lÍngua portuguesa · salmo, uma bula de remédio, um relatório, um poema, um conto, um trecho de...

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autor do original

MARIA BEATRIZ GAMEIRO

1ª edição

SESES

rio de janeiro 2015

LÍNGUA PORTUGUESA

Conselho editorial luís cláudio dallier, roberto paes e gladis linhares

Autor do original maria beatriz gameiro

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção gladis linhares

Projeto gráfico paulo vitor bastos

Diagramação allan gadelha e paula cantanhêde

Validação de conteúdo fábio macedo simas e luciana varga

Imagem de capa cienpies design — shutterstock

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida

por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em

qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

G184 Gameiro, Maria Beatriz

Língua Portuguesa

— Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2015.

176 p

isbn: 978-85-5548-156-7

1. Linguagem. 2. Português. 3. Educação. I. Título.

cdd 469.5

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento

Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa

Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063

Sumário

Apresentação 7

1. Nem todo brasileiro fala do mesmo jeito 21

Fala e escrita 26

Norma padrão, norma culta e norma popular 28

Construções da norma padrão e da norma coloquial:

correções dos desvios mais comuns 29

2. Noções básicas de sintaxe: regência e concordância 39

Noções básicas da sintaxe 41

A transitividade verbal 41

A regência verbal 45

Regência nominal 52

A variação linguística e a concordância verbal 53

A concordância nominal 63

3. Usos da língua: pontuação, acentuação e ortografia 73

Introdução à clareza e à pontuação: a ordem direta no português brasileiro 75

Regras de acentuação 86

O novo Acordo Ortográfico 91

Regras ortográficas 98

A crase 101

O internetês e a ortografia 104

Importância da escrita para o mercado do trabalho 108

4. A estrutura do parágrafo, a coesão e a coerência 113

A estrutura do parágrafo 114

As qualidades do parágrafo 118

Coesão e coerência 128

A coerência 133

5. Leitura e significação 137

O Sincretismo de linguagens 138

O texto literário e o não literário 139

Principais critérios para distinção entre o texto literário e o não literário 142

A construção do significado no texto: a conotação e a denotação 143

Figuras de Linguagem 146

5

PRÓLOGO A ESTE LIVRO,

Por Deonísio da Silva

Nunca uma palavra foi tão apropriada: prólogo. Veio do Grego, passou pelo Latim

“prologus” e chegou ao Português “prólogo”. Designava a primeira parte da tragédia,

também uma palavra vinda do Grego “tragoidía”, composta de “tragos”, bode, e “oidé”,

canção, significando “canção do bode”: nas tragédias gregas era sacrificado um bode

enquanto o coro cantava.

Nós vivemos uma tragédia no ensino do Português. Faz décadas que professores,

pagos pelo Estado, por mantenedoras privadas ou por universidades comunitárias para

ensinar a norma culta do Português, deformam este ensino à base de um vale-tudo, em

que a norma culta não vale nada, praticando crimes de lesa-língua. E fazem isso com

uma disciplina estratégica, pois todas as outras disciplinas são ensinadas em Português!

Na Universidade Estácio de Sá, como em outras instituições de qualidade, o ensino

do Português vem merecendo atenção especial. A Língua Portuguesa é a menina dos

olhos da Estácio.

Meia dúzia de coisas que nunca falharam: você vai ouvir, falar, ler e escrever

melhor (e passar com folga em todas as AVs), se:

1) Assistir a todas as aulas;

2) Fizer as tarefas que os professores indicarem;

3) Ler todos os dias, nem que seja um pequeno trecho;

4) Consultar as obras de referência, como gramáticas e dicionários;

5) Ler os livros indicados;

6) Escrever alguma coisa todos os dias, nem que seja um recado a seus amigos.

1 As Palavras

O brasileiro fala bastante. E fala bem. Talvez não preste a devida atenção ao

que o outro fala. Começa na infância. "Quantas vezes eu já te disse para não fa-

zer isso, menino?". Ou: "Eu já te disse mil vezes que eu não quero ouvir palavrão

nesta casa", "eu te mato" etc.

Esta mãe imaginária usava bem o vocativo, com a pausa antes dele, que na

escrita levou uma vírgula. Ela invocava expressões de linguagem que todos co-

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nhecemos.

Mil vezes? Ainda que as admoestações fossem muito repetidas, talvez não

passassem de algumas dezenas, acompanhadas de ameaças de morte de brin-

cadeirinha, como faz toda mãe. Ela sabia que a língua portuguesa, ao lado de

olhares e gestos repreensivos ou de aprovação, era poderoso recurso para edu-

car os filhos.

Como se sabe, a educação começa em casa. Foi lá, aliás, que você aprendeu

a ouvir e a falar em Português. Seu pai foi seu primeiro professor. Sua mãe foi

sua primeira professora. Por isso, a língua portuguesa é sua língua materna,

palavra que veio do Latim materna, isto é, que se refere à mater, "mãe".

Escolas e universidades dão instrução e ajudam a educar os alunos, mas to-

dos os professores sabem que os alunos estão sob seus cuidados apenas um

sexto do dia. E os mestres precisam ensinar-lhes um cesto de coisas. O tempo é

pouco. Se a casa, a empresa, a mídia e a rua (lugares onde os discípulos passam

a maior parte do tempo) não colaboram com a escola e com a universidade, a

tarefa fica muito mais difícil. Sim, a boa empresa facilita a formação de seus

empregados, isto é um investimento para ela.

Nas ruas, nas estradas e em outros lugares públicos, cartazes com erros de

Português infiltram na mente de todos formas erradas de escrever! Programas

de baixo nível no rádio, na televisão, na internet etc. são outros empecilhos na

tarefa de ensinar. Como se sabe, muito ajuda quem não atrapalha. E esses erros

são como uma virose. Se o organismo não tem as devidas defesas, contrai doen-

ça de escrever mal antes de aprender a escrever bem.

Mas, se falamos bem, por que escrevemos tão mal? Uma campanha convida

ou ordena "Avança Brasil". Foram gastos milhões de reais para imprimi-la em

cartazes e exibi-la na televisão e na internet. Está errada. Não puseram vírgula

depois de "avança" e antes de "Brasil".

Hora do recreio

O site www.simplesmenteportugues.com.br apresenta este divertido e curioso

exercício sobre a vírgula, ao apresentar o texto de um moribundo – ele morreu

antes de fazer a pontuação -, numa espécie de minitestamento: “Deixo meus

bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro

nada dou aos pobres”.

Eram quatro os herdeiros. Como ele distribuiu a herança? Como exercício, os

7

alunos devem pontuar o texto como se fossem os advogados dos herdeiros. Di-

vididos em quatro grupos, cada um dos grupos deve defender o sobrinho (1), a

irmã (2), o padeiro (3) ou os pobres (4).

As respostas corretas são:

1) O sobrinho pontuaria assim: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu

sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

2) A irmã, assim: Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais

será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

3) O padeiro, assim: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho?

Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

4) Os pobres, assim: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho?

Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.

Erros de ortografia

Os erros mais numerosos são de ortografia. Até um professor anunciou:

"aulas de reforsso escolar, todas matérias". Está errado. As aulas são de reforço

escolar e é necessário o artigo em "todas AS matérias".

Um quiosque, a fim de melhorar as vendas de sorvetes e de picolés, anun-

ciou: "temos picolé premeado". Está errado. O certo é premiado.

Certa padaria avisou: "nossos produtos não tem glúteos". Está errado. O

certo é "nossos produtos não têm glúten". Glute também estaria correto, mas

glúteo é nádega; veio do Grego gloutós, "nádega".

Uma cabeleireira anunciou que fazia "itradação" de pele e cabelos. Está er-

rado. O certo é hidratação.

Uma floricultura oferecia "violentas" a menos de cinco reais. Está errado. O

certo é violetas.

Um açougue avisou os clientes que tinha "frango bovino". Ora, a carne à ven-

da era de frango ou de boi! O açougueiro não cruzou uma galinha e um touro

(boi ainda não castrado) ou um galo e uma vaca para produzir a tal carne.

A maioria das pessoas comete erros ortográficos, não porque seja difícil es-

crever corretamente, mas sim porque elas leem pouco. Esta é a grande causa.

A ortografia do Português não é tão simples como a do Espanhol e a do

Italiano, mas não é complicada como a do Inglês, por exemplo. Estão errados

aqueles que dizem que a do Inglês é mais simples. Não é.

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Cláudio Moreno, nosso colega de docência na Estácio há muitos anos, em

Guia Prático do Português Correto (vol. 1 - Ortografia), livro indicado na biblio-

grafia desta disciplina, lembra que em Inglês a palavra lives é pronunciada /livz/

quando significa "vive, mora, reside", e /laivz/ quando quer dizer "vidas". Você

escreve key e pronuncia o conjunto "ey" como /i/, mas no pronome they (eles,

elas), a pronúncia é /êi/. Em he goes ("ele vai"), você diz /gous/, mas o mesmo

encontro "oes", pronunciado /ous/ neste verbo, muda para /us/ em my shoes

("meus sapatos"), que você pronuncia /mai shus/.

Outras amostras de que o Português tem uma grafia mais simples do que a

do Inglês: para typography, pharmacy, theater, psychology, escrevemos tipo-

grafia, farmácia, teatro, psicologia.

O objetivo deste livro é ajudar os alunos a aprender a Língua Portuguesa. É

uma língua que os alunos já sabem, mas ainda não sabem o suficiente. De todo

modo, não é uma língua estrangeira. Se estivéssemos ensinando Inglês, Espa-

nhol, Latim, Russo ou Mandarim, os métodos seriam outros.

Mas por que ensinamos Português? Porque os alunos precisam muito

aprender a ler e a escrever numa língua que já entendem e falam.

Se o professor disser ou escrever "minha colega ficou rubicunda, mas abriu

uma exceção e deu um ósculo no mancebo", provavelmente o aluno irá ao dicio-

nário em busca de saber como se escreve e o que querem dizer as palavras escri-

tas em maiúsculas. De 14 palavras, ele provavelmente não sabe o significado de

apenas três. E tem dúvida de como se escreve exceção.

É um índice muito alto de conhecimento do vocabulário que ele precisa

saber para compreender o texto, uma vez que já conhece 78,58% das palavras

empregadas.

Na verdade, quando você lê qualquer texto ― uma notícia, uma petição, um

salmo, uma bula de remédio, um relatório, um poema, um conto, um trecho

de romance etc. — é provável que você conheça a maioria das palavras que ali

aparecem, pois elas se repetem muito.

Se você gosta mais de números do que de letras, faça um exercício curioso.

Aplique ao texto escolhido a Lei de Zipf, formulada pelo filólogo, linguista e es-

tatístico George Kingsley Zipf, da prestigiosa Universidade de Harvard.

Estudando a obra de James Joyce, famoso escritor irlandês de língua ingle-

sa, ele mostrou que no livro Ulisses, tido como um dos romances mais difíceis

de ser lido e entendido em todos os tempos (inclusive nas traduções), a palavra

mais comum aparece 8.000 vezes. Examinando muitos outros textos, concluiu

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que a maior parte de qualquer texto é coberta pelas palavras mais usadas na

língua.

Concluímos desta lei que somos capazes de entender qualquer texto, tendo

um bom vocabulário. E que para as palavras desconhecidas, só o que precisa-

mos é de um dicionário.

Quando ouvirem o texto "minha colega ficou rubicunda, mas abriu uma ex-

ceção e deu um ósculo no mancebo", os alunos provavelmente irão ao dicioná-

rio para certificar-se de como se escreve exceção, mas eles sabem que exceção

quer dizer "exclusão, algo fora da norma, fora do comum" naquele contexto. E

provavelmente sabem também, sem consultar o dicionário, como são escritas

as três restantes, embora sejam de uso raro, pois elas são escritas como pronun-

ciadas. Talvez aqueles que não conhecem a forma correta mancebo, escrevam

a forma errada "mansebo"... Mas, então, o problema será facilmente resolvido,

pois "mansebo" não existe.

O ditado, uma antiga prática das salas de aula, ajudava muito nisso. Nas pri-

meiras séries do ensino fundamental, a professora pronunciava palavras que os

alunos deveriam escrever.

O passo seguinte é saber o significado das palavras até então desconheci-

das, aquelas três marcadas: rubicunda, ósculo e mancebo.

Um bom dicionário ou um bom professor ou uma boa professora lhes ex-

plicará que rubicunda é da mesma família de rubrica, porque antigamente as

primeiras letras dos capítulos dos livros eram escritas com tinta vermelha. E

também é parecida com rubéola, infecção percebida por exantema de man-

chas vermelhas. Também são parentes o rubor nas faces e a cor rubro-negra

de clubes como o Flamengo, duas cores que, juntas ou separadas, estão nos

uniformes de muitos clubes brasileiros de futebol, como o Corinthians, o In-

ternacional, o Sport do Recife, o Vasco, o Grêmio, a Ponte Preta, o Atlético (do

PR, de MG etc.).

Mas, voltemos à palavra exantema, que o dicionário usou para explicar ou-

tra. Não se assustem! Os dicionários às vezes usam palavras ainda mais desco-

nhecidas para explicar aquela que você procurou.

Aliás, é um lado bom dos dicionários, longe de ser um defeito. Você atira

no que viu, acerta no que não viu, como diz o ditado, talvez antiecológico. Você

procura exantema e descobre que a nova palavra, que você não procurou, veio

do Grego eksanthéma, "florescência, florido", porque as feridas de tal enfermi-

dade semelham flores desabrochando sobre a pele.

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O dicionário é uma festa, aonde você vai com quem já conhece e descobre

desconhecidos que são ainda mais interessantes. E que você não procurava,

mas que podem vir a ser seus novos amigos.

A seguir, você procura ósculo, cujo significado é "beijo", que veio do Latim

osculum, "boquinha", diminutivo de os, "boca", assim como minúsculo veio do

Latim minisculum, diminutivo de minus, que significa "pequeno". Então, mi-

núsculo quer dizer "muito pequeno".

Por fim, procura mancebo, que quer dizer "jovem, moço". Na antiga Roma,

manceps, de onde veio a palavra, era o escravo jovem que ficava no quarto, to-

mava as roupas do senhor nas mãos e o ajudava a vestir-se.

Os escravos foram cartões de crédito e de débito, ainda antes de existirem

estes plásticos de tanta utilidade: ninguém fazia nada sem eles!

O feminino manceba designou a amante, a concubina, a mulher jovem que

ficava no quarto do senhor fazendo mais do que segurar as roupas dele, aju-

dando-o a vestir-se. Talvez o ajudasse mais a desvestir-se, ela mesma se des-

pindo junto. Outras palavras e expressões vieram do mesmo étimo, de que são

exemplos mancebia e amancebado, palavras que aparecem em numerosos do-

cumentos do Brasil colonial e imperial, dando conta de que os senhores das

casas-grandes não apenas visitavam as senzalas, como frequentemente viviam

amancebados com as próprias escravas, com elas gerando filhos, que eram

escravizados também. A expressão "Fulano tem um pé na cozinha" também

exemplifica isso, apesar do ponto de vista preconceituoso, pois poderia ser des-

cendente de um escravo com um pé no quarto da casa-grande.

Como vimos, é preciso conhecer o vocabulário empregado num texto, não

apenas porque esta tarefa é indispensável para compreender o texto, como tam-

bém pela viagem que as palavras nos levam a fazer, cheia de escalas em pontos

e portos interessantíssimos.

Na busca pelo significado das palavras que ainda lhe são desconhecidas,

você não pode desprezar o contexto em que foram empregadas. O mancebo de

que fala o texto não é o "móvel ou o pedaço de pau em forma de cabide", uma

vez que "minha colega ficou rubicunda, mas abriu uma exceção e deu um óscu-

lo no mancebo". Ela não ficaria vermelha se tivesse que beijar um móvel.

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2 Reflexões para você estudar Português

1. O domínio da língua materna é requisito fundamental para o sucesso em

qualquer campo de atividade. Independentemente do curso escolhido na Uni-

versidade, ler e escrever com proficiência é indispensável para que o acadêmico

possa participar da sua área de saber, qualquer que seja ela.

2. A ausência desse conhecimento básico compromete todas as suas formas

de expressão; sem ele, até mesmo o seu contato com os textos imprescindíveis a

cada especialidade fica prejudicado.

3. Em geral, o aluno brasileiro deixa de estudar Português no momento em

que conclui o Ensino Médio e ingressa na universidade ou no mercado de traba-

lho. Quase todos nós passamos por isso e conhecemos muito bem esse trajeto:

por algum tempo, absorvidos por nossas novas ocupações, passamos a dar pouca

ou nenhuma atenção àqueles conteúdos gramaticais que, na opinião da maior

parte dos adolescentes, constituem um emaranhado de regrinhas caprichosas e

desnecessárias.

4. A vida profissional ou acadêmica, no entanto, logo faz dissipar essa ilusão

e muda nossa maneira de ver as coisas, pois descobrimos finalmente que aque-

las regras que considerávamos supérfluas são instrumentos indispensáveis para

o sucesso pessoal. Este curso se destina exatamente àqueles que perceberam a

importância do domínio da língua materna para sua vida e sua carreira e que pre-

tendem atualizar seus conhecimentos gramaticais. Os mesmos fatos e princípios

que você estudou na escola voltam agora sob novo enfoque, selecionados e orga-

nizados para solucionar, na prática, as dúvidas e hesitações que afligem quem

escreve. Este curso apresenta, por isso mesmo, o mínimo de teoria necessário

para entender os fenômenos explicados: o seu foco é a gramática do uso culto.

5. A língua é transmissora da cultura e da civilização. Ela é um sistema orgâni-

co de regras e princípios, estabelecido, de geração em geração, século por século,

pela soma dos discursos de todos os indivíduos que têm o Português como língua

materna. A língua que estou usando hoje para falar com vocês vem sendo usada

há quase mil anos. Foi usada por cruzados, por navegadores, por carrascos e por

vítimas da Inquisição. Quando o Brasil foi descoberto, o escrivão da frota, nosso

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Pero Vaz de Caminha, relatou... Camões cantou seus amores, Vieira pregou na

Igreja contra as invasões holandesas, falando a colonos, índios e escravos.

6. Foi por causa disso, por exemplo, que a escola dispendeu tanto esforço para

ensinar a vocês a conjugação completa dos verbos, incluindo o vós. Como enten-

der uma frase clássica como "Vinde a mim as criancinhas" sem conhecer a flexão

do verbo na 2ª pessoa do plural?

7. Mito: "Como nunca pretendo usar essas formas, elas não são importantes

para mim". Na verdade, "usamos" um vocábulo não só quando o empregamos

numa frase, mas também quando o compreendemos ao vê-lo num texto de ou-

trem. Por exemplo, o costume de não trabalhar, na escola, com a 2ª pessoa do

plural na conjugação dos verbos ― sob a alegação infantil de que "ninguém usa

mais esta forma" acarreta uma série de problemas na compreensão de textos tão

simples e fundamentais como, por exemplo, as orações: “Pai nosso que estais

nos céus, santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso reino, seja feita a vos-

sa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje; per-

doai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendi-

do; e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.” Ou: “Ave,

Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco; bendita sois vós entre as mulheres,

bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós,

pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.”

8. Nosso propósito é levá-lo a posicionar-se criticamente sobre tudo aquilo

que já aprendeu sobre nosso idioma (que é, acredite, muito mais do que você

imagina). Viajando pela história de nossa língua, você vai entender o quanto de-

vemos ao Grego e ao Latim; além disso, vai poder avaliar a dívida cultural que

temos para com os árabes e os povos indígenas e africanos. Com base nas leitu-

ras escolhidas, queremos mostrar a você que os fatos mais corriqueiros da língua

influem na nossa interpretação de um texto literário, e que os escritores sabem,

como ninguém, utilizar a seu favor as várias escolhas que têm à sua disposição —

e você vai entender de que maneira um autor como Machado de Assis, utilizando

a mesma língua que você usa (e praticamente o mesmo vocabulário), construiu

verdadeiras obras-primas.

9. A língua é um sistema desenvolvido no tempo e no espaço, formado pelo

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trabalho de milhões de falantes. Outra coisa bem diferente é o uso que cada um

de nós faz desse repertório. Cada um de vocês tem um discurso próprio — cada

um usa o sistema à sua maneira, de acordo com sua formação, sua idade, sua

região ou simplesmente o grau de consciência com que se relaciona com a lin-

guagem. Por isso, ver como os outros usam ou usaram a língua aumenta o nos-

so repertório de possibilidades e nos ajuda a definir o estilo que preferimos e o

que realmente nos desagrada. O uso individual pode mudar a língua? Se houver

a concordância de muitos indivíduos, sim. Há quem se escandalize com as mu-

danças, mas não podemos esquecer que, se ocorrerem, tudo vai se dar dentro do

sistema próprio do nosso idioma. Invariavelmente, elas são feitas para tornar o

sistema ainda mais homogêneo. Os "erros" que as pessoas cometem — que, não

por acaso, são os mesmos em todo o país — revelam pontos de atrito com a nor-

ma culta, em que os discursos individuais acabarão inconscientes, mas inexora-

velmente, limando e polindo o sistema.

10. A evolução do sistema. As mudanças que ocorrem, no entanto, sempre

se dão dentro da direção de tendência — como o sentido dos pelos do veludo,

ou, mais domesticamente, o sentido dos pelos do gato. Um exemplo que está

em processamento é a transformação do vocábulo grama (unidade de medida),

considerado substantivo masculino. A tendência é transformá-lo em feminino —

como lama, cama, rama etc. É por isso que a maioria dos falantes brasileiros vem

aderindo à mudança, inclusive com a adesão de autores tão importantes quanto

Machado de Assis, o patrono deste curso. Machado de Assis, por exemplo, em

crônica publicada em A Semana, fez como os falantes de hoje: usou grama (peso)

no feminino O caso da grama. “Contaram algumas folhas, esta semana, que um

homem, não querendo pagar por um quilo de carne preço superior ao taxado pela

prefeitura, ouvira do açougueiro que poderia pagar o dito preço, mas que o quilo

seria mal pesado. [...] Um quilo mal pesado. Pela lei, um quilo mal pesado não é

tudo, são novecentas e tantas gramas, ou só novecentas.” E voltou ao feminino de

grama (peso) nesta outra, publicada em Balas de Estalo: “Pode ser que haja nesta

confissão uma ou duas gramas de cinismo; mas o cinismo, que é a sinceridade

dos patifes, pode contaminar uma consciência reta, pura e elevada, do mesmo

modo que o bicho pode roer os mais sublimes livros do mundo.”

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3 Frase, Oração, Período, Parágrafo, Texto

"Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Cen-

tral um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu." (abertura de Dom

Casmurro)

"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” (final de

Memórias Póstumas de Brás Cubas)

"Naquele dia – já lá vão dez anos! -, o dr. Félix levantou-se tarde, abriu a janela e cum-

primentou o sol. (...) Alegres com vermos o ano que desponta, não reparamos que ele é

também um passo para a morte." (abertura de Ressurreição)

Estas frases, orações e período integram (1) o primeiro parágrafo do roman-

ce Dom Casmurro, (2) o fechamento de Memórias Póstumas de Brás Cubas e

(3) a abertura de Ressurreição, três romances de Joaquim Maria Machado de

Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, mulato, descendente de

escravos, filho de família pobre, epiléptico, gago.

Francisco José de Assis, seu pai, filho de escravos alforriados, era pintor de

paredes; Maria Leopoldina da Câmara Machado, sua mãe, imigrante portugue-

sa dos Açores, era lavadeira.

Machado foi autodidata (estudou por conta própria) e jamais frequentou

uma universidade. Escreveu nove romances, cerca de duzentos contos, seiscen-

tas crônicas, além de peças de teatro, poemas e ensaios.

Sua madrinha se chamava Maria, e seu padrinho, Joaquim. Foi por isso que

o pai lhe deu este nome: Joaquim Maria (do padrinho e da madrinha) Machado

(sobrenome da mãe) de Assis (sobrenome do pai).

Aos 10 anos, ficou órfão de mãe e passou a ser cuidado pela madrasta, Ma-

ria Inês da Silva, que fazia doces que Machado vendia nas ruas, como hoje fa-

zem adolescentes e jovens nos faróis. Isto levou o menino a ter contato com

um padeiro que lhe ensinou Francês. Tornou-se também coroinha e sacristão,

e aprendeu Latim com o padre.

Aos 17 anos teve seu primeiro emprego: aprendiz de revisor e de tipógrafo

na Imprensa Nacional, onde foi orientado e ajudado por Manuel Antônio de

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Almeida, autor de Memórias de um Sargento de Milícias. Em seguida, recebeu

ajuda de Quintino Bocaiúva (homenageado no nome de um bairro no Rio, co-

nhecido mais como Quintino apenas, onde nasceu o jogador Zico) e de Salda-

nha Marinho (pernambucano, que governou São Paulo e foi um dos autores de

nossa primeira Constituição).

Mas quem mais ajudou Machado de Assis foi a portuguesa Carolina Augus-

ta Xavier de Novais, uma solteirona de 35 anos, bonita, culta e elegante, que ele

desposou aos 30 anos. Ela vinha de uma desilusão amorosa com um português,

e a família dela não queria que a moça casasse com um mulato. O casamento

aconteceu, mas eles não tiveram filhos. O motivo foi confessado em comple-

xas sutilezas, como era de seu estilo, no fechamento de Memórias Póstumas

de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da

nossa miséria.”

Por que estas explicações e por que estes trechos? O livro é o pão nosso de

cada dia, o pão do espírito. Ele nos alimenta a alma. E nos ajuda a aprender

Português.

Depois do vocabulário, vamos às frases e orações que compõem um perío-

do. Um ou mais períodos formam um parágrafo. Um ou mais parágrafos for-

mam um texto, que pode ser dividido em capítulos, como faz Machado nos seus

romances.

O Português tem algumas singularidades. A maioria das palavras não tem

acento. A maioria das palavras é paroxítona, isto é, a sílaba mais forte é a penúl-

tima: abacate, bergamota, cavalo, ditado, escola, faculdade, ginecologista, hos-

pedagem, idealista, juramento, laranja, moleque, narciso, obcecado, potranca,

quadrado, recado, sulfato, timaço, umbanda, varanda, xavante, zeloso.

A ordem direta é predominante no Português. Isto é, para arrumar as pa-

lavras e construir frases e orações, a ordem é a seguinte: primeiro o sujeito;

depois o verbo; por último, o(s) complemento (s). O professor ensinou concor-

dância verbal (ontem, na aula a distância, com exemplos na lousa eletrônica).

O aluno aprendeu a lição (com leitura, exemplos e exercícios feitos em casa).

Mas podemos construir frases também com outras ordens: complemento,

verbo, sujeito; verbo, complemento, sujeito; verbo, sujeito, complemento.

Machado de Assis, na abertura de Dom Casmurro, usou complemento(s)

(uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo), sujeito oculto, ver-

bo (encontrei), complemento(s) de novo (no trem da Central um rapaz aqui do

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bairro, que eu conheço de vista e de chapéu).

No fechamento de Memórias Póstumas de Brás Cubas, ele usa a ordem di-

reta: sujeito oculto, verbo (Não tive) complemento (filhos), e a seguir emenda

outra frase com sujeito oculto, verbo (não transmiti) complementos (a nenhu-

ma criatura o legado da nossa miséria).

Notem que as frases ou orações formam um ou mais períodos, como tam-

bém ocorre neste último caso, na abertura do romance Ressurreição, quando

ele usa complementos (Naquele dia – já lá vão dez anos! ), sujeito (o dr. Félix),

verbo(s) (levantou-se tarde, abriu a janela e cumprimentou o sol). (...) sujeito

oculto, verbo (estamos) complementos (Alegres com vermos o ano que despon-

ta), e sujeito oculto de novo, verbo (não reparamos), complementos (que ele é

também um passo para a morte).

Ele nos disse que:

1) O dr. Félix levantou-se tarde;

2) (O dr. Félix) abriu a janela;

3) (O dr. Félix) cumprimentou o sol;

4) (o dr. Félix fez as três coisas): “naquele dia”, “já lá vão dez anos”;

5) (Nós ficamos) alegres com vermos o ano que desponta;

6) (Nós) não reparamos que ele é também um passo para a morte.

Arrumando uma boa ordem também para os períodos, fazemos um pará-

grafo:

1) Capítulo I de Dom Casmurro. Primeiro parágrafo.

“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no

trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu.

Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e

acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não

fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fe-

chei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a

leitura e metesse os versos no bolso.”

17

2) Capítulo I de Ressurreição. Primeiro parágrafo.

“Naquele dia, — já lá vão dez anos! — o Dr. Félix levantou-se tarde, abriu

a janela e cumprimentou o sol. O dia estava esplêndido; uma fresca bafagem

do mar vinha quebrar um pouco os ardores do estio; algumas raras nuvenzi-

nhas brancas, finas e transparentes se destacavam no azul do céu. Chilreavam

na chácara vizinha à casa do doutor algumas aves afeitas à vida semi-urbana,

semi-silvestre que lhes pode oferecer uma chácara nas Laranjeiras. Parecia que

toda a natureza colaborava na inauguração do ano. Aqueles para quem a idade

já desfez o viço dos primeiros tempos, não se terão esquecido do fervor com que

esse dia é saudado na meninice e na adolescência. Tudo nos parece melhor e

mais belo, — fruto da nossa ilusão, — e alegres com vermos o ano que despon-

ta, não reparamos que ele é também um passo para a morte.”

3) Capítulo CLX de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Último parágrafo.

“Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do em-

plasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que,

ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor

do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do

Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que

não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E

imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com

um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: —

Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”

Por fim, recomendamos que você faça boas leituras. Como estas, de Macha-

do de Assis, nosso maior escritor. Você vai aprender Português com os mestres

da língua portuguesa. E este é o maior deles.

18

Nem todo brasileiro fala do mesmo jeito

1

22 • capítulo 1

Apresentação do capítulo

Neste primeiro capítulo, discutiremos algumas diferenças entre “fala” e “es-

crita” e ainda as noções de variação linguística e adequação da linguagem.

Compreender o funcionamento básico da linguagem é essencial para utilizá-la

adequadamente. Além disso, é preciso aprender a norma padrão, estabelecida

pelas gramáticas, pois é ela que é exigida em contextos formais; assim, apre-

sentaremos alguns casos básicos que geram muita dúvida ao escrever e falar.

Esperamos que você conheça e passe a usar os aspectos da norma padrão nos

contextos em que eles são exigidos.

OBJETIVOS

• Conceber fala e escrita não como modalidades opostas, mas como um continuum de diferenças;

• Apreender a variação linguística e a adequação da linguagem;

• Analisar as diferenças entre a norma padrão, culta e coloquial;

• Conhecer alguns usos linguísticos recomendados pela norma padrão.

REFLEXÃO

Você se lembra?

Você já parou para refletir sobre o papel central que a língua ocupa em nossas vidas? Cer-

tamente sim, pois utilizamos a língua e a linguagem nas mais diversas situações. A todo

momento, usamos a fala, a escrita, gestos, símbolos, sinais e outras formas para nos comu-

nicarmos. Mas você já observou que a língua que usamos para falar em situações informais

com nossos amigos íntimos e parentes é diferente da língua que empregamos em situações

formais, com chefes no trabalho, em reuniões de negócio, pessoas com as quais não temos

intimidade etc.? Reparou também que, dependendo do canal por meio do qual nos comunica-

mos ou nos expressamos, a nossa língua muda? A linguagem das redes sociais é distinta das

encontradas em romances, artigos de opinião veiculados em jornais etc. Toda essa reflexão

envolve uma teoria básica sobre língua, linguagem, gêneros textuais, adequação da lingua-

gem e outros termos que você conhecerá neste capítulo.

capítulo 1 • 23

O Professor Luís Cláudio Dallier, no livro Comunicação e Expressão, trata da

variação linguística. Ele a defi ne como o fenômeno de uma língua que sofre

variações ao longo do tempo, do espaço geográfi co, do espaço ou da estrutura

social, da situação ou do contexto de uso. Isso signifi ca dizer que uma língua

está sujeita a reajustar-se no tempo e no espaço para satisfazer às necessidades

de expressão e de comunicação, individual ou coletiva, de seus usuários.

Podemos abordar a variação linguística sob diversas perspectivas. Se levar-

mos em conta uma situação de comunicação qualquer, teremos alguns ele-

mentos que vão apontar para variedades no modo de usar a língua.

Por exemplo:

• Quem fala?

• Para quem fala?

• Quando fala?

• Como fala?

• Por que fala?

Essas perguntas evidenciam que nossa fala pode variar de acordo com a si-

tuação ou com o contexto da comunicação, conforme as pessoas que nos ou-

vem, o assunto de que estamos tratando ou a intenção de nossa mensagem.

24 • capítulo 1

Outra forma de abordarmos a variação linguística é por meio da constata-

ção de variações no uso da língua em algumas dimensões:

a) Dimensão geográfica ou regional: um mesmo idioma pode variar de um

lugar para o outro. Por exemplo, o Português tem variações nas nove nações

lusófonas, isto é, aquelas em que é a língua oficial ou uma das línguas oficiais:

Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Por-

tugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste. É muito falada também em regiões

como Macau (na China), Goa (na Índia), Galiza (na Espanha), sem contar regi-

ões do Paraguai, Uruguai e EUA.

Às vezes, há variações também dentro do próprio país em que o Português

é a língua oficial. Na escrita, que adota a norma culta, é mais uniforme, mas

na fala, não! O gaúcho fala de um modo que é só seu; o catarinense falado em

Florianópolis, uma ilha, não é o mesmo do resto do litoral, nem o da região ser-

rana, que é muito mais semelhante ao modo de falar do gaúcho. Os brasileiros

que habitam o Nordeste falam com variações que se subdividem se os falantes

são baianos ou cearenses. Temos também o falar caipira, próprio do interior

do estado de São Paulo. Em Minas, a palavra “trem” tem tantos usos que, num

dicionário do mineirês, seria um dos verbetes mais extensos.

Essas variações não atrapalham, antes enriquecem a língua portuguesa,

como um dia já foi enriquecida por árabes, judeus, espanhóis, índios, africa-

nos, alemães, franceses, italianos, poloneses etc. Por exemplo: quantos nomes

de pratos culinários são franceses ou de origem africana? Quantos nomes de

rios, lagoas e montanhas são indígenas? Quantas danças e canções foram trazi-

das por imigrantes e ainda são cantadas na língua original? Quem já não ouviu

a expressão “mamma mia”, “porca miseria”?

b) Dimensão social: a classe social dos falantes pode influenciar seu modo

de dizer as coisas. Por que acontece isso? Porque, por norma, quem está situa-

do do meio da pirâmide social para cima convive com quem fala de acordo com

a norma culta, uma vez que é maior a possibilidade de acesso ao ensino e aos

bens culturais (livros, bibliotecas, teatro, cinema etc.). E quem está na base da

pirâmide social lê pouco, não vai ao cinema, não vai ao teatro, não assina jornal

ou revista. Mas ainda assim sofre grande influência do rádio e da televisão, por

capítulo 1 • 25

exemplo. E, mais recentemente, também da internet.

Este cartum mostra um exemplo de variação na dimensão social.

c) Dimensão da idade: Pessoas de idades diferentes (crianças, jovens, adul-

tos e idosos) podem apresentar um modo variado de usar a língua. Veja o se-

guinte exemplo:

Situação: um jovem falando com seu pai ao telefone.

O jovem fala: Ô velho, já faz um tempão que sou dono do meu nariz... Sem-

pre batalhei, arrumei um trampo, dou um duro danado! Me empresta o caran-

go pr’eu sair com a gata hoje?

O pai responde: Só se você conseguir traduzir o que disse para uma lingua-

gem que eu gosto de ouvir de meu filho!

d) Dimensão do sexo: Em função de condicionamentos culturais e sociais,

homens e mulheres podem usar a língua ou se expressarem de forma diferente.

Vamos a um exemplo:

Homem: Cara, comprei uma camisa muito legal!

Mulher: Menina, comprei uma blusinha linda! Ela ficou “maaaaravilhosa”!

e) Dimensão da geração: Está relacionada com a variação histórica no uso

da língua. Veja o exemplo:

Jornal O Estado de S. Paulo, de 11 de março de 1900: “O dr. Vital Brasil se-

26 • capítulo 1

guiu hontem para Sorocaba, afim de obter aguas remanciais (...) para ser exami-

nada aqui bacteriologica e chimicamente, aver se pode servir o abastecimento

de agua daquela cidade.”

Jornal O Estado de S. Paulo, de 11 de março de 2000:

“O governador do Rio, Anthony Garotinho, disse ontem que a principal cau-

sa da morte de 132 toneladas de peixes e crustáceos na Lagoa Rodrigo de Freitas

(...) foi o excesso de peixes e não o lançamento clandestino de esgoto.”

1.1 Fala e escrita

É comum ouvirmos que a fala é informal e a escrita, formal; que a fala não

é planejada e que a escrita é planejada; que a fala é repleta de “erros” e a escri-

ta não; que a fala é contextualizada e a escrita, descontextualizada etc. Porém,

essa visão dicotômica não está correta, visto que há muitos gêneros textuais de

língua falada que seguem os preceitos da norma padrão, como por exemplo,

uma conferência, as notícias veiculadas nos grandes telejornais, uma sentença

proferida por um juiz, um discurso político bem planejado, uma mesa-redonda

etc. Por outro lado, existem exemplos de escrita informal, como bilhetes, reca-

dos em redes sociais e outros repletos de informalidades, como bem explica

Marcuschi (2010, p. 9):

Em certos casos, as proximidades entre fala e escrita são tão estreitas que parece

haver uma mescla, quase uma fusão de ambas, numa sobreposição bastante grande

tanto nas estratégias textuais como nos contextos de realização. Em outros, a distância

é mais marcada, mas não a ponto de se ter dois sistemas linguísticos ou duas línguas,

como se disse por muito tempo. Uma vez concebidas dentro de um quadro de inter-re-

lações, sobreposições, gradações e mesclas, as relações entre fala e escrita recebem

um tratamento mais adequado, permitindo aos usuários da língua maior conforto em

suas atividades discursivas.

Dessa forma, Marcuschi sugere uma distinção entre fala e escrita baseada

em suas características estruturais, tais como se evidencia no quadro a seguir:

FALA ESCRITA

capítulo 1 • 27

Plano da oralidade (prática social interativa)Plano do letramento (diversas práticas

da escrita)

Usa aparato biológico do ser humano Usa “tecnologia” escrita

Sons articulados e significativos; aspec-

tos prosódicos, recursos expressivos

como gestualidade, movimentos do cor-

po, mímica etc.

Unidades alfabéticas, ideogramas ou

unidades iconográficas

Aspecto sonoro Aspecto gráfico

Quadro 2- Fala e escrita

(Elaborado pela autora com base em Marcuschi, 2010, p. 25-26)

Com base na concepção discursiva e no meio de produção, Marcuschi apre-

senta o seguinte gráfico:

GÊNEROS TEXTUAIS MEIO DE PPRODUÇÃO CONCEPÇÃO DISCURSIVA DOMÍNIO

Sonoro Gráfico Oral Escrita

Conversação

espontâneaX X A

Artigo científico X X D

Notícia de TV X X C

Entrevista publi-

cada na VejaX X B

(MARCUSCHI, L. A., 2010, p. 40)

A produção do domínio “A” – conversação espontânea – é protótipo da ora-

28 • capítulo 1

lidade por ser um texto tipicamente oral, visto que é sonoro e oral. A produção

do domínio “B” – entrevista publicada na revista Veja – não é um protótipo nem

da escrita nem da oralidade por ser um texto misto, já que é gráfico apesar de

oral. A produção do domínio “C” – notícia de TV – também não é um protótipo,

é misto, uma vez que é sonoro apesar de escrito. A produção do domínio “D” –

artigo científico – é protótipo da escrita, uma vez que é um texto tipicamente

escrito, pois é gráfico e escrito.

Marcuschi (201, p. 35) expressa claramente que “(...) assim como a fala não

apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a escrita não tem pro-

priedades intrínsecas privilegiadas.” O que ocorre é que na língua falada es-

pontaneamente com pessoas com quem se tem intimidade, é comum desvios

gramaticais, pausas, repetições, uso de marcadores conversacionais como “né,

então, aí”, tomadas de turnos, apagamento dos /r/ finais, elevação das vogais,

como “iscola”, “mininu”, dentre outras coloquialidades. Deve ficar claro que

não defendemos aqui uma ou outra modalidade, nem pregamos o uso da nor-

ma coloquial, apenas ressalvamos a importância de que você, falante do idio-

ma, saiba que as conversas espontâneas comumente distanciam-se da norma

padrão, e que em contextos formais, mesmo que você empregue a língua fa-

lada, precisará usar a norma padrão. Mas você conhece os conceitos: norma

padrão, norma coloquial, norma culta etc.?

1.2 Norma padrão, norma culta e norma popular

A Linguística discute o conceito de “norma” relacionando-o aos compor-

tamentos linguísticos dos indivíduos e ao sistema ideal de valores. Para você,

estudante de nível superior, as discussões aprofundadas sobre tais conceitos

podem não ser essenciais, mas é preciso conhecer a diferença entre os termos

“norma culta e norma padrão”, usados como sinônimos no cotidiano.

Lucchesi (2002, p. 64) explica-nos que a norma padrão diz respeito às for-

mas contidas e prescritas pelas gramáticas normativas, como por exemplo, a

recomendação para usar a mesóclise com verbos no futuro do presente ou no

futuro do pretérito do indicativo (Dar-te-ei um prêmio se acertares a resposta!

Dar-te-ia um prêmio se acertasses a resposta). Já a norma culta contém as “for-

mas efetivamente depreendidas da fala dos segmentos plenamente escolariza-

dos, ou seja, dos falantes com curso superior completo”. Com base nos estudos

linguísticos feitos sobre a língua falada culta em diversas regiões do país, como

capítulo 1 • 29

o Projeto NURC, por exemplo, é possível afirmar que nem mesmo na norma

culta, isto é, nem mesmo os falantes escolarizados, ditos cultos, utilizam a nor-

ma padrão em todos os momentos. Todavia, é possível que os falantes cultos

não sejam mal avaliados por não usarem a mesóclise porque esta norma não

é estigmatizada. Já um indivíduo que diga: “Nóis vai, nóis qué” provavelmente

será mal avaliado e poderá sofrer preconceito linguístico porque a ausência de

concordância verbal é uma variante estigmatizada. Entre esses extremos, há a

norma coloquial, usada no dia a dia, nas conversas informais com amigos, nos

bilhetes, nas redes sociais etc. É considerada uma linguagem mais descontraí-

da, sem formalidades, com gírias, diminutivos afetivos, termos regionais, abre-

viações, contrações etc. Nela, são comuns construções como: “A gente qué” (ao

invés da construção padrão: “Nós queremos”); “As menina adora” (ao invés da

padrão: “As meninas adoram”), “O filme que eu assisti” (ao invés de: “O filme a

que eu assisti”); “Me empresta o lápis” (ao invés de: “Empreste-me o lápis”) etc.

Poderíamos apresentar uma imensa lista com desvios da norma padrão mui-

to comuns na linguagem coloquial (também chamada de popular), porque a

norma padrão está muito distante do uso que os falantes fazem, em geral, da

língua. Porém, é importante frisar três aspectos aqui discutidos, explícita ou

implicitamente:

1) A língua varia de acordo com a situação e outros fatores sociais como es-

colaridade, sexo, nível social etc.;

2) Não se deve julgar, menosprezar ou demonstrar preconceito pelo modo

como alguém fala ou escreve, pois não há uma forma linguística superior a outra;

3) Embora não se deva julgar ou condenar alguém pelo uso linguístico que

faz, você deve saber utilizar a norma padrão nos contextos em que ela é exigida.

Diante das considerações feitas, serão apresentadas, ao fim deste capítulo,

algumas construções típicas da linguagem coloquial, mas que devem ser evita-

das em situações formais, quando a norma padrão é a esperada, como em con-

ferências, seminários, redações de vestibulares, notícias, reportagens, artigos

científicos, trabalhos acadêmicos, dentre outros.

1.3 Construções da norma padrão e da norma coloquial: correções dos desvios mais comuns

As discussões sobre “adequação da linguagem” e norma padrão/culta/popu-

lar ilustram a importância do conhecimento da norma padrão principalmente

30 • capítulo 1

nos contextos formais das relações profissionais. É preciso dominar as regras

gramaticais, saber conjugar os verbos, usar a concordância, os pronomes, a

acentuação, a pontuação, as preposições, dentre outros itens gramaticais im-

portantes tanto para uma boa redação como para uma boa interpretação textu-

al. Na linguagem cotidiana, cometemos muitos desvios em relação ao padrão;

entretanto, quando formos usar a língua em situações formais, precisaremos

obedecer aos preceitos do padrão.

A seguir, apresentam-se algumas construções típicas da linguagem popu-

lar, coloquial, sobre as quais muitos falantes têm dúvidas.

1- ONDE x AONDE

Utiliza-se “aonde” quando o verbo expressar movimento, como em: “Aonde

você vai?”; já quando indica permanência em um lugar, o correto é usar “onde”,

como em: “Onde você está?”. Veja outros exemplos:

O político sabia bem aonde queria chegar.

Orgulho-me muito do lugar onde vivo.

2- HÁ x A

Inúmeros estudantes cometem desvios do padrão usando “há” no lugar de

“a” e vice-versa. A regra é a seguinte:

a) usa-se “há” quando se flexiona o verbo “haver” no presente do indicativo,

para expressar “existência”, como em: “Há muitas pessoas nesse show.”

b) usa-se “há” quando se flexiona o verbo “haver” no presente do indicativo,

para expressar “tempo já passado”, como em: “Há alguns anos, visitei esta cidade.”

Atenção: Muitas pessoas usam a expressão “há anos atrás”, que é considera-

da pleonasmo vicioso, pois o “haver” já indicaria passado, sendo desnecessário

usar “atrás”.

Veja o seguinte exemplo:

Já o uso de “a” ocorre nos seguintes casos:

a) Como artigo definido:

A professora explicou a matéria.

b) Como tempo futuro:

Ela fará o discurso daqui a 10 minutos.

Daqui a pouco, iniciaremos a reunião.

capítulo 1 • 31

Se “daqui a pouco” indica futuro...não pode ser “há”.

3- MAU x MAL

No cotidiano, muitas pessoas usam indistintamente “mal e mau”, porém, “mau”

é adjetivo e “mal”, advérbio. Existe um famoso macete para não errar mais:

MAL é o oposto de BEM

MAU é o oposto de BOM

O macete é bom para decorar o uso, mas entenda o motivo, veja:

a) O homem mau ignora os outros.

b) O homem está passando mal.

Nesses dois exemplos, você percebe que em “O homem mau”, a palavra mau

se refere ao substantivo homem. Logo, trata-se de um adjetivo, que é uma clas-

se gramatical que se flexiona em gênero, número e grau:

- Os homens maus (flexão de número);

- As mulheres más (flexão de gênero: masc./fem.)

- Os homens são tão maus quanto as mulheres (grau comparativo).

Já no exemplo “b”, “mal” é um advérbio, por isso não pode sofrer variação.

Observe que se alterarmos o gênero e o número de “homem” em “b”, “mal” não

sofrerá nenhuma alteração:

- Os homens estão passando mal.

- As mulheres estão passando mal.

Obs.: A palavra mal pode ser substantivo, por exemplo: “Este é um mal ne-

cessário”. Mas, nesse caso, haverá sempre um determinante qualquer, como o

artigo um, e pode haver plural: “Os males da vida são muitos.”

4- MENOS x MENAS

A palavra “menos” também é muito usada como advérbio para indicar “menor

grau, menor intensidade ou quantidade” e, como um advérbio, é invariável.

Contudo, no cotidiano, as pessoas a flexionam incorretamente em gênero e di-

zem: “Comi menas comida hoje” Como “menos” é advérbio, é sempre invariá-

32 • capítulo 1

vel e ficará sempre no singular; portanto, o correto, de acordo com o padrão é:

“Comi menos comida hoje”.

5- “AO ENCONTRO DE” E “DE ENCONTRO A”

As expressões “ao encontro de” e “de encontro a” são extremamente usadas por

jornalistas e até em conversas cotidianas. Mas muitos a utilizam da forma in-

correta! Para não errar, atente-se às normas de uso de tais locuções:1

Ao encontro de: significa “estar de acordo com”, “em direção a”, “favorável

a”, “para junto de”. (está de acordo)

Exemplo: Meu texto está ao encontro do que o professor solicitou.

De encontro a: tem significado de “contra”, “em oposição a”, “para chocar-

se com”.

Exemplo: Meu texto está de encontro ao que o professor solicitou. (está em

desacordo)

A fim de ilustrarmos a importância do conhecimento das normas grama-

ticais na compreensão do significado, apresentamos a seguir uma notícia vei-

culada em revista que relata a iniciativa da prefeitura de São Paulo de oferecer

moradia, trabalho remunerado e treinamento profissional a dependentes quí-

micos da região conhecida como Cracolândia. Veja como o conhecimento da

língua é relevante para o sentido, pois se mudarmos apenas uma preposição, o

significado da frase altera-se totalmente:

“Dar trabalho e moradia aos usuários de drogas vai ao encontro do que a Orga-

nização das Nações Unidas (ONU) defende para combater o vício” (Época, 13 jan.

de 2014, p. 11).

O jornalista usou adequadamente a locução prepositiva “ao encontro do”,

transmitindo a ideia de acordo com o contexto da notícia, isto é, a ação rea-

lizada pela prefeitura de São Paulo está em conformidade com o que defen-

de a ONU. Entretanto, muitas pessoas não sabem quando devem utilizar “ao

encontro ou de encontro”. Imagine se a frase tivesse sido escrita dessa forma:

“Dar trabalho e moradia aos usuários de drogas vai de encontro ao que a Or-

ganização das Nações Unidas (ONU) defende para combater o vício”. Usando

“de encontro”, o sentido da frase seria o oposto, a atitude da prefeitura de São

Paulo não estaria de acordo com o que defende a ONU. Percebeu a importância

do conhecimento da língua tanto para a interpretação como para a redação?

1 Todo o conteúdo desse item foi retirado de: CORDEIRO, M.B.G. Redação e Interpretação Textual. Estácio: Ribeirão Preto, 2014, p. 28-29

capítulo 1 • 33

ATIVIDADE

Analise a linguagem usada no cartum a seguir para responder à questão 1.

1. Analise a variação linguística presente na tirinha e as considerações a seguir:

I. A situação retratada pode ilustrar a variação diatópica, referente às diferenças entre

as regiões no modo de falar (semântica, sintaxe, fonologia, morfologia), pois mostra uma

forma típica dos gaúchos ao se comunicarem.

II. A situação retratada pode ilustrar a variação diastrática, referente a fatores sociais,

tais como: faixa etária, profissão, estrato social, escolaridade, gênero etc., pois mostra os

dialetos diferentes de um garoto e de um senhor.

III. A situação retratada pode ilustrar a variação diafásica, referente ao contexto comuni-

cativo; a situação exigirá o uso de um modo de falar distinto, pois os falantes encontram-

se em uma situação informal e usam expressões populares.

IV. A linguagem usada constitui exemplo de vernáculo no sentido do uso específico,

regional que se faz da língua.

V. A linguagem usada constitui exemplo de vernáculo no sentido de língua nacional de

um país.

Estão corretas as afirmativas feitas em:

a) Todas, exceto V.

b) I e II, apenas.

34 • capítulo 1

c) I, II e III.

d) Todas, exceto IV.

e) II e IV, apenas.

2. Assinale a única alternativa que apresenta uma informação INCORRETA sobre o texto

oral e o escrito.

a) a) As diferenças entre fala e escrita ocorrem mediante uma gradação, esta é baseada

no meio de distribuição (sonoro ou gráfico) e na concepção discursiva (oral ou escrita) de

acordo com uma maior ou menor aproximação de uma ou de outra modalidade (gêneros

de fala e de escrita).

b) Gêneros orais espontâneos, como uma conversa informal, por exemplo, apresentam

relativa fragmentação: frases curtas e margeadas por pausas.

c) Nos gêneros orais espontâneos, como uma conversa informal, por exemplo, há pre-

sença explícita de hesitação, pois o planejamento e a execução são simultâneos.

d) Frases mais longas, encadeamento sintático complexo (coordenação e subordinação) são

características de gêneros escritos formais, como teses, dissertações, artigos científicos etc.

e) São características distintivas da fala e da escrita: A fala é contextualizada e a escrita,

descontextualizada. A fala não é planejada e a escrita é; a fala não é normatizada e a

escrita sim; a fala é pouco elaborada e a escrita é complexa.

Com base no cartum, responda às questões a seguir:

capítulo 1 • 35

3- Analise as informações sobre variação linguística, norma e uso em relação à fala da

personagem da charge.

I. A fala da personagem exemplifica a variação linguística, pois o protagonista usa uma

variante típica da linguagem informal: a abreviação do verbo “está” para “tá”.

II. Não há erro gramatical na charge, pois a informalidade expressa na fala do protago-

nista representa uma linguagem coloquial, na qual não se exige o cumprimento rigoroso

das normas gramaticais.

III. Há erro linguístico na charge, pois o cartunista deveria ter usado a norma padrão, já

que a charge é um gênero destinado principalmente a um público culto.

IV. Se o enunciado da charge fosse produzido em um pronunciamento oficial do Governo,

por exemplo, deveria ser usada uma linguagem culta, de acordo com o padrão.

Estão corretas as afirmações feitas em:

a) I e II, apenas.

b) I e III, apenas.

c) I e IV, apenas.

d) II e IV, apenas.

e) I, II e IV.

4- A fala da personagem ilustra, essencialmente, a(s) variação(ções):

a) Diatópica, apenas.

b) Diastrática e diafásica.

c) Diafásica, apenas.

d) Diastrática, penas.

e) Diafásica e diatópica.

5- Relacione os conceitos às respectivas nomenclaturas:

I. Norma culta.

II. Norma padrão.

III. Gramática Normativa.

IV. Prescrição.

V. Uso.

( ) Norma estabelecida pela tradição gramatical; prestígio social.

( ) O verbo deve concordar com o sujeito.

( ) O uso linguístico feito por falantes escolarizados que normalmente conhecem a

norma padrão.

( ) “Diminuiu os casos de fome no país.” É um exemplo de?

36 • capítulo 1

( ) Pilar da norma padrão; deve ser trabalhada na universidade, pois é esperado que

falantes escolarizados a dominem nas situações de uso formais.

Assinale a alternativa que relaciona corretamente as nomenclaturas às suas definições:

a) (I); (II); (III); (IV); (V).

b) (V); (IV); (III); (II); (I).

c) (I); (IV); (II); (V); (III).

d) (II); (IV); (I); (V); (III).

e) (II); (III); (I); (V); (IV).

REFLEXÃO

Encerramos este capítulo com as palavras de Leite e Callou (2002) que, de forma brilhante,

explicam a íntima relação entre língua e sociedade, evidenciando o caráter simbólico que os

usos linguísticos apresentam.

É através da linguagem que uma sociedade se comunica e retrata o conhecimento e

entendimento de si própria e do mundo que a cerca. É na linguagem que se refletem a identi-

ficação e a diferenciação de cada comunidade e também a inserção do indivíduo em diferen-

tes agrupamentos, estratos sociais, faixas etárias, gêneros, graus de escolaridade. A fala tem,

assim, um caráter emblemático, que indica se o falante é brasileiro ou português, francês ou

italiano, e mais ainda, sendo brasileiro, se é nordestino ou carioca. A linguagem também ofe-

rece pistas que permitem dizer se o locutor é homem ou mulher, se é jovem ou idoso, se tem

curso primário, universitário ou se é iletrado. E, por ser um parâmetro que permite classificar o

indivíduo de acordo com sua nacionalidade e naturalidade, sua condição econômica ou social

e seu grau de instrução, é frequentemente usada para discriminar e estigmatizar o falante. De

uma perspectiva estritamente linguística, não se justificam julgamentos de valor, uma vez que

a faculdade da linguagem é inata e comum a toda espécie humana. As diferenças existentes

entre as línguas representam apenas formas de atualização distintas dessa faculdade uni-

versal. Assim, para o linguista, todo homem é igual não só perante a lei, mas também frente

a sua capacidade linguística. (LEITE, Y.; CALLOU, D. 2002, p. 7-8)

capítulo 1 • 37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEZERRA, M. A.; SOUTO MAIOR, A. C.; BARROS, A. C. S. A gíria: do registro coloquial ao

registro formal. In: IV Congresso Nacional de Linguística e Filologia, Rio de Janeiro, v. I,

nº 3, p. 37, 2000.

CORDEIRO, M.B.G. Redação e Interpretação Textual. Ribeirão Preto: Estácio, 2015.

DALLIER, L.C. Comunicação e expressão. Ribeirão Preto: UNISEB, 2011, p. 53-56

LUCCHESI, D. Norma linguística e realidade social. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística da

norma. São Paulo: Loyola, 2002.

LEITE, Y.; CALLOU, D. Como falam os brasileiros. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2002.

NERY, Alfredina. A língua muda conforme situação. In: Pág.3 Pedagogia e comunicação.

Disponível em: http://educacao.uol.com.br/portugues/ ult1706u80.jhtm. Acessando em: 10

de dezembro de 2009.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2004.

SEVERO, R. T. Língua e linguagem como organizadoras do pensamento em Saussure e Ben-

veniste. In: Entretextos, Londrina, v. 13, n. 1, p. 80-96, jan./jun. 2013

No próximo capítulo

No próximo capítulo, apresentaremos algumas prescrições da norma padrão.

As recomendações apontadas referem-se a algumas noções básicas de sintaxe,

tais como a regência nominal e verbal; verbos transitivos e intransitivos e con-

cordância verbal e nominal. Vamos despertar a curiosidade e aprender?

38 • capítulo 1

ANOTAÇÕES

Noções básicas de sintaxe: regência e

concordância

2

38 • capítulo 2

Apresentação do Capítulo

Neste capítulo, vamos expor algumas prescrições gramaticais, construções tí-

picas da norma padrão e que devem ser respeitadas em contextos formais. As

lições básicas da sintaxe, da estrutura da oração são o sujeito e o predicado; são

funções elementares em torno das quais se organiza o enunciado, e, portanto,

você deve conhecê-las. A regência e a concordância, lições apresentadas neste

capítulo, relacionam-se ao sujeito e predicado e constituem temas muito explo-

rados em concursos. Tanto na comunicação oral, como na escrita, são itens de

avaliação, indicando claramente se o emissor é escolarizado ou não. Desejamos

que vocês sejam bem avaliados tanto na fala como na escrita!

OBJETIVOS

• Apresentar o conceito de sintaxe;

• Ensinar a transitividade de alguns verbos;

• Listar algumas regras de regência verbal e nominal e suas implicações semânticas;

• Comparar o uso da regência e da concordância verbal na norma padrão e na linguagem

coloquial;

• Elencar as regras gerais e alguns casos especiais de concordância nominal.

REFLEXÃO

Você se Lembra?

Você se recorda de ter ouvido alguma pessoa dizendo: “Assisti o filme”; “O livro

que preciso”, “As menina amam essa música”, “Segue os documentos anexo” e

outras construções típicas da linguagem cotidiana? Certamente a resposta será

positiva. Mas você sabe que essas construções não obedecem à norma padrão?

De acordo com as regras da Gramática, o adequado seria: “Assisti ao filme”; “O

livro de que preciso”, “As meninas amam essa música”; “Seguem os documen-

tos anexos”. Para conhecer essas e outras regras, mergulhe no segundo capítulo

para usar corretamente as regras básicas de regência e concordância.

capítulo 2 • 39

1.1 Noções básicas da sintaxe

O termo “sintaxe” vem do grego sintaxis e significa: ordem, disposição. A estu-

diosa Svobodová (2014) explica que, além de estudar a organização das palavras

na frase, a sintaxe analisa a relação lógica entre as palavras e as frases. Na Gra-

mática tradicional, a sintaxe estuda não só a ordem e disposição dos termos,

mas a relação entre eles — regência, concordância, colocação — e a função que

desempenham na oração. A classificação dos vocábulos de acordo com sua fun-

ção sintática é dividida em três grupos: termos essenciais (sujeito, predicado),

integrantes (complementos verbais e nominais e agente da passiva) e acessó-

rios (adjuntos adnominais e adverbiais, aposto, vocativo) (SVOBODOVÁ, 2014,

p. 7). Neste capítulo, analisaremos as relações entre os termos das orações es-

tudadas na Sintaxe de regência (transitividade verbal e nominal) e de concor-

dância (verbal e nominal). Você pode estar se perguntando por que estudar essa

teoria, e a resposta é rápida e simples: o capítulo 1 demonstrou claramente a

necessidade de obedecer à norma padrão em contextos formais, porém as re-

gras sintáticas do padrão nem sempre são seguidas no uso coloquial da língua.

Quem não segue as regras sintáticas prescritas pela gramática comete um vício

de linguagem denominado “solecismo”. Bonito o nome, né? Ele é mais comum

do que se imagina na linguagem usual, como, por exemplo, na frase: “Haviam

dez alunos na sala”. Encontrou o solecismo? Não? Então, aprenda algumas re-

gras básicas para evitar tal vício de linguagem.

1.2 A transitividade verbal

Na Língua Portuguesa, os verbos podem ter sentido completo ou incompleto.

São justamente os verbos o elemento central da oração, pois é em torno deles

que se acrescentam complementos, adjuntos etc. Dessa forma, o predicado é

um elemento essencial da oração que traz a informação básica sobre o sujeito

(ser de quem se declara algo) e é nele que se encontram os verbos.

40 • capítulo 2

“Chama-se predicação verbal o modo pelo qual o verbo forma o predicado.

Há verbos que, por natureza, têm sentido completo, podendo, por si mesmos,

constituir o predicado: são os verbos de predicação completa, denominados in-

transitivos” (CEGALLA, 2009, p. 335). Veja o exemplo a seguir:

O cão late.

Sujeito Predicado (Verbo Intransitivo: VI)

Quanto à transitividade, os verbos são classificados em:

a) Intransitivos: VI

b) Transitivos diretos: VTD

c) Transitivos indiretos: VTI

d) Bitransitivos: VTDI

http://www.alunosonline.com.br/portugues/transitividade-intransitividade-verbal.html

a) Verbos intransitivos: VI

Os verbos intransitivos são aqueles que contêm toda a significação do pre-

dicado sem a necessidade de qualquer complemento, basta apenas a presença

do sujeito, como em:

“Marcos caiu”; “A bomba explodiu”; “O bebê dormiu”; “O sorvete derreteu”;

“A estrela brilha” etc. Note que nesses exemplos, o verbo traz a significação es-

sencial, não havendo necessidade de um termo para completar a ideia central.

Caso o falante queira acrescentar alguma informação adicional (e não obriga-

capítulo 2 • 41

tória, portanto), pode acrescentar termos acessórios, como os adjuntos adver-

biais: “Marcos caiu ontem”; “A bomba explodiu rapidamente”; “O bebê dormiu

logo”; “O sorvete derreteu completamente”; “A estrela brilha intensamente” etc.

Segundo Kury (2002, p. 28-29), há três tipos de verbos intransitivos:

• Verbos de fenômenos naturais ou acidentais: chover, ventar, nascer, mor-

rer, acontecer, ocorrer, cair, surgir, acordar, dormir, brilhar, morrer, girar etc.

“Um acidente aconteceu”; “A criança acordou”; “O vaso caiu”.

• Certos verbos de ação que exprimem fatos causados por um agente capaz

de executá-los: ler, brincar, trabalhar, correr, voar etc.

Exemplos: “As crianças brincam e os pais trabalham”; “Os pássaros voam”.

• Verbos de movimento ou situação: chegar, vir, morar etc.

“O pai chegou”; “Ela mora aqui”.

Você, caro estudante, pode ser tentado a considerar estes últimos verbos

como transitivos, pois parece que precisam de um “complemento”. No entan-

to, os termos que podem acompanhá-los são acessórios, como os adjuntos ad-

verbiais de lugar e tempo, por exemplo. Assim, “Cheguei ao local”; o termo “ao

local” é adjunto adverbial e não objeto, isto é, não se classifica como comple-

mento verbal. Para frisar:

Verbos intransitivos expressam uma ideia completa, e por isso, não preci-

sam de complemento.

b) Verbos transitivos: são aqueles que apresentam sentido incompleto, ne-

cessitando de um complemento chamado “objeto”. Classificam-se em transiti-

vos diretos e indiretos:

- Transitivos diretos (VTD): ligam-se ao complemento sem preposição obri-

gatória: amar, pegar, ver, derrubar, olhar, ter etc. O complemento é chamado

objeto direto (OD).

42 • capítulo 2

ATENÇÃO

Recorde as principais preposições: a – ante – até – após – com – contra – de – desde – em

– entre – para – por – perante – sem – sob – sobre

Você precisa saber diferenciar quando o “a” é artigo e quando é preposição:

Vi a menina caindo. [a = artigo]

Obedeço à professora. [à = a (preposição) + a (artigo)]

Há alguns verbos transitivos diretos que podem ser usados com preposição por questões

estilísticas e de sentido, e nesses casos, os objetos serão considerados objetos diretos pre-

posicionados, como em: “Amo a Deus, primeiramente!”

- Transitivos indiretos (VTI): ligam-se ao complemento obrigatoriamente

por meio de uma preposição: gostar (de); pensar (em); necessitar (de); consistir

(em); obedecer (a); responder (a); simpatizar/antipatizar (com) etc. O comple-

mento é chamado objeto indireto (OI).

- Verbos transitivos diretos e indiretos (VTDI): transitam duas vezes e por

isso, têm um objeto direto e um indireto: agradecer X a Y; perdoar X a Y; pagar X

a Y; dar X a Y etc.

capítulo 2 • 43

ATENÇÃO

A transitividade verbal deverá ser analisada no contexto, pois pode mudar dependendo da

frase. Por exemplo, na frase: “Paguei a conta”, o verbo “pagar”, nesse contexto, é apenas VTD,

transita apenas uma vez e tem apenas o objeto direto.

Conhecer a transitividade verbal, conforme as recomendações das gramá-

ticas tradicionais, é essencial para escrever melhor (adequando-se ao padrão)

e também para interpretar. Quando se conhece a transitividade, utiliza-se ade-

quadamente a regência padrão, os pronomes, a crase e outras normas. Quanto

à interpretação, é preciso saber que a regência dos verbos pode alterar seu sen-

tido; então, estude algumas regras de regência, a seguir.

1.3 A regência verbal

Cegalla (2008, p. 483) explica que a regência trata das “relações de dependência

que as palavras mantêm na frase”. Há dois tipos de regência: a verbal, que trata

das relações entre o verbo e seus complementos; e a nominal, que cuida dos

arranjos entre os nomes (substantivos e adjetivos) e os termos a eles ligados.

Exemplos:

a) É um homem propenso ao vício.

Adjetivo complemento

O adjetivo “propenso” é o termo regente, e “ao vício”, o termo regido. Como

o adjetivo é considerado um nome, trata-se de um caso de regência nominal.

b) Assistimos à peça de teatro.

Verbo complemento

O verbo “assistimos” é o termo regente, e “à peça”, o termo regido. Quando

a relação se dá entre o verbo e seu complemento, ocorre um caso de regência

verbal.

44 • capítulo 2

Assisti a peça de teatro (auxiliei) Assisti à peça de teatro (presenciei)

Se você escrever: “Assisti a peça de teatro”, sem o acento grave (indicativo de

“crase”), sua frase poderá ser entendida da seguinte forma: “Auxiliei a monta-

gem da peça de teatro”, e não “presenciei”.

Após a definição, Cegalla (2008, p. 490) ensina que a regência dos verbos

pode alterar seu sentido, como, por exemplo, em:

Aspirei o aroma das flores (VTD: sorver, absorver).

Aspirei ao sacerdócio (VTI: desejar, pretender).

Ele assistiu ao jogo (VTD: presenciar, ver).

O médico assistiu o enfermo (VTI: prestar assistência, ajudar).

Aqui, cabe a seguinte ressalva: Na linguagem informal, popular, “assistir

mesmo com o sentido de presenciar, tem sido empregado como VTD, isto é,

sem preposição. Assim, são comuns construções populares como: “Assisti o fil-

me”. Porém, quando se exigir o padrão, você já sabe que deve dizer ou escrever:

“Assisti ao filme”.

Olhe para ele (VTI: fixar o olhar).

Olhe por ele (VTI: cuidar, interessar-se).

Ele não precisou a quantia (VTD: informar com exatidão).

Ele não precisou da quantia (VTI: necessitar).

A cadela agradava o filhote (VTD: acariciar).

A música não agradou aos fãs (VTI: ser agradável).

Queria as férias logo (VTD: desejar).

A mãe quer aos filhos igualmente (VTI: ter afeto).

capítulo 2 • 45

O atirador visou o alvo (VTD- apontar)

O professor visou meu caderno (VTD: pôr visto)

Muitos visam aos cargos melhores (VTI: desejar, ter em vista)

Lembre-se disso: se você não usar “visar” com preposição,

o sentido do verbo será o de “dar visto, assinar”!

O juiz procedeu adequadamente (VI: agir).

Estas mercadorias procedem da China (VI seguido de adjunto adverbial de

origem, com preposição de: originar-se)

Seu argumento não procede (VI: ter fundamento)

O juiz procedeu ao julgamento. (VTI: dar sequência, dar continuidade)

Cegalla (2008, p. 490-515) recomenda a regência de vários verbos, dentre os

quais listamos os seguintes:2

a) Abdicar (desistir, renunciar a [poder, cargo, título, dignidade]) pode ser in-

transitivo (VI), transitivo direto (TD) ou transitivo indireto (TI) (preposição de):

Exemplos:

- D. Pedro I abdicou em 1831. (VI)

- Não abdicarei a coroa. (VTD)

- Não abdicarei de meus direitos. (VTI)

b) Agradar (causar agrado, contentar, satisfazer, aprazer): usa-se, atualmen-

te, com mais frequência, com objeto indireto, sendo o sujeito da oração nome

de coisa (uma coisa agrada a alguém):

2 Todo o conteúdo desse item foi retirado de: CORDEIRO, M.B.G. Produção Textual I. Estácio: Ribeirão Preto, 2015

46 • capítulo 2

- A canção agradou ao público.

-Minha proposta não lhe agradou.

ATENÇÃO

Quando o sujeito da oração é nome de pessoa (alguém agrada alguém), é comum usar o

objeto direto, isto é, sem preposição:

- O pai agrada os filhos. [alguém agrada alguém]

- Procura agradá-lo de todas as formas.

*Usa-se o verbo como intransitivo na acepção de causar satisfação, ser

agradável ou atraente.

- A exibição do balé não agradou.

- Em certas horas, nada agrada tanto quanto uma boa música.

*Apresenta-se com a forma pronominal, no sentido de gostar:

- Leila agradou-se muito do rapaz.

- A virtude de que Deus mais se agrada é a humildade.

c) Ajudar (alguém, prestar ajuda, auxiliar a alguém) é TD:

- Antônio ajudava o pai.

- Nós os ajudaremos.

- Elas não queriam que as ajudássemos.

d) Aludir (fazer alusão, referir-se a) é VTI, isto é, constrói-se com OI:

- Na conversa, aludiu-se brevemente ao seu novo projeto.

- A que o senhor está aludindo?

- O jornal a que o ministro aludiu lhe fazia duras críticas.

ATENÇÃO

Não admite, como complemento, o pronome lhe, mesmo sendo VTI:

Como era melindroso, não aludi a ele (e não lhe aludi).

Aquela moça o destratara, mas ele nem sequer aludiu a ela.

capítulo 2 • 47

Outros verbos TI também não admitem o complemento lhe(s), sendo, por isso, construí-

dos com as formas preposicionadas:

Aspiro ao título. Aspiro a ele.

Assistimos à festa. Assistimos a ela.

Refiro-me a João. Refiro-me a ele.

Recorri ao ministro. Recorri a ele.

Dependo de Deus. Dependo dEle.

Prescindimos de armas. Prescindimos delas.

e) Ansiar (desejar ardentemente) é TI. Use-o com a preposição por:

-Ansiou por ir ao seu encontro.

- Ansiava por me ver fora de casa.

Ansiar (= causar mal-estar, angustiar) é TD:

- O cansaço ansiava o trabalhador.

- O cansaço ansiava-o.

f) Atender (acolher ou receber alguém com atenção) é VTD:

- O diretor atendeu os alunos.

- O médico sempre os atende bem.

- O tenista não atendeu o repórter.

* Atender (dar atenção a alguém, ouvir-lhe os conselhos, levar em conside-

ração o que alguém nos diz) é VTI:

- Não atendera aos amigos, fora entregar-se a impostores.

* Atender (considerar, prestar atenção, levar em consideração, satisfazer):

- Atenda bem ao que lhe digo.

- O Corpo de Bombeiros atendeu a doze pedidos de socorro.

g) Bater (dar pancadas) é VTI:

- Os colegas mais fortes batiam nos mais fracos.

- Por que batiam no menino? Por que lhe batiam?

*Bater (bater a porta, fechar com força) é VTD:

48 • capítulo 2

- Furioso, bateu a porta.

*Bater (junto à porta para que abram ou atendam) é VTI:

- Bateram à porta e fui atender.

A princípio, a regência pode parecer um assunto difícil, mas, com a prática, assimilam-se

os diferentes casos.

1.3.1 Regência verbal: variação, uso e norma gramatical

A regência é um fator que sofre variação, isto é, realiza-se de formas diferentes

no uso linguístico. Há o uso padrão, valorizado socialmente, e o uso coloquial,

que não segue as prescrições gramaticais. Para finalizar a regência, listamos

alguns desses casos.

a) Chegar com o sentido “atingir data ou local”:

- Na linguagem coloquial (informal), o verbo chegar é usado indevidamente

com a preposição em: “Chegamos em casa”; “chegamos no porão”;

- Na linguagem padrão (formal), o verbo chegar deve ser usado com a prepo-

sição a: “Chegamos a casa”; “chegamos ao porão”.

b) Esquecer; esquecer-se/lembrar; lembrar-se:

- Na linguagem coloquial (informal), o verbo esquecer é usado indistinta-

mente com ou sem a preposição de:

“Esquecemos do calendário”; “esquecemos o calendário”.

- Na linguagem padrão (formal), o verbo esquecer deve ser usado sem a pre-

posição de quando não ocorre em sua forma pronominal:

“Esquecemos o calendário”.

Contudo, em sua forma pronominal (esquecer-se), deve ser usado com a pre-

posição de: “Esquecemo-nos do calendário”.

capítulo 2 • 49

ATENÇÃO

“lembrar”/”lembrar-se” segue a mesma regra:

“Lembrei o compromisso de hoje.” OU: “Lembrei-me do compromisso de hoje.”

c) Implicar com o sentido de “causar”:

- Na linguagem coloquial (informal), muitos falantes usam o verbo implicar

como transitivo indireto, como em: “O aumento da inflação implicou no au-

mento dos preços.”

- Na linguagem padrão (formal), o verbo implicar deve ser usado sem a pre-

posição em:

“O aumento da inflação implicou o aumento dos preços.”

d) Namorar:

- Na linguagem coloquial (informal), muitos falantes usam o verbo namorar

como transitivo indireto, como em: “Namorei com Paulo por muitos anos.”

- Na linguagem padrão (formal), o verbo namorar deve ser usado sem a pre-

posição com:

“Namorei Paulo por muitos anos.”

e) Preferir:

- Na linguagem coloquial (informal), muitos falantes usam o verbo preferir

com a locução prepositiva “do que”; “Prefiro X do que Y”, como em: “Prefiro

assistir à TV do que ler.”

- Na linguagem padrão (formal), o verbo preferir deve ser usado com a pre-

posição a: “Prefiro assistir à TV a ler.”

f) Ir (para indicar direção):

- Na linguagem coloquial (informal), muitos falantes usam o verbo com a

preposição em: “Vou no mercado” e “Fui no shopping”.

- Na linguagem padrão (formal), deve ser regido pelas preposições a ou

para: “Vou ao mercado.” e “Fui à feira.”

50 • capítulo 2

1.4 Regência nominal

É muito comum alguns termos regidos serem ligados aos regentes por meio de

preposições. Por isso, estudar regência é importante não só para saber se deter-

minado termo exige preposição ou não, mas também para conhecer qual a pre-

posição usada com tal termo regente e regido. A regência nominal estuda a rela-

ção dos nomes (adjetivos, substantivos e até advérbios) com seus complementos.

Veja, agora, a lista de substantivos e adjetivos acompanhados das preposições

mais usuais que Cegalla (2008, p. 487-488) apresenta. Note que, em alguns ca-

sos, admite-se mais de uma preposição:

Acessível a Imune a, de

Afável com, para com Indulgente com, para com

Afeição a, por Inerente a

Aflito com, por Coerente com

Ansioso por, de Compaixão de, para com, por

Atentatório a, de Compatível com

Aversão a, para, por Conforme a, com

Alheio a, de Constituído de, com, por

Avesso a Contente com, por, de, em

Aliado a, com Contíguo a

Análogo a Cruel com, para, para com

Antipatia a, contra, por Curioso de, por

Apto a, para Desgostoso de, com

Atencioso com, para com Desprezo a, de, por

Devoção a, para com, por Peculiar a

Devoto a, de Pendente de

capítulo 2 • 51

Dúvida acerca de, de, em, sobre Preferível a

Empenho de, em, por Propício a

Fácil a, de, para Próximo a, de

Falho de, em Rente a

Feliz com, de, em, por Residente em

Fértil de, em Respeito a, com, de, para com, por

Hostil a, para com Simpatia a, para com, por

Junto a, com Situado a, em, entre

Lento em Solidário com

Pasmado de Suspeito a, de

Versado em

Vizinho a, com, de

Observe também a regência de alguns advérbios: Longe de; Perto de; Parale-

lamente a; Relativamente a (PASQUALE & ULISSES, 1999, P. 527).

1.5 A variação linguística e a concordância verbal

Antes de estudarmos como a Gramática prescreve as regras gramaticais

sobre concordância, apresentaremos, a seguir, uma breve explicação sobre a

variação linguística, adaptada da dissertação de Gameiro (2005, p. 49-71): “A

variação na concordância verbal na língua falada na região central do Estado

de São Paulo”.

Ao estudarmos determinada língua, é possível notar variações em todos os

níveis da estrutura linguística: no morfológico, no fonológico, no sintático e no

lexical.

A língua portuguesa falada no Brasil, como todo sistema linguístico, com-

porta em seu interior a variação e, assim, está continuamente em processo de

mudança. Embora a mudança seja natural à língua, ela incomoda alguns gra-

máticos e também alguns falantes nativos mais tradicionais e conservadores,

que acreditam que a variação constitui uma “degradação” da língua.

As gramáticas tradicionais veiculam uma norma padrão em detrimento da

popular; porém, esta norma padrão vem se afastando do uso concreto da língua

52 • capítulo 2

em situações menos formais.

No início de sua instituição, a norma foi justificada devido à ameaça de a lín-

gua grega ser corrompida pela língua dos “bárbaros”. Entretanto, atualmente,

nossa língua não está ameaçada de extinção; por isso, Neves (2003) questiona

o porquê das gramáticas continuarem a veicular padrões sem reflexão alguma

e desconsiderarem o uso real da língua. A autora ressalta que as preocupações

atuais para a organização das gramáticas são totalmente diferentes das que le-

varam à instituição da disciplina gramatical.

A partir de estudos científicos da linguagem, a língua foi desvinculada de

qualquer valor político, social ou até mesmo de beleza estética. Dentre esses

estudos, destacamos a Sociolinguística, que passou a considerar o social no

uso da linguagem, demonstrando que os diferentes usos são adequados a dife-

rentes situações e contextos. Para Neves, “a existência de registros não padrão

constitui garantia de eficiência de uso” (2003, p. 34). A Sociolinguística, através

de seus estudos variacionistas que consideram o uso vinculado a padrões, re-

gistros e eficácia, passou a considerar a diferença como garantia de eficiência

e não mais como deficiência, como era vista antes. O “padrão” foi relativizado

nos estudos de conversação ao ser vinculado à modalidade de língua (falada ou

escrita).

Desta mesma forma, a Linguística demonstrou que não se deve atribuir va-

lor a qualquer modalidade da língua. Porém, apesar de todo este avanço nos

estudos linguísticos, as gramáticas continuam a apresentar uma norma padrão

que cada vez mais se afasta do uso real, como é o caso, por exemplo, dos prono-

mes oblíquos, e outros. Embora muitos de nossos gramáticos, ou “os verdadei-

ros”, como afirma Neves, saibam disso, tais descobertas da Linguística não são

comumente aproveitadas pela disciplina gramatical.

Não se reconhece que a variação linguística faz parte da essência da lingua-

gem, que toda língua possui uma “deriva” (mudança interna). Ao contrário,

mesmo a par de todas essas descobertas, é comum o preconceito linguístico

por parte de cidadãos comuns e até mesmo de professores. Há, sim, um padrão

linguístico que é valorizado socialmente, mas não há nada intrinsecamente

que o faça “melhor”, “mais bonito” ou “mais correto” do que a variante não

prestigiada. Trata-se de uma questão sociocultural.

Na sociedade em geral, e principalmente em países como o Brasil, por

exemplo, as pessoas que têm maior acesso à cultura são as de maior poder eco-

nômico e isso sustenta a vinculação entre valor social e valor intelectual. Tal

capítulo 2 • 53

concepção é mais evidente nas concepções leigas sobre o assunto e não base-

adas em estudos científicos. Dessa forma, para um leigo, conhecer a língua é

conhecer a norma padrão, saber o que é certo e o que é errado. Por isso, tais

pessoas vivem cobrando do professor de português o que se deve e o que não se

deve dizer/escrever.

Neves (2003, p. 54) acredita que o leigo seja “a força de sustentação de um

padrão modelar” na medida em que busca essa norma por diferentes motivos.

Para nós, a mitificação do “bom uso da linguagem” não é construída apenas

pelo povo, pelo falante em geral, mas também pelos gramáticos tradicionais e

pelas instituições que eles representam ou às quais se associam, como escola

e mídia, por exemplo. Acreditamos que o leigo represente uma influência im-

portante para a sustentação de um padrão modelar na medida em que tenta

mantê-lo ou aprendê-lo. Entretanto, motivos sociais, tais como um emprego ou

uma posição social, levam-no a buscar esse modelo, esse padrão.

Quem fala corretamente, bonito, como muitos dizem, desperta um pres-

tígio social por parte de quem o ouve. Por isso, muitos buscam manuais com

regras explícitas do que se pode e o que não se pode utilizar na linguagem visan-

do a diferentes objetivos. Assim, basta observarmos o sucesso de professores

de português que ditam regras na TV e nos jornais e a baixa popularidade dos

linguistas, cuja missão de registrar as formas em variação não é compreendida

por muitos intelectuais.

Devido a essa pressão social, mesmo ocupando posição central no dia a dia

das pessoas, a língua falada é vista de modo negativo, como o lugar do erro e

do antimodelo. Porém, é nela que observamos as alterações que a língua so-

fre através dos tempos. Parte da responsabilidade por essa visão deturpada da

modalidade falada deve-se à própria tradição dos estudos linguísticos, uma vez

que, até pouco tempo, a Linguística tomava como objeto de análise a escrita, ou

um modelo de fala idealizada, artificial e não a fala autêntica.

Lemle (in Sylvestre, 2001) ressalta que a heterogeneidade linguística é um

fato natural em uma comunidade tão extensa como a brasileira. A heteroge-

neidade linguística decorre da própria heterogeneidade social, geográfica e de

registro. A heterogeneidade geográfica é a variação entre comunidades linguís-

ticas localizadas em espaços fisicamente distantes entre si. Já a heterogeneida-

de social determina divergência linguística entre os subgrupos de uma comu-

nidade. Nesse nível, podemos destacar as seguintes variáveis:

54 • capítulo 2

• Socioeconômica: classe baixa, média e alta;

• Faixa etária: crianças, jovens, adultos e idosos;

• Sexo: masculino e feminino;

• Ocupação profissional: trabalhador braçal, profissões de nível médio e alto;

• Desejo dos falantes em diferenciarem-se de outros grupos pelo uso de certas

características linguísticas.

A variação no registro de uso ou nível de formalidade apresenta uma escala

que abarca desde o estilo mais formal até o mais coloquial. As variações que ocor-

rem na língua são mais frequentes em níveis informais ou de baixa formalidade.

Podemos pensar, portanto, que o sistema linguístico sofre pressão de duas

forças que atuam no sentido da variedade e da unidade, no caso, fatores internos

e externos em competição entre si. Segundo Mollica,

esse princípio opera por meio da interação e da tensão de impulsos contrários, de tal modo

que as línguas exibem inovações mantendo-se, contudo, coesas: de um lado, o impulso à

variação e possivelmente à mudança; de outro, o impulso à convergência, base para a noção de

comunidade linguística, caracterizada por padrões estruturais e estilísticos (2003, p. 12).

Atualmente, vários fenômenos em variação no português brasileiro (dora-

vante PB) têm sido analisados pelos estudiosos, e um dos fatos que mais têm

nos despertado interesse é a variação na concordância verbal na fala informal

das pessoas de um modo geral.

A questão da concordância é um dos fatos morfossintáticos da gramática da

fala brasileira que tem sido estudado com mais precisão e rigor entre os socio-

linguistas. Iniciados esses estudos por Naro (1977), com seu trabalho clássico

“The social and structural dimensions of a syntatic change”, têm hoje Marta

Scherre como a sociolinguista que mais vem se dedicando ao assunto.

A ausência de marcas formais de plural em alguns contextos constitui uma

variante estigmatizada, como em “Nóis vai”, por exemplo. Embora a concor-

dância verbal (doravante CV) seja um fato estigmatizado, fato que poderia favo-

recer a aquisição da regra, quando o registro é informal e os contextos de apli-

cação da regra não são muito salientes, é interessante notar que até mesmo os

falantes ditos cultos deixam de utilizar a regra de concordância. Dessa forma,

capítulo 2 • 55

Ribeiro (2003, p. 373) exemplificou alguns casos que não servem de indicadores

da norma culta ou popular, pois são realizados de um modo geral pelos falantes

brasileiros, não caracterizando uma ou outra variedade:

(1) Segue as blusas. (CV)

(2) Vende-se casas. (CV).

(3) Pega essas cadeira aí e coloca tudo ali, naquele lugar.3 (CN)

Por outro lado, apresenta casos em que a ausência de concordância caracte-

riza a norma popular:

(4) Minhas filha pequena saiu. (CV e CN)

(5) Nós vai. (CV)

(6) As folha cai no outono. (CV e CN)

(7) Os meu filho. (CN)

Partindo de exemplos de variações que ocorrem comumente na fala dos bra-

sileiros de um modo geral, tais como o uso do pronome tônico como objeto (“En-

contrei ele”), o caso dos pronomes relativos (Cortadora: “Vi o artista que te falei

ontem.” Lembrete: “Conheço uma moça que ela gosta só de música sertaneja.”)

e outros, a autora acredita que saindo das questões relacionadas à concordância,

esses e outros fatores em variação que têm caracterizado a fala dos brasileiros

não podem definir padrões de normas cultas e populares, já que tanto falantes

cultos quanto não cultos utilizam essas construções em situações de menor for-

malidade.

Após essas considerações feitas por Gameiro (2005), esperamos que você te-

nha compreendido um pouco mais sobre a variação da língua e, especificamente,

sobre a variação na concordância verbal (CV). Você deve ter notado que, embora a

variação seja comum e natural, é preciso conhecer o padrão para falar e escrever

adequadamente nos contextos em que ele é exigido. Por isso, passamos a descre-

ver as regras de concordância verbal estipuladas pela Gramática Normativa.

1.5.1 As regras de concordância verbal de acordo com as Gramáticas Normativas

Recorremos a Said Ali, em sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa

3 Este exemplo foi retirado de uma fala de um estudante universitário que fazia Letras.

56 • capítulo 2

(1965), para definir a concordância verbal:

Consiste a concordância em dar a certas palavras flexionáveis as formas de gênero, número ou

pessoa correspondentes à palavra que no discurso se referem (...). A concordância não é, como

parece à primeira vista, uma necessidade imperiosamente ditada pela lógica. Repetir num termo

determinante ou informativo o gênero ou pessoa já marcados no termo determinado de que se

fala, é antes de tudo uma redundância. (ALI, 1965, p. 279, apud GAMEIRO, 2005, p. 65).

Bechara, mais sucinto, explica que a concordância, em geral, consiste “em

se adaptar a palavra determinante ao gênero, número e pessoa da palavra de-

terminada” (2000, p. 543, apud GAMEIRO, 2005, p. 65). Dizer que um termo

está em concordância com outro termo significaria, portanto, dizer que ambos

estão de acordo em alguns aspectos, que eles concordam.

Após a definição de concordância, expõem-se as duas regras categóricas en-

contradas nas principais gramáticas:

1.5.1.1 Sujeito simples

Se o sujeito simples estiver no singular, o verbo vai acompanhá-lo. Se estiver

no plural, o verbo terá o mesmo número. Cegalla (2008) nos explica que isso

ocorre porque há uma íntima relação entre sujeito e predicado, já que “sujeito

é o ser de quem se declara algo e o predicado é a declaração que se refere ao

sujeito”.

Exemplos:

Você chega muito tarde.

pronome de tratamento (você, sg.) verbo na 3ª pessoa do singular

Vocês chegam muito tarde.

pronome de tratamento (você, pl.) verbo na 3ª pessoa do plural

capítulo 2 • 57

CONCEITO

Você, embora seja usado como pronome pessoal para se referir à segunda pessoa do discur-

so, é considerado pela Gramática Tradicional como um pronome de tratamento usado quan-

do alguém se dirige a outrem, a uma segunda pessoa, mas que obriga à concordância com

o verbo na terceira pessoa (“Você foi indelicado.”; “Vocês tenham juízo.”). Fonte: Dicionário

Priberam da Língua Portuguesa.

O bebê recém-nascido chora muito.

sujeito na 3ª pessoa do singular verbo na 3ª pessoa do singular

Os bebês recém-nascidos choram muito.

sujeito na 3ª pessoa do plural verbo na 3ª pessoa do plural

1.5.1.2 Sujeito composto

Se o sujeito for composto, ou seja, se apresentar mais de um núcleo, o verbo irá

para o plural:

• João e Maria foram abandonados.

• Patrões e empregados brigam na justiça.

Além dessas duas regras categóricas, existem os chamados casos especiais, em

que pode ocorrer certa flexibilidade na obrigatoriedade, havendo, em alguns

casos, a possibilidade de se utilizar as duas alternativas: o verbo pode ir tanto

para o singular quanto para o plural. Observemos alguns dos principais casos

que geram dúvidas.4

a) Verbo haver e fazer

O verbo haver, quando indica existência ou acontecimento, é impessoal,

devendo permanecer sempre na terceira pessoa do singular. Haver e fazer são

impessoais quando indicam tempo. Nesse caso, devem também permanecer

na terceira pessoa do singular:

• Há informações que não podemos desprezar.

58 • capítulo 2

• Havia três pessoas na reunião.

• Deve ter havido sérios problemas com o computador.

• Há anos não o procuro.

• Faz anos que não o procuro.

• Fazia dez anos que não encontrava aquele amigo.

b) Verbo e a partícula se

Quando o se indica indeterminação do sujeito, o verbo fica na terceira pes-

soa do singular. Quando o se é pronome apassivador, o verbo concorda com o

sujeito da oração: (Este exemplo foi retirado de uma fala de um estudante universitário que fazia Letras.)

• Aos sábados, assiste-se a um movimento enorme no comércio.

• Precisa-se de gerentes.

• Confia-se, equivocadamente, em pessoas que impressionam apenas pela

aparência.

• Construiu-se um novo centro de tecnologia.

• Construíram-se dois centros tecnológicos na cidade.

• Alugam-se casas.

• Aluga-se casa.

c) Sujeitos formados por expressões partitivas

Quando o sujeito é constituído por “a maioria de”, “grande parte de”, “a maior

parte de” ou “grande número de” mais o nome no plural, teremos a possibilida-

de de colocar o verbo no singular ou plural:

• A maior parte dos trabalhadores aceitou a orientação do sindicato.

• A maior parte dos trabalhadores aceitaram a orientação do sindicato.

d) Expressão “mais de um”

O verbo deve ficar no singular. Apenas quando a expressão “mais de um” vier

repetida ou houver o sentido de reciprocidade é que o verbo irá ao plural:

• Mais de um aluno faltou à aula.

• As autoridades afirmaram que mais de um quarteirão está interditado.

• Mais de um policial, mais de um bandido, foram mortos.

e) Nomes no plural

Em títulos ou nomes de lugares precedidos de artigo no plural, o verbo irá ao

capítulo 2 • 59

plural:

• Os Lusíadas representam a grandeza da literatura portuguesa.

• Os Estados Unidos enviaram mais soldados ao Afeganistão.

• As Minas Gerais se destacam por cidades repletas de arte barroca.

Porém, se o nome não estiver acompanhado do artigo ou outra expressão deter-

minada, o verbo ficará no singular:

• Estados Unidos enviou um relatório à ONU.

f) Sujeitos formados por expressões que indicam porcentagem

O verbo deve concordar com o substantivo:

• O gerente afirmou que 20% das mercadorias não foram remarcadas.

• A oposição insiste em afirmar que 5% do orçamento sofreu alterações de

última hora.

• A secretaria afirmou que 1% dos alunos faltaram à prova.

• 1% da população do município não tem acesso à água tratada.

ATENÇÃO

Se a expressão que indica porcentagem não for seguida de substantivo, o verbo deve con-

cordar com o número:

- 10% reprovam o governo.

- 1% aceitou a proposta.

g) Verbo ser indicando horas

O verbo ser, nas expressões que indicam tempo, concorda com a expressão

numérica mais próxima:

• É uma hora.

• São três horas.

• Já é meio-dia.

• São dez para o meio-dia.

• Hoje são vinte de fevereiro.

• Hoje é dia vinte de fevereiro.

Ao responder a pergunta “Que horas são?”, o falante também deve observar

a concordância:

• “É uma hora ” ou “São três horas”.

60 • capítulo 2

h) Casos especiais do verbo ser

1) Quando o verbo ser é acompanhado de “muito”, “pouco”, “bastante”, “su-

ficiente” etc., usa-se apenas o é, independentemente do número em que estiver

o sujeito:

• Dois dias é pouco tempo para aprender tudo isso.

• Três mil reais é bastante por esta casa.

• Vinte quilos é muito para uma criança carregar.

• Dois metros de tecido é suficiente para fazer o seu terno.

• Seis é demais para fazer o trabalho.

Há quem ache estranha a concordância do verbo ser em construções como

“Seis é demais”. E acham que deveria ser “Seis são demais”. A concordância

no singular, embora estranha, acontece normalmente com as expressões que

denotam excesso (“é demais”), suficiência (“é bastante”), insuficiência (“é pou-

co”) etc. É mais um caso de concordância ideológica: o sujeito, embora no plu-

ral, guarda a ideia coletiva e o verbo no singular sintoniza com essa ideia.

2) Quando o sujeito for um dos pronomes “tudo”, “o que”, “isto”, “isso”, ou

“aquilo”, o verbo ser concordará com seu predicativo:

• Tudo eram hipóteses.

• Aquilo eram sintomas graves.

• O que atrapalha bastante são as discussões.

ATENÇÃO

O verbo ser fica no singular quando o predicativo é formado de dois núcleos singulares:

• Tudo o mais é saudade e silêncio.

3) Quando o sujeito e o predicativo são nomes de coisas e pertencem a nú-

meros diferentes, o verbo ser concorda, de preferência, com o que está no plural:

• A cama (coisa) são umas palhas (coisa).

• Essas vaidades são o seu segredo.

• A causa eram seus projetos.

• A vida não são rosas.

capítulo 2 • 61

O sujeito ou predicativo sendo nome de pessoa ou pessoa, a concordância

se faz com a pessoa:

• O homem é cinzas.

• Paulo era só problemas.

• Você é suas decisões.

• Seu orgulho eram os velhinhos.

4) Quando um dos dois termos da frase – sujeito ou predicativo – for um

pronome pessoal, o verbo ser concordará com este pronome:

• Todo eu era olhos e coração.

• Nas minhas terras, o rei sou eu.

1.6 A concordância nominal

A concordância, de acordo com Cegalla (2008, p. 438), é um princípio sintá-

tico em que palavras dependentes harmonizam-se, nas suas flexões (de gênero

e número), com as palavras de que dependem. A concordância nominal diz res-

peito à adaptação de numerais, adjetivos, artigos e pronomes aos substantivos

a que se referem, como em:

Cegalla (2008, p. 438-446) expõe as seguintes regras de concordância do ad-

jetivo, com a função de adjunto adnominal:

1- O adjetivo concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere:

• O garoto bonito é também comunicativo.

• A garota bonita é também comunicativa.

• Os garotos bonitos são também comunicativos.

• As garotas bonitas são também comunicativas.

62 • capítulo 2

2- Adjetivo posposto referente a mais de um substantivo de gênero ou nú-

mero diferentes tem concordância facultativa; poderá concordar no masculino

plural (concordância mais recomendada) ou com o substantivo mais próximo:

a) No masculino plural:

“Os arreios e as bagagens espalhados no chão, em roda.” (Herman Lima,

apud CEGALLA, 2008, p. 438)

b) Com o substantivo mais próximo:

• A polícia e o Governo brasileiro preocuparam-se com as manifestações.

De acordo com a concordância, essa frase ficaria:

• A polícia e o Governo brasileiros preocuparam-se com as manifestações.

3- Adjetivo antes dos substantivos concorda com o mais próximo:

• Você escolheu um bom lugar e hora!

• Você escolheu uma boa hora e lugar!

Observação: Os pronomes adjetivos antepostos aos substantivos seguem a

mesma regra:

• Aquelas manias e vícios.

• Aqueles vícios e manias.

• Seus sapatos e roupas.

• Suas roupas e sapatos.

4- Quando dois ou mais adjetivos referem-se ao mesmo substantivo deter-

minado pelo artigo, são possíveis duas construções:

a) Substantivo vai para o plural concordando com os dois adjetivos:

• Analiso as culinárias francesa e inglesa.

b) Substantivo permanece no singular concordando com o adjetivo mais

próximo e o outro adjetivo vem antecedido de artigo

• Analiso a culinária francesa e a inglesa.

5- Adjetivos regidos pela preposição de e referentes a pronomes neutros e

indefinidos (“nada”, “muito”, “algo”, “tanto”, “que” etc.) normalmente ficam

no singular, mas podem também concordar com o substantivo:

• Sua casa nada tem de misterioso.

• Sua casa nada tem de misteriosa.

capítulo 2 • 63

6- Com pronomes de tratamento, o adjetivo concorda com o sexo da pessoa

a que se refere:

• Vossa Santidade está enfermo. (Papa)

• Vossa Alteza está enferma. (Princesa)

• Vossa Senhoria ficará satisfeito. (Homem)

• Vossa Senhoria ficará satisfeita. (Mulher)

1.6.1 Casos especiais de concordância nominal

Moraes (online) apresenta os seguintes casos especiais de concordância nominal:

1- Termos como incluso, anexo, leso, mesmo, próprio, quite, obrigado, quan-

do adjetivos, concordam com o substantivo a que se referem:

Exemplos:

• Incluso(s)/a(s):

• Envio, inclusa nesta pasta, uma fotocópia do processo.

• Envio, incluso nesta pasta, um recibo dos gastos.

• Anexo(s)/a(s):

• Seguem anexas as cartas.

• Seguem anexos os documentos.

Observação: “Em anexo” é considerada uma expressão adverbial, portanto,

invariável. Mesmo não sendo recomendada por estudiosos mais tradicionais, é

muito utilizada e deve permanecer no singular: “Seguem em anexo as cartas.”

• Leso(s)/a(s):

• leso-patriotismo; lesa-pátria.

Mesmo:

• Os fantasmas não fumam, porque poderiam fumar a si mesmos. (Mário

Quintana)

• Os alunos mesmos organizaram o trabalho.

• A viagem do sono nem sempre é a mesma viagem. (Paulo Mendes Campos)

• Percorrera aquela mesma senda, aspirava aquele mesmo vapor que baixa-

va denso do céu verde.” (L.F. Telles) (Apud MORAES, online)

Observação: Mesmo pode funcionar como advérbio, modificando um adje-

tivo, um verbo ou o próprio advérbio. Nesse caso, é invariável e corresponde a

64 • capítulo 2

justamente, exatamente, ainda, até.

Exemplos:

• Você esperneia, revolta-se — adianta? Mesmo sua revolta foi protocolada.

(C.D.A.)

• Livro raro, mesmo, é aquele que foi emprestado e foi devolvido. (Plínio

Doyle) (apud Moraes, online).

Próprio(s)/a(s):

Concorda com o substantivo a que se refere:

• Eu própria conferi a carga, disse a secretária.

• Eles próprios reconheceram o erro (os alunos).

• Eu próprio elaborei a prova, disse o professor.

Obrigado(a):

Se o emissor for masculino, vai para o masculino; se for mulher, para o

feminino:

• Obrigado, respondeu o menino.

• Obrigada, respondeu a garota.

Quite:

concorda com o substantivo a que se refere:

• Estou quite com minhas dívidas.

• Estamos quite com o serviço militar.

2. Expressões como é preciso, é necessário, é bom, é proibido:

a) referindo-se a nomes sem elementos determinantes, essas expressões fi-

cam invariáveis:

• É preciso força para apagar o incêndio.

• É necessário compreensão para se viver bem.

• É bom plantação de erva-cidreira para afugentar formigas.

• Água é bom.

• É proibido entrada de pessoas estranhas ao serviço.

b) com nomes acompanhados de elemento determinante, essas expressões

concordam com ele em gênero e número:

• Seriam precisos vários bombeiros para deter o incêndio.

capítulo 2 • 65

• É necessária a tua compreensão.

• É boa a plantação de erva-cidreira para afugentar formigas.

• A água é boa para a saúde.

• É proibida a entrada pessoas estranhas ao serviço.

3. Só e Sós:

a) Só (adjetivo) corresponde a sozinho, único, solitário e apresenta flexão de

número, concordando com a palavra a que se refere.

• Eles estão sós.

• Outros estão sós, como tu, mas presos a uma inibição ou a uma disciplina. (C.D.A)

b) Só (advérbio) corresponde a somente, unicamente, apenas e não se flexio-

na: é invariável.

• Ele só falou mentiras.

• Eles só falaram mentiras.

Observação: Existem as locuções a só e a sós (mais frequente). Elas são inva-

riáveis e equivalem a sem companhia.

Exemplos:

• “Eles ficaram a sós”.

• “O casal ficará a sós”.

• “Amigo João Brandão — disse pausadamente o homem quando ficaram a

sós.” (C.D.A)

4. Bastante(s) :

a) bastante = advérbio de intensidade: é invariável.

• Ele ficou bastante preocupado.

• Os pós-graduandos estudam bastante.

b) bastante = pronome indefinido (= muitos). Apresenta flexão:

• Naquela classe, há bastantes rapazes.

5. Meio:

a) meio = advérbio de intensidade: É invariável.

• Ando meio distraída ultimamente.

• Sentava calado, com a cara meio triste, um ar sério. (Rubem Braga)

• Existem maridos que são meio surdos: sempre que suas mulheres lhes

pedem 50 eles só ouvem 25. (Leon Eliachar)

66 • capítulo 2

b) meio = numeral (= metade). Apresenta flexão.

• É meio dia e meia. (meia hora)

• Ele comeu meio bolo sozinho.

• Ele comeu meia (metade) pera.

Se você disser: “Ela está meia triste”, sua frase significará: “Ela está metade triste!”

6. Menos - alerta - pseudo e a olhos vistos:

São sempre invariáveis:

• Na classe, há menos moças que rapazes.

• Mais amor e menos confiança.

• Lúcia emagreceu a olhos vistos.

• Trata-se de pseudo-especialistas.

Alerta, segundo Antenor Nascentes, trata-se de uma interjeição militar;

era um grito que se proferia à aproximação do inimigo. José Pedro Machado

confirma a informação. Logo, por ter valor interjectivo, permanece invariável.

Outros o consideram advérbio (em estado de prontidão) e, assim, também,

permanece invariável.

Exemplos:

• Antes ouvido a revolta da cidade, estiverão mais alerta. (apud José Pedro

Machado - texto arcaico)

• Duas sentinelas sempre alerta. (Alencar apud Cândido Jucá Filho)

• Na porta dos bancos, os seguranças ficam alerta.

capítulo 2 • 67

ATIVIDADE

1- Reescreva as frases, completando-as com um dos verbos entre parênteses para que a

regência verbal fique adequada:

a) Quem não aspira............. um bom contrato? (aspira - aspira a)

b) Quando posso, ............. bons jogos de futebol pela TV. (assisto a - assisto)

c) Você deve.............. regulamento. (obedecer – obedecer ao)

d) O gerente ............... dois cheques e eu os levei à construtora. (visou os – visou aos)

e) Não ........... novo projeto do prefeito. (gostei o – gostei do)

f) O professor .......... dificuldades dos alunos. (precisou as – precisou das)

g) O escritor .................guarda-chuva em casa. (esqueceu do - esqueceu o)

h) Todas as perguntas ............ proposta concreta. (visam uma – visam a uma)

2- Reescreva as frases, completando-as se necessário, para que a regência verbal fique

correta:

a) É esse o cargo.............que ele sempre aspirou?

b) A semana passada assisti .......... bons filmes em DVD.

c) Obedecer...........o regulamento interno é um dever do estudante.

d) Paguei.........cafezinho ........eles.

e) Já perdoamos .......elas ........... injúrias.

f) Quero............mesa arrumada.

g) Ele sempre quis bem .......... todas vocês.

h) Vise ......... o cheque logo que o banco abrir.

i) Chegamos ...........um bom estágio profissional.

j) Prefiro quiabo........... abobrinha.

3- As frases abaixo apresentam problemas relacionados à regência verbal, adeque-as à nor-

ma culta:

a) Eles não lembraram do dia da prova.

b) Chegou novamente atrasado na escola.

c) Ele aspirava um cargo melhor na empresa que trabalhava.

d) Elas preferiam ver tevê do que ler um bom livro.

e) Reclamar é um direito que assiste o trabalhador.

f) O desrespeito às normas implicará em castigos severos.

g) Informei-lhe de que chegaria atrasada.

h) Aqueles jovens não obedeceram os professores.

68 • capítulo 2

i) João namora com Martha.

j) Eduardo visava uma vaga no curso de Medicina.

REFLEXÃO

Neste capítulo, você pôde notar que a língua padrão se distancia muito da língua informal

utilizada no cotidiano no que se refere à regência e à concordância verbal, principalmente.

Deve ter ficado claro que precisamos exercitar o uso do padrão para que saibamos utilizá-lo

nos contextos em que for exigido, pois o domínio da linguagem padrão pode não só conferir

prestígio social, como também possibilitar o seu desenvolvimento profissional.

LEITURA

Recomendamos a leitura do livro de Nadólkis porque apresenta de forma sintética e clara as

normas de regência, concordância, além de outros aspectos essenciais à norma culta.

NADÓLSKIS, Hêndricas. Normas de comunicação em língua portuguesa. 24.

ed. São Paulo:Saraiva, 2002.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECHARA, E. Moderna Gramática portuguesa. Rio de janeiro: Lucerna, 2000.

CEGALLA, D. P. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia

Editora Nacional, 2008.

LEMLE, M. e NARO, A. J. Competências básicas do português. Rio de Janeiro: Funda-

ção Movimento Brasileiro de Alfabetização/Fundação Ford, 1977.

MATTOS E SILVA, R. V. De fontes sócio históricas para a história social linguística do Brasil:

em busca de indícios. In: MATTOS E SILVA, R. V. (Org.) Para a História do Português

Brasileiro. São Paulo, Humanitas, FFLCH/USP, vol. II, 2001.

MOLLICA, M.C. (Org.) Introdução à Sociolinguística Variacionista. RJ: Vozes, 2003.

MORAES, J. V. Concordância nominal: Conheça as regras. Educação Uol. Online. Dispo-

capítulo 2 • 69

nível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/concordancia-nominal-conheca

-as-regras.htm Acesso em: 04 maio de 2015.

NARO, A. J. e LEMLE, M. Syntactic Diffusion. Ciência e Cultura, 29 (3):259-268, 1977.

NARO, A.J. e SCHERRE, M. M. P. Sobre as origens do português popular do Brasil. Delta, 9,

nº especial, p.437-454, 1993

NEVES, M. H. M. “Norma, bom uso e prescrição linguística” In: Que gramática estudar na

escola? Norma e uso na língua portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003.

RIBEIRO, I. I “Quais as faces do Português Culto Brasileiro?”. In: ALKMIM, T. M. Para a his-

tória do Português brasileiro. vol. III. São Paulo: Humanitas FLP, 2002.

SVOBODOVÁ, I. Sintaxe da língua Portuguesa. Masaykova Univerzita. Brno, 2014.5(REFERÊNCIA: MORAES, J. V. Concordância nominal: Conheça as regras. Educação Uol. Online.

Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/concordancia-nominal-conheca-as-

regras.htm Acesso em: 04 maio de 2015.)

70 • capítulo 2

ANOTAÇÕES

Usos da língua: pontuação,

acentuação e ortografia

3

72 • capítulo 3

Apresentação do capítulo

Othon M. Garcia, autor ilustre de Comunicação em prosa moderna afirmou,

muito sabiamente, que não basta apenas o conhecimento das regras gramati-

cais para escrever bem, é necessário conhecer o assunto, ter ideias sobre o que

se vai abordar no texto escrito. Contudo, ele esclarece que é preciso dominar

pelo menos um mínimo de regras gramaticais para se escrever bem, como, por

exemplo, a pontuação. Dos casos de pontuação, um que gera muitas dúvidas é

o uso da vírgula, um dos principais tópicos abordados neste capítulo. Outros

aspectos da norma padrão, como o acordo ortográfico e a acentuação também

serão estudados. E a crase, você sabe usar corretamente o acento grave para in-

dicá-la? Por fim, discutiremos sobre a linguagem da internet, o “internetês”,

linguagem amplamente usada na internet e que merece reflexão.

OBJETIVOS

• Analisar aspectos da norma culta, como o uso da vírgula, a ortografia e a acentuação;

• Listar as principais regras do novo acordo ortográfico;

• Defender como o uso da vírgula confere clareza e está ligado à ordem SVC;

• Averiguar as características do “internetês” e compreender seu contexto de uso.

REFLEXÃO

Você se lembra?

Você certamente deve lembrar-se das aulas de gramática em que aprendia a forma correta

de grafar as palavras, a ortografia. Neste capítulo, retomaremos algumas noções básicas

de ortografia, além de analisarmos a pronúncia adequada das sílabas tônicas, isto é, sua

prosódia. Provavelmente, você já ficou em dúvida se o correto é “rúbrica” ou “rubrica”, não é

mesmo? Então, estude este capítulo com afinco, pois ele trata da escrita e da pronúncia cor-

retas das palavras de nossa língua portuguesa, abordando também algumas das principais

mudanças introduzidas pelo novo acordo ortográfico. Além disso, discute outros aspectos da

norma padrão igualmente importantes, como a regência, por exemplo.

capítulo 3 • 73

1.1 Introdução à clareza e à pontuação: a ordem direta no português brasileiro

1Para Sautchuk (2011, p. 15, apud CORDEIRO, 2015), a frase é o elemento

central do texto. Ela veicula sentidos e pode se agrupar a outras formando pe-

ríodos e parágrafos. A frase pode ser constituída de uma única palavra, como:

“Fogo!”, por exemplo. Pode organizar-se também em torno de um verbo, sendo

classificada, nesse caso, como oração. As análises sintáticas, baseadas nessa

classificação, são essenciais para escrever bem, pois há um padrão de constru-

ção de frases em português. Sautchuk (2011, p. 15) explica que esse padrão é

representado pela seguinte fórmula:

S + V + C

Sujeito + Verbo + Complemento

O prefeito + aumentou + os impostos

É nesse padrão, isto é, nessa matriz, que pode ser modificada ou expandida,

que se apresentam as ideias centrais. Em torno delas, acrescentam-se termos

acessórios que expressam ideias secundárias ou suplementares, como, por

exemplo, em:

(1) Logo após a reeleição, o prefeito (S), que durante a campanha eleitoral, havia

negado a alta de tarifas, aumentou (V) os impostos (C), velhos vilões dos cidadãos.

Observe que no período acima, foram adicionados diversos elementos ao

padrão SVC, que acrescentaram informações complementares à ideia central

“o prefeito aumentou os impostos”. Essas informações complementares indi-

cam o tempo (“Logo após a reeleição”) e a circunstância (“havia negado a alta

de tarifas”). Há também termos que podem ser usados para expressar a opinião

de quem escreve, como é o caso do aposto “velhos vilões dos cidadãos”.

1 (Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1582669-governo-de-

sp-pede-ajuda-a-empresas-para-solucionar-crise-da-agua.shtml> Acesso em: 30 jan. 2015)

74 • capítulo 3

Organize as palavras e frases começando pela ordem direta: SVC

Essa estrutura básica, SVC, é internalizada nos falantes nativos do portu-

guês, não é necessário saber a nomenclatura, as classificações; intuitivamente,

os falantes conhecem características do sujeito, tais como: ele nunca vem ante-

cedido de preposição e será sempre representado por um substantivo ou pala-

vra substantivada (pronomes, adjetivos e outras classes que possam desempe-

nhar o papel de substantivo), conforme nos recorda Sautchuk (2011).

A estrutura SVC é tão internalizada nos falantes nativos, que quando se lê

uma frase iniciada por qualquer termo que não seja o sujeito, o leitor fica à es-

pera de que algo apareça na frase como sujeito, que funcione como o ponto de

apoio inicial para formar um SVC: “No começo da noite, com as janelas fecha-

das, sem um único som na sala, entre móveis cobertos de pó...” (SAUTCHUK,

2011, p. 21). A autora explica que o leitor espera o sujeito da frase e quando ele

aparece, procura um verbo que se conecte a ele e conclua o sentido: “No come-

ço da noite, com as janelas fechadas, sem um único som na sala, entre móveis

cobertos de pó, um estranho vulto aparece” (idem).

S V

Dependendo do verbo, o leitor ainda pode ansiar por um complemento:

“No começo da noite, com as janelas fechadas, sem um único som na sala,

entre móveis cobertos de pó, um estranho vulto ergue uma estatueta esquisi-

capítulo 3 • 75

ta.” (ibidem).

S V C

Ficou claro que a estrutura SVC pode variar em função de o verbo ser tran-

sitivo (exigir complemento) ou intransitivo (não exigir complemento) e que a

esse padrão fixo podem ser acrescidas outras ideias expandindo os períodos,

conforme destaca a autora:

(eu) Utilizo qualquer tipo de computador.

(eu) Utilizo, quase sempre, qualquer tipo de computador.

Esta notícia interessa a todos.

Esta notícia interessa a todos, em qualquer circunstância.

O vencedor da prova dedicou a vitória aos filhos.

O vencedor da prova, muito emocionado, dedicou a vitória aos filhos.

(SAUTCHUK, 2011, p. 24).

Outros elementos podem ser acrescentados a esses exemplos, em diferen-

tes posições; portanto, a estrutura SVC ou SV não é exclusiva. Um aspecto im-

portante que você deve ter observado é que os elementos inseridos entre os ele-

mentos básicos: SVC são isolados por vírgula.

Essas informações parecem básicas porque o falante nativo elabora cons-

truções desse tipo automaticamente, principalmente na fala; mas quando se

escreve, a dificuldade aumenta e as frases e os períodos são construídos preca-

riamente. Essa estrutura é importante e básica, como ratifica Bersch:

As situações de frase sem sujeito são de exceção e, em diversos sistemas linguísticos e

mesmo em diversas situações do Português, deparamos com argumentos que provam

esse caráter de excepcionalidade. As frases sem verbo são características da lingua-

gem em que predomina a afetividade.[...] A frase é o suporte da comunicação linguística

[...]. para que haja clareza na comunicação, deve haver uma estruturação clara no binô-

mio sujeito-predicado. (BERSCH, R. D., 1980, p. 109)

Para finalizar essa seção, apresentamos outro exemplo dado por Sautchuk

(idem), que ilustra uma dificuldade de localizar a informação principal devido

à distância entre o sujeito (S) e o verbo (V) e grande número de informações

76 • capítulo 3

intercaladas entre eles:

O anúncio de transmissão da nova gripe no país, em decorrência da morte de uma

paciente em Osasco, ocorrida em 30 de junho, e dos casos confirmados entre seus

familiares, sem relato de viagens ao exterior nem de contato com pessoas que tiveram a

doença, [não deve ser], em nenhuma hipótese, [motivo para pânico]. (Folha de S. Paulo,

C4, 17 jul. 2009 apud SAUTCHUK, 2011, p. 26)

Observe a quantidade de informações encaixadas no meio da ideia central

“O anúncio de transmissão da nova gripe no país não deve ser motivo para pâ-

nico.” Uma grande quantidade de elementos intercalados entre sujeito e verbo,

como no exemplo, dificulta a clareza. “A ordem SVC é tão importante para sus-

tentar a facilidade de leitura, que os jornalistas sempre a usam quando com-

põem os títulos de abertura das notícias” (SAUTCHUK, 2011, p. 27).

Por fim, vale ressaltar metáforas que têm sido amplamente usadas para

abordar a produção textual: quando você redige um texto, é como se estives-

se tecendo um tapete com fios ou linhas, sendo que as palavras, as frases são

como as linhas que vão se entrelaçando para formar o tecido/texto. A elabora-

ção de um texto pode, ainda, ser comparada à montagem de um quebra-cabeça,

em que ajustamos e posicionamos as frases (peças do quebra-cabeça) até mon-

tarmos um todo de sentido, ou até conseguirmos expressar com exatidão o que

gostaríamos de exprimir.

Penso ser oportuno exibir quatro versões de frase que escrevi para expressar

uma das frases contidas nesse livro:

1ª versão: Foram feitas alterações, segundo a estudiosa, pequenas, mas sig-

nificativas...

2ª versão: As alterações feitas pela autora foram pequenas, porém, signifi-

cativas...

3ª versão: A autora realizou poucas alterações, mas significativas...

4ª versão: A autora realizou apenas duas alterações, mas significativas...

Qual versão você considera mais clara e precisa? A quarta não é? Note que

capítulo 3 • 77

nas primeiras versões, eu não havia usado o padrão SVC, ao invés dele, havia es-

colhido a ordem inversa, com a construção na voz passiva, construção essa que

dificulta a compreensão do texto por parte do leitor. Além disso, havia muitos

elementos intercalados entre o sujeito e o verbo, como se observa:

1ª versão: Foram feitas alterações, segundo a estudiosa, pequenas, mas sig-

nificativas...

V S elemento intercalado adjunto adnominal

Essa primeira versão dificulta a leitura porque, além da ordem indireta,

há elementos intercalados e um número maior de pausas. Já a quarta versão é

mais clara e precisa não só devido à ordem direta (SVC) e à voz ativa, mas tam-

bém à exatidão vocabular. Troquei o adjetivo mais vago “pequenas alterações”

pela precisão vocabular: “duas alterações”.

Portanto, além da ordem, o produtor de textos deve buscar a exatidão, preci-

são vocabular, deve analisar se os termos escolhidos se “encaixam”, pois, mui-

tas vezes, escreve-se muito e não se diz nada, como o exemplo a seguir ilustra:

“O desenvolvimento deste trabalho revelou, na possibilidade de ser tam-

bém para nós, um veículo condutor, capaz de acessar-nos, no momento neces-

sário, a aprendizagem com ele adquirida.” (SAUTCHUK, 2011, p. 29).

Embora seja possível encontrar a oração principal depreendida da ordem

SVC, “O desenvolvimento deste trabalho revelou um veículo condutor”, não há

coerência alguma, não há sentido! O que exatamente o trabalho revelou? Con-

dutor de quê? O leitor pode até imaginar o que o autor quis dizer, como bem

alerta Sautchuk, mas um texto referencial deve deixar claro o que realmente se

quer escrever. Isso ocorre porque as ideias, embora estejam claras na mente

do emissor, muitas vezes ficam confusas na transposição à escrita; por isso, é

preciso reler sempre o que se escreve, procurando facilitar a compreensão para

o leitor. Nas próximas seções, explicaremos brevemente sobre fatores que de-

terminam a clareza, como a inversão, o uso e a extensão de ideias acessórias, as

intercalações, dentre outros.

Essas considerações sobre a clareza e a ordem estão ligadas, de forma indi-

reta, ao uso da vírgula, pois boa parte das regras para uso desse sinal de pontu-

ação relaciona-se à ordem SVC.

78 • capítulo 3

1.1.1 O uso da vírgula e a clareza

Parece irrelevante, mas não é. O uso da vírgula é essencial para a construção

de sentido do texto, como se observa nos exemplos a seguir:

1) Não vou abordar esse tema hoje.

2) Não, vou abordar esse tema hoje.

No primeiro caso, o emissor não tratará do assunto; já na segunda constru-

ção, em resposta a um interlocutor, ele afirma que irá abordar o tema. Viu como

a vírgula é importante? Há muitas regras para seu uso, mas discutiremos ape-

nas a regra geral, que está diretamente relacionada à clareza.

Sautchuk (2011) inicia a explicação sobre a pontuação com a seguinte res-

salva: ao contrário do que muitos pensam, a vírgula não é usada porque é pre-

ciso respirar e sim o oposto: a pausa respiratória ocorre por causa da vírgula.

“O que determina a colocação de vírgulas é o modo como se constrói a frase e

o sentido que se quer dar a ela, e não o momento de o leitor respirar.” (SAUT-

CHUK, 2011, p. 41). Sendo assim, a primeira regra para o uso da vírgula é claro:

Não se usa a vírgula entre os elementos da estrutura básica SVC; a vírgula é usa-

da apenas para assinalar elementos encaixados nessa estrutura central. Leia

a manchete a seguir e observe que não há vírgulas porque não se intercalou

nenhum elemento na estrutura básica SVC:

“Governo de SP pede ajuda a empresas para solucionar crise da água”.

Sujeito verbo complemento

ATENÇÃO

Em todos os manuais de Gramática você encontrará esta regra básica: A estrutura SVC não

pode ser fragmentada!

Agora, imagine se o jornalista acrescentasse informações suplementares à

ideia principal veiculada pela estrutura SVC, observando as três opções a seguir:

1- Em gesto desesperado, governo de SP pede ajuda a empresas para solu-

capítulo 3 • 79

cionar crise da água.

2- Governo de SP pede ajuda a empresas para solucionar crise da água, em

gesto desesperado.

3- Governo de SP pede, em gesto desesperado, ajuda a empresas para solu-

cionar crise da água.

Você deve ter concluído que a melhor opção é a primeira ou a segunda, visto

que a terceira fere a clareza por encaixar informações suplementares entre os

elementos da estrutura básica (SVC). Entretanto, você já deve ter aprendido que

essa intercalação não é proibida, a posição dos elementos em português é vari-

ável e de acordo com a ênfase que quer conferir à mensagem, o emissor organi-

za-a de determinada forma. O que você precisa entender também é que quando

ocorre essa intercalação, ela precisa ser isolada por vírgulas, como ocorre no

terceiro exemplo.

Sautchuk fornece uma boa dica para o uso da vírgula: Se você estiver em

dúvida se há ou não vírgula, destaque a estrutura SVC e analise se existe algum

elemento intercalado a ela; se houver, isole-o com vírgulas. Caso não haja inter-

calação, a vírgula é desnecessária.

O uso correto da vírgula é determinante para a clareza de uma frase.

80 • capítulo 3

A fim de ampliarmos a discussão sobre o uso da vírgula em elementos inter-

calados, reproduzimos um dos exemplos citados por Sautchuk (2011, p. 44):

A aprendizagem da leitura de obras literárias implica acima de tudo a aquisição da

capacidade de aprender na situação representada os questionamentos acerca do ser

humano e de suas contingências. Essa aquisição só se efetua num compromisso do

leitor com o texto pela atividade crítica que supera o plano do simples prazer.

É provável que você tenha sentido dificuldade para compreender a mensa-

gem principal em virtude da falta de virgulação e do excesso de informações

acessórias. Releia o mesmo texto, agora, com os termos intercalados devida-

mente isolados por vírgulas:

A aprendizagem da leitura de obras literárias implica, acima de tudo, a aquisição da

capacidade de aprender, na situação representada, os questionamentos acerca do ser

humano e de suas contingências. Essa aquisição só se efetua, num compromisso do

leitor com o texto pela atividade crítica que supera o plano do simples prazer.

Essa nova versão está mais clara em função do isolamento dos elementos in-

tercalados. Dizer que eles devem estar isolados significa que é necessário colocar

vírgula no início e no final do “encaixe”. Sautchuk (2011, p. 45) orienta que, se o

escritor usa apenas uma vírgula, comete um erro, como nos exemplos a seguir:

1) Os manifestantes, em seu movimento de greve estavam em frente à prefeitura.

2) Os manifestantes em seu movimento de greve, estavam em frente à prefeitura.

Para corrigir o uso da vírgula, é preciso isolar os elementos intercalados,

acrescentando vírgula no início e no fim do “encaixe”, como em:

3) Os manifestantes, em seu movimento de greve, estavam em frente à prefeitura.

capítulo 3 • 81

Além das regras básicas estudadas (não se usa vírgula entre os elementos da

estrutura SVC; usam-se vírgulas para isolar informações adicionais à estrutura

SVC), há outra importante: usa-se a vírgula para marcar uma informação adi-

cional inserida no início ou no final da ideia principal representada pela estru-

tura SVC, isto é, nas extremidades dessa estrutura. Veja os exemplos:

Durante todo o horário de verão, o governo estimou uma economia de

R$405 milhões.

Informação adicional S verbo complemento

O governo estimou uma economia de R$405 milhões, durante todo o horá-

rio de verão

S verbo complemento Informação adicional

ATENÇÃO

Atenção: O emprego da vírgula é facultativo quando a informação adicional é acrescentada

ao final da estrutura SVC.

1.1.2 As regras de pontuação: o uso da vírgula

Antes de expor as normas que regem o uso da vírgula, Cegalla (2008, p. 428)

adverte que o uso dos sinais de pontuação não é consenso entre os escritores,

sendo difícil, portanto, apresentar normas rígidas. Contudo, uma regra encon-

trada em todos os manuais é a que afirma que não se pode separar por vírgula o

sujeito do verbo, como, por exemplo: “A maioria dos estudantes, tem dificulda-

de para saber as regras de acentuação”. A vírgula usada nesse exemplo não está

de acordo com a norma padrão e é considerada desvio grave pelos gramáticos.

Mas, se houver adjuntos ou oração entre o sujeito e o verbo, eles virão isolados

entre vírgulas, como em: “A maioria dos estudantes, mesmo os que já termi-

naram o nível superior, tem dificuldade para saber as regras de acentuação”.

Feitas essas ressalvas, Cegalla explica que os sinais de pontuação servem a três

finalidades, e passa a expor as normas:

1- Assinalar pausas e as inflexões de voz (entonação) na leitura;

82 • capítulo 3

2- Separar palavras, expressões e orações que devem ser destacadas;

3- Esclarecer o sentido da frase, afastando qualquer ambiguidade.

Diante dessas informações iniciais, vamos ao estudo das regras que deter-

minam o uso da vírgula:

a) Para separar palavras ou orações justapostas assindéticas:

• Os bebês, as crianças, os jovens, os adultos, todos sofrerão com a falta de água.

b) Para separar vocativos:

• João, traga o livro aqui!

c) Para separar apostos e certos predicativos:

• O curso de Letras, licenciatura em Português, forma professores do Ensino

Fundamental e Médio. (aposto)

• Audacioso e corajoso, o homem desbravou o mundo.

(predicativo)

d) Para separar orações intercaladas e outras de caráter explicativo:

• O vocativo, conforme entendem hoje, é um termo que serve para chamar,

interpelar, invocar alguém.

• O aposto, orienta a professora, explica ou especifica uma expressão.

e) Para separar certas expressões explicativas ou retificativas, como: isto é, a

saber, por exemplo, ou melhor, ou antes etc.

• O verdadeiro amor, isto é, o sentimento mais lindo e puro do ser humano,

é um excelente remédio.

f) Para separar orações adjetivas explicativas:

• Pelas 11h da noite, que foi de muito vento, o soldado não aguentava mais

caminhar e caiu!

g) Para separar orações adverbiais desenvolvidas:

• Enquanto o marido trabalhava fora, a mulher ficava cuidando dos filhos e

da casa.

h) Para separar orações adverbiais reduzidas:

capítulo 3 • 83

• Ali eu entendi, sem receber explicação, aquela dura lição.

i) Para separar adjuntos adverbiais. Para separar o adjunto adverbial quan-

do este está fora da sua posição normal (depois do verbo ou de seu comple-

mento):

• No meio da noite, ouviram-se muitos gritos.

Observação: é comum não usar a vírgula quando os adjuntos adverbiais são curtos:

• À noite ouviram-se muitos gritos.

j) Para indicar elipse de um termo:

• Uns afirmam que deve existir vida além da terra; outros, que a vida ter-

mina aqui.

k) Para separar conjunções pospositivas, como: porém, contudo, pois, en-

tretanto, portanto etc.:

• Vens, entretanto, querer exigir minhas coisas!

l) Para separar elementos paralelos de um provérbio:

• Mocidade ociosa, velhice vergonhosa.

m) Para separar termos que se quer realçar:

• O dinheiro, o homem coloca em primeiro lugar.

n) Para separar o nome do lugar nas datas:

• Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1500.

Você, estudante atento, deve ter observado que existe certa regularida-

de em todas as regras para o uso da vírgula: sempre que houver qualquer ex-

pressão entre os elementos da estrutura SVC, haverá vírgulas!

1.1.3 As regras de pontuação: o uso do ponto e vírgula

Cegalla (2008, p. 430) explica que o ponto e vírgula “denota uma pausa mais

sensível que a vírgula”, e é empregado principalmente para:

a) Separar orações coordenadas de certa extensão:

84 • capítulo 3

• Depois Iracema quebrou a flecha homicida; deu haste ao desconhecido, guar-

dando consigo a ponta farpada. (José de Alencar apud CEGALLA, 2008, p. 430)

b) Em enumerações, como:

• Destacaram-se, na Conjuração Mineira, Joaquim José da Silva Xavier, alcu-

nhado Tiradentes; o poeta Claudio Manuel da Costa, autor do poema épico Vila

Rica; o poeta Tomás António Gonzaga, autor de Marília de Dirceu; o desembar-

gador Inácio Avarenga Peixoto e o padre Luís Vieira da Silva, em cuja biblioteca

se reuniam os conjurados. (CEGALLA, 2008, p. 430)

c) Para separar os considerandos de um decreto, de uma sentença, de uma

petição etc.

d) Para separar os itens de um artigo de lei, de um regulamento.

1.2 Regras de acentuação

Para acentuar corretamente as palavras, é preciso, primeiramente, conhe-

cer a tonicidade. A sílaba mais forte de uma palavra recebe o acento de inten-

sidade ou acento tônico. O acento tônico nem sempre corresponde a um acen-

to gráfico. Existem regras que, por convenção, estabelecem em quais casos o

acento tônico é marcado graficamente. As regras de acentuação gráfica, portan-

to, estabelecem quando a sílaba tônica de uma palavra é marcada graficamente

e o tipo de acento gráfico.

A sílaba tônica de uma palavra, na língua portuguesa, pode estar em três

diferentes posições. Cada posição corresponde a uma classificação.

Quando a sílaba tônica é a última, a palavra é oxítona. Se a sílaba tônica é a

penúltima, a palavra é paroxítona. Quando a sílaba tônica é a antepenúltima, a

palavra é proparoxítona. As palavras de uma sílaba são denominadas monos-

sílabos tônicos ou átonos de acordo com a intensidade que elas apresentam

numa frase.

1) Oxítonas (última sílaba tônica):

capítulo 3 • 85

- Acentuam-se as oxítonas:

a) terminadas em “a”, “e”, “o”, “em”, “éns”, seguidas ou não de “s”.

Exemplos: Marajá, aliás; freguês, café; pontapé, dominó; Jericó; refém;

armazém, vinténs.

b) terminadas em ditongos abertos, como “éi”, “éu”, “ói”, seguidos ou

não “s”.

Exemplos: Méis, chapéus, anzóis.

c) formadas de muitos verbos que, ao se combinarem com pronomes oblí-

quos, produzem formas monossilábicas e devem ser acentuadas por acabarem

assumindo alguma das terminações contidas nas regras, como as formas ver-

bais oxítonas terminadas em “a”, “e”, “o”, (com ou sem “s”) quando seguidas

de “lo(s)” o u “la(s)”:

Exemplos: amá-las; perdê-las; repô-las.

2) Paroxítonas (penúltima sílaba tônica):

- Acentuam-se as paroxítonas terminadas em:

“l” – afável, fácil, cônsul, incrível

“n” – pólen, abdômen, sêmen

“r” – câncer, caráter, néctar, repórter

“x” – tórax, látex, ônix, fênix

“ps” – fórceps, Quéops, bíceps

“ã(s)” – ímã, órfãs, ímãs, Bálcãs

“ão(s)” – órgão, bênção, sótão, órfão

“i(s)” – júri, táxi, lápis, grátis, oásis, miosótis

“on(s)” – náilon, próton, elétrons, cânon

“um(s)” – álbum, fórum, médium, álbuns

“us” – ânus, bônus, vírus, Vênus

- Acentuam-se as paroxítonas terminadas em: ditongos crescentes (semivogal

+ vogal). Exemplos: névoa, infância, tênue, calvície, série, polícia, residência, fé-

rias, lírio.

Antes do acordo ortográfico, acentuavam-se também as paroxítonas termina-

das em ditongo aberto, como: idéia, Coréia, que, após o acordo, deixaram de ser

acentuadas.

86 • capítulo 3

O novo acordo ortográfico, no entanto, suprimiu o acento diferencial de ou-

tras palavras, entre elas: para (verbo) e para (preposição); pelo/pelos (substan-

tivo) e pelo/pelos (verbo pelar e contração de preposição e artigo); polo/polos

(substantivo) e polo (contração arcaica de proposição e artigo), coa/coas (verbo

coar) e coa/coas (preposição + artigo).

O acordo ortográfico também alterou outras normas. Confira:

a) As palavras paroxítonas com ditongos ei e oi na sílaba tônica deixam de

ser acentuadas graficamente: ideia, boleia, assembleia, apoio (1a pessoa do sin-

gular do presente do indicativo do verbo apoiar), jiboia, europeia, heroico (dife-

rentemente de herói, que é oxítona).

b) As formas verbais terminadas por “eem” perdem o acento: creem, deem,

leem, veem, descreem, releem, reveem.

c) A vogal tônica do hiato “oo” deixa de receber acento gráfico: voo, perdoo,

povoo (verbo povoar).

d) Os verbos arguir e redarguir deixam de ser acentuados graficamente com

acento agudo na tônica “u’”: tu arguis, ele argui, arguem, tu redarguis, ele re-

dargui, redarguem.

e) Não são acentuados graficamente os prefixos paroxítonos terminados em

“r” e “i”: inter-helênico, super-homem, semi-intensivo.

3) Proparoxítonas (antepenúltima sílaba tônica):

Todas as proparoxítonas são acentuadas.

Exemplos: México, música, mágico, lâmpada, pálido, sândalo, crisânte-

mo, público, pároco, fotógrafo, linguística, metódico.

4) Monossílabos tônicos (uma sílaba tônica):

Acentuam-se os monossílabos terminados em: “a”, “e”, “o”, seguidos ou

não de “s”.

Exemplos: chá, gás, pé, mês, dó, nós,

capítulo 3 • 87

Atenção:

Assim como ocorre nas formas oxítonas, muitos verbos, ao se combinarem

com pronomes oblíquos, produzem formas monossilábicas que devem ser

acentuadas por acabarem assumindo alguma das terminações contidas nas

regras.

Exemplos:

• Fez + o= fê-lo

• Dar + as= dá-las

As formas verbais têm e vêm são acentuadas graficamente em oposição às

formas verbais no singular tem e vem. Também é acentuado graficamente o

verbo pôr em oposição à preposição por e a forma verbal pôde em oposição a

pode (verbo poder).

Veja alguns exemplos:

• Os alunos têm apresentado bons resultados. / O aluno tem apresentado

bom resultado.

• Os turistas vêm nos visitar mais vezes quando são bem tratados. / O turista

vem nos visitar mais vezes quando é bem tratado.

• É preciso pôr as contas em dia. / Ele disse que há muita coisa por fazer.

• Ontem ela não pôde chegar cedo. / Hoje ela pode chegar cedo.

5) Hiatos acentuados

Quando a segunda vogal de um hiato for “i” ou “u” e tônica, seguida ou não

de s, será acentuada: saúde, saída, proíbo, faísca, baú, viúva, juíza, juízo, país,

Jaú, Jacareí, Cabreúva, Luís.

Atenção!

Se essas vogais tônicas do hiato forem seguidas de outras consoantes ou

“nh”, não haverá acento: juiz, rainha, cairmos, contribuinte, sair, cauim.

O novo acordo ortográfico alterou, nessa regra de acentuação do hiato, o

seguinte: se as vogais “i” ou “u” forem precedidas de ditongo, não serão mais

acentuadas graficamente. Veja como ficam agora algumas palavras que se in-

cluem nesse caso: feiura, Bocaiuva, baiuca.

1.2.1 Prosódia

Prosódia é a correta acentuação das palavras. Por isso mesmo, a prosódia

88 • capítulo 3

ocupa-se da correta emissão de palavras quanto à posição da sílaba tônica, se-

gundo as normas da língua culta. Quando pronunciamos uma palavra com o

acento de intensidade colocado erroneamente em uma sílaba, temos um erro

prosódico ao qual se dá o nome de silabada. Vejamos alguns desses erros mais

comuns e sua correção.

Enquanto a prosódia refere-se à acentuação das sílabas nas palavras, a parte

da gramática que trata da pronúncia correta das palavras é a ortoepia. A orto-

epia determina como devemos pronunciar nitidamente as vogais, os ditongos,

os tritongos e os hiatos. Também orienta quanto à articulação ou pronúncia

adequada das consoantes e dos encontros consonantais.

Vejamos alguns erros mais comuns e sua correção.

1.2.1.1 Palavras oxítonas

Ruim (pronuncia-se “ru-ím”, evite pronunciar “rúim”); mister (como adjetivo

essa palavra significa “necessário”); condor (cuidado para pronunciar a palavra

como se fosse paroxítona); Nobel (é mais adequada a pronúncia como oxítona

e não como paroxítona); ureter (a prosódia dessa palavra é como oxítona e seu

plural é ureteres, ou seja, paroxítona).

1.2.1.2 Palavras paroxítonas

Acórdão (decisão judicial); âmbar; avaro (alguém que é usurário, avarento, pão-

duro); batavo (da Batávia, holandês); cânon (regra, norma); caracteres; clímax;

edito (mandado, ordem, decreto); fluido (substância líquida ou gasosa, não

pronuncie “fluído”); ibero (não pronuncie “íbero”); rubrica (é o mais adequado,

embora haja tendência para se aceitar “rúbrica”); têxtil; látex; xérox (também se

aceita “xerox’, ou seja, a pronúncia como oxítona).

1.2.1.3 Palavras proparoxítonas

Arquétipo (modelo, protótipo, exemplar); boêmia (evite pronunciar “boemia”);

estratégia; êxodo (saída, emigração); ínterim (cuidado para não dizer “interim”,

como se fosse oxítona); perífrase; réquiem.

capítulo 3 • 89

1.2.1.4 Algumas palavras que admitem dupla prosódia

Acróbata ou acrobata; Oceânia ou Oceania; projétil ou projetil; réptil ou

reptil; ortoépia ou ortoepia; hieróglifo ou hieróglifo.

Para saber mais sobre o assunto, veja em: http://www.coladaweb.com/por-

tugues/ortoepia-e-prosodia.

1.3 O novo Acordo Ortográfico

2Desde o início do século XX, tanto no Brasil quanto em Portugal, empre-

enderam-se esforços na busca de um modelo de ortografia que possibilitasse

a convergência ortográfica nas publicações oficiais e no ensino entre os dois

países. Em 1945, foi assinado um Acordo Ortográfico em Portugal, tornando-

se vigente apenas nesse país, pois o Brasil não ratificou o acordo, preferindo

manter o Vocabulário de 1943. Em 1986, teve lugar, no Brasil, nova tentativa de

uniformização, mas sem consenso.

Os princípios fonéticos e etimológicos correspondem, respectivamente, à fonética e à

etimologia. A fonética estuda os sons de uma língua, ou seja, os sons vocais em sua

natureza física e fisiológica. A etimologia ocupa-se do estudo da origem das palavras.

Em 1990, depois de um longo trabalho desenvolvido por representantes de

Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé

e Príncipe, chega-se ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ao qual Ti-

mor-Leste aderiu em 2004. O texto do acordo, no entanto, não entrou em vigor,

já que não foi ratificado. A CPLP (Comissão de Países de Língua Portuguesa),

tempos depois, decidiu que o acordo poderia entrar em vigor, caso três países

ratificassem o acordo. Como o Brasil ratificou-o em 2004 e Cabo Verde e São

Tomé e Príncipe, em 2006, ele já poderia tecnicamente ter entrado em vigor.

Portugal, depois de muito hesitar, aderiu ao acordo. A Assembleia da República

de Portugal ratificou o acordo em maio de 2008.

Agora, já estamos vivendo a vigência e aplicação do Novo Acordo Ortográfico,

embora haja um tempo de transição no qual convivem a antiga e a nova ortogra-

fia. Entre gramáticos e linguistas há opiniões e emoções tanto favoráveis quan-

2 O conteúdo sobre o Novo Acordo Ortográfico foi retirado de DALLIER, L. C. Comunicação e expressão. Ribeirão Preto: Uniseb, 2011, p. 150- 165.

90 • capítulo 3

to contrárias à vigência imediata do novo acordo. Embora alguns critiquem as-

pectos do texto do acordo e outros concordem com as mudanças propostas, há

uma atitude de cautela da parte de muitos estudiosos. A questão é basicamente

a seguinte:

Seria oportuno um acordo neste momento? Não há outras prioridades educa-

cionais com as quais o MEC deveria se preocupar?

Não é a intenção aqui apontar uma posição final sobre o assunto, nem mesmo

oferecer detalhada explicação de cada regra do novo acordo. O espaço aqui é mais

para introduzir o assunto e apresentar alguns pontos do novo acordo ortográfico.

CONEXÃO

No link a seguir, você poderá ler o texto do Acordo na íntegra: http://www.abril.com.br/arqui-

vo/acordo_ortografico.pdf

1- Proposta básica:

Unificação do idioma dos países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,

Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste

2- Alfabeto

COMO ERA NOVA REGRA COMO SERÁ

Formado por 23 letrasO alfabeto é formado por

26 letras

As letras K, W, Y fazem

parte do alfabeto

3- Abolição do trema

O novo acordo ortográfico suprimiu completamente o trema em palavras

portuguesas ou aportuguesadas, permanecendo apenas em palavras estrangei-

ras. Veja: linguiça, sequência, tranquilo, cinquenta, sagui, arguir, linguística.

4- Alterações no uso do hífen

Provavelmente é no emprego do hífen que reside a maior dificuldade quan-

to ao entendimento e aplicação das alterações do novo acordo ortográfico. Em

capítulo 3 • 91

muitos casos, o hífen foi abolido, em outros, ele passou a ser usado. Vejamos

então o que mudou e o que não foi alterado.

a) Uso do hífen com os prefixos: auto, contra, extra, infra, intra, neo, proto,

pseudo, semi, supra e ultra

Somente devemos usar o hífen se a palavra seguinte começar por “h” ou vo-

gal igual à vogal final do prefixo. Antes do acordo, também se usava hífen quan-

do a palavra seguinte começava por “h”, “r”, “s” e qualquer vogal. O novo acordo

mudou isso.

Também é importante atentar para o fato de que nas palavras que começam

com “r” ou “s”, além de não mais se usar o hífen, é preciso dobrar essas letras.

Auto-hipnose, auto-observação, autoadesivo, autoanálise, autobiografia, au-

toconfiança, autocontrole, autocrítica, autoescola, automedicação, autopeça,

autopiedade, autopromoção, autorretrato, autosserviço, autossuficiente, autos-

sustentável.

Contrabaixo, contraceptivo, contracheque, contradizer, contraespião, con-

trafilé, contragolpe, contraindicação, contramão, contraordem, contrapartida,

contrapeso, contraproposta, contrarreforma, contrassenso.

Extraconjugal, extracurricular, extraditar, extraescolar, extrajudicial, extra-

oficial, extraterrestre, extratropical.

Infracitado, infraestrutura, infraocular, infrarrenal, infrassom, infraverme-

lho, infravioleta.

Intracelular, intragrupal, intramolecular, intramuscular, intranet, intrao-

cular, intrarracial, intrauterino, intravenoso.

Neoacadêmico, neocolonialismo, neofascismo, neoirlandês, neoliberal,

neonatal, neorromântico, neossocialismo, neozelandês.

Protoevangelho, protagonista, protótipo, protozoário.

Pseudoartista, pseudocientífico, pseudoedema, pseudoproblema, pseudor-

rainha, pseudorrepresentação, pseudossábio.

Semiaberto, semialfabetizado, semiárido, semibreve, semicírculo, semi-

deus, semiescravidão, seminu, semirreta, semisselvagem, semitangente, semi-

úmido, semivogal.

Supracitado, supramencionado, suprapartidário, suprarrenal, suprassumo.

Ultracansado, ultraelevado, ultrafamoso, ultrajudicial, ultranacionalismo,

ultraoceânico, ultrapassagem, ultrarradical, ultrarromântico, ultrassensível,

ultrassom, ultrassonografia.

92 • capítulo 3

b) Com os prefixos ante, anti, arqui e sobre:

Somente usaremos hífen se a palavra seguinte começar com “h”ou vogal

igual à vogal final do prefixo. Pela regra antiga, também se usava o hífen quando

a palavra seguinte começava com “s” e “r”.

Antebraço, antecâmara, antediluviano, antegozar, ante-histórico, antemão,

anteontem, antepenúltimo, anteprojeto, anterrepublicano, antessala, antevés-

pera, antevisão.

Antiabortivo, antiácido, antiaéreo, antialérgico, anticoncepcional, antide-

pressivo, antigripal, anti-hemorrágico, anti-herói, anti-horário, antiimperialis-

mo, anti-inflacionário, antioxidante, antirrábico, antirradicalista, antissemita,

antissocial, antivírus.

Arquibancada, arquidiocese, arqui-hipérbole, arqui-inimigo, arquimilioná-

rio, arquirrival, arquissacerdotal.

Sobreaviso, sobrecapa, sobrecomum, sobrecoxa, sobre-erguer, sobre-huma-

no, sobreloja, sobremesa, sobrenatural, sobrenome, sobrepasso,sobrerrenal.

c) Com os prefixos hiper, inter e super:

Somente usaremos hífen se a palavra seguinte começar com “h” ou “r”.

Hiperativo, hiperglicemia, hiper-hidratação, hiper-humano, hiperinflação,

hipermercado, hiper-realismo, hiper-reativo, hipersensibilidade, hipertensão,

hipertrofia.

Interação, interativo, intercâmbio, intercessão, intercontinental, interdis-

ciplinar, interescolar, interestadual, interface, inter-helênico, inter-humano,

interlocutor, intermunicipal, inter-racial, inter-regional, inter-relação, interse-

ção, intertextualidade.

Superaquecido, supercampeão, supercílio, superdosagem, superfaturado,

super-habilidade, super-homem, superinvestidor, superleve, supermercado,

superlotado, super-reativo, super-requintado, supersecreto, supervalorizado.

d) Com o prefixo sub:

Somente usaremos hífen se a palavra seguinte começar com “b”, “h” ou “r”.

Subaquático, sub-base, subchefe, subclasse, subcomissão, subconjunto,

subdiretor, subdivisão, subeditor, subemprego, subentendido, subestimar,

subfaturado, subgrupo, sub-hepático, sub-humano (o VOLP admite também

capítulo 3 • 93

a forma “subumano” como exceção à regra.), subjugado, sublocação, sub-

mundo, subnutrido, submundo, suboficial, subprefeito, sub-raça, sub-reino,

sub-reitor, subseção, subsíndico, subsolo, subtítulo, subtotal.

e) Com o prefixo CO:

Somente usaremos hífen se a palavra seguinte começar com “h”.

Coautor, cofundador, co-herdeiro, cosseno, cotangente, coobrigação, coo-

cupante, cooperar, coordenar.

f) Alguns prefixos sempre serão seguidos de hífen. Confira:

Além: além-mar, além-túmulo.

Aquém: aquém-fronteiras, aquém-mar.

Bem: bem-amado, bem-querer (exceção: bendizer e benquisto).

Ex: ex-senador, ex-esposa.

Grã: grã-duquesa, grã-fino.

Grão: grão-duque, grão-mestre.

Pós: pós-moderno, pós-meridiano, pós-cabralino.

Pré: pré-nupcial, pré-estreia, pré-vestibular.

Pró: pró-britânico, pró-governo.

Recém: recém-chegado, recém-nascido, recém-nomeado.

Sem: sem-número (inúmeros), sem-terra, sem-teto, sem-vergonha.

Vice: vice-diretor, vice-governador.

Conforme o novo acordo, os pseudoprefixos ou prefixos falsos serão segui-

dos de hífen se a palavra seguinte começar por “h” ou por vogal igual à vogal

final do prefixo falso. Veja a lista.

AERO: aeroespacial, aeronave, aeroporto;

AGRO: agroindustrial;

ANFI: anfiartrose, anfíbio, anfiteatro;

AUDIO: audiograma, audiometria, audiovisual;

BI(S): bianual, bicampeão, bigamia, bisavô;

BIO: biodegradável, biofísica, biorritmo;

CARDIO: cardiopatia, cardiopulmonar;

CENTRO: centroavante, centromédio;

DE(S): desacerto, desarmonia, despercebido;

ELETRO: eletrocardiograma, eletrodoméstico;

ESTEREO: estereofônico, estereofotografia;

94 • capítulo 3

FOTO: fotogravura, fotomania, fotossíntese;

HIDRO: hidroavião, hidroelétrico;

MACRO: macroeconomia;

MAXI: maxidesvalorização;

MEGA: megaevento, megaempresário;

MICRO: microcomputador, micro-onda;

MINI: minidicionário, mini-hotel, minissaia;

MONO: monobloco, monossílabo;

MORFO: morfossintaxe, morfologia;

MOTO: motociclismo, motosserra;

MULTI: multicolorido, multissincronizado;

NEURO: neurocirurgião;

ONI: onipresente, onisciente;

ORTO: ortografia, ortopedia;

PARA: paramilitares, parapsicologia;

PLURI: plurianual;

PENTA: pentacampeão, pentassílabo;

PNEUMO: pneumotórax, pneumologia;

POLI: policromatismo, polissíndeto;

PSICO: psicolinguística, psicossocial;

QUADRI: quadrigêmeos;

RADIO: radioamador;

RE: reposição, rever, rerratificação;

RETRO: retroagir, retroprojetor;

SACRO: sacrossanto;

SOCIO: sociolinguístico, sociopolítico;

TELE: telecomunicações, televendas;

TERMO: termodinâmica, termoelétrica;

TETRA: tetracampeão, tetraplégico;

TRI: tridimensional, tricampeão;

UNI: unicelular;

ZOO: zootecnia, zoológico.

Confira, também, os casos em que o hífen deve continuar sendo usado:

• Para dividir sílabas: or-to-gra-fi-a, gra-má-ti-ca, ter-ra, per-do-o, ál-co-ol, ra

-i-nha, trans-for-mar, tran-sa-ção, su-bli-me, sub-li-nhar, rit-mo.

• Com pronomes enclíticos e mesoclíticos: encontrei-o, recebê-lo, reunimo-

capítulo 3 • 95

nos, encontraram-no, dar-lhe, tornar-se-á, realizar-se-ia.

• Antes de sufixos: (GU)AÇU, -MIRIM, -MOR: capim-açu, araçá-guaçu, araçá-

mirim, guarda-mor.

• Em compostos em que o primeiro elemento é forma apocopada (bel-, grã-

, grão- ...) ou verbal: bel-prazer, grã-fino, grão-duque, el-rei, arranha-céu, cata-

vento, quebra-mola, para-lama, beija-flor.

• Em nomes próprios compostos que se tornaram comuns: Santo-Antônio,

Dom-João, Gonçalo-Alves.

• Em nomes gentílicos: cabo-verdiano, porto-alegrense, espírito-santense,

mato-grossense.

• Em compostos em que o primeiro elemento é numeral: primeiro-ministro,

primeira-dama, segunda-feira.

• Em compostos homogêneos (dois adjetivos, dois verbos): técnico-científi-

co, luso-brasileiro, azul-claro, quebra-quebra, corre-corre.

• Em compostos de dois substantivos em que o segundo faz papel de adjeti-

vo: carro-bomba, bomba-relógio, laranja-lima, manga-rosa, tamanduá-bandei-

ra, caminhão-pipa.

• Em compostos em que os elementos, com sua estrutura e acento, perdem

a sua significação original e formam uma nova unidade semântica: copo-de-lei-

te, couve-flor, tenente-coronel, pé-frio.

(Fonte: O Globo apud DALLIER, 2011, p. 159-163)

Confira um quadro que sintetiza algumas das principais alterações:

HÍFEN

COMO ERA NOVA REGRA COMO SERÁ

Auto-afirmação

Infra-estrutura

Contra-exemplo

Sai a maioria dos hífens em

palavras compostas em que o

prefixo termina em vogal dife-

rente da vogal do segundo vo-

cábulo da palavra.

Autoafirmação

Infraestrutura

Contraexemplo

96 • capítulo 3

Ante-sala

Auto-retrato

Auto-sugestão

Anti-rugas

Contra-senso

Extra-regimento

Duplicam-se as consoantes

dos segundos elementos das

palavras compostas quando

começarem com: r, s e o prefi-

xo terminar em vogal.

Antessala

Contrarregra

Autossugestão

Antirrugas

Contrassenso

Extrarregimento

Microondas

Antiinflamatório

Microônibus

Em substantivos compostos

cuja última letra da primeira

palavra e a primeira letra da

palavra são a mesma, será fei-

ta a introdução do hífen. Assim

vira micro-ondas.

Micro-ondas

Anti-inflamatório

Micro-ônibus

Para-quedas

Para-choque

Manda-chuva

Não se emprega hífen nos

compostos que de certo modo

perderam a noção de compo-

sição.

Paraquedas

Para-choque

M andachuva

1.4 Regras ortográficas

Vogais átonas: uso do “e” e do “i”:

Deve-se escrever com e, antes de vogal ou ditongo da sílaba mais forte, a pa-

lavra que é derivada de outra terminada em “e” acentuado: guineense (de Gui-

né); poleame e poleeiro (de polé); galeão (de galé).

Devem-se escrever com “i”, antes da sílaba tônica (a mais forte da palavra),

os substantivos e adjetivos que derivam de outras palavras e que tenham o sufi-

xo -iano e -iense: acriano (Acre); torriense (Torres).

Uso da vogal “e”

Os verbos terminados em –OAR e –UAR devem ser escritos com “e” no sin-

gular do presente do subjuntivo: abençoe, abençoes, abençoe; acentue, acen-

tues, acentue.

capítulo 3 • 97

Os substantivos e adjetivos que estão relacionados com substantivos que

apresentam a terminação –EIA apresentam a vogal “e”: baleeiro (baleia); can-

deeiro (candeia); traqueano (traqueia).

Geralmente, os ditongos nasais apresentem o “e”: cães; escrivães; mãe;

pães; pões.

Uso da vogal “i”

Os verbos terminados em –UIR devem ser escritos com “i” na 2ª e 3ª pessoas

do singular do presente do indicativo: possuis, possuis; contribuis, contribui.

Atente para algumas formas do presente do indicativo e do subjuntivo dos

verbos terminados em –EAR: receio, receias, receie, receia, receamos, receais,

receiam; passeie, passeies, passeie, passeemos, passeeis, passeiem.

Muita atenção para os verbos mediar, ansiar, remediar, incendiar e odiar:

medeie, medeies, medeie, mediemos, medieis, medeiem; anseio, anseias, an-

seia, ansiamos, ansiais, anseiam.

Uso da letra “g”

O “g” está presente nas seguintes terminações: -ágio, -égio, ígio, -ógio, -úgio,

-agem, -igem, -ege, -ugem.

Exemplos: adágio, egrégio, prodígio, relógio, refúgio, plumagem, fuligem,

herege, ferrugem.

Exceções: pajem e lambujem.

Emprega-se, geralmente, a letra “g” depois de “r”. Veja alguns exemplos:

divergir, submergir, ressurgir.

Mas nem sempre é assim: gorjeta, sarjeta, gorjeio.

Atente para as seguintes palavras que também apresentam a letra g: aborí-

gine, agilidade, algema, apogeu, argila, bege, bugiganga, cogitar, fugir, geada,

gesto, higiene, monge, tigela, vagem.

Uso da letra “j”

Palavras que são derivadas de outras palavras que também apresentam a le-

tra “j”: anjinho (anjo); canjica (canja;) gorjear, gorjeio, gorjeta (gorja); cerejeira

(cereja); laranjeira (laranja), lisonjear, lisonjeiro (lisonja); lojinha, lojista (loja);

98 • capítulo 3

nojento (nojo); sarjeta (sarja); enrijecer (rijo); varejista (varejo).

Usa-se o “j” na terminação –AJE: laje, traje, ultraje.

Nas formas dos verbos terminados em –jar: arranjar (arranjo, arranje, arran-

jem); despejar (despejo, despejem), enferrujar (enferrujem), viajar (viajo, viaje,

viajem). Atenção: viagem é substantivo e não verbo.

Em palavras de origem tupi, africana, árabe ou exótica.também encontra-

mos o “j”: jiboia, pajé, jirau, alforje, canjica, jerico, manjericão, Moji.

Fique atentos às seguintes palavras que também apresentam o “j”: berin-

jela, cafajeste, granja, jejum, jerimum, jérsei, jiló, majestade, objeção, ojeriza,

projétil, rejeição, trejeito.

Emprego da letra “s”

A letra “s” terá som de “z” quando estiver entre vogais. Dizemos que, nesse

caso, a letra “s” intervocálica representa o fonema /z/.

Veja alguns casos em que se usa a letra “s”.

Temos o “s” nas palavras derivadas de outras em que já existe “s”: casa (casi-

nha, casebre, casarão); divisa (divisar); paralisia (paralisar); liso (lisinho, alisa-

do, alisador); análise (analisar, analisador, analisante).

Empregamos o “s” nas palavras que apresentam os seguintes sufixos:

a) -ês, -esa: (indicando nacionalidade, título, origem): português, portugue-

sa; marquês, marquesa; burguês, burguesa; duquesa, baronesa;

b) -ense, -oso, -osa (formadores de adjetivos): caldense, catarinense, amoro-

so, amorosa, gasoso, gasosa, espalhafatoso;

c) -isa (ocupação feminina): poetisa, profetisa, sacerdotisa, pitonisa.

Após ditongos devemos sempre escrever com “s”: lousa, coisa, causa, au-

sência, náusea.

Tenha muito cuidado com as formas do verbo pôr (e derivados) e querer.

Sempre serão escritas com s: pus, pusera, puséssemos, repusera, quis, quisera,

quiséssemos, quisesse.

Atenção para as seguintes palavras: abuso, aliás, anis, asilo, atrás, através,

bis, brasa, evasão, extravasar, fusível, hesitar, lilás, maisena, obsessão (diferen-

temente de obcecado), usura, vaso.

Uso de “ss”

Devemos escrever com “ss” os substantivos formados a partir de verbos que

têm o radical terminado em –ced, -gred, -prim e –met:

capítulo 3 • 99

intercessão (interceder), retrocesso (retroceder), concessão (conceder),

agressão (agredir), supressão (suprimir), intromissão (intrometer).

Substantivos cujos verbos cognatos terminam em –tir também apresentam

“ss”: admissão (admitir), discussão (discutir).

Emprego da letra “z”

Usamos a letra “z” nas palavras derivadas de outras em que já existe “z”: des-

lize (deslizar, deslizante); razão (razoável, arrazoado, arrazoar); raiz (enraizar).

Nos seguintes sufixos também empregamos a letra z:

a) -ez, -eza (substantivos abstratos a partir de adjetivos): rijeza (rijo); rigidez

(rígido); nobreza (nobre), surdez (surdo); invalidez (inválido).

b) -izar (verbos) e –ização (substantivos): civilizar, civilização; colonizar, co-

lonização; hospitalizar, hospitalização. Atenção: pesquisar, analisar, avisar.

Fique atento à grafia correta das seguintes palavras: assaz, batizar (batis-

mo), buzina, catequizar (catequese), coalizão, cuscuz, giz, gozo, prazeroso, va-

zar, verniz.

Observe ainda estas palavras: ascensão, pretensão, extensão, concessão, ex-

cesso, excessivo, abstenção, ascensorista, rescisão, oscilar, expor, extravagante,

exceção, exceder, excitar.

Uso da letra “x” e do dígrafo “ch”

Geralmente usa-se “x” depois de ditongo: ameixa, caixa, feixe, frouxo, baixo,

rebaixar, paixão. Exceção: recauchutar, recauchutagem, recauchutadora.

Após “en” no início de palavras, usa-se “x”: enxada, enxaqueca, enxerido,

enxame, enxovalho, enxugar, enxurrada. Fique atento às palavras que fogem à

regra por serem derivadas de outras que apresentam “ch”. É o caso de enchen-

te e encher que derivam de cheio. A mesma coisa acontece com encharcar (de

charco) e enchiqueirar (de chiqueiro).

Após “me” no início de palavras, também se usa “x”: mexer, mexerica, mexe-

rico, mexilhão, mexicano. A exceção é mecha.

Há várias palavras de origem indígena, africana e inglesa que apresentam

“x”: xavante, xingar, xique-xique, xará, xerife, xampu.

O dígrafo “ch” usa-se nas seguintes palavras: arrocho, apetrecho, bochecha,

brecha, broche, chalé (diferentemente de xale), chicória, cachimbo, comicchão,

chope, chuchu, chute, deboche, fachada, flecha, linchar, mochila, pechincha,

piche, pichar, salsicha.

100 • capítulo 3

1.5 A crase

A crase é o nome que se dá ao processo de fusão de dois “as”, o artigo e a pre-

posição. Para saber quando usá-la, basta verificar a regência de nomes e verbos

que exigem a preposição “a” e verificar se seus complementos aceitam o uso do

artigo feminino; se houver tal contração, a crase ocorrerá. A crase é marcada

pelo acento grave.

Não ocorre crase antes de verbo, numeral ou qualquer outra palavra mascu-

lina porque eles não admitem o artigo “a”!

Uma boa dica para aplicar a regra geral é a seguinte: se você puder substituir

o termo regido feminino por um masculino e ele for introduzido por “ao”, na

expressão feminina haverá a crase, observe:

Fui à igreja. Assisti à peça.

Fui ao parque. Assisti ao filme.

Quando se trata do uso do acento grave antes de nomes próprios geográfi-

cos, substitui-se o verbo da frase pelo verbo “vir” ou “voltar”. Caso resulte na

expressão “voltar da”, “vir da”, há a confirmação da crase.

Exemplos:

• Vou à Bahia.

• Volto da Bahia. Venho da Bahia (crase confirmada).

• Vou a Roma.

• Volto de Roma, Venho de Roma.

Há inclusive um famoso jingle para lembrar-se da regra: “Venho da,

crase há, venho de, crase pra quê?”. Essas são as duas regras gerais, os casos

específicos e exceções serão abordados em momento oportuno do curso.

Vejamos um quadro que orienta o uso da crase.3

1º caso: A palavra da esquerda pede a preposição a e a palavra da direita

pode ter o artigo “a”.

• O gerente referiu-se à secretária. # referiu-se a + a secretária

• Referia-me à professora. # referia-me a + a professora

3 Este quadro foi retirado de DALLIER, L. C. Comunicação e expressão. Ribeirão Preto: Uniseb, 2011, p. 161

capítulo 3 • 101

• O diretor dirigiu-se à recepção. # dirigiu-se a + a recepção

• O funcionário prestou atenção à explicação. # prestou atenção a + a explica-

ção

• Ele chegou atrasado devido à chuva. # devido a + a chuva

• Quanto à dívida, está tudo certo. # quanto a + a dívida

• Em relação à reunião, participaremos. # em relação a + a reunião

Observe: se a palavra da direita for masculina, não haverá crase.

• referiu-se a + o diretor # referiu-se ao diretor

• dirigiu-se a + o balcão # dirigiu-se ao balcão

• quanto a + o pagamento # quanto ao pagamento

• devido a + o trânsito # devido ao trânsito

Atenção: antes de pronomes pessoais femininos e pronomes indefinidos,

não ocorrerá crase.

• Dirigia-me a ela.

• Referia-me a alguém.

• Falei a algumas pessoas.

2º caso: Usa-se o sinal indicativo de crase nas expressões formadas por pa-

lavras femininas.

Veja os exemplos:

• A sala ficou às escuras. # palavra feminina

• Fique à vontade. # palavra feminina

• Ele andou às cegas. # palavra feminina

• O vendedor seguia tudo à risca # palavra feminina

• Fui atender o cliente às pressas. # palavra feminina

• Estava à espera de você.

• Não ando à toa por aí.

• Estávamos à beira da falência.

Nesses casos, você não enxergará a fusão dos dois as. No entanto, sempre

que for uma expressão, isto é, um conjunto, formado por palavra feminina, não

tenha dúvida, haverá crase.

Uso da crase nas expressões formadas por horas e dias

Deve ser seguido o mesmo princípio das expressões formadas por palavras fe-

102 • capítulo 3

mininas, porém não se deve craseá-las quando já houver uma preposição antes.

• A reunião será às 16 horas.

• A reunião vai das 15 às 16 horas.

• A reunião vai de 15 a 16 horas.

• A reunião está marcada para as 16 horas.

• O contrato será assinado entre as 14 e as 15 horas.

• Da segunda à sexta-feira

• De segunda a sexta-feira.

Também ocorre o acento agudo na contração da preposição “a” com os pro-

nomes demonstrativos aquele, aquela e aquilo. Veja os exemplos.

• Referia-me àquele passageiro sentado na primeira fila.

• Enviei o cliente àquela empresa mencionada em nossa conversa.

• Falei àqueles funcionários tudo que sabia.

• Ele referia-se àquilo.

1.6 O internetês e a ortografia

O surgimento da internet revolucionou muitas áreas na sociedade, princi-

palmente ao quebrar barreiras geográficas e ao divulgar informações em tempo

real. Assim, acabou alterando comportamentos, modos de vida e até a lingua-

gem das pessoas. Gonzalez (2007, p. 11), ao ressaltar as modificações advindas

do fenômeno mundial, explica que:

Dentre as múltiplas vantagens e novidades advindas da globalização virtual, a lingua-

gem escrita - fonte principal de comunicação - não poderia permanecer incólume:

novas palavras e expressões foram sendo inseridas no vocabulário de usuários da

rede, atribuídas ao constante uso dos computadores e à busca de uma forma mais

ágil de expressão.

Algumas das mudanças ocorridas na linguagem usada na internet (em blo-

gs, chats, e-mails, redes sociais etc.), conhecida como “internetês”, e ampla-

mente divulgada entre os adolescentes são: novos sentidos a termos tradicio-

nais da língua; introdução de neologismos e estrangeirismos; abreviação de

palavras (para agilidade e rapidez na comunicação), troca da acentuação pela

letra “h” (“eh” ao invés de “é”), uso de emoticons etc. Veja alguns exemplos:

capítulo 3 • 103

“hj, to em kza e c sds, qro mto q vc resp m msg, fmz?”

A “tradução” é: “Hoje, estou em casa e com saudades, quero muito que você

responda minha mensagem, firmeza?”

Vc quer tuitar? Eu axo q seria legal ixcrever sobre a vida!

Tradução: “Você quer tuitar? Eu acho que seria legal escrever sobre a vida!”

Emoticons: amplamente usados no internetês e recomendado pela “netiqueta”.

INTERNETÊS TRADUÇÃOvc, vs você

xau tchau

Kbça cabeça

ñ, naum não

jg jogo

hj, oj hoje

blz, bls beleza

aki, aqi aqui

ksa casa

q que

104 • capítulo 3

eh é

axo acho

kkk, shuashuahsuas, rsrsrsrs,

aosksaoksrisadas

INTERNETÊS TRADUÇÃOfmz firmeza

ag agora

abç abraço

vlw valeu

flw falou

9da10 novidades

t+ até mais

k cá

p para

s sim

fla fala

d de

bj, bjos, bjok, bjç, bjo, bju beijo, beijos

Como se observa na tabela, o internetês caracteriza-se não só pela comu-

nicação rápida, instantânea e abreviada, uso de emoticons, mas também pela

despreocupação com as normas ortográficas e gramaticais da língua, o que não

deve ser motivo de preocupação.

capítulo 3 • 105

Até mesmo as crianças têm acesso fácil à internet

e entram em contato com o “internetês”

Em (A), “td” significa: “tudo”; em (B): todo; em (C): toda; em (D): todos e em

(E) todas.

O maior problema do internetês não são as abreviações, o risco de influen-

ciar a linguagem escrita etc., mas sim o seu uso em contextos inapropriados.

Maia (online) é categórico ao afirmar:

Usar o “internetês” num ambiente formal é tão desastroso quanto usar a norma culta

em um diálogo livre pelas redes sociais. Os padrões gramaticais são importantes. E pre-

cisamos preservá-los para efetivar a formalidade e manter o aspecto cultural do idioma.

Contudo, exaltar a criatividade linguística dos usuários é dizer um sonoro SIM para a

vida de um idioma. A Língua Portuguesa normativa deve ser usada no momento ade-

quado; e o “internetês”, também!

Deve ficar claro que em contextos informais, como em redes sociais, apli-

cativos como Whats App, não é proibido o uso do “internetês”, entretanto, não

confunda o “internetês”, que abrevia palavras com uma linguagem truncada,

sem sentido, com desvios ortográficos e outros que dificultam o entendimento.

106 • capítulo 3

Também deve-se frisar que embora não se condene seu uso nessas situações

informais, em ambientes acadêmicos, profissionais e outros formais, o “inter-

netês” deverá ser evitado.

CURIOSIDADE

Há diferentes versões do internetês, como por exemplo, o Miguxês, a língua dos “xis”, que

imita a linguagem de uma criança, como por exemplo, “xou xiki” (sou chique).

Essas informações ilustram o fato de que o internetês, ao abreviar, omitir

as vogais, não fere a ortografia no sentido de trocar letras, como “s” no lugar

de “z”, “g” no lugar de “j” etc. Escrever “Vamos fujir” nada tem a ver com inter-

netês, mas sim com desvio ortográfico. Como você já conhece a importância

do uso do português padrão nos contextos formais, passamos, agora, a listar

algumas regras de ortografia.

1.7 Importância da escrita para o mercado do trabalho

Assim como a aparência pode causar uma boa ou má impressão inicial, a lin-

guagem também acarreta juízos de valor sobre as pessoas. É comum ouvirmos:

“se ele não sabe nem falar, como quer trabalhar?” Portanto, o uso que se faz da

língua é de suma importância para os indivíduos na sociedade moderna. Uma

pessoa que não se expressa bem oralmente ou por escrito pode ter seu desempe-

nho profissional e pessoal prejudicado. Além disso, a linguagem padrão e cortês

evita desconfortos e desentendimentos entre colegas de trabalho e familiares.

Deve-se ter muita cautela ao escrever, pois, a ausência do contexto, das ex-

pressões faciais, a forma como se escreve (em caixa alta, excesso de pontos de

interrogação, por exemplo) pode parecer deselegante e grosseira e causar atri-

to entre emissor e receptor. Minucci (1995, p.260 apud TOMASI e MEDEIROS,

2014, p. 72) adverte que “a palavra escrita é muito mais agressiva do que uma

comunicação a dois, face a face. Uma pessoa poderá rejeitar uma mensagem

crítica por escrito e aceitá-la oralmente.”Observe a seguinte situação: Um chefe

de departamento de RH havia solicitado ao gestor de sua equipe que deixasse

em sua pasta um relatório sobre as diárias concedidas no mês. Porém, o funcio-

nário era novo, não conhecia muito bem os procedimentos, nem tinha muito

contato com o chefe do departamento. Em um encontro informal, o chefe co-

capítulo 3 • 107

brou o funcionário e ele então redigiu o documento e o colocou no arquivo do

superior, tal como este havia solicitado. Entretanto, o chefe não encontrou o

documento e redigiu a seguinte mensagem:

“Cadê o relatório q era para estar no meu arquivo??”

O subordinado sentiu-se ofendido com o tom da cobrança e com tamanha

informalidade, pois não possuía intimidade com o chefe e assim, passou a ter

certa antipatia por ele. O chefe deveria ter sido mais cortês e polido ao escre-

ver para evitar esse constrangimento com o funcionário. Tal clima negativo é

muito ruim para o ambiente profissional e prejudica o trabalho no cotidiano.

Tal equívoco teria sido evitado se o chefe tivesse usado uma linguagem mais

formal, polida e cortês, como por exemplo:

“Bom dia, prezado Silva,

Preciso do relatório com urgência; ele já deveria estar em meus arquivos.

Envie-o o mais breve possível,

Atenciosamente”

Em relação a esse aspecto, Tomasi e Medeiros (2014, p. 69) explica o seguinte:

Nunca é demais lembrar que a eficácia de uma comunicação depende da definição

dos objetivos, da capacidade de codificação, da capacidade de empatia, da capacida-

de de compreender o ambiente. Quanto maior o entrosamento de gerente e subordi-

nados, maior a possibilidade de eficácia da comunicação.

Vale, ainda, destacar o conceito de “empatia” apresentado por Minucci

(1995, apud TOMASI e MEDEIROS, 2014, p. 69): “é a habilidade de se colocar no

lugar dos outros e assim compreender melhor o que as outras pessoas sentem

e estão procurando dizer-nos.”

Outro aspecto, além da cortesia, elegância, impessoalidade é o cumprimen-

to da norma padrão, pois se alguém escreve em desacordo com a norma, não

será respeitado nem transmitirá credibilidade aos colegas. Há muitos relatos

de prejuízo na informação, ineficácia e perda de tempo devido a desvios grama-

ticais. Em um desses relatos, um diretor financeiro de uma empresa multina-

cional expressava sua indignação com o fato de um advogado não usar a pon-

tuação adequadamente. Para ele, isso é inadmissível para uma pessoa formada

em uma área na qual a comunicação é essencial. Desvios como pontuação ina-

108 • capítulo 3

dequada, falta de acentuação, prolixidade, problemas de coesão e outros não

são aceitáveis na linguagem organizacional. Observe a frase:

“Gostaria de saber se o senhor pode comparecer à reunião.”

Nela, o emissor não está perguntando, embora o questionamento esteja im-

plícito, ele está afirmando que gostaria de confirmar a presença; é diferente de

perguntar diretamente, como na frase abaixo:

“O senhor poderá comparecer à reunião?”

Essas informações ilustram a importância de uma boa comunicação no

mercado de trabalho. Assim, finalizamos essa seção com mais uma citação de

Tomasi e Medeiros (2014, p. 75-76):

A comunicação interna ocupa-se de gerar consentimento e produzir aceitação. A

comunicação é essencial para encaminhar soluções e atingir metas preestabelecidas.

Seu objetivo é contribuir para a consecução de um clima positivo, favorável ao cumpri-

mento das metas da organização, ao crescimento e realização do lucro.

São preocupações ainda das comunicações internas: (a) estimular e integrar o cor-

po funcional, estabelecendo mecanismos de informação e persuasão; (b) criar clima

favorável à mudança, quando necessário, tornando a empresa sensível às mudanças

exigidas pela realidade; [...] No âmbito das emoções, as comunicações internas têm

um grande serviço a apresentar: estimular, integrar, criar clima organizacional favorá-

vel, integrar áreas, departamentos, gerências e promover o sucesso pessoal.

ATIVIDADE

1- As frases a seguir apresentam desvios da norma padrão, os chamados “erros”. Reescreva

-as, fazendo as alterações para que fiquem de acordo com o padrão.

a) Atuo no setor de controladoria a 15 anos.

b) O material da apresentação será a cores.

c) O serviço engloba a entrega a domicílio.

d) A longo prazo, serão necessárias mudanças.

e) A nível de reconhecimento de nossos clientes atingimos nosso objetivo.

f) À partir de novembro, estarei de férias.

g) O diretor chegará daqui há pouco.

h) Vamos vender à prazo.

capítulo 3 • 109

i) José, residente à rua Estados Unidos, era um cliente fiel.

j) O pagamento foi feito a vista.

k) O móvel não se adequa à sala.

l) Agradecemos pela preferência.

m) Aluga-se apartamentos.

n) Segue anexo a carta de apresentação.

o) Ao invés de comprar carros, compraremos caminhões para aumentar nossa frota.

p) Não sei aonde fica a sala do diretor.

q) Ao meu ver, a reunião foi um sucesso.

r) Fui avisada através de um e-mail de que a reunião está cancelada.

s) Precisamos aumentar ainda mais os lucros.

t) Eles leram o relatório bastante vezes 4

REFLEXÃO

Neste capítulo, estudamos algumas normas do português padrão (acentuação, pontuação,

ortografia etc.) essenciais para uma comunicação formal, como no mundo do trabalho, por

exemplo. Tanto que revistas de negócios e carreiras, como a Exame (online), por exemplo,

advertem: “Tropeçar no português pode prejudicar a sua carreira. Mas é certo também que

há erros que saltam aos olhos e há aqueles que quase passam despercebidos.” O problema

não está somente nos desvios à norma, tradicionalmente intitulados de “erros”, mas também

na forma como se elabora a mensagem. Um texto mal redigido, prolixo ou grosseiro pode não

comunicar e, ainda mais, causar indisposição entre os funcionários. Portanto, pense antes de

escrever ou falar, revise seu texto e seja gentil!

LEITURA

Para conhecer mais regras e normas do padrão, leiam os livros indicados a seguir, escritos

por autores que são professores desta disciplina:

MORENO, Cláudio. Guia prático do português correto. Porto Alegre: L&PM Pocket, 4 volu-

mes, 2005.

PIACENTINI, Maria Tereza de Queiroz. Manual da boa escrita: vírgula, crase, palavras com-

4 Exercícios adaptados da reportagem: “100 erros de português frequentes no mundo corporativo”. Disponível em:<http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/100-erros-de-portugues-frequentes-no-mundo-corporativo>

110 • capítulo 3

postas. Rio de Janeiro: Lexikon, 2014.

SILVA, Deonísio da. A língua nossa de cada dia: como ler, escrever e comunicar-se com ele-

gância e simplicidade. São Paulo: Novo Século, 2007.

SILVA, Sérgio Duarte Nogueira da. Português no dia a dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

CEGALLA, D. P. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 2008.

CUNHA, C.; CINTRA, L. F. L. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 2. ed. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

DALLIER, L. C. Comunicação e expressão. Ribeirão Preto: UNISEB, 2011.

GOLD, Miriam. Redação empresarial: escrevendo com sucesso na era da globalização. 2. ed.

São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2002.

GONZALEZ, Z. M. G. Linguística de corpus na análise do internetês. Dissertação. 123fls. São

Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), 2007.

TOMASI, C. MEDEIROS, J. B. Comunicação empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

ANOTAÇÕES

A estrutura do parágrafo, a coesão

e a coerência

4

112 • capítulo 4

Apresentação do capítulo

O que é necessário para escrever bem? Você já deve ter feito essa pergunta

a alguém! Muitos pré-requisitos são necessários, mas neste capítulo evidencia-

remos alguns dos mais básicos, as qualidades essenciais a textos referenciais,

como clareza, concisão, objetividade, coesão e coerência.

OBJETIVOS

• Analisar a estrutura do parágrafo;

• Observar como se constrói um tópico;

• Depreender o conceito e os mecanismos de coesão;

• Averiguar como se constrói a coerência no texto.

REFLEXÃO

Você se lembra?

Você deve se lembrar do famoso “branco” que costuma nos acometer quan-

do temos de redigir um texto. Muita gente não sabe como iniciar e estruturar

um parágrafo. Também já deve ter ouvido algo semelhante a: “Nossa, fulano

foi incoerente”, isto é, agiu de uma forma contraditória, sem sentido. A noção

de coerência é essencial tanto para interpretar um texto, como para produzi-lo.

Neste capítulo, você aprenderá a desenvolver um parágrafo, tendo em mente a

correlação entre a coesão e a coerência.

1.1 A estrutura do parágrafo

Othon M. Garcia (2010, p. 219) explica que “o parágrafo é uma unidade de

composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve

determinada ideia central, ou nuclear, a que se agregam outras, secundárias,

intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela.” O

estudioso ressalta que nem sempre o parágrafo se estrutura dessa forma, pois

dependendo do gênero textual, do assunto, da intenção do autor e de outros fa-

tores, pode ser concretizado de maneira distinta. Porém, independentemente

capítulo 4 • 113

das variações individuais de estilo, das características específicas de cada au-

tor, das idiossincrasias, Garcia (2010) apresenta três características básicas do

parágrafo “prototípico”, isto é, o tradicional, modelar: “o afastamento, a exten-

são e a estrutura”. Em relação a elas, afirma que:

a) o parágrafo é marcado por um ligeiro afastamento da margem esquerda

da folha, o que facilita ao “escritor a tarefa de isolar e depois ajustar convenien-

temente as ideias principais da sua composição, permitindo ao leitor acompa-

nhar-lhes o desenvolvimento nos seus diferentes estágios” (2010, p. 220);

b) a extensão não delimita o parágrafo, já que é variada (pode haver pará-

grafos de duas linhas, três ou de uma página inteira); assim, o que delimita o

parágrafo é a “ideia central”. Em conversas espontâneas, cartas comerciais, su-

mários, conclusões, alíneas de leis, decretos e recomendações, os parágrafos

costumam ser curtos devido à brevidade do assunto.

c) a estrutura do parágrafo padrão é constituída de três partes: a “introdu-

ção”: um ou dois períodos curtos iniciais que veiculam a ideia-núcleo de forma

resumida e sintética; “o desenvolvimento”: explanação dessa ideia-núcleo; e a

conclusão, que comumente não ocorre nos parágrafos cuja ideia central é de

menor complexidade.

REFLEXÃO

Aqui vale relembrar a diferença entre frase, oração e período.

Para Othon Moacir Garcia (2010, p. 32), “frase é todo enunciado capaz de por si só esta-

belecer comunicação, podendo expressar um juízo, indicar uma ação, estado ou fenômeno,

transmitir um apelo, uma ordem, um conselho. Por encerrar um pensamento completo, ter-

mina sempre por um ponto, ponto de exclamação, ponto de interrogação ou reticências”.

A oração caracteriza-se sintaticamente pela presença obrigatória de um predicado, função

preenchida por um verbo. Período é a organização de palavras de modo que expressem o

nosso pensamento. É a frase sintaticamente estruturada em torno de um ou vários verbos.

A passagem de um período para outro é marcada por ponto ( . ), ponto de exclamação ( ! ),

ponto de interrogação ( ? ). Tanto a frase quanto o período devem ter sentido completo. A

diferença é que a frase não necessariamente necessita de verbo (frases de situação e frases

nominais), mas o período obrigatoriamente precisa de um verbo em sua estrutura. O período

simples é constituído de uma só oração, isto é, possui somente um verbo em sua estrutura.

Já o composto é constituído de duas ou mais orações, ou seja, possui dois ou mais verbos.

114 • capítulo 4

Em: “É hora do café”, tem-se uma frase, pois há o sentido completo, uma oração e um perí-

odo simples, pois há um verbo. Se estivesse escrito apenas: “Hora do café”, seria somente

frase, não oração.

Em relação ao assunto desenvolvido na estrutura modelar do parágrafo,

Garcia (idem) esclarece que o “tópico frasal” é constituído de um ou dois pará-

grafos curtos e traz a ideia-núcleo de forma concisa. Destaca-se que a definição

de “tópico-frasal”, dada pelo autor, é semelhante à de “introdução”. Embora as

pesquisas feitas pelo autor demonstrem ser essa uma construção predominan-

te, nem sempre o tópico frasal apresenta essa característica, pois pode estar

diluído no parágrafo.

Othon Garcia (2010, p. 224) recomenda iniciar o parágrafo por meio de

um “tópico frasal” porque muitas vezes o estudante não sabe como começar

um texto e o “tópico frasal” facilita essa tarefa, pois sintetiza seu pensamento.

Ressalta ainda que existem diferentes modos de construir o tópico frasal e de-

monstra alguns deles por meio de exemplos:

a) Declaração inicial: observe, a seguir, um exemplo de parágrafo iniciado

por “declaração inicial”, que o autor reproduz.

capítulo 4 • 115

Vivemos numa época de ímpetos. A vontade, divinizada, afirma sua preponderância,

para desencadear ou encadear; o delírio fascista ou o torpor marxista são expressões

pouco diferentes do mesmo império da vontade. À realidade substitui-se o dinamismo;

à inteligência substitui-se o gesto e o grito; e na mesma linha desse dinamismo estão

os amadores das imprecações e os amadores de mordaças (...) (CORÇÃO, 1985, p. 84

apud GARCIA, 2010, p. 224).

O parágrafo de “Corção”, apresentado por Garcia, começa com uma “decla-

ração inicial” (afirmação ou negação de algo seguida de uma justificativa ou

fundamentação: argumentos, como exemplos, analogias, confrontos, restri-

ções, etc.). A declaração inicial sucinta feita por Corção é “Vivemos numa época

de ímpetos”, fundamentada por exemplos e pormenores: “o delírio fascista ou

o torpor marxista, império da vontade, dinamismo, gesto, grito, imprecações”

(termos que sugerem a ideia de “ímpeto”) (GARCIA, 2010, p. 225).

A declaração inicial, salienta Garcia, pode aparecer de forma negativa, se-

guida de contestação ou confirmação, como, por exemplo: “Não há sofrimento

mais confrangente que o da privação da justiça”.

b) Definição: apresenta-se um conceito, assunto, problema explicando-o de

forma didática, denotativa ou científica; trata-se de um método preferencial-

mente didático, como ocorre em:

Estilo é a expressão literária de ideias ou sentimentos. Resulta de um conjunto de

dotes externos ou internos, que se fundem num todo harmônico e se manifestam por

modalidades de expressão a que se dá o nome de figuras. (MAGNE, 1953, p. 39, apud

GARCIA, 2010, p. 225)

c) Divisão: de forma clara, concisa e objetiva, apresenta o tópico frasal dis-

criminando as ideias:

116 • capítulo 4

O silogismo divide-se em simples e silogismo composto (isto é, feito de vários silogis-

mos explícita ou implicitamente formulados). Distinguem-se quatro espécies de silogis-

mos compostos (...) (MARITAIN, 1962, p. 246, apud GARCIA, 2010, p. 225)

Garcia ainda cita outras maneiras de se iniciar o tópico frasal, como por

exemplo, “a alusão histórica” e a “interrogação”, comuns em textos dissertati-

vos/opinativos, e “omissão de dados identificadores num texto narrativo”, co-

mum em contos, novelas e outros gêneros narrativos. Nestes, é comum a omis-

são de dados sobre a personagem como estratégia para despertar a atenção do

leitor. A título de exemplo, cita Carlos Drummond de Andrade, que habilmente

cativa a expectativa do leitor omitindo quem é a personagem, expondo apenas

os fatos a ela relacionados no trecho: “Vai chegar dentro de poucos dias. Grande

e boticelesca figura, mas passará despercebida. Não terá fotógrafos à espera, no

Galeão. Ninguém, por mais afoito que seja, saberá prestar-lhe essa homenagem

epitelial e difusa, que tanto assustou Ava Gardner.” (apud GARCIA, 2010, p. 227).

Os dois esses entrelaçados são o símbolo do parágrafo.

1.2 As qualidades do parágrafo

Garcia (2010, p. 267) destaca que a correção gramatical é uma das

qualidades mais importantes em um texto; porém, os maiores problemas dos

capítulo 4 • 117

textos de estudantes de ensino fundamental e médio decorrem da estrutura,

da coesão e da coerência. “Quando o estudante aprende a concatenar ideias, a

estabelecer suas relações de dependência, expondo seu pensamento de modo

claro, coerente e objetivo, a forma gramatical vem com um mínimo de erros

que não chegam a invalidar a redação.” (idem). Note que ele não afirma que

a correção gramatical não seja importante; contudo, igualmente essencial é a

relação entre as ideias, a unidade do texto, a coesão e a coerência.

De acordo com Garcia, a “unidade” de sentido em um texto pode ser obtida

por meio do tópico frasal. Ela consiste em apresentar uma informação de cada

vez, excluindo-se o que é supérfluo ou não ligado à ideia principal do parágrafo.

Coerência e coesão são termos distintos. Um texto pode ter coesão (tem a ver

com a estrutura linguística, os conectores), mas faltar-lhe coerência (tem a ver

com as ideias, relação lógica).

Dependendo da forma como se usam conjunções, advérbios, locuções ad-

verbiais, numerais, pronomes e outros termos conectivos, principalmente em

textos referenciais (em gêneros como artigos científicos; artigos de opinião; car-

tas comerciais, notícias etc.), o texto pode ou não ficar coerente. Já nos textos

literários, a coesão e a coerência podem ligar-se a aspectos externos ao texto.

Observe a ambiguidade presente na frase devido a uma má estruturação: “João

pediu a Paulo para assinar o documento”. Da maneira como foi escrita, pode

haver duas interpretações: João pediu a Paulo que o deixasse assinar o docu-

mento ou João pediu que Paulo assinasse o documento. Em um texto literário,

entretanto, muitas vezes, a ambiguidade é intencional, um recurso estilístico.

Analise, agora, a coerência e a unidade de uma redação de aluno apresenta-

da por Garcia (2010, p. 268):

Acabam de chegar a Cuba reforços militares da União Soviética para o regime comu-

nista de Fidel Castro. A condecoração de “Che” Guevara, um dos colaboradores castris-

tas, pelo ex-presidente Jânio Quadros, por afrontosa, escandalizou a opinião pública e

contribui para sua renúncia.

O professor explica que não há unidade nessa redação, pois o aluno cita vá-

rios assuntos distintos sem relacioná-los explicitamente. Qual a ideia central

desse parágrafo? Questiona-se. A chegada dos reforços, a condecoração, o es-

118 • capítulo 4

cândalo da opinião pública ou a renúncia do presidente? Embora haja uma re-

lação histórica implícita entre as três personagens referidas, o estudante não

foi capaz de concatená-las. Verifique uma versão escrita pelo próprio professor

Othon Garcia (idem):

Acabam de chegar a Cuba reforços militares da União Soviética para o regime co-

munista de Fidel Castro. Pois foi a um dos colaboradores castristas — “Che” Guevara

— que o ex-presidente Jânio Quadros condecorou, escandalizou a opinião pública e

contribuindo para a sua própria renúncia.

Segundo o autor, ainda essa versão não está totalmente adequada, visto que

a ideia central não é a chegada de reforços, mas sim a condecoração. Uma rees-

crita enfim adequada à ideia central seria:

Com a chegada a Cuba de reforços militares da União Soviética para o regime co-

munista de Fidel Castro, a condecoração de “Che” Guevara pelo ex-presidente Jânio

Quadros — gesto que talvez tenha contribuído para sua renúncia — torna-se ainda mais

afrontosa à opinião pública.

1.2.1 A unidade do parágrafo e o uso da ordem direta

A clareza de um texto está diretamente ligada à construção frasal. Ao ela-

borar uma frase, o escritor precisa planejá-la de forma que todos os elementos

possam ser recuperados com rapidez e facilidade. Tudo na língua é referência,

as palavras se referem umas às outras no texto para a construção de um todo

significativo.1

Uma relação essencial na frase é a estabelecida entre o verbo e o sujeito.

Muitas frases são obscuras porque essa relação não fica nítida. De acordo com

a tradição gramatical da língua portuguesa, o sujeito pode ser omitido em con-

1 As seções de 4.2.1 a 4.2.4 foram retiradas de: CORDEIRO, M.B. G. Produção Textual I. Ribeirão Preto: Uniseb/Estácio, 2015.

capítulo 4 • 119

textos em que sua referência esteja clara. Essa possibilidade de omitir o sujei-

to deve-se ao fato de que a desinência verbal o indica . Contudo, no português

atual, principalmente na linguagem falada espontaneamente, o paradigma

flexional vem se alterando, conforme atestam inúmeros estudos linguísticos.

Antes, havia seis pessoas (eu, tu, ele, nós, vós, eles) e uma desinência para cada

uma delas, atualmente, há apenas três desinências distintas, como se ilustra a

seguir:

Eu falo

Você fala

Ele/ela Fala

A gente fala

Vocês/Eles falam

CONEXÃO

Acesse o link indicado a seguir e leia um artigo que trata da realização do sujeito no portu-

guês brasileiro.

http://www.orbilat.com/Languages/Portuguese-Brazilian/Studies/Subject_realization.htm

Devido a essa alteração no paradigma flexional, a tendência é a de expres-

sar o sujeito, e não o omitir. Mas a dificuldade não ocorre nas frases escritas

em ordem direta e com sujeito expresso por substantivo, como em: “O gato

pulou o muro”; não há grande dificuldade para o falante reconhecer o sujeito:

“o gato”.

A dificuldade ocorre quando a relação com o referencial se dá de forma

indireta, por meio de um elemento intermediário: um pronome ou a própria

pessoa gramatical, como em: “Este só sabe falar, não faz nada!”; “O meu é me-

lhor!”; “Saíram cedo!”; “Qual é o ideal?”. Nesses exemplos dados, só há clare-

za se a relação sujeito-predicado estiver clara e bem definida. A quem “este, o

meu, saíram e qual” se referem? Somente o contexto pode indicar.

120 • capítulo 4

Os seguintes contextos podem esclarecer a relação sujeito-predicado des-

sas expressões: “Pedro e João fizeram um ótimo discurso ontem, mas este só

sabe falar, não faz nada”; “Carlos possui um ótimo celular, mas o meu é me-

lhor!”; “Os estudantes que saíram cedo perderam essa explanação”; “Tenho

dois tipos de tecido, qual é o ideal?”.

1.2.2 A clareza e a ordem direta

A estrutura SVC, apresentada no capítulo anterior, também é conhecida

como “ordem direta” na língua portuguesa. Conforme observamos, ela não é

fixa, pode ser alterada em função do estilo do autor, do seu objetivo etc. A or-

dem inversa costuma ser usada em gêneros literários, como na poesia, crônicas

literárias, contos, romances etc.

Sautchuk (2011, p. 32) afirma que, embora no texto poético a ordem inversa

apresente função expressiva, estilística, em textos referenciais (cujo objetivo é

a transmissão do conteúdo de forma clara e direta), tal ordem deve ser evitada,

pois prejudica a clareza.

Segundo a autora, é impossível negar a beleza de uma frase poética como:

“Menino, fui, como os demais, feliz”, mas também, não se pode negar a falta de

clareza em: “Da verdade aqueles funcionários todos muito honestos você pode

acreditar que sabiam” (Sautchuk, 2011, p. 33).

Contudo, ela nos adverte também que a ordem inversa é comum e usual na

língua em certos tipos de construção, como a que ocorre com os verbos intran-

sitivos (VI). Nesses casos, a ordem inversa não compromete a clareza. Como

ilustração, apresenta os exemplos:

Ordem inversa: “Intensamente, brilhava o sol.”

Advérbio VI Sujeito

Ordem direta = “O sol brilhava intensamente”

Sujeito VI adverbio

1.2.3 A concisão, a objetividade e a clareza

capítulo 4 • 121

Certamente, você já ouviu dizer que para escrever bem, é preciso ser obje-

tivo e conciso, mas pode-se perguntar: como escrever com concisão e objetivi-

dade? A resposta é simples: destaque as ideias essenciais; corte informações

totalmente supérfluas; evite a repetição de palavras desnecessárias; foque-se

no assunto principal e use a precisão vocabular evitando a redundância.

Sautchuk (2011, p. 83) apresenta os seguintes exemplos de termos redun-

dantes que, embora sejam comuns na linguagem espontânea, devem ser evita-

dos no texto escrito:

a) Criar mais de um milhão de empregos novos (só se pode criar o novo);

b) Elo de ligação (todo elo serve para ligar);

c) Superávit positivo (se é superávit, já é positivo);

d) Surpresa inesperada (não é surpresa se for esperada);

e) Fica a seu critério pessoal (se é seu, só pode ser pessoal);

f) Velhas tradições (não há tradições novas);

g) Acabamento final (todo acabamento é dado sempre no final);

h) O general do exército ficou num beco sem saída (só há generais no exérci-

to e todo beco é sem saída).

Eliminando a redundância, tem-se:

a) Criar mais de um milhão de empregos;

b) Elo;

c) Superávit esperado/animador;

d) Surpresa emocionante/decepcionante;

e) Fica a seu critério;

f) Tradições renovadas;

g) Acabamento excepcional;

h) O general ficou num beco sem respostas.

(SAUTCHUK, 2011, p. 83)

A autora apresenta outro exemplo interessante de redundância, em que o

autor, talvez por não dominar o assunto, apenas repete as ideias, não informan-

do nada de novo:

“O Brasil possui uma população altamente miscigenada, tornando-o um

país com uma imensa mistura de raças. Esta mistura de raças faz com que o

122 • capítulo 4

país possua pessoas completamente diferentes umas das outras” (apud SAUT-

CHUK, 2011, p. 84).

Nesse exemplo, não há informações novas, pois o autor fala a mesma coisa

com outras palavras, criando um “conteúdo circular”, totalmente deselegante

e desnecessário.

Uma das formas de se evitar a redundância e o conteúdo circular é usar a

propriedade vocabular e a exatidão de sentido. A impropriedade vocabular e a

imprecisão de sentido decorrem do desconhecimento dos sentidos da palavra

ou do fato de a pessoa acreditar que sabe o que o termo significa e por isso, são

comuns textos como os que seguem:

a) A amostra cultural será no salão nobre do palácio do governo. (Amostra é

uma porção, uma parte representativa de algo, “amostra grátis”; mostra que é

exposição de obras artísticas em geral);

b) As novelas cada vez mais trazem cenas exóticas, impróprias para meno-

res de idade. (Exóticas = excêntricas, extravagantes; eróticas = relativas ao amor

sensual ou sexual);

c) Existem cenas violentas que intuem a agressividade dos jovens. (Intuem=

do verbo “intuir”, significa “deduzir por intuição”; mais adequado seria inci-

tam, estimulam).

d) O rapaz caiu, depois que foi almejado na cabeça. (Almejado= desejado;

“alvejado” seria o correto).

Para não cometer tantas inadequações como estas, consulte sempre o dicioná-

rio, e para evitar a repetição de termos, use sinônimos.

capítulo 4 • 123

A revisão do texto é essencial para obter clareza, concisão e unidade.

Outro aspecto relacionado ao vocabulário na composição do texto é o uso

de neologismos e estrangeirismos, também discutido por Sautchuk (2011, p.

90). O neologismo consiste no processo de criação de novas palavras na língua.

A todo tempo, surgem novas palavras decorrentes das transformações sociais,

do desenvolvimento tecnológico e também devido à criatividade dos falantes.

Nos textos informais, conversas espontâneas, mensagens de celular, se

houver intimidade com o receptor, não há problemas em usar essas criações;

entretanto, nos textos que exigem formalidade, clareza e precisão, é preciso ter

cautela ao usar neologismos e também estrangeirismos (termos de outras lín-

guas).

Dessa forma, não é adequado, em gêneros como: artigos científicos, confe-

rências, redação oficial, dissertações de vestibular e outros o uso de neologis-

mos e estrangeirismos, quando há o termo equivalente em português. Tanto

que Sautchuk (2011, p. 91) apresenta uma lista de neologismos que devem ser

evitados:

Neologismos:

Otimizar

Contabilizar

Agudizar

Problematizar

Quantificar

Priorizar espaços

Equacionar

124 • capítulo 4

Alavancar

Embasar

Conscientizar-se

Termos preferíveis:

Aumentar, melhorar

Calcular, somar

Intensificar, complicar

Indagar, debater

Somar

Destacar

Apresentar

Apoiar, sustentar, impulsionar

Fundamentar

Conhecer

1.2.4 Informações secundárias e a clareza

As ideias suplementares, como o próprio nome indica, visam complemen-

tar, especificar, ampliar, aperfeiçoar ou esclarecer a ideia principal, explica

Sautchuk (idem).

Ao lado de uma ideia principal como “Um grande número de pessoas preci-

sará de ajuda emocional”, pode-se acrescentar informação suplementar como:

“Em algum momento de sua vida” em diversas posições, observe:

Posição 1: informação suplementar à esquerda da ideia principal:

“Em algum momento de sua vida, um grande número de pessoas precisará

de ajuda emocional.”

Posição 2: intercalada à ideia principal:

a) “Um grande número de pessoas, em algum momento de sua vida, preci-

sará de ajuda emocional”.

b) “Um grande número de pessoas precisará, em algum momento de sua

vida, de ajuda emocional”.

capítulo 4 • 125

Posição 3: no final da ideia principal:

“Um grande número de pessoas precisará de ajuda emocional, em algum

momento de sua vida”.

(SAUTCHUK, 2011, p. 33).

A opção “a” da segunda posição não prejudica tanto a clareza como “b”, que

quebra bruscamente a ordem direta (SVC); O leitor espera que após o sujeito

e o verbo venha o complemento, mas não é isso que ocorre. Excetuando-se os

gêneros textuais que não priorizam a clareza, como os poéticos, por exemplo,

o produtor de um texto deve preferir a ordem direta, dispondo as informações

adicionais à esquerda ou à direita da ideia principal. Sautchuk nos ensina que a

escolha da disposição (à direita ou à esquerda) depende da ênfase que o escritor

quer conferir a essa informação adicional.

Você deve imaginar que toda informação localizada no início da frase é con-

siderada mais relevante pelo receptor, pois é retida em sua memória mais fa-

cilmente. Observe a mudança de sentido decorrente da posição nos exemplos

a seguir:

a) Inconformado com a repercussão das notícias, o superintendente da em-

presa pediu demissão logo que chegou do exterior.

b) Logo que chegou do exterior, o superintendente da empresa pediu demis-

são, inconformado com a repercussão das notícias.

c) O superintendente da empresa pediu demissão, logo que chegou do exte-

rior e inconformado com a repercussão das notícias.

(SAUTCHUK, 2011, p. 37).

Além da ordem, Sautchuk nos adverte que quando escrevemos, devemos

nos preocupar também com o número de informações suplementares ou aces-

sórias acrescidas à ideia principal. Para discutir esse assunto, apresenta o se-

guinte enunciado:

126 • capítulo 4

Na última semana, uma de nossas colegas de trabalho, a do setor de planejamento finan-

ceiro, sofreu, na parte da manhã, em virtude da imprudência de alguns colegas que insis-

tem em jogar cascas de frutas no chão, um grave acidente. (SAUTCHUK, 2011, p. 38).

Leu com atenção? Conseguiu depreender a ideia essencial rapidamente?

Provavelmente sua resposta foi negativa, não é? Isto porque o emissor acres-

centou muitas informações secundárias (na última semana, a do setor de pla-

nejamento financeiro, na parte da manhã, em virtude da imprudência de al-

guns colegas que insistem em jogar cascas de frutas no chão) ao primordial:

“Uma de nossas colegas de trabalho sofreu um grave acidente”.

Com base nesse exemplo, a estudiosa recomenda que, ao escrever, o emis-

sor selecione as informações verdadeiramente úteis, como “em virtude da im-

prudência de alguns colegas que insistem em jogar cascas de frutas no chão” e

descarte as informações desnecessárias ao objetivo, como “na última semana,

a do setor de planejamento financeiro, na parte da manhã”.

Por fim, declara: “É preciso estabelecer um equilíbrio entre detalhes rele-

vantes ou não e uma escolha criteriosa de posição e de número de acessórios

num único período.” (ibidem). Também é essencial que se determine a exten-

são dessas informações suplementares.

Para finalizar a discussão sobre a quantidade de ideias suplementares, Sau-

tchuk discute o seguinte texto:

“O cineasta americano, John Ronald, especializado em roteiros de terror - o mais famoso

deles, Vampiros covardes, que se transformou em filme de grande sucesso - chegou on-

tem ao Brasil, logo cedo.” (SAUTCHUK, 2011, p. 38)

Para analisar o que é dispensável e o que é essencial, a autora propõe os se-

guintes questionamentos:

1) O que é dispensável? (logo cedo)

capítulo 4 • 127

2) Quais são as informações suplementares? (especializado em roteiros de

terror - o mais famoso deles, Vampiros covardes, que se transformou em filme

de grande sucesso; ontem; ao Brasil).

3) Quais são as informações suplementares de outra ideia suplementar? (o

mais famoso deles, Vampiros covardes, que se transformou em filme de grande

sucesso).

4) Qual a ideia central? (O cineasta americano chegou ontem ao Brasil).

Sautchuk (2011, p. 39) apresenta duas versões mais claras e objetivas:

a) O cineasta americano, John Ronald, especializado em roteiros de terror,

chegou ontem ao Brasil.

b) John Ronald, especializado em roteiros de terror, chegou ontem ao Bra-

sil. O cineasta americano é autor de Vampiros covardes, que se tornou filme de

grande sucesso.

Diante desses exemplos, ficou claro que para escrever com clareza, além

de se priorizar a ordem direta, deve-se evitar acrescentar um grande número

de informações secundárias que, se forem importantes, devem vir após a ideia

principal.

1.3 Coesão e coerência

A coesão textual é definida como o conjunto de recursos linguísticos res-

ponsáveis pelas ligações que são estabelecidas entre os termos de uma frase,

entre as orações de um período e entre os parágrafos de um texto. Segundo Pla-

tão e Fiorin (2006, p. 370), “a ligação, a relação, a conexão entre as palavras,

expressões ou frases do texto chama-se coesão textual”.

Para Halliday e Hansan (1976 apud KOCH, 1990, p. 17), a coesão “ocorre

quando a interpretação de algum elemento no discurso é dependente de outro.

Um pressupõe o outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodifi-

cado a não ser por recurso ao outro.”. Alguns dos principais elementos coesi-

vos são: pronomes, numerais, conjunções, advérbios, classificados como itens

gramaticais e outros itens lexicais, como se observa no trecho a seguir do artigo

“Rogai por nós”, do professor Pasquale Cipro Neto:

128 • capítulo 4

Quero falar de um texto que não é propriamente laudatório. Refiro-me a uma oração cris-

tã, a Ave-Maria, dedicada à mãe de Cristo, portanto à "mãe" de todos os seguidores Dele.

Quero tratar duma questão linguística específica – as formas de tratamento empregadas

nessa conhecidíssima oração cristã.

Começo por "Bendita sois vós entre as mulheres". Por que o emprego do pronome "vós",

da segunda do plural, se o ser a que se refere o trecho é apenas um ("Maria")? O "Hou-

aiss" diz que esse pronome indica "aqueles a quem se fala ou escreve" (o exemplo é "Vós

sois bons"). Certamente não é esse o caso da "Ave-Maria", oração em que se verifica um

emprego muito específico desse pronome pessoal, o de indicar uma divindade, um santo

etc.

Não é por acaso que noutra oração cristã, o "Pai-Nosso", temos o mesmo fato ("que

estais no céu"). A forma "estais", da segunda do plural do presente do indicativo de "es-

tar", refere-se a um "vós" subentendido, que, por sua vez, se refere ao Pai, que também

é um só. É isso que explica o adjetivo "bendita", no singular, em "Bendita sois vós en-

tre as mulheres". Embora "vós" e "sois" estejam no plural, o ser ao qual esses termos

se referem é do singular. (Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pas-

quale/2015/05/1625784-rogai-por-nos.shtml> Acesso em: 13 de maio de 2015).

O texto escrito por Pasquale apresenta inúmeros recursos de coesão tanto

gramaticais (como preposições, advérbios, conjunções e pronomes), como le-

xicais, termos estes que ao retomarem, ligarem ou anteciparem informações,

concatenam as ideias do texto conferindo-lhe unidade semântica, sentido, ou

a “coerência”. A conjunção “portanto”, ao relacionar os segmentos do texto,

estabelece a relação de conclusão, por exemplo. A expressão “desse pronome”

retoma “vós”; “mesmo fato” substitui uma grande porção textual, em que o au-

tor explica que na oração da “Ave-Maria” usa-se o pronome “vós” para se referir

a apenas um ser, “Maria” etc. Tais exemplos ilustram a afirmação de que, no

texto, “tudo é relação”.

Se os elementos de coesão fossem retirados do texto de Pasquale, por exem-

plo, ele ficaria sem sentido, incoerente; então, nos textos referenciais, utilitá-

rios, a coesão determina a coerência. Por outro lado, em textos literários, a apa-

capítulo 4 • 129

rente falta de coesão na superfície textual não prejudica a coerência, pois esta

pode ser recuperada por elementos extratextuais, como a situacionalidade, a

historicidade, o foco, o conhecimento prévio, a intertextualidade e outros fato-

res de coerência. A coesão trata, portanto, da união dos elementos linguísticos

menores para gerar a unidade textual maior, a coerência.

Analise como a má conexão entre as partes do texto pode prejudicar seu

sentido:

“Muito se tem discutido sobre a eutanásia no Brasil nos últimos anos, exis-

te um projeto de lei no qual está sendo votado para que seja legalizada esse

procedimento, esse assunto já está gerando muitas polêmicas e confusões,

pois não envolve valores jurídicos, e sim religiosos, éticos, morais, sociais e

ideológicos”. Embora haja elementos coesivos nesse texto, como preposições,

pronomes e conjunções, as palavras e frases não estão bem conectadas, entre

“anos e existe”, a vírgula não estabelece nenhuma relação semântica (de cau-

sa, consequência, explicação, por exemplo); “no qual” não está adequado, pois

não conecta bem “um projeto” a “votado”; a falta de concordância entre “seja

legalizada” e “esse procedimento” também prejudica a coesão e a coerência.

Por fim, o uso do advérbio “não” pressupõe, nesse contexto, um termo que

indique restrição “não envolve apenas, somente valores jurídicos”, mas tam-

bém religiosos etc. Esse caso ilustra que não basta simplesmente usar elemen-

tos conectivos para ligar, amarrar o texto, é preciso utilizar os elementos corre-

tos nos lugares adequados. Uma possível reescrita do parágrafo de forma mais

coesa seria: “Muito se tem discutido sobre a eutanásia no Brasil nos últimos

anos, tanto que existe um projeto de lei que está em votação para legalizá-la.

Esse procedimento está gerando muitas polêmicas e confusões, pois não en-

volve apenas valores jurídicos, mas também religiosos, éticos, morais, sociais

e ideológicos.” A segunda versão ficou mais coesa e coerente? Mais fácil de

entender? Espero que sim! Agora que você já conhece a importância da coesão,

deve aprender seus mecanismos.

1.3.1 Mecanismos de coesão

Há basicamente dois movimentos de relação no texto, o movimento de reto-

mada, denominado “referenciação” e o movimento de progressão, conhecido

130 • capítulo 4

como “sequenciação” (KOCH, 1990). Entre os procedimentos de retomada (re-

missão) ou referenciação, os principais são:

a) Referência (pessoal, demonstrativa, comparativa; há total identificação

com o item pressuposto); “Ave-Maria e Pai Nosso são duas orações muito co-

nhecidas. Ambas fazem uso do vós”. O numeral “ambas” retoma “Ave-Maria e

Pai Nosso”, havendo total identificação entre eles.

b) Substituição (nominal, verbal, frasal); “Na Ave-Maria, usa-se a forma ver-

bal rogai, já no Pai-Nosso, estais. Isso ocorre porque a primeira está no impera-

tivo e a segunda, no presente do indicativo”. Observe que o pronome indefinido

isso não se refere a um termo específico, mas substitui uma porção maior de

texto; não há, portanto, total identificação entre “isso” e os elementos substi-

tutos.

c) Elipse (nominal, verbal, frasal); “O Pai nosso é universal, a Ave-Maria não

Ø”. O símbolo indica uma omissão de todo o predicado, “A Ave-Maria não é

universal”.

d) Parte da coesão lexical: reiteração, uso de sinônimos, hiperônimos (no-

mes genéricos, como maquiagem, por exemplo), hipônimos (nomes específi-

cos, como: batom, por exemplo), nomes genéricos, expressões nominais defi-

nidas etc. No texto “Rogai por nós”, Pasquale usa a expressão nominal definida

“nessa conhecidíssima oração cristã” para retomar a “Ave-Maria”.

A reiteração pode ocorrer das seguintes formas:

• Repetição do mesmo item lexical geralmente enfatiza o termo repetido.

O fogo acabou com tudo. A casa estava destruída. Da casa não sobrara nada.

• Uso de sinônimos

A criança caiu e chorou. Também o menino não fica quieto!

A médica fez uma boa escolha. Ninguém melhor que a doutora para decidir

sobre o melhor momento do parto.

• Uso de hipônimos:

Não tomo muito remédio (hiperônimo); às vezes, uma Neosaldina (hipônimo).

Esses são alguns elementos que, ao retomar palavras, frases, orações, co-

nectam as partes do texto formando um todo. A seguir, apresenta-se o principal

mecanismo para fazer a informação do texto progredir, portanto, um elemento

de coesão sequencial:

capítulo 4 • 131

a) Conjunção ou conexão: uso de conjunções e outros elementos conectivos

que, ao unirem orações, parágrafos, estabelecem relações lógico-semânticas,

como, por exemplo:

-Aditiva: e

-Adversativa: mas, porém, contudo, entretanto, a despeito de...

-Causal: devido, pois...

-Temporal: antes, depois, após...

-Continuativa: por conseguinte, dessa forma...

As conjunções, advérbios, preposições, locuções conjuntivas e prepositivas,

além de outros recursos linguísticos, podem também indicar a direção argu-

mentativa de um texto. Serão apresentados, a seguir, alguns desses recursos

expostos por Tomasi e Medeiros (2014, p. 282 a 293).

1.3.2 Operadores argumentativos

a) Operadores que assinalam argumento mais forte de uma escala orienta-

da para determinada conclusão: até, mesmo, até mesmo, inclusive, nem mesmo

(se a escala for em sentido negativo), ao menos, pelo menos, no mínimo;

b) Operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão:

e, também, ainda, nem, não só... mas também, tanto... como, além de, além disso,

a par de, aliás...

c) Operadores que traduzem uma conclusão: portanto, logo, por conseguinte,

pois, em decorrência, consequentemente etc.

d) Operadores que introduzem argumentos alternativos que conduzem a

conclusões diferentes ou opostas: ou, então, quer... quer, seja...seja.

e) Operadores que estabelecem relações de comparação: mais que, menos

que, tão... como.

f) Operadores que traduzem uma justificativa: porque, que, já que, pois.

g) Operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões

contrárias: mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, embora, ainda

que, posto que, apesar de que.

h) Operadores que introduzem no enunciado argumentos pressupostos: já,

ainda, agora.

i) Marcadores de pressuposição: ficar, começar a, passar a, deixar de, continu-

ar, permanecer, tornar.

132 • capítulo 4

(TOMASI e MEDEIROS, 2014, p. 282 a 293).

1.4 A coerência

Coerência é sinônimo de adequação! Se o texto faz sentido para quem fala/

escreve e para que ouve/lê, ele pode ser chamado de coerente.

Segundo Ferreira e Pellegrini (1999, p .220, apud CORDEIRO, 2015), a coe-

rência textual é um processo que inclui dois fatores:

• o conhecimento que o produtor e o receptor têm do assunto tratado no texto, determina-

do por sua visão de mundo, sua classe social, profissão, idade, escolaridade etc.

• o conhecimento que eles têm da língua que usam: tipo de texto, vocabulário, recursos

estilísticos etc.

Koch e Travaglia (1993, p.50) explicam que:

O texto será incoerente se seu produtor não souber adequá-lo à situação, levando em

conta intenção comunicativa, objetivos, destinatário, regras socioculturais, outros elemen-

tos da situação, uso dos recursos linguísticos etc. Caso contrário, será coerente.

Assim, podemos pensar que a coerência está relacionada à organização do

texto como um todo (subentendem-se as delimitações de início, meio e fim) e à

adequação da linguagem ao tipo de texto.

Para completar, é importante ressaltar que situações diferentes geram pos-

sibilidades distintas de construção de coerência, por exemplo, em um texto

narrativo, há uma lógica temporal que deve ser respeitada, além disso, uma

personagem não pode praticar uma ação que seja incompatível com sua ida-

de. Por outro lado, podemos pensar em uma situação diferente, por exemplo,

a produção de texto dissertativo, no qual o dissertador deve ser cauteloso para

não cair em contradição ou apresentar ideias discrepantes com a realidade; em

outras palavras, a coerência está vinculada a outros elementos do discurso.

capítulo 4 • 133

Outro dado relevante sobre a coerência é que ela não se encontra no

texto, mas a partir dele, com base na situação comunicativa (fatores prag-

máticos, cognitivos, interacionais e semânticos). Portanto, constrói-se pelo

leitor com base em seus conhecimentos prévios, trata-se de um princípio de

interpretabilidade.

ATIVIDADE

1- Coloque (V) ou (F):

a) Para obter unidade, é preciso manter-se dentro do tema proposto do começo ao fim de

seu texto. ( );

b) Para escrever com clareza, deve-se facilitar o entendimento para o receptor, evitando a

ambiguidade e a obscuridade, procurando construir o texto com simplicidade e clareza. ( )

c) A prolixidade é uma qualidade que deve ocorrer em detrimento da concisão; deve-se

recorrer a muitas palavras para exprimir poucas ideias, isto é sinal de riqueza vocabular. ( )

d) O texto precisa ter coesão, as palavras na frase e as frases no texto não devem se ligar

aleatoriamente. Elas obedecem a uma ordem. Ser coerente é saber ordenar as frases segun-

do a ordem das ideias e dos fatos que você deseja representar. ( )

e) A correção consiste na observância da pauta de convenções habitualmente seguidas

pelas classes cultas. O erro no uso da língua materna faz desabar sobre quem o comete

(principalmente ao escrever) pesada sanção social. ( )

2- Analise as frases a seguir e observe como os problemas de coesão prejudicam a coerên-

cia. Reescreva as frases corrigindo as inadequações.2

a) Embora vestidos iguais para o evento, com terno escuro e gravata vermelha, eles também

apresentaram diferenças em relação a políticas de ação afirmativa.

b) Mesmo assim, um clima perigoso está surgindo em Washington, que os últimos eventos

tendem apenas a alimentar mais.

c) Os últimos ataques de Israel renderam 200 palestinos mortos.

LEITURA

Para aprofundar seus conhecimentos em coesão, recomendamos a leitura do livro de Inge-

dore Koch, uma das principais estudiosas sobre o tema no país:

2 Disponível em <http://revistalingua.com.br/textos/62/artigo248996-1.asp> Acesso em: 14 de maio de 2015.

134 • capítulo 4

Koch, I. Coesão Textual. São Paulo: Contexto, 1990.

REFLEXÃO

Esperamos que após a leitura deste capítulo, você não tenha apenas se detido à nomen-

clatura dos diferentes tipos de coesão, mas que, sobretudo, tenha adquirido consciência da

necessidade de usar a coesão ao elaborar seus textos. Procure, na prática, diversificar os

recursos coesivos, usando ora pronomes, numerais, advérbios, sinônimos, expressões nomi-

nais definidas e outros itens que concatenam as ideias do texto. Nos textos referenciais, a

coesão determina a coerência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORDEIRO, M. B. G. Produção textual I. Ribeirão Preto: Estácio, 2015.

DALLIER, L. C. Comunicação e expressão. Ribeirão Preto: UNISEB, 2011

GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Var-

gas, 2010.

KOCH, I. Coesão Textual. São Paulo: Contexto, 1990.

KOCH, I. G. V. e ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Con-

texto, 2008.

LIMA, B. C.; SILVA, H. T. A construção do texto pelo parágrafo. Filologia. Disponível em:

http://www.filologia.org.br/ixcnlf/10/03.htm Acesso em: 01/02/2015.

SAUTCHUK, I. Perca o medo de escrever: da frase ao texto. São Paulo: Saraiva, 2011.

TOMASI, C. MEDEIROS, J. B. Redação empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

LEITURA E SIGNIFICAÇÃO

5

136 • capítulo 5

Inúmeras pesquisas divulgam, de maneira estrondosa, manchetes inusita-

das como: “O brasileiro não sabe ler”, por exemplo. Muitos espantam-se com

títulos como esse, pois sabem que o analfabetismo no país diminuiu; entretan-

to, saber ler não significa compreender o texto. Muitos leem, mas não enten-

dem o que leram. Para que a leitura seja significativa, além do conhecimento

da língua, é preciso conhecimento de mundo, conhecimento dos processos de

criação dos diferentes gêneros textuais, das figuras de linguagem, da conotação

e da denotação, assuntos que exploraremos neste capítulo.

OBJETIVOS

• Ampliar a noção de texto;

• Observar as características do texto não verbal;

• Diferenciar a denotação da conotação;

• Analisar as diferenças entre o texto literário x não literário;

• Apresentar as figuras de linguagem como recursos de escrita.

REFLEXÃO

Você já leu um poema e não entendeu nada? Já se perguntou: “Quem foi o louco que criou

isso?”, ao observar uma arte contemporânea? Essas indagações ocorrem quando não com-

preendemos a função ou a significação da linguagem artística, seja ela verbal ou não verbal.

Você já refletiu sobre a importância da literatura e da arte? Qual a sua função? Qual o papel

social que elas desempenham? Por que o homem sempre escreveu sobre a realidade, sobre

o desconhecido? Ao estudarmos as características estruturais e temáticas do texto literário,

da conotação, observando as figuras de linguagem, esperamos compreender a essência da

literatura.

1 O Sincretismo de linguagens

Quem já se comunicou sem falar, usando apenas gestos e olhares? Acredito que

quase todos. Portanto, quem respondeu afirmativamente, já fez uso da lingua-

gem não verbal, definida como apropriação de imagens, figuras, cores dese-

nhos, símbolos, dança, tom de voz, postura corporal, pintura, música, mímica,

capítulo 5 • 137

escultura e gestos usados como meios de comunicação. Até mesmo os animais

comunicam-se por meio de gestos e atitudes; os cachorros, por exemplo, ao ba-

lançarem a cauda de alegria, ao emitirem um olhar conquistador, ao abaixarem

a cabeça de tristeza e dor, estão se

comunicando por meio da lingua-

gem não verbal e surpreendendo

seus donos.

Já a linguagem verbal acontece

quando fazemos uso da escrita ou

da fala para nos comunicarmos,

lembrando que a comunicação

ocorre quando produtor e receptor compreendem mutuamente as mensagens.

A linguagem verbal, assim como a não verbal, está presente em nosso cotidia-

no, nas notícias, artigos de opinião, reportagens, bulas de remédio, receitas etc.

Em vários gêneros textuais e em diferentes situações de comunicação, usamos

tanto a linguagem verbal (falada ou escrita) como a não verbal simultaneamente.

Pense em uma conversa cotidiana, você fala e usa as mãos, gesticula, emite sons,

olha de forma diferente etc. Todos esses recursos não verbais integram-se à lin-

guagem, formando, configurando o sincretismo na linguagem. Portanto, o sincre-

tismo é definido como o emprego simultâneo da linguagem verbal e não verbal.

O discurso sincrético encontra-se

presente com maior frequência na

maioria dos textos veiculados pelos

meios de comunicação de massa.

Outro importante aspecto para

compreender a significação da linguagem é a diferença entre o texto literário e

o não literário.

2 O texto literário e o não literário

Compreender a diferença entre um texto literário e não literário é essen-

cial não apenas para interpretação, mas também para a produção textual. Pode

contribuir até mesmo para despertar o gosto e o prazer pela leitura.

O requisito para compreender a essência de um texto literário é conhecer

o esquema da comunicação e as funções da linguagem. Um texto literário não

Olhares, gestos, imagens, cores e símbolos, ao transmitirem mensagens, constituem linguagem não verbal

A linguagem não verbal facilita e dinamiza a comunicação.

138 • capítulo 5

tem o objetivo de um texto referencial (centrado no conteúdo, transmite-o de

forma clara e concisa), mas sim o de um texto emotivo (centrado nas emoções,

sentimentos e visão de mundo do emissor), ou o de um poético (centrado na

mensagem, na forma como ela é construída), ou de um metalinguístico (cujo

foco está no próprio código), por exemplo.

FUNÇÃO REFERENCIAL

OU DENOTATIVA

Centra-se no conteúdo da mensagem, buscando transmitir in-

formações objetivas sobre ela. Essa função é predominante em

textos científicos e jornalísticos, essencialmente informativos, tais

como: artigo de opinião, notícia, reportagem, receita, informativo

etc. Para estes textos, o assunto, o conteúdo é mais importante

do que a forma, do que a maneira como o autor transmitirá tais

dados.

FUNÇÃO EXPRESSIVA OU EMOTIVA

Seu objetivo é demonstrar o sentimento do emissor. Por expressar

seus sentimentos, o uso da 1ª pessoa do singular (eu), de interjei-

ções e de exclamações é frequente. Tal função é encontrada prin-

cipalmente em biografias, memórias, poesias líricas, cartas de amor

e músicas.

FUNÇÃO CONATIVA OU APELATIVA

Essa função procura organizar o texto de forma a que se imponha

sobre o receptor da mensagem, persuadindo-o, seduzindo-o. Nas

mensagens em que predomina essa função, busca-se envolver o

leitor com o conteúdo transmitido, levando-o a adotar este ou aque-

le comportamento. A própria denominação dessa função já auxilia

em seu entendimento, nela, há o apelo para convencer o receptor,

por isso, textos tipicamentes apelativos são as propagandas que

tentam convencer o leitor a adquirir um produto ou serviço. Devido

a esse apelo, é frequente a referência ao leitor por meio de tu e

você, ou pelo nome da pessoa, além do uso de vocativos e da forma

imperativa dos verbos.

capítulo 5 • 139

FUNÇÃO FÁTICA

A palavra fático significa “ruído, rumor”. Foi utilizada inicialmente

para designar certas formas que se usam para chamar a atenção

(ruídos como psiu, ahn, ei). Essa função ocorre quando a mensa-

gem se orienta sobre o canal de comunicação ou contato, bus-

cando verificar e fortalecer sua eficiência, como ocorre nas sauda-

ções, nas ligações telefônicas, por exemplo.

Leia o poema A criança, do célebre escritor português Fernando Pessoa, e

observe como seu objetivo não é transmitir uma informação sobre a criança. O

mais importante não é o conteúdo, não é abordar a imaginação da criança em

si, mas emocionar o leitor, fazê-lo refletir sobre a imaginação infantil, admirar

a organização e composição textual etc. É por isso que, na linguagem literária,

a ênfase está no como se diz e não no que se diz, ou seja, o foco é no plano da

expressão (PE, também chamado de nível formal) e não no plano do conteúdo

(PC). Platão e Fiorin (2006, p. 353) resumem os principais aspectos da lingua-

gem em função estética, característica do texto literário: “plurissignificação,

desautomatização, conotação, relevância no plano da expressão e intangibili-

dade da organização linguística”.

A Criança (Fernando Pessoa)

A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas

Age como um deus doente, mas como um deus.

Porque embora afirme que existe o que não existe

Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,

Sabe que existir existe e não se explica,

Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,

Sabe que ser é estar em um ponto

Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

(Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/pe000003.pdf>

Acesso em: 14 de maio de 2015)

CONCEITO

Desautomatização

Criação de novas relações entre as palavras.

140 • capítulo 5

Além dos elementos da comunicação e das respectivas funções da lingua-

gem, há outros critérios que auxiliam a distinguir um texto literário de um uti-

litário. Embora os critérios possam ser questionáveis e ora aplicáveis, ora não,

é possível apresentá-los como elementos distintivos, tal como fizeram Platão e

Fiorin (2006, p.349).

capítulo 5 • 141

2.1 Principais critérios para distinção entre o texto literário e o não literário

a) O tema dos textos literários e dos utilitários

Não existem, segundo Platão e Fiorin (2006), temas exclusivos da literatura

“nem avessos ao seu domínio”; por isso, tal critério não deve ser usado como

único elemento de distinção. No entanto, sabemos que alguns temas, como o

amor, a paixão, o ódio, enfim, os sentimentos humanos, são mais abordados

com frequência na literatura e de uma forma mais poética. Isso não impede

que sejam abordados de forma utilitária em pesquisas, estudos etc.

b) O caráter ficcional dos textos literários e o não ficcional dos textos utilitários

A maioria dos textos literários constitui obras ficcionais, recriando a realidade.

Já o texto não literário interpreta aspectos da realidade efetivamente, não a re-

cria, aborda-a como ela é.

c)A função dos textos

Segundo os estudiosos, atualmente, diz-se que os textos literários têm fun-

ção estética (belo), ao passo que os não literários apresentam função utilitá-

ria (informar, explicar, documentar, convencer...). No entanto, Platão e Fiorin

(2006, p. 350) questionam-se: em que consiste a função estética? Na função

estética, há a preocupação com o plano da expressão (sons), exemplificada

pelos autores com a seguinte frase de Oswald: “E tia Gabriela sogra grasna-

deira grasnou graves grosas de infâmia” (apud PLATÃO E FIORIN, 2006, p.

350). Neste enunciado, a forma, o plano da expressão (o trabalho com o som

explorado pela aliteração de gr) simboliza, representa o caráter enfadonho e

desagradável da personagem. Por isso, para compreender um texto literário,

é preciso fruí-lo, isto é, “perceber essa recriação do conteúdo na expressão

e não meramente o conteúdo; é entender os significados dos elementos da

expressão.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 351).

142 • capítulo 5

d)Intangibilidade

O texto literário seria intangível, intocável, dele não poderíamos alterar uma

palavra sequer ou mesmo resumi-lo. Assim, a intangibilidade não permite que

troquemos palavras e façamos substituições ou inversões no enunciado lite-

rário, pois a forma é muito importante, e se alterada, o texto pode perder sua

beleza. Valéry (apud PLATÃO E FIORIN, 2006, p.351) afirma que “quando se faz

um resumo do texto não literário, apreende-se o essencial; quando se resume o

literário, perde-se o essencial”. Já o texto utilitário pode ser resumido tranquila-

mente, pois a ênfase está no conteúdo e não na forma, essencialmente.

Por fim, pode-se apontar a conotação como característica básica da lingua-

gem literária e a denotação como recurso típico da linguagem utilitária. Mas

você se lembra bem de como funcionam a conotação e a denotação?

3 A construção do significado no texto: a conotação e a denotação

Uma mesma palavra pode assumir valores semânticos diferentes, tudo de-

pende da intenção do emissor e da habilidade linguística do receptor. No tra-

balho de construção do significado, o emissor pode usar diversos recursos que

estão disponíveis na língua para assegurar um texto mais envolvente e signifi-

cativo, dentre eles, estudaremos as linguagens conotativa e a denotativa e as

figuras de linguagem.

É da aplicação desses recursos que o texto pode ter mais valores agregados,

construídos, e esse enriquecimento semântico o diferencia de tantos outros

textos produzidos sem maior preocupação e envolvimento. Em outras palavras,

a utilização de tais recursos faz com que o texto tenha maior qualidade.

1Ao ouvirmos uma palavra, percebemos um conjunto de sons (o significan-

te ou plano da expressão), que nos faz lembrar de um conceito (o significado ou

plano do conteúdo). A denotação é “o resultado da união existente entre o sig-

nificante e o significado ou entre o plano da expressão e o plano do conteúdo”.

1 Os conteúdos das seções “5.3 e 5.3.1” foram retirados de: DALLIER, L. C. Comunicação e expressão na escrita. Ribeirão Preto, Uniseb, (ano???), p. 1-8 e GAMEIRO, M. B. Produção textual. Ribeirão Preto, Uniseb, 2010.

capítulo 5 • 143

A conotação, por sua vez, “resulta do acréscimo de outros significados paralelos

ao significado de base da palavra, isto é, outro plano de conteúdo pode ser com-

binado ao plano da expressão” (ACD/UFRJ, s/d).

Na conotação, ao se acrescentar outro plano de conteúdo ao plano da ex-

pressão ou significante, haverá impressões, valores afetivos e sociais, negativos

ou positivos, reações psíquicas que um signo evoca. Isso implica dizer que “o

sentido conotativo difere de uma cultura para outra, de uma classe social para

outra, de uma época a outra”. Assim, é possível constatar que “as palavras se-

nhora, esposa, mulher denotam praticamente a mesma coisa, mas têm conte-

údos conotativos diversos, principalmente se pensarmos no prestígio que cada

uma delas evoca” (ACD/UFRJ, s/d).

As palavras poderão, então, apresentar sentido denotativo ou referencial

e valor conotativo ou figurado. A palavra terá valor referencial ou denotativo

quando for “tomada no seu sentido usual ou literal, isto é, naquele que lhe atri-

buem os dicionários; seu sentido é objetivo, explícito, constante”. Por outro

lado, a palavra terá valor conotativo quando evocar outras realidades ou ideias

por associações que ela provoca.

Nos textos literários, é muito comum predominar o valor conotativo, figura-

do ou subjetivo, enquanto nos textos não literários, predomina o valor denota-

tivo, literal ou objetivo. Não se trata, porém, de uma regra ou de algo absoluto,

já que você encontra palavras com valor conotativo em textos não literários e

palavras com valor denotativo em textos literários.

Veja o exemplo de texto jornalístico no qual aparecem expressões com sen-

tido conotativo:

EXEMPLO

“A maré de lama está se transformando em tsunami e invadindo o Congresso Nacional, des-

moralizando ainda mais os parlamentares. (Entre-Rios Jornal Online, 2007).

Nesse exemplo, “maré de lama” e “tsunami” apresentam sentidos que não

correspondem ao sentido denotativo ou literal dessas palavras. Houve um

acréscimo de significado, com o segundo significado tendo relação com o sen-

tido literal atribuído à palavra.

Desse modo, “a alteração de sentido pelo acréscimo de um novo significado

deriva de uma relação que o produtor do texto vê entre o significado usual e o

144 • capítulo 5

novo”. A relação entre o sentido denotativo e o novo sentido pode ser de dois ti-

pos: semelhança (intersecção) ou contiguidade. A relação de semelhança entre

o significado de base e o sentido que é acrescentado pode ser encontrada nas

metáforas. A relação de contiguidade na qual, por exemplo, se usa a causa pelo

efeito ou a parte pelo todo, pode ser encontrada nas metonímias (PLATÃO &

FIORIN, 2003, p. 157).

Segundo Ullmann (1977, apud Britto, 2010), “as palavras nunca são com-

pletamente homogêneas: mesmo as mais simples e as mais monolíticas têm

um certo número de facetas diferentes que dependem do contexto e da situa-

ção em que são usadas (...)”. Esta possibilidade que as palavras têm de adqui-

rir diversos sentidos está intimamente relacionada às figuras de linguagem.

Dessa maneira, a polissemia é característica básica da fala humana, confor-

me Ulmann, que cita algumas maneiras em que ela pode ocorrer:

1Mudança de aplicação: (...) as palavras têm certo número de aspectos diferen-

tes, de acordo com o contexto em que são usadas.

2Especialização em um meio social: (...) a mesma palavra pode adquirir um certo

número de sentidos especializados, dos quais um só será aplicável em deter-

minado meio.

3

Linguagem figurada: (...) uma palavra pode adquirir um ou mais sentidos figura-

dos sem perder o seu significado original. (...)

(Ullmann, 1977: 330-331, apud BRITTO. Disponível em: <http://www.filologia.

org.br/ixfelin/trabalhos/pdf/18.pdf>. Acesso em: jul. 2010).

Analise mais um caso de polissemia encontrado em anúncios por Britto:

“O SportTV vai passar a Copa em tela de cinema.

Já os outros canais vão passar o maior aperto.”

Nesta propaganda, “passar” gera a polissemia, destacando a transmissão da

SporTV, pois tem o sentido de “transmitir”, “exibir”. Já na segunda frase, “pas-

sar” apresenta o sentido de estar em momento de dificuldade. Britto destaca que

esse sentido só é identificado graças à expressão metafórica da qual a propagan-

capítulo 5 • 145

da em questão se utilizou: “passar aperto”. E, assim, iniciamos a discussão so-

bre as figuras de linguagem, que alteram o sentido de uma palavra ou expressão.

Em função de o valor conotativo das palavras apresentarem, geralmente, al-

gumas dificuldades, você vai estudar, na seção a seguir, as figuras de linguagem,

em cuja maioria há exemplos de conotação ou alteração de sentido nas palavras.

3.1 Figuras de Linguagem

Agora, estudaremos algumas das mais importantes figuras de linguagem, as

mais recorrentes. Elas estão divididas em três grupos: campo fonolexical, que

diz respeito ao som da palavra; campo morfossintático, que trata das palavras na

estrutura oracional e, enfim, o campo semântico-discursivo, que estuda o signi-

ficado de uma palavra ou de uma oração dentro de um determinado contexto.

3.1.1 Campo fonolexical

Aliteração

É a repetição de um mesmo som consonantal. Trata-se de um recurso estilísti-

co muito utilizado nos poemas, pois contribui para a intensificação da musica-

lidade dos versos.

EXEMPLO

“Acho que a chuva ajuda a gente a se ver” (Caetano Veloso)

“Toda gente homenageia Januária na janela” (Chico Buarque)

O trecho abaixo reproduzido de “Violões que choram”, de Cruz e Souza, é

um dos mais utilizados para ilustrar a repetição de consoantes, ou seja, a alite-

ração, observe:

146 • capítulo 5

Vozes veladas, veludosas vozes,

Volúpias dos violões, vozes veladas,

Vagam nos velhos vórtices velozes

Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

(Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 01 ago. 2010)

Nas parlendas e travalínguas, a repetição de consoantes também é frequen-

te. Observe:

EXEMPLO

O sabiá não sabia

Que o sábio sabia

Que o sabiá não sabia

assobiar.

Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/gramatica/1192161

CONCEITO

As parlendas e trava-línguas são manifestações da cultura oral e popular brasileira, represen-

tadas por contos, lendas, mitos do folclore e adivinhas. Algumas parlendas constituem-se de

palavras sem nexo ou coerência, apenas para explorar o caráter lúdico da sonoridade.

Assonância

É a repetição de sons vocálicos em uma sequência linguística.

EXEMPLO

Sou ou Ana, da cama

da cana, fulana, bacana

Sou Ana de Amsterdam. (Chico Buarque)

Leia um trecho do poema abaixo, intitulado: Café com pão, de Manuel Bandeira

capítulo 5 • 147

Café com pão

Café com pão

Café com pão

Virgem Maria que foi isto maquinista?

Agora sim

Café com pão

Agora sim

Café com pão

Voa, fumaça

Corre, cerca

Ai seu foguista

Bota fogo

Na fornalha

Que eu preciso

Muita força

Muita força

Muita força

Oô.. (…)

Disponível em: <http://www.literaturaemfoco.com/?p=135>. Acesso em: 20 jul.

2010)

Esperamos que com a leitura de parte do poema, você tenha imaginado o som

de um trem em movimento, pois foi esse o objetivo do poeta modernista ao repetir

consoantes (aliteração) e vogais (assonância), como em: ca, com, pão, mui... Este

exemplo demonstra também que é comum a assonância vir combinada à alitera-

ção, como ocorre em: “Na prece que emudece, engrandece e enaltece.”

COMENTÁRIO

Como se trata de um poema muito conhecido, você encontrará análises literárias de Trem de

ferro na internet, pesquise nos principais sites de busca.

Eco

É a repetição intencional e sucessiva de finais vocabulares idênticos.

148 • capítulo 5

EXEMPLO

Então, o menino doente, crente de que havia uma valente serpente, saiu correndo pela

frente.

Em um texto utilitário, o eco pode ser visto como um vício de linguagem; as-

sim, os gramáticos tradicionais recomendam que se evitem construções como:

“É fundamental que se discuta um assunto nada banal na reunião semanal”.

Alguns livros didáticos incluem, por isso, o eco na seção de barbarismos ou ví-

cios de linguagens.

CONCEITO

Barbarismos são os erros de pronúncia, de grafia, de flexão, palavras malformadas, vocábulos

estranhos. O termo “barbarismo” originou-se do costume que Gregos e Romanos possuíam

de chamar bárbaros os estrangeiros que falavam mal, segundo seu critério, por falarem língua

estrangeira. O termo também foi utilizado para referir-se aos erros cometidos pelos estran-

geiros ao adaptarem ao seu idioma palavras e expressões de outra língua. (Disponível em:

<http://www.filologia.org.br/revista/artigo/7(19)14.htm>. Acesso em: 01 ago. 2010)

Novamente, o eco aparece nas parlendas, veja: “leite quente dá dor de dente

principalmente no dente da frente da gente”.

Onomatopéia

É a representação de um som ou ruído a partir de uma palavra, fonema ou con-

junto de palavras. As onomatopeias representam os ruídos, gritos, canto de

animais, sons da natureza, barulho de máquinas, o timbre da voz humana e,

normalmente, são conhecidas universalmente.

COMENTÁRIO

O tique-taque do relógio não me deixa dormir.

Toc-toc, quem bate à porta?

O grilo faz cri-cri.

capítulo 5 • 149

CURIOSIDADE

Algumas onomatopeias originam-se da língua inglesa, como por exemplo, smack!, do verbo

“to smack” que significa “beijar” e em português representa o som do beijo. Além deste, po-

demos citar outros exemplos, como crack! (to crack), quebrar, e crash! (to crash), espatifar.

Veja mais exemplos no link: http://www.sobrecarga.com.br/node/view/3480

O site Recanto das letras traz uma grande lista de onomatopeias organizada por ordem alfa-

bética, confira também: http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1561043

Nas tirinhas e histórias em quadrinhos, as onomatopeias são um recurso

extremamente utilizado, como podemos observar na tirinha abaixo, em que o

“z” indica o sono.

Fonte: http://palavrasdesever.wordpress.com/2009/01/05/cria-a-tu-propria-tira-de-ban-

da-desenhada/

Palíndromo

150 • capítulo 5

Pode ocorrer em palavras, como em “osso”, “ovo” e “radar”, ou mais dificilmen-

te em oração ou períodos. Ele ocorre quando se pode ler de frente para trás ou

de trás para frente uma palavra ou expressão, sem alterar o sentido, observe:

EXEMPLO

Socorram-me! Subi no ônibus em Marrocos.

A brincadeira com os palíndromos é mania de adulto, não só de criança,

na internet, você encontrará muitos exemplos. Pesquise nos principais sites de

busca e até mesmo em blogs que a diversão será garantida!

Observem mais exemplos:

EXEMPLO

Anotaram a data da maratona

Assim a aia ia (à)a missa

A diva em Argel alegra-me a vida

A droga da gorda

A mala nada na lama

(Disponível em: <http://obviousmag.org/archives/2007/07/palindromos_da.html#ixzz-

0vMczi8DY>. Acesso em: 29 out. 2015)

Assim como ocorre nas parlendas, nos palíndromos também não há muita

preocupação com o sentido, mas sim com o som. Como dissemos no início, as

figuras de linguagem tornam o texto mais expressivo.

MULTIMÍDIA

Assista a “Palíndromo”, de Philippe Barcinski, um curta metragem muito criativo que irá ajudá

-lo a lembrar-se sempre que o palíndromo permite que se leia palavras ou exempressões de

traz para frente. É muito criativo e traz uma reflexão no final. No youtube você pode encontrar

o curta.

capítulo 5 • 151

Paronomásia

É a reprodução de sons semelhantes em palavras de significados diferentes. Em

nosso cotidiano, muitas pessoas utilizam um termo inadequadamente devido à

semelhança na forma que possui com outro vocábulo. É o caso de cumprimen-

to (ato de cumprimentar) e comprimento (extensão, grandeza); iminente (que

pode acontecer em breve) e eminente (alto, elevado, excelência). Na literatura,

porém, essas semelhanças na forma são exploradas com muita criatividade.

EXEMPLO

Num cumprimento inesperado

Saia num diminuto comprimento

Causou a ela constrangimento

(Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/430524>. Acesso: jul.

2010)

Minha alma é lavada, desencardida

E quem distratou a sua vida foi você

Desamarrada, desimpedida, desarmada

Voa livre pelo mundo até escurecer

(Paralamas do Sucesso)

Cacofonia

É uma palavra ridícula ou obscena, resultante da união de sílabas ou de pala-

vras vizinhas.

EXEMPLO

Ela tinha muito jeito. (latinha)

Vi ela hoje! (viela)

Me dê uma mão ("um mamão")

Olha a boca dela! ("cadela")

Acesse o link disponibilizado e se entretenha com uma série de cacófatos, os termos resul-

152 • capítulo 5

tantes dessa união de sons: (Disponível em: <http://pt.wikiquote.org/wiki/Cac%C3%B3fa-

tos>. Acesso: 14/05/2009).

É importante ressaltar que em um texto informativo (não literário), o uso de

cacófatos não é recomendado, visto que os gramáticos os consideram um vício

de linguagem, diferentemente do que ocorre na literatura, em que grandes es-

critores possuem “licença poética”.

CONCEITO

Licença poética é um termo usado para designar a permissão que escritores têm para co-

meter desvios gramaticais em relação à norma padrão. Normalmente, esses “erros” são de

regência, colocação ou concordância, como ocorre em: “beija eu”, em que o correto seria

“beija-me”. No entanto, a música de Arnaldo Antunes não teria a mesma sonoridade se obe-

decesse à norma padrão. A teoria literária ocupa-se dessa discussão. Para refletir melhor,

pesquise nos principais sites de busca, bem como em livros e revistas sobre o assunto.

3.1.2 Campo morfossintático

Como as figuras de linguagem abordadas neste item apresentam relação com

a disposição das palavras e suas funções, são consideradas pertencentes à mor-

fossintaxe, ou ao campo morfossintático, por isso, são também chamadas de

figuras de construção, ou ainda figuras sintáticas.

CONCEITO

A morfossintaxe estuda qual função sintática (sujeito, predicado, objeto, predicativo, com-

plemento nominal etc.) é desempenhada por uma classe morfológica (a morfologia divide as

palavras em classes gramaticais, como: substantivo, adjetivo, pronome...). Assim, averígua, por

exemplo, a função dos substantivos, veja as frases abaixo:

Lucas estuda no oitavo ano do EF.

Carla ama Lucas.

Na primeira frase, o substantivo “Lucas” desempenha a função de sujeito e, na segunda, de

capítulo 5 • 153

objeto, este seria um exemplo simplificado de uma análise morfossintática. Como as figuras

de linguagem abordadas neste item apresentam relação com a disposição das palavras e

suas funções, são consideradas pertencentes à morfossintaxe.

Anadiplose

É o uso de um mesmo vocábulo no fim de um verso ou frase e no início do enun-

ciado seguinte..

EXEMPLO

“Na simples e suave coisa”

“Suave coisa nenhuma” (Secos e Molhados)

Anáfora

É a repetição da mesma expressão no início de versos, períodos ou orações.

EXEMPLO

“Olha a voz que me resta / Olha a veia que salta / Olha a gota que falta” (Chico Buarque)

Epífora (epístrofe)

É a repetição de um mesmo vocábulo no final de sucessivos enunciados.

EXEMPLO

“Se a gente não fizesse tudo tão depressa

Se não dissesse tudo tão depressa” (Kid Abelha)

“Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última” (Chico Buarque)

154 • capítulo 5

Pleonasmo

É também um caso de repetição, mas uma repetição que envolve redundân-

cia de significado. No cotidiano, é difícil alguém que não tenha caído nas arma-

dilhas do pleonasmo vicioso, aquele em que se repete uma ideia por força do

hábito, como ocorre em: subir para cima, descer para baixo, olhar para ver, cair

um tombo, ou ainda, panorama geral e elo de ligação, entre inúmeros outros

que nem percebemos!

Um dos mais comuns é o uso concomitante de há e atrás, pois o verbo “ha-

ver” já indica tempo que passou, então, o uso de atrás é redundante, desneces-

sário: "Eu nasci há dez mil anos atrás“ (Raul Seixas).

Por outro lado, existem os pleonasmos literários, em que a repetição de

ideias configura-se como figura de linguagem. Nesse caso, seu uso é legitimado

pela Gramática, pois enfatiza ou dá mais clareza à expressão.

EXEMPLO

"Iam vinte anos desde aquele dia

Quando com os olhos eu quis ver de perto

Quanto em visão com os da saudade via."

(Alberto de Oliveira)

"Morrerás morte vil na mão de um forte." (Gonçalves Dias)

"Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal" (Fernando Pessoa)

"O cadáver de um defunto morto que já faleceu" (Roberto Gómez Bolaños)

"E rir meu riso" (Vinícius de Moraes)

"É o vento ventando" (Tom Jobim)

capítulo 5 • 155

CONEXÃO

Assim como os palíndromos, os pleonasmos também fazem sucesso na rede mundial de

computadores, faça sua pesquisa e selecione seus exemplos preferidos.

Elipse

É a omissão de um termo sintático da oração que pode ser facilmente identifi-

cado pelo contexto.

EXEMPLO

Quanta maldade na Terra.

Quanta maldade (há) na Terra.

Sobre a cama, apenas lembranças.

Sobre a cama, (restaram) apenas lembranças.

PRINCIPAIS CASOS DE ELIPSE:

APronome sujeito, sujeito oculto: necessitas de algo? (tu necessitas). As gramá-

ticas recomendam a elipse dos pronomes sujeitos, pois a desinência verbal já

indica a pessoa gramatical.

B substantivo – o Morumbi (o estádio Morumbi)

CPreposição - Estar bêbado, a camisa rota, as calças rasgadas (estar bêbado,

com a camisa rota, com as calças rasgadas)

156 • capítulo 5

D Conjunção - Espero você me entenda (espero que você me entenda)

E Verbo - Queria mais ao filho que à filha (queria mais o filho que queria à filha)

(Disponível em: <http://www.graudez.com.br/literatura/figling.htm>. Acesso em 14 mai.

2009)

Zeugma

É um tipo especial de elipse, em que se omite um termo já apresentado ante-

riormente.

EXEMPLO

Vieram dois amigos. Um nada trouxe, o outro, esperanças.

Precisarei de vários ajudantes, de um (ajudante) que seja capaz de fazer a instalação elétrica

e de outro (ajudante) para parte hidráulica pelo menos.

Ele foi às cinco, eu, (fui) às três!

O zeugma pode ser utilizado em comparações também, como demonstra o

exemplo: “Alguns amam, outros não!”.

A vírgula é usada em muitas situações para marcar a omissão do termo.

Assíndeto

É também um tipo especial de elipse em que se omite o conectivo (síndeto =

conectivo).

EXEMPLO

Peguei fila, furei greve

puxei saco, subi na vida

Em ambos os versos, pode-se dizer que houve a omissão do conectivo, no caso

a conjunção e: peguei fila e furei greve; puxei saco e subi na vida. Mas neste último,

capítulo 5 • 157

os conectivos portanto, por isso, desta maneira também poderiam ser usados.

Veja um trecho de Graciliano Ramos, dado por Sérgio (2009) em que o assín-

deto é explorado, pois a ausência de conectivos é grande:

“Luciana, inquieta, subia à janela da cozinha, (e) sondava os arredores, (e) bradava com

desespero, até ouvia duas notas estridentes, (e) localizava o fugitivo, (e) saía de casa.”

As conjunções entre parênteses mostram onde elas foram omitidas, desta-

cando que esta omissão tem valor expressivo e confere maior dinamicidade e

velocidade à leitura do texto.

Polissíndeto

É o oposto do assíndeto; nela há a repetição de uma conjunção coordenativa.

EXEMPLO

E peguei fila, e furei greve,

e puxei saco, e subi na vida.

Se fôssemos acrescentar conectivos no trecho da obra de Graciliano Ramos,

teríamos: “Luciana, inquieta, subia à janela da cozinha e sondava os arredores e

bradava com desespero, até ouvia duas notas estridentes, e localizava o fugitivo,

e saía de casa.”

É importante ressaltar que na literatura, a repetição de mesma conjunção

causa um efeito expressivo, mas em textos não literários devemos utilizar diver-

sas conjunções para evitar a repetição.

Anacoluto

É a interrupção da construção iniciada, prosseguindo a frase de outra maneira;

como consequência, o início antecipa e coloca em evidência uma ideia importante.

EXEMPLO

“ Os três reis orientais... é tradição da igreja que um era preto”. (Vieira)

158 • capítulo 5

No segundo exemplo, percebe-se claramente uma alteração da disposição

gramatical na estrutura da frase. Tal mudança de rumo na frase é frequente na

oralidade, em que o planejamento é simultâneo à produção, e pode ser vista

como um erro. Contudo, no texto literário serve para enfatizar uma expressão.

Silepse ou Concordância Ideológica

É a concordância de termos da oração levando em conta a ideia e não as pala-

vras em si. Ela recebe este nome, pois a concordância é com o conteúdo que a

palavra expressa e não com a forma em si. Existem três tipos de silepse:

Silepse de número:

EXEMPLOHavia uma multidão ali, e gritavam.

No exemplo acima, a concordância é de número, pois a palavra “multidão”

está no singular e o verbo, que deveria concordar com ela no mesmo número

(singular), está no plural concordando com a ideia, com o sentido de multidão

(plural) e não com sua forma (singular).

O grupo musical Ultraje a Rigor utiliza-se da silepse, em sua música Inútil

para expressar sua indignação e enfatizar a ignorância do povo que não sabe,

segundo eles, nem ao menos escolher seu presidente.

“A gente não sabemos

Escolher presidente

A gente não sabemos

Tomar conta da gente”

(Disponível em: <http://letras.terra.com.br/ultraje-a-rigor/49189/>. Acesso em ago.

2010)

capítulo 5 • 159

Disponível em: Época 26/07/2010, nº 636.

Ressaltamos que a silepse é aceita em textos literários e propagandas que

trabalham com a criatividade; porém, em textos utilitários e científicos costu-

ma ser evitada. Na propaganda acima, o autor utilizou “a gente não sabe” na

primeira oração e na segunda, como a expressão foi omitida, flexionou o verbo

no plural: (a gente) “fizemos o jornal ideal”. A silepse foi usada aqui para refor-

çar que toda a equipe esforçou-se (ou seria esforçaram-se? Pense!) para produ-

zir o melhor jornal para o leitor.

Silepse de gênero:

Quando se diz “São Paulo está cada dia mais agitada.” há uma concordância

com a ideia que a palavra expressa: a cidade, por isso, o adjetivo está no femini-

no também: agitada.

Com o pronome de tratamento “Vossa excelência”, a silepse é corriqueira,

pois tal pronome é feminino, mas as palavras que o acompanham flexionam-se

no feminino ou masculino, como por exemplo, em:

Vossa Excelência está bonito hoje.

Se fosse concordar com a forma da palavra, no feminino, teríamos:

160 • capítulo 5

Vossa Excelência está bonita hoje.

Silepse de pessoa:

EXEMPLO

Os brasileiros festejamos a vitória da seleção.

A pessoa gramatical refere-se ao uso da 1ª, 2ª e 3ª pessoa do singular e plu-

ral respectivamente: eu, tu e ele - nós, vós e eles. Desta forma, a frase acima

exemplifica um caso de silepse de pessoa, em que o autor se inclui entre os bra-

sileiros (que seria terceira pessoa: eles) e por isso, flexiona o verbo na primeira

do plural: nós.

Hipérbato

É a inversão da ordem sintática direta (sujeito + verbo + complementos).

EXEMPLO

“Enquanto manda as ninfas amorosas grinaldas nas cabeças pôr de rosas.” (Camões)

“Essas vólucres amo, Lídia, rosas" (Ricardo Reis)

3.1.3 Campo semântico discursivo

O campo semântico refere-se à significação dos termos e expressões. Assim, as

figuras a ela relacionadas dizem respeito ao significado dos termos.

Comparação

É o cotejo subjetivo de dois elementos semelhantes em que os termos de com-

paração (como, feito, assim como, tal, tal qual,...) aparecem explícitos. Observem

os exemplos que Chico Buarque nos dá:

capítulo 5 • 161

“Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único

Subiu a construção como se fosse máquina”

Nos exemplos seguintes, percebemos também os elementos de compara-

ção explícitos:

Ele trabalha como um cavalo.

A leitura é como uma chave, que abre diversos caminhos para a vida.

Metáfora

A metáfora é uma das figuras de linguagens mais utilizadas nos mais diver-

sos gêneros textuais e também no cotidiano, pois expressa, com maior ênfase,

as comparações implícitas que fazemos.

É definida como o uso de um termo com um sentido que lhe é associado

pelo emprego de uma comparação subjetiva que fica subentendida (não apa-

rece expressa). Em outras palavras, é, na verdade, uma comparação abreviada,

implícita (o elemento comparativo não está expresso).

EXEMPLO

Lá fora, a noite é um pulmão ofegante.

Naquele domingo, ele era um cavalo trabalhando.

A leitura é a chave para a escrita.

Repare que os dois últimos exemplos expressam sentidos semelhantes aos

de comparação dados acima, mas estes últimos são considerados metáforas,

pois os elementos de comparação estão implícitos.

Platão e Fiorin (2006) apresentam a seguinte definição:

162 • capítulo 5

“Metáfora é, pois, a alteração do sentido de uma palavra, pelo acréscimo de um signifi-

cado segundo, quando entre o sentido de base e o acrescentado há uma relação de se-

melhança, de intersecção, isto é, quando eles apresentam traços semânticos comuns.”

Por exemplo, o cavalo é um animal conhecido por sua força, que sempre

acompanhou o homem em seu trabalho, por isso, quando dizemos que fula-

no é um cavalo, estamos atribuindo um novo sentido não literal a esta palavra.

Fora de um contexto, dizer que alguém é um cavalo pode significar ainda, popu-

larmente, que ele seja mal-educado.

A metáfora é muito comum também em propagandas, como o anúncio

abaixo ilustra:

Disponível em: Época 26/07/2010, nº 636, p.81

capítulo 5 • 163

No texto em destaque, lemos:

“Sabe quem está completando 100 anos hoje?

A tranquilidade da sua família”

Em menor destaque, tem-se:

“100 anos da Sociedade Brasileira de Pediatria. Uma homenagem da Nestlé a quem

cuida do que há de mais valioso na sua vida.”

Da leitura dos trechos acima se depreende que a “tranquilidade” constitui

uma metáfora para a “Sociedade Brasileira de Pediatria”.

Para Jubran (1972, apud SANDMAN, p.13):

“o processo metafórico capta com mais eficácia a atenção do leitor, preenchendo o

objeto básico da propaganda: o de provocar, através da elaboração da mensagem, o

estranhamento do leitor e aí, fazer com que ele se interesse pelo texto, e consequen-

temente, pelo que é propagado. Causar estranhamento no leitor não é só função da

metáfora ou metonímia ou ainda da linguagem figurada em geral.”

Para finalizar a discussão sobre a metáfora, apresentamos o exemplo da

cruz dado por Sandmann (2005). Para o autor, como a imagem da cruz (+) guar-

da semelhança com o objeto, é um ícone. Já a palavra cruz no texto: “Essa tarefa

é uma pesada cruz para mim”, seria uma metáfora, sinônimo de sofrimento.

Aqui, vale introduzir uma análise feita pelo professor Dallier sobre a metá-

fora e a metonímia nos textos.

A metáfora nos textos

A metáfora pode ser entendida como uma alteração de sentido da palavra por

meio do acréscimo de um segundo significado, com uma relação de semelhan-

ça ou de intersecção entre o sentido que é acrescentado e o sentido de base,

apresentando traços semânticos comuns.

Veja alguns exemplos de metáforas, encontradas em manchetes de uma re-

vista, reproduzidas por Abreu (2004, p. 90):

164 • capítulo 5

EXEMPLO

A economia brasileira na corda bamba.

A política do feijão-com-arroz do ministro [...] é essencial, mas é importante adicionar alguns

ingredientes para que façamos uma bela feijoada.

Sem controlar o déficit público, vamos ficar enxugando gelo com medidas paliativas.

A Rede Globo engatilhou, na sexta-feira passada, o que promete ser um de seus tiros mais

certeiros na guerra com o SBT pela audiência nas tardes de domingo.

As metáforas que aparecem nesses exemplos acabam tendo a função de cap-

tar no repertório ou experiência do leitor “uma imagem de que ele possa servir

para entender o conteúdo proposicional de um texto” (ABREU, 2004, p. 90).

Assim, você pode encontrar uma série de metáforas nos textos que circu-

lam na sociedade. Alguns autores até mesmo classificam os tipos de metáforas

mais comuns (JENSEN apud ABREU, 2004, p. 91-94). Veja alguns desses tipos:

a) metáfora médica: quando se compara, por exemplo, a sociedade ao corpo

humano (A saúde da economia brasileira não vai bem/O país ainda não saiu da

UTI/A violência é um sintoma da sociedade doente na qual vivemos);

b) metáfora de roubo: quando se comparam problemas ou perdas ao roubo (O

roubo da dignidade desse país dificilmente será reparado/Esta é uma socieda-

de aprisionada pelo medo);

c) metáfora de conserto: aplicada, por exemplo, a textos que se referem à res-

tauração ou reformas sociais (As trincas na base governista aumentam a cada

dia/A paz é o cimento que unirá essa sociedade);

d) metáfora da limpeza: usada, por exemplo, para comparações com atividades

ligadas à faxina ou à limpeza (É preciso passar o Brasil a limpo/Ainda é possível

encontrar entulhos autoritários neste país);

e) metáfora de percurso no mar ou em terra: quando se associa um problema

capítulo 5 • 165

ou sua resolução a uma jornada (O país encontrou o caminho certo, deixan-

do os atalhos perigosos/ Os políticos foram os primeiros a desembarcar des-

sa canoa furada);

f) metáfora de cativeiro: quando se fazem associações à privação de liberdade

(As pessoas tornaram-se escravas do consumo e reféns de seus desejos);

g) metáfora de parentesco: associações com a família (Este país não pode rejei-

tar seus próprios filhos);

h) metáfora pastoral: associações com atividades de um pastor de ovelhas (Pre-

cisamos de líderes religiosos que apascentem seus fiéis);

i) metáforas esportivas: relacionadas com os esportes (A oposição marcou um

autêntico gol contra).

Os exemplos poderiam se estender, mas é preciso tratar também da me-

tonímia.

2.2 A metonímia nos textos

A metonímia pode ser entendida como uma alteração de sentido da palavra ou

de uma expressão por meio do acréscimo de um segundo significado a partir

de uma relação de contiguidade, inclusão, implicação, interdependência ou

coexistência.

Veja alguns exemplos de metonímias:

a) Continente (ou o que está fora) pelo conteúdo (ou o que está dentro): Comi

dois pratos bem cheios. Duas taças já foram suficientes para ele levantar cam-

baleando;

b) Causa pelo efeito ou vice-versa: Comprei essa casa com muito suor e lágrimas;

c) Autor pela obra: Ler Camões é algo cada vez mais raro;

d) A marca pelo produto: Não encontrei Gillette nem Cotonete;

166 • capítulo 5

e) O lugar pelo produto: Tomar um Porto após o almoço era seu hábito;

f) A parte pelo todo: Estavam todos procurando um teto para morar;

g) O símbolo pelo objeto simbolizado: Ele já não é um de nós, pois abandonou

a cruz;

h) A classe pelo indivíduo: Essa decisão não afeta a credibilidade do Juizado

brasileiro.

A lista de tipos e exemplos de metonímias também poderia se estender, mas é

preciso apontar, agora, uma implicação da presença de metonímia em um texto.

A presença de metonímias num texto cria um plano de leitura metonímico,

ou seja, deve-se levar em conta o sentido metonímico que outros termos vão

ganhando no texto a partir de suas relações com as palavras ou expressões que

se constituem em metonímias. Isso também se aplica à presença de metáforas

no texto.

3. Catacrese

É uma metáfora desgastada, ou seja, uma comparação indireta que de tão usada

já caiu em domínio popular, deixando de ser dependente da subjetividade do

autor e do leitor.

EXEMPLO

Embarcar em um trem.

Pé da mesa.

Cabeça de alho

Asa da xícara literalmente! (ilustração: Roberto Kroll)

capítulo 5 • 167

Metonímia

Sandmann (2005, p.13) afirma que quando “o princípio que faz com que o signi-

ficante de um signo se refira a outro objeto ou referente tiver base na semelhan-

ça, teremos a metáfora, e, se esse princípio tiver base na relação de contiguida-

de, teremos a metonímia”. Por esta afirmação, percebemos que a metáfora e a

metonímia são semelhantes, porém, esta se refere especificamente à identida-

de entre o signo e o referente. Assim, a metonímia é a substituição de um termo

por outro, contudo, a relação entre esses termos não depende da subjetividade

do autor ou do leitor, mas da ligação objetiva que esses elementos mantêm na

realidade. Observe o que Sérgio (2009) afirma sobre essa proximidade entre tais

figuras de linguagem:

Numa comparação entre a metonímia e a metáfora, iremos verificar que a metáfora

fundamenta-se numa relação subjetiva (minha mãe é uma santa), isto é, num proces-

so interno, intuitivo, estritamente dependente do sujeito que realiza a substituição; ao

passo que a metonímia, o processo é objetivo, externo, pois a relação entre aquilo que

os termos significam é verificável na realidade externa ao sujeito que estabelece tal

relação (vela por barco a vela).

Vejamos os tipos de metonímia:

a) Causa pelo efeito, e vice-versa

Ex.: Ganhava a vida com o suor do rosto.

Beber a morte (morte efeito, veneno a causa).

b) Continente pelo conteúdo

Ex.: Bebi dois copos de cerveja.

c) Nome do lugar pela coisa nele produzida

Ex.: Tomamos Champagne no Natal.

Ir ao correio (correio, lugar; edifício, coisa).

d) Autor pela obra

Ex.: Não li ainda o Saramago novo.

Ler Augusto dos Anjos (o livro de Augusto dos anjos)

168 • capítulo 5

e) Parte pelo todo

Ex.: Não tenho um teto para morar.

f) O Concreto pelo Abstrato:

Ter ótima cabeça (= inteligência, abstrato).

g) O Abstrato pelo Concreto:

A juventude brasileira (juventude = jovens, concreto)

h) O Inventor pelo Invento:

Comprei um Ford (Ford, inventor; em vez do invento)

i) O Símbolo pelo Objeto Simbolizado:

Não te afastes da cruz (cruz = religião).

j) O Instrumento pela Pessoa que o utiliza:

Ele é um bom garfo (pessoa comilona)

Exemplos disponíveis em: http://recantodasletras.uol.com.br/teorialitera-

ria/226198 (acesso: ago. de 2010)

Sinédoque

Atualmente, inclui-se a sinédoque como um tipo especializado de metoní-

mia, porém alguns gramáticos ainda a trazem como um tipo especial, em que

há a relação de extensão. Assim, é definida como a substituição de um termo

por outro com a ampliação ou redução do sentido usual da palavra numa re-

lação quantitativa.

EXEMPLO

A cidade inteira invade os bares no verão. (as pessoas da cidade)

As chaminés trouxeram o desenvolvimento a São Paulo. (fábricas)

capítulo 5 • 169

Antonomásia

É um tipo especial de metonímia em que ocorre o emprego de uma qualidade,

de uma característica para nomear uma pessoa.

EXEMPLO

A Rainha dos Baixinhos (Xuxa)

O rei do futebol (Pelé)

A cidade Luz (Paris)

(Disponível em: <http://www.meganoivas.com.br/blogs/2009/02/10/viagem-de-lua-de-

mel/>. Acesso em ago. 2010)

Gradação

É a intensificação de uma ideia por meio de uma sequência de palavras, sinôni-

mas ou não, com efeito cumulativo.

EXEMPLO

Sussurrava, falava, gritava, berrava, mas de nada valiam seus esforços.

Eufemismo

É a utilização de uma linguagem mais amena com a intenção de abrandar uma

palavra ou expressão que possam chocar o interlocutor.

EXEMPLO

Bem, sua prova poderia estar pior...

O nobre deputado faltou com a verdade. (mentiu)

170 • capítulo 5

Hipérbole

É o uso de uma expressão que transmite exagero a uma ideia.

EXEMPLO

Chorei rios de lágrimas.

Já te pedi mais de mil vezes.

“Eu nunca mais vou respirar, se você não me notar, eu posso até morrer de fome se

você não me amar” (Cazuza)

Ironia

É um enunciado que pretende dizer algo contrário àquilo que sua expressão

revela; para tanto, torna-se fundamental o contexto.

EXEMPLO

Muito competente! Fez o projeto daquela ponte que liga nada a lugar nenhum.

(Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/>. Acesso em maio de 2009)

capítulo 5 • 171

Com base na leitura da tirinha acima, em que Calvin está procurando sua

jaqueta - embaixo da cama - e quando a encontra no armário, pergunta: “Quem

foi que colocou nesse armário estúpido???”, se alguém disser: “Calvin é organi-

zado”, certamente, tratar-se-á de uma ironia.

Antítese

É a aproximação de palavras com sentidos opostos.

EXEMPLO

“Abaixo - via a terra - abismo de treva!”

“Acima - o firmamento - abismo de luz!” (Castro Alves)

Paradoxo

É uma oposição simultânea, ou seja, duas características que se excluem mutu-

amente aparecem ao mesmo tempo em uma mesma frase.

EXEMPLO

Pagar para ver o invisível e depois enxergar

Apóstrofe

Esta figura ocorre quando há a invocação de um leitor/ouvinte ou de seres au-

sentes, inanimados, fantásticos ou abstratos.

EXEMPLO

Garoto, não faça isso novamente!

Neste exemplo, invocou-se um ser animado, o ouvinte: garoto, ocorrendo,

portanto, a figura denominada apóstrofe.

172 • capítulo 5

Observemos os belos versos, em que a Liberdade é invocada, interpelada,

havendo a apóstrofe.

“Liberdade, Liberdade,

Abre as asas sobre nós,

Das lutas, na tempestade,

Dá que ouçamos tua voz...” (Osório Duque Estrada)

Sinestesia

Segundo alguns gramáticos, é outro tipo especial de metáfora que consiste em

aproximar em uma mesma expressão sensações percebidas por sentidos dife-

rentes (tato, olfato, audição, paladar e visão).

EXEMPLO

Ouça Monet no MASP.

Para outros, a sinestesia nada mais é que a fusão dos diversos sentidos,

como demonstra o poema abaixo:

“Mais claro e fino do que as finas pratas

O som da tua voz deliciava...

Na dolência velada das sonatas

Como um perfume a tudo perfumava.

Era um som feito luz, eram volatas

Em lânguida espiral que iluminava

Brancas sonoridades de cascatas...

Tanta harmonia melancolizava.”

(Cruz e Souza)

Logo no segundo verso do poema, observa-se a fusão entre a audição (som

da tua voz) ao paladar, ao tato (deliciava); em “som feito luz” e “brancas sonori-

dades” temos a mistura da audição e da visão, uma associação muito inteligen-

te feita pelo autor para expressar seus sentimentos.

capítulo 5 • 173

Prosopopeia ou personificação

Este recurso é largamente utilizado em nosso cotidiano, não somente os po-

emas, mas as músicas, as propagandas e outros textos exploram esta figura.

Ela pode ser definida como a atribuição de características ou ações humanas a

seres inanimados ou irracionais.

EXEMPLO

“As plantas me espiam do jardim” (Titãs)

O poste espiava o namoro do casal.

O poste não possui olhos para enxergar literalmente, portanto, trata-se de

uma personificação, uma atribuição de característica de seres humanos a seres

inanimados.

ATIVIDADE

Exercícios disponíveis em:< http://www.coladaweb.com/questoes/portugues/figling.htm>

Acesso em: ago. de 2010

Resolva os exercícios a seguir e depois, confira o gabarito

01. (VUNESP) No trecho: "...dão um jeito de mudar o mínimo para continuar mandando o

máximo", a figura de linguagem presente é chamada:

a) metáfora

b) hipérbole

c) hipérbato

d) anáfora

e) antítese

02. (PUC - SP) Nos trechos: "O pavão é um arco-íris de plumas" e "...de tudo que ele suscita e

esplende e estremece e delira..." enquanto procedimento estilístico, temos, respectivamente:

a) metáfora e polissíndeto

b) comparação e repetição

c) metonímia e aliteração

174 • capítulo 5

d) hipérbole e metáfora

e) anáfora e metáfora

03. (PUC - SP) Nos trechos: "...nem um dos autores nacionais ou nacionalizados de oitenta

pra lá faltava nas estantes do major" e "...o essencial é achar-se as palavras que o violão pede

e deseja" encontramos, respectivamente, as seguintes figuras de linguagem:

a) prosopopeia e hipérbole

b) hipérbole e metonímia

c) perífrase e hipérbole

d) metonímia e eufemismo

e) metonímia e prosopopéia

04. (VUNESP) Na frase: "O pessoal estão exagerando, me disse ontem um camelô", encon-

tramos a figura de linguagem chamada:

a) silepse de pessoa

b) elipse

c) anacoluto

d) hipérbole

e) silepse de número

05. (ITA) Em qual das opções há erro de identificação das figuras?

a) "Um dia hei de ir embora / Adormecer no derradeiro sono." (eufemismo)

b) "A neblina, roçando o chão, cicia, em prece.” (prosopopeia)

c) Já não são tão frequentes os passeios noturnos na violenta Rio de Janeiro. (silepse de

número)

d) "E fria, fluente, frouxa claridade / Flutua..." (aliteração)

e) "Oh sonora audição colorida do aroma." (sinestesia)

06. (UM - SP) Indique a alternativa em que haja uma concordância realizada por silepse:

a) Os irmãos de Teresa, os pais de Júlio e nós, habitantes desta pacata região, precisaremos

de muita força para sobreviver.

b) Poderão existir inúmeros problemas conosco devido às opiniões dadas neste relatório.

c) Os adultos somos bem mais prudentes que os jovens no combate às dificuldades.

d) Dar-lhe-emos novas oportunidades de trabalho para que você obtenha resultados mais

satisfatórios.

e) Haveremos de conseguir os medicamentos necessários para a cura desse vírus insubor-

capítulo 5 • 175

dinável a qualquer tratamento.

07. (FEI) Assinalar a alternativa correta, correspondente às figuras de linguagem, presentes

nos fragmentos abaixo:

I. "Não te esqueças daquele amor ardente que já nos olhos meus tão puro viste."

II. "A moral legisla para o homem; o direito para o cidadão."

III. "A maioria concordava nos pontos essenciais; nos pormenores, porém, discordavam."

IV. "Isaac a vinte passos, divisando o vulto de um, para, ergues a mão em viseira, firma os olhos."

a) anacoluto, hipérbato, hipálage, pleonasmo.

b) hipérbato, zeugma, silepse, assíndeto.

c) anáfora, polissíndeto, elipse, hipérbato.

d) pleonasmo, anacoluto, catacrese, eufemismo.

e) hipálage, silepse, polissíndeto, zeugma.

08. (FEBA - SP) Assinale a alternativa em que ocorre aliteração:

a) "Água de fonte .......... água de oceano ............. água de pranto.” (Manuel Bandeira)

b) A gente almoça e se coça e se roça e só se vicia." (Chico Buarque)

c) "Ouço o tique-taque do relógio: apresso-me então." (Clarice Lispector)

d) "Minha vida é uma colcha de retalhos, todos da mesma cor." (Mário Quintana)

e) N.D.A.

09. (CESGRANRIO) Na frase "O fio da ideia cresceu, engrossou e partiu-se" ocorre processo

de gradação. Não há gradação em:

a) O carro arrancou, ganhou velocidade e capotou.

b) O avião decolou, ganhou altura e caiu.

c) O balão inflou, começou a subir e apagou.

d) A inspiração surgiu, tomou conta de sua mente e frustrou-se.

e) João pegou de um livro, ouviu um disco e saiu.

10. (FATEC) "Seus óculos eram imperiosos." Assinale a alternativa em que aparece a mesma

figura de linguagem que há na frase acima:

a) "As cidades vinham surgindo na ponte dos nomes."

b) "Nasci na sala do 3° ano."

c) "O bonde passa cheio de pernas."

d) "O meu amor, paralisado, pula."

e) "Não serei o poeta de um mundo caduco."

176 • capítulo 5

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

capítulo 5 • 177

ANOTAÇÕES