louvado seja o santÍssimo sacramento” · a produção do capital simbólico no catolicismo...

160
LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”: O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE (1934-1937) DANIELA ARAÚJO LEIRIAS

Upload: truongkiet

Post on 03-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

“LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”:

O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E

DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE

(1934-1937)

DANIELA ARAÚJO LEIRIAS

Page 2: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS

DANIELA ARAÚJO LEIRIAS

“LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”:

O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E

DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE

(1934-1937)

NATAL/RN

2016

Page 3: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS

DANIELA ARAÚJO LEIRIAS

“LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”:

O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E

DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE

(1934-1937)

Dissertação apresentada ao curso de Pós-

Graduação em História como requisito parcial

para obtenção do grau de Mestre, Área de

Concentração em História e Espaço, Linha de

Pesquisa II, Cultura, Poder e Representações

Espaciais da Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, sob a orientação do Prof. Dr. Renato

Amado Peixoto.

NATAL/RN

2016

Page 4: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Leirias, Daniela Araújo.

"Louvado seja o Santíssimo Sacramento" : o anticomunismo

católico e a formação da identidade e da espacialidade norte-rio-

grandense (1934-1937) / Daniela Araújo Leirias. - 2016.

159 f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de

Pós-Graduação em História, 2016.

1. Igreja Católica. 2. Anticomunismo. 3. Religião e política.

4. Civilização moderna. I. Peixoto, Renato Amado. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 261.7

Page 5: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

DANIELA ARAÚJO LEIRIAS

“LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”:

O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E

DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE

(1934-1937)

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de

Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão

formada pelos professores:

_________________________________________

Dr. Renato Amado Peixoto (UFRN)

__________________________________________

Drª. Gizele Zanotto (UPF)

________________________________________

Dr. Helder do Nascimento Viana (UFRN)

____________________________________________

Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha (UFRN)

Page 6: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

AGRADECIMENTOS

A efetivação desse trabalho é o resultado dos gestos de gentileza e compreensão de

vários companheiros de jornada. A começar pela participação no Programa de Pós-Graduação

de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ao auxilio e ajuda fornecida por

Luann Araújo secretário sempre disponível aos esclarecimentos administrativos. Ao meu

orientador Renato Amado Peixoto, desde 2011 vem contribuindo na minha formação

acadêmica, que me possibilitou adentrar no mundo da pesquisa para o meu aprimoramento

intelectual em história.

Ao professor Cândido Moreira Rodrigues da UFMT (Universidade Federal do Mato

Grosso) que contribuiu com a disponibilização de suas palestras e livros dos quais me

ajudaram a desenvolver esta pesquisa.

Aos professores do curso de Graduação e da Pós-graduação em História da UFRN em

especial à Francisca Aurinete Girão Barreto, Helder do Nascimento Viana, Henrique Alonso

de Albuquerque Rodrigues Pereira, Margarida Maria Dias de Oliveira, Raimundo Nonato

Araújo da Rocha, Sebastião Leal Ferreira Neto, Carmen Margarida Oliveira Alveal, Francisco

das Chagas Fernandes Santiago Junior, Flavia de Sá Pedreira, Haroldo Loguercio Carvalho,

Juliana Teixeira Souza, Wicliffe de Andrade Costa, Roberto Airon Silva e Ligio José de

Oliveira Maia.

Ao Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte pela imensa disposição em

me favorecer anos de trabalho e pesquisa, em especial à Antonieta Freire e Maria de Fátima

Pacheco. Ao Arquivo da Diocese de Natal que me permitiram pesquisar em seu acervo, ao

seminarista Sergio Alexandre e José Rodrigues.

Aos meus amigos da Base de Pesquisa: Carolina Xavier, Manuel da Silva, João Maria

Fernandes, Antônio Ferreira, Pedro Filipe, e Douglas Cavalheiro. Por meio da união do grupo

foi possível crescermos juntos.

Agradeço aos meus amigos Isolda de Souza, Lucicleia Neres, Deyse Moura, Ivan de

Araújo, Rosangele Bezerra, Diná Bezerra, José Daniel Cavalcanti, Mary Campelo, Magna

Rafaela e Anderson Silva.

Page 7: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

Por fim, esse trabalho é dedicado aos meus pais Inêz Maria Leirias e Cecílio Leirias,

aos meus irmãos Luciana Leirias, Mirian Leirias, e Fausto Leirias, ao meu sobrinho Heitor

Leirias, aos meus primos Valmir Leirias, Tatiana Andrade, e ao meu companheiro Jônata

Marcelino. Sem vocês eu não teria chegado até aqui.

Page 8: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

RESUMO

O propósito dessa dissertação é analisar a formulação do anticomunismo católico no Brasil

entre 1934 – 1937, comparando o plano local com o nacional, tendo como material de estudo

o anticomunismo difundido no Rio Grande do Norte pelo jornal católico A Ordem e pelo

jornal laico A República e, no plano nacional, pela revista A Ordem, editada pelo Centro Dom

Vital, do Rio de Janeiro. Entendo que a produção católica do anticomunismo se insere nos

pressupostos e estratégias políticas que a Igreja buscava fomentar. Sendo assim, achamos

necessário ligar a compreensão desse discurso ao pensamento católico contra a modernidade e

as suas formulações, trabalhadas no século XIX e início do século XX pela Igreja para

entender a especificidade de sua tradução no Brasil. Dessa maneira, compreendemos que o

anticomunismo católico é parte do discurso antimoderno traduzido no Brasil e no Rio Grande

do Norte em razão dos pressupostos e estratégias que a Igreja e a Diocese de Natal

procuravam alavancar na década de 1930. Para esta análise, houve a necessidade de

considerarmos a produção específica do campo religioso, pela articulação teórico-

metodológica de Pierre Bourdieu das categorias ‘campo’ e ‘espaço’ e dos mecanismos de

representação nas diferentes escalas. Discernindo as ações e estratégias do espaço social

católico, buscamos entender os espaços políticos com os quais o nacional e o local

dialogaram. Assim, percebemos que a relação entre a religião e a política se constituiu a partir

da formulação de um tipo de capital simbólico específico, adaptado às experiências do

nacional e do local, e, no caso local, desempenhou um papel central na produção do espaço e

da identidade norte-rio-grandense na década de 1930.

Palavras-chave: Igreja Católica, Anticomunismo, Identidade norte-rio-grandense,

Modernidade.

Page 9: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

ABSTRACT

This paper aims to analyze the development of the catholic anticommunism in Brazil between

the years of 1934 to 1937, comparing the local to the national level, having as study material

the anticommunism widespread in Rio Grande do Norte by the catholic newspaper The Order

and the secular newspaper The Republic and, on what concerns the country, by the magazine

The Order issued by the Dom Vital Center, in Rio de Janeiro. It’s understood that these

productions refers to an anti-communist discourse anchored in political strategies and

assumptions that the church sought to leverage. Therefore, it is important to link the

understanding of this speech to the Catholic ideas against modernity and its formulations,

worked in the nineteenth and in the early twentieth century by the church to understand the

specificity of its translation in Brazil. Thus, it is understood that the Catholic anticommunism

is only part of the anti-modern discourse translated because of assumptions and strategies that

the Church sought to leverage in the 1930s. For this analysis, it was necessary to consider the

specific production of the religious field by the theoretical and methodological articulation of

Pierre Bourdieu categories 'field' and 'space' and the representation mechanisms at different

scales. In that way we see that the relationship between religion and politics were formed

from the formulation of a specific type of symbolic capital, adapted to the national experience

and local – which, has played a major and central role in the production of space and identity

of Rio Grande do Norte in the 1930s.

Keywords: Catholic Church, Anticommunism, Rio Grande do Norte, Identity, Modernity.

Page 10: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – ESPAÇO SOCIAL CATÓLICO .................................................................... 52

FIGURA 2 – ESPAÇO SOCIAL NORTE-RIO-GRANDENSE ...................................... 104

FIGURA 3 – ‘A POMBA DA PAZ’ – IMAGEM REPRESENTATIVA DA

DIVULGAÇÃO DA PAZ PELA RÚSSIA ......................................................................... 124

FIGURA 4 – BRASÃO DO 2° CONGRESSO EUCARÍSTICO PAROQUIAL DE

CURRAIS NOVOS QUE EXEMPLIFICA A FRASE PROFERIDA POR MATIAS

MOREIRA “LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” ............................ 147

FIGURA 5 – MISSA INAUGURAL DO 2° CONGRESSO EUCARÍSTICO

PAROQUIAL DE CURRAIS NOVOS. ESTÁTUA DE CRISTO REI .......................... 148

Page 11: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 21

1. A FORMULAÇÃO DO ANTICOMUNISMO CATÓLICO NO BRASIL E A FUNDAÇÃO DO

CENTRO DOM VITAL .................................................................................................................... 21 1.1. A definição e a abordagem do anticomunismo na historiografia brasileira ..................................... 21

1.1.1. O anticomunismo católico ...................................................................................................... 29 1.2. Centro Dom Vital – Locus de Produção do Pensamento Católico no Brasil ................................... 34

CAPITULO II ......................................................................................................................... 49

2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

DÉCADA DE 1930 ........................................................................................................................... 49 2.1. A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ............................................................. 49 2.2. As posições da Igreja Católica no campo político do século XIX e a formação dos capitais político

e religioso ..................................................................................................................................................... 54 2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

anticomunismo católico ................................................................................................................................ 59 2.3.1. A Constituinte de 1934 ........................................................................................................... 64 2.3.2. Comunismo, Integralismo e Catolicismo ................................................................................ 69 2.3.3. Liberalismo e Comunismo ...................................................................................................... 74 2.3.4. A URSS, o Comunismo e o Socialismo .................................................................................. 81 2.3.5. O Rotary e a Maçonaria .......................................................................................................... 85 2.3.6. O Levante Comunista e a rearticulação do discurso católico .................................................. 88 2.3.7. A Guerra Civil Espanhola, o Anarquismo e o Comunismo .................................................... 95

CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 99

3. A PRODUÇÃO DO ANTICOMUNISMO NO RIO GRANDE DO NORTE ........................... 99 3.1. O espaço social norte-rio-grandense na década de 1930 ................................................................. 99 3.2. ‘A Crise de 1935’ - As disputas para a Assembleia Constituinte Nacional e para a Assembleia

Constituinte Estadual .................................................................................................................................. 106 3.3. A Congregação Mariana dos Moços – Subcampo de representação do Centro Dom Vital no Rio

Grande do Norte ......................................................................................................................................... 113 3.4. O anticomunismo norte-rio-grandense tradicional antes do Levante Comunista de 1935 no jornal A

República .................................................................................................................................................... 117 3.5. O anticomunismo católico norte-rio-grandense ............................................................................. 121 3.6. O anticomunismo norte-rio-grandense após o Levante Comunista de 1935.................................. 129 3.7. A formação da identidade católica no Rio Grande do Norte ......................................................... 137

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 151

FONTES PESQUISADAS ................................................................................................... 154

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 155

Page 12: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

11

INTRODUÇÃO

Nem pelo temor, nem pelo interesse, nem pelo desdém, portanto, é que

devemos combater o comunismo. E sim, como dissemos, por convicção, por

certeza e verificação que elle é apenas a ultima consequencia logica dos

erros mais monstruosos do mundo moderno, na inversão de todos os

valores, na deshumanização do mundo e na deschristianização da

sociedade.

Alceu Amoroso Lima, 1936..1

Falar do anticomunismo nos remete a questionarmos a produção do pensamento

católico da década de 1930, compreender para quê servia o anticomunismo e quais categorias

eram necessárias para definir o ser comunista, perceber as suas práticas e as ações que

perpetram na sua disseminação por todo o país. Estas questões nos fazem refletir também

como esse pensamento serviu para justificar e implantar os regimes no Brasil e, porque,

mesmo quase um século depois, é ainda atuante na política dos dias atuais.

A epígrafe que nos serve de exemplo faz parte da produção literária da revista católica

A Ordem, fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo, o principal líder leigo católico do país

a qual é considerada uma das primeiras organizações brasileiras prontas para o enfrentamento

às convicções liberais e socialistas que se acirraram após a Primeira Guerra Mundial. É neste

direcionamento que o periódico apronta as principais diretrizes do pensamento católico contra

o comunismo, clamando a sociedade brasileira à luta contra o mal que as ideias comunistas,

última resultante do mundo moderno, poderiam acarretar a humanidade devido à subsequente

supressão dos valores cristãos.2

A epígrafe nos ajuda, ainda, a perceber certa conjuntura política da formulação do

discurso anticomunista. Tornando-se líder do laicato católico após a morte de Jackson de

Figueiredo, Tristão de Athaíde, pseudônimo de Alceu Amoroso Lima, era um dos maiores

militantes intelectuais católicos e atuante em várias frentes: na ‘Ação Católica’, na ‘Liga

1 LIMA, Alceu A. Em face do comunismo. A Ordem. Rio de Janeiro, p. 346-347, abr./mai. 1936.

2 RODRIGUES, Cândido Moreira. Uma revista de intelectuais católicos: (1934-1945). Belo Horizonte:

FAPESP, 2005.p.15.

Page 13: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

12

Eleitoral Católica’, na presidência do ‘Centro Dom Vital’, na direção da revista A Ordem, na

Academia Brasileira de Letras e, lecionando em vários institutos e faculdades.

Intelectual convertido ao catolicismo, Tristão de Athaíde era também um dos mais

influentes pensadores do conservadorismo e, seu desempenho deve ser pensado também em

face do cenário sociopolítico da época, um período em que se exigia posicionamento e ação

política coerente ao paradigma colocado ao catolicismo pelo cenário que incluía a Guerra

Civil Espanhola de um lado e pela consolidação do Nazismo no poder. É a compreensão dessa

conjuntura que impele a reformulação do pensamento católico e a atuação da Igreja que nos

revela tanto a elaboração do anticomunismo pelos católicos quanto as suas atuações no recorte

temporal que estudamos.

Por outro lado, a instituição eclesiástica, por meio da elaboração desse discurso,

atuaria também enquanto um dos principais apoios do governo de Getúlio Vargas e, foi por

conta disso que a Igreja pôde fortalecer na década de 1930 a sua relação com o Estado na

República, formulando por meio do anticomunismo um discurso que serviu para a sustentação

das principais decisões políticas do Governo, além de lhe propiciar, ainda, a posição de porta-

voz na domesticação das consciências. Desta forma, o comunismo tornou-se o inimigo

comum do Estado e da Igreja, e o anticomunismo funcionaria como um elo permanente entre

as duas instituições.

Desde então, a Igreja caminharia junto ao poder, inicialmente a partir da atuação da

Liga Eleitoral Católica e, posteriormente, com as novas configurações da Ação Católica, onde

se intensificaria a cooperação no trabalho do apostolado entre os leigos. Assim,

principalmente depois de 1935, o Estado, através do apoio religioso, pôde fortalecer as

medidas repressivas, sobretudo após o lançamento de Carta Pastoral dirigida aos católicos,

embasada na encíclica Divini Redemptoris, de Pio XI, que clamava pela luta contra o

comunismo. Por conseguinte, entendemos que a Igreja, com o anticomunismo, elaborou todo

um arsenal de imagens e símbolos que ajudaram a justificar suas diretrizes na participação do

poder.3

Portanto, é no exame desse arsenal de propósitos, que se coloca o objetivo desse

trabalho de, por meio da História Política4, analisar o discurso anticomunista católico no

período que vai de 1934 a 1937, para tentar compreender como este contribuiu para a

formulação da identidade e da espacialidade norte-rio-grandense.

3 LENHARO, Alcir. Sacralização da Politica. São Paulo: Papirus, 1986, p.189-190.

4 RÉMOND, Réne (Org.). Por uma História Política. UFRJ: Rio de Janeiro, 1996.

Page 14: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

13

Para isto, procuraremos estudar a atuação das elites eclesiástica e leiga em nível

nacional, perpassar suas dinâmicas institucionais, exemplificadas no exame do surgimento do

‘Centro Dom Vital’ e da disseminação dos seus ideais por meio da revista A Ordem, no Rio

de Janeiro, interligando-os à problemática da História Local e Regional e da produção

intelectual católica local, por meio da investigação da sua relação com as elites locais, por

meio do exame do jornal da Diocese de Natal, A Ordem, compreendendo essas duas escalas, a

do nacional e a do local e, as duas esferas de produção, a política-social e a religiosa,

enquanto processos dinâmicos e, em relação mútua.5

Este trabalho se insere na linha de pesquisa II: Cultura, Poder e Representações

Espaciais, do Programa de Pós-graduação em História da UFRN, buscando trabalhar a

compreensão das categorias espacialidade e espacialização6 e da ideia de construção da

identidade por meio da análise da instituição eclesiástica nos acontecimentos no período pós

Revolução de 1930, mediante o exame da produção de seu discurso e das propostas de

estratégias políticas e sociais que interviram na inferência da elaboração da espacialidade e da

identidade católica local.

Este trabalho teve seu início pela minha participação como bolsista de iniciação

científica – PIBIC, sob a orientação do professor Dr. Renato Amado Peixoto (UFRN) no

projeto de pesquisa ‘O pensamento católico, a atuação política e a intervenção social da

Igreja em relação à formulação da identidade e da espacialidade norte-rio-grandense entre

1930 e 1964,’ com atuação no plano de trabalho ‘Pesquisa e digitalização das fontes acerca

da produção do pensamento católico no Rio Grande do Norte das décadas de 1930 e 1940’

no ano de 2012 a 2013, quando foi possível começar e me envolver no desenvolvimento da

pesquisa sobre o integralismo e anticomunismo no jornal A República.

Posteriormente, fui integrada a um novo plano de trabalho: ‘Pesquisa e digitalização

das fontes acerca da produção do pensamento católico e do discurso anticomunista no Rio

Grande do Norte nas décadas de 1930 e 1940‘ iniciando nessa nova etapa a pesquisa e

digitalização da produção anticomunista encontrada nos jornais A República, A Ordem, na

5 PEIXOTO, Renato Amado. A Crise de 1935 no Rio Grande do Norte: a tensão entre as identidades estadual e

nacional por meio do caso norte-rio-grandense. In: Anais do VI Simpósio Internacional Estados

Contemporâneos. Natal: UFRN, 2012, v. 1, pp. 294-301. 6 Em relação à categoria espacialização e espacialidade, ver; PEIXOTO, Renato Amado. Duas Palavras: Os

Holandeses no Rio Grande e a invenção da identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista

de História Regional, v. 19, p. 35-57, 2014, p. 56, Nota 45; PEIXOTO, Renato Amado. Espacialidades e

estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no início do século XX. In: Renato Amado Peixoto.

(Org.). Nas trilhas da representação: trabalhos sobre a relação história, poder e espaços. Natal: EDUFRN, 2012,

v. 1, p. 11-36; PEIXOTO, Renato Amado. Espaços imaginários: o historiador dos espaços como cartógrafo. In:

PEIXOTO, Renato Amado. Cartografias Imaginárias: estudos sobre a construção do espaço nacional brasileiro

e a relação História & Espaço. Natal: EDUFRN, 2011.

Page 15: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

14

revista A Ordem e, nas obras dos intelectuais católicos da década de 1930, tendo como

resultado a apresentação de trabalhos e a publicação de escritos em Congressos científicos.

Esta pesquisa está integrada no escopo das análises do Grupo de Pesquisa nacional

‘História, Catolicismo e Política no Mundo Contemporâneo’7

, abrigado na Universidade

Federal de Mato Grosso, onde atuo na linha de pesquisa ‘Catolicismo e Política no mundo

contemporâneo’ que é liderada pelos professores Drs. Cândido Moreira Rodrigues (UFMT) e

Renato Amado Peixoto (UFRN).

Portanto, foi a partir do contato com as fontes e nas leituras sobre o pensamento

católico e as obras que remetem ao estudo do anticomunismo no Grupo de Pesquisa, que

despertamos nosso interesse para a análise da atuação da Igreja na política do Rio Grande do

Norte e, incidimos a questionar a presença nos editoriais e artigos desses periódicos sobre a

necessidade incessante de se definir e redefinir o comunismo neste período e, dessa forma,

passamos a indagar quais seriam as finalidades e objetivos que estavam por trás da construção

desse discurso.

Para efeito desta análise começamos a trabalhar as fontes oferecidas pela imprensa

local: o jornal A Ordem da Diocese de Natal, em que percebemos a atuação da

intelectualidade leiga católica e os ideais da Ação Católica, e o jornal A República, onde o

pensamento das elites e da Interventoria Federal estão evidenciados no período recortado.

Note-se que o jornal A República, fundado em 1889 era então o órgão oficial do Estado, em

que também analisamos a construção do discurso anticomunista, para que possamos subsidiar

nossas análises dos documentos e artigos referentes à relação entre o Governo Federal, a

Igreja Católica e também em relação ao Integralismo.

Também passaram a fazer parte do rol de nossas fontes a revista A Ordem a qual

tivemos acesso pelo site da Biblioteca Nacional Digital Brasil e a documentação no IHGRN.

Para a articulação teórico-metodológica desta dissertação trabalharemos a partir de

Pierre Bourdieu,8 visando investigar e compreender a formulação de um discurso

anticomunista norte-rio-grandense, e, identificar e esclarecer o espaço social católico. Pela

análise do discurso de Bourdieu entendemos ser possível verificar as diferentes formulações

desse discurso e de seus mecanismos de representação em suas escalas e esferas.

7 Grupo de pesquisa ‘Catolicismo e Política no mundo contemporâneo’ Endereço para acessar este espelho:

dgp.cnpq.br/dgp/espelholinha/840794613721190022473 8 BORDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papiros, 2011.

Page 16: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

15

Tendo em vista discernir a diferença entre o anticomunismo clássico e o

anticomunismo católico, nosso estudo requer uma análise da produção historiográfica

produzidas sobre este assunto, a partir de uma visada que permita direcionar nossa

compreensão para as diversas abordagens teóricas e metodológicas que ocasionaram a

elaboração desses trabalhos, propiciando, desse modo, compreender o que proporcionou as

definições, ações e propósitos a partir dos quais eles foram elaborados.

Um dos primeiros trabalhos que deu início à análise do anticomunismo no Brasil foi o

livro ‘O diabo é vermelho – Imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul

(1945-1964), de autoria de Carla Simone Rodeghero, fruto de sua dissertação de mestrado. A

autora desenvolveu sua análise por meio da História Cultural, averiguando a construção de

imagens sobre o anticomunismo católico no Rio Grande do Sul e trabalhando na sua pesquisa

os periódicos católicos, encíclicas papais e, também, produções de outras instituições como o

Exército, a Cruzada Brasileira Anticomunista, a imprensa laica, Etc. Além disto, Rodeghero

lançou mão de entrevistas com pessoas vinculadas a religião católica e ativistas comunistas.

Dessa maneira a autora, pretendeu demonstrar a formação de um imaginário anticomunista e

as diferentes formas de representação que contribuíram na formulação de uma imagem

comunista.

Portanto, este trabalho que principiou a análise do anticomunismo demonstrando a

construção de representações por parte da Igreja Católica, nos levou a repensar as questões

teóricas e metodológicas que foram utilizadas.

Foi por meio da abordagem de Roger Chartier para o conceito de ‘representação’ que

Rodeghero investiu na análise de suas fontes impressas e orais, procurando compreender a

produção do imaginário anticomunista e perceber formas de ações e práticas da Igreja

Católica as quais, segundo a autora teria culminado em construções e representações que

reforçavam o imaginário anticomunista, contudo, sem pensar suas origens no pensamento

católico.

Já a obra ‘Em guarda contra o perigo vermelho’, do historiador Rodrigo Pato Sá

Motta, tese defendida em 2002 e, transformada em livro, contribui para uma melhor

compreensão do tema, uma vez que define as principais matrizes do anticomunismo, e

consequentemente, as possíveis definições das diferentes representações e ações do

anticomunismo no Brasil.

Motta, mediante uma abordagem focada na história política, analisou dois períodos de

maior ênfase anticomunista, os anos 1935 a 1937, pós-Levante Comunista e 1961 a 1964,

Page 17: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

16

quando se teria reforçado o ideário anticomunista produzido após o Levante de 1935. Motta

analisou o anticomunismo através de comparações com diferentes temporalidades e da

observação em relação às suas permanências e regularidades.

Desta forma, ele pode explanar sobre o que referiu como diversas representações

anticomunistas, associadas às ações de diferentes instituições. Isto lhe permitiu empreender

uma análise dos objetivos e finalidades do que seria a construção desse imaginário nos

principais períodos de maior contestação ao comunismo, formulando, assim, segundo o autor,

o que seriam as suas principais matrizes: o Catolicismo, o Nacionalismo e o Liberalismo.

Pensamos que outro ponto relevante do trabalho de Motta é o argumento a respeito do

surgimento do anticomunismo no Brasil: para o autor, apesar da presença do discurso

anticomunista no século XIX, seria somente após a Revolução de 1917 que o anticomunismo

no Brasil se apresentou de maneira mais contundente, pois, seria então que se iniciaria a

influência dos ideais comunistas de paradigma soviético no país, por intermédio do Partido

Comunista do Brasil, o que teria desencadeado o medo de uma possível mudança política e a

possibilidade da tomada de poder pelos revolucionários.

Em vista disso, Motta argumenta que “(...) o anticomunismo tornou-se uma força

decisiva nas lutas políticas do mundo contemporâneo, alimentado e estimulado pela dinâmica

do inimigo que era a sua razão de ser, o comunismo.” 9

Entretanto, foi o trabalho de Cândido Moreira Rodrigues10

‘A Ordem: uma revista de

intelectuais católicos – 1934 a 1945’, dissertação defendida no ano de 2005, que nos

possibilita reanalisar as abordagens a respeito do surgimento do anticomunismo católico no

Brasil.

Como o autor bem demonstra, o aparecimento do anticomunismo católico se deu bem

antes da Revolução de 1917, como parte da contestação por parte da Igreja contra os

princípios da Revolução Francesa e, em contrapartida a um Estado laico e secularizado.

Rodrigues também identificou os fundamentos teóricos que mais influenciaram os

anticomunistas católicos em seu exame da revista A Ordem, sendo possível perceber nesta o

peso das matrizes do pensamento católico do século XIX. Este foi constituído e disseminado a

partir das obras de pensadores conservadores e contrarrevolucionários, como, Edmund Burke,

9 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).

São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2002, p. 20. 10

RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem - Uma revista de intelectuais católicos: (1934-1945). Belo

Horizonte: FAPESP, 2005.

Page 18: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

17

Louis Ambroise De Bonald, Joseph De Maistre e Juan Donoso Cortés, os quais teriam

fornecido a base teórica para a aceitação de boa parte dos movimentos e regimes autoritários e

totalitários que obtiveram repercussão no século XX.

Segundo o autor, os filósofos Henri-Louis Bergson e Jacques Maritain, contrários aos

preceitos da modernidade, teriam fornecido o apoio que contribuiu para que o pensamento

católico justificasse a aproximação entre o Estado e a Igreja no Brasil durante o período

Vargas.

O enfoque de Rodrigues nos possibilitou uma melhor definição das categorias

‘anticomunismo’ e ‘anticomunismo católico’ contribuindo para o nosso trabalho, ao nos

permitir repensar as ações, estratégias e estruturas da Igreja na sociedade, à luz das matrizes

que contribuíram na formação do pensamento católico brasileiro, especialmente tendo em

vista pensar a produção do discurso anticomunista católico na imprensa ligada à Igreja, ao

mesmo tempo, responsável pela sua difusão e instigado pela instituição eclesiástica.

Dessa maneira, foi possível perceber e trabalhar os modos de intervenção política da

Igreja e os mecanismos de sua espacialidade – produção de espaços e de identidades ligadas a

este –, e de sua espacialização tanto no Brasil quanto no Rio Grande do Norte da década de

1930. No caso, compreendemos que a noção de ‘espacialização’, denota uma operação em

que vários espaços e tempos tais como local, regional, nacional e transnacional são

conjuntamente tomados e recebidos, e, fabricados ativa e reflexivamente. O esforço de

cruzamento dessas várias espacializações nos será útil, na medida em que se trata de trabalhar

uma instituição como a Igreja, dotada de uma organização espacial particular e que extrapola

categorias espaciais como nação, região e estadual, que, por sua vez, são posteriores à sua

organização.11

É também numa perspectiva semelhante que a dissertação ‘Guardai-vos dos falsos

profetas: matrizes do anticomunismo católico – 1935 a 1937’12

veio nos esclarecer acerca

dessa nova abordagem sobre o anticomunismo, que se separa dos caminhos trilhados por

Rodeghero e Motta.

O historiador Marco Antônio Machado Lima Pereira evidencia a presença do

anticomunismo após a revolução comunista de 1935, pelo exame do jornal católico O

Santuário e da revista A Ordem, mas realizando a análise do discurso anticomunista de viés

11

PEIXOTO, Renato Amado .‘Duas Palavras’: ‘Os Holandeses no Rio Grande’ e a invenção da identidade

católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de História Regional, 2014, p. 56, nota 45. 12

PEREIRA, Marco Antônio Machado Lima. “Guardai-vos dos falsos profetas”: matrizes do discurso

anticomunista católico (1935-1937). Franca: UNESP, 2010.

Page 19: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

18

católico, em que pensa perceber uma tensão acerca das ideias políticas da Igreja, mais

significativas contra as práticas e ações dos comunistas.

Por conta desta percepção, a pesquisa de Pereira nos fornece os insumos para pensar a

existência de relações intrínsecas entre o religioso e o político que possibilitam perceber todo

um esforço de reunião dessas instâncias por parte da elite eclesiástica e de leigos católicos e,

que teriam resultado na fundação do ‘Centro Dom Vital’ e da revista A Ordem.

Estes seriam, na realidade, os responsáveis pela disseminação destes ideais da Igreja

Católica brasileira, e pelo seu posicionamento frente ao comunismo e, à vista disso, coloca

Pereira: “(...) o anticomunismo serviu como uma das principais bandeiras utilizadas para

aglutinar a intelectualidade católica, permitindo sua atuação no processo político do

período”13

.

Seria, portanto, na busca de contribuir para esclarecer a distinção entre o

anticomunismo clássico e o anticomunismo católico e, para pensar as tensões e contribuições

da relação entre o religioso e o político que estimularam sua produção que elaboramos nosso

Plano de Redação.

Em relação ao primeiro capítulo, buscaremos perceber o que foi o anticomunismo no

período da Era Vargas de 1934 a 1937 e distinguir as suas diferentes produções, nos vieses

clássico e católico. Para isto, procuraremos trabalhar em torno do Centro Dom Vital,

apontando suas origens, os objetivos dessa instituição e a sua relação com a Igreja Católica.

Além disso, procuraremos pensar o propósito de sua disseminação espacial, pela

fundação de filiais do centro nos principais estados do país.

Já no segundo capítulo, buscaremos também analisar os artigos publicados na Revista

A Ordem, o principal órgão de divulgação dos ideais conservadores naquele período e

compreender quais eram os temas e assuntos abordados e, se o anticomunismo fazia parte dos

insumos aí produzidos.

O terceiro capítulo examinará os jornais A República e A Ordem em nosso recorte da

década de 1930, para analisar a situação política do Rio Grande do Norte e buscar

compreender não apenas os diferentes polos de poder representados pela presença dessas

novas lideranças, a Interventoria e a Diocese de Natal, mas também para analisar a

emergência da Igreja como ator político significativo no estado do Rio Grande do Norte.

13

Ibidem, p. 17.

Page 20: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

19

Percebemos que isto é consequência da ‘Crise de 1935`14

, um dos principais fatores que

possibilitaram que a Diocese de Natal se tornasse um dos atores principais no jogo político

norte-rio-grandense, principalmente após o Levante Comunista, quando a hierarquia católica

passou a intervir coadjuvada pelo Integralismo, inclusive, firmando acordo com as antigas

organizações familiares do estado. No intuito de melhor exemplificarmos a ligação entre o

religioso e político por meio do anticomunismo católico e o problema da espacialização,

trabalharemos a formação da identidade que foram desencadeadas pelos acontecimentos

relativos ao Levante de 1935.

Afinal, no regime republicano a Igreja passou por inúmeras dificuldades; sem o apoio

do Estado e não podendo mais contar com o subsídio governamental, teve que se organizar de

uma nova maneira que lhe garantisse “autonomia financeira, institucional e doutrinária”.

As diretrizes descentralizadoras do regime republicano, através da “política dos

governadores”, representados pelos partidos estaduais, e da autonomia dos clãs oligárquicos,

tornaram possível a implementação do processo de “estadualização” do poder eclesiástico,

com as sedes das dioceses passando a serem localizadas em cada estado. Nesse contexto, os

eclesiásticos buscaram o apoio de leigos católicos e das autoridades públicas do novo regime

que garantissem as suas prerrogativas. Essa estratégia política verdadeiramente expansionista

da Igreja suscitou alianças com o poder local, servindo de apoio para a legitimação e

afirmação do poder oligárquico. 15

Sendo um dos objetivos da Neocristandade,16

percebemos que o processo de expansão

diocesana se desencadeou em meio às formulações da identidade da Igreja norte-rio-

grandense. Pensamos nessa articulação com nosso objeto por causa do Município de Mossoró,

ser um dos polos de maior organização do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no estado e,

em face da região ter sido o palco principal da guerrilha rural (1935-1936) preparada e

apoiada pelos trabalhadores rurais das Salinas e mobilizada pelo Sindicato do Garrancho,

ligado ao PCB.

A Diocese de Natal, inserida nessa nova organização territorial do território

eclesiástico, não se excluiu das decisões ligadas às mudanças do novo sistema político. Pelo

14

PEIXOTO, Renato Amado. A Crise de 1935 no Rio Grande do Norte: a tensão entre as identidades estadual e

nacional por meio do caso norte-rio-grandense. In: Anais do VI Simpósio Internacional Estados

Contemporâneos. Natal: UFRN, 2012, v. 1, p. 294-301. 15

MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). Tese de Doutorado em Sociologia, Campinas/SP:

UNICAMP, 1985, p. 45-48. 16

MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e Política no Brasil (Trad. Heloisa Braz de Oliveira Prieto). São

Paulo: Brasiliense, 1989.

Page 21: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

20

contrário, através da “estadualização diocesana”17

, atuou politicamente inserindo seus

princípios, utilizando-se de novas estratégicas políticas para se mantiver nas articulações de

poder, continuando a relação entre Igreja e Estado através da cordialidade e da troca de

favores. Assim, neste período, a elite eclesiástica pôde atuar de maneira mais independente,

adquirindo uma autonomia política que possibilitou a reestruturação do espaço.

A Igreja buscou construir Dioceses como núcleos que correspondessem às demandas

necessárias de cada região e, ao mesmo tempo, estabelecer a hegemonia da sua doutrina por

meio de uma maior articulação nas principais regiões do estado. Nessas novas regiões com a

atuação eclesiástica o quadro político passou a ter um novo membro que esteve incumbido de

se afirmar por meio do campo religioso.

Entendemos que o propósito por parte da Diocese de Natal era o de se afirmar nas

demais regiões do estado, atuando na inserção doutrinária e nas decisões políticas, e, dessa

maneira confirmando a emancipação e a influência social e política da Igreja no Rio Grande

do Norte.

17

GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na Primeira

República (1889-1930). Tese de Doutorado, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2012.

Page 22: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

21

CAPÍTULO I

1. A FORMULAÇÃO DO ANTICOMUNISMO CATÓLICO NO BRASIL E A

FUNDAÇÃO DO CENTRO DOM VITAL

1.1. A definição e a abordagem do anticomunismo na historiografia brasileira

Para pensarmos a importância do anticomunismo católico para a construção da

identidade e da espacialidade norte-rio-grandense, precisamos primeiro, discutir a categoria

anticomunismo, sendo relevante perceber as diferentes definições do que classicamente foi

chamado de anticomunismo até os dias atuais. O que era o anticomunismo na década de

1930? Quando o termo é primeiramente utilizado no Brasil, quais os seus sentidos? Qual a

diferença entre o que a historiografia hoje chama de anticomunismo e o que era o

anticomunismo católico na época?

Entendemos que a análise das produções acadêmicas sobre as diferentes abordagens

do anticomunismo nos possibilitará acessar as diferentes compreensões da categoria no

pensamento conservador e no pensamento católico brasileiro. Para isto, a nossa pesquisa

buscará compreender o surgimento de instituições leigas sob a orientação da Igreja, e a

movimentação de intelectuais que contribuíram para a elaboração e a legitimação das

diretrizes tomadas pela Igreja na década de 1930, bem como para as articulações da

instituição eclesiástica no Brasil visando às intervenções sociais e política.

Procurando, trabalhar a história do pensamento católico no Brasil pela aproximação

teórica e metodológica de Pierre Bourdieu, entendemos que nosso trabalho se insere na

análise do campo religioso e, que neste não se deve perceber uma homogeneidade, mas, um

composto de subcampos que possuem uma dinâmica própria, em que os princípios de

dominante e dominado devem ser percebidos conforme as estratégias e ações desses

subcampos.18

Devemos, pois, analisar a estrutura do campo a partir dele mesmo, pois suas

reestruturações sucedem ao largo dos acontecidos fora deste e, entender a partir do próprio

campo religioso a constituição de uma relação intrínseca entre o catolicismo e a política no

Brasil durante a década de 1930.

18

BORDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papiros, 2011.

Page 23: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

22

Um dos trabalhos pioneiros na investigação do anticomunismo produzido pela Igreja

católica é o de Carla Simone Rodeghero,19

do ano de 1998 e, de acordo com esta

pesquisadora, a Igreja foi uma das principais instituições responsáveis pela formulação do

ideário anticomunista. Rodeghero teve como uma de suas principais preocupações a

delimitação das categorias comunismo e anticomunismo articulado à ideia da representação,

enquanto forma de melhor perceber a diversidade dos insumos que contribuíram para a

construção do imaginário católico.

É nesse estudo que o termo anticomunismo vai ser definido como sendo uma reação

contra os ideais e manifestações ao comunismo, ao Partido Comunista do Brasil e às

organizações de viés de esquerda no Brasil, juntamente com todas as ações que se referiam as

contribuições nos sindicatos e nos movimentos de melhoria a setores menos privilegiados da

sociedade:

O imaginário anticomunista pode, então, ser definido, de acordo com o

objetivo específico da obra, como um conjunto de representações

construídas e utilizadas por diversos setores da Igreja Católica para

interpretar a realidade e os problemas vividos pela sociedade como um todo,

ou pelas instituições, no período de 1945 a 1964.20

Já o trabalho concluído no ano de 2001 por Rodrigo Patto Sá Motta21

, nos traz uma

análise que reporta a categoria anticomunismo como constituída por vários aspectos que

diferenciam as representações do comunismo, mas que, em geral, têm um fim em comum: a

recusa às noções elementares que abordam o sistema político comunista de viés bolchevista.

O que o autor nos traz de novidade em sua pesquisa é a tentativa de demonstrar que

três matrizes compõem o ideário do anticomunismo – o catolicismo, o nacionalismo e o

liberalismo - fundamentando um discurso anticomunista no Brasil, compreendendo, por

conseguinte, esta categoria como um leque de explanações de várias vertentes ideológicas,

porém, articuladas com o mesmo objetivo, o de recusa aos preceitos da Revolução de 1917.

Para o autor, o anticomunismo serviu como uma das motivações que impulsionaram

os conflitos políticos contemporâneos no Brasil, instituindo seu inimigo principal o

comunismo característico, de viés marxista-leninista. 19

RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande

do Sul (1945-1964). 2°. Ed. Passo Fundo: UPF, 2003. 20

Ibidem, p. 28. 21

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).

São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2002.

Page 24: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

23

Segundo Motta, mesmo tendo sido formulado no século XIX, o comunismo teve maior

repercussão no século XX com a ascensão dos bolcheviques com a tomada do poder na

Rússia. Seria a partir desse enfoque que o comunismo deixaria de ser apenas um ideal político

para se tornar a sua concretização real. Portanto, o anticomunismo surgiria mais como a

expressão do medo diante da possibilidade de expansão dos princípios comunistas pelo

mundo e, ocasionando as ações dos líderes e das organizações políticas conservadoras que,

teriam passado a articular medidas para barrar o movimento revolucionário que se

confrontava os sistemas políticos vigentes na época, especialmente o capitalismo-liberal:

A representação do comunismo como inimigo absoluto não derivava apenas

do medo que conquistasse as classes trabalhadoras. A questão central, na

ótica dos responsáveis católicos, no que não estavam desprovidos de razão, é

que a nova doutrina questionava os fundamentos básicos das instituições

religiosas. O comunismo não se restringia a um programa de revolução

social e econômica. Ele se constituía numa filosofia, num sistema de crenças

que concorria com a religião em termos de fornecer uma explicação para o

mundo e uma escala de valores, ou seja, uma moral. 22

Outro problema relevante apontado por Rodrigo Motta é o do aparecimento do

anticomunismo no Brasil. Apesar de o Partido Comunista se apresentar de forma concreta na

política apenas a partir da década de 1930, com o surgimento ativo do Partido Comunista do

Brasil (PCB), da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e da presença militante de Luiz Carlos

Prestes, a presença de um discurso anticomunista já se fazia presente na imprensa brasileira

desde as primeiras décadas do século XX, quando se percebia uma maior participação do seu

ideário no cenário político brasileiro, mais pela atuação dos grupos anarquistas que dos

comunistas.

Já a análise proposta pelo historiador Marco Antônio Machado Lima Pereira23

trabalha

nessa mesma definição de anticomunismo. Como objeto de estudo, de acordo com o autor, o

anticomunismo é ressaltado no período de maior contestação à movimentação partidária do

comunismo no Brasil, principalmente após os levantes de novembro de 1935.

Pereira defende que este é um dos períodos de maior relevância das produções e ações

políticas conservadoras, em face aos perigos que o Levante poderia propiciar, ou seja, como

22

Ibidem, p. 20. 23

PEREIRA, Marco Antônio Machado Lima. “Guardai-vos dos falsos profetas”: matrizes do discurso

anticomunista católico (1935-1937). Franca: UNESP, 2010.

Page 25: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

24

uma nova forma de prevenção à possibilidade de tomada de poder pelos comunistas. É neste

contexto de conflito, pela articulação do Partido Comunista e, da tentativa da tomada de

poder, no Levante, que o autor vai definir a produção anticomunista enquanto uma reação, em

contrapartida ao movimento comunista e, relativa a uma conjuntura elaborada desde a

Revolução Russa.

Carla Simone Rodeghero24

retorna em 2002 com um novo trabalho que se baseia na

compreensão do que autora denomina de ‘anticomunismo brasileiro’, a saber, como um

discurso produzido por certas instituições no país, realizando, para isto, um trabalho baseada

na comparação entre os discursos da Igreja Católica e da corporação diplomática norte-

americana no Brasil, as quais teriam derivado as suas elaborações da produção anticomunista

advinda dos Estados Unidos e também dos postulados estabelecidos pelo Vaticano. Ambas as

entidades, portanto, teriam disseminado produções que culminaram em diferentes

representações no campo do imaginário social, resultado da recepção do combate ao

comunismo.

Realizando um paralelo através de instituições distintas, Rodeghero diria ter podido

perceber as diferenças e semelhanças das formulações anticomunistas na distinção de uma

identidade comunista em relação aos não comunistas. Assim, a autora compreende a formação

da negação aos postulados comunistas da seguinte maneira: “o anticomunismo é entendido

como uma postura de oposição sistemática ao comunismo que se adapta a diferentes

realidades e se manifesta por meio de representações e práticas diversas” 25

.

Já o trabalho de Célia Maria Groppo26

, em sua pesquisa sobre o anticomunismo

católico brasileiro, ao definir o termo anticomunismo, observa que a revista A Ordem, órgão

do laicado católico brasileiro, teria sido o veículo que mais divulgou o anticomunismo no país

e, aponta que este se remetia aos postulados do comunismo da terceira década do século XX

no Brasil.

A pesquisa de Groppo demonstraria que o discurso anticomunista não se apresentava

de forma concreta contra os postulados marxista-leninistas, porém, antes da tomada do poder

pelos bolcheviques na Rússia, o discurso se remetia indistintamente ao anarquismo, ao

socialismo, à socialdemocracia e às outras variantes do comunismo.

24

RODEGHERO, Carla Simone. Memórias e avaliações: norte-americanos, católicos e a recepção do

anticomunismo brasileiro entre 1945 e 1964. Porto Alegre, 2002. (Tese de doutorado). 25

Ibidem. p. 20-21. 26

GROPPO, Célia Maria. Ordem no céu, ordem na terra: A Revista “A Ordem” e o ideário anticomunista das

elites católicas (1930-1937). São Paulo, 2007 (Dissertação).

Page 26: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

25

Porém, a autora ressalta que a década de 1930 é o período em que as fontes

demonstraram haver uma maior ênfase no discurso anticomunista, permeado e refletido pelo

pensamento conservador das elites eclesiásticas.

A autora também credita a consolidação das matrizes ideológicas católicas que

fomentaram na elucidação do comunismo no Brasil ao surgimento do PCB e da Aliança

Nacional Libertadora (ANL), na medida em que se concretizaram nas suas representações a

imagem revolucionária que depois seria ligada aos adeptos dessa ideologia política no Brasil.

Entretanto, para compreender a trajetória das formulações atribuídas ao combate dos

ideais comunistas no país Célia Maria Groppo define o anticomunismo católico como sendo

apenas uma das várias vertentes que formularam então as representações sobre o comunismo.

Já a pesquisa de Rosângela Pereira de Abreu Assunção27

, exaurida no Departamento

de Ordem Política e Social do estado de Minas Gerais (DOPS-MG), de resto, uma das filiais

da instituição responsável pela repressão e investigação aos comunistas e, fundada para a

prevenção e combate ao comunismo.

Assunção colocou a importância de se compreender como o imaginário anticomunista

produzido pela sociedade brasileira motivou as representações anticomunistas produzidas pela

própria polícia política mineira. Segundo a autora, principalmente na década de 1930, o

anticomunismo teria sido elaborado em discordância às influências das diretrizes da

Revolução de Outubro, mas, pode-se constatar pela pesquisa no DOPS-MG que as ações

desempenhadas por essa instituição, por meio de todo um aparato ideológico, culminou na

utilização de um imaginário anticomunista que serviu para distinguir os opositores da ordem e

do Estado, o ‘subversivo’, ou seja, qualquer suposição “subversiva” possibilitava a

intervenção policial e justificava ações de controle social e político.

Partindo para outro rol de pesquisas, as que fazem referência a mesma categoria de

análise, desta vez mais centrados no recorte da história regional e local, o anticomunismo é

compreendido no trabalho do historiador Ariel Tavares Pereira28

como as diferentes

representações que se remetiam ao comunismo, correlacionando as conjecturas da Revolução

Russa e da Guerra Civil Espanhola.

Examinando as abordagens do anticomunismo produzidas pela imprensa de São Luiz,

Maranhão, na década de 1930, Ariel Pereira percebe diferentes abordagens que se remetiam

ao comunismo e ao comunista. Os diferentes grupos oligárquicos que se faziam representar na

27

ASSUNÇÃO. Rosângela Pereira de Abreu. DOPS/MG. Imaginário anticomunista e policiamento político

(1935-1964). Minas Gerais, 2006. (Dissertação de Mestrado). 28

PEREIRA. Ariel Tavares. Um espectro ronda a ilha: O comunismo na imprensa de São Luiz (1935-1937).

São Luiz, 2010. (Dissertação de Mestrado).

Page 27: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

26

imprensa seriam responsáveis por essa construção anticomunista e pela concretização de uma

identidade que encarnava o mal responsável pela desordem na sociedade.

Por sua vez, o historiador Faustino Teatino Cavalcante Neto29

evidencia em sua tese,

que tem como objeto de estudo o anticomunismo na Paraíba, que o período 1917 a 1937 é o

momento de formulação do anticomunismo no Brasil,

Mediante uma análise que se norteia por perscrutar o imaginário e a construção das

representações sobre o anticomunismo, o autor define que essa categoria foi constituída a

partir das questões atuantes na disseminação pelo mundo dos princípios do comunismo de

viés marxista-leninista.

Entretanto, apesar de o autor apontar em sua pesquisa todo um arsenal de produções

anticomunistas por parte da Igreja Católica após os postulados da revolução de outubro, sua

pesquisa remete à produção da elite política a responsabilidade pela elaboração do

anticomunismo anterior à década da “primeira grande onda anticomunista 1935-1937” 30

e a

percepção, por esta, da influência das ideias bolchevistas no Brasil.

Outros problemas relevantes ficam apontados noutro rol de pesquisas, aquele que não

tem por centro de análise o político e o social.

No trabalho de Lindolfo Anderson Martelli, que analisa o movimento pentecostal no

Brasil31

e, investigando outra instituição que não a católica, foi apontada a presença de um

anticomunismo produzido diretamente pela Assembleia de Deus já nas primeiras décadas do

século XX, onde o autor pode constatar a elaboração de um discurso de identidade religiosa

por meio da construção de representações que tinham o objetivo de doutrinação.

Para Martinelli, esse discurso, observado nos jornais publicados pela Assembleia de

Deus, fornece a definição do comunismo como uma das explicações sobre os males do mundo

e teria se iniciado logo após a legalização do Partido Comunista no Brasil.

Como uma das questões seculares, os males advindos do comunismo se remetiam a

uma explicação baseada em um “discurso teológico escatológico” 32

.

29

CAVALCANTE NETO. Faustino Teatino. A ameaça Vermelha: o imaginário anticomunista na Paraíba (1917-

1937). 2013. 274 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade

Federal de Pernambuco, Recife, 2013. 30

MOTTA, Rodrigo. Op., cit., p. 179. 31

MARTELLI. Anderson Lindolfo. Escatologia e Anticomunismo nas Assembléias de Deus do Brasil na

primeira metade do século XX. 2010. 192 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação

da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. 32

Ibidem, p. 10.

Page 28: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

27

Os comunistas foram representados sob a égide do mal, frequentemente

relacionados ao demônio, Anticristo e ao pecado. Estereotipado às imagens

de figuras assustadoras, “bestas”, animais perigosos, agentes patológicos,

associado às barbaridades e ao retrocesso civilizatório, o comunismo ganhou

forma e atributos desqualificantes. Toda a linguagem usada nos jornais para

interpretar os sinais dos tempos estava carregada de sentidos, símbolos e

imagens dotados de poder capazes de estruturar a própria vida e a percepção

da realidade. Os assembleianos identificavam nas doutrinas, crenças,

profecias e revelações à resposta para os acontecimentos históricos. 33

Por sua vez, a pesquisa de Eduardo de Souza Soares34

analisou o viés político do

cinema e sua repercussão na imprensa de Porto Alegre, interligado à construção de um

discurso anticomunista.

Analisando as impressões da exibição das obras cinematográficas de Charles Chaplin

na capital gaúcha durante a década de 1930 e 1940, Soares observa que estas coincidiram com

os momentos de maior repressão política ao comunismo no Brasil, o pós-Levante Comunista

de 1935 e a implantação do Estado Novo.

Para a proposta de sua pesquisa, Soares utilizou a mesma designação da categoria

anticomunismo defendida por Rodeghero:

Entendemos o anticomunismo como um conjunto de ideias, de

representações e de práticas de oposição sistemática ao comunismo.

Considerando as condições pouco propícias ao desenvolvimento de um

projeto revolucionário, o anticomunismo deu origem à constituição de um

imaginário próprio, uma composição de imagens dedicadas a depreciar as

doutrinas e práticas comunizantes, deixando marcas profundas na sociedade

brasileira desde as primeiras lutas operárias. 35

A presença do comunismo como inimigo a ser derrotado, também foi identificada

como uma forma de verificar as diferenças e homogeneidades nos discursos anticomunistas e

antiliberais produzidos pelo Governo Vargas, num período em que sua atuação política

coincidia com a ascensão e com a colocada da Ação integralista Brasileira na ilegalidade.

33

Ibidem, p. 19-20. 34

SOARES. Eduardo de Souza. A Máscara e o rosto de Chaplin: o anticomunismo na repercussão da

filmografia política de Carlitos em Porto Alegre (1936-1949). 2008. 139 f. Dissertação (Mestrado em História) –

Sociedades Ibéricas e Americanas, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica

do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008. 35

SOUZA apud cit RODEGHERO.

Page 29: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

28

No mesmo viés de observar a relação entre o integralismo e o Governo Vargas, outro

pesquisador, Edgar Serrato,36

sustenta que o anticomunismo baseou o discurso proferido por

ambas as atuações políticas e, observou que estes discursos, além de compartilharem a mesma

temporalidade, apresentavam semelhanças ideológicas e políticas.

Para Serrato, o anticomunismo integralista partilhava dos mesmos argumentos dos

discursos de Vargas, em que o comunismo se fazia presente pela remissão ao seu caráter

materialista. Para o autor, ambos os discursos repudiavam os ideais do liberalismo, defendiam

um Estado autoritário com a intervenção estatal na economia e a não pluralidade partidária,

sendo que o enfoque anticomunista se tornaria ainda mais expressivo na atuação discursiva de

Vargas após o Levante Comunista de 1935. Serrato coloca que:

Por mais que o apelo comunista vá ao encontro da substituição do critério

individualista pelo coletivista – assim como propõem os integralistas e

Vargas -, ambos discursos apontam para o fato de que o regime comunista

não passa de uma difusa forma de ditadura, onde uma minoria acima do

povo – que se diz governar em nome dele -, o explora e/ou escravizava,

sendo este um recorrente apelo presente na lógica discursiva do

anticomunismo internacional, seja na vertente liberal ou fascista.37

Portanto, verificamos que em praticamente todas as análises anteriormente citadas

definem a categoria anticomunismo enquanto uma recusa ao sistema político comunista e,

mesmo sendo estabelecido por diferentes instituições (Polícia Política, Igreja Católica,

Exercito, imprensa, Cinema, etc.), o discurso anticomunista é apresentado enquanto um

discurso centrado contra os postulados comunistas de viés marxista-leninista.

Percebemos também que a maioria destas análises, ainda que comparativas, se

apresentam sem que haja o esforço de se confrontarem diferentes escalas do espaço, ou seja,

analisam um discurso anticomunista estadual ou nacional, sem fazerem remeterem suas

analíticas a exame que contemple outras escalas discursivas, deixando de fornecer um sentido

amplo da análise, um sistema, capaz de enfrentar as diferenças ou similitudes entre as

diferentes espacialidades de produção do anticomunismo.

36

SERRATO, Edgar Bruno Franke. A Ação Integralista Brasileira e Getúlio Vargas: antiliberalismo e

anticomunismo no Brasil de 1930 a 1940. 2008. 219 f. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-

graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2008. 37

Ibidem, p.196.

Page 30: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

29

Outro ponto que verificamos foi que a maioria dos trabalhos se refere ao

anticomunismo como um discurso multifacetado e possuindo diversas origens de produção,

relacionadas a estratégias e problemas diferenciados, mas que se articulam com o mesmo fim.

Também devemos frisar uma quase homogeneidade teórica dos exames, todos se

remetendo à categoria representação fundamentada na obra História Cultural de Roger

Chartier, sem pensar suas qualidades, dificuldades ou defeitos e, sem remeter a outras

possibilidades analíticas da mesma.

Finalmente, observamos que, ainda que se reconheça o anticomunismo católico como

uma variedade integrante de uma frente discursiva anticomunista mais ampla, muito ainda

falta para se avançar no sentido de se bem definir as características, matrizes e problemas do

anticomunismo católico, problema então que procuraremos enfrentar.

1.1.1. O anticomunismo católico

Um dos trabalhos que veio a contribuir para a nossa abordagem é o trabalho de

Cândido Moreira Rodrigues38

sobre a revista A Ordem, o periódico oficial do Centro Dom

Vital, do Rio de Janeiro.

Rodrigues nos fornece uma nova abordagem histórica e metodológica que possibilita

repensarmos esse tema de pesquisa, diferindo bastante das produções analisadas

anteriormente. Em sua pesquisa, esse autor investigou e analisou a produção da

intelectualidade leiga católica39

ligada ao Centro Dom Vital. Este, sob a direção de Jackson de

Figueiredo, depois de Alceu Amoroso Lima, surgiu em 1921 e transformou-se no principal

órgão de difusão do pensamento católico no Brasil.

Várias são as contribuições de Rodrigues: a análise das matrizes políticas, ideológicas

e filosóficas que forneceram a base para compreendermos as ações e os posicionamentos da

Igreja Católica; o exame dos princípios que fundamentaram a moral católica; a investigação

dos liames da doutrina que possibilitaram a maior participação do laicado na vida da Igreja e;

a ideia de que a disseminação de periódicos diocesanos foi uma das estratégias frente aos

acontecimentos da década de 1930 no Brasil, um indício importante para ligarmos a análise da

produção norte-rio-grandense, que possuía o jornal A Ordem como seu veículo divulgador, à

análise da revista A Ordem.

38

RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem: uma revista de intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte:

FAPESP, 2005. 39

Sobre a participação de intelectuais na década de 1930 junto à elite eclesiástica será discutida no decorrer da

dissertação.

Page 31: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

30

Ao analisar as matrizes do pensamento católico na revista A Ordem, as quais seriam

depois disseminadas nos demais veículos da imprensa católica, Rodrigues observa que o

posicionamento dos ideais da Igreja no Brasil pelos intelectuais católicos, recebeu a influência

de certos pensadores europeus dos séculos XVIII e XIX e, dentre os autores que teriam dado

respaldo e fundamentação teórica àqueles se encontrariam vários dos principais autores

contrarrevolucionários, tais como Edmund Burke, Louis Ambroise De Bonald, Joseph De

Maistre e Juan Donoso Cortés.

Para Rodrigues, estes autores contrarrevolucionários teriam desempenhado um papel

central na função de construir refutações em face aos questionamentos produzidos pelos

socialistas e liberais e às mudanças dos valores vigentes da monarquia e do poder da Igreja

católica. Como o autor bem define,

Numa perspectiva mais ampla, a providência, o anti-individualismo e o

catolicismo seriam os pontos principais para a formação e a consolidação de

uma vida política saudável, segundo a visão dos contrarrevolucionários

franceses.40

Esse apontamento forneceu parte do argumento de nosso trabalho, pois, de acordo com

Cândido Rodrigues, é possível verificar a constituição e fomentação teórica, política e

filosófica do pensamento católico e, que este teria resultado na formulação de um discurso

questionador das consequências e mudanças que remetem à desordem, advinda dos males

postulados da Revolução de 1789 e da derrocada da monarquia absolutista e, contrário à

modernidade. Este discurso se posicionaria na oposição aos princípios republicanos, de

igualdade de classes, da soberania popular, da democracia, da destruição dos laços familiares

e da eliminação do poder da Igreja frente ao Estado.

Em geral, os contrarrevolucionários defenderiam o retorno à filosofia da natureza

(ordem natural), o direito de propriedade, o absolutismo, a hierarquia social e a tradição

histórica e,41

segundo Rodrigues, também demandavam a condenação do mundo moderno,

nas seguintes condições:

(...) como aquele que rejeitava a “autoridade da Igreja” e afastava Deus

como princípio de ordenamento da sociedade. É assim que “as propostas

restauradoras de uma ordem social”, baseada nos valores cristãos,

40

RODRIGUES, Cândido. Op. cit., p. 41. 41

Ibidem, p. 31.

Page 32: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

31

“alimentavam o mito do retorno à cristandade medieval”, a partir do

restabelecimento do poderio papal sobre a sociedade e da reconstituição de

sua Constituição.42

Devido às mudanças relacionadas aos adventos da Reforma e da Revolução Francesa,

os contrarrevolucionários defendiam um pensamento voltado para uma ordem pautada nos

valores tradicionais de cunho católico. Para estes a sociedade só permaneceria equilibrada se

estivesse de acordo com os preceitos da religião cristã e de um governo político-religioso, no

caso, exemplificado pela monarquia.

Seria essa refutação contrarrevolucionária da modernidade em favor da ordem que

forneceria a base para a elaboração das estratégias da Igreja Católica na primeira metade do

século XX. De acordo com Rodrigues, seria possível sintetizá-lo no pensamento de Joseph

De Maistre:

Sua principal reivindicação é o restabelecimento das relações entre ordem

religiosa e ordem política (altar e trono). Para ele, a fidelidade à Igreja

Católica Romana era o único meio de estabilidade social, e os protestantes

do passado representavam os jacobinos do presente.43

Quanto a isso, o pensamento conservador do contrarrevolucionário espanhol Juan

Donoso Cortés aborda outro ponto relevante para compreendermos o anticomunismo católico:

a justificativa estabelecida em preceitos históricos e teológicos da possibilidade de

implantação da ditadura como a melhor solução para se mantiver a ordem:

Se Deus, algumas vezes, manifestava sua vontade soberana “violando essas

leis que ele mesmo se impôs”, e considerando-se que as mesmas eram

análogas às da sociedade, não poderia o homem classifica-lo como portador

de atitudes ditatoriais? Nessa questão residia a prova, segundo Cortés, de que

nenhum partido poderia querer governar sem que mantivesse uma estreita

relação com Deus, com seus meios e formas de governo, nem se furtar a

adotar o meio, “algumas vezes necessário, da ditadura”.44

O argumento utilizado por Cortés contra a modalidade de regime político surgido com

o advento da Revolução Francesa, o liberalismo, é o mesmo que defende a soberania

42

DIAS. 1996, p. 30-31 apud RODRIGUES, 2005, p. 39. 43

Ibidem, p. 51. 44

CORTÉS, 1970, p. 309 apud RODRIGUES, 2005, p. 69.

Page 33: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

32

eclesiástica acima dos valores econômicos e políticos.45

Em relação ao socialismo, salienta

que este não estaria de acordo com o sistema político vinculado aos preceitos da doutrina

católica, pois teria como fim o aniquilamento do Estado, das classes sociais e das instituições

políticas-religiosas. Para Cortés, o único sistema adequado seria a Monarquia, a qual define

como sendo uma política religiosa.46

Para caracterizar a República como um meio que leva ao comunismo

“panteísta”, Cortés recorre aos mesmos princípios que Burke, De Bonald e

De Maistre recorreram, por exemplo, ao considerá-la como produto da

Revolução Francesa, e esta, por sua vez, como fruto de uma catástrofe

inesperada e, portanto, obra da Providência. Realidade, Cortés considera a

Revolução como o dia da “grande liquidação de todas as classes da

sociedade” pela Providência, de modo que a república, ao ser instaurada,

havia declarado sua própria derrocada. Os princípios de liberdade, igualdade

e fraternidade eram, para ele, provenientes não da República, mas sim “do

Calvário”.47

A análise empreendida pelo historiador Renato Amado Peixoto,48

da fabricação da

identidade e espacialidade católica norte-rio-grandense na década de 1930, por meio do livro

‘Os Holandeses no Rio Grande’ de Padre Heroncio, observa que esta importante obra,

produzida no contexto da Guerra Civil Espanhola, foi uma das estratégias usadas para

fomentar a identidade norte-rio-grandense que, influenciando toda a produção historiográfica

no estado, resultaria na beatificação dos Protomártires do Brasil (no caso específico, os

massacrados nos engenhos de Cunhaú e Uruaçu em 1645).

Nesse artigo o autor levanta os seguintes questionamentos: Como entender essa

descontinuidade do evento na Colônia, o massacre de Cunhaú e Uruaçu, em relação a sua

ênfase na formulação do discurso anticomunista? Por que a Igreja retoma esse assunto em

1937? Como é retomado contemporaneamente?

Através desse questionamento chegou à conclusão que o anticomunismo presente

nessa obra não se remetia apenas contra os postulados do comunismo, na medida em que, em

relação ao pensamento católico não se aplica estritamente essa concepção. Percebe-se que o

45

RODRIGUES, Cândido. Op. cit., p., 71. 46

Id. 47

Ibidem, p. 69. 48

PEIXOTO, Renato Amado. Duas Palavras: Os Holandeses no Rio Grande do Norte e a invenção da

identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930, Revista de História Regional, v. 19, p. 35-57, 2014.

Page 34: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

33

discurso da Igreja preexistia ao comunismo e, portanto, urge pensá-lo enquanto um discurso

mais amplo contra aos preceitos da modernidade que focou no combate ao protestantismo, à

Maçonaria, à Revolução Francesa, e aos postulados políticos de viés liberal e socialista.

Na verdade, em relação ao comunismo no século XX, a Igreja vai se utilizar do

mesmo discurso usado contra os seus inimigos de séculos anteriores. O comunismo será

apenas um dos inimigos da Igreja e representará os problemas restantes. Como bem se

percebe é uma continuidade do discurso católico que vem desde o século XIX e preexiste aos

problemas trazidos pela Revolução Bolchevique e se insere nas estratégias do Centro Dom

Vital: é uma forma da Igreja Católica se colocar frente às mudanças e desafios

contemporâneos.

Padre J. Cabral, norte-rio-grandense, diretor do jornal da Diocese do Rio de Janeiro A

Cruz é outra figura importante para quem Peixoto nos chama atenção em relação à análise do

anticomunismo, uma vez que este faz a articulação e contribuição do pensamento católico do

estado com o Centro Dom Vital a partir da ligação com Dom Marcolino Dantas. Segundo o

autor, “torna razoável apontar que desde antes do Levante Comunista as ideias do Padre J.

Cabral influenciavam diretamente o clero e o pensamento católico norte-rio-grandense.” Essa

produção será a grande base para a formulação do anticomunismo, pois em 1933 era

publicado o Livro ‘A Miragem Soviética’, portanto, bem antes do Levante Comunista de

1935.

De acordo com Peixoto49

, para entender a Igreja no Rio Grande do Norte, se faz

necessário compreender a relação entre as diferentes escalas de produção do pensamento

católico e suas dinâmicas. A Igreja era vinculada ao pensamento produzido no Centro Dom

Vital, sediado no Rio de Janeiro, e o pensamento católico norte-rio-grandense estava

vinculado ao que era produzido no Rio de Janeiro de modo contínuo.

Por sua vez, já em 1933, com o lançamento do livro de Padre Cabral, se podia

observar a preocupação da Diocese para fundar em Natal o jornal A Ordem, uma vez que o

apostolado da imprensa ficou sob a responsabilidade da Congregação Mariana. No estado, os

marianos estariam envolvidos nessa articulação e, conforme apontou Peixoto, não seria por

acaso que a Ação Integralista no Rio Grande do Norte, a Congregação Mariana e o jornal A

49

PEIXOTO, Renato Amado. Católicos a postos! A relação entre a Ação Católica e a Ação Integralista no Rio

Grande do Norte até o Levante Comunista de 1935. In: IV Encontro Estadual de História da ANPUH RN, 2010,

Natal. Anais do IV Encontro Estadual de História. Natal: ANPUH-RN, 2010, v. I.

Page 35: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

34

Ordem seriam todos fundados na mesma data, 14 de julho, mas em anos diferentes, pois isto

era “como uma alusão a Revolução Francesa, não necessariamente para comemorá-la”.50

Portanto, observamos no trabalho de Rodrigues (2005) e Peixoto (2013) a

possibilidade de empreender o exame da formulação do anticomunismo católico no plano

nacional em referência ao posicionamento dos pensadores contrarrevolucionários do século

XIX e ao descontentamento e as consequências das mudanças ocorridas na modernidade

advinda da Revolução Francesa, em vez de remetê-lo diretamente aos postulados ou aos

defensores da Revolução Russa.

É essa abordagem do anticomunismo que, por meio da nossa análise das fontes

consultadas, seja na revista A Ordem (Rio de Janeiro), seja no jornal A República de Natal,

onde o discurso anticomunista foi fomentado pelas organizações familiares estaduais, seja no

jornal A Ordem da Diocese de Natal, onde foi formulado pelos membros leigos e pelo clero

norte-rio-grandense, percebemos que a construção do ideário anticomunista católico se fez em

uma abordagem ampla que não faz apenas alusão à Revolução de 1917 e aos postulados do

PCB, mas, sobretudo, à Revolução Francesa, se verificando sua formulação na oposição à

modernidade, ao liberalismo, ao judaísmo, à maçonaria, ao Rotary e ao protestantismo.

1.2. Centro Dom Vital – Locus de Produção do Pensamento Católico no Brasil

O Centro Dom Vital é a maior afirmação de inteligência

cristã em terras do Brasil. A obra grandiosa que, do saudoso

Jackson de Figueiredo ao nosso Tristão de Athayde, vem ella

desenvolvendo, só podem ficar insensíveis os espíritos sem fé,

sem coração e sem patriotismo. É, pois, com entusiasmo do

apostolado e do brasileiro, que, elogiando e encarnando a

atuação do Centro Dom Vital, aqui deixamos fervoroso apello

em beneficio da revista. A Ordem – Sebastião, Cardeal

Arcebispo. 51

Segundo Eric Hobsbawm, é no contexto do Entreguerras que percebemos o combate

geral aos ideais do liberalismo, acompanhado da queda e do colapso dos princípios e das

instituições da civilização liberal. Devido às consequências sociais e econômicas da Primeira

50

PEIXOTO, Renato Amado. Duas Palavras: Os Holandeses no Rio Grande do Norte e a invenção da

identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930 Revista de História Regional, v. 19, p. 35-57, 2014. 51

Carta de Dom Sebastião Leme ao Centro Dom Vital em 11 de janeiro de 1931 – Revista A Ordem. Rio de

Janeiro, n. 11, jan. 1931.

Page 36: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

35

Guerra Mundial, a maioria dos países europeus passou a recusar a democracia liberal,

aproveitando o nacionalismo para a implantação de regimes autoritários ou totalitários, como

forma de eliminar o avanço da esquerda. Foi com a ascensão do fascismo ao poder, iniciando-

se no mês de outubro de 1922 com a “Marcha sobre Roma” de Mussolini, que a queda do

liberalismo começou e, que este foi aos poucos sendo eliminado durante toda a “Era da

Catástrofe”, ainda mais após a ascensão de Adolf Hitler ao posto de chanceler da Alemanha,

em 1933.52

Antes de 1914, os valores do conhecimento racional, da educação laica, da ciência

ateia e da autonomia do Estado já haviam sido criticados pela Igreja Católica que, sob a

influência do Concílio Vaticano I (1870) tentava afirmar os seus princípios tradicionais contra

a modernidade. Agora, com a ascensão de governos de força, como o fascismo de Mussolini

na Itália e o nazismo de Hitler na Alemanha, que se contrapunham às pretensões

universalistas dos revolucionários russos de 1917, a Igreja teve que adaptar a um novo

contexto.

No Brasil, na década de 1930, os líderes da Aliança Liberal, inconformados com os

resultados das eleições e estando convencidos de fraudes na vitória de Júlio Prestes, iniciaram

em 3 de outubro uma luta armada, que derrubou do governo o presidente Washington Luís,

sendo entregue a chefia do governo provisório a Getúlio Vargas, um dos líderes do

movimento.

Esse evento marcou o surgimento de um novo quadro social e ideológico no Brasil,

finalizando a chamada República Velha. Com a ascensão do novo regime, emergiram também

novas forças sociais, constituídas por grupos com interesses diversos, que apenas convergiam

na questão da oposição ao governo anterior. Nessa situação política, em que muitas

dissidências ainda teriam que ser consolidadas, era necessário amenizar os conflitos entre os

Estados e a União com os anseios dos grupos que emergiram da Velha República e os

interesses de grupos estaduais e municipais.53

Segundo Levine, o governo Vargas, com a promulgação da Constituição de 1934,

favoreceu a democracia liberal na forma tradicional brasileira. Entretanto, apenas uma

pequena parcela da sociedade tinha direito à participação política, aproximadamente 10% da

população adulta masculina. Além disso, havia uma sutil presença de classificação de valores

raciais permeados por meio de condições econômicas, que resultava em discriminação nas

52

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das

Letras, 1995, p. 113-114. 53

LEVINE, Robert M. O regime de Vargas: os anos críticos, 1934-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980,

p. 15.

Page 37: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

36

relações sociais. Era o momento para um questionamento sobre a herança racial heterogênea

do país, que se fez presente na discussão em torno do futuro do Brasil.

Para o mesmo autor, outros elementos, como a xenofobia e o antissemitismo,

propagados por parcelas da elite intelectual brasileira, devido ao suposto perigo do

internacionalismo de representação marxista, resultaram na constituição de 1934, em

restrições à imigração de inúmeros judeus vindos da Alemanha nazista. Assim, o governo

Vargas teria promovido a disseminação dos ideais antissemitas, dando respaldo às campanhas

por parte dos integralistas, que utilizavam material de campanha nazista.54

Conforme Miceli55

, foi a partir do século XIX que a Igreja desencadeou mudanças

significativas de maior intervenção em consonância com a Santa Sé para ampliar seus

domínios por outros territórios, tanto em áreas coloniais, como também na América Latina,

frente a todas as modificações no quadro político europeu.

Diante dessa nova conjuntura, a Igreja brasileira teve que se adaptar às novas

mudanças na sociedade brasileira e, ao mesmo tempo, se adequar às novas diretrizes

comandadas pela Santa Sé. A “construção institucional” a partir da qual os setores

eclesiásticos tiveram que se adequar eram as novas conjunturas políticas e sociais da Primeira

República, e ocasionou numa maior intervenção expansionista com a implementação das

normas de organização disseminadas pela Igreja Romana.

O movimento de reação eclesiástica desembocou numa série de iniciativas

que, a longo prazo, significaram o fortalecimento organizacional e condições

mínimas de sobrevivência política no acirrado campo de concorrência

ideológica, cultural e religiosa, do mundo contemporâneo. 56

De acordo com Gomes,57

já no século XIX a Igreja Católica Romana demonstrava

interesse pela centralização da sua administração, portanto lutava a favor dessa efetivação na

Igreja brasileira. Em vista disso, a uma maior aproximação da Igreja com a Santa Sé, o grande

desafio para as tomadas do Ultramontanismo no Brasil era o regime de padroado, pois a

54

Ibidem. p. 43. 55 MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). Tese de Doutorado em Sociologia, Campinas/SP:

UNICAMP, 1985. 56

Ibidem. p. 33. 57

Para uma melhor compreensão da separação entre Estado e Igreja pelo decreto 119-A de 7 de janeiro de 1890

consultar: GOMES, Edgar da Silva. A Separação Estado – Igreja no Brasil (1890): uma análise da pastoral

coletiva do episcopado brasileiro ao Marechal Deodoro da Fonseca. Dissertação de Mestrado, São Paulo:

Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, 2006.

Page 38: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

37

Igreja se limitava suas mudanças devido às intromissões do Estado nos assuntos da

administração eclesiástica brasileira.

Já na República, essa ultrapassagem se daria porque, mesmo após o decreto 119-A de

7 de janeiro de 1890, que oficializou a separação entre o Estado e a Igreja, o poder temporal

no Brasil permanecia em consonância com as questões sociais e políticas do período. Por isso,

a Igreja brasileira seria favorecida com uma maior autonomia para continuar a participar nas

questões do poder temporal em tempos anticlericais. O período republicano apenas

oficializaria a separação, porém manteria todo o arcabouço administrativo do catolicismo.

(...) portanto, não podemos aqui ver neste processo a consciência de que

Estado e Igreja precisavam fazer a passagem de um estado de

interdependência para um estado de liberdade de ação das instituições

envolvidas neste processo sem a ingerência de uma instituição nos assuntos

pertinentes única e exclusivamente ao âmbito de ação da outra instituição para

que como ideologia do estado-republicano melhor servisse a sociedade como

instituições soberanas.58

Segundo Miceli a “estadualização do poder eclesiástico”59

ocasionou mudança nos

setores da Igreja com maior penetração no quadro político e social no Brasil e, principalmente

entre as décadas de 1890 a 1930. O sucesso da nova intervenção do Vaticano, teria se dado

pela soma do contexto religioso brasileiro, majoritariamente católico, à emancipação

concedida pela Constituição de 1891, que firmou a separação da Igreja aos ditames das

lideranças políticas no país. Os adventos republicanos trouxeram a novidade da não-

intervenção das lideranças políticas nas diretrizes e decisões administrativas da Igreja,

cabendo, tão somente à direção eclesiástica, doravante, a determinação de novas medidas

organizacionais. Foi neste contexto religioso e político que a Igreja pode restabelecer a partir

de novas diretrizes sociais e políticas, sua expansão pelo país, por conta do aumento

significativo de novas dioceses em cada estado da Federação.

A Igreja brasileira pós-separação teve de lidar com dois interlocutores sociais

cujas demandas por vezes se revelavam contraditórias. De um lado, o

Vaticano empenhado na imposição às Igrejas da periferia de um modelo

estremado de ‘romanização’ e, de outro, os benfeitores abastados, os clãs

58

Ibidem. p. 206. 59

MICELI, Sérgio. Op. cit., p. 47.

Page 39: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

38

oligárquicos e os governos e lideranças estaduais desejosos de cercear a

influência eclesiástica sobre negócios temporais e, ao mesmo tempo, abrindo

espaços à presença da Igreja em domínios de atividade como o sistema de

ensino. Embora seja inegável a força das diretrizes ‘romanas’ sobre o

treinamento do clero, as formas exteriores dos cultos, o calendário dos eventos

religiosos, o estilo de mando e autoridade episcopal, cumpre salientar os

ganhos organizacionais logrados em função das coalizões firmadas com os

detentores do poder local e estadual.60

É nessa conjunção que a Igreja se restabelece, pelo crescimento significativo das

dioceses, aumentando seu quadro episcopal por todos os estados, principalmente em São

Paulo, Minas Gerais e os estados do Nordeste. A igreja deixou de ser um mero setor

administrativo público do governo para se tornar uma instituição independente, cabendo-lhe a

decisão de melhor intervir, servir apoio e firmar alianças com grupos que mantinham o poder

oligárquico, assim como, também, manter uma união com as autoridades do governo

brasileiro.

Como bem define Miceli, “logrou restaurar a influência político-doutrinária da Igreja

através de campanhas institucionais e de novas associações”, por conseguinte, “a organização

eclesiástica foi inteiramente estadualizada”:61

A política de “estadualização” foi implementada através de estratégias

diferenciadas conforme o peso político e a contribuição econômica de cada

unidade federativa para a manutenção do pacto oligárquico e,

consequentemente, em função da margem de influência e prestígio já

conquistada pela Igreja, do grau de receptividade à sua contribuição por parte

dos círculos dirigentes locais e do potencial de mobilização dos católicos

como grupos articulados de pressão a ponto de influir sobre as decisões

governamentais suscetíveis de afetar as áreas vitais de interesse para a própria

organização eclesiástica. 62

É nessa conjectura que a Igreja Católica no Brasil procurava reverter a situação que

perdera com o advento a República, quando se deteriorou parte da capacidade de intervir

política e socialmente.

60

Ibidem, p. 52. 61

Ibidem, p. 57-69. 62

Ibidem, p. 67-68.

Page 40: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

39

Segundo Scott Mainwaring, 63

o novo tempo requeria uma instituição mais atuante,

assim, “A Igreja precisava cristianizar as principais instituições sociais, desenvolver um

quadro de intelectuais católicos e alinhar as práticas religiosas populares aos procedimentos

ortodoxos.”64

É a partir de 1916 na junção de interesses entre o papado de Pio XI e a liderança de

Dom Sebastião Leme no Brasil, arcebispo de Recife e de Olinda, depois arcebispo e cardeal

do Rio de Janeiro e líder da Igreja no país em 1921, que se dará início às novas estratégias e

ações do campo eclesiástico que se denominará de Neocristandade.65

Segundo o mesmo autor, a Igreja passaria a discernir novas estratégias, justamente a

partir das perdas ocasionadas pela Constituição de 1891. Com sua separação em relação ao

Estado, a Igreja passou a gozar de maior autonomia nas diretrizes da própria instituição, por

não ter mais de responder à República secular. Assim, o modelo da Neocristandade se

associou ao processo de “restauração católica” advindo de novo movimento da Santa Sé para

reverter o quadro social do mundo moderno, dada a influência do secularismo, que visava à

criação de entidades leigas sob a direção da Igreja católica, com o intuito de emergir sua

influência nos principais setores da sociedade através da criação de associações leigas.66

Portanto, a Igreja Católica brasileira firmaria seus objetivos no período Vargas,

firmando sua posição em oposição aos preceitos seculares e, mantendo sua doutrina política

conservadora:

Assim conseguia o que percebia como sendo os interesses indispensáveis da

Igreja: a influência católica sobre o sistema educacional, a moralidade

católica, o anticomunismo e o antiprotestantismo. Através do modelo da

neocristandade, a Igreja revitalizou sua presença dentro da sociedade. Em

poucas palavras, o modelo da neocristandade era uma forma de se lidar com

a fragilidade da instituição sem modificar de maneira significativa a natureza

conservadora da mesma. Por volta dos anos 30, a instituição havia revertido

sua decadência.67

63

MAINWARING, Scott. Op. cit., p. 43. 64

Ibidem, p. 41. 65

Ibidem, p. 43. 66

Id. 67

Id.

Page 41: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

40

De acordo com Miceli (2001) e Rodrigues (2005) é a partir do ano de 1932,

antecedendo ás eleições de 1933, que uma relação intrínseca entre a Igreja Católica e a

política se desenvolveria.

Nesse cenário de intervenção social surgiria a Liga Eleitoral Católica no Brasil (LEC),

criada por Dom Sebastião Leme e, tendo como presidente Alceu Amoroso Lima, buscando

influenciar os leigos católicos com o intuito de provocar uma participação mais ativa nas

decisões políticas. A igreja optou por não patrocinar a criação de partidos políticos católicos,

alegando imparcialidade, mas passou a atuar de forma a manter uma relação necessária a uma

“democracia cristã”,68

preferindo fornecer apoio a certos grupos políticos, em períodos

necessários, que garantisse apoio mútuo e, assim possibilitando expandir a sua influência

temporal.

Com esta estratégia, segundo Mainwaring, a Igreja conseguiu incorporar os

fundamentos da LEC à Constituição de 1934, incluindo o apoio financeiro do Estado à Igreja,

a proibição do divórcio, o reconhecimento do casamento religioso, a educação religiosa

durante o período escolar e, subsídios do Estado para as escolas católicas.69

Divulgar as diretrizes e as tomadas de posição da Igreja entre os fiéis e

canalizar os votos dos eleitores católicos em favor dos candidatos dos

diferentes partidos que estivessem prontos a sustentar as posições católicas

em questões delicadas e controversas, como indissolubilidade do casamento,

o ensino religioso nas escolas públicas, a assistência eclesiástica às forças

armadas, etc. (...) sabe-se que grande parte das reivindicações constantes do

programa católico foi incorporada à Constituição de 1934. 70

Além de toda a mudança provinda do modelo da nova Igreja da Neocristandade, se

destaca a formação por parte da classe média de associações leigas, tais como, “União

Popular (Minas, 1909), a Liga Brasileira das Senhoras Católica (1910), a Aliança Feminina

(1919), a Congregação Mariana (1924), os Círculos Operários (1930), a Juventude

Universitária Católica (1930).”71

Um dos trabalhos que culminaram nos objetivos da Neocristandade foi o movimento

denominado de Ação Católica Brasileira, fundado em 1935 por Dom Sebastião Leme e, que

tinha como finalidade dar continuidade na participação eclesiástica à formação de leigos que

68

RODRIGUES, Cândido. Op. cit., p. 142. 69

MAINWARING, Scott. Op. cit., p. 48. 70

MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 130. 71

MAINWARING, Scott. Op. cit., p. 47.

Page 42: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

41

atuassem em diversos ramos sociais e políticos. Caberia ao laicado promover por meio de

subsídios da doutrina católica a “recristianização da sociedade”. Sendo uma associação civil

católica uma maneira de responder as intervenções e exigências do Vaticano no Brasil. Como

afirma Mainwaring:

O Vaticano encorajou os esforços da Igreja brasileira para fortalecer a

presença da Igreja na sociedade, especialmente durante o papado de Pio XI

(1922-1939), cuja visão da Igreja e da política aproximava-se à de Dom

Sebastião Leme. Sob Pio XI, os movimentos da Ação Católica tornaram-se

peças-chave dentro da Igreja, Pio XI julgava os partidos políticos como

sendo demasiadamente divisionistas, mas, mesmo assim, buscava alianças

com o Estado para defender os interesses católicos. Ele apoiou diretamente e

encorajou Dom Sebastião Leme em seus esforços para promover uma

restauração católica.72

Segundo Mainwaring, se poderia afirmar que todo esse esforço de incluir a

participação de leigos nos ditames da Igreja no Brasil foi logrado na formação de um instituto

que aglutinasse todas essas prerrogativas e propiciasse a disseminação dessas ideias noutros

espaços sociais.

Um dos principais objetivos da Igreja era então o de dinamizar a participação da

intelectualidade leiga de modo que contribuísse para consolidar a expansão do

posicionamento do catolicismo pelo país, conforme podemos observar a partir das palavras de

Tristão de Athaíde:

Um dos efeitos da organização moderna da Acção Católica é acabar com

essa dissociação errada e colocar o laicado na sua verdadeira posição no

corpo da Igreja. A “participação” dos leigos é principio fundamental dessa

organização. E na investidura desses, como dizia o Cardeal Leme, na

admirável preparação oral que pessoalmente fez ás fundadoras da Acção

Catholica Feminina, entre nós, ha um “quasi sacerdócio”.

Apresenta-se, portanto, a posição do laicato em face do clero, não sob o

aspecto de qualquer confusão de funções, nem sob o da distanciação, mas

como uma participação dos leigos na própria hierarchia da Igreja.73

72

Ibidem, p. 43. 73

ATHAÍDE, Tristão de. Clero e o laicado. A Ordem, Rio de Janeiro, n. 56, p. 154, mar. 1935.

Page 43: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

42

Um dos principais giros estratégicos da Ação Católica foi permitir o surgimento de

Intelectuais leigos sob o comando da hierarquia eclesiástica. Sendo um dos principais

responsáveis na disseminação dos ideais da direita católica, a revista de publicação mensal A

Ordem, fundada em 1921, objetivava difundir os propósitos da Igreja naquele momento. Em

seguida, os responsáveis pela Revista propuseram a criação do Centro Dom Vital para servir

como um locus74

de reprodução e disseminação do pensamento católico sob a liderança do

Dom Sebastião Leme.

A Acção Catholica é, portanto, a estratégia e a technica mais moderna da

Igreja para partir á conquista da Idade Nova. É a organização das suas

milícias, compenetradas todas da responsabilidade de sua missão. E é o

emprego de methodos delicadíssimos de actuação social, por infiltração

directa em toda a linha, em vez do ataque em massa e em ligação com o

Estado e a Política.75

Nesse contexto, podemos inferir que o anticomunismo católico é a continuação das

ações, atuações, dinâmicas e diretrizes da Igreja católica desde o século XIX, que se

reformulou no período Vargas como o prisma do discurso católico.

Analisando isto através da perspectiva espacial, percebemos a parte que se remete ao

campo religioso católico olhando para o Centro Dom Vital no Rio de Janeiro como um locus

de produção desses saberes. Logo, entendemos o Centro Dom Vital como o lugar de produção

do pensamento católico e, que este funcionava mediante as dinâmicas de produção de saberes,

por conta da atuação de intelectuais leigos católicos e, que estes objetivavam refletir os ideais

da Neocristandade utilizando-se da Revista A Ordem como meio para a sua disseminação.

E, observe-se que a iniciativa dessa espacialização pode, inclusive, ser inferido na

leitura de seu Estatuto, na medida em que este previa a replicação do Centro nos estados,

conforme já o fora feito em relação às Dioceses:

Como também, ‘difundir a sua acção por todo o Brasil, promovendo a

fundação de nucleos do mesmo gênero, sob a mesma denominação em todos

os Estados, com plena autonomia de acção, mas dentro das normas do artigo

seguinte: 30° - Cada uma dessas sedes organizará o Centro com plena

74

BOURDIEU, op. cit., p. 108. 75

ATHAÍDE, Tristão de. Idade Nova e a Acção Catholica. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 61, p. 112-113,

ago.1935.

Page 44: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

43

autonomia, personalidade jurídica, acrescentando ao título a designação da

cidade em que fôr instalado e subordinando-se ás seguintes condições: a)

Que seus estatutos e actos sejam approvados pela Autoridade Diocesana

local; b) Que seja, por esta, designado um assistente ecclesiastico para

acompanhar os trabalhos da associação; c) Que taes Estatutos não

contravenham ás disposições fundamentaes destes, especialmente quanto á

finalidade do Centro; d) Que cada sede aceite as disposições dos Estatutos da

“Confederação Vitalista” a ser organizada entre as várias sédes do Centro D.

Vital. Art. 31° - Será promovida, em tempo oportuno, a “Confederação

Vitalista” que será a reunião de todos os Centros em um feixe comum, de

acordo com um Regimento que será opportunamente approvado por

entendimento das varias directorias locaes.” 76

.

Afinal, o Centro Dom Vital surgiu na capital federal tendo como um dos seus

principais objetivos a sua disseminação pelo país, noutros grandes centros de influência, mas

também em cidades de pouco relevância, se não pensarmos o problema da estadualidade,

como Aracajú, Belo Horizonte, Fortaleza, Itajubá, Juiz de Fora, Ouro Preto, Porto Alegre,

Recife, São Paulo, São João Del Rey, Salvador e Uberaba.77

De acordo com o Estatuto do ano de 1931 do Centro Dom Vital, a disseminação da

“cultura catholica superior” previa, ainda, cursos de formação em História da Igreja, Filosofia

e Ciências, além da formação de uma biblioteca com referencial de livros de cunho católico

para fundamentar as diretrizes da futura Universidade Católica. Além de reuniões frequentes

entre o Centro e as demais unidades replicadas noutros estados, se visava “estimular a acção

social catholica interestadual”, assim como buscar “Entendimento constante entre o Centro e

associações congêneres nos vários paizes da America, com o fito de promover uma crescente

approximação catholica interamericana”.78

A fundação do Centro Dom Vital, portanto, foi um dos resultados advindos desse novo

posicionamento da elite eclesiástica, que buscava a participação de líderes leigos inseridos na

participação social da Igreja, com o fito de legitimar suas ações institucionalizadas.79

76

Estatutos do Centro D. Vital do Rio de Janeiro. A Ordem, Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-58, jan. 1931. 77

LIMA, 1935 apud ARDUINI, 2012. 78

Ibidem, p. 53. 79

A sua primeira formação administrativa: Jackson de Figueiredo (presidente), Hamilton Nogueira (vice-

presidente), Perilo Gomes (secretário), José Vicente de Souza (tesoureiro) e Vilhena de Morais (bibliotecário) e

o assistente eclesiástico padre Leonel França. Disponível: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/prime

ira-republica/CENTRO%20DOM%20VITAL.pdf Acesso em 13 de jul 2015.

Page 45: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

44

Fundado por Jackson de Figueiredo em 1922 no Rio de Janeiro e, sendo uma das

atuações de maior expressão do laicado na América Latina, o Centro Dom Vital foi também a

primeira instituição de leigos católicos na participação eclesiástica, sendo composta por

intelectuais e tinha como principal finalidade pensar o catolicismo e divulgar essas ideias por

meio da revista A Ordem.

Essa missão consistia em promover um corpo de intelectuais centrado nas produções

voltadas para a conjectura social e política, de acordo com os preceitos da doutrina católica,

para ser depois disseminada pela imprensa católica.

Conforme Arduini80

“De outro lado, Figueiredo desejava fazer da revista a trincheira

de defesa de um nacionalismo que reafirmasse nossa tradição católica e pacífica e justificasse

a condenação irrestrita de todas as revoltas sociais e do modernismo literário.”

Portanto, é neste contexto de mudança na conjectura do Entreguerras, com mudanças

de perspectiva ideológicas e políticas, que surge o Centro Dom Vital e, que muitas dessas

especificidades e acontecimentos da década de 30 iriam redefinir sua configuração de ação na

sociedade. Na data mesmo de sua fundação, em 1922, outros acontecimentos estavam em

voga, como a Semana da Arte Moderna em São Paulo, o Movimento Tenentista, o surgimento

do Partido Comunista do Brasil (PCB) e, também, as comemorações do Centenário da

Independência do Brasil.

Segundo Dias, poder-se-ia afirmar que o Centro Dom Vital ficou na incumbência de

firmar a supremacia católica por meio de um posicionamento atuante na esfera do religioso na

sociedade e que uma forma da Igreja se firmar perante esses acontecimentos visando a

“recatolicização da intelectualidade” pressuporia promover a divulgação de seu vasto acervo e

as publicações de cunho católico.81

Ainda segundo outros autores, como Groppo, a sua formulação inicial se daria também

por conta da necessidade de se proporcionar a disseminação da doutrina católica pelo país,

uma vez que: “tinha como propósito promover estudos e discussões sobre a doutrina,

congregando intelectuais numa apostólica que promovesse a disseminação de uma cultura

católica superior.”82

80

ARDUINI, Guilherme Ramalho. O Centro D. Vital: estudo de caso de um grupo de intelectuais católicos no

Rio de Janeiro entre os anos 1920 e 1940. In: Rodrigues, Cândido Rodrigues; PAULA, Christiane Jalles de.

Intelectuais e Militância católica no Brasil. Cuiabá: Editora UFMT, 2012, p. 45. 81

DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: a doutrina católica sobre autoridade no Brasil, 1922-1933. UNESP,

1996, p. 89. 82

GROPPO, Célia. Op. cit., p. 29.

Page 46: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

45

Jackson de Figueiredo, que liderou o Centro de 1922 a 1928, defendia o propósito de

manter uma atitude militante com base na moral católica para que pudesse ocorrer uma

mudança que visasse os males da sociedade de seu tempo, principalmente mobilizando a elite,

para aglutinar seus adeptos contra os sucedidos das novas mudanças sociais e políticas

advindas do Liberalismo.

Figueiredo acreditava que a mudança não seria resolvida pelo viés econômico ou

político, mas, através da doutrinação, utilizando os argumentos do ideário do cristianismo

católico e, para isso defendia a necessidade de mudança de valores morais por parte da elite,

no caso, “a sacralização da ordem, da autoridade, e, consequentemente, da nação.” 83

A consolidação de um grupo de intelectuais à frente da revista e do Centro Dom Vital

se deu a partir da participação de alguns dos principais pensadores e profissionais liberais das

primeiras décadas do século XX. A figura de maior destaque nesse tempo é a de Alceu

Amoroso Lima, incumbido da importância de editor-chefe da revista e de presidente do

Centro Dom Vital após o falecimento de Figueiredo. A importância da revista A Ordem em

relação ao Centro mesmo se acentuou com a continuada participação de intelectuais

renomados como, Jônatas Serrano, Perillo Gomes, Allindo Vieira, Sobral Pinto, Hamilton

Nogueira, Plínio Correa de Oliveira, Gustavo Corção, Durval de Morais, Augusto Frederico

Schmidt, Hélio Viana, Lúcia Miguel Pereira, San Tiago Dantas, Tasso de Oliveira, Prudente

de Morais Neto, dentro outros. Para esses intelectuais a ascensão proporcionada pela

participação em um grupo de renome foi um dos chamarizes de sua adesão à Revista, pois era

um meio seguro de se obter prestígio e relevância no ramo intelectual.84

Segundo Guilherme Arduini “Caberia à revista convencê-la, entretanto, da existência

de outra forma de enxergar a religião na qual fé e inteligência fossem sinônimo”.85

Nesse

sentido, estes intelectuais colaboravam com uma produção literária que remetia à importância

de rever as questões da fé relacionada à razão, e a aglutinação desses intelectuais serviu como

porta-voz para a concretização da importância de sobrepor os princípios defendidos pelo

conservadorismo católico, em razão dos postulados seculares, aos vários ramos da sociedade.

Assim, a junção de pensadores renomados em prol da direita católica teria sido uma

das estratégias utilizadas pela Igreja para se reafirmar frente ao novo contexto brasileiro e do

Entreguerras, em busca de uma ‘Identidade católica brasileira’.

83

Id. 84

ARDUINI, Guilherme. Op. cit., p. 45. 85

Ibidem, p. 46.

Page 47: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

46

Foi Dom Sebastião Leme que formalizou a decisão de instituir uma organização

católica com a incumbência de reunir renomados intelectuais. Era a principal estratégia

utilizada pelo líder da Igreja Católica no Brasil para a formação de uma elite de intelectuais

católicos tendo como finalidade última a preparação de leigos para atuar nos diversos

segmentos da sociedade. Visava com isso disseminar os princípios morais católicos e ao

mesmo tempo, unir essa corporação católica com a hierarquia eclesiástica na participação e

atuação no campo político.

Para isso era necessário formular com a ajuda daqueles pensadores, estratégias e um

corpo doutrinário, que ajudasse na fomentação e defesa das ideias e posicionamento

antiliberais e, na oposição à secularização política e social, com a finalidade de coadjuvar o

clero numa atuação contrária às ideias filosóficas e políticas desencadeadas pelo mundo

moderno.

O próprio nome Centro Dom Vital faz referência a um dos grandes líderes católicos

brasileiros, Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, bispo de Olinda, principal defensor dos

princípios católicos ultramontanos, que enfrentando os preceitos liberais defendidos pelo

governo imperial no Brasil, se tornou símbolo da causa da Igreja, por conta de sua atuação

contra o Estado brasileiro, quando foi preso e condenado a trabalhos forçados.

Portanto, consideramos que esse capital simbólico reunido através da Revista A Ordem

foi à base do pensamento católico que fomentou os ideais de combate à modernidade, às

ideias de cunho racionalista que desencadeou a atuação contrária ao socialismo e ao

liberalismo. A revista A Ordem, como bem o nome sugere, defende a volta à disciplina, à

organização e à autoridade que se poderia remeter aos princípios incutidos na Idade Média.

Uma ordem pautada em um regime que estabeleceria o poder temporal sobre todas as esferas

sociais, sem, contudo, a possibilidade de haver contestação ao poder eclesiástico, a única

instituição de fomento do conhecimento científico, filosófico e jurídico. Dessa maneira, uma

nova ordem pautada nos liames do catolicismo, seria a possibilidade para restabelecer a antiga

autoridade legitimada, que com a Constituição de 1891 passou a ser contestada.

O interessante é percebemos a atuação do Centro Dom Vital foi sentida em todo o

país, na medida em que seus líderes se preocuparam com a criação de bibliotecas e editoras

para a difusão e uniformização do pensamento católico no Brasil. Tendo sido iniciado nas

principais capitais, este movimento logo se disseminou pelos núcleos representativos onde se

pudesse daí atingir outras agremiações católicas e intelectuais de capitais e regiões mais

distantes.

Page 48: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

47

Neste caso se inclui o recrutamento em cada estado de representantes da revista A

Ordem. Observe-se que a imprensa católica contribuiu para formação de uma rede de

informação dos leigos e clero e de divulgação das ideias da Igreja tanto no nível nacional

quanto, no regional e local, utilizando, para isto, de material recortado não só de periódicos

brasileiros, mas, também, da América Latina e Europa. A finalidade desse esforço era, por

conseguinte, a divulgação do capital religioso, visando a unidade dos princípios da Igreja na

década de 1930. Portanto, uma produção da doutrina em diferentes escalas espaciais ficou

agrupada tanto na Revista A Ordem quanto nos principais jornais católicos brasileiros,

servindo também para a propagação do pensamento católico produzido no Centro Dom Vital.

É importante apontar essas relações da revista com a imprensa porque demonstra a

ação da Igreja como instituição neste período e, enquanto uma organização que não está

fechada em si, porém conectada com as demais partes do mundo, contando com uma rede de

comunicação dos ideais católicos que demonstra a disseminação, pode-se assim dizer,

“homogênea”, da defesa dos princípios do catolicismo, desde que compreendemos as

particularidades das ações e projetos em cada campo de atuação e em cada espacialização.

Neste Centro, uma elite – ameaçada pela filosofia positivista; a ser liberada

da descrença, dos sacrilégios, do agnosticismo; a ser disciplinada nos

princípios imutáveis da Verdade, do Bem e do Belo – preparava-se para

evangelizar o próprio grupo e para enfrentar a apostasia da sociedade

brasileira. Era um espaço de sistematização de idéias orientadoras do

empenho católico na busca de sua soberania social. Os intelectuais deveriam

ser protegidos dos males da sociedade moderna, como a descrença, o

agnosticismo, o materialismo e a vaidade, conforme expressa D. Leme numa

oração por ele redigida.86

São a partir desses posicionamentos da Igreja que verificamos as práticas e saberes

na constituição da Ação Católica no país e, que estes não coincidem, na prática, com sua

instituição formal, afinal a Ação Católica Brasileira só foi oficializada no país após a

Constituição de 1934.

De acordo com Riolando Azzi, sua fundação teria obedecido a duas finalidades

principais: garantir, por um lado, as conquistas católicas obtidas na Constituição de 1934, por outro,

contrapor-se ao surgimento da Aliança Nacional Libertadora, que, concentrando os

representantes da esquerda do país, trouxe o medo da disseminação do comunismo: a Ação

86

Santo Rosário, 1962 apud Dias, 1996.

Page 49: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

48

Católica teria, por conseguinte, surgido em resposta ao novo quadro e, tinha por finalidade criar

uma força de resistência ao avanço do comunismo.87

Contudo, pensamos que, se esta surge oficialmente com a publicação do seu estatuto

em nove de junho de 1935, seus princípios e objetivos, porém, já se encontravam articulados e

colocados em prática desde o início do século XX com a recatolicização do país.

87

AZZI, Riolando. Os Pioneiros do Centro Dom Vital. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003, p. 27.

Page 50: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

49

CAPITULO II

2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA DÉCADA

DE 1930

2.1. A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro

A ideia de espaço social, trabalhada conforme Pierre Bourdieu,88

nos servirá, para

analisar nosso objeto de pesquisa, na medida em que procuraremos empreender a busca da

gênese de um discurso que inclui o anticomunismo, junto com a análise das dinâmicas que

resultaram na reprodução de suas representações. Por meio da compreensão das estruturas

desse espaço social e dos seus mecanismos de reprodução, julgamos poder compreender as

particularidades da atuação e das diretrizes sociais da Igreja Católica na década de 1930.

Buscaremos, por conseguinte, definir um espaço simbólico católico que foi instituído

por uma dinâmica própria, que incluía o anticomunismo e, na qual seus agentes se

reconheceriam reciprocamente numa constante produção e reafirmação representativa.

Analisando a formação do pensamento católico brasileiro no século XX através de

suas matrizes políticas percebemos, por meio da análise de nossas fontes, a formulação de

uma linguagem que remete a um discurso mais amplo.

Para isso, é necessário pensar que esse discurso se originou das formulações do laicato

católico no Centro Dom Vital, as quais buscavam firmar os posicionamentos da elite

eclesiástica, de modo a se poderem elaborar definições acerca da situação política em que se

encontrava o país junto às demandas de cunho internacional, originadas da concorrência de

sistemas políticos liberais, comunistas e fascistas.

Pensamos que o catolicismo, como um subcampo do espaço religioso, não dispensava,

também, a disseminação do seu pensamento no campo político, visando, nessa dinâmica

elaborar um posicionamento doutrinário e, colaborar em numa formação do político. Para

compreender o espaço social do catolicismo em meio ao campo religioso e político é preciso

perceber como se procedeu à construção deste espaço autônomo do catolicismo nos campos e,

procurar abranger a dinâmica própria de suas ações num determinado recorte de tempo e

espaço. Como define Bourdieu:

88

BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p. 18.

Page 51: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

50

Essa idéia de diferença, de separação, está no fundamento da própria noção

de espaço, conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às

outras, definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e

por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento e, também,

por relações de ordem, como acima, abaixo e entre; 89

Definimos a categoria campo como uma produção histórica que possui uma estrutura

única com mecanismo e regras inerentes as particularidades desse campo. Como um campo

de relações sociais, com autonomia em referência a outros campos. Não sendo um espaço

homogêneo, porém, encontramos uma relação de dominados e dominantes na produção de um

capital específico que se reafirmam relações de poder.

Por conseguinte, na Igreja Católica brasileira da década de 1930 se alternava uma

produção discursiva, por sua consonância com as produções das diferentes escalas espaciais

da Igreja, no caso norte-rio-grandense, esta produção discursiva estaria correlacionada a outra

produção no nível nacional – do Centro Dom Vital –, e estas com a produção na Santa Sé,

todas em conformidade às demandas surgidas na contrapartida discursiva nos campos

religioso e político aos ditames da Igreja nesse período. Existiria, também, uma constante

elaboração do espaço social católico se partimos, por um lado, na busca de redefinir seu

diálogo com o campo político, inserido que estava nas dinâmicas da política Varguista da

década de 1930 e, por outro lado, no campo religioso, inserido no embate com o

protestantismo e a maçonaria.

Julgamos que a produção autônoma do pensamento católico surgiu no Centro Dom

Vital em consonância a esse diálogo com os campos, assim como a partir daí se empreendeu

uma produção discursiva correlacionada às demandas anteriormente citadas, configurando,

assim, o que Bourdieu chamou de ‘luta de classificações’.

Por exemplo, tanto a situação política quanto a oposição no Rio Grande do Norte do

início da década de 1930, apontaram o mal que poderia acarretar dos postulados do

comunismo no Brasil, como também trabalharam os problemas acarretados pela implantação

desse regime na Rússia Soviética. Por sua vez, a Igreja Católica, apontava o comunismo em

todos os seus aspectos negativos relativamente aos preceitos cristãos, como sendo seu antigo

inimigo desde o século XIX mas, relativamente às posições no estado, trabalhava este como o

mais novo mal a ser combatido.

89

Ibidem, p. 18-19.

Page 52: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

51

O que se pretende construir é uma proposta, de acordo com as categorias trabalhadas

por Bourdieu, da formulação do discurso anticomunista católico nesse período. Quais as

tomadas de posição sociopolíticas com quem a Igreja dialogava? A elaboração discursiva

anticomunista serviria para quem e para quê? Em resposta a quais contrapartidas nos campos

religioso e político?

De fato, todo o meu empreendimento científico se inspira na convicção de que

não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social a não ser

submergindo na particularidade de uma realidade empírica, historicamente

situada e datada, para construí-la, porém, como “caso particular do possível”,

conforme a expressão de Gaston Bachelard, isto é, como uma figura em um

universo de configurações possíveis. 90

Dessa maneira, o objeto de pesquisa que propomos analisar não requer uma análise

que identifique apenas um determinado lugar e seu tempo cronológico, porém, mais do que

isso, sua pesquisa implica na análise do espaço simbólico da Igreja católica na década de

1930: a compreensão na correlação com outros agentes em cena como: o integralismo, o

comunismo, o liberalismo; com os problemas apresentados ao campo como movimentos

sociais, latifúndio, etc., sendo possível, com isso, avançar em uma análise mais peculiar do

objeto, e, consequentemente, trazer à tona a produção do espaço simbólico católico.

Pierre Bourdieu, por meio da compreensão destas categorias, nos possibilita perceber

as particularidades das práticas e ações da Igreja no período por meio de um empreendimento

empírico: através da categoria habitus91

poder-se-ia identificar as reelaboração nos campos e

os condicionamentos para a legitimação das ações e reafirmação de práticas e saberes no

espaço social católico. Pensar a sociedade correlacionada à produção nacional e local da

Igreja na década de 1930 nos permitiria compreender o habitus católico, permitindo perceber

nosso objeto de pesquisa, o anticomunismo católico, nas diferentes ações nos campos em

jogo, ou seja, pelas correlações que podem ser pensadas através da observação das práticas,

dos saberes e das disposições na relação social frente aos seus campos de lutas e às suas lutas

de classificação.

90

Ibidem, p. 15. 91

Ibidem, p. 21.

Page 53: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

52

FIGURA 1 – ESPAÇO SOCIAL CATÓLICO

Fonte: elaborado pela autora.

Dessa maneira, evitamos uma análise substancialista, que apenas analisa o objeto de

pesquisa por ele mesmo, fechado em si, sem perceber as correlações em que ele está inserido

na sociedade, a relação que emerge nas suas diferentes posições sociais. Por intermédio da

análise da linguagem do anticomunismo católico podemos perceber toda a produção

discursiva da Igreja, a qual se insere em uma relação entre os campos e o espaço, inserido,

portanto na compreensão de Pierre Bourdieu: “o real é relacional” 92

. Poderíamos, assim,

relacionar este objeto a cada uma das disposições, percebendo o seu habitus, a formulação de

um discurso relacionado à disposição política em que se situaria a doutrina eclesiástica.

Como também, poderíamos pensar que a historicização desse objeto identifica a

posição social da Igreja e também as suas diferenças atuações nos diferentes espaços

geográficos, ou seja, perceberíamos as particularidades espaciais do objeto de pesquisa,

examinando as relações históricas e geográficas por meio de uma historicidade dos seus

campos.

A instituição eclesiástica não é unânime em suas ações e nem homogênea no seu

pensamento, possuindo variedades de atuações em determinados tempos e espaços, sendo essa

92

Ibidem, p. 16.

Espaço Social Católico

Práticas

Ação Católica

Centro Dom Vital

Ação Universitária Católica

Juventude Universitária

Católica

Liga eleitoral Católica

Sindicato Católico

Saberes

Antissemitismo

Antimaçonaria Integralismo

Anticomunismo Antiliberalismo

Anticapitalismo Doutrina Cristã

Moral

Dogma

Disposições

Na direita do campo político

Habitus

Page 54: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

53

particularidade que nos preocupamos em demonstrar: as tramas históricas e geográficas, o

conjunto de práticas e saberes, as tomadas de posições dos agentes sociais para elaborar a

construção dessa estrutura que a Igreja formula na década de 1930.

As dinâmicas educacionais, morais e políticas a partir das quais a Igreja Católica atuou

no seu espaço social, nos permitem inferir estas enquanto posições e práticas que diferem

dentro do mesmo espaço na década de 1930, mesmo que relacionadas ao mesmo objetivo, se

pensarmos separadamente o campo religioso e político católico, pois cada um destes possuía

certa independência dentro da instituição eclesiástica.

Estas posições e práticas foram então definidas e delineadas em relação a outros

espaços predeterminados, uma vez “que toda a ‘realidade’ que designa reside na exterioridade

mútua dos elementos que a compõem.”93

Por exemplo, o campo religioso católico foi

constantemente reelaborado para se firmar frente a outras designações religiosas, mas

afirmando sua posição por referência a outras designações com que já divergia, reafirmando,

assim o ser católico frente a outros campos religiosos cada vez que estes se apresentavam por

referências já existentes. Este problema também aconteceu em relação ao campo político e

nos interessa especialmente por conta das referências implicadas na produção do

anticomunismo católico.

Nesta aproximação metodológica se permite constatar o tipo de capital aplicado no

espaço social católico, se pode compreender a categoria capital não apenas relacionado ao

econômico, mas, como ideia imaterial, de uma propriedade relacional que existe em relação a

outras propriedades, com uma diversidade, que depende dos valores necessários ao um

determinado espaço, ou seja, cada campo tem um capital específico.

Portanto é importante compreender a categoria capital para desnaturalizá-la do

preceito econômico e, percebê-la como um acúmulo de diversos valores sociais e culturais

imateriais que foram aplicados e estabelecidos no espaço social, como um capital religioso e

político católico, que desde o século XIX foi armazenado e, depois, habilidosamente

articulado no Centro Dom Vital, sendo empregado numa economia que resultava então na

dominação do espaço social católico sobre as variadas posições dos campos político e

religioso no Brasil.

93

Ibidem, p. 48.

Page 55: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

54

2.2. As posições da Igreja Católica no campo político do século XIX e a formação dos

capitais político e religioso

A historia, porém, do mesmo modo que se encarregou de dissipar as ilusões

do capitalismo, vae se encarregando de dissipar os erros e as falsas

promessas do seu filho legitimo – o socialismo

Alceu Amoroso Lima, 1936. 94

É a partir de uma visada sobre o Renascimento, a Reforma e a Revolução Francesa

que, no século XIX, a Igreja Católica inicia a sua grande clivagem da ordem e poder sobre o

mundo. Os pensadores renascentistas aprimoraram o conhecimento das ciências, trazendo

novos questionamentos sobre a atuação do conhecimento teológico às ciências e a política,

ocasionando a mudança que forneceu a base para o posicionamento anticlerical e o

surgimento dos princípios agnósticos. A Igreja perde a sua posição de matriz nas diretrizes

sociais e políticas e se torna mais uma instituição religiosa ao posicionar frente aos novos

postulados da Reforma. De grande fornecedora do conhecimento filosófico e legitimadora das

diretrizes do poder no fim da Idade Média, a Igreja inicia no século XIX a sua grande jornada

rumo aos novos desafios.

Foi com o advento da Revolução Francesa que se permitiu a possibilidade de perceber

e modificar a sociedade fora dos preceitos religiosos. A liberdade de pensamento surge não

mais pautada e submissa à teocracia. Mudam-se as ideias, modificam-se suas ações, inicia um

novo tempo, o homem passa a adquirir uma liberdade de pensamento sem a autoridade e com

aversão à tradição.

Esse é o grande embate da Igreja Católica, a recusa aos preceitos da modernidade. Por

isso, o século XIX foi marcado pela ruptura da Igreja Católica em relação ao Estado, em

busca de se pensar uma volta ao passado que correspondesse a uma sociedade estabelecida

através do poder eclesiástico. Foi a partir do século XIX que se deu início à disputa entre

94

Lima, Alceu A. O socialismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 66, p. 78, jan. 1936. (Conf. Pronunciada na Escola

do Estado Maior do Exercito, em 12 de Outubro de 1935).

Page 56: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

55

diferentes ordens de atuação na sociedade, mas, agora, os diversos setores de influência não

correspondiam apenas à ordem sacerdotal.

Para os pensadores vinculados à Igreja no XIX, foi o movimento iniciado pela

Reforma que desencadeou a desordem e, forneceu a primeira abertura para a contestação da

doutrina católica, fazendo surtir efeito nas revoluções procedentes. Por conseguinte,

entendiam ser necessária a disseminação de um pensamento voltado não apenas contra os

efeitos ocasionados da Revolução Francesa, mas contra todas aquelas ideias e, a sintonização

com o pensamento contrarrevolucionário foi um dos princípios que fomentou a atividade

intelectual desses católicos contra todas as prerrogativas do mundo moderno.

A luta entre o Catolicismo e a Revolução Francesa firmou a nova atuação da Igreja

que visava redefinir os males da sociedade, na medida em que entendia caber a ela, devido à

tradição de sua autoridade no saber filosófico e teológico ser a fornecedora dos princípios

para a salvação da sociedade. Consequentemente, se legitimaria a ideia de que, advindo desse

mal, se consolidaria no homem o afastamento de Deus e, como forma de reverter esse mal,

proclama necessidade de volta a um ordenamento político através do religioso.

Como aprecia Romualdo Dias, os filósofos contrarrevolucionários desempenharam um

papel importante na construção de uma mentalidade que fornecia a base da nova doutrina

católica que se colocava em oposição às categorias de revolução, liberdade, natural, razão e,

os direitos humanos:

O conservadorismo, como doutrina, se constituiu em permanente combate ao

ideário divulgado no movimento revolucionário francês de 1789, isto é,

sempre se contrapondo ao liberalismo. Ele apropriou-se de elementos do

tradicionalismo e mobilizou-se motivado pela conjuntura politica, instituindo

uma teoria da autoridade conscientemente irracionalista. O processo

emancipatório do homem e da sociedade foi obstaculizado por essa doutrina.

Ela atribuiu a autoridade à hierarquia eclesiástica, que teria a missão de

salvar a sociedade da divisão provocada por qualquer ruptura ocorrida na

história. Essa autoridade, concebida como um poder carismático, salvaria a

humanidade da destruição e submeteria todos os indivíduos à tradição.95

Portanto, identificados seus algozes e, de prontidão para atuar ao combate, mas

convalescida da importância de restabelecer e fomentar uma sólida base intelectual, a Igreja

95

DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: a doutrina católica sobre autoridade no Brasil, 1922-1933. São Paulo:

UNESP, 1996, p. 38.

Page 57: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

56

formalizaria, pouco a pouco, o seu posicionamento em relação a uma nova doutrina, com a

publicação de novas encíclicas, a começar com Qui Pluribus, de Pio IX, em 1846 e a Sillabus,

de 1864, que descriminavam os males dos novos tempos. Inclusive, é a partir dessa última

encíclica que a Igreja deixa evidente seu posicionamento contra o comunismo: “dessa

abominável e acima de todas antirracional doutrina chamada comunismo, que, a admiti-la,

acabará por destruir pela base os direitos, as coisas e as propriedades de todos e até a própria

sociedade humana”.96

Em seguida, surge a encíclica Quod apostolici muneris de 1878, o

posicionamento de Leão XIII, que explicita os males acarretados pelo socialismo (categoria

em que se faz alusão não apenas ao comunismo, mas também ao niilismo) em relação “à

família, ao direito e a propriedade”.97

Como aponta José Langlois, pelas próprias encíclicas se verifica que, com o decorrer

do tempo, as categorias comunismo e socialismo seriam definidas de diferentes maneiras, por

exemplo: a encíclica Quadragesimo anno, publicada em 1931 por Pio XI, traz duas definições

de socialismo, a primeira sendo o “comunismo”, compreendido como o marxismo-leninismo

soviético, e; o “socialismo moderado ou não marxista”, possuidor de caracteres atenuantes em

relação ao marxismo, contando com algumas perspectivas da “fé cristã”. Por sua vez, a

encíclica “Divini Redemptoris”, publicada por Pio XI em 1937, renova o posicionamento

católico abrigando a categoria “comunismo ateu” e pretende definir e exemplificar, com mais

clareza, os males do comunismo para os católicos: “Nesta doutrina, como é evidente, não há

nenhum lugar para a ideia de Deus, nega a diferença entre o espírito e a matéria entre o corpo

e a alma”.98

No Brasil, de acordo com Antonio Carlos Villaça, no período do “colonialismo

clerical”, podemos afirmar que o afastamento da atuação dos jesuítas no país permitiu a

abertura para a atuação e posicionamento de novas oportunidades e mudança de pensamento.

Com a expulsão dos padres da Companhia e, subsequentemente, com o fim da escolástica,

dar-se-á um novo direcionamento filosófico à atuação da Igreja e, a diversidade de

pensamento passou a influenciar na sociedade colonial, influenciando as diretrizes sociais e

políticas do período. A influência do laicismo surge no Brasil com as novas diretrizes

tomadas pela reforma pombalina e, as novas medidas de modernização no país forneceram

também a base para que chegassem aqui as novas ideias em curso na Europa, tendo a

96

LANGLOIS, José Miguel Ibañez. Doutrina Social da Igreja. Tradução de Maria da Graça de Mariz Rozeira.

Lisboa: Reis dos Livros, 1990, p. 264. 97

Ibidem, p. 264. 98

Ibidem, p. 268.

Page 58: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

57

Universidade de Coimbra desempenhado um papel preponderante na disseminação dos

preceitos enciclopedistas na Colônia.99

Já no Brasil do século XIX, a atuação da Igreja Católica daria precedência ao poder,

com sua adesão limitada, porém às concórdias do Estado. Sendo uma instituição que só

poderia organizar-se mediante o aval do Governo, suas ações e diretrizes foram administradas

segundo as necessidades do Império. Sua pouca autonomia cabia aos assuntos de ordem

espiritual e, apenas quando se via a necessidade da sua atuação. Essa obediência ao Estado

brasileiro e, em concordância às autoridades políticas, acarretou em legar vários privilégios

para a Igreja que manteve, inclusive, grandes vantagens na participação dos recursos

financeiros.

Um das características que mais chamava atenção quanto ao corpo clerical do Brasil

era o seu Regalismo, a relação de submissão à Coroa e, a todas as prerrogativas que fossem à

favor da Monarquia, que cada dia tornava-se mais racionalista e anticlerical.100

Sob essa

situação o catolicismo continuou a ser a religião oficial do Brasil, com a Igreja atuando na

área social e, em setores administrativos de controle de registro, de saúde e ensino, contudo,

perdendo pouco a pouco sua importância, na medida em que o Estado foi se modernizando e,

depois, abrindo oportunidades para outras crenças religiosas, inclusive, permitindo o ensino

leigo e, nessa situação, a relação com a Monarquia já não trazia benéficos a Igreja Católica

brasileira.101

Porém, nunca houve na história da relação entre a Igreja Católica e a Monarquia um

embate semelhante ao que ocorreu durante a Questão Religiosa. É a partir desse evento que o

Estado legitima a possibilidade de uma nova ordem com o afastamento da Igreja do campo

social e político. A partir de então a ordem monárquica seria pautada nos pressupostos de uma

nação liberta, longe das prerrogativas religiosas e fora dos preceitos católicos e, a

modernidade, com seus preceitos racionais na defesa do materialismo, se tornou o grande

embate dos eclesiásticos também no Brasil. Esse evento seria, inclusive, representado

simbolicamente no espaço social católico: o principal lócus de produção do pensamento

católico, o Centro Dom Vital, seria nomeado conforme o principal envolvido no episódio, o

bispo que foi preso e condenado a trabalhos forçados pelo Estado e que, doravante, lutaria

contra os males modernos, e, sua Revista, em homenagem a essa luta, chamar-se-ia A Ordem.

E, com a proclamação da República, o empenho e a luta da Igreja se defrontou não apenas

99

VILLAÇA, Antonio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p.

10. 100

ROMANO, Roberto. Op. cit., p. 83. 101

ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo: Kairós, 1979, p. 82-83.

Page 59: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

58

contra todos os postulados surgidos com o mundo moderno, mas também com a influência do

Positivismo e com a perda abrupta dos privilégios com a promulgação da Constituição de

1891.

Com isto, a Igreja se posiciona contrária ao novo regime, pois além de perder a

posição de religião oficial do país, também acusou o problema causado pela descentralização

política. Para a Igreja, essa mudança tanto desarticulou o poder central como também afetou

as tomada de decisões e diretrizes da elite eclesiástica. Também acredita que se firmava o

ganho da política liberal sob a influência da maçonaria, reforçando as ideias positivistas e

materialistas.

Segundo Romualdo Dias, frente a essa nova situação, e compreendendo o poder

tradicional de atuação há séculos na sociedade brasileira, o poder eclesiástico iniciou a

retomada da “recatolicização da sociedade e do Estado”.102

Por intermédio da implantação de

uma nova convicção religiosa, a Igreja se colocaria daí em diante na prontidão para a sua

saída dos problemas sociais através da concepção de uma doutrina que buscava a solução dos

males atuais pelo caminho do idealismo, “A Igreja orientava suas relações com a sociedade

por doutrinas fundamentadas numa concepção religiosa da vida, de modo a considerar mais os

valores dos protagonistas europeus do que os processos sociais do país”.103

Aproveitando os requisitos de um país católico, na crença adotada de uma

organização social política pautada sobre o poder temporal em combate à secularização, a

Igreja continuou a utilizar essa diretriz como uma alternativa para a retomada da ordem no

Brasil. Foi neste propósito que a Igreja articulou a aproximação com o novo regime,

desempenhando o papel de responsável pela articulação do poder simbólico para o

restabelecimento do ordenamento no campo político e social.

Segundo Dias, tanto Estado como Igreja perceberam que separados perderiam

legitimidade nas suas atuações, pois a política do país sempre teve sua base respaldada pelo

poder religioso e, ambos teriam sentido o peso da mudança para um regime laico. O sistema

político brasileiro sempre esteve articulado à doutrina católica, que esteve presente desde o

período colonial e, mesmo com todas as influências do Estado laico, a adoção do

corporativismo pela Igreja permitiu firmar o apoio recíproco com o Estado.

Na década de 1930 o pensamento católico se voltaria para a busca de um modelo de

sociedade em que prevaleceria a volta de valores que apontava como perdidos, tais como a

autoridade, a hierarquia, o naturalismo, a monarquia. A fórmula utilizada na busca da ordem

102

DIAS, Romualdo. Op. cit., p. 22. 103

Ibidem, p. 21.

Page 60: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

59

pautada nos preceitos medievais foi a liberdade em relação ao Estado, adquirida após a

Constituição de 1891, somada ao ultramontanismo e aos argumentos dos filósofos

contrarrevolucionários. Esta fórmula seria então utilizada na defesa de princípios antiliberais,

reacionários e num modelo de governo ditatorial.

Diante de uma sociedade moderna, coube a Igreja Católica o posicionamento para o

restabelecimento da ordem, criando novas ações e diretrizes frente aos novos problemas e

dilemas sociais.

O discurso teológico-político assegurou, portanto, ao mesmo tempo, a

propaganda anti-revolucionária para além dos estreitos limites nacionais e se

apresentou como crítica do individualismo abstrato. Tentou criar uma via de

diferente de pacificação da sociedade moderna e insistiu na urgência de

soluções para a “questão social”, com teor autoritário, mas paternalista e

suave. Tratou, portanto, de evitar a hipertrofia do aparato repressivo do

Estado, cujos efeitos seriam por demais evidentes e desastrados. 104

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

anticomunismo católico

O posicionamento da Igreja Católica brasileira na República refletiria, por

conseguinte, os capitais políticos e religiosos angariados numa economia que incluía o

internacional e nacional.

Conforme vimos no primeiro capítulo, seria através da revista A Ordem que todo o

arsenal discursivo que identificava e denunciava a desordem ocasionada pela modernidade

seria utilizado.

Nesse intuito, podemos trabalhar investigando a utilização desse arsenal nos artigos da

Revista, de modo a esclarecer a formulação e disseminação de um discurso amplo da Igreja

por meio do anticomunismo católico no recorte da década de 1930.

No artigo ‘A reforma christã da sociedade’ de Antonio Gabriel de Paula Fonseca105

verificamos a importância que se faz em reavaliar os valores morais atribuídos a categoria

família no século XX. Para o autor, este foi um dos valores que foi se perdendo com o tempo

104

ROMANO, Roberto. Op. cit., p. 144. 105

FONSECA, Antonio Gabriel de Paula. A reforma christã da sociedade. A Ordem, Rio de Janeiro, n.54, p. 28,

jan. 1935.

Page 61: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

60

desde “Luthero a Descartes, de Descartes a Comte e de Comte a Marx”, e, reforça a

desagregação dos valores sobrenaturais na sociedade.

Fonseca remete também aos postulados do anti-individualismo e reforça a importância

do termo para os princípios conservadores, fazendo referência aos males ocasionados pela

modernidade e, abrindo seus pressupostos tanto para o comunismo quanto para o fascismo.

Como bem ressalta o descontentamento pela perda desses valores caminha desde a Reforma e,

almeja uma renovação fundamentada nos preceitos cristãos: no caso, a ‘resacralização da

família’, contra as “reacções anti-liberaes” e “anti-individualistas expressos nos exemplos do

sistema político dos “Estados-fortes” da Alemanha e da Itália.

As duas tendências social-juridicas modernas são integralmente oppostas: ou

o collectivismo scientifico que é o communismo ou as reacções racionaes,

anti-individuaes, na Italia e na Allemanha. A reforma christã da Sociedade

paira acima delas, porque tenta revitalizar o nucleo fundamental do

aggregado humano, amparando o individuo menos individualista que existe,

que é o ser em família, que respeitada pelo Direito e dignificada pela Moral,

será, realmente a única esperança de paz no coração dos homens.106

Seguindo essa mesma lógica, no artigo de José Zamarim da Testa, intitulado Retorno à

Religião se faz referência ao ‘Congresso Mundial dos Philosophos’, realizado na cidade de

Praga em setembro de 1934. Testa nos traz as novas discussões filosóficas em torno das

principais questionamentos metafísicos, como doutrinas principais: o materialismo marxista,

o liberalismo e o cristianismo. O autor nos chama à atenção para perceber os males últimos

acarretados com a supremacia de ideias racionais sem fundamentações nos desígnios divinos,

conforme se poderia constatar, segundo o autor, por suas consequências, a Grande Guerra de

1914. Com isso Testa nos aponta os males das ideias do marxismo “desse estado de dupla

miséria, espiritual e material imposta ao povo pela doutrina negativa imposta pelo Judeu

Marx”107

que se juntaram aos novos males na sociedade, sendo a única saída contra tudo isto,

o retorno à filosofia cristã.

Mas o marxismo que se propunha livrar os homens não só de seu estado

economico miserável como tambem do seu “atraso” espiritual, desencadeava

em ambos os campos, no economico e no espiritual, a maior catastrophe que

o mundo conheceu. Emquanto, em economia, a consequencia da doutrina

106

Ibidem, p. 36. 107

Ibidem, p. 53.

Page 62: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

61

marxista foi um egoísmo terrível e uma pobreza horrorosa, no campo

espiritual, foi o maior peccado contra a humanidade, matando o espirito nas

massas populares. Resultado: a ruina total do individuo. 108

A Igreja Católica se colocava como possuidora da verdade, e assim, se considerava a

como a única que tinha o direito de emanar a verdade à sociedade. Paulo Sá, no artigo

“Posições Cathólicas”,109

apontou a Igreja, como a possuidora da verdade, afirmando que a

sociedade “se encontra em estado de peccado mortal” e, chamava a atenção à atitude de

omissão frente à desordem social. Segundo Sá, não bastava apenas ao indivíduo católico

cumprir suas ações rotineiras, mais que isso, exigia uma atitude de combate ao mal: “não se

verifiquem um dia criminosos, collectivamente, se não já por acções, ao menos do pecado

covarde e proteiforme da omissão...”.

Paulo Sá cobrava a atitude do católico na sociedade, para ele não bastava ser

“catholico individualmente”, porém, um “socialmente catholico”, pois, sem essa ação coletiva

não haveria salvação. Dessa forma, pontuava a necessidade de participação ativa nos vários

campos sociais e clamava por uma militância católica. Uma das principais militâncias que

cobrava ao católico era no campo político, pois, a sociedade estaria padecendo um “ranço de

protestantismo evoluído” e, portanto, haveria o engano do indivíduo católico que, ao atuar no

campo político, abdicasse de seus princípios religiosos: “Hoje, como hontem e como sempre,

ao catholico não é permittido adoptar “como cidadão” um programma, um partido, uma

opinião que lhe seja vedado aceitar “como catholico”.

A Igreja consciente do seu poder deveria utilizar da autoridade do campo religioso em

que predominava, para orientar aos seus fiéis qual o caminho correto a seguir, e, “repetindo os

mandamentos recebidos de seu divino Fundador” poderia interferir nos ditames do campo

político. Poderia dizer aos cidadãos católicos quais seriam as melhores diretrizes nas decisões

políticas a aderir, se referindo a partidos e planos políticos, que tivessem clareza dos

programas que estavam de acordo com os preceitos cristãos. Clama pelo perigo nas “atitudes

extremas” não pelo extremismo em si, mas por serem demasiadas em seu princípio errôneo e

violento, como para evitar o “opposicionismo revolucionário e inconsequente”.

Paulo Sá dá continuidade a este arrazoado noutro artigo, denominado “Posições

Catholicas. II - Os Catholicos e o Problema Social”, onde traria à tona a problemática da

108

Idem. 109

SÁ, Paulo. Posições Catholicas. I - Os Catholicos e o Problema Politico. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 48,

p. 92, fev. 1934.

Page 63: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

62

questão social.110 Para este autor a mais importante atitude dos católicos frente aos males que

assombravam a organização da sociedade seria a ação dos católicos na política, assim, ele

chamava à atenção para o caráter “conservador” do cristão e, conservadora seria a posição

social e política da Igreja em combate ao “revolucionarismo ímpio, anarchisador e

violento”.111

Nós estamos assistindo a um fim de civilização. E é indispensável que

tomemos posições. A habilidadesinha covarde dos que deixam correr os

acontecimentos seria hoje a mais anti-christã das atitudes. A hora não é das

abstenções e dos votos em branco: quem não estiver declaradamente,

desassombradamente, combativamente com a Verdade, estará

pusilanimemente contra ella. Na encruzilhada em que nos achamos, cruzam-

se todas as estradas opostas: o christianismo constructor e o individualismo,

anarchico, “Roma e Moscou”, “Deus e Manon” [...] Ai, dos que não

tomarem partido: ficarão à margem do mundo e o céo os vomitará ... 112

O grande problema da Igreja Católica era a má diligência do assunto social, pois

deixara evidente aos que padeciam de injustiça social que os males ocasionados pela

modernidade tinham o aval da própria instituição, o que ocasionou as massas “a se afastarem

do Christo”.

Outro equívoco a que o autor chama a atenção é terem apenas sido percebidos os

males pelo lado dos “inimigos à esquerda”. Dever-se-ia perceber não apenas os males

acarretados pelo socialismo à sociedade, mas também os males motivados pelo capitalismo:

“inimigos á esquerda, sem dúvida; mas também, não menos real, inimigo à direita”.

O autor ainda ressaltava que os males do socialismo revelavam os males do

capitalismo, porquanto, era necessário perceber a desordem ocasionada pelo socialismo, mas

que não deveria ser deixado de perceber os erros que seus erros originavam-se do capitalismo

existente.

Aliás, capitalismo e socialismo se reúnem e trabalham juntos, já o affirmava

outro escriptor catholico, citando o néo-socialista francez, Marcél Déot. E

levando a questão para um terreno mais alto, como é do seu costume,

110

SÁ, Paulo. Posições Catholicas. II - Os Catholicos e o Problema Social. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 51, p.

372, mai. 1934. 111

Ibidem, p. 373. 112

Idem.

Page 64: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

63

Maritain confirmava que “o ateísmo communista nada mais é do que a outra

face do deísmo burguez”. 113

Todas as desigualdades sociais presentes neste período, de acordo com o autor, são os

resultados da apropriação do sistema capitalista: as jornadas de trabalhos, a emancipação da

mulher nas fábricas e escritórios deixando suas atividades inerentes do lar. Os salários

desonestos, as misérias no campo e na cidade, os desempregados, e os baixos salários dos

operários. Por isso, reafirma a necessidade de participação na política, considerando

“consolador e nobre”, para os cristãos, a defesa e participação na promulgação de reformas

sociais na nossa legislação. Defende, ao fim, a necessidade da Igreja em atuar para a busca de

uma solução, de acordo “na unanimidade dos ensinamentos sociaes da Egreja desde os

Evangelhos até a “Quadragesimo anno” e a carta a monsenhor Liénart”.114

Outro artigo “Ainda Fóra das Fronteiras”, aponta que uma das grandes preocupações da

Igreja seria a fornecer uma configuração à sociedade brasileira da década de 1930.

Ressaltava-se que o mundo moderno fornecera os meios mundanos de adentrar nessa

apostasia e observa que a difusão de autonomia de pensamento em voga, principalmente entre

os intelectuais, levara à mudança de pensamento e às atitudes pecadoras que ocasionaram a

prevalência do “mundanismo extra-catholico”. Os que haviam aderido a isto justificavam seu

posicionamento junto às novas ideias modernas, efetivadas pelos seus teóricos e apenas

aproveitavam o que há de melhor na vida, vivendo sem a preocupação pautada nos desígnios

da Igreja, com a perda dos costumes e da fé.

Assim o “acatholicismo mundano” também era identificado em outras teorias

filosóficas e em outras crenças, como no protestantismo, mas o sistema que observava na

integra esse pensamento profano seria o “commnunismo doutrinário”, propalado pelos

burgueses:

Da mesma maneira que os nobres é que levaram os burgueses de 1789 á

Revolução – são hoje, em sua maioria, os burguezes que levam os proletarios

á nova Revolução. O typo do jovem burguez communista é hoje, senão

frequente entre nós, pelo menos ponderavel. E esses alimentam o mundanismo

acatholico com um fermento doutrinario anti-christão, que muito concorre

para animar a ignorancia pragmatica e immediatista da maioria.115

113

Ibidem, p. 375. 114

Ibidem, p. 378. 115

Ainda Fóra das Fronteiras. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 49, p. 173, mar. 1934.

Page 65: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

64

Essa preocupação grassaria nas duas classes, nos setores populares e na elite, porém os

meios populares é que teriam sofrido a influência de “idéas simples ou religiões empíricas”.

Essa perda dos princípios católicos nos setores populares se deveria ao descaso da burguesia

ocasionou somado ao desamparo social. Para o autor embora existisse o “acatholicismo

popular”, carregado de ideias não próprias do país, este seria raro, porém, “militante e

aggressivo” e tinha se originado da influência do protestantismo, do comunismo e do

espiritismo. Esses males nos meios populares eram “em regra filhos do relaxamento ou da

ignorancia, e não da hostilidade”.116

Dessa forma, se observa na revista A Ordem que a Igreja se propunha a definir suas

táticas para a intervenção nos vários campos sociais, buscando “intellectuais e politicos,

mundanos e populares”. Por isto utilizou os mecanismos que a Ação Católica proporcionou

neste período, enquanto lócus importante para a formação de vários subcampos católicos: a

Universidade Católica visando à formação intelectual; a Liga Eleitoral Católica junto com a

‘Boa Imprensa’ (a imprensa católica), visando a atuação no campo político; a defesa da

educação nos liames católicos visando à educação da juventude. E em relação aos meios

populares garantiu o contínuo trabalho da catequese, que serviu para a orientação e instrução

aos sindicatos e às associações de classe.

Assim, sendo, conclue-se que a Acção Catholica, para se desenvolver

normalmente entre nós, precisa agir, não apenas intra-muros, mas extra-

muros. E para isso, é preciso conhecer o campo de acção, estudar os vários

sectores, irredentos e operar sobre elles com os methodos de accôrdo com a

natureza do terreno e da tarefa. Não podemos nos contentar com a catechese

dos catholicos, se bem que seja de momento talvez a mais importante.

Precisamos irradiar a nossa acção cada vez mais, de modo a impedir que a

acção dessas zonas além de nossas fronteiras venha a conquistar terreno

sobre o nosso ainda tão amplo, mas já tão ameaçado território.117

2.3.1. A Constituinte de 1934

A Revolução de 1930 trouxe ainda uma nova clivagem da ordem social com a

introdução de novos atores no cenário político brasileiro que possibilitaram à Igreja Católica

vários ganhos no sentido apontado anteriormente. Tendo se iniciado com o decreto de abril de

1934 que favoreceu a volta do ensino religioso nas escolas, o estabelecimento da Assembleia

116

Idem. 117

Ibidem, p. 175.

Page 66: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

65

Constituinte que permitiu restabelecer a relação de princípios da Igreja Católica com o

Estado, definiu na terceira constituição brasileira a volta dos interesses eclesiásticos

protegidos judicialmente.

Esse é justamente um dos temas relevantes na revista A Ordem. No artigo “Primeiras

Victorias” de Tristão de Athaíde, o líder católico comemora os ganhos iniciais da Igreja na

Constituinte e aponta seus adversários.

Começa por dizer de seu preâmbulo “A confiança em Deus”, para depois observar que

no artigo 16 passava a ser lei sobre a necessidade de “colaboração recíproca em vista do

interesse collectivo”, entre o Estado e a Igreja”.118

O autor atribui a essas conquistas, uma de “caracter philosophico” e outra de “sentido

sociológico”, por conta de serem medidas que prezavam pelo bem estar da sociedade e, essa

nova relação havia sido aprovada por se ter em vista a melhoria social e não por que era

devida aos interesses para a Igreja.

A primeira delas teria tido a imensa maioria dos votos da Assembleia, pois a maioria

dos “deputados que votam por Deus” haviam sido adeptos a integrar o caráter religioso da

nação à Constituição, pois que este, mesmo desprezado, era algo inerente ao povo brasileiro.

O êxito para dispor o nome de Deus no seu Preâmbulo fora, para o autor, a afirmação de onde

devia preceder o conhecimento para as tomadas de decisões na política brasileira:

Collocar o nome de Deus no Preambulo era, pois, collocar o problema da

autoridade politica em seus verdadeiros termos. Em vez de invocar, apenas

aquellas forças que, por assim dizer, vem de baixo, como a democracia ou o

Bem Estar economico, - quizeram os constituintes adherir espontaneamente

a unica doutrina racional sobre a origem da Autoridade, o que a faz derivar

ao proprio Bem em Si. 119

Tristão apontava que a oposição a estes ganhos se dera na figura do “comunista”

Zoroastro Gouvéa, do “anachronico anti-clerical campista” Cesar Tinoco e, do pastor

protestante Guarani Silveira.

Em relação ao segundo ganho, Tristão argumenta em relação ao número de votos, 111

votos a favor, e 66 contra, que esta diferença em relação à votação do Preâmbulo se devera ao

fato de não haver “a menor pressão política ou eleitoral”, ainda que esclarecesse a mudança

na configuração constitucional do Brasil provocada por essa votação. A associação entre

118

ATHAYDE, Tristão de. Primeiras Victorias. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 51, p. 333, mai. 1934. 119

Ibidem, p. 333-334.

Page 67: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

66

Igreja e Estado era, segundo o autor, uma “verdadeira revolução jurídica” e acusava os

marxistas de divulgarem que esta era, por parte da Igreja, uma maneira de obter auxílio

financeiro do Governo. Tristão refutava este argumento dizendo que a aproximação da Igreja

com o Estado era apenas uma forma de cooperação e não da busca de privilégios. Essa nova

associação era vista como a conquista de valores pertencentes à sociedade brasileira, “factos

sociaes” que seriam a partir de então respaldados constitucionalmente, o que o fazia diferir

dos “phenômenos sociais”, acontecimentos considerados passageiros, algo não inerente à

sociedade.

A primeira das observações, portanto, que despertam essas nossas victorias

iniciaes, é que não pleiteamos privilegios e sim a incorporação dos factos

sociaes ao direito constitucional brasileiro da 2ª Republica.120

Adverte que se estabelece uma diferença com a Constituição de 1891, que fora

influenciada pelo positivismo, mas teve como ganho impedir de a política do país se

transformasse em algo semelhante à política do México ou da Espanha. Já a Constituição de

1934 tinha o mérito de enaltecer mais os católicos, por estes terem conseguido se unirem sem

nenhum interesse, apenas para o bem da nação:

A “collaboração reciproca” é a expressão jurídica das mais modernas

concepções do direito social. A assistencia ás classes armadas foi espontânea

e geral nos movimentos de tropa que há doze anos temos tido. O ensino

religioso facultativo nas escolas publicas é o que ha em todos os paízes

modernos mais civilizados, catholicos, protestantes ou orthodoxos. (...) Não

provocamos a quem quer que seja. Não abrimos luta; aceitamol-a apenas.

Não pedimos senão o que nos devem conceder por estreita justiça

distribuitiva. E em troca damos ao Estado, em forma de justiça social, toda a

reciprocidade exigida da collaboração no bem commum. 121

Tristão de Athaíde daria continuidade a esse raciocínio noutro artigo sob outro

contexto, quando os ganhos dos católicos na Constituinte já pareciam estar definidos. Em “Os

Perigos da Victoria”,122

ele coloca a seguinte pergunta, dirigida aos católicos: Qual seriam os

perigos que acarretariam suas vitórias na Constituinte?

120

Ibidem, p. 336. 121

Ibidem, p. 338. 122

Athayde, Tristão de. Os Perigos da Victoria. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 53, p. 3, jul. 1934.

Page 68: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

67

Com esse questionamento ele deixa evidente que os primeiros perigos seriam os

“perigos interiores” que designa de “illusão da facilidade”. A conquista das prerrogativas na

Constituinte fora fácil, não por causa da defesa unânime da maioria de políticos católicos

praticantes que por uma simples concordância com os preceitos católicos promulgaram o

nome de Deus no preâmbulo da constituição e votaram contra o divórcio. Tristão deixa claro

que essa conquista se deveu a todo um trabalho organizado de “cultura cathólica”, que já

durava em torno de 15 anos, e do surgimento de uma participação política “extra-partidária”

permanente em todo o país. Ele se referia diretamente à atuação da Ação Católica e ao esforço

de organização da Liga Eleitoral Católica (LEC). Os dois terços que votaram a favor das

prerrogativas católicas, nessa maioria, seriam indiferentes à religião, mas teriam votado a

favor delas “por motivos políticos ou sociaes”.

Entretanto, não fora uma conquista fácil, mas se deveu ao resultado da participação

cada vez mais ativa dos católicos na sociedade e, principalmente nas questões que remetiam

ao político e ao social, comprovando que as atitudes da maioria dos políticos não

representavam e tampouco correspondiam à vontade da população.

Outros perigos, segundo Tristão, eram a “illusão da força” e o “providencialismo

commodista”. Pelos últimos ganhos obtidos na Constituição e por acreditarem que “Deus é

brasileiro” os católicos seriam levados a acreditar que não seria necessária a continuidade das

ações para a defesa dos preceitos católicos na sociedade, como diziam então: “por isso, não

vale a pena fazer força, já que temos por nós a força do numero e a bôa vontade da

Providencia...”.123

É a este ponto que o autor chamava à atenção: pelos católicos acharem que

haviam conseguido esse novo apoio que garantiu as novas diretrizes e ações respaldadas no

Estado, não seria mais importante a continuação na luta por meio das organizações que foram

pautadas pela Ação Católica. Tristão argumenta quer era indispensável a continuidade da

união das organizações do meio católico para o combate ao “perigo iminente”, sendo o maior

perigo no momento é a “deturpação da LEC”, devido a demonstração real do seu poder na

concretização dessas vitórias na Constituinte. Seu medo era, inclusive, de alguma intervenção

dos partidos que pudessem influenciar os princípios da LEC, acarretando prejuízos a essa

organização extrapartidária.

E quanto ao perigo externo que ameaça â Igreja e, que se colocava como “inimigo

commum” de forças que tentaram e ainda prevaleciam no sentido da derrubada do

catolicismo, se referia à maçonaria, ao judaísmo, ao espiritismo, ao protestantismo e pôr fim

123

Ibidem, p. 5.

Page 69: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

68

ao comunismo. Esses já seriam os inimigos revelados, que, mesmo com o êxito na

Constituinte, fazia indispensável a continuidade na união dos grupos católicos para a luta e

combate à esses inimigos de ontem e de sempre.

Offerecemos agora um alvo mais facil a esses adversarios. Temos uma

Constituição em que os postulados catholicos mais immediatos foram

incorporados e que se presta, portanto, a ataques diretos. Torna-se mais facil

reunir soldados quando se póde mostrar um objectivo bem nítido a alcançar.

Intensifica-se, pois, a luta contra a Egreja. Esta, que para muitos vivia

“agonisantesinha”, ou, pelo menos, se contentava de uma existencia apagada e

puramente exterior – mostrou-se de repente apparelhada para emprehender

uma longa campanha de idéas e conseguiu obter, em 1934, o que jamais

alcançara anteriormente. Isso representa, para muitos de nossos de adversarios

latentes, uma bomba. Ficam desorientados um momento, deblateram e

insultam, mas quando realmente hostis, não se limitam a isso. Voltam então á

lucta. A Egreja já não está moribunda como pensaram, mas ao contrario se

mostra viva e bem viva, E é preciso voltar á lucta. Atacal-a como um

adversario sério e não apenas tolera-la como um velho inimigo sem forças. E

assim se intensificará, certamente, a campanha contra nós. A Maçonaria, o

Judaismo, o Espiritismo, o Protestantismo e o Communismo, são de momento,

e de sempre, os adversarios declarados e systematicos com que temos de

contar. E embora se encontrem em contradição de idéas e pessoas, entre si,

unem-se para atacar o inimigo commum que é a Egreja da Verdade, promptos

a engalfinharem-se furiosamente, uns aos outros, uma vez alcançado esse

objectivo... 124

A nova etapa de ação seria a defesa contra estes inimigos que queriam tomar o posto

de privilegio ganho pela Igreja. Um desses inimigos, a maçonaria iria, segundo o autor,

utilizar de todas as manobras para a intervenção política e social, principalmente, por meio

das lideranças na área educacional. Tristão afirma que a maçonaria “(...) trabalha na sombra e

com mil mascaras, valendo-se da analogia de seu estado de espirito com o do liberalismo

corrente”,125

de modo a poder evitar o ensino religioso nas escolas.

Também faz referência aos marxistas, a “quadrilha communista” que pouco a pouco

tenta a derrubada dos líderes católicos na educação para a disseminação de suas ideias, como

124

Ibidem, p. 6-7. 125

Ibidem, p. 7.

Page 70: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

69

também toda em influência que remete ao ensino jurídico. Existe todo um “complot anti-

catholico” que age às escondidas para a derrubada das conquistas cristãs:

Liberaes e communistas, maçons e espiritas, protestantes e judeus, agitam

secretamente os meios politicos para galgar as posições e dahi poderem

annullar a victoria catholica na Constituinte” 126

2.3.2. Comunismo, Integralismo e Catolicismo

Com toda essa produção intrínseca à relação da Igreja Católica com o campo político é

importante perceber suas dinâmicas e ações neste espaço específico da relação entre

instituição religiosa e suas atuações como parte daquilo que Pierre Bourdieu chamou de ‘luta

de classificações’. Também para essa análise do posicionamento da Igreja se faz necessário

trabalhar o seu posicionamento frente ao integralismo, por meio do conceito de colusão,127

que permite compreender essa relação de aproximação do catolicismo com o integralismo na

década de 1930 enquanto “um entrelaçamento das posições e não uma síntese ou fusão”. 128

Um dos posicionamentos mais complexos de Tristão de Athaíde se verificou na

relação da Igreja católica com o integralismo. Para um dos principais intelectuais da revista,

na posição também de seu diretor, uma posição para esta situação seria requerida.

Com bastante cautela Tristão inicia seu artigo “Catholicismo e Integralismo”129

argumentando que se fazia necessário uma explicação, e ao mesmo tempo, a definição de qual

a relação que se deve ter em relação ao integralismo, tanto por parte dos prelados como do

laicado e qual deveria ser o posicionamento do Centro Dom Vital.

Principia exaltando a opinião de um dos chefes do movimento católico, encadeando o

início do integralismo com as atitudes de Jackson de Figueiredo, frente à direção da revista ‘A

Ordem’ e do Centro Dom Vital, “foi o primeiro que, sem ser socialista ou communista

denunciou os erros e os males do liberalismo”.130

Aponta que Figueiredo fora também o

primeiro intelectual que se pronunciou a favor da necessidade de um “regime de autoridade”

que colocasse ações visando barrar as atividades antidemocráticas. Jackson de Figueiredo

teria se autodenominado “reaccionario”, por não favorecer as recentes revoluções e, esse

126

Ibidem, p. 9. 127

PEIXOTO, Renato Amado. Creio no espírito Cristão e Nacionalista do Sigma: Integralismo e Catolicismo

nos Escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo’ In. Rede de Intelectuais Católicos. (Org.

Gizele Zanotto et all). Passo Fundo: UPF, 2015, p. 10. 128

Idem. 129

Athayde, Tristão. Catholicismo e Integralismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 58, p. 173, dez. 1934. 130

Ibidem, p. 405.

Page 71: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

70

posicionamento se daria, também, ao seu apoio e concordância ao integralismo lusitano, que

resultou no governo de Salazar e na implantação do Estado Novo em Portugal.

Por esses e outros motivos, é incontestável que Jackson de Figueiredo foi o

precursor de todos os movimentos de reacção anti-liberal e anti-socialista

que em nosso meio constituem para a maioria uma novidade absoluta. 131

Para Tristão, a Igreja deveria se manter neutra e não possuir posicionamentos

próximos do liberalismo e tampouco do socialismo. Ela estaria acima das prerrogativas

políticas e deveria se colocar no campo da religião como defensora “da fé christã”, do campo

sobrenatural. Suas atitudes e ações deveriam ser prerrogativas do campo político, pois

defendiam “a liberdade, a justiça social, o amor da paz”, conceitos que confundem sua

audiência, por fazer parte dos princípios liberais.

Tristão considerava a atitude de “exaltação” ao integralismo condenável, pois para o

autor não se deve associar a Igreja a qualquer forma de sistema político e muito menos a sua

exaltação, pois a Igreja deveria permanecer neutra frente aos diferentes posicionamentos

políticos. O passado demonstrava os erros dos católicos que apresentaram na imagem de

“padre-liberaes” nos movimentos da “Revolução de 1817 e a da Constituinte de 1823”. Por

isso seria necessário evitar a “expectativa” desse movimento político e, esperar para saber

quais seriam seus resultados.

Frente a esses posicionamentos, o autor levanta o questionamento de como os

católicos deveriam se comportar “psycologicamente” frente ao integralismo e, aponta as

atitudes de “comprehensão” ou “participação”, pois estas atitudes correspondem à prevalência

do integralismo em combater os mesmo inimigos da Igreja Católica e as adversidades que ela

vinha combatendo há tempos: “O integralismo possue no campo social, em grande parte os

mesmo adversarios que a Igreja. E a luta contra inimigos communs é um laço que crêa

approximações indestructiveis”. 132

Ora, nenhum inimigo mais claro possue a Igreja, do que o communismo.

Não será o mais perigoso, agora, porque justamente não se embuça, como

outros e tem a triste coragen de tirar as conclusões logicas do que os

burguezes-liberaes, agnósticos ou anti-clericaes – fabricam surdamente nos

seus laboratorios secretos da Maçonaria ou capciosamente nos seus

131

Ibidem, p. 406. 132

Ibidem, p. 410.

Page 72: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

71

manifestos reticentes de partidos sem Deus, nos seus banquetes fraternaes de

laicismo rotariano ou nas suas cruzadas anti-analphabeticas, de espirito

protestante mas de tolerancia universal de credos.133

Como há adversários comuns, há juntamente “amigos communs” e, o integralismo

emanaria no emblema pontos defendido pelo catolicismo, “Deus, Pátria e Família”, assim

como emanaria os princípios defendidos pela Igreja, “em favor da autoridade, da ordem, da

hierarchia, do dever”.

Por conseguinte, segundo o autor, a conduta inerente a todo católico era que naquele

momento se fizesse necessária a atitude das direitas. Neste posicionamento de defesa ao

integralismo, seria essencial uma atitude não apenas de compreensão ao integralismo, porém,

mais que isso, um posicionamento “real e ideal” de atuação: “Considero ambas as

participações perfeitamente compatíveis, não só com a doutrina social catholica mas ainda

com a pratica effectiva do catholicismo”.134

O comunismo se apresentava então como o principal mal da contemporaneidade a ser

combatido. Ao falar sobre o integralismo, Tristão coloca que o comunismo apresentava toda

uma aversão aos preceitos defendidos pelos camisas-verdes. O autor também chama o leitor à

atenção para perceber a diferença necessária entre um militante integralista, que compreende a

sua adesão ao partido acima dos preceitos da Igreja Católica e o perigo do naturalismo no

integralismo.

Na continuação desse raciocínio, Tristão publica “Catholicismo e Integralismo II”,

onde defende que, apesar da consonância do integralismo com os preceitos católicos, clama

pela importância de evitar a contaminação de um ‘naturalismo’ pelos católicos em relação aos

integralistas e, reforça que a consciência da religião deve se sobrepor no campo político, para

que haja a preservação da soberania do poder sobrenatural. Caso contrário, o integralismo

seria mais um partido totalitário, sem a importância dada a uma ação política que se remeta no

campo religioso na legitimação do poder sobrenatural e à “consciencia cathólica sobre a

consciencia politica”.135

Uma das mais bellas conquistas do Integralismo é, sem duvida, a atmosphera

de heroicidade que alimenta. É innegavel que os partidos correntes, meras

formações tradicionais ou opportunistas, “liberaes” ou “sociaes” de rotulo,

133

Idem. 134

Ibidem, p. 413. 135

ATHAYDE, Tristão. Catholicismo e Integralismo II. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 54, p. 15, jan. 1935.

Page 73: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

72

“regionaes” e “individuaes” de facto, não offerecem, de modo algum essa

renovação de ambiente. Só vamos encontrar esse espirito no extremo oposto,

nas hostes communistas. Sejam de burgueses, sejam de proletários, e

sobretudo estas, pois os burgueses-communistas são geralmente

sentimentaes ( espectaculo das miserias da sociedade capitalista), cerebraes

(influencia de Marx, Lenin, Shaw, etc.), ou opportunistas vão ao

communismo porque acreditam ser elle inevitavel e querem estar de bem

com os dominadores), ao passo que os communistas-proletarios possuem um

mesionismo que alimenta a fé, desviada do seu objeto próprio e applicada á

Revolução-Social.136

Outro ponto indispensável na nossa análise é a defesa da Ação Integralista Brasileira

pela revista ‘A Ordem’ e caberia aqui explicar um pouco o contexto que opunha o

Integralismo à Aliança Nacional Libertadora às vésperas da publicação dessa defesa e do

artigo “Catholicismo e Integralismo” e “Catholicismo e Integralismo II”.

A Ação Integralista Brasileira (AIB) era então um movimento influenciado pelo

fascismo em voga na Europa que surgiria no Brasil em contrapartida aos ideais do

liberalismo, às prerrogativas do socialismo e do capitalismo internacional. A AIB tinha como

princípio a defesa de um Estado forte nacionalista com o comando nas diretrizes econômicas

e política centrada ao Estado, no modelo do corporativismo. Em oposição à pluralidade

partidária, a liberdade individual era a favor da substituição da democracia liberal em uma

organização hierárquica na sociedade e recusava qualquer idealização da luta de classes e

outros princípios revolucionários.

Já a Aliança Nacional Libertadora (ANL) surgiria em oposição ao integralismo. Sendo

um movimento que trazia o ideal nacionalista pregava a reforma agrária e a maior

participação popular no campo social e político. Porém, situada no outro extremo da política,

e formada enquanto uma frente popular tinha como base os princípios do Partido Comunista

Brasileiro, enquadrava-se na Internacional Comunista, e se pautava em acordo com as novas

medidas do Comintern entre 1934 e 1935, visando a união dos grupos de esquerda para a

formação de uma frente única de combate às medidas antifascistas em difusão na Europa.

A AIB visava à pluralidade religiosa, porém respaldada pelo princípio cristão e tinha

em sua base, a defesa de elementos do conservadorismo, parte de seus líderes se

posicionavam contra os judeus, comunistas e maçons.

136

Ibidem, p. 6.

Page 74: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

73

Seria por causa desses posicionamentos que a AIB e a Igreja Católica fornecem apoio

mútuo. Tanto os prelados como o Padre Helder Câmara, Cônego Emílio José Salim e vários

Bispos, assim como intelectuais católicos do porte de Luís da Câmara Cascudo e outros,

desempenharam importante papel na propagação da AIB. Já na região Nordeste a adesão dos

Maristas é muito importante:137

(...) o integralismo nasceu em meio católico, intelectual, e atraiu forças

sociais, começando a ser mobilizado pelo catolicismo, como na Legião

Cearence do Trabalho. Certamente nunca tomou os temas neopagãos que

encontraríamos na Alemanha e nos fascismos do norte da Europa. Sem

dúvida, a ausência de um partido católico, e talvez o fato de que na

República os católicos ocuparam relativamente uma posição marginal,

explica o fato do fascínio de cunho religioso do movimento.138

Tristão de Athaíde reforça noutra continuação desse raciocínio, no artigo

“Catholicismo e Integralismo III”, a importância da participação dos católicos no movimento,

porém, defendia, ao mesmo tempo, a não participação de católicos que fizessem parte na

direção da Ação Católica, que a define como uma “acção social” e não política. É nesta

afirmação que Tristão deixa claro que os princípios da Ação Católica não deveriam ser

confundidos com o integralismo e tampouco percebidos como um movimento de ação no

campo político, porém, de atuação em questões que remetiam ao campo social.

Nesse exemplo a LEC também era apresentada enquanto antipartidária, pois, visava o

apoio aos partidos que aderissem às prerrogativas da Igreja e mantivessem posicionamento

conservador e anticomunista. A LEC havia surgido em 1932 a partir da sua idealização pelo

Cardeal Leme e por Alceu Amoroso Lima. Foi considerada então por estes enquanto uma

maneira de arregimentar partidários em prol dos interesses eclesiásticos, o que ocasionaria no

ganho de direitos e favores em troca do apoio da Igreja. Entretanto, essa relação de apoio

entre religião e política desencadeou mudanças significativas na Constituição de 1934, uma

vez que em relação às demandas sociais almejadas, a Igreja recuperou significativos

privilégios que foram eliminados na Constituição de 1891, ajudando a misturar os campos

político e religioso.

Nesse contexto, o integralismo se tornava a única representação política que

respeitaria os pressupostos do catolicismo em face dos princípios liberais. Para o autor, em

137

AZZI, Riolando. Os Pioneiros do Centro Dom Vital. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003, p. 23-24. 138

AZZI, 2003 apud LUÍS, 1976, p. 23-24.

Page 75: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

74

nada entrariam em contradição com os pressupostos eclesiásticos, desde que os católicos não

esquecessem da sua participação nas ações que remetam à vida espiritual e, da importância da

sua participação no campo social por meio da Ação Católica. O autor adverte a primazia dessa

esfera antes de se adentrar a movimentos políticos que se fazem como que entusiasmados das

finalidades políticas e, se abstém da sua responsabilidade como cristãos na sociedade. “Penso

que a nossa atitude, em face do movimento integralista, se não deve ser, nem de hostilidade

nem de confusão, só pode ser a da cooperação”. 139

Neste artigo, o Comunismo passa a ser explanado como o “comunismo imperialista”,

ou seja, o problema seria muito mais iminente, na medida em que esse mal que já viria de

épocas anteriores, agora se apresentaria com prerrogativas expansionistas. Por isso, a

importância dada por Tristão ao nacionalismo da AIB que pregava a formação de um Estado

forte que se assemelha as prerrogativas dos sistemas totalitários em voga na Europa.

Eis ahi o que, de momento, julgo necessario dizer para esclarecimento de

nossos leitores e resposta a muitas consultas. Penso, em resumo, que o

integralismo póde ser encarado: a) como uma reacção histórica, b) como

uma doutrina politica, c) como uma mystica social. Como reacção histórica é

o movimento mais sadio e mais útil do nosso actual momento politico.

Repercussão brasileira dos movimentos de vitalidade nacional, que salvaram

a Italia, talvez a Allemanha e a Peninsula Iberica, e, porventura, a America

do Norte, da anarchia economica e do imperialismo communista, representa

para a Patria Brasileira a mais solida garantia de uma fidelidade ás mais

puras tradições nacionaes. 140

2.3.3. Liberalismo e Comunismo

Em um artigo de outro autor João da Rocha Moreira, chamado “O mundo

contemporâneo”, percebemos que a importância dada ao regime ditatorial fascista implantado

na Itália por Mussolini se devia ao medo avassalador do comunismo, o qual poderia

disseminar a sua doutrina política na sociedade brasileira: “o comunismo que, com uma idéa

toda materialista da vida, quer derrubar por completo os regimens antigos, quer aniquillar os

princípios basicos na nossa civilização”.141

Moreira define o comunismo como um mal que vinha desde os pressupostos do

liberalismo que desencadearam as péssimas condições econômicas do proletário. O que se

139

ATHAYDE, Tristão. Catholicismo e Integralismo III. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 55, p. 86, fev. 1935. 140

Ibidem, p. 84-85. 141

MOREIRA. João da Rocha. O Mundo Contemporâneo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 55, p. 116, fev. 1935.

Page 76: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

75

podia observar era a presença de um discurso antiliberal que remetia ao sistema comunista,

mas, que o liberalismo, que, segundo o autor, havia grande repercussão no século XIX, na

década de 1930 se refletia mais nas principais catástrofes econômicas e sociais, as quais

culminaram nos pressupostos do comunismo.

A democracia liberal, forma de governo que conquistou, em tempos idos, tão

grande numero de adeptos, hoje se acha inteiramente falida no Brasil. As

suas consequências todos nós conhecemos, porque são dos nossos dias: o

equilíbrio financeiro, dando logar aos “sem trabalho”: a mulher se

imiscuindo nos negócios públicos, esquecendo-se da sua principal e

dignificante missão – a educação do homem futuro; a dissolubilidade do lar;

o regimen soviético russo que se procura transplantar para o Brasil. Tudo em

completo antagonismo com os princípios sociais e ethicos da nossa

civilização. E assim poderemos concluir: os “sem trabalhos”, o feminismo, o

divorcio e o communismo são irmãos. Partiram de uma mesma origem – a

democracia liberal. 142

O autor procurou apontar a diferença entre os três tipos Estados de seu tempo, que

nomeia de burguês, proletário e nacional, apontando seus sistemas políticos para demonstrar a

diferença entre eles.

O Estado burguês, dito como “corrente conservadora” teria surgido com o fim do

sistema monárquico e, com isto, a burguesia que se valeu do acúmulo de riquezas em seu

proveito, resultando no Estado burgues defender, “demogracia liberal, predomínio do direito

privado, liberalismo economico, Estado leigo.” O Estado Proletário reforça o argumento da

teoria Marxista da evolução da sociedade em três fases da revolução proletária. Primeiro a

feudal, em seguida, a burguesa e por fim a proletária, deste modo o autor define o Estado

Proletário instaurado na Rússia na antiga origem que vinha desde as primeiras desigualdades

humanas, onde o operário percebeu as diferenças sociais entre opressores e oprimidos, e, que

fez resurgir a “utopia comunista” com a:

1º) dictura de classe, esmagamento da burguesia, início da morte do Estado;

2º) controle do trabalho pela sociedade, accentuando-se a morte do Estado;

142

Idem.

Page 77: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

76

3º) a sociedade passará a viver sem direito, sem poder, sem administração.

Havendo a completa morte do Estado.143

Dessa maneira se constituiria um Estado Proletário com a ditadura de classe; o

predomínio do Direito Público; o ensino anti-religiso; e oposição às religiões com a

imposição de um materialismo de Estado:

O communismo nasceu da fome e da concepção materialista da vida; teve o

seu berço no desconforto, na tristeza e no descontentamento dos opprimidos;

cresceu na oppressão dos ricos contra os pobres; fortaleceu-se na revolta

desta oppressão. Hoje está a atemorizar o mundo contemporaneo. 144

Em face às teorias políticas vigentes, o sistema ideal seria o que Moreira designava de

Estado Nacional, pois, a única solução para os conflitos sociais seria por meio do

nacionalismo, para poder se acabar com as “neutralidades cômodas, com o utilitarismo

ambiente”. A solução não viria nem da esquerda, representada pela concepção materialista do

comunismo, nem do conservadorismo do liberalismo burguês, mas através de um Estado

Nacional que operasse na organização de uma sociedade pautada nos valores do

nacionalismo:

Acabar de vez com os partidos políticos e com os estados dentro de um

mesmo Estado que enfraquecem a união nacional; solucionar o conflito entre

o capital e o trabalho, reservando a si o direito de intervir em todas as

iniciativas privadas e publicas que possam influir na economia coletiva;

orientar a educação dentro dos dictames da religião nacional; fazer uma

accordo entre o Estado e a religião dominante no paiz (havendo, bem

entendido, distincção entre Estado e Religião); estimular as iniciativas de

arte.145

Seguindo essa mesma lógica, o artigo “A Base Ethica da Pedagogia Socialista”146

de

Ottoni Junior explanava sobre o mal da pedagogia socialista disseminada na modernidade.

Segundo o autor, esse perigo teria suas raízes na Reforma, a partir dos pressupostos

difundidos por Lutero e, teria vindo a se desenvolver na modernidade através de ideias que

culminaram na Revolução Francesa para desencadear a filosofia de Marx.

143

Ibidem, p. 119. 144

Ibidem, p. 118. 145

Ibidem, p. 120. 146

JUNIOR. Ottoni. A Base Ethica da Pedagogia Socialista. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 57, p. 291, abr. 1935.

Page 78: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

77

Porém, a Igreja seria a principal articuladora dos saberes cristãos que lembrariam a

importância de se pensar do homem em sociedade e, dariam respaldo contra as ideias do

determinismo social que deixavam de levar em conta os pressupostos do indivíduo. Assim,

Ottoni considera falsos os pressupostos deste mais recente determinismo, que considerava a

problemática atual devido à questão social, política e econômica da sociedade. “Em synthese:

A Sociedade é a grande Vontade, a única virtuosa, a unica pecadora”. 147

E a novíssima e fatal Revolução. A Revolta Religiosa incendiada pela

Reforma acelerou a Revolta Moral iniciada por Hobbes (Elementa

Philosophiae – 1642-1658), Spinoza (Ethica more geométrico demonstrata –

obra posthuma) e Hume (Treatise on human nature – 1739), e culminada

pela infinidade de materialistas do fim do século XVIII (1). Da Renascença

herdámos a Revolução na Arte, que se matiza até nós de Romantismo e

Realismo; Gongorismo e Impressionismo; Modernismo e Futurismo.

Descartes e Leibnitz, Bacon e Locke, Kant levantam a Revolução

Philosophica. A Revolução Franceza accende-a em toda a Cultura. Dentro

em pouco chefia Marx a Revolta Economica. E ninguem mais entendeu o

mundo: um periodo azoico, de nebulosa. 148

Para isso aponta a importância da Pedagogia Católica: “A alma da educação será a

educação da alma. Visar-se-á primeiro o bem do indivíduo, depois o bem da sociedade”, e não

como defendem as novas teorias de pensadores, como o Evolucionismo que nega a tese do

Criacionismo, pois contribuiu para reforçar os pressupostos do liberalismo ateu. Reforça o

materialismo contra o princípio espiritual de que tudo emana da criação divina: “A doutrina

Creacional é a base da sciencia do ser e o fundamento da concepção do individuo e dos fins

ethicos do Individuo”.

E esta phrase leva-nos ao ultimo degrao da theoria ethica que a Igreja levanta

para contrapor á base ethica da Pedagogia Socialista. Apenas faltaria um

confronto das duas Methodologias: a Socialista, e a Social Moderada

Catholica. Mas não falamos de Technica. Destruidos os fundamentos da

Philosophia Moral Socialista e por conseguinte desmoronada na base, toda a

applicação Pedagogica, a Igreja apresenta sua doutrina firmada numa

concepção inabalavel de individuo mediante as relações entre Absoluto e

Relativo promanadas do facto da Creação. Examina-se o Instincto de

147

Ibidem, p. 295. 148

Ibidem, p. 291.

Page 79: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

78

Sociabilidade, compara-se o fim deste instincto com a finalidade primaria do

Relativo Racional, revelam-se os direitos individuaes, acenam-se os deveres

sociaes, e tira-se a aplicação lidima em Pedagogia: A primeira educação é a

individual, que deve porém ser coroada com a social.149

Já no artigo “A Igreja e o Momento Político”,150

Tristão de Athaíde discute os

movimentos políticos vigentes em 1935 e, relacionando as atitudes da oposição em relação à

Igreja Católica, se coloca, por sua vez, em defesa junto ao governo. Para o autor é este aspecto

que mais importa para o momento, “todo o reconhecimento á força moral e social da Igreja”.

O Integralismo, a Ação Imperial Patrianovista e a Aliança Nacional Libertadora, são

os outros movimentos políticos que ele entende ser parte de um diálogo da Igreja Católica

com o campo político neste período, no sentido de averiguar e explanar o posicionamento

dessa instituição em defesa do Governo. Aponta a necessidade de volta à ordem por meio da

formalização da Constituição de 16 de julho “contra as tendencias revolucionárias que o

outubrismo e o tenentismo innocularam no paiz, a partir de 1922”, porém, essa defesa

prevalece contra as diretrizes da esquerda, principalmente ao que designa do “extremismo

vermelho”.

Athaíde coloca que a atual gestão política de Vargas havia respeitado os direitos da

Igreja Católica e, a tradição do catolicismo no Brasil, permitindo os direitos embasados na

Constituição e, consentira na presente nova relação entre o Estado e a Igreja que substituía a

submissão, pela colaboração e, que se concretizou pela possibilidade desencadeada no

surgimento da Liga Eleitoral Católica.

O Integralismo é apontado como um dos movimentos que na situação política atual

mais se aproximava dos princípios católicos, uma vez que se posicionava contra todos os

possíveis embates que vinha contestar ou eliminar os preceitos da doutrina católica nos vários

setores da sociedade. Tendo como foco a contestação aos movimentos de viés comunista

marxista e aos grupos que também fizeram parte do movimento de 1930, porém, debandaram

para a extrema esquerda, unidos na Aliança Nacional Libertadora e, já naquele momento, na

ilegalidade.

O programma integralista é inspirado no mesmo espirito que levou o

Fascismo a formar-se na Italia, o Hitlerismo a Allemanha. O Estado Novo

em Portugal, a Acção Popular de Gil Robles na Espanha. Todos são

149

Ibidem, p. 311-312. 150

ATHAYDE, Tristão de. A Igreja e o Momento Politico. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 60, p. 5, jul. 1935.

Page 80: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

79

movimentos de reacção contra a passagem logica e historica do liberalismo

ao socialismo e deste ao communismo. 151

É neste quadro político que autor evidencia as novas diretrizes de como atuar no

cenário político na oposição aos movimentos que defendiam à volta a monarquia através da

‘Ação Imperial Patrianovista’. Já o Integralismo na defesa de um nacionalismo de regime

totalitário, da defesa de “Deus, Pátria e Família”, seria o mais adequado contra todos os

postulados comunistas, considerados por Athaíde enquanto posicionamentos políticos que

negam a participação social e política da Igreja. Logo, a única medida contra os postulados

socialistas e comunistas seria por intermédio das diretrizes da Ação Católica, intermediária da

atuação e intervenção da Igreja no campo social e, pela defesa de um governo que se paute

pela ingerência do catolicismo no campo político. Neste caso, a atuação da Liga Eleitoral

Católica serviria para a implementação dos valores vigentes da Igreja no Estado.

Por mais que os nossos adversarios nos apresentem como alliados deste ou

daquelle partido, como defensores do capitalismo ou da burguezia, como

inimigos do proletariado ou como desvirtuadores da Revolução de 30, -

somos e seremos sempre o que a Igreja sempre tem sido: o Christo Mystico

entre os homens, trazendo a todos os regimens e instituições, trazendo a

todas as almas, as palavras de justiça social e de salvação individual;

pugnando pelos opprimidos; corrigindo os oppressores; condemnando os

abusos e os erros; peseguindo o peccado; moralizando os costumes;

aperfeiçoando as instituições e ... preparando as novas eras. 152

Já no artigo “A Idade Nova e a Acção Catholica”153

Tristão de Athayde faz uma

análise do momento político em que procura demonstrar as particularidades dos regimes

políticos vigentes na Rússia, Alemanha e Itália, e, deixa explicito os problemas e dificuldades

acarretadas por esses sistemas políticos que refletiriam ao homem moderno um “sentimento

de instabilidade”. Inicia o artigo com as perguntas que faz refletir os males atuais e quais

seriam a saída para a melhoria social política, “onde estamos?”. “para onde vamos?”, “para

onde devemos ir?” e mostra os caminhos atuais: o caminho liberal, o socialista, e o nacional-

totalitário. São questionamentos que remetem a reflexão sobre o mal acarretado desde o

Renascimento e que teria aniquilado os valores medievais.

151

Ibidem, p. 8. 152

Ibidem, p. 10. 153

ATHAYDE, Tristão de. A Idade Nova e a Acção Catholica. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 61, p. 103, ago.1935.

Page 81: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

80

Logo, no momento atual, se observa a sociedade em todos os setores contaminada por

essas novas ideais das quais resultou a modernidade e que solaparam os ideais da Idade Média

por meio da constituição da categoria ‘Liberdade’ durante a Revolução Francesa,

influenciando as teorias filosóficas do século XIX, para com ela fornecer respostas à todos os

problemas sociais e políticos.

Na refutação daqueles sistemas, explana sobre os inimigos dos

princípios cristãos: a Modernidade, a Revolução Industrial, a

Revolução Francesa, o Comunismo e o Liberalismo para apontar as

diretrizes da ‘Idade Nova’ e definir que este seria o melhor caminho

para percorrer: o caminho cristão. A Revolução Francesa marca o inicio

politico da era burguesa, como a revolução industrial inglesa marcára o seu

inicio econômico. Uma e outra baseadas sobre o individuo, tendo por ideal a

liberdade absoluta, caracterizadas pelo predomínio da raça branca, pela

industrialização do ocidente, pela colonização do universo ainda

desconhecido, pela religião da sciencia e pela decadência do prestígio da

religião, pela arte puramente esthetica, pelo culto da cultura, pelas viagens

de recreio, pela libertação sexual do homem, o urbanismo generalizado, o

triumpho das economias abertas e livres, as universidades em que tudo se

ensina sem ordem nem hierarchia de valores, o feminismo, etc. Eis ahi,

muito de proposito acumulados sem qualquer vislumbre de ordenação,

alguns traços patentes dessa era burguesa, em que fomos formados e em que,

geralmente ainda vivemos”.154

Neste artigo o autor deixa claro que o início da desordem atual tem a ver com as

mudanças acarretadas pela modernidade, principalmente ao que se refere aos postulados da

Revolução Francesa e na ideia de Liberdade, que, desencadeou a negação aos valores vigentes

nos regimes absolutistas na Monarquia. Foi por essas novas ideias definidas no liberalismo

que começou todo o processo de mudança política que desencadeou na possibilidade de novos

pensamentos. O socialismo resultou nesse novo mal do século XX, atrelado ao conceito do

materialismo marxista e lutas de classes, o comunismo, sendo este o resultado da desordem

ocasionada pelos infortúnios deixados pelos pensadores de 1789.

Foi o espírito da burguesia, no individuo, na família e na sociedade. Foi o

que animou os traços característicos de uma classe social, que julgou

154

Ibidem, p. 104.

Page 82: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

81

dominar para sempre o mundo moderno, libertando-se da Igreja e colocando

a seu serviço as classes trabalhadoras. A era, a cuja decadência estamos

assistindo, fez isso na convicção de estar obedecendo a um determinismo

histórico inexoravel e a um progresso indefectível da sociedade e do homem.

155

Assim, o socialismo seria o resultado o liberalismo, já o caminho nacional-totalitário

seria uma reação aos demais sistemas políticos, a negação dos princípios liberais e socialistas.

Entretanto, a última pergunta: “para onde devemos ir?”, seria respondida por Athaíde,

apontando o caminho da Idade Nova, o trâmite que levaria ao “espirito da Nova

Christandade”. Nem o liberalismo, o socialismo ou o nacionalismo chegariam a esse

propósito. Para almejar essa nova mudança, o único caminho seria a Ação Católica legitimada

pelas diretrizes do Para Pio XI, contra o “mundo moderno, agnóstico e laicista”.

É a incorporação definitiva dos leigos no sacerdócio da Igreja. É a inclusão

do Estatuto do Leigo no Codigo do Direito Canonico. É a organização

moderna das milícias christãs para se infiltrarem por toda a parte, na Idade

Nova que por toda a parte está nascendo da idade moderna. A Igreja tem as

suas vistas voltadas, como sempre, para cima e para frente. Longe de ser

uma saudosista do passado, ella vive sempre com os olhos pregados no

futuro.156

2.3.4. A URSS, o Comunismo e o Socialismo

Também é importante, em nosso exame dos textos da revista ‘A Ordem’, frisar a

importância da coluna Registro, postada habitualmente nas últimas páginas da revista do

Centro D. Vital. De autoria de Perillo Gomes, esta coluna fazia rotineiramente referência ao

sistema da URSS, seja apontando a implantação de uma Justiça que não levava em conta os

pressupostos jurídicos, seja descrevendo as perseguições aos membros da Igreja Católica, seja

para denunciar a veiculação de informações de caráter errôneo sobre esse governo. Servindo

como uma coluna de informações sobre todos os problemas da atualidade, incluindo os da

Espanha e do México, a coluna servia para explanar sobre aquilo que considerava ser as

irregularidades sociais e políticas da URSS, enfatizando, principalmente, os males acarretados

pelo sistema comunista soviético.

155

Ibidem, p. 105. 156

Ibidem, p. 112-113.

Page 83: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

82

Seguindo a mesma lógica no artigo “O Socialismo”,157

Tristão de Athaíde define o

socialismo não mais como um sistema político e econômico uniforme, porém, como uma

confluência de teorias. Existiriam vários modalidades de socialismo. Este seria mais um termo

utilizado para designar várias formulações políticas e, nesse sentido, utilizado para

caracterizar os novos sistemas vigentes do século XX, tais como a esquerda ou à extrema-

direita. O socialismo era visto pelo autor como uma categoria que servia para designar vários

sistemas novos que haviam surgidos devido ao significado amplo que o propõe. Várias

escolas políticas contemporâneas teriam surgido da influência do socialismo, de acordo com o

autor, sendo, por isso, classificadas em duas modalidades, “subjetivas” e “objetivas”.

Por socialismo subjetivo, Athaíde se referia ao surgimento das teorias socialistas,

formuladas por Saint Simon, Fourier e Owen, que tiveram influência da ‘República’ de

Platão, mais se concentrando no campo da subjetividade do ser, pela imaginação: era o

“socialismo romântico e imaginativo”, ideais que prevaleceriam na classe proletária. Já o

anarquismo era visto por Athaíde como outra teoria socialista subjetiva, mais centrada no

individualismo e, menos utópico, por conta de ser o sistema que “creou o realismo socialista,

acceitou o terrorismo, insurgiu-se por todos os meios contra a autoridade”158

.

Ambas as teorias eram vistas como anacrônicas, pois não se adequavam aos dias

atuais, por serem sistemas políticos ultrapassados que não traziam soluções para a

problemática da atualidade.

O socialismo nasceu contra o individualismo. Este teve a obsessão do

individuo e procurou um regimen social politico e econômico que

defendesse, o mais possível, o individuo contra a ingerencia da Classe, da

Tradição, da Igreja ou do Estado. Do numero, expressão abstracta da

collectividade popular exaltada pela democracia liberal, passou o socialismo

a accentuar a massa concreta, real, tangível, com a eliminação tão grande

quanto possível do individuo. O direito, a arte, a politica, a economia, tudo

passou a ser obra da sociedade, em bloco. O individuo é que era a abstração,

o Povo a realidade. O individuo só possuía os direitos que a sociedade lhe

outorgava. A declaração dos direitos do Homem, da Revolução

157

LIMA, Alceu Amoroso. O Socialismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 66, p. 62, jan.1936. 158

Ibidem, p. 65.

Page 84: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

83

individualista, - sucedeu a declaração dos direitos da Massa, pela Revolução

Socialista.159

Por sua vez, o nacional-socialismo era definido na categoria de socialismo objetivo,

por ter apenas alguma pequena influência do socialismo, e não sendo a teoria por completo. O

diferira dos demais socialismos objetivos é que este sistema político estaria centrado no

conceito de pátria.

Entretanto, o autor explana os socialismos enquanto frutos do capitalismo, porque foi

através do capitalismo, do egoísmo gerado pela ganância da acumulação de bens e pela

primazia do liberalismo que a sociedade se transformou numa grande desigualdade e miséria.

Como resultado, o socialismo findou na luta dos menos favorecidos, das massas em busca de

reivindicar soluções contra a desordem ocasionada pelos princípios do liberalismo que

procederam aos ideais do capitalismo. Essa solução se caracterizaria tanto em termos

econômicos pela distribuição dos bens por igual, ou pela sua eliminação total por outras

formas de distribuição. E, ainda ofereceria uma ideologia que servia para a explicação

filosófica de vida, por um modelo de solução embasado no materialismo.

Ora, o capitalismo moderno, na base de uma concepção individualista da

sociedade, extralimitou todas essas restrincções e fez do direito de

propriedade um uso tão abusivo como do direito á liberdade. E dahi as

misérias, a desigualdade, as crises, as revoluções e... o socialismo.160

Segundo Athaíde, as únicas teorias que poderiam ser definidas como socialistas na

contemporaneidade seriam o comunismo e o sindicalismo, embasados nos princípios

filosóficos e econômicos de Karl Marx, formulados no século XIX e, que traria os preceitos

de “luta de classe, materialismo histórico, crises, revolução, lei de concentração, teoria do

valor”, tendo como exemplo concreto à defesa desses valores na organização política do

sistema soviético.

Porém, na URSS, longe de se demonstrar os resultados econômicos e filosóficos

propostos na teoria socialista marxista, país antes apresentado com caracteres pré-capitalistas,

e como ainda o era na sua totalidade, tampouco apresentava solução para os problemas sociais

pela implantação do comunismo. Isto se explicava, segundo o autor, por conta de que não era

pelo viés econômico que as mudanças ocorreriam, que sua explicação não precederia pelo

159

Ibidem, p.66. 160

Ibidem, p. 68.

Page 85: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

84

materialismo histórico. Os seus grandes eventos antecedentes, o Renascimento, a Reforma, a

Revolução Francesa eram exemplos de que as principais mudanças já ocorridas haviam sido

ocasionadas por preceitos religiosos, filosóficos, literário e políticos.

Como vimos, o socialismo representa para o nosso século o que o

liberalismo representou para o século passado. As mesmas esperanças, as

mesmas ilusões, a mesma pretensão de ser a ultima phase, a definitiva, da

historia do mundo, a promessa de resolver todos os problemas sociaes, o

desejo de uma felicidade paradiziaca na terra, tudo que os nossos

antepassados liberaes proclamaram, aos quatro ventos, ha um seculo, os

nossos contemporaneos socialistas, seus sucessores, proclamam hoje nos

cinco continentes.161

Após o Levante Comunista de 1935, este seria, exatamente, um dos aspectos

importantes para a análise da formulação do discurso anticomunista no Brasil, pois seria a

partir da nova configuração política resultante que se desencadearam outras medidas

repressivas contra ‘o novo mal do século XX’.

O comunismo deixou de ser visto apenas como uma possível ameaça das diretrizes do

Partido Comunista do Brasil ou da Aliança Nacional Libertadora. É com o advento da

possibilidade concreta da tomada de poder que a concepção do anticomunismo se reconfigura

em novas medidas e diretrizes para combatê-lo. Inclusive, houve aumento significante do

número de artigos escritos por intelectuais renomados da sociedade brasileira em torno desse

tema em ‘A Ordem’, uma das revistas mais renomadas na formulação do capital intelectual

católico e, responsável pela disseminação e reelaboração desse capital no Brasil na década de

1930.

Neste período, os intelectuais da Revista A Ordem propõem a elaboração de um

discurso anticomunista que requer não apenas a definição do que é o comunismo ou o que é

ser comunista. Agora, em voz mais ativa, o define, e ao mesmo tempo, o identifica e,

demonstra suas principais manobras e táticas, assim como o melhor meio para o combate a

esse sistema político. Menciona ‘o mal do comunismo’ e explicita que este não teria barreiras,

por conta da atuação da União Soviética, o comunismo, não seria identificado com caracteres

próprios da dinâmica política, pois, seus ideais teriam sido reformulados para se enquadrarem

nesse novo contexto.

161

Ibidem, p. 78.

Page 86: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

85

O ideário anticomunista começaria a ser relacionado ao grande perigo e desordem que

procederia da União Soviética e que teria passado a adentrar em vários setores da sociedade e,

esse era o perigo que rondaria através de instituições como o Rotary, a Maçonaria, os

Sindicatos, os Partidos Políticos e as instituições escolares.

2.3.5. O Rotary e a Maçonaria

As mesmas características do comunismo inimigo serão enxergadas em associações

como o Rotary e a Maçonaria. Qualquer associação beneficente que tivesse como objetivo a

ajuda na melhoria social, mas, tivesse um alcance no nível nacional e internacional, estaria

demonstrando maneiras de melhoria social contrárias à moral católica. No caso do Rotary,

essa organização seria apontada como o mal que partira dos princípios imperialistas

estadunidenses.

O alerta se fez por intermédio do artigo de Jesus Saborido que cita o Bispo de Orense:

Rogamos a quantos se orgulhem de ser verdadeiros catholicos, que se

abstenham de inscrever-se e pertencer a alguns desses clubs que se dizem

rotaryos e que, segundo todos os signaes e documentos e testemunhos

fidedignos, e mesmo a juízo e prova de insignes e meritíssimos catholicos e

Prelados da Igreja, não são outra cousa que nóvos organismos satânicos, de

igual espirito e procedencia que o maçonismo, embora procurem disfaçar-se

e apparecer com o cunho de humanitarismo puro e até de caridade christan e

de fraternidade universal, generosa, ampla, e legitima, com que, dito está,

que tal organização rotary, ainda desconhecida em Orense, segundo nos

comprazemos em crêr, é desde logo, suspeita, e deve considerar-se vitanda,

execrável e maldita”.162

Segundo Afrânio Coutinho, no artigo “O Rotarianismo”, um dos motivos apontados

para o perigo da “civilização ianque” era a sua semelhança com o bolchevismo no processo

que levava à sujeição do indivíduo ao coletivo na extinção da individualidade: “Já Lenine,

com seu alto senso profético, aconselhava a americanização da Russia antes de bolchevizá-la,

isto é, como um primeiro passo obrigatório para a sua bolchevização”.163

Portanto, era uma civilização que desprezava todos os valores da vida espiritual,

“utilitarista”, a favor da valorização a toda forma de diversão e tecnologia. Coutinho utiliza,

mesmo, a favor desse argumento a teoria da psicologia em voga dos Estados Unidos, o

162 SABORIDO, Jesus. O Rotary-Club. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 67, p. 114, fev. 1936. 163

COUTINHO, Afranio. Rotarismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 79, p. 529, jun. 1937.

Page 87: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

86

behaviorismo, em que, segundo ele, predominariam as influência externas no comportamento

humano, colocando em segundo as qualidades individuais de cada ser. Assim, o autor acusa o

surgimento do Rotary como consequência desse modelo na sociedade, disseminado por

grande parte daquele país e, agora, adentrando em outros países como fosse uma “indústria”.

Em seguida, o autor lança a pergunta: “e que espirito é esse?” E responde: toda essa

idealização provém da junção da religião protestante e da doutrina filosófica do pragmatismo.

O Rotary era apresentado como uma ação beneficente à sociedade, um civismo que ia de

acordo com o “idealismo primário, totalmente penetrado de ingênuo materialismo dos homens

de negócio do Middle West americano”. 164

Para Coutinho, a doutrina que fundamentaria essa associação eram os preceitos que

defendiam uma moral insubmissa à religião e a “lei divina”. Todos esses preceitos se

baseariam, por conseguinte, na “razão humana, único arbitro de conduta, o que leva a que se

baseia toda a disciplina dos costumes e toda a honestidade nas leis da matéria e da natureza,

bases do acumulo das riquezas e consecução dos prazeres”.165

Essa postura justificaria, para o

autor, o seu posicionamento pragmático.

No enfoque social, o Rotary seria o resultado da sociedade moderna que teria surgido

da influência do pensamento de Spencer e de Kant, culminando no ensino antirreligioso que

propiciou as associações burguesas identificadas com as ideias do “humanitarismo burguês,

de internacionalismo e pacifismo da Sociedade das Nações e de panamericanismo”. 166

Em esplendido e irrespondível estudo sobre o rotarismo, J. Saborido analisa

com acerto o código referido, que se apresenta como uma escola de

aperfeiçoamento moral. Sem uma norma em relação com uma finalidade

suprema, exclusivamente limitada a vida aos âmbitos terrenos (‘duas as datas

em uma pedra funeraria’), que outra lei sinão as da própria consciência

individual e da vontade de cada um, muitas vezes abafadas ou comrropidas,

como diz Saborido, poderá ditar a conduta social? Ai esta justamente o erro

inaugurado no pórtico do mundo moderno pela rebeldia luterana, fonte de

todo o individualismo atual, reforçado pelo jansenismo e culminado nos

nossos dias pelo libertarismo comunista.167

164

Ibidem, p. 531. 165

Ibidem, p.531-532. 166

Ibidem, p.532. 167

Ibidem, p.533.

Page 88: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

87

Todos os preceitos do Rotary se baseariam num valor “imediatista e utilitarista”, sem

uma moral voltada a valores divinos e apenas referenciado pela vida material. O engano de

sua doutrina estaria no disfarce das boas ações, que na verdade desencadeariam em ações

puramente voltadas a uma conduta social pautada por princípios apenas defensáveis em seu

código de ética. Assim, o Rotary recusaria todos os preceitos cristãos e divinos, pois o

verdadeiro bem seria aquele que, no exemplo dos santos, se realiza por desinteresse e

abnegação, algo impossível de surgir por meio do Rotary. Deste modo, o solidarismo do

Rotary serviria para atuar em grupos “impessoais e anonimos, em vez de obedecer ao

verdadeiro mandamento, o amor ao próximo: “assistencia pessoal, a beneficencia coletiva e

social. Ao invês de próximo, todo mundo”.168

E, conforme Coutinho,

Com esta neutralidade e identicos protestos de prescindir da Religião e

mesmo da politica para chegar á paz universal, mediante uma moral laica,

apresentaram-se no seculo passado aquellas sociedades secretas que tantas

perseguições suscitaram contra o Altar e contra o Throno, desde a politica,

onde as fazia fortes, seu próprio internacionalismo. 169

No caso da Maçonaria, deve-se primeiro colocar que no final do século XIX ocorreu

um dos principais embates entre Igreja e Estado no Brasil, resultando na chamada ‘Questão

Religiosa’, devido à influência da Maçonaria no prelado.

A doutrina católica apontava então a incompatibilidade dos princípios em relação aos

da Maçonaria, resultando surgir ataques de parte a parte na imprensa. O Bispo de Olinda e

Recife Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, recém-chegado de Paris, com formação

diferenciada dos bispos do Brasil, trouxe dali os preceitos de romanização difundidos na

época pela Europa. Dom Vital passou então a enfrentar as influências maçônicas na sua

Diocese, medidas que prevaleceram devido ao sistema do Regalismo no Império, solicitando

o afastamento dos ordenados e membros das irmandades que confirmavam vínculo com a

maçonaria. Suas ordens chamaram a atenção do Governo, dominado pelos maçons e Dom

Vital, junto com o bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, foram presos e condenados

à trabalhos forçados.

Por conta disso, Dom Vital se tornou o símbolo de resistência contra a maçonaria e

símbolo de independência da Igreja Católica brasileira, o que nos leva a poder afirmar que a

Questão Religiosa foi o início de mudança frente à necessidade de retomar a autonomia da

168

Ibidem, p.535-536. 169

SABORIDO, Jesus. Op. cit., p. 142.

Page 89: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

88

instituição, tornando possível, também, a implantação das prerrogativas do ultramontanismo

no Brasil, o que resultou na incompatibilidade de ações e medidas da Igreja frente ao Estado

Monárquico.

Portanto, fazer alusão à Questão Religiosa e aos males ocasionados pela Maçonaria se

tornaria um dos temas presentes na formulação do discurso anticomunista católico,

englobados nos males do comunismo.

Segundo Perillo Gomes, no artigo “Maçonaria e as Forças Armadas”, essa instituição

teria contribuído desde o século XIX para a proliferação das ideias filosóficas racionalistas,

naturalistas e materialistas no Brasil. Dessa maneira, se deveria entender que a Maçonaria era

outra associação que, no nível internacional, por meio de suas diretrizes, regia as ações

políticas brasileiras, utilizando-se do mistério para poder planejar e agir na formação das

revoluções que abalaram a ordem social dos últimos tempos. 170

A maçonaria é uma internacional política como o Socialismo e o

Comunismo. Com a differença, porém, de que estas são francas em seu

programma, e declaram abertamente suas intenções. Ao passo que a

Maçonaria occulta sua finalidade politica disfarçando-a com a capa de

humanitarismo de modo a illudir aos incautos.171

2.3.6. O Levante Comunista e a rearticulação do discurso católico

Após a tentativa de tomada do poder pelo Partido Comunista do Brasil na insurreição

de 1935, Tristão de Athaíde lança na edição do mês de janeiro de 1936 da revista ‘A Ordem’

o primeiro artigo da série “Em face do comunismo”.172

Nesta série, ele traz a discussão o “problema comunista”, definido como uma questão

atuante, para a qual roga medidas de combate, na medida em que não seria um problema

passageiro, mas:

Um capital da época presente e da nova idade em que estamos ingressando

[...] um mal que se difunde, principalmente, na América, onde vemos os

exemplos da Revolução Mexicana e as tentativas de disseminação no Chile,

Uruguai, e atualmente no Brasil, tendo êxito no Equador e Paraguai.

Entretanto, prevalecendo devido aos princípios liberais que norteiam essas

170

GOMES, Perillo. Maçonaria e as Forças Armadas. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 57, p. 329, abr. 1935. 171

Ibidem, p.329. 172

LIMA, Alceu A. Em face do comunismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 68, p. 252, mar. 1936.

Page 90: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

89

nações, a falta de firmeza e de convicções religiosas, philosophicas e sociais

[...] dos poderes públicos [...] E a única medida plausível cabe na retomada

de medidas educativas.

Athaíde, inclusive, identifica a aceitação do comunismo pelas suas particularidades de

interesses “às classes populares, à burguesia, às classes intellectuaes”. As classes populares

por entenderam à mudança necessária, devido a esta classe em particular sofrer com as

desigualdades sociais advindas da exploração de uma sociedade burguesa. Já em relação ao

interesse da burguesia e os intelectuais, seria por conta da sua participação no mais novo

sistema político em voga, pois acreditavam, dessa forma, sua adequação a um futuro

promissor e, que já estariam prontos para a novidade política moderna, por acreditarem na

solução das injustiças sociais apenas por meio do socialismo.

Em contradição, as ações de combate ao comunismo seriam melhor explicadas pela

“indiferença”, pelo “medo” que ronda sobre o comunismo ou, pelo “interesse” próprio dos

que se beneficiam com esse combate, em virtude dos seus privilégios de cunho social e

político. Porém, nenhum destes possuiria uma “convicção” própria para que pudesse assumir

um posicionamento de combate sistemático, “(...) se bem que se recusem a qualquer

comparticipação, na luta anti-communista, que represente um compromisso exagerado e

perigoso para a hora em que o vento virar”. Inclusive, Athaíde chama a atenção pelo perigo

dos opositores ao mal do comunismo, cuja objeção não possui uma base sólida que

compreenda o verdadeiro perigo do comunismo, sendo esses os maiores e verdadeiros

opositores ao combate: “Os adversários inconscientes, de dentro, são mais perigosos que os

conscientes, de fora”.

Por conseguinte, o verdadeiro adversário do comunismo seria que estabelecesse a sua

oposição por uma defesa de valores e preceitos:

Temos finalmente os adversarios por convicção. Oppõem-se ao

communismo não por uma questão de pessoas, de posição ou de fortuna,

mas por uma questão de princípios. Procuram estudar o phenomeno

investigar-lhe os antecedentes, descobril-os na própria sociedade actual.

Combatem a esta, em seus males evidentes, e não confundem o anti-

communismo com o conformismo burguez. Sabem distinguir o que ha de

justo, nas reivindicações comunistas, do que ha de pernicioso. Sem, por isso,

diminuírem em nada a sua radical desconformidade com esse falso e

monstruoso ideal social. Nem cessarem, por um minuto, a necessária luta

Page 91: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

90

indefessa e continua, repressiva e sobretudo preventiva contra essa inversão

total da sociedade pela adulteração radical dos princípios em que deve

assentar.173

Dessa forma, Tristão de Athaíde fornece a principal atitude perante o comunismo. Não

adiantaria ser seu opositor, com atitudes conscientes da importância do seu combate,

embasados na defesa dos verdadeiros princípios, neste caso, princípios católicos, os únicos

adequados para o verdadeiro combate aos males da modernidade e, a todos os ideais que

norteiam o comunismo no Brasil na década de 1930.

É neste raciocínio que Tristão de Athaíde desenvolve o segundo artigo “Em face do

Communismo II”, 174

só que dessa vez, deixa claro que o comunismo não se apresenta apenas

como um regime político em prol do econômico. Mais além que um simples preceito

econômico, um sistema como o liberalismo que tem demonstrado mais de um século todo um

regime que disseminou noções também como “filosofia geral da vida”, o comunismo nega

qualquer possibilidade de participação da Igreja na vida social e política, devido ao

antagonismo com os princípios do catolicismo.

Esse é o grande problema que o autor chama a atenção em relação ao perigo

comunista, pois não há quaisquer convergências entre as suas estratégias e dinâmicas com a

Igreja Católica, e isto em um país que possui em seu cerne a tradição católica, o comunismo

aponta que as diretrizes de um sistema político remeteriam a resolução da questão social

apenas pelo viés financeiro, por “um systema econômico não proprietário e integralmente

planificado”.

Como bem define Athaíde, não existiria convergência entre a “sociologia marxista”

em relação a “sociologia catholica”, mas o problema seria simplificar este antagonismo.

Existiria um grande equívoco sobre a verdade da doutrina católica que preza pela igualdade

social, mas que respeita as individualidades, como os “princípios de respeito á Personalidade

e á Família”, assim como em relação ao sentido do comunismo:

Mas o facto é que o phenomeno communista é um phenomeno, ao mesmo

tempo, philosophico, histórico, politico, economico, pedagógico, maçonico,

judaico, etc., etc., e não apenas ou mesmo principalmente religioso. Póde-se

mesmo dizer que, nos meios communistas ou nos meios anti-communistas,

politicos ou sociaes, o problema religioso é apenas um corollario dos demais.

173

Ibidem, p. 259. 174

Lima, Alceu A. Em face do comunismo II. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 69, p. 346, abr. 1936.

Page 92: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

91

Nós é que vemos, com razão, sua importancia fundamental, o que não quer

dizer que devamos reduzir o communismo, como alguns o fazem, a uma

expressão do Anti-Christo ou a uma campanha judaico-maçonica contra a

Igreja. Seria simplificar demais o ambito de phenomeno, do ponto de vista

social, onde suas ramificações e suas origens são muito mais extensas e

complexas.175

Por esses argumentos que o segundo artigo quer deixar evidente que o comunismo é o

resultado das normas adotadas pelo liberalismo e, que os ideais do liberalismo disseminados

pelas nações, desencadearam a desordem econômica, social e política que fez vários países

adotarem preceitos contrários a toda moral da Igreja Católica, nos últimos tempos. Portanto,

Athaíde reforça que o combate ao comunismo deve procurar suas raízes e não apenas ver o

mal no aspecto econômico, pois este foi o perigo que nos séculos XVIII e XIX fora

apresentado pelos contrarrevolucionários.

E neste momento, se mantém as prerrogativas anticomunistas que voltam a remeter o

comunismo como o filho do liberalismo: “Esse materialismo soviético é filho do materialismo

burguês”. Toda essa desordem foi ocasionada devido às diretrizes liberais que abriram portas

para o pior mal do século, ao exemplo da Rússia, que, com sua política expansionista,

disseminou valores de concentração de capital que desencadeou na mesma prática capitalista.

Ambos possuem a mesma finalidade de se projetaram ao sucesso da industrialização com a

valorização da tecnologia. O comunismo possuiria as mesmas prerrogativas do liberalismo,

apenas com pequenas diferenças não relevantes, enfatiza o argumento que o comunismo não

surge devido ao fracasso econômico.

O mais difícil para esse momento é desvendar o inimigo da atualidade, para os

indivíduos como para o Estado, neste caso, fazendo referência a dificuldade de perceber

aonde atua o inimigo comunismo. Por isso, o alerta que se faz no campo educacional para

perceber de como a educação foi um dos mecanismos utilizados na propagação dos ideais

comunistas, principalmente, a referência à sociedade russa.

Para Tristão de Ataíde o Levante de 1935 servira para demonstrar aos “(...) scepticos

da imminencia de um perigo social que havia adoptado, com êxito, a tactica da dissimulação,

175

Ibidem, p. 349.

Page 93: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

92

para despistar os incautos. E com isso poude ser fixado, com segurança, ao menos um dos

inimigos em acção: o Comunismo”.176

Remeter a este assunto não caberia mais numa análise apenas da sua complexidade

teórica, mas refletir sobre os mecanismos de dissimulação do perigo comunista e compreender

que um dos principais aspectos da disseminação desses postulados fora através da via

pedagógica.

A educação passou a ter critérios em favor do tempo, o antigo sendo considerado

como o ultrapassado, e as novas modalidades e diretrizes educacionais sendo os mais novos

métodos da modernidade considerados como os melhores modelos a serem seguidos na

educação brasileira: “Era o passado em face do futuro. O novo passava a ser synonimo de

bom. O tempo, um critério de valor”.177

Contudo, o mais importante seria a “finalidade” na educação, e não apenas ensinar e

educar sem um propósito, como defenderia a educação moderna. Era preciso uma educação

pautada não em critérios da sociedade moderna, porém na “teleologia pedagógica”, a

educação tem que ter uma direção que possamos fornecer “a finalidade da educação”.

Bastava, aliás, um golpe de vista pelo mundo de hoje, principalmente pelas

nações politicamente revolvidas, como a Russia, a Allemanha, a Italia, A

Hespanha, Portugal, a Hungria, o Mexico, etc., para se ver que o problema

escolar se apresenta inteiramente ligado ás condições politicas e ao ambiente

ideológico dominante. Em nenhum desses paizes se vê mais o domínio do

puro liberalismo pedagogico, como entre nós ainda se proclamava ou se

proclama, implícita ou explicitamente. Por toda a parte o que se nota é o

reconhecimento de que o problema pedagógico está ligado ás condições

geraes do Estado e da Vida, de modo que não póde ser considerado apenas

como um problema puramente quantitativo, methodologico ou

cognoscitivo.178

A educação soviética seria apontada por Athaíde como o resultado dessa educação que

não priorizou os objetivos e finalidades educacionais. Uma educação com diretrizes políticas

que favoreceu os interesses do Estado, através do Partido Comunista, a disseminar sua

176

LIMA, Alceu A. Educação e Communismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 69, p. 318, abr. 1936. “Conferencia

pronunciada em maio deste anno, na série de conferencias sobre as directrizes da Educação Nacional, promovida

pelo Sr. Ministro da Educação e Saude Publica, Dr. Gustavo Capanema”. 177

Ibidem, p. 319. 178

Idem.

Page 94: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

93

ideologia. Toda essa educação fora dirigida a classe proletária com os preceitos da pedagogia

comunista sendo pautados no materialismo, por valores externos, onde criou uma própria

“filosofia de vida”, não apenas para o trabalho em si, mas para os elementos que rege a vida

do homem em todos os aspectos.

Desconsiderando as prerrogativas cristãs de melhoria social, a pedagogia soviética

apontou “que a educação é um meio de alcançar um fim superior”.179

As ciências que

norteariam essa pedagogia seriam “o naturalismo philosophico”, ciência natural e social, onde

se despreza todos os valores sobrenaturais do homem. Os preceitos religiosos são substituídos

por uma nova religião que se propaga pelos valores do “trabalho material, a fabricação, a

technica”.

Como uma teoria de ensino voltada para os interesses do Estado, essa pedagogia teria

se apresentado enquanto apenas vinculada aos preceitos do Partido Comunista, com seus

objetivos voltados para a revolução e, onde prevalece a ideia de que a finalidade da técnica e

estar voltada para a produção. Assim, o comunismo seria apresentado por Athaíde novamente,

pelo argumento de que o comunismo provém do mal do capitalismo: “produzir – é a palavra

mágica de toda concepção bolchevista da vida, que ella aliás aprendeu com seu irmão gemeo

rancoroso inimigo – o Capitalismo”.180

Seria então necessário demonstrar pela história da pedagogia que esse mal vem desde

a “deschistianização”, a qual se iniciou a partir do Renascimento e que agora se apresenta

como a decadência da pedagogia da modernidade.

Logo, outro artigo, “A Igreja e o socialismo violento ou moderado” de Paulo de

Damasco,181

traz o esclarecimento de que o socialismo, mesmo o considerado “moderado”,

que seria o socialismo que pregava contra as injustiças sociais nas diferenças de classes e na

negação à propriedade privada, não deveria ser aceito, pois todo socialismo em suas diferentes

categorias traria em seu cerne preceitos contrários ao Cristianismo.

Visto dessa forma, é o comunismo que se adentra nas nações como uma doutrina

“imoral” que vai de encontro aos preceitos: “contrário ao direito natural e á moral cristã”. Foi

reparando nesses aspectos do socialismo, percebendo a essência de injustiça social em uma

sociedade que atua por meio da exploração do homem e da supressão de direitos, que muitos

católicos viram a possibilidade de atuação no campo socialista. No caso, aponta Damasco, a

Igreja imediatamente advertiu desse perigo, conforme Leão XIII: “É como uma peste mortal,

179

Ibidem, p. 320. 180

Ibidem, p. 324. 181

DAMASCO, Paulo. A Igreja e o socialismo violento ou moderado. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 74, p. 31, jan.

1937.

Page 95: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

94

uma seita de homens, que se esforçam, sob os mais variados disfarces, por levar a cabo o

desígnio de destruir os alicerces da sociedade civil (Leão XIII)”.182

Uma das questões em voga na Revista A Ordem era justamente a atração do

socialismo em relação à doutrina católica. Paulo Damasceno chamava à atenção para duas

categorias, “socialismo religioso e socialismo cristão”, na medida em que Pio XI advertira da

impossibilidade da aceitação ao socialismo, e ao mesmo tempo, de que não poderia haver um

bom católico socialista, pois ambas as categorias eram antagônicas. Mesmo qualquer

modalidade de socialismo, até as designadas “moderadas”, iriam de encontro aos preceitos da

doutrina católica, que consideravam o socialismo “materialista e anti-religioso”, conforme Pio

XI reforçara na encíclica Quadragesimo Ano: “declarando que, seja como doutrina, seja como

fato histórico, seja como ação, o socialismo não póde conciliar-se com a doutrina católica,

visto conceber a sociedade de modo completamente avesso á verdade cristã”.183

Assim, o socialismo seria contra todos os preceitos da doutrina católica e dizer de sua

proximidade seria uma das manobras utilizadas pelos comunistas para persuadir os menos

desprovidos do conhecimento cristão. Por isso, urgia a necessidade de recorrer as principais

encíclicas, os documentos que regem a doutrina e seus seguidores a cada tempo de mudanças

e modificações sociais, para que os católicos não caíssem nas armadilhas do perigo comunista

disfarçado em um “socialismo moderado”. Os preceitos aceitáveis no socialismo “a verdade

socialista” não fariam parte da sua doutrina, pois eram preceitos dos quais o socialismo se

apropriara de forma imprópria. Por isso que é indispensável à orientação no Evangelho, a

exemplo de Jesus, seria onde se deveria recorrer para apreender a doutrina católica em caso de

dúvida. O Evangelho é onde estaria todo o sustentáculo e fundamento para compreender as

mazelas das desigualdades sociais, e que forneceria todos os ensinamentos e consolação para

os oprimidos.

É violento o socialismo, sob o nome de comunismo, pugnando a ferro e a

fogo pela conquista do mundo para a utópica implantação de sistema de

governo e de vida, em tudo contrário aos direitos naturais e aos fins

sobrenaturais do homem... A Igreja, hoje como hontem e como sempre,

ainda não cessou nem cessará nunca de gritar a sua energica condenação a

essa espécie de socialismo violento e subversivo.184

182

Idem. 183

Ibidem, p. 32. 184

Ibidem, p. 33-34.

Page 96: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

95

Socialismo e Catolicismo seriam teorias antagônicas, por estarem situadas em duas

esferas, a da política e a da religião, mas que são colocadas na mesma posição por fornecerem

resposta à filosofia de vida, como também para a atuação ou influência no mundo.

No decorrer desse argumento, Paulo Damasceno apresentaria o comunismo como uma

disputa e concorrência à doutrina católica, associado ao perigo da modernidade, o mal que

ronda em todas as esferas da sociedade, um sistema político, que adentra nos setores

educacionais, nos sindicatos, na política, como também fornece certa concorrência na sua

teoria aos preceitos religiosos aos domínios sobrenaturais.

2.3.7. A Guerra Civil Espanhola, o Anarquismo e o Comunismo

Outro aspecto importante na confluência de ideias opostas que caracterizou o período

do Entreguerras foi a Guerra Civil Espanhola (1936 - 1939). Como um dos movimentos mais

expressivos da disputa entre as forças da direita e os grupos da esquerda, esse conflito opôs

liberais, socialistas, comunistas e anarquistas; à direita conservadora, aliada ao Exército, com

o apoio do alto clero da Igreja Católica. A implantação do governo Republicano em 1931,

com a separação entre a Igreja e o Estado, junto a medidas de reforma social favorecendo a

participação de grupos camponeses e operários, foi o estopim da Guerra Civil. Como afirma

Salvadó185

“foi o início de uma era de radicalismo político, extremismo ideológico e crise

econômica mundial nunca antes vistos”.

É neste impasse que o catolicismo permitiu arregimentar e coordenar as forças

conservadoras contra os grupos de esquerda, ajudando a formar a mentalidade social que

fortaleceu o posicionamento dos grupos a favor de medidas nacionalistas, conservadoras e

autoritárias. Com a vitória de Franco a Igreja passou a retomar suas prerrogativas antes

perdidas, como o controle da área educacional, a ajuda financeira por parte do Estado e a

abolição da constituição republicana laica. Fez ressurgir também um governo que contava

com a participação do poder eclesiástico, no que Salvadó definiu como um “catolicismo

nacional”. 186

Ao apostar nos nacionalistas, a Igreja assumiu um papel nos assuntos do

Estado semelhante ao que tinha no século XVI. A publicação pela hierarquia

católica espanhola, em julho de 1937, de uma carta coletiva para os bispos

do mundo não foi apenas a declaração oficial de sua posição partidária, mas

185

SALVADÓ, Francisco J. Romero. A Guerra Civil Espanhola. Tradução de Barbara Duarte. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2008, p. 54. 186

Ibidem, p.177.

Page 97: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

96

também um vital golpe de propaganda. A Igreja confirmou seu papel como

principal propagadora da visão maniqueísta dos nacionalistas a respeito da

guerra e responsável ideológica por sua legitimidade. 187

A Revolução Espanhola então foi um tema também abordado na revista ‘A Ordem’,

muitas vezes, se fazendo referência ao predomínio do comunismo.

No artigo “O Anarchismo na Hespanha” de Aniano R. de La Pena 188

, a origem desse

novo sistema político no país ibérico se deu por causa das ideias anarquistas, porém, não

sendo a única teoria que culminou no surgimento das “doutrinas terroristas” na Espanha. Pena

deixa evidente que esse sistema só foi possível devido à atuação dos governantes, uma vez

que a incapacidade do sistema liberal na legislatura fez com que não se reagisse contra as

tomadas decisivas da República. O anarquismo seria o que predominava na Espanha, porém,

seria importante analisar a política espanhola partindo da difusão das ideias socialistas e

comunistas que tiveram início no século XIX, com sua elaboração nos congressos das

Internacionais.

Segundo o autor, o que se poderia perceber no contexto político espanhol seria a

emergência dos princípios comunistas, segundo a necessidade de analisá-lo “penetrando nas

afinidades da psicologia revolucionaria, ponto de convergência das três Internacionais”. 189

O

anarquismo, o comunismo e o socialismo, as “doutrinas proletárias” seguem a doutrina de

Bakunin, através do “Catecismo Revolucionario” onde estão os princípios dos insurretos:

O anarquista deve conhecer uma ciencia: a ciencia da destruição. Todos os

sentimentos de afeto, de amor, de gratidão, devem ser sufocados na alma.

Dia e noite, seu unico pensamento será a destruição impacavel, terrível,

completa, universal.... 190

Para o autor, o que predomina na Espanha seria o “Anarquismo Revolucionario” que

possui “elementos terroristas” e, por isso mesmo, não se denomina como um partido político,

mas fazia parte do “Partido Internacional Proletario”, se organizando em “celulas libertarias”

que se difundiram através das organizações sindicais em regiões de “pobres e incultos”. Este

teria sido o caminho preparado para a infiltração do proselitismo comunista.

187

Idem. 188

PENA, Pe. Aniano R. de la. O Anarchismo na Hespanha. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 78, p. 421, mai. 1937. 189

Ibidem, p.423. 190

Idem.

Page 98: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

97

Nesse raciocínio, o autor utiliza e faz referência à obra de Cesar Lombroso “Los

Anarquistas” em que se afirma que na maioria dos anarquistas prevalece essa atuação por um

caso patológico de “criminosos comuns” e, pela inaptidão de se adequarem à sociedade:

A maior parte dos anarquistas são indivíduos de cérebro pouco evoluídos,

infelizes alienados em gráus diversos... seres dignos de lastima, aos quais as

influencias do meio (antepassados, família, sociedade...) lançaram ao crime

ou á loucura. 191

Para Pena existiria uma homogeneização da propaganda anarquista quando se observa

as expressões artísticas das obras na Rússia, Espanha, do México e do Brasil. Nestas

produções se pode constatar a precariedade “moral e artística”, como também a inexistência

de valores sublimes e nobres se podendo observar: “o mais hediondo, juntamente com o

comunista, que a maior inteligência judaica não poderia imaginar”.192

O antissemitismo foi tornado um dos pontos importante da análise de Pena, pois se

referindo aos “escrúpulos do judeu vagabundo” – Trotsky –, também alude aos judeus e por

sua vez, aos participantes de trás de toda essa articulação das revoluções internacionais

socialistas e comunistas vigentes:

Sendo o judaismo o mentor deste retrocesso mental, quem deseja conhecer o

espirito aniquilador que o anima, deve-se interessar-se por conhecer o fim a

que tende tanto o anarquismo como o comunismo, assim como os meios

postos ao serviço deste ideial de loucura. 193

A nova situação política com a Revolução Espanhola se deveria, por conseguinte, às

influências e ações do anarquismo que, ao serem permitidas ao país, favoreceram a entrada

das ideias e ações do comunismo. Tudo isto seria consequência do “capitalismo judaico” que

forneceu a base para a “revolução internacional”, assim como a precariedade do sistema

político espanhol, com seus “políticos traidores e criminosos”, antinacionalistas que teriam

permitido desestabilizar o governo e os setores financeiros do pais, somados à ação conjunta

do judaísmo e da franco-maçonaria”. 194

191

Ibidem, p. 425 192

Ibidem, p. 432. 193

Idem. 194

Ibidem, p.439.

Page 99: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

98

A Igreja Católica atuou de modo adentrar na sociedade de forma mais concreta através

da formulação de um capital simbólico e por meio de uma rede de sociabilidade intelectual de

leigos, que forneceu subsídios para todas as demandas da Igreja na sociedade e nos campos

educacional, político e religioso. Este capital foi difundido por meio da Ação Católica, que se

formou como uma instituição dentro da própria Igreja – poderíamos dizer que a Ação Católica

foi a grande solução e a vanguarda no combate contra todo o perigo que os inimigos reais e

fictícios da Igreja poderiam apresentar, principalmente o Comunismo, na questão social.

A Ação Católica se colocou no lugar de discernir o bem do mal, duas forças

antagônicas em que organizou seu discurso onde elencou os perigos da modernidade. As

novas organizações sociais, ou mesmo outras associações não ficaram de fora, como foi o

caso do Rotary e da Maçonaria, que iriam ser apontados como organizações que favoreciam

proliferação das ideias comunistas.

A ameaça vinda por intermédio de qualquer filosofia, religião ou até mesmo alguma

organização social era, por consequência, motivo de advertência à Igreja Católica. O que

observamos nos artigos da revista do Centro Dom Vital – ‘A Ordem’ – foi a preocupação em

deixar evidente quais eram seus inimigos contemporâneos, e alertar, através desse veículo de

comunicação, o mal que seus inimigos de outrora poderiam ocasionar. No caso, o comunismo

foi elencado como a principal face desse mal após o Levante de 1935.

Porém, com a constatação de que o catolicismo e o comunismo eram duas categorias

que estavam em posição de disputa cultural e política foi realizado que o comunismo só

poderia ser combatido por meio de uma linguagem que compartilhasse os mesmos regimes de

estratégias e de ações daquele, logo, surgiria nessa expectativa a rearticulação do

anticomunismo católico.

Depois disso, cabia também organizar a resistência a este inimigo e, salientar que a

desordem tenderia a reaparecer, sempre camuflada, por intermédio de organizações de cunho

internacional. Seria fornecido por meio do comunismo, o exemplo de todo o mal que o

imperialismo, o racionalismo e o anticristianismo poderiam acarretar à sociedade brasileira.

Page 100: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

99

CAPÍTULO III

E o Rio Grande do Norte, que tem na sua historia, tantos martyres da fé e da

Eucharistia só podia ter por Jesus-Hostia um ardente devoção, para se

tornar digno dos seus maiores. Enquanto existirem em nosso Estado almas

capazes de comprehender o heroismo christão dos martyres de Cunhaú e de

Uruassú e de repetir a phrase que santificou a bravura de Mathias Moreira

– “Louvado seja o Santissimo Sacramento” – podemos estar tranquillos que

as portas do inferno não se abrirão para nós nem as milicias communistas

do demonio invadirão os nossos lares e talarão os nossos campos.

Jornal A Ordem, 1937. 195

3. A PRODUÇÃO DO ANTICOMUNISMO NO RIO GRANDE DO NORTE

3.1. O espaço social norte-rio-grandense na década de 1930

Nossa pesquisa revela a conexão da produção nacional da revista A Ordem em

consonância à produção local do jornal A Ordem no estado do Rio Grande do Norte e,

seguiremos nosso exame no sentido apontado por Pierre Bourdieu de: “apanhar o invariante, a

estrutura, na variante observada”196

, buscando compreender e relacionar ambas as escalas de

produção do anticomunismo e da atuação desse campo no espaço social. No entanto, através

da análise empírica das fontes, nos é permitido perceber uma estrutura relacional entre a

revista A Ordem e o jornal A Ordem. Mediante sua análise comparativa podemos afirmar que

ambos os periódicos fazem parte da mesma estrutura, porém, não por serem produções

contemporâneas e ligadas a mesma instituição, e sim, por identificamos a produção de

saberes, práticas e dispositivos como resultados de suas atuações. Em ambos os periódicos se

configura e confirma uma estrutura que percebemos por meio do habitus que define suas

representações sociais.

195

Encerramento do 2° Congresso Eucharistico Parochial de Currais Novos. In: A Ordem, 30 de outubro de

1937. p. 1. 196

BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p. 15.

Page 101: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

100

A estrutura do espaço social católico pode ser compreendida pelo modo com que a

distribuição do capital religioso se dissemina no estado do Rio Grande do Norte em

consonância com a política, através dos mecanismos de produção do campo religioso e

político. Há uma relação de aproximação e reelaboração de um mesmo discurso embutido de

certo capital político e religioso em consonância a um mesmo ideal que é a defesa contra os

postulados do sistema político do comunismo na década de 1930. Podemos entender essa

estrutura na constatação que ambos reelaboram, tanto a Igreja como a política no Rio Grande

do Norte, um discurso anticomunista que o remete a toda a desordem no mundo.

Mediante a análise da linguagem, percebemos a construção do anticomunismo

produzido pela Igreja Católica e, a especificidade do anticomunismo católico construído pela

sociedade norte-rio-grandense. Em cada periódico a construção do discurso anticomunista

tinha propósitos diversos, pois cada um deles pode deve ser compreendido enquanto campo e

subcampo sociais católicos que se encontram em escalas espaciais diferentes e, com

propósitos diferentes em relação ao espaço que estão inseridos. À vista disso, podemos

constatar que o anticomunismo é parte de uma linguagem da Igreja Católica, e em particular

também parte de uma linguagem peculiar da Diocese de Natal. É nesta abordagem teórica e

metodológica que se difere do modelo historicista de análise, que avançaremos na tentativa de

compreender o papel da Igreja norte-rio-grandense no processo histórico, contudo, devemos

afirmar, primeiro, o conjunto de posições da Igreja Católica na década de 1930.

Por meio da análise da variante observamos a correlação que se realiza na invariante.

Em ambos percebemos uma estrutura semelhante que insere o paralelo da produção da revista

A Ordem e do jornal A Ordem, para depois averiguamos o que levou à produção da variante.

Nesse sentido, nossa pesquisa se realiza primeiro ao examinar, por meio do processo empírico

da história comparada, para depois formular a teoria.

Porém, como ambos os processos caminham juntos, exige-se que pensar o prático

teoricamente, elaborando a teoria de modo que se descortine essa estrutura por meio da

empiria, indo à busca de se apanhar na invariante a estrutura dos mecanismos que nos fornece

sua estrutura por meio da história comparada. Perceberemos, por conseguinte, nosso objeto de

pesquisa pela noção de relação das posições de práticas e dos saberes no real, a partir do qual

o catolicismo na década de 1930 tenta reproduzir e se fazer produzir.

Page 102: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

101

O que era o espaço social católico na década de 1930? Podemos tentar responder a

essa questão tentando definir as relações do espaço social católico brasileiro em relação ao

espaço social católico do Rio Grande do Norte. Podemos compreender o anticomunismo

católico produzido nacionalmente ao compreender o anticomunismo católico norte-rio-

grandense. No caso, podemos avançar colocando que este último serviu para dar reposta aos

postulados da maçonaria, do Rotary, do protestantismo, do comunismo e aos opositores

políticos da Diocese de Natal.

Este anticomunismo local apresenta uma ressignificação diferente da apresentada no

nível nacional, pois analisando a Revista e o Jornal, verificamos que os anticomunismos de

cada periódico é diferentes do outro, pois têm finalidades e objetivos próprios. Não são

anticomunismos homogêneos, o que foi apresentado â sociedade norte-rio-grandense teve

finalidades tópicas e, resultou na formulação de um anticomunismo local. Na criação desse

espaço próprio se está também criando uma série de relações que criam uma classe distintiva,

representando algo no jornal que é o antagonista do norte-rio-grandense, definido em

contraposição ao católico, ao nacionalista, ao religioso.

Desse modo, a pesquisa nos proporciona a definir um capital específico do espaço

religioso que podemos retratar como o capital religioso, que é produzido em uma propriedade

relacional, neste caso, percebendo a relação entre o Centro Dom Vital e a produção do jornal

A Ordem, editado pela Congregação Mariana do Rio Grande do Norte. Nessas duas escalas

de produção, o capital religioso é inserido como um traço distintivo, em um vínculo relacional

existente em referência a outras propriedades próprias do espaço religioso católico. A forma

de proceder e estabelecer os mecanismos desse espaço é próprio do meio católico e, este

espaço será determinado através de códigos, premissas, distinções, por diferenças em

determinadas relações e do que significará em cada especificidade.

Entretanto, podemos falar de um tipo específico de formulação de capital, neste caso o

capital religioso. O que é o capital religioso nas fontes? Podemos afirmar ser a própria

formulação de um discurso anticomunista católico por meio da própria instituição, que na

década de 1930 construiu a partir do esforço dos intelectuais leigos católicos, como o Centro

Dom Vital e por meio das diretrizes católicas na política, na educação e na participação dos

sindicatos. Essa concretização de ações foi o resultado positivo, construído gradualmente na

Page 103: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

102

sua propagação pela imprensa católica, em nosso caso de exame, a revista A Ordem e do

jornal A Ordem.

Compreendemos que nos diferentes segmentos da sociedade a distribuição do capital

religioso se transforma no campo político e, assim, é importante perceber o espaço social

católico em suas dinâmicas de produção para determinar relações e posições, e assim

descobrir suas posições sociais naquele campo.

Para isso é interessante lembrarmos ao leitor que a classe para Bourdieu não é

economicista, mas é a tomada de posições. A classe é definida pela posição no social, no

cultural, por meio da sua identificação do habitus. Para o espaço social católico, é necessário

o definir por meio de posições e relações e de sua junção com outro capital específico.

No caso, pensamos que o habitus nos permite definir quem é o católico anticomunista

por meio da análise mútua relacional: como uma determinada classe seria definida pelo

vínculo dentro do campo religioso, a partir de uma relação e posição no espaço social,

perceber-se-ia a formulação do anticomunismo entre os agentes do espaço religioso católico

por conta da construção heterogênea desse discurso, tanto pelos agentes, quanto nas

diferenças espaciais e temporais. Assim, o anticomunismo da revista A Ordem tem suas

peculiaridades que o diferem do anticomunismo do jornal A Ordem.

Nesta construção teórica percebemos o processo eclesiástico como uma dinâmica em

um campo de forças e lutas específico da década de 1930. Para identificá-la é necessário

compreender a dinâmica e as especificidades do espaço social, definir a partir de relações e

posições por meio da identificação dos diferentes capitais.

Que anticomunismo é esse no período de 1930? É anticomunismo ou não? Se sim?

Refere-se a quem, a que? Mediante esses questionamentos, a estrutura do campo religioso

católico no seu microcosmo, em seus próprios objetivos e dinâmicas não se utiliza de uma

análise mecanicista, porém, se esse anticomunismo é utilizado em tal contexto e quais

manobras e se faz emergir em tais problemáticas para identificar e definir o seu adversário do

momento.

Assim, entendemos que o anticomunismo não é apenas um discurso contra o Partido

Comunista ou a ideologia de esquerda, mas, sendo analisado a partir de uma visão

Page 104: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

103

externalista, com a autonomia do campo, podemos chegar à conclusão de que o

anticomunismo é mais parte de uma estratégia e que está localizado num outro discurso.

O que nós trazemos como proposta é a necessidade de rever essas análises

mecanicistas e de apontar a compreensão do anticomunismo católico a partir de uma análise

internalista que considera o espaço social como um de seus elementos formadores.

Doravante, definimos como o nosso espaço social de exame aquele que remete a toda

uma elaboração do campo específico, frente a dinâmicas e estratégias da produção da

estrutura do discurso anticomunista, afinal, “é a estrutura da mensagem que é condição de

realização da função, se há função”. 197

Como nossa análise requer uma dimensão sociológica, a linguagem será perscrutada a

partir de outros referenciais, por isso a importância de conhecer e perceber os microcosmos

sociais do espaço religioso católico. Compreender e perceber a estrutura desse campo, os

próprios significados, as suas regularidades, sua estrutura e termos próprios que se define nas

posições e relações de forças ao campo que se remetem reciprocamente por relações

objetivas: pela análise das lutas, das produções do campo e das inserções é que vai se

propiciar a compreensão do anticomunismo no espaço religioso e deste nas suas variâncias

espaciais, seja no nacional, seja no local.

Por isso é importante refletirmos neste capítulo sobre a importância da Congregação

Mariana em relação ao jornal A Ordem. Suas especificidades e ações como um microcosmo

social no campo religioso nos permitem perceber a produção e participação dos Marianos na

imprensa e na produção intelectual.

A produção anticomunista na revista A Ordem de difere do Jornal A Ordem, apesar do

discurso anticomunista norte-rio-grandense emergir da produção do periódico A Ordem do

Rio de Janeiro. Porém, ambos reutilizaram a produção dos ideais anticomunistas para

propósitos diversos, próprios da localização no espaço social. A utilização desse discurso no

jornal católico serviu para a inserção e domínio da Igreja norte-rio-grandense como ator

político, com fins, lutas e estratégias de poder.

197

Ibidem, p. 60.

Page 105: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

104

A partir desse propósito, podemos entender a aproximação da Igreja com o

integralismo no Rio Grande do Norte, em que foi preciso firmar alianças para a Igreja se

redefinir como ator político no estado, onde se posicionava contra os grupos oligárquicos.

Podemos afirmar que a Igreja no Rio Grande do Norte manteve o esforço de se aliar ao

integralismo, para atuar no campo político. Os novos estudos na área de acordo com o

conceito ‘Fascismo Clerical’198

nos permitiram compreender a relação de aproximação e as

dinâmicas e ações entre Igreja e o regime político integralista que se fez presente no cenário

político da década de 1930, por meio da ideia de colusão e, podemos assim dizer que fez parte

das estratégias políticas à aproximação com preceitos religiosos, e vice-versa, com a

utilização do capital religioso que foi fomentado pela instituição eclesiástica.

FIGURA 2 – ESPAÇO SOCIAL NORTE-RIO-GRANDENSE

Fonte: elaborado pela autora.

O espaço religioso se forma como um espaço de lutas, de disputas de poder, como um

campo de tensões e se insere em vários campos sociais amplos que possuem vários

subcampos que se definem por múltiplas dominâncias expressas no campo do poder. Dessa

forma, só poderemos compreender o campo religioso católico se nele adentrarmos,

198

PEIXOTO, Renato Amado. 'Creio no espírito cristão e nacionalista do Sigma': Integralismo e Catolicismo

nos escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo. In: RODRIGUES, Cândido et al. (Org.).

Manifestações do pensamento católico na América do Sul. São Paulo: Fonte Editorial, 2015. p. 10.

Campo de poder

Campo político

Espaço social norteriograndense

Interventoria

Partido Popular

Aliança Liberal

Integralistas

Comunistas

Campo religioso católico

|

Congregação Mariana

Page 106: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

105

percebendo suas particularidades, pois este possui regras e princípios inerentes a ele mesmo e,

uma lógica própria que se mantém independente dos aspectos externos.

Eis por que, sem dúvida, não há instrumento de ruptura mais poderoso do

que a reconstrução da gênese: ao fazer com que ressurjam os conflitos e os

confrontos dos primeiros momentos e, concomitantemente, os possíveis

excluídos, ela reatualiza a possibilidade de que houvesse sido (e de que seja)

de outro modo e, por meio dessa utopia prática, recoloca em questão o

possível que se concretizou entre todos os outros. 199

No entanto, a identidade é o resultado de práticas. A formação da identidade nacional

não é inventada e nem imaginada, ela emerge a partir das práticas do Estado. Dessa maneira,

a identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930, emerge através das lutas do

período e por meio das ações para enfrentar os seus problemas. A Igreja formulou uma

identidade própria como resposta a toda a problemática local.

As instituições e os intelectuais ligados à Diocese de Natal perceberam a formulação

do capital simbólico nacional. A Igreja que fala dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu hoje não é

igual à Igreja norte-rio-grandense doutras temporalidades, pois observamos na especificidade

da Igreja na década de 1930 uma concentração de capital simbólico local que propiciou

produção de um anticomunismo católico como parte das estratégias de luta e em sua

aproximação com o integralismo.

Assim, pensamos essa atuação da Igreja como meta-estruturante, a partir de dinâmicas

internas dos loci de onde emanou o poder simbólico, caso do Centro Dom Vital e da

Congregação Mariana de Moços da Diocese de Natal. Nesta última se demonstra a formação

de um capital simbólico que emerge a partir da década de 1930, por meio de novas práticas e

processos da Diocese, que culminaram em novas estruturas mentais desencadeando o capital

simbólico que emergiu uma identidade e espacialidade católica a partir da tradução dos

conteúdos intelectuais formulados e incorporados da revista A Ordem.

O capital simbólico é uma propriedade qualquer (de qualquer tipo de capital,

físico, econômico, cultural, social), percebida pelos agentes sociais cujas

categorias de percepção são tais que eles podem entende-las (percebê-las) e

reconhece-las, atribuindo-lhes valor. (...) Mais precisamente, é a forma que

199

BOURDIEU. Pierre. Op. cit., p. 98.

Page 107: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

106

todo tipo de capital assume quando é percebido através das categorias de

percepção, produtos da incorporação das divisões ou das oposições inscritas

na estrutura da distribuição desse tipo de capital (como forte/frágil,

grande/pequeno, rico/pobre, culto/inculto etc.) 200

3.2. ‘A Crise de 1935’ - As disputas para a Assembleia Constituinte Nacional e para a

Assembleia Constituinte Estadual

Neste capítulo analisaremos o problema da produção do anticomunismo no Rio

Grande do Norte examinando suas duas manifestações: a produção da Diocese de Natal, que

foi desenvolvida a partir do ‘anticomunismo católico’; a produção das oligarquias locais,

referente às demandas das organizações familiares. Dessa forma, procuraremos compreender

as diferentes formulações do anticomunismo produzidas no Rio Grande do Norte para

verificar suas diferenças antes e depois do Levante Comunista de 1935, entendido como o

marco para a definição das posições anticomunistas em geral.

A conjuntura política no estado do Rio Grande do Norte é de ruptura com os antigos

grupos oligárquicos da antiga república. A cena política se reconfigura com a indicação de

interventores, na maioria, militares e não ligados à política local. Juarez Távora, na direção

da chamada “Delegacia do Norte”, foi um dos responsáveis em intermediar com as novas

lideranças na incumbência de direcionar e administrar as interventorias em cada estado da

região.

Nesse contexto o estado do Rio Grande do Norte passou por cinco interventores,

Irineo Joffili, Aluisio de Andrade Moura, Hercolino Cascardo Marinha, Bertino Dutra da

Silva e Mário Leopoldo da Câmara e foi um dos estados em que mais houve mudanças de

governo. Podemos afirmar a instabilidade se devia às medidas centralizadoras da nova

administração política que quebrava com a velha estrutura do poder estadual, continuamente

nas mãos dos mesmo grupos políticos desde a queda da Monarquia.

Com vários dirigentes políticos colocados à margem da administração política, estes

passaram a manobrar e restabelecer sua participação no quadro político e, esta possibilidade

surgiu após a Revolta Constitucionalista de 1932 que possibilitou novas diretrizes ao

200

Ibidem, p. 107.

Page 108: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

107

comando político do país e a busca de sua formalização por meio de uma Assembleia

Constituinte, com a volta do regime político presidencialista e com base parlamentar.

Foi na interventoria de Bertino Dutra, o quarto interventor, que surgiu um dos

momentos de maior agitação no campo político norte-rio-grandense: a agitação ocasionada

pela Revolução Constitucionalista em São Paulo fez surgir nos estados o clima de disputa em

relação às eleições para a Assembleia Constituinte que se reuniria entre 1933 e 1934.

A participação do Rio Grande do Norte no apoio ao Governo central fez surgir o

partido ‘União Democrática Norte-rio-grandense’, sob a liderança do Monsenhor João da

Mata e de Gentil Ferreira de Souza enquanto que o partido de oposição ao governo estadual e

central, o Partido Popular, reunia os representantes da antiga força política da Primeira

República.201

Seus principais líderes eram José Augusto Bezerra de Medeiros, Dinarte Mariz

e o ex-governador Juvenal Lamartine.202

Proprietários e dirigentes do poder econômico no

estado defendiam medidas liberais e difundia seu posicionamento político e social por meio

do jornal A Razão. 203

Era uma das manobras de retomada do poder, movida pela insatisfação

contra as diretrizes da revolução e a oposição à atuação de Café Filho como Chefe de Polícia

e líder sindical. De todo modo, na situação e na oposição ao governo, prevalecia à

organização feita com base nos interesses de indivíduos representantes de grupos familiares

tradicionais ou da antiga dinâmica política, enraizada no velho Partido Republicano Norte-

Rio-Grandense.

De acordo com Mariz, o Partido Popular defendia o sistema parlamentarista e o

pensamento de “que não seria reacionário nem revolucionário, mas o Estado conjugado na

defesa de seus legítimos interesses”.204

Assim, a autora afirma que o posicionamento

ideológico do Partido Popular se apresentava de acordo com as circunstâncias, apenas como

forma de angariar prestígio e voto nas eleições. Isto pode ser observado na coligação que

formou visando a Constituinte Nacional, integrada por Francisco Martins Veras, participante

do Governo provisório em Recife, pelo capitão Júlio Perouse Pontes, ex-integrante do

201

MARIZ, Marlene da Silva. Revolução de 1930 no Rio Grande do Norte 1930-1934. Brasília: Senado Federal,

Centro Gráfico, 1984, p.103. 202

MONTEIRO, Denise Matos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Natal, EDUFRN – Editora da

UFRN, 2007, p. 150. 203

MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão. História do Rio Grande do Norte: Império

e República. Natal, Gráfica Santa Maria, 1999, p. 188. 204

MARIZ, Marlene da Silva. Op. cit., p. 104.

Page 109: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

108

governo da Interventoria e que havia liderado os combatentes revolucionários no estado, com

a participação de Alberto Roselli e José Ferreira de Souza, políticos conservadores.

Mesmo os seus dirigentes sendo os antigos membros do Partido Republicano, utilizou

como estratégia um discurso em prol das camadas sociais mais populares como o próprio

nome do partido, sugerindo a conquista de direitos civis para os operários, como também

pregando a abertura para o estabelecimento de novos sindicatos e do cooperativismo.205

Em contraposição, surgiria também o Partido Social Nacionalista do Rio Grande do

Norte, como representante da Interventoria, em oposição à política tradicional representada

pelo Partido Popular. Tendo na liderança o interventor Bertino Dutra e João Café Filho, que,

como figura de destaque na contribuição fornecida à Revolução de 30 no estado, havia se

tornado Chefe de Segurança Pública. Tendo influência dos ideais do Partido Revolucionário

Mineiro e da Legião de Outubro, nos seus objetivos prevalecia o amparo aos direitos das

classes trabalhadoras e o interesse nas questões sociais. Porém, defendia a atuação do Estado

em todos os aspectos da sociedade e, em prol de medidas nacionalistas, muitos de seus

objetivos se identificavam com os princípios defendidos pelo integralismo.206

Uma das exigências para os seus candidatos à Assembleia era a não vinculação à

política local, por isso houve a necessidade de se apresentarem candidatos cujas atividades

políticas se davam noutros estados, tais como Kerginaldo Cavalcanti de Albuquerque, Ricardo

Barreto, João Peregrino e Mário Leopoldo Pereira da Câmara. 207

O clima de instabilidade na política do estadual acarretou que a campanha para a

constituinte carreasse para inúmeras desavenças entre os partidos opositores. A imprensa foi

um dos veículos utilizados para a difamação pessoal e muitas vezes as respostas de

esclarecimentos geravam outras injúrias. Um dos pontos centrais na campanha era quanto ao

posicionamento de Café Filho na política, uma vez que os membros do Partido Popular foram

muito atingidos pelas medidas repressivas tomadas por ele quando estava no comando da

segurança pública e, também porque fora um dos principais articuladores para a derrocada da

política tradicional, na defesa da continuação da atuação dos interventores que não tivessem

qualquer vínculo com a antiga política do estado.

205

Idem. 206

Ibidem, p. 106. 207

Idem.

Page 110: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

109

Contudo, as urnas confirmariam a vitória do Partido Popular elegendo Alberto Roselli,

Francisco Martins Veras e José Ferreira de Souza à Constituinte. Ao lado da interventoria

coube apenas o êxito de Kerginaldo Cavalcanti de Albuquerque. Na verdade, as eleições

confirmaram que não houve mudanças significativas com a Revolução de 30, pois, a antiga

ordem ainda prevalecia.208

Nessa situação continuaram as tensões entre os partidários do

governo central e os do ‘Partido Popular’, devido à conformação do governo estadual não

haver mudado.

A partir dessa nova configuração do poder local, Vargas ampara novas estratégias de

atuação na política do Rio Grande do Norte, como maneira de se aproximar aos membros da

política tradicional para obter prestígio. Diminuindo o predomínio do tenentismo, começa

nomeando para a interventoria Mário Leopoldo da Câmara, potiguar residente no Rio de

Janeiro e funcionário do Ministério da Justiça. Essa seria umas das medidas adotadas como

forma de apaziguar as tensões no estado, indicando um membro de família tradicional na

política do estado, mas, o problema é que ele atuaria na oposição aos antigos grupos do

poder209

.

Seguindo as estratégias e articulações para as eleições, agora, para a Constituinte

Estadual, o Partido Popular apontou como candidatos o Monsenhor João da Matha, João

Marcelino, Aldo Fernandes, Gentil Ferreira de Souza, Bruno Pereira, Coronel João Câmara,

Dinarte Mariz, Pedro Amorim, Joaquim Ignácio e Luiz Antonio. Propondo oferecer apoio à

interventoria e ao governo federal, o partido, em troca, requeria privilégios na política do

estado.

Em contrapartida, Mário Câmara propôs o surgimento de um novo partido que

aglutinasse membros de relevância política no estado, arregimentando tanto o apoio do

Partido Popular quanto de seus opositores, em uma alternativa para que o governo não ficasse

submetido totalmente ao poder tradicional do estado.210

Contudo, não houve acordo para o surgimento de um partido de união, o que fez

aumentar mais ainda o clima de confronto no estado. Somado ao que era expresso dessas

rivalidades pela imprensa, o jornal A Razão se utilizou para denunciar por meio desse

208

Ibidem, 108. 209

Ibidem, 114. 210

Idem.

Page 111: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

110

mecanismo os males do governo, ou mesmo, para reivindicar à volta ao posicionamento na

política. O Jornal A Republica, órgão oficial do estado, respondia a essas acusações e tentava

fornecer explicações dos acontecimentos em voga na sua administração.

Por conseguinte, os acontecimentos que antecederam as eleições de 1934 para a

Assembleia Constituinte Estadual prevaleceram em um clima de disputas que resultou em

agitações, crimes, injúrias e mortes. Outro aspecto era a instabilidade financeira do país que

refletia na economia norte-rio-grandense com a redução das verbas federais para a

continuação das obras de infraestrutura, como as do porto do Alto Oeste e a construção de

estradas de ferro. 211

Outro ponto relevante no clima do período foi à insatisfação dos militares em relação à

interventoria: o comandante da Polícia Militar do estado Ney Rodrigues Peixoto, que havia se

tornado oficial do 21° Batalhão dos Caçadores, declarou oposição ao governo, influenciando

o posicionamento dos restantes dos militares para não fornecer apoio a Mário Câmara.

Outro fator que não podemos deixar de mencionar é que, somada a esta instabilidade

economia e política é o surgimento do Partido Comunista do Brasil (PCB) no estado, e o

início na formalização de sindicatos e, o próprio Mário Câmara já denunciava a presença de

comunistas em Mossoró, Macau e Areia Branca. 212

A cidade de Mossoró por ser considerada a segunda maior na economia do estado e

possuindo maior número de operários, foi a região em que o partido comunista teve maior

êxito de participantes em comparação a cidade de Natal. A participação do partido se dava na

formação de vários sindicatos, principalmente o sindicato dos salineiros. Em Natal, a

presidência dos sindicatos dos estivadores, como também de outras categorias foi conquistada

membros do Partido Comunista. Ficou também a cargo de seus membros a articulação da

formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), instaurada em abril de 1935 no estado.

Além disso, havia a adesão de muitos militares do 21° Batalhão dos Caçadores ao PCB,

principalmente, cabos e sargentos. 213

O sindicalismo no estado havia surgido em meados da década de 1920 quando teve a

maior participação de Café Filho, um dos principais líderes do movimento de sindicância em

211

Ibidem, p. 117. 212

Ibidem, 125. 213

Ibidem, p. 65.

Page 112: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

111

Natal. Com a Revolução de 1930, Café Filho voltou à cena política já como tenente civil do

movimento e passou a comandar a direção de alguns sindicatos, mas vários outros já estavam

sob a liderança do PCB, que se posicionou contrário à legislação sindical criando a União

Geral dos Trabalhadores. Ficando cada vez mais restrita a participação do cafeísmo na cena

sindical de Natal, mesmo assim a sua liderança se firma sobre novos sindicatos criados no

período, como o Sindicato dos Auxiliares de Comercio e a União dos Operários Estivadores,

por conta de sua influência sobre essa legislação.

Por causa disto, seria rejeitada a legalização da Associação dos Trabalhadores em

Salinas junto ao Ministério do Trabalho, fundado desde 1931 pelo PCB, fazendo surgir um

movimento clandestino que passou a ser conhecido como o Sindicato do Garrancho. 214

Portanto, sem acordos entre a interventoria e o Partido Popular e num clima de crise

política, econômica e social, se reinicia a disputa a hegemonia do campo político do estado. A

interventoria lançou o ‘Partido Social Democrático do Rio Grande do Norte’, tendo à

presidência Francisco Martins Veras, que mudara de lado. Café Filho, passou a fazer oposição

a ambos com o Partido Social Nacionalista. Essa situação instável de poder comprova a falta

de domínio da Interventoria para controlar a situação sócio-política do estado. 215

Neste contexto, nova virada na disputa para as eleições na Assembleia Constituinte

Estadual fez unir o partido da interventoria com a representação partidária de Café Filho,

originando outro partido, a Aliança Social. Somava-se ainda na disputa a extrema direita, com

a Ação Integralista Brasileira (AIB), composta por Otto de Brito Guerra, Valdemar de

Almeida e Ewerton Dantas Cortes e a extrema-esquerda, com a União Operária e Camponesa

do Brasil (UOCB) 216

.

Novamente, nas urnas foi vitorioso o Partido Popular com a eleição de 14 deputados

contra 11 deputados eleitos pela Aliança Social. Contudo, contra o resultado das eleições

prevaleceram medidas que contestavam várias candidaturas, ficando a finalização das eleições

para outubro de 1935, devido a ser necessária a realização de Eleições Complementares, que

novamente dá a vitória ao Partido Popular.

214

FERREIRA, Brasília Carlos. Trabalhadores, Sindicatos, Cidadania. Nordeste em Tempos de Vargas. São

Pulo: Estudos e Edições As Hominem; Natal: Cooperativa Cultural da UFRN, 1997, p. 211-220. 215

Ibidem, p. 119-120. 216

Ibidem, p. 123-124.

Page 113: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

112

Dessa forma, formada a Constituinte Estadual, é nomeado novo governador do estado,

o médico e comerciante Rafael Fernandes, candidato escolhido como estratégia política, pois

este não estava relacionado aos acontecimentos vigentes e não fazia parte de nenhum dos

antigos grupos oligárquicos do estado, como maneira de atenuar a reação do governo Vargas à

confirmação do novo governador. Outro aspecto importante era a sua influência na região

oeste, uma das regiões mais expressivas economicamente e que possuía grande influência na

política estadual. 217

Mário Câmara já sentia todas as consequências das medidas que havia tomado par

evitar que prevalecesse a política tradicional, na tentativa de firmar os objetivos da Revolução

de 30. Tanto no âmbito regional como nacional não possuía mais respaldo para continuar com

o seu governo. Vargas já não fornecia o apoio necessário para as resoluções da sua

interventoria, o Exército continuava a prevalecer seu apoio ao partido de oposição. Agora, na

política no Rio Grande do Norte prevalecia novamente a velha relação de poder alicerçada

pelo coronelismo e tendo como respaldo o governo federal.

Em novembro de 1935 é realizada a convocação oficial para a Assembleia

Constituinte 218

onde procedeu a queda do poder da interventoria e da Aliança Social em todas

as ocupações políticas do legislativo e executivo do estado.

Com o afastamento do interventor Mário Câmara por conta de sua ida ao Rio de

Janeiro para tratar de motivos administrativos referentes às eleições do estado, ficou esta a

cargo o diretor da Fazenda do Estado, José Lagreca. Neste período aconteceria a paralização e

greve dos operários da estrada de ferro de Mossoró e, logo após, os salineiros de Macau e

Mossoró aderem à greve. A empresa responsável pelas obras da estrada de ferro propõe

negociação de 50% de aumento e termina a greve.

217

Ibidem, 123. 218

Consultar: MARIZ, Marlene da Silva. Revolução de 1930 no Rio Grande do Norte 1930-1934. Brasília:

Senado Federal, Centro Gráfico, 1984. Candidatos a Câmara Federal: José Augusto Bezerra de Medeiros,

Alberto Roselli, José Ferreira de Souza, Café Filho e Francisco Martins Veras. Assembleia Legislativa no estado

do Rio Grande do Norte: Partido Popular: Mons. João da Matha de Paiva, Francisco Gonzaga Galvão, Capitão

Glicério Cícero de Oliveira, Bel. Pedro de Alcântara Matos, Dr. João Marcelino de Oliveira, Dr. José Tavares,

Dr. Júlio Pimenta Teófilo Régis, Maria do Céu Pereira Fernandes, Felismino do Rego Dantas Noronha, Felinto

Elísio de Oliveira Azevedo, Ezequiel Xavier Bezerra, Dr. José Augusto Varela, Nominando Gomes da Silva e

João Severiano da Câmara. Aliança Social: Des. Felipe de Brito Guerra, Bel. Raimundo Ferreira de Macedo,

Bel. Djalma Aranha Marinho, José Lopes Varela, Sandoval Wanderley, Dr. Cicinato Galvão Ferreira Chaves,

Bel. Gil Soares de Araújo, Manoel Amâncio Leite, Dr. Abelardo Calafange, Benedito Saldanha, Dr. Sebastião

Malte Fernandes.

Page 114: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

113

Para a imprensa local esses atos teriam relação com atitudes condenadas na época por

atitudes extremistas, pois, logo após, eclodiria na Várgea do Açu, anda em meados do ano de

1935, uma guerrilha rural que alcançava regiões próximas como Angicos, Santana do Matos e

Macau. 219

Um dos líderes da guerrilha Manoel Torgado, integrante do PCB, foi preso, porém,

logo foge e retorna as atividades na clandestinidade. Com a participação de aproximadamente

200 homens, a guerrilha da Várzea do Açu seria uma preparação do próprio PCB estadual

para dar início a sua participação ao planejado levante a ser promovido em 1935 no nível

nacional, mas seria finalizada apenas no ano de 1936 220

.

Era um movimento que não estava de acordo com a direção do PCB na região, mas,

mesmo assim, o início da guerrilha foi decidido em reuniões do partido devido às coibições da

polícia local aos trabalhadores do sindicato salineiro. Sendo apenas com a participação de

Miguel Moreira, deram início ao conflito armado influenciando operários da região com a

realização de comícios e distribuição de panfletos. Era uma das ações promovidas pelo PCB

como contestação à colocação da Aliança Nacional Libertadora na ilegalidade.

3.3. A Congregação Mariana dos Moços – Subcampo de representação do Centro Dom

Vital no Rio Grande do Norte

Mais do que nunca, ás Congregações Marianas cabe hoje a missão

nobilissima de preparar as milícias da vanguarda da acção catholica.

Jornal A Ordem – 1935. 221

A Congregação Mariana dos Moços no estado foi fundada por Dom Antônio dos

Santos Cabral em 14 de julho de 1918 no mesmo ano da fundação do Círculo de Operários

Católicos. Era uma data emblemática, pois que também se fundou em 14 de julho de 1933 a

Ação Integralista no Rio Grande do Norte, como afirma Peixoto,222

em uma data relativa a

219

COSTA, Homero de Oliveira. A Insurreição Comunista de 1935: Natal, o primeiro ato da tragédia. São

Paulo: Ensaio; Rio Grande do Norte: Cooperativa Cultural Universitária do Rio Grande do Norte, 1995, p. 70. 220

Ibidem, p. 71. 221

Jornal A Ordem, 2 de outubro de 1935. p. 1. 222

PEIXOTO, Renato Amado. Católicos a postos! A relação entre a Ação Católica e a Ação Integralista no Rio

Grande do Norte até o Levante Comunista de 1935. In: IV Encontro Estadual de História da ANPUH RN, 2010,

Natal. Anais do IV Encontro Estadual de História. Natal: ANPUH-RN, 2010, v. I. p. 4.

Page 115: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

114

Revolução Francesa e contra todos os princípios que foram norteados e defendidos por ela,

ideais em que se faziam presentes os males da modernidade, apontados pela Igreja Católica.

Já o Centro de Imprensa da Congregação Mariana de Moços foi fundado em 30 de agosto de

1932.

Podemos dizer que a Congregação Mariana, junto com a Igreja norte-rio-grandense,

seria um subcampo do espaço social católico. Com a disseminação do pensamento católico

que teve início com a inauguração do Centro Dom Vital no Rio de Janeiro, a Congregação

Mariana dos Moços no estado foi responsável pela reprodução do pensamento católico no

estado na década de 1930.

A contemplação do espetáculo maravilhoso das concentrações marianas, o

desenvolvimento soberbo daquilo que podemos chamar a ideia mariana entre

os moços da nossa Pátria, faz-nos confiar no saneamento moral da nossa

sociedade, voltando aos fundamentos cristãos em que se alicerçava antes da

Revolução Francêsa. Nada poderei dizer de novo neste sentido. Repetirei,

porque é preciso clamar sem cessar, o que vem sendo afirmado não sómente

pelo Sumo Pontifice, pelos seus Bispos e sacerdotes, como também por esses

que acompanham e observam os fenomenos do mundo moderno, sob um

prisma inteiramente alheio ás preocupações de ordem religiosa. 223

A formação da Ação Integralista do estado teve início pela fundação do núcleo de

Natal com membros pertencentes à Congregação Mariana e, todos eles participantes do

triunvirato que liderou a AIB – Francisco Véras Bezerra, Luiz da Câmara Cascudo, Miguel

Seabra. Contudo, deve-se observar que a base deste núcleo na Congregação já fora formada

desde o final de 1929 ou início de 1930, por meio da influência de Severino Sombra e da

Legião Cearense do Trabalho.224

Em sua inauguração foi proferido o discurso225

de Francisco Véras Bezerra que deixou

evidente que a data de fundação, 14 de julho, era uma advertência aos males ocasionados da

modernidade. Francisco Veras clama pelos resultados que ocasionaram com que os valores

que foram difundidos pela Revolução Francesa e que levaram às consequências da liberal

223

PINHEIRO. Justino Maria. O congregado mariano – A sociedade e a Patria. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 84,

p. 440, nov.1937. 224

PEIXOTO, Renato Amado. `System of the heavens’: um exame do conceito de `Colusão’ por meio do caso da

criação do Núcleo da AIB em Natal. Revista Brasileira de História das Religiões, v. 9, 2016, p. 144-145. 225

A Ação Integralista no Rio G. do Norte. In: A República, 14 de julho de 1933. p. 2.

Page 116: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

115

democracia. “Os direitos do homem” como também “a liberdade, igualdade e a fraternidade”

prometiam ao homem uma sociedade como um “paraiso terreal”, mas o que houve, para ele,

foi à transferência do despotismo dos reis para cada indivíduo, o “Governo do povo e para o

povo” que ocasionou no aumento da desordem.

O ser humano passou a não aceitar nenhuma poder, apenas o poder pelo conceito

político, trazendo como resultado à sociedade “instabilidade, inquietação, desordens,

revoluções”. O prevalecimento da razão antropológica em detrimento ao “teocentrismo

medieval” fez prevalecer valores embasados na sabedoria popular desfavorecendo a moral.

A Revolução Franceza, eis o inimigo! Para combater a sua ideologia,

responsável pelo estado de desordem e inquietação que domina o mundo,

aparecemos justamente no dia em que os sectarios do liberalismo costumam

festejar o que eles chamam a queda do “despotismo” e o advento da

“liberdade”: 14 de julho! 226

Sendo bem é definida como “ação social católica no Rio Grande do Norte” a

Congregação Mariana no estado teria sido iniciada pela ideia de D. Antonio Cabral e, caberia

ao seu Centro de Imprensa a formulação e disseminação do pensamento católico no estado. O

jornal A Ordem foi fundado na mesma data, 14 de julho de 1935, data associativa aos mesmos

propósitos da Congregação Mariana e da Ação Integralista no estado. Tinha na presidência

Ulysses C. de Góes, redator-chefe Otto de Britto Guerra, redator-secretário Francisco Veras

Bezerra e gerente Manoel Rodrigues de Melo. Além do papel desempenhado na imprensa

incluía-se sua atuação na formação de técnicos e no cooperativismo. Com esses propósitos os

congregados marianos fundaram a Escola de Comércio e as Caixas Rurais e Operárias.

Ficava a cargo para os “Agentes da A Ordem nos estados” 227

a representação da

revista A Ordem em cada estado, neste caso, Francisco Veras Bezerra, membro da

Congregação Mariana e um dos líderes integralistas, era o responsável pela relação entre a

produção e divulgação da revista A Ordem no estado, como também pelo envio de artigos do

jornal A Ordem para a Revista.228

226

Idem. 227

Agentes da ‘A Ordem’ nos estados. A Ordem, Rio de Janeiro, n. 69, p. 379, nov. 1936. 228

A República, 14 de julho de 1933, p. 1.

Page 117: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

116

A Congregação Mariana é uma instituição de mecanismos funcionais. As ordens

religiosas definem essa particularidade da Congregação Mariana. Os principais membros da

Congregação no estado eram integralistas e participavam do jornal A Ordem. Como a

produção do jornal estava inserida na importância de pesquisar as tomadas de posições de

quem as escreveu, percebemos as exceções e as permanências da produção do campo social e,

constatamos a produção dos agentes interligada a um determinado campo, daí averiguamos o

porquê das escolhas de determinadas obras e produções. Utilizando de tais recursos

percebem-se quais as finalidades das produções e quais os objetivos almejados, ou seja,

compreender com que e com quem a produção dos artigos jornalísticos dialogava.

Identificamos, portanto, essa produção no campo religioso e político e, que este emerge em

um campo intrínseco de forças no espaço social.

Por isso que refletirmos sobre a importância da Congregação Mariana empenhada na

década de 1930 no jornal A Ordem. Suas especificidades e ações como um microcosmo social

no campo religioso nos permite perceber a produção e participação dos Marianos na

imprensa, responsáveis na veiculação das informações e produções de intelectuais nesse

campo.

Falar da Congregação Mariana é remeter ao papel dos jesuítas que tem a participação

particular na Igreja, e dentro do arsenal jesuíta temos a Congregação Mariana no Rio Grande

do Norte. Assim, isto nos faz refletir: por que coube a ela a imprensa no estado? Qual a

relação dos jesuítas com a Igreja Católica? Podemos trazer a hipótese que caberia a este

microcosmo à posição específica para o empenho na função da divulgação do pensamento

católico por meio da imprensa.

A partir desse propósito, podemos entender a aproximação da Igreja com o

integralismo no Rio Grande do Norte: foi preciso firmar alianças para a Igreja redefinir sua

atuação como ator político no estado, onde se posicionava contra os grupos oligárquicos.

Podemos dizer que a Igreja no Rio Grande do Norte mantém um esforço de se aliar ao

integralismo, por onde recebeu a força política para atuar nesse campo do político.

Page 118: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

117

Os novos estudos na área que vão de encontro ao conceito do ‘Fascismo Clerical’ 229

nos permitiram compreender a relação de aproximação e as dinâmicas e ações entre Igreja e o

regime político integralista que se fez presente no cenário político da década de 1930.

Podemos dizer que faz parte das estratégias políticas a aproximação com preceitos religiosos,

ou melhor, com a utilização do capital religioso que é fomentado pela instituição eclesiástica.

3.4. O anticomunismo norte-rio-grandense tradicional antes do Levante Comunista de

1935 no jornal A República

Percebemos que a construção do anticomunismo católico está permeada pelo

pensamento conservador do século XIX e pelas transformações nas práticas e estratégias em

prol de aumentar sua atuação na sociedade. A Igreja Católica no Brasil no século XX se

colocou em posição junto ao Estado como legitimadora da articulação do ideal anticomunista,

responsável pela disseminação e articulação no papel de doutrinadora da sociedade na década

de 1930, principalmente após a Constituição de 1934, que reconhece ganhos da Igreja e

estabelece premissas que vão levar sua doutrina a vários setores da sociedade.

Como bem analisamos, a História Local requer darmos continuidade a pesquisa

compreendendo os ditames da política local para perceber as diretrizes tomadas pelos grupos

políticos norte-rio-grandenses em consonância às demandas ao nível regional e nacional.230

Portanto, parte da documentação utilizada para a elaboração deste capítulo são os jornais

oriundos do levantamento de nossa base de pesquisa, reunidos e digitalizados em pesquisa do

grupo sobre a formulação do anticomunismo por parte da Igreja e do estado do Rio Grande do

Norte. São jornais que remetem ao tema anticomunismo mesmo antes da grande ‘onda

anticomunista’ de 1935, os jornais A Ordem e A República e, às diferentes construções e

definições atribuídas à categoria anticomunismo por cada um destes produtores e do ideário

anticomunista no estado.

229

PEIXOTO, Renato Amado. Creio no espírito cristão e nacionalista do Sigma: Integralismo e Catolicismo nos

escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo. In: RODRIGUES, Cândido et al. (Org.).

Manifestações do pensamento católico na América do Sul. São Paulo: Fonte Editorial, p. 80-104, 2015. 230

PEIXOTO, Renato Amado. Duas Palavras: 'Os Holandeses no Rio Grande' e a invenção da identidade

católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de História Regional, 19, 35-57, 2014.

Page 119: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

118

O jornal A República foi fundado em 1889 sendo representante do órgão oficial do

estado do Rio Grande do Norte. Neste período, como jornal diário, possuía a direção de

Anphiloquio Camara e na gerência João Cirineu.

Portanto procuraremos compreender a formulação do pensamento católico norte-rio-

grandense ao lado da construção do discurso anticomunista das organizações familiares, por

meio do exame da imprensa local, pois entendemos que nosso exame demonstra a existência

de diferentes construções desse discurso, a da identidade católica e a das oligarquias locais.231

Especificamente, compreendemos que esse discurso faz parte de uma estratégia de

produção de espacialidade da Igreja norte-rio-grandense, ligada a uma estratégia nacional e

que exige sua leitura a partir de fontes que ancorem essa percepção, por isso trabalharemos

também a revista A Ordem, do Centro Dom Vital e, procuraremos reconhecer traduções e

colagens do ideário anticomunista católico nacional no recorte estadual. 232

Em relação à produção do discurso anticomunista tradicional podemos verificar em

um dos artigos do jornal A República233

que remete a importância de publicar quais seriam os

motivos que levariam a Ação Integralista no estado a participar das eleições de 14 de outubro

de 1934. Neste artigo fica clara a importância de demonstrar o posicionamento político de seu

propósito de “salvar o Brasil da anarchia” por isso clama a todos participantes que cumpram a

fidelidade “a Deus, á Pátria e á Família” como condição indispensável para o cumprimento

para o ordenamento da sociedade.

Dessa maneira, evidencia quais são seus posicionamentos contrários à defesa perante o

inimigo que não compactua com a ideia da defesa de “Nação”, “Religião” e o “Deus

onipotente”. Por esse caminho que identificam quais são os alvos para o combate. Um desses

é o comunismo que pretende aniquilar as nações para se tornar em um “Estado universal” que

ficará a Rússia a responsabilidade de toda a dominação a este Estado. Outro inimigo é a

liberal-democracia, pois foi a partir do seu surgimento que fez germinar os males acarretados

do capitalismo e dos partidos políticos, pelos valores de desintegração disseminaram a

231

PEIXOTO, Renato Amado. Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no

início do século XX. In: Renato Amado Peixoto. (Org.). Nas trilhas da representação: trabalhos sobre a relação

história, poder e espaços. Natal: EDUFRN, 2012, v. 1, p. 11-36; 232

PEIXOTO, Renato Amado. Creio no espírito cristão e nacionalista do Sigma: Integralismo e Catolicismo nos

escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo. In: RODRIGUES, Cândido et al. (Org.).

Manifestações do pensamento católico na América do Sul. São Paulo: Fonte Editorial, p. 80-104, 2015. 233

Porque a Acção Integralista Brasileira concorre ás eleições de 14 de outubro. In: A República, 5 de outubro

de 1934. p. 6.

Page 120: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

119

discórdia entre os membros de uma mesma nação. Nota-se que se definem não como um

partido, porém em algo superior a qualquer partido político:

Duas forças nos distinguem de qualquer partidos políticos, pois nos colocam

fora e acima de todos eles: o espírito de rígida disciplina e a expressão

espiritual. Nós somos uma milícia e temos uma Fé. Luctamos, acima de

tudo, por uma idéa. 234

Defendem o posicionamento por não se pronunciarem como partido, não estão de

acordo com essa formação política, pois não aderem a movimentos que possam desintegrar a

nação, e um desses movimentos é visto como a formação de partidos que em vez de unir,

desagrega o país em forças antagônicas. Afirma a falta de confiança no voto, “a mentira do

voto universal”, mesmo sendo secreto. Para os integralistas o voto é utilizado pela democracia

liberal apenas uma forma de como “infiltração doutrinária”. Por isso o voto é considerado

apenas uma objeção aos integralistas e por eles será derrotado. “O voto integralista será um

protesto contra o voto liberal”. 235

Como se colocam como um “movimento regenerador” cada voto adquirido nessas

eleições será uma forma de demonstrar a simpatia a essa causa. As eleições de 14 de outubro

serviriam como uma maneira de propagar os ideais integralistas pelo estado tanto na área

urbana como nos municípios. Cada voto conquistado seria uma maneira de expressar o

descontentamento “um protesto” em busca de um país melhor.

Prevalece no voto integralista a inserção de valores espirituais, neste caso se referindo

ao catolicismo, o que chama atenção para uma relação de colaboração entre os valores

católicos e a política. Mesmo tendo sido conseguido pela Constituição de 1934, o

integralismo se encarregará de concretizar esses valores na política do país. Para eles, o estado

liberal estava impossibilitado de concretizar as “reivindicações religiosas” e, seria por meio

do Estado Integralista que fornece a base da “espiritualidade”.

O jornal A República mostrava que uma das medidas em andamento na Câmara era a

promulgação da Lei de Segurança Nacional236

com o objetivo de proteger a nação contra “a

qual elementos dissolventes, ou os que a elles se associam por interesses inconfessáveis, vêm

234

Idem. 235

Idem. 236

O Problema da Segurança Nacional. In: A República, 30 de março de 1935. p. 1.

Page 121: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

120

deblaterando improficuamente”. 237

O jornal salientava que, era um assunto que já

apresentava respaldo de toda a nação, por isso a importância de criar uma lei de defesa contra

os males externos que ocasionavam a desordem do país.

Mas o que nos chama atenção é que, ao noticiar o andamento para a aprovação no

Senado dessa lei se ressalta ser ela de interesse de todos os representantes da nação, para “a

sua própria defesa, e das instituições”, pois se definirá e identificará o inimigo a ser

combatido, para, dessa forma, manter a proteção e a ordem da nação. Seria neste aspecto que

entraria a importância do surgimento da lei para combater os princípios e ações comunistas,

fazendo alusão aos “apóstolos vermelhos”, atitudes inerentes ao pensamento e atitudes da

esquerda no Brasil:

Os que a impugnam estão, declarada ou veladamente, no número daquelles

cujas actividades terão que ser reprimidas a todo custo por nocivas aos

interesses nacionaes em momento tão grave como o que o paiz atravessa,

envolvido pela propaganda extremista. Dos que cultivavam ideologias

estranhas por desporte intelectual, por desfastio ou por snobismo possamos á

exhibição quotidiana de sectarios mais praticos, cujas sementes começam a

medrar. As greves futeis ficaram no cartaz. Manifestações subversivas de

toda ordem entraram a apparecer nos pontos mais diversos do território

nacional como signal de que da indisciplina dos espíritos aos poucos vamos

resvalendo para a propria anarchia no ambiente ambicionado pelos apóstolos

vermelhos para a implantação das suas experiencias revolucionarias. 238

Um importante aspecto que chama a atenção para não a demora na aprovação da lei,

era a de ser entendido que este já era um dos perigos reais no país. Seria necessária a

implantação da lei para a “organização social e política”, pois esse mal se verificaria em todas

as regiões e são coagidos pelos mesmos inimigos. Por meio da Lei de Segurança Nacional se

restabeleceria a ordem combatendo “os maus brasileiros que o assediam” para tirarem seus

princípios inerentes a tradição da nação.

É neste contexto que Otto de Brito de Guerra, um dos membros da Congregação

Mariana e também um dos principais líderes integralistas do estado, escreveria o artigo

237

Idem. 238

Idem.

Page 122: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

121

“Ensaio sobre o Homem” 239

como forma de chamar a atenção do mal do comunismo e do

socialismo, suas formas e maneiras de agir na sociedade. Inicia com a pergunta “Quem é o

homem?”. Otto Guerra explana respostas formuladas pelos filósofos da Grécia Antiga e ao

mesmo tempo refuta que a melhor explicação cabe aos ensinamentos do catecismo “o homem

“composto de corpo e alma, dotado de razão”. Assim, inicia seu artigo defendendo a formação

filosófica do catolicismo para poder rebater os ideais do comunismo. Faz a ressalva das

mudanças inerentes ao ser humano e suas diversidades do bem e do mal, porém, não a uma

mudança onde prevalecesse o valor científico da modernidade. Rebate o pensamento

filosófico do comunismo, quando Lenine e Trotsky argumentam a favor da mudança ocorrida

da subjetividade humana para melhor na fase de transformação do socialismo ao comunismo.

O comunismo não tem o dom de vibração das almas. Fica na superfície, do

lado de fora da vida, ou melhor, para ser absolutamente fiel á orthodoxia de

sua doutrina, penetra em parte e atravez de portas escusas. 240

Nesse sentido contesta a filosofia comunista ao apontar que o comunismo não traria

mudanças positivas ao homem, não o modificaria, afinal, se o comunismo quisesse

transformar o homem utilizaria de outros princípios, pois não há novidade em seus preceitos,

o que Otto Guerra vê é uma ação embasada nos ideais do capitalismo. O comunismo seria da

mesma origem ideológica do capitalismo e se verificaria seus aspectos apenas voltados ao

materialismo “É o próprio conceito individualista, burguez, capitalista, provam-no á

sociedade os espíritos mais illustres. É o mesmo espirito de ambição, de vida fácil, de goso

material”.241

Assim, o autor aponta que o capitalismo só poderia ser combatido por meio de

“um grande movimento politico, que penetre as massas”.

3.5. O anticomunismo católico norte-rio-grandense

O que pensarmos da atuação política da Igreja Católica no Rio Grande do Norte na

década de 1930? Por que a formação de um jornal A Ordem que remete ao mesmo nome e aos

mesmos ideais políticos, sociais e filosóficos da Revista A Ordem do Centro Dom Vital do

Rio de Janeiro?

239

GUERRA. Otto. Ensaio sobre o Homem. In: A Republica, 2 de agosto de 1935. p. 3. 240

Idem. 241

Idem

Page 123: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

122

São a essas indagações que as fontes do período nos fornecem uma busca de

compreender a atuação política e social da Igreja. Compreender seus mecanismos e estratégias

de ações na produção de um discurso anticomunista que permitem adentrar no campo político

e continuar a ser um dos agentes responsáveis na produção do capital religioso.

Esse é um dos aspectos importante da produção do capital religioso na

imprensa católica do estado. Todos os membros responsáveis pela produção do jornal A

Ordem eram membros da Ação Integralista. Podemos afirmar que coube a produção do

pensamento católico a participação dos seus membros no integralismo no estado. Podemos

apontar que a imprensa integralista se utilizava do jornal A República, órgão oficial do estado,

para a disseminação e propaganda do integralismo. Após o surgimento do jornal A Ordem não

se verificou mais a permanência atuante das ideias integralistas e de seus intelectuais no jornal

A República, e o jornal católico passou ser o porta-voz do integralismo norte-rio-grandense e,

ao mesmo tempo, o divulgador do pensamento católico nacional.

Por observar essa função de divulgação, a pesquisa nos proporcionou compreender a

relação intrínseca entre a produção do pensamento católico nacional com a produção de um

pensamento local, na medida em que averiguamos a mesma produção ideológica nos artigos

da revista A Ordem e do jornal A Ordem

Uma das preocupações dos católicos era o medo que advinha das organizações que

tinham representação do comunismo, como a Aliança Nacional Libertadora. Mesmo já

estando colocada na ilegalidade esse vai ser um dos temas que será abortado pela imprensa

católica. Esse artigo242

nos traz a informação da ligação da ANL com os objetivos da III

Internacional Comunista. Podemos nos perguntar o porquê desse assunto ser abordado no

jornal se a ANL já se encontrava impedida de suas funções na política. O que o artigo nos

fornece não é a sua ilegalidade, mas a sua relação com um movimento de cunho internacional,

e neste caso demonstra as manobras de intervenção da III Internacional Comunista.

O assunto se inicia com a notícia de um jornal soviético que traz a relação da URSS

com o Brasil e a China pelo líder comunista Dimitroff, secretário geral do Kominterny,

informando o surgimento de uma “frente única anti-imperialista” nos países ditos “coloniais e

semi-coloniaes”. O Brasil ficou a cargo da implantação através da Aliança Nacional

242

As Ligações da Alliança Nacional Libertadora com a Internacional Communista. In: A Ordem, 6 de setembro

de 1935. p. 1.

Page 124: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

123

Libertadora com os ideais advindos do partido comunista. Assim, adverte que essa

informação é uma das provas irrefutáveis sobre o perigo do comunismo no país o que justifica

o fechamento e sua ilegalidade na nação.

Centro de actividade vermelha, dali se irradiava, atravez de uma campanha

de imprensa evidentemente extremista e, sobretudo, atravez da acção

tentacular dos vários núcleos espalhados pelo paiz, a propaganda das idéas

que teem por objectivo a destruição das conquistas democráticas, no terreno

politico, e dos mais elevados sentimentos Moraes, no campo social. 243

Entretanto, adverte que mesmo que a ANL esteja proibida não significa que estejamos

protegidos desse mal, é necessário ficarmos atentos, como bem demonstra o jornal, a atuação

ilegal que faz parte do comunismo. Logo, devemos nos defender dessas manobras que atuam

“projectadas na sombra, com medidas que ponham o povo em condições de se defender

victoriosamente dos seus botes traiçoeiros”. 244

Dessa forma, a notícia comenta que um dos objetivos do mal do comunismo é a classe

trabalhadora, fazendo que ela passe a acreditar que toda a desordem social, econômica e

política são culpa de governos de viés democrático-liberal. Por isso que se faz necessário a

defesa, utilizando medidas preventivas, que sejam por meio de uma moral e não pelo

“raciocinio” e o “discernimento”.

O Objetivo é crear nas massas um estado de espirito tal que as faculdades do

raciocínio e do discernimento se tornem negativas. Todos os

descontentamentos parciaes são fundidos, assim, num grande descontamento

collectivo de que se faz o aríete demagogigo contra as instituições”. 245

Com esse mesmo argumento em outro artigo246

verificamos novamente os males

acarretados pelas relações internacionais que o governo soviético vem traçando pelos países

"capitalistas e liberais”, pois não identifica apenas uma relação econômica, mais que isso, por

traz dessa relação a III Internacional, com seus “propositos pacifistas”, aproveita para a

disseminação dos seus ideais pelo mundo.

243

Idem. 244

Idem. 245

Idem. 246

Como a III Internacional defende a “paz” entre as nações. O protesto dos Estados Unidos Contra A Rússia.

In: A Ordem, 30 de agosto de 1935. p.1.

Page 125: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

124

Um dos motivos que prova essa situação é a notícia enviada do Rio de Janeiro por via

aérea para o jornal A Ordem, uma nota de reclamação do governo dos Estados Unidos com

relação às intervenções políticas ocorridas em seu país por parte da União Soviética, isso

depois do acordo entre os dois países em novembro de 1933. Membros do partido comunista

estadunidense estavam presente no Congresso da III Internacional Comunista, isso foi um dos

motivos que levou o governo desse país a considerar ter havido uma transgressão do acordo

assumido. O governo dos Estados Unidos considera “recusa ou a incapacidade” por parte da

União Soviética em não tomar medidas que reparem esse mal e considera que poderá

ocasionar “serias consequencias” na relação entre os países.

FIGURA 3 – ‘A POMBA DA PAZ’ – IMAGEM REPRESENTATIVA DA

DIVULGAÇÃO DA PAZ PELA RÚSSIA

Fonte: Jornal ‘A Ordem’ 30/08/1935

O padre Heroncio foi um dos maiores articuladores do anticomunismo católico norte-

rio-grandense neste período. Já em setembro de 1935 nos traz o artigo247

em que deixará

claro, se referenciando aos postulados do comunismo, que este é inimigo da família e da

pátria, utilizando o argumento de Bonald, afirma: “Quando o Estado destroe a família, esta se

vinga destruindo o Estado”.248

Deveria prevalecer a importância de manter os valores

conservadores que exprimem a valorização da família como “laboratorio sagrado” e, como

sendo a extensão da sociedade, por isso a importância da unidade familiar com seus valores

mantidos.

247

HERONCIO, Pe. Inimigos da Pátria. In: A Ordem, 13 de setembro de 1935. p. 1. 248

Idem.

Page 126: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

125

Quaisquer ideias que possam quebrar a organização das “familias legitimas” corre o

risco de perder a ordem social e está prevalecerá na supressão dos valores da nacionalidade. É

a família a responsável pela defesa e provimento desses princípios, assim, “qualquer attentado

contra a organização da família redunda em prejuízo da nacionalidade”.249

Padre Heroncio

demonstra assim que o comunismo é o inimigo da família, consequentemente da nação,

afinal, “assim, se expressa Gogkherg: ‘o partido communista deve substituir a família”. E, por

conseguinte, um dos aspectos do mal do comunismo era a permissão das uniões livres serem

aceitas como casamentos, o divórcio era aceito por qualquer justificativa, como também a

poligamia, o casamento entre pais e filhos e por meio de irmãos.

Outro aspecto que caracterizaria o comunismo seria a permissão do aborto pelo

governo, outro, a liberdade da mulher que não roga mais da autoridade dos pais e maridos.

Heroncio mostra também o exemplo das mulheres da cidade de Saroloff que foram

“nacionalizadas” e, como resultado, as mulheres comunistas haviam passado a ser posse do

Estado sofrendo nas mãos de homens e “aos mais baixos costumes dos selvagens”. Por fim,

faz uma ressalva ao perigo que ameaça ao Brasil, que se faz necessário afastar os “pseudo-

patriotas” que querem ameaçar a moral da família brasileira.

Pensará alguem que os communistas brasileiros são differentes dos da

Russia? Engano. Aliados aos barbaros modernos, os communistas brasileiros

estão ás portas da nacionalidade, aguardando o momento opportuno para o

festim do sangue e da vingança, da obstruição e do saque. Não os demoverá

o respeito á santidade da familia. Inimigos da familia, são,

consequentemente, inimigos da patria. Transfugas da brasilidade vendem-

nos ao inimigo extrangeiro, pelo preço da traição. 250

Padre Heroncio dá continuidade em outro artigo essa argumentação a respeito dos

males do comunismo, agora associados a “offensiva contra Deus”,251

pois, segundo ele, nunca

ocorrera antes de um povo ser contrário à ideia de Deus. A divindade era algo presente em

todos os povos, até os bárbaros possuíam e respeitavam suas divindades.

Heroncio afirma que o comunismo não se declara contrário a figura de Jesus Cristo,

mas se coloca em “guerra de morte” de prontidão contra todos os tipos de crédulos religiosos,

249

Idem. 250

Idem. 251

HERONCIO, Pe. Estultos e blasfemos. In: A Ordem, 6 de setembro de 1935. p. 1.

Page 127: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

126

seguindo a frase de Marx “A religião é opio para o povo”, portanto, somado com os

pressupostos do materialismo de Marx e do evolucionismo de Darwin o comunismo agiria

com o objetivo de extinguir a ideia de Deus.

O mesmo Heroncio argumenta ainda com a fala de Zinoviev, presidente da III

Internacional, que o programa desta se baseia no materialismo científico, logo, esta defenderia

o princípio do ateísmo. Também afirma que Bukarin escrevera que Deus teria que ser julgado

pelos males acarretados na terra. Além do mais, o governo soviético teria sido o responsável

pelo fechamento de “1119 igrejas, 126 synagogas e 122 mesquitas”. Finalmente, chama

atenção para a difusão do ateísmo nas escolas e programas soviéticos como sendo “processos

diabolicos de perversão das almas”.

Em pleno seculo vinte, o mundo assiste a essa revolta contra Deus, e

consequentemente, contra a razão e contra a logica; a esse espectaculo de

blasphemias e maldições, que assombra os dias dos Neros e Dominicanos.

252

Com relação a esse mesmo aspecto, o jornal nos traz o artigo “Communismo e

Atheismo” de padre J. Cabral 253

em que este adverte que os soviéticos estão influenciando o

as convicções do povo brasileiro e, tentando convencer que o comunismo não se apresenta

contrário à religião e que o combate não se faz ao catolicismo, porém, ao capitalismo e aos

capitalistas. Dessa forma que o comunismo, principalmente na região Nordeste, tenta

camuflar que não são ateus, emitem uma imagem que há uma boa relação com o catolicismo

no país. Todavia, fazendo referência ao ateísmo russo e, por meio da propaganda comunista,

apresentam ações que justificam seus posicionamentos antirreligiosos. Assim, descreve os

princípios e medidas utilizando como exemplo o livro “Moscovo sem mascara” de Joseph

Douillet, a repressão às religiões na Rússia descreve três posicionamentos:

1 - Organização de uma propaganda systematica contra a religião; ao lado

desse modo de combate, uma tolerancia absoluta e plena a todo e qualquer

ataque á religião, sobretudo quando se trata de actividades da juventude

communista;

2 - Pressão legislativa e fiscal do Estado contra a Igreja; desse modo se tenta

tornar impossivel o funccionamento regular do culto publico.

252

Idem. 253

CABRAL, Pe J. Communismo e Atheismo. In: A Ordem, 1 de outubro de 1935. p. 1.

Page 128: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

127

3 – Perseguição directa, por via da G.P.U., que mantem e ampara toda

empresa capaz de decompôr ou enfraquecer a religião. 254

Padre J. Cabral deixa evidente e com mais detalhes demonstrando por meio de

estatísticas e de dados dos inúmeros casos de intolerância a religião na Rússia em seu livro ‘A

Miragem Soviética’. O governo fornece subsídios a grupos ateístas como a “Komsomol, a

mocidade communista” e que não pune seus atos “assegura a impunidade de todos os

attentados sacrillegos, quer perpetrado em manifestações publicas, quer effectuados sob certa

reserva”.255

Tudo isto ficaria a cargo da Sociedade dos Atheus Militantes que

desempenhariam um movimento de repressão e de disseminação de princípios para “apagar

da consciencia humana a idéa de Deus, os principios da moral e as noções religiosas”. 256

Os

meios de comunicação de rádio, cinema e, em específico a imprensa da União Soviética que

possui inúmeros jornais e revistas espalhados pelas regiões e, em vários idiomas, são um dos

mecanismos utilizados na disseminação dos princípios ateus.

Pouco depois, Padre Heroncio um artigo que remete a pergunta: “Communismo é

aquillo?”. 257

Fica novamente a cargo desse sacerdote a atribuição de definir o comunismo e

alertar suas causas e consequências no país. “Os attentados communistas” que já se

apresentam no Brasil são um alerta da disseminação das “idéas subversicas” no meio

operário:

Os planos diabolicos de inutilizar serviços publicos, e occasionar a morte a

pessoas, em bloco ou isoladas, é uma demonstração dos processos utilizados

pelos communistas. Tendo o odio por principio e não reconhecendo a Justiça

de Deus, cuja existencia combate, o communismo é friamente criminoso,

comprazendo-se em assistir a agonia de suas victimas. Só está bem quando o

sangue lhe ensopa as garras de terrível abutre. O massacre é o seu

mandamento, o attentado contra a vida e a propriedade o seu credo. 258

Heroncio continua sua argumentação descrevendo o regime comunista implantado na

União Soviética pelo regime bolchevista, enfatizando as inúmeras mortes e fuzilamentos de

operários, camponeses e intelectuais, todos assassinados pelo governo. Também descreve em

254

Idem. 255

Idem. 256

Idem. 257

HERONCIO, Pe. Communismo é aquillo? In: A Ordem, 9 de outubro de 1935. p. 1. 258

Idem.

Page 129: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

128

números os genocídios que acontecem em quase todas as regiões da Rússia. Relata que

10.000 mil operários haviam feito manifestações em Astrakan, em torno de em protesto em

prol dos seus direitos e que destes 2.000 mil tinham sido massacrados. Ninguém escapava da

tiraria do governo bolchevista e isso incluía mortes de crianças, velhos e mulheres.

Padre Heroncio descreve um governo de viés comunista para exemplificar o que seja o

sistema comunista e chama a atenção para o perigo disto acontecer no Rio Grande do Norte.

Seu medo já evidencia a atividade comunista no estado e, adverte contra a infiltração

comunista no meio dos operários do Rio Grande do Norte. Por todos os exemplos de violência

e mortes que o comunismo pode acarretar, padre Heroncio exclama porque ainda havia quem

se deixasse levar a influenciar pelo comunismo. E lamentava que muitos não queriam

enxergar os perigos que o comunismo acarretava, rogando para que os operários não se

deixassem aproveitar, pois “a dictadura do proletário” na Rússia é uma ilusão que na verdade

leva a escravidão, enquanto enriquece os líderes comunistas: “Não é mais licito por em duvida

os intuitos dos communistas. A realidade, a triste realidade, está ahi, a desafiar qualquer

illusão”. 259

Dando continuidade à definição do que seria esse comunismo Emília Pinheiro, no

artigo “Santo Thomaz de Aquino e o Communismo”,260

vem apontar os perigos que rondam a

sociedade brasileira por meio da ANL estar infiltrada com os adeptos do comunismo. Ela

deixa evidente que os ideais comunistas são antagônicos aos princípios do integralismo.

A autora chama a atenção à desordem ocasionada pelos adeptos do socialismo da ANL

no Brasil, principalmente se referindo as desordens confirmadas pela polícia no Rio de

Janeiro, em contraposição a ordem defendida pelos adeptos do Sigma. Sua preocupação era

em relação à disseminação dos ideais comunistas junto aos operários, é neste aspecto que se

estaria ocasionado a desordem, pois os homens estariam a cada dia mais adeptos aos valores

do materialismo e desfavorecendo os princípios cristãos. Acusa com os males ocasionados

pela liberal democracia que prevaleceu na Constituição de 1891 e coloca que a solução do

problema requer que fossem seguidas as orientações da Igreja e os mandamentos da moral da

sua doutrina.

259

Idem. 260

PINHEIRO, Emilia M. M. Santo Thomaz de Aquino e o Communismo. In: A Ordem, 6 de novembro de 1935.

p. 1.

Page 130: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

129

Abandonando o lado politico da questão, e considerando que a Igreja acima

de todo o regimen e partido, a nenhum compete apoiar, se não, pela sua

doutrina, orientar e dirigir os indivíduos que se acham á sua testa (...) 261

Na doutrina social da Igreja, Emília Pinheiro remete a Santo Tomaz de Aquino quando

este profere que ao homem está correto de possuir fortuna, mas esta que o sirva com o

objetivo “requerido para o exercício da virtude”. Chama atenção da desigualdade econômica

existente, com inúmeros indivíduos a sofrer pela pobreza e, pede que os ricos possam na

caridade e justiça auxiliar os menos favorecidos para a sua salvação, aos pobres, cabem a eles

aceitarem a sua condição. Só dessa forma se poderá combater os princípios defendidos pelo

comunismo no meio operário.

Ha paginas inconfundiveis nas Encclicas dos Papas que atemorizariam

muitos egoistas, convencendo-os de que a fraternidade christã, unicamente,

poderá salvar a sociedade do communismo: os ricos auxiliarão aos pobres

que, por sua vez, deverão acceitar a inevitavel desigualdade de condições. 262

No discurso anticomunista que prevaleceu no jornal A Ordem antes do Levante

Comunista de 1935 há a uma ênfase nos males acarretados pelo comunismo, especificamente

ao partido de sua representação a Aliança Nacional Libertadora, das ações da III Internacional

Comunista, e aos países que prevaleciam ao sistema político de viés comunista. São artigos

em que predomina a advertência da insatisfação que se apresentava na forma concreta dos

“bárbaros modernos” e suas influências na contemporaneidade.

3.6. O anticomunismo norte-rio-grandense após o Levante Comunista de 1935

Após o Levante Comunista de 1935, a relação entre a Igreja e o Estado no nível local e

nacional se fortalecem em torno da defesa contra o inimigo comum, o comunismo, pelo medo

de uma nova tentativa de tomada de poder que visasse à implantação do regime comunista. A

insurreição não foi apenas um ato de rebeldia contra o Estado, mas também confirmou a

possibilidade da implantação de um novo regime político, que ocasionaria mudanças radicais

no quadro social do país. Percebemos que depois do Levante Comunista, a Igreja, com a

permissão do Estado, passou a ser a porta-voz doutrinária e ponta de lança de posições

políticas e sociais.

261

Idem. 262

Ibidem, p. 4.

Page 131: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

130

O Levante Comunista de 1935 se apresenta como um marco referencial da produção

anticomunista, pois o Levante se torna o parâmetro para a justificativa de tomadas de posições

políticas com o intuito de prevenção contra o ‘mal’ advindo do comunismo.

O Levante Comunista, em Natal, originou-se no 21° BC (Batalhão de Caçadores),

unidade do Exército do estado. Soldados e cabos ligados ao Partido Comunista, insatisfeitos

com a ordem de sua demissão, com o apoio do partido local e de civis ligados aos sindicatos,

articularam o movimento no próprio quartel, somente enfrentando resistência da polícia do

estado. Autoridades do governo se refugiaram nos consulados estrangeiros. A direção do

movimento tornou-se o “Comitê Popular Revolucionário”, baseado nas normas da ANL, e

articulou planos de dominar o restante do estado por intermédio de três principais “colunas”: a

oeste, em direção a Mossoró, outra a caminho da cidade de Nova Cruz, e a terceira no sentido

da cidade de João Pessoa. A insurreição durou três dias e foi vencida pelas tropas federais

com a participação do “Coronel” Dinarte Mariz.

Além do Levante, outros acontecimentos no Rio Grande do Norte, também teriam

influência, como a Guerrilha da Várzea do Açu de 1935-1936 integrada por trabalhadores

rurais e das salinas, influenciados pelo Sindicato do Garrancho, acabaria sendo derrotada

pelas forças policiais. E a menção à Guerra Civil Espanhola (1936-1939), também se faz

presente, servindo para enaltecer a produção do anticomunismo e do discurso da ordem no

estado, contribuindo para o fortalecimento do desse ideal para a defesa da ordem.

O discurso contra o comunismo no jornal ‘A República’ vem expresso por Edgar

Barbosa em seu artigo ‘Legitima Defêsa’ 263

. Traz a advertência aos perigos que o comunismo

trouxe a nação e os males que podem ocasionar caso o governo não tome medidas autoritárias

para barrar esse mal. Neste contexto, o autor exemplifica que uma das medidas preventivas

foi ao decreto que instituiu estado de guerra durante noventa dias a toda a nação como forma

de evitar novas ameaças comunistas. A ordem vem sendo estabelecida com medidas contra os

invasores “estrangeiros, sem apatia e sem humanidade, cujo destino é atear no mundo em

nome de um credo espurio, a fogueira da anarchia e da miséria.” 264

Reforça que o combate é contra o comunismo no Brasil e só por meio de um governo

forte que possamos restabelecer a ordem cumprindo a lei na defesa dos nossos valores. O país

263

BARBOSA, Edgar. Legitima Defêsa. In: A República, 25 de março de 1936, p. 1. 264

Idem.

Page 132: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

131

vem sofrendo “de um liberalismo excessivo, feito de condescendências, de renuncia, de

esquecimentos fáceis e perdões complacentes”. Toda essa desordem foi ocasionada pelo

governo russo e por seus agentes tentaram espalhar o mal por meio de partidos liberais

democráticos, mas era o socialismo soviético na defesa das ideias de Stalin.

Em summa, a guerra é do Brasil contra o communismo, contra esta praga

nascida no pantano de uma civilização morta e que vem batendo, como esses

phantasmas da meia-noite, á porta de todas as nações. Desse doloroso transe

por que passa o mundo, desse choque entre as forças do bem e do mal, o

Brasil teria de sofrer as consequencias, porque, infelizmente, de todos os

paizes americanos, nenhum havia mais propício á floração das idéas malsãs

do que o nosso. 265

O anticomunismo presente no jornal ‘A República’ está vinculado ao regime

comunista do regime soviético e principalmente fazendo menção aos males do Levante

Comunista de 1935. Uma particularidade encontrada nesse discurso é enaltecer que o

comunismo é o reflexo de um a sociedade que aderiu aos preceitos do liberalismo, na liberal

democracia não há a presença de medidas para barrar o comunismo. Após os acontecimentos

de novembro no Brasil, apesar da complacência que houve por parte de alguns brasileiros,

agora se ver a necessidade de defender os valores da pátria, a família e a religião. Sendo mais

uma justificativa das atitudes do governo na promulgação do estado de guerra ocasionada pelo

o levante dos extremistas e que está servindo para combater o inimigo. 266

Com effeito, o estado de guerra tem servido ao seu verdadeiro fim, pois é da

essencia do regimen não confundir os seus inimigos, réos de uma culpa

tremenda, com os adversarios do governo, militantes de outros partidos,

alguns dos quaes filhos bastardos, mas sempre filhos, do nosso dadivoso

liberalismo. 267

A preocupação é as consequências que possa ocasionar do estado de guerra com a

relação diplomática com outros países, porém, deixa evidente que esse ato do governo foi pela

defesa da nação, não houve qualquer ato de negação a essa atitude de defesa contra o

comunismo e suas influencias soviéticas no país. O principal motivo para o governo foi a

proteção do governo “contra os inimigos externos”. A toda essa desordem ocasionada foi

265

Idem 266

A Situação. In: A República, 3 de maio de 1936, p. 1. 267

Idem.

Page 133: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

132

prevalecida por brasileiros que aderiram aos preceitos da Rússia em desprezaram os valores

da nossa pátria. Foram indivíduos “animalizados” e “salteadores” como Prestes e Livinoff.

Foram elementos que participaram da política brasileira e ao mesmo tempo empenhavam-se

na destruição das “instituições mais sagradas do paiz”. 268

A arma favorita dos communistas é o terror, como o seu credo é o assalto, o

roubo, a destruição da familia, o anniquillamento da fé religiosa. O

communismo não conhece outro clima moral. E por isso, todas as flores da

civilização humana do ocidente são pisadas, despetaladas por esses novos

hunos, cujos symbolos são instrumentos de destruição e não de trabalho,

como elles fazem crêr. 269

Um dos intelectuais renomados Alceu Amoroso Lima continuou fornecendo seu

pensamento anticomunista que também foi expresso no jornal ‘A República’270

. A matéria

fornece sua palestra sobre os males do comunismo divulgada na Hora do Brasil do

Departamento Nacional de Propaganda. A informação nos traz que o mal do comunismo vem

alicerçado e divulgado pelo governo Russo que possui caráter imperialista por meio de uma

“Revolução universal” de acordo com os preceitos orientados por Marx e Lenin. Explana

como alerta os perigos que o comunismo pode adentrar no país, mesmo sabendo que o Brasil

não é campo propício, mas o comunismo com suas estratégias expansionistas e com suas

podem conseguir adentrar no país.

Deixa claro que se o comunismo fosse apenas um partido político não teria com o que

se preocupar, porém, é mais que isso, “o perigo do communismo está em ser uma concepção

total do mundo e uma mystica. Contra isso só podemos obstar oppondo uma outra concepção

total do mundo e uma outra mystica”. 271

E assim, clama para atuação dos preceitos do

catolicismo para o combate a este mal “materialista e athéa”. Só através dos ideais católicos

“espiritual e theocentrica” poderá se proteger contra os postulados de Moscou da sua “mystica

satanica do anti-Christo”.

Para isto, se tornou necessária à produção de uma identidade e espacialidade baseadas

no catolicismo, ancorando regional e nacionalmente, essa produção anticomunista, caso da

268

Velhos Thêmas. In: A República, 29 de março de 1936, p. 1. 269

A União Sagrada. In: A República, 15 de maio de 1936, p.1. 270

Os males do communismo e meios de combate-lo. In: A República, 11 de dezembro de 1937, p. 1. 271

Idem.

Page 134: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

133

produção centrada na elevação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu ao primeiro plano dessa

espacialização. 272

Esse discurso nos chama atenção para o posicionamento em relação ao comunismo, o

perigo iminente que ocasionaria a destruição da estabilidade na sociedade dos valores cristãos.

Logo, se forma todo um aparato de imagens que referenciam o comunismo como o inimigo a

ser combatido, pois este disseminava atitudes desumanas e terroristas, possuidoras de uma

falsa ideologia.

No século XVII com a presença do domínio holandês na região açucareira do Brasil

que ocorreu a intolerância à prática do catolicismo por parte dos holandeses. Durante vinte e

quatro anos do domínio holandês foi possível à transformação social e política na sociedade

que acarretou em modificações também ao culto religioso, pois os holandeses eram adeptos

ao protestantismo reformados. Essas diferenças religiosas ocasionaram na repressão às

comunidades católicas da área. No Rio Grande do Norte, no povoado Cunhaú, Holandeses e

indígenas perseguiram membros da Igreja e seus seguidores. O massacre foi realizado no dia

16 de julho de 1645, quando os aliados dos holandeses entraram na capela do povoado

matando a todos, o padre André de Soveral, que celebrava o culto e mais 69 membros da

comunidade. O massacre teve continuação no dia 3 de outubro quando mataram o padre

Ambrósio Francisco Ferro e seus paroquianos foi à margem do rio Uruaçu. De todos os

martírios a tradição aponta que o mais foi emblemático foi à morte de Mateus Moreira que ao

ser retirado seu coração pelas costas exclamou: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. 273

Como bem sabemos a narrativa dos mártires de Cunhaú e Uruaçu foi reelaborada,

assim como a sua representação, por meio da beatificação de seus mártires. Ao mesmo tempo

em que Padre Heroncio reelaborava a história do Rio Grande do Norte era incluída em seu

discurso a beatificação de mártires de acordo com os males do período, realizando uma

construção história identificando o mal por meio do invasor, o estrangeiro, o protestante e,

também, o comunista.

Padre Heroncio como colaborador do discurso anticomunista continuará sua

contribuição à imprensa católica, só que dessa vez trazendo toda uma problemática que

272

PEIXOTO, Renato Amado. 'Duas Palavras': 'Os Holandeses no Rio Grande' e a invenção da identidade

católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de História Regional, 19, 35-57, 2014. 273

Novena aos Protomártires do Brasil. Centro de Pastoral Popular. Brasília, p. 1.

Page 135: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

134

remete a construção do discurso anticomunista atrelado aos valores nacionais, na formulação

de uma identidade estadual atrelada a valores heroicos da formação dos mártires católicos.

Em seu artigo intitulado “Nobreza de attitude” 274

, padre Heroncio inicia

demonstrando a sua gratidão aos deputados estaduais pela aprovação da lei que celebrava os

mártires: “Em nome de Deus todo Poderoso” aprovada pela Constituinte estadual do Rio

Grande do Norte. Para o autor a aprovação veio em momento oportuno, pois concretizava a

vontade do povo e ao mesmo tempo era uma afirmação contra ao comunismo, sendo “uma

reparação ao crime que se praticou, ultimamente, contra a civilização christã”. 275

Teria sido

uma atitude nobre dos Deputados, pois estes estariam de acordo com os preceitos defendidos

pelo povo.

Quando se quiz implantar no Estado a doutrina sangrenta dos barbaros

modernos, o povo heroico da terra potyguar, revivendo suas gloriosas

tradições catholicas, olhando na curva longinqua do passado as figuras

varonis dos martyres de Uruassú, ouvindo a voz de Mathias Moreno a

exclamar, quando lhe arrancavam o coração: “Louvado seja o Santissimo

Sacramento”, o povo consciente do Rio Grande do Norte pelos seus

legitimos representantes, faz a sua Constituição em nome de Deus! 276

Heroncio aponta também que a retirada do preâmbulo na Constituição de 1891, junto

com a influência do positivismo, ocasionou um atentado à soberania popular, isso demonstra

que a força dos ideais do positivismo não venceu o sentimento cristão da nação, “não

conseguiu separar o sentimento religioso do sentimento da brasilidade”.

Este ato demonstrou sua fragilidade com o desajuste ocasionado, que trouxe o

fortalecimento da doutrina cristã e a certeza que não é possível à política ser guiada sem os

valores divinos. O ateísmo influenciado pelos ideais do positivismo estava prevalecendo sobre

o afastamento dos valores: a “liberdade, a honra, o direito e a justiça se tivesse conseguido

extinguir a fé”. 277

Após quarenta anos das tribulações postas por uma Constituição ateia,

ressurge a nova Constituição de 16 de julho como forma de demonstrar os valores que o país

recebeu desde os ensinamentos dos jesuítas e suas tradições no catolicismo.

274

HERONCIO, Pe. Nobreza de attitude. In: A Ordem, 15 de janeiro de 1936. p, 1. 275

Idem. 276

Idem. 277

Idem.

Page 136: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

135

Padre Heroncio dá continuidade ao combate do comunismo no artigo “Os

formigueiros” 278

. Neste texto o autor demonstra por meio da metáfora de formigas, que em

pequeno estágio de formação dos formigueiros, estas não ocasionam mal ao reino, fazendo

analogia ao mal do comunismo, mas, apesar das advertências e, a não se prevalecerem do mal

que o formigueiro pode ocasionar, com o passar do tempo, esse formigueiro crescer ao ponto

de não poder se reparar os erros ao reino, “Estamos vivendo sobre o formigueiro”, exclamou

Heroncio.

Ele chama atenção para os males do comunismo, sendo necessário que a sociedade

tome medidas preventivas, principalmente as atreladas à educação, como modo de evitar a

disseminação das “doutrinas subversivas que se realizam na sombra”.

O comunismo atira ao mundo os seus tentaculos de pôlvo terrivel, irradiando

sua acção deleteria, minando consciencias, annuviando a razão, abafando os

gritos da logica, destruindo os sentimentos mais puros do coração humano.

Vez por outra, rebentam aqui e além os vulcões do extremismo, como as

lavas margulhadas no seio da terra aflloram em crateras. 279

Os infortúnios do comunismo persistem entre nós e, apesar de todas as medidas

repressão e prevenção, ainda o perigo está a ameaçar, pois, o comunismo apesar da nossa lei,

ainda encontra possibilidade de atuar na sociedade, pois tem suporte na própria legislação do

país, “Precisamos compensar a deficiencia das leis. O futuro da nacionalidade está nas nossas

mãos. Temos o grave dever de evitar que se arruinem os alicerces do nosso patrimônio

moral”.280

Dessa maneira, Padre Heroncio convoca para a luta contra o comunismo por meio

da ação para fomentar de uma “formação christã das massas” que resulte em uma moral

católica que evidencie a “prática dos deveres religiosos e cívicos.

Esse mesmo preceito é reforçado no artigo de Felippe Guerra281

que emite sua opinião

acerca da figura de Mauricio de Nassau, enaltecida na comemoração de sua chegada em

Pernambuco. Guerra faz uma advertência a todos para que isto não seja celebrado, pois ele era

um invasor e estariam rebaixando os valores heroicos daqueles que defenderam a pátria, como

André Vital, Henrique Dias, Felipe Camarão e tantos outros que lutaram contra o invasor.

278

HERONCIO, Pe. Os formigueiros. In: A Ordem, 13 de março de 1936. p. 1. 279

Idem. 280

Idem. 281

GUERRA. Felippe. Merece o intruso Conde de Nassau a gratidão dos brasileiros? In: A Ordem, 17 de junho

de 1936. p. 1.

Page 137: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

136

Segundo o autor a ação de rejeitar o Conde Nassau seria uma prova que o país não admite

mais as influências exteriores, qualquer que fossem, seja até da “Holanda, da Russia e da

China ...”

Quando as fronteiras da Patria sentem, como agora, a pressão de forças

dissociadoras e internacionalistas, representadas pelo communismo e pelo

rotarismo maçonico, é preciso crear uma forte mystica nacional capaz de

manter sempre accêsas as lanternas do patriotismo.282

Segundo Guerra se deveria “comemorar os heróis que lutaram pela defesa dos

invasores e que defenderam e contribuíram para a nossa nacionalidade e manter a unificação”,

pois “As festas de Nassau são anti-nacionaes, anti-brasileiras”. Estes teriam sido “perversos

judeus, gananciosos escabinos, criminosos, vagabundos...” que haviam praticado inúmeras

atrocidades. E Felipe Guerra faz a referência ao Levante de 1935 : “há pouco tempo os

brasileiros sofreram os riscos dessa mesma ameaça estrangeira que propunham sanguinarias,

barbaras, exoticas doutrinas”.

O advento da Guerra Civil Espanhola foi um dos aspectos utilizados na construção

desse anticomunismo. Padre Heroncio283

empresta nova contribuição ao discurso

anticomunista católico estadual ao definir qual era a questão da guerra na Espanha e afirma

que o problema não está nas disputas dos diferentes partidos, mais do que isso, “mas uma

lucta decisiva entre a barbaria e a civilização, entre o predomínio da matéria e o primado do

espirito”. 284

Neste aspecto que está se definindo os rumos da humanidade. Colocam na

posição antagônica entre o bem e o mal. De um lado está toda a formação

das almas pela cristianização de acordo com a ideia de Deus e da

imortalidade da alma. Ao contrário vemos a destruição aos poucos desse

ideal na volta do homem a barbaria ao retorno a selvageria pela valorização

da matéria, a destruição dos valores da família e da sociedade. Neste aspecto

definirá a desumanidade definida pela volta do homem a barbaria com a

aceitação do comunismo na contemporaneidade.

Mais terriveis que os barbaros de outrora são os comunistas – os barbaros de

hoje. Aquelles, pelo menos, eram mais humanos, tinham seus deuses, aos

282

Idem. 283

HERONCIO, Pe. Barbaria e Civilização. In: A Ordem, 2 de agosto de 1936. p. 1. 284

Idem.

Page 138: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

137

quaes sacrificavam nas florestas, não sendo para admirar que destruissem

obras d’arte, patrimonios de civilizações, porque ignoravam seu valor. As

hordas modernas vivem em pleno seculo XX, quando a intelligencia humana

domina os espaços, e no entanto, ateiam fogo aos monumentos,

destransformam em ruinas os feitos do passado, na furia satanica das

destruições. 285

Padre Heroncio roga para que seus contemporâneos lutassem para combater os males do

comunismo, porque se a Espanha fosse perdida o mal viria pelos soviéticos “não mais pelas

ideias e pelo suborno, mas pelas armas”, o mal invadiria as nações. O autor afirma ainda que a

derrota do comunismo na Espanha serviria de exemplo aos demais países para o mal da

ameaça comunista:

Que a lição da Espanha nos sirva de advertência ao perigo que os deputados

espanhóis de esquerda tentam influenciar no nosso governo. Ameaçados

ainda pela barbaria, unamos-nos contra o communismo, pela pratica dos

ensinamentos christãos, para que não cheguemos ao extremo de precisar

defender com sangue a nossa civilização. 286

3.7. A formação da identidade católica no Rio Grande do Norte

Neste mesmo contexto se encontra a discussão da homenagem a Mauricio de Nassau.

Era uma maneira da Igreja norte-rio-grandense se projetar na busca de definir uma identidade

no estado. Com esses propósitos foi dado início a formação dessa identidade por meio da

utilização dos postulados da modernidade como afirma Peixoto:

Neste sentido, deve-se lembrar que obra de Paulo Herôncio originou o

esforço rumo à beatificação e canonização dos mártires de Cunhaú e Uruaçu,

reorganizando a compreensão do conhecido episódio da ocupação holandesa,

dos idos coloniais, enquanto reação contra o regionalismo centrado em

285

Idem. 286

Ibidem, p. 4.

Page 139: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

138

Recife, os protestantismo, a maçonaria, o liberalismo e as posições de

esquerda em sua época”.287

Se fazia necessário na década de 1930 se firmar as questões política, social e moral no

Rio Grande de Norte, a Igreja Católica do estado foi a responsável pela formação identitária

como forma de superar a Crise de 1935288

no estado. Coube a Igreja formular essa identidade

baseada nos preceitos do catolicismo, atrelados aos seus posicionamentos políticos e sociais,

principalmente, no processo de formação pela ‘colusão’ com os princípios defendidos pelo

integralismo. Toda essa preocupação na formação identitária resultou, consequentemente, na

produção do espaço católico do Rio Grande do Norte, no sentido que compreendermos como

a formação de uma espacialização. 289

A categoria espacialização se define como uma relação

entre vários espaços, neste caso, a relação entre o local e o nacional, por um processo

constante de reelaboração do espaço em que reafirmam por meio da formulação de

identidades, de forma ativa e reflexiva. A categoria espacialização se concretiza através da

identidade. Como afirma Peixoto:

A espacialização seria uma operação em que vários espaços e tempos foram

tomados conjuntamente – outras espacializações, locais, regionais e

nacionais. O sentido da espacialização não é apenas passivo ou dirigido, mas

ativo e também reflexivo. Toda espacialização é uma des-espacialização e

uma desconstituição de outras espacializações precedentes ou

contemporâneas e que, enquanto desloca – ativa e masculinamente -, a

espacialização também recebe e concebe – passiva e femininamente -,

possibilitando-se, deste modo, o deslizamento do tempo para a alocação do

inventado, fabricado ou reelaborado – o Mito. Assim, a espacialização é a

operação em que vários espaços e tempos locais, regionais e nacionais são

conjuntamente tomados/recebidos. 290

A Igreja norte-rio-grandense, em menos de um ano, após o Levante de 1935, se

posicionou espacialmente na região do oeste potiguar com o surgimento da Diocese de

Mossoró no ano de 1936, com D. Jayme Câmara sendo seu primeiro bispo.

287

PEIXOTO, Renato Amado. Por Deus, pela Pátria e pelo Rei – Os Holandeses no Rio Grande do Norte e a

fabricação dos conceitos acerca do espaço na década de 1930’. Revista de História Regional, v. 20, p. 398-414,

2015. 288

PEIXOTO, Renato Amado. Op. cit., p. 1. 289

PEIXOTO, Renato Amado. Op. cit., p. 401. 290

PEIXOTO, Renato Amado. Op. cit., p. 398-414.

Page 140: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

139

Além da importância dos aspectos econômicos e sociais dessa região, Mossoró era

também o núcleo de formação do Partido Comunista no estado, o que vemos a justificativa da

escolha do local para a nova expansão diocesana no Rio Grande do Norte. A criação de novos

espaços diocesanos já era uma preocupação por parte da Elite Eclesiástica e este pode ser

promovido. Com o respaldo do governador Rafael Fernandes, a Igreja norte-rio-grandense

pode articular as primeiras medidas em relação a sua fundação, resultando na aprovação pela

Assembleia Legislativa do estado de uma lei que determinou o orçamento para a construção

do patrimônio diocesano na cidade de Mossoró.

Como bem sabemos a região do Alto Oeste norte-rio-grandense onde se localiza a

cidade de Mossoró foi também o local de formação dos primeiros núcleos do PCB, assim

como também dinamizou a influência desde partido na formação de vários sindicatos, como o

apoio dado aos operários salineiros da região. O artigo ‘Mossoró e o operariado’291

vem

demonstrar a atuação da Igreja em contestar a influência do comunismo e a divulgar suas

consequências em greves e reivindicações ocasionadas pelos sindicatos.

Entendemos que o propósito por parte da Igreja em se firmar frente às demais regiões

do estado era uma preocupação de poder melhor intervir nas decisões políticas, bem como

confirmar sua autonomia e influência. A Igreja buscou construir dioceses e outros núcleos que

correspondessem com as demandas do estado, para trabalhar no sentido de constituir uma

maior articulação com o poder numa das principais regiões do estado. A participação na

dinâmica política passaria, portanto, a ter um agente político em Mossoró, que estaria

incumbido de se firmar sua ação doutrinária nos ditames católicos.

Dessa forma, entendemos que a Igreja se projetou espacialmente como forma de

dominar as principais regiões do estado, articulando os novos espaços diocesanos em relação

aos antigos espaços políticos, o que levou a uma maior intervenção eclesiástica na

administração, como estratégia de melhor dominar e expandir sua atuação no poder.

Como resultado, se organizou melhor espacialmente na configuração territorial do

estado, traduzindo um processo já em curso no nível nacional, a Expansão Diocesana, e

encetando sua presença nos principais núcleos econômicos e de liderança política, o Seridó e

a região de Mossoró, com isso, a Igreja norte-rio-grandense se tornaria, doravante, um ator

político atuante e relevante nas principais questões políticas do estado. 291

Mossoró e o operariado. In: A Ordem, 1 de julho de 1936. p. 1.

Page 141: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

140

O artigo vem demonstrar que, com a participação de Dom Jayme Câmara como bispo

da Diocese de Mossoró, os objetivos e impactos alcançados nessa cidade após a intervenção

eclesiástica com a fundação do Primeiro Circulo Operário Catholico São José e o surgimento

de uma Capela num bairro operário, em reverência a São José. Assim, o autor define a

influência do comunismo na região atrelada ao descaso que a população dessa região sofreu

nos últimos anos.

O communismo não é só questão de degenerescência, de malvadeza. É

muitas vezes – e esse era o caso do operariado mossoroense, uma resultante

do abandono, da ignorancia, um phenomeno de dôr, de desespero, pelo

desprezo votado a uma classe laboriosa e digna. Cura-se mais pelo amôr do

que pela violência, portanto, pela religião de Christo, que foi operario. 292

A Igreja se auto afirma como a única que possa reverter à situação dos comunistas no

estado. Cabe apenas a ela pela sua doutrina a reparação do erro dos operários de terem

pertencido à doutrina de subversão. A Igreja conseguiu aos poucos afastar as influências do

comunismo realizando como “o antigo communista se transforma, innumeras vezes, num

decidido apostolo christianismo”. 293

O próprio estatuto do Círculo Operário Catholico São José vem expresso no jornal 294

A Ordem, nos chamando a atenção para os objetivos e as normas dessa intervenção, como

também para demonstrar que a Igreja não se comporta de forma indiferente à vida operária,

pois a instituição teria a preocupação de manter e preservar as boas exigências sociais para

essa classe. Uma de suas ações seria a criação do Círculo Operário que dá respaldo e apoio as

exigências da classe operária. Pelas obras sociais que a Igreja manteria as boas relações com

essa classe, e ao mesmo tempo cumpriria o seu papel de articulador da bondade e da boa

moral na sociedade. O autor deixa claro que o catolicismo não é uma religião apenas para os

ricos, pelo exemplo de Jesus Cristo prevalece mais a sua finalidade em direção aos menos

afortunados. Os Círculos Operários também estariam difundidos em todo o país, pois esta era

292

Idem. 293

Idem. 294

Diocese de Mossoró. Sum mula dos Estatutos do “Circulo Operario Catholico de São José, de Mossoró. In:

A Ordem, 6 de março de 1937. p. 1.

Page 142: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

141

uma das medidas encontradas para a aproximação da Igreja em relação aos operários: “A

questão operária não interessa somente á caridade, mas também à justiça”. 295

Os “Principios básicos” dos Círculos Operários eram encíclicas “Rerum Novarum, de

Leão XII e Quadragesimo Anno, de Pio XI”296

, apontadas como os pilares para a

concretização da questão social. Um desses princípios buscaria, exatamente, o “repudio á

lucta systematica e violenta de classes” 297

, não podendo ser adeptos dos Circulos Operários

os que estivessem participando nos movimentos de esquerda:

Não pode continuar como socio o que adopta principios extremistas, como

communistas, socialistas, os filiados a seitas ou associações secretas, o

indisciplinado, o condemnado por crime infamante, o que se torna indigno

por seus actos ou se mister de vida, o que procura illudir a Directoria ou

tratar por conta da associação pessoas estranhas a ella, emfim o que trahir os

ideaes da classe. 298

Um dos objetivos dos Círculos era a integração da vida social e cultural do operário à

doutrina católica e além disso previa a associação mútua pelo cooperativismo, na criação de

sindicatos católicos. Assim, vejamos estatuto:

1) Cultura catholica, intellectual, moral, social e physica, por meio de escolas,

conferencias, etc.

2) Assistencia social carinhosa e efficiente nas officinas, escolas e lares;

5) Promover o syndicalismo catholico e cooperativismo genuíno;

7) Combater o communismo, pela diffusão da verdade. 299

A virada para a questão social, neste período, será uma das mudanças e estratégias

utilizadas pela instituição eclesiástica, para a defesa dos ideais católicos contra o sistema

comunista. Padre J. Cabral300

dará novamente a sua contribuição para o anticomunismo

católico analisando a importância da massa na sociedade, onde os ideais comunistas

prevalecem ao operariado. Ele chama a atenção para o mal do comunismo, que utiliza a essa

classe em específico para a “subversão completa da sociedade” e, para a disseminação da

295

Idem. 296

Idem. 297

Idem 298

Idem 299

Idem. 300

CABRAl, Pe J. A Igreja Catholica e a questão social. In: A Ordem, 30 de abril de 1937. p. 1.

Page 143: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

142

desordem social e política pela revolução comunista. Nesse sentido, Cabral coloca a situação

em duas posições antagônicas Roma e Moscou:

Dia a dia a separação dos campos sociaes e politicos se extrema e se definem

dois grupos antagonicos, entre os quaes não pode haver meio termo nem

contemporização alguma: o catholicismo e o communismo – Roma, séde do

vigario de Jesus Christo, e Moscou, onde assenta a tenda dos ministros da

Anti-Igreja. 301

Para padre J. Cabral, não bastava mais apenas o assistencialismo com projetos de

caridade para auxiliar aos operários. Para alcançar os objetivos de afastar as influências do

comunismo, “nas mãos dos propagandistas incendiarios e dos agentes da internacional”, a

Igreja teria que possuir novas estratégias com ações que interviessem diretamente em de

auxílio à vida do operariado, para que este pudesse obter melhoria em seus recursos com o

respaldo dos ensinamentos da moral cristã.

Portanto, segundo Cabral, a encíclica Rerum Novarum, que seria a base que todos os

cristãos teriam para os acontecimentos da modernidade teria de ser pensada por meio da nova

situação do operariado, por isso fora formulada a encíclica Quadragessimo Anno, no intuito

de melhor orientação aos cristãos sobre a questão social com a formação das organizações

dos operários. É a Igreja que forneceria, por conseguinte, a solução para os males da

contemporaneidade contra as “tendencias anarchicas e entregue aos elementos de subversão

da ordem publica”. 302

Noutro artigo, ‘Maçonaria e Comunismo’, a maçonaria seria associada ao comunismo

e identificada como tendo os mesmos propósitos, seja no amparo fornecido desde o início a

guerra civil espanhola, ou, dando apoio à “sovietização da Espanha”.303

Através do jornal “O Século” de Lisboa, seu autor, evidencia a relação de um

espanhol, membro da esquerda, Fernando de Los Rios, ao companheirismo “das forças do mal

da Frente Popular do Sr. Largo Caballero”. Evidencia que é a “maçonaria francesa” que

fornece todo apoio até em armamentos e munições por contrabando à Espanha. E afirma que a

maçonaria esteve presente desde o início da revolução comunista.

301

Idem. 302

Idem 303

Maçonaria e Communismo. In: A Ordem, 11 de março de 1937. p. 1.

Page 144: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

143

Foi a maçonaria francesa – escreve “O Seculo” que deu a voz de rennir. Foi

ella que agitou essa poderosa e amoral organização internacional sempre

prompta a promover a desordem e a empregar todos os meios, desde os mais

violentos aos mais covardes, para impor aos povos o seu jugo e levar ao

triumpho os seus interesses, que se fixam em todos os ramos da actividade

humana e pretendem vencer, onde quer que irrompam, quer para a conquista

do poder, quer para os diversos fins moraes, politicos e sociaes. 304

Noutro artigo, ‘O Rotary e a Igreja’ salienta-se que outras instituições como o Rotary

atuaram também na ajuda mútua e na intervenção em outras nações no que envolve a questão

social. O Rotary continuaria a ser uma das noticias que prevaleceria, inclusive, em relação ao

discurso anticomunista no jornal A Ordem. O autor chama a atenção do leitor para o Rotary

como algo suspeito para a Igreja devido a “sua moral sem Christo e pelas sympatia que a

maçonaria lhe devota” 305

.

O autor demonstra que a imprensa católica de Natal estaria fazendo uma campanha

contra seus adeptos na cidade e que tem o apoio dos demais órgãos católicos como a revista A

Ordem e a revista espanhola Razon y Fé, além do jornal A Tribuna de Recife306

. A maçonaria

como entidade de nível internacional seria relacionada com o Rotary, utilizaria dos objetivos

do rotaryanismo como uma das estratégias na efetivação aos princípios da maçonaria pelos

vários países: “Também já disse o Osservatore que o Rotary tem laivos de protestantismo e

maçonico”. 307

Não é possível ser bom catholico e bom rotariano. O Rotary prescinde da

religião para elaborar a sua moral. A questão é o gosto de servir. Não se

lembra que a maçonaria ( e alias o proprio proprio conferencista da ultima

semanal entre nós reconhece) usa linguagem e methodos parecida:

fraternidade, philantrophia... para despistar. 308

Tanto como na Maçonaria, o Rotary também teve participação de sacerdotes da Igreja,

por isso a campanha também se faz tanto aos leigos como os pertencentes ao catolicismo, a

advertência para a não participação nesta entidade é um das estratégias utilizadas para evitar

304

Idem. 305

O Rotary e a Igreja. In: A Ordem, 17 de abril de 1937. p. 1. 306

Idem. 307

Idem. 308

Idem.

Page 145: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

144

da maçonaria alcançar seu êxito. O autor avisa que ainda não existia uma condenação formal

da Igreja em relação ao mal do Rotary como já existia da maçonaria, porém muitos bispos já

haviam se pronunciado contra os perigos que poderia causar. Assim, faz o apelo para os que

desejem o melhoramento da sociedade que possam se integrar aos preceitos e a participação

na Ação Católica.

Mais um dos pontos indispensáveis que verificamos na formação da identidade norte-

rio-grandense aconteceu na cidade de Currais Novos, localizada na região do Seridó com a

programação do 2° Congresso Eucarístico Paroquial de Currais Novos. Este iniciou no dia 27

a 31 de outubro de 1937 e as notícias que informam sobre a sua realização deixam claro que

um dos seus motivos era a luta contra o comunismo.

Tendo a liderança do padre Heroncio, o Congresso Eucarístico contava ainda com um

hino cuja letra era de sua autoria. Este hino remete à questão dos valores nacionais atrelados a

tradição católica e que a continuação desses valores sejam orientados no lar, na escola, no

quartel, no campo e nas oficinas, enfim, nos lugares que eram a busca incessante da

intervenção dos princípios católicos. Vale lembrar que esse mesmo hino foi também o hino do

Congresso Eucarístico da cidade de São José de Mipibú.

HINO DO CONGRESSO EUCARÍSTICO DE CURRAIS NOVOS:

Rei Eterno, ó Deus Humanado,

Suplicamos aos Céus com fervor:

Que nos venha o Teu Reino sagrado,

O Reinado da paz e do amor!

Glória a Ti, ó Mistério querido,

Ó Milagre sublime de amor!

Glória a Ti, ó Jesus escondido,

Cristo Rei e dos povos, Senhor!

Ó Jesus, na Santa Eucaristia,

O Brasil, que é Teu, vem salvar!

Nossa Pátria querida que, um dia,

Ao nascer, te ergueu um altar!

Com a Tua presença ilumina

Page 146: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

145

A noss’alma, a escola e o lar.

No quartel, no campo, na oficina,

Vem, com Tua Doutrina, reinar! 309

O jornal A Ordem trouxe as informações sobre o Congresso no artigo “A Christo

Rei”310

que apresentou os motivos da sua celebração. Lamenta todas as dificuldades do

momento presente com as guerras e os males acarretados pelo comunismo e pelo nazismo,

assim a festa de encerramento do Congresso serviu para lembrar que acima de todas as

problemáticas deveria considerar Cristo “como o primeiro chefe”.

Não deixas, porém, de ser rei temporal, de dominar os corpos como as

almas, as sociedades como os santuarios intimos das consciencias.

Não ha lei sem tua Lei. Em teu nome falam os nossos chefes. Não ha direito

contra o teu direito, e o preceito que despreza a tua vontade é vil tyrania.

E’s o Rei. 311

O artigo coloca que a Igreja dá autonomia na administração aos estados, porém,

quando se virem ameaçados os valores defendidos pelo catolicismo, por meio de ideias que

prevalecem a os ideais de “Raça, de Humanidade, de Classe ou de Sciencia!”, a Igreja logo

intervém para a implantação ao “Culto da Divindade” e para a retomada da ordem. Nesse

sentido, proclama a distinção entre o “bem e o mal” e entre o “Odio e o Amor” e, adverte para

os males atuais, quando cabe à Igreja um papel na centralização da humanidade. Neste

contexto, anuncia os males originados dando os exemplos das perseguições acarretadas a

Igreja pela Guerra Civil Espanhola.,

Vê a nossa humanidade.

Vê a pobre Espanha em sangue. Ahi muitos heroes tombaram aos gritos de

“Viva Christo Rei”, para que reines, oh, Christo, na Catholica Espanha. Vê

os estados paganizados. Vê as insidiosas perseguições dos que não podendo

alcançar o teu corpo glorioso, procuram ferir os membros de teu Corpo

Mistico. 312

309

Hino do 2º Congresso Eucarístico de Currais Novos. Letra: Mons. Paulo Herôncio de Melo. Música:

Monsenhor Amêncio Ramalho. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Her%C3%B4ncio_de_Melo> Acesso em 10 de jul. 2016. 310

Fr. M. Sebastião Tauzin O. P. A Christo Rei. In: A Ordem, 30 de outubro de 1937. p. 1. 311

Idem. 312

Idem.

Page 147: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

146

O Congresso Eucarístico foi uma das estratégias e ações por parte do corpo

eclesiástico para a formulação de uma das camadas do processo de espacialização norte-rio-

grandense, pois estaria produzindo a fundamentação para a identificação deste numa nação

católica. É inerente à formação do discurso que preza pela eminência de uma identidade

norte-rio-grandense a busca de sum formalização, e ao mesmo tempo, de sua legitimação.

Porém é uma identidade respaldada pelo pensamento católico e seu posicionamento no campo

social e político que ainda roga na década de 1930 pela luta contra os ideais da modernidade,

prevalecendo um discurso não apenas contra o comunismo, mas contra o laicismo e a ciência:

Abençôa o Grande Brasil. Que o espetro horrivel do laicismo não paire sobre

as suas Leis.

Que o phantasma do communismo não perturbe o somno tranquillo de suas

crianças.

Que os terriveis males da sociedade sem-Deus o não attinjam.

Amparado por tuas mãos, terá o Brasil prosperidade social e economica.

Crescerá, subirá.

Oh Christo Rei, Vive, Reina, Impera. 313

Vale lembrar que durante as cerimônias do Congresso além da presença do bispo de

Natal Dom Marcolino Dantas e do bispo de Mossoró Dom Jaime Câmara, dos cônegos padre

Paulo Heroncio, do Monsenhor Landim, vigário da Catedral de Natal e da participação de

entidades católicas e colégios, houve também a participação de deputados estaduais do

Partido Popular, como o Deputado Mariano Coelho, sendo um dos oradores a sua deputada D.

Maria do Céu. Estavam também presentes o prefeito de Currais Novos Dr. José Bezerra de

Araújo e o Dr.Tomaz Salustino, Juiz de direito. A importância será enaltecida também pelo

jornal ‘A República’ pelo artigo escrito de Aluizio Alves que informa a importância da

realização do congresso como uma maneira de combater os males do comunismo.

O Congresso Eucharistico Parochial de Currais Novos, louvando e

homenageando o Rei Supremo do Universo, terá essa finalidade: suplicar, no

ciclo de suas orações, na pompa merecida das suas festas, pela salvação da

patria, nesta hora excepcional de apprehensões, em que o communismo

implacavelmente cruel e sanguinario tenta suffocar, num carnaval de sangue

313

Idem.

Page 148: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

147

e de miséria, as mais sagradas tradições espirituaes que nos identificam

como terra visceralmente. 314

FIGURA 4 – BRASÃO DO 2° CONGRESSO EUCARÍSTICO PAROQUIAL DE

CURRAIS NOVOS QUE EXEMPLIFICA A FRASE PROFERIDA POR MATIAS

MOREIRA “LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”

Fonte: jornal ‘A Ordem’ 11/11/1937

O Congresso Eucarístico de Currais Novos teve o seu encerramento com a celebração

do último domingo de outubro, data importante para os católicos que celebra a Festa de Cristo

Rei. Festa anunciada pelo Pontífice Papa Pio XI como homenagem a imagem de Jesus Cristo

e como forma de enaltecer as graças e benfeitorias trazidas por ele ao mundo, e que essas

melhorias haviam sido restabelecidas por causa “da Ordem Social, condição da paz interna e

externa dos povos”. 315

Neste caso em específico prevalecia à imagem de Cristo como uma

advertência ao caminho a ser seguido em relação aos males que eram acarretadas da

modernidade.

314

ALVES, Aluizio. Terra eucharistica. In. A República, 26 de outubro de 1937, p. 3. 315

Encerramento do 2° Congresso Eucharistico Parochial de Currais Novos. In: A Ordem, 30 de outubro de

1937. p. 1.

Page 149: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

148

É certo que o poder e o titulo real de Christo sempre foram reconhecidos,

mas faltava uma festa especial, que Pio XI veio estabelecer como replica á

lepra do seculo, o laicismo, negador desse poder e dessa realeza. 316

Por esse motivo é construído um monumento na principal praça da cidade, uma réplica

do Cristo Redentor da cidade do Rio de Janeiro, inaugurado no primeiro dia do Congresso,

possuindo dez metros de altura e que foi doada pelo Sr. Manuel Salustino.

FIGURA 5 – MISSA INAUGURAL DO 2° CONGRESSO EUCARÍSTICO

PAROQUIAL DE CURRAIS NOVOS. ESTÁTUA DE CRISTO REI 317

Fonte: Paulo Herôncio de Melo – Wikipédia, a enciclopédia livre (2016)

Padre Heroncio continuou a fornecer a sua contribuição à formação identitária do

estado na escrita do livro “Os Holandeses no Rio Grande” publicado no ano de 1937, tendo a

contribuição do Padre J. Cabral sido feita com a escrita do seu prefácio, intitulado de “Duas

Palavras” 318

, nome que sugere as duas palavras proferida na morte de um dos mártires de

Cunhaú e Uruaçu “LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”, a mesma frase

que ilustra o brasão o 2° Congresso Eucarístico de Currais Novos.

316

Idem. 317

Missa inaugural do Congresso Eucarístico Paroquial de Currais Novos. Estátua de Cristo Rei. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Her%C3%B4ncio_de_Melo> Acesso em 10 de jul, 2016. 318

HERÔNCIO, Paulo. Os Holandeses no Rio Grande. 1ª Edição. Rio de Janeiro. Empresa Editora ABC

Limitada, 1937.

Page 150: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

149

Esta é a primeira obra que retrata a história do estado amparada pelo pensamento

católico vigente na época e, ressaltando a importância da Igreja e da fé católica para o estado.

Como já vimos, esta obra formulou a identidade católica norte-rio-grandense e, ao mesmo

tempo serviu como alicerce para várias outras produções historiográficas e eclesiásticas.

Como afirma Peixoto319

“Os Holandeses no Rio Grande” é uma obra de fundamental

importância porque foi nela que se inspirou a beatificação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu

que designaram feriados municipal e estadual, que se prepararam a construção de

monumentos e Igrejas em homenagem à celebração dos Santos. Dessa forma, firmou-se a

formação da espacialização por meio de uma formação histórica do estado que possibilitou a

composição dada à configuração de uma identidade em contraposição a formação da

identidade do estado de Pernambuco. Importante também e a ressalva que a construção dessa

espacialização opera a presença de um discurso e que este está conectado com o

posicionamento da direita católica da sua época.

Essa produção histórica trabalhou para a formação de uma identidade católica em que

para se explicar os acontecidos de 1645, os massacres holandeses na região, padre J. Cabral

utilizou do discurso anticomunista para legitimar sua própria produção historiográfica. É

importante também lembrar que a formulação do discurso anticomunista católico contribuía

para demonstrar os males da modernidade, novamente frisando o invasor estrangeiro holandês

e, o protestante, reforçando os preceitos da nacionalidade.

Peixoto evidencia o conceito histórico no pensamento católico que prevaleceu – a

narrativa da queda do homem formulada pelos jesuítas e, reutilizada pela intelectualidade

católica norte-rio-grandense.

Contudo, o entendimento era o de que essas crises deveriam ser passageiras,

pois a história da humanidade é um caminho reaberto pela vinda de Cristo a

terra, uma história reta em que a Igreja é a mantenedora da Civilização e dos

Códigos Morais que tiverem suas origens na Grécia e em Roma,

respectivamente. A crise, portanto, fosse qual fosse sua duração, teria um

fim, pois o Reino de Cristo é eterno e a Igreja compartilha, com a

humanidade, essa História. 320

319

PEIXOTO. Renato Amado Peixoto. Op. cit., p. 3. 320

Ibidem, p. 11.

Page 151: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

150

O grande esforço da Igreja norte-rio-grandense era a projeção do estado para a esfera

nacional, através da legitimação da identidade na figura de Felipe Camarão, em contraponto a

projeção pernambucana em voga, que buscava se firmar pela comemoração do tricentenário

da chegada de Nassau em Pernambuco.

Sendo o papel da Igreja salvar a humanidade dos erros dos bárbaros de outrora, o

mesmo padre Heroncio definiu os comunistas como os “Barbaros modernos”, tentando

explicar a perda dos valores da sociedade cristã pelas novas ideais que surgiram no advento da

Revolução Francesa, como a adesão de nações ao comunismo, a projeção da ciência em

contraponto a religião, como também a adoção dos princípios do materialismo, liberalismo e

do positivismo, além das instituições e associações em que prevalecia o pensamento moderno

tais como a maçonaria e o Rotary Club.

Portanto, para o padre J. Cabral a representação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu era

também a representação do momento que melhor evidenciava o combate a ser seguido para a

luta contra os invasores comunistas. Assim, “Os Holandeses no Rio Grande” se utilizou de

várias camadas representativas, como o discurso anticomunista, para firmar uma

espacialização por meio da construção histórica católica, estratégia utilizada como forma do

estado e da Igreja se autoprojetarem frente às demais representações em formação tanto no

estado como em outras regiões.

Page 152: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

151

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao pesquisar a História do Rio Grande do Norte na década de 1930 através da História

Política e da História da Religião, nos foi possível à construção de uma narrativa

historiográfica que se difere das demais produções já realizadas. Verificamos que não existia

uma homogeneidade na produção do discurso anticomunista, o que nos possibilitou perceber

a diferença da produção do anticomunismo clássico, definido pelo ‘mal do comunismo’

associado à figura do Partido Comunista, e as suas ramificações de viés socialista do

anticomunismo católico. Por este último, constatamos a produção de um discurso vinculado

aos males e dilemas da modernidade condenados pela Igreja, formulado como estratégia da

instituição para dar continuidade a sua atuação na sociedade, especificamente na política.

A partir desta análise nos foi possível identificar a constituição de uma identidade

católica norte-rio-grandense ao definirmos o espaço social católico norte-rio-grandense, seus

campos de ação e as estratégias que a Diocese de Natal e, ao mesmo tempo em que

trabalhamos com as suas diferentes intervenções no campo social e político, pudemos

perceber a formação de um discurso anticomunista católico na imprensa.

A Revista A Ordem do Centro Dom Vital foi o local de reprodução do capital

religioso que culminou na formação e disseminação do pensamento católico para o nível local

e, onde se pode redefinir o posicionamento da atuação da Igreja no nível nacional.

Comparando esta Revista com o jornal A Ordem da Diocese de Natal, pudemos constatar que

a produção do discurso anticomunista católico no estado do Rio Grande do Norte foi, ao

mesmo tempo, uma reprodução e uma tradução do anticomunismo nacional pelos intelectuais

leigos católicos.

A produção anticomunista na revista A Ordem difere do jornal A Ordem apesar do

mesmo discurso anticomunista emergir da produção do periódico carioca, porém, o jornal

norte-rio-grandense reutiliza esse discurso para propósitos completamente diferentes, próprios

à produção do espaço social local. A utilização desse discurso no jornal A Ordem serviu para

a inserção e o predomínio da Igreja norte-rio-grandense como ator político no estado, com o

fim de trabalhar por sua estratégia de poder.

Padre Heroncio foi um dos responsáveis por escrever a história do Rio Grande do

Norte e teve o apoio de padre J. Cabral. Dois sacerdotes e, ao mesmo tempo, dois intelectuais

Page 153: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

152

da Igreja, os quais se apresentaram como responsáveis pela produção e disseminação do

anticomunismo católico e, ao mesmo tempo, fazendo sua tradução prevalecer na construção

da identidade católica no estado, consequentemente, firmando uma representação identitária

norte-rio-grandense, do Nacional para o Local e, também, deste para o Regional.

Esse é um dos pontos relevantes que a pesquisa do pensamento católico no Brasil

possibilita aos seus pesquisadores. A partir da investigação do campo religioso identificamos

a contribuição da Igreja norte-rio-grandense e seus intelectuais na formação da identidade e

consequentemente da espacialidade. Pois como bem auxilia a teoria de Bourdieu sobre o

espaço social, neste caso do estado do Rio Grande do Norte, o seu espaço é composto por

campos e subcampos que em diferentes temporalidades tenta emergir de um campo de lutas,

utilizando de diferentes tipos de capitais, neste caso, os capitais específicos da década de

1930, que então prevaleciam, junto ao poder, o capital político associado ao religioso.

Isto percebemos com a continuação da pesquisa, que foi nos favorecendo a análise da

instituição eclesiástica em nível nacional com o reconhecimento dos insumos do Centro Dom

Vital e com a análise empírica da sua produção simbólica local no jornal A Ordem. Portanto,

essa produção simbólica emergiu localmente para ser utilizada como um dos mecanismos e

estratégias de intervenção do poder no estado do Rio Grande do Norte. A intervenção da

Diocese de Natal junto à Congregação Mariana, estas duas reunidas aos intelectuais católicos

que também eram integralistas: assim se pode se firmar o pensamento católico no campo de

lutas do estado e projetar sua importância no campo político e social.

Por meio da formulação de uma identidade católica, neste caso, a partir da produção

de um discurso anticomunista católico local, culminou a formação de uma espacialização

norte-rio-grandense católica respaldada pelo Estado. Algo que no nível nacional já vinha

sendo constituído desde os adventos da Neocristandade, mas que o caso do Rio Grande do

Norte pode bem ajudar a melhor compreender, inclusive, porque permite vislumbrar os

acontecimentos que permitiram a transformação do político e do religioso no espaço.

As ramificações e projeções da Igreja foram estabelecidas a partir dos propósitos da

Ação Católica e a partir da atuação dos intelectuais católicos do Centro Dom Vital e da revista

A Ordem, e todos foram tornados parte do capital simbólico da Igreja Católica. A Igreja norte-

rio-grandense não ficou de fora desses atuação e tampouco se absteve, contudo, conseguiu se

projetar autonomamente, por meio de um trabalho de tradução e reapropriação local do capital

Page 154: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

153

simbólico já formado no nacional e, por conta de ter dado continuidade às iniciativas da Igreja

nacional, forjando um novo e muito potente capital simbólico local.

Page 155: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

154

FONTES PESQUISADAS

Revista A Ordem (1935-1937) – Site da Biblioteca Nacional– Hemeroteca Digital: Rio de

Janeiro/RJ.

Revista A Ordem (1934) – Arquivo da Biblioteca Nacional: Rio de Janeiro/RJ.

Jornal A Ordem (1935-1937) – Acervo da Base de Pesquisa: ‘O pensamento católico, a

atuação política e a intervenção social da Igreja em relação à formulação da identidade e da

espacialidade norte-rio-grandense entre 1930 e 1964, ‘.

Jornal A República (1934-1937) – Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande

do Norte – IHGRN.

Page 156: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

155

BIBLIOGRAFIA

ASSUNÇÃO. Rosângela Pereira de Abreu. DOPS/MG. Imaginário anticomunista e

policiamento político (1935-1964). Minas Gerais, 2006. (Dissertação de Mestrado).

AZZI, Riolando. Os Pioneiros do Centro Dom Vital. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003.

BORDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papiros, 2011.

_________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013.

CAVALCANTE NETO. Faustino Teatino. A ameaça Vermelha: o imaginário anticomunista

na Paraíba (1917-1937). 2013. 274 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-

Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

COSTA, Homero de Oliveira. A Insurreição Comunista de 1935: Natal, o primeiro ato da

tragédia. São Paulo: Ensaio; Rio Grande do Norte: Cooperativa Cultural Universitária do Rio

Grande do Norte, 1995.

DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: a doutrina católica sobre autoridade no Brasil, 1922-

1933. São Paulo: UNESP, 1996.

FERREIRA, Brasília Carlos. Trabalhadores, Sindicatos, Cidadania. Nordeste em Tempos de

Vargas. São Pulo: Estudos e Edições As Hominem; Natal: Cooperativa Cultural da UFRN,

1997.

FERRARO, Alceu Ravanello. Igreja e desenvolvimento. O movimento de Natal. Natal:

Fundação José Augusto, 1968.

GROPPO, Célia Maria. Ordem no céu, ordem na terra: A Revista “A Ordem” e o ideário

anticomunista das elites católicas (1930-1937). São Paulo, 2007 (Dissertação).

GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na

Primeira República (1889-1930). Tese de Doutorado, São Paulo: Pontifícia Universidade

Católica, 2012.

__________. A Separação Estado – Igreja no Brasil (1890): uma análise da pastoral coletiva

do episcopado brasileiro ao Marechal Deodoro da Fonseca. Dissertação de Mestrado, São

Paulo: Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, 2006.

Page 157: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

156

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991. 2a. ed. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995.

LANGLOIS, José Miguel Ibañez. Doutrina Social da Igreja. Tradução de Maria da Graça de

Mariz Rozeira. Lisboa: Reis dos Livros, 1990.

LEVINE, Robert M. O regime de Vargas: os anos críticos, 1934-1938. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1980.

LIMA, Mons. Maurilio Cesar de. Breve História da Igreja no Brasil. Rio de Janeiro:

Restauro, 2001.

LINDOSO, José Antônio Spinelli. Getúlio Vargas e a oligarquia potiguar: 1930/1935. Natal:

EDUFRN, 1996.

LENHARO, Alcir. Sacralização da Politica. São Paulo: Papirus, 1986.

MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e Política no Brasil (Trad. Heloisa Braz de Oliveira

Prieto). São Paulo: Brasiliense, 1989.

MARIZ, Marlene da Silva. Revolução de 1930 no Rio Grande do Norte 1930-1934. Brasília:

Senado Federal, Centro Gráfico, 1984.

MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão. História do Rio Grande do

Norte: Império e República. Natal, Gráfica Santa Maria, 1999.

MARTELLI. Anderson Lindolfo. Escatologia e Anticomunismo nas Assembleias de Deus do

Brasil na primeira metade do século XX. 2010. 192 f. Dissertação (Mestrado em História) –

Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). Tese de Doutorado em

Sociologia, Campinas/SP: UNICAMP, 1985.

__________________. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Page 158: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

157

MONTEIRO, Denise Matos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Natal, EDUFRN

– Editora da UFRN, 2007.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no

Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva/FAPESP, 2002.

PEIXOTO, Renato Amado. Católicos a postos! A relação entre a Ação Católica e a Ação

Integralista no Rio Grande do Norte até o Levante Comunista de 1935. In: IV Encontro

Estadual de História da ANPUH RN, 2010, Natal. Anais do IV Encontro Estadual de História.

Natal: ANPUH-RN, 2010, v. I.

__________. 'Creio no espírito cristão e nacionalista do Sigma': Integralismo e Catolicismo

nos escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo. In: RODRIGUES,

Cândido et al. (Org.). Manifestações do pensamento católico na América do Sul. São Paulo:

Fonte Editorial, 2015.

.

__________. A Crise de 1935 no Rio Grande do Norte: a tensão entre as identidades estadual

e nacional por meio do caso norte-rio-grandense. In: Anais do VI Simpósio Internacional

Estados Contemporâneos. Natal: UFRN, 2012, v. 1, p. 294-301.

__________. Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte

no início do século XX. In: Renato Amado Peixoto. (Org.). Nas trilhas da representação:

trabalhos sobre a relação história, poder e espaços. Natal: EDUFRN, 2012, v. 1, p. 11-36;

__________. Espaços imaginários: o historiador dos espaços como cartógrafo. In:

PEIXOTO, Renato Amado. Cartografias Imaginárias: estudos sobre a construção do espaço

nacional brasileiro e a relação História & Espaço. Natal: EDUFRN, 2011.

__________. ‘Duas Palavras’: ‘Os Holandeses no Rio Grande’ e a invenção da identidade

católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de História Regional, v. 19, p. 35-57,

2014.

__________. ‘System of the heavens’: um exame do conceito de `Colusão’ por meio do caso

da criação do Núcleo da AIB em Natal. Revista Brasileira de História das Religiões, v. 9, p.

121-150, 2016.

PEREIRA. Ariel Tavares. Um espectro ronda a ilha: O comunismo na imprensa de São Luiz

(1935-1937). São Luiz, 2010. (Dissertação de Mestrado).

Page 159: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

158

PEREIRA, Marco Antônio Machado Lima. “Guardai-vos dos falsos profetas”: matrizes do

discurso anticomunista católico (1935-1937). Franca: UNESP, 2010.

RÉMOND, Réne (Org.). Por uma História Política. UFRJ: Rio de Janeiro, 1996.

RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja

Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). 2°. Ed. Passo Fundo: UPF, 2003.

_________. Memórias e avaliações: norte-americanos, católicos e a recepção do

anticomunismo brasileiro entre 1945 e 1964. Porto Alegre, 2002. (Tese de doutorado).

RODRIGUES, Cândido Moreira. Uma revista de intelectuais católicos: uma revista de

intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte: FAPESP, 2005.

RODRIGUES, Cândido Moreira; PAULA, Christiane Jalles de. Intelectuais e Militância

católica no Brasil. Cuiabá: Editora UFMT, 2012.

ROMANO, Caetano Moroni. Dizionario di erudiziione storico-ecclesiastica, 1843. In:

AQUINO, Mauricio de. A modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no

Brasil: a construção do bispado de Butucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado

em História). Assis, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2012.

ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo: Kairós, 1979.

SALVADÓ, Francisco J. Romero. A Guerra Civil Espanhola. Tradução de Barbara Duarte.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

SERRATO, Edgar Bruno Franke. A Ação Integralista Brasileira e Getúlio Vargas:

antiliberalismo e anticomunismo no Brasil de 1930 a 1940. 2008. 219 f. Dissertação

(Mestrado em História) Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do

Paraná. Curitiba, 2008.

SOARES. Eduardo de Souza. A Máscara e o rosto de Chaplin: o anticomunismo na

repercussão da filmografia política de Carlitos em Porto Alegre (1936-1949). 2008. 139 f.

Dissertação (Mestrado em História) – Sociedades Ibéricas e Americanas, Faculdade de

Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto

Alegre, 2008.

Page 160: LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” · A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ... Integralismo e Catolicismo ... fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo,

159

SPINELLI, José Antonio. Getúlio Vargas e a Oligarquia Potiguar: 1930-1935. Natal:

EDUFRN, 2010.

VILLAÇA, Antonio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2006.