratização

da administração pública, perpassando pelo princípio constitucional implícito da transparência

pública como pilar do Estado Democrático de Direito e, ainda, em ralação a questão da

legitimidade nos processos normativos das agências reguladoras.

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Por fim, no terceiro capítulo, realizar-se-á a análise qualitativa do estudo de caso, por

meio da técnica de análise de conteúdo, cujos resultados serão submetidos à análise

comparativa de alguns dados e explicativa de outros, baseada no referencial teórico da

presente dissertação, bem como nos princípios norteadores e vinculantes da atividade

administrativa.

No que concerne à definição do referencial teórico, optou-se por Pierre Bourdieu, pelo

fato de ser ele um sociólogo conhecido e reconhecido pelo trabalho de fôlego realizado ao

longo de sua vida, fortemente alicerçado na empiria, cuja interpretação dos fenômenos sociais

tende à crítica feita de uma forma historicizada, situada em espaço determinado.

A teoria das práticas sociológicas, a qual tem como objeto o estudo das práticas sociais,

possibilita analisar e compreender com profundidade as dimensões estruturais das práticas

sociais em determinado espaço (campo), a partir do modo de conhecimento praxiológico

consubstanciado num processo em que são interiorizadas as externalidades, e externalizadas

as interioridades, cujo princípio gerador e também estruturador das práticas, bem como das

representações é o habitus, sistema de disposições duráveis, as quais sem ser resultado da

ação consciente, ou seja, sem intenção, são estruturas estruturadas estruturantes.

(CASANOVA, 1995, p. 63). Além de habitus, capital e campo, também são elementos

integrantes da teoria da prática, a qual permite, como referencial, a aplicação em processo

investigativo voltado a um diagnóstico empírico, cujo método desenvolvido pelo sociólogo

implica estudar determinado campo por meio da aplicação dos conceitos, procurando desvelar

as relações ali desencadeadas capazes de explicar a lógica interna daquele espaço social.

Associado à teoria da prática e da característica de empiria presente nos trabalhados de

Pierre Bourdieu, outra contribuição importante, particularmente relacionada ao tema da

presente pesquisa, está na sua atuação como intelectual no campo político e social,

notadamente no que concerne ao seu posicionamento frente aos efeitos sociais da

mundialização.

Cumpre registrar que a obra do sociólogo francês é vasta e complexa, sendo que, neste

trabalho, a utilização como referencial teórico é centrada, basicamente, como já registrado,

nos conceitos de campo, habitus e capital.

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2 POR QUE REGULAR? O SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E O

MODELO BRASILEIRO

O modelo de Bem-Estar Social3, inspirado na proposta do economista britânico John

Maynard Keynes, o qual durante a depressão dos anos 30, em meio a um período de recessão,

defendeu o desenvolvimento da economia e extinção da recessão por meio da eliminação do

desemprego e melhora da renda dos trabalhadores (SILVA, 2002), ganhou força após a

Segunda Guerra Mundial, momento em que o modelo de Estado interventor até então

“distributivo, produtivo e providencial” (MOREIRA NETO, 2005, p. 04) foi substituído, a

partir do ideal de um Estado forte e ativo (GUIMARÃES, 2013, p. 102), pelos modelos de

“estado de bem estar social” (MOREIRA NETO, 2005, p. 04) e do “estado socialista”

(MOREIRA NETO, 2005, p. 04) (Destaque do autor).

O Estado de Bem-Estar Social buscava implementar uma igualdade material em

substituição à igualdade formal do liberalismo, até então conhecida por meio de uma

intervenção moderada na economia, através da tributação e de políticas públicas assistenciais.

O Estado Socialista, cuja intervenção econômica era muito mais expressiva, acabava por

“substituir a própria sociedade na condução do seu destino”. (MOREIRA NETO, 2005, p.

04).

A política econômica e social de John Maynard Keynes, visto como um economista

“liberal social”, para quem “a tendência natural da economia não é o livre mercado, mas sim o

monopólio”, devendo, desta forma, “ser criado e mantido por normas e medidas que o

protejam”, foi adotada por países como Inglaterra e Alemanha no pós-guerra, por meio do

chamado “consenso social-democrático”. Assim, para Keynes o “Estado deveria estar

permanentemente intervindo na economia para manter o pleno emprego, mesmo que para isso

fosse preciso emitir moeda sem lastro, correndo o risco de gerar inflação”. (ARAGÃO, 2013,

p. 73).

No período de Guerra Fria, cujo marco final é, dentre outros, a queda do muro de

Berlim, no início dos anos 80 (COELHO, 2000, p. 192), a política econômica dos “Estados

Nacionais” era voltada a investimentos em setores de “baixa lucratividade, de riscos

financeiros ou carentes de investimentos tecnológicos, como as áreas de infraestrutura

(energia, estradas, água potável, telefonia) e social (educação, saúde, previdência)” (CLARK,

3 Alexandre Santos de Aragão (2013, p. 72) ressalta que o modelo de Estado Social ou do Bem-Estar é apenas

um dos possíveis modelos da espécie Estado Democrático de Direito, o qual, por vezes é confundido com

uma espécie de Estado. Mas como destaca o autor, “estaremos sempre diante de um Estado Democrático

incumbidos do bem-estar da coletividade”.

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2008, p. 208), tendo como objetivo viabilizar o crescimento “da economia de mercado, refrear

os movimentos sociais reivindicativos (dos trabalhadores, por exemplo) e remover o fantasma

do socialismo”. (CLARK, 2008, p.208). Enquanto isso, conforme faz constar Giovani Clark,

o capital privado era voltado a investimentos à indústria de consumo interno e “também na

rendosa indústria armamentista”.

A atuação do Estado na condição de empresário, proprietário de empresas públicas e de

prestador de serviços públicos, foi, durante muito tempo, a principal forma de regulação da

economia. A propriedade pública em setores como os de energia elétrica, gás,

telecomunicação e infraestrutura (ex.: estradas) era vista como necessária porque, de um lado,

superava a ineficiência dos monopólios privados e, de outro, representava a possibilidade de

levar o desenvolvimento econômico a regiões desfavorecidas. Além disso, representava a

proteção de consumidores e da segurança nacional, como um instrumento do governo de

regulação da economia e proteção do interesse público. (CRUZ, 2009).

Contudo, na década de 80, países como Inglaterra e Alemanha, os quais haviam

implementado o modelo de Estado de Bem-Estar Social, caracterizado por um forte sistema

de proteção social, também chamado de Estado Providência, já enfrentavam severa crise

motivada, especialmente, pelo déficit orçamentário e ineficiência dos serviços públicos.

(MOREIRA NETO, 2005).

A crise econômica vivida após o final da Guerra Fria, vencida pelo “bloco capitalista

liderado pelos E.U.A” e a consequente eliminação do que até então era visto como uma

ameaça socialista, significou a redução dos gastos inerentes à própria guerra, afetando,

sobretudo, a indústria bélica que, associada a uma situação de ineficiência da administração

pública, a qual gastava mais do que dispunha, levaram ao fracasso do modelo “keynesiano”.

(ARAGÃO, 2013, p. 73).

O cenário mundial vivenciado era outro, não só pelo fim da ameaça até então imposta

pelo socialismo, mas também pelos avanços tecnológicos os quais tiveram e ainda têm um

papel forte na transformação dos Estados-Nações, com efeitos internos e externos.

Internamente, a sociedade com maior acesso aos meios de comunicação e informação se

tornou mais exigente e passou a buscar o exercício da democracia. Externamente, os efeitos

negativos advindos das ações das grandes potências e empresas multinacionais no contexto da

globalização começaram a ser sentidos, a ponto de até mesmo a noção de soberania restar

afetada em alguma medida. (GUIMARÃES, 2013, p. 102-103).

Os Estados, premidos pelos movimentos internos e externos que cobravam mudanças,

passaram, conforme descreve Giovani Clark:

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[...] a executar o neoliberalismo de regulação transferindo serviços e atividades à

iniciativa privada (via privatização e desestatização), agora atraentes ao capital em

face da ‘redução’ dos ganhos com a indústria bélica da guerra fria e dos avanços

científicos. A tecnologia tornou lucrativos setores que anteriormente tinham baixa

lucratividade, ou não o tinham, e estavam nas mãos do Estado. (CLARK, 2008, p.

208).

As ideias neoliberais de mudança na atuação do Estado, o qual deveria deixar de ser

provedor e conceder maior liberdade ao mercado, foram levadas a prática nos Estados Unidos

pelo então Presidente Ronald Reagan e no Reino Unido pela primeira Ministra Margareth

Thatcher, os quais deram início aos processos de desestatizações, privatizações, entre outras

medidas, no sentido de redução da atuação direta do Estado (GUIMARÃES, 2013, p. 175).

O Brasil, em que pese não ter alcançado a condição de Estado de Bem-Estar Social,

agiu como Estado interventor sob a justificativa de melhorar a atividade econômica e

impulsionar o processo produtivo em larga escala. (BUZANELLO, 2011). Para tanto, contou

com alguns instrumentos de proteção social, como o FGTS, instituído pela Lei nº 5.107, de 13

de setembro de 1966; o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, instituído pela

Lei nº 6.439, de 01 de setembro de 1977; além de uma série de direitos sociais garantidos na

Constituição Federal de 1988.

Porém, esses instrumentos não beneficiaram os cidadãos brasileiros de forma universal,

eficiente e igualitária. Como observado por Leonel Pires Ohlweiler (1999, p. 37), as medidas

de intervenção do Estado brasileiro “muito mais contribuíram para o favorecimento das elites

e para acentuar um caráter autoritário, corporativo e excludente do que cumprir as promessas

da modernidade e do sistema capitalista”.

Independentemente do sucesso ou não das medidas de intervenção do Estado brasileiro,

fato é que este modelo sucumbiu, cedendo espaço a um modelo de gestão decentralizada. Essa

transformação como se pode observar nasceu em meio a uma série de problemas internos e

pressões externas.

2.1 Crise e Reforma do Estado

Na década de 80, o Brasil, mesmo não tendo alcançado a condição de um Estado

Providência, se viu em meio a uma severa crise fiscal atribuída a sua “débil capacidade

arrecadatória em face dos gastos” (MOTTA, 2003, p. 42), levando ao aumento de preços em

tempos de inflação e de juros pela instabilidade, cujas repercussões internas e externas foram

significativas, provocando, até mesmo, o aumento da dívida externa. (SCHNEIDER, 2013).

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O movimento de privatização iniciado durante o governo Collor de Mello, na visão de

Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães, teria sofrido a influência de dois fatores, sendo

estes “um interno e outro externo, intimamente relacionados entre si”. Na concepção do autor:

O fator interno diz respeito ao crítico estado financeiro e institucional pelo qual

passava o setor elétrico no final da década de 80 [...]. O fator externo guarda relação

com a crescente aceitação que as privatizações, desnacionalizações e

desregulamentações vinham ganhando no cenário internacional, influenciadas pelos

governos de Thatcher, na Inglaterrra, e Reagan, nos Estados Unidos – reformas estas

que deveriam ser implementadas independentemente do estágio econômico em que

se encontravam os países. (SCHNEIDER, 2013, p. 175).

O processo de mundialização (globalização)4 causou, e ainda causa uma série de

mudanças nas sociedades em todo o globo. A dinâmica social se tornou mais complexa,

mudando até mesmo a noção de tempo, de modo que tudo anda ou deve andar num ritmo

mais acelerado, “alteram-se mais ou menos drasticamente as condições, as possibilidades e os

significados do espaço e do tempo, já que se multiplicam as espacialidades e as

temporalidades”. (IANNI, 1998, p. 02).5

A complexidade das relações sociais levou à multiplicidade de demandas até então

desconhecias pelos Estados, os quais, em geral, não se viam preparados para acompanhar e

atender a todas de forma satisfatória, seja pela falta de recursos, seja pela limitação técnica de

seu corpo burocrático, conduzindo a redução da atuação direta do Estado. Esse fenômeno é

enfrentado por Pierre Bourdieu na forma sintetizada por Maria Dolores París Pombo, ao

afirmar que:

4 Neste trabalho as palavras globalização e mundialização são utilizadas como palavras sinônimas. Pierre

Bourdieu no texto O mito da ‘mundialização’ e o Estado social europeu usa a palavra mundialização numa

crítica contra o “trabalho de doutrinação simbólica” na construção e aceitação da “visão neoliberal” (1998,

p. 42). Em outro texto, Unificar para melhor doutrinar, o duplo sentido da palavra globalização, segundo o

autor: “É preciso agora voltar à palavra ‘glabalization’ (em francês mondialisation): vimos que ela poderia,

num sentido rigoroso, designar a unificação do campo econômico mundial ou a extensão desse campo na

escala do mundo. Mas também atribuíram-lhe um significado completamente diferente, passando sub-

repticiamente do sentido descritivo do conceito tal como acabo de formular para um sentido normativo, ou

melhor, performativo: a ‘globalization’ designa então uma política econômica que visa unificar o campo

econômico por todo um conjunto de medidas jurídico-políticas destinadas a suprimir todos os limites a essa

unificação, todos os obstáculos, em sua maioria ligados ao Estado-nação, a essa extensão. Isso define com

precisão a política neoliberal, inseparável da verdadeira propaganda econômica que lhe confere uma parte de

sua força simbólica através da ambiguidade da noção”. (2001, p.100). 5 Como ensina Octavio Ianni (1998, p. 01), “as coisas, as gentes e as ideias movem-se em múltiplas direções,

desenraízam-se, tornam-se volantes ou simplesmente desterritorializam-se. Alteram-se as sensações e as

noções de próximo e distante, lento e rápido, instantâneo e ubíquo, passado e presente, atual e remoto,

visível e invisível, singular e universal. Está em curso a gênese de uma nova totalidade histórico-social,

abarcando a geografia, a ecologia e a demografia, assim como a economia, a política e a cultura. As religiões

universais, tais como o budismo, o taoísmo, o cristianismo e o islamismo, tornam-se universais também

como realidades histórico-culturais. O imaginário de indivíduos e coletividades, em todo o mundo, passa a

ser influenciado, muitas vezes decisivamente, pela mídia mundial, uma espécie de “príncipe eletrônico”, do

qual nem Maquiavel nem Gramsci suspeitaram”.

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27

Otro elemento interesante es que el sociólogo francés adopta, de alguna manera, el

lenguaje mismo de sus oponentes al admitir la ‘reducción del Estado’ como un

proceso propio de la era mundializadora y neoliberal. No deja de señalar, por otro

lado, la terrible paradoja de la tecnocracia, erigida en una nueva nobleza de Estado,

que habla a favor de la decadencia del propio Estado; transforma el bien público en

bienes privados; pretende defender al individuo destruyendo la cosa pública; y

convierte al ciudadano en un consumidor. (POMBO, 2012, p. 28).

O sociólogo francês diferencia a globalização, no sentido de unificação que leva à

produção de um campo econômico mundial, da globalização de sentido

normativo/performativo, como sendo aquela que “designa então uma política econômica”

(BOURDIEU, 2001, p. 100), tendo como objetivo a unificação do campo econômico por

meio de “um conjunto de medidas jurídico-políticas destinadas a suprimir todos os limites a

essa unificação, todos os obstáculos, em sua maioria, ligados ao Estado-nação, a essa

extensão”. (BOURDIEU, 2001, p. 100-101). Deste modo, a palavra globalização é “um

pseudoconceito ao mesmo tempo descritivo e prescritivo” (BOURDIEU, 2001, p. 102),

prestando-se como instrumento de unificação de um modelo econômico apregoado

simultaneamente como “destino inevitável” e “projeto de liberação universal”. (BOURDIEU,

2001, p. 106).

Como ressalta José Eduardo Faria (1998, p.143-144), “se no plano político do mundo

desenvolvido” houve o aumento do “número de bens, valores, interesses e sujeitos aptos a

serem tutelados pelo rótulo “direitos humanos”, já no “plano social dos países latino-

americanos, o progressivo enfraquecimento do Estado nacional dificulta o reconhecimento

dos direitos mínimos de amplos contingentes de suas respectivas sociedades”, onde o

“denominador comum” continua sendo: “pobreza absoluta”, “desemprego disfarçado” e

“baixo nível dos salários”.

Importante enfatizar ainda, a luta de Pierre Bourdieu como crítico do processo de

mundialização, o qual “denuncia la agudización de la desigualdad y la polarización de las

sociedades”. (POMBO, 2012, p. 29). Os supostos benefícios deste processo de globalização

não são extensivos a todos, ao contrário, como enfatiza Maria Dolores París Pombo:

En efecto, la globalización está lejos de ser una homogeneización de las formas de

vida. Por el contrario, promueve en unos cuantos lugares y centros de poder la

concentración de los recursos financieros, de la investigación científica y de la

innovación tecnológica, mientras que la mayor parte de la población mundial –

incluso al interior de las sociedades nacionales del llamado ‘primer mundo’ –

termina por ser excluida de los beneficios del crecimiento económico. (POMBO,

2012, p. 28).

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Outro ponto é problema arguido por José Eduardo Faria (1995, p. 257), ao discorrer

sobre o sistema normativo no Estado contemporâneo. O autor pontua o fato de o Estado

precisar realizar diversas funções, sendo a maior parte delas conflitantes, conduzindo a

consolidação de um sistema normativo num ambiente de confronto provocada por uma “tensa

e intrincada pluralidade de pretensões basicamente materiais”. Como exemplo, traz as

reivindicações trabalhistas defendidas pelos sindicatos, os quais buscam mais direitos

trabalhistas e sociais. De outro lado, as pretensões advindas do “sistema econômico com o

objetivo de ‘flexibilizar’ e ‘deslegalizar’ essa legislação protetora”. O autor alerta que o

crescimento desta legislação conflituosa levará ao “esvaziamento da própria função de leis”.

A deterioração do sistema jurídico, na visão de José Eduardo Faria (1995, p. 260),

conduz a outras rupturas nas estruturas jurídicas e políticas herdadas tanto do Estado Liberal,

quanto do Estado de Bem-Estar Social, dentre elas à “desconcentração do aparelho estatal,

mediante a descentralização de suas obrigações, à desformalização de suas responsabilidades,

à privatização de empresas públicas e à ‘deslegalização’ da legislação social”. Essas e outras

rupturas relacionadas pelo autor possuem, no seu entendimento, um “demolidor comum”: “o

gradativo esvaziamento da soberania e da autonomia dos Estados nacionais”.

Ao discorrer sobre a crítica de Pierre Bourdieu acerca da teoria neoliberal Jorge Vergara

Estévez esclarece que este programa político de ação, na concepção do sociólogo francês:

Está acompañado de un inmenso trabajo político (negado, por que en apariencia es

puramente negativo), que consiste en crear las condiciones de realización y

funcionamiento de la teoría. Este implica la destrucción sistemática de las

regulaciones estatales de protección de los Estados nacionales, así como de los

colectivos que obstaculizan el desarrollo del mercado: las naciones, los grupos de

trabajo, las organizaciones por los derechos de los trabajadores: sindicatos,

asociaciones, cooperativas, incluso la familia, la cual mediante la constitución de

mercados segmentados por edad, pierde parte importante de su control sobre el

consumo. (2005, p. 51).

Ante esse cenário mundial, o Estado Brasileiro, internamente, como relata Fernando

Herren Aguillar (1999), impossibilitado de realizar os investimentos necessários, enfrentava

descontentamento e clamores sociais variados. E como bem observa o autor, não obstante, as

demandas sociais serem variadas e complexas, não eram, necessariamente, conflitantes, posto

que, de um lado, protestavam investidores e empresários contrários à postura estatizante e, de

outro, intelectuais e trabalhadores que clamavam por democracia efetiva. Estas manifestações

somadas demonstravam, no fundo, um descontentamento social generalizado.

Externamente, como também registrado pelo autor, o Fundo Monetário Internacional –

FMI, o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico –

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OCDE impunham condições para fornecimento de empréstimos. Em toda a América Latina,

estes organismos internacionais condicionavam empréstimos à adoção de medidas que

modernizassem a regulação. Como apontado por Paulo Roberto Ferreira Motta:

O destino dos povos, num mundo globalizado, que não querem (ou não possuem

força suficiente para) romper com este sistema de dominação, desloca-se de seus

parlamentos, de seus governos e de seus tribunais, sendo decidido por outros

organismos, sempre internacionais, como o Fundo Monetário Internacional – FMI –

e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – Bird, também

conhecido como Banco Mundial. (MOTTA, 2003, p. 30).

Ante o descontentamento geral da população e a pressão de grupos sociais,

especialmente os com maior poder aquisitivo, associado à falta de recursos e a incapacidade

da burocracia estatal de atender às demandas da sociedade, a qual, frente ao fenômeno da

globalização, se tornou mais complexa, mais exigente, ganharam força sobre os países

periféricos as ideias neoliberais “de que a sociedade deveria ser estimulada em suas próprias

iniciativas”. (SCHNEIDER, 2013, p. 27).

A disseminação das premissas neoliberais consiste, de fato, na implementação, ao nível

mundial, do modelo de política econômica norte-americana, fundada em alguns postulados

apresentados como inexoráveis. Sobre esses postulados, é interessante e pertinente atentar

para um olhar diferente, como o dos que olham para a sociedade antes de olhar para o

mercado. Esse é o tipo de olhar de Pierre Bourdieu, o qual discorre sobre esse tema e assenta

seu contraponto à visão apregoada pelos neoliberais, o que pode ser aferido especialmente em

sua obra intitulada Contrafogo. (POMBO, 2012, p. 11).

O sociólogo coloca, em apertada síntese, que o efeito simbólico, produzido passo a

passo, levou à construção de premissas sólidas, tais como a economia posta como um domínio

autônomo regulado por leis naturais e universais, sobre as quais o governo não deve intervir;

o mercado colocado como forma ideal de organização da produção e das trocas de “maneira

eficaz e equânime nas sociedades democráticas” (BOURDIEU, 2001, p. 30); e a globalização

(mundialização) como fenômeno que impõe a redução das despesas estatais, em especial as

relacionadas aos direitos sociais (emprego e seguridade social), postos como onerosos e

“disfuncionais”. Contudo, excluído o efeito simbólico, é possível aferir que o modelo é

creditado muito mais a algumas particularidades históricas da tradição social norte-americana,

dentre elas, o fato de, ao longo da história, o Estado norte-americano ter sido um Estado fraco,

do que propriamente de leis naturais da teoria econômica. (BOURDIEU, 2001, p. 30).

Em 1989, alguns representantes do governo norte-americano e de instituições como o

Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD e Fundo Monetário

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Internacional – FMI se reuniram em Washington e lançaram um pacote de medidas para a

crise dos países da América Latina, denominado Consenso de Washington. O documento,

fundado em ideias neoliberais de “liberalização e desregulamentação” (GONÇALVES, 2012,

p. 653-655), favoráveis aos negócios internacionais de interesse tanto de Países

desenvolvidos, como os Estados Unidos, quanto de organismos internacionais como o FMI e

o Banco Mundial, foi escrito por John Williamson, resumido em dez diretrizes:

I) disciplina fiscal, capaz de reduzir significativamente o déficit;

II) reorientação dos gastos públicos, no sentido de direcioná-los a setores como o da

saúde e educação;

III) reforma tributária, voltada ao aumento da carga tributária e simplificação do

sistema de arrecadação;

IV) liberalização financeira, como medida contrária a empréstimos subsidiados ou

favorecidos a determinados setores ou empresas, o que era até então comum;

V) taxas de câmbio unificadas, para evitar favorecimentos de alguns em detrimento

de muitos;

VI) taxas de câmbio competitivas, estabelecidas pelo mercado;

VII) liberalização do comércio, reduzir a proteção do comércio local e as garantias

de mercado;

VIII) abertura para o financiamento externo direto, a ser obtido a partir de

poupanças externas;

IX) privatizações para solucionar a falta de recursos para investimento e melhorar a

gestão;

X) desregulamentação, entendida como necessária para impulsionar os negócios,

posto que a regulamentação era tratada como entrave ao desenvolvimento

econômico. (GIAMBIAGI; ALMEIDA, 2003, p. 09-11).

As regras do Consenso de Washington foram apresentadas aos países periféricos como

inevitáveis, dada a condição na qual se encontravam, não poderiam esquivar-se da adoção de

medidas tidas como “universais” e “incontornáveis”. (SANTOS, 2002, p. 24). Sobre este

aspecto, é contundente a crítica de Boaventura de Sousa Santos, para quem o Consenso de

Washington é uma espécie de contrato social, o qual se dá em nível internacional entre países

capitalistas centrais, enquanto que para os demais países:

[...] apresenta-se como um conjunto de condições inexoráveis de aceitação acrítica

sob pena de implacável exclusão. São essas condições inelutáveis globais que depois

sustentam os contratos individuais de direito civil. Por todas estas razões, a nova

contratualização é, enquanto contratualização social, um falso contrato, uma mera

aparência de compromisso constituído por condições impostas sem discussão ao

parceiro mais fraco no contrato, condições tão onerosas quanto inescapáveis.

(SANTOS, 2002, p. 24).

Nesta mesma linha, como bem ressalta Rodrigo Santos Neves, independentemente da

ideia apresentada sobre o Consenso de Washington, de tratar-se de um conjunto de regras

voltadas à estabilização econômica, na verdade, os resultados verificados são:

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Danosos aos países periféricos, uma vez que este consenso é um acordo entre os

países centrais, mas surge como uma imposição inarredável aos países periféricos

que ou aderem a esses acordos ou ficam completamente excluídos do mercado

internacional. (NEVES, 2009, p. 84).

Para Fabio Giambiagi e Paulo Roberto Almeida (2003), a globalização financeira não

faz parte das diretrizes do Consenso de Washington, apoiados no artigo Effects of financial

globalization on developing countries: some empirical evidence, (PASSAD, 2003), publicado

pelo FMI, falam sobre a função deste fenômeno (globalização/mundialização) nas crises

vividas por diversos países durante os anos 90 e começo do século XXI, afirmando que:

Os fatos recentes indicam que países mais integrados financeiramente ao sistema

econômico mundial são mais suscetíveis de alcançar patamares mais altos de

crescimento e de expansão da renda per capita, mas também podem estar mais

sujeitos a crises ou processo de instabilidade. Ou seja, eles podem beneficiar-se com

a competição ampliada trazida pela abertura financeira e a desregulação nos

mercados de capitais, mas correm o risco proporcional de enfrentar crises ou

processos de instabilidade bancária e cambial. Os ônus estão geralmente associados

a políticas adequadas de supervisão, o que significa um reforço das instituições

regulatórias. (GIAMBIAGI; ALMEIDA, 2003, p. 24-25).

Segundo Sérgio Guerra (2003), o conceito de desregulação implementada no Brasil tem

origem no New Public Management (NPM), implantado no Reino Unido nos anos 80, durante

o processo de modernização administrativa, cujos pontos cruciais conduziam, entre outras

medidas, à redução do tamanho do Estado, a privatizações, a terceirizações, à regulação de

atividades privadas, à extinção de estabilidade do funcionalismo e à descentralização das

atividades administrativas do Estado. (GUERRA, 2012a, p. 24-25).

Giovani Clark, Samuel Pontes do Nascimento e Leonardo Alves Correia (2006, p. 4184)

sustentam o neoliberalismo como “um novo modelo de liberalismo”, o qual não pode ser

entendido como uma teoria decorrente do Consenso de Washington. Para os autores,

neoliberais são as políticas públicas e os novos modelos de Estados construídos a partir de

teorias como a de John Williamson.

Independentemente de se estar ou não de acordo com diversos argumentos trazidos por

Fabio Giambiagi e Paulo Roberto Almeida sobre o Consenso de Washington6, há um ponto

acerca do qual é preciso concordar. Trata-se, especificamente, da manifestação dos autores de

6 No artigo Morte do Consenso de Washington? Os rumores a esse respeito parecem muito exagerados.

Fabio Giambiagi e Paulo Roberto Almeida sustentam que: “Examinando, portanto, o debate mundial em

torno das regras do Consenso de Washington com lentes bem mais focadas do que as dos antiglobalizadores,

novos e tradicionais, essas regras aparecem como sensatas no plano das políticas cambial, monetária e

financeira, passando longe da suposta desregulação, da abertura financeira indiscriminada, da dolarização ou

da rigidez cambial imaginadas pela mídia e proclamadas de forma equivocada por alguns críticos

acadêmicos”. (GIAMBIAGI; ALMEIDA, 2003, p. 24-25).

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que, num processo de globalização, mediante abertura de mercado e desregulação, o risco

imposto a alguns países não tão bem integrados ao sistema econômico mundial é grande.

(GIAMBIAGI; ALMEIDA, 2003, p. 24-25). Contudo, admitir a “rendição” ao sistema como

o único caminho é um pouco mais complicado. Pensar que países periféricos podem e devem

aceitar regras genéricas de desenvolvimento econômico, desconexas de suas realidades locais,

como única e, ao mesmo tempo, ótima solução parece até um pouco ingênuo.

Sabe-se que o modelo de política econômica dos Estados Unidos da América proliferou

por boa parte do mundo, independentemente das singularidades de cada País, de cada povo.

Entidades como o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento – BIRD impuseram, e ainda impõem esse modelo, apresentando as ciências

econômicas como algo superior e inexorável. (GUIMARÃES, 2013, p. 98-103).

A crítica de Pierre Bourdieu acerca do processo de mundialização também recai sobre

as políticas de instituições como o Fundo Monetário Internacional. Neste ponto em particular,

como ensina Jorge Vergara Estévez:

El autor ve las políticas del Fondo Monetario Internacional y de la Organización

Mundial de Comercio como la búsqueda de la realización de una utopía, que se

presenta como expresión de la teoría económica, y la cual se ha convertido en un

programa político. Su teoría es una pura ficción matemática fundada, desde su

origen, sobre una formidable abstracción, que, en nombre de una concepción tan

estrecha como estricta de la racionalidad, identificada con la racionalidad individual,

consiste en poner entre paréntesis las condiciones económicas y sociales respecto a

las normas racionales y de las estructuras económicas y sociales, que son la

condición de su ejercicio. Ella crea una oposición arbitraria, entre la lógica

propiamente económica, fundada sobre la competencia y la eficacia y la lógica

social, sometida a la regla de la equidad. (2005, p. 50).

É assinalado pelo sociólogo francês o fato de que, na relação entre a teoria econômica,

na sua concepção mais formal e original, e as políticas efetivamente aplicadas em nome desta

teoria econômica, ou por elas legitimadas, “interpõe-se agentes e instituições impregnados de

todos os pressupostos herdados do incrustamento em um mundo econômico particular,

oriundo de uma história singular”. (BOURDIEU, 2001, p. 29). Reforça, ainda, o

enfraquecimento dos limites jurídicos, bem como dos limites técnicos sobre o controle de

extensão do campo econômico, fato decorrente tanto da propagação dos meios de

comunicação e de transporte, quanto da liberação e desregulação que beneficia o

desenvolvimento de um “campo econômico mundial”. (BOURDIEU, 2001, p. 100).

É sabido, conforme enfatiza Jorge Vergara Estévez (2005, p. 56) “el proceso

económico, político y cultural de Estados Unidos ha desempeñado una profunda influencia en

el desarrollo y características de la teoría neoliberal”. Ao discorrer sobre a imposição do

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modelo político-econômico dos Estados Unidos, Pierre Bourdieu (2001, p. 29) ressalta o fato

de a universalização da política econômica norte-americana colocar este sistema em “enorme

vantagem competitiva, prática e, também, simbólica, uma vez que a justifica existir como

existir”.

Essa vantagem simbólica tem origem no poder simbólico, definido por Pierre Bourdieu

como “poder invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não

querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. (BOURDIEU, 2006, p. 07-

08). Esse poder simbólico, segundo o sociólogo, é exercido pelo sistema político-econômico

norte-americano porque este é um poder estruturado estruturante, situação na qual a estrutura

é construída pela incorporação, de forma progressiva, de determinadas práticas.

(BOURDIEU, 2006).

No trabalho realizado por Eswar Prasad, Kenneth Rogoff e outros, publicado no sítio do

Fundo Monetário Internacional, datado de 17 de março de 2003, intitulado Effects of financial

globalization on developing countries: some empirical evidence, como o próprio título

identifica, foi realizada pesquisa empírica, a qual teve, segundo consta no texto, entre outros

objetivos, verificar se a globalização financeira promove o crescimento econômico dos países

em desenvolvimento, concluindo, em síntese, pela inexistência de prova empírica clara e forte

de que a globalização financeira promova taxas mais elevadas de crescimento econômico.

O fato é que, no momento em que o Estado Brasileiro estava sem recursos suficientes

para efetuar todos os investimentos necessários, amarrado em uma burocracia ineficiente e até

mesmo corrupta (BARROSO, 2006, p. 67), premido pela pressão interna (descontentamento

social) e externa (fruto da globalização), o Governo Federal decidiu implementar uma

Reforma Estatal, a qual incluía processos de privatizações e diversas outras medidas voltadas

à captação de investidores (especialmente estrangeiros) para diferentes setores. Para tanto, a

primeira medida adotada foi a aprovação do Programa Nacional de Desestatização – CND,

criado por meio da Medida Provisória nº 155, de 15 de março de 1990, convertida na Lei nº

8.031 de 12 de abril de 1990. (MOTTA, 2003, p. 06). A partir do que, como registra Lucas de

Souza Lehfeld:

O referido programa é cumprido por instrumentos como a alienação, em leilão, por

intermédio de bolsas de valores, do controle acionário majoritário de entidades

estatais exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços públicos,

como também a delegação, por meio de concessões, permissões e autorizações, da

execução de serviços públicos à inciativa privada. (2008, p. 237) (destaque do

autor).

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Assim, tem início, no Brasil, o processo de redução da atuação direta do Estado em

direção à execução das ideias neoliberais. Um país, como tantos outros países periféricos, que

nem mesmo conseguiu implementar um Estado de Bem-Estar Social, se vê premido a adotar

um processo de transformação em Estado gestor. Como destacou Leonel Pires Ohlweiler ao

se referir à crise do modelo de Estado Provedor e os postulados de um modelo liberal de

redução da atuação estatal:

Parece difícil aceitar acriticamente tais postulados quando se mostra evidente que no

Brasil não houve a efetiva implementação do chamado welfare state. Ora, como

agora se quer diminuir o Estado se as ditas promessas da modernidade sequer foram

cumpridas?. (OHLWEILER, 1999, p. 36).

Conforme enfatizado por Pierre Bourdieu (2001, p. 99), a unificação e integração do

espaço econômico, ao invés de produzir uma homogeneização, gera concentração de poder e

de exclusão de parte da sociedade. O autor, fazendo uso de exemplo observados na Argélia7,

procura demonstrar que a “unificação beneficia os dominantes”, ao colocar “todos os agentes

sociais em um jogo” sem estarem todos em igualdade de condições, sobretudo porque alguns

são cultural e economicamente mais preparados, daí a tendência dos menos preparados

acabem submetidos “à norma objetivamente imposta pela concorrência de forças produtivas e

modos de produção mais eficientes”. (Destaque do autor).

Os efeitos provocados pela globalização e ideais neoliberais em países periféricos como

o Brasil foram nefastos, na medida em que a interferência externa, advinda das transnacionais;

assim como de organismos internacionais (Banco Mundial, Fundo Monetário internacional e

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) os quais passaram a ditar as

regras, acabaram por afetar até mesmo a concepção de soberania nacional, além de causar

outros prejuízos importantes como a perda de identidade da população e o aumento da

pobreza e da desigualdade social. (SCHNEIDER, 2013).

7 Em 1955, Pierre Bourdieu com 25 anos, formado em filosofia, foi enviado para a Argélia onde prestou

serviço militar durante a guerra. Quando chegou à Argélia, foi designado para uma unidade de aviação.

Depois foi empregado no Governo Geral para trabalhar no serviço de documentação e informação, local

onde começou a acompanhar melhor o que acontecia na sociedade argelina. No final do serviço militar,

desejou permanecer na Argélia e continuar seu trabalho de pesquisa etnológica. Conseguiu emprego como

professor na universidade de Argel onde deu aula de filosofia e sociologia e simultaneamente deu

continuidade às suas pesquisas, o que fez durante 1958 e 1961. A experiência vivida na Argélia ocupou,

como bem registra a argeliana Tassadit Yacine, “um lugar central na obra de Bourdieu” (YACINE, 2005, p.

310). No livro Esboço de Autoanálise, escrito por Pierre Bourdieu, o mesmo escreve sobre o que viveu na

Argélia e sobre o significado dessa experiência na sua vida e na sua obra. Apenas a título ilustrativo, ao falar

sobre as situações e acontecimentos que vivenciou enquanto fazia sua pesquisa durante a guerra afirma: “não

é fácil relatar sem mais, como os vivenciei, situações e acontecimentos – quiçá aventuras – que mexeram

comigo tão profundamente, a ponto de voltarem em sonhos”. (BOURDIEU, 2005a, p. 77-78).

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A reforma do Estado teve início com a privatização de empresas públicas produtivas e

não das afetas à prestação de serviços públicos, ganhando contornos mais expansivos,

incluindo serviços públicos essenciais a partir de 1995, durante o Governo do então

Presidente da República Fernando Henrique Cardoso (GUERRA, 2012, p. 103), avançando na

implementação de um modelo definido como Estado Gestor, em substituição a um modelo de

Estado o qual se pretendia Provedor.

O Programa Nacional de Desestatização – CND, aprovado durante o Governo do

Presidente Fernando Collor de Mello, fruto da conversão da Medida Provisória nº 155, de 15

de março de 1990, na Lei nº 8.031/908, posteriormente revogada pela Lei nº 9.491/97

(MOTTA, 2003, p. 07), cujo termo desestatização era compreendido apenas como

“transferência das empresas estatais para as mãos do setor privado” (MEDAUAR, 1995, p.

21), tinha como objetivos fundamentais expressos no art. 1º:

I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa

privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das

finanças do setor público;

III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a

ser transferidas à iniciativa privada;

IV - contribuir para modernização do parque industrial do País, ampliando sua

competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da

economia;

V - permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em

que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades

nacionais;

VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo

da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das

empresas que integrarem o Programa. (BRASIL, 1990).

A Lei nº 8.031/90 extinguiu o Conselho Nacional de Desestatização e respectiva

Secretaria Executiva (art. 26) e criou uma Comissão Diretora (art. 5º) subordinada ao Poder

Executivo, cujos membros deveriam ser nomeados pelo Presidente da República após

aprovação pelo Congresso Nacional. Essa Comissão dispunha de vasta competência

estipulada na forma do art. 6º do referido diploma legal, dentre as quais, destaca-se:

(inciso I) propor ao Presidente da República a inclusão de empresas no Programa

Nacional de Desestatização;

(inciso V) coordenar, supervisionar e fiscalizar a execução do Programa Nacional de

Desestatização;

8 Na percepção de Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães, o Governo teve intenção não apenas de

privatizar, mas também de “reduzir drasticamente a Administração Pública Federal, por meio da Extinção de

Ministérios (2013, p. 176).

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(inciso VII) aprovar as condições gerais de venda das ações representativas do

controle acionário, das participações minoritárias e de outros bens e direitos, aí se

incluindo o preço mínimo dos bens ou valores mobiliários a serem alienados;

(inciso VIII) aprovar a destinação dos recursos provenientes das alienações,

previstas no art. 15;

(inciso XIV) expedir normas e resoluções necessárias ao exercício de sua

competência. (BRASIL, 1990).

No período compreendido entre 1990 e 1994, a atividade de desestatização foi

concentrada na venda de estatais produtivas de setores considerados estratégicos.

(OLIVEIRA, 1996). No total, 33 (trinta e três) empresas foram desestatizadas, destas, 18

(dezoito) eram controladas pela União e 15 (quinze) consistiam em participações minoritárias

da Petrofértil e da Petroquisa. Além disso, foram promovidos 08 (oito) leilões de

participações minoritárias na forma do Decreto nº 1.068, de 02 de março de 1994.

Especificamente sobre a participação internacional nestes processos, conforme dados

disponibilizados pelo BNDES,9 neste período, o investimento estrangeiro, no País, foi de

apenas 0,5%. (BRASIL, 2012b).

Gráfico 1 - Investimento estrangeiro no País entre 1990 e 1994

Fonte: BNDES (2012b).

9 O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES é o gestor do Fundo Nacional de

Desestatizações constituído na forma do art. 17, da Lei nº 9.491/97. (BRASIL, 1997d).

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Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o qual teve início em 1º de janeiro

de 1995, o Plano de Reforma do Estado foi impulsionado de forma prioritária,10

intensificando-se o processo de privatização e incluindo a desestatização de serviços públicos.

(GUERRA, 2012, p. 103). O pontapé inicial no processo de transferência de prestação de

serviços públicos para iniciativa privada ocorreu no dia 13 de fevereiro de 1995, com a edição

da Lei nº 8.987, conhecida como Lei Geral de Concessões e Permissões (GUERRA, 2012, p.

104), instrumento necessário em razão do disposto no art. 175 da Constituição Federal,11

no

qual está previsto expressamente que serviços públicos só poderão ser prestados por

particulares mediante concessão ou permissão.

O então Ministro da Administração e Reforma do Estado – MARE, Luiz Carlos Bresser

Pereira, sustentou e deu início à implementação de um modelo de administração pública

gerencial, o qual, segundo ele, era “uma resposta à grande crise do Estado dos anos 80 e à

globalização da economia — dois fenômenos que estão impondo, em todo o mundo, a

redefinição das funções do Estado e da sua burocracia”. (PEREIRA, 1996, p. 07).

A implementação do novo modelo de administração levou à realização de mudanças no

sistema legal (Constituição, leis ordinárias e regulamentos) (LEHFELD, 2008, p. 207).12

10

Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva assinala que a transformação do Estado iniciada por Fernando

Collor, interrompida durante o governo de Itamar Franco, foi tratada como prioridade pelo Presidente

Fernando Henrique Cardoso “não só como condição para a consolidação do ajuste fiscal em curso na

economia para torná-la competitiva diante do capitalismo globalizado, proporcionando a retomada do

desenvolvimento; mas principalmente sob o argumento de assegurar o melhor e mais eficaz atendimento às

necessidades dos cidadãos” (SILVA, 2002, p. 82). 11

Constituição Federal. “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de

concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu

contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão

ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado”. (BRASIL, 1988). 12

De acordo com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, o governo identificou e ordenou os

problemas a serem resolvidos em três dimensões, conforme de depreende dos parágrafos que ora transcreve-

se. “No esforço de diagnóstico da administração pública brasileira centraremos nossa atenção, de um lado,

nas condições do mercado de trabalho e na política de recursos humanos, e, de outro, na distinção de três

dimensões dos problemas: (1) a dimensão institucional-legal, relacionada aos obstáculos de ordem legal para

o alcance de uma maior eficiência do aparelho do Estado; (2) a dimensão cultural, definida pela coexistência

de valores patrimonialistas e principalmente burocráticos com os novos valores gerenciais e modernos na

administração pública brasileira; (3) a dimensão gerencial, associada às práticas administrativas”. (BRASIL,

1995d, p. 25).

“Estas dimensões, ainda que guardem certa independência, operarão de forma complementar. A primeira

permitirá mudanças estruturais no funcionamento do aparelho do Estado, já que pressupõe a eliminação dos

principais entraves no sistema jurídico-legal; a segunda, entretanto, viabilizará a operacionalização da

cultura gerencial centrada em resultados através da efetiva parceria com a sociedade, e da cooperação entre

administradores e funcionários; finalmente, a terceira possibilitará concretizar novas práticas gerenciais e

assim obter avanços significativos, ainda que os constrangimentos legais não sejam totalmente removidos”.

(1995d, p. 50).

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Como argumento para a edição de emendas à Constituição, foi arguido que a Carta Magna de

1988 teria ignorado por completo as modernas orientações sobre administração pública,

impondo uma série de entraves, como, por exemplo, a instauração de regime jurídico único

para os servidores13

demandando, assim, alterações de modo a viabilizar o exercício efetivo

de uma administração gerencial. (BRASIL, 1995d).

As mudanças do sistema legal tiveram início por meio de emendas à Constituição

Federal de 1988, a qual, não obstante ter sido elaborada em um momento em que o Brasil já

vivia uma séria crise fiscal, foi concebida sobre as bases de um Estado de Bem-Estar Social,

prevendo uma série de direitos e garantias. (SCHNEIDER, 2013).

A primeira alteração voltada “à nova política de retirada do Estado a execução direta

das atividades econômicas” (GUERRA, 2012, p. 104) foi realizada por meio da Emenda

Constitucional nº. 05, de 15 de agosto de 1995, que possibilitou a concessão de serviços de

gás canalizado à iniciativa privada, cuja competência para exploração, até então, era privativa

dos Estados ou de empresas públicas mediante concessão, ou seja, a flexibilização dos

monopólios estatais definida por Luís Roberto Barroso (2006, p. 63) como “a segunda linha

de reformas que modificaram a feição da ordem econômica brasileira”.

Aprovada no mesmo dia (15 de agosto de 1995), a Emenda nº 06 altera o disposto no

inciso IX do art. 170, o art. 171 e o § 1º do art. 176, extinguindo o tratamento diferenciado até

então garantido às empresas brasileiras de capital nacional, eliminando “determinadas

restrições ao capital estrangeiro, ao suprimir o art. 171 da Constituição” (GUEDES, 2014, p.

197), considerado por Luís Roberto Barroso (2006, p. 63) como a “primeira transformação

substantiva da ordem econômica brasileira”.

Por meio da Emenda nº 07, também datada de 15 de agosto de 1995, excluiu-se a

previsão de predominância dos armadores nacionais e navios de bandeira e registros

brasileiros, a garantia de que fossem brasileiros os armadores, os proprietários, os

comandantes e dois terços, pelo menos, dos tripulantes de embarcações nacionais e a

exclusividade de navegação de cabotagem e de interior a embarcações nacionais.

13

Ao falar da burocracia estatal em detrimento de uma administração descentralizada Luiz Carlos Bresser

Pereira (1996, p. 14-15) afirma: “decidiram, através da instauração de um ‘regime jurídico único’ para todos

os servidores públicos civis da administração pública direta e das autarquias e fundações, tratar de forma

igual faxineiros e professores, agentes de limpeza e médicos, agentes de portaria e administradores da

cultura, policiais e assistentes sociais; através de uma estabilidade rígida, ignorando que este instituto foi

criado para defender o Estado, não os seus funcionários; através de um sistema de concursos públicos ainda

mais rígido, inviabilizar que uma parte das novas vagas fossem abertas para funcionários já existentes;

através da extensão a toda a administração pública das novas regras, eliminar toda a autonomia das

autarquias e fundações públicas”.

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Já a Emenda nº 08, igualmente datada de 15 de agosto de 1995, alterou o inciso XI e a

alínea “a” do inciso XII, do art. 21, para permitir autorização, permissão e concessão de

serviços de telecomunicação, cuja exploração só poderia ser exercida, até então, pela União

ou por empresa pública mediante concessão. Além disso, inseriu a previsão sobre a criação,

por lei, de órgão regulador.

As Emendas à Constituição de nº 05, 06, 07 e 08, conforme se observa, foram editadas

na mesma data, ou seja, 15 de agosto de 1995. Em um único dia foram editadas 04 (quatro)

Emendas à Carta Magna, a qual contava com apenas 06 (seis) anos e 10 (dez) meses de

vigência, sendo todas elas voltadas a viabilizar os processos de desestatização propostos por

um governo que havia assumido o comando do país há 08 (oito) meses. Neste momento, é

possível perceber, como apontado por Cláudio Mastrangelo, que “o Estado brasileiro

começava a estreitar seus limites”. (MASTRANGELO, 2005, p. 33).

Todas essas alterações do texto constitucional abriram espaço para a desestatização de

serviços públicos, a fim de possibilitar a realização destas na forma da Lei nº 8.987, de 13 de

fevereiro de 1995, ou seja, por meio de concessão e permissão. Até então, as desestatizações

realizadas durante o Governo do Presidente Fernando Collor de Mello haviam sido restritas a

empresas das áreas siderúrgica, petroquímica e de fertilizantes (GUERRA, 2012, p. 103), não

exigindo o regime de concessão ou permissão. Somente a partir da transferência da prestação

de serviços públicos para iniciativa privada, realizável, por força constitucional, apenas

mediante regime de concessão ou permissão, tornou-se necessária a implementação de um

modelo de regulação capaz de permitir ao Estado deixar de prestar os serviços de forma

direta, mantendo, contudo, condições de planejar, fiscalizar e regular. (ARAGÃO, 2013, p.

274).

O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado,14

elaborado pelo então Ministro,

publicado em novembro de 1995, e apresentado pelo então Presidente da República, Fernando

Henrique Cardoso, propunha a reformulação do papel do Estado na sociedade. Como destaca

Sérgio Guerra (2012, p. 105), “neste Plano Diretor, o programa de privatizações apresentou-se

como sendo a conscientização da gravidade da crise fiscal e da correlata limitação da

capacidade do Estado de promover poupança forçada por meio das empresas estatais”. De

pronto, a apresentação do plano sustentava a importância de uma regulação eficaz tanto da

14

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999, p. 39) esclarece que no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do

Estado é feita uma diferenciação entre Reforma do Estado e Reforma do Aparelho do Estado, sendo esta de

cunho mais restrito, cujo objetivo é levar a administração pública a um patamar de maior eficiência, voltada

à cidadania, enquanto que aquela tem sentido mais amplo abrangendo diversas áreas do governo, bem como

a sociedade brasileira como um todo.

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economia, quanto dos serviços básicos, bem como das políticas sociais. (BRASIL, 1995d).

Defendia, também, a transição de uma administração pública burocrática, descrita como

ineficiente para a administração pública gerencial. (BUZANELLO, 2011, p. 190).

O modelo de administração pública burocrática, o qual surgiu como uma forma

alternativa à administração patrimonialista da monarquia mostrou-se adequada enquanto o

Estado era liberal, situação em que a eficiência não era exigida da administração pública e,

sim, assegurar a propriedade e os contratos como prioridade. (DRUMOND; SILVEIRA;

SILVA, 2014, p. 05-06). Contudo, conforme argumentos de Luiz Bresser Pereira, na égide do

“Estado social e econômico do século XX, verificou-se que a administração burocrática não

garantia nem rapidez, nem boa qualidade, nem custo baixo para os serviços prestados ao

público”. (PEREIRA, 1996, p. 10-11).

A proposta de redefinição do papel do Estado apresentada estava centrada na ideia

segundo a qual, por meio de uma administração pública gerencial (LEHFELD, 2008, p. 246),

este deixaria de ser “o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via

da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse

desenvolvimento”. (BRASIL, 1995d, p. 06).

De acordo com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995d), a

nova administração pública gerencial deveria manter a segurança e efetividade, características

da administração burocrática no seu núcleo estratégico,15

enquanto que em determinados

setores, nos quais o requisito essencial é o da eficiência,16

o “grande número de servidores e

de cidadãos-clientes ou usuários envolvidos, o peso da administração pública burocrática

deverá ir diminuindo até praticamente desaparecer no setor das empresas estatais”.

(PEREIRA, 1996, p. 31).

As mudanças, especialmente as tecnológicas como ressalta Lucas Noura de Moraes

Rêgo Guimarães (2013, p. 178), demandavam “uma reforma no setor elétrico, a venda de

ativos para a iniciativa privada não se constituía em passo obrigatório e essencial rumo ao

futuro”. O autor enfatiza que “com o Governo FHC e o afã pela urgente estabilidade

15

Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo Silva explica a divisão do aparelho do Estado, no Plano de Reforma,

em quatro setores diversos. Sendo estes: “(I) núcleo estratégico onde são definidas leis, políticas e

procedimentos; (II) atividades exclusivas que compreende o exercício direto do poder estatal no

cumprimento de leis e políticas públicas; (III) serviços não exclusivos, aqueles que podem ser exercidos pelo

privado; e (IV) produção de bens para o mercado, aquelas empresas públicas que antes da reforma exerciam

atividades econômicas de produção”.” (SILVA, 2002, p. 86-87 – grifo do autor). 16

Como bem salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999, p. 40), na administração pública gerencial

“conservam-se alguns princípios da administração burocrática, como a admissão segundo critérios de mérito,

a existência de um sistema estruturado de remuneração, a organização em carreira, a avaliação de

desempenho, o treinamento sistemático”.

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financeira, de modo a dar suporte ao plano Real, o saneamento das concessionárias apenas

serviu para aumentar seus respectivos valores de venda”.

A capacidade dos Estados de resistir à imposição neoliberal, assinalada por Pierre

Bourdieu, é proporcional a sua antiguidade e força estrutural. Sua autonomia será “tanto

maior, quanto mais antigo ele for, quanto mais forte, quanto mais conquistas sociais

importantes tiverem registrado em suas estruturas”. (BOURDIEU, 1998, p. 48). O Brasil, que

um dia foi colônia e que durante sua história nem mesmo foi capaz de implementar, em algum

momento, um Estado Providência, acabou por acatar as imposições.

Ainda no ano de 1995, a Emenda Constitucional nº 09, de 09 de novembro, alterou o

art. 177, excluindo a vedação, que até então era imposta à União, de não permitir a concessão

ou a cedência de participação na exploração de jazidas de gás natural e petróleo. Além de

prever a definição, por lei, da estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio sobre a

pesquisa e lavra das jazidas de gás natural e petróleo, importação, exportação e transporte

destes materiais e, ainda, o refino de petróleo. (SILVA, 2014a, p. 29).

Na exposição realizada no Senado em 26 de julho de 199617

, sobre a mudança na forma

de atuação do Estado e da própria atividade de regulação dos serviços públicos e da

economia, Luiz Carlos Bresser Pereira sustentou que:

A crise do Estado impôs a necessidade de reconstruí-lo; a globalização, o imperativo

de redefinir suas funções. Antes da integração mundial dos mercados e dos sistemas

produtivos, os Estados podiam ter como um de seus objetivos fundamentais proteger

as respectivas economias da competição internacional. Depois da globalização, as

possibilidades do Estado de continuar a exercer esse papel diminuíram muito. Seu

novo papel é o de facilitar para que a economia nacional se torne internacionalmente

competitiva. A regulação e a intervenção continuam necessárias, na educação, na

saúde, na cultura, no desenvolvimento tecnológico, nos investimentos em

infraestrutura – uma intervenção que não apenas compense os desequilíbrios

distributivos provocados pelo mercado globalizado, mas principalmente que

capacite os agentes econômicos a competir a nível mundial. A diferença entre uma

proposta de reforma neoliberal e uma social democrática está no fato de que o

objetivo da primeira é retirar o Estado da economia, enquanto que o da segunda é

aumentar a governança do Estado, é dar ao Estado meios financeiros e

administrativos para que ele possa intervir efetivamente sempre que o mercado não

tiver condições de coordenar adequadamente a economia. (BRASIL, 1996c, p. 07-

08).

17

Segundo Paulo Roberto de Almeida, a partir de 1996, ficou evidente a dependência financeira do Estado

Brasileiro, momento em que “o déficit nas transações correntes atingiu cerca de 3,27% do PIB, de um

patamar relativamente confortável de aproximadamente 0,3% no começo do Plano Real. Em novembro de

1998, o déficit acumulado em doze meses já atingia 34 milhões de dólares, ou seja, 4,43% do PIB,

colocando em relevo a necessidade de um aporte suplementar de recursos institucionais, adicionalmente ao

volume de investimentos diretos e de aportes por motivo de privatizações”. Relata o autor que, em 13 de

novembro de 1998, foi anunciado “pacote de ajuda” a partir do qual, além de “9 bilhões de dólares das

instituições multilaterais de crédito (BIRD e BID), o Brasil se habilitou a receber cerca de 20 bilhões de

dólares” em três meses, e “até 32 bilhões no prazo de um ano, do FMI e de membros do BIS, dependendo do

nível de suas reservas internacionais e do grau de implementação do pacote de ajuste fiscal”. (ALMEIDA,

2003, p. 13).

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42

Dando continuidade às alterações do sistema legal, em 09 de setembro de 1997, foi

editada a Lei nº 9.491, a qual alterou os procedimentos do Programa Nacional de

Desestatização, revogou a Lei nº 8.031/1990 e, entre outras medidas, constituiu o Conselho

Nacional de Desestatização em substituição à Comissão Diretora existente até então.

A nova versão do Programa Nacional de Desestatização – PND foi editada com

objetivos fundamentais muito semelhantes aos estabelecidos pela Lei nº 8.031/90 (revogada).

Contudo, em relação ao disposto no artigo 2º de ambos os diplomas legais, houve alterações

significativas; ampliando o leque anteriormente previsto de possibilidades de privatizações

para uma relação bem mais significativa de desestatizações, conforme se pode aferir a partir

do quadro abaixo:

Quadro 1 - Comparativo entre Lei nº 8.031/90 e Lei nº 9.491/97

Lei nº 8.031/1990 Lei nº 9.491/1997

Art. 2° Poderão ser privatizadas, nos termos desta lei, as

empresas:

I - controladas, direta ou indiretamente, pela União e

instituídas por lei ou ato do Poder Executivo; ou

II - criadas pelo setor privado e que, por qualquer

motivo, passaram ao controle, direto ou indireto, da

União.

§ 1° Considera-se privatização a alienação, pela União,

de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de

outras controladas, preponderância nas deliberações

sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores

da sociedade.

§ 2° Aplicam-se os dispositivos desta lei, no que couber,

à alienação das participações minoritárias diretas e

indiretas da União, no capital social de quaisquer outras

empresas.

§ 3° Não se aplicam os dispositivos desta lei às empresas

públicas ou sociedades de economia mista que exerçam

atividades de competência exclusiva da União, de acordo

com os arts. 21, 159, inciso I, alínea c e 177 da

Constituição Federal, ao Banco do Brasil S.A., e, ainda,

ao órgão oficial ressegurador referido no inciso II do art.

192 da Constituição Federal.

Art. 2º Poderão ser objeto de desestatização, nos termos

desta Lei:

I - empresas, inclusive instituições financeiras, controladas

direta ou indiretamente pela União, instituídas por lei ou

ato do Poder Executivo;

II - empresas criadas pelo setor privado e que, por

qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indireto

da União;

III - serviços públicos objeto de concessão, permissão ou

autorização;

IV - instituições financeiras públicas estaduais que tenham

tido as ações de seu capital social desapropriadas, na

forma do Decreto-lei n° 2.321, de 25 de fevereiro de 1987.

V - bens móveis e imóveis da União. (Incluído pela

Medida Provisória nº 2.161-35, de 2001).

§ 1º Considera-se desestatização:

a) a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem,

diretamente ou através de outras controladas,

preponderância nas deliberações sociais e o poder de

eleger a maioria dos administradores da sociedade;

b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução

de serviços públicos explorados pela União, diretamente

ou através de entidades controladas, bem como daqueles

de sua responsabilidade.

c) a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis

e imóveis da União, nos termos desta Lei. (Incluído pela

Medida Provisória nº 2.161-35, de 2001)

§ 2º Aplicam-se os dispositivos desta Lei, no que couber,

às participações minoritárias diretas e indiretas da União

no capital social de quaisquer outras sociedades e às ações

excedentes à participação acionária detida pela União

representativa do mínimo necessário à manutenção do

controle acionário da Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás,

nos termos do artigo 62 da Lei n° 9.478, de 06.08.97.

* O art. 2º tem no total 5 parágrafos, deixa-se de

transcrever neste texto os parágrafos 3º, 4º e 5º.

Fonte: Elaborado pela autora.

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43

O Conselho de Desestatização, o qual veio a substituir a Comissão Diretora, foi

constituído como órgão superior de decisão, composto por ministros do governo federal,

subordinados ao Chefe do Poder Executivo, dispondo de ampla competência prevista no art.

6º, da Lei nº 9.491/1997, dentre as quais se destacam, neste trabalho, a título exemplificativo,

algumas disposições18

:

(inciso I) - recomendar, para aprovação do Presidente da República, meios de

pagamento e inclusão ou exclusão de empresas, inclusive instituições financeiras,

serviços públicos e participações minoritárias, bem como a inclusão de bens móveis

e imóveis da União no Programa Nacional de Desestatização; (a parte grifada foi

acrescida pela Medida Provisória nº 2.161-35/2001);

(inciso II) - aprovar, exceto quando se tratar de instituições financeiras:

(alínea ‘a’) a modalidade operacional a ser aplicada a cada desestatização;

(alínea ‘c’) as condições aplicáveis às desestatizações;

III - determinar a destinação dos recursos provenientes da desestatização, observado

o disposto no art. 13 desta Lei;

IV - expedir normas e resoluções necessárias ao exercício de sua competência;

§ 2º O Conselho Nacional de Desestatização poderá baixar normas

regulamentadoras da desestatização de serviços públicos, objeto de concessão,

permissão ou autorização, bem como determinar sejam adotados procedimentos

previstos em legislação específica, conforme a natureza dos serviços a serem

desestatizados. (BRASIL, 1997d).

Como se percebe, o Poder Legislativo concedeu amplos poderes ao Conselho Nacional

de Desestatização, maiores dos que dispunha a antiga Comissão Diretora. Composto por

ministros do governo federal, os quais eram (ainda são) nomeados pelo Presidente da

República, assim, por óbvio os poderes e competências concedidos ao Conselho nada mais

eram que poderes e competências concedidas pelo Legislativo ao Chefe do Poder Executivo,

cargo, na época, ocupado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Luís Roberto Barroso (2006) afirma que a terceira transformação econômica de relevo –

a denominada privatização – foi operacionalizada por meios das leis do Programa Nacional de

Desestatização, as quais foram alvo de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Segundo Ricardo Rocha Viola (2011), após sucessivas medidas provisórias, as quais vinham

alterando a Lei nº 8.031/1990, o governo editou a Lei n° 9.491/1997 como forma de

“equacionar o estoque” de ações judiciais existentes sobre aquela Lei. A revogação prevista

de forma expressa no art. 35 do novo diploma legal fez com que as ações diretas de

inconstitucionalidade em curso perdessem o objeto. Contudo, como ressalta o autor: “a toda

18

O art. 6º da Lei nº 9.491/1997 possui incisos do I ao VII, sendo que o inciso II conta com alíneas de “a” a

“g” e parágrafos de 1º a 11. Foram destacados no texto apenas alguns de forma exemplificativa com o

objetivo de destacar o alcance das competências concedidas ao Conselho Nacional de Desestatização.

(BRASIL, 1997d).

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evidência esta manobra não resolveu o problema, pois, a própria Lei nº 9.491/97 também

passou a alvo de inúmeras ADIN´s”.

Independentemente de todas as polêmicas e demandas judiciais acerca dos regramentos

da desestatização, o poder público realizou diversas vendas no período compreendido entre

1995 e 2002.19

No sítio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –

BNDES estão disponíveis dados sobre resultado de vendas realizadas neste período,

classificados por investidor:

Tabela 1 - Porcentagem por investidor sobre vendas realizadas entre 1995 e 2002 em US$

milhões

Tipo de investidor Receita de venda %

Investidor Estrangeiro 41.737 53%

Empresas Nacionais 20.777 26%

Setor Financeiro Nacional 5.158 7%

Pessoas Físicas 6.316 8%

Entidades de Previdência Privada 4.626 6%

Total 78.614 100%

Fonte: Site BNDES (BRASIL, 2012b).

Gráfico 2 - Porcentagem de vendas realizadas entre 1995 e 2002 por investidor

Fonte: Site BNDES (BRASIL, 2012b).

19

Aloysio Biondi em O Brasil Privatizado: um balanço do desmonte do Estado traz diversos dados referentes

às privatizações realizadas durante a reforma do Estado, dentre eles uma relação das principais privatizações

federais, resultados das vendas e relação de quem adquiriu as estatais e os respectivos percentuais de

participação. (BIONDI, 2003).

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45

Como se observa, as privatizações representaram, em grande parte, não apenas a

transferência do público para o privado, mas também a desnacionalização do serviço público

de energia elétrica. Conforme Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães (2013, p.180),

referidas privatizações tiveram assento em tripé constituído por:

i) arcabouço normativo liberalizante e gerador de estabilidade;

ii) desespero e pressa do Governo Federal em converter ativos nacionais em moeda

de troca para o serviço da dívida; e

iii) amplas possibilidades de arranjos financeiros e financiamentos de grandes

volumes de recursos públicos junto ao BNDES.

Pontualmente, sobre os recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento – BNDES, o

autor revela que o Banco, impedido na época de fazer empréstimos a empresas públicas,

“frequentemente emprestava ele próprio capital para empresas estrangeiras participarem dos

leilões, ocorrendo, muitas vezes, das empresas não aportarem capital próprio algum”,

transferindo, desta forma, para o “BNDES o risco do empreendimento, estatizando-o”.

(GUIMARÃES, 2013, p. 180).

Durante o ano de 1998, as mudanças do sistema legal tiveram continuidade. Dentre os

argumentos utilizados na defesa da Reforma do Estado, era ressaltada a necessidade de

eficiência, qualificada como elemento essencial a um Estado Gestor.20

Nesta linha, como

apontado por Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães:

Para sustentar seu programa, argumentos de toda sorte surgiram, relacionados

principalmente, ao conceito de eficiência – como se eficiência para o Estado e

eficiência para a iniciativa privada fossem comparáveis – e de necessidade de

implementação de novos modelos de gestão, mais enxutos e que dariam melhores

resultados – como se tais modelos apenas fossem passíveis de serem implantados em

empresas privadas, pois havia o difundido preconceito de que o que é do Estado não

presta. (GUIMARÃES, 2013, p. 185).

O princípio da eficiência foi positivado na Constituição, por meio da Emenda nº 19, de

04 de junho de 1998, sob a justificativa, entre outras, de necessidade de redução de custos e

melhora na qualidade das atividades administrativas ante a complexidade do contexto social a

qual demandava, entre outras coisas, conhecimento técnico e especialização.

20

No Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado constaram diversas referências sobre a necessidade de

eficiência, bem como sobre aquilo que era visto como entraves a eficiência, como por exemplo, a

estabilidade dos servidores públicos. No geral, a eficiência era apresentada como a solução para os

problemas do País, como no parágrafo que segue: “A eficiência da administração pública - a necessidade de

reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário torna-se então

essencial. A reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da

eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial

nas organizações”. (BRASIL, 1995d, p. 15).

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46

Antes mesmo de ser inserida no texto constitucional, a eficiência já era elevada à

condição de princípio norteador dos atos da administração pública por força da jurisprudência,

conforme é possível aferir no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança

1995/0016776-0, publicado em 10/06/1996, tendo como relator o Ministro Luiz Vicente

Cernicchiaro:

EMENTA: RMS - ADMINISTRATIVO - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA -

SERVIDOR PÚBLICO - VENCIMENTOS - PROVENTOS - ACUMULAÇÃO - A

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E REGIDA POR VÁRIOS PRINCÍPIOS:

LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE, MORALIDADE E PUBLICIDADE

(CONST., ART. 37). OUTROS TAMBÉM SE EVIDENCIAM NA CARTA

POLÍTICA. DENTRE ELES, O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA. A ATIVIDADE

ADMINISTRATIVA DEVE ORIENTAR-SE PARA ALCANÇAR RESULTADO

DE INTERESSE PÚBLICO. (BRASIL, 1996d).

A Emenda à Constituição nº 19, em tramitação desde o ano de 1995, aprovada em 04 de

junho de 1998 (LEHFELD, 2008), é apontada por estudiosos como Yuri Schneider (2013, p.

74) como sendo a que representou “uma alteração considerável e sistêmica suficiente para

imprimir volume ao novo perfil estatal neoliberal”. Tal assertiva se dá pelo fato de que, por

meio da Emenda 19, a eficiência é inserida no ordenamento jurídico como princípio

constitucional norteador dos atos da administração pública, por meio da qual houve uma

“flexibilização” (SCHNEIDER, 2013, p. 74) da estabilidade dos servidores públicos, a

extinção do regime jurídico único, bem como alterações importantes relativas ao sistema de

previdência social.

As ideias neoliberais podem ser observadas em diversos atos do governo brasileiro,

especialmente durante a década de 90. Os efeitos de muitas dessas medidas se fazem sentir

ainda hoje, grande parte deles de forma negativa. Em muitos setores, notadamente naqueles

de onde deveriam provir os frutos do desenvolvimento e a melhoria das condições sociais, não

se pode dizer que a tão sonhada eficiência foi alcançada. Como, oportunamente, destaca

Alexandre Santos de Aragão (2013), ante a solidificação da globalização, situação na qual os

Estados transformaram as lutas bélicas em lutas econômicas, o neoliberalismo vem

provocando sérias consequências negativas, sob o ponto de vista social.

Pierre Bourdieu (2001, p. 101-102) conclama a atenção para o extermínio das medidas

protetivas da economia dos países emergentes, que levou à destruição de empresas nacionais,

destacando que em países como “a Coréia do Sul, a Tailândia, a Indonésia ou o Brasil” a

liberação para investimentos estrangeiros provocou “a ruína das empresas locais, adquiridas

frequentemente por preços ridículos pelas multinacionais”.

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47

Como assinala Jorge Vergara Estévez (2005, p. 51-52), o trabalho de Pierre Bourdieu

demonstra que questões como mobilidade de capital entre os mercados internacionais e a

circulação de informações de ordem comparativa sobre áreas mais ou menos lucrativas,

tendem a levar o capital para os locais mais rentáveis, impondo uma série de exigências às

empresas, no sentido de se adaptarem ao mercado, contexto em que acionistas acabam por

intervir, tanto na gestão financeira, quanto nas políticas de trabalho e salariais destas

empresas. Ressalta, ainda:

De este modo, tiende a generalizarse un sistema de completa flexibilidad laboral,

mediante un conjunto de procedimientos de contratación y despidos. Asimismo, la

búsqueda de mejorar la productividad impone la competencia dentro de la empresa,

entre sus filiales, de los distintos equipos, entre las personas, etc. Se estimula,

incluso, la autoexplotación de algunos directivos a los cuales, siendo empleados, se

les hace responsables de las ventas, de su sucursal, como si fueran independientes. A

la vez, se emplean diversas técnicas de administración destinadas a debilitar las

solidaridades colectivas. (ESTÉVEZ, 2005, p. 51-52).

Ante a interferência e pressão externas de potências econômicas sobre Nações

enfraquecidas, Pierre Bourdieu (2001, p. 102) sustenta que a concorrência instaurada, segundo

as diretrizes da Organização Mundial do Comércio – OMC, é “uma concorrência ‘de armas

iguais’ entre as grandes multinacionais e os pequenos produtores nacionais, provocando o

desaparecimento maciço destes últimos”.

Não é crível sustentar que as mesmas regras econômicas possam ser igualmente

aplicáveis em países cujas realidades econômicas, sociais e culturais são absolutamente

diversas. Onde existem dominantes e dominados não é possível falar em igualdade, a qual,

como expressão meramente formal serve como instrumento de “legitimação” da dominação

de grandes economias sobre países fragilizados.

2.2 O Modelo de Agências Reguladoras Independentes no Brasil

A implementação do modelo neoliberal, no Brasil, por meio da Reforma Estatal

avançou sobre diversos campos. Dentre as mudanças adotadas no processo de transformação

do Estado, dito Provedor, em Estado Gestor, estão incluídas, além de Emendas à Constituição,

das desestatizações, da Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos, várias outras

medidas, entre elas a implementação de um modelo de regulação; um instrumento por meio

do qual o Estado pudesse realizar as concessões e/ou permissões à iniciativa privada

mantendo, contudo, sob o seu domínio o planejamento, a regulação e fiscalização.

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48

O modelo de regulação escolhido e implementado no Brasil foi o dos Estados Unidos da

América, onde a propagação do modelo de administração por agência ocorreu de uma forma

tão significativa que todas as autoridades públicas daquele País, exceto os três Poderes, são

agências, “constituindo-se num dos principais instrumentos de ação do Estado durante a

reconstituição da economia norte-americana”. (MARQUES NETO, 2005, p. 140). Autores,

como Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999) lamentam haverem copiado o modelo defasado

anterior à reforma da década de 60, esclarecendo que a regulação por agências independentes

norte-americanas já havia sofrido profundas alterações, ignoradas na criação das brasileiras.

No período no qual teve início no Brasil, a regulação por entidades independentes,21

a

delegação de função reguladora às agências assim como a independência ante a ingerência

dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário já haviam sofrido significativa redução nos

Estados Unidos. (PAIXÃO, 2003).

Além de o Brasil ter implantado o modelo no seu formato defasado, desconsiderando a

reforma realizada no país de origem, há também diferenças concernentes aos motivos que

levaram um e outro país ao caminho da regulação por agências independentes. De qualquer

forma, a partir da criação das primeiras agências de regulação brasileiras, deu-se uma “ruptura

com a organização piramidal do Poder Executivo”, passando a existir uma “configuração

policêntrica”. (BINENBOJM, 2014, p. 332).

Na Exposição para o Senado sobre a Reforma da Administração, foi sustentada a

necessidade de regulação e a intervenção do Estado de forma não limitada a compensar

“desequilíbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado” e, sim, tendo como

objetivo principal a capacitação dos “agentes econômicos a competir a nível mundial”.

(BRASIL, 1996c, p. 08).

Na busca de melhor compreender o processo de universalização do sistema político-

econômico norte-americano, dois aspectos são apontados por Pierre Bourdieu (2001) como

fundamentais. O primeiro está na colocação do modelo econômico imposto no processo de

universalização com a conotação de ser um modelo econômico racional, quando nada mais é

que a universalização de características peculiares de uma economia baseada na história e na

estrutura particular da sociedade norte-americana, ressaltando a imposição da adoção de um

modelo no qual são ignoradas as peculiaridades dos que são, muitas vezes, forçados a adotá-

lo, lembrando o sociólogo francês ser o sistema econômico e social norte-americano

construído sobre as bases de um Estado fraco.

21

Neste trabalho as expressões entidade independente, autarquia especial, agente regulador, agência e

reguladora serão utilizadas como equivalentes à agência reguladora independente.

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49

O segundo aspecto assinalado pelo autor é a posição dominante dos Estados Unidos no

campo econômico em relação aos outros países do globo. Posição esta, advinda de “um

conjunto excepcional de vantagens competitivas”, (BOURDIEU, 2001, p. 104-106) sendo

estas: (i) “vantagens financeiras” decorrentes da condição favorável da moeda dólar, a qual

propicia “drenar no conjunto do mundo” os recursos suficientes para bancar o déficit do

Estado, bem como sustentar taxas baixas tanto de poupança, quanto de investimentos,

possibilitando, com isso, a aplicação da política monetária que aprouver sem maiores

preocupações em relação aos demais países; (ii) “vantagens econômicas” oriundas dos setores

de bens de capital e de investimentos muito fortes e competitivos; (iii) “vantagens políticas e

militares” consubstanciadas na sua força diplomática, lhe possibilita defender seus interesses

por meio da aprovação de normas comerciais e econômicas, que lhe beneficie no contexto

internacional; (iv) “vantagens culturais e linguísticas” têm sua base em fatores como o

elevado nível de pesquisa científica, seja pública ou privada, a força dos advogados e

escritórios de advocacia e, especialmente, na universalização do idioma inglês; e (v)

“vantagens simbólicas” baseadas na imagem exportada para o mundo, num processo de

universalização, de modernidade. (BOURDIEU, 2001, p. 104-106).

Depois de realizadas as alterações do sistema legal defendidas pelo Governo Federal

como necessárias à dimensão institucional-legal, significando, como se viu, uma série de

alterações legislativas, as quais incluíram diversas Emendas à Constituição, edição e

revogação de leis ordinárias, uma série de medidas provisórias restou construída a

possibilidade de desestatizações por diversos instrumentos, entre eles, as privatizações e as

concessões e permissões de serviços públicos.

Ocorre que o governo almejava alterar a condição do Estado de prestador de serviços

públicos e, ao mesmo tempo, manter o controle sobre esses serviços na condição de gestor,

reservando para si o planejamento, fiscalização e regulação destes. Da mesma forma,

pretendia manter, como constou expressamente na apresentação do Plano Diretor de Reforma

do Aparelho do Estado, uma ação reguladora eficaz na economia de mercado e nas políticas

sociais. (BRASIL, 1995d).

Defendia-se a necessidade de certo nível de intervenção em determinadas atividades

econômicas tidas como importantes para o desenvolvimento do País. Da mesma forma, se

defendia a necessidade de desestatização, ou seja, da transferência do exercício de atividades

exercidas pelo Estado, incluindo a prestação de serviços públicos, para a iniciativa privada.22

22

Ao discorrer sobre o Programa Nacional de Desestatização e a transferência de serviços públicos para a

iniciativa privada, Felipe Barcarollo aborda a “crise subjetiva”, caracterizada pelo fato de que “as pessoas

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50

Eram as empresas privadas que supostamente tinham condições de investir e realizar as

atividades de forma menos burocrática e mais eficiente. (CUÉLLAR, 2001). Contudo, os

potenciais investidores buscavam no Brasil, assim como em outros países da América Latina,

a redução de risco, em especial aqueles riscos vislumbrados num possível processo eleitoral

no qual sagrasse vencedora uma posição política contrária e levasse à implementação de

mudanças nos rumos da economia, até mesmo com expropriações ou quebra de contratos.

“Daí a ideia de blindagem institucional de um modelo, que resistisse até uma vitória de

esquerda em eleição futura”. (BINENBOJM, 2014, p. 287).

Para exercer a pretendida ação reguladora sobre a economia de mercado, os serviços

básicos e as políticas sociais não bastavam às autorizações constitucionais, nem a Lei de

Concessões e Permissões, nem outros tantos diplomas legais editados durante o governo de

Fernando Henrique Cardoso.23

Era preciso, segundo justificativas apresentadas, as quais serão

tratadas neste trabalho, contar com estruturas independentes e tecnicamente especializadas,

capazes de realizar, em nome do Estado, a regulação e fiscalização de diversos setores.

Não por acaso foi implementado o modelo de regulação por agências independentes.

Dentre as condicionantes impostas pelos agentes internacionais, como o Banco Mundial e

Fundo Monetário Internacional, estava a regulação independente, significando independente

até mesmo em face do próprio governo. A propósito do tema, Fernando Herren Aguillar cita

trecho do relatório do Banco Mundial sobre o setor elétrico, por meio do qual é posto,

claramente, a regulação como condição de financiamento:

Uma exigência para qualquer empréstimo no setor elétrico será um movimento

explicito do país rumo ao estabelecimento de um quadro jurídico e processos

regulatórios satisfatórios para o Banco. Para este fim, em conjunção com outras

iniciativas de âmbito econômico, o Banco exigirá dos países que estabeleçam

processos regulatórios transparentes que sejam claramente independentes dos

fornecedores de energia e que evitem interferência governamental nas operações

cotidianas da companhia (pouco importando se a empresa é privada ou pública).

O papel dual do governo como operador e titular de serviços públicos conduziu o

governo a intervenções frequentes nas operações do setor elétrico. Há, portanto,

necessariamente de se definir alguma forma de corpo regulatório como parte de um

esforço governamental para redefinir os papéis respectivos do governo,

concessionário e consumidores. Isso implica em uma mudança do tipo monolítico de

gestão governamental em direção a sistemas mais descentralizados e baseados no

mercado. (WORLD BANK, 1993 apud AGUILLAR, 1999, p. 233-234).

públicas não são mais as únicas a prestarem serviços públicos, o que significa romper o viés subjetivo

(clássico) do instituto”. (BARCAROLLO, 2006, p. 54). 23

Bourdieu, em entrevista que concedeu a brasileira Maria Andréa Loyola, ao ser questionado sobre a conduta

do governo de Fernando Henrique Cardoso, sociólogo que vinha aplicando a política neoliberal,

especificamente sobre a existência ou não de uma margem de manobra restrita, respondeu que “se alguém se

torna presidente social-democrata a serviço das lógicas dominantes é porque já tinha disposições nesse

sentido”. O sociólogo afirma, ainda, que “um homem político, por mais dominado que seja, por mais que

esteja ligado a uma posição política dominada, num país dominado, tem uma margem de liberdade que lhe

permite agir”. (LOYOLA, 2002, p. 35).

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51

Como se percebe, as agências reguladoras independentes nascem, no Brasil, motivadas

pela necessidade de assegurar maior estabilidade às atividades econômicas, elevar o grau de

confiabilidade do mercado mundial e, desta forma, atrair investimentos (especialmente

internacionais) voltados à prestação de serviços públicos, bem como a outros setores

importantes ao desenvolvimento do País.24

É de notar, como destacado por Pedro Ivo Sebba Ramalho (2009), que o Plano Diretor

da Reforma do Aparelho do Estado de 1995 não tratou especificamente sobre o modelo de

agências reguladoras independentes. O Conselho de Reforma do Estado – CRE, por

considerar o sistema de regulação existente “enorme, obsoleto, burocratizante e, em essência,

intervencionista” (BRASIL, 1997e, p. 26) e entender ser “necessário primeiro desregular para,

a seguir, regular por novos critérios e formatos mais democráticos, menos intervencionistas e

burocratizados” (BRASIL, 1997e, p. 27), emitiu a Recomendação de 31 de maio de 1996,

dirigida à Câmara da Reforma do Estado. Esta se trata de documento, por meio do qual foi

recomendada a “adoção de providências para a construção do marco legal dos entes

reguladores” (BRASIL, 1997e, p. 26), relacionando princípios e objetivos a serem observados

na elaboração de anteprojetos de lei para constituição de agências de fiscalização e regulação

de serviços públicos. (BRASIL, 1997e, p. 26).

Segundo consta na referida Recomendação do Conselho de Reforma do Estado – CRE,

os princípios que deveriam ser observados na elaboração dos anteprojetos de lei para criação

das agências de fiscalização e regulação de serviços públicos eram:

a) autonomia e independência decisória do ente regulador;

b) ampla publicidade das normas pertinentes ao ente regulador, de seus

procedimentos e decisões e de seus relatórios de atividade, ressalvadas as hipóteses

de sigilo previstas em lei;

c) celeridade processual e simplificação das relações mantidas entre o ente regulador

e os consumidores, usuários e investidores;

d) participação de usuários, consumidores e investidores no processo de elaboração

de normas regulamentares, em audiências públicas, na forma que vier a ser regulada

em lei;

e) limitação da intervenção do Estado, na prestação de serviços públicos, aos níveis

indispensáveis à sua execução. (BRASIL, 1997e, p. 27)

Já os objetivos relacionados no texto da Recomendação de 31 de maio de 1996 como

fundamentais à regulação foram:

24

Na visão de Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães, “A necessidade de recursos para saldar as dívidas

casou perfeitamente com a vontade do capital privado internacional de converter seus papéis financeiros por

valiosos ativos de infraestrutura, os quais permitiam estabilidade dos fluxos de receita, assegurada por

reajustes e revisões tarifárias, contratos de concessão com prazos de exploração de, no mínimo, 30 anos,

equilíbrio econômico financeiro, aumento da demanda e tecnologias conhecidas e acessíveis” (2013, p. 179).

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a) promover e garantir a competitividade do respectivo mercado;

b) garantir os direitos dos consumidores e usuários dos serviços públicos;

c) estimular o investimento privado, nacional e estrangeiro, nas empresas

prestadoras de serviços públicos e atividades correlatas;

d) buscar a qualidade e segurança dos serviços públicos, aos menores custos

possíveis para os consumidores e usuários;

e) garantir a adequada remuneração dos investimentos realizados nas empresas

prestadoras de serviço e usuários;

f) dirimir conflitos entre consumidores e usuários, de um lado, e empresas

prestadoras de serviços públicos;

g) prevenir o abuso do poder econômico por agentes prestadores de serviços

públicos. (BRASIL, 1997e, p. 26).

Além dos princípios e objetivos listados, também foram sugeridas diversas normas

obrigatórias, as quais deveriam constar nos anteprojetos de lei que viessem a tratar sobre

regulação, dentre as quais estão: a autonomia gerencial, financeira e operacional do ente

regulador; forma de autarquia; independência decisória do ente regulador; a participação de

usuários, consumidores e investidores na elaboração de normas específicas ou na solução

amigável de controvérsia relativa à prestação do serviço, mediante audiências públicas;

vedação de decisões fundadas exclusivamente em informações trazidas pelos interessados;

recursos de tutela, restrito ao exame da legalidade. Como se observará no decorrer deste

trabalho, as características e atribuições das agências reguladoras brasileiras constantes na

Recomendação 31 do Conselho foram acolhidas em grande parte.

Ainda, especificamente, sobre modelo de regulação, é importante notar que a adoção do

modelo de agências reguladoras independentes, nos Estados Unidos e no Brasil, ocorreu em

momentos distintos e em contextos sociais igualmente diversos ou até mesmo opostos.

Nos Estados Unidos, a grande propagação de agências reguladoras ocorreu entre os

anos 1930 e 1940, durante o governo Roosevelt, quando foi implementado o New Deal

(MARQUES NETO, 2005), momento em que se difundiu naquele país a “ideia de uma

Administração policêntrica e insulada de influências políticas, caracterizada por sua expertise

e pela sua capacidade de responder pronta e eficientemente às demandas crescentes de uma

sociedade cada vez mais complexa”, (BINENBOJM, 2005, p. 02) caracterizando um

“ativismo estatal” (JUSTEN FILHO, 2002, p. 78), fundado “na crença no poder do Estado

como único capaz de reerguer a economia norte-americana”. (GUIMARÃES, 2013, p. 85).

Como explica Cass R. Sustein, aqueles que propuseram o sistema regulatório do New

Deal, ante os problemas sociais e econômicos frutos da depressão, defendiam a necessidade

de mudanças institucionais e “acreditavam que os agentes públicos funcionariam como

agentes transformadores independentes, com iniciativa própria e politicamente neutros, e com

grande conhecimento técnico”. (SUNSTEIN, 2004, p. 132).

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53

Dentre os motivos que levaram à implementação de um grande número de agências

reguladoras norte-americanas, na década de 30, são apontadas: (i) a possibilidade representada

pelo conhecimento técnico e especializado de promover a estabilização da economia, bem

como de proteger os desfavorecidos ante as variações do mercado; (ii) a necessidade de que

fossem instituídos direitos subjetivos até então inexistentes, que tutelassem interesses sociais

voltados “a redistribuição de recursos e o reconhecimento de novos interesses enquanto

benefícios legais” (SUNSTEIN, 2004, p. 132), os quais não eram, em regra, assegurados pela

common law, a qual privilegiava alguns grupos em prejuízo da coletividade; (iii) na mesma

linha de necessidade de proteção dos menos favorecidos e uma melhor distribuição de rendas

e outros benefícios, era destacada, na época, a importância de que o Poder Executivo

dispusesse de condições de reagir rapidamente, tanto na estabilização da economia, quanto na

proteção dos interesses sociais, contexto no qual a tripartição de poderes e o sistema de freios

e contrapesos eram colocados como impeditivos da reação rápida e flexível do governo na

estabilização da economia e proteção dos desfavorecidos; (iv) a vislumbrada incapacidade dos

Estados de resolver individualmente os problemas econômicos e sociais locais que

demandava, no entendimento dos “New Dealers”, uma regulação central, representando uma

mudança substancial na concepção de federalismo. (SUNSTEIN, 2004, p. 132).

Esses argumentos, os quais motivaram a implementação de um número significativo de

agências reguladoras nos Estados Unidos, não foram o bastante para manter a aceitabilidade e

confiança sobre os atos de tais entidades por muito tempo, as quais passaram a ser alvo de

preocupação e críticas, notadamente no que concerne a questões como as apontadas por

Gustavo Binenbomj, de forma bastante elucidativa:

Com o passar dos anos, entretanto, diante (i) do crescente grau de intrusividade das

agências nas atividades privadas, (ii) da sua questionável eficiência na gestão dos

mercados regulados e (iii) da sua não sujeição aos mecanismos tradicionais de

accountability eleitoral, as agências independentes foram submetidas a intensas

críticas e pressões dos agentes políticos e econômicos. Assim o grande tema de

discussão sobre as agências nos Estados Unidos há muito deixou de ser o da sua

autonomia, como condição para o exercício técnico e politicamente neutro de suas

funções, para se tornar rapidamente o do seu controle político, responsabilidade

social e legitimidade democrática. (BINENBOJM, 2005, p. 04).

Por certo, no Brasil, em 1990, o cenário se mostrava diverso daquele vivido pelos norte-

americanos na década de 30. Para Gustavo Binenbomj (2005, p. 06), era “diametralmente

oposto”, visto que a criação das Agências Reguladoras brasileiras significou a redução da

prestação direta pelo Estado e a privatização de alguns serviços públicos, conforme medida

imposta como “garantia de estabilidade e previsibilidade das regras do jogo nas relações da

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empresa concessionária com o Poder Público de um lado, e com os usuários, de outro”

(BARROSO, 2002a, p. 119), defendida, na época, como essencial para atrair investimentos

privados, especialmente internacionais.

De fato, enquanto nos Estados Unidos as agências foram concebidas para propulsionar a

mudança, aqui, elas foram criadas para garantir a preservação do status quo; enquanto, lá, elas

buscavam a relativização das liberdades econômicas básicas, como o direito de propriedade e

a autonomia da vontade, aqui, sua missão era a de assegurá-las em sua plenitude contra

eventuais tentativas de mitigação por governos futuros. (BINENBOJM, 2005).

Para alguns autores, nem no caso dos Estados Unidos, nem no caso do Brasil,

observadas as diferenças que levaram um e outro país a adotar o modelo de agências

reguladoras, a implementação destas instituições não significou, em tese, uma diminuição do

papel dos Estados. No caso brasileiro, o Estado teria cedido algumas das suas funções, até

então exercidas na condição de protagonista, passando à condição de regulador.

(AGUILLAR, 1999).

Nesta linha, Alexandre Santos de Aragão (2013, p. 272-274) destaca que fazer

correlação entre as agências reguladoras independentes e “absenteísmo estatal” é um

equívoco, primeiro porque o modelo norte-americano nasceu nos Estados Unidos durante o

New Deal, momento caracterizado pela maior e não menor intervenção do Estado na

economia daquele país. Para o jurista, muito embora o modelo de agências reguladoras tenha

sido adotado no Brasil como consequência da desestatização de alguns serviços públicos, não

se trata, na sua “essência”, de instrumento de “desregulação ou da desestatização”, até porque,

num segundo momento, a regulação se estendeu sobre outros setores da economia, como no

exemplo citado da regulação da saúde suplementar (ANS). Esse também é o entendimento de

Floriano de Azevedo Marques Neto (2005, p. 40), segundo o qual, em alguns setores, houve

“um engrandecimento, tanto da supervisão estatal (mediante o exercício da atividade

regulatória), quanto na atividade de regulamentação (normatização) do setor regulado”.

No Brasil, as Agências Reguladoras são pessoas jurídicas de direito público, instituídas

por lei, na forma de autarquias especiais, para exercerem atividades preestabelecidas por lei.

Tal configuração de autarquia especial as difere das demais autarquias, especialmente pela

característica de independência fundada no fato de serem dotadas de autonomia reforçada

para o exercício de suas atribuições, observadas as diretrizes preestabelecidas em lei. Possuem

diversas atribuições de acordo com o setor que regulam, compreendendo desde a prestação de

serviços públicos, regulação de atividades econômicas de relevante interesse social, até

mesmo monopólios.

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55

As primeiras agências reguladoras brasileiras criadas durante a reforma do Estado

foram: a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, na forma da Lei nº 9.427/1996;

Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, por meio da Lei nº 9.472/1997; e

Agência Nacional do Petróleo – ANP, conforme Lei nº 9.478/1997. Destas, as duas últimas

(ANATEL e ANP), contavam com previsão expressa no texto constitucional advindas das

Emendas nº 08 e nº 09, respectivamente. No entanto, isso não afeta a constitucionalidade das

demais entidades reguladoras criadas independentemente de previsão expressa na

Constituição. A propósito, Rodrigo Santos Neves, ao discorrer sobre este tema, coloca o

exercício da atividade de regulação pelo Estado Brasileiro como um dever constitucional

advindo do artigo 174 da Carta Magna, cujo texto “tem caráter genérico”, ao dispor que o

Estado, como “agente normativo e regulador da atividade econômica”, exercerá a

“fiscalização, incentivo e planejamento”. (NEVES, 2009, p. 06).

Durante o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, além das agências já

citadas, foram criadas em âmbito federal as seguintes entidades: Agência Nacional de

Vigilância Sanitária – ANVISA, nos termos da Lei nº 9.782/1999; Agência Nacional de

Saúde Suplementar – ANS, conforme Lei nº 9.961/2000; Agência Nacional de Águas – ANA,

através da Lei nº 9.984/2000; Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT; a

Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infraestrutura de

Transportes – ANTAQ, ambas de acordo com a Lei nº 10.233/2001; e a Agência Nacional de

Cinema – ANCINE, criada por meio da Medida Provisória nº 2.228/2001, regulamentada pela

Lei nº 10.454/2002. Além disso, por meio da Lei nº 10.411/2002, assegurou-se maior

autonomia à Comissão de Valores Imobiliários – CADE.

Uma das principais, mais importante e polêmica característica das agências brasileiras é

a “independência”, entendida como autonomia destas entidades. Na visão de Floriano Peixoto

Marques Neto, a independência das agências deve ser compreendida como independência em

face dos agentes regulados, dos usuários e do poder político. Quanto aos agentes regulados,

lembra a necessidade de regulador e regulado manterem “uma permanente e transparente

interlocução, órgão regulador deve poder divisar os interesses gerais que tutela dos interesses

específicos (embora legítimos) dos regulados”. (2005, p. 68-69). Quanto aos usuários, registra

o forte compromisso da agência em relação a estes, advindo do dever de conduzir a regulação

em benefício destes, evitando, contudo, “um populismo regulatório”. (2005, p. 70). Por fim, e

não menos importante, a independência ante o poder político, definida pelo autor como a mais

polêmica, o qual destaca que “a especificidade e a especialidade, que predicam a necessidade

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de um setor contar com um órgão regulador próprio, interditam que a atividade regulatória

seja permanentemente pautada pela interferência política”. (2005, p. 71).

Apesar de o grau de autonomia entre elas não ser uniforme, é possível identificar que,

em geral, as Agências federais dispõem de elementos comuns que lhes asseguram importante

nível de autonomia, especialmente em face do poder político. Destaca-se, como fator de maior

relevância, a independência de seus dirigentes em relação, até mesmo, aos Ministérios ao qual

estão vinculados, assim como ao próprio Chefe do Poder Executivo “como uma espécie de

medida cautelar contra a concentração de poderes nas mãos do Estado, inevitável nos

contextos intervencionais”. (SUNDFELD, 2000, p. 25).

Aos diretores destas entidades, em que pese serem ocupantes de cargo em comissão,

nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, com aprovação do Senado, não se aplica a regra de

livre nomeação e exoneração típica dos cargos em comissão, isso porque são detentores de

mandatos por prazo determinado e a exoneração é regra excepcional, a qual só pode ocorrer

mediante procedimento formal e decisão motivada. (JUSTEN FILHO, 2002).

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca da estabilidade de mandato dos

dirigentes das agências reguladoras no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

1949/RS, proposta pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, em face de expressões

contidas nos arts. 7º e 8º da Lei Estadual nº 10.931/97. Ao analisar especificamente a

possibilidade de demissão dos diretores da AGERGS, prevista no art. 8º, o STF decidiu que as

destituições somente poderão ocorrer mediante processo administrativo disciplinar e decisão

motivada.

Outros elementos também contribuem para o reforço da autonomia das agências, como

independência financeira proveniente, em geral, de rubrica orçamentária própria e receita

vinculada, oriunda, por exemplo, de taxas de fiscalização e regulação, bem como a

impossibilidade de interposição de recurso hierárquico sobre as decisões das agências, esta

última definida por Gustavo Binenbomj (2005, p. 07) como “independência técnica

decisional”.

Identificam-se divergências sobre a “independência técnica decisional” e a inviabilidade

de interposição de recurso administrativo contra decisão das Agências, em face do Ministério

ao qual está “vinculada” ou até mesmo da Presidência do Poder Executivo (recurso

hierárquico). A Advocacia Geral da União emitiu o parecer nº AC 51, de 05 de junho de

2006, durante a gestão de um governo de posição política diversa daquele que implementou o

modelo regulatório brasileiro, sustentando a possibilidade de interposição de recurso

hierárquico impróprio em face das decisões das reguladoras relacionadas “às suas atividades

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administrativas ou que ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas em lei

ou regulamento, ou, ainda, violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela

Administração direta”. (BRASIL, 2006a).

Outra característica relevante destas autarquias “independentes” é a especialização

técnica. Dentre as motivações apresentadas para implantação deste modelo regulatório, estava

a necessidade premente de uma gestão técnica e qualificada voltada à regulação, bem como à

fiscalização de determinadas atividades econômicas e/ou serviços públicos, voltada

especialmente à busca de eficiência, posta resumidamente como o alcance do melhor

benefício mediante o menor custo. Como enfatiza Floriano Peixoto Marques Neto (2005, p.

48-49), “é típico da atividade regulatória que o ente regulador seja detentor de profundo

conhecimento sobre o setor regulado e que, portanto, sua atuação seja focada na sua área de

especialidade”.

Justificou-se a necessidade de um corpo técnico especializado no exercício da atividade

regulatória, em grande parte, pela incapacidade do Legislativo de acompanhar a complexidade

e multiplicidade, características das relações sociais da sociedade contemporânea, “pós-

tradicional”, decorrentes da globalização. (GIDDENS, 1997, p. 74). Conforme reforça

Fernando Quadros da Silva:

De forma crescente, tem-se reconhecido que a complexidade social e a rapidez com

que as mudanças sociais ocorrem, expõem a fragilidade das estruturas políticas

tradicionais na adoção de medidas com a qualidade e velocidade necessária. Tanto

para o Legislativo como, no caso, a Administração Pública Direta sofrem esse

impacto. Portanto, a complexidade social está na base do fundamento teórico para

autorizar as agências a expedir normas. (SILVA, 2014b, p. 201- 202).

Sob esta lógica, não existe mais singularidade e, num contexto social complexo, é

preciso gerenciar riscos relacionados à multiplicidade apresentando-se a especialização como

uma espécie de redutora de risco. “Fala-se de risco onde a natureza e a tradição perderam sua

validade ilimitada e se tornaram dependentes de decisão”. (CARDOSO, 2010, p. 107).

Nesta linha de raciocínio, especialização na regulação é apregoada como uma forma de

redução dos riscos naquele setor específico, tendo como premissa máxima a concepção de que

um corpo técnico especializado possui melhores condições, quando comparado com o

legislador, de antever os cenários, as múltiplas possibilidades e regular as atividades daquele

campo determinado de forma mais adequada e eficiente.

Neste ponto, é importante trazer a luz da sociologia de Pierre Bourdieu, fazendo

compreender que a especialização defendida como essencial à atividade de regulação de

mercado é, no contexto da mundialização, a colocação da tecnocracia em posição de

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vantagem, quiçá de domínio, perante a democracia. Na intervenção do sociólogo, durante as

greves ocorridas em Paris em dezembro de 1995, expôs que:

O que está em jogo hoje é a reconquista da democracia contra a tecnocracia: é

preciso acabar com a tirania dos ‘especialistas’, estilo Banco Mundial e FMI, que

impõe sem discussão os vereditos do novo Leviatã, ‘os mercados financeiros’, e que

não querem negociar, mas ‘explicar’; é preciso romper com a nova fé na

inevitabilidade histórica que professam os teóricos do liberalismo; é preciso inventar

as novas formas de um trabalho político coletivo capaz de levar em conta

necessidades, principalmente econômicas (isso pode ser tarefa dos especialistas),

mas para combatê-las e se for o caso, neutralizá-las. (BOURDIEU, 1998, p. 38-39).

A especialização, vislumbrada como instrumento capaz de atuar de forma eficaz na

redução da complexidade, levou a constituição de agências reguladoras dotadas, na concepção

de autores como Alexandre Santos de Aragão de “discricionariedade consideravelmente

ampla conferida pela lei para preencher os espaços por ela deixados e para desenvolver os

princípios nela estabelecidos”. (ARAGÃO, 2013, p. 442). Para Luís Roberto Barroso (2002b,

p. 2012), esta discricionariedade está relacionada à ideia de conceder maior autonomia às

agências. O autor assinala que, mediante o objetivo de proteger as agências de interferências

impróprias, inclusive as políticas, buscou-se estabelecer um campo de “legítima

discricionariedade”, de modo a assegurar a sobreposição da posição técnica. Mas nem todos

os autores vislumbram neste espaço normativo o exercício de uma atividade discricionária,

divergência que será retomada e tratada com maior profundidade no Segundo Capítulo desta

dissertação, juntamente com a análise acerca do poder normativo destas entidades.

Fato incontroverso é que, tanto a autonomia de atuação das agências reguladoras

perante os Ministérios e o próprio Poder Executivo, quanto à especialização técnica, nas suas

respectivas áreas de atuação, são características da essência do modelo regulatório adotado,

defendidas como imprescindíveis à boa e eficiente regulação de todos os setores submetidos a

esse regime.

Alexandre Santos de Aragão (2013, p. 27) trabalha com uma classificação da atuação

das agências reguladoras brasileiras em três campos identificados como: regulação de

monopólios, regulação para a competição e regulação de serviços públicos. No campo de

regulação de monopólios, a função de maior relevância a ser exercida é a de competição

quando esta se mostra inviável ou limitada, buscando resguardar a “economia popular”. É

efetivada especialmente por meio da regulação dos preços a serem praticados, assim como

mediante a promoção e controle sobre a qualidade de serviços e produtos.

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Quando se trata de regulação voltada à competição, a atividade da reguladora deve ser

desenvolvida de modo a assegurar a livre concorrência no mercado entre privados, mantendo

atenção especial sobre as atividades econômicas de interesse público, situação na qual devem

(vinculação objetiva) atuar na tutela deste.

Por fim, no campo de regulação dos serviços públicos, no exercício de suas funções

definidas por lei, as agências devem observar como principais objetivos a universalização, a

qualidade e as tarifas módicas. Tal fato não se trata de um modesto desafio, em se tratando de

um país com dimensão territorial continental, absolutamente carente de serviços públicos

eficientes e acessíveis a todos indistintamente, considerando disponibilidade e custo.

Cada uma das agências reguladoras federais é investida de competências de acordo com

a atividade e/ou setor que regulam nos termos das leis que as constitui. Como bem observado

por Luís Roberto Barroso (2002b), o termo regulação provoca a associação com atividade

normativa, mas de modo geral, todas as agências brasileiras possuem outras atribuições além

da regulação propriamente dita mediante a edição de atos normativos infralegais, tais como

fiscalização, aplicação de sanções, controle e arbitramento de conflitos. A competência de

fiscalizar e sancionar, da qual as agências são investidas nos exatos termos definidos em lei,

são, muitas vezes, típicas atividades de polícia.25

Trata-se de poder/dever de fiscalizar o

cumprimento das normas as quais está submetido o setor ou atividade regulada e, no caso de

algum descumprimento, a aplicação da sanção pertinente. O exercício de forma competente

desta atividade aproxima e mostra a eficiência de uma reguladora na proteção da sociedade

ante a violação do ordenamento jurídico que lhe cause prejuízo. (MENEZELLO, 2002).

Outra competência relativamente comum às agências reguladoras é a composição de

conflitos, definida por Floriano Peixoto Marques Neto (2005, p. 61) como “poderes de

conciliação”. Em geral, têm incluídas, entre suas atividades, a administração e a solução de

conflitos, sejam estes oriundos das relações entre agentes regulados, sejam decorrentes das

relações entre regulado e consumidor, sendo que algumas agências possuem canais criados

para receber reclamações de consumidores. Especificamente no caso de serviços públicos, a

Lei nº 11.196/2005 incluiu o art. 23-A na Lei nº 8.987/1995, prevendo a possibilidade de

arbitragem para a solução de disputa. (DAVID, 2012).

25

De acordo com Floriano Peixoto Marques Neto “o fato de as agências desenvolverem atividades típicas de

Estado decorre da inerência para a consecução dos objetos da regulação estatal da detenção de poderes e

prerrogativas inerentes à autoridade estatal. [...] exercem funções típicas de Estado tanto no que toca ao seu

caráter institucional (essencialidade, estabilidade e indelegabilidade das funções públicas que lhe são

cometidas), quanto no que tange ao caráter mais amplo de suas funções, que desdobram dos lindes de

singelas funções administrativas. (2005, p. 57-58).

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60

De resto, a competência normativa propriamente dita, exercida por meio da emissão de

atos normativos infralegais é tema polêmico, o qual suscita os mais diversos debates, seja

sobre o viés da Separação dos Poderes, seja pela falta de legitimidade democrática, temas que

serão aprofundados no Segundo Capítulo. Por ora, restringe-se a análise ao argumento, o qual

fundamentou, em parte, a adoção do modelo regulatório consubstanciado na ideia segundo a

qual, em face da concepção de sociedade mais complexa e de tempo mais acelerado, o

legislador não consegue manter a produção legislativa atualizada com a velocidade e o nível

técnico como se requer,26

limitando-se a fixar diretriz por meio das leis genéricas, deixando a

regulamentação especializada a cargo das agências reguladoras, as quais, detentoras de

conhecimentos técnicos específicos, devem atuar com foco na eficiência, ou seja, na busca do

melhor resultado com o menor custo possível.

As leis constituidoras das agências reguladoras federais são de “baixa densidade

normativa”, limitando-se, em regra, a definir “standards e finalidade públicas”, restando

espaço normativo importante a ser preenchido pela atividade das agências reguladoras, as

quais, fazendo uso de conhecimento técnico especializado, devem exercer sua atribuição

normativa a partir das diretrizes preestabelecidas no sentido de desenvolver atos normativos

infralegais aptos a regular as atividades complexas e dinâmicas de cada setor. (ARAGÃO,

2013, p. 439).

Por certo, no exercício da atividade normativa, tanto maior será a autonomia da agência,

quanto maior for o espaço deixado pelo legislador. Outro fator associado que contribui para a

autonomia da reguladora é a especialização e domínio da técnica num campo dinâmico e

complexo, onde poucos ou talvez ninguém domine com tamanha propriedade, nem mesmo

aqueles que as fiscalizam.

Não é demasiado ressaltar que as entidades reguladoras não são autônomas e possuem

apenas uma autonomia reforçada, assim, estão adstritas ao princípio da legalidade, entre todos

os outros princípios do ordenamento jurídico aplicável aos órgãos administrativos. Neste

ponto, frise-se a importância de definição das políticas públicas setoriais por lei e o dever das

agências de promover regulamentação voltada à implementação destas políticas públicas e

nunca à definição destas. A atuação regulamentar das agências reguladoras brasileiras é vista

por Tércio Sampaio Ferraz Junior (2000) como um poder regulamentar de complementação

26

Fernando Quadros Silva (2014a, p. 27) ao tratar sobre as decisões tomadas no âmbito regulatório pautadas

por uma “escolha motiva por questões técnicas” faz referência ao problema imposto pela celeridade

tornando o ritmo parlamentar, por vezes, incompatível. Segundo o autor: Diz-se, nesses casos, que a agência

age com certa discricionariedade técnica, pois a celeridade e a continuidade do serviço não podem estar

submetidos a todas as solenidades e vicissitudes dos trabalhos parlamentares”.

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61

dos espaços predefinidos pela lei geral que deve estabelecer os limites, as condições e as

diretrizes, predeterminando o espaço para esta complementação.

Todas as agências reguladoras brasileiras federais possuem papel importante a

desempenhar na forma das leis que lhes instituíram, algumas dispondo de maior autonomia e

campo de atuação mais amplo. Contudo, independentemente de quão autônoma possa, de fato

ser uma agência reguladora, sempre deverá ter presente direitos e garantias fundamentais aos

quais sua atuação está vinculada, seja na tutela, seja na promoção. A partir de exame

axiológico, é preciso buscar a realização, a efetivação dos direitos fundamentais, dos fins

sociais, atentando para o fato de, por exemplo, existirem serviços públicos regulados

considerados indispensáveis à promoção da dignidade humana. (JUSTEN FILHO, 2003).

Enquadra-se neste exemplo, entre outras, a Agência Nacional de Energia Elétrica –

ANEEL, a quem compete regular a prestação de serviço de fornecimento de energia elétrica,

reconhecida pela Organização das Nações Unidas – ONU como essencial à promoção da

dignidade humana e diretamente relacionada com a redução da pobreza. (ORGANIZAÇÃO

DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012). Como reforça Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães

(2013, p. 247) “trata-se, em outras palavras, de um dever do Estado fornecer ao cidadão uma

qualidade de vida compatível com os padrões de dignidade humana existentes nas sociedades

contemporâneas”.

Fez-se, assim, um apanhado geral sobre contexto, argumentos e algumas características

que forjaram a regulação brasileira implementada de forma mais expressiva entre 1995 e

2002. A partir deste ponto, se passa a discorrer especificamente sobre a atividade reguladora

do serviço de energia elétrica.

2.3 Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL: o campo regulatório do setor

elétrico

O setor elétrico é um campo complexo onde o objeto é a energia elétrica, a qual se trata

de um bem móvel, essencial, como se viu, à dignidade humana27

. Disponibilizar esse bem a

toda a sociedade de forma universal, a preços módicos, é um dever do Estado a ser cumprido

27

Como bem observa Geraldo Pereira Caldas, a eletricidade “tornou-se, no mundo contemporâneo, elemento

essencial a praticamente todas as atividades humanas” (2011, p. 27), cuja presença é tão natural que a

necessidade é mais bem percebida na sua falta. O autor aponta que a prestação deste serviço requer

planejamento e altos investimentos, de modo que no mundo contemporâneo isso significa também “uma

importância econômica extraordinária”. (CALDAS, 2011, p. 28).

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62

por meio da prestação de serviços públicos. O bem energia elétrica é conceituado por Cléver

M. Campos como:

Resultado de conversões energéticas, a partir de fontes de origem diversas

(hidráulica, térmica, solar, eólica etc.), em eletricidade, realizada por geradores, e

transportada até o centro de consumo através de linhas de transmissão e distribuição,

tendo, portanto, bem clara sua característica de bem móvel. (CAMPOS, 2001, p. 23).

Esse bem móvel é uma “comoditie” (CAMPOS, 2001, p. 23) diferenciada das demais

porque não pode ser armazenada, fazendo com que toda a energia produzida seja consumida

de forma instantânea. Por meio de um Sistema Interligado Nacional (SIN),28

denominado de

malha, formado por linhas de transmissão e distribuição, é que são interligados geradores e

usuários. Assim, toda a energia gerada é disponibilizada na malha, donde, por sua vez, é

retirada a energia pelos usuários, a qual será posteriormente paga com base em medições. No

Sistema Interligado Nacional – SIN onde é aferido quem e o quanto gerou, assim como quem

e o quanto consumiu. (CAMPOS, 2001, p. 23).

Todo o sistema de geração, transmissão, comercialização e distribuição de energia

elétrica é muito complexo. Conforme pondera Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães:

[...] a questão energética envolve fatores sociais, ecológicos, econômicos e políticos,

constituindo elemento preponderante das relações entre os países detentores de

matérias-primas e os industrializados, vale dizer, os que determinam as regras do

comércio internacional e aqueles que a elas aderem simplesmente. Ademais, a

questão energética também está relacionada a outras de grande relevância para o

bem-estar da sociedade, como a preservação do meio ambiente, a urbanização das

cidades, a infraestrutura do transporte e a agricultura. (GUIMARÃES, 2013, p. 105).

O processo de reforma do setor elétrico, por meio do qual o Estado transferiu para a

inciativa privada a prestação do serviço público, mantendo-se como gestor deste serviço, cujo

dever de prestação continua sendo seu (GUIMARÃES, 2013, p. 247), teve início com a

inclusão no Programa Nacional de Desestatização, por meio do Decreto nº 572, de 22 de

junho de 1992, de duas empresas distribuidoras de energia, a Espírito Santo Centrais Elétricas

S.A. – ESCELSA, criada em 01 de julho de 1968, controlada pela ELETROBRAS,

privatizada no leilão realizado em 11 de julho de 1995; e a Light Serviços de Eletricidade

28

Descrição do SIN extraída do sitio do Operador Nacional do Sistema – ONS: “Com tamanho e

características que permitem considerá-lo único em âmbito mundial, o sistema de produção e transmissão de

energia elétrica do Brasil é um sistema hidrotérmico de grande porte, com forte predominância de usinas

hidrelétricas e com múltiplos proprietários. O Sistema Interligado Nacional é formado pelas empresas das

regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte. Apenas 1,7% da energia requerida pelo

país encontra-se fora do SIN, em pequenos sistemas isolados localizados principalmente na região

amazônica”. (BRASIL, 2014a).

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63

S.A., que iniciou o fornecimento de energia em 1907, com capital estrangeiro, foi estatizada

em 1966 e privatizada em 21 de maio de 1996. (GONÇALVES, M., 2010, p. 517).

A desestatização e a transferência da prestação de serviços públicos para a iniciativa

privada não desoneram o Estado do seu dever, o regime jurídico permanece o mesmo, ou seja,

público. Assim, continua-se falando de serviço público, cuja prestação passa a ser feita de

forma direta pelo setor privado e de forma indireta pelo poder público.29

Não há mudança de

regime jurídico, nem de titularidade, a qual permanece sendo do Estado o qual, mediante juízo

de “oportunidade e conveniência”, sob o argumento de maior eficiência, transfere ao privado

a “concretização dos direitos fundamentais”. (DUARTE JÚNIOR, 2014, p. 135).

Durante a década de 80, o setor de energia elétrica acumulava déficits, os quais eram

“contabilizados extrapatrimonialmente nas Contas de Resultados a Compensar (CRC)”.

(CALDAS, 2011, p. 49). A crise chegou ao ponto de haver uma espécie de inadimplemento

generalizado no setor. Conforme registra o autor:

As receitas das vendas de energia das empresas estaduais passaram a ser retidas

pelos governos locais, sem honrar seus pagamento, formando-se uma cadeia de

inadimplência em que não se pagava a energia recebida das federais, que por sua

vez, não repassavam os recursos para a Itaipu Binacional, que não repassava o

serviço da dívida para a Eletrobras, que não liberava as parcelas de financiamento

das novas usinas, deixando sem pagamento os empreiteiros e fornecedores retinham

as receitas de venda de energia das empresas estaduais. (CALDAS, 2011, p. 49).

Essa crise levou à edição da Lei nº 8.631, de 04 de março de 1993, “conhecida como

Lei Eliseu Resende” a qual imprimiu mudanças relevantes no setor quanto à forma de

definição das tarifas, até então iguais em todo o País, ignorando o fato de os custos regionais

da energia serem diferentes, pondo “fim ao regime de remuneração garantida e à equalização

tarifária”, o que levou o governo a pagar “cerca de US$ 20 bilhões, decorrentes do acerto de

contas resultantes da insuficiência tarifária das distribuidoras”. (GONÇALVES, M., 2010, p.

517-518). A definição das tarifas foi alterada, ao definir que os níveis das tarifas de

fornecimento de energia elétrica, a serem cobradas de consumidores finais, passariam a ser

propostos pelos concessionários, pondo fim, assim, à equalização tarifária.

29

Conforme coloca Lucas Noura de Moares Rêgo Guimarães (2013, p. 249-250) “há serviços públicos que,

embora de titularidade da União, podem ser prestados por entes privados. Assim, o fato de determinado

serviço público ser prestado sob o regime de direito privado não o desqualifica, porque o que importa para o

conceito de serviço público é a titularidade do Estado e atender ele a uma necessidade coletiva, que justifica

a existência de um regime especial, que não permite uma ampla exposição sua às leis de mercado, ainda que

a exploração se dê por conta e risco do ente privado”.

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64

Os passos seguintes na reestruturação do setor de energia elétrica vieram com a edição

da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que definiu regras gerais sobre concessão e

permissão de serviços públicos; do Decreto nº 1.503, de 25 de maio de 1995, que incluiu a

Eletrobras e outras empresas federais do ramo de energia no Programa Nacional de

Desestatização e da Lei nº 9.074/1995, no qual foram estabelecidas normas específicas para

concessões e permissões de serviços públicos, incluindo os de energia elétrica. (SUNDFELD,

2000, p. 20).

Como se viu, foi após aprovação de norma para realização de concessões e permissões

de serviços públicos que teve início a instituição do modelo regulatório com a criação das

agências reguladoras. Por meio do Projeto de Lei nº 1.669/1996, o Poder Executivo propôs a

criação da agência reguladora do setor elétrico. Na exposição de motivos nº 11 do Ministério

de Minas e Energia – MME, o projeto de lei de criação da agência reguladora do setor foi

apresentado como medida complementar necessária à reformulação do setor, cujas primeiras

medidas teriam sido instituídas por meio das Leis nº 8.987/1995 e nº 9.074/1995, as quais

regularam a primeira, de forma geral, e a segunda, de forma mais específica, a concessão dos

serviços de energia elétrica. (FARIA, 2014, p. 102-103).

Na referida exposição de motivos, foi destacada a urgência para a adequação da função

reguladora no setor de energia elétrica, cujo argumento apresentado teve por base o fato de o

Estado ter deixado de ser prestador do serviço para atuar como “facilitador e controlador da

atuação dos diversos segmentos interessados”. Foi exposto que a “abertura do setor elétrico”

demandava a constituição de uma nova “estrutura de controle, que compatibilizasse os

interesses dos exploradores da atividade; especialmente os da iniciativa privada”, com os

interesses dos consumidores em relação aos quais, o Estado deveria “garantir serviços de

energia elétrica em quantidade e qualidade suficientes ao atendimento de suas necessidades”.

(BRASIL, 1996a).

O fortalecimento da reguladora foi defendido como algo importante, visando

proporcionar segurança aos investidores “considerados imprescindíveis para a expansão do

setor elétrico nacional” e, assim, por consequência, representaria “para os usuários dos

serviços, garantia de sua prestação em quantidade, qualidade e com modicidade tarifária”.

(BRASIL, 1996a).

Ainda importante registrar que na exposição de motivos foi defendida a criação do

Conselho do Serviço Público de Energia Elétrica, o qual deveria “acompanhar e avaliar o

desempenho do serviço de energia elétrica” como medida capaz de “assegurar aos usuários e

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65

investidores plena segurança”, além de assessorar o Ministério em algumas questões.

(BRASIL, 1996a).

O Projeto de Lei PL nº 1.669/1996, de autoria do Poder Executivo, tramitou no

Congresso Nacional em regime especial pelo período de oito meses, foi aprovado em um

único turno de votação e promulgado em 26 dezembro de 1996, sob a Lei nº 9. 427, criando a

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL como sucessora do Departamento Nacional

de Águas e Energia Elétrica – DNAEE, o qual não dispunha de personalidade jurídica.

(ROLIM, 2002, p. 175).30

A Agência Reguladora de Energia Elétrica – ANEEL foi constituída na forma de

autarquia especial, pessoa jurídica de direito público, vinculada ao Ministério de Minas e

Energia, com a finalidade, definida no artigo 2º, de regulação e fiscalização da produção,

transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, sempre de acordo com as

políticas públicas e diretrizes estipuladas pelo governo federal. (GONÇALVES, J.,2010, p.

61). Com a missão, na forma do art. 3º do Decreto nº 2.335/1997 de “proporcionar condições

favoráveis para que o desenvolvimento do mercado de energia elétrica ocorra com equilíbrio

entre os agentes e em benefício da sociedade”.

Após a criação da ANEEL, ainda dentro do projeto de reforma do setor elétrico, a

Eletrobras contratou, em 1996, o consórcio de consultoria inglesa formado pela Coopers &

Lybrand e outros (GUIMARÃES, 2013, p. 180) para estudar e propor a reorganização do

sistema institucional do setor. (CAMPOS, 2001).31

Conforme João Alfredo Serra Baetas Gonçalves, o resultado deste trabalho apresentou a

necessidade, em síntese, de:

(i) implementação da desverticalização das empresas de energia elétrica, ou seja,

dividi-las nos segmentos de geração, transmissão e distribuição, de (ii) incentivo

para a competição nos segmentos de geração e comercialização, mantendo-se sob

regulação os setores de distribuição e transmissão de energia elétrica, considerados

como monopólios naturais, sob regulação do Estado. Além disso, foram feitas

diversas recomendações que sugeriram, dentre outros, ajustes jurídicos e

regulamentares referentes às concessões, à regulamentação econômica e técnica, às

mudanças institucionais com relação ao governo e à organização de um ente

regulador do setor. (2010, p. 57-58).

30

Mais informações sobre a tramitação de projetos de lei voltados à criação de agências reguladoras ver

SILAME, Thiago; MEIRA, João Francisco. Entre a Delegação e o Lobby: um estudo de caso sobre o

processo de criação da Agência Nacional de Aviação. Revista Ibero-Americana de Estudos Legislativos,

Rio de Janeiro: FGV, n. 1, p. 35-51, mar. 2014. 31

A contratação de consultorias como a realizada pela Eletrobras é apontada por Lucas Noura de Moraes Rêgo

Guimarães como sendo uma das formas de atuação das instituições multilaterais, tais como o Banco

Mundial. (2013, p. 180).

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66

Neste ponto, faz-se importante trazer à baila o alerta de Pierre Bourdieu (2001, p. 34)

acerca do papel das think tanks, os experts, no processo de universalização do modelo

neoliberal. Segundo o autor, para compreender o processo de universalização do modelo, não

é suficiente tratar sobre a pressão imposta pelas multinacionais e entidades internacionais

como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, também é preciso ter presente os

“efeitos simbólicos que podem produzir os think tanks, os ‘experts’”. Como bem destaca

Maria Dolores París Pombo:

Los temas fundamentales de sus obras de divulgación son la denuncia de las

políticas neoliberales y la exégesis de los términos empleados por políticos,

expertos, think tanks y por la mayoría de los periodistas, tales como los eufemismos

de ‘flexibilización del trabajo’, ‘liberación de las fuerzas vivas de la economía’,

‘desregulación’, etcétera. En 1996, nuestro sociólogo funda la asociación Raisons

d’Agir (significativamente denominada ‘Razones para actuar’), que se asocia con la

pequeña casa de ediciones Liber para dar a conocer sus escritos bajo la forma casi

siempre de artículos muy sintéticos y de discursos pronunciados en ocasión de

concentraciones de trabajadores en distintos lugares de Europa y de Estados Unidos.

(2012, p. 52).

Depois da conclusão do trabalho da consultoria, foi editada a Medida Provisória nº

1.531, autorizando a reestruturação da Eletrobras e de suas subsidiárias. A referida medida foi

reeditada algumas vezes até a aprovação da Lei nº 9.648, em 27 de maio de 1998, por meio da

qual foi reestruturada a Eletrobras, criados o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) e

o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). (PAIXÃO, 2003, p. 398-399). Além de

fomentar a criação do Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão (CCPE), em 1999.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, foi criado na forma de pessoa jurídica

de direito privado a ser fiscalizado e regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica –

ANEEL, tendo como atribuição coordenar e controlar a operação do Sistema Elétrico

Interligado – SIN, além de coordenar e fiscalizar a prestação dos serviços de transmissão de

energia elétrica realizado pelas transmissoras aos usuários da rede básica.

Como a energia é um bem que não pode ser armazenado, compete ao Operador

Nacional do Sistema - ONS definir o quantitativo de energia a ser produzido por cada

geradora a cada momento, bem como o quanto a ser transportado via sistema de transmissão

e, ainda, a quantidade que deve chegar a cada distribuidora. Em suma, “sua função é operar o

sistema de forma neutra, segura e eficiente”. (CALDAS, 2011, p. 67). O Mercado Atacadista

de Energia Elétrica (MAE) foi constituído para realizar a tarefa de contabilização e liquidação

das operações de compra e venda de energia. (ROLIM, 2002, p. 183-184).

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67

Como se vê, o setor de energia elétrico é complexo e conta com uma rede de entidades,

na qual cada uma exerce uma função interligada às demais e todas, em maior ou menor grau,

têm suas atividades submetidas ao controle e regulação da Agência Nacional de Energia

Elétrica – ANEEL. Esta, na condição de agente regulador do setor, tem vasto campo de

atuação e um leque significativo de competências, dentre elas “expedir atos regulamentares

necessários ao cumprimento das normas estabelecidas na Lei nº 9.074”. (GUERRA, 2012, p.

287).

A ANEEL tem sua estrutura regimental definida por meio do Decreto nº 2.335, de 07 de

outubro de 1997, sendo administrada por um colegiado composto por quatro diretores e um

diretor geral, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado, para

cumprir mandatos de 04 (quatro) anos de forma intercalada, os quais não podem ser demitidos

ad nutum. (MATOS, 2010, p. 25).

Marcos Juruena Villela Souto (2000, p. 108-111) observa que o serviço de energia

elétrica compreende geração, transmissão e distribuição. Destas, apenas as duas últimas

etapas seriam tidas como serviços públicos, isso porque somente nelas são utilizados “os

sistemas de redes públicas e envolvem o usuário”. Na visão do autor, a geração enquadra-se

como atividade econômica, sobre a qual o setor público deve atuar apenas em regime

complementar32

, por meio de empresas públicas ou sociedades de economia mista. Esse,

contudo, não é tema incontroverso. Para Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães (2013, p.

252), a atividade de geração de energia também se enquadra como serviço público,

constituindo uma “cadeia integrada”. Com este olhar, pondera que “toda a cadeia da energia

constitui serviço público, pois é o bem em si, e não o modo pelo qual é produzido, que se

apresenta como indispensável à concretização dos objetos constitucionais”.

Ainda sobre a questão, por ocasião do julgamento da ADI nº 3.090/DF, a qual teve

como objeto o exame da Constitucionalidade da Lei nº 10.848/2004, fruto da conversão da

Medida Provisória nº 144/2003, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a

constitucionalidade da Lei por meio da qual foi implementada uma série de mudanças no

setor elétrico, entenderam, por maioria, tratar-se de matéria afeta à prestação de serviços

públicos, sem fazer qualquer ressalva quanto à fase de geração de energia. No voto divergente

do Ministro Eros Grau, que culminou como sendo a tese prevalecente na decisão por maioria,

consta:

32

Art. 173, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

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68

Daí porque se conclui que a regulamentação do setor elétrico, inclusive a

implementação pela medida provisória convertida na Lei nº 10.848, de 15 de março

de 2.004, encontra sua matriz constitucional não no § 1º do art. 176, mas sim no

artigo 175 da Constituição Federal. (BRASIL, 2006c).

Para complementar, traz-se trecho do voto do Ministro Carlos Ayres Britto, segundo o

qual:

Esse setor de energia elétrica, tanto quanto a atividade de aproveitamento dos

potenciais hidrológicos, tudo já constava da Constituição como atividade

configuradora de serviço público, porém, passíveis de transpasse à iniciativa

privada, no plano da prestação material [...]. (BRASIL, 2006c).

A regulação pela ANEEL, como consta expressamente no texto legal (art. 2º), abarca as

atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização (ROLIM, 2002). Compete

à Agência atuar em ambiente complexo, no qual estão envolvidos interesses, muitas vezes,

divergentes de geradoras de energia elétrica, transmissoras, distribuidoras e consumidores,

devendo atentar, em síntese, para as diretrizes fixadas por lei e às políticas públicas, que em

geral, contemplam entre outras premissas, a solução mais vantajosa para o usuário, a

universalização do serviço, a adequada remuneração das geradoras e distribuidoras e a

manutenção do equilíbrio econômico financeiro dos contratos.

A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL foi constituída com relevante campo

de atuação e significativo grau de autonomia para o exercício da atividade reguladora do setor

elétrico, com vista a garantir:

A segurança necessária aos investidores que desejassem comprar os ativos das

empresas estatais, pois suas decisões seriam fundadas em critérios técnicos, cujo

mérito não poderia ser alterado ao alvedrio de outras autoridades, estranhas ao

próprio órgão, com interesses muitas vezes contrários às regras do setor.

(GONÇALVES, M., 2010, p. 521).

A partir das competências previstas no art. 3º, da Lei nº 9427/1996, à época da sua

constituição, pode-se extrair alguns exemplos de suas prerrogativas. São exemplos as

prerrogativas de promover licitações de concessões, celebrar e gerir contratos de concessão,

dirimir divergências dos regulados entre si e entre regulados e consumidores, fixar multas

administrativas a serem impostas às concessionárias, entre outras.

Tendo como base o conceito de campo33

, elemento central na obra de Pierre Bourdieu,

por meio da reforma do Estado e da criação da ANEEL como entidade detentora de alto grau

33

Pierre Bourdieu (2004, p. 20-21), ao discorrer sobre o campo econômico esclarece que: “a noção de campo

está aí para designar esse espaço relativamente autônomo, esse microcosmo dotado de suas leis próprias. Se,

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69

de autonomia e domínio da técnica sobre o setor elétrico, fortemente estruturado, constituiu-se

um campo específico, o campo regulatório do setor elétrico.34

Considerando que campo é um

microcosmo dentro de um macrocosmo, o campo de regulação do setor elétrico ocupa a

posição de microcosmo dentro da administração pública, neste caso, um macrocosmo.

Um campo tem suas peculiaridades, mas existem características comuns a todos os

campos, o que Bourdieu denomina de homologia estrutural e de funcionamento. Conforme

esclarece Denise Maria de Oliveira Lima:

O campo é sempre caracterizado pelas lutas concorrenciais entre os agentes, em

torno de interesses específicos. Por exemplo, no campo da ciência as lutas

concorrências acontecem em torno da autoridade científica; no campo da arte, em

torno da legitimidade (ou autenticidade) dos produtos artísticos [...]. (LIMA, 2010,

p. 16).

Com base em trabalho de Bernard Lahire (2002, p. 2-3) sobre os elementos

fundamentais e relativamente invariáveis presentes na definição de campo de Pierre Bourdieu,

se pode aferir que o campo regulatório do setor elétrico contempla os elementos necessários à

definição de um campo.

Bernard Lahire (2002, p. 2-3) procurou relacionar de forma resumida os elementos

fundamentais e relativamente invariáveis presentes na definição de campo, sendo estes, em

apertada síntese: (i) um campo é um microcosmo dentro de um macrocosmo; (ii) possui

regras do jogo específicas; (iii) é um espaço ou sistema estruturado; (iv) o espaço estruturado

é um espaço de lutas entre os diferentes agentes ocupantes de posições diversas dentro do

campo; (v) as lutas são pela apropriação de um capital específico dentro do campo; (vi)

distribuição desigual do capital; (vii) estrutura do campo é definida pela distribuição desigual

do capital, a qual é definida por uma relação de força histórica entre força presente; (viii) as

estratégias dos agentes são de acordo com a posição por eles ocupada no campo; (ix) as

estratégias variam, sendo as estratégias dos dominantes pela conservação e dos dominados

pela subversão; (x) dado a conveniência de que o campo exista, é mantida uma

compatibilidade objetiva; (xii) os interesses sociais são específicos de cada campo, não se

como macrocosmo, ele é submetido a leis sociais, essas não são as mesmas. Se jamais escapa às imposições

do macrocosmo, ele dispõe, como relação a este, de uma autonomia parcial mais ou menos acentuada”. 34

Sobre a constituição dos campos Hermano Roberto Thiry-Cherques (2006, p.44) esclarece que “os campos

não são arbitrários, mas nascem como construtos auto-referenciados. Sistemas fechados de relações entre

conceitos, modelos, teorias cuja homologia com a realidade tem de ser testada, verificada, corrigida. A

liberdade de demarcar um campo nos é dada pelo exemplo do próprio Bourdieu, que trabalhou com uma

variedade impressionante de campos (científico, literário, do poder, religioso, jurídico, construção civil,

economia regional, pintura, educação superior, político, econômico, do jornalismo, produção intelectual,

produção cultural, ciência política, marketing, alta-costura, história em quadrinhos, arte, física, etc.)

segmentados segundo sua própria lógica e interesse específicos”.

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70

reduzindo a interesses econômicos; (xii) existe um habitus correspondente a cada campo, o

qual consiste num sistema de disposições incorporadas, indispensável para jogar o jogo; (xiii)

cada agente é caracterizado no campo de acordo com sua trajetória social, seu habitus e sua

posição no campo; e (xix) um campo é dotado de autonomia relativa, isso porque as lutas

externas exercem uma força muito grande sobre os resultados das relações de força interna.

O campo regulatório do setor elétrico nasce com a constituição de uma autoridade

reguladora de um serviço público, detentora de um espaço de atuação delimitado pelo Estado

por meio de leis especificas e políticas públicas. O ambiente no qual estão envolvidos

diversos agentes (concessionárias, permissionárias – geração, transmissão e distribuição –

usuários, corpo técnico da reguladora, entidades do sistema interligado, conveniados, etc.)

com interesses variados e, por vezes, contrários, forma um espaço de luta num espaço

estruturado. Neste campo, como se observará no decorrer deste trabalho, as lutas estão

relacionadas à apropriação de um capital específico, sendo a distribuição deste capital

desigual, bem como são diferentes as condutas e estratégias adotadas nesta luta, as quais são

de acordo com os interesses que os agentes procuram assegurar (ex.: distribuidora visa o

lucro, enquanto o usuário deseja tarifas módicas e o corpo técnico da agência pode procurar

manter sua posição de superioridade técnica-dominante). Neste contexto, nem todos os

interesses são de ordem econômica. Para o usuário, muitas vezes, está relacionado a sua

própria dignidade, já em relação a alguns especialistas, pode estar na sua condição de

superioridade como tecnocrata. Além disso, não se pode ignorar que a relação de força nas

lutas internas é fortemente influenciada por forças externas, podendo até mesmo comprometer

a autonomia do campo regulatório do setor elétrico.

Já composto o campo regulatório, foi implementado o projeto de transferir para a

iniciativa privada a prestação dos serviços de energia elétrica. No período compreendido entre

1996 a 2002, foram privatizadas no total vinte e três empresas do setor de energia elétrica,

destas, três eram federais e vinte estaduais, conforme tabela que segue:

Tabela 2 - Empresas privatizadas e a respectiva receita em US$ Milhões

Empresa Data da oferta Receita

Escelsa (federal) 11/07/1995 519

Light (federal) 21/05/1996 2.509

Cerj 20/11/1996 587

CEEE-Centro-Oeste 21/07/1997 1.372

Coelba 31/07/1997 1.598

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71

Cachoeira Dourada 05/09/1997 714

CEEE-Norte-NE 21/10/1997 1.486

CPFL 05/11/1997 2.731

Enersul 19/11/1997 565

Cemat 27/11/1997 353

Energipe 03/12/1997 520

Cosern 12/12/1997 606

Gerasul (federal) 15/09/1998 880

Coelce 02/04/1998 868

Eletropaulo Metropolitana 15/04/1998 1.777

Celpa 09/07/1998 388

Elektro 16/07/1998 1.273

EBE 17/09/1998 860

CESP Paranapanema 28/07/1999 682

CESP Tietê 27/10/1999 472

Celpe 17/02/2000 1.004

Cemar 15/06/2000 289

Saelpa 30/11/2000 185

Fonte: Site BNDES. (BRASIL, 2012b).

Em 2004, já sob a gestão de um novo governo, foram realizadas algumas modificações

no modelo do setor elétrico, o qual passou a ser identificado como “novíssimo modelo”.

(GONÇALVES, J., 2010, p. 66). Tais mudanças foram realizadas por meio da Lei nº 10.847 e

da Lei nº 10.848, ambas de 15 de março de 2004, e do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de

2004. Por intermédio destes diplomas legais, foi criada a Empresa de Pesquisa Energética –

EPE, empresa pública, destinada a auxiliar no planejamento do setor energético por meio de

estudos e pesquisas.35

Também foi criado o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico –

CMSE, o qual, presidido pelo Ministro de Minas e Energia, tem a atribuição de acompanhar e

avaliar a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético do país em todo o

território nacional.36

Ainda neste período, o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE)

foi substituído pela Câmara de Comercialização de Energia – CCEE, criada na forma do art.

4º da Lei nº 10.848/2004, a qual assumiu a tarefa de contabilização e liquidação das operações

de compra e venda de energia. (DAVID, 2012).

35

Art. 2º, da Lei nº 10.847 de 15 de março de 2004. Autoriza a criação da Empresa de Pesquisa Energética –

EPE e dá outras providências. (BRASIL, 2004c). 36

Art. 14, da Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004. Dispõe sobre a comercialização de energia elétrica.

(BRASIL, 2004d).

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72

A Lei nº 10.848/2004,37

além de criar o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico –

CMSE e a Câmara de Comercialização de Energia – CCEE, trouxe uma série de outras

alterações para o setor de energia elétrica, dentre as quais se destaca a criação de dois

ambientes de comercialização, o ambiente regulado e o ambiente livre.38

Com a instituição do “novíssimo modelo” (LOHBAUER; SANTOS, 2012), algumas

das competências da ANEEL definidas na sua criação foram alteradas por meio das Leis nº

10.847/2004 e nº 10.848/2004, por meio das quais, como anteriormente relatado, foram

implementadas alterações importantes no setor elétrico. Algumas dessas alterações

impactaram diretamente nas atribuições da Reguladora, como, por exemplo, a alteração do

inciso II, do art. 3º, pela Lei nº 10.848/2004, que modificou a competência inicialmente

atribuída de promover as licitações de concessões, restringindo a promoção das licitações,

mediante delegação, com base no plano de outorgas e diretrizes, previamente aprovado pelo

Poder Concedente, representando uma redução do grau de autonomia da Agência neste campo

(GUERRA, 2012a). Outra alteração, em relação às competências mencionadas no parágrafo

anterior, diz respeito aos contratos de concessão (art. 3º, IV), cuja competência inicial era de

celebrar e gerir, e com as alterações, restou à Agência apenas a gestão destes contratos.39

Independentemente de não possuir, na atualidade, as mesmas competências da época de

sua constituição, a Agência Reguladora de Energia Elétrica possui diversas e relevantes

competências, de modo que a sua atuação (boa ou ruim), ou até mesmo a sua inércia, produz

efeitos relevantes (positivos ou negativos) na sociedade. Como acentua Vilker Germano

37

Art. 1º, da Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004. Dispõe sobre a comercialização de energia elétrica.

(BRASIL, 2004d). 38

Existem dois tipos de consumidores de energia elétrica: os consumidores livres, entendidos como os que

podem escolher seus fornecedores; e os cativos, os quais não dispõem desta liberdade. São livres os que

fizeram opção de compra de energia elétrica, conforme as condições previstas no art. 2º, X, do Decreto nº

5.163, de 30 de julho de 2004 (“consumidor livre é aquele que, atendido em qualquer tensão, tenha exercido

a opção de compra de energia elétrica, conforme as condições previstas nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de

7 de julho de 1995”) e nos art. 16 da Lei nº 9.074/1995 (“é de livre escolha dos novos consumidores, cuja

carga seja igual ou maior que 3.000 kW, atendidos em qualquer tensão, o fornecedor com quem contratará

sua compra de energia elétrica”). Já os consumidores cativos são a grande maioria dos usuários, os quais só

podem comprar da distribuidora que atende a sua região. Como oportunamente esclarece Ricardo Morishita

Wada e João Paulo da Silveira Ribeiro, os grandes consumidores de energia (consumidor livre) podem

negociar com quem comprar energia elétrica, já “grande maioria dos usuários, enquadra-se como

consumidor cativo em um mercado monopolístico não podendo, então, escolher quem será seu prestador de

serviços”, caracterizando uma posição de “vulnerabilidade” (WADA, 2012, p. 699). Pontualmente sobre a

questão de se tratar de um mercado monopolístico, importante trazer comentário de Luiz Eduardo Diniz

Araujo, o qual esclarece que: “em vista de se tratar de serviço público com característica de monopólio

natural, e não atividade econômica sem sentido estrito, a contraprestação pecuniária assume a qualidade de

‘preço regulado’ ou tarifa, e não preço livremente estabelecido pelo mercado” (ARAUJO, 2012, p. 741). 39

Em 2013, foi apresentado pelo Senador Eunício Oliveira o projeto de Lei PL nº 52, que propõe uma série de

alterações nas leis que constituíram as agências reguladoras federais, voltadas a estabelecer regras voltadas à

gestão, à organização e a mecanismos de controle social. O projeto foi encaminhado para a Comissão

Especial do Desenvolvimento Nacional em 06/10/2015. Se for aprovado, representará, entre outras coisas,

uma importante redução da autonomia das agências. (BRASIL, 2013b).

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Martins (2010, p. 542), “as agências reguladoras são o centro de convergência para equilíbrio

do triângulo formado pelos principais agentes: governo, empresas e consumidores”.

A regulação da prestação de serviços públicos se dá em patamar diferente daquele em

que se dá a regulação das atividades econômicas. No caso dos serviços públicos, o foco deve

estar em questões como universalização, qualidade, entre outras,40

tendo presente, os

princípios norteadores da prestação de serviços públicos: continuidade, regularidade,

neutralidade, obrigatoriedade, mutabilidade, participação dos usuários, modicidade tarifária,

da cortesia e eficiência (GROTTI, 2000), bem como o incentivo à competitividade, o que,

conforme bem observa Duarte Júnior, não se confunde com “livre concorrência, pois esta não

é livre neste segmento”. (DUARTE JÚNIOR, 2014, p. 136). Já a regulação econômica, deve

ser voltada especialmente à promoção da competitividade e à defesa do consumidor.

Inúmeras são as competências da Agência reguladora do setor elétrico, as quais se

desdobram num número significativo e diversificado de atividades. Muitas delas são

exercidas por entidades como o Operador Nacional do Sistema – ONS e a Câmara de

Comercialização de Energia – CCEE, as quais funcionam, inúmeras vezes, como uma espécie

de braço da Reguladora, além dos convênios de cooperação firmados com outras entidades41

como o mantido com a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do

Rio Grande do Sul – AGERGS, tendo como objetivo a fiscalização da geração e distribuição

de energia elétrica, bem como a mediação administrativa de conflitos entre agentes e usuários

no Estado do Rio Grande do Sul.

Na forma do art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.987/1995, é pressuposto de toda concessão ou

permissão de serviços públicos a prestação de serviço adequado conceituado como aquele que

satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,

generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

A fiscalização da prestação do serviço de energia elétrica é uma das macrofunções da

ANEEL, prevista no art. 2º da Lei nº 9.427/1995, como sendo uma de suas finalidades. A

atividade de fiscalização emana do poder de polícia que legitima o Estado e, neste caso, a

Agência em nome do Estado, a atuar de forma compulsória na vigília sobre a atividade

exercida por poder privado, com o intuito de aferir a conformidade com as normas e

40

Como bem destaca Cláudio Mastrangelo, em se tratando de prestação de serviços públicos, a Constituição

Federal, no seu art. 175, parágrafo único, IV, impõe a obrigação de manutenção de serviço público

adequado, bem como a Lei nº 8.987/1995 traz alguns dispositivos voltados especificamente à adequação

(art. 6, § 1º) e à qualidade dos serviços (art. 29, II0, além de consignar expressamente tratar-se de “direito do

usuário” (art. 7º, I) e “encargo da concessionária” (art. 31, I) (MASTRANGELO, 2005, p. 34). 41

Expressamente prevista a possibilidade de realização de convênios no art. 3º, IV, da Lei nº 9.427/1996

(BRASIL, 1996b).

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princípios legais e contratuais, com vista a impedir a ação inadequada potencialmente lesiva

aos demais agentes regulados, bem como aos usuários. (DUARTE JÚNIOR, 2014).

A atividade de fiscalização exercida pela ANEEL compreende a fiscalização de

instalações e serviços de energia elétrica, a apuração de infrações e aplicação de penalidades,

cujo exercício é regulamentado na forma da Resolução 63/2004/ANEEL, na qual, entre outras

coisas, são definidos procedimentos e valores de multas. Estão sujeitos à fiscalização e

autuação as concessionárias, permissionárias, autorizadas e demais agentes de instalações e

serviços de energia elétrica, assim como as entidades responsáveis pela operação do sistema,

comercialização de energia elétrica e gestão de recursos provenientes de encargos setoriais.42

Considerando o fato de não haver previsão de recurso hierárquico, os recursos interpostos em

face dos autos de infração, na forma da Resolução 273/2007/ANEEL, dispõem de uma única

instância junto à autoridade superior da reguladora, no caso, a Diretoria. (ARAGÃO, 2013, p.

374).

A competência de fiscalizar, delegada à Agência, compõe um subcampo dentro do

campo da regulação, onde se exerce um poder de controle, o qual, como bem aponta Pierre

Bourdieu (2014), pode estar sujeito a questões como desvio de poder, notadamente atos de

corrupção, tema tão corriqueiro e perturbador no metacampo (macrocosmo) da administração

pública brasileira. Assim, o autor propõe uma reflexão importante:

É uma questão central que me coloco: podemos nos perguntar se o modelo

burocrático, com a lógica da delegação, em especial do controle, não implica, quase

inevitavelmente – como sociólogo, tenho horror a dizer isso –, mas quase

inevitavelmente, como uma propensão muito poderosa, a ameaça do desvio da

autoridade, do desvio de poder, em especial de todas as formas de corrupção. Será

que a corrupção, habitualmente ligada ao estágio primitivo do Estado, dos Estado do

tipo pessoal, desaparece à medida que se desenvolvem estrutural do tipo burocrático,

ou ela não está inscrita na própria lógica da delegação burocrática?. (BOURDIEU,

2014, p. 263).

Outra macrofunção, igualmente prevista como uma finalidade da Agência reguladora do

setor elétrico (art. 2º, da Lei nº 9.427/1996), é a regulação propriamente dita, exercida por

meio da edição de atos infralegais, os quais devem preencher espaço legislativo delimitado

por políticas públicas e standards definidos por lei, adstrito assim ao princípio da legalidade.

É neste espaço que a reguladora, fazendo uso da competência técnica especializada, exerce

42

As penalidades, conforme art. 2º, da Res. 63 da ANEEL são: advertência, multa, embargo de obras,

interdição de instalações, suspensão temporária de participação em licitações para obtenção de novas

concessões, permissões ou autorizações, bem como de impedimento de contratar com a ANEEL e de receber

autorização para serviços e instalações de energia elétrica; revogação de autorização; intervenção

administrativa; e caducidade da concessão ou da permissão. (BRASIL, 2004a).

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sua atividade regulamentar devendo “se restringir à interpretação e explicitação dos comandos

já contidos na lei”. (FARIA, 2014, p. 107).

No amplo leque da competência normativa de caráter complementar da ANEEL, forma-

se um subcampo regulamentar, ou regulatório, propriamente dito, espaço onde atua o corpo

técnico da reguladora, formado por tecnocratas altamente especializados nas matérias técnicas

pertinentes ao setor energético. Como todos os campos e subcampos, este também é por certo

um espaço de lutas e, como destaca Renato Ortiz (2003, p. 11), é “hierarquizado, estruturado

segundo uma lógica de interesses, nele se agrupa, interage, se complementa e entra em

conflito um grupo específico de atores”.

A atividade exercida no subcampo regulamentar do campo regulatório do setor elétrico

é de grande relevância e fonte inesgotável de lutas no interior do campo e, muitas vezes,

sujeitas à força das lutas externas. Um exemplo disso é a competência de estabelecer as tarifas

aplicáveis no setor, tema que afeta diretamente a todos os envolvidos na cadeia de prestação

de serviços de energia elétrica, incluindo os usuários. Contudo, como se observará, a

complexidade técnica de algumas atividades atribuídas à Reguladora (ROLIM, 2002, p. 216),

como a definição de tarifas, restringe a luta neste campo a um número reduzido de agentes

detentores de formação técnica específica adquirida nas “escolas”. Como aponta Pierre

Bourdieu (2005b, p. 69), é típico de um campo burocrático, onde “a luta de fato se reserva a

uma minoria de detentores de direitos designados pela posse quase hereditária do capital

escolar”.

A definição de tarifas é prevista em diversos dispositivos da Lei nº 9.427/1996, em

especial no art. 3º, o qual trata sobre as competências da Agência no qual constam cinco

incisos (art. 3º, XI, XVI, XVIII, XX, XXI) dispondo acerca a competência de definir tarifas.

O procedimento que consolida a regulação relacionada às tarifas de caráter normativo,

definido pela Resolução Normativa nº 435/2011 da ANEEL, é absolutamente complexo,

composto por doze módulos,43

os quais, por sua, vez são compostos por submódulos.

43

Na forma do art. 1º, da Resolução Normativa 435/2011 é definida a estrutura do procedimento de

regulamentação dos processos tarifários. No § 1º relaciona os módulos que o compõe, sendo estes:

I – Módulo 1: Introdução;

II – Módulo 2: Revisão Tarifária Periódica das Concessionárias de Distribuição;

III – Módulo 3: Reajuste Tarifário Anual das Concessionárias de Distribuição;

IV – Módulo 4: Componentes Financeiros das Tarifas de Distribuição;

V – Módulo 5: Encargos Setoriais;

VI – Módulo 6: Demais Procedimentos;

VII – Módulo 7: Estrutura Tarifária das Concessionárias de Distribuição;

VIII – Módulo 8: Permissionárias de Distribuição;

IX – Módulo 9: Concessionárias de Transmissão;

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Importante ressaltar, ainda sobre esse tema, que nos contratos de concessão e permissão

firmados, por intermédio da ANEEL, entre as distribuidoras e a União, são previstos três

mecanismos de alteração das tarifas, cujas regras de cálculo estão previstas nos módulos II e

III dos Procedimentos de Regulação Tarifária – PRORET, sendo estes:

(i) revisão tarifária periódica realizada a cada 04 (quatro) anos com o objetivo de

manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão; (ii) revisão

anual, a qual não é realizada no ano em que ocorre a revisão periódica, tem o

objetivo de restabelecer a receita obtida por meio das tarifas praticadas pela

concessionária o seu poder de compra; e (iii) revisão tarifária extraordinária que

pode ser realizada sempre que algum evento provocar expressivo desequilíbrio

econômico-financeiro, ou ainda em casos em que houver criação, alteração ou

extinção de tributos ou encargos legais, devendo ser comprovado o impacto.

(BRASIL, 2011a).

Os atos administrativos regulamentares da ANEEL, como os referentes às revisões

tarifárias, devem ser precedidos de audiência pública. Isso porque na forma do art. 4º, § 3º da

Lei nº 9.427/1996, “o processo decisório que implicar afetação de direitos dos agentes

econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, mediante iniciativa de projeto de lei ou,

quando possível, por via administrativa, será precedido de audiência pública convocada pela

ANEEL”. A matéria também é objeto do Decreto nº 2.355/1997 e da Resolução Normativa nº

273/2007, por meio da qual é sucintamente regulado o procedimento de audiência pública

(capítulo II, da Res. 273/2007) e, ainda, o de consulta pública (capítulo III, da Res.

273/2007/ANEEL), não prevista de forma expressa na Lei nº 9.427/1996. Na forma do art. 21

do Decreto 2.335/1997, os objetivos da audiência pública são:

I - recolher subsídios e informações para o processo decisório da ANEEL;

II - propiciar aos agentes e consumidores a possibilidade de encaminhamento de

seus pleitos, opiniões e sugestões;

III - identificar, da forma mais ampla possível, todos os aspectos relevantes à

matéria objeto da audiência pública;

IV - dar publicidade à ação regulatória da ANEEL. (BRASIL, 1997a).

A participação popular, seja por audiência ou consulta pública, é uma forma de

exercício da democracia e de controle sobre os atos da agência reguladora. A autonomia

reforçada de que dispõe não a isenta de controle. Como lembra Justen Filho (2002, p. 584-

585), “o sistema de separação de poderes impõe o controle sobre todas as entidades públicas”,

o qual, no caso das agências reguladoras federais, é exercido pelo Tribunal de Contas da

X – Módulo 10: Ordem e Condições de Realização dos Processos Tarifários e Requisitos de Informações e

Obrigações Periódicas;

XI – Módulo 11: Comercialização;

XII – Módulo 12: Concessionárias de Geração. (BRASIL, 2011a).

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União, Ministério Público, Poder Judiciário, Poder legislativo. Para Fernanda Ferreira Matos

(2010, p. 39):

Tanto a audiência pública, quanto a consulta pública são formas de participação de

controle popular da Administração Pública no Estado Democrático de Direito,

propiciando ao particular a troca de informações com o administrador e o pleno

exercício da cidadania.

O Poder Judiciário age mediante provocação, dependendo da propositura de ações.

Inúmeras são as ações ajuizadas sobre os mais diversos temas relacionados às agências

reguladoras, desde estabilidade de mandato de diretoria, como já abordado neste trabalho, até

ações por meio das quais se busca discutir os atos regulatórios propriamente ditos.44

Especificamente em relação a judicialização dos atos infralegais, o Superior Tribunal de

Justiça já firmou posicionamento acerca do não cabimento de recursos sobre referidos atos

das agências (resoluções normativas) por não serem equiparados a leis federais

infraconstitucionais.45

Já o Ministério Público, por sua vez, pode exercer sua atividade de

controle fazendo uso de instrumento próprio, de inquérito civil ou por meio da interposição de

ações judiciais, como ação civil pública. Quanto ao Poder Legislativo, este tem competência

de controle mais ampla, amparada no art. 49, X, da Constituição Federal, podendo exigir da

agência, justificativas e explicações acerca de suas decisões, incluindo questões de ordem

“técnico-científicas”. Já o controle do Tribunal de Contas é restrito aos atos de “gestão

administrativa” da Agência na condição de autarquia, não podendo fazer controle de conteúdo

sobre as decisões do agente regulador. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 588).

Entidade de regulação como a ANEEL, a qual regula setor de prestação de serviços

diretamente relacionado à dignidade da pessoa humana, bem como o desenvolvimento

econômico e social do País, cujas principais características são autonomia reforçada e, no

44

Para estudo mais aprofundado sobre a judicialização de temas afetos às agências reguladoras, ver: SILVA,

Fernando Quadros da. Controle Judicial das Agências Reguladoras: aspectos doutrinários e

jurisprudenciais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014b; JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências

Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002; e ROCHA, Fábio Amorim da (coord.). Temas

Relevantes no Direito de Energia Elétrica. Rio de Janeiro: Synergia, 2012. 45

A decisão proferida em sede de agravo regimental em recurso especial AgRg no AREsp 294976 / MG é

exemplo de julgamento neste sentido: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. CONTRATO

ADMINISTRATIVO. ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ESTIMATIVA. PROVA PERICIAL. NECESSIDADE

DE INTERPRETAÇÃO DA RESOLUÇÃO ANEEL 456/2000. NÃO ENQUADRAMENTO NO

CONCEITO DE LEI FEDERAL. PRECEDENTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. ACÓRDÃO

BASEADO NA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. 1. No que

tange à alegação de que tenham sido cumpridos os dispositivos constantes na Resolução ANEEL nº

456/2000, esta insurgência não pode ser alegada na via recursal eleita, tendo em vista se tratar de ato

administrativo de caráter normativo, de caráter, portanto, infralegal, que não pode ser analisado na via

recursal eleita, visto que não se enquadra no conceito de ‘legislação infraconstitucional federal’ [...]”.

(BRASIL. 2013c).

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entendimento de alguns doutrinadores como Marçal Justen Filho, discricionariedade técnica;

deve estar sob constante controle. Falhas no sistema podem causar sérios danos à sociedade,

cujos reflexos, muitas vezes, se fazem sentir por um longo período. Exemplo disso é o

apagão46

ocorrido durante o ano de 2001, que afetou notadamente as regiões Sudeste e

Centro-Oeste do País, imputando à sociedade brasileira racionamento e uma série de

prejuízos.47

A adoção “de diretrizes neoliberais ao setor elétrico brasileiro foi desastrosa,

culminando com o racionamento de 2001”. (GUIMARÃES, 2013, p. 184). O Tribunal de

Contas da União – TCU, em auditoria realizada na ANEEL em 2003, apurou que o apagão de

2001 custou R$ 42,2 bilhões (atualizado pelo IGP-M). Em seu voto, o Ministro Relator

Walton Alencar Rodrigues destaca:

Se considerarmos os custos indiretos, incorridos em sua consequência, como

redução de atividade econômica, registrada pela diminuição do PIB, aumento de

desemprego, perda de competitividade em razão do aumento de custo de energia

elétrica, diminuição do ritmo de arrecadação de tributos, desestímulo ao

investimento, imagem do Brasil no exterior, entre outras consequências negativas,

chega-se a um prejuízo superior aos R$ 45,2 bilhões registrados. (BRASIL, 2003b).

Confome pode ser observado em entrevista concedida à Brasilianas.org (TV Brasil) até

mesmo Luiz Carlos Bresser Pereita, ao falar sobre sua teoria desenvolvimentista, admite ter

havido um erro no processo de abertura econômica nos anos 90 afirmando que: “Estávamos

completamente errados, pois cerca de metade dessa porcentagem não era protecionismo e sim

neutralizadora da doença holandesa”. Conforme consta em matéria do Jornal GGN (Jornal de

Todos os Brasis):

Durante sua participação no Brasilianas.org (TV Brasil) o economista,

declaradamente keynesiano, destacou os principais pontos da sua teoria, apontando a

‘doença holandesa’ como a razão de o Brasil ter parado de crescer desde 1990.

Bresser-Pereira, inclusive, se coloca como um dos culpados por isso.

(JORNALGGN, 2015).

Outros eventos de falta de energia que afetam grandes regiões são comuns, embora o

governo negue a ocorrência de apagões.48

Como oportunamente destaca Luiz Alberto Gurgel

46

Apagão foi o termo adotado “como referência às interrupções ou falta de energia elétrica frequentes, como

“blecautes” de maior duração”. (IGUAÇU ENERGIA, 2016). 47

José Goldenberg; Luiz Tadeu Siqueira Prado in Reforma e crise do setor elétrico no período FHC discorrem

sobre mudanças implementadas no setor elétrico durante o governo de Fernando Henrique Cardoso,

abordando, de forma pontual, o apagão como decorrência da “falta de coordenação”, caracterizando um

elemento da crise do novo modelo implementado durante o referido governo. (2003, p. 230). 48

Conforme notícia veiculada no Ceará New 7: “o Procon Fortaleza multou a Companhia Energética do Ceará

(Coelce) em R$ 5,8 milhões pelos sucessivos apagões registrados na capital. A Companhia Hidroelétrica do

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de Faria (2014, p. 103-104), no ano de 2012 ocorreram apagões nas regiões Norte e Nordeste

e independentemente dos motivos apontados pelo governo, na tentativa de negar tratar-se de

apagão (teriam ocorrido eventos naturais como raios e falhas humanas), o fato é que “a

energia elétrica é serviço público por demais relevante, sendo indispensável fortes

investimentos”.

A propósito, se faz pertinente trazer dados sobre a pesquisa realizada pelo jornal O

Estado de São Paulo e Ipsos, divulgada em 11 de abril de 2007, a qual apontou que 62% do

eleitorado brasileiro são contrários à privatização de serviços públicos, enquanto a aprovação

é de apenas 25% dos entrevistados. Segundo consta na matéria veiculada pelo jornal, “a

percepção é que as privatizações pioraram os serviços prestados à população nos setores de

telefonia, estradas, energia elétrica, água e esgoto”. Constatou ainda, que as taxas mais

elevadas “de rejeição (73%) estão no segmento de nível superior e nas classes A e B”. Dentre

os serviços mais criticados na pesquisa, estão o de energia elétrica, os quais “pioraram para

55% e melhoraram para 31%” dos entrevistados. (O JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO;

IPSOS apud GLOBO, 2007).

O Estado brasileiro implementou uma reforma expressiva para tornar-se um Estado

Gestor e, com isso, melhorar a prestação dos serviços públicos e promover o desenvolvimento

do país, adotando um modelo instituído pela globalização num processo de universalização.

Sabe-se que o modelo de política econômica dos Estados Unidos da América proliferou por

boa parte do mundo, independentemente das singularidades de cada país, de cada povo.

Entidades como o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento – BIRD impuseram, e ainda impõem esse modelo, apresentando as ciências

econômicas como algo superior e inexorável. Como bem salienta Pierre Bourdieu:

Entre a teoria econômica em sua forma mais pura, quer dizer, mais formalizada, que

nunca é tão neutra quanto se crê ou faz crer, e as políticas que são implementadas

em seu nome ou legitimadas por seu intermédio, interpõe-se agentes e instituições

impregnados de todos os pressupostos herdados do incrustamento em um mundo

econômico singular. (BOURDIEU, 2001, p. 29).

No campo internacional, os diferentes tipos de capitais “exercem um efeito estrutural”,

de tal modo que a “aparência de fatalidade” do campo internacional do capital financeiro é

atribuída possivelmente “ao fato de que não precisa intervir diretamente junto aos governos

nacionais para lhes impor, e menos ainda lhes proibir uma política”. (BOURDIEU, 1997, p.

São Francisco (Chesf), que é responsável pela transmissão de energia aos consumidores da Coelce, também

foi multada em R$ 534 mil. Para o Procon, houve falha na prestação do serviço, o que ficou evidente nos

quatro apagões em apenas um ano”. (CEARANEWS7, 2015).

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27). Essa parece ser a resposta à pergunta inicialmente lançada: Por que regular? Porque o

País, no contexto da globalização, assim como outros países periféricos, restou dominado

numa luta desigual. Em meio a uma crise severa, sem recursos para fazer os investimentos

necessários e até mesmo para manter alguns serviços essenciais, a decisão de regular, de

implementar o modelo de universalização que significou, até mesmo abrir mão de parte da

autonomia interna, é efeito estrutural advindo do poder estruturante do campo internacional

do capital financeiro.

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81

3 PARTICIPAÇÃO POPULAR: DEMOCRACIA E PODER NO CAMPO DA

REGULAÇÃO

A sociedade brasileira vivenciou um processo de redemocratização penoso após a

ditadura militar e, se pensarmos em democracia, em contraposição aos regimes ditatoriais, não

há dúvida de que a sociedade brasileira vive em democracia. Mas, notadamente após o

advento da Constituição Federal de 1988, a qual expressamente declara este País como um

Estado Democrático de Direito, em que o poder é do povo e deverá ser exercido na forma

representativa ou direta, garantindo, além disso, direitos fundamentais, os quais vão além dos

direitos de liberdade, incluindo direitos sociais, é preciso considerar que, nestas condições,

uma democracia plena deve estar para além do aspecto formal e da regra da maioria.

Onde houver constituição rígida, posta no ordenamento jurídico como norma suprema

que traz direitos fundamentais elevados à condição de garantias, a democracia será plena se,

além de formal, ela for substancial, ou seja, se houver efetividade dos direitos fundamentais

assegurados. Neste processo de constitucionalização, algumas medidas são impostas a todos

os gestores públicos; como a adoção de medidas de transparência efetiva em contraposição ao

sigilo, à inserção dos cidadãos nos processos decisórios acerca da coisa pública, notadamente

quando estes tiverem relação com seus interesses individuais ou coletivos.

Mas é preciso ter presente que alcançar a democracia plena (aspecto formal mais

substancial), nos moldes impostos pelo Estado Democrático, não é algo simples em um país

como o Brasil, vivenciando um processo de redução da atuação direta do Estado desde a

década de noventa, fruto do emprego do modelo econômico neoliberal, o qual acaba por

afetar até mesmo a autonomia interna do Estado; ante uma sociedade marcada por

desigualdades sociais latentes, em meio a uma crise de legitimação, seja em razão do colapso

da representatividade, seja pela atual complexidade social, a qual exige normas mais flexíveis

e processo normativo mais célere, lembrando, como o faz Sérgio Guerra (2012, p. 96), “a

complexidade e a tecnicidade do mundo pós-moderno impõem o deslocamento de

competências sobre questões complexas do Poder Legislativo para o Poder Executivo”.

Os problemas de legitimação se mostram ainda maiores, em se tratando do subcampo

regulamentar, contexto no qual as agências reguladoras, tidas como autoridades

independentes, devem regular atividades econômicas e serviços públicos essenciais de forma

técnica e especializada. Tendo presente o fato de a complexidade social colocar a cidadania

“como um direito mais abrangente”, situação na qual “exercer a cidadania é não estar

submetido a amarras, quando da participação no processo político, bem como não encontrar

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82

óbices quando, perante a Autoridade Pública, exigir a efetiva distribuição da justiça social”.

(LEHFELD, 2008, p. 28).

3.1 Democracia Constitucional: o princípio democrático e a (in)efetiva participação

popular

A democracia fundada na ideia de soberania popular em que o “poder político é

exercido pelo povo” (BOBBIO, 1987, p. 135) se trata de concepção que passa por mudanças

durante o curso da história, de forma diretamente relacionada com os direitos políticos, a

participação da sociedade na vida política e, ainda, com a limitação do poder. Como

oportunamente ressalta Daniela Mesquita Leutchuk Cademartori (2011, p. 290), a história da

democracia conta com aproximadamente vinte e cinco séculos, período durante o qual teve

diversos significados, de acordo com cada época.

A partir de um conceito axiológico de “democracia dos antigos”, Norberto Bobbio

(1987, p. 140) discorre sobre divergentes posições acerca da democracia, iniciando pela

concepção negativa de Platão, o qual teria descrito, no oitavo livro da República, a forma

democrática como “degenerada”. (PLATÃO apud BOBBIO, 1987, p. 140). Avançando na

análise, Norberto Bobbio chega até Péricles e o elogio à democracia feito por este em um

discurso em honra aos mortos, durante guerra do Peloponeso, no qual teria enfatizado

qualidades da democracia, tais como a paridade de direitos civis e meritocracia na

administração do Estado.49

O conceito de democracia dos antigos, de um “governo de assembleias”, ou seja, de

uma democracia direta, sofreu uma transformação, a partir do governo republicano Norte

Americano. Perante grandes Estados,50

se mostrou inviável o exercício do governo por meio

de “assembleias”, nascendo em contraposição a essa forma de governar a “democracia dos

modernos”, na forma de um governo republicano caracterizado pela democracia

representativa (BOBBIO, 1987, p. 150). Como observado por Maurício Maldonado Muñoz

49

Trecho do discurso de Péricles em honra dos mortos na guerra do Peloponeso: “Temos uma constituição que

não emula as leis dos vizinhos, na medida em que serviços mais de exemplo aos outros do que de

imitadores. E como ela é dirigida de modo a que os direitos civis caibam não a poucas pessoas, mas à

maioria, ela é chamada democracia: diante das leis, naquilo que diz respeito aos interesses privados, a todos

cabe um plano de paridade, enquanto que, no que diz respeito à consideração pública na administração do

Estado, cada um é escolhido conforme tenha se destacado num determinado campo, não por ser proveniente

de uma dada classe social, mas sim por aquilo que vale”. (TUCIDIDES, Guerra, II, 37 apud BOBBIO, 1987,

p. 140). 50

Grandes Estados neste contexto significa Estados com grande extensão territorial e população numerosa em

contraposição aos pequenos Estados, onde era possível reunir facilmente os cidadãos em uma assembleia

popular.

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(2016, p. 134), “la democracia moderna nació, justamente, asociada a un concepto de

república que manejaban, por ejemplo, los padres fundadores de los Estados Unidos”, nas

palavras de Norberto Bobbio (1987, p. 150): “exatamente aquela forma de governo que hoje

nós – convencidos de que nos grandes Estados não é possível outra democracia senão a

representativa, embora em alguns casos corrigida e integrada por institutos de democracia

direta”.

Desta forma, foi concebida a “democracia dos modernos” consubstanciada na ideia

segundo a qual, em um Estado grande, compreendido como vasto território e população

numerosa, só é possível impedir um governo autocrático por meio de um “governo de

representação, constituído numa forma de governo democrático corrigido, temperado ou

limitado”. (BOBBIO, 1987, p. 151). Com isso, o exercício da democracia, o qual se dava por

meio da participação direta nas assembleias populares, passa a ocorrer na república, por meio

de representação, situação na qual um número reduzido de indivíduos é eleito pela sociedade,

segundo a regra da maioria, para representar o todo. É relevante ter presente que “en general,

voto y regla de mayoría se suelen asumir como democráticos, aunque no necesariamente lo

sean”. (MUÑOZ, 2016, p. 138).

É justamente na ideia de decisão majoritária, ou seja, nas decisões de acordo com a

vontade da maioria, que são centradas as maiores críticas à democracia representativa

notadamente antes do advento das constituições rígidas51

. Isso porque, perante constituições

flexíveis não há limites à vontade da maioria, conferindo, desta forma, um perigoso potencial

de impor a dominação a uma minoria, ou até mesmo, de eliminação de determinadas

minorias.

Neste sentido, Afonso de Julios-Campuzano (2009, p. 24), em análise acerda do

constitucionalismo francês pós a Revolução Francesa, ressalta o princípio da maioria como

uma “fragilidade”. Segundo o autor, a “onipotência da maioria”, consubstanciada “em nível

jurídico, na onipotência do legislador como representante dessa mesma vontade: a lei

converte-se, assim, em elemento central da produção jurídica, e o legislador é elevado à

categoria de artífice da nova ordem”.

Ainda sobre a regra da maioria, é importante trazer à luz o questionamento de Sérgio

Cademartori (2007, p. 194) acerca da temática, por meio do qual faz pensar se o princípio

majoritário, na condição de base da democracia representativa, é “condição suficiente para se

falar em legitimidade democrática no Estado de Direito?” O autor analisa a questão posta da

51

Neste sentido: Julios-Campuzano (2009), Ferrajoli (2015) e Bobbio (1987).

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“equação legalidade/legitimidade”, fazendo referência a Rafael de Assis Roig, afirma que a

legalidade fundada na regra da maioria não pode ser entendida como valor absoluto,

ressaltando a necessidade de considerar-se que legalidade “implica um elemento material que,

no Ocidente, é o respeito à dignidade do indivíduo”. (CADEMARTORI, 2007, p. 195).

É importante observar que o Estado Democrático de Direito contempla os elementos do

Estado de direito e do Estado social. O primeiro foi concebido a partir dos anseios da

burguesia de limitar o absolutismo monárquico, cujas principais características são o império

da lei, a divisão dos poderes e as garantias de liberdades. Já o Estado social, é fortemente

caracterizado pelos avanços para além dos direitos de liberdade, no sentido de assegurar

direitos e garantias fundamentais de cunho social aos indivíduos. Para Lênio Streck e José

Luis Bolzan de Morais (2014, p. 98) o conteúdo do Estado Democrático de Direito

“ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir

simbolicamente como fomentador da participação pública no processo de construção e

reconstrução de um projeto de sociedade [...]”.

No Estado de direito, o objetivo central é limitar o poder do Estado e tutelar a liberdade

dos indivíduos. Deste modo, as garantias constitucionais são restritas a proibições, voltadas a

proteger os indivíduos das ações do Estado, tutelando, assim, basicamente os direitos de

liberdade. Dessa forma, tendo como objetivo a limitação do poder estatal, por meio da

submissão do governo à lei, no Estado de direito, caracterizado por constituições flexíveis,

sem força normativa e um modelo de controle formal, ante a “onipotência do legislador”, é

possível que a lei seja facilmente modificável, com amparo no princípio da maioria e na

democracia representativa. Isto porque, nestas condições, “é o legislador quem, em última

instância, decide sobre a modificação da Constituição que, ao final, está revestida sob a forma

de uma simples lei, desprovida de mecanismos especiais de proteção que dificultem sua

reforma”. (JULIOS-CAMPUZANO, 2009, p. 14).

Contudo, como já se observou anteriormente, as atrocidades vivenciadas durante a

Segunda Guerra Mundial motivaram mudanças importantíssimas nos textos constitucionais

implementadas no pós-guerra. Essas mudanças passaram a assegurar direitos fundamentais

alçados à condição de garantias. Tais constituições, elevadas à condição de normas rígidas,

passaram a impor aos Estados um agir conforme o texto constitucional. (DUARTE JÚNIOR,

2014, p. 169-171), tanto no sentido de proteção, quanto de promoção.

De fato, a grande transformação se dá por meio da adoção deste modelo de

constituições, as quais agregam em seus textos princípios e direitos fundamentais, inclusive

direitos sociais com força vinculante oponível a todas as esferas de Poder Público. Inaugura-

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se, desta forma, um novo cenário, impondo novos limites e deveres ao Estado, aos gestores

públicos, contexto em que Luigi Ferrajoli (2015, p. 31) sustenta o garantismo como

paradigma teórico geral, descrito como “o conjunto dos limites e dos vínculos impostos a

quaisquer poderes, idôneos a garantir a máxima efetividade de todos os direitos e de todas as

promessas constitucionais”.

Sobre o poder vinculante destas constituições rígidas, tutelares de direitos e garantias

fundamentais, Norberto Bobbio, quando fala do governo das leis em tempos de leis

fundamentais, destaca a diferença existente em relação ao governo das leis dos antigos, o qual

se limitava a um contraponto em relação ao governo dos homens, enfatizando que:

Hoje, quando falamos de governo, das leis, pensamos em primeiro lugar nas leis

fundamentais, capazes de estabelecer não tanto aquilo que os governados devem

fazer, mas o modo como as leis devem ser elaboradas, sendo normas que vinculam,

antes ainda que os cidadãos, os próprios governantes: temos em mente um governo

das leis em um nível superior, no qual os próprios legisladores estão submetidos a

normas vinculatórias. (2015, p. 29).

Ainda a respeito da vinculação de todos os poderes públicos à Constituição, Gerardo A.

Durango Alvarez, inspirado na doutrina de Luigi Ferrajoli, esclarece:

La relación Estado democrático de derecho – que Ferrajoli entenderá como

democracia constitucional – y derechos fundamentales se da desde la justificación

racional de las normas, de modo que el derecho sea visto y entendido no sólo como

‘normas coactivas’; antes bien, debe tener presente la cohesión social que representa

el derecho, para que éste no sea entendido sólo como fuerza. Esta relación tan

importante entre democracia – entendida como legitimidad producto del consenso-

disenso de la deliberación pública –, derecho – legalidad jurídica – y derechos

fundamentales – ejercicio de la libertad, igualdad y garantía de los derechos – serán

los espacios de análisis conrespecto a la teoría de Estado de derecho y derechos

fundamentales en L. Ferrajoli. (2007, p. 192-193).

O paradigma constitucional como novo paradigma teórico, conforme demonstra Luigi

Ferrajoli (2015, p. 17-22), interfere na ordem jurídica, bem como na concepção de

democracia. Com o intuito de melhor esclarecer este novo paradigma, o jurista italiano

discorre sobre os modelos teóricos ou três paradigmas do direito: o jurisprudencial, o

legislativo e, por fim, o constitucional. Assevera que o modelo jurisprudencial corresponde ao

período no qual havia apenas “princípios e precedentes judiciários transmitidos pela cultura e

pela prática jurisprudencial e doutrinária”, ou seja, anterior ao “monopólio incontestável da

produção normativa”. Existia uma lógica interna de justiça e adequação conforme o caso

concreto, assim, tanto a existência, quanto a validade das normas eram afetas somente a sua

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86

“substância ou ao seu conteúdo prescritivo”, um modelo jusnaturalista. (FERRAJOLI, 2015,

p. 18).

Enquanto o paradigma Legislativo é caracterizado pela “consolidação do monopólio

estatal da produção normativa”, alicerçado no princípio da legalidade e na separação entre

“existência e validade”, fundado no aspecto formal da produção legislativa, inaugura o

juspositivismo como filosofia do direito, passando a separar o direito da moral (FERRAJOLI,

2015, p. 19); para chegar, então, à descrição do novo paradigma Constitucional, a partir do

qual, passa a haver a subordinação das leis ordinárias à constituição rígida, provocando

inúmeras e densas mudanças que alcançam até mesmo a forma de exercício da democracia.

Neste contexto, as condições de validade das leis ordinárias foram alteradas, passando a

existir duas condições no plano interno, quais sejam: a de existência e a de validade; e duas

condições no plano externo, sendo estas: justiça e validade. (FERRAJOLI, 2015, p. 20).

Como se viu, as constituições rígidas, que passaram a assegurar direitos fundamentais e

sistemas de controle da constitucionalidade, são decorrentes da reestruturação dos sistemas

jurídicos após a Segunda Guerra Mundial.52

Do trauma advindo dos horrores vivenciados

durante aquele período, sobressaiu a necessidade de assegurar direitos e garantias

fundamentais de uma forma capaz de mantê-los efetivamente protegidos contra um eventual

regime totalitário.

As garantias constitucionais asseguram a “rigidez dos princípios e dos direitos

constitucionalmente estabelecidos que incide sobre os poderes supremos do Estado”

(FERRAJOLI, 2014, p. 27) e, desta forma, elevam as constituições ao “vértice da hierarquia

das fontes e, portanto, no grau superior de suas normas com relação a todas as outras normas

do ordenamento”. Como reforça Gerardo A. Durango Alvarez (2007, p. 198), “un Estado

democrático de derecho sustentado en una concepción normativa – punto de vista externo –

que apunta a las garantías de los derechos como vínculos y límites al legislador”. Segundo

Luigi Ferrajoli (2015, p. 20), a rigidez de uma constituição é alicerçada nas “garantias

primárias”, entendidas como as que estabelecem proibição de derrogação e obrigação de

atuação conforme princípios, direitos e institutos constitucionais. É complementada pela

“garantia secundária”, por meio da qual se estabelece o controle do Poder Judiciário sobre a

52

Têmis Limberger (2008, p. 53) destaca o fato de a Guerra ter aniquilado os Estados levando à necessidade de

nova “organização nas Constituições” o que se deu com base na “lei Fundamental de Bonn (1949)”, nas

Constituições Italiana de 1947, e na Francesa de 1958, com a emenda de 1962. Passo seguinte surge o

“constitucionalismo jovem europeu”, inspirado nas Leis Fundamentais anteriormente citadas, implementado

em Portugal em 1976 após a “ditadura de Salazar” e a Espanhola de 1978, as quais são pioneiras ao

disporem sobre a “utilização da informática e o resguardo dos direitos fundamentais”. A autora registra

ainda, que o “constitucionalismo jovem europeu” serviu de inspiração para a Carta Magna brasileira de

1988, posterior à ditadura militar.

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constitucionalidade das leis ordinárias, ou seja, a conformidade das leis com o texto

constitucional, avançando, assim, para além do controle de validade formal, em sentido de

considerar também a validade substancial do processo normativo infraconstitucional. Nos

termos reforçados por Isabel Villaseñor Alonso (2015, p. 1135):

O Estado constitucional de direito implica el apego a los contenidos éticos

consagrados en la constitución, por lo que cuando los derechos humanos están

constitucionalizados se gesta una relación indisoluble entre el Estado de derecho y

los derechos humanos.

Nesse cenário, a jurisdição é subordinada à legislação e, esta, por sua vez, é subordinada

à Constituição, tanto no seu aspecto formal, quanto no seu aspecto substancial. Adotando

como premissas à subordinação formal e substancial às garantias constitucionais, Luigi

Ferrajoli (2015, p. 31-37) fala de um novo paradigma constitucional e do juspositivismo

ampliado, sustentando ser unido por dois eixos ao sistema político. O primeiro eixo é o

estrutural, relacionado ao Estado de direito consubstanciado no princípio da legalidade e o

segundo é o instrumental, relacionado à democracia, no que concerne à forma do processo

normativo, assim como ao conteúdo das normas.

Sobre o eixo estrutural, é importante destacar que o princípio da legalidade, sob a égide

do novo constitucionalismo, ganha sentido mais abrangente, indo além da mera legalidade

formal, avança no sentido de incluir o exame também sob o aspecto substancial. Neste ponto

em particular, Daniela Mesquita Leutchuk Cademartori e Sérgio Cademartori (2006, p. 150),

adotando como base o conceito de Estado trabalhado por Luigi Ferrajoli em sua obra Derecho

y razón, analisando o modelo de Estado; o qual passou a existir mediante o

Constitucionalismo, tratam os planos formal e substancial como “fontes de legitimação”,

colocando serem correlacionados a estes “dois modelos de legalidade: legalidade em sentido

amplo (mera legalidade)53

, segundo a qual a lei é condicionante, e legalidade em sentido

estrito (legalidade estrita), por força da qual a lei se encontra condicionada”.

53

Considerando o princípio da legalidade sobre o viés da “mera legalidade” associado ao da “legalidade

substancial”, resta clara a submissão de todos os poderes, inclusive o legislativo, aos princípios e direitos

fundamentais positivados na constituição. O que significa a extinção da “última forma do governo dos

homens, que no antigo paradigma legislativo se manifestava na onipotência do legislador” (FERRAJOLI,

2015, p. 34). Sobre o governo dos homens, Bobbio, quando fala da antiguidade e sobre a pergunta que havia,

no sentido de saber qual seria o melhor governo, o dos homens ou o das leis, busca em Platão uma citação

bastante elucidativa, o qual, ao distinguir um governo bom de um governo mau discorre que: “onde a lei é

súdita dos governantes e privada de autoridade, vejo pronta a ruína da cidade [do Estado]; e onde, ao

contrário, a lei é senhora dos governantes e os governantes seus escravos, vejo a salvação da cidade e a

acumulação nela de todos os bens que os deuses costumam dar às cidades” (PLATÃO, apud BOBBIO,

1987, p. 96).

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Em relação ao eixo instrumental, afeto à democracia, tema objeto de estudo neste

trabalho, Luigi Ferraioli (2015, p. 34-35) coloca o paradigma constitucional como modelo

teórico e, justamente, em razão de ser um modelo teórico, ressalta o autor, não é suficiente

para assegurar conteúdos efetivamente democráticos, sustentando que estes só o são quando

as normas asseguram direitos indispensáveis a todos os cidadãos, ou seja, o dever ser do

direito. Sobre a efetividade, conforme enfatiza Gerardo A. Durango Alvarez:

El Estado de derecho exige el sometimiento de todos los poderes públicos, incluido

el legislativo, a normas no sólo formales, como las que vierten sobre los

procedimientos para la formación de las leyes, sino también sustanciales, como son

precisamente los principios y derechos fundamentales, es decir, de lo que está

prohibido decidir a cualquier mayoría, en garantía de los derechos de libertad, o, al

contrario, de lo que está prohibido no decidir para la satisfacción de los derechos

sociales. (ALVAREZ, 2007, p. 197).

Trabalhando o novo paradigma, segundo o qual a democracia, sob o aspecto formal, é

definida a partir da verificação do “quem” e “como” se decide, critério afeto diretamente à

forma de governo, e a democracia sob o aspecto substancial, situação na qual a verificação se

dá por meio de “que coisa”, ou seja, o conteúdo, ou melhor, a substância do que é decidido;

Luigi Ferrajoli propõe uma noção quadridimensional acerca da democracia, de acordo com os

direitos fundamentais: políticos, civis, de liberdade e sociais (2015, p. 55-59)54

, sendo duas

dimensões formais, uma política e a outra civil de aspecto formal, além de duas dimensões

substanciais, quais sejam: a liberal e a social de aspecto substancial.

A dimensão política é diretamente relacionada aos direitos políticos e ao sistema

representativo, ficando o controle centrado sobre “quem” e “como” se decide. Mas, ante ao

paradigma constitucional, constitui-se em apenas uma das condições de validade da lei

ordinária, assim como uma das conotações de democracia. Ainda sobre o sistema

representativo ante a democracia constitucional, é relevante trazer a reflexão de Isabel

Villaseñor Alonso acerca do tema, a qual expõe:

Lo relevante para el análisis de la relación democracia-derechos humanos es la

manera como los distintos modelos de democracia conciben al individuo en tanto

sujeto de derecho. En este sentido, la democracia representativa, especialmente en su

versión formal o procedimental, según la plantean Shumpeter y Dahl, pone el énfasis

54

Daniela Mesquita Leutchuk Cademartori e Sérgio Cademartori (2006, p. 151) esclarecem de forma bastante

elucidativa a correlação entre legitimidade formal e legitimidade substancial com a distinção entre

democracia política e Estado de direito, ao exporem que “as condições formais de validade indicam as regras

sobre quem pode e como se deve decidir; estas se referem às formas de governo (democrático, monárquico,

oligárquico, burocrático). De seu turno, as condições substanciais de validade determinam a estrutura de

poder: elas dizem sobre o que se pode ou não decidir, da sua natureza depende o caráter de direito (ou

absoluto, totalitário, autoritário, ou mais ou menos de direito) do sistema jurídico”.

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en la igualdad formal de los individuos, lo que para efectos del ejercicio democrático

se traduce en la necesidad de celebrar elecciones periódicas donde todos los votos

cuentan y cada voto vale lo mismo (igualdad de voto). La democracia en este

modelo no tiene un fin ético, solamente busca la configuración de un orden político

basado en la elección de gobernantes. Para lograr dicho objetivo, lo que se requiere

es el respeto a ciertos derechos civiles y políticos, tales como la libertad de

expresión, la libertad de asociación y el derecho a votar y a ser votado.

Por otra parte, las democracias directas y participativas conciben al individuo de

distinta manera. De manera similar al republicanismo, estas democracias consideran

indispensable el desarrollo de las capacidades de los individuos, así como la virtud

cívica expresada por medio de la participación en los asuntos públicos.32 El derecho

a desarrollar estas capacidades y la virtud cívica, por tanto, requieren no sólo de la

selecta gama de derechos civiles y políticos para la elección periódica de

gobernantes, sino del más alto grado de salud, educación y bienestar social, lo que,

como ya se ha mencionado a lo largo del escrito, depende de acciones positivas que

garanticen los desca. De la misma forma, aun cuando la democracia participativa no

está libre de ciertos problemas como la manipulación o la demagogia, la amplia

participación ciudadana de este modelo tiende a incorporar decisiones en beneficio

de los distintos grupos sociales, lo cual es logrado mediante los distintos

instrumentos de la democracia directa (referéndum, iniciativa popular y revocación

del mandato). (2015, p. 1126-1127).

A segunda dimensão da noção quadridimensional proposta por Luigi Ferrajoli, também

de cunho formal, é a civil; contexto no qual também se afere “quem” e “como”. Porém, neste

caso a relação é privada, se dá em face aos direitos civis tutelares da autodeterminação de

todos aqueles tidos como capazes de agir e de realizar negócio constituindo “direitos-poderes

exercidos por intermédio de atos que interferem na liberdade dos outros, por causa dos efeitos

obrigatórios por eles produzidos”. (FERRAJOLI, 2015, 57).

As duas dimensões substanciais de democracia levam em conta o conteúdo ou

substância da norma, “que coisa”, significando, na essência, elevar princípios e direitos

previstos na constituição à condição de garantia, de modo a serem protegidos; assegurando

que não sejam eliminados, nem mesmo sonegados, impondo, assim, limites aos poderes da

maioria, ou seja, aos poderes políticos majoritários. Constituindo um campo, um espaço,

sobre o qual nem mesmo a maioria pode decidir ou, ainda, deixar de decidir, a denominada

“esfera do não decidível”. (FERRAJOLI, 2015, p.11). Pontualmente em relação a dimensão

liberal, é aquela cuja análise substancial recai sobre o conteúdo, procurando aferir a

adequação aos direitos de liberdade e de autonomia tutelados pela constituição, inseridos na

“esfera do indecidível”. E, por fim, a dimensão social (quarta dimensão de democracia), a

qual contempla a proteção dos direitos sociais inseridos no texto constitucional dotados de

carga obrigacional, impondo o dever de agir, de efetivação, inserindo-os na “esfera do não

decidível que não”. (FERRAJOLI, 2015, p. 58).

Como reforça Julio Armando Rodríguez Ortega, no âmbito da democracia

constitucional, a legitimidade perpassa necessariamente pela efetividade dos direitos sociais,

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ou seja, deve estar muito além da simples conformidade legal, nos termos enfatizados pelo

autor:

Cualquier definición de legitimidad en el marco democrático tiene como punto de

partida el principio general de que no bastan las actuaciones ajustadas a la legalidad,

sino que es necesaria la realización efectiva de los fines sociales del Estado y el

objetivo fundamental de su actividad en la solución de las necesidades insatisfechas,

que son otra cosa sino el eficaz ejercicio de los aquí llamados derechos Sociales, es

decir la educación, la salud, la vivienda, y las condiciones de vida acordes con la

dignidad de la persona humana, que como prestaciones positivas propias del estado

social de derecho determinan su ilegitimidad. (ORTEGA, 2014, p.194).

Conforme clarifica Paulo Bonavides a legalidade do poder político consiste na

“conformidade com as regras jurídicas vigentes”, ou seja, trata-se de aspecto de natureza

formal. Enquanto a legitimidade está relacionada à justificação e valores do poder, posta

como a “legalidade acrescida de sua valoração”. (BONAVIDES, 2007, p. 121).

Sob o olhar sociológico, Max Weber, ao discorrer acerda das “justificações internas,

isto é, fundamentos de legitimidade de uma dominação”, identifica três formas de

legitimidade:

Primeiro, a autoridade do ‘eterno ontem’, do costume sagrado por validade

imemorável e pela disposição habitual de respeitá-lo: dominação ‘tradicional’, tal

como exerciam o patriarca e o príncipe patrimonial de antigamente. Segundo, a

autoridade do dom de graça pessoal, extracotidiano (carisma): a entrega pessoal e a

confiança pessoal em revelações, heroísmo ou outras qualidades de líder de um

indivíduo: dominação, ‘carismática’, tal como o exercem o profeta ou – na área

política – o príncipe guerreiro eleito ou o soberano plebiscitário, o grande demagogo

e o chefe de um partido político. Por fim, a dominação, em virtude de ‘legalidade’,

da crença na validade de estatutos legais e da ‘competência’ objetiva, fundamentada

em regras racionalmente criadas, isto é, em virtude da disposição de obediência ao

cumprimento de deveres fixados nos estatutos: uma dominação como a exercem o

moderno ‘servidor público’ e todos aqueles portadores de poder que com ele se

parecem neste aspecto. (WEBER, 1999, p. 526).

Como assinala Hernán Martínez-Ferro (2010), a sociologia de Max Weber é

importantíssima, o qual é “considerado con razón el sociólogo aleman más importante del

siglo XX” (2010, p. 407). Mas os critérios de eficácia (mandados obedecidos como

obrigatórios), continuidade (exercido de modo permanente) e legalidade (regulado por

normas) apontados pelo sociólogo, não são suficientes para distinguir um poder legítimo de

um poder ilegítimo, isso porque “una banda organizada de pillos puede instaurar un poder que

sea obedecido, que dure muccho tiempo y que establezca unas reglas positivas a las cuales se

acoja”. (2010, p. 425).

A legitimidade conferida pelo texto constitucional não se restringe a legalidade, impõe-

se uma “conformidade substancial com a ideia de direito, os valores, os interesses de um

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91

povo em determinado momento”. (CANOTILHO, 2003, p. 1439). Desta forma, não basta

para o poder ser legítimo, estar formalmente de acordo com a norma constitucional, também

deve estar materialmente conforme. Nos termos de José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p.

1440): “no estado constitucional não existe qualquer ‘poder’ que, pelo menos, não seja

‘constituído’ pela constituição e por ela juridicamente vinculado”. Assim, “a legitimidade

relaciona-se não com os limites legais, mas com a obediência da sociedade ao poder estatal

afundada em uma ideologia. Esta é o próprio fundamento do poder em uma determinada

sociedade”. (ROLIM, 2002, p. 15). (Destaques do autor).

Acerca da conformidade material, Sérgio Cademártori (2007, p. 219), ao discorrer a

respeito da “falácia garantista”, lança o alerta sobre o fato de ter um sistema garantista não ser

o bastante para assegurar o controle da tendência “antigarantista” dos poderes públicos e a

efetividade no atendimento das necessidades materiais dos cidadãos. Isso porque o papel do

Estado não se limita ao plano normativo, fazendo-se “necessária à contínua luta social – isto

é, fática e política – para assegurar o cumprimento do cometido estatal”. Esse alerta faz eco

com a observação de Patrick Champagne (2005, p. 134), segundo o qual decretar

politicamente uma igualdade de direito não é suficiente para assegurar que se “instaure ipso

facto uma igualdade de fato”, enfatizando que “uma ‘verdadeira’ democracia política implica

levar em conta a capacidade desigual dos indivíduos de produzir opiniões políticas”.

(CHAMPAGNE, 2005, p. 135).

A Constituição Federal brasileira de 1988 se enquadra neste modelo de constituição

rígida, ocupando no ordenamento jurídico a posição de norma suprema, a qual traz em seu

texto, princípios e direitos fundamentais protegidos por meio de garantias negativas e

assegurados por meio de garantias positivas, dentre os quais aqueles que repercutem de forma

direta no exercício da democracia.

Pontualmente sobre a democracia no Brasil, é previsto de forma expressa no artigo 1º,

parágrafo único da Carta Magna, o princípio democrático assegurando a todos os cidadãos o

exercício da democracia em igualdades de condições, seja na forma procedimental por meio

do voto (sufrágio universal), seja na forma direta.

A respeito da representação política em situações como a brasileira, em que é evidente,

em dados momentos, a postura de muitos representantes eleitos de defesa de seus próprios

interesses e/ou dos interesses dos grupos aos quais pertencem, ignorando de forma solene os

interesses coletivos, é importante trazer reflexão de Norberto Bobbio (2015, p. 45-46), o qual

ao discorrer sobre as promessas não cumpridas da democracia ideal, aborda a questão da não

observância do princípio constitucional francês (Constituição de 1791) da “proibição de

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mandato imperativo”; segundo o qual, o representante político deve “perseguir os interesses

da nação” (2015, p. 44), vedando a vinculação com a representação dos interesses do

representado frente à força dos grupos que “tende a identificar o interesse nacional com o

interesse do próprio grupo”. (2015, p. 45).

Em relação à proibição do mandato vinculado, Daniela Mesquita Leutchuk de

Cademartori (2011, p. 185) ressalta tratar-se de proibição fundada na necessidade de

transformação de uma “relação política privada” numa “relação política pública”. Ao tratar

asobre as decisões tomadas nos parlamentos na atualidade, afirma saber-se que “cada membro

representa antes de tudo, o seu próprio partido e interesses setoriais e particulares, reiterando

as dificuldades de realizar, na prática, o ideal da unidade estatal acima das partes, dificuldade

decorrente do aumento das sociedades parciais”.

Quanto ao exercício da democracia de forma direta, Paulo Bonavides (2001, p. 17)

destaca os problemas de ordem democrática vivenciados no Brasil por força do processo

neoliberal em que os “acordos do FMI são as medidas provisórias da globalização, os

decretos-leis da recolonização”, afetando a soberania nacional. Ao tratar da democracia como

direito fundamental de quarta geração, propõe um processo de redemocratização por meio da

democracia participativa, amparado no que denomina de “quatro princípios cardeais”: o

princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da soberania popular, o princípio da

soberania nacional e o princípio da unidade da Constituição.

A democracia participativa, na percepção de Paulo Bonavides, já conta com amparo

constitucional no art. 1º e parágrafo único, concernente “ao exercício direto da vontade

popular” e, ainda, no art. 14, que dispõe sobre plebiscito, referendo e iniciativa popular;

constituídos em instrumentos de participação popular (2001, p. 40). Como forma de tornar

exequível a teoria de democracia participativa, Paulo Bonavides enfatiza a necessidade de

uma nova hermenêutica e repolitização da legitimidade, baseada na cidadania sem as

limitações da soberania, “sem a perversão representativa, sem o falseamento da vontade, sem

as imperfeições conducentes às infidelidades do mandato e aos abusos da representação”

(2001, p. 18). Ressalta também, a importância de compreender a soberania constitucional,

como a verdadeira soberania, a “pedra angular da democracia de participação”. (2001, p. 42).

Norberto Bobbio, por sua vez, discorre sobre a inviabilidade prática de exercício da

democracia direta, entendida como a participação de todos os cidadãos em todas as decisões a

eles afetas (2015, p. 71), segundo sua argumentação, “a julgar pelas leis promulgadas a cada

ano, na Itália, o bom cidadão deveria ser convocado para exprimir o próprio voto ao menos

uma vez por dia”, em suas palavras “nada ameaça mais a democracia do que o excesso de

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democracia”. (2015, p. 48). Ao trabalhar uma concepção de democracia procedimental, o

jurista italiano afirma que Joseph Schumpeter estava certo, quando sustentou que um governo

democrático não é caracterizado pela inexistência de elites e, sim, pela concorrência entre

muitas elites, na busca de obter o voto popular. (2015, p. 48-49).

Ainda falando sobre democracia direta, Norberto Bobbio lembra que a democracia

moderna foi concebida “como método de legitimação e de controle das decisões políticas em

sentido estrito” e que a extensão da democracia para além da representação deveria ocorrer

por meio da “passagem da democracia política para a democracia social” (2015, p. 50), e não

para a democracia direta. Segundo o autor, a aferição acerca da evolução do processo de

democratização de um país deve dar-se pela observação do aumento ou não do número de

espaços, por meio dos quais é possível o exercício da democracia e não pela apuração do

número dos que tem direito de participar das decisões. (2015, p. 50).

Izabela Moreira Correâ e Mário Vinícius Claussen Spinelli (2011, p. 131), reportando-

se à percepção de Norberto Bobbio acerca do exercício do poder público dever ocorrer em

público, afirmam que:

Al conceptuar la democracia en estos términos, el autor aclara que la democracia

está dirigida a la concretización y tratamiento de los asuntos de interés público de

forma abierta y a la vista de los ciudadanos, del público. Tratar los asuntos públicos

en público significa velar porque ellos se mantengan lejos del secreto, lejos del

sigilo, con transparência. (CORRÊA; SPINELLI, 2011, p. 131).

Por certo, é inviável a participação de todos os cidadãos em todos os processos

decisórios. Por outro lado, é preciso ter presente a importância do exercício da democracia

participativa como instrumento na efetivação de direitos fundamentais, notadamente ante a

globalização. Conforme aponta Isabel Villaseñor Alonso:

Los distintos fenómenos de globalización y los localismos globalizados, en sus

facetas económicas, sociales, políticas y culturales, tienen un efecto importante

sobre los derechos humanos y las democracias actuales, así como en la relación

entre estos dos. (2015, p. 113).

É fato que a soberania do Estado resta afetada pela globalização e, como bem atesta

Têmis Limberger (2007/2008, p. 58), “o sistema de controle entre os três Poderes”

(Legislativo, Executivo e Judiciário), tido como controle horizontal, porque a fiscalização se

dá entre os poderes de “mesmo patamar”, precisa ser “reinterpretado”. Isso abriria espaço,

com vista a democratizar o poder, para “um controle vertical” que funciona “em uma linha

ascendente e descendente entre a totalidade dos poderes instituídos e a comunidade”, de modo

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94

que possa exercer esse controle por meio de fiscalização dos atos “praticados pelo Estado nas

suas mais diferentes funções”. Segundo enfatiza a autora, o controle social pode ser

compreendido como o exercício conjunto dos “princípios da participação popular e

publicidade”. (2007/2008, p. 59).

Certamente, nem todos os temas devem ser levados à participação popular direta, sob

pena de inviabilizar tanto o processo normativo, quanto a própria gestão pública. Contudo, é

fundamental, em se tratando de interesse público e de direitos fundamentais, a existência de

possibilidade efetiva de participação social. Não há dúvida de que o processo neoliberal,

numa tentativa de transformação do Estado, o qual nem ao menos havia alcançado a condição

de Estado Providência (OHLWEILER, 1999), em Estado Gestor, levou a uma transformação

na prestação de serviços públicos essenciais, incluindo as privatizações e a prestação de

serviços, em muitos casos, pela iniciativa privada internacional, contexto no qual, como é

natural, certamente buscam o lucro, reforçando, assim, a importância da participação da

sociedade nos processos decisórios e também na fiscalização.55

Em análise sobre o processo de globalização econômica, frente a peculiaridades das

sociedades da América Latina, José Eduardo Faria (1998, p. 127) aborda a conjuntura destes

países, que enfrentam, praticamente ao mesmo tempo, uma transição política dos governos

ditadores para democracias; a necessidade de estabilização econômica, bem como

implementação de políticas sociais capazes de, efetivamente, reduzir o nível de desigualdades

sociais em meio a um cenário mundial de globalização, cujas regras de mercado afetam tão

fortemente essas sociedades “periféricas”, acabando por relativizar a autonomia destes e a

fomentar uma resistência ao ideal de democracia.

A evidente contradição entre a necessidade de implementação de políticas públicas

promotoras da efetividade de direitos fundamentais e, por consequência, potencialmente

redutoras das desigualdades sociais e o efetivo “enfraquecimento do Estado nacional”

(FARIA, 1998, p. 143) ante as “estruturas transnacionais de poder” (FARIA, 1998, p. 150),

características do neoliberalismo, evidencia-se a dificuldade prática, talvez intransponível

faticamente, de implementação de uma democracia substancial em países como o Brasil,

frente à inexorável realidade.

55

Como oportunamente enfatiza Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães (2013, p. 188) “é o Poder Público

que deve responder, perante a sociedade, pela implementação das políticas de acesso à energia elétrica e

universalização do serviço. Neste sentido, a escolha pelo modelo das privatizações, pilar da reestruturação

do setor elétrico, implica um aumento no grau de responsabilidade da ANEEL e da sociedade quanto à

fiscalização da atuação do entre privado na realização do princípio da universalização, uma vez que o fim

maior da empresa privada é a obtenção ode lucro, e não a prestação de serviço adequado à comunidade. Tal

divergência de interesses não pode impedir o acesso da sociedade a um bem essencial”.

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A própria fragmentação social, num país onde o parâmetro social acaba sendo “o

próprio confronto entre ‘incluídos’ e ‘excluídos’”, de forma a inexistir “um sentido mínimo de

participação e solidariedade”, é evidente a dificuldade ou até mesmo a inviabilidade de

formação de uma consciência social coletiva, acarretando, ao invés disto, um “crescente

desprestígio da própria democracia conquistada nos anos 80 e de um subsequente

esvaziamento de seu significado como valor fundamental”. (FARIA, 1998, p. 146-147).

O exercício da democracia direta precisa ser compreendido como a possibilidade efetiva

franqueada a cada cidadão de poder, de forma igualitária, participar nos processos de tomada

de decisões, ainda que sua opinião não prevaleça, assim como no controle dos atos gestores

públicos, também afeto ao exercício democrático. Como bem pontua José Joaquim Gomes

Canotilho (2003, p. 290), o princípio democrático é como se fosse um “princípio de

organização”, seja sob o aspecto da titularidade, seja sob o aspecto do exercício do poder, na

medida em que “o poder político é constituído, legitimado e controlado por cidadãos (povo),

igualmente legitimados para participarem do processo de organização da forma de Estado e de

governo”.

Considerando a atualidade de grande complexidade social, “dinâmica e plural”, a

legitimidade deve ser compreendida como “justificação, fundamentação e qualidade do

poder”, (DUARTE JÚNIOR, 2014, p. 76) reforçando a importância dos procedimentos como

instrumento de redução de complexidade, por meio da abertura para os “diferentes discursos,

em um ambiente cada vez mais plural”, de modo a assegurar mecanismos de participação

cidadã e deliberação, em um ambiente denominado “heterolegitimação”; o qual deve ser

pautado na “participação popular, publicidade, transparência, moralidade, motivação,

proporcionalidade/razoabilidade, dentre outros”. (DUARTE JÚNIOR, 2014, p. 77). Segundo

Ricardo Duarte Júnior (2014, p. 77), a “legitimidade processual participativa” é

imprescindível apenas nos procedimentos em que seja necessário o “fortalecimento

democrático” motivado pela “necessidade de coesão social” ou de “algum déficit

democrático”. Neste ponto, concorda-se com o autor sobre a importância do procedimento e,

nos casos por este apontado, contudo, entende-se que ante a necessidade imposta frente à

democracia substancial de se obter resultados conformes ao texto constitucional apenas o

procedimento não basta para assegurar a existência da democracia em sentido pleno.

É justamente por meio da participação popular, elemento com potencial de permitir a

efetiva aproximação dos cidadãos aos gestores públicos e aos centros de decisão, que é

factível aos poderes públicos identificar e analisar as diversas visões e opiniões da sociedade

concernentes a determinadas situações, representando, certamente, um importante passo na

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efetivação da decisão adequada. Como ensina José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 288),

“o princípio democrático implica democracia participativa”, compreendido como “a

estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a

democracia”. É por meio da democracia participativa, a qual “tem como premissa o interesse

básico dos indivíduos na autodeterminação política” bem como “na abolição do domínio dos

homens sobre os homens” que se forma a “vontade política de baixo para cima, num processo

de estrutura com a participação de todos os cidadãos”. (SAULE JÚNIOR, 1998).

Diversos estudiosos da Administração Pública brasileira, a partir da

constitucionalização, destacam a necessidade da participação dos cidadãos no processo de

legitimação dos atos de gestão pública56

. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2014, p. 58-59),

ao abordar a questão da crise de representatividade das instituições tradicionais da

modernidade, perpassa pela questão da democracia material como “resposta aos abusos das

maiorias” e avança alertando para o fato de o Estado brasileiro contar com uma Constituição

democrática não ser o bastante para assegurar a efetivação da “democracia em seu sentido

pleno”, ressaltando:

[...] será a administração democrática que imprimirá legitimidade ao regime:

primo – pela definição democrática do governo; secundo – pelo regramento

democrático da administração pública e, implícita e necessariamente; tertio – pela

efetiva realização do resultado administrativo que foi democraticamente definido.

(MOREIRA NETO, 2014, p. 59). (Destaque do autor).

Da mesma forma, Leonel Pires Ohlweiler (1999, p. 38-39), ao discorrer sobre o efeito

desagregador da globalização, fruto do processo de transnacionalização, o qual leva, muitas

vezes, à tomada de decisões fora do Estado, comprometendo a soberania nacional e, por

consequência, à efetivação de políticas sociais, fazendo da necessidade de harmonização entre

“os princípios do mercado” e a concretização de direitos sociais, um desafio. Segundo o autor

para a “concretização de uma democracia substancial”, ou seja, de uma democracia capaz de

dar conta da efetividade dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição, é necessário

56

Cláudio Mastrangelo (2005, p. 20), em sua obra intitulada Agências Reguladoras e Participação Popular,

analisa com profundidade a participação popular como elemento de legitimação das decisões das agências

reguladoras no Brasil, cujo parágrafo que ora se destaca ilustra muito bem seu posicionamento, vejamos:

“No âmbito da Administração Pública, o prestigiamento da participação popular coincide com o alvorecer de

um novo tempo, ainda não percebido por muitos, mas que introduz concepção moderna, no sentido de

ensejar à cidadania uma posição ativa nas tomadas de decisão e no próprio controle sobre suas ações. A essa

altura, o destinatário deixa de ser espectador e mero alvo para se constituir em protagonista, assumindo

posição interativa com a Administração Pública”. Maria João Rolim e Carolina Queiroz Mello (2012, p.

156) sustentam que a participação popular nos processos decisórios da ANEEL é um requisito de validada

das decisões. Ricardo Duarte Júnior (2014) aborda em na sua obra Agência Reguladora Poder Normativo e

Democracia Participativa o processo de participação popular como elemento de legitimação.

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“privilegiar uma postura que prime por uma racionalidade constitucional” (1999, p. 40), de

tal modo que as garantias constitucionais possam assegurar “relações democráticas entre

Estado e sociedade” (1999, p. 40), deixando, a Administração Pública, com vista a obter a

legitimação na própria sociedade “de ser uma instância meramente burocrática do Estado para

se constituir em uma instância simbólica da realização da democracia, privilegiando os

espaços sociais e buscando instituir um processo de inclusão”. (1999, p. 42) (Destaques do

autor).

Ainda, como oportunamente destacado por Fernando José Rodrigues de Oliveira Neto

(2014, p. 184-5), a partir das “modificações operadas na estrutura democrática”, ampliou-se a

submissão do legislativo para além do aspecto formal, incluindo a vinculação ao conteúdo,

restaram-lhe “duas possibilidades de atuação: 1) a inércia ou 2) o desenho legislativo para

implementar direitos, já que a retirada é inviável em um quadro de respeito à ordem

constitucional”. Salienta, ainda, ser a inércia a postura mais adotada, restando “como

alternativa a pressão popular” voltada a fazer com que a conduta legislativa predominante seja

de implementação de direitos.

De fato, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, apesar dos inúmeros

avanços democráticos experimentados pela sociedade brasileira, como, por exemplo, a

experiência de orçamento participativo; as audiências e consultas públicas, a atuação de

inúmeros conselhos, o efetivo exercício da democracia por todos os cidadãos de maneira

igualitária, tanto na sua forma representativa, quanto na forma direta, seja nos processos

normativos, seja no exercício do controle dos atos administrativos, ainda é um desafio.

(SANTOS, AVRITZER, 2003, p. 39-78).

O desafio é bem desenhado quando se procura pensar a efetividade da participação

popular a partir da concepção agonística57

do mundo social de Pierre Bourdieu, compreendido

como sendo um mundo “permeado por relações de dominação ancoradas, em última análise,

na distribuição necessariamente desigual de capital simbólico e a incontornável dialética da

distinção e aspiração por ela ativada” (BOURDIEU apud WACQUANT, 2005, p. 38),

contexto ante o qual o autor propõe entender a democracia não como um “Estado afirmativo”,

57

Conforme consignado por José Manuel Mendes e Ana Maria Seixas, “A teoria das classes sociais de

Bourdieu é uma teoria agonística, onde os campos do espaço social global são perpassados por lutas

permanentes de classificação, desclassificação e reclassificação, pelas estratégias dos indivíduos, dos grupos,

das classes e das fracções de classe para manterem a sua posição social relativa ou para ascenderem a uma

posição social superior. A grande inovação desta teoria, iniciada em 1964 com a publicação da obra Les

Héritiers, é a importância atribuída ao capital cultural, que engloba o capital cultural herdado e o capital

cultural adquirido através do sistema de ensino” (2003, p. 108).

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baseado na ideia de igualdade formal, igualdade de capacidades ou mesmo de liberdades; mas

sim como:

Um processo histórico de negação ativa de negação social, um esforço sem fim para

tornar as relações sociais menos arbitrárias, as instituições menos injustas, as

distribuições de recursos e as opções menos desequilibradas, o reconhecimento

menos escasso. (WACQUANT, 2005, p. 38).

O capital simbólico sustentáculo das relações de dominação é definido por Pierre

Bourdieu (2010, p. 107) como “uma propriedade qualquer (de qualquer tipo de capital, físico,

econômico, cultural, social), percebida pelos agentes sociais cujas categorias de percepção são

tais que eles podem entendê-las (percebê-las), atribuindo-lhes valor”. Este capital irá definir a

posição dos agentes e também as suas possibilidades reais de intervenção no campo político, o

qual é descrito pelo sociólogo francês como:

O lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham

envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários,

conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto

de <<consumidores>>, devem escolher, com probabilidades de mal-entendidos tanto

maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção. (BOURDIEU, 2006, p.

164).

Pierre Bourdieu esclarece que o capital específico, o que é eficiente naquele campo

específico, funciona como uma espécie de “trunfos num jogo” (2006, p. 134), é o elemento

que define as posições dos agentes no interior de um determinado campo, determinando a

posição de dominante e dominado e até mesmo as condições de manutenção ou subversão.

Afirma que:

As estratégias dos agentes e das instituições que estão envolvidos nas lutas [...], isto

é, suas tomadas de posição [...], dependem da posição que eles ocupem na estrutura

do campo, isto é, na distribuição do capital simbólico específico, institucionalizado

ou não (reconhecimento interno ou notoriedade externa), e que, através da mediação

das disposições constitutivas de seus habitus (relativamente autônomo em relação à

posição), inclina-os seja a conservar seja a transformar a estrutura desta distribuição,

logo, a perpetuar as regras do jogo ou a subvertê-las. (BOURDIEU, 2010, p. 63-64).

As regras do jogo podem ser perpetuadas ou subvertidas, por meio, como explica

Denise Maria de Oliveira Lima (2010, p. 16), “das estratégias dos agentes”, as quais são:

Uma tendência que passa pela mediação de seus habitus. Habitus é uma noção

primordial na sociologia de Bourdieu, que diz respeito aos sistemas de apreciação,

de gosto, ou como princípios de classificação incorporados pelos agentes a partir das

estruturas sociais presentes em um momento dado, em um lugar dado, que vão

orientá-los em suas ações. (LIMA, 2010, p. 16).

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Ainda, como registra a autora: “o espaço de possibilidades herdado de lutas anteriores

(história do campo) que tende a definir os espaços de tomadas de posição possíveis e orientar,

assim, a busca de soluções e, consequentemente, a evolução da produção do campo” também

exerce influência sobre estas estratégias, voltadas para perpetuar ou subverter as regras do

jogo. (LIMA, 2010, p. 16).

A conduta dos agentes, bem como a estrutura das relações desenvolvidas entre eles, tem

relação direta com a posição ocupada por cada agente no interior do campo, onde a posição do

agente é definida de acordo com o capital que possui, e ainda, a posição do agente, definida a

partir do capital que possui, definirá a condição do agente no campo ante a “influência

estrutural do espaço” sobre ele, deste modo quanto mais frágil ele for, mais suscetível à

influência estrutural estará e vice-versa. (STAREPRAVO; SOUZA; MARCHI JÚNIOR,

2013, p. 791).

Outro conceito importante na sociologia de Bourdieu, o qual permite melhor

compreender o contexto político brasileiro, é o conceito de habitus desenvolvido como

solução para a divisão que existia entre os pesquisadores sociais, frente às diferentes

concepções de Max Weber, para quem o agir dos sujeitos no mundo social era compreensível

a partir da consciência interna de cada um, e Durkheim que via as forças externas como

determinantes da forma de agir do sujeito (ROCHA; SILVEIRA, 2009, p. 13).

Como uma solução “mediadora”, o conceito de habitus transcende o subjetivismo e o

objetivismo, ao identificar que existe a “interiorização da exterioridade e a exteriorização da

interioridade”, o que é interpretado por Loïc Wacquant como:

O modo como a sociedade torna-se depositada nas pessoas sob a forma de

disposições duráveis ou capacidades treinadas e propensões estruturadas para

pensar, sentir e agir de modos determinados, que então as guiaram em suas respostas

criativas aos constrangimentos e solicitações de seu meio social existente. (2007, p.

66).

É possível perceber que a formação do habitus e as reais possibilidades de “tomada de

posição”, na luta desenvolvida no interior do campo, entre “dominantes e os pretendentes”

estão diretamente relacionadas à “história do campo”. (STAREPRAVO; SOUZA; MARCHI

JÚNIOR, 2013, p. 791). Segundo Pierre Bourdieu, as estratégias e as questões sobre as quais

há o enfrentamento:

[...] também dependem do estado da problemática legítima, isto é, do espaço de

possibilidades herdado de lutas anteriores, que tende a definir o espaço de tomadas

de posição possíveis e a orientar assim a busca de soluções, em consequência, a

evolução da produção. (BOURDIEU, 2010, p. 64).

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100

Em relação ao habitus político no Brasil, Álvaro Filipe Oxley da Rocha e Gabriel

Eidelwein Silveira (2009, p. 14), ao procurarem demonstrar as “condições históricas da

produção do habitus político típico-ideal do brasileiro” e a dificuldade legítima de aplicação

do “modelo Ocidental” em nosso País, destacam que “a difusão ou generalização da cultura

democrática”, da “virtude republicana” praticada nos Estados Unidos não foi difundida no

Brasil colonial, onde:

A confusão entre o patrimônio do rei e o erário público, bem como o surgimento de

um estamento de tipo burocrático que se enobrece e enrique pela ocupação dos

cargos públicos, usurpados por eles, será, no contexto sociopolítico do qual deriva o

habitus político – tipicamente medieval ou monárquico – presente no

comportamento político brasileiro até hoje. Compreende-se, pois, que o habitus

político, como sistema disposicional de frente à coisa pública, foi produzido

segundo condições muito antidemocráticas. Por essa razão não se pode esperar que

ele produza as práticas democráticas que o tipo ideal (natureza) da república exige.

(2009, p. 14).

Retomando a questão da dominação, em que pese, conforme sublinha Luís Felipe

Miguel (2014, p. 145-146), a democracia ser difundida como solução para o “problema da

dominação”. Em se tratando de “democracia liberal” é incontestável que coabitam a

“dominação social” e a tese de igualdade política formal fundada na ideia de acesso universal

à esfera política e a garantia de direitos iguais, a qual só existe no aspecto formal, quando, de

fato a maior parte da população está excluída dos “processos decisórios”. Reforça, ainda, o

fato de as desigualdades sociais e “as relações de dominação estabelecidas em outras esferas

da sociedade” permearem a democracia política.

Não é demais relembrar a sempre atual definição de Max Weber acerca da dominação:

Por ‘dominação’ compreendemos, então, aqui, uma situação de fato, em que uma

vontade manifesta (‘mandado’) do ‘dominador’ ou dos ‘dominadores’ quer

influenciar as ações de outras pessoas (do ‘dominado’ ou dos ‘dominados’), e de

fato as influencia de tal modo que as ações, num grupo socialmente relevante, se

realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a

máxima de suas ações. (‘obediência’) (WEBER, 1999, p. 191).

Ainda sobre a dominação, cumpre registrar o fato de Pierre Bourdieu (2005, p. 73)

vislumbrar dominação até mesmo no voto e no ato de votar, o qual, na sua percepção,

promove uma “agregação estatística de opiniões individuais individualmente expressas” o que

não significa representar a opinião de um grupo. Para o sociólogo, a “lógica do voto” age em

desfavor dos agentes dominados, isso porque não dispõem todos, em iguais condições, dos

mesmos “instrumentos”, notadamente o “capital cultural”, fundamental para a formação da

sua “opinião pessoal”. Deste modo, somente se poderia considerar o voto universal se “as

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101

condições de acesso ao universal” tivessem se “universalizado”. Além disso, ressalta o

sociólogo: “o modo de produção atomístico e agregativo caro à visão liberal” favorece os

dominantes, os quais, por contarem com “as estruturas da ordem social”, são agentes que

podem se contar satisfeitos com estratégias de “reprodução”, enquanto que os dominados

“não têm chance alguma de se desligar da alternativa da demissão (através da abstenção) ou

da submissão, fora da condição de fugir à lógica, para eles profundamente alienante”.

(BOURDIEU, 2005, p. 75-76).

No campo político, os agentes, ou grupos dominados, enfrentam inúmeras dificuldades

em arguir seus pleitos em linguagem própria, especialmente os operários e outras minorias,

como grupos de minorias étnicas e também as mulheres, são mais sujeitos aos efeitos dos

mecanismos de exclusão do campo político; seja pela não consideração de legitimidade de

suas “formas expressivas”, seja porque os pleitos voltados à “transformação social são os

mais comprometidos pela exigência de barganha e produção de consensos”. (MIGUEL, 2014,

p. 154).

Como destaca José Eduardo Faria (1998, p. 152), sob a óptica “jurisdicista”, os direitos

humanos estão atrelados à sua garantia e a simples positivação nos textos constitucionais não

assegura a efetividade, ou seja, não assegura que o poder público, na condição de quem deve

regulamentar e prestar a garantia, efetivamente o faça, enquanto o cidadão, quando é vítima

da violação de um direito fundamental, se vê na condição de vítima daquele a quem está

“permanente e estruturalmente subordinado”. Ante esta situação de fato, o autor sustenta a

necessidade de:

[...] superação das condições jurisdicistas em favor das práticas políticas

comprometidas (a) com a reconstrução ética dos vínculos sociais; (b) com a

condição da dignidade humana a ser incorporada no universo normativo-

institucional; (c) com a desalienação técnica (dada a distância da vida quotidiana,

apreensível pelo homem comum, e a complexidade das decisões governamentais,

exigindo conhecimento altamente especializado e gerando, assim, um crescente

cinismo em torno da vida política), e (d) com a substituição dos ‘cidadãos-servos’

(os sujeitos formais de direito que não dispõem de poder substantivo) por ‘por

cidadãos plenos’ (capazes de influir nas decisões fundamentais relativas à

organização da vida econômica e à construção dos lugares da convivência social.

(FARIA, 1998, p. 152-153).

Como condição de facticidade de existência da concepção de democracia “ativa de

negação social”, Pierre Bourdieu fala de “um princípio geral de engajamento político”, de

acordo com o qual é preciso, primeiramente, admitir que “as condições de acesso à expressão

política não são universalmente, a priori, asseguradas igualmente a todos”. Ao invés disto, as

condições de acesso “são socialmente determinadas e diferencialmente alocadas”. O segundo

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102

ponto, ainda falando do engajamento político como princípio, sustenta a necessidade de um

trabalho de universalização da capacidade, bem como da propensão, de “agir e pensar

politicamente, ou seja, universalizar meios realistas de ganhar acesso àquela corporificação

histórica particular do universal que é a política democrática tal como a conhecemos”.

(BOURDIEU apud WACQUANT, 2005, p. 38).

O trabalho de universalização da capacidade e da propensão de agir do cidadão passa,

inevitavelmente, pelo acesso à informação sobre os atos públicos, em sentido amplo, o que

significa promover o conhecimento e a compreensão acerca do funcionamento do campo; de

forma a possibilitar que, a partir do conhecimento da realidade, seja possível constituir capital

capaz e suficiente de modo a, efetivamente, inserir o agente no campo político em condições

de participar da luta. O acesso à informação é elemento essencial, seja para participação na

democracia na forma de eleição de representantes, seja diretamente nos processos de

participação popular ou, ainda, para o exercício do controle dos atos dos representantes

formalmente constituídos e, cuja legitimidade passa pelo agir conforme é exigido de um

representante da sociedade; incluindo o respeito e promoção de direitos e garantias

constitucionais.

Pontualmente a respeito do papel da sociedade no exercício do controle sobre os atos

dos agentes públicos, Norberto Bobbio (2015, p. 29) destaca a importância do controle

popular num ordenamento constitucional, de modo que a sua viabilidade como ordenamento

depende de que todos os detentores de poder, de qualquer nível, sejam “controlados em última

instância pelos possuidores originários do poder fundamental, os indivíduos singulares”.

Como bem reforça Patrick Champagne (2005, p. 155), é pressuposto da democracia a

existência de locais de debate, momentos de reflexão, publicidade de informações “úteis e

confiáveis” capazes de possibilitar ao cidadão manifestar-se, dispondo de conhecimento

acerca do tema, ou seja, “um conjunto de condições, que são de início, esvaziadas pela prática

da sondagem na política”. Nesta mesma linha, como afirma Norberto Bobbio (2015, p. 25): a

democracia pode ser definida de maneiras diversas, “mas não existe definição que possa

deixar de incluir em seus conotativos a visibilidade ou a transparência do poder”. Onde

houver sigilo evidentemente resta esvaziada qualquer possibilidade de participação social e

assim, comprometida a essência da democracia.

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103

3.2 Transparência Pública: pilar do Estado Democrático de Direito

A publicidade e o livre acesso à informação, em contraposição ao sigilo, são essenciais

à democracia. Não existe Estado Democrático de Direito onde houver segredo (salvo,

justificadas exceções58

) ou qualquer forma de limitação ao exercício da democracia em sua

forma plena. O segredo como instrumento de dominação não é fenômeno novo na história

política. Na “cultura ocidental”, o “soberano autocrático”, segundo o modelo de constituição

da polis idealizado por Platão,59

era o único que, na condição de protetor da polis, era capaz

de “ver a verdade” (o “rei-filósofo”), enquanto que o povo somente podia “ver de forma

parcial”. (CADEMARTORI; CADEMARTORI, 2011, p. 330).

Da mesma forma, as críticas acerca do segredo e sobre a necessidade de publicidade não

são assunto recente. Baruch Espinosa, naturalista (AURÉLIO, 2009, p. XVII) escreveu o

Tratado Político entre 1676-1677, obra publicada após sua morte (21 de fevereiro de 1677),

por meio da qual “expõe sua teoria de Estado e projetos de constituição de estados

monárquicos e aristocráticos” (AURÉLIO, 2009, p. LXXIII), no qual se coloca contrário ao

segredo, destacando a relação “custo versus benefício”, afirmando que:

[...] os projetos deste estado dificilmente se podem manter secretos. Mas todos hão

de também reconhecer comigo que é preferível os planos honestos do estado serem

conhecidos dos inimigos a estarem escondidos dos cidadãos os perversos segredos

dos tiranos. Aqueles que podem tratar em segredo dos assuntos de estado têm-no

absolutamente em seu poder e, tal como fazem ao inimigo na guerra, assim em

tempo de paz armam ciladas aos cidadãos. Que o silêncio seja muitas vezes útil ao

estado ninguém pode negar; mas que sem ele o mesmo estado não possa subsistir,

ninguém poderá jamais provar. Pelo contrário, confiar absolutamente a república a

alguém e conseguir ao mesmo tempo a liberdade, é impossível que aconteça. Daí

que seja insensatez querer evitar um pequeno dano com o maior dos males. Na

verdade, foi sempre essa a cantiga daqueles que cobiçam para si o estado absoluto:

ser de todo o interesse da cidade que os seus assuntos sejam tratados em segredo e

outras coisas do gênero, as quais, quanto mais se ocultam sob a máscara da

utilidade, mais funesta é a escravidão a que arrastam. (ESPINOSA, 2009, p. 81-82).

Já no Estado Moderno, em que se deu a “despersonalização” (OHLWEILER, 2007, p.

04) do poder, o qual passou a ser titularidade do Estado, ocorreu à separação do público e do

privado, contexto no qual a opinião pública passou a funcionar “como instância política

58

João Almino (1986, p. 67), ao analisar a questão do segredo para Kant, destaca que a partir das premissas do

“seu conceito de transcendência, sua concepção de liberdade, seu suposto da igualdade entre os homens e o

papel central desempenhado pela razão”, nem o segredo, nem a mentira podem ser “estabelecidos como

direito nem mesmo em casos os mais excepcionais”. Emílio Guichot (2014, p. 97), por sua vez, afirma que

todos os textos normativos que regulam o direito de acesso à informação preveem limites e que publicidade

ilimitada é algo incompatível com a existência do Estado, o que procura esclarecer, por meio de exemplo,

como a hipótese de divulgação de um plano de evacuação de um prédio governamental em caso de um

ataque terrorista. 59

Platão apud Norberto Bobbio (2015, p. 136), em sua obra O Futuro da Democracia um “antidemocrático”.

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104

central nas relações entre as esferas política e privada”, servindo como uma espécie de

instrumento do qual a burguesia fazia uso com o objetivo de limitar a ação da “autoridade, ao

tempo em que combater o segredo como característica da atuação estatal”.

(CADEMARTORI; CADEMARTORI, 2011, p. 333).

Os arquivos dos Estados, nos quais eram armazenados documentos do governo, “cujo

modelo vigorara até final do século XVIII, tinham como principal finalidade colocar nas mãos

dos soberanos um importante instrumento de governo – a informação” (COSTA, 2000, p.

128). O rompimento deste modelo se dá com a Revolução Francesa e a criação de arquivos

nacionais, os quais passaram a ter como objetivo “atender ao Estado e à nação, isto é, às

demandas do cidadão”. (COSTA, 2000, p. 128).60

Immanuel Kant (2008, p. 46) em A Paz Perpétua Um Projeto Filosófico (1795), ao

discorrer sobre “harmonia da política com a moral segundo o conceito transcendental no

direito público”, conclui: “são injustas todas as acções que se referem ao direito de outros

homens, cujas máximas não se harmonizem com a publicidade”. Norberto Bobbio (2015, p.

142-143) destaca a contribuição de Kant como sendo precursora no que diz respeito à

necessidade, a qual, além de política é também moral, “de visibilidade do poder”. Como

ressaltado por Daniela Mesquita Leutchuk de Cademartori e Sérgio Cademartori (2011, p.

334), a questão da publicidade para Kant é o “ponto de imbricação entre moral, direito

público e política”, no sentido de que só é possível exercer aquilo que é ‘público’ “em

‘público’ não secreto”. (2011, p. 335).

Partindo da premissa de que “democracia é o governo do ‘poder visível’” (BOBBIO,

2015, p. 134), “o governo do poder público” (entendido no sentido de oposto ao privado) em

“público” (no sentido de visibilidade), Norberto Bobbio (2015, p. 51) aborda a questão do

poder invisível como uma das promessas da democracia ideal, não cumpridas na democracia

real e ressalta a importância do “controle público do poder” (2015, p. 54), colocando a

visibilidade como elemento essencial à democracia, uma espécie de “núcleo rígido da própria

ideia de democracia”. (PRESGRAVE et al., 2013, p. 107).

Não é possível conciliar o segredo com um modelo de Estado democrático cuja

premissa é de que “o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição)”

60

No Brasil, o Arquivo Público do Império, fundado em 1938, idealizado pelos “regressistas” (uma elite de

intelectuais formados na Universidade de Coimbra que retornaram ao Brasil), adotou os moldes do arquivo

Português, o qual era “voltado para dentro do Estado”, preservando o sigilo e não para atender à nação como

já eram constituídos os arquivos nos Estados Europeus. (COSTA, 2000, p. 222). Importante registrar, ainda,

que a Lei nº 11.111/2005, oriunda da conversão da Medida Provisória 228/2004, regulamenta o art. 5º,

XXXIII da Constituição Federal, trata do o acesso às informações de Estado como regra e o sigilo como

exceção.

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inviabilizando totalmente “o ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos

interessam [...]”. (MELLO, 2010, p. 114). O segredo sobre aquilo que é público, só é admitido

como exceção, a qual deve ser fortemente justificada já que, na esfera pública, a regra é a

publicidade. Em relação ao que justificaria um segredo de Estado, segundo Daniela Mesquita

Leutchuk de Cademartori (2011, p. 196) o segredo “só é admissível quando for necessário à

garantia de um interesse protegido pela Constituição, de modo que não sejam lesados outros

interesses igualmente garantidos e, da mesma forma – ou é preciso, ao menos, equilibrar os

interesses” (Destaque da autora). A regra deve ser “a publicização do poder”, por meio da

inserção do cidadão nos processos públicos de constituição da “vontade política

governamental”, bem como de controle sobre os atos administrativos, porque conhecer as

“ações do governo constitui-se em pilar fundamental para a estruturação de um regime

democrático”. (CADEMARTORI; CADEMARTORI, 2011, p. 339).

Mas a visibilidade, ou mesmo a verdade sobre o que ocorre no campo político, não é

uma questão superada. Como ressalta Hannah Arendt (2014, p. 283), “verdade e política não

se dão muito bem com a outra, e até hoje ninguém, que se saiba, incluiu, entre as virtudes

políticas, a sinceridade”. Essa histórica relação do poder com o segredo “parece derivar da

resistência do poder tradicional, entendido como aquele que vê a política como coisa

privada”. (CADEMARTORI; CADEMARTORI, 2011, p. 339).

A publicidade e o acesso a informações, como instrumento de controle do poder, têm

sua importância fundamental, tanto no que se refere à informação como instrumento para

viabilizar a sociedade o conhecimento e monitoramento acerca dos atos do governo, quanto

pelo fato de ser “por si mesma uma forma de controle, um expediente que permite distinguir o

que é lícito ou não é”. (BOBBIO, 2015, p. 53-54).

Outro registro interessante sobre essa temática é arguido por Têmis Limberger

(2007/2008, p. 62), a qual atribui a Kant a importante contribuição no sentido de estabelecer a

relação entre publicidade e a opinião pública. Segundo a autora, desde os povos antigos é

possível identificar a noção de que a “esfera pública deve publicizar seus atos” enfatizando a

importância da informação para o cidadão, como elemento de formação de opinião pública, na

medida em que, aqueles que não dispõem de acesso à informação, acabam sendo “des-

informados”, restando afetado diretamente o princípio democrático. (LIMBERGER;

2007/2008, p. 61).

Importante notar a importância da publicidade num Estado, o qual se pretende

democrático como instrumento essencial para a formação de opinião. Contudo, é necessário

ter cuidado para que seja opinião pública genuína e não uma opinião pública fabricada em

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106

benefício de dominantes. Em relação a esse aspecto em particular, na obra de Pierre Bourdieu

se encontra importante contribuição acerca das pesquisas de opinião e a má utilização deste

instrumento. Em palestra proferida em Noroit (Arras), em janeiro de 1972, o sociólogo

francês falou sobre trabalhos de pesquisa de opinião pública e ressaltou que, mesmo sabendo

da possibilidade de chocar-se com um sentimento ingenuamente democrático, seu objetivo

com o trabalho em questão era “proceder a uma análise rigorosa” acerca das pesquisas de

opinião pública incluindo seu funcionamento e suas funções. Fez diversas críticas à forma

como são realizadas as pesquisas, dentre elas, sobre o postulado deste tipo de trabalho, o qual

parte do princípio de que “a produção de uma opinião está ao alcance de todos”.

(BOURDIEU, 1971, p. 01). Conforme relata Loïc Wacquant, durante a década de setenta,

Pierre Bourdieu se dedicou ao combate do que denominava “ciência do confisco político”.

Segundo Loïc Wacquant, durante a referida palestra acerca da pesquisa de opinião, o

sociólogo fez duras críticas às pesquisas de opinião púbica, sobre a forma de utilização deste

mecanismo, tanto pelos pesquisadores que nelas trabalham, quanto pelos políticos que delas

procuram obter benefícios. (WACQUANT, 2005, p. 88). A crítica é dirigida aos “doxósofos”,

definição dada aos “profissionais que fabricam uma opinião pública a serviço dos interesses

dominantes”, pondo em cheque a “legitimidade intelectual” destes trabalhos, os quais se

prestam como “mecanismos de dominação”. Estes trabalhos são tratados por Pierre Bourdieu

como sendo “ciências sem cientistas”; os quais propõem combater, por meio de “uma

sociologia de intelectuais, utilizada como arma simbólica contra as justificações

pseudocientíficas da ordem social”. (BOURDIEU apud WACQUANT, 2005, p. 90).

A palestra a respeito da pesquisa de opinião pública foi publicada em 1973, na revista

Les Temps Modernes, e autores como Patrick Champagne (2005, p. 139) observam que Pierre

Bourdieu posicionou-se, de forma veemente, contra a confusão entre “democracia puramente

formal” e “democracia real”, situação na qual os agentes não dispõem de iguais condições de

“adquirir e expressar opiniões políticas”. (CHAMPAGNE, 2005, p. 139). A crítica, como já

mencionado, é centrada sobre a conduta dos “cientistas políticos”, os quais realizam pesquisas

acerca da opinião pública, constituídas em simples percentagens definidas a partir de

perguntas com respostas pré-elaboras aplicadas a uma amostra da população, cuja maioria dos

membros entrevistados não dispõe de opinião formada acerca do tema; acabam por obter

como resultado “uma noção política incerta”, o qual é transformado em “conceito científico

indiscutível”. (CHAMPAGNE, 2005, p. 146). Pierre Bourdieu vislumbra nestas pesquisas de

opinião, uma “tentativa política conservadora”, na qual uma minoria interessada e

determinada busca “atrair as maiorias tranquilas, desmobilizadas e desinteressadas”

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(CHAMPAGNE, 2005, p. 145), podendo, desta forma, se prestar como instrumento de

manipulação em campanhas eleitorais. (CHAMPAGNE, 2005, p. 155).

Os riscos de manipulação da opinião pública não se restringem aos inadequados

trabalhos de pesquisa de opinião pública. A própria ideia de publicidade, tão cara como

elemento essencial à democracia, de combate ao segredo, pode ser desvirtuada e utilizada de

forma dissimulada. É preciso ter consciência de que a publicidade nem sempre está “a serviço

de uma tomada de consciência, mas pode, ao contrário, ser instrumento de alienação”

(ALMINO, 1986, p. 41). A dissimulação e/ou a simulação são apontadas por Daniela

Mesquita Leutchuk de Cademartori como temas importantes a serem considerados nas

“razões do Estado”, enfatizando que:

[...] através da ideologia, o interesse de uma classe faz-se passar como interesse

coletivo, a liberdade de poucos faz-se passar pela liberdade sem outras limitações, a

igualdade puramente formal faz-se passar pela igualdade substancial ou das

oportunidades, e assim por diante então, no momento em que as decisões são

tornadas públicas, o poder tende ao mesmo tempo a se esconder e a esconder suas

verdadeiras intenções, a fazer aparecer aquilo que não é (simulação) e não faz

aparecer aquilo que é (ou dissimulação). (2011, p. 194).

Num contexto político de dominação histórica, em que as formas de dominação e

manipulação são adaptadas ao período vivenciado, sendo que na atualidade até mesmo as

pesquisas “científicas”, bem como, os meios de comunicação são utilizados por aqueles

poucos que efetivamente lutam pelo poder, procurando dominar e utilizar a massa em

proveito próprio, Pierre Bourdieu, como já abordado anteriormente ao falar a respeito do

“princípio geral do engajamento político”, defende a necessidade de universalização da

capacidade e da propensão de pensar e agir politicamente. (WACQUANT, 2005, p. 38). Nesta

esteira de raciocínio, é importante trazer a observação de Norberto Bobbio (2015, p. 55-58)

acerca da educação para a cidadania como promessa da democracia ideal não cumprida,

dando lugar a uma “apatia política”, levando o autor a falar sobre o declínio do “voto de

opinião” e o aumento do “voto de permuta”. (2015, p. 58).

A problemática da educação tem ainda maior alcance na visão de João Almino (1986, p.

37), o qual alerta que a existência de segredo, ou melhor, a existência de informação que não

chega aos cidadãos, se dá em grande parte “porque a educação é desigualmente repartida na

sociedade”, o que significa que nem todos dispõem de “instrumentos para receber essa

informação”. Por certo, a educação reconhecida como direito fundamental dispensa maiores

comentários acerca de sua importância, sem a qual não se pode falar em sociedade justa e

igualitária, sem a qual é impensável o conceito de dignidade humana e o efetivo exercício da

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cidadania, fundamentos básicos do Estado brasileiro, previstos de forma expressa como

primeira disposição da Constituição Federal de 1988. Pensar exercício da cidadania na sua

dimensão política é avançar, no sentido de ter asseguradas as condições de universalização

tanto da capacidade, quanto da propensão de pensar e agir no campo político, o que requer

além de educação, outros elementos capazes efetivamente de promover uma maior igualdade

social e a efetiva transparência pública, a qual deve estar além da informação e da

publicidade, incluindo a “criação de novos procedimentos e espaços públicos”. (SAULE

JÚNIOR, 1998), voltados à efetivação da participação social num campo de luta em

condições reais de participação.

Transparência deve funcionar como redutora do espaço do sigilo (segredo), assegurando

as condições reais de um Estado Democrático de Direito. É princípio sem assento expresso no

texto constitucional, mas é, sim, um princípio constitucional implícito por ser a expressão da

conjugação dos princípios constitucionais da publicidade e o princípio democrático, bem

como o direito fundamental de acesso à informação (LIMBERGER, 2007/2008, p. 64).

Wallace Paiva Martins Júnior (2010, p. 55) acrescenta o princípio da motivação a este rol de

princípios que compõem o princípio da transparência. Essa conjugação é tal que a não

observância de qualquer um destes princípios e/ou direito fundamental compromete a essência

do Estado Democrático de Direito.61

O Princípio da Publicidade é um dos princípios constitucionais, previsto no art. 37,

aplicáveis à Administração Pública, o qual impõe a publicação (divulgação) de forma oficial

dos atos administrativos como condição de eficácia. Como ensina Wallace Paiva Martins

Júnior:

Publicidade significa tornar público: é ato de comunicação, veiculando algo que, por

exigência jurídica, não pode ficar na esfera da intimidade ou da reserva, para

satisfação da pluralidade de seus fins. Ser público é a mais elementar regra da

Administração Pública no Estado Democrático de Direito, na medida em que os

poderes e as funções do aparelho estatal são utilizados para gestão do interesse

público, coisa alheia que a todos pertence. (2010, p. 55).

Entendido por Gustavo Binenbojm (2009, p. 04) como princípio que possui “conteúdo

finalístico como um mandado de otimização”, o princípio da publicidade institui “o dever de

adotar comportamentos necessários à realização de um determinado estado de coisas”

(ÁVILA, 2014, p. 161); o que significa impor ao Poder Público à adoção de “medidas

61

Fernando Filgueiras tem posicionamento diferente, para ele a publicidade “vai além da transparência por ser

um princípio de autoridade” (2011, p. 84), na sua concepção a transparência de forma isolada não permite

um exame social crítico, constituindo-se apenas num ‘elemento da política da publicidade’”. (2011, p. 91).

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progressivas da universalização do acesso das pessoas interessadas, e da cidadania em geral às

informações oficiais e atos do Poder Público” (BINENBOJM, 2009, p. 05), voltadas a obter a

efetividade no que tange conhecer, controlar e participar da gestão pública.

Partindo da premissa de que a publicidade é essencial ao Estado Democrático de

Direito, Gustavo Binenbojm traça uma relação de atos a serem adotados pelos gestores

públicos, direcionados ao cumprimento do mandado de otimização da publicidade, com o

objetivo de assegurar aos cidadãos a possibilidade real de “acompanhar pari passu o

desenvolvimento das atividades administrativas” (BINENBOJM, 2009, p. 5), atos estes que

devem ser adotados de forma encadeada e progressiva, conforme síntese que segue:

I) A publicação do ato no processo administrativo que deve estar à disposição para

consulta pública;

II) A publicação no Diário Oficial, sendo esta a forma oficial de publicação na forma

do Decreto 4.520/2002;

III) Intimação pessoal dos interessados diretos por via postal ou ciência nos autos;

IV) A instituição de outros meios de publicidade, como a publicação em jornais de

circulação expressiva, bem como por meio da tecnologia da informação, como a

publicação em sítios oficiais que facilitem o acesso. (BINENBOJM, 2009, p. 06-07).

Quanto ao direito de acesso à informação como direito fundamental, trata-se de tema

recorrente em nível mundial, previsto no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos

Humanos,62

no artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos63

, no artigo 13

do Pacto de São José da Costa Rica64

, no artigo 9º da Carta Africana sobre os Direitos

Humanos e dos Povos65

e no artigo 10 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos.66

62

Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Artigo 19- Todo o homem tem direito à liberdade de opinião

e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e

transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”. (NAÇÕES

UNIDAS, 1948). 63

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos - artigo 19 “1. Ninguém poderá ser molestado por suas

opiniões. 2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar,

receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de

fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua

escolha.

3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades

especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser

expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas”. (NAÇÕES UNIDAS, 1966). 64

Pacto de São José da Costa Rica, artigo 13 “Liberdade de pensamento e de expressão”.

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade

de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras,

verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua

escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a

responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:

a) Respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas;

b) A proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas;

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110

O sigilo e a falta de acesso à informação vivenciados no Brasil em face do regime

militar foi e ainda é motivo de sofrimento para familiares de mortos e desaparecidos políticos

e uma mancha na história do País. Um prejuízo a memória social que afeta o direito dos

cidadãos de conhecer sua própria história, o que por sua vez acaba por comprometer o

exercício de outros direitos, isso porque, como ensina Marlon Alberto Weichert (2007, p. 18)

“sem o conhecimento da história do país, o povo não pode exercer com liberdade, maturidade

e responsabilidade o direto à autodeterminação, ou seja, o poder estatal”.

A respeito dessa experiência, fruto do regime ditatorial, notadamente em relação ao

aspecto do segredo, há uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que traduz

em parte a gravidade da situação vivenciada no Brasil e o império do sigilo sobre este assunto.

Em 24 de novembro de 2010 a Corte no julgamento do caso Gomes Lund e outros,

considerou o Estado Brasileiro como responsável pelo desaparecimento de 62 (sessenta e

duas) pessoas no período compreendido entre 1972 e 1974 na Guerrilha do Araguaia. Consta

na sentença a determinação de realização de investigação sobre os desaparecimentos e a

punição dos responsáveis, fazendo constar as dificuldades impostas aos processos

investigativos pela Lei nº 6.683/79 (Lei da Anistia) ante ao que é ressaltada a supremacia do

direito de acesso à informação conforme trecho que segue:

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles

oficiais ou particulares de papel da imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos

usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a

circulação de ideias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o

acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízos do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou

religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. Disponível em

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969). 65

Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos “Artigo 9.º- Toda a pessoa tem direito à

informação”.

Toda a pessoa tem direito de exprimir e de difundir as suas opiniões no quadro das leis e dos regulamentos”.

(ESTADOS AFRICANOS MEMBROS DA ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA, 1981). 66

Convenção Europeia sobre Direitos Humanos- Artigo 10°- Liberdade de expressão.

1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a

liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer

autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados

submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização

prévia.

2. O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, podendo ser submetido a

certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências

necessárias numa sociedade democrática; para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança

pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime; a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra

ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial”. (CONSELHO DA EUROPA, 1950).

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111

[...] em casos de violações de direitos humanos, as autoridades estatais não se podem

amparar em mecanismos como o segredo de Estado ou a confidencialidade da

informação, ou em razões de interesse público ou segurança nacional, para deixar de

aportar a informação requerida pelas autoridades judiciais ou administrativas

encarregadas da investigação ou processos pendentes. Do mesmo modo, quando se

trata da investigação de um fato punível, a decisão de qualificar como sigilosa a

informação e de negar sua entrega, jamais pode depender exclusivamente de um

órgão estatal a cujos membros seja atribuída a prática do ato ilícito. Outrossim,

tampouco pode ficar sujeita à sua discricionariedade a decisão final sobre a

existência da documentação solicitada. (CORTE INTERAMERICANA DE

DIREITOS HUMANOS - CORTEIDH, 2010, p. 77).

Por certo, a falta de verdade e de liberdade, vivenciadas pelos cidadãos durante o

período de ditadura militar, é uma mancha triste na história deste País, a qual não deve ser

esquecida e reforça a imprescindibilidade da efetividade de direitos fundamentais como o

direito de acesso à informação, previsto de forma expressa na Constituição Federal de 1988;

compondo o rol dos direitos fundamentais.67

Na forma do inciso XXXIII, do art. 5º, é

assegurado a todos o direito de obter informações de seu interesse particular, coletivo ou

geral; a ser prestado pelos órgãos públicos na forma da lei, excepcionados os casos de

imprescindível sigilo. Além da inserção no rol dos direitos fundamentais, há outras duas

previsões pontais de direito à informação no texto constitucional brasileiro, sendo estes: o art.

37 § 3º inciso II e o art. 216 § 2º.

Contudo, a edição do diploma legal necessário à regulamentação do exercício do direito

só ocorreu mediante a publicação da Lei nº 12.527, em 18 de novembro de 2011 e do Decreto

nº 7.724, de 16 de maio de 2012, os quais se aplicam à União, Estados e Municípios, aos

órgãos públicos da administração direta, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades

de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente, bem como, no que

couber às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos do orçamento,

ou mesmo por meio de subvenções fiscais para execução de ações de interesse público.

Os procedimentos previstos na Lei nº 12.527/2011, conforme dispõe o art. 3º, têm em

vista assegurar o direito fundamental de acesso à informação e possui entre outras diretrizes:

desenvolvimento do controle social da administração pública, observância da publicidade

como preceito geral e do sigilo como exceção; divulgação de informações de interesse

público, independentemente de solicitações, fomento ao desenvolvimento da cultura de

transparência na administração pública e utilização de meios de comunicação viabilizados

pela tecnologia da informação.

67

Izabela Moreira Corrêa e Mário Vinícius Claussen Spinelli (2011, p. 133) assinala que “en Brasil, el

advenimiento de la transparencia estuvo muy asociado a la apertura del gobierno ocurrida luego de la

promulgación de la Constituición Federal de 1988, y a la ampliación de los canales de participación de los

ciudadanos en los procesos decisorios de políticas públicas”.

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112

Como já apontado, a Lei em questão, conhecida como lei da transparência pública,

estabelece os procedimentos para o exercício do direito que é assegurado pela Carta Política,

de modo que o dever de publicidade acerca de seus atos já era imposto ao Gestor Público,

consagrado no caput do art. 37 da Constituição Federal como um dos princípios que devem

reger os atos da Administração Pública. Além disso, como bem pontua Leonel Pires

Ohlweiler (2016, p. 28), o direito ao acesso às informações “percorre a própria construção do

Direito Administrativo democrático e a afirmação da Administração Pública transparente ao

longo do árduo caminho de constitucionalização”.

Cumpre registrar que anterior a Lei nº 12.527/2011, a qual regula o exercício do direito

de acesso à informação, a Lei Complementar nº 101/2000 já estabelecia instrumentos de

transparência da gestão pública, de forma direcionada à gestão fiscal, ou seja, afeta aos

orçamentos, a lei de diretrizes orçamentárias, a prestação de contas entre outros, impondo, na

forma do seu art. 48, ampla divulgação inclusive por meio eletrônico. Outro ponto importante

a ser destacado é o incentivo à participação popular, incluindo a previsão de realização de

audiências públicas nos processos administrativos referentes aos planos, lei de diretrizes

orçamentárias e orçamentos (art. 48, parágrafo único), com vista a promover a participação

cidadã, fortalecendo, assim, a democracia.

O direito fundamental à informação compreende o dever de informar ao qual está

vinculado todo o gestor público (transparência ativa regulamentada pelo Decreto nº

7.724/2012 em seus artigos 7º e 8º), bem como o direito de cada indivíduo de ter acesso à

informação (transparência passiva regulamentada na forma dos artigos 9º e 10 do Decreto nº

7.724/2012). Sua relevância como direito fundamental pode ser abordada sob diversos

enfoques, como a relação entre autonomia dos indivíduos e o poder; dado que dispor de

informações, conhecer, em muitas situações, é elemento essencial à autonomia enquanto que

o segredo, ou falta de informação, é favorável a manutenção do poder.

Não é demais enfatizar que “a publicidade em si não é democratizadora, se o acesso a

ela não estiver democratizado”. (ALMINO, 1986, p. 46). A análise da efetividade do direito

de acesso à informação não se dá simplesmente pelo exame da disponibilidade ou não das

informações. Efetividade requer disponibilidade de informação compreensível e verdadeira,

sendo este o sentido de transparente. No art. 5º, da Lei nº 12.527/2011 está previsto que “é

dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, a qual será franqueada, mediante

procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil

compreensão”. Neste sentido é imprescindível que todos possam efetivamente ter acesso a

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informação, o que significa poder compreender aquilo que é informado; sob pena de

descumprimento do dever de informar.

O acesso à informação, compreendido como direito fundamental positivado em uma

constituição rígida, com força vinculante frente a todos os poderes públicos, desta forma

envolto sob o manto da proteção constitucional, deve ser tratado com seriedade. Uma vez

posto como garantia resta assegurado, se necessário, até o uso da via jurisdicional para lhe

garantir a efetividade, por meio de instrumentos como: o habeas data e o mandato de

segurança, posto que o “Direito Administrativo fundado em bases democráticas não convive

com a imunidade do poder administrativo, especialmente em um país como o Brasil, cuja

história foi marcada pelo patrimonialismo e pelo segredo”. (OHLWEILER, 2016, p. 48).

Sempre que se pensa em direitos fundamentais, seja ele direito à educação, à saúde, à

informação, à participação, entre outros, é imprescindível ter presente a questão da igualdade.

No caso da informação e da participação cidadã, como elementos essenciais à própria

concepção de Estado Democrático de Direito, a igualdade de participação, como se viu, passa

pela universalização das capacidades, o que incluiu, no caso específico da transparência posta

como princípio que conjuga informação; publicidade, participação e motivação. Não basta a

disponibilização das informações e a criação dos mecanismos de participação como

anteriormente mencionado, é essencial estar efetivamente ao alcance de todos, o que inclui

uma linguagem compreensível por todos, evitando privilegiar os que possuem conhecimento e

domínio de determinada linguagem ou técnica.

Notadamente, ante ao cenário atual brasileiro, em que boa parte da regulação e

fiscalização de serviços públicos e outros setores afetos diretamente ao desenvolvimento

social e econômico são atribuídos às agências reguladoras, cuja atividade é

predominantemente técnica; a linguagem utilizada pelos especialistas nem sempre é

igualmente compreensível por parte de todos os cidadãos. Contudo, independentemente do

quão técnico, complexo e específico possa ser o ato administrativo, o uso da linguagem, em

nenhuma hipótese, pode ser utilizado de forma não igualitária, como instrumento de

diferenciação ou de privilégio da compreensão de uns em detrimento da compreensão por

parte da coletividade. É preciso atentar para o fato de que o direito à informação, de forma

efetiva, reside na esfera do domínio público, “espaço onde todos os homens são iguais”.

(ARENDT, 2003, p. 275).

Norberto Bobbio (2015, p. 59) aponta a questão dos especialistas como um problema da

atualidade que parece ser intransponível. O autor esclarece que, em razão do desenvolvimento

das sociedades, na medida em que a economia deixou de ser familiar, tornando-se uma

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economia de mercado, houve um aumento do número de problemas de ordem política que

precisam de soluções técnicas, demandando a atuação dos “expertos, especialistas, uma

multidão cada vez mais ampla de pessoal especializado”. Mas, como bem salienta o autor,

“tecnocracia e democracia são antitéticas”, uma vez que o especialista se torna o protagonista

e não o cidadão comum, enquanto que a base da democracia está na possibilidade de todos

decidirem sobre tudo.

Muitas vezes, a linguagem utilizada na informação disponibilizada acerca de trabalhos

realizados por especialista, seja porque, de fato é complexo e técnico, seja por interesse de

utilização desta, como instrumento de manutenção do poder; não é efetivamente

compreensível de forma geral e isonômica por toda a sociedade. Confome alertam Ingo Sarlet

e Carlos Alberto Molinaro, é preciso pressão e mobilização social no sentido de obter a

efetividade do direito fundamental garantido pelo texto constitucional, porque “os ventos da

globalização e da modernização não converterão de modo automático burocratas egotistas em

servidores abertos e transparentes”. (2016, p. 25).

Como destacado por Têmis Limberger (2007/2008 p. 55), a “distinção entre público e

privado”, típica do Estado Moderno, “cede espaço” ante as privatizações, situação na qual

algumas atividades públicas são assumidas pela iniciativa privada. Neste contexto de

privatizações, como já exposto, em que o Estado transfere à iniciativa privada a prestação de

serviços públicos essenciais, foram concebidas as agências reguladoras com o objetivo de

regularem esta forma de prestação de serviço, que, embora seja prestado por particular,

continua sendo um serviço público. A autora (LIMBERGER, 2007/2008, p. 55) alerta que

neste ambiente, as “relações se tornaram mais complexas e dissimuladas e o poder tende a

assumir muitas faces”.

O dever de publicidade, como princípio que rege os atos da Administração Pública,

assim como o dever de informar, é vinculante a todas as esferas da administração e são

impostos às Agência Reguladoras; entidades que, como já vimos, foram constituídas para a

regulação de diversos setores, trabalho a ser realizado por corpo de especialistas que, em

cenários de grande complexidade, fazem uso de técnica incomum à sociedade como um todo.

Ou seja, o trabalho de regulação é desenvolvido, em regra, por técnicos especializados em

áreas específicas, os quais, ante o dever de informar, notadamente sobre o aspecto da

transparência ativa, devem observar para que as informações, embora de conteúdo técnico,

possam ser compreendidas.

Emilio Guichot ressalta a generalização da ideia de que uma sociedade democrática

requer que os cidadãos, por si mesmos e através dos meios de comunicação social, possam

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115

conhecer a atuação dos poderes públicos com maior amplitude e, assim, controlar, detectar o

mau funcionamento e melhorar a qualidade da gestão pública (2014, p. 17-18). O autor

destaca a importância atual da publicidade ativa, a qual, especialmente em razão da internet,

se tornou uma tendência em se tratando de transparência pública e acesso à informação;

considerando ser a transparência dos atos de gestão pública “universalmente entendida como

uma exigência democrática, las autoridades deben poner dicha información a disposición de

todos motu próprio, sin esperar el planteamiento de solicitudes” (2014, p. 143), procurando

possibilitar, por iniciativa própria, “el conoscimiento, la participación y el control de las

personas sobre los assuntos públicos”. (2014, p. 144).

Considerando o conteúdo otimizador do princípio da publicidade e a necessidade de

efetividade, Gustavo Binenbojm (2009, p. 07) diz que é possível aferir se a finalidade foi

atendida, ou seja, se foi assegurado conhecimento e facilitado o acesso a autos, bem como a

todas às informações do poder público “com razoável margem de certeza”, ao que denomina

de “público-alvo”. Reforçando que “publicidade não é mera formalidade, mas uma garantia

dos cidadãos de que os atos estatais serão plenamente cognoscíveis e controláveis”. Em

consonância com este “coro” de juristas, Wallace Martins Júnior (2010, p. 419) afirma que o

grau de democratização na gestão da coisa pública pode ser medido conforme os “níveis de

transparência, desde o conhecimento do ato (publicidade), de suas razões (motivação) e da

colaboração, influência ou partilha no processo decisório e na gestão pública (participação)”.

No campo regulatório, em que estão sujeitas à regulação, por agências reguladoras,

diversas e complexas atividades econômicas e serviços públicos, frente a uma sociedade cujas

necessidades igualmente são diversificadas e complexas, sendo muitas vezes até conflitantes

entre grupos sociais; num Estado que Diogo de Figueiredo Moreira Neto denomina de

pluriclasse, “a sociedade civil desenvolve efetivas funções políticas para realmente ocupar o

papel que, “teoricamente”, lhe cabia como “povo” e, na mesma linha, amplia-se o conceito

jurídico do “povo” para vir a corresponder, ao máximo possível, ao conceito de sociedade”.

(2007, p. 104).

Contudo, é imprescindível ter claro aquilo que Pierre Bourdieu destaca sobre o

exercício da democracia numa sociedade agonística, em que a distribuição desigual de capital

simbólico sustenta relações de dominação; a informação se constitui numa espécie de capital

simbólico, assim como a especialização, entre outros elementos que no decorrer deste

trabalho serão identificados como capital, capaz de definir a luta no interior do campo da

regulação. (WACQUANT, 2005, p. 38). Por certo, a informação divulgada por meio de

linguagem técnica é uma espécie de capital que interfere fortemente no interior do campo da

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regulação, porque a linguagem técnica, compreensível por poucos, ou melhor, neste campo,

em regra, é capital comum aos especialistas; acaba por inviabilizar a compreensão por parte

dos leigos. Dessa forma, desequilibrando a participação, pois os agentes regulados, em geral,

possuem melhores condições técnicas o que significa maior capacidade de compreensão e de

participação efetiva num processo normativo aberto a participação, privilegiando, assim,

aqueles que, nas palavras de Cláudio Mastrangelo (2005, p.131), dominam a tecnologia e o

know-how.

A publicidade, o acesso à informação, enfim, a transparência pública é o primeiro passo

para que exista uma participação social efetiva. A divulgação de informações em linguagem

que não seja comum, de pronto inviabiliza a compreensão e, a partir daí, elimina qualquer

possibilidade de efetiva participação. Somento os dados divulgados de forma clara e

compreensível estão de acordo com o que determinam a Constituição e, assim, aptos a

promover a mobilização social, o exercício da cidadania de forma digna e responsável. Hans

Carl Nipperdey (2012, p. 23), jurista alemão, com propriedade já alertava para o fato de que a

realização da dignidade humana, em dado ordenamento jurídico, só ocorre quando há um

ambiente em que a pessoa “pode atuar como ser independente e moralmente autorresponsável,

na qual ela nem é submetida à pretensão de poder de uma outra pessoa, nem é transformada

em mero meio de uma finalidade comunitária, mas é pessoa autorresponsável livre”.

(NIPPERDEY, 2012, p. 26).

Tendo como premissa que “democracia é a participação do todo social de forma

igualitária, sem quaisquer distinções”, a participação social de “forma ampla, geral e

irrestrita” é condição inexorável em um Estado Democrático de Direito (ARALDI JÚNIOR,

2010), em que “a livre discussão é um componente jurídico prévio à tomada de decisão que

afeta a coletividade e é imprescindível para sua legitimação” (LIMBERGER, 2007/2008, p.

64) para que a sociedade possa atingir esse ideal democrático. O primeiro e imprescindível

passo é a transparência pública efetiva, o que inclui, entre tantas outras coisas, o cuidado para

que as informações divulgadas, ainda que de ordem técnica, sejam efetivamente acessíveis

aos cidadãos, o que requer muito mais que a simples publicação. Esse contexto democrático,

que demanda diversas medidas de inserção do cidadão no trato com a coisa pública, deve ser

integralmente observado pelas agências reguladoras no exercício de suas atividades no campo

regulatório.

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117

3.3 O Processo Normativo das Agências Reguladoras: a questão da legitimidade

Diversas são as posições encontradas na doutrina, acerca da competência normativa das

agências reguladoras, entendida como a capacidade de editar atos administrativos normativos,

perpassando desde debates, no que tange a própria legalidade, até a deslegalização68

. Para

Luís Roberto Barroso (2002b, p. 223), o núcleo do debate sobre o poder normativo das

agências reguladoras está na sua (in)compatibilidade com o princípio da legalidade,

defendendo a necessidade de fixação de limites para a flexibilização, no que tange a

capacidade normativa, ou seja, os limites quando confrontados com competência exclusiva do

Poder Legislativo, sob pena de ilegitimidade do ato.

Na visão de Marcos Juruena Villela Souto (2006, p. 126-128), a regulação é amparada

no art. 174 da Constituição Federal, adotando como premissa o desenvolvimento da atividade

regulatória na forma do art. 24, inciso I, também da Constituição. O jurista afasta a

possibilidade de que seja uma espécie de usurpação de função do Legislativo, assim como

afasta a ideia de delegação de poderes, sustentando se tratar de atividade administrativa e,

ainda, que a atividade de regulação das agências não deve ser confundida com a atividade de

regulamentação atribuída ao Chefe do Poder Executivo, porque, no seu entendimento, a

atividade da reguladora não é restrita à edição de normas, podendo também compreender uma

atividade de ordem técnica e não política. Outra diferenciação arguida pelo doutrinador é que

a regulação por agência é voltada à coletividade e não à sociedade toda, como deve ser no

caso de regulamentação pelo Presidente da República. Nesta linha de raciocínio, a regulação

por agência não pode ser confundida com usurpação de atividade legislativa devendo, sim,

guardar estrita observância à lei, assim como com os atos regulamentares do Chefe do

Executivo.

O caminho apontado por Adriana Maurano (2006, p. 163) também passa pela fixação de

limites de competência e a interpretação conforme a Constituição, ao destacar que a

competência geral para legislar é do Legislativo, o que não exclui a possibilidade de que

existam “outras figuras normativas” que tenham a função de complementar o sentido da lei.

Enquanto que Lais Calil (2006, p. 175) sustenta se tratar de competência previamente definida

em leis, devendo estar circunscrita aos limites balizadores dos regulamentos, numa escala

hierárquica que compreende desde a conformação com as leis até os regulamentos

presidenciais. Sobre a hierarquia das normas, Sérgio Guerra também entende que inexiste

68

Sérgio Guerra conceitua deslegalização como sendo a “retirada de certa matéria do domínio da lei para

passá-la ao domínio do regulamento” (GUERRA, 2004, p. 42).

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118

usurpação de função, seja do Legislativo, seja do Executivo. Para o autor, existe um “poder-

dever de exercer uma função normativa secundária”69

, a qual deve guardar consonância em

relação às normas de hierarquia superior.

De igual sorte, Marçal Justen Filho (2002, p. 519) também visualiza a compatibilidade

entre a competência das agências e o disposto no art. 84 da Constituição Federal, por entender

não se tratar de competência privativa do Presidente da República e, portanto, viável a

delegação às agências reguladoras na condição de competência normativa derivada, o que

impõe “a necessidade de compatibilidade da norma administrativa com a norma legal no

tocante a conteúdo, espírito e finalidade”, restando, desta forma, um espaço discricionário

limitado pelas disposições legais. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 517). Semelhante, ainda, é a

posição de Leila Caéllar (2001, p. 116-128), para quem a competência em questão,

considerando não ser exclusiva do Chefe do Executivo, é competência regulamentar. A autora

enfatiza a importância da imposição de limites a tal atividade regulamentar, o que significa,

em apertada síntese: não inovação de forma absoluta, estar conforme com a lei e o direito,

respeitar o princípio da tipicidade, não implicar em restrição de liberdade, nem igualdade,

nem de propriedade, não gerar alteração do estado de pessoas e não retroagir.

Ainda no que tange à conformidade legal, Egon Bockmann Moreira (2006, p. 185)

enfatiza que às reguladoras compete prover normas de caráter geral e abstrato, como “algo

que se aproxima do chamado ‘regulamento autônomo’”. O doutrinador deixa claro que são

apenas semelhantes já que não existem regulamentos autônomos no Brasil, isso porque as

agências reguladoras devem atuar de acordo com as leis que lhes fixam o poder-dever de

regular. Contudo, ressalta não se tratar de ato regulatório restrito a um simples regulamento

executivo, posto terem função complementar às normas primárias. (MOREIRA, 2006, p.

190). O autor destaca a impossibilidade de o regulamento “criar, de forma inédita e

autônoma”, deveres e obrigações sem que exista “lastro normativo”. (MOREIRA, 2006, p.

188). Desta forma, a atividade regulamentar deve se dar a partir de standards estabelecidos

em lei e de forma fundamentada, ou seja, mediante “motivação pública, de fato e de direito”.

(MOREIRA, 2006, p. 189).

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, por sua vez, afirma não ser caso de delegação legislativa,

já que não há renúncia de competência. De acordo com sua compreensão, é preciso interpretar

o “poder regulamentar como forma de delegação inominada”, no sentido de implementar e/ou

complementar o que o autor chama de leis-quadro, por meio das quais o legislativo define as

69

O autor sustenta ser uma função normativa secundária, porque a função primária é competência do Poder

Legislativo (GUERRA, 2004, p. 42-43).

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119

diretrizes gerais e os princípios, exercendo sua função legislativa por meio de leis que contêm

conceitos indeterminados, concedendo às agências uma certa margem de discricionariedade

no sentido de interpretar, aplicar e editar regulamentação complementar. (FERRAZ JÚNIOR,

2006, p. 283).

Já na concepção de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a competência normativa das

agências reguladoras se enquadra como “deslegalização”, posta como uma espécie de

delegação voltada para o exercício de uma atividade de caráter técnico e distante de

influências de ordem política, cujo limite está em não derrogar nem alterar leis. (MOREIRA

NETO, 2007, p. 234). Outro jurista que aborda a questão da deslegalização é Alexandre

Santos de Aragão (2013, p. 455), para quem, em que pese a impossibilidade de revogação ou

alteração de leis por meio de regulamentos, estes podem ser instrumentos em dado processo

de revogação ou alteração de uma lei; situação em que a lei revogadora fixará standards

acerca da revogação ou alteração, restando à agência proceder a regulamentação, a partir de

tais standards, por meio da especialização técnica que lhe é peculiar, a qual, em geral, os

legisladores não dispõem. Nestas condições, existe deslegalização quando é atribuída, por lei

e na forma da lei, especialmente para o exercício de regulamentação de questões de natureza

técnica que dependem da atuação de especialistas (ARAGÃO, 2013, p. 456), a partir do que,

o jurista, define que os atos administrativos regulatórios emitidos por estas entidades são “de

execução”, amparados no art. 84, IV, da Constituição Federal. (ARAGÃO, 2000, p. 288).

A partir da síntese acerca da posição dos doutrinadores acima, observa-se que,

independentemente da interpretação e classificação de cada jurista, acerca da competência

reguladora propriamente dita das agências reguladoras, há certa convergência no que tange a

reconhecer a competência das agências de editar atos administrativos normativos, cujo

exercício deve dar-se de acordo com a forma e os limites da lei que as instituiu, bem como os

previstos em outros diplomas legais que fixam standards e, ainda, pelas políticas públicas.

Consoante o entendimento doutrinário, como se pode observar, a atividade de regulação

propriamente dita das Agências não se confunde com a atividade legislativa por ser função

administrativa regulamentadora de caráter complementar; cujos limites e diretrizes são pré-

definidos por leis e políticas públicas, (CARVALHO FILHO, 2006, p. 83-84), o que denota a

primazia da lei e inflige o controle da legalidade sobre os atos administrativos regulatórios

emitidos por estas Entidades.

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120

Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal consignado no julgamento da Ação

Direta de Inconstitucionalidade nº 1.668-5 DF, interposta em face de alguns dispositivos da

Lei nº 9.472/97, a qual constituiu a Agência Nacional de Telecomunicações. Os Ministros do

Supremo Tribunal Federal decidiram, em relação aos incisos IV e X, do art. 19, que trata

sobre a competência da reguladora de expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição e

prestação dos serviços de telecomunicações no regime público e privado:

Dar-lhes-à interpretação conforme a Constituição Federal; com o objetivo de fixar a

exegese, segundo a qual, a competência da Agência Nacional de Telecomunicações,

para expedir normas, subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a

outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público ou

privado. (BRASIL, 2004e).

Todas as agências reguladoras brasileiras, como se viu anteriormente, são criadas por

lei, assim como se observou que todas possuem competência normativa (regulamentar) na

forma e nos limites das leis que as constituem, bem como pelas políticas públicas ou por

algum outro diploma legal específico, o que faz com que cada uma exerça de forma muito

peculiar sua atividade reguladora. No presente estudo, nos interessa, particularmente, as

competências da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, as quais são previstas no

art. 3º da Lei nº 9.427/1996.

A competência da ANEEL de emitir atos normativos é ampla e complexa, dado,

especialmente, à própria complexidade do setor energético, o que não a autoriza, como bem

destacado por Egon Bokmann Moreira (2006, p. 188), a criar obrigações e deveres de forma

“inédita e autônoma, sem qualquer lastro normativo”.70

Como já se observou, a reguladora

deve de atuar de forma complementar, voltada ao preenchimento de espaço legislativo,

delimitado por políticas públicas e standards, definida por lei e, por essa razão, adstrita,

assim, ao princípio da legalidade, é um campo regulatório no qual a Agência, fazendo uso da

competência técnica especializada, exerce sua atividade devendo “se restringir à interpretação

e explicitação dos comandos já contidos na lei”. (FARIA, 2014, p. 107).

70

No Julgamento do Recurso Especial nº 1.068.612 – SC o Superior Tribunal de Justiça em que se discutia a

Resolução nº 131/03 da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, manifesta o entendimento de que a

competência regulamentar das agências deve estar subordinada ao comando legal. É o que se pode constatar

no trecho do julgamento: “não me afigura ser possível que, por meio da edição de tais atos possa o Poder

Público - aqui entendido em acepção ampla, abrangendo não só os órgãos públicos, mas também as demais

pessoas jurídicas que integram o conceito de Fazenda Pública - se eximir da obrigação que lhe é legalmente

imposta. Entendimento em sentido diverso implicaria no desvirtuamento das características do próprio poder

regulamentar que assiste à Administração Pública no exercício de suas atribuições, dentre as quais a sua

subordinação ao comando normativo legal que lhe deu ensejo”. (BRASIL, 2013c, p. 05).

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121

Desta forma, nesse campo regulatório delineado por conceitos jurídicos indeterminados

e por diretrizes fixadas pelas políticas públicas forma-se um espaço normativo que deve ser

preenchido pelas agências reguladoras, por meio de atos administrativos regulamentares.

Pontualmente sobre esta questão, alguns juristas, como Marçal Justen Filho (2002, p. 525),

afirmam que “a delegação de atribuições normativas às agências trouxe à tona o instituto da

discricionariedade técnica”, a qual existe, segundo o autor, quando a decisão administrativa

tem fundamento em “critérios técnico-científicos”, razão pela qual, na sua avaliação “a

competência normativa abstrata das agências, no Direito brasileiro, tem de ser enquadrada

como manifestação de discricionariedade”. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 518).

Mas este não é posicionamento unânime entre os estudiosos da matéria, Maria Sylvia

Zanella Di Pietro possui entendimento um pouco divergente, a qual distingue

discricionariedade administrativa de discricionariedade técnica. Para a autora, só se pode falar

em discricionariedade quando houver duas alternativas “válidas perante o direito”. (2007, p.

12). Enquanto a chamada discricionariedade técnica diferentemente de ser caso de escolha

entre alternativas válidas, ao perpassar pela explicitação de conceitos jurídicos indeterminados

conduz a uma única escolha. Isso porque o conceito técnico “não gera discricionariedade

porque a solução correta pode ser apontada pela manifestação de órgão técnico, baseada em

dados da ciência”. (2007, p. 12). A autora vai além ao expor que o exercício da atividade

regulamentar exige a possibilidade de escolha de solução entre aquelas permitidas por lei, já a

“discricionariedade técnica não constitui verdadeira discricionariedade, não envolve decisão

política, porque não dá liberdade de escolha para a Administração. O órgão regulador limita-

se a definir um conceito que já está contido na lei e cujo conteúdo vai ser apenas explicitado

na norma infralegal”. (2007, p. 13).

Em sentido semelhante, segundo Adriana Maurano (2006, p. 91), apesar de a

especialização explicar “boa parte do poder normativo das agências”, não se trata de “uma

competência discricionária”. Ressalta, ainda, “se discricionária fosse, somente justificaria

decisões tomadas perante casos concretos, nunca poderia se referir a estatuições gerais e

abstratas” e, por fim, reforça que “dificilmente existirão duas soluções técnicas equivalentes,

de modo que, quanto mais técnica for uma decisão, menos discricionariedade haverá”.

Ainda sobre a discricionariedade técnica, Lais Calil (2006) entende que se trata de uma

discricionariedade reduzida, uma vez que a atuação da agência é restrita apenas em relação ao

momento para a prática do ato, de modo que não há, neste caso, análise acerca da

oportunidade e conveniência. Em sentido semelhante, Marcos Juruena Villela Souto (2002, p.

30) afirma que, no caso da regulação, a discricionariedade é mais restrita, limitando-se à

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agência a escolher entre “técnicas igualmente válidas e eficientes”; esclarecendo que é este o

motivo pelo qual se classifica como discricionariedade técnica, lembrando ainda, que por

vezes, em se tratando de questões de ordem técnica, não existem opções, restando ao

regulador apenas a “mera interpretação do desejo legal de eficiência”.

Para melhor compreender o debate doutrinário acerca do tema, pode-se observar, a

partir da conceituação de discricionariedade administrativa de Juarez Freitas, que se trata de

uma liberdade de escolhas igualmente válidas. Conforme o autor, pode-se:

Conceituar a discricionariedade administrativa legítima como a competência

administrativa (não mera faculdade) de avaliar e de escolher, no plano concreto, as

melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes e consistentes de

conveniência ou oportunidade (com razões juridicamente aceitáveis), respeitados os

requisitos formais e substanciais da efetividade do direito fundamental à boa

administração pública. (FREITAS, 2009, p. 24).

Importante contribuição, no sentido de distinguir discricionariedade administrativa de

conceitos jurídicos indeterminados, pode ser encontrada na obra de Eduardo García de

Enterría, o qual trabalha esta distinção, colocando ser comum, no direito público, confundir-se

os dois. Para melhor elucidar, o administrativista cita exemplos de conceitos indeterminados

como: urgência, circunstâncias excepcionais, preço justo, ordem pública, entre outros,

esclarecendo:

Lo peculiar de estos conceptos jurídicos indeterminados es que su calificación em

una circunstancia concreta no puede ser màs que una: o se da o no se da el concepto;

o hay buena fe o no hay buena fe en le negocio [...] Hay, pues, y esto es essencial,

uma unidad de solución justa em la aplicación del concepto a uma circunstancia

concreta. Aqui está lo peculiar del concepto jurídico indeterminado frente a lo que es

próprio de las potestades discrecionales, pues lo que caracteriza a éstas es justamente

la pluralidade de soluciones justas posiblles como consecuencia de su ejercicio.

(1995, p. 35).

Eduardo García de Enterría (1995, p. 38) enfatiza ainda, que “el processo de aplicación

de conceptos jurídicos indeterminados es un processo reglado, podemos decir, utilizando el

par de conceptos reglado-discrecional, porque no admite más que una solución justa”. O autor

lembra a importância desta distinção, no que tange a fiscalização sobre o ato administrativo,

posto existir nestes casos apenas uma opção válida. Pontualmente a respeito do controle dos

atos administrativos é relevante registrar, como o faz Leonel Pires Ohlweiler, a necessidade

de:

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Entender que dogmas como ‘margem de livre apreciação’, ‘discricionariedade

técnica’ e outros, são construções que imperam no Direito Administrativo e que

devem ser superadas, propiciando, assim, um controle jurisdicional mais efetivo

sobre a atividade administrativa. (2000, p. 141).

Em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.093 – SP, a Ministra Relatora

Rosa Weber consignou em seu voto diversas observações acerca da competência normativa

das agências reguladoras, esclarecendo se tratar de espaço delimitado pelo legislador por meio

de conceitos jurídicos indeterminados, conforme se pode observar:

Noutro giro, acrescento que às agências reguladoras não compete legislar, e sim

promover a normatização dos setores cuja regulação lhes foi legalmente incumbida.

Poder normativo não é poder legislativo. A abertura ou indeterminação dos

conceitos empregados nos textos normativos não pode ser interpretada como

atribuição ilimitada de competências discricionárias, sob pena de elevar o agente

regulador à condição de superego da sociedade.

O campo no qual o agente regulador atua com liberdade tem suas margens definidas

pelos conteúdos que podem ser inequivocamente extraídos, senão da letra da lei,

pelo menos do propósito claro e manifesto do legislador. Para ser legítima, a atuação

normativa do agente regulador deve ser capaz de ser justificada como a integração

de uma evidente escolha legislativa. Em outras palavras, a orientação seguida pelo

Administrador deve necessariamente traduzir uma escolha previamente realizada

pelo Legislador, que lhe confere autoridade, e não uma interpretação possível, entre

tantas outras, de conceitos jurídicos indeterminados.

Isso em absoluto significa reduzir a regulação setorial ao preenchimento de lacunas

e muito menos à execução mecânica da lei. Dotada de inquestionáveis relevância e

responsabilidade, a função regulatória só é dignificada pelo reconhecimento de que

não é inferior nem exterior à legislação. Exercida em um espaço que se revela

qualitativamente diferente daquele em que exercida a competência legiferante, a

competência regulatória é, no entanto, conformada pela ordem constitucional e legal

vigente. O poder normativo atribuído às agências reguladoras pelas respectivas leis

instituidoras consiste em instrumento para que dele lance mão o agente regulador de

um determinado setor econômico ou social na implementação das diretrizes,

finalidades, objetivos e princípios. (BRASIL, 2014c).

Percebe-se que, apesar de haver algumas divergências de ordem conceitual, de modo

geral, a doutrina aponta no sentido da existência de um campo de regulação delineado pela lei,

por meio de conceitos indeterminados, assim como pelas políticas públicas; o qual deve ser

preenchido pela atuação das reguladoras que precisam vencer “um dos grandes desafios do

capitalismo moderno”, que consiste em “conciliar o tempo acelerado da economia com a

prudência do direito”. (BUZANELLO, 2011, p. 186).

Desta forma, partindo-se da percepção de que a atividade regulamentar das reguladoras

deve dar-se na forma e nos limites estabelecidos por lei, a qual fixa standards, bem como

pelas políticas públicas, espaço em que a reguladora deve fazer uso do seu saber especializado

para emitir o ato administrativo regulamentar como a melhor solução técnica; parece ser mais

adequado avaliar sob a ótica do conceito jurídico indeterminado do que pela

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discricionariedade, a qual requer, liberdade de escolha entre mais de uma opção válida. De

qualquer forma, como destaca Leonel Pires Ohlweiler:

A redução das chamadas áreas de discricionariedade técnica mostra-se como uma

tendência de posturas mais voltadas para o primado do Direito. O administrador, ao

aplicar um signo jurídico-administrativo, não está a exercer um poder que não esteja

submetido aos pressupostos do Estado Democrático de Direito, às normas,

princípios e valores constitucionalizados. O Poder Público não possui o privilégio

significativo de determinar como o Direito há de ser realizado, mas tão-somente

uma posição privilegiada de, num primeiro instante, construir uma base de sentido

das normas jurídicas. (2000, p. 153).

Nesta linha de raciocínio, não é demais relembrar acerca da atuação das reguladoras à

vinculação destas às garantias constitucionais, as quais têm o dever de atuar na proteção e

promoção de medidas que visem o desenvolvimento social e econômico, o que ganha maior

relevância quando se trata do dever de promoção do “acesso e uso dos serviços públicos

fundamentais, ao feitio da democracia com igualdade de oportunidades e apta à formação de

homens dignos e livres”. (MASTRANGELO, 2005, p. 47). Como oportunamente consignado

por Giovane Clark (2008, p. 210), no processo de implementação da regulação no Brasil,

como se pode observar no início deste trabalho; até mesmo a Constituição foi alterada, o que

por si denota a necessidade de consonância do agir regulatório com todo o arcabouço

constitucional, ressaltando que:

Dentro, porém, de um pensamento dialético e ciente de que as Cartas Magnas foram

alteradas em nome da regulação, no plano nacional as políticas econômicas estatais

contemporâneas devem seguir, também, os ditames da Constituição a fim de

possibilitar sua eficácia. Assim sendo, a participação dos movimentos

consumeristas, dos sindicatos de trabalhadores, das associações ambientalistas e de

entidades empresariais na elaboração, execução e contestação das normas de política

econômica é primordial na construção do Estado e da democracia. (CLARK, 2008,

p. 210).

Independentemente do significativo grau de autonomia para o exercício da regulação, as

agências devem observar que a solução dos problemas econômicos deve ser adequada aos

direitos fundamentais, aos quais suas ações estão vinculadas. Por meio de um exame

axiológico, elas devem primar pela realização, concretização dos direitos fundamentais, dos

fins sociais conformes à Constituição, tendo presente, inclusive, que alguns dos serviços

públicos regulados no Brasil são essenciais à dignidade humana. (JUSTEN FILHO, 2003).

A vinculação, em sentido amplo, significa que os agentes públicos, indistintamente, têm

seus atos vinculados aos direitos fundamentais tutelados pela Constituição, a qual, “desde

logo retirou do mundo político, da esfera da disputabilidade política, aquilo que é nuclear para

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125

nós, os integrantes da comunidade republicana brasileira” (CLÈVE, 2003, p. 292/293). A

relação entre direitos fundamentais e a atividade das agências reguladoras pode ser facilmente

vislumbrada “na medida em que estas poderão constituir-se, sob determinadas circunstâncias,

nos melhores instrumentos administrativos gestores da defesa, proteção e promoção daqueles

direitos”. (BINEMBOJM, 2014, p. 317).

O dever de proteção e promoção de direitos fundamentais, ganha ainda mais peso frente

à regulação de serviços públicos como o de fornecimento de energia elétrica. A Lei nº

8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços

públicos, no artigo 6º, § 1º, prevê que “serviço adequado é o que satisfaz as condições de

regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua

prestação e modicidade das tarifas”. Como ensina Marçal Justen Filho (2003, p. 62), nos

casos de concessão de serviços públicos, entre Estado, sociedade e concessionários, existe

uma comunhão de interesses, uma finalidade comum que consiste em ter o melhor serviço

público possível, com tarifa reduzida, constituindo-se a concessão em “uma via associativa,

por meio da qual se produz a conjugação de esforços de diversa origem e qualitativamente

distintos, para a realização de interesses comuns”.

O Ministro Herman Benjamin, no voto que proferiu no julgamento de Recurso especial

nº 1.176.552 – PR, o qual teve como objeto a aplicação de tarifas de telefonia diferenciadas

sobre um município integrante de mesma região metropolitana de Curitiba, adverte que:

Se a Administração deixar de se valer da regulação para promover políticas públicas,

proteger hipossuficientes, garantir a otimização do funcionamento do serviço

concedido ou mesmo assegurar o ‘funcionamento em condições de excelência tanto

para o fornecedor/produtor como principalmente para o consumidor/usuário’, haverá

vício ou flagrante ilegalidade a justificar a intervenção judicial.

Nesse momento, a discricionariedade técnica deixa de constituir obstáculo ao

contraste jurisdicional pleno da atividade administrativa. À semelhança do que

acontece com a presunção de constitucionalidade, que não subsiste para a lei

restritiva de direito fundamental, com mais razão o ato administrativo não será

presumido legítimo, especialmente quando classificado nesse mesmo campo –

devemos lembrar que estamos, aqui, a tratar da isonomia, da proporcionalidade e da

razoabilidade. (BRASIL, 2011b).

Além da questão da legalidade, outros pontos de debate acerca da atuação das agências

reguladoras ainda se fazem atual, é o caso da legitimação e da possível existência de um

déficit democrático, tema acerca do qual é preciso ter claro ser ele afeto a toda Administração

Pública e não apenas às agências reguladoras, sendo que, sobre estas, a problemática ganha

contornos maiores como se verá na sequência.

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A legitimação, a qual até o advento da Carta Política de 1988 era assegurada pelas

eleições (democracia representativa) e pelo processo legislativo, ou seja, a legitimidade vinha

da lei, tornou-se algo mais complexo. A partir deste momento, o “Estado perde o monopólio

do Direito e passa a atuar de forma subsidiária à sociedade”, à qual deve ser assegurada a

participação democrática, no que tange a administração das coisas públicas, seja fiscalizando,

controlando ou ainda, como parte nos processos de decisão. O cidadão tem o direito

constitucional de participar das decisões administrativas, notadamente quando forem afetas a

seus interesses (uti singuli ou utiuniversi), de tal modo que “a supressão a esse direito (quer

comissiva ou omissiva) podem importar não só a nulidade do ato, como a responsabilização

de seu emissor”. (MOREIRA, SOARES JÚNIOR, 2006, p. 194).

Como bem observado por Ricardo Duarte Júnior (2014, p. 173-174), o centro das

mudanças advindas do novo constitucionalismo “pode ser traduzido, por um lado, na busca

incessante pela concretização e proteção dos direitos fundamentais, reduzidos em última

escala, à dignidade da pessoa humana”. Neste contexto, o Estado e sociedade passam a atuar

conjuntamente, de modo que o Estado já não é mais o principal ator social, o que faz com que

seja necessária a “ampliação e reconhecimento do espaço público”, e a sociedade passe a

participar cada vez mais da administração pública, seja por meio do controle ou mesmo

participando no processo de decisão.

A constitucionalização da administração pública impõe a todos os gestores públicos, da

administração pública direta e indireta, a promoção do diálogo com a sociedade,

estabelecendo um canal entre o Estado e o cidadão, cuja:

Principal função é a de receber os influxos e estímulos da sociedade, rapidamente

decodificá-los e prontamente oferecer respostas aptas à satisfação das necessidades

que se apresentam no cenário social, seja no campo da regulação, seja no campo da

ação. (OLIVEIRA, 2005, p. 05).

Assim, segundo esta lógica constitucional, “certos direitos fundamentais adquiririam

maior consistência se os próprios cidadãos participassem das estruturas de decisão”.

(CANOTILHO, 2003, p. 558).

Outra questão que reforça a necessidade de inclusão do cidadão nos processos de gestão

pública, bem como no controle social, que vai além da constitucionalização que aponta para o

caminho de uma administração dialógica, é o problema da representatividade que alerta sobre

a existência de um déficit democrático na gestão pública; notadamente no que concerne aos

atos normativos e ao exercício da discricionariedade. Este déficit é fruto da crise da

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127

democracia representativa71

e da “multiplicação de centros de decisão na Administração

Pública” (BAPTISTA, 2003, p. 126).

O problema da representatividade, como aponta Patrícia Baptista (2003, p. 124), está em

parte na atuação dos partidos políticos que, em regra, é voltada muito mais para o interesse

pessoal ou de algum grupo, do que para a coletividade, acabando por contaminar a própria lei,

comprometendo a legitimidade fundada apenas na lei. (BAPTISTA, 2003, p. 124). O segundo

ponto que acaba afetando a concepção de legitimidade pela lei é a insuficiência da lei diante

da “complexidade e dinamismo da vida moderna” (BAPTISTA, 2003, p. 124), que abre um

espaço relevante para a regulação atribuída, muitas, vezes às agências para ser executada por

equipes técnicas, especializadas e burocráticas, fato que acentua ainda mais o problema da

legitimidade e do déficit democrático. Isso porque seus dirigentes não são eleitos, nem são

“sujeitos aos mecanismos tradicionais de aferição de responsabilidades” (BINENBOJM,

2014, p. 310); assim como possuem autonomia reforçada e não podem sofrer ingerência

sequer do Chefe do Poder Executivo, esse sim eleito, o qual não pode intervir diretamente na

atividade das agências, nem mesmo destituir seus diretores, posto que estes, como já vimos,

possuem certa “estabilidade temporária”, de modo que não podem ser exonerados ad nutum.

(ARAGÃO, 2006, p. 01).

Ainda sobre o problema da legitimidade pela lei, Gustavo Binenbojm (2008, p.13)

aborda a questão do “desprestígio crescente do legislador e da erosão da lei formal”, contexto

em que a lei não é mais tida como “expressão da vontade geral”; o que o autor atribui à crise

representativa, à “politização” da atividade legislativa conforme os anseios de cada governo, à

normatização crescente por parte do Executivo e à “proliferação das agências reguladoras

independentes”.

Como já abordado anteriormente, as reguladoras não estão imunes a controle, são

submetidas até mesmo ao controle do Tribunal de Contas da União, o que não há, neste caso,

é o controle hierárquico. Alexandre dos Santos Aragão (2006, p. 02) ressalta que o controle

sobre os atos das agências é um controle de legalidade e, eventualmente, “gerenciais e

finalísticos” que se dá por meio de avalição acerca do cumprimento de metas e diretrizes

fixadas. Partindo da premissa de que ante a nova configuração da sociedade, a qual impõe

maior celeridade às ações dos três Poderes, incluindo os atos normativos cujas normas devem

71

Salvador Mora Velázquez (2009, p. 343) adverte “que los momentos de uma representación absoluta

delineada por los critérios del Leviatán político han quedado altamente rebasados, hemos transitado de

súbditos a ciudadanos, a núcleos poblacionales que han mostrado críticas al modelo representativo no por su

inoperancia sino or la falta de mecanismos de control que modifiquen el tipo de relaciones del poder y la

sociedade civil, del gobierno y los ciudadanos, del governante y los indivíduos”.

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ser “mais técnicas e específicas” (BUZANELLO, 2011, p. 194), foram constituídas estas

entidades para funcionarem como “um meio de aproximação – e melhor prestação de serviço

– do Estado junto à Sociedade”. (BUZANELLO, 2011, p. 194). A participação ativa dos

cidadãos, seja no processo de elaboração das normas, seja no controle dos atos e, até mesmo

da eficiência, se mostra imprescindível.

Os procedimentos de participação popular como audiências públicas, consultas públicas

e conselhos de consumidores, são medidas que se vêm sendo adotadas, de modo geral, pelas

Agências, visando resolver o problema da legitimação. Aliás, os procedimentos de

participação popular, como instrumentos de legitimação, têm sido usados em toda a

Administração Pública, por meio da “participação dos titulares e defensores dos interesses

individuais, coletivos e difusos no processo de tomada das decisões que lhes afetarão”

(ARAGÃO, 2006, p. 07). Como ensina Gustavo Binenbojm (2008, 07), os direitos

fundamentais e princípio democrático são “vetores axiológicos” que convergem para a

dignidade da pessoa humana e devem pautar o agir dos administradores públicos.

A solução para elevação do nível de legitimidade dos atos administrativos normativos

das agências reguladoras, seja por força da própria constitucionalização da administração

pública, seja pelo déficit democrático do processo legislativo (o problema da

representatividade e da complexidade e dinamismo social), seja pela não eleição de seus

diretores ocupantes de cargos com “estabilidade temporária”, passa inegavelmente pela

participação popular direta, entendida como a inserção do cidadão nos processos

administrativos, por meio de “estruturas dialógicas”. (BAPTISTA, 2003, p. 128).

Em que pese a participação popular ser fundamental à legitimação dos atos

administrativos das Agências, não existe um procedimento legalmente definido a ser

observado igualmente por todas as reguladoras. Criadas por leis específicas, elas possuem

procedimentos que lhes são peculiares e a maioria delas prevê em seus procedimentos a

participação do cidadão,72

por meio de consultas públicas ou audiências públicas, contudo,

são previsões esparsas e sem regulamentar, de forma clara, um procedimento voltado à

participação popular.

Mesmo nos casos em que o procedimento de participação popular não seja previsto

como obrigatório, doutrinadores como Alexandre dos Santos Aragão (2006, p. 10) sustentam

que, havendo requerimento formalizado por parte de entidade interessada ou agente

72

No Brasil, no contexto de formação do arcabouço institucional regulatório, das dez agências criadas, nove

têm previsão de realização de procedimentos participativos – a maior parte dos casos, audiências públicas a

serem realizadas previamente ao proferimento de suas decisões, sendo cinco de forma obrigatória, entre as

quais se inclui a Agência Nacional de Energia Elétrica (ROLIM; MELO, 2012, p. 155-156).

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econômico, ante os “princípios e valores constitucionais que privilegiam a participação dos

interessados nas decisões administrativas”, a recusa por parte da Reguladora deverá ser

devidamente motivada. Já Maria D’Assunção Costa Menezello (2002, p. 131-132), vislumbra

como obrigatório, o procedimento de participação no campo regulatório, por meio do qual

deve ser divulgado o conteúdo da proposta regulatória, contendo detalhes como fundamentos

legais e motivos de fato e de direito. Além disso, deve haver a abertura de prazo para

participação, por meio de publicação, o qual deve ser “razoável e suficiente” para que os

interessados apresentem contribuições da “sociedade em geral”, procedendo, na sequência, à

análise detalhada.

A relevância da participação dos cidadãos para os Gestores Públicos, de modo geral, e

em especial no caso das Agências Reguladoras, encontra-se na legitimação de suas decisões,

no maior comprometimento e melhor aceitação por parte dos grupos sociais envolvidos. Por

meio do processo consultivo, é possível trocar informações e o Estado, diretamente ou

representado pela agência, pode aferir as críticas, os anseios e as necessidades coletivas e, a

partir disso, fazer ajustes e até mesmo eleger prioridades. Para tanto, não basta abertura de

processo participativo, é fundamental que a participação seja efetiva; o que passa pela

obrigação do órgão regulador em disponibilizar todas as informações existentes e úteis à

apreciação pública. Isso deve ser feito por meio de linguagem simples e clara que possibilite

ao cidadão comum compreender aquilo que está sendo proposto e, ainda, que adote

mecanismo para incentivo da participação. Maria João Rolim e Carolina Queiroz Mello

(2012, p. 156), ao dissertarem sobre a participação popular nos processos decisórios afetos ao

setor elétrico, enfatizam a necessidade de divulgação do processo e da efetividade da

participação, visto tratar-se de requisito de validade das decisões.73

Como bem observado por Ricardo Duarte Júnior (2014, p. 173-174), o centro das

mudanças advindas do novo constitucionalismo “pode ser traduzido, por um lado, na busca

incessante pela concretização e proteção dos direitos fundamentais, reduzidos em última

escala, à dignidade da pessoa humana”. Neste contexto, o Estado e sociedade passam a atuar

conjuntamente, de modo que o Estado já não é mais o principal ator social, o que faz com que

seja necessária a “ampliação e reconhecimento do espaço público”; a fim de que a sociedade

73

“Por ser requisito de validade das decisões das agências, o procedimento participativo, seja através de

audiência, seja de consulta pública, deve observar determinadas regras para garantir a efetividade da

participação pública. Neste sentido, é fundamental que os processos participativos incluam uma ampla

divulgação à sociedade, não se restringindo apenas aos agentes setoriais, mas todos os eventuais

interessados, e garantam o direito de debate de todos os participantes e resultem em decisões movidas por

parte das agências, inclusive com justificativas tecnicamente embasadas para as contribuições recusadas e,

igualmente, para aquelas manifestações consideradas, sob pena de que, na ausência destes requisitos, o

processo de discussão pública seja esvaziado” (ROLIM, MELO, 2012. p. 156).

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130

passe a participar cada vez mais da administração pública, seja por meio do controle ou

mesmo participando no processo de decisão.

Para que tenhamos uma participação popular efetiva e, com isso, a consagração do

princípio democrático, é preciso que o Estado, por si mesmo, ou através das agências, vá além

da instituição de consultas e audiências públicas obrigatórias, é necessário preparar e instigar

o cidadão à participação. Na doutrina, autores como Diogo de Figueiredo Moreira Neto falam

sobre a importância da mudança de mentalidade dos usuários dos serviços públicos, no

sentido de que estes tomem consciência de serem eles a razão de existência, tanto dos serviços

públicos propriamente ditos, como da Administração Pública, do Estado e até mesmo do

“conceito de público”. (MOREIRA NETO, 2007, p. 34). Ou seja, é preciso, como defende

Pierre Bourdieu, promover a universalização das capacidades de agir e pensar politicamente.

(BOURDIEU apud WACQUANT, 2005, p. 38).

As audiências e consultas públicas não podem ser apenas um processo formal que

legitima o ato normativo sem que, de fato, tenha sido promovida a efetiva participação; sem

que as contribuições ali expostas tenham sido adequadamente analisadas e motivada a decisão

acerca do acolhimento ou não daquilo que é apresentado à agência durante o procedimento.

Como bem pontua Sérgio Varella Bruna (2003, p. 271), a realização do processo de

participação não teria sentido se não houvesse a obrigação de proceder ao exame efetivo das

contribuições apresentadas durante a oitiva popular. As contribuições constituem-se em

instrumentos que permitem “avaliar se a competência regulatória dos agentes foi exercida

dentro de seus limites, se houve apreciação de todas as variáveis relevantes ao caso e se a

agência se orientou para a solução mais adequada”. (BINENJOJM, 2006, p. 106).

Assim, seja em razão da própria constitucionalização da administração pública, seja

para suprir o déficit democrático que recai sobre as agências reguladoras, estas devem

promover processos de participação social efetivos, de modo a ter inserida a sociedade nos

processos decisórios em respeito ao princípio democrático, construindo desta maneira uma

gestão legítima e por certo melhor aceita e mais eficiente.

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131

4 AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO ESPAÇO DE LUTA NO SUBCAMPO

REGULAMENTAR DO SETOR ELÉTRICO: ESTUDO DE CASO

As audiências públicas realizadas pela ANEEL são instrumentos que têm a função de

legitimar a atuação da reguladora, seja em razão da constitucionalização da Administração

Pública, seja suprindo um déficit democrático de uma regulação apolítica pautada somente na

técnica por meio da promoção de “espaços de confluência entre os diversos participantes do

processo político – Estado, cidadãos, mercado – permitindo, assim, uma formação mais

pluralista da ‘vontade’ estatal”, e assim construir uma regulação “mais flexível, mais

eficiente, mais participativa e, principalmente, mais democrática”. (WIMMER, PEIXOTO,

2008, p. 07).

Ocorre que, como se procurou demonstrar ao longo deste trabalho, as audiências

públicas realizadas no campo regulatório são espaços de luta, e como tal, são espaços nos

quais os participantes ocupam posições diversas, procurando, alguns, manter, e outros,

subverter as condições do campo. Neste contexto, como ensina Pierre Bourdieu, o habitus e o

capital são elementos que definem as regras do jogo. Desse modo, possuir o habitus do campo

e o capital de maior relevância naquele campo é estar em condições de vantagem naquele

espaço de luta.

Em tese, a audiência pública é instrumento por meio do qual é facultado ao

cidadão/usuário do serviço público tomar parte diretamente na luta que ocorre no campo da

regulação, fato essencial, como se viu a própria legitimação do ato regulatório. Conforme

pontua Pierre Bourdieu:

A razão e a razão de ser de uma instituição (ou de uma medida administrativa) e dos

seus efeitos sociais, não está na <<vontade>> de um indivíduo ou de um grupo, mas

sim no campo de forças antagonistas ou complementares no qual, em função dos

interesses associados às diferentes posições e dos habitus dos seus ocupantes , se

geram as <<vontades>> e no qual se define e se redefine continuamente, na luta – e

através da luta – a realidade das instituições e dos seus efeitos sociais, previstos e

imprevistos. (2006, p. 81).

Para que a audiência pública possa cumprir sua função no campo regulatório, o

procedimento adotado deve ter potencialidade de promoção efetiva da participação; deve ser

capaz de promover o debate entre todos os envolvidos, caracterizando, de fato, um espaço de

luta; um espaço de efetiva participação e, com isso, evitar tomada de decisão de forma

autoritária legitimada por um procedimento (in)efetivo, tendo em vista que:

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132

Quanto mais nos afastamos do funcionamento normal dos campos como campos de

lutas, para passar a estados-limites, sem dúvida nunca atingidos, nos quais, com o

desparecimento de toda a luta e de toda a resistência à dominação, o campo se torna

rígido, reduzindo-se a uma <<instituição totalitária>>. (BOURDIEU, 2006, p. 95).

Ainda sobre a luta no campo regulatório e tudo aquilo que está em jogo numa luta

desigual, é preciso considerar que “[...] a verdade do mundo social é o que está em jogo numa

luta entre agentes armados de modo muito desigual para chegarem à visão e à previsão

absolutas, quer dizer, autoverificantes”. (BOURDIEU, 2006, p. 147).

Normalmente, estão em jogo numa audiência pública, promovida pela ANEEL, as

políticas públicas que devem estar representadas pelo corpo técnico da reguladora, também os

interesses das geradoras e distribuidoras de energia, bem como dos usuários. De modo geral,

uma audiência pública possibilita a manifestação de todos os agentes envolvidos, os quais

serão afetados de forma direta ou indireta pela decisão final da Agência. Também é regra

haver entre os participantes, divergência e disputa, na medida em que aquilo que beneficia

determinado grupo, ainda que por simples reflexo, tenha ao menos o potencial de prejudicar

outro. Não se trata da construção de uma solução harmoniosa, mesmo quando há consenso há

um sopesamento de interesses antagônicos, porque neste campo, muitas vezes, os agentes são

levados a convergirem, como meio de evitar riscos de prejuízos maiores; sem que isso

signifique uma solução igualmente agradável a todos, ou seja, é um campo de luta

simbólica.74

Na análise do campo jurídico, Pierre Bourdieu (2006, p. 224) analisa a questão da

decisão judicial reveladora do conteúdo prático de uma lei como resultado de uma “luta

simbólica entre profissionais dotados de competências técnicas e sociais desiguais”, desta

forma, segundo o autor, o efeito da lei acaba por ser determinado na relação de força entre tais

profissionais.

Vislumbra-se nas decisões da ANEEL, precedidas de audiência pública, de certa forma,

o resultado de luta simbólica entre profissionais dotados de competências técnicas e sociais

desiguais; visto a matéria regulada, de modo geral, exigir conhecimento técnico e

especializado, do qual dispõem a própria agência e os agentes regulados; ainda que de forma

desigual, restando ao usuário, ou uma participação sem profundidade e conteúdo, ou contar

com algum especialista que o assessore.

74

Para Pierre Bourdieu o “Estado se apresenta como uma espécie de reserva de recursos simbólicos, de capital

simbólico, que é ao mesmo tempo um instrumento para certo tipo de agentes e o objeto de lutas entre esses

agentes”. (2014, p. 105).

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133

A decisão da Reguladora será o resultado da relação de força entre profissionais

conhecedores da regra do jogo, aqueles que não conhecem as regras não conseguem

participar, mesmo estando o jogo aberto à sua participação. Esse tipo de procedimento,

dependente ou sustentado no trabalho de profissionais tende a criar um monopólio, com a

agravante de que neste caso se trata da regulação de serviço público essencial.

A pesquisa que aqui se desenvolve pretende avaliar o processo de audiências públicas

realizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, com base em levantamento

bibliográfico e estudo de caso, a fim de verificar seu real potencial na promoção da

participação popular.

O estudo de caso, por ser “uma forma diferenciada de investigação empírica” (YIN,

2010, p. 35) permite pesquisar “um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu

contexto de vida real” (YIN, 2010, p. 39), o que ganha maior relevância quando “os limites

entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes”; como o objeto do presente

trabalho, cujo contexto de grande complexidade, levou, inclusive, a definição de estudo de

caso único, ao invés de casos múltiplos, com vista a possibilitar o estudo aprofundado do

vasto volume de material no tempo e condições de pesquisa disponíveis. Assim, “a

necessidade de estudo de caso surge do desejo de entender os fenômenos sociais complexos”.

(YIN, 2010, p. 24).

Neste trabalho, se adotou como técnica de pesquisa a análise de conteúdo trabalhada na

perspectiva proposta por Lawrence Bardin.75

Trata-se de técnica, por meio da qual se busca:

Conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça, e não uma

restrita ‘leitura do real’, que aceita o caráter provisório das hipóteses, que descreve

os conteúdos, mas sim no que estes poderão nos ensinar após serem trabalhados com

o quadro referencial específico do tema. (XIMENES, 2012, p. 05).

Procurou-se fazer uma abordagem qualitativa por meio da análise de conteúdo,

entendida como uma “técnica de análise das comunicações” (SILVA; FOSSÁ, 2013, p. 02)

aplicada aos documentos disponibilizados no sítio da ANEEL, incluindo pré-análise quando

75

Lawrence Bardin (2011, 34) em sua obra Análise de Conteúdo ao abordar a questão do rigor e da descoberta

ressalta que: “Apelar para esses instrumentos de investigação laboriosa de documentos é situar-se ao lado

daqueles que, de Durkheim a P. Bourdieu passando por Bachelard, querem dizer não ‘a ilusão da

transparência’ dos fatos sociais, recusando ou tentando agastar os perigos da compreensão espontânea. É

igualmente ‘tornar-se desconfiado’ relativamente aos pressupostos, lutar contra a evidência do saber

subjetivo, destruir a intuição em proveito do ‘construído’, rejeitar a tentação da sociologia ingênua, que

acredita poder aprender intuitivamente as significações dos protagonistas sociais, mas que somente atinge a

projeção da sua própria subjetividade. Esta atitude de ‘vigilância crítica’ exige o desvio metodológico e o

emprego de ‘técnicas de ruptura’ e afigura-se tanto mais útil para o especialista das ciências humanas quanto

mais ele tenha sempre uma impressão de familiaridade face ao seu objeto de análise. [...]”.

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134

da escolha da audiência pública objeto do estudo de caso, a exploração do material quando da

análise dos documentos disponibilizados; bem como o tratamento e interpretação dos

resultados alcançados (BARDIN, 2011, 131), obtendo uma análise qualitativa dos dados.

O exame será conduzido fazendo-se uso dos conceitos trabalhados por Bourdieu,

especialmente naquilo que o autor entende por campo, capital e habitus, os quais serão melhor

abordados no curso deste trabalho.

A audiência pública, escolhida para estudo de caso foi a nº 06/2015, publicada no dia 09

de fevereiro de 2015, tendo como objeto “obter subsídios e informações para aprimoramento

do sistema de bandeiras tarifárias e da regulamentação da Conta Centralizadora dos Recursos

de Bandeiras Tarifária”, com período para envio de contribuição de 09 à 20/2/2015, por

intercâmbio documental. A escolha recaiu sobre esta audiência pública porque o trabalho de

pesquisa teve início em abril de 2015, ocasião na qual se procurou uma audiência pública cuja

repercussão da temática levada a debate fosse de alcance nacional e já estivesse encerrada

para, assim, possibilitar a análise de todo o procedimento e, ainda, dentro do possível, que

abordasse assunto de maior familiaridade para os usuários. A partir destas premissas, se

identificou a audiência pública em questão, a qual já estava encerrada e cujo tema central

focado nas bandeiras tarifárias havia sido, amplamente, veiculado pela mídia, não sobre o

enfoque pontual da realização da audiência pública, mas, notadamente, por representar

acréscimo nas faturas de energia elétrica pagas pelos usuários do serviço público em questão.

Por meio de uma análise exploratória se identificou no sítio da ANEEL a existência de

um campo específico destinado à participação pública, cujo link é:

http://www.aneel.gov.br/audiencias-publicas. Neste espaço eletrônico, estão disponíveis para

livre consulta e download entre outros, os documentos da fase preliminar da audiência

pública, as contribuições e o relatório final.

Além disso, identificou-se outro campo no sítio da ANEEL destinado à consulta

processual cujo link é: http://www.aneel.gov.br/consulta-processual. Neste espaço, para

efetuar a consulta é preciso realizar um cadastro no qual as informações básicas requisitadas

são: nome, endereço eletrônico e emissão de senha. Realizado o cadastro, foi possível

consultar o processo administrativo nº 48500.000484/2015-77, cujo número foi obtido no

extrato de publicação da audiência pública nº 006/2015-ANEEL. Fez-se uma pesquisa

exploratória nos documentos disponibilizados e constatou-se que nem todos os documentos

do processo administrativo em questão estão disponíveis no espaço próprio destinado à

participação na audiência pública.

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135

Ainda, observou-se que as contribuições apresentadas durante a audiência pública não

são parte do processo administrativo disponível para consulta, assim, estas só podem ser

consultadas no link próprio da audiência pública não integrando o processo administrativo.

Outro fato relevante identificado durante a análise exploratória, realizada sobre os

documentos disponibilizados no processo administrativo, foi constatar que, mesmo após

encerrada a audiência pública nº 006/2015-ANEEL, o processo administrativo nº

48500.000484/2015-77 não foi encerrado, novos documentos foram juntados e nova

audiência pública foi realizada; tudo relacionado ao aperfeiçoamento das bandeiras tarifárias.

Ainda foi possível aferir, nestes documentos produzidos pós-conclusão da audiência pública

nº 006/2015-ANEEL, a existência de um documento (nota técnica), cujo acesso estava

bloqueado com a informação de se tratar de documento de acesso restrito, de acordo com a

Lei nº 12.527/2011 e o Decreto nº 7.724/2012.76

Considerando a não localização no sítio da agência de um campo no qual estivessem

disponíveis de forma conjunta todos os documentos pertinentes ao processo administrativo nº

48500.000484/2015-77, bem como a existência de documentos de acesso restrito, decidiu-se

solicitar cópia do processo administrativo junto à Agência, no protocolo de sua Sede em

Brasília. A solicitação foi feita por meio do preenchimento de um formulário, o qual foi

protocolado na sede juntamente com o fornecimento de um CD, no qual foi gravada cópia do

processo administrativo. Feito esse procedimento, obteve-se cópia do processo administrativo

48500.000484/2015-77 diretamente na Sede da ANEEL. Verificando os arquivos gravados no

CD entregue com a cópia do processo, se constatou que os documentos digitalizados são os

mesmos disponíveis para consulta processual no sítio, com a diferença de que, o documento

classificado na consulta processual eletrônica como de acesso restrito foi disponibilizado no

CD, trata-se da nota técnica nº 212/2015-SGT/ANEEL. Por ser documento produzido após a

conclusão da audiência pública nº 006/2015-ANEEL, não foi incluído no escopo deste

trabalho, deixando-se de realizar análise pontual sobre o documento, a fim de verificar a

conformidade da restrição de acesso frente às disposições da Lei nº 12.527/2011 e do Decreto

nº 7.724/2012.

Quanto aos documentos disponibilizados no link audiência pública, em relação aos

disponibilizados para consulta processual por meio eletrônico; bem como o disponibilizado

diretamente pela agência na forma digitalizada em CD, duas observações são importantes. 1º)

76

O documento identificado como sendo de acesso restrito não faz parte do escopo deste trabalho porque se

trata de documento produzido após a conclusão da audiência pública nº 006/2015-ANEEL, mas pela simples

existência de um documento de acesso restrito num processo de audiência pública, algo contraditório,

decidiu-se fazer o registro.

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136

as contribuições disponibilizadas no link audiência pública não foram localizadas no processo

administrativo consultado via sítio (consulta processual), nem na versão disponibilizada pela

agência em CD. 2º) as versões do processo administrativo disponibilizada seja via sistema,

seja a digitalizada e entregue pela ANEEL em cópia CD não são numeradas, nem rubricadas,

contrariando o disposto no art. 26, § 2º da Norma de Organização ANEEL 001, onde consta,

de forma expressa: “os autos dos processos administrativos deverão ter suas páginas

numeradas sequencialmente e rubricadas”. Da mesma forma o art. 22, § 4º da Lei 9.784/1999

estabelece: “o processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas”.

Ante estes fatos, considerando o objeto de estudo, se decidiu restringir a aplicação da

técnica de análise de conteúdo, seguindo a regra de pertinência de Lawrence Bardin (2011, p.

128), aos documentos disponibilizados no link audiência pública nº 06/2015-ANEEL porque

este conjunto contempla os documentos disponibilizados para fins de participação pública,

incluindo as contribuições e decisão final da Agência. Desta forma, inicialmente se fez a

leitura “flutuante” (BARDIN, 2011, p. 126), ato seguinte se definiu os documentos que

constituiriam o corpus77

, assim como foram formuladas as hipóteses e os objetivos.78

O corpus é constituído, seguindo a regra de pertinência,79

por todos os documentos

disponibilizado no sítio da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL no link

<http://www.aneel.gov.br/audiencias-publicas> pertinentes à audiência pública nº 006/2015-

ANEEL, incluindo, desde os documentos emitidos pela Agência, disponibilizados na abertura

do procedimento para fins de participação na referida Audiência; bem como as contribuições

apresentadas e ainda, os documentos emitidos pela Agência Reguladora após a apresentação

das contribuições até a emissão da Resolução (ato regulamentar).

Para fins de análise os documentos foram separados em quatro conjuntos assim

compostos:

77

Segundo Lawrence Bardin (2011, p. 126) corpus é “conjunto dos documentos tidos em conta para serem

submetidos aos procedimentos analíticos”. 78

Lawrence Bardin (2011, p. 128) ao tratar sobre a organização da análise, mais precisamente sobre a pré-

analise do material aponta a formulação de hipóteses e objetivos como um dos procedimentos desta fase do

trabalho, ensinando que “uma hipótese é uma afirmação provisória que nos propomos verificar (confirmar

ou infirmar), recorrendo aos procedimentos de análise. Trata-se de uma suposição cuja origem é a intuição e

que permanece em suspenso enquanto não for submetida à prova de dados seguros. O objetivo é a finalidade

geral a que nos propomos (ou que é fornecida por uma instância exterior), o quadro teórico e/ou pragmático,

no qual os resultados obtidos serão utilizados”. 79

Conforme a regra de pertinência, definida por Lawrence Bardin (2011, p. 128), “os documentos retidos

devem ser adequados, enquanto fonte de informação, de modo a corresponderem ao objetivo que suscita a

análise”.

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137

Quadro 2 - Conjunto de documentos produzidos durante a AP nº 006/2015 ANEEL

I - Documentos produzidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL

II - Documentos produzidos pelos agentes regulados ou entidades que os representa

III - Documentos produzidos por usuários ou entidades que os representa

IV - Documentos produzidos pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE

Fonte: Pesquisa da autora.

a) I - Documentos produzidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL:

O conjunto de documentos integrantes do primeiro grupo, ou seja, os produzidos pela

Agência, compreende todos os documentos disponibilizados no link Audiência Pública

006/2015 elaborados pela ANEEL, incluindo desde os disponibilizados no momento da

abertura do referido procedimento até os elaborados ao final.

Para melhor identificar os documentos disponibilizados foi anexado a esta dissertação

(ANEXO A) o quadro de identificação dos documentos disponibilizados no sítio da Agência

Nacional de Energia Elétrica – ANEEL no link <http://www.aneel.gov.br/audiencias-

publicas> referentes a audiência pública nº 006/2015-ANEEL.

b) II - Documentos produzidos pelos agentes regulados ou entidades que os representa:

O Segundo conjunto é composto por todas as contribuições apresentadas por agentes

regulados, ou seja, empresas geradoras, transmissoras e ou distribuidoras de energia elétrica,

cujo exercício da atividade é regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL,

bem como as entidades que representam estes agentes como, por exemplo, as associações.

Lista contendo a identificação daqueles que apresentaram contribuições, as quais

compõem o segundo grupo de documentos foi elaborada no formato disponibilizado pela

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, ou seja, alguns participantes são

identificados apenas pelas siglas representativas das empresas e transformada em anexo deste

trabalho (ANEXO B).

c) III - Documentos produzidos por usuários ou entidades que os representa:

Já o terceiro conjunto é composto por todas as contribuições apresentadas por usuários e

entidades que os representam, sendo que neste grupo estão reunidos consumidores urbanos e

rurais, domiciliares, comerciais e industriais, bem como as instituições como, por exemplo,

sindicatos representantes de determinados grupos.

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Relação com a identificação dos que apresentaram contribuições, as quais compõem o

terceiro conjunto de documentos foi elaborada a partir das informações disponibilizadas no

sítio da Agência e transformada em anexo da presente dissertação (ANEXO C).

Além do rol de participantes cujas contribuições foram disponibilizadas no link “lista de

contribuições” identificamos no Anexo II, da Nota Técnica 34/2015-SGT/ANEEL,

documento, por meio do qual, a equipe técnica da reguladora “apresenta respostas e

esclarecimentos” referentes à audiência pública nº 06/2015-ANEEL; alguns nomes de

consumidores (doze no total), cujas contribuições foram citadas e analisadas, as quais não

estavam disponibilizadas juntamente com as demais para consulta no link próprio. Registra-se

ainda, que, em relação às contribuições dos agentes regulados, não foi identificado esse

problema, ou seja, todas as contribuições mencionadas no relatório de análise de

contribuições foram disponibilizadas no link próprio.

Ante esta constatação, por meio do portal da transparência pública e-Sic, formalizou-se,

em 30 de setembro de 2016, a solicitação de disponibilização das referidas contribuições, cuja

resposta foi recebida via correio eletrônico em 21 de outubro de 2015, nos seguintes termos:

Prezada, informamos que o procedimento adotado pela ANEEL é a disponibilização

no site apenas as contribuições pertinentes ao tema em audiência pública. As

contribuições ora citadas não foram disponibilizadas pois fogem ao tema de

discussão. Entretanto, tendo em vista a consulta realizada, iremos disponibilizá-las

em até 5 dias úteis no site da ANEEL. (BRASIL, 2016a).

Decorrido o prazo de 05 dias úteis, verificou-se que foi disponibilizado novo arquivo no

sítio da agência denominado Manifestação dos Consumidores, contendo as contribuições dos

usuários, as quais haviam sido solicitadas via portal da transparência pública.

d) IV – Documentos produzidos pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica

– CCEE:

Por fim, o quarto conjunto de documentos é composto pelas contribuições apresentadas

pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE. Optou-se por analisar de forma

separada este conjunto de documentos porque a natureza desta instituição é diferenciada.

Trata-se de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, concebida por meio da Lei

nº 10.848/2004, autorizada a criação por meio do Decreto nº 5.177/2004, a qual é regulada e

fiscalizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e tem como finalidade

viabilizar a comercialização de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional – SIN

(GONÇALVES, J., 2010, p. 64-67), sendo o procedimento de audiência pública nº 006/2015-

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139

ANEEL de seu interesse direto porque é sua atribuição administrar a Conta Centralizada dos

Recursos de Bandeiras Tarifárias, objeto de discussão na referida audiência pública.

4.1 Definição dos Elementos Representativos dos Dados Brutos

Após leitura flutuante, definição do corpus, fez-se a organização do material coletado,

por meio do desmembramento dos textos produzidos pelos quatro grupos acima identificados

(I, II, III, IV) em unidades de registro agrupadas analogicamente em categorias. O critério de

recorte e organização eleito foi o semântico (BARDIN, 2011, p. 147), por meio da

constituição de categorias temáticas, sendo que, primeiramente, foram definidas categorias

iniciais para posteriormente realizar a organização progressiva em categorias intermediárias e

finais. (SILVA; FOSSÁ, 2013, p. 08).

Para fins de recorte e formação das unidades de registro (BARDIN, 2011, p. 42) foram

considerados cada parágrafo dos documentos e não apenas palavras isoladas, por se entender

que, desta forma, as unidades serão melhores analisadas. Com exceção das memórias de

cálculo dos adicionais das bandeiras tarifárias, material integralmente composto por planilhas

e fórmulas, sem texto, em relação ao qual se optou por considerar cada planilha como uma

unidade de registro.

Todos os documentos produzidos e disponibilizados pela Agência Nacional de Energia

Elétrica – ANEEL no link audiência pública nº 006/2015-ANEEL foram considerados na

constituição do corpus sobre o qual será aplicada a técnica de análise de conteúdo, com

execção apenas de um dos documentos produzidos pela agência reguladora, o qual, em razão

da sua importância e da sua peculiaridade, será abordado de forma isolada. Trata-se de tabela

integrante do voto do Diretor Relator da ANEEL por meio da qual é apresentado o resultado

acerca das contribuições apresentadas durante a audiência pública nº 006/2015-ANEEL. A

não consideração se deu porque o formato do documento não permite a fragmentação em

unidades de registro conforme os parâmetros e categorias fixadas para fins de análise neste

trabalho.

Em que pese os dados da tabela objeto do mencionado voto, a qual contém a síntese da

análise de contribuições da audiência pública nº 06/2015-ANEEL, não comporem unidades de

registro, não se enquadrando pontualmente nas categorias definidas, em razão da relevância

destes dados se considerou importante relata-los e fazer algumas análises comparativas acerca

dos dados ali contidos.

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140

Ainda sobre os recortes e formação das unidades de registro, em razão dos Grupos de

documentos, I e II, serem compostos por contribuições apresentadas por diversos indivíduos

ou entidades, ao efetuar o recorte e classificação (BARDIN, 2011, p. 43) se fez a identificação

acerca do autor de cada unidade de registro, visando possibilitar a identificação da autoria

após as unidades de registros estarem isoladas e classificadas porque no momento da análise

dos resultados esse tipo de informação pode ter alguma relevância.

Quanto aos documentos que compõem o Grupo I, embora sejam todos produzidos pela

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, são documentos produzidos em momentos

diversos, com objetivos diversos, razão pela qual ao recortar e formar as unidades de registro

se fez constar em cada unidade a identificação acerca do documento de origem, por exemplo,

se foi recortado do Voto do Diretor que propõe a abertura da audiência pública nº 006/2015-

ANEEL ou da nota técnica de análise das contribuições.

4.1.1 Elementos Iniciais de Representação Simplificada dos Dados Brutos

Inicialmente, cumpre registrar a inexistência de regras estabelecidas acerca da definição

das categorias (nomeação), e que nem mesmo sobre o número de categorias a ser definido é

elaborado em conformidade com o corpus eleito para análise (SILVA; FOSSÁ, 2013, p. 08).

A constituição e nomeação das categorias iniciais se deram conforme os critérios a seguir

descritos, tendo presente, conforme destacam Andressa Hennig Silva e Maria Ivete Trevisan

Fossá (2013, p. 09), ser na outorga da identificação das categorias que se infere a

subjetividade do pesquisador.

No presente trabalho os indicadores definidos como base para a formulação das

categorias iniciais, extraído do referencial teórico deste trabalho, compõem um conjunto de 08

(oito) categorias iniciais constituídas conforme relacionadas:

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141

Quadro 3 - Categorias iniciais de análsie

Categorias iniciais

A – Complexidade

B - Linguagem Técnica

C – Especialistas

D - Estrutura Estruturada

E - Princípio da Publicidade

F - Acesso à Informação

G - Princípio da Motivação do Ato Administrativo

H - Princípio Democrático

Fonte: Pesquisa da autora.

a) A - Complexidade:

A primeira categoria temática foi denominada complexidade por retratar um dado de grande

importância na atividade reguladora ante a complexidade da atividade a ser exercida pela

Agência, a qual justifica em grande parte a existência da entidade como ente regulador

especializado. Como foi abordado no primeiro capítulo deste trabalho, desde a exposição dos

motivos, os quais levaram o Brasil a adotar este modelo, a complexidade social, econômica,

tecnológica e até mesmo das peculiaridades do serviço de geração e distribuição de energia

impõem um ritmo e um modo diferenciado de regulação, de tal forma que “não pode ser

explicitada completamente em normas jurídicas; depende, basicamente, da realidade social e

econômica do momento” (GUERRA, 2012, p. 96/97), impondo, muitas vezes, a necessidade

de observação do caso concreto, exigindo maior flexibilidade e agilidade na atividade

regulatória, fazendo com que parte importante da regulação estatal deixe de ser definida por

lei, ou seja, pelo Poder Legislativo, e passe a ser executada pelo Poder Executivo, o que, na

prática, uma vez adotado o modelo de Estado gestor, passa a ser executado pela agência

reguladora.

A complexidade social, econômica e tecnológica conduz a especificidades, impondo

uma multiplicidade de conhecimentos cada vez mais específicos e técnicos. Ocorre que esses

conhecimentos necessários à regulação de contextos de grande complexidade são restritos a

um número reduzido de profissionais e inacessível à compreensão de modo aprofundado por

parte da sociedade como um todo.

Ao adotar a técnica de análise de conteúdo e definição das categorias, procurou-se

observar os princípios recomendados por Lawrence Bardin (2011, p. 149-150), dentre eles o

da “exclusão mútua”, de modo que cada elemento não exista “em mais de uma divisão”. Dada

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142

às peculiaridades do objeto de estudo, do corpus definido, a complexidade neste caso será

aferida quando forem identificadas múltiplas variáveis compondo a unidade de registro, cuja

compreensão demande conhecimentos específicos e variados.

Durante a leitura flutuante, foi possível observar que, em geral, as questões complexas

são abordadas por meio de linguagem técnica, mas nem sempre o uso de linguagem técnica

significa tratar-se uma questão complexa. Por isso criou-se uma categoria para registro das

complexidades e outra para registro da linguagem técnica, neste caso por exclusão da

complexidade.

Exemplos de unidade de registro desta categoria:

Na definição dos valores das Bandeiras Tarifárias, as previsões dos custos das

distribuidoras relativos à geração de energia por fonte termelétrica e exposições ao

mercado de curto prazo, referem-se a:

a) Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente de Contratação

Regulada na Modalidade por Disponibilidade – CCEAR D; b) Exposição

Involuntária ao mercado de curto prazo por insuficiência de lastro contratual em

relação à carga realizada; c) Encargo de Serviços do Sistema – ESS decorrentes das

usinas despachadas fora da ordem de mérito e por ordem de mérito com Custo

Variável Unitário – CVU acima do Preço de Liquidação de Diferenças - PLD

máximo; d) Ressarcimento da Conta de Energia de Reserva – CONER; e) Exposição

ao mercado de curto prazo decorrente de insuficiência de geração alocada no âmbito

do Mecanismo de Relocação de Energia – MRE – das usinas hidrelétricas

contratadas em regime de cotas, de que trata o art. 1º da Lei nº 12.783, de 2013

(Risco Hidrológico das Cotas); e f) Exposição ao mercado de curto prazo decorrente

de insuficiência de geração alocada no âmbito do MRE de Itaipu Binacional (Risco

Hidrológico de Itaipu). (BRASIL, 2015f, p. 04).

b) B - Linguagem técnica:

A linguagem técnica foi definida como segunda categoria pois a utilização de termos

técnicos, os quais não são igualmente compreensíveis por todos, exigindo conhecimentos

específicos para a sua compreensão, é elemento que dificulta ou mesmo inviabiliza a

compreensão por parte dos cidadãos em geral, interferindo, assim, de forma negativa na

participação popular, seja nos procedimentos de audiência pública, seja no exercício do

controle.

Norberto Bobbio (2015, p. 59) já alertava para o fato de que na sociedade industrial o

protagonismo não é do cidadão e sim dos especialistas. Contrariando o ideal da democracia de

que todos possam decidir sobre todas as coisas, na tecnocracia apenas os detentores de

conhecimentos especializados são capazes de decidir. Nesta linha, Paulo Bonavides trata a

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143

tecnocracia como a terceira ameaça80

à democracia, a começar pela identificação no

comportamento dos tecnocratas de “uma certa insensibilidade aos aspectos mais humanos da

questão social” (2007, p. 479). O autor enfatiza ainda:

Fica-se com a impressão de que o seu raciocínio se encarcera em fórmulas

matemáticas e o mundo que vive está morto para os seus cálculos. A economia pura

e abstrata é o reino onde traça esquemas frios de planificação, que não raro vão

despedaçar-se ao encontro da realidade irônica onde as reações sociais não são

tomadas na devida conta e em consequência acabam por oferecer um quadro de

vingança espelhado em fracassos retumbantes. (BONAVIDES, 2007, p. 479).

Muito embora a complexidade e a especialização sejam em certa medida inerentes a

atividade das agências reguladoras, é preciso ter cuidado para não utilizar a linguagem técnica

como artifício que venha a trazer “conforto” aos profissionais da regulação, levando à

construção de um espaço sobre o qual ninguém, a não ser os especialistas, possa efetivamente

participar e controlar. Além disso, mesmo que seja imprescindível a utilização de termos

técnicos, é preciso envidar todos os esforços na decodificação destes termos com vistas a

promover a compressão de forma indiscriminada.

Para fins de organização de dados, como explicado anteriormente, serão classificados,

na categoria Linguagem Técnica, por exclusão, os parágrafos (unidade de registro) que não

tenham sido classificados como complexos, procurando com isso manter a “exclusão mútua”.

Exemplo de unidade de registro selecionada nesta categoria:

O Custo Variável Unitário será informado mensalmente pelo ONS e será aquele

relacionado à usina mais cara com previsão de despacho por ordem de mérito ou

segurança energética para o mês subsequente à reunião do Planejamento Mensal de

Operação – PMO. (BRASIL, 2015b)

c) C - Especialistas:

Partindo da conceituação de especialista bem sintetizada por Anthony Giddens (1997, p.

105), segundo o qual “especialista é qualquer indivíduo que pode utilizar com sucesso

habilidades específicas ou tipos de conhecimento que o leigo não possui” e considerando que,

num eventual confronto entre um especialista e um leigo haverá desequilíbrio “nas

habilidades ou não informação”, fazendo do primeiro uma autoridade em relação ao segundo,

80

A primeira e segunda ameaças identificadas pelo autor são os partidos políticos e os grupos de pressão,

interpostos entre os cidadãos e o Estado, procurando interferir nas decisões. Paulo Bonavides, em sua obra

Ciência Política discorre sobre o tema abordando os aspectos positivos e negativos em sua obra Ciência

Política. (2007, p. 460-477).

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144

definiu-se a terceira categoria com o objetivo de identificar a atuação de especialista nos

quatro grupos de documentos que formam o corpus (Grupos I, II, III, IV).

A especialização da agência para o exercício da atividade regulatória é um elemento

central na justificativa da própria existência das reguladoras e do modelo regulatório, contexto

no qual o emprego da técnica tem como principais objetivos a eficiência e a “racionalidade do

poder da Administração Pública” (MAURANO, 2006, p. 90).

Trabalhando com a ideia central de especialista como sendo o sujeito possuidor de

conhecimento especializado, procurar-se-á aferir, no texto, elementos capazes de atestar a

elaboração do documento por especialista, tais como: a identificação do profissional ou a

remissão específica à elaboração por especialista.

Exemplo de unidade de registro selecionada nesta categoria:

ASSINAM A NOTA TÉCNICA:

ANDRÉ VALTER FEIL ANDREY VINÍCIUS ALTOÉ

Especialista em Regulação Especialista em Regulação

CAMILA FIGUEIREDO BOMFIM LOPES CRISTINA SCHIAVI NODA

Especialista em Regulação Especialista em Regulação

PAULO FELIX GABARDO OTÁVIO HENRIQUE GALEAZZI FRANCO

Especialista em Regulação Especialista em Regulação

De acordo:

DAVI ANTUNES LIMA

Superintendente de Gestão Tarifária (BRASIL, 2015b, p. 13).

d) D - Estrutura estruturada:

A quarta categoria temática reflete elemento importante do referencial teórico da

presente dissertação, são as estruturas estruturadas, trabalhadas por Pierre Bourdieu na

definição do conceito de habitus. Por meio desta categoria, buscou-se aferir a tendência de

certos conceitos serem postos “como óbvios” e mobilizados como se fossem evidentes, numa

tentativa de identificar a atuação daquele que “age como está acostumado a agir, e com

razoável chance de êxito”. (RAUD, 2007, p. 217).

Procurou-se identificar e isolar elementos do texto capazes de demonstrar a estrutura

estruturada no agente, “segundo princípio de diferenciação que, por eles próprios o produto de

tais diferenças, estão objetivamente ajustados a elas e, portanto, tendem a percebê-las como

naturais”. (BOURDIEU, 2013, p. 164).

Os elementos do texto, isolados segundo esta temática, são aqueles que demonstram

uma incorporação pelo autor do documento da estrutura do campo regulatório do setor

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145

elétrico, como por exemplo, a utilização sistemática de siglas de abreviação, as quais são

trabalhadas como óbvias e naturalmente percebidas. Contudo, neste caso não será possível

observar na íntegra a orientação de Lawrence Bardin acerca da exclusão mútua de cada

elemento do texto, isso porque a estrutura estruturada pode ser identificada em unidades de

registro isoladas na categoria “A - Complexidade” ou na categoria “B - Linguagem técnica”.

Segue-se ainda a recomendação de Lawrence Bardin (2011, p. 149-150), a qual afirma ser

possível, em certos casos, “pôr-se em causa” a qualidade da “exclusão mútua” desde que seja

adaptado o “código” evitando “ambiguidades no momento dos cálculos”.

Assim, fez-se duplo recorte das unidades de registro enquadráveis ao mesmo tempo na

categoria habitus e na categoria complexidade ou linguagem técnica, fazendo a classificação

nas duas unidades correspondentes, como no exemplo que segue:

Quadro 4 - Exemplo de unidades de registro organizadas

Classificação Unidade de Registro

I.B5 (Grupo I; categoria B - linguagem

técnica; 5 - quinta unidade de registro

classificada na categoria)

Para o acionamento das Bandeiras Tarifárias, o ONS

deverá informar o maior CVU dentre as usinas

termelétricas despachadas por ordem de mérito ou

segurança energética no PMO.

I.D2 (Grupo I; categoria D - estrutura

estruturada; 2 - segunda unidade de registro

classificada na categoria)

Para o acionamento das Bandeiras Tarifárias, o ONS

deverá informar o maior CVU dentre as usinas

termelétricas despachadas por ordem de mérito ou

segurança energética no PMO.

Fonte: Pesquisa da autora.

Neste exemplo, a leitura destas unidades de registro se fará da seguinte forma:

a) a unidade de registro do primeiro caso (I.B5) significa que no Grupo de

documentos I; foi classificada na categoria “B - Linguagem Técnica” a quinta

unidade de registro (5), a qual foi recortada e isolada na segunda coluna;

b) a unidade de registro do segundo caso (I.D.2) significa que no Grupo de

documentos I, foi classificada na categoria “D - Estrutura estruturada” a segunda

(2) unidade de registro, na qual as siglas identificadas na unidade de registro

recortada e isolada na segunda coluna demonstram a existência de uma estrutura

estruturada na elaboração do documento pela agência reguladora.

e) E - Princípio da Publicidade:

A categoria temática Princípio da Publicidade foi constituída para refletir a observância

deste princípio constitucional previsto expressamente no art. 37 da Constituição Federal, cuja

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146

aplicação se impõe a todos os entes públicos, incluindo as agências reguladoras, as quais

devem publicar (divulgar) de forma oficial os atos administrativos como condição de eficácia

dos mesmos, devendo ter, ainda, o cuidado de fazê-lo de forma impessoal e generalizada.

Sobre a publicidade, Gustavo Binenbojm afirma se tratar de um princípio constitucional

que possui “conteúdo finalístico como um mandado de otimização” (2009, p. 04) o qual

“impõe ao Estado o dever jurídico de adotar medidas progressivas da universalização do

acesso das pessoas interessadas e da cidadania em geral às informações oficiais e atos do

Poder Público” (2009, p. 05).

Na forma do art. 22 do Decreto nº 2.335/1997 “o processo decisório da ANEEL

obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, ampla publicidade e

economia processual”. Observa-se que, além de contar de forma expressa a previsão acerca da

publicidade como princípio, foi agregada a palavra “ampla”, demonstrando claramente a

importância da divulgação de todas as fases do processo decisório, num sentido mais

abrangente do que o previsto no próprio texto constitucional.

Exemplo de unidade de registro selecionada nesta categoria:

SUPERINTENDÊNCIA DE MEDIAÇÃO ADMINISTRATIVA, OUVIDORIA

SETORIAL E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA AVISO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA

Nº 6/2015 Processo: 48500.000484/2015-77 Objeto: obter subsídios e informações

para aprimoramento do sistema de bandeiras tarifárias e da regulamentação da Conta

Centralizadora dos Recursos de Bandeiras Tarifária. Modalidade: Intercâmbio de

documentos. Período para envio: 9 a 20/2/2015. A íntegra deste Aviso está juntada

aos autos e disponível no endereço eletrônico www.aneel.gov.br na área ‘Espaço do

Consumidor’ ->menu Audiências/Consultas -> Audiências Públicas -> Audiência

Ano 2015. (BRASIL, 2015a).

f) F - Acesso à informação:

A definição da quinta categoria teve como objetivo apurar as unidades de registro

relacionadas diretamente ao direito de acesso à informação entendido como dever de informar

imposto à agência reguladora e direito assegurado a todo cidadão.

Como já foi abordado no capítulo segundo deste trabalho, a partir do advento da

Constituição Federal de 1988, o direito de acesso à informação passou a ter acento de forma

expressa no texto constitucional, integrando assim o rol dos direitos fundamentais

positivados. Conforme previsto no inciso XXXIII, do art. 5º da Lei Magna, é assegurado a

todos o direito de obter informações de seu interesse particular, coletivo ou geral a ser

prestado pelos órgãos públicos na forma da lei, excepcionados os casos de imprescindível

sigilo.

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O direito fundamental de acesso à informação compreende o dever de informar ao qual

está vinculado todo o gestor público (transparência ativa regulamentado pelo Decreto nº

7.724/2012 em seus artigos 7º e 8º), bem como o direito de cada indivíduo de ter acesso à

informação (transparência passiva regulamentada na forma dos artigos 9º e 10 do Decreto nº

7.724/2012). Sua relevância como direito fundamental pode ser abordada sob diversos

enfoques, como por exemplo, a relação entre autonomia dos indivíduos e o poder, visto que

dispor de informações, conhecer, em muitas situações, é elemento essencial à autonomia

enquanto que o segredo, ou falta de informação, é favorável a manutenção do poder.

Neste caso, após observar durante a pesquisa exploratória que determinados textos de

caráter informativo eram tecnicamente complexos ou possuíam linguagem técnica, com o

objetivo de poder aferir o quanto a não decodificação dos termos pode comprometer a

compreensão das informações disponibilizadas no procedimento, apesar da regra de

exclusividade,81

optou-se por, no momento da classificação, duplicar a unidade de registro

com essa característica, ou seja, que fosse ao mesmo tempo classificável na categoria acesso à

informação e complexidade ou linguagem técnica. Com isso, possibilita-se que após o

término dos recortes (BARDIN, 2011, p. 77) as unidades de registro classificadas na categoria

inicial acesso à informação sejam, num processo de cruzamento com as unidades de registro

das categorias complexidade e linguagem técnica, separadas daquelas cuja informação tenha

uma dessas características, permitindo identificar quanto das unidades de informação são

complexas e/ou possuem linguagem técnica.

Exemplo de unidade de registro selecionada enquadrada na categoria acesso à

informação e também na categoria complexidade:

Para as usinas comprometidas com CCEARs-D na modalidade por disponibilidade,

o custo contabilizado como ESS, dado pela diferença entre o CVU e o PLD, foi

alocado integralmente aos consumidores cativos do SIN, em consonância com a

forma de rateio proposta pela Nota Técnica nº 15/2015- SRM/SRG/ANEEL, no

âmbito da Audiência Pública nº 001/2015, a qual estabeleceu que o rateio deve ser

suportado pelos compradores de CCEARs, até o limite da obrigação da entrega

contratual, como um componente da receita variável associada a esses contratos.

(BRASIL, 2015f, p. 04).

Exemplo de unidade de registro selecionada enquadra apenas na categoria acesso à

informação:

81

Quanto às regras de fragmentação da comunicação como condição de validade da análise, dentre as quais

está relacionada a regra da exclusividade, segundo a qual “um mesmo elemento do conteúdo não pode ser

classificados aleatoriamente em duas categorias diferentes” Lawrence Bardin (2011, p. 42) registra, que tais

regras são, “de fato, raramente aplicáveis”.

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Em 05 de fevereiro de 2015, foi emitido o Decreto nº 8401/2015, determinando a

criação da Conta Centralizadora dos Recursos de Bandeiras Tarifárias, destinada a

administrar os recursos decorrentes da aplicação das bandeiras tarifárias, a qual

deverá ser regulamentada pela ANEEL. (BRASIL, 2015f, p. 01).

g) G - Princípio da motivação do ato administrativo:

De igual sorte, a presente categoria temática tem como função identificar a presença ou

ausência de motivação nos documentos produzidos pela agência reguladora e ainda, se por

ventura existe algum registro nos documentos produzidos pelos demais grupos (II, III e IV)

acerca da motivação por parte da entidade de regulação.

O princípio da motivação, em que pese a previsão expressa no texto constitucional

mencionar apenas as decisões administrativas dos Tribunais,82

é princípio aplicável a toda a

administração pública. Deste modo “todos os atos administrativos sobremodo se afetarem

direitos”, devem ostentar “uma explícita justificação, em analogia com o que sucede com os

atos jurisdicionais” (FREITAS, 2009, p. 49) (destaque do autor). Wallace Paiva Martins

Júnior (2010, p. 60) acrescenta o princípio da Motivação ao rol de princípios a serem

observados como condição de efetiva transparência pública, destacando que é por meio da

motivação posta como a “revelação das razões da decisão que proporciona-se a crítica, a

reação, a adesão e o controle” por parte dos cidadãos.

Como ensina Juarez Freitas (2009, p. 50), a motivação deve funcionar como “um

escudo do cidadão contra arbitrariedades e desvios invertebrados”. Nesta linha, a lei que

regula o processo administrativo, Lei nº 9.784/99, em seu art. 50, exige a participação dos

cidadãos nos procedimentos administrativos, bem como a motivação das decisões por parte do

administrador (gestor público).

A motivação é elemento essencial ao ato administrativo emitido sob a égide do Estado

Democrático de Direito, “como num círculo virtuoso, o conhecimento do fato (acesso,

publicidade) e de suas razões (motivação) permite o controle, a sugestão, a defesa, a consulta,

a deliberação (participação)”. (MARTINS JÚNIOR, 2010, p. 40).

Em relação às unidades de registro classificadas na categoria inicial: princípio da

motivação do ato administrativo, também se procedeu da mesma forma que em relação a

categoria acesso à informação, isolando as unidades classificáveis em motivação e duplicando

aquelas aptas a serem classificadas como complexas ou de linguagem técnica, assim

classificando a mesma unidade nas duas categorias, para, após concluída a classificação,

isolar todas as unidades da categoria princípio da motivação para ato contínuo separar dentre

82

Constituição federal, art. 93, inciso X “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão

pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”.

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estas, aquelas que também demonstrem complexidade ou linguagem técnica, formando assim

dois grupos dentro da categoria princípio da motivação do ato administrativo, ou seja, um

grupo composto por unidades enquadradas apenas em princípio da motivação e um segundo

grupo contendo aquelas unidades de registro classificadas simultaneamente nesta categoria e

ainda nas categorias complexidade ou linguagem técnica, o que permite a análise de quanto da

motivação pode ser comprometida pela presença da complexidade ou de uma linguagem não

coloquial.

Exemplo de unidade de registro selecionada, enquadrada na categoria princípio da

motivação e também na categoria complexidade:

Não aceita. Mantem-se o entendimento de que deverá ser considerada, para fins de

apuração dos repasses da CCRBT, a receita faturada. Isso porque, nas revisões

tarifárias periódicas, os custos associados à inadimplência, denominados como

receitas irrecuperáveis, são incorporados na Parcela B de cada distribuidora, por

meio da aplicação de percentual regulatório sobre a receita requerida apurada. Não

obstante, se antes do processo de revisão periódica houver desequilíbrio na Parcela

B em função de eventual aumento de inadimplência, a concessionária poderá

pleitear revisão tarifária extraordinária. A partir disso, a ANEEL analisará em

processo específico a comprovação dos custos de inadimplência e a magnitude do

impacto destes custos no equilíbrio da concessão. (BRASIL, 2015g).83

Exemplo de unidade de registro selecionada enquadrada somente na categoria princípio

da motivação

Resposta ANEEL Não aceita. Na terminologia utilizada no setor elétrico, são

denominados de consumidores finais todos os consumidores de energia,

independentemente do propósito do consumo. (ANEEL, 2015g).

h) H - Princípio democrático:

A última categoria temática foi definida com o objetivo de apurar a existência de

unidades de registro que demonstrem cuidado da agência em assegurar a efetividade do

princípio democrático, consagrado expressamente no texto constitucional brasileiro,

assegurando a todos o exercício da democracia, na sua forma direta ou representativa, em

igualdade de condições. Tendo presente, como ensinam Sérgio Ferraz e Adilson Abreu

Dallari (2003, p. 21-22) que “somente se pode pensar em efetiva realização do princípio

democrático quando e onde possa o administrado participar da feitura do querer

administrativo, ou da sua concretização efetiva”.

83

Por ser o documento por meio do qual a Agência analisa as contribuições recebidas durante a audiência

pública 006/2015 expondo os motivos acerca de sua decisão, referido documento foi anexo a este trabalho

(Anexo E). Registra-se que foi anexado apenas o corpo da referida Nota Técnica, sem incluir os próprios

anexos que acompanham o documento dado à extensão dos mesmos.

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Princípio cuja observância por meio da efetiva promoção da participação dos cidadãos

nos processos decisórios da administração pública, conforme já abordado no segundo capítulo

deste trabalho, é essencial à legitimação dos atos administrativos. No caso dos atos

administrativos regulamentares das reguladoras, eles têm ainda mais ênfase considerando o

fato de pairar sobre estas um déficit democrático motivado especialmente pela não eleição de

seus representantes e sua autonomia em relação aos Poderes constituídos por meio do

processo eleitoral.

A seleção das unidades de registro levou em conta a existência ou não de elementos nos

textos produzidos pela reguladora voltados ao exercício do princípio democrático, entendido,

neste caso, como o direito de participação de todos os cidadãos no processo de audiência

pública como instrumento de promoção da participação popular de forma direta e legitimação

substancial do ato administrativo.

Exemplo de unidade de registro selecionada nesta categoria:

A Audiência Pública tem por objetivos: • obter subsídios para o processo decisório

da ANEEL; • propiciar aos agentes e consumidores a possibilidade de

encaminhamento de seus pleitos, opiniões e sugestões; • identificar, da forma ampla

e democrática, todos os aspectos relevantes à matéria objeto da Audiência Pública.

(BRASIL, 2015a).

Visando depurar os dados brutos coletados procedeu-se ao agrupamento das categorias

iniciais em categorias intermediárias.

4.1.2 Reagrupamento Progressivo dos Elementos Representativos

Dando sequência à organização progressiva dos dados – “passagem de dados brutos

para dados organizados” (SILVA, FOSSÁ, 2013, p. 04) – as categorias intermediárias foram

constituídas a partir da aglutinação de categorias iniciais com o objetivo de promover o

agrupamento destas levando em consideração a parte comum que existe entre os elementos já

agrupados.

Do agrupamento das categorias iniciais, foram constituídas três categorias

intermediárias conforme quadro abaixo:

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Quadro 5 - Agrupamento progressivo das categorias iniciais

INICIAIS INTERMEDIÁRIAS

A Complexidade

I - Capital Cultural B Linguagem técnica

C Especialistas

D Estrutura estruturada II - Habitus

E Princípio da publicidade

III - Transparência Pública

F Acesso à informação

G Princípio da motivação dos atos administrativos

H Princípio democrático

Fonte: Pesquisa da autora.

a) I - Capital cultural:

Partindo da premissa exposta por Pierre Bourdieu (2004, p. 26) segundo a qual “cada

campo é o lugar de constituição de uma forma específica de capital” onde “as espécies de

capital, à maneira dos trunfos num jogo, são os poderes que definem as probabilidades de

ganho num campo determinado” (2006, p. 134), a partir da leitura flutuante do corpus, bem

como da definição das categorias iniciais A - Complexidade, B - Linguagem técnica e C -

Especialistas e da identificação dos elementos comuns existentes entre estas categorias

iniciais definiu-se a categoria intermediária: I - Capital Cultural.

O capital é um elemento central nos trabalhos desenvolvidos por Pierre Bourdieu, cuja

concepção e peculiaridade é bem explicada pelo autor português José Luíz Casanova ao dizer

que:

A noção de capital em Pierre Bourdieu denota, pois, especificidades e uma

abrangência que, apesar das aparentes semelhanças iniciais, a distinguem tanto da

interpretação estritamente econômica (racionalista e monetarista), como da que lhe é

dada por Karl Marx, autor em que tal noção é essencialmente devedora de uma

perspectiva relacional, designando antes de mais nada um dos pólos (face ao

trabalho assalariado) nas relações de produção capitalista. A conceptualização de

Bourdieu revela-se, aliás, bastante mais próxima do pensamento de Max Weber,

quer pela multiformidade que lhe é atribuída, quer pela avaliação do capital

enquanto tempo ou quantidade de trabalho. (CASANOVA, 1995, p. 64).

Em cada campo, na percepção de Pierre Bourdieu (2006, p. 134), existe um capital

central, predominante, o qual possui mais “valor” em relação aos demais naquele espaço,

sendo responsável por definir as “probabilidades de ganho num campo determinado”. O

sociólogo, procura explicar essa assertiva por meio do seguinte exemplo:

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152

O volume de capital cultural (o mesmo valeria, mutatis mutadis, para capital

econômico) determina as probabilidades agregadas de ganho em todos os jogos em

que o capital cultural é eficiente, contribuindo deste modo para determinar a posição

no espaço social (na medida em que esta posição é determinada pelo sucesso no

campo cultural). (BOURDIEU, 2006, p. 134).

O campo regulatório, assim como outros campos descritos por Pierre Bourdieu (2004, p.

172) como, por exemplo, o campo literário, constitui-se ao mesmo tempo um campo de forças

e de lutas com o objetivo de “transformar ou conservar a relação de forças estabelecida: cada

um dos agentes investe a força (capital) adquirida nas lutas anteriores em estratégias que

dependem quanto à orientação, da posição desse agente nas relações de força, isto é, de seu

capital específico”. Segundo destacado por José Luíz Casanova (1995, p. 64) na perspectiva

de Pierre Bourdieu “capital é, já em si mesmo, poder”.

Os dados brutos agrupados nas categorias iniciais A - Complexidade, B - Linguagem

técnica e C - Especialistas, uma vez apurado o que possuem em comum num processo de

reagrupamento progressivo, levaram a constituição da categoria intermediária Capital

Cultural porque o conhecimento técnico, a atuação de especialistas sinalizam ser este o

capital central no campo regulatório do setor elétrico, notadamente no espaço de luta formado

pela audiência pública funcionando como “uma espécie de capital particular, que ocorre,

como poder e como coisa em jogo”. (BOURDIEU, 2006, p. 134).

Na audiência pública, o Capital Cultural, entendido como o conhecimento técnico

específico e especializado, o qual os profissionais identificados como especialistas possuem,

determina as probabilidades de vencer o jogo, seja na manutenção das condições ou na

subversão destas, contribuindo deste modo para determinar a posição no campo regulatório.

b) II - Habitus:

A segunda categoria intermediária foi definida como Habitus a partir da categoria

inicial estrutura estruturada. Pierre Bourdieu (2010, p. 144) desenvolveu este conceito

procurando explicar que o habitus “é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo

que incorporou as estruturas de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo

como a ação nesse mundo”. O corpo que incorporou a estrutura de um campo é um corpo

estruturado o qual uma vez estruturado acaba por estruturar percepção e ação naquele campo

(ANDRADE, 2006, p. 107). Ter o habitus do campo é “ter o sentido do jogo é ter o jogo na

pele” (ANDRADE, 2006, p. 107), pois conforme esclarece Pierre Bourdieu:

O habitus como sentido do jogo é o jogo social incorporado, transformado em

natureza. Nada é simultaneamente mais livre e mais coagido do que a ação do bom

jogador. Ele fica naturalmente no lugar em que a bola vai cair, como se a bola o

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153

comandasse, mas, desse modo, ele comanda a bola. O habitus como social inscrito

no corpo, no indivíduo biológico, permite produzir a infinidade de atos de jogo que

estão inscritos no jogo em estado de possibilidades e de exigências objetivas, as

coações e as exigências do jogo, ainda que não estejam reunidas num código de

regras impõe-se àqueles e somente àqueles que, por terem o sentido do jogo, isto é, o

senso da necessidade imanente do jogo, estão preparados para percebê-las e realiza-

las. (2004, p. 82).

A semelhança do habitus político, o habitus no campo regulatório “supõe uma

preparação especial” (BOURDIEU, 2006, p. 169) demandando um aprendizado especial por

meio do qual é adquirido “o corpus de saberes específicos” (BOURDIEU, 2006, p. 169) que

compreende desde conhecimentos acerca de engenharia, estatística, tecnologia, condições de

mercado, projeções meteorológicas até outros conhecimentos específicos necessários

“produzidos e acumulados pelo trabalho dos profissionais [...] do presente e do passado ou

das capacidades mais gerais tais como o domínio de uma certa linguagem e de uma certa

retórica”. (BOURDIEU, 2006, p. 169). Para aqueles que possuem o habitus do campo, tudo

naquele espaço é evidente, a tal ponto que eles “se compreendem com meias palavras”

(BOURDIEU, 2004, p. 101), ou, como se identificou nesta pesquisa, por siglas e fórmulas

peculiares ao campo regulatório.

c) III - Transparência pública:

A terceira categoria intermédia é a Transparência Pública, por se tratar de princípio

constitucional implícito, resultado da conjugação dos princípios constitucionais da

publicidade, motivação e princípio democrático, bem como o direito fundamental de acesso à

informação. Essa conjugação é tal que a não observância de qualquer um destes princípios

e/ou direito fundamental compromete a essência do Estado Democrático de Direito. A

transparência, conforme registra Izabela Moreira Correâ e Mário Vinícius Claussen Spinelli

(2011, p. 132), entendida como política pública, “está asociada a la profundización

democrática, a la buena gobernanza y a la prevención y combate a la corrupción”, de modo

que estas políticas serão eficientes “si contribuyen a profundizar los niveles de democracia de

los países, a garantizar o mejorar la gestión de las políticas públicas y/o a prevenir y combatir

la corrupción”.

Conforme João Gaspar Rodrigues “a visibilidade do poder e a possibilidade do seu

controle, portanto, integram a essência de uma democracia representativa”. (2014, p. 97). A

transparência em oposição ao segredo, o qual “ocupa apenas o lugar de exceção na construção

do sentido da unidade de princípios” (OHLWEILER, 2016) funciona como princípio que

tutela os “direitos do cidadão de: saber, controlar, ser ator e não só espectador da vida

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154

administrativa” (TABORDA, 2002, p.258-259). Não só reflete, como é o princípio que

engloba as categorias iniciais: E - Princípio da Publicidade, F - Direito de acesso à

informação, G - Princípio da Motivação dos atos administrativos e H - Princípio

Democrático.

4.1.3 Reagrupamento Final dos Elementos Representativos

Dando sequência ao reagrupamento progressivo das categorias, foram definidas as

categorias terminais ou categorias finais “com uma generalidade mais fraca” (BARDIN, 2011,

p.149), tendo como objetivo “finalizar as interpretações e respaldar as conclusões”. (SILVA,

FOSSÁ, 2013, p. 11).

Com a proposta de representarem “a síntese dos sentidos identificadas na análise de

conteúdo dos dados” (OHLWEILER, 2016, p. 17) foram definidas duas categorias finais

sendo estas: I - Práticas e II - Legitimação formal, as quais representam o referencial teórico

da presente trabalho, na qual a audiência pública é vislumbrada como um espaço de luta no

subcampo regulatório perpassando pelos principais elementos trabalhados por Pierre Bourdieu

(capital, habitus e campo), bem como pela questão da legitimação do agente regulador ante a

constitucionalização da administração pública e do déficit democrático peculiar às

reguladoras, buscando desenvolver uma análise ora comparativa, ora explicativa acerca dos

documentos produzidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Grupo I), pelos

agentes regulados e aqueles que os representam (Grupo II), pelos usuários e aqueles que os

representam (Grupo III) e pela Câmera de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE

(Grupo IV).

Quadro 6 - Reagrupamento final

INICIAIS INTERMEDIÁRIAS FINAIS

A Complexidade

I - Capital Cultural

I - Práticas

B Linguagem técnica

C Especialistas

D Estruturas estruturadas II - Habitus

E Princípio da Publicidade

III - Transparência Pública

II - Legitimação

Formal

F Acesso à informação

G Princípio da Motivação dos atos

administrativos

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155

H Princípio Democrático

Fonte: Pesquisa da autora.

a) I - Práticas:

As categorias intermediárias I - capital cultural e II - habitus são conceitos trabalhados

por Pierre Bourdieu juntamente com o conceito de campo, as quais, juntas, constituem a

fórmula: [(habitus) (capital)] + campo = prática (BOURDIEU, 2013, p. 97) apresentada em

sua obra A Distinção. Ao analisar o espaço social e suas transformações, o sociólogo aplica a

teoria das práticas como instrumento, representando o abandono da preocupação com o

aperfeiçoamento interno de uma teoria, procurando “(re)ativar a produção teórica enquanto

prática social”. (CASANOVA, 1995, p.69). Seu trabalho investigativo tem como objetivo

“conhecer as estruturas” como estruturantes em um determinado campo, bem como

estruturadas, ou seja, procura aferir o quanto as estruturas são determinantes das relações

internas de um campo, assim como o quanto “estas estruturas são determinadas por estas

relações”. (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 41).

Os elementos habitus, capital e campo são centrais na obra do sociólogo, os quais são

trabalhados e testados em pesquisas empíricas por meio das quais procura explicar as práticas

sociais. Neste contexto, habitus é o “princípio gerador e unificador de todas as práticas”

(BOURDIEU, 2013, p. 165), sendo que “a lógica específica do campo, do que está em jogo e

da espécie de capital necessário para participar do mesmo, é que comanda as propriedades

através das quais se estabelece a relação entre a classe e a prática” (BOURDIEU, 2013,

p.106). Assim, como bem esclarece José Luís Casanova, o qual denomina a fórmula de Pierre

Bourdieu de “fórmula telegráfica” (1995, p. 67):

A equação parece sublinhar, acima de tudo, a explicabilidade das práticas sociais em

função não apenas dos habitus e dos volumes, estruturas e trajetórias de capital dos

actores, mas também do campo específico em que aquelas práticas são

desenvolvidas, bem como de eficácia dos habitus e dos capitais nesse campo. Ou

seja, que as práticas concretizadas por determinados actores sociais têm realizações

específicas que dependem do campo em que são concretizadas, mas, em última

análise, e determinantemente, elas variam sobretudo com o habitus e o capital desses

actores, bem como com a aplicabilidade desse capital ao campo particular em que a

prática é desenvolvida (1995, p. 67-68).

Trabalhando estes conceitos ante as situações concretas (empíricas), a teoria da prática

apresenta-se como a forma “de entender a via social enquanto produto das condições

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156

materiais e culturais, bem como das práticas e experiências coletivas e individuais”.

(CASANOVA, 1995, p. 62).

Num determinado campo, “o habitus como sistema de disposições para a prática, é um

fundamento objetivo de condutas regulares, logo, da regularidade das condutas” permitindo a

previsibilidade das práticas “porque o habitus faz com que os agentes que o possuem

comportem-se de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias” (BOURDIEU,

2004, p. 98), o que é reconhecível entre aqueles que possuem o habitus daquele campo

específico. Conforme Pierre Bourdieu (2003, p. 65) “o habitus é a mediação universalizante

que faz com que as práticas, sem razão explícita, e sem intenção significante de um agente

singular, sejam, no entanto, ‘sensatas’, ‘razoáveis’ e objetivamente orquestradas”.

Por outro lado, o capital central do campo funciona como elemento determinante.

Conforme José Luís Casanova (1995, p. 64) o “volume, estrutura e trajectórias dos diversos

tipos de capital seriam, então, elementos decisivos a ter em conta na análise que respeita à

identificação de actores sociais relevantes bem como na configuração dos seus habitus e das

suas práticas”.

II - Legitimação pela participação cidadã

A importância da participação popular como instrumento de legitimação dos atos

administrativos normativos das agências reguladoras é alicerçada, como se viu no Segundo

Capítulo deste trabalho, em duas razões fundamentais, sendo estas: I) a constitucionalização

da administração pública a partir da institucionalização do modelo de constituição rígida

como fonte de garantia de direitos fundamentais e II) a não representatividade dos seus

dirigentes, os quais não são eleitos e sim nomeados pelo Chefe do Poder Executivo,

possuindo autonomia reforçada e mandato por tempo determinado não exoneráveis ad nutum,

ou seja, contam com “estabilidade temporária”.

Para que a participação social tenha força como instrumento de legitimação, ela deve

ocorrer de forma a efetivamente inserir os cidadãos nos processos administrativos decisórios

por meio de “estruturas dialógicas”. (BAPTISTA, 2003, p. 128). A abertura de procedimento

de participação cidadã é o primeiro passo para a legitimação, mas não é o suficiente como

instrumento de efetiva legitimação. Para tanto, ele deve ser capaz de incluir a sociedade no

debate, o que perpassa desde a publicidade, linguagem, prazos, entre outros instrumentos

aptos a promover a participação de forma efetiva, caso contrário, ou seja, se o procedimento

ficar limitado à abertura de espaço, sem chegar ao conhecimento da sociedade ou sem que

possa ser por essa compreendido, estar-se-á diante de um procedimento meramente formal, ao

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157

passo que para alguns autores, como Maria João Rolim e Carolina Queiroz Mello (2012, p.

156) a divulgação e a participação efetiva dos usuários no procedimento é condição de

validade das decisões das agências.

4.2 Resultados Obtidos

4.2.1 Síntese da Análise das Contribuições da Audiência Pública nº 06/2015

Antes de analisar os resultados dos dados organizados abordar-se-á um achado, o qual

não faz parte do material analisado por meio da técnica de análise de conteúdo em razão de o

seu formato de tabela não permitir a formação de unidades de registro no padrão adotado

neste trabalho. O referido documento trata-se da síntese da análise das contribuições

apresentadas durante a audiência pública nº 06/2015-ANEEL, o qual é parte da

fundamentação do Voto do Sr. Diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL no

qual foi apresentado o resultado da referida audiência pública. No documento, como se pode

observar abaixo, são listadas as entidades e/ou indivíduos que apresentaram contribuições,

discriminando quantas contribuições foram apresentas e destas quais foram acolhidas,

acolhidas parcialmente, não acolhidas, não consideradas e já contempladas.

Tabela 3 - Síntese da análise de contribuições da audiência pública nº 06/2015-ANEEL

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158

Fonte: ANEEL (BRASIL, 2015c).

Não se considera, para fins deste trabalho, o acolhimento ou não das contribuições

como um indicador determinante para aferição do potencial do procedimento de audiência

pública na promoção da participação social, pois a inclusão no debate em condições de efetiva

participação, mesmo não restando acolhida à contribuição, já é considerada, como se expôs no

capítulo segundo deste trabalho, como exercício democrático. Contudo, o resultado acerca da

análise das contribuições, embora não seja determinante, é um dado importante, razão pela

qual se faz uma análise comparativa entre eles, cujos resultados constituem-se em relevante

diagnóstico.

Com este intuito, procedeu-se a separação e organização das entidades da tabela acima

de acordo com os grupos definidos para aplicação da análise de conteúdo, ou seja, Grupo II -

contribuições apresentadas pelos agentes regulados e instituições que os representam; Grupo

III - contribuições dos usuários e entidades que os representam e Grupo IV - contribuições

apresentadas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE. Registra-se a

desconsideração do Grupo I porque é composto, como descrito anteriormente, por

documentos produzidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, ou seja, não

contém contribuições.

Observa-se, na tabela produzida pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, o

agrupamento das contribuições de alguns participantes para fins de enquadramento nas

categorias (aceita, parcialmente aceita, não aceita, não considerada, já prevista), como, por

exemplo, dos sindicatos e confederações, assim como dos usuários, identificados como

consumidores. Apenas em relação aos agentes regulados foram mantidas as identificações de

forma individualizada. Partindo da referida tabela, fez-se o recorte procurando dividir e

classificar (BARDIN, 2011, p. 43) conforme a regra de classificação dos Grupos de

documentos utilizadas neste trabalho assim obteve-se as seguintes tabelas:

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159

Tabela 4 - Síntese da análise das contribuições apresentadas pelos participantes que compõe o

grupo II (agentes regulados e instituições que os representam)

Grupo II Aceita Parcialmente

aceita

Não

aceita

Não

considerada

prevista Total

Abraceel Associação

Brasileira dos Agentes

Comercializadores de

Energia Elétrica)

1 1

ABRADEE Associação

Brasileira de Distribuidores

de Energia Elétrica

1 2 4 1 8

ABRADEMP Associação

Brasileira de Distribuidoras

de Energia Elétrica de

Menor Porte

1 1

AES Brasil 2 2 1 1 6

CEB Distribuição S.A. 1 1

CEEE Distribuição 2 2

CELESC Distribuição 4 4

CEMIG Companhia

Energética de Minas 1 4 5

Copel Distribuição S/A 1 1 2 1 5

Elektro Distribuidora de

Energia 2 3 1 6

Empresa Luz e Força Santa

Maria S.A. 1 1

Energisa 1 1

Equatorial Energia 7 7

Grup CPFL Energia 2 3 2 1 8

Grupo EDP 1 2 2 1 6

Light 1 1 2

Neoenergia 1 1 3 5

ENEL 2 1 3

Comerc - Adriano Anaia

Pereira 1 1

Total de contribuições 11 14 37 05 05 73

Fonte: Pesquisa da autora.

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160

Tabela 5 - Síntese da análise das contribuições apresentadas pelos participantes que compõe o

Grupo III (usuários e instituições que os representam)

Grupo III Aceita Parcialmente

aceita

Não

aceita

Não

considerado

prevista Total

Consumidores em geral 5 2 32 39

Associação Nacional

dos Consumidores de

Energia

1 1 2

Cadeia Produtiva de

Arroz – MAPA 1 1

Clube Da Irrigação 1 1

Confederação da

Agricultura e Pecuária

do Brasil – CNA

1 1

Conselho de

consumidores da

CEMIG

1 1

Conselho de

Consumidores da AES

SUL

2 2

KV CONSULTORIA 2 1 3

Sindicatos e Federações 34 34 1 69

Pernambuco 2 1 3

Total de contribuições 05 34 44 38 01 122

Fonte: Pesquisa da autora.

Tabela 6 - Síntese da análise das contribuições apresentadas pela Câmara de Comercialização

de Energia – CCEE que compõe o Grupo IV

Grupo

IV Aceita Parcialmente aceita Não aceita Não considerado Já prevista Total

CCEE 21 1 3 5 30

Fonte: Pesquisa da autora.

Para melhor visualização dos dados, transformou-se a síntese da análise das

contribuições, organizadas de acordo com os três Grupos (II, III e IV), em gráficos conforme

segue:

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161

Gráfico 3 - Grupo II Gráfico 4 - Grupo III Gráfico 5 - Grupo IV

Fonte: Elaborado pela autora com base na síntese de análise de contribuições disponibilizadas pela

ANEEL.

A visualização dos gráficos acima permite fazer diversas análises comparativas e

elaboração de novos gráficos comparativos.

De pronto, percebe-se que o maior percentual de contribuições acolhidas corresponde

ao Grupo IV (Câmara de Comercialização de Energia – CCEE), seguida do Grupo II (agentes

regulados e instituições que os representam) e por fim o Grupo III (usuários e instituições que

os representam).

Gráfico 6 - Contribuições acolhidas por Grupo

Fonte: Elaborado pela autora com base na síntese de análise de

contribuições disponibilizadas pela ANEEL.

Além disso, destaca-se o fato de que, dentre as contribuições não consideradas o maior

número recai sobre o Grupo III (usuários e instituições que os representam), seguido do

Grupo II (agentes regulados e instituições que os representam) sendo que no Grupo IV

(Câmara de Comercialização de Energia – CCEE) não houve enquadramento de nenhuma

contribuição nesta categoria.

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162

Gráfico 7 - Contribuições não consideradas por Grupo

Fonte: Elaborado pela autora com base na síntese de análise de contribuições

disponibilizadas pela ANEEL.

Em relação ao número total de contribuições apresentadas, o maior número é atribuído

ao Grupo III (123 contribuições), seguida do Grupo II (72 contribuições) e por fim o Grupo

IV (30 contribuições).

Gráfico 8 - Total de contribuições por Grupo

Fonte: Elaborado pela autora com base na síntese de análise de

contribuições disponibilizadas pela ANEEL.

Dos dados numéricos, identifica-se que a participação dos usuários e aqueles que os

representam superou o número de demais contribuições, contudo, algumas observações são

necessárias para melhor elucidar os números:

a) primeiro: o número de unidades usuárias de energia elétrica – unidades

consumidoras que formam o universo dos possíveis interessados na participação

na condição usuários (Grupo III), segundo dados do Boletim Mensal de

Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro de Março de 2015 em

fevereiro/2015, quando ocorreu a audiência pública, era de 77.470.743 (setenta e

sete milhões quatrocentos e setenta mil setecentos e quarenta e três unidades

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163

consumidoras) conforme tabela abaixo, enquanto o número de distribuidoras de

energia elétrica que forma o universo de possíveis interessados como agente

regulado (Grupo II) é de 75 (setenta e cinco) distribuidoras conforme dados

obtidos no sítio da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, no link :

<http://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/links/Default_Detail.cfm?idLinkCategoria

=14>. e, por fim, o Grupo IV, formado exclusivamente pela Câmara de

Comercialização de Energia – CCEE. Observe-se que neste contexto não estão

sendo consideradas as entidades que representam determinados grupos.

Tabela 7 - Unidades consumidoras

Fonte: Boletim Mensal de Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro de Março

de 2015.

b) segundo: as cinco contribuições dos usuários acolhidas não são relacionadas

diretamente ao sistema de bandeiras tarifárias, são relativas apenas à Campanha

de Divulgação das Bandeiras. Assim, não foi acolhida nenhuma contribuição

concernente à definição, metodologia e procedimentos de aplicação das

bandeiras cuja matéria é de conteúdo mais técnico quando comparada à

Campanha publicitária de divulgação.

c) terceiro: na planilha de análise das contribuições consta um item identificado

como: “Sindicatos e Federações”, os quais teriam apresentado no total 69

contribuições. Contudo, observa-se a existência de uma contribuição padrão

replicada por todos os sindicatos e federações, com exceção de um sindicato, o

qual, de forma isolada, apresentou uma contribuição diferente, enquanto os

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164

demais apresentaram a mesma contribuição, ou seja, 68 contribuições possuem a

mesma proposta e os mesmos argumentos, nos moldes que segue:

Quadro 7 - Contribuição padrão apresentada pelos Sindicatos e Federações

TEXTO/ANEEL TEXTO/INSTITUIÇÃO JUSTIFICATIVA/INSTITUIÇÃO

Exiguidade do prazo

O prazo colocado para esta

audiência insuficiente para

uma análise mais

criteriosa, sobretudo entre

o lançamento da audiência

pública até a data final das

contribuições (9/2/2015 a

20/2/2015)

A exiguidade do prazo compromete a

necessária transparência para a

discussão de tema tão relevante e

impactante para os consumidores e

no custo da produção primária

(alimentos).

Art. 5-A – inclusão na Res 547 -

“Art. 5-A Os descontos previstos

serão incididos na Bandeira

Tarifária Verde, exceto para a

subclasse residencial baixa renda,

para a qual serão aplicados os

descontos na Bandeira Tarifária

vigente”. (Texto proposto pela

Aneel – Resolução 547)

Art. 5-A. Os descontos

previstos incidirão nas

bandeiras tarifárias, exceto

para a subclasse

residencial baixa renda

• A proposição de nova redação é

para que seja assegurado o disposto

no Decreto ao qual se refere e

regulamenta, evitando interpretação

equivocada.

• Este texto decorre do contido no §

2º do art. 3º do Decreto 8.401, de 4de

fevereiro de 2015, que assim está

redigido: “Na aplicação das

bandeiras tarifárias aos consumidores

finais, não incidem os descontos

previstos no art. 1º do Decreto nº

7.891, de 23 de janeiro de 2013”. No

artigo 1º do Decreto 7.891, estão

inseridos os descontos aos irrigantes

e aos aquicultores.

• Da forma como está proposto o

texto do art. 5-A para a Resolução

547, nesta audiência pública, pode

causar interpretação equivocada,

como se os descontos apenas fossem

aplicados no caso de bandeira verde,

exceto para a subclasse residencial

de baixa renda.

• Na forma do mencionado decreto, o

desconto apenas não se aplica aos

consumidores finais.

• Agricultor e irrigante não é

consumidor final. Portanto, os

descontos se aplicam a estas

categorias, inclusive nas bandeiras.

Fonte: (BRASIL, 2015a)

De acordo com a tabela que contém a síntese das análises das contribuições, dentre as

69 contribuições apresentadas pelos “Sindicatos e Federações”, 34 foram aceitas

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165

parcialmente, 34 não aceitas e uma não considerada. Procurando aferir o que de fato foi

aceito parcialmente, constatou-se, no Voto do Sr. Diretor, a seguinte informação:

O relatório de análise das contribuições, com as respectivas razões de aceite ou

rejeição, bem como a discussão aprofundada daquelas questões conceituais de

relevância para a conclusão da audiência, encontram-se detalhadas na Nota Técnica

nº 34/2015-SGT/ANEEL, juntada aos autos. (BRASIL, 2015c, p. 02).

Dando sequência, buscou-se aferir na referida Nota Técnica quais contribuições teriam

sido parcialmente aceitas e constatou-se:

a) a área técnica da agência apresenta no corpo da referida Nota Técnica nº 34/2015-

SGT/ANEEL, de forma resumida, as propostas da Nota Técnica nº 28/2015-

SGT/ANEEL divulgadas na abertura da audiência pública, assim como algumas

contribuições e respectivas análises. No Anexo II da NT 34/2015-SGT/ANEEL,

consta um relatório de análise das contribuições recebidas na audiência pública,

contendo a análise das contribuições cujo exame não foi contemplado no corpo da

nota técnica em questão. As contribuições apresentadas pelo Grupo III (usuários e

aqueles que os representam) foram mencionados apenas no referido Anexo II;

b) a análise da área técnica sobre as contribuições apresentadas, objeto do Anexo II da

referida nota técnica, foi separada em dois blocos, compondo duas tabelas, sendo

uma referente às contribuições relativas às bandeiras tarifárias somando o total de

212 e a outra referente às contribuições relativas à campanha de divulgação das

bandeiras totalizando 13 contribuições;84

c) no Anexo II – Relatório de análise das contribuições recebidas na audiência

pública, no que tange especificamente às contribuições apresentadas pelos os

sindicatos e federações, constatou-se a existência de apenas uma análise sobre tais

contribuições, nos seguintes termos:

Contribuição dos sindicatos

Na forma do mencionado decreto, o desconto apenas não se aplica aos consumidores

finais.

Agricultor e irrigante não é consumidor final. Portanto, os descontos se aplicam a

estas categorias, inclusive nas bandeiras.

Resposta ANEEL

84

Para possibilitar melhor visualização as referidas tabelas de análises acerca das contribuições constantes no

anexo II da Nota Técncia nº 34/2015-SGT/ANEEL foi inserido nesta dissertação, no Anexo F parte da

referida Nota Técnica onde constam tais tabelas.

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166

Não aceita. Na terminologia utilizada no setor elétrico, são denominados de

consumidores finais todos os consumidores de energia, independentemente do

propósito do consumo. (BRASIL, 2015C).

Assim, não foi possível identificar quais foram as 34 contribuições dos sindicatos e

federações parcialmente aceitas. A única manifestação localizada no Voto do Diretor e na

Nota Técnica 34/2015-SGT/ANEEL sobre tais contribuições, a qual subsidiou a decisão da

Agência, constou como “não aceita” nos termos transcritos acima. Registra-se, ainda, que o

prazo para participação na audiência pública, objeto de irresignação por parte destas

entidades, foi mantido sem qualquer alteração.

Relevante registrar, ainda, a pequena participação no processo de audiência pública dos

Conselhos de Consumidores de Energia Elétrica, os quais são entidades participativas de

caráter consultivo e voltadas para orientação, análise e avaliação das questões ligadas a

fornecimento, tarifas e adequação dos serviços prestados ao consumidor final. São entidades

constituídas na forma do art. 13 da Lei nº 8.631/199385

, sendo uma das competências da

ANEEL, na forma do art. 4º, inciso XVIII do Decreto 2.335/1997,86

estimular a organização

destes.

Conforme informação obtida no sítio da ANEEL, existem 63 Conselhos de

Consumidores no Brasil, cujas condições gerais de criação e funcionamento são fixadas pela

Resolução 451/2011-ANEEL. Constatou-se a participação de apenas 02 (dois) Conselhos na

audiência pública em questão, sendo estes Conselhos de Consumidores da AES SUL e

Conselho de Consumidores da CEMIG, os quais, juntos, apresentaram 03 (três) contribuições

no total, e, destas, 02 (duas) não foram aceitas e 01 (uma) não foi considerada. Registra-se

ainda a ausência do PROCON e de outras entidades que poderiam contribuir como, por

exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Sindicato dos Engenheiros – SENGE,

universidades e grupos de pesquisa.

Como já mencionado, o número de contribuições apresentadas, assim como a análise

realizada sobre essas contribuições, são indicativos importantes para aferir o potencial de um

procedimento de promoção da participação popular, porque permite conferir, por exemplo, a

apresentação ou não de contribuições por parte dos usuários, a aderência destas contribuições

85

Lei nº 8.631/93 - Art. 13. “O concessionário de serviço público de distribuição de energia elétrica criará no

âmbito de sua área de concessão, Conselho de Consumidores, de caráter consultivo, composto por igual

número de representantes das principais classes tarifárias, voltado para orientação, análise e avaliação das

questões ligadas ao fornecimento, tarifas e adequacidades dos serviços prestados ao consumidor final”. 86

Decreto nº 2.335/97 – art. 4º. Compete à ANEEL: [...] “XVIII - estimular a organização e operacionalização

dos conselhos de consumidores e comissões de fiscalização periódica compostas de representantes da

ANEEL, do concessionário e dos usuários, criados pelas Leis nº 8.631, de 4 de março de1993, e 8.987, de 13

de fevereiro de 1995”;

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167

à temática em debate, em condições de “expor suas ideias e sugestões, de forma a propiciar

que a Administração Pública decida com maior probabilidade de atender aos anseios de todos

os envolvidos na atividade regulatória” cujo “resultado do debate não tem caráter vinculante

para a agência, objetivando tão-somente dar aos participantes a oportunidade de oferecer

sugestões e esclarecimentos” ao mesmo tempo em que o resultado não é vinculante a

promoção de audiência é condição de validade. (BINENBOMJ, 2006 p. 106). Neste caso,

pode-se observar que 31,147% das contribuições apresentadas pelos usuários foram

enquadradas como não consideradas, dado interpretado neste trabalho como contribuição

enquadrada fora do contexto da audiência pública, assim um percentual importante das

contribuições sequer adentrou na temática, ou seja, não foram efetivamente inseridas no

debate.

Mas, como já registrado, não se considera prudente avaliar, especialmente, o exercício

do princípio democrático e a legitimidade do ato administrativo regulamentar tomando como

base apenas o resultado numérico acerca das contribuições. A audiência pública tem o papel

fundamental de “criar ‘espaço público de discussão’ ensejando que a participação popular

aproxime as decisões administrativas e as próprias políticas públicas dos interesses e valores

dos diversos segmentos da sociedade”. (MASTRANGELO, 2005, p. 99), motivo pelo qual se

optou pela técnica de pesquisa análise de conteúdo, cujos resultados serão abordados na

sequência, partindo das categorias finais, ou seja, Práticas e Legitimação pela participação

cidadã.

4.2.2 Práticas no Campo Regulamentar do Setor Elétrico

Por meio da organização dos dados realizada, buscou-se ordenar as unidades de registro,

a partir dos conceitos de capital cultural e habitus desenvolvidos por Pierre Bourdieu,

contextualizado com um terceiro conceito do autor, o de campo, os quais, juntos, completam a

fórmula descritiva da teoria da prática e se prestam como quadro referencial a ser aplicado na

pesquisa empírica (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 41), na busca de desvelar as relações

desenvolvidas no campo, capazes de explicar a sua lógica interna, procurando identificar o

que efetivamente rege aquele campo.

O capital cultural, como categoria intermediária, englobou as categorias iniciais

complexidade, linguagem técnica e especialistas por se entender que o recorte e a organização

das unidades de registro, a partir destas três categorias iniciais; permitem aferir não apenas o

capital predominante no campo, como também quem possui esse capital.

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168

Nos quatro Grupos de documentos, (I - documentos produzidos pela ANEEL, II -

documentos produzidos pelos agentes regulados e instituições que os representam, III -

usuários e instituições que os representam, IV - documentos produzidos pela CEEE) foram

identificadas unidades de registro enquadradas na categoria inicial complexidade, assim como

na categoria inicial linguagem técnica, enquanto especialistas foram identificados apenas nos

Grupos I e II.

O volume de documentos integrantes de cada um dos Grupos é bem diferente, sendo o

Grupo I o de maior volume, dado coerente, já que se trata de toda a documentação produzida

pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL desde a fase de abertura até

encerramento da Audiência Pública 06/2015, enquanto os documentos componentes dos

demais Grupos são restritos às contribuições apresentadas.

Para melhor demonstrar o resultado da categorização, segue tabela contendo o número

total de unidades de registro por Grupo e, ainda, quantas dessas unidades de registro de cada

Grupo foram classificadas nas categorias iniciais denominadas: Complexidade, Linguagem

Técnica e Especialistas:

Tabela 8 - Número de unidades de registro por Grupo

GRUPOS de documentos87

GRUPO I GRUPO II GRUPO III GRUPO IV

UR - Unidades de Registro 496 205 27 09

A - Complexidade 119 34 01 02

B - Linguagem Técnica 83 104 22 04

C - Especialistas 04 1 0 0

Fonte: Pesquisa da autora.

De pronto, é possível observar que, no Grupo I, a categoria dentre as relacionadas que

apresenta um maior número de unidades de registro é a complexidade, enquanto, nos demais

Grupos (II, III, IV), a categoria com maior número de unidade de registro é a linguagem

técnica. Passo seguinte, é possível identificar que apenas os Grupos I e II possuem unidades

de registro na categoria especialistas.

Os resultados obtidos permitem aferir que os autores dos documentos integrantes do

Grupo I (ANEEL) possuem maior conhecimento técnico e, por consequência, maior capital

87

Os documentos produzidos na audiência pública nº 06/2015-ANEEL foram organizados em grupos com o

objetivo de possibilitar a análise de conteúdo. Cada Grupo contém os documentos produzidos na referida

audiência pública assim organizados: Grupo I - documentos produzidos pela ANEEL; o Grupo II - documentos

produzidos pelos agentes regulados e entidades representativas; o Grupo III – documentos produzidos pelos

usuários e entidades representativas; e Grupo IV – documentos produzidos pela Câmera de Comercialização de

Energia. Decidiu-se replicar essa informação em nota para facilitar a leitura.

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169

cultural para trabalhar com a complexidade, enquanto os demais Grupos de documentos,

(contribuições apresentadas durante a audiência pública) em maior ou menor escala permitem

identificar alguma familiaridade dos seus elaboradores com a linguagem técnica, dado que

também é revelador de capital cultural.

Contudo, como se procurou explicar na descrição das categorias, a partir da constatação

de que algumas unidades de registro de complexidade também possuíam linguagem técnica, a

organização dos dados se deu por exclusão, assim, uma vez identificada uma unidade de

registro cuja linguagem era técnica se analisava se essa também era reveladora de

complexidade ou não, passo seguinte aquelas que possuíam linguagem técnica e

complexidade eram classificadas somente (por exclusão) na categoria complexidade e, as

restantes, ou seja, as que possuíam linguagem técnica e não eram enquadráveis em

complexidade segundo critérios pré-estabelecidos eram enquadras na categoria linguagem.

Desta forma, ambas categorias (complexidade e linguagem técnica) são reveladoras de capital

cultural, tendo presente que as unidades de complexidade representam de forma mais

acentuada o domínio do capital cultural, como uma espécie de mais valia em face dos que

demonstraram apenas a utilização da linguagem técnica.

Na categoria especialistas foram classificadas poucas unidades de registro, basicamente

referentes às notas técnicas que integravam os documentos do Grupo I e apenas uma unidade

de registro identificada na contribuição de um agente regulado integrante do Grupo II. Mas,

em que pese o reduzido número de unidades de registro, a importância dos documentos

elaborados pelos especialistas é notória, perceptível nos dois Votos do Diretor Relator do

processo administrativo de audiência pública 06/2015, como é possível observar na unidade

de registro extraída do Voto, anteriormente cita, por meio do qual foi apresentado aos demais

Diretores o resultado da audiência pública para deliberação e por eles aprovado na íntegra:

O relatório de análise das contribuições, com as respectivas razões de aceite ou

rejeição, bem como a discussão aprofundada daquelas questões conceituais de

relevância para a conclusão da audiência, encontram-se detalhadas na Nota Técnica

nº 34/2015-SGT/ANEEL, juntada aos autos. (BRASIL, 2015c, p. 02).

Percebe-se a análise acerca das contribuições apresentadas, incluindo as razões de aceite

ou rejeição, como objeto de nota técnica, a qual foi assinada por especialistas, fato

identificado numa unidade de registro desta categoria. A análise quanto à aceitação ou não das

contribuições apresentadas é a principal e mais importante atividade desenvolvida durante o

procedimento de audiência pública; posto ser este o momento de avaliar todas as observações,

sugestões, anseios, críticas, bem como o êxito do instrumento de participação sob o ponto de

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170

vista da inclusão da sociedade no debate. Assim, em que pese o pequeno número de unidades

de registro classificadas na categoria especialistas, percebe-se claramente o reflexo decisivo

que estes profissionais possuem no campo regulatório do setor elétrico.

A partir das unidades de registro apuradas é possível fazer algumas aferições:

a) a atividade de regulação do setor elétrico, atribuída à Agência, é complexa por

envolver diversas questões desde aquelas peculiares ao mercado, as sociais, as

naturais, as tecnológicas (GUIMARAÃES, 2013, p. 105) e até mesmo as políticas

porque, apesar de ser uma atividade apolítica, os standards, os quais delimitam e

impõem determinadas ações, são por vezes de ordem política. A complexidade88

precisa ser enfrentada pela Reguladora como um duplo desafio: a) trabalhar com a

própria complexidade fazendo uso da técnica e b) decodificar essa complexidade de

modo a viabilizar a participação dos não especialistas nas audiências públicas, bem

como na fiscalização de seus atos como forma de legitimação;89

b) considerando o total de unidades de registro de cada Grupo (I, II, III, IV) e o

número de unidades de registro classificadas na categoria complexidade por Grupo

temos, o seguinte percentual: Grupo I: 24,99 % das unidades de registo foram

enquadradas na categoria complexidade; Grupo II: 16,59 %, Grupo III: 3,70%;

Grupo IV: 22,22 %. Percebe-se que os Grupos I e IV possuem o maior percentual

de unidades de registro na categoria complexidade;

c) apesar do Grupo III ter apresentado o maior número de contribuições, somando o

total de 123, conforme exposto no item 4.1, o total de unidades de registro

computadas na presente análise é de apenas 36 enquanto no Grupo II, composto por

72 contribuições o número de unidades de registro é muito superior, atingindo o

total de 196. Esses dados têm duas explicações básicas: 1ª) o tamanho das

contribuições que integram o Grupo III, considerando o número de parágrafos, (o

recorte das unidades de registro foi realizado por parágrafos) é muito inferior em

relação as do Grupo II. No geral, as contribuições do Grupo III contam com um ou

88

Maria João C. Pereira Rolim (2002) na sua obra Direito Econômico de Energia Elétrica faz uma análise

aprofundada sobre a complexidade da tarefa regulatória do setor elétrico atribuída a Agência Nacional de

Energia Elétrica – ANEEL. 89

Conforme pondera Fernanda Ferreira Matos (2010, p. 24-25) “além das competências atribuídas por lei e o

objetivo precípuo de regular e fiscalizar a produção, transmissão. Distribuição e comercialização de energia

elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal, a ANEEL possui a missão de

atuar de forma a proporcionar condições favoráveis para que o desenvolvimento do mercado de energia

elétrica ocorra com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade, observando princípios como o

da transparência e o da efetividade nas relações com a sociedade, observando princípios como o da

transparência e o da efetividade com a sociedade”.

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dois parágrafos já as do Grupo II são desenvolvidas, em sua maioria, em diversas

páginas; 2ª) uma parte dos textos contidos nas contribuições do Grupo III não foi

isolada em forma de unidades de registro porque não se enquadravam nas

classificações, o que talvez possa ser uma explicação para o fato de que um grande

percentual das contribuições apresentadas pelo Grupo III não foi considerado pela

reguladora conforme observado no item 4.1. Para melhor elucidar, traz-se um

exemplo de contribuição, a qual não foi isolada como unidade de registro porque se

entendeu não se enquadrar nas categorias definidas: “Sou contra o aumento

exorbitante para as bandeiras amarela e vermelha. Não quero ser penalizada por o

governo não ter feito sua obrigação: investimentos”. (Luci Freitas, ANEEL, AP

06/2015);

d) em relação às unidades de registro do Grupo III (usuários e aqueles que os

representam), apenas uma unidade de registro dentre as 27 apuradas parece ser

contribuição de usuário apresentada de forma individual: a apresentada por

Francisco Dias, a qual foi classificada na categoria linguagem técnica. Todas as

demais contribuições deste grupo foram apresentadas por entidades

representativas.90

Assim, percebe-se com maior clareza que os poucos cidadãos (29

ao todo, segundo contribuições disponíveis no sítio da ANEEL) que tentaram

participar da audiência pública de forma individualizada, não possuem o capital

predominante no campo, apenas um usuário utilizou linguagem técnica.

Tanto a confirmação acerca da complexidade do campo, quanto do uso da linguagem

técnica, como a importância do trabalho dos especialistas integrantes do corpo funcional da

reguladora, convergem para confirmar o capital cultural como o capital predominante no

subcampo regulamentar do setor elétrico, consubstanciado no conhecimento técnico

especializado, o qual permite conhecer e trabalhar as questões de grande complexidade

existentes neste subcampo.

A complexidade do campo regulamentar do setor elétrico faz com que as agências

acabem ocupando um espaço normativo importante. Como elucidado por Gustavo Binenbojm

(2008, p.13) o “aumento significativo do grau de complexidade das reações econômicas e

sociais que vieram a demandar a pronta intervenção e ordenação do Estado passou a não mais

90

As unidades de registro foram extraídas de contribuições apresentadas por: ANACE, Associação dos

Suinocultores do Estado de Minas Gerais – ASEMG, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil –

CNA, Francisco Dias, Conselho de Consumidores da Cemig, Secretaria de Desenvolvimento Econômico do

Estado de Pernambuco, Federações da Agricultura e Sindicatos rurais, sendo que as Federações e os

sindicatos apresentaram a mesma contribuição, porém de forma individualizada (replicaram).

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caber dentro da lentidão e generalização do processo legislativo formal”, assim, no setor

elétrico é atribuído à reguladora relevante atividade regulamentar.

Ciente da dificuldade de participação social imposta pela complexidade do setor, a

Agência elaborou e disponibiliza no seu sítio eletrônico um documento denominado Cartilha

Energia do Dia a Dia: audiências e consultas públicas, além de material explicativo sobre o

procedimento de audiências e consultas públicas, intitulado Cadernos Temáticos nº 6

Audiências e Consultas Públicas, no qual, consta:

Reduzir a assimetria de informações e disseminar a cultural da regulação são dois

mais árduos e importantes desafios enfrentados por uma agência reguladora. Esses

desafios ficam maiores ainda quando se trata da regulação de um setor complexo

como o setor elétrico brasileiro. (BRASIL, 2006b).

Esse desafio imposto à Reguladora de promover a participação social em seus processos

decisórios de modo a inserir efetivamente os usuários nos debates é expressamente previsto

no art. 3º, inciso VII do Decreto nº 2.335/1997 por meio do qual foi constituída a Agência,

como uma diretriz da atividade reguladora a “educação e informação dos agentes e demais

envolvidos sobre as políticas, diretrizes e regulamentos do setor de energia elétrica”.

Ao discorrer a respeito da participação como instrumento de legitimidade, Conrado

Hübner Mendes expõe que a participação dos usuários:

É extremamente dificultosa, eis que são leigos nos assuntos eminentemente técnicos

postos na pauta decisória da agência. Para que emitam sua opinião, ao contrário dos

concessionários, que possuem toda a capacidade técnica e o poder de barganha

econômico para discutir, são necessárias traduções que demonstrem a essência dos

problemas postos na mesa. (2000, p. 132).

As unidades de registro, apuradas nesta categoria capital cultural, confirmam e até

mesmo reforçam a hipótese segundo a qual os cidadãos, na condição de não especialistas, não

dispõem do capital predominante no campo, sendo que “[...] os agentes (indivíduos ou

instituições) caracterizado pelo volume de seu capital determinam a estrutura do campo em

proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo o

espaço”. (BOURDIEU, 2004, p. 24).

É preciso atentar para o fato de que complexidade e necessidade de especialização não

venham estabelecer uma espécie de superioridade técnica, a qual acabe por se prestar para o

exercício da dominação. Como bem já alertava Max Weber:

O desenvolvimento qualitativo e quantitativo das tarefas administrativas favorece, a

longo prazo, inevitavelmente, a continuidade efetiva de pelo menos uma parte dos

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173

funcionários, porque a superioridade técnica na administração dos assuntos públicos

fundamenta-se, de maneira cada vez mais sensível, em treinamento e experiência.

Por isso, há sempre a probabilidade de que se constitua uma formação social

especial e perene para os fins administrativos, e isto significa, ao mesmo tempo:

para o exercício da dominação. (1999, 196).

Nesta esteira de raciocínio, não é demais consignar, como fazem Lênio Streck e José

Luíz Bolzan de Moraes (2014, p. 118), reportando-se a Norberto Bobbio, o qual discorre

sobre as promessas de democracia não cumprida em O Futuro da Democracia, que a

complexidade se constitui numa forma de obstáculo à concretização da democracia.

Conforme os autores, a transformação da economia familiar em economia de mercado

mundializada levou à necessidade de formação de profissionais tecnicamente habilitados para

“lidar com a complexidade crescente, o que veio a colocar o problema da legitimação para a

tomada de decisões, posto que o projeto democrático” segundo o qual o poder deve ser

diluído permitindo a todos “decidir sobre tudo” é “antitético ao projeto tecnocrático” perante

o qual somente os “iniciados nos conhecimentos técnicos envolvidos podem tomar decisões”.

A segunda categoria intermediária que remete a conceito trabalhado por Pierre Bourdieu

é a de habitus. A esta foi relacionada apenas uma categoria inicial denominada estrutura

estruturada, na qual foram classificadas unidades de registro de todos os grupos de

documentos, obtendo-se o seguinte resultado numérico:

Tabela 9 - Percentual de unidades de registro de habitus nos Grupos

GRUPOS de documentos91

GRUPO I GRUPO II GRUPO III GRUPO IV

UR - Unidades de Registro 496 205 27 09

Estrutura estruturada 133 66 04 03

Percentual 26,81% 32,20% 14,81% 33,33%

Fonte: Pesquisa da autora.

Como se percebe na tabela acima, o percentual de unidades de registro classificadas na

estrutura estruturada em relação ao total geral das unidades de registro de cada Grupo,

demonstram o quanto o habitus representa dentro das contribuições do grupo, e ainda, na

análise comparativa entre os percentuais apurados é possível aferir que os Grupos IV e II são

os que contam com o maior percentual, seguido do Grupo I e por fim do Grupo III.

91

Os grupos, como anteriormente explicado são compostos pelos documentos produzidos na audiência pública

06/2015, separado de acordo com os autores assim organizados: Grupo I - documentos produzidos pela ANEEL;

o Grupo II - documentos produzidos pelos agentes regulados e entidades representativas; o Grupo III –

documentos produzidos pelos usuários e entidades representativas; e Grupo IV – documentos produzidos pela

Câmera de Comercialização de Energia. Decidiu-se replicar essa informação em nota para facilitar a leitura.

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O habitus é definido por Pierre Bourdieu (2003, p. 53-54) como “sistema de

disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a operar como estruturas

estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas”, fazendo com que só

aqueles que possuem as disposições incorporadas tenham reais condições de jogar o jogo,

porque os atos dos agentes que possuem o habitus têm “a forma de consequências

objetivamente orientadas em referência a um fim, sem serem necessariamente produto nem de

uma estratégia consciente nem de uma determinação mecânica. Os agentes, de algum modo,

caem na sua própria prática [...]” (BOURDIEU, 2004, p. 130). Segundo Loïc Wacquant

(2007, p. 65) como uma solução “mediadora”, o conceito de habitus transcende o

subjetivismo e o objetivismo, ao identificar que existe “interiorização da exterioridade e a

exteriorização da interioridade” (BOURDIEU apud WACQUANT, 2007, p.66). Ainda,

conforme interpretação de Loïc Wacquant:

O modo como a sociedade torna-se depositada nas pessoas sob a forma de

disposições duráveis ou capacidades treinadas e propensões estruturadas para

pensar, sentir e agir de modos determinados, que então as guiaram em suas respostas

criativas aos constrangimentos e solicitações de seu meio social existente (2007, p.

66).

Neste caso, as unidades de registro do Grupo III enquadradas nesta categoria são todas

originárias de contribuições apresentadas por entidades representantes de usuários, de onde se

depreende que dentre os cidadãos que participaram de forma individualizada nenhum deles

possui o habitus do campo, “disposições interiorizadas duráveis” “geradoras de práticas e

representações” (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 33). O agente possuidor do habitus “contém

em si o conhecimento e o reconhecimento das/regras do jogo/em um campo determinado”.

(THIRY-CHERQUES, 2006, p. 34)

A formação do habitus e as reais possibilidades de “tomada de posição” na luta que se

desenvolve no interior do campo, entre “dominantes e os pretendentes”, estão diretamente

relacionadas à “história do campo”. (STAREPRAVO, SOUZA E MARCHI JÚNIOR, 2013,

p. 791). A respeito deste ponto, Pierre Bourdieu (1983, p. 61) esclarece as estratégias e as

questões sobre as quais há o enfrentamento:

A palavra disposição parece particularmente apropriada para exprimir o que recobre

o conceito de habitus (definido como sistema de disposições): com efeito, ele

exprime, em primeiro lugar, o resultado de uma ação organizadora, apresentando

então um sentido próximo ao de palavras tais como estrutura; designa por outro

lado, uma maneira de ser, um estado habitual (em particular do corpo) e, em

particular, uma predisposição, uma tendência, uma propensão ou uma inclinação.

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175

Sobre a presença do habitus na audiência pública, em todos os Grupos de documentos,

foram identificadas unidades de registro classificadas nesta categoria. Contudo, analisando a

autoria das contribuições das quais as unidades de registro foram extraídas (foi possível

identificar a autoria porque, ao isolar as unidades de registro, se fez identificando a origem de

cada uma delas) constatou-se que, no caso das unidades de registro do Grupo III, classificadas

nesta categoria (04 unidades); foram retiradas de três contribuições, as quais foram

apresentadas pela ANACE (Associação Nacional dos Consumidores de Energia) por uma

consultoria denominada KV e pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de

Pernambuco.

As contribuições apresentadas por usuários participantes de forma individualizada não

possuíam nenhuma unidade de registro classificável na categoria estrutura estruturada,

demonstrando que estes não possuem o habitus do campo regulatório. Além disso,

considerando especialmente o dado de que 31,147% do total de contribuições do Grupo III se

quer foram consideradas, resta evidenciado que:

Aqueles que adquirem, longe do campo em que se inscrevem, as disposições que

não são aquelas que esse campo exige, arriscam-se, por exemplo, a estar sempre

defasados, deslocados, mal colocados, mal em sua própria pele, na contramão e na

hora errada, com todas as consequências que se possa imaginar, mas eles podem

também lutar com as forças do campo, resistir-lhes e, em vez de submeter suas

disposições às estruturas, tentar modificar as estruturas em razão de suas

disposições, para conformá-las às suas disposições. (BOURDIEU, 2004, p. 28-29).

O habitus se apresenta simultaneamente como “um sistema de esquemas de produção

de práticas e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas”, razão pela qual

somente aquele que possui o habitus é capaz de produzir práticas e representações, as quais

“são objetivamente diferenciadas; mas elas só são imediatamente percebidas enquanto tal por

agentes que possuam o código, os esquemas classificatórios necessários para compreender-

lhes o sentido social”. (BOURDIEU, 2004, p. 158).

As práticas peculiares de um campo são definidas pelo habitus e pelo capital

predominante naquele espaço, de modo que ter o habitus e o capital é dispor das condições de

definir o jogo naquele campo. Com acuidade, Denise Maria de Oliveira Lima (2010, p. 15)

esclarece que:

Conceito básico na obra de Bourdieu, o campo é o espaço de práticas específicas,

relativamente autônomo, dotado de uma história própria; caracterizado por um

espaço de possíveis, que tende a orientar a busca dos agentes, definindo um universo

de problemas, de referências, de marcas intelectuais – todo um sistema de

coordenadas, relacionadas umas com as outras, que é preciso ter em mente (não quer

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dizer na consciência) para se entrar no jogo. Entrar no jogo é manejar esse sistema

de coordenadas.

O campo é estruturado pelas relações objetivas entre as posições ocupadas pelos

agentes e instituições, que determinam a forma de suas interações; o que configura

um campo são as posições, as lutas concorrenciais e os interesses.

Os resultados demonstram que os usuários, especialmente quando participam de forma

individualizada, em regra não dispõem do capital cultural. Neste caso, a especialização, nem

mesmo do habitus do campo, o que fatalmente não favorece a participação. Pelo fato de não

disporem das condições necessárias para jogar o jogo neste subcampo, aqueles que procuram

participar, apresentem contribuições, as quais não são eficientes na produção das práticas.

A abordagem de Pierre Bourdieu não é, ao que pode parecer em algum momento, um

diagnóstico melancólico de um cenário de dominação imutável. O sociólogo enfatiza que a

estrutura estruturada não é inabalável, vislumbrando no campo um espaço de luta, onde os

agentes se enfrentam seja pela conservação, seja pela transformação da referida estrutura. Em

sua obra Razões Práticas, ao abordar a questão das classes sociais, ressalta que:

Essa estrutura não é imutável e a topologia que descreve um estado de posições

sociais permite fundar uma análise dinâmica da conservação e da transformação da

estrutura da distribuição das propriedades ativas e, assim, do espaço social. É isso

que acredito expressar quando descrevo o espaço social global como um campo, isto

é, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos

agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do

qual os agentes se enfrentam, como meios e fins diferenciados conforme sua posição

na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a

transformação de sua estrutura. (BOURDIEU, 2010, p. 50).

Para que a audiência pública possa se tornar um espaço de luta no qual os usuários

disponham de condições de participar efetivamente, ou seja, de participar de forma inserida

no debate, em condições reais de apresentar suas opiniões, sugestões e críticas aderentes à

temática, como um “peixe dentro d’água” (BOURDIEU, 2004, p. 131), é preciso que a

Agência avance para além da pura e simples realização de uma audiência pública, é

imprescindível envidar todos os meios necessários para que os cidadãos, coletiva ou

individualmente, possam dispor de condições factíveis de participar ativamente na luta que se

desenvolve neste subcampo e, com isso, obter por meio deste processo a legitimação

substancial do ato administrativo normativo ao final editado.

4.2.3 Legitimidade dos Atos Administrativos Regulamentares

Preliminarmente, com amparo doutrinário no trabalho de Sérgio Cademartori (2007,

117-119), se faz necessário trazer à luz a distinção entre os termos legitimidade e legitimação

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representativos dos “dois diversos níveis ou aspectos do fenômeno da justificação e aceitação

do poder”, sendo o primeiro termo aquele que possui “significado valorativo”, o que equivale

a dizer que o poder justo, merecedor de ser aceito como um poder legítimo. Por outro lado,

legitimação é um “conceito descritivo” e demanda “consenso”, desdobrando-se em

“legitimação-atividade”, definida como “o processo por meio do qual o poder busca

reconhecimento, consenso, adesão” e “legitimação-produto” compreendida como aquela que

é obtida, ou seja, “a obtenção do consenso”. Assim como trabalhado por Sérgio Cademartori

(2007, p. 121), nesta dissertação será observado o termo “significante legitimidade para o

resultado de um processo de obtenção de consenso ou adesão (traduzidos em obediência)

chamado de legitimação”.

A Lei nº 9.427/1996 por meio da qual foi constituída a ANEEL, dispõe em seu art. 4º, §

3º: “o processo decisório que implicar afetação de direitos dos agentes econômicos do setor

elétrico ou dos consumidores, mediante iniciativa de projeto de lei ou, quando possível, por

via administrativa, será precedido de audiência pública convocada pela ANEEL”. Importante

registrar que a expressão “quando possível” pode levar a interpretação de faculdade, ou

mesmo como argumentado por Fernanda Ferreira Matos (2010, p. 37), de estar ressaltando a

“discricionariedade inerente à administração pública ao utilizar a expressão”. Mas uma

interpretação sistemática da Constituição Federal, mediante a constitucionalização da

administração pública, como já abordado neste trabalho, conduz à necessidade de realização

de procedimentos de participação social como forma de legitimar o ato administrativo, uma

vez que “a moderna tendência do direito administrativo vem agregar a participação popular

como decisiva à própria legitimação da ação administrativa”. (MASTRANGELO, 2005, p.

104).

Na forma do art. 21, do Anexo I do Decreto nº 2.335/1995, o qual regulamenta a Lei nº

9.427/1996, os processos cuja decisão venha a afetar direito dos agentes regulados ou dos

consumidores, ou ainda os referentes a anteprojetos de lei, serão precedidos de audiência

pública, com os objetivos de recolher subsídios e informações, possibilitar aos agentes e aos

consumidores o encaminhamento de seus pleitos, opiniões e ou sugestões, bem como a

identificação dos mais amplos aspectos relevantes à matéria em debate e tonar pública a

atividade regulatória.

Como registra Maren Guimarães Taborda (2002, p. 264), as legislações acerca dos

processos administrativos têm, entre outros objetivos, “legitimar o exercício do poder

estatal”, isso porque, “no âmbito estatal, a imprevisibilidade característica do poder, para não

ser unilateral e opressiva, deve encontrar expressão em termos de paridade e imparcialidade,

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no processo pré-constituído”. (MEDAUAR, 2008, p. 70). O processo como instrumento de

formação de decisão torna-se instrumento de “legitimação do poder em concreto, pois os

dados do problema que emergem no processo permitem saber se a solução é correta ou

aceitável e se o poder foi exercido de acordo com as finalidades para as quais foi atribuído”.

(MEDAUAR, 2008, p. 70).

Apesar de haver previsão acerca da realização de audiência pública, tanto na Lei quanto

no Decreto por meio dos quais foi concebida a Agência Reguladora, não há, nestes diplomas,

uma regulamentação detalhada acerca do procedimento. A própria Agência, com vista a

ajustar seus procedimentos à Lei nº 9.784/1999, conhecida como Lei do Processo

Administrativo, aprovou, por meio da Resolução 273/2007, a revisão da Norma de

Organização ANEEL 001; a qual dispõe, no seu Capítulo II, sobre a realização das audiências

públicas,92

fixando alguns elementos a serem previstos no procedimento, como: prazos e

publicações.93

A revisão realizada da Norma de Organização nº 001 em 2007, conforme

esclarece Fernanda Ferreira Matos (2010, p. 33-34), ocorreu após vasto processo de discussão

voltado ao saneamento de redações que ensejavam a aplicação equivocada da Resolução nº

233/98”, dentre as alterações foi o aprimoramento dos procedimentos de participação popular

(audiências e consultas públicas).

Desta forma, o procedimento de audiência pública, promovido pela ANEEL como

instrumento de legitimação de suas decisões, deve observar as normativas próprias, os

92

No voto da Diretora da ANEEL Joísa Campanher Dutra Saraiva, por meio do qual são apresentadas as

alterações a serem realizadas no processo de revisão da Norma de Organização ANEEL 001, aprovada por

meio da Resolução ANEEL273/2007, consta informações relevantes acerca da motivação para ajustes da

referida norma interna no que concerne pontualmente às audiências e consultas públicas. Vejamos:

Já em relação aos procedimentos das Audiências Públicas e Consultas Públicas (Capítulos II e III,

respectivamente), profundas alterações são presentemente propostas, com vistas especialmente a:

i) incorporar o valioso aprendizado proporcionado pela realização de cerca de 220 Audiências e de 40

Consultas, nesses últimos oito anos, envolvendo três períodos de gestão da Diretoria desta Autarquia;

ii) redefinir o instituto da Consulta Pública (não previsto no Regimento Interno da Agência) de modo a

torná-lo um instrumento de apoio às atividades das Superintendências, na instrução de processos de

regulação e fiscalização, por delegação da Diretoria, especialmente na coleta de subsídios e informações

sobre a qualidade dos serviços prestados, visando orientar o escopo dos programas anuais de fiscalização às

concessionárias de distribuição;

iii) delegar, sempre que possível, às Agências Estaduais Conveniadas as atividades locais de organização e

divulgação de Audiências e Consultas Públicas em suas áreas de atuação, contribuindo para a redução de

custos e o fortalecimento das parcerias correspondentes;

iv) conferir maior flexibilidade de participação de Diretores desta Agência nas Audiências Públicas, tanto no

que se refere ao número mínimo exigido (que passa de dois para apenas um), quanto na eliminação de

restrições à atuação do Diretor-Ouvidor (que tinha presença compulsória em todas as AP’s e não podia

exercer a Presidência da sessão ao vivo), tudo em conformidade com o disposto no art. 28 do Regimento

Interno da ANEEL, aprovado pela Portaria MME no 349/97”. (BRASIL, 2007, p. 01). 93

Conforme art. 15 da Norma de Organização ANEEL 001 “a audiência pública é um instrumento de apoio ao

processo decisório da ANEEL, de ampla consulta à sociedade, que precede a expedição dos atos

administrativos ou proposta de anteprojeto de lei”. (BRASIL, 2007, p. 01).

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preceitos constitucionais e ainda, o disposto na Lei nº 9.784/1999, a qual se aplica aos

processos administrativos de toda a gestão pública. (MATOS, 2010, p. 23).

Dado o fato das audiências públicas se prestarem como ferramenta de legitimação dos

atos administrativos das agências reguladoras, se procurou definir categorias iniciais e

intermediárias, deste modo, permitindo separar e organizar o material que compõem o corpus,

com o objetivo de possibilitar a análise do procedimento de audiência pública, realizado sob o

viés da legitimação do ato administrativo regulamentar emitido pela Agência Nacional de

Energia Elétrica – ANEEL.

Foram definidas as categorias iniciais E - Princípio da Publicidade, F - Acesso à

Informação, G - Princípio da Motivação e H - Princípio Democrático, as quais juntas são a

base da Transparência Pública, pilar do Estado Democrático de Direito a ser observada por

todos os agentes públicos; premissa que explica o fato de apenas os documentos do Grupo I

(produzidos pela ANEEL) conterem unidades de registro nestas categorias.

Na tabela abaixo, consta o resultado numérico representativo do total de unidades de

registro apuradas durante a fase de isolamento e organização dos dados classificados em cada

uma das unidades de registro iniciais:

Tabela 10 - Número de unidades de registro por categoria incial reagrupadas na categoria

intermediária transparência

GRUPOS de documentos GRUPO I

UR - Unidades de Registro 496

E - Princípio da Publicidade 03

F - Acesso à Informação 59

G - Princípio da Motivação 86

H - Princípio Democrático 09

Fonte: Pesquisa da autora.

Concernente à categoria Princípio da Publicidade, as unidades de registro demonstram a

publicação do aviso de abertura do procedimento de audiência pública no sítio da Agência e

no Diário Oficial da União, contendo a síntese das informações em conformidade com o

disposto no art. 37 da Constituição Federal.

Constatou-se por meio de uma das unidades de registro desta categoria, extraída de um

documento do Grupo I, denominado procedimento para participação da audiência pública, a

seguinte disposição: “a participação nas Audiências e Consultas Públicas da ANEEL será

aberta a todos os interessados, conforme definido no Aviso publicado no Diário Oficial da

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União (DOU) e na página eletrônica da ANEEL”. Percebe-se a inexistência de previsão

acerca de outros mecanismos de publicidade mais eficazes para chegarem ao conhecimento da

sociedade, como televisão, rádio e jornais. Assim, só tomará conhecimento acerca da abertura

da Audiência Pública quem fizer a leitura do Diário Oficial da União ou acessar o sítio da

ANEEL, o que, para os agentes regulados, pode ser ou vir a tornar-se um habitus, enquanto

que para o cidadão comum jamais será, por serem estas atividades totalmente atípicas à rotina

da maior parte da sociedade.

Conforme Fernando Filgueiras (2011, p. 84), a publicidade tem o significado de “atrelar

as decisões do governo à autoridade da cidadania, seja por meio de instituições, seja da

participação da própria sociedade nos processos de escolhas e decisões”. Neste sentido, a

ANEEL refere-se à audiência pública como instrumento de transparência e publicidade como

nos termos registrados no Caderno Temático ANEEL Audiências e Consultas Públicas:

Como instrumento de publicidade e transparência, a Audiência Pública é dirigida à

participação da comunidade que expõe suas ideias, concordâncias e discordâncias

para se chegar a uma decisão ‘de maior aceitação consensual’ a respeito de normas

administrativas que deverão ser publicadas. (BRASIL, 2006b, p. 07).

Assim, apesar de não haver nenhuma ilegalidade no ato de publicidade, por ser um

procedimento de participação popular a conformidade formal, ou seja, a simples observância

dos aspectos legais, não é o bastante para assegurar o melhor resultado, demandando outras

ações no sentido de promoção da efetiva participação social.

Sobre o acesso à informação constituído como “uno de los mecanismos clave para uma

auténtica contraloria y participación social em la gestión pública”. (BASTONS, ELIADES,

2008, p. 94), as unidades de registro enquadradas na categoria inicial representativa deste

direito fundamental revelam dados importantes.

Como se procurou explicar anteriormente, a partir da leitura exploratória, percebeu-se

que parte das unidades de informação também se enquadrava como um dado de complexidade

ou de linguagem técnica, razão pela qual, no momento do isolamento das unidades de

registro, fez-se essa dupla análise. Todas as unidades de registro que eram, ao mesmo tempo,

representativas de informações e complexas foram duplicadas e isoladas concomitantemente

na categoria complexidade e na categoria acesso à informação, da mesma forma foram

organizadas as unidades de registro identificadas como representativas de informação e ao

mesmo tempo de linguagem técnica, ou seja, replicadas e enquadradas concomitantemente

nas categorias acesso à informação e linguagem técnica. Depois de concluída a fase de

organização dos dados, todas as unidades de registro da categoria acesso à informação foram

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isoladas e separadas aquelas que haviam sido duplicadas em razão da complexidade ou da

linguagem técnica, obtendo-se o seguinte resultado: computou-se no total 59 unidades de

registro na categoria acesso à informação, das quais 39 eram complexas ou possuíam

linguagem técnica, assim apenas 20 unidades de registro se mostraram como informação cuja

compreensão não demandava conhecimento técnico ou familiaridade com a linguagem.

Gráfico 9 - Acesso à informação: linguagem técnica ou coloquial

Fonte: Elaborado pela autora com base nas unidades de registro organizadas.

Esse resultado é relevante porque informação não compreensível não cumpre sua

função, contrariando a própria Norma de Organização da ANEEL 001, a qual dispõe, no art.

16, § 1º, que os documentos disponibilizados para fins de participação na audiência pública

deverão “incluir a apresentação do tema e os fundamentos para as propostas em Audiência

Pública, apresentados em linguagem coloquial”. Como faz lembrar o Instituto Interamericano

de Derechos Humanos, “el titular de la información es el individuo que delegó en los

representes el manejo de los asuntos públicos” (2003, p. 130), como titular da informação seu

direito de acesso só estará assegurado se for possível compreender o seu conteúdo.

Conforme apresentado, de forma sintetizada, pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, o direito de acesso à informação pública tem como principais funções:

[I] a transcendência del derecho de acceso a la información se pone de manifiesto

em três âmbitos específicos. El derecho de acceso a la información es uma

herramienta crítica para la participación democrática, el control del funcionamento

del Estado y la gestión pública, y el control de la corrupción. (COMISSÃO

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS apud JUSTINIANO, 2010, p.

104).

A categoria inicial princípio da motivação tem como fundo a premissa de que “motivar

significa explicitar os elementos que ensejaram o convencimento da autoridade, indicando os

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fatos e os fundamentos jurídicos que foram considerados”. (FERRAZ, DALLARI, 2003, p.

58).

Na codificação das unidades de registro desta categoria adotou-se o mesmo

procedimento utilizado em relação à categoria acesso à informação, ou seja, as unidades de

registro que além de enquadráveis como motivação possuíam complexidade ou linguagem

técnica foram replicadas e classificadas nas duas categorias, ou seja, princípio da motivação e

complexidade, ou princípio da motivação e linguagem técnica. Após a conclusão do trabalho

de organização dos dados, as unidades de registro classificadas nesta categoria foram

separadas em dois grupos: um contendo as unidades de registro replicadas e classificadas nas

categorias complexidade ou linguagem técnica e outro com as unidades de registro não

replicadas. Dessa forma, se aferiu que, do total de 86 unidades de registro, 33 também foram

classificadas como complexas ou com linguagem técnica, restando 53 unidades de registro da

categoria princípio da motivação que não requerem capacidade técnica ou conhecimento da

linguagem técnica para serem depreendidas.

Gráfico 10 - Princípio da Motivação: linguagem técnica ou coloquial

Fonte: Elaborado pela autora com base nas unidades de registro organizadas.

Do total de unidades de registro, muitas delas foram extraídas da Nota Técnica n°

34/2015-SGT/ANEEL e seu anexo I, documentos por meio dos quais foi realizada a análise

das contribuições apresentadas, vislumbrado neste trabalho como um dado positivo em

consonância com o princípio constitucional da motivação.94

Contudo, apesar da Norma de

Organização da ANEEL 001 no seu art. 5º, incisos VI e VIII dispor sobre a necessidade de

indicação dos pressupostos de fato e de direito acerca da decisão, bem como a importância da

clareza e transparência das decisões com vista a garantir certeza, segurança e respeito aos

94

Na forma da Norma de Organização ANEEL 001, art. 16, inciso VI, as contribuições recebidas são

analisadas pelas áreas técnicas da Agência responsáveis pelo objeto levado à audiência pública. O que

reforça a importância do trabalho dos especialistas e do agir apolítico da Reguladora.

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direitos dos interessados, algumas motivações deixam a desejar pela falta de profundidade e

melhor enfrentamento daquilo que foi arguido ou sugerido na contribuição analisada, como,

por exemplo:

Exemplo a) Resposta SGT/ANEEL Negado. A proposta apresentada pela CEEE-D

diverge dos comandos estabelecidos pelo Decreto nº 8.401/2015. (Nota Técnica n°

34/2015-SGT/ANEEL).

Exemplo b) Contribuição não acatada. A apuração, informação à ANEEL e cobrança

da inadimplência da Conta Bandeiras compete à CCEE, gestora da Conta. (BRASIL,

2015g).

Considerando que a compreensão de 33 unidades de registro dentre as 86 enquadradas

na categoria princípio da motivação, requer conhecimento técnico capaz de possibilitar a

compreensão da complexidade e da linguagem técnica identificadas, é preciso reconhecer que

há um problema relevante no que se refere a motivação dos atos, comprometedor de sua

efetividade, porque, assim como a informação, a motivação precisa ser elaborada de forma

clara de modo a possibilitar a sua compreensão por qualquer leigo, conforme previsto

expressamente no art. 27, § 1º da Norma de Organização ANEEL 001 ao dispor que “a

motivação deve ser explícita, clara e congruente [...]”.95

Conforme um dos argumentos arguidos por Juarez Freitas (2009, p. 09) em favor deste

princípio, apenas uma “motivação consistente oferece razões aceitáveis, isto é,

universalizáveis e satisfatórias, para além do formalismo”, da mesma forma que se presta

como instrumento que assegura a impessoalidade, ainda, como bem destacado pelo jurista “só

a motivação adequada estabelece a postura pluralista, dialética e não-adversarial, em lugar da

imposição odiosa e arbitrária, indiferente ao cidadão” (FREITAS, 2009, p. 61).

Outro ponto relevante no que concerne à análise acerca da observância do princípio da

motivação perpassa pelo enquadramento das contribuições no momento do resultado da

audiência pública, as quais são enquadradas, como visto no item 4.1 em: aceita, parcialmente

aceita, não aceita, não considerada e já prevista, sem esclarecer o que difere os

enquadramentos, especialmente em relação à categoria denominada não considerada,

comprometendo, desta forma, a compreensão do resultado da audiência pública.

De acordo com o que ensinam Izabela Moreira Corrêa e Mário Vinícius Claussen

Spinelli, a promoção da transparência de forma eficiente é um processo contínuo o qual

demanda a superação de desafios. As autoras alertam para o fato de que a simples divulgação

95

A redação do parágrafo 1º do art. 27, da Norma de Organização ANEEL 001 equivale integralmente ao

disposto no art. 50, § 1º da Lei nº 9.784/1999 que assim dispõe: “a motivação deve ser explicita, clara e

congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,

informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”.

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de dados públicos não é suficiente, ao contrário, “gran volumen de información disponible, en

vez de facilitar la consulta y estimular el control efectuado por la sociedade, puede

constituirse en un elemento que dificulta y desmotiva al ciudadano común”, do mesmo modo,

pode ser um obstáculo, por isso “el linguaje utilizado a los efectos de la transprarencia de los

datos deverá ser adecuado para que sea compreendido por el publico objetivo” (2011, p. 150).

Por fim, partindo da premissa de que a audiência pública é um instrumento de

participação popular agregador de legitimidade ao agente regulador,96

foi definido no

processo de classificação das unidades de registro o princípio democrático como uma

categoria inicial, com objetivo permitir identificar e isolar unidades de registro

comprobatórias da existência de indicativos de preocupação e/ou cuidado da Agência em

promover de forma efetiva a participação da sociedade no processo. Após a categorização,

foram computadas 09 unidades de registro nesta categoria, merecendo destaque a abaixo

transcrita, a qual revela dado importante:

SUPERINTENDÊNCIA DE MEDIAÇÃO ADMINISTRATIVA, OUVIDORIA

SETORIAL E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA AVISO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA

Nº 6/2015. (BRASIL, 2015a).

A unidade de registro permite identificar a existência, na Agência, de uma

Superintendência que leva no nome a expressão “participação pública”, demonstrando haver

uma preocupação com a participação social. Não se avançou no sentido de aferir quais as

atribuições desta superintendência por não fazer parte do escopo deste estudo, mas a

existência de uma superintendência pressupõe haver um corpo técnico dedicado

especialmente às questões de mediação, ouvidoria e participação pública, constituindo-se, sem

dúvida, num diagnóstico positivo existir, na estrutura de uma entidade de cunho técnico, uma

superintendência voltada a questões democráticas.

Apesar das unidades de registro revelarem os aspectos positivos relacionados à

preocupação com a participação popular, outros elementos também identificados durante o

processo de categorização chamam atenção de forma negativa. É o caso do formulário

divulgado como modelo para fins de participação na audiência pública,97

o qual inicia com

um espaço para identificação do participante onde consta: “NOME DA INSTITUIÇÃO:”,

“TEXTO/INSTITUIÇÃO”, “JUSTIFICATIVA/INSTITUIÇÃO” constatação enquadrada

96

Cláudio Mastrangelo (2010, p. 105) ressalta que embora as agências sejam “entes dotados de funções

administrativas, e não de funções políticas” são entidades que “reclamam legitimação social”. 97

Visando possibilitar a melhor visualização e exame acerca do modelo para envio de contribuições referentes

à audiência pública nº 006/2015, o referido documento é disponibilizado na forma de anexo G desta

dissertação.

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neste trabalho como sendo um dado comprobatório do habitus do subcampo regulatório,

demonstrando o reconhecimento, ainda que involuntário, por parte da agência de que neste

subcampo quem efetivamente participa são as instituições, constituindo-se talvez em uma

estrutura estruturada estruturante. Embora não seja obrigatório o uso do modelo em questão,

esse tipo de dado no formulário em nada favorece a participação da sociedade, ou seja,

daqueles não enquadrados no conceito de instituição, tanto é que nenhum dos cidadãos que

participou de forma independente utilizou o modelo. Além disso, consta no modelo a seguinte

observação:

Os comentários e sugestões referentes às contribuições deverão ser fundamentados e

justificados, mencionando-se os artigos, parágrafos e incisos a que se referem,

devendo ser acompanhados de textos alternativos e substitutivos quando envolverem

sugestões de inclusão ou alteração, parcial ou total, de qualquer dispositivo.

(ANEEL, 2015e).

A simples leitura do texto supracitado é inibidora da participação daqueles que não

possuem o capital cultural e o habitus do campo, ou seja, dos não especialistas, das pessoas

não habituadas técnicamente a participar destes procedimentos. Boa parte da sociedade não

possui nem mesmo a compreensão sobre o que sejam artigos, parágrafos e incisos, quanto

menos dispõem de condições de elaborar textos alternativos.

Outro ponto relevante está relacionado à crescente “capacidade normativa de conjuntura

da administração”, ao aumento da denominada “legislação de emergência”, a qual tem como

objetivo “resolver de forma imediata os problemas estruturais da economia”.

(CADEMARTORI, 2007, p. 230). Foi possível observar, neste estudo de caso, mais

especificamente no documento denominado Nota Técnica nº 28/2015-SGT/ANEEL, o

problema da regulamentação de emergência. Por meio da referida nota técnica foi proposta a

abertura da audiência pública 006/2015 com o objetivo de regulamentar a Conta

Centralizadora das Bandeiras Tarifárias, criadas por meio do Decreto nº 8.401/2015. Este

documento é datado do mesmo dia em que foi publicado o referido Decreto que deve

regulamentar, assim, ambos são datados de 05/02/2015 e ainda, a publicação do aviso da

referida audiência ocorreu no dia 09/02/2015, devendo as contribuições serem apresentadas

no período de 09 a 20/02/2015, desta forma a emergência justificou a concessão de prazo

mínimo de dez dias para apresentação das contribuições,98

sendo que o prazo para a

apresentação das contribuições teve início no mesmo dia da publicação, ou seja, 09/02/2015.

98

Consta no voto do Diretor Relator por meio do qual propôs a abertura do processo de audiência pública que:

“justifica-se a necessidade de redução do prazo de contribuições da Audiência Pública, de trinta para dez

dias corridos, dada necessidade atribuir celeridade ao processo e permitir sua aplicação a partir de março.

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É de registrar ainda a constatação durante a pesquisa de registro de inconformidade com o

prazo por parte dos usuários, os quais em suas contribuições arguiram o prazo exíguo.

É preciso ter presente que uma das finalidades dos processos administrativos, como

ensina Odete Medauar (2008, p. 72), é a “aproximação entre Administração e cidadãos”, isso

só ocorre quando o processo funciona efetivamente como instrumento por meio do qual se

promove a colaboração entre indivíduos de forma isolada ou coletiva com o poder público:

Rompendo-se, com isso, a ideia de Administração contraposta à sociedade; muda a

perspectiva do cidadão visto em contínua posição de defesa contra o poder público

que age de modo arbitrário e unilateral; quebra-se a tradição do interesse público

oposto ao interesse privado. (MEDAUAR, 2008, p. 72).

Essa aproximação entre sociedade e agência reguladora é essencial, não só à

legitimação do ato, mas também para a eficiência da decisão, porque permite melhor conhecer

as particularidades daquilo que se está discutindo sob diversos olhares, e, a partir disso,

construir a melhor decisão. Como bem ponderado por Cláudio Mastrangelo (2005, p. 86), “a

complexidade da atividade regulatória somente se aperfeiçoará com a atenção aos

consumidores, máxime se considerada sua natural vulnerabilidade”. E ainda, como ressalta

Dinorá Adelaide Musetti Grotti (2000, p. 60), “é a participação democrática do cidadão e, em

especial, do usuário do serviço público, que contém e assegura a fidelidade aos outros

princípios regentes de e no serviço público”.

Outra finalidade importante dos processos administrativos, a qual está diretamente

relacionada à concepção de administração pública democrática, é a de controle sobre os atos

administrativos, contexto no qual:

A colaboração do sujeito e o conhecimento do modo de atuação administrativa,

decorrentes do esquema processual, facilitam o controle por parte da sociedade, do

Poder Judiciário e de todos os outros entes que fiscalizam a Administração Pública.

(MEDAUAR, 2008, p. 73).

A conjugação das unidades de registro integrantes das categorias iniciais princípio da

publicidade, acesso à informação, princípio da motivação e princípio democrático, bem como

as análises realizadas sobre os resultados apurados nestas categorias, remetem à categoria

intermediária transparência pública, princípio constitucional implícito, o qual se impõe como

dever a ser observado pelas agências reguladoras em seu potencial máximo porque, como

explica Floriano Azevedo Marques Neto:

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Se, por um lado, temos a necessidade de abertura aos diversos interesses e o

estabelecimento de uma permanente interlocução com eles, coloca-se essencial que

tudo isso se dê de forma clara, explicita, transparente. A articulação com os atores

regulados deve ser feita às claras, com publicidade, evitando sua conversão em mera

composição de interesses feita à sorrelfa. Se reconhecemos a legitimidade dos

diversos interesses, nada deve impedir que eles sejam postos para a Sociedade e que

a motivação da decisão regulatória a eles faça referência. (2000, p. 96).

Como ressalta Fernanda Ferreira Matos (2010, p. 23), os princípios da publicidade e

transparência pública “vêm adquirindo importância crescente” no âmbito da atividade das

agências reguladoras, “em face da maior tomada de consciência pela sociedade e,

consequentemente, uma maior participação dela nos processos decisórios das instituições de

Estado”. Efetividade das políticas de transparência pública requer “ser parte de la rutina de la

toma de decisiones de las partes involucradas, en este caso, de los que toman decisiones y de

los ciudadanos”. (CORRÊA; SPINELLI, 2011, p. 132).

A legitimidade dos atos administrativos, quando pautada apenas na observância formal

dos preceitos legais, desprovida de materialidade, não pode ser considerada uma legitimação

substancial e, sim, meramente formal. Nesta linha de entendimento, os administrativistas

Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari (2003, p. 22), ao discorrerem acerca do processo

administrativo, alertam: “é crucial que não basta, contudo, simples ‘arranjo’ formal, que

simule um processo administrativo com equilíbrio de faculdades entre seus participantes:

imperioso é que em seu próprio cerne material se reflitam tais propósitos éticos [...]”.

Infelizmente na administração pública, não é raro o trato dos processos participativos “como

um requisito meramente formalista”, reduzindo “o procedimento à mera oportunidade de

manifestação pelo particular” desta forma “reduz o procedimento a um culto vazio,

desprovido de finalidade substancial” (PORTO NETO, 2000, p.297).

Uma audiência pública, para que possa ser assim definida, ou seja, pública, deve se

prestar como instrumento de efetiva participação, impondo aos promotores do procedimento,

como no caso das reguladoras, estarem atentos e adotarem todas as medidas necessárias para

que o “público” possa participar. Agustín Gordillo (2014, Vol. II, p. XI -13), quando aborda

os princípios gerais das audiências públicas, assevera existir um grupo de princípios

“integrado por el debido proceso, la publicidad, contradicción y participación; ellos, que son

los principios rectores del procedimiento, deben con todo considerarse dentro del marco del

informalismo, la oralidad, instrucción e impulsión de oficio y economía procesal”. A

informalidade e oralidade pautadas pelo autor fazem lembrar que as audiências públicas têm

como objetivo ouvir a sociedade, ao passo que um procedimento excessivamente formal ou de

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difícil compreensão evidentemente causa dificuldades à participação indo de encontro com a

própria razão de existir da audiência pública.

A realização de um procedimento de audiência pública que faculta a participação de

toda a sociedade, o qual em razão de inúmeros problemas, a começar pelos mecanismos de

publicidade, da complexidade ou da tecnicidade das informações, bem como das motivações,

acaba por ser transformado em um instrumento de legitimidade meramente formal, o qual não

se presta como efetivo instrumento de fomento à participação da sociedade, capaz de alçar o

cidadão como ator que consegue expor suas ideias e debater em igualdade de condições.

Importante observação sobre a legitimação das agências reguladoras, fundada na

competência técnica, é lançada por Andréia Cristina Bagatin:

Considerando que as agências reguladoras independentes exercem dominação

integralmente pautada em padrões legais-racionais, pode-se afirmar que a sua

autoridade (aqui compreendida como a possibilidade de exercer dominação) tem

dois fundamentos: a atribuição de um cargo legalmente definido e a sua competência

técnica. Porém, menos que da definição legal do cargo, elas tentam afirmar sua

legitimidade a partir da sua competência técnica. (BAGATIN, 2013, 114-115).

Esse é um alerta importante realizado pela autora. A competência técnica das

reguladoras, como já mencionado inúmeras vezes neste trabalho, é razão do próprio existir

destas instituições, característica voltada a assegurar eficiência à atividade reguladora, a qual

de forma alguma pode suprir a participação social como elemento de legitimação, só podendo

esta se dar de forma efetiva por meio de processo administrativo promovido com o objetivo

de efetivamente inserir a sociedade no debate,99

buscando fazer com que o procedimento dê

aos cidadãos condições reais de participar do jogo, sob pena de privilegiar, ainda que de

forma involuntária, os detentores do capital cultural e o habitus do subcampo regulatório.

Considerando ser “o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, o poder de

manter a ordem ou subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as

pronuncia” (BOURDIEU, 2006, p. 15), reconhecer a competência técnica como elemento de

legitimação equivale reconhecer que o domínio da técnica, neste caso, representa um poder

simbólico:

Um poder que aquele que lhe está sujeito dá àquele que o exerce, um crédito com

que ele o credita, uma fides, uma auctoritas, que ele lhe confia pondo nele a sua

confiança. É um poder que existe porque aquele que lhe está sujeito crê que ele

existe. (BOURDIEU, 2006, p. 188).

99

Como é reforçado por Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari (2003, p. 24), “cabe jamais esquecer: o

processo administrativo aberto, visível, participativo, é instrumento seguro de prevenção à arbitrariedade.

Dele não se pode abrir mão, minimante que seja”.

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Como bem pondera Sérgio Cademartori (2007, p. 115), “o poder nunca se apoia

exclusivamente na força” e ainda, como ressalta Pierre Bourdieu, a dominação não decorre

direta e simplesmente:

Da ação exercida por um conjunto de agentes (‘a classe dominante’) investidos de

poderes de coerção, mas o efeito indireto de um conjunto complexo de ações que se

engendram na rede cruzada de limitações que cada um dos dominantes, dominado

assim pela estrutura do campo através do qual se exerce a dominação sofre de parte

de todos os outros. (BOURDIEU, 2010, p. 52).

No campo regulatório do setor elétrico, os processos de audiência pública, como espaço

de luta, onde, como bem identifica Conrado Hübner Mendes existem “ao menos três tipos de

interesses em jogo: o interesse do próprio Estado, o interesse das empresas concessionárias e

o interesse dos usuários”, contexto no qual “desvelar qual destes é atendido numa decisão

concreta da agência é de fundamental importância para não nos curvarmos à enunciação de

um interesse público genérico”. Para ter legitimidade democrática, a agência deve propiciar

“canais de representação a cada um destes interesses”. (MENDES, 2000, p. 131). Tendo

presente, como é reforçado por Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari (2003, p. 24), que

“cabe jamais esquecer: o processo administrativo aberto, visível, participativo, é instrumento

seguro de prevenção à arbitrariedade. Dele não se pode abrir mão, minimante que seja”.

Dentre os desafios impostos à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, como

entidade reguladora de setor de grande complexidade, está a construção de processos efetivos

de participação social.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se analisar, neste trabalho, a potencial promoção da participação social no

processo administrativo de audiência pública promovido pela Agência Nacional de Energia

Elétrica – ANEEL. Procurou-se avaliar, por meio de estudo de caso tendo como referencial

teórico a sociologia de Pierre Bourdieu, a existência ou não de elementos no processo que

permitissem confirmar o capital cultural como predominante, bem como a presença de habitus

no subcampo regulamentar, e ainda, sendo confirmada a hipótese, procurou-se identificar

quem eram os detentores dos referidos capital e habitus. Por fim, verificou-se a observância

ou não por parte da Reguladora de princípios constitucionais norteadores e vinculantes dos

atos administrativos.

A transferência de atividades estatais, em especial a prestação de serviços públicos à

iniciativa privada e a importação de um modelo norte-americano de regulação por agências

levada a efeito durante a onda neoliberal, sob a influência de instituições internacionais, como

o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, causou de fato uma transformação na

administração pública brasileira, sem que todos os benefícios prometidos por esta

transformação tenham sido alcançados, fato hoje reconhecido publicamente por Luíz Bresser

Pereira, na época Ministro da Administração e Reforma do Estado – MARE.

Sujeitas a críticas que perpassam desde a questão da eficiência até a legitimidade, as

agências reguladoras são uma realidade na administração pública brasileira descentralizada. A

Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, como primeira agência constituída, vem

desempenhando suas atividades de regulação de serviço público essencial de fornecimento de

energia elétrica em meio à reforma do modelo setorial e a crises, como, por exemplo, o

“apagão” ocorrido no ano de 2001 e o problema hídrico que levou à adoção do sistema de

bandeiras tarifárias.

Certamente não podem ser atribuídos à Reguladora todos os problemas setoriais, a qual

não é responsável isolada pela regulação do setor (em sentido amplo, incluída toda a atividade

normativa voltada ao setor de energia elétrica). Longe disso, como se pode perceber ao longo

da pesquisa, apesar de haver algumas divergências doutrinárias acerca do enquadramento da

atividade normativa da reguladora, há certo consenso no sentido de reconhecer como

atividade de caráter regulamentar de complementação delineada por standards e políticas

públicas pré-estabelecidas; entendimento este já sustentado até mesmo pelo Supremo Tribunal

Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.093 – SP.

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O fato de não ser a responsável isolada pela regulação do setor e de exercer suas

funções pautadas em diretrizes pré-definidas não reduz a importância das atividades desta

entidade constituída de forma diferenciada (autarquia em regime especial), dotada de forte

autonomia, com o objetivo de regular o setor incluindo, entre outras funções, a edição de atos

administrativos regulamentares e poder/dever de fiscalização. Este espaço de atuação da

Agência constitui um campo complexo, no qual os agentes procuram a manutenção ou a

subversão das regras do jogo especialmente no subcampo regulamentar, espaço em que a luta

é pela definição dos atos administrativos regulamentares, ou seja, essa luta se dá pela

definição das regras do jogo entre agentes munidos de capitais desiguais, cujo resultado acaba

por definir a própria estrutura do campo.

A promoção de audiências públicas neste subcampo regulamentar, elemento

fundamental, ante o princípio democrático e a constitucionalização da administração pública,

à legitimidade do ato, constitui um espaço de luta na qual se fazem presentes o corpo técnico

da Reguladora, os agentes regulados (geradoras, distribuidoras, entre outras entidades que

atuam no setor e por isso sujeitas à regulação), bem como os usuários (sociedade).

A audiência pública, subcampo do campo regulatório, constitui-se em um espaço

estruturado e, ao mesmo tempo, estruturante das práticas dos agentes que nela participam,

constituindo, desta forma, um efeito reprodutor, pondo em dúvida o potencial deste

instrumento como mecanismo de emancipação e inserção efetiva no debate daqueles que

estão na posição de dominados, ou seja, dos agentes desmunidos do habitus e capital

preponderante neste espaço de luta específico.

A promoção da participação social de forma efetiva não é uma simples liberalidade da

Agência. Trata-se de elemento fundamental num contexto que se pretende democrático em

contraposição a um regime autoritário. Como se viu ao longo deste trabalho, perante a

atividade regulatória a participação cidadã ganha contornos ainda mais representativos, pois,

além de ser uma necessidade decorrente da constitucionalização da administração pública, a

qual deve ser dialógica, no caso específico dos atos administrativos regulamentares das

agências, possui a função de superar um déficit democrático fruto da gestão destas entidades

dotadas de importante grau de autonomia em face até mesmo do Chefe do Poder Executivo,

cuja diretoria não eleita é nomeada para mandato por prazo determinado, não destituível ad

nutum, ou seja, não amparada pela legitimidade advinda da democracia representativa.

No caso das decisões advindas das agências reguladoras brasileiras, em especial aquelas

voltadas à prestação de serviços públicos essenciais, como o de energia elétrica, a

oportunidade de participação direta do cidadão deve ser vista com atenção especial para que

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não seja apenas um instrumento formal, distante da efetiva participação tão importante à

legitimação dos atos administrativos regulamentares.

Por meio de estudo de caso, foram analisados documentos produzidos no processo pela

Reguladora, bem como pelos participantes (agentes regulados, entidades que os representam,

usuários de forma individualizada e entidades representativas e Câmara de Comercialização

de Energia Elétrica – CCEE), sendo eles organizados e analisados por meio da técnica de

análise de conteúdo mediante a aplicação do referencial teórico deste trabalho, mais

especificamente dos conceitos de campo, habitus e capital de Pierre Bourdieu e, ainda, de

princípios norteadores e vinculantes da atividade administrativa, tendo-se, assim, como objeto

de análise, a audiência pública 006/2015.

Durante a pesquisa, chegou-se a constatações importantes, a partir da análise

comparativa sobre os dados objeto do resultado da audiência pública, cuja síntese foi

apresentada pela Reguladora por meio de tabela, na qual são classificadas as contribuições

apresentadas como: aceita, parcialmente aceita, não aceita, não considerada e já prevista.

Constatou-se que o maior percentual de contribuições acolhidas recaiu sobre as contribuições

apresentadas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, seguida das

apresentadas pelos agentes regulados e entidades que os representam e, por fim, as

contribuições dos usuários e entidades representativas.

Outro dado relevante foi a verificação de que o maior número de contribuições não

consideradas recaiu sobre as contribuições apresentadas pelos usuários e entidades

representativas. Neste ponto, é importante consignar que este grupo de participantes

apresentou o maior número de contribuições durante a audiência pública, o total de 123 (cento

e vinte três), contudo, se for considerado o total de usuários do serviço de energia elétrica,

esse número passa a ser pequeno. Associado a isso, há, ainda, o fato de terem sido acolhidas

apenas cinco contribuições dos usuários as quais são relacionadas somente a campanha de

divulgação das bandeiras tarifárias, sem que nenhuma contribuição acerca da matéria

regulatória propriamente dita tenha sido acolhida. Além disso, um total de 69 contribuições

foram apresentadas por sindicados e federações, sendo que, destas, 68 continham a mesmo

conteúdo, ou seja, a mesma contribuição foi replicada.

Todos estes dados resumidamente postos levam a confirmação de que no processo de

audiência pública nº 006/2015 o maior número de contribuições acolhidas recaiu sobre

aqueles que possuem o know how, ou seja, especialização técnica. Como anteriormente

esclarecido, o acolhimento ou não das contribuições não é considerado para fins deste

trabalho como indicador determinante na análise da potencial promoção da participação

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social, posto considerar-se como expressão do exercício democrático não apenas o resultado,

mas especialmente a inclusão no debate em condições de participação efetiva.

Por meio da técnica de análise de conteúdo, na busca da identificação do capital

predominante e dos detentores deste capital, pode-se aferir a partir das unidades

representativas de complexidade que a ANEEL produziu os documentos nos quais foi

computado o maior número destas unidades demonstrando ser esta entidade a detentora do

maior conhecimento técnico, ou seja, possui maior capacidade de trabalhar a complexidade e,

por consequência, maior capital cultural, enquanto todos os participantes, segundo

demonstrado por meio das unidades representativas da linguagem técnica, em maior ou menor

escala, possuem registros nesta categoria, ou seja, possuem alguma familiaridade com esta

linguagem, sendo que entre os usuários apenas uma contribuição dentre as apresentadas

possuía essa característica.

Ainda com o olhar voltado para o capital predominante, por meio das unidades de

registro denominadas especialistas, percebeu-se a existência de poucas unidades com esta

característica, as quais foram identificadas basicamente nas notas técnicas produzidas pela

ANEEL, havendo apenas uma unidade em uma contribuição apresentada por agente regulado.

Contudo, apesar do número reduzido de unidades, a importância dos documentos elaborados

pelos especialistas é facilmente perceptível porque as notas técnicas emitidas por especialistas

da Agência, tanto de abertura quanto de análise de resultados da audiência pública, foram

preponderantes no resultado final, interferindo desde a elaboração até a aprovação do ato

administrativo regulamentar (Resolução Normativa 649/2015), demonstrando claramente o

potencial decisivo que estes profissionais, detentores do capital cultural, exercem no

subcampo regulamentar.

A confirmação acerca do melhor domínio sobre a complexidade do campo, assim como

uso da linguagem técnica, corroborada pela importância do trabalho dos especialistas

integrantes do corpo funcional da reguladora converge para confirmar o capital cultural como

o capital predominante no subcampo regulatório do setor elétrico, consubstanciado no

conhecimento técnico especializado, o qual coloca os detentores deste tipo de capital em

condição de superioridade neste espaço de luta.

Em relação à presença do habitus como elemento estruturado estruturante, constatou-se

que todos os grupos de participantes da audiência pública (ANEEL, agentes regulados e

instituições que os representam, usuários e entidades representativas e a CCEE) possuem

unidades de registro classificadas nesta categoria. Especialmente em relação às contribuições

apresentadas pelos usuários participantes de forma isolada, verificou-se que nenhuma delas

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possuía unidade de registro enquadrada nesta categoria, apenas em três contribuições de

entidades do grupo dos usuários foram identificadas unidades representativas do habitus do

subcampo regulamentar.

As práticas no subcampo regulamentar são definidas pelo habitus e pelo capital cultural

predominante naquele espaço. Os resultados demonstram que os usuários, especialmente

quando participam de forma individualizada, em regra não dispõem do capital cultural, neste

caso a especialização, nem mesmo do habitus do campo, o que fatalmente não favorece a

participação. Pelo fato de não disporem das condições necessárias para jogar o jogo neste

subcampo, aqueles que procuram participar, apresentam contribuições, as quais não são

eficientes na produção das práticas porque não possuir o habitus e o capital predominante

equivale a não dispor das condições de definir o jogo naquele campo.

No que concerne às unidades de registro representativas de princípios e direito

fundamental, as quais, no processo de reagrupamento, levam a análise a respeito da

legitimidade dos atos administrativos regulamentares, formam recortadas somente dos

documentos produzidos pela Agência, uma vez que, no processo de audiência pública,

somente ela tem o dever de observar os princípios e direitos fundamentais constitucionais

norteadores e vinculantes dos atos administrativos.

Pontualmente a respeito do elemento publicidade, pode-se aferir que, apesar de não

haver nenhuma ilegalidade no ato de publicidade, ou seja, em conformidade formal, por ser

um procedimento de participação social, a simples observância dos aspectos legais na

divulgação do procedimento não é o bastante para assegurar o melhor resultado, demandando

outras ações no sentido de promoção da participação efetiva.

Em relação ao elemento acesso à informação, constatou-se a existência de 59 unidades

de registro enquadradas nesta categoria, destas 39 eram complexas ou possuíam linguagem

técnica. Assim apenas 20 unidades de registro daquelas enquadradas como informação eram

facilmente compreensíveis. Já as demais demandavam conhecimento técnico ou familiaridade

com a linguagem para sua compreensão. De forma semelhante se aferiu em relação ao

princípio da motivação: do total de 86 unidades de registro enquadradas neste elemento, 33

também foram classificadas como unidades representativas de complexidade ou de linguagem

técnica, restando 53 unidades de registro enquadradas na categoria princípio da motivação

cuja compreensão não requer capacidade técnica ou domínio da linguagem técnica. Esses

dados revelam um problema comprometedor da efetividade da motivação divulgada, porque,

assim como a informação, a motivação deve ser facilmente compreendida por qualquer

cidadão, independentemente de qualificação técnica, sob pena de não cumprir sua função.

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Por fim identificou-se, a partir das unidades de registro da categoria democrática, um

dado relevante e positivo como, a existência na estrutura organizacional da Agência da

Superintendência de Mediação Administrativa, Ouvidoria Setorial e Participação Pública,

dado revelador de uma preocupação com a participação e controle social institucionalizada

em consonância com o princípio democrático e constitucionalização da gestão pública.

Contudo, também foi registrado dado negativo, como o modelo de formulário para envio de

contribuição, no qual constam expressões como “texto/instituição” e justificativa/instituição,

elementos inibidores da participação daqueles que não são instituição.

A legitimidade dos atos administrativos, quando consubstanciada apenas na abertura de

processo administrativo para participação social, sem que haja efetivamente a promoção da

participação, é uma legitimação vazia, restrita quando muito à conformidade formal dos

preceitos legais, ou seja, resta prejudicada pela ausência de uma legitimação de forma

substancial, caracterizada pela participação efetiva entendida como a inserção dos cidadãos no

debate em condições de compreender e de se manifestar de forma aderente ao tema.

A pesquisa realizada, especialmente o estudo de caso, demonstra uma série de

problemas no processo de audiência pública, os quais não favorecem ou mesmo dificultam a

participação do cidadão de forma efetiva, eis que estes são desmunido das mínimas condições

de participar ativamente na luta desenvolvida no subcampo regulamentar (capital cultural e

habitus), restando assim, comprometida a legitimidade material do ato decisório.

A atividade regulatória do setor elétrico não é tarefa fácil. A complexidade do setor, a

qual perpassa por questões de mercado, tecnológicas, naturais entre outras, inclui também o

desafio de promover um processo de participação social efetivo. Constatou-se esforços da

Agência neste sentido, como a disponibilidade em sítio eletrônico de vasto material,

elaboração de caderno temático especialmente voltado ao esclarecimento sobre o processo de

audiência pública e a conformidade formal dos atos administrativos realizados durante o

processo. Contudo, a linguagem técnica e complexidade do material disponibilizado, a falta

de clareza das informações e motivações, dados reveladores do predomínio do capital cultural

e de habitus no subcampo regulamentar, acabam por comprometer o esforço de promoção da

participação social.

As práticas observadas durante o estudo de caso demonstram que permanece em aberto

o desafio de promoção da participação cidadã nos processos de audiência pública. É preciso

que a Reguladora, na condição de agente especializado, seja capaz de elaborar alternativas

efetivas de inserção da sociedade, como, por exemplo, medidas de aproximação com os

cidadãos e de promoção da consciência para a participação, o que é tratado nos regulamentos

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da Agência como educação para a participação, porque é necessário, antes de tudo, levar ao

conhecimento dos indivíduos a existência do mecanismo de participação, bem como a

relevância da sua participação neste processo. Passo seguinte mostra-se imprescindível a

decodificação dos termos técnicos e da complexidade para fins de viabilizar a compreensão

por parte da sociedade de forma indistinta, sob pena de todos os esforços da Agência

redundarem em um processo materialmente inócuo.

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WEBER, Max. Economia e Sociedade. Tradução de Regis Narbosa e Karen Elsabe Barbosa.

Revisão Técncia de Gabirel Cohn. Braília: Universidade de Brasília, 1999. v. 2.

WEICHERT, Marlon Alberto. Arquivos secretos e direito à verdade. Boletim dos

Procuradores da República, São Paulo, ano 9, n. 77, p. 17-22, nov. 2007. Disponível em:

http://www.fundacaopedrojorge.org.br/images/stories/Documentos/boletins/boletim77.pdf.

Acesso em 15 jun. 2016.

WIMMER, Miriam; PEIXOTO, Elisa Vieira Leonel. Participação e Democracia nas Agências

Reguladoras: como se conjugam Autonomia Decisória, Especialização Técnica e Participação

Popular na Anatel. In: Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro. 32, Anais, 06-10 set. 2008.

Disponível em: <http://www.anpad.org.br/admin/pdf/APS-A1130.pdf>. Acesso em: 17 set.

2016.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Tradução de Ana Thorell.

Porto Alegre: Bookmann, 2010.

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ANEXO A - Documentos disponibilizados no sítio da Agência Nacional de Energia

Elétrica – ANEEL para participação na audiência pública 006/2015

Objetivo

Receber contribuições à minuta de Resolução que altera a comercialização varejista de energia elétrica no

Sistema Interligado Nacional - SIN (REN nº 570/2013)

1ª Fase

Fase Encerrada

Modalidade

Intercâmbio Documental

Prazo para recebimento de contribuição

De 06/02/2015 a 09/03/2016

Detalhes Resultados

1ª Fase da Audiência 005/2015

Documentos Disponibilizados Arquivos

Nº Descrição PDF ZIP

1 Aviso da Audiência Pública 005/2015, publicado no DOU de 6/02/2015, seção 3, página 127

-

2 Íntegra do Aviso da Audiência Pública 005/2015

-

3 Voto do Diretor-relator

-

4 Nota Técnica nº 129/2014-SEM/ANEEL

-

5 Minuta de Resolução

-

Lista de Contribuições

Resultados das contribuíções on-line - 04/02/2015 a 09/03/2015

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ANEXO B - Relação de agentes regulados e entidades que os representam que

participaram da audiência pública 006/2015 da ANEEL

IDENTIFICAÇÃO II

1º Abraceel Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica)

2º ABRADEE Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica

3º ABRADEMP Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica de Menor Porte

4º AES Brasil

5º CEB Distribuição S.A.

6º CEEE Distribuição

7ª CELESC Distribuição

8º CEMIG Companhia Energética de Minas

9º Copel Distribuição S/A

10º Elektro Distribuidora de Energia

11º Empresa Luz e Força Santa Maria S.A.

12º Energisa

13º Equatorial Energia

14º Grup CPFL Energia

15º Grupo EDP

16º Light

17º Neoenergia

18º ENEL

19 Comerc – Adriano Anaia Pereira

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ANEXO C - Relação de usuários e entidades que os representam que participaram da

audiência pública 006/2015 da ANEEL

IDENTIFICAÇÃO III

Associação Nacional dos Consumidores de Energia

Associação dos Suinocultores do Estado de Minas Gerais - ASEMG

Bombeiro Pira Pozinho

Cadeia Produtiva de Arroz - MAPA

Clube da Irrigação

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA

Conselho de consumidores da CEMIG

Conselho de Consumidores da AES SUL

Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais - FAEMG

Federação de Agricultura do Estado do Paraná

Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso -

Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do

KV Consultoria Ltda.

Núcleo dos Sindicato de Produtores Rurais do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba

Associação dos Sindicatos dos Produtores Rurais do Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha e

Mucuri

Sindicato dos Produtores Rurais de Alpinópolis

Sindicato dos Produtores Rurais de Araxa

Sindicato dos Produtores Rurais de Bueno Brandão/MG

Sindicato dos Produtores Rurais de Paraopeba e Caetanópolis

Sindicato dos Produtores Rurais de Campestre

Sindicato dos Produtores Rurais de Capitólio

Sindicato dos Produtores Rurais de Conc Mato Dentro

Sindicato dos Produtores Rurais de Curvelo – SPRC/MG

Sindicato Rural de Indianópolis

Sindicato dos Produtores Rurais de Itajubá-SPRI

Sindicato Rural MDE Tupaciguara

Sindicato dos Produtores Rurais de Janauba

Sindicato dos Produtores Rurais de Januaria

Sindicato dos Produtores Rurais de Monte Belo

Sindicato dos Produtores Rurais de Montes Claros

Sindicato Rural de Pará de Minas

Sindicato Rural de Pedro Leopoldo

Sindicato dos Produtores Rurais de Pompéu

Sindicato Rural de Recreio - MG

Sindicato dos Produtores Rurais de Resplendor.

Sindicato dos Produtores Rurais de Sacramento – MG

Sindicato dos Produtores Rurais de Tiros

Sindicato dos Produtores Rurais de Uberaba

Sindicato dos Produtores Rurais de Nova Pont

Sindicato dos Produtores Rurais de Poços de Caldas - MG

Sindicato Rural de Santa Vitória

Ana Paula Cardoso

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Edmar Siqueira

Fabricio Correa

Fagner Leleu

Francisco Dias

Gustavo Lemes Dos Santos

Luci Freitas

Luciano Nery Ferreira

Luís Alexandre Thomaz

Luís Felipe Dias

Monica Rocha

Ronaldo Fenili

Rosa Maria

Thais Pinheiro

Wilmea Moraes

Vladimir Oliveira

Delair da Silva

Tatiana Aguiar

Rosa D’Elia

João Simões

Ramom Souza

Esmael Ângelo

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ANEXO E - Nota Técnica nº 34/2015-SGT/ANEEL

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ANEXO F - Tabelas constantes no anexo II da Nota Técnica nº 34/2015-SGT/ANEEL

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ANEXO G - Modelo para envio de contribuições

MODELO PARA ENVIO DE CONTRIBUIÇÕES REFERENTE À AUDIÊNCIA PÚBLICA Nº /200X

NOME DA INSTITUIÇÃO:

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL

ATO REGULATÓRIO: (Especificar Nome/Tipo, nº e data, caso existam)

EMENTA (Caso exista):

CONTRIBUIÇÕES RECEBIDAS

IMPORTANTE: Os comentários e sugestões referentes às contribuições deverão ser fundamentados e justificados, mencionando-se os artigos,

parágrafos e incisos a que se referem, devendo ser acompanhados de textos alternativos e substitutivos quando envolverem sugestões de inclusão

ou alteração, parcial ou total, de qualquer dispositivo.

TEXTO/ANEEL TEXTO/INSTITUIÇÃO JUSTIFICATIVA/INSTITUIÇÃO