afavor de althusser - antonio negri

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/8*$5 &2080 1 SS $ IDYRU GH $OWKXVVHU 1RWDV VREUH D HYROXomR GR SHQVDPHQWR GR ~OWLPR $OWKXVVHU Antonio Negri 20 “Algo se perdeu” Quando Althusser, abrindo sua intervenção no colóquio de Il Manifesto em Veneza em 1977, parte da constatação de que “Algo se perdeu”, ele não pensa (na verdade exclui) que esta ruptura possa referir-se categórica e unicamente à análise da multiplicação dos efeitos perversos do estalinismo sobre o movimento operário internacional a partir dos anos 1930. O desvio estalinista é evidente, WUiJLFR H FRQVLGHUiYHO HP $OWKXVVHU GH¿QLULD R HVWDOLQLVPR FRPR D IRUPD “encontrada” (“não premeditada”) pelo imperialismo para explorar as populações no interior do mundo socialista. A tensão que conduziria em 1986 a este acer- to de contas já está presente em sua intervenção de 1977 (ALTHUSSER, 1992, p. 217). Mas é precisamente por isso que não podemos atribuir a “crise atual” e a “ruptura” pura e simplesmente ao estalinismo. O problema das crises recorrentes do movimento operário é muito mais profundo: está na própria natureza desse movimento, que é “feito” de lutas e contradições. O problema não é a crise, mas a ruptura, isto é, o fato de que esta crise não produz efeitos construtivos, mas destru- tivos. Além da denúncia do estalinismo, portanto, a análise teórica deve ater-se ao processo de formação do pensamento comunista, à função criativa, construtiva, da crise com que ele sofre. Para discutir esta questão, examinemos alguns pontos essenciais do discurso de Marx – neste caso, a teoria da mais-valia e da exploração e, em segundo lugar, a teoria do Estado e da relação dialética entre luta econômica e luta política. No primeiro caso – nos diz Althusser – Marx construiu uma teoria essencialmente “quantitativa” da mais-valia, deduzindo daí consequências polí- ticas totalmente impróprias à compreensão e à crítica da exploração, da função da ideologia, da complexidade do processo de submissão da sociedade ao capi- talismo. No segundo caso, a teoria de Marx e, com maior razão, a de Lênin, são 19 Texto originalmente publicado sob o título Pour Althusser. Notes sur l’évolution de la pensée du dernier Althusser em Futur Antérieur, Editions L’Harmattan, 1993, pp.73-96. 20 Traduzido por Pedro Eduardo Zini Davoglio.

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AFavor de Althusser - Antonio Negri

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  • /8*$5&20801SS

    $IDYRUGH$OWKXVVHU1RWDVVREUHDHYROXomRGRSHQVDPHQWRGR~OWLPR$OWKXVVHU

    Antonio Negri20

    Algo se perdeu

    Quando Althusser, abrindo sua interveno no colquio de Il Manifesto em Veneza em 1977, parte da constatao de que Algo se perdeu, ele no pensa (na verdade exclui) que esta ruptura possa referir-se categrica e unicamente anlise da multiplicao dos efeitos perversos do estalinismo sobre o movimento operrio internacional a partir dos anos 1930. O desvio estalinista evidente, WUiJLFRHFRQVLGHUiYHOHP$OWKXVVHUGHQLULDRHVWDOLQLVPRFRPRDIRUPDencontrada (no premeditada) pelo imperialismo para explorar as populaes no interior do mundo socialista. A tenso que conduziria em 1986 a este acer-to de contas j est presente em sua interveno de 1977 (ALTHUSSER, 1992, p. 217). Mas precisamente por isso que no podemos atribuir a crise atual e a ruptura pura e simplesmente ao estalinismo. O problema das crises recorrentes do movimento operrio muito mais profundo: est na prpria natureza desse movimento, que feito de lutas e contradies. O problema no a crise, mas a ruptura, isto , o fato de que esta crise no produz efeitos construtivos, mas destru-tivos. Alm da denncia do estalinismo, portanto, a anlise terica deve ater-se ao processo de formao do pensamento comunista, funo criativa, construtiva, da crise com que ele sofre.

    Para discutir esta questo, examinemos alguns pontos essenciais do discurso de Marx neste caso, a teoria da mais-valia e da explorao e, em segundo lugar, a teoria do Estado e da relao dialtica entre luta econmica e luta poltica. No primeiro caso nos diz Althusser Marx construiu uma teoria essencialmente quantitativa da mais-valia, deduzindo da consequncias pol-ticas totalmente imprprias compreenso e crtica da explorao, da funo da ideologia, da complexidade do processo de submisso da sociedade ao capi-talismo. No segundo caso, a teoria de Marx e, com maior razo, a de Lnin, so

    19 Texto originalmente publicado sob o ttulo Pour Althusser. Notes sur lvolution de la pense du dernier Althusser em Futur Antrieur, Editions LHarmattan, 1993, pp.73-96. 20 Traduzido por Pedro Eduardo Zini Davoglio.

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    FODUDPHQWHLQVXFLHQWHVHFHUWDPHQWHQmRQRVHQWLGRTXHRVHXURFRPXQLVWDVHRXWURVFRPR%REELRGLVVHUDPDVHXWHPSRDUPDQGRVXDLPSRVVLELOLGDGHGHpassar dos elementos da crtica do Estado burgus construo do Estado da socialdemocracia; ao contrrio, diz Althusser, a crise do ensinamento de Marx e de Lnin a respeito do Estado deve-se ao fato de que a crtica radical do Estado burgus no est acompanhada de uma perspectiva de reconstruo do poder na prtica das massas, nem de uma crtica preventiva dos desvios da ditadura do proletariado, e tampouco de uma hiptese criativa sobre as prticas constituintes de massa que se desenvolvem entre a destruio do Estado e a construo de uma nova ordem social. Sobre esses pontos, nos clssicos do marxismo, a crtica permanece aberta.

    No obstante, mesmo em momentos como esse, a crise til ao conceito. Uma concepo quantitativa da explorao permite reunir massas considerveis na luta revolucionria a propsito do salrio. Uma concepo destrutiva do Estado permite acentuar o processo insurrecional. Mas no atualmente. Atualmente algo est erado ou, dito de outro modo, a possibilidade de utilizar positivamente a cri-se est descartada. Por qu? Porque um elemento diferente, aleatrio, um fora, XPGHWUiVDOJRLQHVSHUDGR LQWHUYHLRPDFLoDPHQWH$ORVRDPDU[LVWDGDprtica social no pode fazer nada alm de sofrer esta irrupo do real na esfera do conceito. Porque, a partir desse momento, ela deve renovar seus instrumentos para contribuir novamente com a luta.

    Mas o que esse elemento novo, aleatrio e, portanto, muito real, que URPSHDFRQWLQXLGDGHGDSUiWLFDORVyFD"1RPRPHQWRVRPRV LQFDSD]HVGHnomin-lo: sabemos somente que o sentido da crise foi invertido: embora antes estivessea servio da revoluo, no presente torna-se negao de sua possibili-GDGH&RPR"3RUTXr"2OyVRIRQmRSRGHWRPDUROXJDUGRUHDORUHDOIDODHROyVRIRLQWHUSUHWDRUHDODRLQWHUSUHWDUDVSUiWLFDV3RUTXHHQWmRDLQYHUVmRdo sentido da crise? A esse questionamento radical, Althusser no fornece, no momento, resposta alguma. Serpor razes de oportunidade poltica? Porque a resposta s pode nascer no seio de um movimento operrio organizado? No, em 1997 j estava amadurecida em Althusser a conscincia da incapacidade dos diferentes partidos comunistas de responderem a esta questo. Seu escrito, pu-blicado em Le Monde em 1978, a propsito da poltica do Partido Comunista Francs (PCF) e de sua incapacidade estrutural de se abrir crtica do real, j implicitamente claro. E Althusser no nutre iluses a respeito do movimento esquerdista: h muito tempo j no um movimento subversivo e radicalmente inovador, desde o instante preciso em que deixou de ter a fora e uma ideologia

  • Antonio Negri

    VXFLHQWHPHQWHDUWLFXODGDSDUDUHVLVWLUjFKDQWDJHPGDVFRUSRUDo}HVRSHUiULDVorganizadas pelo PCF, no curso dos anos que se seguiram imediatamente a 1968. Depois disso, j era muito tarde.

    , assim, em uma situao de vazio da prtica, e,portanto da teoria, que a questo de saber o que se perdeu deve ser abordada. A resposta ruptura e a GHQLomRGRHOHPHQWRDOHDWyULRTXHDSURGX]LXFRQVWLWXHPDVVLPRRFRQGXWRUGHXPQRYRTXHVWLRQDPHQWRORVyFROHYDGRDRH[WUHPR8PD~OWLPDQRWDDSUR-psito desta radicalidade extrema do questionamento: o pensamento de Althusser revela aqui, novamente, sua natureza essencial de pensamento sintomal, de an-lise intempestiva, que se desenvolve atravs de saltos qualitativos. Descontinui-dade e intempestividade so a alma da prtica terica, como a crise a chave da dinmica real. Se no momento falta uma resposta substancial questo proposta, a metodologia, entretanto, est preparada para a radicalidade do processo real e, portanto, terico. Como Althusser est prximo de Benjamin!

    A solido de Maquiavel

    O fato de que a crise compromete a realidade da revoluo mundial no exclui a necessidade da prtica terica. A crise continua sendo o pressuposto do pen-VDPHQWRFUtWLFRDPGHTXHHOHSRVVDWRUQDUVHQRYDPHQWHRPRWRUGRPRYLPHQWRrevolucionrio. Mas algo se perdeu: no apenas no real, mas tambm em ns, na ORVRDHQTXDQWRDWLYLGDGHTXHGHVHPSHQKDPRVHRUJDQL]DPRVHQWUHSUiWLFDHconceito. na solido que podemos agora continuar produzindo teoria e projeto da prtica. A partir de 1978, Althusser retoma, repetindo, reelaborando anlises e con-FHLWRVVHXWUDEDOKRVREUH0DTXLDYHO0DTXLDYHORSROtWLFRHROyVRIRRVHPSUHsolitrio. Num primeiro momento, Maquiavel aparece a Althusser sob o disfarce do poltico; mais tarde, a anlise tender cada vez mais a colocar em primeiro plano o DVSHFWRORVyFR$SDUWLUGHVWHUHLQLFLRGDSHVTXLVDKiXPDFRQIHUrQFLDHPno Institut dstudes Politiques, A solido de Maquiavel. O princpio que sustenta a anlise a descoberta de um paradoxo: Pensar o novo na ausncia de todas as condies. Aqui est Maquiavel. Sua escolha poltica escolha de campo; uma singularidade intempestiva, um pensamento do poder que devm enigma, na medi-da em que falha em resolver praticamente os problemas postos pela sua participao na vida poltica de um pas. Retomando a anlise tradicional do pensamento de Maquiavel (que remonta a De Sanctis e a Gramsci), Althusser apresenta-o como um pensador ante litteram da unidade italiana, como o terico de um Estado unitrio, novo, livre dos entraves feudais que caracterizaram as velhas estruturas do poder principesco ou republicano: um Estado capaz de durar, de crescer.

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    Mas isso no o essencial. Com efeito, depois de ter recuperado a inter-pretao tradicional de Maquiavel, Althusser a inverte: no tanto o projeto que revela o carter radical expressado pelo pensamento de Maquiavel quando ele encara a impossibilidade de realizar o projeto, o pensamento do novo, consequen-temente, na ausncia de todas as condies da renovao. Ou melhor, na ausncia de todas as condies de possibilidade: o desejo de um Estado unitrio e de um Prncipe novo est ontologicamente presente nas massas e o processo constituti-vo da imaginao revolucionria e da prtica de acumulao organizativa esto bastante ativos no pensamento. Mas tudo isso no afeta as condies histricas HIHWLYDVQmRDEUHRSURFHVVRFRQVWLWXLQWHSDUDDOpPGDVGLFXOGDGHVTXHDVLWXD-omRLQWHUQDFLRQDOLPS}Hj,WiOLDGR5HQDVFLPHQWRWDUGLR2SHQVDPHQWRFLHQWtFRde Maquiavel, inervado por uma potncia constitutiva sem igual, ento aqui, REULJDGRDGHQLUVHQD VHSDUDomRPDVD VHSDUDomRHD VROLGmRFRQVWLWXHPRmximo de radicalidade queo pensamento oferece ao carter aleatrio do devir, da historicidade, em um horizonte completamente a-teleolgico.

    $VVLPQmRpDJXUDGROHmRTXHFDUDFWHUL]DRSHQVDPHQWRGH0DTXLD-vel, seu culto realista da fora, mas a da raposa, o escndalo que representa a simulao da revoluo na ausncia de todas as suas condies e a provocao que consiste em expressar ininterruptamente uma verdade revolucionria que inaceitvel nas condies dadas. A raposa a verdade proibida e forada. Ou, dito de outra maneira, a violao da impossibilidade e, ao mesmo tempo, a in-FHVVDQWHUHGHQLomRWHyULFDGRSRVVtYHO1DUXSWXUDGDFRQWLQXLGDGHKLVWyULFDDsolido devm, ento, intempestividade criadora. O quadro estrutural da anlise terica althusseriana precedente completamente invertido: a teoria no indica mais as convergncias e as consequncias de modo estrutural e sistemtico, ela indica, ao contrrio, as rupturas e os paradoxos, os vazios e os centros da crise. A leitura de Maquiavel comea a apresentar seu distanciamento em face da interpre-WDomRFDQ{QLFDGH*UDPVFLGDTXDOHODSDUWLXLVWRVLJQLFDTXHGDtHPGLDQWHGramsci e Maquiavel no so mais apresentados enquanto fundadores de partido, mas como descobridores da hiptese do carter aleatrio, da relao intempestiva entre a radicalidade do projeto de libertao e a ausncia, o vazio de condies. Na parte indita da conferncia de 1978, Althusser evoca as surpresas e os en-contros impossveis que o aprofundamento desta leitura de Maquiavel poderia SHUPLWLU7UDWDVHGHFRQVWUXLUDLPDJHPGHXP0DTXLDYHOOyVRIRRPDLRUGHWRGRVRVWHPSRVTXHDQWHFLSDHSUHJXUD6SLQR]DH+HLGHJJHU)UHXGH'HUULGDaos quais viro muito rapidamente somar-se Nietzsche e Deleuze.

  • Antonio Negri

    Por qu? Porque aqui, pela primeira vez na histria do pensamento revo-lucionrio, a historicidade descrita enquanto ponto de vista constitutivo, pleno GRGHVHVSHURGDGHUURWDHYD]LRGHWRGDSUHJXUDomRTXHQmRVHMDVRPHQWHGHVH-jo, a universalidade de um desejo aleatrio. Algum tempo mais tarde, durante a redao de O amanh dura muito tempo, Althusser retorna a Maquiavel. Esse texto, bem como outro sobre Spinoza, no so publicados na $XWRELRJUDD. Al-thusser o destina a um pequeno livro separado, consagrado a esses autores (AL-THUSSER, 1992). Ali, nessas paginas inditas, a tomada de distncia em face da interpretao gramsciana de Maquiavel, anteriormente anunciada, se realiza ple-namente. As surpresas e os encontros impossveis se concretizam. O afasta-mento das utopias infantis de Gramsci total. De outro modo, o pensamento da raposa assume uma consistncia nova: ser raposa enquanto condio para GHYLUOHmRVLJQLFDGDOLHPGLDQWHRFXSDUVHGDSRWrQFLDGRFRUSRGRVFRUSRVda multido, mais que do poder e da poltica. O poder e a poltica aparecem como privados de todas as determinaes que no sejam aquelas da violncia e, consequentemente, como o oposto de uma potncia que reside no povo, no social, nas articulaes microfsicas dos corpos e das resistncias.

    A referncia a Foucault e a Deleuze, porm, desenvolvida sobre um terreno ontologicamente diferente: Althusser no se interessa unicamente pela in-tempestividade e a descontinuidade da potncia social, ou pela microfsica e a di-fuso rizomtica das resistncias, ele procura revelar esta multiplicidade enquanto signo de uma multido de trajetrias ontolgicas, de subjetividades fundadas so-bre a estabilidade de uma tendncia comunista. A intempestividade maquiavelia-na, o vazio das condies segundo as quais se mede o desejo, a ausncia de de-terminaes positivas, tudo aquilo que ontem repousou sobre a irreversibilidade GDGHQLomRRQWROyJLFDGRGHVHMRUHSRXVDKRMHVREUHDGHQLomRGRFRPXQLVPRcomo realidade que no se pode suprimir. Maquiavel comunista? Certamente no. E, no entanto, Maquiavel, pensador de uma prtica que funda o desejo de potncia sobre a plenitude de uma ontologia positiva e sobre o nada das condies histri-cas. evidente que a problematizao da crise atual encontra aqui, em sua base, DQHFHVVLGDGHGHXPDUHGHQLomRGRFRPXQLVPRHQTXDQWRKRUL]RQWHLUUHYHUVtYHOda ao humana e da prtica terica.

    Margens, interstcios

    2TXHVLJQLFDHQWmRGHVHQYROYHUXPDSUiWLFDUHYROXFLRQiULDQDDX-VrQFLDGH WRGDVDVSRVVLELOLGDGHV"2TXHVLJQLFDSHQVDURQRYRQRYD]LRGHWRGDFRQGLomR"6LJQLFDHPSULPHLUROXJDULQYHUWHURSRQWRGHYLVWDWUDGLFLRQDO

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    GDORVRDGLWRGHRXWURPRGRDSUHVXQomRGHSHQVDURUHDOLELGHP$UHFXVDDOWKXVVHULDQDGDHSLVWHPRORJLDQmRpDTXLVHQmRDUHWRPDGDHDFRQUPDomRGHuma atitude que est na base da prtica terica. E, no entanto, essa recusa da epistemologia e de todas as teorias idealistas do conhecimento aprofundou-se e abasteceu-se de uma nova intensidade, porque o que necessrio no momento pensar com o corpo. O problema no , ento, simplesmente o de recusar o idealismo, mas tambm toda forma de materialismo que no assume um ponto de vista rigorosamente nominalista e, sobretudo, a corporeidade da adeso ao ver-dadeiro como index et sigillum sui.

    Em segundo lugar, ento, assumir a responsabilidade de pensar o novo VREUHRYD]LRGHWRGDVDVFRQGLo}HVVLJQLFDSHQVDUFRPRFRUSReSRLVDUPDUuma prtica terica em que corpus et mens so uma s e mesma coisa, um es-cudo imediato contra toda prtica especulativa. entre Maquiavel e Spinoza que VHDUPDDYLDUHDOGRPDWHULDOLVPRHVVDYLDTXH0DU[WDPEpPSHUFRUUHUi'HMaquiavel, de sua concepo do poltico, de sua considerao radical do carter factual e aleatrio de toda conjuntura, j se tratou. Agora, Spinoza quem nos permitir avanar21QmRVRPHQWHHPUD]mRGHVXDGHVPLVWLFDomRGDWHRORJLDTXHo faz criador da moderna teoria da ideologia), no somente em virtude de sua retomada, sob a forma de uma refundao, do nominalismo (que retira assim da HSLVWHPRORJLDWRGDSUHWHQVmRGHID]HUSDUWHGDORVRDPDVVREUHWXGRSRUVXDteoria do corpo e do mundo imediatamente vivido que ele propriamente elaborou. Nas obras anteriores de Althusser, Spinoza aparecia, sobretudo como o funda-dor de um horizonte materialista estruturalista, como o principal intrprete da teoria do processo sem sujeito. Aqui a interpretao de Spinoza aprofundada e o anti-humanismo de Althusser, modelado sobre o pensamento de Spinoza, se fortalece e se dinamiza, uma vez que na teoria do corpo em Spinoza, Althusser encontra esta unidade ligada ao projeto do corpo e da alma, esta potncia sem condies, esta antecipao formidvel de uma libido positiva que nos conduz a uma abordagem do mundo na qual a relao entre singularidade e universalidade se d no interior da prtica terica.

    Para apoiar seu ponto de vista, Althusser oferece uma ampla discusso do conhecimento de terceiro gnero em Spinoza. Esta interpretao muito prova-YHOPHQWHGLVFXWtYHOGRSRQWRGHYLVWDGDORORJLDVSLQR]DQDHHPWRGRFDVRQmResclarece plenamente este conceito bastante misterioso. Ela lana, contudo, uma luz sobre o conceito althusseriano de pensar atravs do corpo: um pensar que, na

    21 Ver o manuscrito Spinoza, preparado no interior do trabalho para a $XWRELRJUDD, 1986 (datilografado, Arquivos IMEC).

  • Antonio Negri

    apreenso do real, estende ao mximo a potncia da subjetividade no horizonte de uma universalidade nominal e,no obstante, fundamentalmente real, que constri, portanto, sempre um limite em que o ser real e concreto e o no-ser abstrato se encontram, em uma proximidade e uma distncia constantemente reconstrudas. Est em ao aqui, uma vez mais, a metodologia da raposa: no conhecimento de terceiro gnero spinozano em Althusser, o amor spinozano devm prtica, e a inteligncia de Deus (intellectualis Dei) devm deslocamento liminar do desejo, universalidade que aprendemos na prtica e que realizamos na tendncia.

    Mas voltemos ao real, isto , a Marx. Como fazer coincidir esta nova lei-tura da dinmica abstrato-concreto com a anlise terica do projeto revolucion-rio? O que dizer sobre a relao descrita por Marx (e resgatada pelo Althusser de Ler o capital e, sobretudo por aquele de Aparelhos Ideolgicos de Estado (A.I.E.)) entre singularidade do trabalho vivo e dominao abstrata do Capital e do Estado? Essa relao, considerada em outros momentos na sua interao, j no pode mais ser tida como tal: Agora as coisas mudaram bastante. O que houve realmente? Houve que a ideologia estendeu massivamente sua dominao sobre todo o real. O real se confunde em grande parte com a ideologia. Se os AIE engendravam o poder e o singularizavam mecanicamente atravs de diversas instituies, hoje em dia esse poder funda-se no todo do processo social. O mundo, diramos ns, est subsumido ao capital. Althusser, sem estender-se demais, segue nesse ponto o pensamento de seu aluno e amigo, Michel Foucault. Mas, como para Foucault, esta ampliao ps-moderna do poder dos AIE, esta sobredeterminao ulterior GDGRPLQDomRTXHDVXDXQLFDomRSURYRFDQmRVHSDVVDVHPUHVLVWrQFLD5HVLV-WrQFLDGRFRUSRUHVLVWrQFLDGRVFRUSRV0DVRQGHHFRPRYHULFiODQRLQWHULRUde uma lgica de total subsuno da sociedade ao capital? Onde, no interior de um tecido em que toda alternativa geral faliu (o socialismo uma merda)? ao corpo, ao que imediatamente vivido, que o pensamento deve dirigir-se, de modo totalmente spinozano: l onde os corpos se organizam nos interstcios do poder capitalista nos quais vivem (como fora durante a acumulao capitalista originria) relaes de comunidade, l onde a resistncia produz zonas em que no reinam as relaes de mercado22. Novamente o tecido ontolgico do co-munismoque se ope, resiste, reconstri, contra a totalidade da dominao.

    O comunismo, hoje, no se apresenta como projeto, mas como resistn-cia, contrapoder, singularidade, que est no corao do sistema (ilhas de co-munismo, interstcios, interpretaes singulares do clinamen epicurista

    22 L. Althusser, Lavenir dure longtemps, cit., p. 217-218. Mas ver outras indicaes sobre os mesmos temas nas pginas que seguem este artigo.

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    emanando de grupos resistentes) ou ainda na margem do sistema: ali onde o totalitarismo da subsuno capitalista do social ainda no se realizou. Deve-se FRQDUFRQWUDR(VWDGRFRQWUDRFDSLWDOFRQWUDRVSDUWLGRVQRVPRYLPHQWRVGHmassa, na forma criativa de sua expresso (coordenaes isentas de dominao KLHUiUTXLFDVyHOHVVmRFDSD]HVGHVXVFLWDUDOLEHUWDomRGHXQLFDUDVUHVLVWrQ-cias insulares e as potncias marginalizadas contra a lgica do poder. Afastamos--nos novamente de Gramsci e dos vcios de terceiro internacionalista de sua teoria: o pessimismo da razo e o otimismo da vontade, Althusser nos diz, no tm qualquer utilidade para quem age nesse terreno: o voluntarismo, deci-didamente, no compensa. Ao contrrio, o otimismo da razo enquanto inteli-gncia da resistncia necessria, isto , deste antagonismo inevitvel que operar a renovao nesta Holzweg der Holzweg, a partir deste caminho de caminhos que no conduzem a lugar algum e que, entretanto, nos obstinamos a percorrer, sem programa, tomando o trem em marcha, sem cessar de nos aventurarmos no territrio do ser desconhecido.

    O Kehre althusseriano

    Trata-se de um momento do ltimo Althusser, beira da crise vital que o conduzir a um relativo isolamento, no qual se realizar um giro decisivo do seu pensamento. Como em todo KehreORVyFRRVHOHPHQWRVGHFRQWLQXLGDGHHos elementos inovadores se entrelaam, mas os segundos conquistam a hegemo-QLD$ FRQWLQXLGDGH GR SHQVDPHQWR GH$OWKXVVHU VH YHULFDWDPEpPQHVVDPX-dana, particularmente quando examinamos sua metodologia: ele continua, com efeito, a desenvolver uma leitura sintomal23 do real (dos textos e dos acontecimen-tos) ou dito de outra maneira, uma leitura que no exalta tanto os elementos que constituem logicamente o conceito ou o acontecimento, mas os que desorganizam e debilitam sua ordem. Aplicado a Marx em Ler O capital, o mtodo sintomal estende-se, porm e nisso que consiste a novidade da pesquisa anlise da crise do marxismo, da catstrofe do socialismo real e, sobretudo, da coerncia do SRGHUFDSLWDOLVWDTXHpUHDUPDGRQDSDVVDJHPjVXEVXQomRUHDOGDVRFLHGDGHDRcapital, entendida como totalidade do controle ideolgico.

    $LQRYDomRpPXLWRLPSRUWDQWH3DUDUHVXPLUVHXVLJQLFDGRpVXFLHQWHGHVWDFDUDTXLTXHDSUySULDGHQLomRGHPDWHULDOLVPRWUDQVIRUPRXVHGDrQIDVHna crtica das relaes de produo, a ateno deslocada para os processos

    23 J.M. Vincent, La lecture symptomale chez Althusser, interveno no colquio da Universi-dade Paris VIII-Saint-Denis, sobre Althusser, novembro de 1991 (publicado nesta coletnea).

  • Antonio Negri

    constitutivos de novas foras produtivas, o que tem consequncias determinan-WHVHPSULPHLUROXJDUXPDFRQVLGHUDomRDEHUWDHTXHGHQLWLYDPHQWHGHL[RXGHser estrutural, hermenutica), das relaes existentes entre foras produtivas e relaes de produo; em segundo lugar, uma insistnciacada vez mais fortenos fatores subjetivos do desenvolvimento histrico, considerados segundo uma l-gica esquizo de fragmentao dos processos objetivos; em terceiro lugar, uma acentuao da considerao do aleatrio, do fortuito, do acontecimental que consequentemente so entrevistos como possibilidade aberta interveno constitutiva da subjetividade. Intil destacar, um pouco cruelmente, que Althusser perdeu muito tempo e talvez tenha perdido algumas ocasies histricas decisivas, antes de aceitar o que Rancire (aluno sempre amado, segundo o testemunho da $XWRELRJUDD24 lhe props desde o incio dos anos 1960.

    Melhor seria insistir sobre a profundidade dessa passagem que vai de uma concepo metodolgica e hermenutica de uma teoria fragmentada (a lei-tura sintomal) a uma concepo ontolgica da crise como chave de leitura do processo histrico e da potncia como motor de transformao do real. Potncia, como o poltico maquiaveliano, como a potentia spinozana, como a Wille zur Macht nietzcheana. No mais questo, porm, de luta de classes na teoria. Nem de prtica terica na ideologia. Ou melhor, ainda encontramos tudo isso, mas encontramos, sobretudo, a procura por uma subjetividade aberta que busca elabo-rar simultaneamente teoria e luta, a saber, um conceito de prtica no qual resolver DORVRD$ORVRDHQTXDQWRKampfplatz, est reconhecida no presente.

    Convm nos determos ainda um momento sobre a importncia dessa passagem, para insistir sobre o fato de que no se trata de um salto na noite, de uma escolha arbitrria. As continuidades so to importantes quanto as desconti-nuidades, mesmo que o novo domine o quadro metodolgico. Com efeito, alm do mtodo, mas com consequncias determinantes sobre o mtodo, a transfor-mao conceitual funda-se sobre o aprofundamento contnuo da temtica dita dos AIE. A esse propsito, Althusser considera sua contribuio teoria mar-xista como fundamental. Com efeito, a relao estrutura-superestrutura aqui GHQLWLYDPHQWHLQWHUURPSLGD0DVDXQLGDGHGRPDUFRUHFRQTXLVWDGRQmRVHUiVXFLHQWHPHQWHHVWDEHOHFLGDHQTXDQWRQHOHQmRHVWLYHU[DGDDFRQVROLGDomRGHuma nova situa o histrica. Na sua terminologia, na inteligncia de um proces-VRGRTXDOVHJXHPPRQVWUXRVRVGHVHQYROYLPHQWRV$OWKXVVHUGiDTXLDVXDGH-

    24 L. Althusser, Lavenir dure longtemps, op. cit., p.226 e seguintes. Cf. J. Rancire, Sur la thorie de lideologie. La politique dAlthusser, in Lhomme et la socit, n. 27, Editions Anthropos, 1973.

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    nio do ps-moderno como a expanso contnua e a contiguidade totalitria sempre mais intensa do funcionamento dos AIE. Sobre a continuidade e sobre a FRQWLJXLGDGHHIHWXDVHHQWmRXPVDOWRTXDOLWDWLYR(VHDDQWLJDGHQLomRGRV$,(SHUPLWLDGHQLUDOXWDGHFODVVHVQDWHRULDDJRUDDOXWDGHFODVVHVLVWRpDluta poltica pela democracia, pela expresso da potncia da multitudo, deve ser orientada para fazer frente ao novo adversrio, neste enraizamento real que o equivalente de sua potncia ideolgica. O chamado subjetividade no ento XPHVFDPRWHLRpDRFRQWUiULRDLGHQWLFDomRGRWHUUHQRQHFHVViULRSDUDXPDrplica antagonista restruturao capitalista. evidente que o discurso, em per-IHLWDFRHUrQFLDFRPDGHQLomRDOWKXVVHULDQDGDQRYDVXEMHWLYLGDGHSRGHULDVHUaplicado natureza nova das foras produtivas, sobre os caracteres imateriais, abstratos, cooperativos do trabalho social. a, com efeito, que a nova subjetivi-dade se forma, e a que ela tem possibilidade de recolocar o desejo revolucio-nrio. Mas Althusser no se detm seno de modo episdico sobre este aspecto scio-poltico do discurso25.

    eDTXLSRUPTXHFRPSUHHQGHPRVRVHQWLGRGHVWHDOJRVHSHUGHXGHonde partiu toda a crise do pensamento althusseriano. Est perdida, com efeito, a possibilidade de lutar face a face (de frente), porque o capitalismo nivelou o terreno da relao entre Estado e sociedade ao ponto de confundir um e outro (este outro ponto em que a referncia a Gramsci no mais possvel), porque o Estado tornou-se, consequentemente, um ponto privado de contedo e apenas a sociedade apresenta-se ao mesmo tempo como terreno absolutamente reabsor-vido no poder e totalmente disponvel exploso do aleatrio, porque a partir de agora a explorao, mais do que atravessar as linhas de diviso entre as classes, insinua avanar sobre as conscincias e as dimenses subjetivas de todos os atores sociais de modo que falar de transio socialista no faz mais sentido. A crtica deste ltimo conceito nos permite, talvez melhor do que qualquer outro ponto, esclarecer a continuidade e a diferena do pensamento de Althusser na Kehre. Na crtica do conceito de transio socialista resume-se, com efeito, a recusa de toda perspectiva teleolgica que prpria ao pensamento althusseriano desde RLQtFLRGHVXDDYHQWXUDORVyFDHGHRXWURODGRHHVWHpXPHOHPHQWRQRYRno pensamento de Althusser, surge aqui uma concepo da passagem a outra coisa, isto , o processo revolucionrio como passagem aleatria totalmente imprevista, mas muito real ao comunismo. A tabula rasa, que a prtica terica impe contra toda teleologia residual o equivalente adequado da nova situao

    25 , sobretudo no Postface linterview Navarro, op. cit., que Althusser introduz o conceito de sociedade de comunicao.

  • Antonio Negri

    de dominao social totalitria da ideologia qual o desenvolvimento capitalista nos fora. Aqui est perdida a ltima possibilidade do socialismo: apenas o comu-nismo real. A est o contedo da Kehre na prtica terica de Althusser.

    O materialismo aleatrio

    'XDVJUDQGHV WUDGLo}HVVHRS}HPQDKLVWyULDGRSHQVDPHQWRORVyFRconstituindo o KampfplatzTXHpDORVRD0DVHVVDVGXDVWUDGLo}HVDQWDJR-nistas no so aquelas do idealismo e do materialismo. Trata-se, de um lado, da tradio do materialismo aleatrio e, de outro,de todo o resto. H formas de PDWHULDOLVPRFRPRDTXHODVTXHRVWDOLQLVPRVDQWLFRXTXHFRQVWLWXHPGHSOHQRGLUHLWRXPHOHPHQWRGD WUDGLomREHQGLWDGRSHQVDPHQWRORVyFR LVWRpGDWUDGLomRTXH MXVWLFD R SRGHU H H[DOWD R(VWDGR(PRSRVLomR p GDVORVRDVidealistas ou espiritualistas que se alimentou a tradio maldita do pensamento ORVyFRDTXHODTXHVHLQVWDXUDVREUHDSRWrQFLDHVDEHH[SUHVVDUDFUtWLFDSUiWLFDdo poder e da ideologia. As duas tradies, a do materialismo aleatrio e a da jus-WLFDomRLGHDOLVWDGRSRGHUQmRFHVVDUDPGHRSRUVHDRORQJRGHWRGDKLVWyULDGRSHQVDPHQWRRFLGHQWDOIUHTXHQWHPHQWHGHPDQHLUDKLSyFULWDPLVWLFDGD

    Althusser reconhece aqui que ele prprio tambm cedeu, em sua primeira H[SHULrQFLDGHOyVRIRPDU[LVWDDXPGHVYLR LGHDOLVWD R WHRULFLVPRFRPRREMHWLYRGHFRPEDWHUQR LQWHULRUGRPRYLPHQWRRSHUiULRRFLDO D FDODPLGDGHdo pensamento socialista que era representada pelo diamat (Dialektische Ma-terialismus). Mas desde ento os tempos mudaram: essas estratgias tericas no servem mais para nada. Em todo caso, a partir de Maquiavel torna-se explcita esta longa tradio que desde Epicuro se tem nutrido da heresia e da luta. sobre HVVDEDVHTXHRFRQIURQWRLGHROyJLFRQDORVRDHQDVFLrQFLDVKXPDQDVFRQWL-nua aberto.

    Em Maquiavel, o materialismo aleatrio funda-se sobre a modernida-de; em Spinoza, o materialismo aleatrio se explicita como ponto de vista do conjunto sobre a natureza, sobre o homem e sobre a histria. A destruio de WRGRKRUL]RQWHWHOHROyJLFRLVWRpDDUPDomRSRVLWLYDGHXPDOyJLFDGRDFRQWH-cimento, uma caracterstica fundamental do materialismo aleatrio. Esta lgica aparece em Maquiavel, quando a concepo do acontecimento e da historicidade se d de acordo com o esquema se... ento.... A causalidade est submetida ao carter aleatrio da superfcie: em Spinoza, a causalidade se realiza totalmente na VXSHUItFLH WRGDQHFHVVLGDGH LQWHUQDpVXSULPLGD WRGDQDOLGDGH LJQRUDGDSHODVLPSOHVUD]mRGHTXHVRPHQWHRHIHLWRTXDOLFDDFDXVD0DVGHL[HPRV$OWKXVVHU

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    nos dizer, sem intermedirio, o que o materialismo aleatrio e em que consistem suas principais caractersticas26.

    Se formos alm das metforas democritianas e epicurianas e se pensar-mos em uma metafsica do vazio, dos tomos e do clinamen, o sentido da pr-WLFDORVyFDQDPRGHUQLGDGHLQVSLUDGRQRHQWDQWRQHVVDVPHWiIRUDVGHQHVH nos diz Althusser atravs da mais radical crtica da dialtica, do humanismo e GRKLVWRULFLVPR$ORVRDPDWHULDOLVWDHDTXHODTXH0DU[SRGHLQVSLUDUGHSRLVde sua prpria obra ser submetida crtica organiza-se, ento, como prtica WHyULFD TXH QR FDPSR GH EDWDOKD HQWUH LGHRORJLDV UHSUHVHQWDGR SHOD ORVRDsustenta e impe um ponto de vista antidialtico, anti-humanista, anti-historicista. $GLDOpWLFDpFRPHIHLWRQDGDDOpPGHXPDJXUDGRLGHDOLVPRHRKLVWRULFLVPRnada alm de um disfarce do relativismo. Quanto ao humanismo, ele produto da cultura burguesa enquanto tal, e por contadisso deve ser destrudo. Ao combater seus adversrios, o materialismo aleatrio nos oferece a histria enquanto histori-cidade concreta, nos prope novamente o prprio homem, no mais como sujeito da histria, mas, ao contrrio, como sujeito na histria.

    Em primeiro lugar, ento, o materialismo aleatrio um materialismo totalmente nu, algo que no mais concebido somente em ltima instncia, mas enquanto horizonte da presena, algo que existe sempre, qualquer que seja a ordem ou o deslocamento dos dominantes estruturais. Em segundo lugar, o ma-WHULDOLVPRDOHDWyULRDSUHVHQWDVHFRPRDUPDomRGDKLVWRULFLGDGHGeschichte contra Histria, a saber, res gestae contra historia rerum gestarum. aqui, em terceiro lugar, que se abre completamente o quadro: o homem na histria, HQTXDQWRVXMHLWRQDKLVWyULDVREUHHVWDDEHUWXUDVHPQDOLGDGHQHPQHFHVVLGDGHmas simplesmente disponvel a todo aleatrio e a todos os acontecimentos, cons-WUXLQGRVREUHHVVHWHUUHQRSUiWLFDVDGHTXDGDV3URSRUSRLVHPORVRDSRVL-es (Teses); percorrer, na prtica, caminhos, caminhos que voltam a se abrir sem cessar, tendncias que se bifurcam continuamente... Tudo est determinado no materialismo aleatrio, mas determinado aps o acontecimento.

    &KHJDPRVDVVLPDXPDIRUPLGiYHOGHQLomRORVyFDTXHQRVOHYDGHvolta ao incio, explicao da relao entre crise, contedo ontolgico comunista e indeterminismo absoluto da superfcie. No materialismo aleatrio, toda deter-minao em ato mostra-se como varivel aleatria de uma tendncia invariante

    26 L. Althusser, Intervista Navarro, op. cit.; Postface, cit.; Thses de juin, cit; Sur le materialisme alatoire (folhas manuscritas, Arquivos IMEC).

  • Antonio Negri

    existente27(VWDDUPDomRDOWKXVVHULDQDWRUQDVHSHUIHLWDPHQWHFRPSUHHQVtYHOVHa determinao em ato for conhecida como prtica terica, isto , como posio GHWHVHDYDULiYHODOHDWyULDFRPRRDWRKLVWyULFRGDDUPDomRQDOLEHUGDGHDEHUWDda superfcie, e a invariante tendencial como o contedo ontolgico comunista que alimenta a liberdade dos sujeitos na histria. no interior deste emaranhado WHyULFRTXHQyVSRGHPRVUHDUPDURSULPDGRGDORVRDHGDSROtWLFDXPDYH]que tenhamos deste modo, em nome do materialismo aleatrio, de seus mtodos, de suas aberturas, operado uma reviso dolorosa da dialtica, do conceito de me-diao, da perspectiva da transio, e,portanto, da concepo de socialismo (tan-tos conceitos bastardos e nocivos); e no interior de nossa opo, completamente antiteleolgica e aleatria, que poderemos dar conta da importncia do movimento ideolgico e poltico das massas, intersticial e/ou marginal. Liberemo-nos dos mi-tos, de toda concepo linear da transio, aferremo-nos ao primado da existncia que o primado do comunismo, porque ele existe enquanto prtica. Este cami-nho da prtica terica possvel se compreendermos que a ruptura da continuidade GRSURFHVVRUHYROXFLRQiULRYHULFDVHHPWRUQRGHXPIDWRIXQGDPHQWDORGHVOR-FDPHQWRGDOXWDGHFODVVHVGHVORFDPHQWRGHQLWLYRIRUDGDHFRQRPLDHGDSROtWLFDem direo ideologia. na luta de classes na ideologia que a luta de classes em JHUDODOXWDFRQWUDDH[SORUDomRYDLVHGHFLGLU2JLUROLQJXtVWLFRTXHDORVRDQRVSURS}HFRP:LWWJHQVWHLQHGHSRLVGH:LWWJHQVWHLQHTXHRVOyVRIRVIUDQFH-ses, salvo, particularmente, Derrida e Deleuze, no compreenderam) um giro histrico: ele manifesta a passagem dos vetores dominantes da estrutura produtiva da produo material produo imaterial aqui que se deve lutar. Aqui, como fez Marx, existe a possibilidade de levar as margens ao centro28.

    A potncia do negativo

    No desenvolvimento da teoria do materialismo aleatrio, Althusser vai, entretanto, alm das intuies esparsas anteriores sobre a funo das margens e GRVLQWHUVWtFLRVQDRUJDQL]DomRGRVHUUHDO(OHWHQWDDVVLPGHQLUXPDSHUVSHF-tiva geral de libertao, ou melhor, as condies de uma prtica adequada. Pouco a pouco sua ateno se concentra sobre um tema que o estudo de Maquiavel j havia sugerido e que se torna aqui cada vez mais central: a potncia do negativo, a saber, o lugar e a dimenso que o negativo, o vazio, assume na atual fenome-

    27 Thses de juin 1986, op. cit. Nesse escrito, a seguir, podemos acompanhar o desenvolvimento do raciocnio de Althusser.

    28 Podemos seguir novamente as Thses de juin e o Postface Navarro.

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    nologia do ser real e as determinaes prticas que ele enseja. A totalizao ps--moderna do poder elimina, com efeito, conforme vimos, toda possibilidade da dialtica. Consequentemente, a plenitude do poder reduz-se a pura negatividade, exaltada, simples superestrutura do vazio. A realizao da ideologia como nico terreno da racionalidade econmica, social e poltica, concentra em si a totalidade GDLQVLJQLFkQFLDHFRQGX]WRGDH[SHULrQFLDGHUHVLVWrQFLDjLUUDFLRQDOLGDGH

    Esta a situao na qual nos encontramos e na qual o materialismo ale-atrio faz suasexperimentaes: uma situao em que a prtica terica, a resis-tncia, a potncia, no podem se exprimir a no ser no umbral do ser, nos limites do vazio. J no mais na margem, no interstcio, mas na extremidade de uma totalidade vazia, no limite, que a prtica terica deve encarregar-se de construir o terreno da transformao. Como na grande mstica, todo contato e, ainda mais, WRGRFRPSURPLVVRFRPRPXQGRFRPRSRGHUVmRDTXLGHQLWLYDPHQWHDEROLGRVCom a dialtica, a mediao, o socialismo, a prpria linguagem deve afastar-se da tentao de reproduzir o real. Esta mstica da transformao e sua nova linguagem sero materialistas e aleatrias. Como resolver, no entanto, o paradoxo de uma SHUFHSomRGRYD]LRTXHLQYHUWHDLQVLJQLFkQFLDHTXHVHH[SUHVVDGHIRUPDPD-terialista e prtica? Como pr em ao um pensamento da prtica, resolutamente materialista, tendo esta negatividade como fundamento? Como reconstruir nela o valor da luta de classes? Como, praticamente, a potncia pode surgir da negativi-GDGH"$UHVSRVWDDHVVDVTXHVW}HVDSURSyVLWRGDTXDO$OWKXVVHUORVRIDQRVDQRV1980, aqueles da maior recesso do pensamento e da prtica revolucionrios) s pode ser terica291RSODQRGDWHRULDSURFXUDUHPRVGHQLODQRWySLFRVHJXLQWHMas h, neste Althusser, uma tenso extrema para dar srie de questes que formulamos uma resposta que seja tambm prtica ou, no mnimo, alguma indi-cao. A este respeito, recorrendo a um exemplo nico e privilegiado, ele estuda a teologia da libertao sul-americana30. precisamente nesta teologia que se en-contra a aplicao prtica de certas hipteses tericas que entram na perspectiva da potncia do negativo.

    Em que consistem, no exemplo desenvolvido, tais hipteses prtico-te-ricas? Elas se concentram em torno de alguns pontos, que convm resumir. Na teologia da libertao, Althusser v, sobretudo, um materialismo puro, um mate-rialismo totalmente nu que se articula em torno de certos verbos (comer, beber, vestir-se) que so prprios tanto ao marxismo quanto linguagem do Juzo uni-

    29 L. Althusser, Thses de juin 1986, op. cit., Thse II.

    30 L. Althusser, Sur la thologie de la libration. Suite um entretien avec le P. Breton, 28 de maro de 1985 (folhas manuscritas, Arquivos IMEC).

  • Antonio Negri

    versal: um materialismo de origem crist, uma prtica materialista de ascendn-cia religiosa, mais do que uma teologia materialista (esta ltima, como foi o caso do materialismo dialtico, suscita enquanto conceito a mesma impresso cmica que temos quando se ouve falar dos logaritmos amarelos). Isso no que concerne aos contedos. Em segundo lugar, a hiptese prtica articula-se em torno de uma GHQLomRGDSREUH]DFRPRVXMHLWRTXHUHYHODDXUJrQFLDGDDomR2FKRTXHGDmisria sem nome o primum movens desta teologia. Os telogos da libertao chegaram ao mais urgente. O Cristo chegou ao mais urgente. Isto no que concer-ne ao sujeito, e, na perspectiva de Althusser, isto , uma posio no metafsica, ou melhor, ps-metafsica, j que ps-burguesa, margem da conotao meta-ItVLFDGRVXMHLWRGDGDSHORUDFLRQDOLVPREXUJXrV2QRYRVXMHLWRpGHQLGRDRcontrrio, a partir do lugar irracional de suas necessidades e de sua prtica. No que FRQFHUQHDRPpWRGRHQPDSUiWLFDGHVVHSRYRGHSREUHVGHQHVHQmRPDLVQRquadro de uma teoria da redeno, mas justamente em uma perspectiva prtica de libertao uma prtica crtica, concreta, revolucionria.

    aqui, sublinha Althusser, que a prtica pode novamente exprimir-se no interior de novas condies de aplicao como posio e desenvolvimento do vazio de uma enorme distncia tomada frente a toda concepo idlatra contra a idolatria do dinheiro ou contra a superstio de um Deus fundador e garante da ordem social. O vazio: ou dito tal como aparece em outros textos desse ltimo Althusser31RYD]LRLQQLWRGHXPDGLVWkQFLDWRPDGDHPIDFHGHWRGDVDVFRQ-cepes dialticas, sempre idealistas; um sentimento de vazio que tem todas as caractersticas da percepo negativa e mstica do ser (as referncias de Althusser vo de Eckhart a Silesius, de Nietzsche a Heidegger) mas uma tomada de dis-tncia que, justamente em seu carter extremo, revela-se novamente o lugar de um mximo de possibilidades, o lugar da potncia. No por acaso que Althusser GLVFXWHDTXLGHXPODGRRVO}HVGDLQWHUSUHWDomRFULVWmDJRVWLQLDQDIUDQFLVFDQDdo conceito aristotlico de potncia como possibilidade perspectiva, criadora, e de outro lado, as posies vitalistas que, criticando asperamente o positivismo, destro-HPRHXURSHOGRFLHQWLFLVPRHGHVFUHYHPRKRUL]RQWHGDQHFHVVLGDGHDWUDYpVGDVimagens do caos e do acontecimento. aqui, portanto, que o materialismo aleat-rio explicado a partir de outro ponto de vista, no mais simplesmente enquanto posio de uma alternativa terica, mas como posio prtica de uma totalidade invertida, enquanto extrema tenso de uma distncia e de uma pobreza que so, no apenas no paradoxo, mas tambm no ser real, a nica fonte de ao potente.

    31 L. Althusser, Conversation avec le P. Breton, 7 de junho de 1985 (folhas manuscritas, Arquivos IMEC).

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    0DTXLDYHOOyVRIRRXRODQoDPHQWRGR6HU

    )HXHUEDFKHVFUHYHXTXHWRGDORVRDQRYDVHDQXQFLDULDDWUDYpVGHXPDpalavra nova: para ele era a noo de homem, para Althusser a palavra nova sorte [ala@1HVWHSRQWRDGLPHQVmRORVyFDGH0DTXLDYHOSRGHVHUH[SRV-ta328PDGLPHQVmRORVyFDTXHFULDDSROtWLFDQRYDTXHDRUJDQL]DGHPDQHLUDJHUDOFRPRJXUDGRVHU$VRUWHSRLVXPDVRUWHTXHQHQKXPODQFHGHGD-dos jamais conseguir abolir (um lance de dados jamais abolir o azar) (sic). Mallarm, com seu lance de dados, podia ainda pensar que ele determinava o ser: tratava-se de uma operao dialtica. Apesar da dialtica, o lance de dados no determina o ser a no ser descobrindo-o como ser negativo, como vazio. No a determinao que est em primeiro plano nesse jogo, mas o simples lana-mento dos dados: o lanamento uma sorte a determinao aleatria, no dialtica, e se o lanamento determina o ser, ele o determina unicamente HQTXDQWRYD]LRGHSUHGHWHUPLQDomRGHQDOLGDGHGH[DomR$GHWHUPLQDomRpa indeterminao: lanamento prximo do lanamento do ser de Heidegger RXDDEHUWXUDGRYD]LR1RLQWHULRUGHVVHYD]LRDEUHPVHDVLQQLWDVSRVVLELOL-GDGHVGDLQWHUYHQomRGHVFRQVWUXWLYDGD[DomRGRUHDOGDLGHRORJLDGRPLQDQWHe,simultaneamente, asinumerveis possibilidades da prtica revolucionria tal FRPR HVWD WHP VLGR GHQLGD GHVGH (SLFXUR DWp D UHYROXomR SHUPDQHQWH H RPDRtVPR$ORVRDpVHPSUHSXUDHVLPSOHVPHQWHSROtWLFD2PDWHULDOLVPRGLD-ltico, bem como todas as outras formas bastardas do materialismo, no pode ser VXSHUDGRDWpTXHVHOHYHDWpRPDGHQLomRGDORVRDHQTXDQWRKampfplatz, como terreno no qual se jogam os diversos caracteres aleatrios das posies. Mas D~QLFDSRVLomRYHUGDGHLUDPHQWHORVyFDpDTXHODTXHDVVXPHRODQoDPHQWRGR6HURODQoDUVHQRVHUHQTXDQWRH[FOXVLYD2OyVRIRGRPDWHULDOLVPRDOHDWyULR similar a certos heris do Oeste americano que sobem no trem em marcha e se GHL[DPFRQGX]LUDWpRQGHRWUHPOKHVOHYH(VVHKHUyLORVyFRQmRWHPQDGDDver com o materialista que burocraticamente consulta o horrio e decide o destino GHVHXWUHP2OyVRIRGRPDWHULDOLVPRDOHDWyULRpXPQRYRDJLWDGRU,::33, que porta a revoluo onde quer que lhe conduza o trem do ser. Se regressarmos, de PRGRPDTXLDYHOLDQRRXPDU[LDQRGDPHWiIRUDjLPDJHPORVyFDSRGHUHPRVdescrever o real no mais como uma verticalidade que conduz de um em cima

    32 L. Althusser, Machiavel philosophe, 11 de julho de 1986 (folhas manuscritas, Arquivos IMEC).

    33 IWW: Industrial Workers of the World [Trabalhadores Industriais do Mundo] ou Wobblies, militantes sindicalistas revolucionrios dos Estados Unidos que, no incio do sculo, viajavam clandestinamente nos trens.

  • Antonio Negri

    para um embaixo, de um cume a uma base, do Estado e do centro capitalista sociedade e aos circuitos da produo, mas como uma superfcie cujo centro to-PDPRVXPDFLUFXQIHUrQFLDFRPSDFWDHQDOPHQWHDVPDUJHQVTXHVHHVWHQGHPpara alm dos limites dessa mesma circunferncia. Nele concentram-se o Estado, os partidos polticos, os fabricantes ideolgicos do ser: ora, ele perdeu toda a sua consistncia, um buraco vazio que s a ideologia suscita. Se analisarmos a circunferncia em torno do centro vazio, se nos revelar a existncia dessa socie-GDGHSyVPRGHUQDTXHDXQLFDomRFRQWtQXDHFRQWLJXDGRV$,(SURGX]LX(VVHFtUFXORpRWRGRRWRGRGDGLDOpWLFDRWULXQIRGDORVRDKHJHOLDQDGRHVStULWRREMHWLYRDUHDOL]DomRDEVROXWDGRHVStULWRRPGDKLVWyULDFRPR.RMqYHEHPFRPSUHHQGHX$KLVWyULD p DTXL UHVROYLGDQD DGPLQLVWUDomR D UHDOL]DomRHFD]GDREUDGRV$,(PRVWUDVHFRPRRUGHP UHJXODULGDGH HVSHVVXUD LQVLJQLFDQWHGRUHDO(QPHQFRQWUDPRVRWHUFHLURHVSDoRRHVSDoRDOpPGRUHDORHVSDoRque se abre ali onde o todo burocrtico mostra seu limite: alm deste limite os bilhetes no tm mais valor, como disse Queneau a propsito do metr parisien-se. Trata-se da margem, o nico lugar vital, porque constitudo de lanamentos GR6HU(VWDPDUJHPUHSRXVDVREUHRFtUFXORGDWRWDOLGDGHHLQOWUDQHOHDWUD-vs dos interstcios de resistncias e das ilhas de comunismo. Mas, sobretudo, a partir desta margem, abrem-se os movimentos livres de reconstruo cultural para alm da explorao e da opresso poltica, momentos de existncia coletiva FRPXQLVWD$ORVRDUHWRUQDDRSRYRFRQVWUyLQRYRVVXMHLWRVHHVWHQGHVHDJUHV-sivamente contra o vazio do centro e de seu crculo, vazio o primeiro, ideolgico o segundo, ambos no-essnciais. Este , pois, o ensinamento de Maquiavel, o OyVRIRHpDtTXHVHUHFRPS}HPGHVWDPDQHLUDWRGRVRVRVTXHKDYLDPVLGRtecidos na ltima etapa do pensamento de Althusser em torno da imagem de uma UHIXQGDomRGRSROtWLFRTXHHQFRQWURXHP0DTXLDYHOVHXOyVRIR1DVRFLHGDGHdo ps-moderno, que a ao dos AIE construiu enquanto sociedade compactada LGHRORJLFDPHQWHMiQmRKiHVSDoRVHTXHUSDUDDFomRGDGLDOpWLFD7DOpDUXSWXUDque temos experimentado e suportado, tal a ruptura que o movimento socialista organicamente incapaz de superar. Mas esta sociedade ps-moderna, compacta HLGHRORJLFDPHQWHRUJDQL]DGDHVWDVRFLHGDGHGRPGDKLVWyULDpYD]LDLQVLJQL-FDQWHHWRWDOPHQWHQHJDWLYD2WRWDOLWDULVPRTXHDVXVWHQWDHDUHSUHVHQWDpIUiJLOO aleatrio a caracterstica ontolgica desta estrutura. Alm desses limites, nas suas fronteiras, somente l, se desenvolve uma ontologia nova, da resistncia e da potncia. No interior dessas margens, a inverso completa da totalidade central produzida, ou melhor, constri-se como redescoberta contnua do aleatrio das es-truturas do poder, da vacuidade do centro. No terreno da ideologia, da em diante

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    FRPSOHWDPHQWHDUPDGDTXHUHVXPHHPVLDVGLPHQV}HVGRVHUGHVHQYROYHVHDresistncia, a busca do comunismo. Assim conclui-se o ensinamento de Althusser: ele porta em suas consequncias extremas os princpios crticos a partir dos quais transformou-se a anlise do pensamento de Marx nos anos 1960 e abre a pers-pectiva de um prolongamento desta anlise na sociedade capitalista da subsuno real em que a luta contra a ideologia tambm uma luta contra a explorao na produo. No ser fcil enterrar esta intuio de futuro, da luta comunista por vir.

    Esta contribuio no teria sido possvel sem a ajuda fraternal de Yann Moulier-Boutang, autor de Louis Althusser. Une biographie, volume I, Grasset, Paris, 1992, e sem a colaborao dos arquivos IMEC onde est o conjunto dos escritos de Louis Althusser. A Yann Moulier-Boutang e a Oliver Corpet, diretor do IMEC, meu vivo reconhecimento.

    Referncias

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  • Antonio Negri

    ___. Sur la thologie de la libration. Suite um entretien avec le P. Breton, 28 de maro de 1985 (folhas manuscritas, Arquivos IMEC).___. Sur le materialisme alatoire (folhas manuscritas, Arquivos IMEC).BBB6SLQR]D7UDEDOKRVSUHSDUDWyULRVSDUD$XWRELRJUDD GDWLORJUDIDGR$U-quivos IMEC). Em portugus: L. ALTHUSSER. Espinosa, em A Corrente Subterr-nea do Materialismo do Encontro, Revista Crtica Marxista, n. 20, 2005, pp. 15-18.___. Thses de juin 1986 (folhas datilografadas, Arquivos IMEC).VINCENT, Jean-Marie. La lecture symptomale chez Althusser. In. Sur Althusser pas-sages. Futur antrieur. Paris: Editions LHarmattan, 1993.RANCIRE, Jacques. Sur la thorie de lideologie. La politique dAlthusser, in Lhomme et la socit, n. 27, Editions Anthropos, 1973. Em portugus: J. Ranci-re, Sobre a teoria da ideologia, A poltica de Althusser, Porto, Portucalense Editora, 1971.

    Antnio NegriPLOLWDQWHDQWLFDSLWDOLVWDHOyVRIRPDWHULDOLVWD0XQGLDOPHQWHIDPR-so por ter escrito os polmicos Imprio eMultido com Michael Hardt, um dos mais destaca-dos estudiosos contemporneos de Spinoza e de sua estirpe maldita do materialismo.

    TradutorPedro Eduardo Zini Davoglio, bacharel em direito pela UFSC e mestran-

    do em direito poltico e econmico pela U.P. Mackenzie. Bolsista CAPES/ProSup. email: [email protected].