louis althusser e sua contribuição à sociologia da educação
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Louis Althusser e sua contribuição à Sociologia da Educação
Marcos CassinProfessor da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP
IntroduçãoLouis Althusser é um filósofo, que junto com Establet, Baudelot, Bowles, Gintis,
Bourdieu e Passeron, foram alguns dos mais importantes pensadores do final da década de
sessenta e início da de setenta, do século XX. Estes romperam com a tradição sociológica da
educação, criando uma nova tradição, classificada pelo professor Tomaz Tadeu da Silva, como
“Sociologia da Educação Crítica” ou “Teorias Crítico-Reprodutivistas da Educação”, como o
professor Dermeval Saviani as chamam em seu livro “Escola e Democracia”. Neste, o professor
Dermeval também reconhece que o aparecimento destas novas teorias significaram importante
momento de ruptura com a velha tradição das teorias educacionais.
Tomando como critério de criticidade a percepção dos condicionantes objetivos, denominarei as teorias do primeiro grupo de “teorias não-críticas” já que encaram a educação como autônoma e buscam compreendê-la a partir dela mesma. Inversamente, aquelas do segundo grupo são críticas uma vez que se empenham em compreender a educação remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos, isto é, aos determinantes sociais, vale dizer, à estrutura sócio-econômica que condiciona a forma de manifestação do fenômeno educativo. Como, porém, entendem que a função básica da educação é a reprodução da sociedade serão por mim denominadas de “teorias crítico-reprodutivistas”.1
Para o professor Tomaz Tadeu da Silva, além da ruptura marcada pelo surgimento desta
nova tradição da sociologia da educação, sua problemática central, os “mecanismos pelos quais a
educação, ou mais concretamente, a escola, contribui para a produção e a reprodução de uma
sociedade de classes”2, marcam e delimitam o campo da sociologia da educação nas últimas
décadas.
Estas produções, da “Sociologia da Educação Crítica” ou “Teorias Crítico-
1 Dermeval SAVIANI, Escola e Democracia, 92 Tomaz Tadeu da Silva, O que produz e o que reproduz em educação, 15.
2
Reprodutivistas”, também vão influenciar mais tarde outras correntes, como por exemplo, a “Nova
Sociologia da Educação”, sendo que as teorias vinculadas a esta nova corrente da sociologia da
educação têm suas preocupações mais centradas em questões de currículo, chegando a ser chamadas
também de “Sociologia do Currículo”, enquanto as primeiras se constituíam em teorias mais
abrangentes, ou seja, análises estruturais.
O aparecimento da “Nova Sociologia da Educação” dá uma grande contribuição às
teorias críticas da educação, apontando para análises de elementos reprodutores no interior da escola e
da sala de aula, revelando elementos visíveis e principalmente aqueles que não o são e contribuem na
reprodução das desigualdades sociais.
A partir deste novo quadro teórico, se desloca o centro das análises sociológicas da
educação para a problematização dos currículos escolares, estes descritos ou ocultos, onde o
fundamental é examinar o processo de estratificação do conhecimento escolar.
Apesar da grande contribuição dada pela nova sociologia da educação, seus limites são
latentes, uma vez que ela ao centrar suas análises nos processos e elementos internos da escola, perde
o que havia de fértil na sociologia da educação crítica, ou seja, o de analisar as grandes relações entre
processos sociais amplos e resultados amplos dos processos educacionais.
Este novo quadro teórico, desloca o centro das análises sociológicas da educação para a
problematização dos currículos escolares, onde o fundamental é examinar o processo de estratificação
do conhecimento escolar. Este deslocamento, do centro das análises sociológicas da educação para
a problemática dos currículos escolares, fez com que a sociologia secundarizasse a educação como
problema de seu campo de conhecimento, abrindo espaço para a chamada pedagogia crítica
tomar para si as análises da relação educação e sociedade, limitando-as em análises localizadas, o
interior da escola.
Porém, hoje, a conjuntura política, econômica, social e cultural exige da sociologia a
retomada com vigor da temática da educação como uma das áreas a ser priorizadas. É preciso
retomar as análises mais amplas e estruturais que possibilitem entender a educação neste contexto
de reorganização do capital, este se apresentando como capital globalizado, neoliberal e até como
pós-moderno.
Uma das possibilidades para estas análises é partir da compreensão de que a
reorganização do capital está centrada em um projeto político/ideológico, o projeto neoliberal.
3
Göran Therbon ao afirmar que o “neoliberalismo é uma superestrutura ideológica e política que
acompanha uma transformação histórica do capitalismo moderno”3, pode levar a interessantes
análises da relação neoliberalismo e escola..
Este autor em outro momento de seu texto “A crise e o futuro do capitalismo”
afirma a tese de que a crise atual do capitalismo é mais ideológica do que econômica:
As crises constituem o ritmo de vida do capitalismo. De fato, as crises cíclicas fazem parte da vida normal deste sistema social e histórico. No entanto, no atual período, o capitalismo não enfrenta uma contradição econômica estrutural... a contradição fundamental do capitalismo atual é mais ideológica do que econômica. Ela se manifesta na destruição social criada pelo poder do mercado. 4
Estas referências podem levar à hipótese da necessidade da escola reorganizar-se para
cumprir seu papel político/ideológico de reprodutora da concepção de mundo neoliberal, sendo
expressões desta reorganização a “Conferência Mundial de Educação para Todos” realizada em
Jomtien, na Tailândia, em março de 1990, “A Declaração de Nova Delhi”, assinada em dezembro
de 1993 pelo Brasil, China, Bangladesh, Egito, México, Nigéria, Paquistão e Índia, reafirmando
seus compromissos assumidos na Conferência Mundial. No Brasil, esta lógica se materializa com
a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o novo Plano Nacional de Educação,
Parâmetros Curriculares, Diretrizes Curriculares, a política de privatização do ensino entre outras
tantas reformas pela qual a educação brasileira passa.
Nesta perspectiva, os conceitos de ideologia, de Estado e de reprodução, referências
fundamentais do pensamento althusseriano, são importantes instrumentos de análises das
mudanças atuais que o capitalismo está sofrendo na sua base de produção como também na
superestrutura, em particular a escola. Portanto, a retomada da sociologia da educação em seus aspectos mais amplos, exige
recuperar os referenciais dos teóricos da “Sociologia da Educação Crítica” e, em especial, Louis
Althusser.
3 Göran THERBON, A crise e o futuro do capitalismo, In: Emir SADER & , Pablo GENTILI (orgs), Pós-Neoliberalismo, 394 Ibid, 47
4
Referencial althusserianoAo pensar a educação e, em particular, a escola a partir do referencial althusseriano,
estas devem ser pensadas a partir da concepção de Estado e de ideologia do autor. Com relação
ao Estado, este deve ser compreendido como a superestrutura da sociedade e composta pelos
Aparelhos repressivos e os Aparelhos ideológicos de Estado, ampliando o conceito de Estado
como aparece descrito na obra de Marx, mas mantendo a essência tal como aparece nesta, onde
afirma que o Estado é um instrumento da classe dominante para se manter enquanto tal, portanto
um instrumento de dominação e exploração5.
Para Althusser, o Estado é um instrumento de reprodução das relações de produção,
portanto da reprodução das condições de exploração, esta garantida pela repressão direta ou
indireta e pela persuasão, sendo que os Aparelhos repressores atuam predominantemente pela
repressão e os Aparelhos ideológicos predominantemente pela persuasão.
Também, é importante destacar a distinção que o autor faz entre o Aparelho
ideológico de Estado escolar e a escola, ou seja, o Aparelho ideológico escolar, como os outros
aparelhos ideológicos, é um sistema formado por instituições, organizações escolares e suas
práticas, independente de serem públicas ou privadas. Portanto a escola enquanto instituição é um
elemento do Aparelho ideológico de Estado escolar e não o próprio AIE escolar. Althusser
define AIE como um sistema complexo que compreende e combina várias instituições,
organizações e suas respectivas práticas.
Com relação ao Aparelho ideológico de Estado escolar, este deve ser entendido como
um sistema, dentre os vários que compõe o Estado, com o objetivo de reproduzir as relações
de produção, na sociedade capitalista o de reproduzir as relações de dominação capitalista,
portanto reprodução de relações de exploração6.5 No texto “A Ideologia Alemã”, Marx e Engels afirmam que o “Estado não é mais do que a forma de organização que a burguesia constituem pela necessidade de garantirem mutuamente a sua propriedade e seus interesses... Sendo portanto o Estado a forma através da qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer os interesses comuns. p. 95” 6 Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista ao responder as críticas da burguesia à proposta de educação dos comunistas, aponta a relação da educação e da escola como instrumento de reprodução das relações sociais, afirmam os autores: “Mas, dizeis, suprimimos as relações mais íntimas ao substituirmos a educação doméstica pela social.E não está também a vossa educação determinada pela sociedade? Pelas relações sociais em que educais, pela intromissão mais directa ou mais indirecta da sociedade, por meio da escola, etc? Os comunistas não inventaram a acção da sociedade sobre a educação; apenas transformam o seu caráter, arrancam a educação à influência da classe dominante” p.50-51.
6
a existência da participação de indivíduos em práticas que não condizem com a reprodução das
relações de produção dominantes e podem contribuir na luta ideológica (luta de classes) em busca
de uma nova hegemonia no interior da escola, no AIE escolar e no próprio Estado.
Quanto à terceira tese, “A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos”, supõe
a existência de um Sujeito interpelador e do sujeito interpelado, sendo este constituído a partir do
reconhecimento e da submissão ao Sujeito interpelador.
As inferências possíveis no âmbito da escola e do AIE escolar, passam pela
compreensão dos Sujeitos interpeladores enquanto Sujeitos ideológicos, que por sua vez são
constituídos fora da escola e do AIE escolar, mas que se materializam em práticas no interior
destas e, enquanto tese de uma concepção de ideologia em geral, a constituição de Sujeitos
interpeladores é válida para as ideologias dominantes, como também, para as ideologias
dominadas.
Assim sendo, a lógica anterior leva a reconhecer a existência no interior das escolas e
do AIE escolar, como nos outros AIEs, de Sujeitos interpeladores de ideologias dominadas, estes
interpelam indivíduos que se reconhecem nestas interpelações, constituindo-se em “maus
sujeitos” que não caminham como a imensa maioria dos “bons sujeitos”, sendo que estes
caminham por si e entregues à ideologia dominante, cujas formas concretas se realizam no AIE
escolar e portanto nas escolas. Estas inferências podem contribuir na reafirmação da importância
da luta ideológica, enquanto uma das formas da luta de classes no interior das escolas e de seu
Aparelho Ideológico de Estado.
A Luta de Classes e a EscolaNo Aparelho ideológico de Estado escolar, como nos outros Aparelhos ideológicos
de Estado, a existência de idéias necessita de um suporte real e material, portanto, no AIE escolar
também se realiza a Ideologia de Estado em sua totalidade ou em parte garantindo sua unidade de
sistema “ancorada” em funções materiais, que lhe são próprias e não redutíveis a Ideologia de
Estado.
Aqui, deve-se destacar a afirmação de que os AIEs, portanto no Aparelho ideológico
de Estado escolar e suas instituições (escolas), não produzem as ideologias, mas estas se
apresentam como determinados elementos da Ideologia de Estado que se realizam ou existem nas
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instituições escolares. Também, deve-se retomar a afirmação do autor em reconhecer a existência
de outras ideologias que não a do Estado no interior do AIE escolar e de suas instituições, estas
produzidas como subproduto (ideologia subordinada) da prática em que se realiza a Ideologia de
Estado. Importante ressaltar que Althusser ao se referir às ideologias subordinadas (ideologias
secundárias) e à ideologia dominante (ideologia primária) estas se apresentam como produto da
luta de classes no interior dos AIEs, sendo presentes também no escolar e em suas instituições.
Em relação à luta de classes no interior das escolas, as afirmações sobre os Aparelhos
ideológicos sindical e político, que aparecem no texto “Sobre a Reprodução” pode-se inferir que
com relação à escola, Althusser também compreende esta, como um espaço da luta de classes,
mantendo a advertência que a luta que se trava na escola, como em qualquer outro AIE, é
limitada, uma vez que a luta de classes nasce externamente a estes.
Outra inferência que se pode fazer, em relação à escola, a partir dos escritos do autor
sobre os partidos e os sindicatos proletários, é da possibilidade de existir escolas cuja ideologia
seja radicalmente antagônica à ideologia de Estado. Aqui podem ser citadas algumas experiências
de sindicatos de trabalhadores. Os sindicatos e Centrais de trabalhadores mantém escolas e
institutos de formação, Partidos Políticos proletários também mantém escolas partidárias e
institutos de formação e de pesquisa, movimentos sociais como por exemplo as escolas do
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) que mantém escolas sobre suas orientações
ideológicas. Aqui também tem que se relativizar a dimensão do papel destas escolas na luta de
classes, uma vez que estas instituições fazem parte do AIE sindical, político e escolar, portanto
mesmo como elementos de negação da ideologia dominante de Estado, estas fazem parte do
próprio Estado, mesmo assim não se pode negligenciar a importância das escolas na luta de
classes.
Isto significa reconhecer a escola como espaço de contradições, estas apresentando-se
como produto da luta de classes. Apesar dos limites destas no interior do AIE escolar, como nos
outros AIEs, o autor aponta para a importância da luta de classes, no interior destes (portanto no
escolar também) para a revolução, sendo a escola um dos espaços onde se desenrola a guerra de
longa duração, esta apresentando-se como “a luta de classe que pode chegar a derrubar as classes
dominantes do poder de Estado”8
8 Louis ALTHUSSER, Sobre a Reprodução, 176
8
Em seu texto “Filosofia e Filosofia Espontânea dos Cientistas”, Althusser vincula o
ensino escola à educação ideológica das massas, apontando a relação direta entre ensino e a
ideologia dominante, fazendo da escola um importante espaço da luta de classes.
.. a “cultura” literária ministrada no ensino das escolas não é um fenômeno puramente escolar, é um momento entre outros da “educação” ideológica das massas populares. Pelos seus meios e efeitos, ela traz outros à superfície, postos em prática ao mesmo tempo: religiosos, jurídicos, morais, políticos, etc. Outros tantos meios ideológicos da hegemonia da classes dominante, que são todos reagrupados em volta do Estado de que a classe dominante detém o poder. Bem entendido, esta conexão, podíamos dizer sincronização, entre a cultura literária (que é o objecto-objectivo das humanidades clássicas) e a acção ideológica de massa exercida pela igreja, pelo Estado, pelo Direito, pelas formas do regime político, etc., são a maior parte das vezes mascaradas. Mas aparecem à luz do dia nas grandes crises políticas e ideológicas, onde por exemplo as reformas do ensino são abertamente reconhecidas como revoluções nos métodos de acção ideológica sobre as massas. Vê-se então muito claramente que o ensino está em relação directa com a ideologia dominante e que a sua concepção, a sua orientação e o seu controlo são um terreno importante da luta de classes. 9
Com respeito à importância da luta de classes e às escolas, esta deve ser
compreendida, também, e predominantemente no interior da maioria das escolas, onde
predominam a ideologia de Estado que cumprem o papel de reproduzir as relações de produção,
relações de dominação capitalista.
A luta de classes no interior das escolas manifesta-se dominantemente como luta
ideológica, luta pela manutenção das ideologias hegemônicas, das classes dominantes e a
resistência a esta imposição e à busca da construção de uma nova hegemonia. A escola, em seu
papel de transmissora da cultura das classes dominantes, se constitui em importante instrumento
de construção e manutenção da hegemonia ideológica, através do ensino e outras formas
ideológicas no interior das mesmas. Althusser ao se referir a este mecanismo no interior das
escolas, chama a atenção para a existência de ideologias dominadas que mesmo sem ser
reconhecidas coexistem e resistem à imposição da ideologia de Estado, afirma:
9 Idem, Filosofia e Filosofia Espontânea dos Cientistas, 45
9
A “cultura” que se ensina nas escolas não passa efectivamente de uma cultura em segundo grau, uma cultura que “cultiva” visando um número, quer restrito quer mais largo, de indivíduos desta sociedade, e incidindo sobre objectos privilegiados (letras, artes, lógica, filosofia, etc.), a arte de se ligar a estes objectos: como meio prático de inculcar a estes indivíduos normas definidas de conduta prática perante as instituições, “valores” e acontecimentos desta sociedade. A cultura é ideologia de elite e/ou de massa de uma sociedade dada. Não a ideologia real das massas (pois em função das oposições de classe, há várias tendências na cultura): mas a ideologia que a classe dominante tenta inculcar, directa ou indirectamente, pelo ensino ou outras vias, e num fundo de discriminação (cultura para elites, cultura para as massas populares) às massas que domina. Trata-se dum empreendimento de carácter hegemónico (Gramsci): obter o consentimento das massas pela ideologia difundida (sob as formas da apresentação e da inculcação de cultura). A ideologia dominante é sempre imposta às massas contra certas tendências da sua própria cultura, que não é reconhecida nem sancionada mas resiste.10
Estas afirmações indicam, mais uma vez, a preocupação de Althusser em indicar a
necessidade de se pensar a escola como reprodutora das relações de produção e ao mesmo tempo
como importante lócus da luta de classes, esta se apresentando predominantemente como luta
ideológica. Quanto à importância que o autor dá à luta de classes no interior das escolas pode ser
percebida, também, ao afirmar que a escola na sociedade burguesa é a substituta da igreja na
Idade Média, período em que era o principal Aparelho ideológico de Estado.
Segundo Althusser, na sociedade moderna (formações sociais capitalistas) a escola
passa a ser a instituição, junto com a família, que mais tempo fica com as crianças em seus
períodos mais “vulneráveis” à inculcação ideológica. O autor justifica a predominância do AIE
escolar nas formações sociais capitalistas, uma vez que, a reprodução das relações capitalistas de
exploração é obtida principalmente através de uma “aprendizagem de alguns saberes contidos na
inculcação maciça da ideologia da classe dominante que, em grande parte, são reproduzidas as
relações de produção de uma formação social capitalista, ou seja, as relações entre exploradores e
explorados, e entre explorados e exploradores”11
Mesmo considerando que o autor se refere à realidade dos países desenvolvidos da
Europa, em que o período diário dos alunos nas escolas, sejam de seis a oito horas e que nos
10 Ibid, 4411 Idem, Aparelhos Ideológicos de Estado, 80
10
países subdesenvolvidos, ou “em desenvolvimento”, a jornada escolar se reduz à metade das
horas escolares dos países desenvolvidos, isto sem falar das crianças que não têm acesso ao
ingresso e as que evadem nos primeiros anos de escola e, que a mídia nestas formações sociais
podem ocupar o papel de principal AIE de interpelação dos sujeitos, tem-se que relativazar e,
sem negar, a dimensão da importância da escola que
recebe as crianças de todas as classes sociais desde o Maternal e, a partir daí, com os novos e igualmente com os antigos métodos, ela lhes inculca, durante anos e anos, no período em que a criança é mais “vulnerável”, imprensada entre o aparelho de Estado Família e o aparelho de Estado Escola, determinados “savoir-faire” revestidos pela ideologia dominante (língua materna, cálculo, história natural, ciências, literatura), ou muito simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral e cívica, filosofia). Em determinado momento, aí pelos cartoze anos, uma grande quantidade de crianças vai parar “na produção”: virão a constituir os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte da juventude continua na escola: e haja o que houver, avança ainda um pouco para ficar pelo caminho e prover os postos ocupados pelos pequenos e médios quadros, empregados, pequenos e médios funcionários, pequenos burgueses de toda a espécie. Uma última parcela chega ao topo, seja para cair na subocupação ou semidesemprego intelectuais, seja para fornecer os agentes da exploração e os agentes da repressão, os profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, a maioria dos quais são “laicos” convictos) e também agentes da prática científica.12
O autor, como afirmado acima, também acentua o papel da escola como
selecionadora dos sujeitos aos postos de trabalho a partir do número de anos de freqüência
escolar. Nesta seleção também, deve-se acrescentar os sujeitos que ocupam postos de trabalhos
sem qualquer escolaridade, ou seja, a escola continua cumprindo seu papel de reprodutora das
relações sociais, também, ao negar acesso ao ingresso escolar à parte dos filhos dos trabalhadores.
Althusser acrescenta que esta seleção para as diferentes ocupações no processo de produção
também é acompanhado da inculcação do fracasso, do sucesso, do acerto e do erro dos sujeitos
que passaram, ou não, pela escola com períodos de permanência diferenciados.
Cada parcela que fica pelo caminho é grosso modo praticamente provida, com mais ou menos erros ou fracassos, da ideologia que convém ao papel que ela deve desempenhar na sociedade de classes: o papel de
12 Idem, Sobre a Reprodução, 168
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explorado (com “consciência profissional”, “moral”, “cívica”, “nacional” e apolítica altamente “desenvolvida”); o papel de agente da exploração (saber dirigir e falar aos operários), de agente de repressão (saber dar ordens e se fazer obedecer “sem discussão” ou saber manipular a demagogia da retórica dos dirigentes políticos), ou de profissionais da ideologia (sabendo tratar as consciências com respeito, isto é, o desprezo, a chantagem e a demagogia que convêm, acomodados às regras da Moral, da Virtude, da “Transcendência”, da Nação, do papel da Pátria no Mundo, etc.).É claro, um grande número dessas Virtudes contrastantes (por um lado, modéstia, resignação, submissão e, por outro, cinismo, desprezo, altivez, segurança, grandeza e sobranceria, até mesmo falar bem e habilidade) aprendem-se também nas Famílias, na Igreja, nas Forças Armadas, nos Belos Livros, nos Filmes e mesmo nos estádios. Mas nenhum Aparelho ideológico de Estado dispõe, durante um número tão grande de anos, da audiência obrigatória (e, realmente, por menos importante que isso seja, gratuita...) 6 dias em um total de 7, durante 8 horas por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista.13
Aqui, o que deve ser destacado é a relação que o autor faz da formação ideológica e a
divisão do trabalho, a ocupação dos postos de trabalho pelos trabalhadores no processo de
produção e as relações entre estes e o capital, ou seja, a relação do tempo de formação escolar
cultural/ideológica e os postos de trabalho e os papéis que se ocupa na produção.
Outra importante referência do autor em relação à ideologia da classe dominante e às
formas de conhecimento que se aprende na escola, é que a escola através de determinados
conhecimentos são eficientes instrumentos de inculcação da ideologia da classe dominante que
reproduz as relações de produção de determinadas formações sociais capitalistas,
encobertos e dissimulados por uma ideologia da Escola que reina à escala universal, já que se trata de uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a Escola como neutra, desprovida de ideologia (na medida em que ...é laica), na qual os professores, respeitadores da “consciência” e da “liberdade” das crianças que lhes são confinadas (com toda a confiança) pelos “pais” (os quais são também livres, isto é, proprietários dos filhos), levam-nas a ter acesso à moralidade e à responsabilidade de adultos através de seu próprio exemplo, pelos conhecimentos, pela Literatura e pelas virtudes “libertadoras” bem conhecidas do Humanismo literário ou científico.14
13 Ibid, 16914 Ibid, 169
12
Com relação aos professores, Althusser aponta duas posturas diferentes entre estes,
uma primeira em que os professores tentam através das armas científicas e políticas que
encontram na história e no saber que ensinam se contrapor à ideologia dominante, ao sistema e as
práticas nas quais estão confinados, estes, segundo o autor, são raros. Um segundo grupo de
professores, a imensa maioria, nem suspeita do trabalho que o sistema os obriga a fazer, e os
fazem com empenho, entusiasmo, engenhosidade, estes tampouco,
duvidam de que estão contribuindo com sua própria dedicação para manter e alimentar essa representação ideológica da Escola que, atualmente, torna a Escola tão “natural” e indispensável-útil e, até mesmo, benfazeja para nossos contemporâneos, como a Igreja era “natural”, indispensável e generosa para nossos antepassados de alguns séculos atrás. De fato, atualmente, a Igreja foi substituída pela Escola: esta dá-lhe continuidade e ocupa seu setor dominante, embora ligeiramente restrito (uma vez que a Igreja, não-obrigatória, e as forças armadas, obrigatórias e ... gratuitas como a Escola, lhe fazem companhia com todo o cuidado). É verdade que a Escola pode contar com a ajuda da Família, apesar das “dissonâncias” que, após o Manifesto ter anunciado sua dissolução, perturbam seu antigo funcionamento de Aparelho ideológico de Estado, outrora, particularmente seguro. Hoje em dia, já não é esse o caso: depois de Maio, as próprias famílias burguesas de posição mais elevada sabem algo do que isso significa – algo que as abala irreversivelmente e as deixa, muitas vezes, a “tremer”.15
Estas afirmações do autor, também devem ser relativizadas e situadas no tempo e no
espaço, final da década de sessenta e início da década de setenta do século passado na França,
país europeu de grande desenvolvimento capitalista. Isto não significa que as condições hoje, são
melhores ou piores, ou que nos países subdesenvolvidos ou “em desenvolvimento” se
diferenciam ou não das afirmações apresentadas. Mas estas afirmações podem contribuir em
análises a respeito da escola e à luta de classes política e ideológica no interior destas e
compreender os limites e as contribuições que a luta ideológica pode, enquanto uma das formas
da luta de classes, dar à luta pela transformação social.
Conclusão15 Ibid, 170
13
A recuperação do referencial althusseriano pode contribuir na compreensão do papel
político/ideológico da escola e da reprodução das relações de produção, relações que se
rearticulam ou não na base econômica que se apresenta com novas formas de organização do
trabalho e das novas tecnologias, que impõe novas relações de operação dos meios de produção,
novo desenho das fábricas e uma nova constituição da circulação de mercadorias, produzindo um
mercado globalizado. Referências que indicam a dinâmica do capitalismo em produzir novas
formas de reproduzir o capital e a dominação burguesa sobre as demais classes sociais na
sociedade capitalista.
A importância de colocar-se o referencial althusseriano pode, dar elementos para
compreender-se o papel que a escola deve cumprir nesta reorganização do capitalismo e como a
classe dominante reorganiza todo o Aparelho ideológico de Estado escolar para contribuir na
reprodução do poder de classe.
Também, retomar Althusser é recuperar a contribuição que ele, como outros
denominados “reprodutivistas” deram e podem continuar dando, na análise da sociedade,
referências que são importantes para estudos que se propõe à análises “das grandes relações entre processos sociais amplos e resultados amplos dos processos educacionais”.
Tomaz Tadeu da Silva ao se referir aos “reprodutivistas”, salienta a importância da
temática por eles desenvolvida, afirmando que
esses estudos fundadores postulam que a contribuição específica e decisiva da educação para a produção e reprodução das classes reside na sua capacidade de manipulação e moldagem das consciências. É na preparação de tipos diferenciados de subjetividade, de acordo com as diferentes classes sociais, que a escola participa na formação e consolidação da ordem social. Para isto é decisiva a transmissão e inculcação diferenciada de certas idéias; valores, modos de percepção, estilos de vida, em geral sintetizados na noção de ideologia.16
Estas referências sinalizam que o marxismo continua fértil para a compreensão da
atual reorganização do modo de produção capitalista: a revolução tecnológica e as conseqüências
que essas mudanças trazem no campo social, político, ideológico e econômico. Sendo que a
16 Tomaz Tadeu da SILVA, O que Produz e o que Reproduz em Educação, 15.
14
análise deste processo só pode ser entendido em seus vários aspectos com a compreensão da
totalidade do fenômeno, a partir da luta de classes.
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