loulé - grandes testemunhos. intervenção de antónio covas
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A sociedade algarvia - Passado, Presente e Futuro. Intervenção do Prof. Doutor António Covas na sessão Grandes Testemunhos, com os ex-Presidentes da Câmara de LouléTRANSCRIPT
As comemorações dos 40 anos do 25 de Abril de 1974
Loulé
11 de Outubro de 2014
A sociedade algarvia
Passado, Presente e Futuro
António Covas
Universidade do Algarve
Introdução
Cada região é um campo de forças onde se confrontam diferentes constelações de
interesses.
Esse campo de forças pode ser observado de vários ângulos, cada ângulo abre um
particular campo de possibilidades. Não esqueçamos que o modo de olhar para um
problema é uma parte importante desse problema.
Nesse campo de forças defrontam-se três poderes: o poder do Estado Central, o poder
do “Estado Local” e o poder civil, simbólico, político e cultural dos cidadãos e da
sociedade algarvia.
Do ponto de vista funcional, a sociedade algarvia pode ser observada em três planos: o
plano da política regional, da política autárquica propriamente dita e o plano das
políticas da cidadania ao quotidiano.
Em pano de fundo, os poderes e as políticas inscrevem-se num sistema político-
democrático, ele, também, em constante movimento: a democracia representativa, a
democracia participativa, a democracia direta, a democracia interativa da era digital. O
sistema político é cada vez mais um mix plural de diversas filosofias democráticas.
A sociedade algarvia, vai, naturalmente, adquirindo colorações diferentes à medida
que estas diferentes configurações vão ocorrendo.
Para o efeito, vamos observar a sociedade algarvia em três períodos distintos: o
passado recente (1974-2008), o momento presente (2009-2014) e o futuro próximo
(2014-2020).
I. O passado recente (1974-2008)
1. As principais características do “modelo algarvio” deste período:
- A prioridade atribuída aos equipamentos e às infra-estruturas,
- A preferência concedida ao sector imobiliário-turístico (uma bolha da construção),
- Um conflito de interesses assumido com o uso do solo e o ordenamento,
- A acumulação de uma importante dívida bancária para alavancar este “modelo”,
- Uma dependência crescente do município das receitas imobiliárias,
- Uma dependência directa dos apoios provenientes dos fundos europeus,
- Uma tolerância visível face ao crescimento da economia informal.
2. As principais linhas de força do “modelo algarvio” deste período:
- A consagração e a celebração do poder local,
- A municipalização do sistema político-administrativo regional,
- A formação da “constelação autárquica”,
- A construção do “Estado-local”,
- O “casamento de conveniência” entre as administrações local e regional,
- A consolidação dos aparelhos locais dos partidos políticos,
- Uma sociedade civil “amolecida” pelo acesso aos prazeres do consumo.
II. O momento presente (2009-2014)
1. Um período atípico
- Uma grande crise internacional em 2008,
- Um país à beira da bancarrota em 2011,
- Um país sob condição, em liberdade condicional entre 2011-2014,
- Uma perda de 6% do PIB entre 2010 e 2014,
- A macroeconomia entra em rota de colisão com as economias locais e regionais,
- A desalavancagem do crédito bancário e graves problemas de liquidez e solvência,
- A contração da procura interna, a sazonalidade e o desemprego elevado na região
algarvia.
2. O fim de ciclo de um “modelo de crescimento”
- As palavras de ordem do “novo modelo” são: ajustamento, racionalização, extinção,
saneamento, reestruturação, rescisão.
- Os novos instrumentos de política, eis alguns exemplos: a lei dos compromissos, a
extinção de uma parte importante do “Estado-Local”, a criação do PAEL (programa de
apoio à economia local), a criação do FAM (fundo de apoio municipal), a publicação de
uma nova lei sobre os municípios, o associativismo municipal e as comunidades
intermunicipais, novos programas de requalificação e rescisão de funcionários.
- O esgotamento do modelo imobiliário-turístico e a forte quebra das receitas
municipais revelaram em toda a extensão a crise financeira do poder local.
3. As principais linhas de força deste período
- O regresso em força da centralização e do centralismo de Lisboa,
- A política regional usada como o “iô-iô” da política macroeconómica de austeridade,
- O agravamento da precariedade das condições de trabalho e o empobrecimento,
- As fragilidades do movimento associativo regional apesar de algumas respostas,
- A revelação da fraqueza do poder simbólico regional e a ausência de um “impulso
vital” no sentido de uma “epifania” da sociedade algarvia.
III. O próximo futuro (2014-2020 e até 2030)
1. As principais características do período até 2020
- As finanças locais estão obrigadas a encontrar um novo ponto de equilíbrio, muito
mais exigente,
- Vai faltar liquidez e capital para levar até ao fim o próximo QREN 2020, os municípios
estão obrigados a encontrar rapidamente um novo modelo de financiamento,
- Os municípios estão obrigados a trocar a economia material do “modelo velho” pela
economia imaterial do “modelo novo”,
- Os municípios estão obrigados a dar uma contribuição decisiva para a economia
verde em todas as suas dimensões, a começar pelo uso do solo agrícola,
- Os municípios estão obrigados a ir ao encontro dos mais jovens sob pena de serem
reduzidos a “concelhos-lar”.
2. O decálogo do município do século XXI
1. Um município mais federalista, com uniões de freguesias, associações de
municípios e comunidades intermunicipais,
2. Um município mais aberto e participativo, arranjando com grupos de cidadãos
práticas inovadoras de outsourcing e crowdsourcing,
3. Um município mais móvel e itinerante na prestação de serviços pessoais,
4. Um município muito mais verde em matéria de economia dos 3R (reduzir,
reciclar e reutilizar),
5. Um município muito mais virado para a economia criativa e cultural em tudo o
que diz respeito à gestão de recursos intangíveis,
6. Um município mais digital e interativo no que diz respeito ao front-office e ao
back-office municipal e com mais crowd economy,
7. Um município cada vez mais “um par inter pares”, por exemplo, em matéria de
parcerias público-privadas mais inteligentes territorialmente visando “ocupar
território”,
8. Um município menos fiscalista e mais contratualista no plano da engenharia
financeira, por exemplo, com os próprios grupos de interesse locais e regionais,
9. Um município mais cristalino e transparente no que diz respeito à
accountability municipal, ou seja, a sua prestação de contas,
10. Um município com” via verde jovem”, isto é, muito mais atrevido com a sua
população jovem, criando plataformas inteligentes para compartilhar com a
juventude.
Conclusão: O Algarve, uma sociedade paradoxal
1. Uma região paradoxal
- Não é uma região com dimensão europeia, com 6 ou 7 milhões de habitantes,
- Não é uma região metropolitana com 2 ou 3 milhões de habitantes,
- Não é uma cidade compacta com 400 ou 500 mil habitantes,
- O Algarve é uma cidade-região, um híbrido, disperso e difuso com 430 mil habitantes,
2. Um novo “modelo coordenativo” para o Algarve
- O Algarve precisa de um executivo regional,
- O Algarve precisa de um renovado conselho regional,
- O Algarve precisa de uma renovada administração regional,
- O Algarve precisa de uma nova inteligência territorial sob a forma minimalista de “um
novo modelo coordenativo” entre a administração local e regional.
3. Finalmente….
- Precisamos de um renovado federalismo do 2º grau,
- Precisamos de um “impulso cívico e simbólico”, de uma nova inteligência territorial e
de uma auto-referência para o nosso futuro comum,
- Precisamos, por respeito constitucional, de um projeto mobilizador de região-piloto
para o Algarve, porque aqui tudo coincide: o velho distrito, a associação de municípios,
a novel comunidade intermunicipal, a NUTS III que nunca existiu e a NUTS II.