louis althusser e sua contribuição à sociologia da educação

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1 Louis Althusser e sua contribuição à Sociologia da Educação Marcos Cassin Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP Introdução Louis Althusser é um filósofo, que junto com Establet, Baudelot, Bowles, Gintis, Bourdieu e Passeron, foram alguns dos mais importantes pensadores do final da década de sessenta e início da de setenta, do século XX. Estes romperam com a tradição sociológica da educação, criando uma nova tradição, classificada pelo professor Tomaz Tadeu da Silva, como “Sociologia da Educação Crítica” ou “Teorias Crítico-Reprodutivistas da Educação”, como o professor Dermeval Saviani as chamam em seu livro “Escola e Democracia”. Neste, o professor Dermeval também reconhece que o aparecimento destas novas teorias significaram importante momento de ruptura com a velha tradição das teorias educacionais. Tomando como critério de criticidade a percepção dos condicionantes objetivos, denominarei as teorias do primeiro grupo de “teorias não- críticas” já que encaram a educação como autônoma e buscam compreendê-la a partir dela mesma. Inversamente, aquelas do segundo grupo são críticas uma vez que se empenham em compreender a educação remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos, isto é, aos determinantes sociais, vale dizer, à estrutura sócio-econômica que condiciona a forma de manifestação do fenômeno educativo. Como, porém, entendem que a função básica da educação é a reprodução da sociedade serão por mim denominadas de “teorias crítico- reprodutivistas”. 1 Para o professor Tomaz Tadeu da Silva, além da ruptura marcada pelo surgimento desta nova tradição da sociologia da educação, sua problemática central, os “mecanismos pelos quais a educação, ou mais concretamente, a escola, contribui para a produção e a reprodução de uma sociedade de classes” 2 , marcam e delimitam o campo da sociologia da educação nas últimas décadas. Estas produções, da “Sociologia da Educação Crítica” ou “Teorias Crítico- 1 Dermeval SAVIANI, Escola e Democracia, 9 2 Tomaz Tadeu da Silva, O que produz e o que reproduz em educação, 15.

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Page 1: LOUIS ALTHUSSER e sua contribuição à Sociologia da Educação

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Louis Althusser e sua contribuição à Sociologia da Educação

Marcos CassinProfessor da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP

IntroduçãoLouis Althusser é um filósofo, que junto com Establet, Baudelot, Bowles, Gintis,

Bourdieu e Passeron, foram alguns dos mais importantes pensadores do final da década de

sessenta e início da de setenta, do século XX. Estes romperam com a tradição sociológica da

educação, criando uma nova tradição, classificada pelo professor Tomaz Tadeu da Silva, como

“Sociologia da Educação Crítica” ou “Teorias Crítico-Reprodutivistas da Educação”, como o

professor Dermeval Saviani as chamam em seu livro “Escola e Democracia”. Neste, o professor

Dermeval também reconhece que o aparecimento destas novas teorias significaram importante

momento de ruptura com a velha tradição das teorias educacionais.

Tomando como critério de criticidade a percepção dos condicionantes objetivos, denominarei as teorias do primeiro grupo de “teorias não-críticas” já que encaram a educação como autônoma e buscam compreendê-la a partir dela mesma. Inversamente, aquelas do segundo grupo são críticas uma vez que se empenham em compreender a educação remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos, isto é, aos determinantes sociais, vale dizer, à estrutura sócio-econômica que condiciona a forma de manifestação do fenômeno educativo. Como, porém, entendem que a função básica da educação é a reprodução da sociedade serão por mim denominadas de “teorias crítico-reprodutivistas”.1

Para o professor Tomaz Tadeu da Silva, além da ruptura marcada pelo surgimento desta

nova tradição da sociologia da educação, sua problemática central, os “mecanismos pelos quais a

educação, ou mais concretamente, a escola, contribui para a produção e a reprodução de uma

sociedade de classes”2, marcam e delimitam o campo da sociologia da educação nas últimas

décadas.

Estas produções, da “Sociologia da Educação Crítica” ou “Teorias Crítico-

1 Dermeval SAVIANI, Escola e Democracia, 92 Tomaz Tadeu da Silva, O que produz e o que reproduz em educação, 15.

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Reprodutivistas”, também vão influenciar mais tarde outras correntes, como por exemplo, a “Nova

Sociologia da Educação”, sendo que as teorias vinculadas a esta nova corrente da sociologia da

educação têm suas preocupações mais centradas em questões de currículo, chegando a ser chamadas

também de “Sociologia do Currículo”, enquanto as primeiras se constituíam em teorias mais

abrangentes, ou seja, análises estruturais.

O aparecimento da “Nova Sociologia da Educação” dá uma grande contribuição às

teorias críticas da educação, apontando para análises de elementos reprodutores no interior da escola e

da sala de aula, revelando elementos visíveis e principalmente aqueles que não o são e contribuem na

reprodução das desigualdades sociais.

A partir deste novo quadro teórico, se desloca o centro das análises sociológicas da

educação para a problematização dos currículos escolares, estes descritos ou ocultos, onde o

fundamental é examinar o processo de estratificação do conhecimento escolar.

Apesar da grande contribuição dada pela nova sociologia da educação, seus limites são

latentes, uma vez que ela ao centrar suas análises nos processos e elementos internos da escola, perde

o que havia de fértil na sociologia da educação crítica, ou seja, o de analisar as grandes relações entre

processos sociais amplos e resultados amplos dos processos educacionais.

Este novo quadro teórico, desloca o centro das análises sociológicas da educação para a

problematização dos currículos escolares, onde o fundamental é examinar o processo de estratificação

do conhecimento escolar. Este deslocamento, do centro das análises sociológicas da educação para

a problemática dos currículos escolares, fez com que a sociologia secundarizasse a educação como

problema de seu campo de conhecimento, abrindo espaço para a chamada pedagogia crítica

tomar para si as análises da relação educação e sociedade, limitando-as em análises localizadas, o

interior da escola.

Porém, hoje, a conjuntura política, econômica, social e cultural exige da sociologia a

retomada com vigor da temática da educação como uma das áreas a ser priorizadas. É preciso

retomar as análises mais amplas e estruturais que possibilitem entender a educação neste contexto

de reorganização do capital, este se apresentando como capital globalizado, neoliberal e até como

pós-moderno.

Uma das possibilidades para estas análises é partir da compreensão de que a

reorganização do capital está centrada em um projeto político/ideológico, o projeto neoliberal.

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Göran Therbon ao afirmar que o “neoliberalismo é uma superestrutura ideológica e política que

acompanha uma transformação histórica do capitalismo moderno”3, pode levar a interessantes

análises da relação neoliberalismo e escola..

Este autor em outro momento de seu texto “A crise e o futuro do capitalismo”

afirma a tese de que a crise atual do capitalismo é mais ideológica do que econômica:

As crises constituem o ritmo de vida do capitalismo. De fato, as crises cíclicas fazem parte da vida normal deste sistema social e histórico. No entanto, no atual período, o capitalismo não enfrenta uma contradição econômica estrutural... a contradição fundamental do capitalismo atual é mais ideológica do que econômica. Ela se manifesta na destruição social criada pelo poder do mercado. 4

Estas referências podem levar à hipótese da necessidade da escola reorganizar-se para

cumprir seu papel político/ideológico de reprodutora da concepção de mundo neoliberal, sendo

expressões desta reorganização a “Conferência Mundial de Educação para Todos” realizada em

Jomtien, na Tailândia, em março de 1990, “A Declaração de Nova Delhi”, assinada em dezembro

de 1993 pelo Brasil, China, Bangladesh, Egito, México, Nigéria, Paquistão e Índia, reafirmando

seus compromissos assumidos na Conferência Mundial. No Brasil, esta lógica se materializa com

a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o novo Plano Nacional de Educação,

Parâmetros Curriculares, Diretrizes Curriculares, a política de privatização do ensino entre outras

tantas reformas pela qual a educação brasileira passa.

Nesta perspectiva, os conceitos de ideologia, de Estado e de reprodução, referências

fundamentais do pensamento althusseriano, são importantes instrumentos de análises das

mudanças atuais que o capitalismo está sofrendo na sua base de produção como também na

superestrutura, em particular a escola. Portanto, a retomada da sociologia da educação em seus aspectos mais amplos, exige

recuperar os referenciais dos teóricos da “Sociologia da Educação Crítica” e, em especial, Louis

Althusser.

3 Göran THERBON, A crise e o futuro do capitalismo, In: Emir SADER & , Pablo GENTILI (orgs), Pós-Neoliberalismo, 394 Ibid, 47

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Referencial althusserianoAo pensar a educação e, em particular, a escola a partir do referencial althusseriano,

estas devem ser pensadas a partir da concepção de Estado e de ideologia do autor. Com relação

ao Estado, este deve ser compreendido como a superestrutura da sociedade e composta pelos

Aparelhos repressivos e os Aparelhos ideológicos de Estado, ampliando o conceito de Estado

como aparece descrito na obra de Marx, mas mantendo a essência tal como aparece nesta, onde

afirma que o Estado é um instrumento da classe dominante para se manter enquanto tal, portanto

um instrumento de dominação e exploração5.

Para Althusser, o Estado é um instrumento de reprodução das relações de produção,

portanto da reprodução das condições de exploração, esta garantida pela repressão direta ou

indireta e pela persuasão, sendo que os Aparelhos repressores atuam predominantemente pela

repressão e os Aparelhos ideológicos predominantemente pela persuasão.

Também, é importante destacar a distinção que o autor faz entre o Aparelho

ideológico de Estado escolar e a escola, ou seja, o Aparelho ideológico escolar, como os outros

aparelhos ideológicos, é um sistema formado por instituições, organizações escolares e suas

práticas, independente de serem públicas ou privadas. Portanto a escola enquanto instituição é um

elemento do Aparelho ideológico de Estado escolar e não o próprio AIE escolar. Althusser

define AIE como um sistema complexo que compreende e combina várias instituições,

organizações e suas respectivas práticas.

Com relação ao Aparelho ideológico de Estado escolar, este deve ser entendido como

um sistema, dentre os vários que compõe o Estado, com o objetivo de reproduzir as relações

de produção, na sociedade capitalista o de reproduzir as relações de dominação capitalista,

portanto reprodução de relações de exploração6.5 No texto “A Ideologia Alemã”, Marx e Engels afirmam que o “Estado não é mais do que a forma de organização que a burguesia constituem pela necessidade de garantirem mutuamente a sua propriedade e seus interesses... Sendo portanto o Estado a forma através da qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer os interesses comuns. p. 95” 6 Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista ao responder as críticas da burguesia à proposta de educação dos comunistas, aponta a relação da educação e da escola como instrumento de reprodução das relações sociais, afirmam os autores: “Mas, dizeis, suprimimos as relações mais íntimas ao substituirmos a educação doméstica pela social.E não está também a vossa educação determinada pela sociedade? Pelas relações sociais em que educais, pela intromissão mais directa ou mais indirecta da sociedade, por meio da escola, etc? Os comunistas não inventaram a acção da sociedade sobre a educação; apenas transformam o seu caráter, arrancam a educação à influência da classe dominante” p.50-51.

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a existência da participação de indivíduos em práticas que não condizem com a reprodução das

relações de produção dominantes e podem contribuir na luta ideológica (luta de classes) em busca

de uma nova hegemonia no interior da escola, no AIE escolar e no próprio Estado.

Quanto à terceira tese, “A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos”, supõe

a existência de um Sujeito interpelador e do sujeito interpelado, sendo este constituído a partir do

reconhecimento e da submissão ao Sujeito interpelador.

As inferências possíveis no âmbito da escola e do AIE escolar, passam pela

compreensão dos Sujeitos interpeladores enquanto Sujeitos ideológicos, que por sua vez são

constituídos fora da escola e do AIE escolar, mas que se materializam em práticas no interior

destas e, enquanto tese de uma concepção de ideologia em geral, a constituição de Sujeitos

interpeladores é válida para as ideologias dominantes, como também, para as ideologias

dominadas.

Assim sendo, a lógica anterior leva a reconhecer a existência no interior das escolas e

do AIE escolar, como nos outros AIEs, de Sujeitos interpeladores de ideologias dominadas, estes

interpelam indivíduos que se reconhecem nestas interpelações, constituindo-se em “maus

sujeitos” que não caminham como a imensa maioria dos “bons sujeitos”, sendo que estes

caminham por si e entregues à ideologia dominante, cujas formas concretas se realizam no AIE

escolar e portanto nas escolas. Estas inferências podem contribuir na reafirmação da importância

da luta ideológica, enquanto uma das formas da luta de classes no interior das escolas e de seu

Aparelho Ideológico de Estado.

A Luta de Classes e a EscolaNo Aparelho ideológico de Estado escolar, como nos outros Aparelhos ideológicos

de Estado, a existência de idéias necessita de um suporte real e material, portanto, no AIE escolar

também se realiza a Ideologia de Estado em sua totalidade ou em parte garantindo sua unidade de

sistema “ancorada” em funções materiais, que lhe são próprias e não redutíveis a Ideologia de

Estado.

Aqui, deve-se destacar a afirmação de que os AIEs, portanto no Aparelho ideológico

de Estado escolar e suas instituições (escolas), não produzem as ideologias, mas estas se

apresentam como determinados elementos da Ideologia de Estado que se realizam ou existem nas

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instituições escolares. Também, deve-se retomar a afirmação do autor em reconhecer a existência

de outras ideologias que não a do Estado no interior do AIE escolar e de suas instituições, estas

produzidas como subproduto (ideologia subordinada) da prática em que se realiza a Ideologia de

Estado. Importante ressaltar que Althusser ao se referir às ideologias subordinadas (ideologias

secundárias) e à ideologia dominante (ideologia primária) estas se apresentam como produto da

luta de classes no interior dos AIEs, sendo presentes também no escolar e em suas instituições.

Em relação à luta de classes no interior das escolas, as afirmações sobre os Aparelhos

ideológicos sindical e político, que aparecem no texto “Sobre a Reprodução” pode-se inferir que

com relação à escola, Althusser também compreende esta, como um espaço da luta de classes,

mantendo a advertência que a luta que se trava na escola, como em qualquer outro AIE, é

limitada, uma vez que a luta de classes nasce externamente a estes.

Outra inferência que se pode fazer, em relação à escola, a partir dos escritos do autor

sobre os partidos e os sindicatos proletários, é da possibilidade de existir escolas cuja ideologia

seja radicalmente antagônica à ideologia de Estado. Aqui podem ser citadas algumas experiências

de sindicatos de trabalhadores. Os sindicatos e Centrais de trabalhadores mantém escolas e

institutos de formação, Partidos Políticos proletários também mantém escolas partidárias e

institutos de formação e de pesquisa, movimentos sociais como por exemplo as escolas do

Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) que mantém escolas sobre suas orientações

ideológicas. Aqui também tem que se relativizar a dimensão do papel destas escolas na luta de

classes, uma vez que estas instituições fazem parte do AIE sindical, político e escolar, portanto

mesmo como elementos de negação da ideologia dominante de Estado, estas fazem parte do

próprio Estado, mesmo assim não se pode negligenciar a importância das escolas na luta de

classes.

Isto significa reconhecer a escola como espaço de contradições, estas apresentando-se

como produto da luta de classes. Apesar dos limites destas no interior do AIE escolar, como nos

outros AIEs, o autor aponta para a importância da luta de classes, no interior destes (portanto no

escolar também) para a revolução, sendo a escola um dos espaços onde se desenrola a guerra de

longa duração, esta apresentando-se como “a luta de classe que pode chegar a derrubar as classes

dominantes do poder de Estado”8

8 Louis ALTHUSSER, Sobre a Reprodução, 176

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Em seu texto “Filosofia e Filosofia Espontânea dos Cientistas”, Althusser vincula o

ensino escola à educação ideológica das massas, apontando a relação direta entre ensino e a

ideologia dominante, fazendo da escola um importante espaço da luta de classes.

.. a “cultura” literária ministrada no ensino das escolas não é um fenômeno puramente escolar, é um momento entre outros da “educação” ideológica das massas populares. Pelos seus meios e efeitos, ela traz outros à superfície, postos em prática ao mesmo tempo: religiosos, jurídicos, morais, políticos, etc. Outros tantos meios ideológicos da hegemonia da classes dominante, que são todos reagrupados em volta do Estado de que a classe dominante detém o poder. Bem entendido, esta conexão, podíamos dizer sincronização, entre a cultura literária (que é o objecto-objectivo das humanidades clássicas) e a acção ideológica de massa exercida pela igreja, pelo Estado, pelo Direito, pelas formas do regime político, etc., são a maior parte das vezes mascaradas. Mas aparecem à luz do dia nas grandes crises políticas e ideológicas, onde por exemplo as reformas do ensino são abertamente reconhecidas como revoluções nos métodos de acção ideológica sobre as massas. Vê-se então muito claramente que o ensino está em relação directa com a ideologia dominante e que a sua concepção, a sua orientação e o seu controlo são um terreno importante da luta de classes. 9

Com respeito à importância da luta de classes e às escolas, esta deve ser

compreendida, também, e predominantemente no interior da maioria das escolas, onde

predominam a ideologia de Estado que cumprem o papel de reproduzir as relações de produção,

relações de dominação capitalista.

A luta de classes no interior das escolas manifesta-se dominantemente como luta

ideológica, luta pela manutenção das ideologias hegemônicas, das classes dominantes e a

resistência a esta imposição e à busca da construção de uma nova hegemonia. A escola, em seu

papel de transmissora da cultura das classes dominantes, se constitui em importante instrumento

de construção e manutenção da hegemonia ideológica, através do ensino e outras formas

ideológicas no interior das mesmas. Althusser ao se referir a este mecanismo no interior das

escolas, chama a atenção para a existência de ideologias dominadas que mesmo sem ser

reconhecidas coexistem e resistem à imposição da ideologia de Estado, afirma:

9 Idem, Filosofia e Filosofia Espontânea dos Cientistas, 45

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9

A “cultura” que se ensina nas escolas não passa efectivamente de uma cultura em segundo grau, uma cultura que “cultiva” visando um número, quer restrito quer mais largo, de indivíduos desta sociedade, e incidindo sobre objectos privilegiados (letras, artes, lógica, filosofia, etc.), a arte de se ligar a estes objectos: como meio prático de inculcar a estes indivíduos normas definidas de conduta prática perante as instituições, “valores” e acontecimentos desta sociedade. A cultura é ideologia de elite e/ou de massa de uma sociedade dada. Não a ideologia real das massas (pois em função das oposições de classe, há várias tendências na cultura): mas a ideologia que a classe dominante tenta inculcar, directa ou indirectamente, pelo ensino ou outras vias, e num fundo de discriminação (cultura para elites, cultura para as massas populares) às massas que domina. Trata-se dum empreendimento de carácter hegemónico (Gramsci): obter o consentimento das massas pela ideologia difundida (sob as formas da apresentação e da inculcação de cultura). A ideologia dominante é sempre imposta às massas contra certas tendências da sua própria cultura, que não é reconhecida nem sancionada mas resiste.10

Estas afirmações indicam, mais uma vez, a preocupação de Althusser em indicar a

necessidade de se pensar a escola como reprodutora das relações de produção e ao mesmo tempo

como importante lócus da luta de classes, esta se apresentando predominantemente como luta

ideológica. Quanto à importância que o autor dá à luta de classes no interior das escolas pode ser

percebida, também, ao afirmar que a escola na sociedade burguesa é a substituta da igreja na

Idade Média, período em que era o principal Aparelho ideológico de Estado.

Segundo Althusser, na sociedade moderna (formações sociais capitalistas) a escola

passa a ser a instituição, junto com a família, que mais tempo fica com as crianças em seus

períodos mais “vulneráveis” à inculcação ideológica. O autor justifica a predominância do AIE

escolar nas formações sociais capitalistas, uma vez que, a reprodução das relações capitalistas de

exploração é obtida principalmente através de uma “aprendizagem de alguns saberes contidos na

inculcação maciça da ideologia da classe dominante que, em grande parte, são reproduzidas as

relações de produção de uma formação social capitalista, ou seja, as relações entre exploradores e

explorados, e entre explorados e exploradores”11

Mesmo considerando que o autor se refere à realidade dos países desenvolvidos da

Europa, em que o período diário dos alunos nas escolas, sejam de seis a oito horas e que nos

10 Ibid, 4411 Idem, Aparelhos Ideológicos de Estado, 80

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países subdesenvolvidos, ou “em desenvolvimento”, a jornada escolar se reduz à metade das

horas escolares dos países desenvolvidos, isto sem falar das crianças que não têm acesso ao

ingresso e as que evadem nos primeiros anos de escola e, que a mídia nestas formações sociais

podem ocupar o papel de principal AIE de interpelação dos sujeitos, tem-se que relativazar e,

sem negar, a dimensão da importância da escola que

recebe as crianças de todas as classes sociais desde o Maternal e, a partir daí, com os novos e igualmente com os antigos métodos, ela lhes inculca, durante anos e anos, no período em que a criança é mais “vulnerável”, imprensada entre o aparelho de Estado Família e o aparelho de Estado Escola, determinados “savoir-faire” revestidos pela ideologia dominante (língua materna, cálculo, história natural, ciências, literatura), ou muito simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral e cívica, filosofia). Em determinado momento, aí pelos cartoze anos, uma grande quantidade de crianças vai parar “na produção”: virão a constituir os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte da juventude continua na escola: e haja o que houver, avança ainda um pouco para ficar pelo caminho e prover os postos ocupados pelos pequenos e médios quadros, empregados, pequenos e médios funcionários, pequenos burgueses de toda a espécie. Uma última parcela chega ao topo, seja para cair na subocupação ou semidesemprego intelectuais, seja para fornecer os agentes da exploração e os agentes da repressão, os profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, a maioria dos quais são “laicos” convictos) e também agentes da prática científica.12

O autor, como afirmado acima, também acentua o papel da escola como

selecionadora dos sujeitos aos postos de trabalho a partir do número de anos de freqüência

escolar. Nesta seleção também, deve-se acrescentar os sujeitos que ocupam postos de trabalhos

sem qualquer escolaridade, ou seja, a escola continua cumprindo seu papel de reprodutora das

relações sociais, também, ao negar acesso ao ingresso escolar à parte dos filhos dos trabalhadores.

Althusser acrescenta que esta seleção para as diferentes ocupações no processo de produção

também é acompanhado da inculcação do fracasso, do sucesso, do acerto e do erro dos sujeitos

que passaram, ou não, pela escola com períodos de permanência diferenciados.

Cada parcela que fica pelo caminho é grosso modo praticamente provida, com mais ou menos erros ou fracassos, da ideologia que convém ao papel que ela deve desempenhar na sociedade de classes: o papel de

12 Idem, Sobre a Reprodução, 168

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11

explorado (com “consciência profissional”, “moral”, “cívica”, “nacional” e apolítica altamente “desenvolvida”); o papel de agente da exploração (saber dirigir e falar aos operários), de agente de repressão (saber dar ordens e se fazer obedecer “sem discussão” ou saber manipular a demagogia da retórica dos dirigentes políticos), ou de profissionais da ideologia (sabendo tratar as consciências com respeito, isto é, o desprezo, a chantagem e a demagogia que convêm, acomodados às regras da Moral, da Virtude, da “Transcendência”, da Nação, do papel da Pátria no Mundo, etc.).É claro, um grande número dessas Virtudes contrastantes (por um lado, modéstia, resignação, submissão e, por outro, cinismo, desprezo, altivez, segurança, grandeza e sobranceria, até mesmo falar bem e habilidade) aprendem-se também nas Famílias, na Igreja, nas Forças Armadas, nos Belos Livros, nos Filmes e mesmo nos estádios. Mas nenhum Aparelho ideológico de Estado dispõe, durante um número tão grande de anos, da audiência obrigatória (e, realmente, por menos importante que isso seja, gratuita...) 6 dias em um total de 7, durante 8 horas por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista.13

Aqui, o que deve ser destacado é a relação que o autor faz da formação ideológica e a

divisão do trabalho, a ocupação dos postos de trabalho pelos trabalhadores no processo de

produção e as relações entre estes e o capital, ou seja, a relação do tempo de formação escolar

cultural/ideológica e os postos de trabalho e os papéis que se ocupa na produção.

Outra importante referência do autor em relação à ideologia da classe dominante e às

formas de conhecimento que se aprende na escola, é que a escola através de determinados

conhecimentos são eficientes instrumentos de inculcação da ideologia da classe dominante que

reproduz as relações de produção de determinadas formações sociais capitalistas,

encobertos e dissimulados por uma ideologia da Escola que reina à escala universal, já que se trata de uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a Escola como neutra, desprovida de ideologia (na medida em que ...é laica), na qual os professores, respeitadores da “consciência” e da “liberdade” das crianças que lhes são confinadas (com toda a confiança) pelos “pais” (os quais são também livres, isto é, proprietários dos filhos), levam-nas a ter acesso à moralidade e à responsabilidade de adultos através de seu próprio exemplo, pelos conhecimentos, pela Literatura e pelas virtudes “libertadoras” bem conhecidas do Humanismo literário ou científico.14

13 Ibid, 16914 Ibid, 169

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12

Com relação aos professores, Althusser aponta duas posturas diferentes entre estes,

uma primeira em que os professores tentam através das armas científicas e políticas que

encontram na história e no saber que ensinam se contrapor à ideologia dominante, ao sistema e as

práticas nas quais estão confinados, estes, segundo o autor, são raros. Um segundo grupo de

professores, a imensa maioria, nem suspeita do trabalho que o sistema os obriga a fazer, e os

fazem com empenho, entusiasmo, engenhosidade, estes tampouco,

duvidam de que estão contribuindo com sua própria dedicação para manter e alimentar essa representação ideológica da Escola que, atualmente, torna a Escola tão “natural” e indispensável-útil e, até mesmo, benfazeja para nossos contemporâneos, como a Igreja era “natural”, indispensável e generosa para nossos antepassados de alguns séculos atrás. De fato, atualmente, a Igreja foi substituída pela Escola: esta dá-lhe continuidade e ocupa seu setor dominante, embora ligeiramente restrito (uma vez que a Igreja, não-obrigatória, e as forças armadas, obrigatórias e ... gratuitas como a Escola, lhe fazem companhia com todo o cuidado). É verdade que a Escola pode contar com a ajuda da Família, apesar das “dissonâncias” que, após o Manifesto ter anunciado sua dissolução, perturbam seu antigo funcionamento de Aparelho ideológico de Estado, outrora, particularmente seguro. Hoje em dia, já não é esse o caso: depois de Maio, as próprias famílias burguesas de posição mais elevada sabem algo do que isso significa – algo que as abala irreversivelmente e as deixa, muitas vezes, a “tremer”.15

Estas afirmações do autor, também devem ser relativizadas e situadas no tempo e no

espaço, final da década de sessenta e início da década de setenta do século passado na França,

país europeu de grande desenvolvimento capitalista. Isto não significa que as condições hoje, são

melhores ou piores, ou que nos países subdesenvolvidos ou “em desenvolvimento” se

diferenciam ou não das afirmações apresentadas. Mas estas afirmações podem contribuir em

análises a respeito da escola e à luta de classes política e ideológica no interior destas e

compreender os limites e as contribuições que a luta ideológica pode, enquanto uma das formas

da luta de classes, dar à luta pela transformação social.

Conclusão15 Ibid, 170

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A recuperação do referencial althusseriano pode contribuir na compreensão do papel

político/ideológico da escola e da reprodução das relações de produção, relações que se

rearticulam ou não na base econômica que se apresenta com novas formas de organização do

trabalho e das novas tecnologias, que impõe novas relações de operação dos meios de produção,

novo desenho das fábricas e uma nova constituição da circulação de mercadorias, produzindo um

mercado globalizado. Referências que indicam a dinâmica do capitalismo em produzir novas

formas de reproduzir o capital e a dominação burguesa sobre as demais classes sociais na

sociedade capitalista.

A importância de colocar-se o referencial althusseriano pode, dar elementos para

compreender-se o papel que a escola deve cumprir nesta reorganização do capitalismo e como a

classe dominante reorganiza todo o Aparelho ideológico de Estado escolar para contribuir na

reprodução do poder de classe.

Também, retomar Althusser é recuperar a contribuição que ele, como outros

denominados “reprodutivistas” deram e podem continuar dando, na análise da sociedade,

referências que são importantes para estudos que se propõe à análises “das grandes relações entre processos sociais amplos e resultados amplos dos processos educacionais”.

Tomaz Tadeu da Silva ao se referir aos “reprodutivistas”, salienta a importância da

temática por eles desenvolvida, afirmando que

esses estudos fundadores postulam que a contribuição específica e decisiva da educação para a produção e reprodução das classes reside na sua capacidade de manipulação e moldagem das consciências. É na preparação de tipos diferenciados de subjetividade, de acordo com as diferentes classes sociais, que a escola participa na formação e consolidação da ordem social. Para isto é decisiva a transmissão e inculcação diferenciada de certas idéias; valores, modos de percepção, estilos de vida, em geral sintetizados na noção de ideologia.16

Estas referências sinalizam que o marxismo continua fértil para a compreensão da

atual reorganização do modo de produção capitalista: a revolução tecnológica e as conseqüências

que essas mudanças trazem no campo social, político, ideológico e econômico. Sendo que a

16 Tomaz Tadeu da SILVA, O que Produz e o que Reproduz em Educação, 15.

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14

análise deste processo só pode ser entendido em seus vários aspectos com a compreensão da

totalidade do fenômeno, a partir da luta de classes.

Bibliografia

ALTHUSSER, Louis. A Favor de Marx. 2ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

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