lucia leao processos de criação em mídias digitais

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308 PROCESSOS DE CRIAçãO EM MíDIAS DIGITAIS: PASSAGENS DO IMAGINÁRIO NA ESTéTICA DA TRANSCRIAçãO / Lucia Leão 6 Resumo Os processos criativos que emergem a partir das passagens entre linguagens são exemplos de produção midiática freqüentes no ciberespaço. As mídias digitais, por suas características abstratas, facilitam sobremaneira o processo de tradução entre meios. Remixagem, colagem, releituras, adaptações, são alguns dos termos que permeiam o cotidiano dos processos comunicacionais e de produção midiática. O presente artigo tem por objetivo investigar os processos criativos a partir do ponto de vista das passagens entre mídias, enquanto transformações simbólicas míticas e manifestações do imaginário. A fundamentação teórica articula Jesús Martín-Barbero, Flusser, Haroldo de Campos, Plaza, Bachelard, G. Durand e Maffesoli. Os processos criativos serão investigados enquanto sistemas complexos, em permanente transformação e em rede com as características da época (Salles). Para o desenvolvimento da metodologia do processo de criação nas mídias digitais também nos basearemos nos conceitos de metáfora, analogia e mapeamento lógico (Lakoff, Leão, Holyoak e Thagard). Palavras-chaves: Comunicação; Signo e significação nas mídias digitais; Processos de Criação nas Mídias; Arte e tecnologia; Imaginário; Transcriação. Lucia Leão é Professora do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui Pós Doutorado em Artes pela UNICAMP (2007), Doutorado e Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2001 e 1997). É Bacharel em Artes Plásticas pela Faculdade Santa Marcelina (1985) e tem Especialização em Ação Cultural pela ECA-USP. Sua pesquisa é de natureza interdisciplinar e se concentra principalmente nos seguintes temas: mídias digitais, design de interface, estéticas tecnológicas, processos criativos, hipermídia, ciberarte, ciberespaço, cibercultura e artes plásticas. É autora de vários livros entre eles: “O Chip e o Caleidoscópio” e “Cibercultura 2.0”. “[...] O pavio desta noite não é em absoluto o mesmo de ontem”. —Gaston Bachelard “Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos”. —Jorge Luiz Borges Preliminares: fundamentos do percurso Pensar uma estética da transcriação requer conceitos que fundamentem seus processos. Nossa proposição se apóia em três pilares. No campo da comunicação, a presente pesquisa se organiza a partir das idéias de Jesús Martín-Barbero, especialmente em seu conceito de “experimentação social”, tal como está descrito em “Ofício do cartógrafo”, que propõe um “encontro da universidade com a realidade comunicacional do país, da região e do mundo”. Para desenvolver essa proposta, Martín-Barbero fala de três tipos de relacionamento do 6 ([email protected])

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    pROceSSOS de cRIAO eM MdIAS dIgItAIS: pASSAgenS dO IMAgInRIO nA eSttIcA dA tRAnScRIAO

    / Lucia Leo6

    Resumo

    Os processos criativos que emergem a partir das passagens entre linguagens so

    exemplos de produo miditica freqentes no ciberespao. As mdias digitais, por suas

    caractersticas abstratas, facilitam sobremaneira o processo de traduo entre meios.

    Remixagem, colagem, releituras, adaptaes, so alguns dos termos que permeiam o

    cotidiano dos processos comunicacionais e de produo miditica. O presente artigo tem

    por objetivo investigar os processos criativos a partir do ponto de vista das passagens entre

    mdias, enquanto transformaes simblicas mticas e manifestaes do imaginrio. A

    fundamentao terica articula Jess Martn-Barbero, Flusser, Haroldo de Campos, Plaza,

    Bachelard, G. Durand e Maffesoli. Os processos criativos sero investigados enquanto

    sistemas complexos, em permanente transformao e em rede com as caractersticas da

    poca (Salles). Para o desenvolvimento da metodologia do processo de criao nas mdias

    digitais tambm nos basearemos nos conceitos de metfora, analogia e mapeamento

    lgico (Lakoff, Leo, Holyoak e Thagard).

    Palavras-chaves: Comunicao; Signo e significao nas mdias digitais; Processos de Criao

    nas Mdias; Arte e tecnologia; Imaginrio; Transcriao.

    Lucia Leo Professora do Programa de Ps Graduao em Comunicao e Semitica da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Possui Ps Doutorado em Artes pela UNICAMP

    (2007), Doutorado e Mestrado em Comunicao e Semitica pela PUC-SP (2001 e 1997).

    Bacharel em Artes Plsticas pela Faculdade Santa Marcelina (1985) e tem Especializao

    em Ao Cultural pela ECA-USP. Sua pesquisa de natureza interdisciplinar e se concentra

    principalmente nos seguintes temas: mdias digitais, design de interface, estticas

    tecnolgicas, processos criativos, hipermdia, ciberarte, ciberespao, cibercultura e artes

    plsticas. autora de vrios livros entre eles: O Chip e o Caleidoscpio e Cibercultura 2.0.

    [...] O pavio desta noite no em absoluto o mesmo de ontem. Gaston Bachelard

    Pensar esquecer diferenas, generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes no havia seno detalhes, quase imediatos.

    Jorge Luiz Borges

    preliminares: fundamentos do percurso

    Pensar uma esttica da transcriao requer conceitos que fundamentem seus processos.

    Nossa proposio se apia em trs pilares. No campo da comunicao, a presente pesquisa

    se organiza a partir das idias de Jess Martn-Barbero, especialmente em seu conceito de

    experimentao social, tal como est descrito em Ofcio do cartgrafo, que prope um

    encontro da universidade com a realidade comunicacional do pas, da regio e do mundo.

    Para desenvolver essa proposta, Martn-Barbero fala de trs tipos de relacionamento do

    6 ([email protected])

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    trabalho acadmico com os modelos hegemnicos ou contra-hegemnicos de comunicao:

    dependncia, apropriao e inveno (2004:239). Como veremos, nossa pesquisa busca

    pensar processos criativos com caractersticas de apropriao e inveno. Martn-Barbero

    fornece outros pontos fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa: o conceito de

    mediao (2008), a crtica da razo dualista (2008:261) e o mapa noturno de que prope

    o reconhecimento da situao do campo comunicacional simultaneamente a partir das

    mediaes e dos sujeitos (2008:290). As reflexes tambm se apiam no modelo de

    comunicao Flusser, que, em contraponto ao modelo clssico, centrado no objetivo de

    reduzir rudo entre emissor e receptor, prope uma dimenso existencial para o fenmeno,

    pois para ele, a comunicao humana um fenmeno de liberdade. A questo para Flusser

    diz respeito a como conseguimos criar, armazenar e distribuir informao com objetivo de

    tornar aceitvel nossa condio de humanos (Guldin, 2008: 79). Em O mundo codificado: por

    uma filosofia do design e da comunicao, fala de dois modos de comunicao: a dialgica e

    a discursiva. Na primeira, as informaes disponveis so trocadas com objetivo de se produzir

    novas informaes; na segunda, o objetivo preservar, manter as informaes (Flusser,

    2007:96-97). Outra referencia primordial se encontra no captulo Uma nova imaginao no

    qual Flusser discorre sobre a capacidade humana de criar imagens e apresenta perspectivas

    para se pensar as imagens computadorizadas ou de sntese (2007:161).

    O presente artigo parte da idia de uma esttica da transcriao presente nos processos

    criativos em mdias digitais. Tal esttica se desenvolve a partir de tradues do imaginrio,

    em processos que incluem passagens entre linguagens. Para compreendermos tal

    proposio necessrio que iniciemos apresentando uma breve introduo s teorias

    do imaginrio. Em seguida, iremos discorrer sobre discursos da traduo e apresentar o

    conceito de transcriao tal como foi proposto por Haroldo de Campos. Ao final, o texto

    prope uma metodologia de processo criativo.

    Imaginrio/Imaginrios

    O imaginrio como objeto de estudo envolve uma srie de autores e conceitos.

    Diferentemente de imaginao, definida como a faculdade de produo de imagens, em

    termos gerais, a noo de imaginrio envolve o estudo das produes imagticas, suas

    propriedades e seus efeitos. Conforme Wunenberger pontua, em sua definio histrica, o

    imaginrio uma categoria plstica. O imaginrio se relaciona com a mitologia medida

    que esta se define como um conjunto de relatos que constituem o patrimnio das fices

    nas culturas tradicionais. O imaginrio tambm se relaciona com a histria das mentalidades

    uma vez que esta tem como objeto de estudo as atitudes psicossociais e seus efeitos sobre

    os comportamentos. Por outro lado, o imaginrio se distingue da ideologia considerando

    que esta designa uma interpretao global e dogmtica de algum campo da vida humana

    e, ao mesmo, prope um conjunto de explicaes prontas e estereotipadas para as questes

    existenciais do ser. O imaginrio tambm no se reduz ao conceito de fico visto que este

    designa invenes s quais corresponde realidade alguma (Wunenberger, 2007:7-11).

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    A histria das teorias do imaginrio tem razes nas antigas metafsicas tais como

    neoplatonismo e o hermetismo. Os estudos envolvem trs fundamentaes: o estruturalismo

    (Levi Strauss, Lacan e Foucault); a fenomenologia (Merleau Ponty) e a hermenutica (Ricoeur).

    A onipresena da imagem na vida mental o ponto de partida dos estudos que Gaston

    Bachelard desenvolveu sobre a imaginao potica. Os estudos de Bachelard atribuem

    imagem duas vises antagnicas: na cincia, Bachelard considera a imagem um obstculo

    epistemolgico; j na poesia, as imagens so fontes inspiradoras. Em Bachelard, os quatro

    elementos, terra, gua, fogo e ar so vistos como arqutipos, matrizes que nutrem o processo

    de imaginao material. Assim, a chama de uma vela, por exemplo, elemento inspirador

    para reflexes e processos de imaginao, que refletem tanto o inconsciente pessoal do

    sonhador como tambm devaneios csmicos:

    A chama determina a acentuao do prazer de ver, algo alm de ser visto [...] dentre os objetos do mundo que nos fazem sonhar, um dos maiores operadores de imagens. Ela nos fora a imaginar. Diante dela, desde que se sonhe, o que se percebe no nada, comparado como que se imagina. As mais frias metforas transformam-se realmente em imagem.

    [...] Um sonhador de lmpadas leo compreender instintivamente que as imagens da pequena luz so lamparinas ntimas. Suas luzes plidas tornam-se invisveis quando o pensamento trabalha, quando a conscincia est bem clara. Mas quando o pensamento repousa, as imagens vigiam (Bachelard, 1989:)

    Aluno de Bachelard, Gilbert Durand estende suas idias a uma antropologia geral e

    prope uma sistematizao, denominada classificao isotpica de imagens em seu

    livro clssico, As estruturas antropolgicas do imaginrio (2002). Para Durand, todo

    pensamento tem sua matriz nas imagens, imagens estas que indicam o tipo de sistema

    simblico que permite o ser no mundo do pensamento. Mas, podemos nos perguntar,

    que o imaginrio? Noo plstica e polissmica, vrias so as redes conceituais que

    se articulam em torno do tema. Para Durand, o imaginrio um elemento constitutivo

    e instaurador do comportamento especfico do homo sapiens. Nessa concepo,

    o imaginrio um reservatrio, museu de todas as imagens, narrativas, valores,

    perspectivas, pontos de partida, processos cognitivos, mitos, lendas, obras de arte,

    molduras conceituais que interferem na percepo do mundo e na construo da cultura.

    No senso comum, costuma-se separar imaginrio e real, dada a nfase que se coloca no

    processo de imaginao, como o processo de criao de imagens. Assim, nessa perspectiva, o

    imaginrio distorce o real. Mas, na abordagem defendida por Durand, essa dicotomia falsa,

    medida que, em sua complexidade, todo imaginrio real e todo real imaginrio. A rigor,

    a existncia do ser ocorre no imaginrio (Durand, 2002).

    Em Michel Maffesoli, a noo de imaginrio se amplia ainda mais. Para ele, o imaginrio uma

    fora, um catalisador, um patrimnio de grupo que d sentido s tribos, uma vez que define os

    valores, as narrativas, afetos e estilos de vida que o grupo compartilha. E existe o imaginrio

    individual cuja construo se d, essencialmente por identificao (reconhecimento de si no

    outro), apropriao (desejo de ter o outro em si) e distoro (reelaborao do outro para si).

    Pelo imaginrio o ser constri-se na cultura (Maffesoli, 2001).

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    tradues enquanto passagens do imaginrio

    Como se sabe, as tradues semeiam a cultura, aqui pensada como conjunto de tradies.

    Para alguns autores, toda obra , por princpio, traduo de algo, anterior prpria obra.

    Na obra, Em Busca do Tempo Perdido, Proust falava do ato de escrever como traduo

    e, nesse sentido, a escrita se torna memria (Berman, 2009) . Por outro lado, a memria

    exige esquecimento, pois seletiva. Isso nos leva a pensar em algo corriqueiro na era das

    redes, pois vivemos um perodo de gigantesca produo de arquivos. As mdias digitais

    facilitam e estimulam a proliferao de bancos de dados. Mas, esse excesso gera um

    paradoxo, pois, muito do que produzido, fica apenas como acmulo, lixo. Em outras

    palavras, a quantidade de dados em si no implica necessariamente em gerao de

    memria. Para se falar em memria, preciso que se inclua o componente da reflexo. A,

    a importncia dos filtros, do selecionar e cortar.

    Gosto muito de um conto de Jorge Luiz Borges que ilustra esse problema, Funes o Memorioso.

    No conto, o protagonista Funes, obcecado por lembrar tudo detalhadamente, acaba vivendo

    o pesadelo de precisar de um tempo exagerado para lembrar de questes simples. Quando

    subordinada ao arquivamento direto, sem seleo, a memria intil, mero acmulo. Assim,

    a reflexo sobre a experincia vivida, assim como o esquecimento das particularidades, so

    elementos constitutivos da memria. Uma outra lio pode ser apreendida a partir deste

    conto: ao tentar criar um sistema tradutrio para organizar seus dados, Funes cai no erro de

    acreditar que as passagens tradutrias podem ser operadas por analogias. Como to bem j

    postulou Jakobson: toda traduo implica em passagem e, nessa passagem, muito se perde.

    Portanto, o traduzir implica na busca da equivalncia na diferena (Berman, 2009).

    Nos discursos que entrelaam a experincia do traduzir com a reflexo filosfica, nomes como

    Benjamin, Campos e Plaza nos apresentam suas vises particulares sobre o processo. Walter

    Benjamin, em a Tarefa do Tradutor, ensaio que aparece como prefcio s suas tradues

    aos poemas de Baudelaire, uma reflexo instigante que aponta para os problemas e

    desafios que acompanham a experincia de traduzir obras criativas. J o poeta tradutor

    Haroldo de Campos, em Da traduo como criao e como crtica, vai mais alm e prope

    que a traduo de textos criativos ser sempre recriao ou criao paralela, autnoma,

    porm recproca (Campos, 1974: 24). O conceito de traduo intersemitica, de Julio Plaza,

    ser ponto de partida para o desenvolvimento de modelo de processo criativo nas mdias.

    Finalmente, importante apontar as teorias de Raymond Bellour, no livro Entre-Imagens

    (1997), que fala das passagens entre fotografia, cinema e vdeo. Mais do que mesclas de

    linguagens, Bellour enfatiza a fora do vdeo como um atravessador, um operador de

    passagens. Iremos nos apoiar nessa viso de passagens para invocar o poder atravessador

    das mdias digitais (Bellour, 1997:14).

    Assim, remixagem, mash-ups, releituras so fenmenos freqentes no ciberespao. Tais

    procedimentos so processos criativos que traduzem questes do imaginrio para as mdias

    digitais e, nesses processos, apontam para a questo das passagens entre linguagens. As

    mdias digitais, por suas caractersticas abstratas, facilitam o processo de traduo entre meios.

    O que se observa nessas produes que os imaginrios so compartilhados e construdos em

    rede, ao mesmo tempo em que so vivenciados e re-traduzidos como universais.

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    por uma esttica da transcriao: uma metodologia do processo de criao nas mdias digitais

    Para propor uma metodologia de processo de criao nas mdias digitais, iremos comear

    apresentando algumas consideraes sobre trs esferas. A primeira, diz respeito a alguns

    conceitos que orbitam em torno das pesquisas sobre mdias digitais. Conforme j desenvolvido

    em outras publicaes, defino ciberespao como um espao que emerge a partir de relaes

    entre trs domnios: matricos (hardwares); lgicos (softwares) e, sobretudo, humanos

    (indivduos, grupos e instituies). Defendo que o ciberespao s pode ser entendido quando

    se analisa essas dinmicas tridicas em sua complexidade (Leo, 2002).

    A segunda esfera se organiza a partir da escolha da abordagem terica sobre processo de

    criao propriamente dito. Os processos criativos sero investigados enquanto sistemas

    complexos, em permanente transformao e em rede com as caractersticas da poca (tal

    como foram elaborados por Salles, 2006 ).

    A terceira esfera se dedica a pensar o desenvolvimento da metodologia do processo de

    criao nas mdias digitais. As metforas, assim como as analogias e os mapas conceituais, so

    tipos de raciocnios com grande potencial criativo. Vrios estudos contemporneos sobre a

    natureza dos sistemas conceituais humanos apontam a fora cognitiva da metfora. Holyoak,

    & Thagard, por exemplo, no livro Mental Leaps: Analogy in Creative Thought falam como

    as metforas so usadas na linguagem potica para falar de questes afetivas complexas.

    Alm disso, as metforas esto presentes em vrios outros momentos da vida cotidiana, como

    estruturas que organizam vrios de nossos pensamentos e aes (ver, por exemplo, o livro de

    Lakoff & Johnson, Metforas da vida cotidiana).

    laboratrio

    A aplicao da metodologia da esttica da transcriao seguiu os conceitos de traduo

    simblica, indicial e icnica, desenvolvidos por Plaza (1987) e ocorreu durante uma oficina

    ministrada no Curso de Comunicao e Multimeios da PUC-SP. Vejamos uma delas.

    O exemplo escolhido uma traduo simblica que partiu da obra da artista francesa

    contempornea Sophie Calle. A traduo foi realizada pela dupla de alunas Caroline

    Derschner Videira e Renata Faria. A obra transcriada Cuide de Voc (Prenez soin de vous

    Paris, 2007), foi concebida a partir de um e-mail de rompimento enviado por seu ex-namorado

    e cuja ltima frase dizia Cuide de Voc. A obra de Calle teve vrias verses e etapas, mas,

    em geral, consiste em convidar vrias pessoas a darem suas leituras e interpretaes para o

    email recebido. Depois de vrias discusses sobre as caractersticas simblicas da obra de Calle,

    a dupla apresentou como proposta de releitura a partir do texto original do e-mail recebido

    pela artista que foi decodificado em tags e revisitado atravs de sistemas algortmicos de

    tag clouds. A traduo recebeu o ttulo sophienocalle como um convite para que sua

    obra no se cale e tambm como aluso ao fato da artista no ter calado consigo uma

    experincia pessoal e enfatiza como o ato de trazer o rompimento por e-mail da esfera do

    privado para o pblico foi catalizador de mltiplas significaes.

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    Reflexes finais

    O desenvolvimento de uma metodologia do processo de criao nas mdias digitais que

    pense os processos criativos com suas caractersticas de apropriao e inveno; aponte

    para modos de comunicao dialgica e se ancore nos conceitos de traduo intersemitica

    e transcriao nos levou a buscar as teorias do imaginrio. Segundo tais teorias, a esfera das

    imagens compreende tanto os processos como as obras. O imaginrio como fonte catalisadora

    de sentidos, sentimentos, imagens e valores, se revelou extremamente rico para desencadear

    leituras e processos criativos. O potencial heurstico das metforas tambm foram fundantes

    no desenvolvimento de nosso raciocnio. Pensar as passagens entre linguagens foi fundamental

    para repensar os processos de criao nas mdias a partir da fora atravessadora do digital.

    Embora saibamos do potencial criativo que permeia a metodologia de processos que estamos

    propondo, a presente pesquisa pretende no futuro agregar outras bases, e pensamos em

    incorporar o conceito de autopoiesis (Maturana e Varela) e especialmente, adensar a reflexo

    sobre a questo esttica a partir da criativa formulao de Charles Sanders Peirce.

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