logÍstica humanitÁria: o desafio da gestÃo diante de … · 2017-10-24 · logÍstica...

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LOGÍSTICA HUMANITÁRIA: O DESAFIO DA GESTÃO DIANTE DE DESASTRES Elisangela Fatima de Oliveira (UFOP) [email protected] Eva Bessa Soares (UFOP) [email protected] Os desastres e as catástrofes têm sido cada vez mais frequentes no mundo, causados por motivos diversos, atingindo populações em áreas urbanas e rurais, provocando danos de ordem material e imaterial. A gestão de operações em desastres e, em especial, a logística humanitária são fundamentais para minimizar o sofrimento das vítimas afetadas em todas as fases dos desastres. Esse estudo constitui uma breve revisão da literatura a respeito do tema e visa explanar sobre o conceito de logística humanitária, sua contextualização, além dos principais desafios enfrentados para uma gestão eficiente dos desastres de início súbito. Para tal, procurou-se reunir conceitos, terminologias e exemplos que possibilitam um entendimento do potencial da logística humanitária, bem como que sirva para subsidiar os agentes envolvidos na análise, gerenciamento e intervenções de áreas de risco ou afetadas pelos desastres através de uma pesquisa descritiva qualitativa. Como uma forma de exemplificar esses conceitos e fazer um elo entre a teoria e a prática, o estudo apresentou o caso envolvendo o rompimento da Barragem de Fundão no município de Mariana/MG. Palavras-chave: Logística humanitária, gestão de desastres, eficiência da cadeia humanitária XXXVII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO “A Engenharia de Produção e as novas tecnologias produtivas: indústria 4.0, manufatura aditiva e outras abordagens avançadas de produção” Joinville, SC, Brasil, 10 a 13 de outubro de 2017.

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LOGÍSTICA HUMANITÁRIA: O DESAFIO DA

GESTÃO DIANTE DE DESASTRES

Elisangela Fatima de Oliveira (UFOP)

[email protected]

Eva Bessa Soares (UFOP)

[email protected]

Os desastres e as catástrofes têm sido cada vez mais frequentes no mundo,

causados por motivos diversos, atingindo populações em áreas urbanas e

rurais, provocando danos de ordem material e imaterial. A gestão de

operações em desastres e, em especial, a logística humanitária são

fundamentais para minimizar o sofrimento das vítimas afetadas em todas as

fases dos desastres. Esse estudo constitui uma breve revisão da literatura a

respeito do tema e visa explanar sobre o conceito de logística humanitária,

sua contextualização, além dos principais desafios enfrentados para uma

gestão eficiente dos desastres de início súbito. Para tal, procurou-se reunir

conceitos, terminologias e exemplos que possibilitam um entendimento do

potencial da logística humanitária, bem como que sirva para subsidiar os

agentes envolvidos na análise, gerenciamento e intervenções de áreas de

risco ou afetadas pelos desastres através de uma pesquisa descritiva

qualitativa. Como uma forma de exemplificar esses conceitos e fazer um elo

entre a teoria e a prática, o estudo apresentou o caso envolvendo o

rompimento da Barragem de Fundão no município de Mariana/MG.

Palavras-chave: Logística humanitária, gestão de desastres, eficiência da

cadeia humanitária

XXXVII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO

“A Engenharia de Produção e as novas tecnologias produtivas: indústria 4.0, manufatura aditiva e outras abordagens

avançadas de produção”

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1. Introdução

Esse ensaio teórico visa discorrer a logística humanitária, definida por Silva (2011) como “o

processo de planejar, implementar e controlar de forma eficiente o fluxo e o armazenamento

de bens, materiais e informações relacionadas do ponto de origem até o ponto de consumo,

com o intuito de aliviar o sofrimento de pessoas em situações vulneráveis” (p.5). No sentido

em que se define logística humanitária, portanto, pode-se inferir que o tema factualmente

preocupa-se em tornar os processos de logística menos penosos para a vida humana mesmo

que em situação de grandes percalços como em desastres como aqueles ocorridos em

Mariana, Minas Gerais, no ano de 2015. Pesquisas nesta nova área garantem que, em

ocorrências desta natureza, o uso de conceitos logísticos pode contribuir de maneira

significativa para o sucesso de uma operação (VAN WASSENHOVE, 2006). Neste sentido,

grandes desafios são apontados na direção da implementação de processos logísticos

sistematizados, merecendo destaque: aspectos ligados à infraestrutura, localização de centrais

de assistência, coordenação de processos (pessoas, suprimentos, informações, materiais)

(NOGUEIRA e GONÇALVES, 2009).

2. O conceito de logística humanitária

As situações de natureza emergencial como desastres naturais (furacões, enchentes,

terremotos, maremotos), atentados terroristas, guerras e outros eventos deste tipo são

exemplos de desastres e requerem um tratamento logístico especial, que vem sendo

denominado como logística humanitária. Esse é um conceito ainda muito novo no Brasil,

entretanto vem sendo crescentemente estudado em países da Europa e nos Estados Unidos

(NOGUEIRA e GONÇALVES, 2009). Para os autores, o conceito de logística humanitária foi

desenvolvido a partir dos objetivos da logística de vencer o tempo e a distância na

movimentação de materiais e serviços de forma eficiente e eficaz. Destaca-se que para Pettit e

Beresford (2009) e Tathan e Pettit (2010) a logística humanitária assemelha-se com a

logística militar visto a preocupação de ambas com aspectos relacionados à sobrevivência das

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pessoas em uma ambiente incerto e degradante infraestrutura. Meirim (2007) aponta que a

Federação Internacional da Cruz Vermelha define a Logística Humanitária como: “processos

e sistemas envolvidos na mobilização de pessoas, recursos e conhecimento para ajudar

comunidades vulneráveis, afetadas por desastres naturais ou emergências complexas. Ela

busca à pronta resposta, visando atender o maior número de pessoas, evitar falta e

desperdício, organizar as diversas doações que são recebidas nestes casos e, principalmente,

atuar dentro de um orçamento limitado”.

Nesse contexto, segundo Ertem et al. (2010) faz-se necessário diferenciar a logística

humanitária da logística empresarial, uma vez que são contextos e demandas muito diferentes,

mas inter-relacionados considerando-se que a logística humanitária propõe o uso efetivo dos

conceitos logísticos adaptados às especificidades da cadeia de assistência humanitária.

2. A cadeia de suprimentos humanitária

De acordo com Heaslip et. al (apud Silva 2011), quando aplicada às ações humanitárias, a

cadeia de suprimentos precisa ser flexível e capaz de responder rapidamente a eventos

imprevisíveis, de forma efetiva (que pode ser a diferença entre vida e morte) e eficiente

(atender a um maior número de necessitados) sob fortes restrições orçamentárias. Esse fato

reforça a necessidade do desenvolvimento de procedimentos para que, quando este tipo de

evento ocorra, tenham-se as diretrizes a seguir de modo a garantir que as vítimas sejam

atendidas em tempo hábil.

Já Balcik et al. (2010) defende que a cadeia de suprimento humanitária segue a estrutura

relacionada às seguintes fases: primeiramente, há a aquisição de suprimentos, que se dá

através de doações, locais ou globais, em espécie e de materiais, ou a partir de políticas

públicas. A seleção dessas doações, através do processo de triagem, merece atenção pelo fato

da aleatoriedade dos itens recebidos, que pode haver excesso de alguns e escassez de outros.

Assim, a triagem do material recebido é crucial, pois evita que itens desnecessários naquele

determinado momento sejam transportados para os centros de distribuição, ocupando espaços

de armazenamento e gerando retrabalho, que deve ser evitado ao máximo, considerando que

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tempo é um fator delicado nessas operações.

Em seguida, tem-se o transporte dos suprimentos para os centros de distribuição, que irão

armazenar no primeiro instante os produtos adquiridos e doados, que foram selecionados na

etapa de triagem. Nesses locais, evita-se que os produtos sejam deteriorados e roubados, além

de ser possível organizá-los para posterior entrega nos estoques intermediários e pontos de

distribuição. Araújo (2012) elucida que emergência, desastre ou catástrofe são definidos por

inadequação entre os meios disponíveis e os necessários para atender uma situação de

urgência. Esses meios variam de acordo com cada área e estão relacionados à infraestrutura

urbana, ao tipo de moradia que a população dispõe, ao tipo de comunicação disponível, ao

nível de educação a população, ao nível de organização da população, aos recursos

disponibilizados pelos órgãos públicos.

3. Gestão de Desastres

Segundo Albala-Bertrand (apud Kraus 2014) “uma situação de desastres é um quadro

analítico em que os desastres são compostos de três processos interdependentes de um único e

mesmo fenômeno: um impacto de desastre, uma resposta a desastres e uma interferência

social moldada pelas duas anteriores.”

Benson e Clay (apud Kraus, 2014) acrescentam que do ponto de vista econômico, um desastre

implica uma combinação de perdas, em capital humano, físico e financeiro, e uma redução da

atividade econômica, tais como geração de rendimento, investimento, consumo, produção e

emprego.

Estas perdas podem exceder a capacidade da sociedade afetada em lidar com as mesmas.

usando apenas os recursos próprios e, portanto, pode ser necessária assistência de fora.

Quando se trata de vítimas de calamidade, Kraus (2014) classifica três categorias de vítimas,

de acordo com o grau e o tipo de perda sofrida como vítimas primárias: aquelas que foram

afetadas pela morte ou ferimento grave de um membro familiar ou perderem a sua habitação,

ou o seu emprego (ou subsistência), vítimas secundárias: as que têm ferimentos leves ou

danos menores de habitação, mas sofrem uma perda global de pelo menos serviços diretos e

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vítimas de terceiros: aquelas que não sofrem perdas pessoais ou de habitação, nem sofrem

qualquer privação significativa de serviços de apoio direto, mas sofrem perda global de

serviços públicos/instalações e direitos. Desse modo, as vítimas primárias e secundárias são

principalmente aquelas pessoas que eram as mais vulneráveis antes de o desastre acontecer.

Em situações de desastre, geralmente surge uma vontade de cooperação entre os indivíduos,

seja diretamente ou por meio de instituições, como, por exemplo, captação de recursos por

instituições de caridade. Comumente, as transferências são distribuídas gratuitamente

(caridade); os serviços de alojamento são prestados livremente (por exemplo, nas escolas,

estádios, familiares, em residências ao redor da vizinhança, etc); e a mão de obra é fornecida

sem pagamento (por exemplo, partes de resgate, comitês de alívio). em outras palavras, a

racionalidade do mercado assume um papel secundário e o comportamento cooperativo ajuda

a aliviar flutuações de curto prazo na oferta e na procura.

4. A noção de eficiência na logística humanitária

Segundo Rouse e Putterill (2003), existem inúmeras abordagens ou metodologias de medidas

de desempenho, cada uma com um propósito próprio. Essas diferentes abordagens têm sua

contribuição efetiva, mas na essência são incompletas. Bowersox e Closs (1996) salientam

que os objetivos principais das medidas de desempenho no que se refere à logística são: o

monitoramento em relação aos planos operacionais e a identificação de oportunidades para

aumentar a eficiência e eficácia organizacional. Segundo os mesmos autores, coexistem

medidas de desempenho de caráter funcional (atividades isoladas), com medidas de

desempenho focadas em processos, sendo essas mais apropriadas ao ambiente empresarial de

competitividade.

Beamon (apud Nogueira et al., 2007) destaca que existe uma grande dificuldade em se criar

uma abordagem geral, pois os tipos diferentes de sistemas requerem características e medidas

de desempenho específicas. O mesmo autor sugere que existe um interesse crescente no

desenvolvimento de medidas de desempenho de organizações sem fins lucrativos, mas poucos

esforços têm sido feitos neste sentido.

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De acordo com Beamon e Balcik (2008) uma das perguntas realizadas constantemente pelos

steakholders de um desastre está relacionada a quanto os projetos e/ou programas das

organizações humanitárias podem ser efetivos e eficientes na ajuda aos beneficiários. Para que

esta eficiência possa ser medida, faz-se necessária a definição de indicadores de desempenho.

Dadas as diferentes características das organizações empresariais e das organizações de

assistência humanitária, as medidas de desempenho para essas organizações também são

diferenciadas.

Nessa perspectiva, Nogueira et al (2007) elenca que devem ser consideradas as seguintes

variáveis para o estabelecimento de indicadores: os objetivos e as características da demanda.

Entende-se em elação aos objetivos que diferentemente da visão da logística empresarial,

cujos mesmos se baseiam nos lucros e na prestação de serviços, o objetivo na logística

humanitária é salvar vidas e aliviar o sofrimento de pessoas vulneráveis, dada uma limitação

financeira. Já no viés das características da demanda, enquanto o foco da logística empresarial

está relacionado aos produtos e serviços, na logística humanitária são suprimentos e pessoas.

A demanda na cadeia de assistência humanitária é gerada por eventos aleatórios que são

imprevisíveis em termos de tempo, local, tipo e tamanho. Neste sentido, a mesma é estimada

após a necessidade da mesma, baseada na avaliação das características do desastre. Na

logística empresarial, a estimativa da demanda é feita previamente e é relativamente estável,

com solicitações em intervalos regulares.

Bertazzo et al. (2013) ressalta ainda que os estudos relacionados com a produtividade e

eficiência são questões desafiadoras que estão ganhando importância nas operações

humanitárias devido à cobrança por parte dos doadores às organizações humanitárias que

prestam ajuda aos beneficiários.

5. Metodologia

O estudo caracteriza-se por uma pesquisa descritiva. De acordo com Vergara (2005), uma

pesquisa descritiva expõe as características de determinada população ou fenômeno ou o

estabelecimento de relações entre variáveis. Ainda conforme Vergara (2005), o estudo de caso

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tem caráter de profundidade e detalhamento e pode ou não ser realizado em campo.

Nesse contexto, o estudo foi respaldado por uma ampla pesquisa bibliográfica, que de

acordo com a concepção de Fonseca (2002) “[...] é feita a partir do levantamento de

referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como

livros, artigos científicos, páginas de web sites.” Além disso, para a coleta de dados

também foram observações sistemáticas no município de Mariana/MG. A base

metodológica mostrou-se essencial para a realização do presente trabalho.

6. Estudo de caso: Um exemplo real dos desafios enfrentados pela logística humanitária

Os dados apresentados abaixo referem-se ao desastre que ocorreu no município de Mariana,

no estado de Minas Gerais/Brasil, considerado um desastre de grande relevância no contexto

nacional.

No dia 05 de novembro de 2015 uma barragem de uma empresa mineradora se rompeu e 55

milhões de metros cúbicos de rejeitos (lama, areia e água) foram descartados no meio

ambiente. O vilarejo mais próximo com mais chamado Bento Rodrigues com

aproximadamente 600 moradores foi a região mais atingido pelos rejeitos. (G1, 2015a). O

rompimento da Barragem de Fundão liberou 55 bilhões de litros de rejeitos, os quais se

juntaram a 7 bilhões de litros de água presentes na de Santarém, totalizando uma enxurrada de

62 bilhões de litros lançada na natureza. A lama matou 19 pessoas; desalojou mais de 300

famílias; devastou as localidades de Bento Rodrigues, Camargos e Paracatu de Baixo, em

Mariana, e o município de Barra Longa (MG); percorreu cerca de 930 quilômetros entre os

estados de Minas Gerais e Espírito Santo, poluindo os rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce,

bem como a foz deste, junto ao Oceano Atlântico (ponto de desova de tartarugas marinhas,

que também foi prejudicada); dizimou mais de 11 toneladas de peixes e outros animais

aquáticos; destruiu cerca de 1,5 mil hectares de vegetação; soterrou 120 nascentes; gerou

prejuízos econômicos aos setores da pesca e do turismo; afetou o abastecimento de água em

cidades como Governador Valadares (MG) e Colatina (ES); acabou com os laços culturais e

de subsistência mantidos pelos índios Krenak com o rio Doce; entre outros danos, morais e

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materiais. (MAIA,2016). Dentre os principais problemas detectados e dificuldades

relacionadas à logística humanitária apontados pelos stackholders tiveram destaque os

seguintes: as primeiras ações para atendimento imediato às vítimas foram adotadas por

voluntários de forma desordenada. Em um primeiro momento, os desabrigados foram

encaminhados para espaços públicos como escolas e quadras cobertas de Mariana que é a

cidade mais próxima à região atingida. Doações de todo o país, voluntários que abandonam

sua família e cidade para ajudar com os feridos e nas buscas, além de proprietários de hotéis e

espaços que deixam suas portas abertas para os desabrigados permanecerem. Nesse sentido,

evidenciou-se um espírito de compaixão e solidariedade que foi exibido com forte cobertura

pela imprensa nacional. Porém, a boa vontade dessas pessoas nesse primeiro momento acabou

se transformando em empecilho para a logística humanitária na medida em que a

desorganização das doações e a postura dos voluntários acabava gerando desordem e poucas

ações efetivas em prol das reais necessidades dos atingidos pela lama. O fato é que as pessoas

estavam doando objetos que julgavam ser úteis às famílias, e isto muitas vezes não era

verdade. Segundo a Prefeitura de Mariana (2015), itens em mau estado de conservação,

perecíveis, objetos pessoais e até sucatas foram se amontoando no ginásio da cidade de

Mariana (principal ponto de armazenamento dos donativos). Muitas roupas foram descartadas

devido às más condições (os doadores não avaliavam as condições de uso) e o prefeito fez um

apelo via mídia para que as doações cessassem diante do volume de material e falta de espaço

para armazenagem das mesmas. Grande quantidade roupas sujas, rasgadas e misturadas

àquelas em boas condições foram doadas. Soma-se à isto, o envio de objetos como mobílias

antigas e outros artefatos que, aparentemente, a população não sabia como descartar e acabou

enviando como doação aos desabrigados. Grandes quantidades de itens repetidos,

principalmente, alimentos também foram observados. Já outros primários, como o

suprimento de água e roupa de cama ficou extremamente escasso.

Diversas entidades políticas, organizações não governamentais (ONGS) e grupos de

voluntários de cidades próximas se deslocaram para a cidade de Mariana e, de certa forma,

acabaram contribuindo para aumentar o tumulto e a falta de organização junto aos

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desabrigados. (G1, 2015b)

Ainda, destaca-se o conflito em termos de gestão da informação em relação ao acidente

ocorrido. A imprensa noticiou que a barragem pertencente à cidade de Mariana havia se

rompido em um exemplo claro de ineficiência do sistema de comunicação.

(MODESTO,2016). Isto causou um enorme transtorno sob o ponto de vista logístico,

considerando-se que inúmeros viajantes, caminhoneiros e frotistas que deveriam chegar à

cidade, se negaram a tal e desviaram a sua rota, alegando a impossibilidade de acesso à

Mariana. Como consequência, houve desabastecimento de itens primários como hortaliças e

combustível nos primeiros dias após a tragédia na cidade. Hoje, sabe-se que isto foi um

enorme equívoco, já que o subdistrito de Bento Rodrigues se localiza a cerca de trinta e cinco

quilômetros do centro histórico de Mariana e que o acesso a tal localidade foi restrito aos

grupos de apoio como bombeiros e defesa civil.

Considerando-se o viés econômico, percebe-se um impacto negativo na principal atividade

econômica da cidade de mariana: o turismo. A cidade que se destaca no cenário nacional

como patrimônio histórico da humanidade, viu sua imagem ser deteriorada e sofreu uma

grande evasão, dada a repercussão errônea de que a cidade também havia sido atingida pela

lama e se encontrava em estado de emergência. Os hotéis e pousadas foram reservados apenas

pela imprensa e representantes de entidades. O comércio local, principalmente àqueles

baseados em atividades como o artesanato, típico na região, teve um declínio caracterizado

pela estagnação das vendas. Ressalta-se que os danos produzidos no desastre ambiental

iniciado no município de Mariana foram sendo carregados pelos rios e atingiram os mais

diversos interesses, não mais apenas dos ribeirinhos que viviam da pesca ou de ceramistas,

mas da economia de diversas cidades. (PORCELLO, 2016)

7. Considerações Finais

Há várias considerações que podem ser tomadas como motivadoras para o desenvolvimento

do presente estudo. Natarajarathinam et al. (apud Bertazzo et al., 2013) aponta que os

desastres são eventos súbitos e inesperados ou lentos que podem ser caracterizados por atingir

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uma determinada região causando danos econômicos, sociais e ambientais, podendo ferir ou

matar pequenas ou grandes populações. Por tratar-se de eventos não facilmente administráveis

por procedimentos rotineiros, há a necessidade de atuação conjunta de entidades

governamentais, setores privados, agências humanitárias e comunidades, em ações

preventivas de regiões vulneráveis a desastres. Ballou (1993) afirma que a logística visa

disponibiliza o produto ou serviço certo, no lugar e instante corretos, na condição desejada ao

menor custo possível. Dessa forma, a perspectiva da logística humanitária visa prover auxílios

às vítimas, sejam eles recursos materiais ou humanos, de maneira correta e em tempo

oportuno, focando sempre o alívio do sofrimento e a preservação da vida (THOMAS E

KOPCKZAC apud BERTAZZO et al., 2013). Por tal motivo, a gestão de operações em geral

e a logística humanitária em particular assumem papel relevante na otimização da utilização

dos recursos que são disponibilizados, muitas vezes, de forma bastante improvisada e com

traços de ingerência. Para elucidar essa dinâmica, o presente estudo propõe realizar uma

análise a partir de casos reais de desastres súbitos representativos no cenário nacional.

A incidência de ocorrências de desastres no Brasil e no mundo está ressaltando a importância

do estudo do tema, ao mesmo tempo em que tem demonstrado a visão limitada das

organizações e do poder público na compreensão desses conceitos. Nesse sentido, a

abordagem desse trabalho procurou evidenciar os principais conceitos envolvidos e elucidar a

importância da contextualização e desdobramentos do referido tema nos dias atuais utilizando

o exemplo do desastre ocorrido no subdistrito de Bento Rodrigues pertencente ao município

de Mariana/MG para ilustrar alguns desafios da logística humanitária. O presente estudo

constitui, assim, uma contribuição no sentido de reunir, os diversos aspectos que balizam as

questões referentes aos desastres súbitos sob a ótica humanitária.

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