lousada, 170 anos de elevação a vila

4
município de lousada - julho 2012 1 Suplemento do Património Mensal Ano 13 N.º 99 distribuição gratuita Revista Municipal 1 O texto aqui apresentado constitui uma adaptação dos conteúdo presentes na Exposição “170 Anos de Vila” patente na Praça do Senhor dos Aflitos, em Lousada, de 11 a 23 de Julho de 2012, inserindo-se no programa das comemorações desta efeméride. * Técnico Superior de Ciências Históricas. CML. Lousada – 170 Anos de Vila 1 Cristiano Cardoso * CONTEXTO HISTÓRICO A 22 de Janeiro de 1842 o executivo camarário então presidido por José Manuel da Silva Teles redige uma representação à rainha D. Maria II no sentido de alcançar a mercê de elevação da po- voação do Torrão à categoria de Vila com a de- nominação de Lousada. O Torrão, ou Rua do Torrão, era a cabeça do concelho de Lousada desde meados da primei- ra metade do século XVIII. A sede político-admi- nistrativa do concelho estivera até então instala- da no lugar da Oitava, freguesia de Pias. Configurando-se como uma autêntica rua, à se- melhança de muitas outras povoações importan- tes da época, o Torrão apresentava o seu casario quase exclusivamente alinhado com a “estrada do Porto”, uma via estrutural que ligava esta cida- de à região Basto. O grande movimento desta estrada terá proporcionado o estabelecimento de tavernas e estalagens e a gradual fixação de pes- soas, levando ao desenvolvimento da povoação. Na sequência deste dinamismo comercial foram criados os dois mercados mensais, ao dia 9 e 25 de cada mês, que, passados quase 300 anos, ainda hoje se realizam. É neste contexto que a sede do concelho acaba por ser transferida da Oitava para a Rua do Torrão. A segunda metade do século XVIII constituiu, portanto, um período de desenvolvimento econó- mico e de afirmação político-administrativa da povoação do Torrão. Esta conjuntura parece ter sobrevivido à profunda acção reformista do Libe- ralismo vitorioso. Depois da abolição do conce- lho de Lousada em 1836, logo em Maio de 1838 o concelho foi restaurado, após a demonstração de capacidade financeira e da existência de uma elite política capaz. Esta crescente afirmação confirmou-se com a criação da comarca judicial de Lousada, consig- nada pela aprovação da Reforma Judicial de 1840, que ditara a definição de novas circunscrições. Esta comarca, com sede no Torrão, reunia os jul- gados de Lousada, Felgueiras e Barrosas. Foi neste contexto sócio-económico e político que se inseriu a pretensão da câmara municipal de ver este lugar elevado à categoria de vila. Alguns dos argumentos então expostos ficaram aqui evidenciados: a organização urbana, o di- namismo económico, a qualidade dos edifícios públicos, a sede comarcã. A concessão deste título implicou o pagamento dos direitos de mercê e de outras despesas as- sociadas ao processo que rondaram os 70 000 réis, que muitos anos após ainda estava por li- quidar. Fig. 1 - A rainha D. Maria II.

Upload: domingos-moreira

Post on 25-Jul-2015

108 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Suplemento do PatrimónioMensal Ano 13 N.º 99 distribuição gratuitaRevista Municipal

TRANSCRIPT

Page 1: Lousada, 170 anos de Elevação a Vila

município de lousada - julho 2012 1

Suplemento do PatrimónioMensal Ano 13 N.º 99 distribuição gratuita Revista Municipal

1 O texto aqui apresentado constitui uma adaptação dos conteúdo presentes na Exposição “170 Anos de Vila” patente na Praça doSenhor dos Aflitos, em Lousada, de 11 a 23 de Julho de 2012, inserindo-se no programa das comemorações desta efeméride.* Técnico Superior de Ciências Históricas. CML.

Lousada – 170 Anos de Vila1

Cristiano Cardoso*

CONTEXTO HISTÓRICOA 22 de Janeiro de 1842 o executivo camarárioentão presidido por José Manuel da Silva Telesredige uma representação à rainha D. Maria II nosentido de alcançar a mercê de elevação da po-voação do Torrão à categoria de Vila com a de-nominação de Lousada.O Torrão, ou Rua do Torrão, era a cabeça doconcelho de Lousada desde meados da primei-ra metade do século XVIII. A sede político-admi-nistrativa do concelho estivera até então instala-da no lugar da Oitava, freguesia de Pias.Configurando-se como uma autêntica rua, à se-melhança de muitas outras povoações importan-tes da época, o Torrão apresentava o seu casarioquase exclusivamente alinhado com a “estradado Porto”, uma via estrutural que ligava esta cida-de à região Basto. O grande movimento destaestrada terá proporcionado o estabelecimento detavernas e estalagens e a gradual fixação de pes-soas, levando ao desenvolvimento da povoação.Na sequência deste dinamismo comercial foramcriados os dois mercados mensais, ao dia 9 e25 de cada mês, que, passados quase 300 anos,ainda hoje se realizam. É neste contexto que asede do concelho acaba por ser transferida daOitava para a Rua do Torrão.A segunda metade do século XVIII constituiu,portanto, um período de desenvolvimento econó-mico e de afirmação político-administrativa dapovoação do Torrão. Esta conjuntura parece tersobrevivido à profunda acção reformista do Libe-ralismo vitorioso. Depois da abolição do conce-lho de Lousada em 1836, logo em Maio de 1838o concelho foi restaurado, após a demonstraçãode capacidade financeira e da existência de umaelite política capaz.Esta crescente afirmação confirmou-se com acriação da comarca judicial de Lousada, consig-nada pela aprovação da Reforma Judicial de 1840,

que ditara a definição de novas circunscrições.Esta comarca, com sede no Torrão, reunia os jul-gados de Lousada, Felgueiras e Barrosas.Foi neste contexto sócio-económico e políticoque se inseriu a pretensão da câmara municipalde ver este lugar elevado à categoria de vila.Alguns dos argumentos então expostos ficaramaqui evidenciados: a organização urbana, o di-namismo económico, a qualidade dos edifíciospúblicos, a sede comarcã.A concessão deste título implicou o pagamentodos direitos de mercê e de outras despesas as-sociadas ao processo que rondaram os 70 000réis, que muitos anos após ainda estava por li-quidar.

Fig. 1 - A rainha D. Maria II.

Page 2: Lousada, 170 anos de Elevação a Vila

2 município de lousada - julho 2012

CRONOLOGIA22.1.1842 Representação da Câmara de Lousada

à rainha D. Maria II, pedindo que sejaconcedida a mercê da elevação da po-voação do Torrão à categoria de vila,com a denominação de Vila de Lou-sada.

16.3.1842 O Administrador do Concelho de Lou-sada, Fabião António Pinto de Maga-lhães Garcia, em resposta ao pedidode informação do Governador Civil,emite parecer favorável à pretensãoda Câmara Municipal.

29.3.1842 Parecer favorável do Governador Civildo Porto, conde de Terena, enviadoao ministro do Reino, António Ber-nardo da Costa Cabral.

13.5.1842 Portaria de 13 de Maio de 1842 emiti-da pelo Ministério do Reino, após des-pacho favorável da rainha, outorgan-do a criação da Vila de Lousada.

Representação da Câmara Municipalde LousadaSenhoraA Camara Municipal do Concelho de Louzada noDistricto Administrativo do Porto, zellosa pelaprosperidade do seu Municipio, e confiada naBenignidade de Vossa Magestade vem pedir aVossa Magestade para a Rua do Torrão cabeçado Concelho, o titulo de Villa de Louzada.Esta povoação acha-se em circunstancias desustentar nobremente o titulo de Villa. A cazariaformando uma extensa rua hé bem construida, ede boa apparencia. A caza da Municipalidadehésufficientemente espaçosa, e foi há pouco mo-biliada com aceio. Dá esperanças de progressi-vo adiantamente. O solo hé rico; tem dous mer-cados de consideravelaffluencia em cada mez,e hé hoje a sede do Tribunal do Julgado dacabeça da Comarca de Lousada, na qual não hápovoação alguma com o titulo de Villa.Os moradores de Louzada votados á causa deVossa Magestade considerarão esta Graça, comoum novo incentivo de fidelidade e vinculo de gra-tidão.

Louzada em Sessão de 22 de Janeiro d’1842.

O Prezidente JozeManoél da Silva TellesO Vereador Fiscal Bernardo Antonio Brandão

O Vereador João de Besa NunesO Vereador Joze Joaquim de MeirellesO Vereador AntonioJozé de Meirelles

Portaria de 13 de Maio de 1842Achando-se deferida a Representação que aCamara Municipal de Louzadadirigio a Prezençade Sua Magestade A Rainha, pedindo que a Po-voação do Torrão, Cabeça daquele Conselho, fos-se elevada á categoria de Villa, com a denomina-ção de Villa de Louzada: Manda A Mesma AugustaSenhora, pela Secretaria d’Estado dos Negociosdo Reino, que o Governador Civil do Districto doPorto assim o faça constar á sobredita Camara,afim de que ella solicite da referida Secretariad’Estado, por seu bastante Procurador, a expedi-ção do necessário Diploma, o qual lhe será entre-gue com previo pagamento dos respectivos Direi-tos de Mercê, e mais despezaslegaes. Palaciodas Necessidades em 13 de Maio de 1842. AntónioBernardo da Costa Cabral.

Elenco camarário em 1842:Presidente: José Manuel da Silva Teles

Vereador Fiscal: Bernardo António BrandãoVereador: João de Beça NunesVereador: José Joaquim de MeirelesVereador: António José de Meireles

Fig. 2 - António Bernardo da Costa Cabral, ministro doReino em 1842. Embora a representação da câmara tives-se sido apresentada ainda na vigência do último governosetembrista, foi o ministério presidido por Costa Cabralque conduziu este assunto e emitiu a Portaria de 13 deMaio.Fonte: http://purl.pt/93/1/iconografia/imagens/e8a/e8a.html

Page 3: Lousada, 170 anos de Elevação a Vila

município de lousada - julho 2012 3

José Manuel da Silva TelesFoi presidente da Câmara de Lousada entre1841 e 1842, contudo, já tinha desempenha-do o cargo de primeiro vogal (vereador fiscal)num executivo anterior liderado por JoaquimArtur Archer, entre 1838 e 1841. Durante oreinado de D. Miguel exerceu ainda o cargode vereador no ano de 1830 e de juiz ordiná-rio no ano de 1833. Era um homem da elitepolítica local, facto que sugere relações so-ciais e familiares no concelho de Lousada,apesar da sua origem numa freguesia do ex-tinto concelho de Santa Cruz de Riba Tâme-ga. Foi também conselheiro municipal nobiénio de 1843-44. Ainda nesse ano de 1843foi chamado provisoriamente como vereadorem substituição de Manuel Pinto VazGuedes Bacelar. A partir desta data, já com71 anos, parece ter abandonado a vida pú-blica. Lavrador proprietário obtinha os seusrendimentos da agricultura e do arrendamen-to de casas e terras.Nasceu na casa do Outeiro, em Santa Cris-tina de Figueiró, a 2.6.1772, sendo baptiza-do na mesma freguesia com o nome JoséManuel do Espírito Santo. Filho de Manuelda Silva Teles e de sua mulher Maria RosaTeixeira, da mesma casa do Outeiro, de San-ta Cristina; neto paterno de João da SilvaTeles e de Ana Maria de Magalhães, da Ruada Lixa, freguesia de Vila Cova; e neto ma-terno de José Teixeira de Magalhães e deMaria de Sousa, da dita casa do Outeiro.

Casou a 31.12.1820 na igreja de Santo Adriãode Santão com D. Ana Rita dos Santos (Ven-tozela), mas não teve descendência. Viveu nasua quinta de Pias, na freguesia de São Louren-ço de Pias, Lousada, até 1842. Era proprietário,para além desta quinta, da casa do Outeiro nafreguesia de Torno. Em testamento deixou todosos seus bens ao seu primo Joaquim Teles da Sil-va Magalhães Teixeira Alves. Faleceu a 24.8.1860,com 88 anos, na sua casa do Outeiro, em SantaCristina de Figueiró.

Fig. 4 - Representação da Câmara Municipal de Lousada datadade 22.1.1842 e assinada pelos camaristas. Nesta breve missivaa câmara de então apresenta os argumentos que consideramais válidos na sustentação do seu pedido.Fonte: ANTT. Minis-tério do Reino. Maço 1992/Q (Caixa 3)

Fig. 3 - Os Paços do Concelho antigos, antes dagrande remodelação de 1913-15. O edifício estavavoltado para a rua do Torrão, confirmando a impor-tância desta via, ao longo da qual se dispunham osprincipais edifícios públicos, religiosos e privados.

Page 4: Lousada, 170 anos de Elevação a Vila

4 município de lousada - julho 2012

Fig. 5 - A Portaria de 13 de Maio de 1842 que confere o título de vila à povoaçãodo Torrão, passando então a denominar-se Vila de Lousada.Fonte: ANTT. Mi-nistério do Reino, livro 1566, fl. 271.

Bernardo António BrandãoEntre 1841 e 1842 ocupou o car-go de vereador fiscal no executi-vo camarário do concelho deLousada, não sendo conhecidaactividade pública anterior. De-pois de uma passagem pelo Con-selho Municipal em 1843, voltoua desempenhar o cargo de vere-ador no executivo de José Joa-quim Costa Pacheco de Françae numa comissão administrativamunicipal, entre os anos de 1845e de 1846. Aparece de novo noelenco camarário em 1852 comovereador do executivo chefiadopor Custódio José de Matos So-tomaior e Noronha.Bernardo António Brandão Mo-reira Coelho nasceu a 17.8.1785na casa de Soutelo, Sousela.Era filho de António José Brandãoe de Maria Nunes Coelho; netopaterno de Manuel Ferreira e deCatarina Moreira, do mesmo lu-gar de Soutelo; e neto materno de AlexandreCoelho Osório e de Maria Nunes, de Nevogilde.Casou em Sousela a 10.6.1805 com D. MariaJoaquina Nogueira de Meireles, natural da fre-guesia vizinha da Ordem e senhora da casa deAlém (ou de Argonça de Além). Pelo seu casa-mento foi senhor desta casa, onde viveu, usufru-indo dos rendimentos da agricultura e de patri-mónio arrendado.

João de Beça NunesPara além do exercício do cargo de vereadorneste executivo, não se conhecem outras fun-ções públicas. Nasceu em Figueiras, na casada Quintã, a 12.4.1774. Era filho de Manuel deBessa Nunes, senhor da casa da Quintã, e desua mulher Ana Maria Nunes. Casou com MariaJosefa Coelho Torres da freguesia de Penamaior,concelho de Paços de Ferreira. Viveu na casada Quintã, deixada por seus pais, onde faleceua 14.4.1844.

José Joaquim de MeirelesFoi vereador em 1828 e depois em dois executi-vos consecutivos: neste liderado por José Ma-nuel da Silva Teles e no seguinte (1843-45) pre-sidido por António Pinto de Sousa Freire para oqual foi chamado em substituição de Cristóvãode Almeida Soares Faria, que assumira o cargo

de presidente interino. Depois desta passagempor duas vereações, não se conhecem outras li-gações aos negócios públicos do concelho. Nas-ceu em Casais a 13.12.1782, filho de CustódioJosé de Meireles e de Mariana Josefa da Silva.Foi senhor da casa do Bairro, na mesma fregue-sia, pelo seu casamento com D. Ana CarolinaOlívia Pinto de Sousa Meireles. Faleceu na suacasa a 12.9.1858.

Dr. António José de MeirelesA vereação no executivo camarário de 1841-42 éo único cargo público, de que há referência, exer-cido pelo Dr. António José de Meireles no conce-lho de Lousada. Contudo, tinha já sido vereadorem dois executivos da câmara municipal dePenafiel, em 1836 e 1837, cidade onde viveu vá-rios anos da sua vida. Bacharel formado em Leispela Universidade de Coimbra nasceu em Covasa 27.11.1776, filho de António de Meireles e Sousae de D. Ana Maria Ferreira Camelo. Foi senhorda casa da Costa, na mesma freguesia de Co-vas, para onde veio viver até ao seu falecimento,com 93 anos, em 5.7.1870. Foi casado com D.Gertrudes do Carmo Soares de Melo, de Penafiel,da qual enviuvou em 1817. Casou novamente coma sua cunhada, D. Ana Rita Soares de Melo, dequem teve uma única filha, D. Maria Amália deMeireles, casada com o visconde de Sousela.